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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
“2 FILHOS DE FRANCISCO”:
Um fenômeno de público apoiado no
enraizamento cultural brasileiro
.
Sylvestre Luiz Thomaz Gonçalves Netto
São Paulo
2008
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2
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
“2 FILHOS DE FRANCISCO”:
Um fenômeno de público apoiado no
enraizamento cultural brasileiro.
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Comunicação da Universidade
Paulista - UNIP, para obtenção do título de
mestre em Comunicação, sob orientação do Prof.
Dr. Geraldo Carlos do Nascimento.
Sylvestre Luiz Thomaz Gonçalves Netto
São Paulo
2008
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3
SYLVESTRE LUIZ THOMAZ GONÇALVES NETTO
“2 FILHOS DE FRANCISCO”:
Um fenômeno de público apoiado no
enraizamento cultural brasileiro.
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Comunicação da Universidade
Paulista - UNIP, para obtenção do título de
mestre em Comunicação, sob orientação do Prof.
Dr. Geraldo Carlos do Nascimento.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Geraldo Carlos do Nascimento
Universidade Paulista - UNIP
_______________________________________
Profª Drª Bárbara Heller
Universidade Paulista - UNIP
_______________________________________
Prof. Dr. Adilson Ruiz
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação à Adélia, minha mãe, amiga e educadora, por
tudo que me amou, ensinou e educou, quando esteve conosco, e à Eliana,
minha esposa e companheira, que em momento algum me faltou, nos bons
e maus momentos.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Geraldo Carlos do Nascimento, pela competência, paciência e
bondade com que me conduziu ao longo desta jornada, fazendo fazer.
À Profa. Dra. Bárbara Heller, pelos ensinamentos, amizade e incentivo.
À Profa. Dra. Malena Segura Contrera, por tudo que me trouxe de novo.
À CAPES – PROSUP, pela bolsa que me foi concedida.
Agradeço ainda, a todos que de alguma maneira colaboraram na
execução deste trabalho.
6
Não há saber maior ou saber menor. Há saberes diferentes.”
Paulo Freire
“Nada na vida deve ser temido, somente compreendido.
Agora é hora de compreender mais, para temer menos.”
Marie Curie
“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
Cora Coralina
7
RESUMO
O tema do presente trabalho é a produção independente 2 filhos de
Francisco, e objetivou a análise das possíveis causas que o levaram a
conquistar a condição de líder de audiência dos filmes brasileiros
produzidos nos últimos vinte e cinco anos.
Sob a ótica comercial, trata-se de um produto singular na filmografia
brasileira, sua construção deve-se às figuras de Zezé Di Camargo e de
Luciano, dupla composta por irmãos, estrelas de primeira grandeza no
universo fonográfico brasileiro, detentores de resultados incomuns na
vendagem de discos.
Pautaram nossas análises, os processos externos e internos utilizados
na produção do filme. Dentre as ilações delas retiradas, merecem destaque
as mediações nele contidas, pautadas nas figuras dos sertanejos/retirantes
e na trajetória heróica de seus personagens, o esmero técnico de que está
revestido, e o suporte mercadológico que envolveu seu lançamento.
O primeiro capítulo trata dos caráteres mercadológicos que
compuseram o filme, analisando-os à luz das técnicas de marketing, e do
processo midiático que o acompanhou.
O segundo situa 2 filhos de Francisco na historiografia do cinema
brasileiro, analisa as figuras dos heróis nele contidas, e é finalizado com
um traço social do sertanejo nos dias atuais.
No capítulo final, o filme foi decomposto em seis etapas e organizado a
partir da tessitura da trilha sonora nas cenas que entendemos essenciais.
Dentre os vários trabalhos que nos serviram de instrumental teórico,
destacamos os estudos sobre as mediações de Jesús Martin-Barbero, o
texto de Ismail Xavier que versa sobre o discurso cinematográfico, e no
8
percurso do cinema brasileiro, Paulo Emílio Salles Gomes, Sidney Ferreira
Leite e Pedro Butcher. Quando tratamos da figura do herói, nos apoiamos
em Joseph Campbell, Lutz Müller, Junito de Souza Brandão, Sal Randazzo
e Malena Segura Contrera. Outros autores e estudiosos das áreas de
Comunicação, Sociologia e Mercadologia foram citados e contribuíram na
construção deste texto.
9
ABSTRACT
The topic of this paper is the independent movie production of “2 filhos
de Francisco” (The two sons of Francisco) and it intends to analyze the
possible causes which have taken this movie to capture a blockbuster
position among the movies produced in Brazil in the last 25 years.
As to the commercial aspect, it has become a unique product in the
Brazilian movie industry, and its success is attributed to Zezé de Camargo
and Luciano, the two brothers who sing country music together and are as
well top stars in the Brazilian music universe holding outstanding CD sales.
Our analysis is based on external and internal processes used for the
production of this film. Among the conclusions we should highlight the
mediations comprised in it based on characters from the backcountry/
migrants and their heroic paths taken by the movie characters, its technical
excellence and the marketing support committed to its release.
The first chapter is about the marketing characteristics comprised in the
movie, analyzing them under marketing techniques and under the media
process which followed.
The second chapter locates the film 2 filhos de Francisco” into the
Brazilian movie History, analyzing the hero roles in the story and it closes
with the analysis of the backcountry dwellers social traits nowadays.
In the final chapter, the film was divided into 6 parts and organized from
the soundtrack tessitura of the scenes we have considered most important.
Among the various papers who have provided us with the necessary
theory basis, we mention the studies on Jesús Martin- Barbero’s
mediations, on Ismail Xavier’s text which talks about the cinematography
10
discussion and on the Brazilian movie History by Paulo Emilio Salles
Gomes, Sidney Ferreira Leite and Pedro Butcher. We have based our hero
analysis on Joseph Campell, Lutz Muller, Junito de Souza Brandão, Sal
Randazzo and Malena Segura Contrera. Other authors and scholars on
Communication, Sociology and Marketing have been mentioned and
contributed to the construction of this text.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................12
CAPÍTULO 1 - AS RAZÕES DOSUCESSO
........................................19
1.1 Uma análise possível do processo mercadológico em 2 filhos
de Francisco.........................................................................................19
1.1.1 O composto mercadológico em 2 filhos de Francisco...............23
1.1.2 As variáveis internas do filme....................................................27
CAPÍTULO 2 - A FIGURA DO SERTANEJO NO CINEMA
BRASILEIRO E OS ELEMENTOS QUE APOIARAM O SUCESSO
COMERCIAL DE 2 FILHOS DE RANCISCO
.................................... 31
2.1 O sertanejo no cinema brasileiro..............................................31
2.2 O filme e seus heróis...............................................................36
2.3 A figura do sertanejo.................................................................45
CAPÍTULO 3 - A NARRATIVA FÍLMICA DE 2 FILHOS DE
FRANCISCO
.........................................................................................48
3.1 O rádio......................................................................................50
3.2 A gaita.......................................................................................53
3.3 A sanfona..................................................................................58
3.4 A figura ambígua do bem/mal...................................................66
3.5 A tragédia..................................................................................71
3.6 Zezé Di Camargo & Luciano.....................................................78
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................82
BIBLIOGRAFIA................................................................................................85
ANEXOS Letras da trilha sonora de 2 filhos de Francisco.......................... 91
12
INTRODUÇÃO
Os irmãos Lumiére criam na França, em 1895, o que se tornará a
sétima arte. Desde então, muito se escreveu, estudou, criticou,
articulou, previu, investiu, transformou e adaptou nesse fluxo
aparentemente interminável que é o cinema. Juan Droguett em seu
livro Sonhar de olhos abertos (2004), assim o define:
...Ele é o aparelho perfeito da mais antiga ilusão, da
sombra chinesa, da câmara escura, da lanterna mágica e da
fábrica de sonhos; códigos figurativos intensificados pela rica
perspectiva da fotografia associada ao movimento, à
duração, ao som e à vitalidade das cores. A “impressão de
realidade” que disso resulta parece realizar o sonho
positivista de armazenar e reproduzir o factual.
O cinema resistiu às mais variadas inovações tecnológicas no
campo da comunicação audiovisual, preservando o mérito de ser a
única arte nova no mundo novo.
Em seu primeiro estágio, adaptou-se e usou os modelos de
produção capitalista com a criação dos grandes estúdios, do processo
de distribuição massiva, com a cooptação das demais mídias (rádio,
jornal, revistas de atualidades e específicas) ao glamour do star
system.
No segundo, com o evento da televisão, proclamaram seu declínio
e fim; ele porém soube transpor esse obstáculo, fazendo desta sua
cliente, com resultados comerciais tão ou mais expressivos que em sua
vertente original, as salas de projeção. Hoje, não é incomum um filme
estrear na tela pequena para em seguida transformar-se em sucesso
de público e/ou de crítica no nobre palco da tela grande.
No presente estágio, na fluidez do tempo pós-moderno (BAUMAN,
2004), na era da iconofagia (BAITELLO Jr., 2005), na sedação dos
homens frente ao computador e à tv (ROMANO, 2006), sistemas que
13
inexoravelmente se tornarão híbridos com o advento da digitalização, o
cinema se mantém em alta, valendo-se desses meios para divulgá-lo,
para mantê-lo atual, para compor discussões e principalmente para
instigar seus receptores a consumi-lo, saciando-os com seus sonhos,
sua beleza e sua luz, entregando-lhes por meio de suas fantasias e
realidades, possíveis ou impossíveis, um sentido, que vem a ser seu
produto maior.
Seduzidos por essa trajetória, e dada a sua relevância e instigância,
escolhemos como objeto de análise o filme 2 filhos de Francisco,
direção de Breno Silveira (2005) pelo fato de ser a indústria
cinematográfica tratada prioritariamente pela “academia” sob o ponto
de vista estético, ideológico e filosófico, minimizando-se os aspectos de
marketing e de comercialização da mesma.
Se aceita como pertinente a afirmação de Martin-Barbero (1987)
que:
As pessoas vão ao cinema para se ver, numa seqüência de
imagens que mais do que argumentos lhes entrega gestos,
rostos, modos de falar e caminhar, paisagens, cores. Ao
permitir que o povo se veja, o cinema o nacionaliza...,
então também é verdade que há um espaço imenso a ser ocupado,
buscando atender a demanda de um país de 200 milhões de
habitantes, com 60% de sua massa populacional inserida nas camadas
D e E do “Critério de Classificação Econômica Brasil” (IBGE, 2000),
ávidos de se verem, com características e cotidianos próprios, em sua
identidade histórica, e não apenas com modelos importados, o que se
desenvolve de maneira sistemática.
Respaldados em dados históricos preliminares, e apoiados nos
textos clássicos Cinema: trajetória no subdesenvolvimento e Introdução
ao cinema brasileiro, o primeiro de Paulo Emílio Salles Gomes (1986) e
o segundo de Alex Viany (1983), e no recente Cinema brasileiro – Das
origens à Retomada de Sidney Ferreira Leite (2005), pode-se visualizar
a cinematografia brasileira disposta em pelo menos quatro estágios:
14
Do nascimento ao pré-getulismo;
Getulismo, pós-getulismo e os grandes estúdios, com destaque
para a Companhia Vera Cruz, Atlântida, Cinédia e Maristela;
O cinema novo;
A retomada/renovação, o cinema contemporâneo, no qual se
insere o já emblemático 2 filhos de Francisco como paradigma,
com os resultados alcançados, fruto de sua estrutura comercial.
Por si só este marco determina a importância do tema, encorpando-o
mais e mais se a ele juntarmos o recente “Se Eu Fosse Você”, filme de
2006 recordista de público em seu ano de lançamento, que levou às
salas de exibição 3.645.000 de espectadores
1
, sustentando a idéia, de
que dentre os mecanismos geradores de resultados economicamente
satisfatórios utilizados pelo meio, sem o charme do star system, está a
linkagem de atores “globais”
2
com a tela grande, transferindo o sucesso
momentâneo de um meio a outro, com roteiros que privilegiam a
trajetória do herói, elemento mítico que permeia desde sempre o
imaginário popular.
Fazendo o cinema parte do composto midiático que resulta na
chamada Indústria Cultural, compete-nos uma viagem ainda que
superficial às teorias que a definem.
Segundo Adorno (2002), em A indústria cultural e sociedade, a
expressão foi empregada pela primeira vez no livro Dialehtik der
Aufkläring, publicado por ele e Horkheimer em Amsterdã, no ano de
1947. Ainda em A indústria cultural, esse autor a define como:
... a integração deliberada, a partir do alto, de seus
consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há
milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo
de ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade
pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de
sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza
resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle
1
Fonte: adorocinema. cidadeinternet. com.br/filmes/se-eu-fosse-voce
2
Atores do sistema Globo de Televisão.
15
social não era total. Na medida em que nesse processo a
indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de
consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais
ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro,
mas um elemento secundário, um elemento de cálculo,
acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a
indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito
dessa indústria, mas seu objeto. O termo
mass media
, que
se introduziu para designar a indústria cultural, desvia, desde
logo, a ênfase para aquilo que é inofensivo. Não se trata
nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de
comunicação como tais, mas do espírito que lhes é
insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural
abusa da consideração com relação às massas para reiterar,
firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como
dada a priori, e imutável. É excluído tudo pelo que essa
atitude poderia ser transformada. As massas não são a
medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta
última não possa existir sem a elas se adaptar.
No texto Os paradigmas no ensino da comunicação: a transgressão
epistemológica de Cardoso (1991), o autor, quando trata da Escola de
Frankfurt e a “Indústria Cultural”,
faz a seguinte colocação:
O conceito
indústria cultural
tornou-se um mecanismo de
análise para interpretar os produtos culturais como
mercadorias em busca do seu espaço no mercado de
consumo. Esse enfoque impossibilitou a inteligibilidade, até
mesmo com certa normalidade, que no contexto das
sociedades de massa, os produtos culturais são, como
qualquer outro produto, dependentes da sustentação
material, assim como da lógica de mercado. A grande
vulnerabilidade teórica da escola é, sem dúvida, seu extremo
pessimismo em relação à sociedade tecnológica. No
universo da comunicação de massa nada se salva. O
cinema, a dimensão do
prazer artístico
, o humor e a
16
televisão pertencem a uma esfera de homens triviais, que se
perdem na busca e aceitação de uma
arte inferior
. Há,
portanto, no pensamento dos frankfurtinianos, com exceção
de Benjamin, uma visão aristocrática da cultura, que se nega
a aceitar a existência de uma pluralidade de experiências
estéticas e de maneiras distintas de se fazer arte e de usá-la
socialmente.
Em Dos meios à mediação, Martin-Barbero (1987) alerta que o
conteúdo do conceito de indústria cultural não se dá de uma vez,
mostrando o perigo de buscá-la em uma frase solta, sob o risco de
desvirtuá-la.
A seguir, trataremos a concepção teórica e conceitual desenvolvida
pela Indústria Cinematográfica em seu escopo comercial, mostrando
como a sua evolução chega aos dias de hoje.
Mais uma vez nos apoiamos em Martin-Barbero (1987) para o
entendimento dos mecanismos que transformaram o cinema em
indústria:
Inicia-se com a Primeira Guerra Mundial a decadência do
cinema europeu e o estabelecimento da supremacia norte-
americana.
Os filmes estrangeiros foram eliminados da
programação das vinte mil salas de projeção dos
Estados Unidos. No resto do mundo, os filmes norte-
americanos ocupam de 60% a 90% dos programas, e a
cada ano US$200 milhões eram destinados a uma
produção que ultrapassava a marca de 800 filmes. O
investimento de US$1,5 bilhão anuais tinha
transformado o cinema numa empresa comparável, em
termos de capital, às maiores indústrias norte-
americanas: automóveis, conservas, petróleo, cigarros.
Não que até esse momento o cinema não tivesse
representado um negócio: desde seus primórdios os
produtores buscaram a rentabilidade, como demonstram as
empresas pioneiras formadas por Pathé e Gaumont. É nos
Estados Unidos, porém, que o cinema deixa de arruinar
17
empresários e se destaca do espaço teatral para
desenvolver sua própria linguagem. Passará então a dispor
de um maquinário muito bem azeitado para
comunicar
o
produtor com o produto, por intermédio de distribuidores e
exibidores. As decisões de produção apontarão, assim, para
um forte sistema de intervenções, numa trama de interesses
coligados.
Os artistas foram controlados por aquilo em
que os produtores acreditavam, os distribuidores foram
controlados por aquilo em que os exibidores
acreditavam, e estes por aquilo que o público
desejava.
Se tal credo de fato funcionou economicamente, isto se deu
graças aos ajustes que o sistema passou a empreender
sobre o público, adaptando-o para o novo espetáculo.
Nesse ajuste, o
star system
e a
criação de gêneros
foram
pontos decisivos: ambos montavam o dispositivo comercial
sobre mecanismos de percepção e reconhecimento popular.
Para tratar dos aspectos de fundo do estudo, ou seja, de seus
caracteres de produção, se fará mister o claro entendimento dos
pressupostos mercadológicos que açambarcam os conceitos de
marketing, do seu surgimento ao marketing societal
3
, bem como as
mediações nele contidas, nas quais os caracteres sociais e
antropológicos, aqui apoiados em Franz Boas (2005), do qual
retiramos, de sua conferência proferida no encontro da American
Association for the Advancement of Science, Pasadena, em
15.09.1931, a seguinte opinião:
Podemos ter uma razoável certeza de que, onde quer que os
membros de diferentes raças formem um único grupo social
com laços fortes, os preconceitos e antagonismos raciais
irão perder sua importância.
3
Em Administração de Marketing (2004), Philip Kotler explana que a orientação de marketing
societal exige das organizações malabarismos com três considerações freqüentemente
conflitantes: lucros para a empresa, satisfação dos desejos dos consumidores e interesse público.
18
Esta observação associada ao conceito de mediação de Martin-
Barbero (OB.CIT), possibilita o entendimento do enraizamento cultural,
muito próprio de nosso país, naquilo que concerne à sua tipologia
sertaneja, variada, porém intrinsecamente comum.
Todorov (1999), em O Homem Desenraizado nos auxilia, quando
passeia pela necessidade de enraizamento do ser humano, para que
se sinta pertencente, sentido este que o possibilita, e mais que isso, o
qualifica à vida social.
As raízes sertanejas de uma parcela expressiva da população
brasileira e a miscigenação do real com o imaginário, quando a figura
do “herói” ganha vida, explicam muito do resultado alcançado por 2
filhos de Francisco junto ao público, posto seu enredo contemplar
ambas situações, mediando-o social e antropologicamente com os
espectadores.
Tratando da trajetória do herói, emprestamos conceitos de Lutz
Muller, que em O Herói (1992) o desnuda e, nesta ação, clarifica o
quanto aí residem processos mediatórios, colocando-o como uma
possibilidade de meta atingível. É lúdico seu subtítulo Todos nascemos
para ser Heróis, pois em seu entendimento o ato heróico não está no
impossível, mas sim na conduta do cotidiano, quando conseguimos
perpetrar o ato mais prosaico como, por exemplo, emocionarmo-nos
com a figura comum da pobreza estampada nos olhos dos pedintes de
qualquer esquina.
19
CAPÍTULO 1
AS RAZÕES DO SUCESSO
Pode-se atribuir ao filme 2 filhos de Francisco pelo menos duas
razões que explicam seu sucesso de público e de crítica. Uma delas
fundada nas relações de ordem mercadológica, e a outra na construção
de sua narrativa, apoiada na figura do herói. A seguir, trataremos cada
uma delas mais pormenorizadamente.
1.1 Uma análise possível do processo mercadológico em 2 filhos
de Francisco
Do ponto de vista mercadológico, considera-se que
o lançamento de
um produto em qualquer mercado requer uma atenção especial; sabido
que só se consome por desejo ou por necessidade, há de se fazer um
produto que satisfaça a uma dessas condições. Por inúmeras razões, o
mais comum é que os produtos cheguem ao mercado despertando
desejos, e estes, uma vez disseminados, farão com que se transformem
em necessidade, ou pela utilidade que o mesmo possua ou pela pressão
social que exerça. Atingido este estágio, certamente o produto será um
sucesso, e é o caso de 2 filhos de Francisco, cujo lançamento, sob este
ponto de vista, foi primoroso.
Sabedores do preconceito existente com relação ao gênero musical
focado, e também quanto ao caipira, em faixas de público que o filme
pretendia alcançar, seus produtores cercaram-se de cuidados na
construção do produto. No início de agosto de 2005, quando de seu
lançamento, em uma coletiva da equipe do filme à imprensa paulista,
Caetano Veloso, por exemplo, dá o seguinte depoimento:
...
Acho que ainda temos muitas reações contra os
fenômenos populares da música popular brasileira.
20
Essas pessoas defendem a bandeira da
irresponsabilidade profunda, como se os brasileiros
não fossem capaz (sic) desses fenômenos
comerciais.
Na mesma oportunidade, o diretor Breno Silveira assim se manifesta:
É importante quebrar o preconceito contra o
gênero sertanejo e espero fazer isso. Eu mesmo tinha
barreiras que se quebraram depois da produção.
Em 2005 o cinema levou às salas de exibição brasileiras 90.288.067
de espectadores, com a participação de 11,9% (10.744.280) em filmes
nacionais, sendo que 2 filhos de Francisco abocanhou 5.319.677 desse
público, exatos 50%, número que se destaca na filmografia nacional. Como
se pode verificar os cuidados não foram em vão.
Num momento em que se discute o fim do renascimento/retomada,
dada a queda de público para o produto nacional, como demonstra o
quadro abaixo, ganha corpo o conceito de que o cinema brasileiro é
composto por ciclos, inibindo assim a idéia de uma “indústria
cinematográfica nacional”.
Fonte: MINC - Gerência de Desenvolvimento
de Produtos Audiovisuais
Em um cinema onde o conceito de indústria não consegue, por
motivos vários, se estabelecer, 2 filhos de Francisco, como outros poucos
filmes brasileiros, ilustra esta possibilidade. Analisando o composto do
Ano Público
2001 9.000.000
2002 7.500.000
2003 21.000.000
2004 13.000.000
2005 10.750.000
2006 9.150.000
21
produto, é possível visualizar todo o processo industrial nele contido: o
estúdio que o produziu, Conspiração Filmes, em associação com ZCL
Produções (produtora de Zezé Di Camargo & Luciano) e Colúmbia Tristar
do Brasil, braço de uma companhia transnacional, responsável pela
distribuição; o elenco formado em sua maioria por atores “globais”
4
; o
enredo baseado na história de uma dupla de cantores sertanejos,
campeões na vendagem de discos e figuras constantes na mídia eletrônica
e impressa; a trilha sonora dirigida a quatro mãos por Caetano Veloso e
Zezé Di Camargo; e a promoção no lançamento do filme, com chamadas
na rede Globo de Televisão, a presença da dupla em programas como
Faustão e Luciano Hulk, para citar apenas os mais prestigiosos.
Mega-estrelas do mercado fonográfico nacional, a dupla Zezé Di
Camargo & Luciano
5
, só perde o primeiro posto de maiores vendedores de
disco no Brasil para Roberto Carlos. Com o hit É o amor no primeiro disco,
gravado em 1991, composição de Zezé Di Camargo, vende em seis meses
750 mil cópias, conquistando um disco de platina no ano seguinte, com 1.1
milhão de cópias. A partir daí a dupla só faz quebrar paradigmas, com o
segundo disco chegando a 2 milhões de cópias, em 1992, número que os
eleva à condição de integrantes das trilhas sonoras de novelas “globais”, e
que os possibilita gravar em 1995 um disco em espanhol (150 mil cópias
vendidas no lançamento) e a se apresentar nos EUA Novos álbuns são
lançados em 1994 e 1995, com o mesmo sucesso, e são convidados pela
Rede Globo para integrar uma nova atração da emissora, o programa
Amigos, sobre o qual voltaremos a falar. Com a mídia mantendo-os em
evidência, o sucesso continua e a vendagem de seus discos segue
aumentando. O disco de 1998 vende 200 mil cópias no pré-lançamento, e
em 1999 conduzem shows pelo país combatendo a violência; o disco do
ano chega rapidamente às paradas de sucessos. Em 2000, na
comemoração dos 10 anos de carreira, a dupla monta um show
superproduzido, e o espetáculo, com o lançamento de um CD que teve
venda antecipada de 1 milhão de cópias, tem sua temporada em um dos
palcos mais badalados da capital paulista, o Credicard Hall. Os
4
Atores com contrato de longa permanência e exclusividade com a Rede Globo de Televisão.
5
Fonte: Site da ZCL (produtora da dupla Zezé Di Camargo & Luciano)
22
lançamentos de novos álbuns continuam ininterruptos e em 2001 chega às
praças o décimo primeiro disco, um segundo em espanhol e o seu primeiro
DVD. Em 2003 são laureados com o Grammy
6
, e músicas do 13º álbum da
dupla compõem parte da trilha da novela Chocolate com Pimenta da Rede
Globo. 2004 reprocessa o ano anterior, nova premiação, e a novela
Cabocla também da Globo, tem como tema a música Nosso amor é ouro,
que lidera as paradas de sucesso das rádios em diversas regiões do país.
Para comemorar os 14 anos de carreira lançam o DVD Zezé Di Camargo &
Luciano ao vivo na Estrada, com direção de Mauro Lima, responsável pela
produção de Lisbela e o prisioneiro (2003), diretor e produtor de Meu nome
não é Johnny (2008), dentre outros longa-metragens. Abrem 2005
ultrapassando a marca dos 100.000 DVD’s vendidos, caso raro no
mercado brasileiro; levam 250.000 espectadores a uma apresentação no
Parque do Ibirapuera em São Paulo, um recorde, e pilotam o lançamento
de uma edição especial da revista Caras Estilo Country, em apresentação
fechada para público VIP composto por 400 formadores de opinião
(empresários, jornalistas e artistas) na Casa Fasano, também em São
Paulo. É lançado ainda nesse ano um pacote pela Sony Music intitulado
Dois corações e uma história, composto por sete CDs e um DVD,
elencando 100 sucessos da carreira da dupla.
Esta conjunção de elementos, somados aos de caráter interno, que
trataremos posteriormente, gerou um filme “arrasa quarteirão”
7
, algo
incomum na produção nacional. As matizes do tratamento mercadológico
dado ao produto, ainda que elementares, suscitaram o desejo de consumo
nas várias classes sociais. Ricos e pobres, intelectuais e trabalhadores
braçais, os retirantes que se encaminharam aos grandes centros e os
cidadãos deles originários, os consumidores e não consumidores de
música sertaneja, correram às salas de projeção. Os números das
bilheterias atestam: o filme foi um sucesso. Breno Silveira, em depoimento
retirado do making-off do filme, dá o tom do que se buscava:
6
prêmio internacional de música
7
Expressão usada pela mídia para designar filmes líderes de bilheteria.
23
...Meu maior sonho é que esse filme realmente
rompa qualquer tipo de barreira de preconceito, não só
com relação à música sertaneja, como com relação a filme
nacional, como a tudo, porque eu fiz um filme que, se
Deus quiser, é para qualquer tipo de público.
É muito difícil você assistir o filme e não gostar das
músicas, porque não existe “não gosto de música
sertaneja”, se você assistir o filme e entender a história,
entender um pouco melhor as letras e o porque delas; tem
um interior do Brasil que fala de um modo tão autêntico,
tão bonito, que às vezes as pessoas tem que romper um
pouco esse preconceito e escutar...
A pesquisa acadêmica sobre esse êxito é restrita, pois pelo que
temos conhecimento, pouco se falou nesse meio sobre o filme, apesar de
ter ganho prêmios, dentre os quais se distinguem os de melhor diretor para
Breno Silveira e melhor ator para Ângelo Antônio no Grande Prêmio do
Cinema Brasileiro de 2005, atribuídos pela Academia Brasileira de Cinema,
e de ter sido o indicado pelo MINC (Ministério da Cultura) para concorrer
ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2006.
1.1.1 O composto mercadológico em 2 filhos de Francisco
Para melhor entendimento do processo mercadológico de 2 filhos de
Francisco, o decompusemos nas quatro partes do mix de marketing
8
em
sua ordem estrutural, ou seja, produto, preço, praça e promoção.
Quanto ao produto, merece destaque o fato de que usar o prestígio
de astros da indústria fonográfica para alavancar filmes em direção ao êxito
comercial não é novidade: a filmografia mundial, bem como a nacional,
apresentam uma quantidade significativa de películas que utilizaram esta
estratégia. Elvis Presley e Beatles estrelaram sucessos no final da
década de 50 até meados da de 60. No Brasil, Roberto Carlos
8
...Um composto de marketing é uma combinação de ferramentas estratégicas usadas para criar
valor para os clientes e alcançar os objetivos da organização. Há quatro ferramentas ou elementos
primários no composto de marketing: produto, preço, praça(pontos de distribuição) e promoção.
(Churchill, 2003)
24
reprocessou o esquema com êxito. Nelson Pereira dos Santos, em 1981,
dirigiu Na estrada da Vida, a história de Milionário e José Rico, e em 2003
a Globo Filmes produziu Acquaria, sob a direção de Flávia Moraes,
estrelado por Sandy & Jr., jovem dupla de cantores, filhos de Xororó, da
dupla Chitãozinho e Xororó, campeões na vendagem de discos. O enredo,
trazendo para as telas histórias verídicas, também é fato recorrente;
voltamos a citar Na estrada da Vida, nos restringindo apenas aos
sertanejos. É relevante destacar que o filme de Nelson Pereira dos Santos,
contando a vida de Milionário e José Rico, evidencia que o sucesso
comercial desta dupla também acontece inicialmente nas rádios, para
então trilhar o caminho com êxito na indústria fonográfica.
Martin-Barbero (1987) pressupõe no que tange à mediação, que esta
se dá quando a mensagem (por exemplo, um discurso fílmico) está
revestida de valores culturais, ideológicos ou sociais, identificados pelos
receptores, o que os leva a aceitá-la, e mais do que isso, a consumi-la,
pois se enxergam nesse processo comunicativo, independentemente do
meio no qual foi veiculada. O enredo promove uma quantidade significativa
de valores comuns à sociedade brasileira, tais como a trajetória do homem
do campo para os grandes centros, sem, no entanto, perder hábitos
próprios de suas raízes, tais como a alimentação, com nichos de mercado
do tipo Recanto Goiano, Tempero das Geraes, Casa do Norte, Casa da
carne de sol, Espeto Gaúcho, comumente encontrados nas capitais. O
rádio, mídia modelar da indústria cultural, é destaque no enredo,
promovendo e sustentando cenas expressivas do filme, como demonstrado
na decupagem do mesmo. Além disso, há o caipira, não necessariamente
aquele estereotipado e eternizado por Amâcio Mazzaropi em filmes que se
tornaram clássicos, como Sai da Frente, Jeca Tatu e Tristeza do Jeca, mas
sim o homem “puro” do campo, ou seja, simples no modo de vida, com
uma ligação direta e visceral com a terra, e cônscio de suas limitações,
uma figura identificada com uma parcela expressiva dos habitantes dos
grandes conglomerados urbanos.
Encontramos, ainda, o apelo ao desejo popular do herói, aquele que
“dá certo”, em um país em que o sucesso franqueado aos mais simples se
atrela frequentemente a uma carreira bem sucedida no esporte mais
25
popular, o futebol, ou mesmo no meio artístico, situação que a história
retrata.
Entendido o conceito do produto, passamos à análise do preço, item
que neste caso detém duas faces: o da produção do filme e o valor a ser
desembolsado pelo espectador para consumi-lo. Neste composto,
verificam-se aspectos que fazem com que o produto trabalhado se
diferencie de outros, pois não vincula ao seu desenvolvimento programas
governamentais de financiamento. Foram gastos R$ 5,9 milhões na
produção do filme, integralmente arcados pelos produtores, o que
acarretou que a filmagem acontecesse seguindo cronogramas rígidos,
tanto no que tange às tomadas externas quanto às internas.
Foram dois meses de gravação em sua totalidade, e mais três
semanas dedicados à montagem com inserção da trilha sonora,
continuísmo, acabamento e distribuição
9
.
Este produto beberá da água dos incentivos governamentais
correntes na fase da exibição. Com a platéia já declinada, preço médio de
bilheteria de R$ 5,00, e os direitos de vendagem de DVD’s, com dados
precisos não disponíveis, podemos afirmar que o filme foi um
inquestionável sucesso mercadológico. Não há fontes fidedignas, mas
estima-se um faturamento superior a R$ 50 milhões, valor que o magnifica
quando comparado aos resultados de outros produtos nacionais, como
Tropa de Elite, com 2 milhões e quatrocentos mil espectadores em 2007,
seu ano de lançamento
10
, menos da metade da platéia de 2 filhos de
Francisco.
Essa quantia ainda seria engordada com o resultado dos “filhotes” do
produto original: o CD da trilha sonora que conquista um disco de platina
(150 mil cópias, segundo o modelo adotado no Brasil), e teria vida própria,
com interpretações de pesos pesados da indústria fonográfica; um retorno
de CDs anteriores da dupla aos top-ten no elenco dos mais vendidos,
incremento na quantidade de shows contratados; maior visibilidade nas
9
Não incluímos nessa referência o tempo utilizado no desenvolvimento, pesquisa e elaboração do
roteiro. Breno Silveira e Carolina Kotscho viajaram para Goiás, estiveram em Sítio Novo, onde a
surpresa foi o local da história se encontrar praticamente intocado; conheceram Pirenópolis, locais
em que várias entrevistas com a população local foram realizadas na pré-construção do filme.
10
Fonte: Folha Ilustrada de 24/02/2008.
26
mídias, o que gera um moto-contínuo no processo; e o direito na
comercialização do filme para as redes de TV, o que faz amplificar a
imagem da dupla junto ao consumidor, reinicializando o processo de
consumo. Um balanço grosseiro nos aponta a um êxito comercial, e se
apurado, a um grande sucesso.
A praça, elemento que exige esforços hercúleos nos processos de
vendagem dos produtos, posto que se a mesma não os mantiver
disponíveis ocorrerá o chamado marketing negativo, aquele que trafega na
contramão do resultado positivo na colocação de um produto qualquer,
estava garantida com 290 cópias, disponibilização simultânea em
território nacional e apoio na participação em festivais internacionais de
cinema, graças à associada Colúmbia Tristar, o já referido braço mundial
participante da produção. Neste composto, praça, o produto é retro-
alimentado pelo quesito preço, pelo menos no tocante ao seu CVP (Ciclo
de Vida do Produto), quando este se alonga, mantendo-se vivo no
imaginário de seus consumidores e conquistando outros, como já foi dito,
via tela pequena, em horários nobres, bem como em canais fechados,
finalizando ainda como reprise nobre daqueles mais assistidos. Esta
técnica, de conservar um produto como “especial” , faz com que seu
consumo se amplie, conquistando novos públicos, fidelizando os já
existentes e alongando sua permanência na memória daqueles que o
consumiram, elevando-o a uma categoria diferenciada, a dos clássicos, ou
a dos campeões de audiência, resultado que o faz ser continuamente
revisto e mantendo-o, assim, consumível.
A promoção do filme, apoiada pela Globo, maior complexo de
comunicação do país e sócia do projeto, usou espaços em programas
líderes de audiência da rede, como já mencionamos. Nestes programas, os
protagonistas da história, Zezé Di Camargo & Luciano, cantam e contam
sua vida apresentando seus pais: Francisco, figura central do discurso
fílmico, e Helena, personagem marcante do enredo, dando ao público um
aperitivo do produto. A publicidade, com chamadas constantes na mídia
radiofônica e televisiva, alia a história da dupla ao elenco do filme,
composto por atores da Rede Globo. A mídia impressa também foi
27
fartamente utilizada, com um sem número de entrevistas em revistas de
atualidades.
Quando de seu lançamento, o filme já era ansiosamente aguardado
pelo público em geral, e não somente pelos fãs da dupla, interessados em
assistir à realização de um sonho quase impossível, posto que ocorre com
muito poucos, mas mesmo assim vinculado ao real, e por isso mágico.
Outro componente de forte impacto emocional contido no filme é a
figura da morte. Na época de sua produção, ainda era presente na
memória dos consumidores de música sertaneja a morte de dois de seus
ídolos: João Paulo, da dupla João Paulo e Daniel, em um acidente
automobilístico; e Leandro, da dupla Leandro e Leonardo, vitimado por um
tipo raro de câncer. Estas duplas, ao lado de Chitãozinho e Xororó e Zezé
Di Camargo & Luciano, comandaram o show Amigos, que compôs a grade
de “especiais de fim de ano” da Rede Globo em 1996, 1997, 1998 e 1999.
Após tudo concluído, o percurso da formação atribuído ao
personagem parece obra pensada. O nascimento, o sofrimento, o
aprender, o saber, a perda, o renascer, a reconquista e a plenitude, como
em um conto de fadas, tudo se dá; porém, a história que o filme narra é
fascinantemente real. Zezé também perdeu um parceiro, mas não ficou só;
diferentemente das outras parcerias, forma nova dupla com o irmão
Luciano, e é esta que alcança o sucesso.
1.1.2 As variáveis internas do filme
Avaliadas as variáveis externas que deram sustentação ao êxito
comercial de 2 filhos de Francisco, analisaremos agora as internas. A
direção do filme, como já foi dito, ficou a cargo de Breno Silveira, estreando
no comando de longa-metragem, mas já conceituado e premiado no
universo da publicidade. Especialidade de Silveira, a fotografia do filme é
primorosa, as tomadas externas feitas em Pirenópolis, interior de Goiás,
receberam críticas positivas dos mais destacados jornais do país. A
composição geral das tomadas mereceu menções elogiosas de uma
28
parcela significativa da crítica especializada
11
. As premiações e indicações
feitas ao diretor e elenco, se não garantem a qualidade do produto, no
mínimo o referendam, e não faltaram; além das já citadas, a relação é tão
extensa que a inserimos nos anexos, incluindo as categorias menos
glamourosas como roteiro, montagem e som.
Maior bilheteria brasileira dos últimos 25 anos, o filme de Breno
Silveira é revestido de apelos que levaram as camadas menos
privilegiadas de nossa população (classes D e E) às salas de cinema,
preservando concomitantemente um padrão de qualidade exigido pela
classe média (B e C), o corpo massivo do público de cinema. Ele relata a
vida de uma das “duplas sertanejas” mais populares do Brasil,
popularidade expressa na vendagem de discos, imenso chamariz para a
população de menor poder aquisitivo, valoriza a beleza do campo,
empresta dignidade à pobreza e apresenta a trajetória do herói (pautada
no desafio, aprendizado, superação e êxito), elementos que agradam a
todas as classes. Assim, Silveira foi moldando a matriz de sua chave rumo
ao sucesso.
Se o projeto era comercial, o que nos induz a achar devido à sua
composição societária, portanto buscando atrair o mais amplo espectro de
público possível, como já colocado, inúmeros cuidados foram tomados,
que podem ser observados em pequenos detalhes. O nome original do
filme era A história de Zezé Di Camargo & Luciano, o que provavelmente
afastaria parcelas de público com renda mais elevada por causa da
rejeição ao gênero de suas músicas; optou-se, então, por inserir o nome de
Francisco, e na promoção do produto, como já dissemos, houve um
“aperitivo” de seu “porque”, desvendando parte do enredo, tornando-o
figura central da trama e responsável pelo encaminhamento da narrativa
fílmica. Ângelo Antônio, intérprete de Francisco, ator “global”
12
,
desempenha seu papel de forma irretocável; os prêmios e a crítica o
11
Dentre outras críticas, destacam-se as de Rubens Ewald Filho, que enaltece a qualidade técnica
do filme e sua carga emocional (disponível no site do MINC em 09/2005), aspectos também
ressaltados por Maria do Rosário Caetano, crítica da Revista de Cinema (2005).
12
Ator permanente do cast da Rede Globo de Televisão.
29
comprovam
13
. Outros atores também merecem destaque: Dira Paes dá
vida de forma comovente à Helena, esposa de Francisco; José Dumont,
Paloma Duarte e Dablio Moreira igualmente foram premiados ou
receberam indicações por suas atuações no filme.
Filme biográfico de uma dupla sertaneja, sua música tinha
obrigatoriamente que estar presente. O expediente usado na conquista do
público mais sofisticado foi a chancela de Caetano Veloso, responsável
pela produção musical em conjunto com Zezé Di Camargo. No making-off
do DVD
14
da película, Caetano expressa o princípio do conceito de
intertextualidade, quando diz que as cenas da película estão refletidas nas
músicas da trilha sonora ou vice-versa.
...É exatamente isso que tá aí. É um choque, é uma
emoção que arrebata a gente porque parece assim que a
gente está falando assim de uma coisa com uma clareza,
com uma pureza d’alma, aí vem a própria coisa.
Além de Caetano, a trilha sonora apresenta interpretações de Ney
Matogrosso, e o primeiro grande sucesso da dupla, É o amor, é legitimado
pela voz inconfundível de Maria Bethânia, ou seja, cantores de forte
aceitação entre a classe média, interpretando canções do gênero
sertanejo, minimizando assim a resistência a este tipo de música.
O filme é uma história de vida que se inicia no campo, e este está
presente no primeiro terço da narrativa, construindo forte identidade com
parcela expressiva de nossa população. A amplitude geográfica do país
leva às mais variadas denominações para o que se entende por “campo”.
Encontramos em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, algumas
possibilidades dessa nomeação:
...
O sertão aceita todos os nomes : aqui é o gerais,
lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga [...] O sertão não
tem janelas nem portas.
13
Jornais O Estado de São Paulo, de 27/08/2005, Folha de São Paulo, de 30/08/2005 e O Globo
de 23/08/2005.
14
Mais informações no making-off de DVD original.
30
Encontramos no making-off do filme um depoimento de Breno
Silveira, que traduz essa idéia de amplitude do ser sertanejo:
Eu queria que ele fosse muito brasileiro, cada
som, cada casa, cada personagem. Eu queria muito
fazer um filme com cara de Brasil, que falasse de um
outro Brasil que também não é o nordeste, não é o sul,
não é o sudeste, é um filme para dentro do Brasil,
mesmo.
Essa magnitude abre, sob o aspecto comercial, amplos horizontes
para o consumo deste produto, que não são comuns a outros. Há aqueles
apenas citadinos, outros interioranos, este alia ambos ambientes. Quando
se dá no campo, granjeia os comuns a este; quando na cidade ou junto à
modernidade (nas estradas), faz uso intenso da técnica de merchandising,
engordando sua receita com a presença da Texaco e Bradesco. As
populações metropolitanas foram contempladas com as tomadas em dois
marcos paulistanos: o antigo, viaduto Santa Ifigênia, e o atual, esquina da
Avenida Paulista com Consolação.
Não obstante todos os cuidados tomados, sem dúvida o maior apelo
comercial deste produto é, pelo resultado já apresentado na indústria
fonográfica e no universo televisivo, a dupla sertaneja Zezé Di Camargo &
Luciano.
31
CAPÍTULO 2
A FIGURA DO SERTANEJO NO CINEMA BRASILEIRO E OS
ELEMENTOS QUE APOIARAM O SUCESSO COMERCIAL DE 2
FILHOS DE FRANCISCO
Buscamos na trajetória do cinema brasileiro filmes que
apresentam identidade com 2 filhos de Francisco, seja pela presença do
caipira ou ainda pela figura do herói. Alguns aspectos, que fogem ao
processo de identificação com o objeto de estudo, merecem destaque e
foram pontuados.
2.1 O sertanejo no cinema brasileiro
O cinema brasileiro ganhará impulso a partir de 1907, onze anos
após sua chegada, quando da geração de energia elétrica industrial no
Rio de Janeiro, propiciada pela recém construída usina do Ribeirão das
Lages.
Neste primeiro instante, o composto que dá sustentação ao
cinema, ou seja, seus quadros técnicos, artísticos e comerciais, serão
formados essencialmente por estrangeiros que em sua terra natal já
haviam experimentado a aventura cinematográfica.
Ainda que sem o mérito nos quesitos técnica e estética, o que não
se pode analisar pois não há cópias conhecidas das produções dessa
época, foram elas que, reproduzindo o que acontecera na Europa e nos
Estados Unidos, popularizaram o cinema junto às camadas sociais
menos privilegiadas no Brasil.
Já se vislumbra, em seu momento inicial, que o veículo de
comunicação de massa no qual se transformaria o cinema, membro
elitizado da indústria cultural, está impregnado dos princípios das
mediações, princípios estes que estabelecem a possibilidade do
32
entendimento, pela massa receptora, das mensagens fílmicas emitidas,
fazendo uso dos caráteres sociais, antropológicos, míticos e emocionais.
Na historiografia de nosso cinema, composta por ciclos, o período
contido entre os anos de 1908 e 1911 ficará conhecido como A Bela
Época do cinema brasileiro, anos que coincidem com a transposição do
modelo artesanal para o industrial que ocorre nos centros mais
avançados.
Neste curto espaço, dentre as várias produções, encontra-se As
Aventuras de Zé Caipira, contemplando o sertanejo, filme produzido por
Antônio Leal e José Labanca.
Já no nascedouro da primeira década do século passado, a arte
de fazer cinema transformar-se-á em uma indústria prodigiosa,
sobremaneira nos Estados Unidos da América do Norte, com a criação
dos grandes estúdios, que integram a produção e distribuição de seus
filmes.
A percepção do negócio promissor e altamente lucrativo propiciará
ao cinema um enorme desenvolvimento tecnológico e vultosos
investimentos, que o transformará em “indústria”. Esse processo, levado
a cabo na Europa e nos Estados Unidos, não se repete no Brasil, em
decorrência de sua incipiência industrial.
Com a eclosão da I Grande Guerra Mundial, em 1914, há a
paralisação momentânea das produções européias, e o inevitável
domínio americano do mercado cinematográfico.
As produções cinematográficas norte-americanas passam a
dominar o cenário mundial, e no Brasil não será diferente, com a invasão
destes filmes em praticamente todas as salas de projeções do território
nacional.
O fato não causará estranheza ao público, já afeito ao hábito de
consumir produtos estrangeiros, em um país essencialmente rural, com
um atraso centenário em sua revolução industrial, não obstante esforços
isolados de alguns cidadãos, caso modelar de Irineu Evangelista de
Souza, o Barão de Mauá.
Vale aqui ressaltar que o consumo de produtos industrializados
importados dominará no cenário nacional, até meados dos anos 60 do
33
século XX, na esteira de um processo de dominação econômica e
cultural, vivida, sem exceção, por todos os países do chamado terceiro
mundo.
Neste percurso, não tão longo, mas já distante, merece destaque
a guerra alfandegária no tocante à importação de películas virgens,
matéria prima escassa em nosso mercado devido ao lobby americano. O
cinema brasileiro sobreviverá através da produção de documentários e
cine jornais, captadores dos recursos para projetos ficcionais.
Sem a pompa de sua denominação atual, Marketing Institucional
15
,
as chamadas “cavações” ganham corpo e notoriedade. Carla Miucci
(2003), em seu ensaio Cinema Brasileiro – Um panorama geral, assim as
descreve:
... onde por exemplo uma grande indústria contrata um
cinegrafista e sua equipe para fazer um documentário
institucional sobre a empresa, ou ainda importantes
famílias encomendavam o registro de casamentos ou
batizados.
A intertextualidade, que merecerá tantos estudos a partir de
então, entra em cena, trazendo e transformando discursos literários em
fílmicos, num primeiro momento, para em seguida, menos comumente,
traçar o percurso inverso, seguindo em um universo multiplicador,
propiciando as mais variadas possibilidades de diálogo no mundo das
artes.
Salles Gomes (1986) salienta em Cinema: trajetória no
subdesenvolvimento, o número expressivo de fitas intertextuais de
clássicos da nossa literatura.
Nos anos de 1920 um fenômeno conhecido como “Ciclos
Regionais” ganha corpo. Este ciclo pode ser definido pela produção de
filmes em determinadas cidades do país, fora do eixo Rio-São Paulo.
Modelarmente, podemos citar Cataguases, cidade mineira da Zona da
Mata, berço de Humberto Mauro, tido por muitos especialistas como o
15
Técnica que promove a Instituição e não seus produtos.
34
principal cineasta brasileiro até a revelação Glauber Rocha, quarenta
anos depois.
Em meados dos anos 20 a produção média anual de nosso
cinema estará dobrada, agregando no processo quantitativo o elemento
qualidade.
Esse recorte temporal também traz à tona as primeiras colunas de
críticas especializadas, com jornais e revistas dedicando matérias ao
cinema brasileiro; destaque para o periódico Cinearte,
célula mater da Cinédia, companhia produtora de
Ademar Gonzaga, que reuniu alguns dos próceres do
cinema nacional: Gabus Mendes, Gentil Roiz, o jovem
Mário Peixoto e Humberto Mauro, que lançará em
1933 Ganga Bruta
16
, indiscutivelmente uma obra prima
da cinematografia brasileira, apesar do fracasso de
bilheteria.
A partir de então, novo cenário se descortina,
com a descoberta do cinema pelo governo.
Não passará indelével para o cinema o crack da Bolsa de Valores
de Nova York, que levará as produções americanas, no rastro da
depressão, a trabalharem consoantemente com as políticas do New
Deal, com roteiros que proclamavam a confiança e a esperança na
recuperação econômica dos Estados Unidos.
Se na América, os grandes estúdios atrelam seus produtos à
política, trabalhando como aparelho ideológico do Estado, no Brasil o
cinema participará do cenário político inicialmente pelas salas de aula,
como uma alternativa possível para sua própria sobrevivência. É nesse
cenário que, no final dos ano 1920, o professor Jonathas Serrano, em
parceria com Francisco de Venâncio Filho, lançará o livro Cinema e
Educação.
Vale lembrar que, este processo não é original, pois em 1910, no
Congresso Internacional de Educação, realizado em Bruxelas, o cinema
16
A título de curiosidade, lembramos que a trama do filme se desenrola no interior do país.
35
já centralizara as atenções com as discussões sobre princípios morais
empregados nas obras fílmicas.
Ferreira Leite (2005), em Cinema Brasileiro - Das Origens à
Retomada, defende que o postulado do Congresso de Bruxelas, ainda
que consideradas as diferenças entre as realidades européia e brasileira,
desembarca no Brasil impactando nossos educadores, que entendem
imediatamente as possibilidades oferecidas pelo cinema nacional como
ferramenta educativa, usando as vertentes cinejornais e documentários.
Na década de 1930 a produção nacional praticamente inexiste,
mas na seguinte cresce consideravelmente, fruto do estabelecimento de
grandes estúdios, à imagem e semelhança do modelo americano. Neste
ciclo são criadas a Cinédia, a Companhia Atlântida, a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz e Maristela Filmes.
Estes quatro estúdios contemplaram o caipira, o sertanejo e o
retirante, em filmes como Sedução do garimpo, Caiçara, O Cangaceiro,
Sai da frente e Jeca Tatu.
No final dos anos cinquenta, o Brasil vive sob o governo de
Juscelino Kubtscheck que, com sua política de “50 anos em 5”,
transformará conjunturalmente a sociedade brasileira, industrializando o
país por meio da abertura de nosso mercado, o que atrairá o capital
estrangeiro, trazendo junto com este a cultura dos países de origem,
como o movimento neo-realista italiano, semente daquilo que será o
chamado Cinema Novo.
Glauber Rocha, nome maior do Cinema Novo, eternizará o
sertanejo nordestino com os filmes O Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro (1969) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964).
Na década de setenta, já sob a égide da Embrafilmes, uma
quantidade significativa de filmes, pautados no sertanejo, ganharão as
salas de projeção. Jerônimo, o Herói do Sertão (1972), O menino da
porteira (1977), com enredo criado a partir da música, e as várias
aventuras protagonizadas por Mazzaropi merecem destaque por seus
resultados comerciais.
Praticamente paralisado no início da década de noventa, o cinema
brasileiro retoma o fôlego a partir de 1994 com o ciclo denominado
36
Retomada, cujo produto mais insigne comercialmente falando é 2 filhos
de Francisco.
2.2 O filme e seus heróis
Um resultado possível na leitura do texto fílmico em busca da figura
do herói é encontrarmos dois personagens com estas características, que
alternam esta condição ao longo da história: Francisco e Mirosmar (Zezé).
Embora não haja na narrativa a figura clássica do herói, pode ser
encontrado um composto de vários fragmentos que apontam para esse
papel narrativo.
O Herói de mil faces
17
de Joseph Campbell (2005), mostra de
maneira contundente a necessidade do ser humano identificar-se com
figuras heróicas.
17
Na página 241, Campbell resumidamente apresenta a aventura do herói:
O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído, levado ou se dirige
voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presença sombria que guarda a
passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e
penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão; oferenda,
encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo oponente e descer morto
(desmembramento, crucifixão). Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de
forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam
fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares). Quando
chega ao nadir da jornada mitológica, o herói passa pela suprema provação e obtém sua
recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento
sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua própria
divinização (apoteose) ou, mais uma vez – se as forças se tiverem mantido hostis a ele -, pelo
roubo, por parte do herói, da bênção que ele foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo);
intrinsecamente, trata-se de uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação,
transfiguração, libertação). O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele
agora retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele empreende uma fuga e é
perseguido (fuga de transformação, fuga de obstáculos). No limiar de retorno, as forças
transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A
bênção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir).
37
A figura heróica está presente nas religiões (Cristo, Buda, Moisés,
Maomé, Abraão), nos contos, nas lendas e nos folclores, sempre se
repetindo, pois a composição primordial da saga é semelhante.
Sabedoras da necessidade da associação do homem com o herói, a
comunicação e, preponderantemente, a publicidade, em todos os seus
níveis, se apropriam deste rito e o utilizam na criação de imagens ligadas
aos mais variados produtos. Conseguem esse feito trazendo as figuras
arquetípicas masculinas e femininas na produção dos tipos
inconscientemente desejados pelos consumidores.
São recorrentes figuras de reis, presidentes, capitães de navio,
diretores-executivos, generais, treinadores, dentre outras, assumirem o
papel do “pai”, o protetor, promotor da ordem, da razão, da lei, da provisão;
assim como as de atletas, gladiadores, cavaleiros, artistas, policiais,
representam no imaginário popular o “guerreiro”, aquele que é
independente, forte, corajoso, ou seja, o “herói”.
No “produto” cinema, o mesmo acontece. Poderíamos listar uma
quantidade imensa de títulos, mas nos fixaremos em 2 Filhos de Francisco.
A par do acerto na receita clássica do processo comunicativo, quando a
mensagem do emissor alcança o receptor, limpidamente, sem qualquer
ruído, sem nenhum viés, estruturada de acordo com os signos dominados
por este último, o filme respalda-se na trajetória do “herói”.
No livro A Criação de Mitos na Publicidade, Sal Randazzo (1996)
demonstra, de maneira clara, o mecanismo de transporte da mitologia para
os sistemas mercadológicos. Seu texto discorre sobre as possibilidades da
utilização das figuras heróicas em situações de mercado, pautando-as
sobre o masculino e o feminino estáticos, o “Grande Pai” e a “Grande
Mãe”, e sua contrapartida dinâmica, o “Guerreiro Herói” e a
“Virgem/Donzela”.
Em nosso objeto de estudo as quatro condições estão contempladas,
com destaque para o gênero masculino.
de se considerar, ainda, o composto étnico e sociológico na
utilização das figuras mitológicas, pois como Campbell coloca, as figuras
se repetem, sofrendo adaptações as mais variadas de acordo com as
necessidades culturais e religiosas das várias sociedades. Isto leva os
38
meios à instigância de buscar a trilha heróica, adaptando-a ao gosto
popular.
O filme ilustra à perfeição a trajetória do “herói pai”. Apresenta
pontualmente todos os elementos componentes de uma epopéia própria do
“Grande Pai”; o sonho de Francisco, homem simples do campo, é
transformar dois dentre seus inúmeros filhos em uma dupla sertaneja de
sucesso. Vivendo longe dos grandes centros, perdido no meio do nada, faz
uso de toda sua energia e emprega seus parcos recursos na busca desse
sonho, aparentemente impossível. Esta figura se complementa alicerçada
na da “Grande Mãe”, Helena.
Em Francisco, o “herói pai” aparece pragmaticamente, quando este,
revestido do caráter de destinador
18
, constrói a escola, uma das razões
que o levaram a romper com o sogro, trocando o certo pelo incerto ao
barganhar sua colheita e outros bens em troca dos instrumentos (sanfona
e violão) para os filhos, a gota d’água para o rompimento mencionado.
Sal Randazzo (1996) quando trata do masculino estático, assim o
define:
...Assim como a feminilidade, a masculinidade
também tem aspectos estáticos (elementares) e dinâmicos
(evolutivos), e cada aspecto tem o seu lado positivo e o
seu lado negativo. A característica masculina estática é
representada pelo “logos” (ordem e razão), pelos
arquétipos do Grande Pai e do Senex. “Senex”, em latim,
quer dizer “o velho” e representa “tudo aquilo que tem
idade, é ordenado e estabelecido” (Hillman, 1990, p.19).
Os traços positivos do Grande Pai constituem em regras
organizativas e normativas, em leis, e num sentido de
ordem hierárquica. As manifestações do arquétipo do
Grande Pai ocorrem nos sistemas sociais assim como, em
nível mais pessoal, na estrutura da família patriarcal. O
Grande Pai é o provedor e o protetor. Ele também dá
amparo e amor. O rei e o professor/mentor também são
manifestações do Grande Pai.
18
Na narratologia, a figura do destinador é a daquele que faz fazer.
39
Esta estrutura do “Grande Pai” está manifesta ao longo do texto
fílmico em todo o caminho percorrido por Francisco: faz os filhos
estudarem, equipa, treina, apóia e os incentiva na possível carreira,
mantém a estrutura do lar, provendo-os, ainda que parcamente, e os
protege, ampara e dá amor, a tônica do filme.
O final feliz conhecido, em nada diminui os méritos de Francisco;
pelo contrário, o sacramenta como herói, o responsável pelo sucesso dos
filhos, aquele que não deixou o sonho esmorecer e buscou
incessantemente o êxito, em seu entender a “resposta” de sua luta, aquela
que o legitima como pai “responsável”.
Fonte: Adaptado do diagrama contido em A Criação de Mitos na Publicidade (1996 p.162)
Esse herói, Francisco, apresenta uma peculiaridade que o diferencia
dos demais; todas suas ações heróicas são avalizadas pela esposa,
Helena (A Grande Mãe)
19
, tornando-a partícipe na responsabilidade dos
resultados, fossem positivos ou negativos, dividindo com o marido a aridez
do caminho, quando da morte de um filho ou na ocasião em que recebe a
notícia da paralisia de outro, situações de extrema dor para quaisquer pais.
19
“O aspecto estático do feminino é exprimido pela imagem arquetípica da Grande Mãe. A Grande
Mãe é uma imagem feminina universal que mostra a mulher como eterno ventre e eterna
provedora. É uma imagem que existe desde o começo dos tempos e em todas as culturas.” (Sal
Randazzo, p.103)
PAI
Ordem
Razão
Lei
Proteção/Provisão
PRESIDENTE
RABINO
MENTOR
GENERAL
TREINADOR
REI
CAPITÃO DE NAVIO
DIRETOR EXECUTIVO
DE EMPRESA
IMAGENS ARQUETÍPICAS MASCULINAS
40
Dira Paes, atriz que dá vida à personagem Helena nas telas, explicita
20
o
peso da esposa para Francisco:
Eu sempre imaginei essa mulher como sendo o
contraponto desse sonhador, então eu fui atrás dessa
mãe, dessa mulher que pari e consegue criar outro filho,
é o chão para esse homem poder sonhar, é chão para
esse homem ir atrás de suas conquistas, e trocar tudo
que tem por um acordeon.
Fonte: Adaptado do diagrama contido em A Criação de Mitos na Publicidade (1996 p.118)
Ganha corpo aqui o modelo comercial imposto ao filme, com a “família”
em destaque, sua estrutura bem delineada, a hierarquia e valores
preservados, atuando em bloco, como um corpo único. A história é
biográfica, porém são ressaltados estes elementos tão fortemente
introjetados em todos os segmentos sociais, as presenças do avô, do pai,
da mãe, da fraternidade, da autoridade do filho mais velho, enfim, valores
que talvez já não sejam vivenciados com igual intensidade nas famílias
contemporâneas, porém ainda reverenciados, fazendo com que o filme
tenha imensa penetração junto ao público.
20
Depoimento contido no making-off do DVD 2 filhos de Francisco.
MÃE
Calor
Alimentação
Abrigo
Segurança
DONA-DE-CASA
ENFERMEIRA
CRIADA
PROFESSORA
MÃE-NATUREZA
J
ARDINEIR
A
COZINHEIRA
DONA DE
HOSPEDARIA
IMAGENS ARQUETÍPICAS FEMININAS
41
Zezé di Camargo declara à revista Set
21
, o desejo de fazer do filme
um sucesso:
...Eu quero conquistar o público não sertanejo...
O outro herói encontrado no filme é o primogênito da família,
Mirosmar (Zezé), cuja trajetória se aproxima mais do modelo clássico do
“herói” (o masculino dinâmico: O Guerreiro Herói) encontrado no texto de
Randazzo :
...O aspecto evolutivo dinâmico da masculinidade é
representado pelo arquétipo do Guerreiro-Herói, cujos
traços positivos incluem independência, coragem e força.
O Bom Guerreiro é o generoso defensor da verdade e da
justiça, pronto a morrer por aquilo em que acredita e/ou ao
serviço daqueles que não podem defender a si mesmos.
Recortando aqui a definição sobre o masculino dinâmico de
Randazzo, identificamos na figura de Mirosmar estes componentes, e
destacamos a cena em que entende a dificuldade da família, lidera seu
irmão/parceiro (e auxiliar) e parte para o desconhecido (a rodoviária) em
busca de uma solução que considera possível para a situação familiar.
Este pequeno guerreiro já passara por uma prova iniciadora ao se
apresentar em um palco, de improviso, sem preparo, como que testando
suas capacidades.
21
Edição nº 218 de 08/2005, ano 18, p.36-41
42
Fonte: Adaptado do diagrama contido em A Criação de Mitos na Publicidade (1996 p.68)
No complemento da definição de Randazzo, explicitada abaixo,
também é possível assemelhar Zezé, já crescido, de “prontidão” no
cuidado com os seus, no quadro em que explicita sua necessidade de um
emprego para prover suas filhas.
O aspecto “dinâmico” ou “evolutivo” da masculinidade
é exatamente o oposto do aspecto estático da
feminilidade. Ao contrário do caráter feminino “estático” ou
elementar, que Neumann define como “continente”, o
caráter masculino dinâmico é “penetrante”. O caráter
penetrante do macho nasce do seu pênis, que se projeta
para fora e penetra a fêmea. O aspecto “dinâmico” ou
evolutivo da masculinidade é agressivo, decidido e
orientado para uma meta.
Entre a constelação global de arquétipos, o do
Guerreiro-Herói resulta na imagem universal masculina
mais abrangente e duradoura. (Zeus era ao mesmo tempo
uma figura guerreira e uma figura de pai.) (veja figura) Dos
heróis míticos como Marduk, Aquiles e Hércules, até
guerreiros modernos como John Wayne, Rambo e o
general Norman Schawartzkopf, o guerreiro-Herói
masculino, como a sua ênfase sobre independência, força
O ARQUÉTIPO DO GUERREIRO
GUERREIRO
Independência
Força
Coragem
JOGADOR DE FUTEBOL
HOMEM DE NEGÓCIO
POLICIAL
SOLDADO
CAVALEIRO
O
PERÁRI
O
GLADIADOR
ARTISTA
43
e coragem, dominou a psique e a sensibilidade das
culturas ocidentais. Do lado positivo o Guerreiro-Herói é o
protetor, o generoso defensor de tudo aquilo que é bom. O
Guerreiro-Herói tem coragem de lutar limpo, de lutar por
aquilo em que acredita, de enfrentar “o dragão”, chegando
até a sacrificar a sua própria vida. Está sempre de
prontidão par defender a sua família e o seu país...
Mirosmar é desde a primeira infância preparado pelo pai para atingir
algo que transcende seu lugar comum, passa por provas iniciadoras e as
supera, assume responsabilidades incomuns ao seu momento, há sempre
um parceiro de plantão, primeiro seu irmão Emival, depois Dudu e
finalmente Welson, encontra e realiza o encantamento da paixão com Zilú
(A Donzela), e finalmente é premiado com o êxito.
Ao longo do filme, encontramos elegias ao herói, destacando suas
figuras análogas, como o peão (cowboy), o guerreiro (na trilha sonora), o
galã (na conquista de Zilú por Mirosmar) e, dentre estas, destaca-se a luta
pela vida melhor, a persistência e a coragem, o que encanta, pelo desejo
de ver realizado, a grande massa popular. Depoimentos de executivos e
Fonte: Adaptado do diagrama contido em A Criação de Mitos na Publicidade (1996 p.118)
O ARQUÉTIPO DA DONZELA
DONZELA
Beleza
Sedução
Feitiço
Perdição
ESPORTISTA
SEDUTORA
NINFA
VIRGEM
MÃE-NATUREZA
M
U
LHER FATAL
MAGA
SEREIA
ARTISTA
44
atores do produto atestam a aura de emoção do qual estava revestido o
filme:
Fala de Vicente Kubrusly:
Talvez se o filme não fosse baseado numa história
real, a gente tivesse que, de alguma maneira na
montagem, tentado minimizar ou maximizar certo tipo
de emoção para tornar aquilo mais crível, ou menos
crível, e naquele caso isso não era muito necessário,
porque o argumento do filme foi escrito por Deus,
né?
Fala de Carolina Kotscho:
Contar história boa é fácil, a vida deles é uma
história pronta.
Fala de José Dumont:
É um documento de alma mesmo, eu nunca li um
roteiro que me emocionasse tanto. São pessoas que
lutam acirradamente pela vida, isso é bonito, isso é
muito bonito.
Fala de Dira Paes:
Esse filme tem a ver com quem tem amor no
coração, com quem ama mesmo, com quem é
desvairado. Esse filme tem a ver com isso, com quem
gosta da vida, com quem não esmorece no primeiro
sacrifício, na primeira derrota.
Fala de Ângelo Antonio
:
... nos dá essa coragem, nos desperta essa
coragem, nos faz acreditar que a gente tem essa
força, de fé e de superação, e de acreditar que nada
é impossível.
45
Fala de Jackson Antunes
:
Acho que em qualquer lugar do mundo que esse
filme for exibido ele vai sensibilizar de forma muito
bonita, mostra o retrato de um país, de pessoas que
podem dar certo.
No making-off do filme, Luciano expressa seu sentimento ao ver a
escola, aquela cuja construção foi mostrada no texto fílmico, da seguinte
maneira: - Meu pai fez muito mais pelo mundo que muita gente, e minha
mãe acreditou sempre nele, até hoje. É uma guerreira.
Entendemos que estes depoimentos retratem, de uma maneira
possível, o composto do qual foi feito o “produto” 2 filhos de Francisco.
Não por este compósito, mas solidamente por ele alicerçado, 2
filhos de Francisco tornou-se um fenômeno de audiência para os padrões
do cinema nacional.
2.3 A figura do sertanejo
O Brasil, até meados dos anos 50 do século passado, era
essencialmente um país agrário, com 70% de sua população estabelecida
no campo
22
, época em que tem início seu êxodo em direção às capitais,
provocando inversão absoluta desse panorama, com a população rural
compondo 32% na década de 80
23
e hoje 19% do total
24
. Estas
estatísticas são representativas para nosso tema, por demonstrarem que
uma parcela significativa dos consumidores do “gênero sertanejo”
encontra-se nos grandes centros, como comprova o resultado do ranking
das rádios mais ouvidas na Grande São Paulo, levado a cabo pelo
22
Fonte: IBGE - Estatísticas Históricas do Brasil/volume 3 - Rio de Janeiro - IBGE, 1987.
23
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil / IBGE - Rio de Janeiro, volume 56, 1986
24
Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000.
46
IBOPE
25
em 11 de julho de 2008, que coloca a “Tupi FM”, com
programação exclusivamente “sertaneja”, no topo da lista, e de um
levantamento do site “Planeta da Música”
26
, realizado no período de 13 a
19 de julho de 2008, que insere 4 músicas do gênero entre as 16 mais
executadas.
A imagem do campo, do cerrado, da roça, do sertão, das plantações,
das criações, são vívidas no imaginário dessa população que hoje habita
as cidades, mas não perde suas raízes, dentre as quais está a música.
Aqui encontramos duas vertentes: a chamada música caipira que
permanece viva, na qual os instrumentos básicos são a viola e a sanfona,
e uma contemporânea, com raízes da primeira e influências do gênero
country americano, fazendo uso da tecnologia atual em seu instrumental,
com teclados, sintetizadores, guitarras, violões e violinos elétricos, baterias
e baixos, dentre outros. Esta segunda é a que predomina nos rodeios
27
,
25
IBOPE : Instituo Brasileiro de Opinião Pública e Estatística.
26
http://www.planetademusica.com/noticias/maistocadas2.htm
27
espetáculos que reúnem provas de montaria em cavalos e touros, habilidade no laço,
adestramento em montarias, dentre outras atividades próprias da vida campestre.
47
espetáculos que no Brasil nascem em circos itinerantes e ganham
identidade própria na década de 80 p.p., utilizando as mídias em larga
escala na sua difusão.
Essa identidade, associada à modernidade na forma de viver, leva a
música sertaneja a disputar e conquistar um filão significativo do público da
indústria fonográfica, e gerar outro mercado, o da moda, com lojas
especializadas em vestuários, calçados e acessórios.
O cinema brasileiro vai explorar esse filão em todos os seus ciclos,
desde o primeiro momento com Aventuras de Zé Caipira, chegando ao
momento atual com 2 filhos de Francisco, seu exemplar mais bem
sucedido sob a ótica da audiência.
48
CAPÍTULO 3
A narrativa fílmica de 2 filhos de Francisco
Para a análise do texto fílmico de nosso objeto de estudo, 2 filhos
de Francisco, utilizaremos metodologicamente a técnica de decupagem,
associando-a à trilha sonora, pois a creditamos apropriada para o
entendimento do percurso narrativo.
Ismail Xavier em seu texto O Discurso Cinematográfico (2005),
define a decupagem como o processo de decomposição do filme (e,
portanto, das seqüências e cenas) em planos. Este método nos induz a
vasculhar o discurso fílmico, levando-nos a encontrar em algumas cenas
(unidades dramáticas) situações carregadas de signos que comporão um
todo, dando sentido, sem que nos apercebamos, à narrativa proposta.
As técnicas de enquadramento usadas, a trilha sonora, que nos
chamou a atenção pelo processo similar à intertextualidade em inúmeras
situações no transcorrer da história, o recorte temporal preciso e contínuo,
facilitando o entendimento dos espectadores, a inserção do personagem
Francisco com traços de herói, são elementos presentes na obra. Três
composições musicais se destacam: Beijinho Doce, No dia em eu saí de
casa, e É o amor.
49
O filme, dirigido por Breno Silveira, que já fizera a direção de
fotografia de Carlota Joaquina
28
, tem seu roteiro escrito a quatro mãos por
Patrícia Andrade e Carolina Kotscho, no qual contam a história de
Francisco, um lavrador do interior de Goiás, que sonha o sonho,
aparentemente impossível, de propiciar a seus filhos uma vida melhor do
que a sua, seja pelo estudo ou pela música, através da formação de uma
dupla sertaneja, modelo muito próprio de seu universo.
A trajetória do personagem central passeia amalgamada, às
vezes sutilmente e muitas incisivamente, pela figura do sertanejo, cuja
ótica apresenta-se ora desfigurada, ora concreta, pulsante e clara,
imbuída e possuída de seu rigor ético particular.
Este elemento, o sertanejo, é brindado em clássicos da literatura
brasileira, dentre eles: Guimarães Rosa e Euclides da Cunha. Monteiro
Lobato também o faz com Jeca Tatu, que carrega muito da figura caricata
do caipira.
28
Filme dirigido por Carla Camuratti, um marco do período denominado Retomada
50
Quando trouxemos para esta análise recortes possíveis dos ciclos
históricos do cinema brasileiro, foi por termos identificado pontualmente,
em todos eles, o que se pode designar como “ser sertanejo”.
Decompusemos o filme em seis conjuntos de cenas, posto as
entendermos situacionalmente indutoras às seguintes.
3.1 O rádio
O filme tem seu início com narração de Zezé Di Camargo falando
de seu pai, Francisco: um sonhador de visão, segundo amigos, e um
louco, na opinião de outros, principalmente dos parentes.
Uma legenda informa que se trata de uma história real.
A cena de abertura é feita em primeiro plano (close-up), focando as
mãos de Francisco ligando fios para a instalação de um rádio de válvula.
É este veículo midiático que faz a comunicação de Francisco e sua família
com o mundo, e estará presente ao longo do filme.
Nesta primeira fase a ação fílmica ocorre em Sítio Novo, Goiás, no ano
de 1962.
A trilha sonora dá força à cena, e Beijinho Doce apresenta Helena,
esposa de Francisco, contando a ele sua gravidez, que é o prenúncio do
nascimento do futuro herói, Mirosmar (Zezé). A letra da música agregada
à cena, transmite a força da relação do casal e importa para o texto
fílmico, em seu start, os valores que o permearão.
51
Que beijinho doce
Que ela tem
Depois que beijei ela
Nunca mais beijei ninguém
Que beijinho doce
Foi ela quem trouxe
De longe prá mim
um abraço apertado
Suspira dobrado
Que amor sem fim.
Coração quem manda
Quando a gente ama
Se eu estou junto dela
Sem dar um beijinho
Coração reclama.
Com Mirosmar no colo, ainda bebê, Francisco, como que
antevendo o futuro, afirma que o filho adora música, e que terão mais um
filho, e estes formarão uma dupla sertaneja. Nesta cena, o rádio traz Luar
do Sertão, na voz de Chitãozinho e Xororó, uma materialização de seu
sonho, aqui uma liberdade poética, posto que o primeiro disco dessa
dupla é Galopeira lançado em 1970. Luar do Sertão, um clássico do
cancioneiro popular com autoria de Catulo da Paixão Cearense,
contestada por João Pernambuco, era o prefixo da “Rádio Nacional do
Rio de Janeiro”, líder de audiência nos anos 40, e tocada em vibrafone por
Luciano Perrone.
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata, prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia, a nascer no coração
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Francisco e Helena vão aumentando a família, e, em 1972, são seis
os filhos.
52
A simplicidade e a pobreza econômica dos personagens fazem-se
presentes em todo o bloco narrativo, manifestando-se não só nas
imagens, mas notadamente nos diálogos, expressando contudo a
felicidade do casal que mantém o fogo da paixão, demonstrado na cena
em que saem da roça se recompondo, rindo e brincando, a transmitir e
transpirar paz, em estado de conjunção plena, e a trilha sonora de fundo a
realça com Colheita de Milho. Neste caso, a trilha sonora inspira
diretamente a construção da cena, processo que no filme como um todo,
embora presente não é tão marcante.
Eu tropeçava nas curvas
Do seu corpinho molhado
Debaixo do pé de milho
Como espigas no atilho
Ficamos os dois atados
Passou o ano e desta feita
Vamos ter duas colheitas
O tempo foi bom pro milho
Enquanto crescem as espigas
Chiquinha cresce a barriga
Pra colhermos nosso filho
53
3.2 A gaita
Corre o ano de 1972, e a família vai a uma “Festa do Divino”
29
em
Pirenópolis. Aqui, a narrativa fílmica se enriquece e usa o apoio da trilha
sonora, com a música Cowboy à Pirenopolina, que faz uma elegia à
região e exalta valores como a identidade do sertanejo e a valentia do
homem comum na luta pelo dia-a-dia.
Eu sou goiano do berço de Pirenópolis
Sou brasileiro, sou poeta, sou cantor
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
No lombo do manga larga sou o campeão
Também sou peão do trecho mandando meu caminhão
Meu santo é forte, tenho sorte com as meninas
Sou um cowboy à moda pirenopolina
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão
Sou um guerreiro nesta vida que se leva
Sou uma criança nos braços do meu amor
Eu sou goiano do berço de Pirenópolis
Sou brasileiro, sou poeta, sou cantor
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão
.
Neste evento acontece a estréia de Mirosmar nos palcos, então
com 10 anos de idade. Mais uma vez a música é Beijinho Doce.
Como prêmio, ganha de Francisco uma gaita, muito embora sua
apresentação não o tenha agradado inteiramente. É o futuro se
desenhando. Apesar de sua imensa simplicidade, Francisco manifesta
sua preocupação com o futuro dos filhos, vislumbrando que a
possibilidade de uma vida melhor passa necessariamente pelo estudo
29
Festa popular que acontece anualmente, no mês de janeiro.
54
ou pela música. Em sua inquietação, busca a forma de pavimentar o
caminho para este objetivo; a gaita é um passo, mas não lhe satisfaz, e
num rompante bota abaixo a parede de um cômodo de sua casa, e lhe dá
como destino certo a sede de uma escola. Para implementar seu projeto,
vai a Sítio Novo falar com o prefeito.
O simbolismo
do rádio ganha força
neste diálogo, onde o
personagem central
cobra da autoridade a
instalação da escola
em seu sítio, para
atender as crianças da região, e argumenta que a educação é um direito de
todos, conforme escutou no rádio. Consegue seu intento.
O “escutar no rádio” expresso por Francisco, no recorte temporal em
que se dá (início da década de 70), era uma situação cotidiana para
55
grande parte da população brasileira, com 40% de analfabetos
30
e, como já
dito anteriormente, cerca do mesmo percentual assentado na zona rural.
Isso explica a dimensão e importância desse meio de comunicação, uma
janela para o mundo neste universo, já que a televisão não estava
massivamente disponibilizada nas proporções hoje atingidas, devido à
carência de infra-estrutura necessária no campo, bem como aos parcos
recursos econômicos dessa população.
Cabe-nos aqui inserir o processo histórico que vive o País; está em
curso a “revolução de 64”, em um de seus momentos de endurecimento no
tocante às liberdades democráticas, sob a presidência do General Emílio
Garrastazu Médici. A figura de tropas do Exército se faz presente em cena
feita com plano geral em uma estrada.
Apoiados no texto de Campbell (2005), entendemos surgir neste bloco
a figura do herói com todas as tintas que a caracterizam: Mirosmar, o
30
Fonte: IBGE,1984
56
o sujeito da ação; a prova iniciadora (sua primeira apresentação em um
palco); o desejo de fazer; a figura do pai como destinador; o que faz fazer
(ao presentear a gaita ao filho).
No entender de Francisco, a gaita representa uma possibilidade
concreta da realização de seu desejo, quando Mirosmar consegue tocar,
ainda que de forma rudimentar, o Menino da Porteira, música referência
do “gênero sertanejo”. Nesta cena podemos dizer que Mirosmar está em
conjunção com o objeto e com o saber. O diretor se vale da fotografia
para materializar o sonho de Francisco, com toda a representatividade
57
possível, do campo dourado que faz fundo ao olhar embevecido deste
observando o filho com o pequeno instrumento.
Breno Silveira, no making-off do filme, traduz a magia poética em
que se dá a tomada, que se inicia com o pai capinando, ressaltando sua
importância por ser a primeira vez em que este reconhece no filho o
talento, e que o segundo prova a Francisco que sabe tocar (nova
consecução de sua trajetória heróica). Declara sua emoção quanto ao
resultado da cena, descreve a situação em que esta ocorre, pontuando a
interpretação do garoto, o tempo que este olha para o pai, o tempo que
Ângelo Antônio (Francisco) para de capinar, o vento que começa a soprar
e mexer o chapéu do ator, a vegetação que se movimenta suavemente
atrás deste, o silêncio, um tempo para se escutar, o tom dourado que
reveste o campo. Seu comentário:
... Caramba, que coisa bonita que a gente está
fazendo. Eu me lembro que a primeira vez que
mostrei a cena para o Zezé, ele começou a chorar.
Eu disse: Conseguimos traduzir o que aconteceu.
58
A posse da gaita, a liberdade e o apoio recebido no auto-
aprendizado em tocá-la, vão conduzindo o jovem na direção da
consecução do desejo paterno, tornando-o agente partícipe do sonho de
Francisco.
3.3
A sanfona
Determinado a propiciar a Mirosmar e Emival, este o segundo filho,
condições que entende essenciais para pôr em prática seu plano,
Francisco vai à vila próxima, e troca toda sua colheita excedente, queijos,
rapaduras, um leitão, e ainda uma arma que pertencera a seu pai, por um
acordeon e um violão.
Fica expressa, nesta cena, a busca sem limites pela possibilidade de
concretização de seu sonho. Continua a procura por um futuro melhor.
59
Em posse de seus
instrumentos, os meninos
conduzidos pelo pai
iniciam o processo de
aprendizado.
Francisco leva a
família a outra festa
regional em Pirenópolis,
quadro em que duas
situações ganham
destaque. A primeira é a
irritação do pai de Helena
ao ver a sanfona de
Mirosmar, pois entendeu que esta foi adquirida com o dinheiro obtido pela
venda da colheita, que deveria ter sido dado a ele como pagamento da
quantia que lhe emprestara para a compra do arado, da mesma forma que
já havia sido contrário à decisão de Francisco de instalar a escola em sua
casa. No seu entender, estas atitudes eram incompatíveis com a realidade
e as necessidades que viviam. A segunda é o pedido de Francisco a Zé
do Fole, sanfoneiro de renome que lá se apresentava (interpretado por
Jackson Antunes), que ensinasse o garoto a tocar a sanfona; este
inicialmente negou-se a atendê-lo, porém, após perceber a imensa
obstinação do garoto, enterneceu-se e deu a ele os primeiros
ensinamentos no manuseio do instrumento. Conforme depoimento de
Zezé Di Camargo, contido no making-off do filme, esta foi a única aula que
recebeu, tendo aprendido o restante sozinho, por ser somente esta a
possibilidade de se desenvolver. O ambiente festivo é complementado
pela apresentação musical do grupo de Zé do Fole, interpretando um
forró
31
, numa demonstração genuína de alegria e divertimento próprios
das festas populares freqüentes na região.
Hoje eu vou sair de casa, vou bater as asas, hoje eu vou voar
31
Ritmo musical originário do nordeste, mas também encontrado no interior do centro-oeste
60
Q
uero um amor de verdade, uma cara metade, para me conquistar
Quero uma paixão no peito, hoje eu to do jeito que a moçada gosta
Quero um beijo da mulata, da morena eu quero essa paixão que mata,
mas se der eu fujo com a loira nas costas
Toca sanfoneiro toca, toca um chamamé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Toca sanfoneiro toca, toca um chamamé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Toca sanfoneiro toca, um arrasta-pé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Hoje eu estou de rédeas soltas, brigo por qualquer paixão,
Hoje eu caio na folia e amanheço o dia nesse forrozão.
É interessante notar que mais tarde Zezé inserirá a música No dia
em que saí de casa, em um CD da dupla, campeão de vendas, com
trechos à semelhança desta, que parece remetê-lo a seu passado.
Chama a atenção pelas analogias possíveis, quando na cena em
que Francisco, recolhendo ovos no galinheiro do sítio, atenta ao canto do
galo, e nele inspirado, impinge aos filhos o consumo diário e matutino de
ovos crus, para que suas vozes fiquem fortes e afinadas.
61
Num processo contínuo, os meninos ensaiam, tocam, cantam e
simulam apresentações de palco, com entradas e agradecimentos pré-
estipulados. Nasce a dupla Camargo e Camarguinho (sobrenome de
Francisco).
Apresentam-se pela região e em Pirenópolis participam de um
comício para reeleição do prefeito, aquele que instalara em Sítio Novo a
escola solicitada por Francisco. Fica no ar, se por agradecimento ou
puramente pela possibilidade de exposição.
Pirenópolis hoje em dia é uma cidade afamada,
Tem luz, tem telefone, tem ponte, tem calçada.
O prefeito trabalhando, construindo e renovando,
Fazendo dessa cidade uma só felicidade.
Surge uma grande oportunidade. Francisco consegue que a dupla
se apresente em uma rádio de Anápolis. Ensaiam uma música composta
por um compadre de Francisco, tio Ademir.
No dia do programa, o locutor pede que os meninos façam uma
prévia do que apresentarão, e a cena ganha ares de tragicomédia.
Considerando-se a conjuntura político-social em que a situação se
passa, a letra fala por si só:
Terra linda de grandes riquezas
Viva a natureza da nossa nação
Que vive hoje em dia
Numa grande confusão
Cadê a esperança de um povo
62
Que trabalha noite e dia?
Cadê as suas festanças e a sua alegria?
Viva as forças armadas
E a sua tirania.
Sem se dar conta da razão das gargalhadas, o trio se retira triste
e humilhado, e volta para o sítio, sem a compreensão exata do ocorrido.
Os problemas continuam. O pai de Helena, insatisfeito, cobra o
arado que lhes financiara, e pede suas terras de volta, expulsando-os de
seu lar. Francisco entende que o caminho a ser seguido é a mudança
para a capital goiana; consegue o aval de Helena argumentando que lá
encontrarão um futuro melhor para os filhos. Muito da busca de Francisco
fica explícita em seu diálogo com Helena na cena em que a família deixa
a casa e parte para Goiânia: “ – Essas terras nunca foram nossas
mesmo”.
A fotografia da cena em pauta é irretocável, quando ao fechar da
porta da casa, se faz a escuridão, com abertura de nova cena: a família
com seus parcos pertences sobre uma carroça puxada por um cavalo
chamado Chico, em direção à estrada. Helena chora, e as fisionomias de
todos retratam tristeza, lançando olhares fugidios para o que estão
deixando, mas o de Francisco busca o horizonte como um símbolo do
futuro. A música que dá vida ao quadro é Poeira Vermelha.
O carro de boi lá vai
Gemendo lá no estradão
Suas grandes rodas fazendo
Profundas marcas no chão
Vai levantando poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
63
Olha seu moço, a boiada
Em busca do ribeirão
Vai mugindo e vai ruminando
Cabeças em confusão
Vai levantando poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Olha só o boiadeiro
Montado em seu alazão
Conduzindo toda a boiada
Com seu berrante na mão
Seu rosto é só poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Poeira entra meus olhos
Não fico zangado não
A analogia posta é a família em busca da vida possível, frente ao
refrão da música que diz: é a boiada em busca do ribeirão.
O processo pelo qual passam é comum a uma parcela
considerável da população rural brasileira, a migração do campo em
direção aos grandes centros, na busca de oportunidade de emprego e de
uma vida menos miserável. Este processo ganha corpo a partir da política
de industrialização promovida no governo JK, no final dos anos 50 do
século XX.
Ainda no ônibus que os levou à Goiânia, ao adentrar pela cidade
grande, a câmera captura os olhares extasiados de Francisco e Emival.
A violência urbana, infelizmente comum nos grandes centros, se faz
presente no desembarque de Francisco, Helena e sua prole na rodoviária
da capital do estado.
É noite quando a família alcança seu novo domicílio, uma casa
paupérrima de periferia, mas nova cena de encantamento: no interior da
casa, Francisco alegra aos seus, ao brincar com o acender e apagar da
luz elétrica, elemento indisponível no lugar de onde vieram, mostrando a
magia da tecnologia e de certa maneira fazendo uma referência
metalingüística ao cinema. Juan Droguett, em Sonhar
64
de olhos abertos (2004), fala sobre filme/cinema de forma ditosa como
segue:
...O cinema oferece ao espectador a grafia de
imagens em movimento, em que acontece algo de
prodigioso....
O destino de Francisco é o comum a um sem número de retirantes,
de agricultor a pedreiro.
Breno Silveira faz uso de uma técnica simples, mas impactante,
quando dá a notícia de que Wellington, outro filho de Francisco e Helena,
está com paralisia. A má notícia vem acompanhada de escuridão e chuva.
Novamente nos apoiamos em Lutz Muller (1992) quando vemos em
Zezé (Mirosmar) as características do herói. Pressionado pela tristeza e
desamparo de Helena frente à fome dos filhos, convoca Emival e,
debaixo de chuva, carregando o acordeon e o violão, dirigem-se à
rodoviária e lá se apresentam. Apesar de todas as desditas que os
cercam, ganham algum dinheiro, transformando “arte” em remuneração,
65
trilhando assim o caminho do “herói”
32
, aquele que faz do seu dia-a-dia
uma superação, aliviando dessa forma a aflição dos outros.
A trilha sonora é consoante com o enredo: a música de fundo é
No dia em que saí de casa.
No dia em que saí de casa minha mãe me disse filho vem cá
Passou a mão em meus cabelos, olhou em meus olhos começou falar
Por onde você for eu sigo com meu pensamento sempre onde estiver
Em minhas orações eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meu motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar alí
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
A minha mãe naquele dia me falou do mundo como ele é
Parece que ela conhecia cada pedra que eu iria por o pé
E sempre ao lado do meu pai da pequena cidade ela jamais saiu
Ela me disse assim meu filho vá com Deus
Que este mundo inteiro é seu
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meus motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar ali
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
Esse primeiro passo consumado pela dupla leva o pai a
acompanhá-los à rodoviária, admirando-os, recorte em que surge, se
considerarmos como saga, a figura do mal.
32
A ação perpetrada nesta situação por Mirosmar é própria do “guerreiro-herói”.
66
3.4
A figura ambígua do bem/mal
Observados
pelo pai, a dupla
também é notada por
Miranda, novo
personagem, um
agente menor de
artistas em busca de
sua galinha dos ovos-
de-ouro.
Fig. 18
Percebe nos meninos a possibilidade do ganho fácil. Abordado
por Francisco, o seduz com a certeza da concretização de seu sonho, o
sucesso da dupla de pequenos sertanejos.
“Camargo, Camarguinho, Camarguinho, Camarguinho, os sabiás
do serrado” é o mote de Miranda.
Após muita hesitação, Helena concorda com o esquema
proposto, os meninos viajarão com Miranda durante uma semana. Quem
destoa do desejo de participar é Emival, que parte quase empurrado por
Francisco.
Já na estrada, Miranda os conclama a ensaiar, e a música não é
outra, senão Tristeza do Jeca (o CD da trilha sonora traz a interpretação
de Maria Bethânia, Caetano e Zezé).
Nesses versos tão singelos
Minha bela meu amor
67
A contrariedade clara de Emival atinge seu nível físico, quando
reclama de fome.
Estão em Radiolândia, e a
figura safa de Miranda pára sua velha
pick-up Kombi na churrascaria Ponto
de Apoio ao Caboclo.
Para a pequena dupla, novo
aprendizado. Miranda os manda na
frente para o restaurante, e diz para
entrarem cantando. Adentrando o
local, observa os pequenos cantores, como se não os conhecesse, e a
atenção que estes despertam nos comensais; pede, então, que toquem
Tristeza do Jeca, que diz ser sua música. A aura de emoção se instala, e
Miranda deposita uma nota na caixinha da dupla. Ato contínuo, muitos o
imitam. A receita é boa.
Nesses versos tão singelos
Minha bela meu amor
Pra você quero contar
O Meu sofrer e a minha dor
Sou igual a um sabiá
Que quando canta é só tristeza
Desde o galho onde ele esta
Nessa viola canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira chão
Todo cheio de buracos
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada principia um barulhão
Nessa viola canto e choro de verdade
Cada toada representa uma saudade
Lá no mato tudo é triste desde o jeito de falar
Pois o jeca quando canta dá vontade de chorar
E o choro que vai caindo devagar vai se sumindo
Como as águas vão pro mar
68
O fecho quase hilário, é o convite que faz aos garotos para que
almocem com ele.
A viagem se estende, e as imagens passeiam por Jaguariúna,
Brasília, Tocantins, e outras tantas localidades. Quando na estrada, a
música de fundo é Rio de Piracicaba, clássico do cancioneiro popular de
forte apelo emotivo.
Pertinho da minha casa
Já formou uma lagoa
Com lágrimas dos meus olhos
Por causa de uma pessoa
Mirosmar está feliz, mas Emival ressentido; devido a uma birra
infantil é agredido por Miranda.
Quatro meses se passaram; sem notícias dos filhos, Helena está
angustiada, e cobra de Francisco o retorno dos meninos.
O périplo da busca do pai é infrutífera, concomitantemente, os
garotos vão descobrindo novidades, dentre estas o sexo, em tomada que
Miranda namora no hotel em que estão hospedados.
Cálix Bento, cantado à capela por Ney Matogrosso, vai permeando a
imagem.
69
Oh Deus salve o oratório
Oh Deus salve o oratório
Onde Deus fez a morada aiai meu Deus
Onde Deus fez a morada oiái
Onde mora o Calix Bento
Onde mora o Calix Bento
E a hóstia consagrada óiai meu Deus
E a hóstia consagrada óiai
O texto fílmico explicita o resultado da dupla, com suas novas
roupas, e no retorno à Goiânia, a bordo de um Maverick e não mais na
velha Kombi.
O rompimento de Francisco com o empresário se apresenta
inevitável, e nova jornada em busca do sucesso se inicia.
Primeiro Festival de Duplas Infantis da Rádio Metropolitana de
Goiânia. Na fila, o destinador Francisco e “sua” dupla. Após amargar
horas de fila, para espanto e revolta de todos que aguardavam para
serem atendidos, um funcionário da rádio informa que as inscrições do
dia estão encerradas. Então lá se apresenta Miranda, trazendo um novo
garoto, que é prontamente atendido, o que só faz a raiva de Francisco
aumentar. Dirigindo-se a ele, elogiando os “sabiás do cerrado”, Miranda
lhe oferece um cartão, que é recusado, mas aceito por Mirosmar que o
guarda.
70
O conflito interno de Francisco fica evidente, na medida em que
entende que a mudança de vida dos meninos está na música, enquanto
seu coração de pai gostaria de protegê-los. No balanço feito, opta pelo que
entende de melhor para os filhos e procura Miranda aceitando a proposta,
mas exigindo que este e os filhos mantenham contato sistemático com a
família.
Leva Helena ao escritório de Miranda, que a convence a deixá-lo ser
novamente o responsável pelos meninos. Novo nome para a dupla, nasce
“Daby e Dieberson”. A cena tem seu ponto alto na fala do empresário;
mostrando uma revista “Manchete” à Helena, aponta uma foto na qual
supostamente estaria, dizendo: “Sou este, atrás, em primeiro plano”.
A alegria de Mirosmar é clara, mas a aceitação de Emival só
acontece com o convencimento da mãe, quando lhe diz que Miranda
mudou.
Na partida dos meninos a música que completa a cena é No dia
em que eu saí de casa, revestindo a narrativa com a relevância da
presença de Helena, sua importância mediadora junto aos filhos, da
calma e segurança que lhes transmite, como se minimizasse os perigos
e crueldades do mundo real para torná-los suportáveis, enfim
capacitando os meninos a enfrentar as dificuldades encontradas na
busca de realização de seu sonho.
No dia em que saí de casa minha mãe me disse, filho vem cá
71
Passou a mão em meus cabelos, olhou em meus olhos e começou falar
Por onde você for, eu sigo com meu pensamento sempre onde estiver
Em minhas orações eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus
3.5 A tragédia
Aqui, os quadros sucedem-se rapidamente.
A dupla passa a apresentar-se em rodeios (início da febre).
Mantêm contato com a família.
No transcorrer desta nova jornada, há um estranhamento, mas
gradativamente vai nascendo uma relação de amizade e companheirismo;
Miranda conquista Emival e a alegria dos meninos é contagiante.
Porém, a fatalidade se manifesta de forma avassaladora: em um
acidente na estrada, Emival perde a vida.
O desespero dos pais é flagrante, Francisco se culpa e encontra na
esposa conforto e absolvição: “Se nós erramos, foi tentando acertar”.
72
A perda do irmão faz Mirosmar negar sua essência. Desilude-se,
devolve a sanfona a Francisco e pede que a troque por uma televisão para
sua mãe. É mais um pedreiro nos canteiros de obras.
Novamente Francisco se reveste de “destinador”: não vende a
sanfona e Mirosmar volta a tocá-la. É neste recorte do texto que um novo
personagem ganha destaque. Surge Welson, o caçula de nove irmãos e,
por ser o mais novo, nesta ou qualquer outra situação ganhar destaque é
incomum. Porém, pensando o produto até aqui presente, é lógico. O filme
73
não se enriquece na interrogação do porque, apenas ganha força,
expressão e continuidade no fato. Num futuro breve esta associação se
mostrará soberana.
Saudade bandida, composição da dupla e por ela interpretada, embala
o sonho de Welson, demonstrando a força de Mirosmar na construção de
sua identidade, e a falta que a distância do irmão representou em sua
vida.
Preciso de você
Preciso
Preciso de você aqui
Amor eu sou seu dependente
Coração carente
Vai me enlouquecer
Neste recorte, uma cena no transcorrer do filme merece citação: a
família reunida, e na telinha o Jornal da Globo. Cid Moreira, no protocolo
imutável, despede-se com o “boa noite” tão característico, e Francisco,
sendo o chefe da família, responde à sua saudação.
A admiração de Welson por Mirosmar vai se delineando, seja pelo
sonho de igualar-se ao ídolo, seja pelo desejo do pai ou, ainda, pela
74
necessidade/desejo do irmão. É nesta ocasião que Mirosmar assume o
nome Zezé e forma nova dupla com Dudu, figura até então desconhecida.
A dupla Dudu e Zezé se apresenta em um festival regional, e é
assistida por Welson. É nesta situação que Zezé conhece Zilú.
É paixão à primeira vista, a primeira dança e o primeiro beijo, com
direito à falta de respiração da moça, tudo ao som de Como vai você, do
repertório de Roberto Carlos, composição romântica de Antônio Marcos,
pai da atriz Paloma Duarte, intérprete de Zilú. A música traz a idéia do
indivisível, da paz do par e do saber do outro.
Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida
Peça a alguém pra me contar sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso de saber
Como vai você ?
Que já modificou a minha vida
Razão da minha paz tão dividida
Nem sei se gosto mais de mim ou de você
Vem, que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu só preciso saber...
Como vai você ?
75
Eu preciso saber da sua vida
peço a alguém pra me contar
sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso só saber
Como vai você?
que já modificou a minha vida
razão da minha paz tão dividida
nem sei se gosto mais de mim
ou de você
Vem, que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu só preciso saber
Como vai você
A dupla vence o festival, mas se desfaz. A seqüência de quadros
agora é rápida: o casamento de Zezé e Zilú, e o nascimento da primeira
filha do casal. O fundo musical Prá mudar a minha vida revela a angústia
vivida por Mirosmar; parece um sentimento confuso, mas acompanhando
sua história tudo passa a fazer sentido. Ao tempo que encontra Zilú, a
parceria com Dudu chega ao fim. Tenta a carreira solo sem resultado, mas
não desiste. O reprocesso do modelo de união de Francisco e Helena se
evidencia na cena, com Mirosmar dependente da aprovação da
companheira na busca da carreira com que tanto sonha. A negação do
início da música vai se transfigurando em parceria incondicional, e esta em
apoio e comunhão.
Queria tanto te dizer que eu já não te amo
que seu amor em minha vida foi mais um engano
Até quando eu tenho que fingir?
Se a minha boca morre de vontade do seu beijo...
Queria esquecer você apenas um momento
mas nunca consegui tirar você do pensamento
Quando eu digo que não devo te amar
o meu coração me diz te quero e não tem jeito
76
Eu sempre fiz de tudo pra me apaixonar
até um dia alguém deixar saudade no meu peito
Agora eu tenho medo
Agora eu tenho medo
Você chegou, me deixou sem saída
Me fez te querer quando eu não mais queria
Você me fez amar quando eu dizia não
e acreditar que no seu coração,
tinha o grande amor que eu sonhei um dia...
Você chegou quando a dor mais doía
e me encontrou quando eu me perdia
Acho que foi Deus que te mandou pra mim
pra recomeçar e me fazer feliz, por toda a vida.
Eu sempre fiz de tudo pra me apaixonar
até um dia alguém deixar saudade no meu peito
Agora eu tenho medo
Agora eu tenho medo
Você chegou, me deixou sem saída
Me fez te querer quando eu não mais queria
Você me fez amar quando eu dizia não
e acreditar que no seu coração,
tinha o grande amor que eu sonhei um dia...
Você chegou quando a dor mais doía
e me encontrou quando eu me perdia
Acho que foi Deus que te mandou pra mim
pra recomeçar e me fazer feliz, por toda a vida.
A busca pelo sucesso é incessante. O destino do casal é São Paulo,
e o endereço é a Avenida São João.
Uma primeira grande conquista: a gravação de um disco. Nela, Zezé
é apresentado a Leandro e Leonardo, dupla que encabeçava as paradas
de sucessos na época.
77
E em Goiânia, Welson que idolatra o irmão, trabalha vendendo
redes. É a sua vez de se apaixonar, por Cleide, e Toneladas de Paixão
o tom do envolvimento. Trata-se porém de uma relação relâmpago:
gravidez, casamento e separação sucedem-se rapidamente.
Quando eu te vi me apaixonei,
Tive que seguir meu pensamento,
Eu não sou de ferro e nem de aço,
Nem meu coração é de cimento.
Quando eu te vi não segurei,
Fui me desmanchando de paixão,
Eu já não dou conta do que faço,
Já não mando mais no coração.
Me atirei igual á água, quando desce a cachoeira,
Me acendi feito uma brasa, com o vento na fogueira,
Me atirei sem para-quedas, e voei no seu espaço,
Fui cair feito uma pedra, no calor do seu abraço.
Em São Paulo, Zezé e Zilú vão a uma loja de discos e pedem o
trabalho recém gravado. A vendedora menciona que o disco não estava
vendendo, e lhes oferece o de Leandro e Leonardo, com o hit Solidão.
É uma triste ironia, pois quem assina a composição do sucesso é o
próprio Zezé. Frustrado, culpa o pai por seu sonho louco (na única
manifestação de revolta ao longo de todo o filme). Já com duas filhas,
dependendo do trabalho da mulher para o sustento da família, pensa em
desistir (cena filmada sobre o Viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo).
78
Corte, Goiânia. Welson chega em casa e percebe que Cleide partiu.
Passam-se alguns dias, resolve procurá-la, quando a vê com outro.
Angustiado, volta a morar com a família, passeia pelas noites, olhando sua
vida que percebe sem sentido. Frente à cobrança do pai, mente, valendo-
se do argumento que sabe que o sensibilizará: conta que está ensaiando e
se apresentando em um bar.
Francisco continua ativo e, fiel a seu sonho e propósitos, presenteia
Welson com um violão. É a possibilidade de uma nova dupla que se
vislumbra.
Welson vai para São Paulo ao encontro do irmão. Não tendo como
negar, conta envergonhado a Zezé que não sabe tocar. Nesta situação,
Zezé empresta a figura de seu pai e pactua com Welson, ensinando-o a
tocar e partilhando com ele o sonho de alcançar o “sucesso”.
3.6 ZEZÉ DI CAMARGO & LUCIANO
Empenhados no aprendizado de Welson, buscam um nome para
formarem nova dupla. Dentre as várias opções, escolhem Luciano, Zezé
completa o seu com o sobrenome da família, e a música sertaneja ganha
uma nova dupla,
Zezé Di Camargo & Luciano.
A música de fundo da
cena é novamente No dia em que eu saí de casa.
Conseguem contrato para gravação de um disco, mas são avisados
pelo produtor que gravar é uma coisa, e distribuir é mais difícil.
Em meio a mais uma crise com Zilú gerada pela falta de recursos
financeiros, Zezé compõe É o amor, na narrativa enlevando o público com
a voz de Maria Bethânia.
79
Eu não vou negar que sou louco por você
Tô maluco pra te ver
Eu não vou negar
Eu não vou negar sem você tudo é saudade
Você traz felicidade
Eu não vou negar
Eu não vou negar você é meu doce mel
Meu pedacinho de céu
Eu não vou negar
Você é minha doce amada
Minha alegria
Meu conto de fada
Minha fantasia
A paz que eu preciso pra sobreviver
Eu sou o seu apaixonado de alma transparente
Um louco alucinado meio inconseqüente
Um caso complicado de se entender
É o amor
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim
Que faz eu pensar em você esquecer de mim
Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver
É o amor
Que veio como um tiro certo no meu coração
Que derrubou a base forte da minha paixão
E fez eu entender que a vida é nada sem vo
É final de ano, e vão à Goiânia rever a família. Na mala, a fita com a
mixagem do disco. Mostram aos pais o resultado de seu trabalho.
A cena que traduz a vida de Francisco se desenrola na sala da casa.
Pensativo, comenta com Helena, quando esta chega do trabalho, que
sonho louco foi o seu, de acreditar que o sucesso era algo possível. A
resposta de Helena será sua chave, ela lhe diz que não sonha: “Foi
acordada que criei essas crianças”.
No rádio (sempre presente), o locutor atende a ligações pedindo a
execução de músicas.
80
Francisco engendra seu plano de ação: leva a fita da dupla a um
conhecido da Rádio Terra de Goiânia, gasta seu salário comprando fichas
telefônicas que distribui a seus colegas, instruindo-os a ligarem para a
rádio pedindo a música dos “meninos”. A câmera passeia célere pelos
orelhões (telefones públicos), trazendo para a platéia a dinâmica da ação.
As ligações para a rádio não param, e É o amor estoura nas paradas de
sucessos. Em conseqüência, o disco é lançado e em seis meses vende um
milhão de cópias.
Francisco, de “louco” a “visionário”
81
Zezé Di Camargo & Luciano - vinte milhões de discos vendidos
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso projeto de pesquisa pretendemos avaliar as causas que
fizeram de 2 filhos de Francisco um fenômeno de público. No início, duas
vertentes possíveis nos chamaram a atenção: uma que dizia sobre o
enraizamento cultural brasileiro, preponderando a figura do sertanejo; a
outra nos conduzia pelo estudo do processo mercadológico do produto (o
filme).
No transcorrer do estudo de caso de 2 filhos de Francisco, outras
possibilidades do sucesso comercial ficaram evidentes, e as figuras de
heróis contidas no filme mereceram uma análise particular.
O ponto de partida do processo comercial de nosso objeto de estudo
era diferenciado por tratar-se da história de uma dupla de cantores
sertanejos campeões na vendagem de discos. Esta condição facilitou
sobremaneira o resultado alcançado, mas não é causa suficiente para tê-lo
obtido, uma vez que outros filmes produzidos recentemente foram
baseados em figuras estelares, ou por elas protagonizados, sem bilheterias
expressivas.
Dentro de uma perspectiva da história do cinema brasileiro, buscamos
pontualmente as películas que traziam o sertanejo/caipira como referência
para nosso trabalho, e não tivemos a pretensão de discutir seus ciclos. Tal
busca surtiu efeito, pois encontramos ao longo deste percurso histórico
cinematográfico produtos que privilegiaram estas figuras, sejam elas
constituídas por gaúchos, nordestinos, peões ou lavradores.
Estes migrantes, anteriormente habitando o interior do país, e num
segundo momento como retirantes, hoje encontram-se estabelecidos nos
conglomerados urbanos, como revelam os últimos censos do IBGE.
83
A história de nosso cinema também apresenta a figura do herói
sertanejo travestido de guerreiro, situação modelar nos enredos sobre o
cangaço, e em outras como o pai-herói, em alguns filmes de Mazzaropi,
casos de As aventuras de Pedro Malazartes (1960), e Tristeza do Jeca
(1961), bem como em 2 filhos de Francisco.
Os heróis encontrados neste último não são os clássicos, mas sim os
populares, pessoas comuns do campo que buscam durante a vida uma
condição melhor, como um sem número de brasileiros, e na medida em
que alcançam êxito, alimentam os sonhos da possibilidade dos demais.
O enredo do filme traz inúmeras expressões que ilustram o
sentimento popular do “ser herói”. Dentre outras estão presentes, lutador,
guerreiro, trabalhador, honesto. Em depoimentos retirados do makking-off
do filme, artistas, executivos e participantes do projeto externam suas
opiniões, acentuando os valores característicos destes personagens.
Na produção do filme, os cuidados tomados na seleção de imagens,
eliminando aquelas que eventualmente pudessem desagradar ao público;
na escolha do elenco sustentado por atores da Rede Globo; na trilha
sonora sob a batuta de Caetano Veloso em parceria com Zezé Di
Camargo, trazendo estrelas de primeira grandeza da MPB, casos de Maria
Bethânia e Ney Matogrosso; na escolha das locações, o sítio onde a
história se inicia e a praça de Pirenópolis, palco das festas populares
retratadas, emprestaram nobreza ao produto. E não faltou poesia ao filme,
presente em inúmeras cenas; dentre as quais destacamos a de Mirosmar
tocando em sua gaita Menino da Porteira, o olhar embevecido de
Francisco e o campo dourado com suave brisa ao fundo.
Atribuímos a este conjunto de situações o impacto positivo causado
pelo filme junto ao público em geral e não apenas para os consumidores
da música sertaneja, e se os associarmos ao resultado da análise da
construção mercadológica do produto, na qual nos deparamos com um
planejamento de marketing, planos estratégicos, comerciais e operacionais
84
dignos de grandes corporações, e aparentemente incomuns em um cinema
que não consegue se estruturar enquanto indústria, caso do brasileiro,
podemos explicar o seu sucesso.
A promoção, quarto componente do mix de marketing, foi sobejamente
trabalhada, tanto no que concerne ao pré, quanto ao pós-lançamento, com
a correta exploração de todos os canais midiáticos na divulgação do filme.
Para finalizar, gostaríamos de salientar que a pretensão deste
trabalho é tão-somente esperar que ele possa servir, mesmo que
modestamente, para o desenvolvimento do estudo dos aspectos
mercadológicos do cinema brasileiro.
85
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www.adorocinemabrasileiro.com.br
www.mnemocine.com.br
www.pucsp.br
www.unicamp.br
www.intercom.org.br
www.cisc.org.br/
91
ANEXOS
Trilha sonora do filme “2 filhos de Francisco”:
BEIJINHO DOCE
Nhô Pai
Interpretação: Tonico e Tinoco
Que beijinho doce
Que ela tem
Depois que beijei ela
Nunca mais beijei ninguém
Que beijinho doce
Foi ela quem trouxe
De longe prá mim
um abraço apertado
Suspira dobrado
Que amor sem fim.
Coração quem manda
Quando a gente ama
Se eu estou junto dela
Sem dar um beijinho
É O AMOR
Zezé Di Camargo
Interpretação: primeira entrada - Maria Bethânia
segunda entrada - Zezé Di Camargo & Luciano
Eu não vou negar que sou louco por você
Tô maluco pra te ver
Eu não vou negar
Eu não vou negar sem você tudo é saudade
Você traz felicidade
Eu não vou negar
Eu não vou negar você é meu doce mel
Meu pedacinho de céu
Eu não vou negar
92
Você é minha doce amada
Minha alegria
Meu conto de fada
Minha fantasia
A paz que eu preciso pra sobreviver
Eu sou o seu apaixonado de alma transparente
Um louco alucinado meio inconseqüente
Um caso complicado de se entender
É o amor
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim
Que faz eu pensar em você esquecer de mim
Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver
É o amor
Que veio como um tiro certo no meu coração
Que derrubou a base forte da minha paixão
E fez eu entender que a vida é nada sem vo
SAUDADE BREJEIRA
José Eduardo Morais/ Nasr Chaul
Interpretação: Caetano Veloso e Zezé Di Camargo
Que saudade do meu alasão
Do berrante imitando trovão
da boiada de baixo do sol
nos caminhos gerais do sertão
das estrelas da noite luar
capeloubo na mata azul
do arroz com piquito ingá
dos amigos de fé da minha terra
minha terra de ribeirão das caldas
de olho da agua de magia e procisão
de congadas de meu chapeu de palha
deste amor natural do coração
quanto mãe traz noticias de lá
a vontade é voltar pra ficar
me abençoa ao céu de acuan
di quipina peilo e ceda
minha serra ouro e dor dourada
93
quanta tristeza nas tardes do sertão
que a noite transforma em serenata
cantoria que afasta a solidão
o meu peito goiano é assim
di saudade breijeira sem fim
quando gosta ele diz que trem bão
quanto canta a viola é paixão
minha serra de ouro e dor dourada
quanta tristeza nas tardes do sertão
que a noite transforma em serenata
cantoria que afasta solidão
o meu peito goiano é assim
de saudade breijeira sem fim
quando gosta ele diz que trem bão
quando canta a viola é paixão
lara eu, lara eu, lara eu
lara eu, lara eu
NO DIA EM QUE EU SAÍ DE CASA
Joel Marques
Interpretação: Zezé Di Camargo & Luciano
No dia em que saí de casa minha mãe me disse filho vem cá
Passou a mão em meus cabelos, olhou em meus olhos começou falar
Por onde você for eu sigo com meu pensamento sempre onde estiver
Em minhas orações eu vou pedir a Deus
Que ilumine os passos seus
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meu motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar alí
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
A minha mãe naquele dia me falou do mundo como ele é
Parece que ela conhecia cada pedra que eu iria por o pé
E sempre ao lado do meu pai da pequena cidade ela jamais saiu
Ela me disse assim meu filho vá com Deus
94
Que este mundo inteiro é seu
Eu sei que ela nunca compreendeu
Os meus motivos de sair de lá
Mas ela sabe que depois que cresce
O filho vira passarinho e quer voar
Eu bem queria continuar alí
Mas o destino quis me contrariar
E o olhar de minha mãe na porta
Eu deixei chorando a me abençoar
DOU A VIDA POR UM BEIJO
Antonio Luiz/ Cecílio Nena/ Lalo Prado
Interpretação: Zezé Di Camargo & Luciano
Difícil demais, te amar assim
Minha timidez tem que ter um fim
preciso perder o medo de falar
pra não te perder vou me declarar
Morro de saudade quando você some
dá uma vontade de gritar seu nome
Quase uma loucura, uma obsessão
Pra me sentir feliz só tem uma saída
fazer você ficar de vez na minha vida
Perto dos meus olhos e do coração....
Eu te amo, eu preciso te dizer
Todo dia, toda noite o meu sonho é você
Eu te amo, é paixão que não tem fim
dou a vida por um beijo
quero ter voce pra mim
TONELADAS DE PAIXÃO
Darci Rossi/ Alexandre/ Serginho Sol
Interpretação: Zezé Di Camargo & Luciano
Quando eu te vi me apaixonei,
Tive que seguir meu pensamento,
Eu não sou de ferro e nem de aço,
95
Nem meu coração é de cimento.
Quando eu te vi não segurei,
Fui me desmanchando de paixão,
Eu já não dou conta do que faço,
Já não mando mais no coração.
Me atirei igual á água, quando desce a cachoeira,
Me acendi feito uma brasa, com o vento na fogueira,
Me atirei sem para-quédas, e voei no seu espaço,
Fui cair feito uma pedra, no calor do seu abraço.
Emoção tomando conta, meu olhar virou goteira,
Fiquei leve igual criança, quando cai na brincadeira,
Pela estrada do destino, sigo em sua direção,
Por você vou carregando toneladas de paixão.
Quando eu te vi não segurei,
Fui me desmanchando de paixão,
Eu já não dou conta do que faço,
Já não mando mais no coração.
Me atirei igual á água, quando desce a cachoeira,
Me acendi feito uma brasa, com o vento na fogueira,
Me atirei sem para-quédas, e voei no seu espaço,
Fui cair feito uma pedra, no calor do seu abraço.
Emoção tomando conta, meu olhar virou goteira,
Fiquei leve igual criança, quando cai na brincadeira,
Pela estrada do destino, sigo em sua direção,
Por você vou carregando toneladas de paixão.
Emoção tomando conta, meu olhar virou goteira,
Fiquei leve igual criança, quando cai na brincadeira,
Pela estrada do destino, sigo em sua direção,
Por você vou carregando toneladas de paixão.
Por você vou carregando toneladas de paixão
TRISTEZA DO JECA
Angelino de Oliveira
Interpretação: Maria Bethânia e Caetano Veloso, participação especial
Zezé di Camargo
Nesses versos tão singelos
Minha bela meu amor
Pra você quero contar
96
O Meu sofrer e a minha dor
Sou igual a um sabiá
Que quando canta é só tristeza
Desde o galho onde ele esta
Nessa viola canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira chão
Todo cheio de buracos
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada principia um barulhão
Nessa viola canto e choro de verdade
Cada toada representa uma saudade
Lá no mato tudo é triste desde o jeito de falar
Pois o jeca quando canta dá vontade de chorar
E o choro que vai caindo devagar vai se sumindo
Como as águas vão pro mar
CALIX BENTO
Tavinho Moura
Interpretação: Ney Matogrosso, participação especial Caetano Veloso
O Deus salve o oratório
O Deus salve o oratório
Onde Deus fez a morada aiai meu Deus
Onde Deus fez a morada oiái
Onde mora o Calix Bento
Onde mora o Calix Bento
E a hóstia consagrada óiai meu Deus
E a hóstia consagrada óiai
De Jesé nasceu a vara
De Jesé nasceu a vara
Da vara nasceu a flor oia meu Deus
Da vara nasceu a flor oia
E da flor nasceu Maria
E da flor nasceu Maria
De Maria o Salvador oiai meu Deus
De Maria o Salvador oiai
97
COMO VAI VOCÊ
Mário Marcos/Antonio Marcos
Interpretação: Antonio Marcos, Zezé di Camargo e Luciano
Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida
Peça a alguém pra me contar sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso de saber
Como vai você ?
Que já modificou a minha vida
Razão da minha paz tão dividida
Nem sei se gosto mais de mim ou de você
Vem, que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu só preciso saber...
Como vai você ?
Eu preciso saber da sua vida
peço a alguém pra me contar
sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso só saber
Como vai você?
que já modificou a minha vida
razão da minha paz tão dividida
nem sei se gosto mais de mim
ou de você
Vem, que a sede de te amar me faz melhor
Eu quero amanhecer ao seu redor
Preciso tanto me fazer feliz
Vem, que o tempo pode afastar nós dois
Não deixe tanta vida pra depois
Eu só preciso saber
Como vai você
98
O LAVRADOR
Niceas da Silva/ Felisbelo da Silva/ Cecílio Nena
Interpretação: Wanessa Camargo e Nando Reis
Sou apenas lavrador... moro lá no infinito na
Inchada eu sou doutor.... no machado eu sou perito
Os meus versos semeei no rancho no balanço do garrancho que
Sol queimou no laço do pataxo no riacho no braço da
Viola que consola um cantador minha vida pelos campos
Que são tantos pirilampos entre troncos e barrancos sou feliz
E por enquanto até o presidente come do que eu planto
Até o presidente come do que eu planto
Sou apenas sonhador... da raiz e da semente não
Há terra meu senhor... que eu não faça obediente
Tantos anos já gastei no gado no arado e no chachado de um
Sanfoneiro fiz um filho sou o livro planto arvores e o
Resto dos pecados por ser macho também desejei
Minha vida pelos campos se chover não tem quebranto há
Colheita vai ser boa tem fartura eu garanto até o presidente
Come do que eu planto até o presidente come
Do que eu planto todos presidentes (todos presidentes)
Todos brasileiro todos eles comem oh... o que eu
Planto e que eu semeiu.... oh... o que eu planto e que
Eu semeiu.... oh... o que eu planto e que eu semeiu...
LUAR DO SERTÃO
Catulo da Paixão Cerense / João Pernambuco
Interpretação: Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade, do luar lá do sertão!
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Se a lua nasce por detras da verde mata
Mais parece um sol de prata, prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
99
E a canção e a lua cheia, a nascer no coração
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Coisa mais bela neste mundo não existe
Do que ouvir o galo triste no sertão se faz luar
Parece até que a alma da lua é quem diz "canta"!
Escondida na garganta deste galo a soluçar
Ah, quem me dera eu morresse la na serra!
Abraçado á minha terra de domingo de uma vez
Ser enterrado numa grota pequenina
Onde á tarde, a sururina chora a sua viuvez
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! não, luar como esse do sertão!
EU E MEU PAI
Vicente Dias/ Cleide
Interpretação: Zezé di Camargo e Luciano
Olha lá o meu pai
Com as mãos calejadas
Perdendo o seu resto de vida
No cabo da enxada
Eu não queria que fosse assim
Pra mim seria tudo diferente
Queria ter meu pai na cidade
Morando alegre junto da gente
De que vale ter diploma
Ter conforto, ter de tudo
Se eu não posso ter em casa
Ele que me pôs no mundo
Estudei por tantos anos
Para tira-lo daqui
Meu esforço foi em vão
Porque ele não quer ir
Quando é de manhãzinha
Que o dia vem chegando
Ele escuta seu despertador
100
No poleiro cantando
Ele chama seu melhor amigo
Que sai latindo e correndo na frente
E vem pro trabalho pesado
Aqui debaixo deste sol ardente
Nesse carro eu me vejo
Bem vestido e perfumado
Sofro tanto vendo ele
De suor todo molhado
Olha a condução do velho
Numa corda amarrada
Olha a geladeira dele
lá na sombra encostada
Quando é de tardezinha
vai pra sua casinha
Comer seu feijão com arroz
Feito no fogão a lenha
E na sua poltrona de angilo
Ele vai sentar comovido
E na tela maior do mundo
Ele contempla seu filme preferido
Na televisão do velho
Não tem filmes de bandidos
Não tem filmes policiais
E nem filmes proibidos
No canal do infinito
Sua TV é ligada
Só aparecem as estrelas
E a lua prateada
Olha lá o meu pai...
PRÁ MUDAR A MINHA VIDA
César Augusto/Piska
Interpretação: Zezé di Camargo e Luciano
Queria tanto te dizer que eu já não te amo
que seu amor em minha vida foi mais um engano
Até quando eu tenho que fingir?
Se a minha boca morre de vontade do seu beijo...
101
Queria esquecer você apenas um momento
mas nunca consegui tirar você do pensamento
Quando eu digo que não devo te amar
o meu coração me diz te quero e não tem jeito
Eu sempre fiz de tudo pra me apaixonar
até um dia alguém deixar saudade no meu peito
Agora eu tenho medo
Agora eu tenho medo
Você chegou, me deixou sem saída
Me fez te querer quando eu não mais queria
Você me fez amar quando eu dizia não
e acreditar que no seu coração,
tinha o grande amor que eu sonhei um dia...
Você chegou quando a dor mais doía
e me encontrou quando eu me perdia
Acho que foi Deus que te mandou pra mim
pra recomeçar e me fazer feliz, por toda a vida.
Eu sempre fiz de tudo pra me apaixonar
até um dia alguém deixar saudade no meu peito
Agora eu tenho medo
Agora eu tenho medo
Você chegou, me deixou sem saída
Me fez te querer quando eu não mais queria
Você me fez amar quando eu dizia não
e acreditar que no seu coração,
tinha o grande amor que eu sonhei um dia...
Você chegou quando a dor mais doía
e me encontrou quando eu me perdia
Acho que foi Deus que te mandou pra mim
pra recomeçar e me fazer feliz, por toda a vida.
DOU A VIDA POR UM BEIJO
Antonio Luiz/ Cecílio Nena/ Lalo Prado
Interpretação: Zezé di Camargo e Luciano
Difícil demais, te amar assim
Minha timidez tem que ter um fim
preciso perder o medo de falar
pra não te perder vou me declarar
102
Morro de saudade quando você some
dá uma vontade de gritar seu nome
Quase uma loucura, uma obsessão
Pra me sentir feliz só tem uma saída
fazer você ficar de vez na minha vida
Perto dos meus olhos e do coração....
Eu te amo, eu preciso te dizer
Todo dia, toda noite o meu sonho é você
Eu te amo, é paixão que não tem fim
dou a vida por um beijo
quero ter voce pra mim
POEIRA VERMELHA
Padre Fábio de Melo
Interpretação: Pena Branca e Xavantinho
O carro de boi lá vai
Gemendo lá no estradão
Suas grandes rodas fazendo
Profundas marcas no chão
Vai levantando poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Olha seu moço a boiada
Em busca do ribeirão
Vai mugindo e vai ruminando
Cabeças em confusão
Vai levantando poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Olha só o boiadeiro
Montado em seu alazão
Conduzindo toda a boiada
Com seu berrante na mão
Seu rosto é só poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Barulho de trovoada
Coriscos em profusão
A chuva caindo em cascata
Na terra fofa do chão
Virando em lama a poeira, poeira vermelha
103
Poeira, poeira do meu sertão
Poeira entra meus olhos
Não fico zangado não
Pois sei que quando eu morrer
Meu corpo irá para o chão
Se transformar em poeira, poeira vermelha
Poeira, poeira do meu sertão
Poeira do meu sertão, poeira
Poeira do meu sertão
RIO DE LÁGRIMAS (RIO DE PIRACICABA)
Lourival Santos, Piraci e Tião Carreiro
Interpretação: Dablio Moreira (Mirosmar) e Marcos Henrique (Emival)
O rio de Piracicaba
Vai jogar água prá fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora
Lá no bairro onde eu moro
Existe uma nascente
A nascente dos meus olhos
Já brotou água corrente
Pertinho da minha casa
Já formou uma lagoa
Com lágrimas dos meus olhos
Por causa de uma pessoa
Eu quero apanhar uma rosa
Minha mão já não alcança
Eu choro desesperado
Igualzinho a uma criança
Duvido alguém que não chore
Pela dor de uma saudade
Eu quero ver quem não chora
104
Saudade bandida
Zezé di Camargo & Luciano
Interpretação: Zezé di Camargo & Luciano
Outra vez, meu coração te procura
Outra vez, a solidão me tortura
E eu aqui com essa saudade bandida
Falta amor, falta você minha vida
Vem viajar no meu corpo, traga os sonhos meus
Traz de volta o meu sorriso pelo amor de Deus
Estou perdido de desejo, estou apaixonado
Aborrecido, coração magoado
Mas não tem jeito, eu quero ter você
Estou perdido de amor, estou de mal com o mundo
Obsessão, amor de vagabundo
Mas não tem jeito, eu quero ter você
Preciso de você
Preciso
Preciso de você aqui
Amor eu sou seu dependente
Coração carente
Vai me enlouquecer
Preciso
Preciso de você aqui
Sem seu amor tudo é saudade
Faz minha vontade
Vem me dar prazer
Cowboy à Pirenopolina
Interpretação:
Eu sou goiano do berço de Pirenópolis
Sou brasileiro, sou poeta, sou cantor
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
No lombo do manga larga sou o campeão
Também sou peão do trecho mandando meu caminhão
Meu santo é forte, tenho sorte com as meninas
105
Sou um cowboy à moda pirenopolina
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão
Sou um guerreiro nesta vida que se leva
Sou uma criança nos braços do meu amor
Eu sou goiano do berço de Pirenópolis
Sou brasileiro, sou poeta, sou cantor
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Ô, ô, Ô, sou peão, com minha viola eu não tenho solidão.
Música de Zé do Fole
Interpretação: Jackson Antunes
Hoje eu vou sair de casa, vou bater as asas, hoje eu vou voar
Quero um amor de verdade, uma cara metade, para me conquistar
Quero uma paixão no peito, hoje eu to do jeito que a moçada gosta
Quero um beijo da mulata, da morena eu quero essa paixão que mata,
mas se der eu fujo com a loira nas costas
Toca sanfoneiro toca, toca um chamamé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Toca sanfoneiro toca, toca um chamamé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Toca sanfoneiro toca, toca um arrasta-pé,
Hoje eu to do jeito que a morena gosta
Hoje eu to do jeito que a loirinha quer.
Hoje eu estou de rédeas soltas, brigo por qualquer paixão,
Hoje eu caio na folia e amanheço o dia nesse forrozão
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