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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A AÇÃO DA JUSTIÇA E AS TRANSGRESSÕES DA MORAL EM
MINAS GERAIS: uma análise dos processos criminais da cidade de
Mariana, 1747-1820.
Dissertação de Mestrado
Edna Mara Ferreira da Silva
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A AÇÃO DA JUSTIÇA E AS TRANSGRESSÕES DA MORAL EM MINAS GERAIS:
uma análise dos processos-crime da cidade de Mariana, 1747-1820.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História como
requisito parcial à obtenção do título de
mestre em História por Edna Mara
Ferreira da Silva
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Mansur
Barata
Juiz de Fora
2007
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Dissertação defendida e aprovada, em 31 de julho, pela banca constituída por:
___________________________________
Presidente: Prof. Dr. Ângelo Alves Carrara.
___________________________________
Titular: Prof. Dr. Luiz Carlos Villalta.
___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Mansur Barata
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz
de Fora e a coordenadora professora Maraliz de Castro Vieira Christo por terem possibilitado
a execução dessa dissertação.
Aos professores do programa, em especial às professoras Sônia Cristina da Fonseca
Machado Lino, Carla Maria Carvalho de Almeida e Silvana Mota Barbosa, responsáveis pelas
disciplinas cursadas, que foram fundamentais em diversos aspectos para o aprimoramento das
proposições deste trabalho.
Ao professor Ângelo Alves Carrara e novamente à professora Carla Almeida,
membros da minha banca de qualificação.
Ao professor Alexandre Mansur Barata, que ao longo do processo de elaboração dessa
dissertação foi coordenador do programada, professor, e orientador, sem o qual esse trabalho
não seria possível. Pela acolhida da proposta, pela leitura atenta, pelas várias indicações, pelo
diálogo aberto e sempre possível, e por tudo que caracteriza de fato uma orientação. E mais
ainda pela preocupação, cuidado e zelo dispensados ao trabalho e a essa sua orientanda que
nem sempre correspondeu à altura, e por ter contido seu lado português mesmo reconhecendo,
muitas vezes, que eu deveria ter sentido os efeitos dele. Não sei como lhe agradecer, a não ser
lhe conferindo todos os méritos pelos acertos deste trabalho e assumindo todas as eventuais
falhas. Muito obrigada, eu realmente não sei o que faria sem você.
Aos professores Luiz Carlos Villalta e Ângelo Alves Carrara, prezados mestres desde
o período da minha graduação, por terem aceitado constituir a banca examinadora deste
trabalho, o que tenho certeza contribuirá muito para o seu aperfeiçoamento.
À querida Helena Mollo, presente desde a elaboração da primeira versão do pré-
projeto dessa dissertação, como leitora, revisora, consultora, e ainda como amiga de maneira
incondicional.
Aos colegas de turma, pela troca de experiência em relação aos trabalhos, às
disciplinas, à vida acadêmica, e em alguns casos a própria vida cotidiana. Em especial à
Marcelina Queiroz, Camila Flausino, Luiz Henrique e Flávio Puff, por dividirem as agruras
da cansativa viagem semanal a Juiz de Fora, mas principalmente pelo companheirismo e laços
de amizade que se formaram ou se consolidaram.
4
Também por dividir experiências, pela amizade e companheirismo agradeço aos
demais colegas do mestrado, de modo particular ao Luiz Gustavo e ao Gaspar. A este último,
responsável pela nossa base operacional em Juiz de Fora, agradeço ainda a guarida.
Pela acolhida permanente em Mariana, quando dos vários momentos da pesquisa, e
por tudo mais, agradeço as irmãs da República Intocáveis.
Ao Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, na figura do Sr. Cássio, pelo
acesso as fontes de pesquisa que deram origem a esse trabalho. E ainda a Quelen Ingrid e a
Paula Ferrari pelo auxilio em relação à coleta dos dados nesse arquivo.
Ao Álvaro Antunes pela generosidade de partilhar seus trabalhos, o livro e a tese,
pelas trocas e empréstimos de bibliografia, pela disposição em sempre dialogar nossos temas
comuns, nem sempre acadêmicos, e por nunca ter me poupado de algumas alfinetadas.
As amigas Thábata Alvarenga, Ana Cristina Lage e Patrícia Vargas, pelo apoio efetivo
e afetivo que cada uma de vocês, a sua maneira, me deu em momentos distintos e ao longo de
execução dessa dissertação.
Aos meus colegas professores da Universidade do Estado de Minas Gerais/Campus
Campanha, pela freqüente disposição em ajudar no que fosse possível, em especial à Teresa
Lemes Miguel pelo abstract.
Aos meus ex-alunos de todos os tempos e lugares, e aos meus atuais alunos da
UEMG/Campanha, pelo incentivo.
A minha família, meu pai Edson, minha mãe Amélia, meus irmãos Gláucia e Rubens,
pelo apoio incondicional, pelo amor e carinho sempre presentes em nossas vidas, mas
principalmente pela perseverança e abnegação de meus pais, exemplos de luta e de coragem,
desde minha infância, nunca medindo esforços, mesmo em virtude das situações mais
adversas, para nossa formação.
Aos meus filhos, Maria Laura e Arthur, por serem a razão de eu tentar sempre ser uma
pessoa melhor.
Ao meu marido Juliano, pelo amor e dedicação, e por estar sempre ao meu lado
mesmo estando a quilômetros de distância.
E finalmente a todos que de alguma forma contribuíram para a execução desse
trabalho.
5
Para Juliano
6
(...) a infração além da
infração é norma e a norma além
de norma, é infração, como se
deve esperar de toda contravenção
sistemática
(Roberto Schwartz)
7
SUMÁRIO
ILUSTRAÇÕES .....................................................................................................................10
TABELAS ...............................................................................................................................10
GRÁFICOS.............................................................................................................................10
RESUMO.................................................................................................................................11
ABSTRACT ............................................................................................................................12
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1: A LEI, OS USOS E OS COSTUMES: ASPECTOS DA JUSTIÇA NO
ANTIGO REGIME.
...............................................................................................................21
SOBRE O TERMO ANTIGO REGIME: PEQUENA REVISÃO HISTORIOGRÁFICA........................ 22
PODER E SOCIEDADE EM PORTUGAL NO ANTIGO REGIME: USOS E COSTUMES .................. 27
CONCEPÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA NO BRASIL COLONIAL................................. 37
CAPÍTULO 2: FACES DA JUSTIÇA..................................................................................46
ASPECTOS DO DIREITO NA FORMAÇÃO DO ESTADO PORTUGUÊS...................................... 48
SOBRE A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA: OS CÓDIGOS E SUA COMPOSIÇÃO JURÍDICA............. 50
As Ordenações Afonsinas.................................................................................................51
Ordenações Manuelinas...................................................................................................53
Ordenações Filipinas .......................................................................................................54
JUSTIÇA CIVIL E JUSTIÇA ECLESIÁSTICA NA COLÔNIA ....................................................... 58
AS REFORMAS POMBALINAS E A LEI DA BOA RAZÃO......................................................... 62
PROCESSOS-CRIME: UNIVERSO DOCUMENTAL E POSSIBILIDADES DE ANÁLISE .................. 64
Querela ou devassa ..........................................................................................................64
Descrição das fontes documentais ...................................................................................66
CAPÍTULO 3: COTIDIANO E VIOLÊNCIA NA CIDADE DE MARIANA. ................73
DO DESCOBRIMENTO DO RIBEIRÃO DO CARMO. ............................................................... 74
SOBRE A VILA DO CARMO: O PODER CIVIL E A JUSTIÇA. ................................................... 77
O NASCIMENTO DA CIDADE DE MARIANA: ENTRE A IGREJA E O ESTADO .......................... 85
VIOLÊNCIA E AÇÃO DA JUSTIÇA NAS MINAS GERAIS NO SÉCULO XVIII ........................... 88
VIOLÊNCIA INTERPESSOAL EM MARIANA ......................................................................... 95
CAPÍTULO 4: ARRANJOS COLONIAIS: USOS DA JUSTIÇA ..................................110
CRIMES: ENTRE A PRÁTICA E A NORMA........................................................................... 112
Estupro ou defloramento:...............................................................................................114
8
Adultério:........................................................................................................................122
Injúria e agressão...........................................................................................................128
ESPAÇOS DE MEDIAÇÃO, ESPAÇOS DE REAFIRMAÇÃO ..................................................... 142
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................148
BIBLIOGRAFIA GERAL...................................................................................................153
1-FONTES PRIMÁRIAS:.................................................................................................... 153
1.1-Manuscritas: ............................................................................................................153
1.2 Outra: .......................................................................................................................155
2-FONTES SECUNDÁRIAS:............................................................................................... 156
ANEXOS ...............................................................................................................................165
ANEXO I: LEVANTAMENTO DOS CRIMES INTERPESSOAIS, MARIANA, 1741-1820........... 166
ANEXO II: ÍNDICE ONOMÁSTICO- CRIME 2º OFÍCIO- MARIANA, 1741-1820 ................... 173
9
ILUSTRAÇÕES
Organograma 1: Estrutura do Senado da Câmara da Mariana 1711-1745 78
Organograma 2: Estrutura do Senado da Câmara da Mariana 1746-1808 79
Figura 1: Detalhe da Planta da Cidade de Mariana: explicação (legenda) 82
Figura 2: Planta da Cidade de Mariana 83
Figura 3: Casa da Câmara e Cadeia – Mariana 84
Figura 4: Pelourinho em Mariana 151
TABELAS
Tabela 1: Crimes interpessoais, Mariana, 1741-1820, 98
Tabela 2: Ferimentos e facadas, em relação ao sexo das vítimas, Mariana, 1741-1820 102
Tabela 3: Percentual de Agressões, Mariana, 1741-1820 103
Tabela 4: Espancamentos, Mariana, 1741-1820 103
Tabela 5: Percentual de espancamentos por sexo da vítima Mariana, 1741-1820, 104
Tabela 6: Crimes de Injúria, Mariana, 1741-1820 107
GRÁFICOS
Gráfico 1: Ferimentos Mariana, 1741-1890 100
Gráfico 2: Assassinato Mariana, 1741-1890 100
Gráfico 3: Espancamento Mariana, 1741-1890 101
Gráfico 4: Injúria Mariana, 1741-1890 108
Gráfico 5: Crimes: ferimentos, assassinatos e espancamentos Mariana, 1741-1890 144
Gráfico 6: Crimes violentos, por décadas. Mariana, 1741-1890 145
10
RESUMO
O objetivo geral desta dissertação é refletir sobre a ação da justiça e as transgressões
da moral na sociedade mineira da segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do
século XIX Buscamos através da análise de processos criminais, explicitar as regras de
comportamento e condutas sociais assentadas sobre a violência, a vingança e a honra, assim
como verificar o significado social da justiça, seus espaços de ação e, sobretudo, o modo pelo
qual a população estabelecia relações com essa representação de poder. Dessa forma,
podemos situar os pontos de entrecruzamento desses modelos comportamentais e valorativos
com a ação da justiça na sociedade mineira colonial.
11
ABSTRACT
The main objective of this dissertation is to reflect on the action of the justice and the
moral transgressions in the mineira society of the second half of the XVIII Century and the
first decades of the XIX Century. We search through analysis of criminal cases to express the
rules of the social behavior and conduct placed about violence, revenge, and honor, as well as
to check the social meaning of justice, its action spaces, and over all the manner which the
population establish relations with this power representation. That way we can locate the
points of intersecting of these behavior and value models with the action of the justice in the
mineira Colonial Society.
12
INTRODUÇÃO
O objetivo geral desta dissertação é refletir sobre a ação da justiça e as transgressões
da moral na sociedade mineira da segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do
século XIX. A partir da análise das fontes criminais, avaliamos as aproximações e rupturas
entre os códigos, as leis e a vivência cotidiana, bem como os diversos significados dos saberes
e práticas relativas à moralidade como forma de delimitar as balizas de comportamentos
sociais e valores aceitos pela sociedade mineira no período. Portanto, procuramos demonstrar
que as normas de conduta prevaleciam sobre a legislação vigente, fazendo com que os
códigos e leis fossem utilizados segundo critérios próprios.
O ponto de partida para a execução da pesquisa foi um despretensioso levantamento
dos crimes de adultério presentes no Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana.
Naquele momento a intenção era a elaboração de um artigo sobre esse tipo de crime. Mas,
surpreendentemente, a documentação criminal me levou a elaborar várias questões, algumas
abandonadas ao longo do percurso de elaboração deste trabalho, outras preservadas.
Adotamos como recorte temporal da pesquisa o período entre 1741 e 1820. A década
de 1740 marcou a antiga Vila do Carmo com uma série de modificações que imprimiram uma
presença institucional maior da administração metropolitana. A primeira mudança foi a
elevação da vila à categoria de cidade. Mudança que atenderia a outra determinação do rei D.
João V, isto é, a criação do primeiro bispado da capitania de Minas Gerais em Mariana,
primeira e única cidade mineira do período colonial. A definição do ano de 1820 como marco
final justifica-se, principalmente, em função das transformações na estrutura jurídica
1
que
ocorreram nos anos 20 e 30 do século XIX, que imporiam novas concepções de análise.
13
1
Em relação às transformações na estrutura jurídica, Ivan Vellasco salienta que antes mesmo da Independência,
a Carta de Lei de 23 de maio de 1821 buscando “antecipar quanto se possa os benefícios de uma Constituição
liberal” já representava uma medida que visava estreitar o espaço de abusos e arbítrio praticados pelos
magistrados. Ainda segundo Vellasco: “Ao lado das ações que visavam disciplinar os aspectos processuais da
justiça preparam-se as transformações fundamentais que irão definir a estrutura jurídica brasileira: o Código
Criminal, promulgado em 16 de dezembro de 1830, e o Código do Processo Criminal, tornado lei em 29 de
novembro de 1832. Entretanto, por ora, vamos nos deter na lei de 15 de outubro de 1827, que antecede, portanto,
A elaboração de um trabalho é sempre marcada por escolhas, ajustes e adequações. A
partir da análise dos processos-crime, foi possível notar algumas questões em torno do
significado social da justiça, seus espaços de ação e, sobretudo o modo pelo qual a população
estabelecia relações com essa representação de poder. Delimitou-se dessa forma o tema
dialético deste trabalho: ação da justiça e transgressões morais.
Por moral entende-se o conjunto de normas de conduta consideradas como válidas
quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada.
Para Michel Foucault, num sentido mais amplo, toda moral comportaria dois aspectos: os
códigos de comportamento e as formas de sujeição a esses códigos.
2
Não existe ação moral particular que não se refira à unidade de uma conduta moral;
nem conduta moral que não implique a constituição de si mesmo como sujeito
moral; nem tampouco constituição do sujeito moral sem ‘modos de sujeição’, sem
uma ‘ascética’ ou sem ‘práticas de si’ que as apóiem. A ação moral é indissociável
dessas formas de atividades sobre si, formas essas que não são menos diferentes de
uma moral a outra do que os sistemas de valores, de regras e de interdições.
3
Esses modos de se conceber a moral não devem se restringir exclusivamente às
implicações teóricas, pois segundo Foucault, eles tem também seus efeitos para a análise
histórica. Assim, observando as diversas realidades que a palavra engloba, o autor sugere para
quem quiser fazer uma história da moral o seguinte plano:
História das ‘moralidades’: aquela que estuda em que medida as ações de tais
indivíduos ou tais grupos são conformes ou não às regras e aos valores que são
propostos por diferentes instancias. História dos ‘códigos’, a que analisa os
diferentes sistemas de regras e valores que vigoram numa determinada sociedade
ou num grupo dado, as instancias ou aparelhos de coerção que lhes dão vigência, e
as formas tomadas por sua multiplicidade, suas divergências ou suas contradições.
E finalmente, história da maneira pela qual os indivíduos são chamados a se
constituir como sujeitos de conduta moral: essa história era aquela dos modelos
propostos para a instauração e o desenvolvimento das relações para consigo, para a
reflexão sobre si, para o conhecimento, o exame, a decifração, de si por si mesmo,
as transformações que se procura efetuar sobre si. Eis aqui o que se poderia chamar
uma história da ‘ética’ e da ‘ascética’, entendida como história das formas de
subjetivação moral e das práticas de si destinada a assegurá-la.
4
14
os códigos e que criava o juiz de paz eletivo em todas as freguesias e capelas filiais.” In: VELLASCO, Ivan. O
juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século
XIX Justiça História, Rio Grande do Sul, v. 3, n. 6, p. 65-96, 2003, p. 69.
2
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984,
p.29.
3
Ibidem, p.28 e 29.
4
Ibidem, p.29.
Destarte, este trabalho procura dialogar com algumas das sugestões de Michel
Foucault, particularmente, no diz respeito às potencialidades de uma história dos códigos e
das moralidades.
No Brasil, os primeiros estudos sobre moralidade no período colonial com temáticas
voltadas para a família, a sexualidade e a mulher, entre outras, tiveram como paradigma o
modelo de família patriarcal, idealizado a partir de uma sociedade de base agrária,
latifundiária e escravocrata, proposto, principalmente, pelos estudos do sociólogo Gilberto
Freyre.
5
Segundo Eni de Mesquita Samara esse modelo, “permaneceu tradicionalmente
aceito pela historiografia como exemplo válido e estático para toda a sociedade brasileira”.
6
Entretanto, é importante fazer uma ressalva, em relação à adoção do modelo
freyriano, uma vez que, mesmo os estudos considerados clássicos dedicados à família rural
brasileira pertencente às camadas mais abastadas, já mencionavam a possibilidade de
variações do modelo patriarcal quanto à estrutura e aos valores, em função do tempo, espaço e
dos grupos sociais.
Oliveira Vianna, na obra Populações Meridionais do Brasil
7
, levava em
consideração as diferenças regionais e entre os grupos sociais:
Nesse ponto, a organização da família fazendeira se distingue nitidamente da
organização nas classes inferiores, na plebe rural. Nesta, o princípio dominante da
sua formação é a mancebia, a ligação transitória, a poliandria difusa, e essa
particularidade de organização enfraquece e dissolve o poder do pater-famílias.
Daí o ter nossa família plebéia, em contraste com a família fazendeira, uma
estrutura instabilíssima.
8
A partir da década de 1980, novos estudos surgiram privilegiando temas ligados à
“moral sexual” no Brasil Colônia. Entre os quais podemos destacar Trópicos dos Pecados
9
de
Ronaldo Vainfas. Nele o autor através da análise de vasta documentação, principalmente
inquisitorial, procura reconstituir as principais características da moralidade e da sexualidade
no Brasil colonial, revelando inclusive as estratégias do modelo de ação moralizante
pretendido pela a Igreja para a colônia aos moldes da Contra-Reforma.
15
5
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 41 ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
6
SAMARA, Eni de Mesquita. Patriarcalismo, Família e Poder na Sociedade Brasileira (séculos XVI – XIX).
Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, v. 11, n. 22, mar-ago 91, p.19.
7
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Populações rurais do centro-sul. Belo Horizonte:
Itatiaia/ Niterói: UFF, 1987.
8
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Populações rurais do centro-sul. In: SANTIAGO,
Silviano. Intérpretes do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2ª ed., 1 v, 2002, p. 957.
9
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.
Ameríndios luxuriosos, colonos insaciáveis, negros lascivos, mulatas desinquietas,
senhores desregrados, sinhas enciumadas, o pecado estava em todas as gentes e
lugares. A todos, sem exceção, cabia, portanto intimidar, ameaçar, castigar ¬ foi o
que pensaram os seguidores de Trento no ultramar português. Atendendo a tantas
lamúrias e apelos, já no primeiro século nossos bispos enviariam visitadores a
rastrear os pecados de todos e puni-los com o rigor da lei eclesiástica.
10
Ao usar fontes até então inéditas ou ao reavaliar, sob nova temática, a documentação
conhecida, os historiadores e pesquisadores como Vainfas, acabavam por revelar a
ineficiência do uso do conceito de família patriarcal para representar a sociedade brasileira
como um todo. A família colonial brasileira era regionalmente diferente e generalizar o
modelo patriarcal chegou mesmo a ofuscar o ineditismo da obra de Freyre em apontar o tema
das organizações familiares não- patriarcais e não- católicas.
Nessa linha de revisão historiográfica, tornaram-se preocupações pertinentes aos
enfoques adotados as especificidades regionais, bem como as formas próprias que os códigos,
leis e as normas de conduta assumiram na América portuguesa. Aliados a essa retomada dos
estudos sobre as relações familiares, temas como o casamento, o concubinato, o divórcio, a
sexualidade ilícita, bem como as reflexões sobre questões que cruzam o coletivo e o
individual, o social e o afetivo passaram a ser um campo legítimo de investigação histórica
11
.
Priorizada pelos historiadores, a produção nesse campo obteve vários resultados,
demonstrando a importância desses temas para se entender as formas que a sociedade colonial
brasileira foi tomando, marcada por hibridismos culturais e por consideráveis diferenças
regionais. Segundo Ronaldo Vainfas:
Diversos pesquisadores demonstraram, com efeito, que na América portuguesa não
foi desprezível a importância quantitativa de domicílios conjugais e até de
domicílio chefiados por mulheres, quer em áreas periféricas, quer em regiões
diretamente vinculadas à economia exportadora. Demonstrou-se, também, que no
próprio seio da população negra, africana e crioula, tornou-se viável a constituição
de famílias à moda cristã, o que por muito tempo se julgou impossível, dada a
16
10
Idem, p. 48.
11
A título de exemplo: ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas: mulheres da colônia. Condição
Feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822; BOSCHI, Caio. Os leigos e o poder.
Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais; DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição
feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colonial; LIMA, Lana Lage da Grama (org.). Mulheres,
adultérios e padres – História e moral na sociedade brasileira; MOTT, Luis. Escravidão, homossexualidade e
demonologia; SAMARA, Eni. As mulheres, o poder e a família; SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de
Casamento no Brasil colonial.VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no
Brasil.
predominância de homens no tráfico negreiro e a má vontade senhorial no tocante
aos matrimônios entre cativos.
12
Dentro dessa tendência enquadram-se vários estudos tendo Minas Gerais e o século
XVIII como marcos espacial e temporal. A obra desclassificados do Ouro: A pobreza mineira
no século XVIII, de Laura de Mello e Souza
13
, é um divisor de águas na historiografia do
Brasil colonial, no campo da História Social.
Nessa obra, a autora opõe-se à visão tradicional de opulência nas Minas do século
XVIII, apresentando em contrapartida a idéia do “falso fausto”, ou seja, por trás de uma
aparência de luxo e ostentação, se esconde a reprodução de mecanismos de desclassificação
social. Mas, Desclassificados do Ouro, também numa perspectiva inovadora é um dos
primeiros estudos a apontar o caráter multifacetado das Minas e a assinalar questões do seu
cotidiano colonial.
Seguindo a mesma linha, e privilegiando a participação social das mulheres pobres,
escravas e forras em Minas Gerais setecentista, a obra O Avesso da memória: cotidiano e
trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII, de Luciano Figueiredo
14
, aborda o
universo do trabalho feminino na capitania. Em extenso levantamento documental nos
arquivos eclesiásticos, cartoriais e administrativos da região mineradora, o estudo revela a
diversidade de ocupações exercidas pelas mulheres, bem como a sua vivência cotidiana,
desfazendo alguns estereótipos tais como o da supremacia masculina no que se refere à
questão de manutenção e sustento doméstico.
O mesmo autor retoma o tema do universo social de Minas Gerais colonial em
Barrocas Famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII,
15
dessa vez ampliando
suas considerações para aspectos da vida familiar e das mentalidades, nos setecentos mineiro,
numa abordagem que alia métodos de quantificação a História Social.
Ainda representativos dessa tendência são os estudos de Ida Lewkowicz dentre os
quais se destaca A vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (Séc. XVIII e
17
12
VAINFAS, Ronaldo. Moralidades Brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista. In:
SOUZA, Laura de Mello (org). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América
Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.223.
13
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira do século XVIII. Rio de Janeiro:
Graal, 1982.
14
FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória. Rio de Janeiro: José Olympio/ Brasília: Edunb, 1993.
15
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas Famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec, 1997.
XIX)
16
sobre a história da família mineira nos séculos XVIII e XIX. Eduardo França Paiva,
com a obra Escravos e Libertos nas Minas do Séc. XVIII: Estratégias de Resistência através
dos Testamentos
17
, sobre resistência escrava e mobilidade social nas Minas; e alguns estudos
de Luiz Carlos Villalta
18
sobre a moralidade dos letrados mineiros e a influência dos livros
pertencentes às suas bibliotecas.
Numa perspectiva que privilegia as relações entre cotidiano, moralidade e justiça,
Marco Antonio Silveira, na obra O universo do indistinto: estado e sociedade nas Minas
setecentista, 1735-1808
19
, analisa a sociedade e a cultura mineira e suas várias manifestações
no período colonial. Tratando do envolvimento de mulheres com o Tribunal eclesiástico
Marilda Santana, em Dignidade e Transgressão: mulheres no Tribunal Eclesiástico em Minas
Gerais (1748-1830
20
), revela aspectos do funcionamento deste Tribunal instalado em Minas
com a criação do Bispado de Mariana. Também enfatizando as praticas jurídicas, Álvaro
Antunes, em Espelho de cem faces: universo relacional de um advogado setecentista,
21
reconstitui o universo sociocultural dos advogados mineiros do período colonial, a partir da
analise detida sobre as relações de um deles.
Partindo da afirmação de Luciano Figueiredo - “a vida familiar em Minas Gerais, no
século XVIII transcorreu à margem das instituições dominantes.”
22
-, surgiram várias
indagações a respeito das formas pelas quais o discurso moralizador dos grupos dominantes
se consolidou no seio da sociedade mineira. Se a família mineira do século XVIII não segue
ipsis litteris os padrões institucionais, em que pontos se alicerçam a moral dessa sociedade?
Se em muitos casos os meios normatizadores legais encontravam limitações, de que forma o
discurso moral alcançou e se solidificou entre os homens e mulheres das Minas Gerais no
18
16
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). Tese de
doutoramento, FFLCH/USP, São Paulo, 1992.
17
PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência
através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995.
18
VILLALTA, Luiz Carlos. A “torpeza diversificada dos vícios”: celibato, concubinato e casamento no mundo
dos letrados de Minas Gerais (1748-1801). Dissertação de Mestrado. São Paulo: FFLCH/USP, 1993;
VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo ilustrado censura e práticas de leitura: usos do livro na América Latina.
Tese de doutorado em História – Departamento de História da USP,
São Paulo,1999.
19
SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto: estado e sociedade nas Minas setecentistas, 1735-1808.
São Paulo: Hucitec, 1997.
20
SILVA, Marilda Santana. Dignidade e Transgressão: mulheres no tribunal eclesiástico em Minas Gerais
(1747-! 830). Campinas: Ed. Unicamp. 2001
21
ANTUNES, Álvaro Araújo. Espelho de cem faces: universo relacional de um advogado setecentista. São
Paulo Annablume, 2004.
22
FIGUEIREDO, Barrocas Famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII., p. 165.
século XVIII? Como os valores morais dominantes se consolidaram dada a ineficiência das
instituições de controle?
Acreditamos que os processos-crime podem demonstrar indicações de maneiras
particulares de se entender o conjunto das normas escritas ou sociais, bem como a sua
aplicação.
As fontes criminais, carregadas dos impulsos mais instintivos de preservação ou de
afirmação humana, revelam as imbricadas soluções para as distorções entre a vivência
cotidiana e o conjunto de normas que regiam a sociedade mineira do século XVIII.
Mais que nomear as transgressões da moral em Mariana na segunda metade do
século XVIII e primeiras décadas do século XIX procuramos entender e explicitar os
mecanismos de repressão a esses desvios de conduta em suas formas não oficiais.
Para alcançar os objetivos propostos e esclarecer as questões levantadas este estudo
foi dividido em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, são apresentados alguns aspectos que caracterizariam as
sociedades de Antigo Regime, pensando, sobretudo as relações entre justiça e costumes. As
esferas de poder no Antigo Regime Português, bem como as concepções e abordagens sobre
administração e justiça no Brasil colonial também são foco de análise desse capítulo.
O segundo capítulo será dedicado à compreensão da estrutura judiciária (cargos,
funções, procedimentos, legislação) no Império Português e, particularmente, no Brasil
colonial. Para tanto, foi necessário recuperar algumas questões presentes na origem do Estado
Português que nos ajudassem a compreender o funcionamento da justiça. Consta ainda deste
capítulo a caracterização da documentação criminal no sentido perceber de que maneira a
justiça estava organizada para resolver os crimes e conflitos da população mineira.
A partir da exposição das características gerais do povoamento da vila do Carmo e da
implantação das instituições administrativas portuguesas, o capítulo três analisa, de forma
quantitativa e qualitativa, o universo dos conflitos sociais revelado pelos processos que
envolviam crimes de natureza “interpessoal”.
No quarto capítulo, revelam-se as práticas cotidianas envolvendo a ação da justiça,
através de uma análise mais detida sobre os processos criminais envolvendo os seguintes
19
crimes: estupro, adultério, injúria e agressão. Os casos analisados revelam como tanto a
sociedade quanto a justiça lidavam de maneira diferenciada conforme a condição dos
envolvidos em crimes. Essa diferenciação impressa nas próprias leis do Reino poderia
inclusive transcendê-las, buscando nos costumes formas para reafirmar as diferenças. Por sua
vez, embora as formas próprias de resolução dos conflitos tenham desempenhado um papel
importante durante o período analisado, notamos que mesmo que de maneira gradual, a esfera
jurídica foi assumindo o papel de espaço de mediação entre o cotidiano, a sociedade, as
normas e o costume.
20
CAPÍTULO 1: A Lei, os usos e os costumes: aspectos da Justiça no Antigo
Regime.
“A hegemonia da norma positiva escrita durante a Idade
Moderna não deriva apenas de um processo de
racionalização e secularização, que se formou com o
iluminismo como reacção e oposição ao antigo regime,
mas tem a sua própria gênese no interior do antigo
regime, e as revoluções – desde as inglesas do século
XVIII à americana ou à francesa – não farão mais que
completar a obra iniciada pelo antigo regime.”
1
Essa é a tese de Paulo Prodi sobre a passagem do pluralismo no ordenamento
jurídico medieval para a afirmação do moderno direito estatal. Para ele, existe um movimento
duplo não de caráter oposto, mas de alguma forma interligado.
(...) por um lado, tende-se a construir o novo direito da consciência absorvendo
nele o antigo direito natural e, por outro, tende-se a inserir no interior do direito
positivo os princípios que até então se consideravam exteriores à norma positiva e
que agora são englobados, mediante um lento processo que com um percurso
secular levará ao nascimento do sistema constitucional moderno, das constituições
escritas e códigos.
2
Essa idéia de continuidade em que a Revolução Francesa é vista como epílogo de
processos surgidos dentro da própria sociedade de Antigo Regime é bem conhecida na
historiografia, e aplicado a diversas estruturas de estado: administração, diplomacia, exército,
economia. Mas para Prodi, no plano da norma, ainda se pode extrair mais conseqüências
dessa concepção de continuidade.
A conclusão é que sem um quadro geral dos dois percursos, se ter presente que o
pluralismo dos ordenamentos jurídicos se transformou num dualismo entre
consciência e o direito positivo, não se pode compreender nem a formação do
moderno Estado de direito nem a crise actual da norma positiva.
3
21
1
PRODI, Paolo. Uma história da Justiça: do pluralismo dos tribunais ao moderno dualismo entre a consciência e ao
direito. Lisboa: Editorial Estampa, 2002, p. 392.
2
Idem.
3
Ibidem, p. 393.
Dessa forma, pensando num processo dialético em relação às questões referentes à
norma, direito e costumes (ou como sugere Prodi
4
: moral e direito), são apresentadas nesse
capítulo algumas questões sobre a sociedade de Antigo Regime em Portugal, destacando-se as
que se referem às noções de justiça. O objetivo é delimitar a influência dos costumes na
ordenação do uso e aplicação da justiça na sociedade portuguesa e as conseqüências dessa
influência nas formas de organização jurídica e administrativa do Brasil colonial.
Sobre o termo Antigo Regime: pequena revisão historiográfica
O termo Ancien Régime, cunhado na França pós-revolucionária, definia a forma
segundo a qual se encontrava organizada a sociedade francesa no período anterior a 1789
5
. É,
portanto, uma construção ideológica formulada pelos revolucionários franceses, na tentativa
de apontar os defeitos do passado e exaltar as qualidades do novo regime. Dessa maneira, o
Antigo Regime, como forma político-social de governo, caracterizava-se pela ausência de
instituições representativas e pelo poder arbitrário do rei. A soberania, a autoridade, enfim,
todo poder concentrava-se na figura do rei. Era uma sociedade dominada pelas ordens
privilegiadas (clero e nobreza), e a Justiça organizava-se a partir de exceções, casos especiais
e desigualdades. As leis eram fundamentadas pelo direito consuetudinário, ou seja, pelo
direito consagrado pelo uso, fazendo com que poderes e prerrogativas sobrepostos
conflitassem entre si.
A objetividade histórica não teve nenhum papel na definição inicial do Antigo
Regime. Os revolucionários definiam-no a fim de condená-lo. Isto estabeleceu um
padrão para grande parte da discussão subseqüente sobre ele como fenômeno
histórico, até mesmo entre respeitáveis especialistas. O que eles pensavam sobre o
Antigo Regime dependia, em muito, do que pensavam da Revolução. A primeira
reação de espectadores desinformados, ou mesmo informados, era supor que os
representantes eleitos da nação francesa sabiam sobre o que estavam falando. (...)
Desse modo, a princípio a maneira como os revolucionários pintavam o governo, a
sociedade e a igreja que estavam demolindo conseguiu ampla aceitação.
6
Dessa forma, o termo “Antigo Regime” procurava caracterizar instituições e
costumes anteriores a 1789 que, de modo geral, deveriam ser abolidos. Segundo Furet,
7
a
22
4
PRODI, Paolo. Uma história da Justiça: do pluralismo dos tribunais ao moderno dualismo entre a consciência
e ao direito. Lisboa: Editorial Estampa, 2002.
5
DOYLE, William. O Antigo Regime. São Paulo: Ática, 1991.
6
Ibidem, p. 15.
7
FURET, François. Antigo regime. In: FURET, François & OZOUF, Mona. Dicionário crítico da Revolução
Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 621-632.
revolução não conhecia obstáculos; ela só tinha adversários e o Antigo Regime era o seu
inimigo.
A idéia de “antigo regime” cumpriu na história política da França moderna a
mesma carreira – brilhante – da Revolução, porque ela lhe é inseparável. Ela
permaneceu profundamente enraizada nas mentalidades para constituir, as mais das
vezes, o símbolo de uma rejeição do antigo mundo dos nobres e da monarquia
absoluta, geralmente associada à dominação da Igreja católica. Foi um sentimento
que se tornou muito comum na sociedade burguesa e campesina do século XIX,
arraigado em interesses como a aquisição de bens eclesiásticos ou nobres durante a
Revolução, e ainda mais forte porque o retorno do Antigo Regime parecia mais
iminente, mais ameaçador: por exemplo, durante a Restauração,...
8
Preservado pelos monarquistas da Restauração
9
com conotações saudosistas, o termo
foi, no entanto, empregado com sentido bastante diverso na obra clássica de Alexis
Tocqueville, O Antigo Regime e a Revolução, publicada em 1856.
10
Na opinião de Marcos Antônio Lopes:
Alexis Tocqueville destoou dessa tendência predominante e deu ao termo Ancien
Régime uma conceituação muito fora do padrão que se poderia esperar de um autor
liberal do século XIX (...). Para ele, o Antigo Regime executou a obra da
modernidade francesa que, de forma muitas vezes equivocada, é identificada como
obra única e exclusiva da Revolução.
11
Em sua obra o Antigo Regime e a Revolução, que tem como temas principais a
centralização administrativa e a busca pela democracia, Tocqueville analisa os processos de
queda da aristocracia francesa e de consolidação do Estado monárquico, em um caminho que
levou a uma burocratização cada vez mais acentuada. Pensando em fatores de continuidade da
história, ele aponta a Revolução como o desfecho de um processo longo nascido no seio da
própria sociedade francesa de Antigo Regime. Considera que a época moderna convergia de
maneira fatal em direção à igualdade. Segundo ele, a Revolução de 1789 só acelerou a
23
8
Ibidem, p.626.
9
As campanhas napoleônicas haviam afetado de maneira profunda tanto os governos quanto as elites dirigentes
das nações européias. “Após mais de 20 anos de guerras e revoluções quase ininterruptas, os velhos regimes
vitoriosos enfrentaram os problemas do estabelecimento e da preservação da paz, que foram particularmente
difíceis e perigosos.” “O concerto da Europa” termo cunhado na época, teve início com o congresso de Viena,
de setembro de 1814 a julho de 1815. Dessa forma, se estabeleceu um período de restauração dirigido pelos
países vencedores da França revolucionária. In: HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.117.
10
TOCQUEVILLE, Alexis. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora UnB, 1982.
11
LOPES, Marcos Antônio. Uma idéia de Antigo Regime. Textos de História. Brasília, v. 11, n.1/2, 2003, p.
129-144. (Dossiê: Justiça no Antigo Regime)
centralização administrativa e a definição dos conceitos democráticos, iniciados ao longo do
Antigo Regime.
12
A partir dessa interpretação de Tocqueville, externa aos maniqueísmos da pós-
revolução, o Antigo Regime passou a ser um tema merecedor de estudos acadêmicos, por
manifestar a complexidade de uma realidade difícil de definir em virtude do fluxo de
mudanças que correspondem à própria dinâmica das sociedades ocidentais nos séculos XVI a
XVIII. Como ressaltam Ronaldo Vainfas e Guilherme Pereira da Neves;
Após séculos de uma organização relativamente estável – a medieval – a idéia de
Antigo Regime procura dar conta de sua dissolução, ao longo de 300 anos, quando
se acelera a combinação de elementos novos com antigos, produzindo uma
dinâmica cuja especificidade reside na distância em relação ao mundo
contemporâneo e, ao mesmo tempo, na capacidade de anunciá-lo.
13
Para François-Xavier Guerra, mesmo com soberanos diferentes – o rei no
absolutismo de Antigo Regime, e o povo para os ideais da revolução –, os ataques dos
revolucionários ao chamado absolutismo não devem ocultar elementos de proximidade
existente entre as suas concepções de poder.
Ambos comparten una misma hostilidad hacia los cuerpos y sus privilegios, un
concepto unitario de la soberanía y el ideal de una relación binaria y sin
intermediarios entre el Poder y los individuos, hasta el punto de que el absolutismo
puede ser considerado como uma de las versiones de la modernidad.
14
Segundo esse autor, é uma visão muito simplificadora a que opõe radicalmente o
absolutismo à Ilustração, e que faz dessa oposição uma constante durante todo o século
XVIII. Para ele, ao contrário, existe, em muitos campos, um parentesco entre o imaginário do
absolutismo e o das elites modernas.
15
Esses elementos comuns justificariam a aliança que existiu de fato entre as elites
modernas e o chamado despotismo ilustrado ou esclarecido durante uma boa parte do século
XVIII. Ambos possuíam inimigos em comum para confrontar: o tradicionalismo e a inércia da
24
12
TOCQUEVILLE, Aléxis. Op. cit., passim.
13
VAINFAS, Ronaldo e NEVES, Guilherme Pereira das. Antigo Regime. In: VAINFAS, Ronaldo (dir).
Dicionário da Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 43.
14
GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas.
México: Editorial MAPFRE, 1993, p.77.
15
Ibidem, p.25.
sociedade, com seu imaginário tradicional do tipo pactista e sua rejeição freqüente em relação
às novas idéias.
16
Hay por eso, en el campo social, una continuidad evidente entre el reformismo de
la Monarquia absoluta y el del liberalismo posrevolucionario. Ambos quisieron
“ilustrar” una sociedad llena de “ignorancia” y de tradiciones opuestas a la “razón”,
someter la Iglesia al Estado, desamortizar la propriedad, acabar com los privilégios
de la nobreza y de los diferentes cuerpos – universidades, gremios -, instaurar la
libertad de comercio y la libre iniciativa económica, disminuir la autonomía de los
municípios, substituir la educación por la enseñanza de las ciencias útiles,
desarrolar la educación primaria...
17
Assim, segundo Guerra, uma boa parte das elites modernas de finais do século
XVIII, era, paradoxalmente, ilustrada e defensora de um poder absoluto, considerado
instrumento principal para as reformas. No entanto, à medida que as elites modernas cresciam
e se fortalecia o poder do Estado, a aliança com o despotismo ilustrado começou a se
desfazer. O estado absolutista não podia levar ao limite as reformas que o novo imaginário
exigia, pois em essência sua legitimidade se vinculava ao registro tradicional. O rei seguia
sendo para ele mesmo e para seus súditos o senhor natural do reino.
18
Los vínculos que lo unían a sus súbditos eram pensados, más que como relación
abstrata entre el súbdito y el soberano, como algo más personal y tradicional: la
relación entre el vasalo y su señor, o entre el padre de família y sus hijos. La
imagen “organicista” de la sociedad como cuerpo, com su cabeza y sus diversos
miembros, es omnipresente aún a finales del XVIII. La metáfora, tan usual
también, del “cuerpo místico de la Monarquia” remite del mismo modo a una
visión jerárquica y religiosa poco compatible com el igualitarismo del nuevo
imaginário. La resistencia de los cuerpos privilegiados no era la de um enemigo
exterior, sino que encontraba un apoyo indiscutible dentro del imaginário
monárquico mismo.
19
O Antigo Regime é, na perspectiva de François-Xavier Guerra, intrinsecamente
contraditório, pois fomentava transformações que, de certa forma, levaram à sua dissolução.
Sistema muito mais complexo do que o sugerido pelos pós-revolucionários, o Antigo Regime
tem fomentado estudos que procuram identificar aspectos específicos de sua realidade.
No Brasil, segundo Ronaldo Vainfas e Guilherme Pereira das Neves, o termo foi
ignorado pelos clássicos de nossa historiografia, e ultimamente vem sendo crescentemente
25
16
Idem.
17
Ibidem, p.26.
18
Ibidem, p.27.
19
Idem.
utilizado pelos historiadores. Para ele, o Antigo Regime é conceito-chave para se
compreender as especificidades de nossa sociedade colonial e suas instituições de poder.
20
Dentro dessa perspectiva de reavaliação, têm surgido estudos que procuram rever em
que grau as concepções e práticas do Antigo Regime perpassavam o Brasil e outras partes do
Império Português. Paradigmática nesse sentido é a coletânea O Antigo Regime nos trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII)
21
, que reúne vários ensaios com novas
formas de abordagem e interpretação, que procuram evidenciar as redes de relações
econômicas, políticas, jurídicas e sociais que formavam o Império colonial português.
Em relação à obra O Antigo Regime nos Trópicos, Laura de Melo e Souza
22
adverte,
no entanto, para os riscos de uma abordagem em que as diferenças e contradições entre
metrópole e colônia parecem de pouca importância. Para ela, amenizar o papel do Estado,
valorizando os poderes intermediários, e manter, sem nuances, a designação de Antigo
Regime para o mundo luso-americano que não conheceu o feudalismo, traz problemas
consideráveis.
23
O que houve nos nossos trópicos, sem duvida foi uma expressão muito peculiar da
sociedade de antigo Regime européia, que se combinou, conforme análise que os
autores de O Antigo regime nos trópicos buscaram programaticamente evitar, com
o escravismo, o capitalismo comercial, a produção em larga escala de gêneros
coloniais que nunca excluiu a de outros, obviamente , com a existência de uma
condição colonial que, em muitos aspectos e contextos, opunha-se à reinol e que,
durante o século XVIII, teve ainda de se ver com mecanismos de controle
econômico nem sempre eficaz e efetivo, mas que integravam e qualificavam e
definiam as relações entre um e outro lado do Atlântico: o exclusivo comercial. Em
suma, o entendimento da sociedade de Antigo Regime nos trópicos beneficia-se
quando considerada nas suas relações com o antigo sistema colonial.
24
Segundo Laura de Melo e Souza, a especificidade da América portuguesa não
consistiu na assimilação do mundo do Antigo Regime, mas na sua perversa recriação,
mantida pelo tráfico, pelo trabalho escravo, e, enfim, pela entrada na velha sociedade de um
novo componente estrutural e não institucional: o escravismo.
25
26
20
VAINFAS, Ronaldo e NEVES, Guilherme Pereira das. op. cit., p. 43.
21
FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda Baptista e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (org). O Antigo
Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. 2001.
22
SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século
XVIII. São Paulo Companhia das Letras, 2006.
23
Ibidem, p. 66.
24
Ibidem, p.67.
25
Ibidem, p. 68
Enxergar os dois lados do sistema a metrópole e, no caso, as colônias americanas
por meio de uma perspectiva em que a homologia tende a dominar enquanto a
especificidade acaba circunscrevendo-se ao caráter tropical parece-me inexato,
discutível e, no limite, perigoso. A idéia de um Antigo Regime nos trópicos
ameniza as contradições e privilegia olhares europeus, inclusive no campo da
historiografia.
26
Mesmo considerando os problemas em relação aos aspectos conceituais da obra O
Antigo Regime nos trópicos, sua contribuição empírica não é negada pela referida autora, que
destaca também o cuidado com a pesquisa documental e a utilização de fundos arquivísticos
pouco visitados como pontos altos do livro.
27
Poder e sociedade em Portugal no Antigo Regime: usos e costumes
Em diferentes estudos do livro O Antigo Regime nos Trópicos, é destacado um
mecanismo de afirmação do vínculo político entre os vassalos ultramarinos e o soberano
português chamado de economia política de privilégio
28
.
A economia política de privilégio deve ser, portanto, pensada, (...), enquanto
cadeias de negociação e redes pessoais e institucionais de poder que, interligadas
viabilizam o acesso dos “descendentes dos primeiros conquistadores”, dos
“homens principais”, e da “nobreza da terra” a cargos administrativos e a um
estatuto político - como o ser cidadão-, hierarquizando tanto os homens quanto os
serviços dos colonos em espirais de poder que garantiam a partir das câmaras e,
portanto, das diferentes localidades espalhadas pelos quatro continentes e ilhas- a
coesão política e o governo do Império.
29
A idéia de igualdade entre os indivíduos não fazia parte das concepções da sociedade
de Antigo Regime: os homens eram naturalmente desiguais e se orientavam por parâmetros
sociais, políticos e culturais que os distinguiam. Marcado pelo contraste e pela distinção, o
27
26
Ibidem, p. 69
27
Ibidem, p. 59
28
Em relação à noção de economia política do privilégio, cabe aqui uma das advertências de Laura de Melo e
Souza, em relação à obra O antigo regime nos trópicos; para ela “Além de formulações nem sempre claras o
suficiente, como economia do bem comum e economia política de privilégios contaminadas, talvez, por uma
imprecisão do próprio Hespanha, a economia do dom, que desloca a analise feita por Mauss com base sobretudo
num mundo desmonetarizado e a lança no universo do capitalismo nascente- , as diferenças entre metrópole e
colônia são irrelevantes a ponto de justificarem a abordagem da América portuguesa como uma versão tropical
do Antigo Regime europeu. Se não,como explicar o titulo?”In: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra:
política e administração na América portuguesa do século XVIII. p. 59 e 60.
29
BICALHO, Maria Fernanda Baptista. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: FRAGOSO, João,
BICALHO, Maria Fernanda Baptista e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (org) O Antigo Regime nos trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.221.
Antigo Regime pode ser definido segundo o modo pelo qual alguns indivíduos obtinham
privilégios
30
.
Assim, entender a forma pela qual esses privilégios se encontravam ordenados e
distribuídos no interior dessa sociedade é fundamental.
A conotação moderna dessa palavra identificada com a aquisição de vantagens sem
esforço ou sem esforço legal foi obra da Revolução Francesa. Somente após 1789 é que o
termo privilégio obteve esse caráter pejorativo.
Herdado da sociedade medieval, o privilégio era entendido como um direito
usufruído legitimamente no Antigo Regime. Os privilegiados poderiam sê-lo tanto em relação
aos territórios (aldeias, províncias e cidades) quanto às famílias. Os privilégios das famílias
senhoriais eram vastos e poderiam ser concedidos ou comprados, o que possibilitava aos seus
membros ocuparem os principais lugares e cargos públicos que traziam poder, prestígio e
fortuna.
A sociedade aparecia estruturada por uma complexa hierarquia de status, em que
nem sempre a riqueza exercia papel determinante, e na qual era a busca da
distinção que comandava as aspirações de ascensão social. Dessa forma, salvo para
os nobres, era difícil para um grupo atuar como classe, e os próprios burgueses
preferiam, ao enriquecer, imobilizar a fortuna em título e terras, a fim de viver à
moda da nobreza.
31
Nessas sociedades, os interesses públicos e privados se integravam, e eram
considerados componentes coesos do bem comum. Dentro da hierarquia de status e privilégios
destacavam-se os poderes senhoriais. Se o rei exercia seu poder sobre tudo e todos em seu
reino, delegando poderes aos funcionários reais, encarregados de fazer cumprir suas ordens
em todos os lugares sob seu domínio, da mesma forma os senhores exerciam seu poder
concedido pelo rei sobre tudo e todos em suas casas, em seus domínios particulares.
32
Assim, o poder do rei se disseminava por todo o Reino através de uma estrutura
hierarquizada de alçadas e jurisdições, encarregadas de manter a paz e a justiça.
28
30
“Privilegio de nascimento, primeiro, que distinguia pelo sangue a nobreza; privilegio de ocupação, em
segundo, que degradava os serviços manuais e valorizava aquele que vivia de rendas; por ultimo, uma série de
privilégios particulares, concedidos ad hoc a indivíduos, corporações, casas comerciais, instituições, grupos
sociais, que iam desde a autorização para portar espada, ou utilizar um tipo de tecido, até isenções fiscais e
direitos exclusivos para produzir ou comerciar certos bens.” VAINFAS, Ronaldo e NEVES, Guilherme Pereira
das. op. cit. p. 44.
31
VAINFAS, Ronaldo e NEVES, Guilherme Pereira das. op. cit., p. 44.
32
LARA, Silvia Hunold (org). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.20.
Assim como o cetro e a Coroa, outros signos explicitavam e reafirmavam o poder
do soberano. O exercício da justiça seguia no mesmo caminho, fazendo privilegiar
a vontade do monarca sobre a vingança particular, tornando pública a justiça penal.
Punir, controlar os comportamentos e instituir uma ordem social, castigar as
violações a essa ordem e afirmar o poder do soberano constituíam elementos
inerentes ao poder real.
33
Representante de Deus e símbolo máximo da justiça, o rei procurou impor a lei
escrita às diversidades dos costumes locais que estabeleciam as regras de relacionamento da
maioria. No século XVIII, os costumes
34
constituíam a retórica de legitimação de
praticamente todo o direito reclamado.
35
Explorando a interface entre a lei e as ideologias dominantes, por um lado, e os usos
do direito comum e a consciência costumeira, de outro, Edward Thompson
36
defendeu a tese
de que a consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes no século XVII.
Segundo ele, mesmo pautado no uso comum, o costume, diferentemente do termo “tradição”
que sugere permanência, era um campo para mudança e disputa. Dessa forma, se torna uma
arena onde interesses divergentes se apresentam.
Portanto, o costume não era algo fixo e imutável que tinha o mesmo corpo e
significado
para as duas classes sociais. Ao contrário, a sua definição era altamente
variável em relação à posição de classe, tornando-se por essa razão um veículo para
o conflito, e não para o consenso.
37
Assim, nas sociedades de Antigo Regime as relações de poder eram mascaradas
pelos ritos do paternalismo e da deferência, observando normas que não eram as mesmas
proclamadas pela Igreja ou pelas autoridades seculares, mas definidas segundo uma cultura
38
de formas conservadoras que recorria aos costumes tradicionais e procurava reforçá-los.
39
Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes. Esses
pertencem ao povo, e alguns deles se baseiam realmente em reivindicações muito
recentes. Contudo, quando procura legitimar seus protestos, o povo retorna
29
33
Ibidem, p.20 e 21.
34
Os costumes são definidos como lei ou direito não escritos que, estabelecido pelo longo uso tem sido e
continua sendo praticado. THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 107
35
Ibidem, p.16.
36
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998.
37
Idem, p. 19.
38
O termo cultura aqui está diretamente associado à noção de costume. Seria uma espécie de cultura costumeira,
que não está sujeita em seu funcionamento cotidiano ao domínio ideológico dos governantes, (Igreja e
Monarquia) mas, no entanto os instrumentos e imagens de controle são os proporcionados pela lei. E dessa forma
a lei pode estabelecer os limites tolerados pelos governantes. THOMPSON, E. P. op. cit., p. 19, passim.
39
Ibidem, p. 18-19.
frequentemente às regras paternalistas de uma sociedade mais autoritária,
selecionando as que melhor defendam seus interesses atuais.
40
A consolidação do poder absoluto das monarquias da Europa teve, no controle da
justiça pelo rei, o seu aspecto fundamental. Em uma monarquia de Antigo Regime, com sua
estrutura jurídico-política corporativa, o risco de abuso de poder era pequeno, porque os
vários poderes que partilhavam o espaço social limitavam-se entre si. O Leviatã
41
era, como
sugere Antônio Manuel Hespanha
42
, uma hipótese teórica. A lei estava submetida, por um
lado, a estruturas superiores (direito natural, direito divino) e, por outro lado, ao caráter
abstrato dos privilégios, em um nível inferior.
Segundo Arno Wheling e Maria José Wheling na obra Direito e justiça no Brasil
colonial,
43
a atuação legislativa e judicial do rei era legitimada pela semelhança entre o poder
do príncipe e a divindade.
Tais posições fundamentam-se na concepção católica da justiça, sobretudo em sua
vertente tomista. Santo Tomás, em obras anteriores e na Suma Teológica, (...),
definia a lei natural como sendo a ‘participação da lei eterna na criatura racional’,
expressão de um universo integrado regido por Deus. O direito, fruto da lei natural
e exteriorizado na lei positiva, era simultaneamente uma ciência pelo estudo e uma
arte em sua aplicação. A lei positiva, por sua vez, quando de responsabilidade dos
reis, deveria objetivar aquela integração no universo desejado por Deus,
estabelecendo a harmonia social por meio da justiça.
44
Ao tratar das estruturas políticas de Portugal no Antigo Regime, Antônio Manuel
Hespanha
45
afirma que a época moderna traz do período medieval a idéia de que existe uma
ordem universal (cosmos) envolvendo os homens e as coisas. Essa ordem divina da Criação
determinava a sociedade de tal maneira que a organização social dependia da natureza das
coisas, ou seja, pensava-se que os princípios fundamentais que definiam as regras da vida
estavam determinados pela natureza.
Assim, era da natureza das coisas que os súditos seguissem os ditames dos
governadores, que estes tivessem que governar em vida do bem comum, que a
30
40
Ibidem, p. 19.
41
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin
Claret, 2002.
42
HESPANHA, Antônio Manuel. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político, Portugal século XVII.
Coimbra: Livraria Almedina.1994.
43
WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no Brasil colonial – O Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
44
Ibidem, p. 32-33.
45
HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. In: TENGARRINHA,
José. História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PT: Instituto Camões, 2001,
p.118.
mulher obedecesse ao marido, que o casamento fosse monogâmico e indissolúvel,
que os poderosos protegessem os mais fracos, que os amigos ou parentes se
favorecessem mutuamente. Os juristas – que, então, eram aqueles que pensavam a
organização política – identificavam a justiça com respeito por estes equilíbrios
sociais.
46
Dessa forma a sociedade era pensada como um imenso organismo no qual cada
órgão possuía uma função própria. Ao rei (a cabeça) cabia representar a unidade do estado e
garantir a harmonia do todo, devendo para isso fazer uso da justiça. Assegurar essa harmonia
não significava suprimir a autonomia dos demais elementos do corpo social que compunha
esse organismo.
Tão monstruoso como um corpo que se reduzisse à cabeça, seria uma sociedade,
em que todo o poder estivesse concentrado no soberano. O Poder era, por natureza,
repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-
se na autonomia político-juridica (iurisdictio) dos corpos sociais, embora esta
autonomia não devesse destruir a sua articulação natural (cohaerentia, ordo,
dispositio naturae) – entre a cabeça e a mão deve existir o ombro e o braço, entre o
soberano e os oficiais executivos devem existir instâncias intermediárias.
47
A autonomia dos membros do corpo social não deve ser tomada como ausência de
coesão social. As partes que compunham o todo se reuniam em torno de um objetivo comum:
o bom funcionamento do organismo social. Nos moldes ideais do paradigma corporativo, a
justiça e a busca do chamado bem comum deveriam garantir a ordenação da sociedade. “Se
para o Estado a propriedade é a preservação e a afirmação de seu poder e ordem social,
para os indivíduos e para a comunidade o que importa é preservar a felicidade e os bens.”
48
Segundo Hespanha, além do modelo corporativista, havia outro paradigma político
na época moderna: o individualista.
A tensão entre dois modelos muito profundos de apreensão dos fenômenos sociais -
um tradicional, que concebe a sociedade como “corpo” inteiramente organizado de
um destino metafísico (à semelhança do homem), e o moderno, pós-cartesiano, que
explica os movimentos (as estabilidades) sociais na sua materialidade puramente
externa - parece estruturar o percurso das idéias políticas nos dois séculos em
questão, precisamente porque estes dois modelos incidem sobre os amplos
domínios da teoria social e política, como a origem da sociedade política, a sua
“constituição”, os limites do poder da coroa (e, dentro deste tema, as relações entre
igreja e coroa), sobre as formas de governo.
49
31
46
Idem.
47
HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto. A representação da Sociedade e do Poder. In:
MATTOSO, José (direção). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1998, v.4, p.114-115.
48
GARNOT, Bernoît. Justiça e Sociedade na França do século XVIII. Textos de História. Brasília, v. 11, n.1/2,
2003, p. 14. (Dossiê: Justiça no Antigo Regime).
49
HESPANHA, Antônio Manuel. Op. cit., p.113.
A idéia de que o indivíduo estava no centro do mundo e que toda a constituição
política e social dependia de sua vontade começa a surgir no Renascimento. O paradigma
individualista, em oposição ao modelo corporativista, pensava a ordem social desligada de
qualquer ordem natural ou metafísica.
Esta laicização da teoria social e colocação no seu centro do indivíduo, geral e
igual, livre e sujeito a impulsos naturais, tem conseqüências centrais para a
compreensão do Poder. A partir daqui, este não pode mais ser tido como fundado
numa ordem objetiva das coisas; vai ser concebido como fundado na “vontade”.
Numa ou noutra de duas perspectivas. Ou na vontade soberana de Deus,
manifestada na Terra, também soberanamente, pelo seu lugar-tenente – o príncipe
(providencialismo, direito divino dos reis). Ou pela vontade dos homens que,
levados ou pelos perigos e insegurança da sociedade natural ou pelo desejo de
maximizar a felicidade e o bem-estar, instituem, por acordo de vontades, por um
“pacto”, a sociedade civil (contratualismo). A vontade (e não um equilíbrio – ratio
– preestabelecido) é, também, a origem do direito.
50
Na concepção da sociedade e do poder, o modelo individualista se divide em duas
correntes, o providencialismo
51
e o contratualismo
52
.
No contratualismo a constituição da sociedade é vista como o produto de um pacto
cujas disposições dependem da vontade dos contraentes, e por isso pode dar origem a vários
tipos de regime tão diferentes quanto a maneira com que são entendidas as relações entre os
cidadãos e o poder.
Nuns casos, o contratualismo veio a legitimar principados absolutos - como as
várias manifestações de despotismo esclarecido típicas da segunda metade do
século XVIII – por se entender que, no pacto social, os cidadãos tinham transferido
todos os poderes originários para os governantes (contratualismo absolutista),
ficando o príncipe livre de qualquer sujeição ou limite. Noutros casos, o
contratualismo legitimou regimes de poder limitado, liberais ou democráticos,
como os que surgiram na Inglaterra na seqüência da Glorious Revolution, das
revoluções Americana e Francesa ou das revoluções liberais dos finais do século
XVIII e inícios do século XIX.
53
32
50
Ibidem, p.117.
51
“(...) concebe o Poder como produto da livre vontade de Deus, exercitada na Terra pelas dinastias reinantes,
que assim eram revestidas de uma dignidade quase sagrada, que as autorizava não só a exercer um poder
temporal ilimitado, mas ainda a tutelar as próprias igrejas nacionais (galicanismo).” Ibidem, p.117.
52
(...) concebe o pacto social como transferindo para os governantes todos os poderes do cidadão, e como
definitivos. Esgotando-se os direitos naturais naqueles transferidos e não se reconhecendo outra fonte válida de
obrigações (nomeadamente, a religião), o soberano ficava, então, livre de qualquer sujeição (a não ser a de
manter a forma geral e abstrata dos comandos, o que distinguiria o seu governo da arbitrariedade do governo
despótico).” Ibidem, p.118.
53
Idem. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. In: TENGARRINHA, José. História de
Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PT: Instituto Camões, 2001, p.120.
Essa noção de pacto no contratualismo absolutista compreendia a relação bilateral
entre o rei e seus súditos que conciliava direitos e deveres mútuos que ambas as partes
deveriam respeitar. O poder real, portanto, não era absoluto, mas limitado tanto pelas leis de
Deus quanto pelas leis do reino e pelos direitos dos seus próprios vassalos.
54
Para Hespanha, mesmo que o pacto social em Portugal não fosse invocável no plano
do direito civil pelo povo, como praticado na Inglaterra, os súditos tinham o “direito de
denunciarem o pacto de sujeição, no caso de incumprimento grave dos deveres reais,
resistindo e privando o rei do seu poder.”
55
E esse direito relativo ao pacto social ficava mais
claramente formulado em momentos de crise política, como demonstra Francisco Velasco
Gouveia, quando da restauração de 1640:
(...) declara-se que, “conforme as regras do direito natural, e humano, ainda que os
Reinos transferissem nos Reis todo o seu poder e império, para governar, foi
debaixo de uma tácita condição, de os regerem, e mandarem, com justiça e sem
tirania. E tanto que no modo de governar, usarem dela, podemos Povos privá-los
dos Reinos, em sua legítima e natural defecção – e nunca nestes casos foram vistos
obrigar-se, nem o vinculo do juramento estender-se a eles.”
56
Mesmo influenciado pelas vertentes do paradigma individualista (providencialismo e
contratualismo), o Estado português no Antigo Regime se caracterizava por uma monarquia
corporativa. “Em Espanha, em Portugal e na Itália, circunstâncias várias de natureza estrutural
e conjuntural promoveram uma mais longa sobrevivência do pensamento político
corporativo”.
57
Pelo menos até meados do século XVIII, eram características dessa monarquia
portuguesa corporativa:
• o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor
hierarquia;
• os deveres políticos cediam perante os deveres morais (graças, piedade,
misericórdia, gratidão) ou afetivos, decorrentes de laços de amizade,
institucionalizados em redes de amigos e de clientes;
• os oficiais régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus direitos e
atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em confronto com o rei e tendendo, por
isso, a minar e expropriar o poder real.
33
54
GUERRA, François-Xavier. Op. cit., p.72.
55
HESPANHA, Antônio Manuel & XAVIER, Ângela Barreto. A representação da Sociedade e do Poder. In:
MATTOSO, José (direção). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1998, v.4, p.118-119.
56
Ibidem, p.119.
57
Ibidem, p.118.
• o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina jurídica (ius
commune) e pelos usos e práticas jurídicas locais.
58
O corporativismo presente na monarquia imprimia na sociedade portuguesa uma
imagem altamente hierarquizada, naturalmente ordenada. E o direito e o governo em suas
disposições apenas confirmavam essa ordenação. Diferentemente da sociedade que se pautava
pela tradição, o Estado vivenciava algo entre o tradicional e o natural, e dessa forma
procurava se regular por um direito adquirido pelo tempo, ao reconhecimento público de certo
estatuto. Este estatuto, por sua vez, compreendia direitos, deveres, e, sobretudo a obrigação de
assumir uma atitude condizente com a sua condição social.
59
“(...) atitude que a teoria moral
da época definia como honra (honor). Por oposição à virtude (virtus) - disposição puramente
interior -, tratava-se de uma disposição externa, de se comportar de forma conveniente às
regras sociais de seu estado.”
60
A sociedade moderna em Portugal estava representada de forma estamental, como a
sociedade medieval, dividida em três estados, clero nobreza e povo. No entanto, o estatuto
desses estados no Antigo Regime era mais complicado. “Desde logo, tende-se a distinguir,
dentro do povo, os estados ‘limpos’(como o dos letrados, lavradores, militares) dos estados
‘vis’ (como os oficiais mecânicos ou artesãos).
61
Dentro dessa distinção, um estado popular intermediário entre a nobreza e as
profissões vis vai sendo progressivamente identificado a um novo estamento. Nesse processo
de assimilação do chamado “estado do meio”, “privilegiados” ou “nobreza simples”, vai se
constituindo dentro da nobreza um novo conceito, o de fidalguia, ou, mais tarde, por
influência espanhola, o de grandeza.
62
A extensão da natureza do estado de nobreza fica, segundo Hespanha, manifesta nos
tratados da época sobre o tema.
(...) os nobres por fama imemorial (Ordenações Filipinas, II,II,7-8); aqueles cujo
pai era nobre (Ordenações Filipinas, V, 92). Neste caso, a pertença ao estatuto
decorre da natureza das coisas e prova-se pelos diversos modos de manifestação da
34
58
HESPANHA, Antônio Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos
correntes. In:FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda Baptista e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (org).
op. cit., p. 166.
59
Idem. A Arquitetura dos Poderes – A representação da Sociedade e do Poder. In: MATTOSO, José (direção)
História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, vol.4, p.120.
60
Idem.
61
Idem, loc.cit.
62
Ibidem, p.121.
tradição (desde a prática de actos que competem aos nobres até à ‘fama comum e
firme’ ibid., n.º 209 e segs.), eventualmente ratificada por acto jurídico formal
(com sentença). Como natural, essa nobreza é, também ‘generativa’, ou seja,
transmissível por geração. Já a nobreza ‘política’ decorre, não da natureza, mas das
normas de direito positivo, dos costumes da cidade ( n.º 264 e segs.). Deste tipo é a
nobreza que se obtém pela ciência, pela milícia, pelo exercício de certos ofícios,
pelo privilégio e pelo decurso do tempo.
63
Apesar de constituir um avanço menor que o da nobreza, o estado do clero também
se estende gradualmente. Usufruíam do estatuto eclesiástico, além dos clérigos das ordens
maiores, os de ordens menores e alguns leigos ligados de algum modo a funções da Igreja ou
às Ordens militares e religiosas (criados, escravos, familiares, noviços, oblatos ou frades
leigos, e “os cavaleiros das ordens militares de Cristo, Sant’Iago e Avis (Ordenações
Filipinas, II 12), desde que tivessem comenda ou tença de que se mantivessem; ou os
Cavaleiros da Ordem de Malta (lei de 18 de Setembro de 1602 e de 6 de Dezembro
de1612).”
64
.
No estado do povo, inclusive, havia pessoas com estatuto diferenciado ou
privilegiadas.
65
Essa multiplicação dos estados privilegiados (isto é, com um estatuto jurídico-
político particular) prossegue incessantemente, cada grupo tentando obter o
reconhecimento de um estatuto diferenciador, cujo conteúdo tanto podia ter
reflexos de natureza político-institucional ou, mesmo econômico (v.g. isenções
fiscais), como aspectos jurídicos (v.g., regime especial de prova, prisão
domiciliária) ou meramente simbólicos (v.g., precedências, fórmulas do
tratamento).
66
Tal busca pela diferenciação força a uma redefinição da classificação social, mas,
como aponta Nuno Monteiro
67
, esse alargamento da definição jurídica da nobreza não é
acompanhado por um idêntico aumento das representações dessa nobreza.
A banalização do limiar inferior da nobreza implicou que se desenhassem múltiplas
e diversificadas fronteiras de status no seu interior, variáveis de umas regiões para
outras e dificilmente traduzíveis em categorias que pudessem ser hierarquizados
uniformemente à escala de todo o Reino.
68
35
63
Ibidem, p.121.
64
Idem.
65
“(...) de certas categorias profissionais, dos cidadãos de certa terra, das mulheres, dos anciãos, dos lavradores,
das amas, dos rendeiros de rendas reais, dos criadores de cavalos.” Idem
66
Idem
67
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia. In: MATTOSO, José
(direção) História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, vol.4.
68
Ibidem, p. 300.
Na medida em que a nobreza inferior se estendia, o núcleo dos grandes ou fidalgos
proporcionalmente se tornava mais restrito. Depositários do antigo status nobiliárquico são
consagrados pela Lei de Tratamentos de 1739, que separava os altos dignitários e os grandes
eclesiásticos e seculares, pelo tratamento das demais autoridades civis eclesiásticas.
69
Todas essas modificações no estatuto da nobreza portuguesa enquadram-se num
esforço da monarquia para “controlar o vocabulário social oficial e a delimitação das
hierarquias.”
70
A Coroa funcionava como uma instância de deliberação dos privilégios, ato
praticamente obrigatório, e a fidalguia monopolizava os principais ofícios no Paço, na
administração central, no exército e nas colônias. Dessa forma, essa esfera da nobreza, os
grandes, visava dirigir os meios que asseguravam o acesso a novas concessões régias.
O rei e a elite aristocrática estavam, desta forma, envolvidos numa teia de relações
e obrigações recíprocas, constituindo uma “configuração social”, para retomar o
conceito de Elias. No entanto, ao contrário do que sugere este autor, não parece
adequado identificar de forma excessivamente unilinear essa configuração social
com um instrumento de “domesticação da nobreza” e como uma etapa no caminho
da estadualização. No caso português, desde a Restauração até o pombalismo,
vários foram os momentos em que legitimamente se pode pensar que os Grandes
controlaram, de facto, os destinos da monarquia.
71
Mais que avaliar essa relação entre elite nobre e monarquia, reforçada mutuamente
pela economia do dom, e por outros meios de reprodução social dessa nobreza superior,
interessa-nos aqui saber o lugar que o poder senhorial ocupa no Antigo Regime português.
O poder senhorial constituía, assim, durante o período aqui estudado, um dos
atributos da elite cortesã, mas não era de maneira nenhuma o seu elemento
definidor essencial. Herança institucional de épocas anteriores, compartilhada por
outras instituições, designadamente eclesiásticas, pode ser definido, em termos
muito gerais, pelo exercício de prerrogativas, especialmente jurisdicionais, que
colidem com o princípio do monopólio estatal do exercício da autoridade legítima
que as revoluções liberais irão consagrar.
72
A principal particularidade do poder senhorial em Portugal consistia no caráter
intermediário de sua jurisdição. Era de certa forma uma jurisdição de segunda instância, o que
acabava por limitá-lo, já que, em quase todos os casos, cabia recurso de apelação ao tribunal
superior da Coroa.
73
36
69
Idem.
70
Idem.
71
Ibidem, p. 303.
72
Ibidem, p. 304.
73
Ibidem, p. 305.
Em relação aos direitos fundiários estabelecidos aos senhores, cabe ressaltar, como
sugere Monteiro, duas especificidades. A primeira em relação ao caráter hereditário e/ou
vitalício da concessão de terras
74
, que, em Portugal, teria adquirido maior importância e
continuidade do que em outras monarquias européias. A segunda consistiu em uma natureza
jurídica específica dos bens doados pela coroa, que os tornava sujeitos a modos também
específicos de transmissão e aprovação periódica.
Para mais, os direitos reais devidos à Coroa ou seus donatários em cada município
estavam delimitados e “cristalizados” desde o século XVI nas famosas cartas de
foral manuelinas. Conseqüência directa da precariedade da posse dos bens da coroa
eram as peculiares relações que existiam entre a coroa e os senhorios
(designadamente leigos) portugueses, que tem vindo a ser discutidas. Por outro
lado, a existência de cartas de foral fazia que os direitos senhoriais estivessem em
Portugal mais claramente delimitados do que em outras partes, ao mesmo que lhes
conferia, até uma etapa tardia, uma legitimidade indiscutível.
75
Concepções de administração e justiça no Brasil colonial
No Antigo Regime, a realeza teria percebido a importância do direito e do poder de
julgar para manter os laços de solidariedade e lealdade de seus súditos. Ao direito fundado
nos costumes, sobrepõe-se o racionalismo formal do direito escrito que, com seus códigos,
torna-se instrumento de poder do rei para ordenar a ação política, fundamental para a
consolidação do monarca como senhor do Estado. No entanto, em relação à política, a
observação do direito consuetudinário favorecia o surgimento de conflitos entre os
tradicionais poderes locais e da Coroa.
Surgem, dessa forma, como observaram Arno e Maria José Wheling,
76
duas
inovações na esfera do direito com o Estado absoluto: o funcionamento judicial, burocrático
ou não, e o direito real.
A criação de um funcionalismo mais ou menos especializado nas diferentes
funções judiciais e a existência de uma legislação que gradativamente, aumentava
as atribuições reais em detrimento dos costumes e de outros direitos locais foram
fatores que contribuíram para definir uma esfera de atuação da monarquia. Por
outro lado, a monarquia absoluta possuía limitações que contrabalançavam o poder
37
74
Através de cartas de foral, de aforamentos colectivos ou de contratos enfitêuticos individuais, perpétuos ou em
vidas. Ibidem, p. 315.
75
Idem.
76
WEHLING, Arno e Maria José. Op. cit., p. 30.
do rei e de sua burocracia – a sobrevivência de esferas tradicionais de poder, como
os senhorios leigos e eclesiásticos, e os privilégios urbanos e corporativos.
77
A precariedade dos meios administrativos, a superposição de instâncias e o choque
de competências entre diferentes órgãos dificultavam a atuação da Coroa. Especificamente em
Portugal, a imagem de um Estado centralizado como distintivo da autoridade real para além
da estrutura formal da justiça contrastava com a chamada “ineficiência administrativa” do
governo português, principalmente no que se refere ao trato com suas colônias ultramarinas.
78
A tese de um sistema administrativo irracional, assentado em uma máquina
burocrática ineficiente, é afirmada por Caio Prado Junior em sua obra Formação do Brasil
Contemporâneo
79
. Nela o autor adverte: “devemos abordar a análise da administração
colonial com o espírito preparado para toda sorte de incongruências.”
80
. Segundo Caio Prado,
foi transplantado para o Brasil o sistema administrativo da metrópole, e de maneira geral não
houve a criação de instituições, cargos ou funções originais adaptados às condições da
colônia. O que se encontrará de diferente se deverá mais às condições particulares,
profundamente diversas das da metrópole, a que tal organização administrativa teve de se
ajustar; ajustamento esse que se procederá de “fato”, e não regulado por normas legais;
espontâneo e forçado pelas circunstâncias: ditado quase sempre pelo arbítrio das autoridades
coloniais.
81
Mas, segundo Caio Prado, o caso mais evidente e de efeitos mais nefastos nessa
tentativa de adaptar o sistema administrativo do reino na colônia foi o de centralizar o poder e
concentrar as autoridades nas capitais e sedes, deixando o restante do território a léguas das
autoridades, tornando difícil solucionar o problema de se fazer chegar a administração de
maneira eficiente a toda a extensão da colônia.
82
Além disso, as funções da justiça que também compunham a administração
portuguesa, assim como nas demais monarquias da época moderna, são designadas por uma
38
77
Idem, p. 29.
78
PRADO JR. Caio. A Formação do Brasil Contemporâneo. In: SANTIAGO, Silviano. Intérpretes do Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2ª ed., v 3, 2002.
79
Idem.
80
Ibidem, p. 1391.
81
Ibidem, p. 1392.
82
Idem.
legislação que Caio Prado chamou de amontoado desconexo de determinações particulares e
causísticas, de normas que se acrescentam umas as outras sem nenhuma regulamentação.
83
Como resultado, as leis não só eram uniformemente aplicadas no tempo e no
espaço, como freqüentemente se desprezavam inteiramente, havendo sempre, caso
fosse necessário, um ou outro motivo justificado para desobediência. E daí, a
relação que encontramos entre aquilo que lemos nos textos legais e o que
efetivamente se pratica é muitas vezes remota e vaga, se não redondamente
contraditória. Sendo assim, e como é esta pratica que mais nos interessa aqui, e não
a teoria, temos que recorrer com a maior cautela àqueles textos legais, e procurar
de preferência outras fontes para fixarmos a vida administrativa da colônia, tal
como realmente ela se apresentava.
84
Essa confusão legislativa e hierárquica fomentava a lentidão da burocracia, e a
ineficiência da administração, prejudicando, e, muitas vezes, inviabilizando o acesso à justiça
na maior parte da colônia.
Num enfoque diferenciado ao de Caio Prado Jr., Raymundo Faoro
85
propõe que o
empreendimento colonial do império português fosse determinado por sua formação
patrimonialista. Para ele, a conquista e o alargamento do território constituíram a base real sob
a qual se assentava o poder da Coroa.
Do patrimônio real do rei – o mais vasto do reino, mais vasto que o do clero e,
ainda no século XIV, três vezes maior que o da nobreza- fluíam rendas para
sustentar os guerreiros, os delegados monárquicos espalhados no país e o embrião
dos servidores ministeriais, aglutinando na corte. Permitia, sobretudo, a dispensa de
largas doações rurais, em recompensa aos serviços prestados pelos seus caudilhos,
recrutados, alguns, entre aventureiros de toda a Europa.
86
Sob essa perspectiva, o Estado monárquico português, a partir do século XVIII, é
administrado por um setor cada vez mais burocrático, composto por um grande número de
cargos, inclusive os da justiça. Nesse período, para Faoro, a administração colonial transitava
entre o patrimonialismo e a burocratização. “O patrimônio do soberano se converte,
gradativamente, no Estado, gerido por um estamento, cada vez mais burocrático.”
87
.
Para Faoro, os funcionários reais têm um papel decisivo, pois, uma vez investidos de
poder e autoridade, passam a dever fidelidade ao rei e seus interesses.
39
83
Ibidem, p. 1390
84
Ibidem, p. 1391.
85
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Globo,
2004 (4ª reimpressão).
86
Ibidem, p.19.
87
Ibidem, p. 197.
A função pública congrega, reúne e domina a economia. Ela é o “instrumento
regalista da classe dominante”, formando um “patriciado administrativo”. Por meio
dele, amolda-se o complexo metropolitano e se homogeneíza o mundo americano.
Nas suas duas expressões – o funcionalismo de origem cortesã e o agente local
recrutado pelo rei - fixa-se a transação entre a centralização governamental e as
correntes desintegradoras dos núcleos locais e provinciais. Um problema de
domínio se resolve num problema de conciliação, formulado do alto “a conciliação
entre a unidade do governo e a tendência regionalista e desintegradora, oriunda da
extrema latitude de base geográfica, em que assenta a população.”
88
Segundo Stuart B. Schwartz
89
, contudo, teria ocorrido na colônia uma acomodação
nas relações dos agentes reais que, buscando valores e interesses pessoais, muitas vezes
acabaram por favorecer amigos e parentes, contrariando todo o esforço de centralização da
Coroa.
Dessa forma, os funcionários reais usavam o cargo como um suporte de status,
concebendo características do patrimonialismo – nas quais encarnava a legitimidade e a
autoridade reais – que se fundiam ao cargo, que passava a ser tratado como propriedade
particular, o que possibilitava o uso de sua posição conforme interesses pessoais.
Burocracia e sociedade, no Brasil, formam dois sistemas de organização que se
entrelaçam. A administração dirigida pela metrópole, caracterizada por relações
impessoais e categóricas, servia de esqueleto básico para o governo imperial, de
estrutura soberana que amarrava politicamente a colônia à Coroa, como carne e
osso. Como no desenho de um livro de textos médicos, contudo, a pele da estrutura
formal do governo podia ser levantada para revelar um complexo sistema de veias
e nervos criado pelos relacionamentos primários interpessoais baseados em
parentesco, amizade, apadrinhamento e suborno.
90
As redes, tanto de amizade quanto baseadas no parentesco, figuravam como formas
de obter vantagens pessoais, e também como meios de estruturação de alianças políticas
socialmente mais dilatadas e com objetivos mais permanentes.
Como uma das principais motivações subjacentes ao comportamento dos
indivíduos era a sua preponderância política, econômica e simbólica, a qual se
baseava na posse ou usufruto de determinados recursos, era natural o
estabelecimento de redes de interdependência que possibilitassem o acesso àqueles,
principalmente se este acesso fosse institucionalmente mais dificultado. Também
se entende o reforço destas redes como forma de resistência ao movimento de
centralização que o aparelho administrativo central procurava realizar, estendendo
a sua jurisdição sobre áreas que tradicionalmente tinham “outro senhor” (referimo-
nos particularmente aos processos de anulação, dos mecanismos de justiça
40
88
Ibidem, p. 201.
89
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979. APUD:
LEMOS, Carmem Silvia. A justiça local: os juizes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-
1808). Dissertação de Mestrado, Belo Horizonte: UFMG/FAFICH/Departamento de História, 2003
90
Idem, p.292.
senhorial, de subordinação das competências autônomas dos tribunais à justiça
régia, etc.).
91
Tais redes clientelares, que envolviam todas as esferas da sociedade portuguesa,
configuravam-se em uma forma de constrangimento do poder real, uma vez que, através da
economia do dom
92
, os benefícios reais adquiriam um caráter obrigatório, muito mais
dependente de uma tradição e de uma ligação muito forte ao costume de retribuição, do que
da simples vontade do rei. “O seu poder, apesar de considerado absoluto, era, na prática,
muito mais restrito do que podia o discurso político deixar entender.”
93
Segundo Hespanha
94
, essa imagem de que o sistema político em Portugal na época
moderna (a partir do século XV) se caracterizava pela crescente absolutização do poder real
apresenta argumentos pouco rigorosos. Para ele, a imagem da centralização é ainda mais
desajustada quando aplicada nas colônias, e defende que a sobrevivência dessa imagem deve
ser explicada por uma interpretação das instituições históricas fundadas nos preconceitos da
relação metrópole/colônia.
Do ponto de vista do colonizador, a imagem de um império centralizado era a
única que fazia suficientemente jus ao gênio colonizador da metrópole. Em
contrapartida, admitir um papel constitutivo das forças periféricas reduziria o
brilho da empresa imperial. Do ponto de vista das elites coloniais, um colonialismo
absoluto e centralizado condiz melhor com a visão histórica celebradora da
independência. Se, por exemplo, lermos a historiografia corrente brasileira (que,
neste aspecto, é exemplo único e paradigmático na área ex-portuguesa), é bastante
evidente a sua vinculação a um discurso narrativo e nacionalista, no qual a coroa
portuguesa desempenhava um papel catártico de intruso estranho, agindo segundo
um plano ‘estrangeiro’ e ‘imperialista’, personificando interesses alheios,
explorando as riquezas locais, e levando a cabo uma política agressiva de
genocídio em relação aos locais, por sua vez considerados como basicamente
solidários, sem distinção de elites brancas e população nativa. Este exorcismo
historiográfico permite um branqueamento das elites coloniais, descritas como
objetos (e não sujeitos) da política colonial. Esta situação seria porventura
consistente com a situação dos goeses, mas não decerto com a dos brasileiros.
95
41
91
HESPANHA, Antônio Manuel e XAVIER, Ângela Barreto. As redes clientelares. In: MATTOSO, José
(direção). História de Portugal. Lisboa: Estampa 1998, v .4, p.340-341 .
92
“Acto de natureza gratuita, o dom fazia parte, na sociedade de Antigo Regime, de um universo normativo
precioso e minucioso que lhe retirava toda a espontaneidade e o transformava em unidade de uma cadeia infinita
de actos beneficiais, que constituíam as principais fontes de estruturação das relações políticas. E
correspondente, as categorias desta ‘economia do dom’ estavam na base de múltiplas praticas informais de poder
e na formulação de mecanismos próprios e específicos a este universo político singular, como, por exemplo, as
redes clientelares.” Ibidem, p. 340.
93
Ibidem, p. 347.
94
HESPANHA, Antônio Manuel. As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna. In: TENGARRINHA,
José. História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PT: Instituto Camões, 2001.
95
Ibidem, p. 130.
A ausência de um projeto para a expansão colonial portuguesa, ou seja, de uma
estratégia sistemática, abrangendo todo o império, favoreceu a falta de homogeneidade, de
centralidade e de hierarquias rígidas na colônia. Para Hespanha, embora os estabelecimentos
coloniais portugueses tenham estado ligados à metrópole por laços de qualquer tipo, faltou
uma constituição colonial unificada.
96
A esse quadro soma-se o pluralismo e a inconsistência do direito moderno no
império, em que cada nação submetida podia gozar do privilégio de manter o seu direito,
abrindo brechas para um direito autônomo e não oficial.
Se a centralização não pode ser real sem um quadro legal geral, tão pouco pode ser
efetiva sem uma hierarquia estrita dos oficiais, por meio da qual o poder real possa
chegar à periferia. Daí que a eficiência da centralização política derive, por um
lado da existência de laços de hierarquia funcional entre os vários níveis do
aparelho administrativo e, por outro negativamente, do âmbito dos poderes dos
oficiais periféricos ou sua capacidade para anular, distorcer ou fazer seus os
poderes que recebiam de cima.
97
Dessa forma, a tradicional imagem de um império centralizado parece difícil de ser
sustentada. No entanto, a partir dessa perspectiva tomada da periferia e não do centro
podemos tentar rastrear os lugares onde as relações de poder não-formais se constituíam.
Wehling sugere a aplicação de uma classificação para um melhor entendimento da
justiça colonial, levando em consideração as especificidades da ordem jurídica portuguesa.
Para ele, existe uma justiça portuguesa colonial que, por sua vez, compreendia uma justiça
real diretamente exercida e uma justiça concedida.
A justiça real diretamente exercida tinha caráter ordinário e especializado. A
primeira, mais conhecida e também a mais bem estudada ou mencionada pela
historiografia geral colonial ou do direito, compreendia as áreas cível e criminal.
Dela faziam parte os primeiros ouvidores, gerais e das capitanias os
desembargadores dos dois tribunais da Relação da Bahia, os ouvidores de comarca,
juizes de fora e desembargadores do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro.
98
Ainda sobre a justiça real o autor ressalta que, além das funções judiciais, que ela
possuía funções tanto de governo quanto administrativas. Exemplos da ocorrência dessa
concentração de funções nos cargos públicos, os juízes de fora do Brasil colonial, que
exerciam suas atividades judiciais e muitas vezes acumulavam o encargo de presidente do
senado da câmara municipal “e uma série de responsabilidades administrativas, desde a
42
96
Ibidem, p.131.
97
Ibidem, p.133.
98
WHELING, op. cit., p. 37.
supervisão de estalagens até medidas de fomento econômico.”
99
Os tribunais da Relação da
Bahia e do Rio de Janeiro também não se limitavam às suas atividades judiciais, intervindo
em áreas como administração e política.
O crescimento e a sofisticação do aparelho de Estado fomentaram certo caráter de
especialização da justiça real. Em virtude disso houve um aumento de cargos públicos na
estrutura administrativa, reforçando as características patrimoniais do Estado, bem como seu
segmento moderno, especializado. O volume das leis especializadas também aumentou,
acentuando cada vez mais o caráter técnico da legislação.
A consolidação da justiça especializada não deixa de provocar um paradoxo: a
lenta transição do Estado de justiça do primeiro absolutismo para o Estado de
guerra e fazenda do seu apogeu setecentista. Embora diminuindo o papel relativo
da justiça na máquina estatal, fez crescer seus quadros, não apenas
vegetativamente, mas pela sua ampliação com as novas funções. O aumento do
número de ofícios, também paradoxalmente, embora estimulado por um fator
“moderno” como a especialização de funções, reforçou o patrimonialismo e o
estatismo, na medida em que este aumento atendeu a duas necessidades
“tradicionais”: a do Estado obter recursos com a venda/alocação de cargos e da
sociedade conseguir, por este meio, estimular a ascensão social pela incorporação
de novas pessoas, pertencentes aos setores não privilegiados, a funções “a
Republica” que, no modelo estamental vigente, eram enobrecedoras.
100
A chamada justiça concedida compreendia resquícios da justiça senhorial, extintos
em Portugal somente na década de 1790. No Brasil, a jurisdição dada aos capitães donatários,
através das cartas de doação e dos forais, que concediam amplos poderes de exercício da
justiça cível e criminal, correspondia a esse modelo de justiça.
Além da competência para nomear ouvidor, meirinhos, escrivães e outros oficiais e
da supervisão da eleição dos juízes ordinários das vilas, sua jurisdição, por meio
destes funcionários, era muito extensa. No cível, a jurisdição dos donatários
alcançava 100 mil-réis, compreendendo as sentenças de primeira instância dos
juízes e dos ouvidores e as de segunda instância destes. Na justiça criminal, tinha
alçada até a pena de morte em causas de heresia, moeda falsa, traição e sodomia,
independente da condição social do sentenciado; nos demais tipos penais de
escravos, indígenas e homens livres sua alçada também chegava até a pena de
morte; para privilegiados, o limite da pena era de dez anos de degredo e cem
cruzados de multa.
101
Outra esfera da justiça concedida era a justiça eclesiástica, que, no Brasil, foi
codificada pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707). Sua vasta
jurisdição compreendia as pessoas do eclesiástico, quando envolvidas em questões de justiça,
43
99
Idem, p. 39.
100
Ibidem, p.40.
101
Ibidem, p. 41.
bem como as matérias consideradas de natureza religiosa: as concernentes à fé, à organização
da Igreja, ao casamento e às relações com o poder secular, com o qual possuíam uma
interface, provocando a ocorrência de casos de foro misto.
O processo e a execução desse direito eclesiástico fazia-se por meio de uma justiça
própria, eclesiástica, que possuía nos arcebispados uma estrutura semelhante à da
justiça leiga, com um tribunal da Relação ocupado por desembargadores
eclesiásticos, advogados, procuradores, meirinho, vigários e solicitadores, alem de
uma processualística específica, definida nas próprias Constituições e nos
regimentos dos auditórios eclesiásticos.
102
Assim, de acordo com a classificação sugerida por Wheling, o direito real era
diverso, absorvendo funções políticas e administrativas, ao mesmo tempo em que convivia
com outras instituições judiciais, como a justiça eclesiástica, por exemplo. Entretanto, existia
todo um universo fora da jurisdição efetiva da justiça real. Nas chamadas áreas de
ingovernabilidade, que não correspondiam apenas a limites espaciais, mas também sociais do
Brasil colonial, as determinações reais sobre a justiça não passavam de letra morta.
O poder, inclusive a atribuição de julgar, era de fato exercido pelos “potentados”,
que faziam diretamente ou por seus acólitos, como os capitães do mato, numa
complexa rede de relações sociais que Oliveira Viana considerou como “clânicas”
e Gilberto Freire “patriarcais”, mas que de uma ou de outra forma revelam um
tecido social elaborado à base das solidariedades locais. O poder aí exercido pelos
mais fortes revelou-se não apenas do domínio puro e simples das vontades, mas no
estabelecimento de vínculos pessoais como compadrio e clientela, que tinham uma
tradição jurídica ainda informal, muito distante da justiça oficial, e que atribuía ao
senhor a função de executor da sentença.
103
O direito oficial do Antigo Regime atuava sobre uma faixa limitada da população,
deixando sua maioria submetida a outras formas jurídicas ou mesmo parajurídicas ou
infrajurídicas, como os padrões de conduta e outras “tecnologias disciplinares” – na
expressão de Foucault
104
– que atendiam aos objetivos de se ordenar a sociedade.
44
Embora o rei seja o senhor da justiça, esta não trata de toda a criminalidade. Uma
grande parte dos assuntos foge, total ou parcialmente, ao seu conhecimento, em
benefício dos processos oficiais, que revelam a “infrajustiça” ou a “parajustiça”. A
infrajustiça reside num consenso social no plano local, sendo que esse consenso
concorda particularmente com a necessidade da intervenção de terceiros,
indivíduos ou coletivos. O ordenamento das partes em conflito, ou a sua
homologação, transforma-se em obrigação moral e social concreta aos olhos não
somente das partes, mas de todos os membros da comunidade envolvida. A
“infrajustiça” tem, assim, um caráter público ou semi-público, às vezes até mesmo
oficial. (...) Os assuntos que beneficiam os ordenamentos privados, sem a
102
Ibidem, p. 43.
103
Ibidem, p. 46.
104
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.
intervenção de terceiros, não pertencem à categoria da infrajustiça, mas sim ao que
podemos chamar de “parajustiça”, categoria ainda muito mal analisada, por culpa
das fontes disponíveis.
105
Em uma sociedade de relações sociais, políticas e econômicas complexas, o direito
era extenso e às vezes inócuo, uma vez que, observando os vários privilégios, havia
desigualdades perante a lei, conforme a condição do autor e do réu; uma justiça desigual, o
que afetava a percepção de suas esferas como sendo legítimas para a resolução de conflitos.
Para além disso, havia uma sobreposição em relação à legislação, ou seja, a existência de
várias leis deliberando sobre a mesma questão, o que enfatiza a ineficácia dessa lei ou o não
reconhecimento da norma pela população. “Para a sociedade, a justiça é multiforme: ela pode
estar nos tribunais, mas o mais comum é encontrá-la fora deles”.
106
Portanto, a justiça no Antigo Regime refletia as tensões, pactos e especificidades da
sociedade em que estava inserida, mas não conseguia dar conta do universo multifacetado
dessa sociedade em transição.
No Brasil colonial, a transposição das instituições jurídicas e administrativas do
império português, do qual fazia parte, determinou da mesma forma tensões, pactos e
especificidades, em escalas diferentes, dentro da sociedade que foi se constituindo.
As lacunas e brechas na esfera da justiça podiam ser mais evidentes no espaço
colonial, mas, não obstante, nos remetem à complexidade da relação costume/norma no
cotidiano das populações setecentistas que compunha o Império português.
São as tensões entre norma e prática, entre costumes e leis, que procuramos
identificar no cotidiano da sociedade mineira, na fala ou no silêncio das testemunhas, nas
sentenças dos juízes, nas estratégias dos réus,ou por fim, no universo dos crimes e na ação da
justiça.
45
105
GARNOT, Bernoît. Justiça e Sociedade na França do século XVIII. Textos de História. Brasília, vol. 11,
n.1/2, 2003, p.18. (Dossiê: A Justiça no Antigo Regime).
106
Ibidem, p.25.
CAPÍTULO 2: Faces da justiça
Em 1768 o Dr. Antonio Peres de Gaya apresenta ao tabelião do cartório do segundo
oficio da cidade de Mariana, Manoel Ferreira Coutinho, a seguinte petição em nome de José
Peixoto Guimarães: “Diz José Peixoto Guimarães que ele suplicante quer fazer citar a José
Vieira Cardoso para primeira de Vossa mercê falar a um Libelo de injúria atroz o que melhor
no mesmo expressa o suplicante.”
1
Essa petição feita por Gaya, um dos três procuradores do autor, trazia dezesseis
artigos com os motivos para que o réu fosse citado. Mas tudo se articula em torno do que o
procurador chamou de “falsidade mais abominável”.
Por que o Autor sempre viveu manso e pacificamente com a sua mulher Anna
Maria de Assumpção tratando-a com aquele amor, e respeito, sem lhe faltar com o
preciso, e necessário para o seu sustento, adorno e trato.
Por que tratando-se com amizade muito estreita José Vieira Cardoso com o Autor
debaixo desta cometeu o Réu a aleivosia mais atroz, e traição mais detestável
solicitando e desencaminhando a mulher do Autor para a falsidade mais
abominável, de faltar as invioláveis Leis do Matrimonio adulterando com ela no
próprio leito conjugal.
2
Além da desonra de um adultério público e escandaloso, o réu Cardoso teria induzido
ao seu poder dois escravos do autor como se estes fossem seus e vendido ou trocado por gado
uma outra escrava de Jose Peixoto Guimarães, na ausência deste, como se ela fosse também
sua.
No entanto, um dos quatro procuradores do réu, o Dr. Antonio da Silva e Souza,
intervém e apresenta em contestação da lide vinte e um artigos em contrariedade aos que
foram indicados pelo procurador do autor.
E também por ser o Libelo do Autor todo injurioso, e difamatório, contra a pessoa,
credito, honra e reputação do Réu requer este, que o Autor no dito termo o assine,
com a pena de ser riscado todo, em forma que se não possa ler dele coisa alguma, e
46
1
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 188 auto:4716.
2
Idem.
por que a hum e outro requerimento se deferira, como se requer estas ofereço por
embargos e custas.
3
Desta forma, contrariando, diz o réu contra o autor que nunca jamais depois que se
casou com sua mulher viveu bem com ela, deixando-a desamparada.
Por que é tanto verdade o referido, que vendo-se a mulher do Autor, sem ter que
comer, vestir, e calçar, tanto naquele Arraial da Piranga como nesta cidade, entrou,
segundo dizem, a tratar da vida e a ganhar como lhe foi possível, e a ensinava o
Autor, e logo, que isto fez principiou a ter muita roupa boa, trastes de custo para o
seu ornato, sem que o Autor seu marido lhe procurasse de donde lhe vinham, e por
isso é de presumir, que o Autor seu marido convinha, e convém, q. sua mulher seja
desonesta, e como tal trate da vida elicitamente, como dirão as testemunhas..
4.
José Vieira Cardoso diz ainda que nunca fora falso ou traidor com o autor, porque
nunca teve amizade particular com ele ou com sua mulher, e que se ia à casa do casal era para
pedir o que eles lhe deviam
5
“(...) e que nunca jamais deu o Réu causa, a que com verdade se
possa dizer, e afirmar, que tem sido adúltero para o Autor, por ser o Réu bem procedido, e
temente a Deus, e incapaz de desinquietar mulher casada ou ofender a seu marido, sendo
muito acautelado nas suas ações.”
6
O réu ainda desmente a acusação de que teria induzido os escravos do autor ao seu
poder e vendido a outra sua escrava, dizendo que todos tinham o vício de fugir, sendo um
inclusive quilombola. Afirma ter meios para pagar os escravos que quisesse, não precisando
recorrer a tal vileza.
Por que o Réu tem uma grande fabrica de oficiais a que paga, escravos próprios, de
que se serve em tudo, quanto lhe é preciso, e é abundante de bens temporais, e com
grande credito e abono, para comprar muitos escravos, e alugar os oficiais que
quiser como dirão as testemunhas, e nunca se sérvio do escravo Caetano crioulo,
nem do outro Romão crioulo, e menos os tive induzidos, e ocultos, como dirão as
testemunhas, nem carecia de praticar tal vileza, nem era capas para isso por ser
pessoa de muito brio, e de ações honradas..
7
O procurador do réu espera que a justiça o favoreça, pois, segundo ele, o libelo do
autor é uma ação intentada por malícia. Protesta por negação tudo que consta do libelo, e,
fazendo todas as pronunciações do direito deve o autor ser condenado nas custas dos autos.
8
47
Do mesmo modo, o procurador do autor espera que o réu seja condenado
3
Idem.
4
Idem.
5
Idem.
6
Idem.
7
Idem.
8
Idem
Por que nestes termos deve o Réu ser condenado nos ditos vinte mil cruzados de
satisfação da presente injuria para o Autor, e nas mais perdas, e danos da sua
fazenda acima recontados e em todas as penas cíveis, e crimes que pelo caso
merece ser condenado, conforme o Direito, Lei do Reino, e suas extravagantes,
salvo sempre a arbitraria tacha do Sr. Doutor Juiz pela Ordenação..
9
A que Justiça, Direito e Leis esses procuradores se referem? Esta querela apresentada
por um autor ofendido e negada tão veementemente por um réu inocente nos oferece alguns
aspectos da justiça e seus mecanismos de funcionamento na Minas Gerais setecentista.
De que maneira a Justiça estava organizada para resolver conflitos como esse, e
como outros? Quais os procedimentos e alçadas? E ainda que tipo de documento é produzido
pela justiça a partir dessas questões?
A análise que se segue tem como finalidade apresentar a constituição da justiça em
Portugal no período moderno, a partir da analise do processo de elaboração da legislação e
das relações entre o poder civil e o eclesiástico. Da mesma forma; são também objetivos deste
capítulo analisar as esferas que compõem a estrutura judiciária no Brasil colonial, bem como
seu funcionamento, e caracterizar a documentação produzida por essa justiça, dando ênfase
aos processos-crime.
Aspectos do Direito na Formação do Estado Português
O surgimento do Reino de Portugal vinculou-se ao processo de reconquista dos
territórios ibéricos, revestido de um caráter religioso, mas também bélico. A presença e o
respaldo das casas senhoriais, assim como o reconhecimento da Igreja demarcaram o
aparecimento do Estado Português. Esses fatores interferem e caracterizam a formação do
direito português.
As guerras de reconquista
10
marcaram a organização do Estado Português. Nos
séculos IX e X somente a região das Astúrias no norte da península Ibérica escapava à
dominação árabe. Os muçulmanos não conseguiram ocupar essa região montanhosa, onde
48
9
Idem
10
Reconquista é a denominação para o movimento cristão iniciado no século VIII que visava à recuperação
cristã das terras perdidas para os árabes durante a
invasão muçulmana da Península Ibérica. REILLY, Bernard F.
Cristãos e muçulmanos: a luta pela Peninsula Iberica. Lisboa: Teorema, 1998, p.327; MATTOSO, José.
(direção) História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1994, vol.1, p.567.
resistiram povoações cristãs que deram início, assim, ao longo processo para retomar o
território perdido.
Com a ocupação da península Ibérica pelos muçulmanos, algumas das instituições do
Alcorão foram introduzidas na região, entre elas a vindicta privada, que adia a inserção da
idéia de Direito Público no Direito Português.
11
A vingança privada e outras práticas do direito penal islâmico podem ter sido mais
bem acolhidas na península Ibérica em virtude das semelhanças entre essas práticas e as
experiências jurídicas romano-germânicas dos visigodos.
O direito visigótico não se opunha diretamente a uma noção de vingança privada,
estabelecia, no entanto, na medida em que formulava as leis, as regras para o uso de uma
justiça privada.
O próprio direito canônico, se observadas as disposições dos concílios ecumênicos,
em especial os de Latrão I (1123) e II (1139) que instituem a trégua de Deus, não se opunha
simplesmente à vingança privada (vindicta privada dos muçulmanos ou a violência autorizada
dos visigodos), e sim à vingança privada por mãos ilegítimas.
Depois dos concílios de Latrão, a paz e a trégua de Deus serão acolhidas por leis
peninsulares, e convém mirá-las, na conjuntura feudal, como importante
instrumento para definitivamente associar o poder político - que tem no poder
penal talvez a mais importante de suas manifestações – à propriedade fundiária.(...)
contribuem para o represamento de poder penal do qual se apossarão os estados
nacionais, após a derrocada do mundo feudal.
12
Esse poder político fundiário, herdado de tradições romano-germânicas, sutilmente
influenciado pelos árabes, respaldado pela Igreja católica, justifica a coexistência, no início da
história do direito luso, de uma justiça pública aplicada por concelhos, senhores, juízes e pelo
rei e de uma justiça privada.
13
Assim, o início da história codificada do direito português é o inicio da luta contra
o direito privado que existia em detrimento do direito público. Este passou a ser
formado no reconhecimento do direito romano (que foi propiciado pelas
49
11
Ibidem, p. 271
12
Ibidem, p. 184
13
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005, p.
271.
universidades que surgiam) e pela utilização do direito canônico como direito
subsidiário e, como fonte de aprendizado do modo de feitura de códigos e leis.
14
As tentativas de implantação de um código legal tinham como objetivo sobrepujar o
uso dos costumes e o chamado “direito velho”
15
que se caracterizava pela utilização da
Justiça privada.
O poder judicial em fins do século XV se encontrava misturado aos poderes
legislativo e executivo, além de disperso em várias mãos. Contra essa dispersão,
características dos sistemas políticos feudais, os monarcas vão lutar apoiados no direito
romano.
16
Chama-se a essa luta ‘movimento de centralização monárquica’, a qual irá conduzir
ao cesarismo régio dos finais do século XV e mais tarde desembocar
perversamente no absolutismo político. Chamarão os monarcas em seu auxilio toda
uma herança teórica cristã ocidental, reservatório ideológico extremamente
respeitado, que se reivindica do Evangelho, S. Pedro e S. Paulo, Santo Agostinho,
Dinis o Areopagita, Santo Isidoro de Sevilha, Carlos Magno e muitos outros.
17
Desse modo, como salienta Mattoso, o rei é o guardião e defensor da lei; seu
primeiro papel, manter e impor a justiça
18
. O papel da monarquia nesse período será o de
criar um direito comum nacional e lentamente controlar e gerir para que ele seja aplicado em
todo Reino. Nesse sentido, a compilação das normas já existentes e a organização de um
código de leis se tornaram mecanismos do poder de Estado do rei.
Sobre a Legislação Portuguesa: os códigos e sua composição jurídica
As chamadas Ordenações do Reino
19
, em referência a um conjunto de leis gerais,
representavam compilações jurídico-legislativas portuguesas. Segundo Vainfas, estabeleciam-
50
14
Ibidem, p. 272.
15
“O direito velho era caracterizado pela brutalidade nos preceitos jurídicos – como arrasamento de aldeias
inteiras como punição para crimes – bem como pelas leis dos primeiros monarcas que não chegaram a gerar um
corpo legislativo unitário.” MATTOSO, José. (direção) História de Portugal. idem, p. 271.
16
MATTOSO, José. (direção) História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1994, vol.2, p 432.
17
Idem
18
Idem.
19
“Ordenações: atos emanados do poder executivo através dos quais, na Península Ibérica medieval, eram
promulgadas normas, decisões e outras medidas destinadas a regulamentar os mais diferentes assuntos. Por outro
lado, o termo pode também significar coletânea de preceitos ou códigos oficiais referentes, predominante ao
direito português e espanhol. Em Portugal, são especialmente importantes as Ordenações Afonsinas, as
Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas.” AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de
nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 291. Apud. CASTRO, Flávia
Lages de. op. cit. , 273.
se como elemento principal da prática político-administrativa em todos os domínios do Estado
português, sendo o seu conhecimento por parte dos oficiais da Coroa condição para o governo
do império.
20
As Ordenações Afonsinas
As Ordenações Afonsinas (1446-7) formam o primeiro conjunto de leis
eminentemente portuguesas. Surgiram em conseqüência da necessidade de diferenciação da
legislação portuguesa em relação à legislação espanhola. Tal necessidade se torna mais
premente durante a Revolução de Avis (1385)
21
, que inaugura uma nova casa dinástica no
trono português.
Um dos objetivos da Revolução de Avis era defender a independência portuguesa,
fortalecendo o poder real. Um Estado forte era interessante à burguesia, pois o
apoio do Estado era primordial para a promoção do comércio e da navegação. Estes
objetivos transparecem nas Ordenações Afonsinas. Outro alvo da feitura das
Ordenações era diminuir ou acabar com as várias – e muitas vezes concorrentes –
leis dispersas pelo reino.
22
As Ordenações Afonsinas são divididas em cinco livros: o primeiro é relativo aos
regimentos dos cargos públicos (régios e municipais) abrangendo o governo, a justiça, a
fazenda, e o exército. O segundo é relativo ao Direito Eclesiástico, à jurisdição e privilégios
dos senhores, às prerrogativas da nobreza, e ao estatuto de judeus e mouros. O terceiro livro
compreende o processo civil, o quarto diz respeito ao direito civil, reunindo o direito das
obrigações e contratos, o direito das coisas, o direito de família e sucessões. E finalmente o
quinto aborda o direito e o processo penal.
23
A estrutura judiciária estabelecida pelas Ordenações Afonsinas contava com
Magistrados Singulares e Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição. Os
Magistrados Singulares
24
eram:
51
20
VAINFAS, Ronaldo (dir). op. cit., p. 416.
21
A Revolução de Avis foi um período de guerra civil, também conhecido com Interregno, uma vez que não
havia um rei no poder embora houvesse uma rainha de direito Beatriz de Portugal. “(...) foi resultado de uma
crise econômica do século XIV, somada a uma crise dinástica, ou seja, o rei D. Fernando havia morrido sem
deixar herdeiros homens e sua filha era casada com o rei de Castela, que se interessava muitíssimo em anexar
Portugal a seus domínios.” In: Idem.
22
CASTRO, Flávia Lages de. op. cit, p. 273
23
Ibidem, p. 274.
24
Ibidem, p. 275.
Juízes Ordinários: não eram bacharéis em direito; eram eleitos pelos “homens
bons”
25
da Câmara Municipal.
Juízes de Fora: bacharéis em direito, nomeados pelo rei, podiam substituir os juízes
ordinários.
Juízes de Órfãos: se encarregavam das causas referentes aos interesses de menores,
inventários e tutorias.
Juízes de Vintena: exerciam o oficio em localidades de até vinte famílias.
Almotacéis: suas funções incluem a apreciação de litígios sobre servidão urbana e
crimes praticados por funcionários corruptos.
Juízes de Sesmaria: julgavam as questões envolvendo terras.
Juízes Alvazis dos Avençais e dos Judeus: sua função era dirimir questões entre
funcionários régios e entre judeus.
Os Tribunais colegiados
26
, segundo grau de Jurisdição eram compostos da seguinte
forma:
Desembargo do Paço: seu objetivo era apreciar as questões cíveis relativas à
liberdade do individuo, tais como graça, perdão, indulto e privilégios.
Conselho da Fazenda: sua função era solucionar litígios envolvendo a arrecadação
de impostos.
Mesa da Consciência e Ordem: sua função era fazer a apreciação dos recursos dos
demais juízes.
A Casa de Suplicação era o tribunal colegiado de terceira instância, último da justiça
portuguesa e com competência limitada.
52
25
“(...) Homem bom era aquele que reunia as condições para pertencer a um certo estrato social, distinto o
bastante para autorizá-lo a manifestar sua opinião e a exercer determinados cargos”. NEVES, Guilherme Pereira
das. Homens Bons .In: VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário da Brasil Colonial (1500-1808). Rio de
Janeiro: Objetiva, 2000, p. 285.
26
CASTRO, Flávia Lages de. op. cit, p. 275
O rei detinha o mais alto cargo da Justiça; ele era o Governador da Casa de Justiça, e
deveria fazer a distribuição dos desembargadores, definir os dias de trabalho destes e do juiz
de feito, do Procurador, do Corregedor da Corte e dos Ouvidores.
As Ordenações Afonsinas têm muita influência do direito Canônico, muitas vezes,
inclusive tem-se a utilização da palavra “pecado” como sinônimo da palavra
“crime”. Isto gera, mais que uma simples confusão de termos, uma conseqüência
imediata, não importa somente a materialidade do crime mas, também, a intenção
do acusado, porque, como pecado, é assim que se mede a culpa do indivíduo e é
através desta aferição de intenção que se pode graduar a pena, se assim for possível
dentro da
lei.
27
Ordenações Manuelinas
Quando as Ordenações Afonsinas são promulgadas em 1447, Portugal já havia se
lançado à expansão marítima, o que passa a afetar toda a nação. Leis extravagantes
28
passam a
ser produzidas em grande quantidade, visando acompanhar as mudanças, mesmo com a
publicação das Ordenações Afonsinas que pretendiam unificar o direito português.
Assim, D. Manuel, tendo em vista o contexto das Grandes Navegações e os avanços
tecnológicos e filosóficos do período, mandou revisar as Ordenações Afonsinas, em 1505.
Esta revisão acabou gerando as Ordenações Manuelinas.
A Ordenação Manuelina é diferente da Afonsina, porque foi feita no estilo
“decretório”, ou seja, a redação é em decretos, como se fossem todas normas
novas, independentemente de serem, e muitas vezes o eram, novas formas de leis
vigentes. Em contrapartida as duas ordenações assemelham-se porque partem do
pressuposto que quando algo não está previsto deve ser consultado o direito
romano, ou seja, ambas mantêm o direito romano como subsidiário.
29
Outro ponto de semelhança entre as ordenações é a divisão em cinco livros. No
entanto, as Ordenações Manuelinas tratam de maneira mais detalhada as questões relativas ao
direito marítimo, aos contratos e aos mercadores, legislando, inclusive, sobre os mercadores
estrangeiros, revelando uma atitude protecionista em relação aos mercadores portugueses.
30
53
27
Ibidem, p. 276.
28
Leis extravagantes, assim chamadas porque extravasam o código maior. Faziam–no “por fora”, suprindo
lacunas ou provendo soluções mais especificas para assuntos já tratados nas ordenações. Eram formadas por
diferentes tipos de leis: cartas de lei ou cartas patentes, alvarás com força de lei, decretos, cartas régias provisões,
resoluções, portarias, avisos, enfim, uma plêiade de instrumentos a um só tempo administrativos e legislativos.
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Ordenações. In: VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário da Brasil
Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 436.
29
CASTRO, Flávia Lages de. op. cit, p. 278
30
Idem.
Em relação às questões penais, não são processadas maiores alterações: os fidalgos
continuavam sendo privilegiados quando penalizados em prejuízo aos plebeus; o crime de
Lesa Majestade permanecia com o pior dos delitos; a pena de morte, nas suas várias formas,
continuava sendo amplamente aplicada, assim como a tortura como meio de obtenção da
confissão e como pena.
31
Ordenações Filipinas
Com o passar dos anos novas leis foram sendo elaboradas, umas alterando
dispositivos das Ordenações, outras revogando mesmo que parcialmente seu conteúdo. Essas
mudanças produziam uma dispersão que dificultava o trabalho dos magistrados e demais
envolvidos com a esfera do direito. Somando a isso houve a reforma da Universidade de
Coimbra em 1537, que demandou da mesma forma, mudanças no legislativo.
32
Uma vez que D. Sebastião, o herdeiro do trono português, era menor, o regente D.
Henrique encarregou Duarte Nunes Leão de compilar as leis posteriores à Ordenação
Manuelina. Essa legislação é chamada de Compilação de Duarte Nunes Leão ou código
Sebastiânico.
33
Mas, com o posterior desaparecimento de D. Sebastião em Alcacér-Quibir
abre-se uma crise dinástica, já que o jovem rei não havia deixado herdeiros diretos, e seu
código influenciado pelo direito canônico seria revisto.
Alcacér-Quibir em 1578 e a crise dinástica com a morte do rei e de grande parte da
nobreza, o impasse criado ao funcionamento das instituições durante o breve
reinado do Cardeal-Rei, a sua morte, o avanço de um partido a favor de Filipe II de
Espanha, a reserva da Casa de Bragança e a derrota política e militar do Prior do
Crato explicam a solução por uma monarquia dual aceita nas Cortes de Tomar que,
se declarava garantir a separação institucional do reino de Portugal, não garantia a
posse e exercício dos poderes soberanos da realeza em separado, pois quer de
Espanha quer de Portugal eles seriam exercidos por Filipe II.
34
54
31
Ibidem, p. 279
32
Ibidem, p. 280
33
Ibidem, p. 281
34
BARATA, Maria do Rosário Themudo. Portugal e a Europa na Época Moderna. In : TENGARRINHA, José
(org). História de Portugal. Bauru: EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2001, p. 190-191.
Em 1603 no reinado de Filipe II de Portugal (III de Espanha) foram promulgadas as
Ordenações Filipinas, o mais duradouro documento jurídico tanto da história de Portugal
quanto do Brasil
35
.
As Ordenações Filipinas seguem a técnica da compilação revisando os códigos
anteriores. O caráter português foi preservado e poucas alterações foram introduzidas. No
entanto, a estrutura jurídica se tornou um pouco mais complexa: a quantidade de juízes
singulares e de Tribunais Colegiados aumentou, bem como suas funções específicas
36
:
Juiz das Casas da Índia, Mina, Guiné, Brasil e Armazéns: eram responsáveis
pelas questões ultramarinas relativas à arrecadação fiscal. De suas decisões cabiam recursos
aos Desembargadores dos Agravos da Casa de Suplicação
Ouvidor da Alfândega da cidade de Lisboa: tinha competência para apreciar feitos
cíveis entre mercadores bem como questões cíveis e criminais que envolvessem funcionários
de postos importantes.
Chanceler das Sentenças: que era responsável pelo selo das sentenças e cartas
expedidas por alguns outros juízes singulares.
Corregedor da Comarca: exercia as correições na comarca, podendo ser auxiliado
por tabeliães do local, com objetivo de apurar as culpas, querelas e estados dos membros da
Justiça. Eventualmente poderia substituir os juízes de fora e também conhecer das suspeições
argüidas em relação a juízes ordinários e de fora. Se uma causa tivesse como uma das partes
juízes, alcaides, fidalgos, tabeliães, abades e priores ele teria competência para conhecer as
suspeições.
Ouvidor da Comarca: exercia as mesmas funções do Corregedor e contra seus atos
caberia agravo deste. O Ouvidor era nomeado por Carta Régia e exercia seu mandato por três
anos.
55
35
“Apesar das alterações realizadas na vigência das Ordenações Filipinas, foram elas a base do direito português
até o século XIX. No Brasil, apesar da edição de novos códigos substitutivos, sobretudo no âmbito criminal e
penal, as ordenações vigiram, ainda que residualmente, até 1917, quando foi promulgado o código civil
brasileiro.” GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Ordenações. In: VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário da
Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 437.
36
CASTRO, Flávia Lages de. op. cit, p. 283-284.
Juiz Ordinário: anualmente eleito entre os “homens bons” nas Câmaras Municipais,
tinha competência para causas cíveis, criminais e competência subsidiaria das causas atinentes
ao juiz de órfãos. Suas decisões somente poderiam ser impugnadas através de julgamento de
recurso na Relação respectiva do município de sua alçada.
Juiz de Fora: substituía o juiz ordinário nas causas cíveis cujo valor não
ultrapassasse mil réis nos bens móveis e nas localidades de até 200 casas, bem como tinham a
competência para causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400
réis.
Juiz de Vintena: existia nas localidades com 20 a 50 casas e afastadas de uma
cidade ou vila em uma ou mais léguas. Era eleito entre os “homens-bons” e tinha competência
para apreciar querelas de até 100 réis. Não eram de sua competência as questões criminais,
entretanto, poderia decretar prisões e enviar o feito para o juiz ordinário.
Almotacéis: com competência para julgar as côimas (multas impostas aos
proprietários de animais que pastavam em lugar indevido) e despachavam nos recursos de
agravo e apelação para fins de seu processamento e tinham competência para as causas
relativas à servidão urbana e aos crimes praticados por funcionários públicos.
Juiz de Órfãos: apreciava questões relativas aos interesses de menores, inventários e
tutorias.
Juiz de Sesmaria: escolhido pela Mesa do Desembargo do Paço ou pelos
governadores, sua função era apreciar demandas sobre medição e demarcação de sesmarias.
Inquiridor: sua função era a de inquirir as testemunhas.
No segundo grau de jurisdição a responsabilidade era da Casa de Suplicação e do
Tribunal da Relação; cada um cuidava de uma parte do país. A Casa de Suplicação, que
exercia também a jurisdição em terceiro grau, era composta pelos Desembargadores do Paço,
pelo Conselho da Coroa e Fazenda, pela Mesa de Consciência e Ordem, pelo Chanceler da
Suplicação e por um Regedor encarregado de presidi-la (este tinha como função conduzir as
56
atividades judiciais dos desembargadores). Os corregedores e ouvidores exerciam suas
funções mos tribunais de segundo grau ou de segunda instancia.
37
O código Filipino, conservou-se dentro da tradição legal portuguesa, sendo, portanto,
dividido em cinco livros, como as ordenações anteriores
O livro I delineia as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e oficiais da
Justiça, com exceção dos ligados ao Desembargo do Paço, cujo regimento, embora
datado de 27 de julho de 1582, não foi incorporado às Ordenações. No segundo
livro estão definidas as relações entre o Estado e a Igreja, os privilégios desta
última e da nobreza, bem como os direitos fiscais de ambas. O terceiro trata das
ações cíveis e criminais, isto á, do processo civil e do processo criminal, regulando
o direito subsidiário. O livro IV determina o direito das coisas e pessoas,
estabelecendo as regras para contratos, testamentos e tutelas, formas de distribuição
e aforamento de terras etc. O último é dedicado ao direito penal, estipulando-se os
crimes e suas respectivas penas.
38
O livro V das Ordenações Filipinas, ao tratar do direito e do processo penal,
evidencia a associação entre a lei e o poder régio, revelando a justiça em ação, no que se
refere às hierarquias sociais e aos mecanismos de punição, próprios do Antigo Regime.
Sem dúvida, o capítulo penal era o mais importante no amplo leque de ações que
envolviam a lei e a justiça. É costume pensar que a sistematização e a codificação
das leis significam impor limites ao poder monárquico – noção diretamente
vinculada à formação das monarquias constitucionais a partir de fins do século
XVIII e, sobretudo, ao longo do século XIX. Diferentemente, no entanto, a
compilação das leis e das ordens emanadas dos sucessivos monarcas e das cortes,
reunidas de quando em quando, correspondeu a uma afirmação do poder real. No
início da época moderna, o aparecimento de códigos legislativos acompanhou a
formação e o fortalecimento das monarquias nacionais, destacando-se o
pioneirismo português.
39
O código Filipino resistiu à restauração portuguesa (1640), suas leis promulgadas no
período da União Ibérica foram incluídas nas determinações de D. João IV, primeiro rei da
dinastia de Bragança.
Longeva, as Ordenações filipinas nunca sofreram alterações substanciais. Em
1769, uma lei alterou a preponderância do direito romano, determinando que o
costume, desde que não entrasse em contradição com a lei, fosse conforme a boa
razão e possuísse mais de cem anos, deveria ser privilegiado como direito
subsidiário. A aplicação do direito canônico ficava proibida nos tribunais civis, os
glosadores do direito romano ficavam proscritos e este último só poderia ser
57
37
Idem.
38
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 35.
39
Ibidem, p. 29.
aplicado caso fosse concorde com a boa razão – cuja definição, apesar do
Iluminismo vigente, sempre causou dificuldades e debates.
40
Teoricamente as relações entre o direito nacional e o direito comum, no direito
português, estavam colocadas nas Ordenações Filipinas, de forma que prevalecesse o direito
pátrio sobre o comum. Dessa forma o direito que provinha da tradição romana e o direito
canônico deveriam ser apenas subsidiários ao direito que representava a vontade do soberano
estabelecido pelos tribunais do Reino.
41
Só que a prática invertia totalmente a situação, não apenas por serem muitíssimos
os temas que o direito próprio do Reino não abarcava, mas sobretudo porque,
formados em escolas de direito romano e canônico e dependentes de uma tradição
literária própria destes dois direitos, os juristas corroíam continuamente as
especialidades do direito pátrio e aproximavam-no progressivamente das soluções
doutrinais do direito comum, que eles, por outro lado, controlavam. Daí que a
principal fonte para o conhecimento do direito efectivamente vigente em Portugal
não seja a lei, mas sim a mole imensa de literatura produzida ( e não apenas a
portuguesa) durante os séculos XIV a XVIII.
42
Justiça civil e justiça eclesiástica na colônia
Os vínculos existentes entre Igreja e Estado em Portugal remontam ao surgimento do
Reino, mas com a expansão ultramarina, que foi revestida de um caráter religioso, estes laços
se fortaleceram.
Essa ligação entre a Coroa portuguesa e a Igreja de Roma resultou no chamado
direito do padroado régio
43
que consistia na permissão do Papa ao rei de Portugal de exercer a
jurisdição eclesiástica.
58
40
Ibidem, p. 36-37.
41
“A situação de coexistência de ordens jurídicas diversas no seio do mesmo ordenamento jurídico tem-se
chamado pluralismo jurídico, que significa, portanto, a coexistência de distintos complexos de normas, com
legitimidades e conteúdos distintos, no mesmo espaço social, sem que exista uma regra de conflitos fixa e
inequívoca que delimite, de uma forma previsível de antemão, o âmbito de vigência de cada ordem jurídica.”
HESPANHA, António Manuel. Direito comum e direito colonial. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 3, nov. 2006, p.
97. Disponível em: <http:www.panoptica.org>.
42
HESPANHA, Antônio Manuel. A representação da Sociedade e do Poder. In: MATTOSO, José (direção)
História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1998, vol.4, p.175.
43
“Por este instituto, o rei exercia suprema jurisdição da Igreja em Portugal, e no Império, revalidando os
decretos papais pela placitação e nomeando as autoridades eclesiásticas do clero secular. Este, hierarquizado em
paróquias (com seus vigários) e dioceses (com bispos), exercia, como nos demais Estados absolutistas católicos,
funções não só religiosas, como civis – os registros dos nascimentos, casamentos e óbitos, por exemplo. O clero
era vinculado burocraticamente ao Estado, que pagava a côngrua aos sacerdotes, através da ‘folha eclesiástica’.”
WEHLING, Arno e Maria José. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 318.
Assim, os monarcas portugueses foram autorizados pelo papado a erigir ou permitir
a construção de igrejas, mosteiros, conventos e eméritos além-mar. Os privilégios
da Coroa incluíam o direito de administrar jurisdições e receitas eclesiásticas,
apresentação à Santa Sé de uma lista dos candidatos mais convenientes para todos
os arcebispados, bispados, abadias coloniais, e também rejeição de bulas e breves
papais que não fossem aprovados pela chancelaria da Coroa. Todos os sacerdotes,
da mais alta a mais baixa categoria, só poderiam exercer seus cargos com a
aprovação régia.
44
No Brasil, o primeiro bispado foi formado em 1551, e teve com sede a cidade de
Salvador, sendo subordinado ao arcebispado de Lisboa. Em 1676, a diocese da Bahia foi
elevada à condição de arquidiocese pela bula Inter postoralis officii, do papa Inocêncio II.
45
.
O bispado de Mariana, criado em 1745, era, portanto, subordinado à arquidiocese da Bahia.
Os bispados e as prelazias tinham na sua base as paróquias, dirigidas por um vigário,
responsável por sua direção espiritual e administrativa.
Os bispos governam a diocese no espiritual e no temporal, sendo responsáveis
perante o rei pela execução das políticas governamentais. Uma de suas atividades
mais importantes eram as visitas pastorais que deveriam realizar por sua jurisdição,
a fim de ouvir as reivindicações dos paroquianos e identificar os problemas
existentes. Eram auxiliados na administração pelo cabido, um conselho ou senado
eclesiástico composto, conforme a diocese, pelo deão, chantre, tesoureiro-mor,
mestre-escola, arcediago, alguns cônegos e capelães. O cabido tinha funções de
assessoria do bispo, sendo também responsável pelo coro da catedral e pela direção
da diocese em caso de
vacância.
46
A ação da Igreja católica no Brasil colonial esteve fortemente ligada à política
absolutista do padroado régio. E, além disso, em escala menor, como sugere Wehling, o
tribunal eclesiástico reproduzia a estrutura da justiça civil.
Na arquidiocese baiana funcionou a Relação Eclesiástica, tribunal cuja a
competência compreendia não só questões relativas a religiosos e a administração
eclesiástica, mas a leigos, sempre que envolvessem assuntos relativos a casamentos
e crimes considerados de alçada religiosa, como usura, simonia ou blasfêmia. Era
dirigido pelo vigário-geral e composto por três desembargadores eclesiásticos,
além de procuradores, advogados e funcionários administrativos, reproduzindo
assim, em ponto menor, a justiça civil.
47
A Igreja se incumbiu de combater os desvios da moral, os chamados tratos ilícitos,
concubinato, ligações transitórias, adultério e prostituição, para assegurar as determinações
legais e divinas de construir uma família e viver de maneira cristã.
59
44
SILVA, Marilda Santana. Dignidade e Transgressão: mulheres no tribunal eclesiástico em Minas Gerais
(1747-! 830). Campinas: Es. Unicamp. 2001, p. 49.
45
Idem, p.58.
46
WEHLING, Arno e Maria Jo. Formação do Brasil colonial. p. 319.
47
Idem.
Portugal foi o único estado a acatar a determinações do Concílio de Trento (1545 –
1563) sem restrições. O fortalecimento dos sacramentos do matrimônio e da confissão foi um
dos resultados desse concílio.
48
As determinações tridentinas foram copiladas durante o primeiro sínodo colonial
(1707) nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, que passou a vigorar como
código eclesiástico, tendo sido publicadas em 1720. A preocupação com o matrimônio e com
a moralidade do clero está presente no texto dessas constituições.
Segundo Marilda Santana, umas das preocupações dos sucessivos arcebispos foi a
criação de uma legislação brasileira para o arcebispado e para os demais bispados e prelazias
que compunham a arquidiocese. Obra executada pelo quinto arcebispo D. Sebastião Monteiro
de Vide.
49
O Tribunal Eclesiástico figura como um dos principais instrumentos de punição do
clero e dos leigos na colônia, servindo dessa forma para implantação dos ordenamentos
tridentinos no Brasil colonial.
O Juízo Eclesiástico, segundo o Auditório da Bahia, estava divido em três instâncias,
a primeira representada pelo bispo e sua câmara episcopal, que cuidava de assuntos religiosos
e de origem civil que envolvesse clérigos acima do nível de diácono.
50
O tribunal do Arcebispado da Bahia, ou Relação Metropolitana, compreendia a
segunda instância, e julgava as apelações dos tribunais de primeira instância, bem como as
causas em que os bispos e membros do Juízo Eclesiástico fizessem parte.
51
A última instância do Juízo Eclesiástico cabia ao Tribunal Metropolitano de
Portugal, encarregado de todos os assuntos de cunho religioso. As apelações e
agravos do arcebispado da Bahia eram julgados no Tribunal Metropolitano de
60
48
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados, moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997.
49
“Formado em Cânones, dom Sebastião, veio a ser arcebispo da Bahia em 1702, realizando uma considerável
obra: o primeiro sínodo de que resultaram as Constituições primeiras do arcebispado da Bahia. Estas pautaram-
se pelas existentes para o arcebispado de Lisboa, já adaptadas aos cânones tridentinos, e foram promulgadas em
1707, constituindo-se a partir de então, a base de todo o funcionamento dos bispados do Brasil. Dom Sebastião
Monteiro da Vide também promulgou, num período anterior à criação das constituições do arcebispado, as
Constituições do Auditório Eclesiástico (1704). Foi este regimento que regularizou a justiça eclesiástica na
Colônia, compondo-se por uma serie de leis, normas e atribuições de todo o Tribunal Eclesiástico para o período
colonial.” In: SILVA, Marilda Santana. op. cit., p.59
50
Idem.
51
Idem.
Portugal: a Mesa de Consciência e Ordens. Este procedimento não contava com
impedimento algum da Cúria romana, como seria de esperar, pois tinha como
suporte as condições estabelecidas pelo direito do padroado. Na prática, a Mesa de
Consciência e Ordens deslocou, em certa medida, o poder hierárquico da Igreja
romana, pois era a instancia intermediaria entre a jurisdição eclesiástica das
colônias portuguesas e a justiça eclesiástica da Santa Sé.
52
Os códigos, tanto civis quanto eclesiásticos, observavam as infrações contra a moral,
havendo algumas diferenças no que se refere às punições e a qualificação dos delitos. Crimes
para o Estado ou pecados para a Igreja, os delitos contra a moral considerados de foro misto,
poderiam ser julgados nos dois tribunais, civil e eclesiástico.
Tal inter-relacionamento entre as esferas de poder e justiça, eclesiástica e civil, no
que tange a esses delitos têm raízes na profunda influência que a Igreja católica exerceu sobre
o Estado português.
Segundo as Ordenações Filipinas, código civil que compreende quase todo o período
colonial, os crimes que se seguem são considerados contra a moral
.
(...) Quando se procede contra publicos adulteros, barregueiros, concubinarios,
alcoviteiros, e os que consentem as mulheres fazerem mal de si em suas casas,
incestuosos, feiticeiros, benzedeiros, sacrilegos, blasfemos, perjurios, onzeneiros,
simoniacos, e contra quaesquer outros, que commetterem publicos delictos... os
que dão publicas tabolagens de jogo em suas casas(...)
53
O código Filipino foi criado em1602 e teve vigência até 1830 quando foi promulgado
o Código criminal do Império. Junto e paralelamente às Ordenações, as Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia, formavam o conjunto de disposições legais a que
estavam sujeitos os habitantes da América portuguesa, bem como da capitania das Minas
Gerais.
(...) o código Filipino e as Constituições Primeiras impuseram juridicamente no
Brasil as determinações tridentinas que alteraram profundamente os princípios
ocidentais no que diz respeito a moral e a sexualidade. Portugal estabeleceu em
terras brasileiras uma linha legislativa derivada do Concilio de Trento na qual o
que não era virtude, era pecado, o que não competia ao espírito, pertencia à carne,
envolvendo a humanidade em um combate maniqueísta em torno da salvação.
54
61
52
Ibidem, p. 60.
53
Código Filipino, livro II, tulo IX, p. 428. In: SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
54
GOLDSHMIDT, Eliana Maria Rea. Convivendo com o Pecado na sociedade paulista (1719- 1822). São
Paulo: Annablume, 1998, p. 27.
As Reformas Pombalinas e a Lei da Boa Razão
Para Maxwell
55
, o Portugal do século XVIII é quase indissociável de uma figura
muito forte, o marquês de Pombal. Sebastião José de Carvalho e Melo, foi primeiro ministro
de D. José I e efetivamente foi que governou Portugal de 1750 a 1777. Segundo Maxwell,
mesmo antes de chegar ao poder as opiniões se dividiam sobre ele, para uns ele é um
representante significativo do despotismo esclarecido, para outros é apenas um filósofo
inexperiente ou um tirano maduro.
56
A partir da década de 1750, Portugal, através do governo de Pombal, conheceu uma
série de medidas importantes em muitas áreas da política de Estado, umas fruto do
planejamento, outras conduzidas por acontecimentos novos e imprevistos.
57
A chamada política pombalina caracterizava-se, em linhas gerais, por uma série de
reformas visando à modernização do Estado português, destacando–se a atuação em três
setores principais: a economia, a estrutura do Estado e a educação. Em relação ao direito, as
reformas pombalinas visavam submeter direito e juristas a um controle maior da Coroa.
58
As formulações legais do Estado pombalino eram justificadas como uma aplicação
da lei natural, um sistema secularizado que era uma construção lógica na qual a
razão, mais do que a fé ou o costume, definia a justiça ou a injustiça. Para justificar
esse novo critério de interpretação legal, Pombal promulgou em 1769 uma “Lei de
Boa Razão”, decretando que a partir daquela data toda lei deveria ser construída
sobre uma “boa razão”, sem o que não seria válida.
59
Segundo Hespanha, a reforma na legislação, e a Lei da Boa Razão, visavam
transferir da doutrina dos juristas para a legislação régia a normatização de questões políticas
e sociais. Algumas das novas leis
60
procuravam revogar os costumes doutrinais, mas havia a
necessidade de alterar o quadro de fontes de direito, pondo fim a prática da doutrina e
jurisprudência sobre a lei do rei.
61
E isto se realiza com a Lei da Boa Razão (de 18 de agosto de 1768), que acaba com
a relevância do direito canônico nos tribunais civis [embora não ponha termo aos
62
55
MAXWELL, Kenneth. Marques de Pombal: o paradoxo do iluminismo. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1996.
56
Idem, p. 1.
57
Idem, p. 95
58
GOLDSHMIDT, Eliana Maria Rea. op. cit., p. 27.
59
MAXWELL, Kenneth. op. cit., p. 116
60
Lei de 22 de novembro de 1761 que reconhecia o direito dos filhos aos ofícios dos pais; lei de 9 de junho de
1755 sobre a desnecessidade de consentimento dos pais para o casamento dos filhos; lei de 7 de setembro de
1769 que regulamenta a renovação automática de contratos enfitêuticos. HESPANHA, Antônio Manuel. Idem.
61
Ibidem, p.175-176 passim.
privilégios eclesiásticos de foro, reduz fortemente o domínio de aplicação do
costume, do direito romano e do direito comum (a opinião comum dos doutores)
elimina a força vinculativa dos precedentes judiciais aos assentos da Casa de
Suplicação]. No plano da reforma do ensino Ao direito, a reforma dos estudos
jurídicos de 1772 vem confirmar esta estratégia de privilegiar o direito pátrio em
detrimento da doutrina.
62
Desse modo conforme a Lei da Boa Razão, o direito romano era considerado
subsidiário ao direito pátrio e a aplicação do direito canônico ficava restrita aos tribunais
eclesiásticos. Estabelecia ainda condições para a anuência dos costumes nos tribunais, e
unificou os assentos das relações subordinadas à casa de Suplicação.
63
Wehling observou a aplicação da Lei da Boa Razão nos processos que ascenderam
da instancias inferiores ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, concluindo positivamente.
Pelas investigações até aqui realizadas, e considerando o universo do Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro, podemos afirmar, pois e preliminarmente, repetimos
que a legislação pombalina, tanto no consulado do ministro, como no período
posterior, foi efectivamente observada, com as limitações históricas estruturais que
teve a justiça colonial igualmente em momentos anteriores.
64
No entanto a promulgação da Lei da Boa Razão e sua aplicação não garantia o
primado do direito pátrio sobre o direito comum. Para Hespanha, ao persistir na vinculação
política do direito ao uso moderno do direito romano e nas soluções apresentadas pelas
ordens jurídicas das nações polidas e civilizadas, o legislador pombalino permite a influencia
do novo direito iluminista dos Estados alemães e italianos e mais tarde, da França.
65
Assim, apesar do período pombalino representar uma época de atrelamento do direito
à política real, para Hespanha, não se realiza ainda aquela adesão de um direito e de um corpo
de juristas vinculados ao projeto político centralizador, como afirma um historiografia mais
tradicional.
66
A inovação causada pela Lei da Boa Razão vai se tornar mais profunda no
Direito Português oitocentista.
63
62
Ibidem, p. 175
63
WEHLING. Arno e Maria José. Cultura jurídica e julgados do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro: a
invocação da Boa Razão e o uso da doutrina, uma amostragem. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord).
Cultura Portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p.240.
64
Ibidem, p. 247.
65
HESPANHA, Antônio Manuel. A representação da Sociedade e do Poder. op. cit., p. 176.
66
Idem.
Segundo Anastasia
67
, para a primeira instância, diferentemente do que sugere
Wehling, não há indícios consistentes do uso da Lei da Boa Razão, ainda no século XVIII,
sendo sua influência maior nas esferas da justiça exercida na Colônia, e posteriormente no
Império durante o século XIX.
A interpretação das relações entre justiça e sociedade não pode se restringir a
observação da norma jurídica, mas deve ser avaliada a partir das práticas sociais. Assim, a
análise que se propõe busca nos processos-crime de foro civil, não só os padrões de ação da
justiça colonial nas Minas, bem como as formas de acesso a essa justiça, avaliando inclusive o
uso próprio que essa sociedade faz dos códigos.
Processos-crime: universo documental e possibilidades de análise
Querela ou devassa
Querela era o auto cível ou criminal iniciado por denúncia ou queixa feita por uma
das partes. Dizia-se perfeita aquela que envolvia, além da denúncia, juramento, indicação de
três testemunhas e pagamento de fiança contra perdas e danos, se o caso não pertencesse ao
acusador. Na querela simples o acusador estava envolvido no caso e dispensado do juramento,
equivalendo à denúncia.
68
As Ordenações Filipinas estabelecem em que casos o processo deve ser recebido, ou
em que casos se deve receber querela.
Os casos em se deve e pode são os seguintes: quando for querelado de algum que,
sendo cristão ( ora antes fosse judeu ou mouro ora nascesse cristão), se tornou
depois a fazer judeu ou mouro, ou de outra seita que arrenegou ou pesou, ou por
outra maneira pós indevidamente a boca em Nosso Senhor ou nos santos, que é
feiticeiro, sorteiro, adivinhador, que cometeu crime de lesa-majestade, que é
roubador de estradas que matou alguém ou dormiu com mulher de ordem, cometeu
pecado de incesto, forçou alguma mulher, é sodomítico, alcoviteiro, falsário,pôs
fogo em pães e vinhas, ou em outras coisas, que é ladrão de cem réis ou daí para
cima,que feriu seu pai ou mãe, fez assuada, quebrantou cadeia, saltou por cima do
muro estando a cidade ou vila cercada ou guardada ou sendo carcereiro, lhe
fugiram presos, fez moeda falsa ou a dependeu acinte ou cerceou verdadeira, disse
testemunho falso ou o fez dizer, que casou ou dormiu com criada daquele com que
vive ou casou com duas mulheres, sendo ambas vivas, ou mulher que casou com
dois maridos, sendo ambos vivos ou, sendo nosso oficial, dormiu com mulher
64
67
ANASTASIA, Carla Maria Junho. A Lei da Boa Razão e o novo repertório da ação coletiva nas Minas
setecentistas. Varia História, Belo Horizonte, v. 28, p. 29-38, 2002
68
LARA, Silvia Hunold (org.). Op. cit., p. 60 e 61.
perante ele requerida, que sendo infiel dormiu com alguma cristã ou cristão que
dormiu com alguma infiel, que é barregueiro casado, barregã de homem casado,
barregueiro cortesão, barregã de homem cortesão, que é manceba de clérigo ou
outro religioso, ou é rufião, que sendo degredado não cumpriu o degredo, que
ajudou a fugir cativos, levou coisas defesas para terra de infiéis sem nossa licença,
ou foi ou mandou resgatar à cidade de São Jorge de Mina ou às partes e mares de
Guiné, que arrancou uma arma na Corte ou em procissão, ou na igreja, que tirou
com besta ou espingarda, posto que não ferisse,que resistiu ou desobedeceu à
Justiça, fez cárcere privado, tolheu algum alguém preso à Justiça, que sendo preso
fugiu da cadeia, sendo julgador deu o preso sobre fiança antes da sentença final, de
que não haja apelação nem agravo, ou se disser que cometeu algum caso no qual é
posta certa pena de açoites ou degredo temporal para fora de certo lugar ou daí para
cima por alguma nossa ordenação a quem o tal caso cometer, porque nestes cada
povo pode querelar, não sendo inimigo.
69
As devassas eram os atos jurídicos que partiam do próprio poder judiciário, pelos
quais testemunhas eram inquiridas sobre algum crime
70
. Elas poderiam ser ordinárias, aquelas
que ocorriam em épocas determinadas do ano
71
, de caráter geral, se referiam aos casos de
crimes incertos; ou especiais de caráter particular, se referiam aos casos em que se conhecia o
crime, mas não o autor
.
72
Os processos tratam de atos que violam de alguma maneira a ordem pública, como
ferimentos, mortes, incêndios, furtos, arrombamento, feitiçaria, ou atos contra a
propriedade privada e os direitos natural e das gentes, assim como os crimes contra
escravos, defloramento, rapto, adultério, espancamentos, ofensas e ofensas e
injúrias verbais - , que deveriam estar resguardados pela equidade da justiça.
73
.
Dessa forma, as devassas constituem um procedimento jurídico especifico de
investigação, observando a indagação de testemunhas feita pelo juiz para apuração de crimes
que alteravam a ordem pública.
74
Constava das atribuições dos juízes de fora e ordinários
procederem às devassas nos casos ressaltados pela legislação portuguesa.
Por se evitarem os inconvenientes, que contra serviço de Deus e nosso se seguirem
de se tirarem devassas gerais, mandamos a todas as Justiças, que as não tirem.
Porém para que os malefícios sejam sabidos e punidos, somente tirem e sejam
obrigados tirar devassas particulares sobre as mortes, forças de mulheres, que se
queixarem, que dormiram com elas carnalmente por força, fogos postos, fugida de
presos, quebramento de cadeia, moeda falsa, resistência, ofensa de Justiça, cárcere
privado, furto de valia de marco de prata e daí para cima. (...) E bem assim tiraram
devassa sobre arrancamento de arma em Igreja, ou Procissão, (...) dos
arrancamentos feitos na Corte, e sobre ferimentos feitos a noite, ora a ferida seja
65
69
Ibidem, p.383 a 385
70
Ibidem, p. 60
71
“(...) que por nossas ordens se tirarem em cada um ano (...)” Idem.
72
LEMOS, Carmem Silvia. A justiça local: os juizes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-
1808). Dissertação de Mestrado, Belo Horizonte: UFMG/FAFICH/Departamento de História, 2003, p. 19
73
Idem.
74
Ibidem, p. 91.
grande, ora pequena.E bem assim, sendo alguma pessoa ferida no rosto, ou aleijada
de algum membro, ou sendo ferida com Besta, Espingarda, ou Arcabuz, ora o
ferimento sendo de dia, ora de noite, e das assuadas.
75
Portanto para evitar os tumultos que as devassas gerais poderiam causar se
recomendava que as investigações fossem feita em torno das devassas particulares, ou seja
daquelas em que o delito era conhecido, como nos casos de tentativa de assassinato e
ferimentos, procurando evidenciar quem teria sido o autor do crime. Nos casos mais graves,
como os de morte, ainda de acordo com as Ordenações Filipinas,
76
as inquirições e a sentença
do juiz deveriam ser encaminhadas ex officio
77
ao ouvidor da comarca.
O caráter público das devassas consolidava-se assim nos procedimentos ex ofício,
com os quais eram mantidos a preservação do bem comum do Reino e seus
vassalos, aproximando-se das funções judiciais atribuídas às atuais Promotoria e
Defensoria públicas. Tendemos a concordar com a corrente de estudiosos do direito
que associam as devassas ao inquérito judicial contemporâneo, ou seja, a
investigação primaria para apontar o culpado de uma contravenção de natureza
pública, preliminar essencial para constituição de provas que iniciam o processo
penal.
78
Adotamos aqui o termo processo-crime por força da catalogação do Arquivo da Casa
Setecentista de Mariana, que agrupa vários tipos de documentos criminais, por ordenação
onomástica. Nem toda a documentação foi alvo de nossa análise, por isso usamos o termo
processo crime para agrupar tanto as querelas de caráter criminal quanto as devassas
especiais. Dessa forma, nossa analise abrange as ações movidas geralmente pelas vítimas e os
processos criminais instaurados pela justiça através da inquirição das testemunhas.
Descrição das fontes documentais
De modo geral, as ações de querela tinham início com a citação, onde o solicitante
apresentava ao juiz suas razões; esta poderia ser acompanhada por um libelo produzido por
um letrado que apresentava as razões da demanda. O juiz, em audiência, examinava o
processo e as partes podiam apresentar suas razões com réplicas e tréplicas. O juiz dava,
então, uma sentença, que poderia ser embargada pela parte que se considerava prejudicada.
66
75
Ordenações Filipinas, Livro I, titulo LXV § 31. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
76
Ordenações Filipinas, Livro I, titulo LXV § 33. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
77
Ex officio é uma expressão latina que significa por obrigação do ofício.
78
LEMOS, Carmem Silvia. A justiça local: os juizes ordinários e as devassas da Comarca de Vila Rica (1750-
1808), p. 92 e 93
Ao fim de um ou outro caso, o juiz passava uma carta de sentença, com sua resolução final,
sobre a qual ainda cabia recurso de apelação ou de suplicação a uma instância superior.
Os processos criminais tinham procedimentos um pouco diferenciados. Os crimes
contra a ordem pública tomavam a forma de processo pelas mãos do juiz
responsável pela apuração, mas que poderia ter o auxílio de um advogado
contratado pela câmara. Já os crimes que atingiam a propriedade e a pessoa, no seu
corpo físico ou na moral, davam lugar à queixa ou querela dos interessados que,
quase sempre, o faziam pelo intermédio de um advogado contratado. Em ambos os
casos, a peça fundamental era a inquirição das testemunhas que ganhavam a forma
de um “escrito de acusação” que era passado ao réu para confirmar a acusação ou
negá-la, total ou parcialmente. O réu, então, é informado das testemunhas de
acusação e apresenta as suas para contrariar, bem como eventuais provas. Seguiam-
se a sentença e, se coubesse as apelações.
79
Na análise dos processos, verifiquei que se estruturam da seguinte maneira: o
documento é iniciado pela autuação, uma espécie de cabeçalho em que se pode identificar a
data, o local de abertura do processo, o nome do juiz responsável pelo caso, os envolvidos,
autores e réus, assim como o local de procedência destes envolvidos. Consta também o nome
do procurador do autor, e do tabelião que redige o documento. Apresenta-se a acusação
através do acolhimento ou formação de culpa.
Geralmente, a primeira petição é a do réu, que pede uma Carta de Seguro negativa
80
.
A Carta de Seguro Negativa parecia ser um tipo de “Habeas Corpus
81
, que garantia a
liberdade ao réu por um ano; ela era paga, e não se podem estabelecer os critérios para se
estipular a tarifa ou se havia variações no valor, mas nos processos consultados em que há
essa petição, a taxa é de 1$500 réis. Neste caso, geralmente no verso da petição da Carta está
registrada a carga do valor pago ao Tesoureiro em Vila Rica.
82
Depois, a Carta de Seguro Negativa em si; é uma fórmula, a estrutura é sempre a
mesma em qualquer processo, e o que varia são as especificidades da querela.
Seguem-se petições dos advogados, ou procuradores do autor e do réu.
67
79
ANTUNES, Álvaro de Araújo. Fiat Justitia: os Advogados e a Prática da Justiça em Minas Gerais (1750-
1808). Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, p.256.
80
Promessa judicial por meio da qual o réu, sob certas condições, se eximia da prisão até a decisão final da
causa. Tanto podia ser negativa como confessativa. /depois de obtida devia se apresentar dentro de dezoito dias
em audiência, sob pena de ficar a dita carta sem efeito. In: LARA, Silvia Hunold (org.). op. cit., p. 113 e 114
81
Garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação ou violência
na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. FERREIRA, Aurélio Buarque. Novo
Dicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004, p.1019
82
O pagamento da carta de seguro era feito ao tesoureiro da Ouvidoria, no caso em Vila Rica, sede da comarca a
que pertencia a cidade de Mariana
A parte em que são descritas as falas das testemunhas é, quase sempre, a mais
extensa do documento, e, sem dúvida, é a mais importante. Primeiro consta a fala das
testemunhas de acusação, depois as de defesa, que podem ser precedidas por uma intervenção
do procurador do réu. Por fim, o juiz profere a sentença, que consta escrita no final do
processo seguida das assinaturas. Na última página, às vezes até no verso desta, aparecem as
custas do processo, os números aparecem anotados e dispostos na forma de uma soma.
A composição da documentação sobre as devassas especiais se apresenta de forma
um pouco diferente. O processo era iniciado pelo auto de sumário ou termo de abertura, que
equivale à autuação. Nele o Juiz notificava o conhecimento do crime, informando os dados
sobre o local, dia e hora do ocorrido, mandando acionar a investigação. A seguir aparece o
auto de corpo delito ou uma certidão alegando o estado da vítima; no que se seguia a
.assentada, uma espécie de cabeçalho com dia e local em que os depoimentos foram tomados.
Na assentada constavam os nomes do juiz, do tabelião e o registro do alcaide
83
, funcionário
que e carregado de notificar as testemunhas. Em seguida, vêm os testemunhos, feitos sob
juramento. Antes do procedimento de inquirição em que são perguntadas sobre o
conhecimento do ocorrido, as testemunhas são identificadas. Constam os seguintes dados:
nome, cor, condição social, local onde mora, ofício, idade, e às vezes o local de origem.
Segue-se a pronúncia, que é a sentença dada pelo juiz após a verificação do exame de corpo
de delito e de ouvidas as testemunhas. Por fim o termo de data e as custas do processo.
Apesar de ser toda estruturada pela norma, a documentação criminal pode deixar
sobressair justamente o que não é a norma, pelo uso que a população faz da Justiça,
perceptível através do ato de recorrer a ela, e pela forma como a própria justiça se apresenta e
se manifesta nos tribunais.
Numa sociedade, regida por uma justiça em que a noção de igualdade é muito
relativa, ou seja, em que a legislação observava punições diferentes conforme a condição do
réu, as relações pessoais poderiam significar uma forma de garantir que a justiça agisse em
favor dos que lançassem mão desse artifício.
68
.
83
“Oficial encarregado do governo, segurança e defesa de um lugar (castelo, praça ou cidade). O alcaide-
pequeno era escolhido pela Câmara com atribuição de defender as autoridades locais e executar atos judiciais.”
In: LARA, Silvia Hunold (org.). op. cit., p. 60
As relações clientelares poderiam pautar, por exemplo, a escolha das testemunhas de
acusação ou defesa, como salienta Álvaro Antunes
84
, desvirtuando assim a justiça, dentro de
seu próprio espaço.
As partes envolvidas nos processos poderiam, ainda, usar taticamente do próprio
espaço da Justiça para desvirtuá-la, lançando mão, por exemplo, das relações
clientelares que se evidenciavam, principalmente, na escolha das testemunhas. Mas
em geral, os altos custos dos processos e dos serviços dos advogados, as delongas,
a parcialidade das autoridades, serviam de estímulos para que parcela significativa
da sociedade procurasse formas alternativas de resolver suas pendências e embates.
85
É recorrente nos processos o uso de alegações de defesa, apontando que os autores
utilizariam pessoas inimigas do réu como testemunhas. É o que afirma o procurador de
Salvador Martins, pardo forro morador no Arraial do Inficionado, termo de Mariana, acusado
em 1805 de ferir Julio Martins Coelho a facadas. No último artigo de sua alegação de
contrariedade do crime consta: “Porque só testemunhas inimigas e mal intencionadas podiam
jurar o contrario, mas confiado o réu de sua inocência se persuade, que nenhuma será vista,
nem concordaram nas razoes de seus ditos
.”
86
Mas, as relações entre os representantes da partes e o juiz poderiam ser invocadas
durante o processo de forma a garantir uma parcialidade na sentença. Nem sempre explícito
esse artifício de se usar as relações pessoais pode ser percebido, às avessas, na apelação do
Dr. Antonio da Silva e Souza.
Tratava-se de um caso de agressão, João Machado Ribeiro acusa Manoel Teixeira de
Miranda, Antonio Teixeira de Miranda, Joaquim, cabra, escravo de Luis Teixeira de Miranda.
(..) diz João Machado Ribeiro, homem branco (...) que sendo na noite de dia vinte e
cinco de maio do presente ano de mil setecentos e noventa e sete pelas oito horas
da dita noite pouco mais ou menos no beco místico à casa do Padre José Ignácio de
Araújo acometeram ao suplicante varias pessoas que de propósito o esperaram e
lhe fizeram os malefícios constantes do auto junto e porque o caso é de devassa...
87
O advogado dos réus Dr. Antonio da Silva e Souza apresenta então sua primeira
petição pedindo que o juiz lhes conceda uma carta de seguro.
69
Diz Manoel Teixeira de Miranda e Antonio Teixeira de Miranda e Joaquim cabra
escravo de Luis Teixeira de Miranda com autoridade de seu senhor moradores no
84
ANTUNES, Álvaro de Araújo. op. cit., p.268.
85
Idem.
86
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 231 auto: 5753
87
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 209 auto: 5224.
Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Antonio Pereira termo de Mariana e
Comarca de Vila Rica; que a sua notícia chegou que pessoas suas inimigas o
denunciam as Justiças de sua Majestade (...) por ferimentos e pancadas acontecidos
na pessoa de João Machado Ribeiro; dizendo haverem eles Suplicantes cometido
estes e outros crimes e delitos proibidos pelas Ordenações do Reino e Direito Cível
e Canônico extravagantes (...) se querem mostrar livres e inocentes dos crimes (...)
lhes conceda sua primeira carta de seguro (..)
88
O Capitão Mor José da Silva Pontes, vereador mais velho juiz pela ordenação com
alçada no cível e crime, concede a carta de seguro negativa ,mas pouco tempo depois, é feito
um auto de prisão para os réus. Esse procedimento faz com que o advogado dos réus formule
uma extensa apelação contra o juiz.
A Vossa. Majestade se agrava, como agravado tem os réus agravantes e presos, na
Enxovia da Cadeia da Cidade de Mariana, do Juiz pela Ordenação, Capitão Mor
José da Silva Pontes (...) mandando-os prender, achando-se com Carta de Seguro,
passado em nome de Vossa Majestade (...) e requereram contrariando, para não
serem presos, e se citasse a parte queixosa, (...) o dito Juiz, menos bem
aconselhado, e fazendo-se ignorante, de todos os seus procedimentos, que havia
praticado (...) sem Assessor Letrado, e Professor de Direito, não o sendo o dito Juiz
a quo (...) São os casos e procedimentos praticados e executados pelo Juiz a quo,
contra os agravantes nunca vistos, e escandalosos (..) com que se fizerão, e
motivos, que concorrerão em ódio, e vingança, contra os agravantes, para sua total
ruína e perdição, muito a satisfação de seus Inimigos (...) tão grandes injustiças e
desordens, como as que ficam mostradas, e praticadas pelo Juiz a quo da Cidade de
Mariana.
89
O advogado adverte para o fato do juiz não ter conhecimento das leis do reino e de
não ter feito uso de alguém letrado ou de um magistrado pra auxiliá-lo. Até aqui as relações
entre eles não se evidenciam, mas ao longo da construção de sua apelação o advogado deixa
transparecer que o Juiz deveria considerá-lo de maneira diferente.
(...) E aqui mais patente a má vontade, e o diz o juiz a quo, não só contra os
agravantes mas até contra mim seu advogado, que sendo, como sou figurado pai,
como sogro (...) deste juiz e este meu genro, e filho, Ele ingrato, e desumano, é
como me desatende, e ofende, contra a s leis soberanas, divinas e humanas, para
não querer meus conselhos, e boa doutrina, com que, desde, que principiou a ser
juiz, trabalhei, para que servisse bem, porem, por isso mesmo, se apartou de mim
preterindo-me (...), para ir para outros meus inimigos, que o tem enganado e
desacreditado, como eu o não fizera, sendo seu sogro, pai, professor antigo do
melhor disto pratico, assim havia suceder...
90
Havia claramente uma disputa entre o advogado e o juiz, a relação entre eles não era
clientelar, e parece nunca ter sido. Mas pela fala do Dr. Antonio da Silva e Souza percebemos
70
88
Idem
89
Idem.
90
Idem
que no mínimo ele se apregoava de ter um papel superior ao do juiz. Ele invoca leis
soberanas, divinas e humanas, chama o juiz de ingrato e desumano, destacando de sua
apelação, mais do que a própria relação de parentesco, a sua de condição de professor antigo
do juiz. Ele se coloca, portanto, na posição de mentor do juiz.
Para o advogado, o juiz deveria lhe ser grato e seguir seus conselhos. A apelação não
seria apenas relativa aos erros de procedimento que cometeu o juiz em relação aos réus, mas
também indicaria uma má conduta do capitão–mor em relação ao laço de parentesco que o
unia ao advogado.
Ao chamar a atenção para a ingratidão do Juiz, o advogado Dr. Antonio da Silva e
Souza nos permite inferir sobre o uso de relações pessoais, ou até mesmo clientelares mesmo
não sendo este o caso, na ação cotidiana da justiça e de seus agentes.
Ao eleger os processos-crime como fonte para a pesquisa, pretendemos recuperar os
códigos de valores morais que regiam e ordenavam a sociedade marianense e talvez mineira
no século XVIII, por meio da fala de seus moradores, ouvidos como testemunhas,
depositários de costumes. Essa documentação apresenta histórias cotidianas de um universo
de pessoas anônimas, formalizada pela linguagem jurídica. Mesmo organizadas e
fragmentadas por essa linguagem, as histórias revelam numa análise qualitativa minuciosa as
experiências cotidianas dos envolvidos citados no processo, incluindo as várias versões para
único acontecimento.
As versões encontradas nos processos enriquecem a análise uma vez que torna
possível avaliarmos não o que realmente aconteceu, mas os quadros mentais que
operacionalizam as defesas e acusações, as falas e ações perante a justiça. Assim esses
quadros ganham relevo à medida que são também portadores de valores culturais e sociais.
Da mesma maneira, por meio da ação dos juízes, pretendemos analisar os
procedimentos da justiça contra os desvios de conduta, estabelecendo, assim, as relações entre
justiça e sociedade.
(...) uma Justiça praticada nas Minas; uma Justiça oficial, produzida por letrados,
vigiada por agentes nomeados diretamente pelo rei e desenvolvida segundo
critérios legais. Porém, a mesma documentação acusa a prática do aliciamento de
testemunhas e de desrespeito às normas processuais. Apontam, portanto, para
71
fissuras internas ao sistema da Justiça oficial, que eram limites à efetivação de uma
Justiça imparcial, encarregada de atribuir a cada um aquilo que lhe era devido.
91
Mais que nomear as transgressões da moral em Mariana na segunda metade do
século XVIII procuramos entender e explicitar os mecanismos de repressão a esses desvios de
conduta as margens do poder visível.
Dessa forma, acreditamos que mesmo sendo um dos mecanismos da justiça colonial,
os processos-crime podem apresentar tentativas de subverter as normas, dentro do espaço da
justiça oficial
72
91
ANTUNES, Álvaro de Araújo. op. cit. p. 262.
CAPÍTULO 3: Cotidiano e Violência na cidade de Mariana.
A mais bela vista da cidade eclesiástica é do lado meridional
da elevação onde está sendo – ou melhor não está sendo –
construída a Igreja de São Pedro
.
92
Assim como Burton, Saint- Hilaire também destacava a visão da Igreja de São Pedro,
que, mesmo inacabada, parecia dominar toda a cidade de Mariana
93
. A via de acesso à cidade
naquele momento obrigava o visitante a passar ao lado daquela igreja, e, alcançando o morro
onde estava localizada, podia-se enxergar toda a cidade. Até hoje é deste ponto que temos
uma visão panorâmica das antigas construções coloniais, e a Igreja de São Pedro ainda se
destaca sobre a paisagem da primeira cidade de Minas Gerais.
Para aqueles viajantes que, ao longo do século XIX, vislumbravam a antiga cidade
colonial, sede do bispado mineiro, a igreja inacabada consagrada aos clérigos e ao Príncipe
dos Apóstolos, São Pedro, parecia confirmar a vocação eclesiástica da cidade nascida para
abrigar o bispado.
No entanto, a permanência da Igreja de São Pedro como templo inacabado, por
séculos
94
, justamente a igreja consagrada aos clérigos, pode ser um indicativo das dificuldades
da instituição eclesiástica em se impor frente aos costumes que estabeleciam as relações entre
os diversos grupos que compunham a sociedade mineira.
73
92
BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São Paulo: Editora Itatiaia/Editora da
Universidade de São Paulo, 1976, p.275
93
SAINT-HILAIRE, Auguste.Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte:
Itatiaia, 2000, p. 78.
94
Embora Dom Frei Manuel da Cruz tenha avaliado que suas obras seriam logo concluídas, este seu prognóstico
falhou, e este templo foi sagrado apenas ao final dos anos 80, deste século XX, por Dom Luciano Mendes de
Almeida. VILLALTA, Luiz Carlos. O Cenário Urbano em Minas Gerais Setecentista: Outeiros do Sagrado e do
Profano. In: TERMO DE MARIANA: História e documentação, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP,
1998, p. 81.
Assim, analisar a instalação das instituições administrativas e as tentativas de
controle social em relação ao surgimento da cidade de Mariana é o objetivo central do
presente capítulo.
Apresentaremos os índices de criminalidade em relação aos delitos de caráter
interpessoal
95
, analisando manifestações da violência na cidade de Mariana, tentando
identificar as contradições dos diversos grupos que a compunham.
Antes, no entanto, uma breve apresentação das características gerais do povoamento
inicial e da criação da vila do Carmo se faz necessária.
Do descobrimento do Ribeirão do Carmo.
Segundo Diogo de Vasconcelos
96
, foi a expedição ou bandeira dos paulistas Coronel
Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e Miguel Garcia que descobriu o Ribeirão do
Carmo.
Baralhados num batalhão de nuvens, os penhascos do Tripuí bem perto escondiam
contudo a baliza, que procuravam, a meta dos aventureiros. Fitando desse alto o
mundo estendido a seus pés, e que somente esperava a sua voz pra emergir da
barbaria, o Coronel arrancou-se do êxtase e deu sinal de marcha. Os companheiros,
erguendo então os machados, fizeram retumbar o recôncavo das florestas aos
golpes da posse; e desceram para as fraldas da serra, de onde começaram a ouvir o
estrépito soturno das águas. Perlongando em seguida animadamente nesta mesma
tarde acamparam nas margens do Ribeirão do Carmo. Foi um domingo, 16 de julho
de 1697, festa da Virgem.
97
Após a descoberta, o Coronel se apossou do ribeirão rico em ouro, e foram
construídas as primeiras cabanas ao longo da praia
98
. Esse primitivo arraial foi chamado
Mata-Cavalos, nome atribuído ao local em virtude do terreno “mole e alagadiço, onde teriam
desaparecido tragados pelo lamaçal, alguns dos primeiros animais que serviram nas minas.”
99
74
95
VELLASCO. Ivan de Andrade. As seduções da ordem: violência, criminalidade e administração da justiça,
Minas Gerais, século XIX. Bauru/São Paulo: EDUSC/ ANPOCS, 2004, p. 228. ANASTASIA, Carla Maria
Junho. A geografia do crime: a violência das Minas setecentista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 13.
96
VASCONCELOS, Diogo de. História antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999.
97
Ibidem, p. 132.
98
Idem
99
VASCONCELOS, Salomão de. O palácio de Assumar. Belo Horizonte: s.l., 1937. Apud: FONSECA, Cláudia
Damasceno. O espaço urbano de Mariana: sua formação e suas representações. In: TERMO DE MARIANA:
História e documentação, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998.
Em pouco tempo, a descoberta de ouro na região atraiu um número grande de
pessoas, vindas do reino e de outras partes do Brasil. Milhares de aventureiros seguiram o
caminho percorrido anteriormente pelos paulistas.
Como sucede sempre nos países, em que surgem mananciais preciosos e
abundantes, as populações se agitam, as indústrias normais se desaparelham; tudo,
enfim, se subverte; assim no Brasil o fenômeno subiu de ponto, e no repente de um
ano. As províncias litorâneas ficavam desertas, e as lavouras abandonadas. A
própria Câmara de São Paulo, a iniciadora mais entusiasta dos descobrimentos,
para logo se sentiu vítima das conseqüências, e não hesitou em pedir ao Rei que
mandasse parar com o trabalho das minas em vista da falta que estavam fazendo os
índios. As lavouras estavam, dizia a Câmara, em abandono; e por todas as vilas e
aldeias se alargava o ermo. E tudo isto já se via em meados do ano de 1701!
100
Para Vasconcelos, foi o Ribeirão do Carmo que fixou as idéias do valor geológico do
país
101
. Foi a possibilidade de enriquecimento, a sede insaciável de ouro
102
, que formou na
região do Ribeirão do Carmo e nas Minas Gerais uma sociedade totalmente diferente das
outras até então formadas na colônia. Agregando pessoas de diversos locais e de condições
sociais distintas ao seu redor, os principais veios de mineração fizeram surgir e prosperar
inúmeros arraiais, que se tornaram importantes núcleos urbanos, como a arraial do Carmo.
No entanto, a instalação das instituições do Estado português não acompanhava o
crescimento desses núcleos urbanos nos primeiros anos de ocupação da região mineradora.
Segundo Carla Anastasia, a Coroa Portuguesa demorou a perceber a dimensão do
empreendimento minerador e traçar uma política efetiva para essa parte da colônia
.
103
Assim, antes que a Coroa Portuguesa pudesse regular essa sociedade nova, de acordo
com seus interesses e procedimentos, dois grupos se afirmavam nas Minas: o dos paulistas
formado pelos descobridores dos primeiros ribeirões de ouro e seus descendentes; e o dos
emboabas,
104
que agrupava portugueses do Reino e colonos vindos de outras regiões da
colônia, sobretudo baianos.
75
100
VASCONCELOS, Diogo de. op.cit., p.228.
101
Ibidem, p.177
102
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Edusp, 1982, p.167.
103
ANASATASIA, Carla Maria Junho. A Geografia do Crime: violência nas Minas setecentistas. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2005, p.33
104
Emboaba: De origem tupi, a palavra emboaba deriva de Mbuãb, termo que os índios empregavam para se
referir às aves que tem penas até os pés. Como os reinóis usavam calças e polainas que lhes cobriam o peito dos
pés, ao contrário dos paulistas que andavam descalços, estes lançavam mão da palavra emboaba para associá-los,
de forma pejorativa, a pinto calçudo. ROMEIRO, Adriana e BOTELHO, Ângela Vianna. Dicionário Histórico
das Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p.152
Se, por um lado, os paulistas reclamavam para si direitos e privilégios por serem os
primeiros habitantes da região mineradora, hostilizando os emboabas ou forasteiros
105
; por
outro lado, esses forasteiros procuravam garantir parte das riquezas recém descobertas. A
atmosfera de hostilidade entre esses dois grupos tornava muito tensa a vida nos arraiais
mineradores, longe das autoridades e da justiça.
O clima tenso entre eles havia-se agravado com três incidentes cujas datas são
imprecisas: o assassinato de um comerciante português na região do Rio das
Mortes, em represália aos maus tratos infligidos à esposa, uma paulista, gerando a
suspeita de que o responsável fosse um paulista, o que levou os moradores da
região a solicitar garantias ao Governador; no segundo incidente, um português foi
acusado de roubar uma espingarda do paulista Jerônimo Pedroso de Barros, numa
discussão no adro da igreja de Caeté; o terceiro incidente foi o assassinato de um
forasteiro por um mameluco do paulista José Pardo, homem rico e respeitado, que
deu homizio ao criminoso, gerando indignação dos reinóis, que exigiam a entrega
dele. O mameluco foge e o paulista é morto à porta de sua casa, o que leva os
paulistas a espalhar o boato de um massacre dos forasteiros em janeiro de 1708.
106
Os vários enfrentamentos que se seguiram entre paulistas e forasteiros ficaram
conhecidos como “Guerra dos Emboabas”. Esse conflito revelava a formação de uma
sociedade heterogênea e instável com a ausência efetiva do aparelho administrativo
metropolitano, que deveria ser responsável pelo controle político-administrativo e social das
Minas.
A “Guerra dos Emboabas” obrigou, assim, a Coroa portuguesa a tomar medidas no
sentido de organizar administrativamente as áreas mineradoras. A primeira atitude nesse
sentido foi a criação de uma capitania independente, desligada do Rio Janeiro, em 1709 mais
de uma década depois da descoberta das Minas. Designado como governador da nova
capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho
incumbiu-se de estabelecer as bases administrativas da capitania, criando as primeiras vilas.
Depois de novas consultas e madura reflexão, Albuquerque resolveu que os três
arraiais mineiros a serem erigidos em vila deveriam ser Ribeirão do Carmo, Ouro
Preto e Sabará. Foram elas sucessivamente inauguradas por Albuquerque,
pessoalmente, sob designação e títulos, respectivamente, de Ribeirão do Carmo, em
8 de abril de 1711; Vila Rica D’Albuquerque, em 8 de julho de 1711; e Nossa
Senhora da Conceição do Sabará, em 17 de julho de 1711. Com toda a
formalidade, ele empossou uma Câmara, ou Câmara Municipal eleita, em cada uma
daquelas vilas, entre cenas de grande entusiasmo e regozijo.
107
76
105
VASCONCELOS, Diogo. op. cit., p.229
106
ROMEIRO, Adriana e BOTELHO, Ângela Vianna. op. cit., p. 154.
107
BOXER, Charles R. A idade do ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de
Janeiro Nova Fronteira, 2000, p.103 e 104.
O estabelecimento efetivo das instituições da administração portuguesa na Minas
estava diretamente vinculado ao processo de urbanização. Dessa forma, uma política de
fundação de vilas na qual a atuação da burocracia metropolitana pudesse se desenvolver, foi
decisiva para a integração de Minas ao aparelho administrativo colonial, sendo essa a política
buscada com afinco pela metrópole.
Sobre a Vila do Carmo: o poder civil e a justiça.
O objetivo máximo da criação de vilas foi ordenar a população, evitando o
surgimento de conflitos. Essa ação serviria como instrumento de pacificação da região. A
medida era, portanto, preventiva, se os enfrentamentos que marcaram o início da colonização
na região das Minas voltassem a acontecer a estrutura punitiva seria acionada, aplicando–se as
medidas legais para a solução dos conflitos.
Cada nova municipalidade contava, então, com uma Câmara Municipal, composta
pelos oficiais da Câmara, ou seja, pelos vereadores, cujo número poderia variar de dois a seis,
conforme o tamanho e importância do local; pelos juízes ordinários que poderiam ser
magistrados ou sem formação em direito; e por um procurador.
108
Estes oficiais eram eleitos
anualmente pelos homens bons, ou seja, por seus pares, aqueles cujo prestígio e posses lhes
permitiam eleger e serem eleitos para desempenhar as funções públicas das câmaras
municipais.
Na Vila de Nossa Senhora do Carmo, a primeira câmara foi eleita e empossada três
meses depois de sua ereção, com todas as formalidades públicas e oficiais que os cargos
exigiam: processo eleitoral com lista tríplice válida por três anos, cerimônia de posse e
juramento público.
109
Cabia ainda à Vila do Carmo cumprir algumas exigências da Coroa portuguesa à
instituição do poder municipal, demarcar o termo, delimitar o rossio, construir o prédio que
abrigaria a Câmara e a Cadeia, erigir o pelourinho e cuidar para a adequada conservação da
77
108
BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.287
109
KANTOR, Íris. A Leal Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo. In: TERMO DE MARIANA: História
e documentação, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p.147
igreja Matriz. Cabe ressaltar que todos esses procedimentos deveriam ser custeados pelos
próprios moradores da vila.
110
Curiosamente, à futura cidade de Mariana, o rei concedera os privilégios da câmara
da Cidade do Porto e o título de Leal Vila de Ribeirão do Carmo. Isso significava
que os camaristas de Ribeirão do Carmo teriam direitos de usar armas ofensivas e
defensivas durante o dia e a noite, não estavam obrigados a prestar serviço nas
guerras, dar pousada, adega ou cavalos, salvo por sua própria vontade; poderiam
fazer uso de espadas com bainha de veludo, trajes de seda e terços dourados, além
de outras imunidades que davam condição de fidalguia aos vereadores.
111
As câmaras municipais tinham encargos de natureza diversa na estrutura
administrativa portuguesa, na qual os poderes civil, judiciário e militar misturavam-se. A
estrutura do Senado da Câmara de Mariana seguia essa versatilidade de atribuições,
comportando encargos de natureza política, fiscal, assistencialista, econômica e judiciária.
112
Conforme podemos observar no organograma abaixo:
78
Organograma 1: Estrutura do Senado da Câmara da Mariana 1711-1745
Fonte: VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In: TERMO DE MARIANA: História e
documentação, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p.139.
110
Idem.
111
Ibidem, p. 148.
112
VENÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In: TERMO DE MARIANA: História e
documentação, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p.139.
79
Segundo Venâncio, a estrutura geral da Câmara de Mariana sofreu importantes
modificações em sua segunda fase de 1746 a 1808:
Organograma 2: Estrutura do Senado da Câmara da Mariana 1746-1808
Fonte: VE
documenta
refere aos encargos de natureza
judiciária não há grandes modificações. Aliás, como salienta Venâncio, o sistema judicial era,
de mane
Nas Min
instituição polític
Coadjuvados por contratadores e funcionários assalariados, os oficiais camaristas
cuidavam da aplicação e do comprimento das leis gerais e das posturas municipais,
do abastecimento de gêneros alimentícios, da higiene e saúde local, das obras e
NÂNCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Câmara. In: TERMO DE MARIANA: História e
ção, Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998, p.140
É possível perceber uma especialização maior das funções da Câmara em relação à
criação de novos cargos a partir de 1746, no entanto no que se
ira geral, muito frágil devido a ausência dos quadrilheiros, ou seja, de agentes
policiais no sentido moderno da palavra.
113
as Gerais do século XVIII, o governo municipal se estabeleceu como
a essencial do império colonial patrocinada pela Coroa.
113
Idem, p. 141
80
ção de serviços e mercadorias, da ordem e da segurança da
população local.
114
ecem como inexpressivo órgão do Estado
português, representante da vontade da Coroa.
ia das prerrogativas
municipais, ora a descentralização, com a vitalização destas.
116
vila para outra, o papel desempenhado pelos capitães-mores das vilas em relação às câmaras.
do de centralizar o poder, reduzindo a ação das câmaras municipais
e dos juizes ordinários.
118
ais comum era a de atribuir as funções de juiz
ordinário ao vereador mais antigo da Câmara.
construções de necessidade e uso da população, da assistência social, da
fiscalização e taxa
Segundo Wehling
115
, na historiografia colonial a ação das câmaras municipais varia
de maneira extrema, comportando estudos que afirmam seu poder como representantes dos
interesses locais, e de maneira oposta, apar
Em estudo sobre a administração colonial em fins do século XVIII concluíamos
que jamais existiu uma única situação, contemplando esta ou aquela corrente
interpretativa. Diferentes épocas e diferentes regiões, nos séculos coloniais,
obrigam à constatação de que, nos diversos quadros conjunturais, prevaleceu ora a
centralização político-administrativa, com a conseqüente atrof
Ainda segundo Wehling, outras questões devem ser levadas em consideração no que
se refere à ação das câmaras, como: a distância dos centros de decisão política, o papel
desempenhado pelo mandonismo rural, a diferença entre as estruturas sociais e locais de uma
As considerações sobre a atividade judicial das câmaras municipais obedecem às
mesmas observações anteriores. Alguns estudos procuram confirmar a autonomia das câmaras
em relação à justiça que praticavam, assegurando que “eram juízes independentes da realeza
e a legislação que executavam estava fora do alcance do poder real, e só o costume podia
alterá-la”
117
. Outros, afirmam que a introdução do cargo de Juiz de Fora foi um esforço da
Coroa portuguesa no senti
O juiz ordinário era eleito como os demais oficiais da Câmara, entre os homens bons,
e, ao contrário do Juiz de Fora, não precisava necessariamente ter formação em Direito, e na
maioria das vezes não a tinha. A ocorrência m
114
ANDRADE, Francisco Eduardo de. Poder local e herança colonial em Mariana: faces da revolta do “Ano da
Fumaça” (1833). . In: TERMO DE MARIANA: História e documentação, Mariana: Imprensa Universitária da
UFOP, 1998, p.127
.
115
WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no Brasil colonial – O Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 49.
116
Idem, p. 49 e 50.
117
Cândido Mendes de Almeida. In: Ordenações Filipinas. Comentada por Cândido Mendes de Almeida. Lisboa,
Fundação Calouste Gulbekian, 1985, v.1, p. XXIX. Apud: WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no
Brasil colonial. p.50.
118
Ibidem, p. 50-51
Em conjunto com os demais funcionários da Câmara – os vereadores e o procurador
–, os juízes ordinários eram responsáveis pela elaboração das leis municipais e exerciam ainda
as funções de ministério público, representando a Câmara contra ações privadas que
prejudicassem o bem comum.
119
O juízo ordinário vinculado à Câmara julgava enquanto primeira instância judicial,
mas também deliberava como instância administrativa. Para Wehling,
120
as posturas de
interesse local adotavam modos específicos que inspiravam a decisão do juiz ordinário.
Pode-se afirmar assim, que o juiz ordinário teve significado papel na unidade
político-administrativa e jurídica colonial, aplicando o direito português ao mesmo
tempo em que possuía, na maior parte das vezes, certa margem de atuação para
fazer valer os interesses locais. A escassa tradição consuetudinária, provavelmente
explicável pela forte concorrência representada pelas justiças oficial e privada,
contribuiu assim para transformar a atividade judicial das câmaras num
instrumento de uniformização político e jurídico.
121
A Câmara, como espaço da justiça e da administração civil, deveria ocupar lugar de
destaque no cenário das vilas coloniais. Quando a Vila do Carmo foi elevada à condição de
cidade (1745), para acomodar a diocese mineira como veremos a seguir, a Coroa contratou
um engenheiro militar para planejar as modificações urbanas necessárias à conformação da
nova cidade.
Nesta época, alguns preceitos e procedimentos da ‘escola’ de engenharia militar
portuguesa são incorporados às cartas régias, como normas a serem seguidas na
fundação de cidades. (...) No tocante às vilas mineiras, parece que Mariana foi a
única a constituir objeto de um documento régio de mesmo teor dos citados acima.
Provavelmente porque, como centro religioso das Minas, a cidade tinha um valor
estratégico, devendo ostentar uma imagem que refletisse a nova ordem social que
se deseja impor, e uma imagem digna do nome da rainha – regular, ordenada,
bastante diferente do arraial decadente e castigado pelas inundações do Ribeirão do
Carmo.
122
o conteúdo exato do plano de reordenamento do espaço urbano de Mariana
idealizado pelo sargento-mor José Fernandes Alpoim é ainda desconhecido. Não existe
nenhuma referência a planta da cidade assinada por ele ou a qualquer outro documento com
informações a respeito.
123
No entanto, a partir da “Plãta da Cidade de Mariana” documento
que apresenta a forma de desenho cartográfico característico dos mapas militares do século
81
119
Ibidem, p.66.
120
Ibidem . p, 67.
121
Ibidem. p.,69.
122
123
XVIII, apesar de não conter nenhuma referência em relação à autoria ou a data de sua
elaboração, podemos inferir que existiram intenções de remodelações grandiosas para a
cidade de Mariana, nem todas levadas a termo.
Figura 1: Detalhe da planta: explicação (legenda).
Fonte: Anônimo, 2ª metade do século XVIII, desenho aquarelado,
33 x 30 cm, Arquivo Histórico do Exercito, Rio de Janeiro, Brasil
.
82
Figura 2: Planta da Cidade de Mariana
Fonte:Anônimo, 2ª metade do século XVIII, desenho aquarelado, 33 x 30 cm, Arquivo Histórico do
Exercito, Rio de Janeiro, Brasil
.
83
84
Para além do Plano Alpoim e das plantas setecentistas que foram localizadas o
traçado urbano concretizado de Mariana confirma a proposição de que as praças e locais de
reunião das populações eram em todos os núcleos coloniais os espaços traçados de forma
mais cuidadosa do ponto de vista de seu uso.
Nas vilas menores, era comum a localização, na mesma praça, dos principais
edifícios civis e religiosos, assim como do pelourinho. Como vimos, este foi o caso
de Mariana, até que se decidiu construir a nova Casa de Câmara e Cadeia na Rua
Nova. A praça que se abriu para esse edifício, para onde se transferiu o símbolo da
autonomia municipal, deveria assumir, desta forma uma função de caráter
principalmente civil.
124
Responsável pela nova planta, José Fernandes Alpoim seguiu as normas instituídas
pela Coroa, que determinavam a eleição do espaço para uma ampla praça e para a construção
dos prédios públicos. O novo prédio da Câmara e Cadeia, no entanto, foi projetado em 1762, e
concluído vinte anos mais tarde.
125
Figura 3: Casa da Câmara e Cadeia – Mariana
124
FONSECA, Cláudia Damasceno. op. cit., p. 45
125
VILLALTA, Luiz Carlos. op. cit., p.82.
85
Gerais de São Paulo. A criação da capitania de
Minas Gerais em
mineradora. O su
de normatização
c iação do bispado idealizado pela Coroa em 1720 para as Minas Gerais foi
proposta à Santa
127
da indisciplina do
Antes da
região era feita a
bispo do Rio de Janeiro, D. João da Cruz, exercia a jurisdição das Minas, e, em visita à Vila
do Carm
sua retirada pública da Vila
mineira) indo em
o episódio e apurou que entre os
envolvidos estavam o ouvidor da comarca, o intendente , os principais da vila e o clero local.
O roubo dos badalos teria ocorrido em virtude da remoção do vigário da vara para outra
O nascimento da cidade de Mariana: entre a Igreja e o Estado
Os diversos conflitos que caracterizaram o governo do Conde de Assumar (1717-
1721), como a revolta de Vila Rica contra a instalação da casa de fundição, fizeram necessária
a redivisão da capitania, separando-se Minas
1721 correspondeu a mais uma medida no sentido de ordenar a área
rgimento de uma diocese própria para a região seguia a mesma necessidade
das Minas.
A princípio, D. João V tencionava reunir na Vila do Carmo as sedes do poder
temporal e religioso, no entanto, optou por fixar a sede da capitania em Vila Rica por ter sido
foco de vários tumultos e rebeliões naquele período, fazendo-se necessária a presença maior
das instituições do reino.
126
A r
Sé em abril de 1745.
Dessa vez, a medida visava resolver o sério problema
clero mineiro, alvo de reclamações do povo e das autoridades.
128
criação do bispado em Minas Gerais, a ação disciplinadora da Igreja na
través de visitas diocesanas dos bispos do Rio de Janeiro
129
. Em 1743, o
o, sofreu uma grave ofensa pública.
Na noite de 21 de junho de 1743, quando o bispo fazia
de Ribeirão do Carmo (futura sede do bispado da Capitania
direção a freguesia dos Camargos, os repiques dos sinos não foram ouvidos e os
sineiros deram falta de todos os badalos dos quatro sinos da Matriz e da capela de
São Gonçalo.
130
O bispo mandou tirar devassa para esclarecer
126
VASCONCELOS, Diogo. op. cit., p.412
127
Idem.
128
KANTOR, Íris. Entradas Episcopais na capitania de Minas Gerais (1743-1748): A transgressão
Formalizada. In: Seminário Festas: Cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo/USP-6 a 11 de
setembro de 1999 (xérox), p. 7 - 12 passim. Ver também: KANTOR, Íris e JANCSO, István. Festa: cultura e
sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: Hucitec, Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp:
Imprensa Oficial, 2001.
129
SILVA, Marilda Santana. Dignidade e Transgressão: mulheres no tribunal eclesiástico em Minas Gerais
(1747-! 830). Campinas: Ed. Unicamp. 2001, p. 53
130
KANTOR, Íris. op. cit., p.8.
86
freguesia
O episódio deu lugar a um conflito de jurisdição demasiadamente conhecido no
Em virtu
apurou a inocênc l e indiciou os autores da ofensa ao
bispo, os
ental para a criação do primeiro bispado mineiro.
Não podia ser vassalo de vassalos.
134
Dom frei Manuel da Cruz foi recebido com grande deferência. As cerimônias de
investidura do prim
. O ouvidor contestou a devassa do bispo dizendo que este havia transgredido sua
jurisdição.
131
meio colonial. O bispo mandou prender o tal vigário da vara na cadeia da vila, o
ouvidor mandou soltar, o vigário fugiu e se refugiou em casa de seus aliados. O
bispo acusou o juiz de fora e o capitão mor da vila de lhe negarem auxílio quando
resolveu transferir os culpados da cadeia de Ribeirão do Carmo para o aljube do
Rio de Janeiro. Os presos resistiram e tiveram a proteção das justiças seculares e
das ordenanças.
132
de do conflito, o rei determinou que o juiz de fora abrisse nova devassa, que
ia dos acusados pela justiça episcopa
padres Francisco da Costa e Oliveira e Antonio Sarmento.
Foi esse cenário de tumultos e disputas que o primeiro bispo de Mariana, Dom frei
Manuel da Cruz, encontrou. Ordenar a sociedade mineira, mais uma vez, é a questão
fundam
No mesmo dia em que D. João V propôs à Santa Sé a criação do bispado na capitania
de Minas Gerais, elevou a Vila do Ribeirão do Carmo à condição de cidade com o nome de
Mariana, em homenagem à rainha, sua esposa, Dona Maria Ana D’Áustria.
133
As cidades cumpria (sic) fossem dentro de municípios livres, autônomos, e só se
podiam criar e existir em terras próprias (arger sacrum) e só nelas em rigor a
civitas tinha razão. As vilas, porém, pertenciam particularmente a um senhor que as
governava, e lhes impunha a justiça. Se, pois, no Brasil, o Rei as governava, o fazia
em seu caráter de Grão-mestre da Ordem de Cristo, a cuja custa se ordenavam as
navegações e conquistas sob pretexto de se nelas propagar a fé. Mas o papa não
consentia Bispado com catedral em vilas. O Bispo não convinha fosse vilão e sim
cidadão, quando mais, que pelo cargo era nobre equipamento as Príncipes da cada
real.
eiro bispo, conhecidas como Áureo Trono Episcopal, foram descritas por
autor anônimo, publicadas em Lisboa no ano de 1749, por obra do padre Francisco Ribeiro da
Silva.
131
Ibidem, p. 9.
132
Ibidem, p. 10.
133
VASCONCELOS, Diogo. Ibidem, p.412
134
Idem.
87
o novo bispado
Marianense, da sua felicíssima posse, e pomposa entrada, do seu meritíssimo, primeiro Bispo
e da jornad
entação solene, beijo da cruz, boas-vindas dos vereadores,
procissão solene
festejos públicos.
Não obs
com os demais p
festa de recepção ao novo bispo, o padre Francisco da Costa e Oliveira, estava envolvido com
o caso d
s. Desde o início, as disputas de jurisdição
e poder, conflitos em relação às atribuições, marcaram as relações entre os bispos e as
autoridades civis locais.
des de toda ordem,
cabido rebelde, confronto com os vereadores e disputas com a ouvidoria. A
Segundo Íris Kantor, na recepção do bispo, o clero mineiro teria seguido à risca todas
as determinações do ritual episcopal definidos pelos manuais da época
135
. No Áureo Trono
Episcopal colocado nas Minas do Ouro, ou noticia breve da Criação d
a que fez do Maranhão excelentíssimo e reverendíssimo D. Fr. Manoel da Cruz,
136
constava a descrição completa das seis etapas sugeridas pelos manuais de circunstância da
época: o relato da viagem de chegada e preparativos de recepção; a cerimônia de recepção do
bispo à porta da cidade; param
até a catedral; ritual na igreja; cerimonial de entrada no paço episcopal;
137
tante a grandiosa festa, o bispo encontrou sérios problemas com o cabido e
árocos que compunham a nova diocese. Um dos principais promotores da
o roubo dos badalos, e foi expulso do cabido. Em represália, processou D. Frei
Manuel da Cruz pelo não pagamento das despesas com a acomodação e instalação de sua
comitiva. A historiografia apresenta vários estudos sobre a igreja mineira colonial em que se
destacam o caráter profano do clero e as desordens na diocese marianense.
138
A indisciplina dos clérigos, no entanto, não foi o único obstáculo que D. Frei Manoel
da Cruz e os seus sucessores encontraram nas Mina
Desde os primeiros momentos o bispo encontrou dificulda
instalação do novo bispado obrigava a uma readequação do jogo político local que
feria os interesses de alguns padres e da própria ouvidoria. Em 1749, o ouvidor
Caetano da Costa Matoso mandava verificar as contas do bispado e acusava
ferozmente o bispo de cobrar taxas em demasia e de exceder-se nos gastos.
135
KANTOR, Íris. Ibidem, p. 11.
136
Frontispício do Áureo Trono Episcopal, academia de circunstancia que festejou a chegada do primeiro bispo a
Mariana. In: Mello e Souza, Laura de. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro: Edições Graal. 4ªedição. 2004, p. 39.
137
KANTOR, Íris. Ibidem, p.11 e 12.
138
MOTT, Luiz. Modelos de santidade para um clero devasso: a propósito das pinturas do cabido de Mariana,
1760. Revista do Departamento de História. Belo Horizonte, nº. 9, pp.96-120, 1989.LEWKOWICZ, Ida. A
fragilidade do celibato.. In: LIMA, Lana Lage da Gama. Mulheres, adúlteros e padres. Rio de Janeiro: Dois
Pontos, 1987.VILLALTA, Luis Carlos. A Torpeza diversificada dos vícios.: celibato, concubinato e casamento
no mundo dos letrados de Minas Gerais(1748-1801).Dissertação de mestrado. São Paulo. FFLC-USP, 1993.
Ouvidor e bispo disputaram palmo a palmo o direito de cobrança dos tributos das
irmandades leigas.
139
88
Para Boschi,
140
dois fatores condicionavam a ação pastoral dos bispos de Mariana: as
ordens de Lisboa
autoridades civis
observando o pa
inclusão de novo o da administração civil. Dessa forma,
segundo
social empreendidas pelas instâncias administrativas, passando pelos conflitos
cotidianos dos que habitavam
mor ante a consciência crescente
09 e o seu desligamento de São
Paulo em 1720, b
e as desordens do cabido. Além disso, as disputas de jurisdição com as
reforçam a afirmação do autor de que os bispos como funcionários da Coroa,
droado régio, desempenhavam a ação pastoral, menos preocupado com a
s fiéis do que com a suplementaçã
Boschi, os bispos marianenses desautorizados e desprestigiados, deixaram-se
acomodar a condição de funcionários da Coroa.
141
Violência e ação da justiça nas Minas Gerais no século XVIII
Vários estudos já se detiveram sobre a análise das tensões sociais em Minas Gerais
no século XVIII. Desde o universo de suas revoltas e insurreições, até as tentativas de
controle
o território mineiro.
A desordem era perigosa ao governo dos povos, inda mais a milhas de distancia do
centro de poder. Nas Minas, era também um entrave a tributação, e Portugal logo
percebeu a fim de que o ouro e as gemas fluíssem melhor para os cofres do rei. (...)
Mas o controle sobre as Minas extravasou em muito as preocupações fiscalistas da
Coroa, e se atrelou a um contexto mais vasto, de te
do que será então viver em colônia.
142
A ocupação e fixação da população nas Minas se efetuaram de maneira desordenada,
sem a presença do poder secular. A série de episódios conhecida como Guerra dos Emboabas
é um exemplo de como o poder se encontrava fragmentado nas mãos dos potentados locais.
É a partir daí que a questão do controle pelo Estado da ordem social no território
mineiro se apresenta. A criação da capitania de Minas em 17
em como a criação de comarcas e de vilas com suas câmaras, ou seja de uma
139
KANTOR, Íris. Ibidem, p. 12
140
BOSCHI, Caio. Os leigos e o poder: irmandades leigas e a política colonizadora em Minas Gerais. São
Paulo: Editora Ática, 1986.
141
Ibidem, p. 91 e 92.
142
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito, aspectos da História de Minas Gerais no século XVIII. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p 85.
89
estrutura jurídico
Minas.
s Gerais no século XVIII, Laura de Mello e
Souza na obra Desclassificados do ouro aponta outra preocupação da Coroa portuguesa no
que tange ao con
foi outro fantasm
básicos da polític
inantes.
Em uma sociedade urbana como a de Mina, na qual o patriarcalismo esteve, em
Tudo qu
e administrar a produção de matrimônios.”
146
-administrativa local, revela as preocupações da Coroa como governo das
Ao tratar da instabilidade social em Mina
trole social da população mineira. “A falta de laços familiares da população
a que perseguiu as autoridades, e sanar este mal tornou-se um dos pontos
a normalizadora então levada a cabo.”
143
Mas dadas as especificidades da organização social mineira, ou seja, seu caráter
urbano, seu grande e diversificado contingente populacional (do que decorre particularidades
também nas relações escravistas e nas atividades econômicas), além da grande mobilidade
espacial dos habitantes da capitania, fizeram com que o domínio de formações familiares sob
os moldes do patriarcalismo não tenham sido predom
uma perspectiva geral, bastante atenuado, o Estado precisava estender seu controle
sobre o sistema de alianças e parentescos, que regulava o universo mais rasteiro da
organização social. Somente assim poderia disciplinar desde a raiz a vida social
dos grupos mineiros.
144
Para Luciano Figueiredo, mesmo sendo esse esforço normatizador um projeto do
Estado, a política familiar ficou a cargo da Igreja.
A difusão dos sacramentos traduzia-se em um elemento essencial para disseminar o
cristianismo na região. Entre eles, o casamento detém certo destaque, pois sustenta
a “propagação humana, ordenada para o culto e honra de Deus.”. Assim, na
concepção da Igreja, o casamento (re) aparece como o lugar da concupiscência,
onde os desejos e a carne poderiam viver devidamente domesticado pela finalidade
suprema e sagrada propagação da espécie.”
145
Deste modo, o casamento figurou como uma das formas de controle social nas Minas
empreendida pela Igreja como sócia da Coroa Portuguesa através da política do Padroado.
e fosse contra a instituição da família legítima deveria ser combatido. “(...) a ação da
Igreja dividi-se em duas frentes muito nítidas: atacar as formas ilegítimas de relacionamento
143
Idem, p.113.
144
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas Famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec, 1997, p. 29-30.
145
Ibidem, p.31.
146
Ibidem, p.32.
90
a. O grande número de uniões consensuais (concubinatos) que sobressai da própria
documentação eclesiástica através de suas devassas, nos dá conta da grande incidência desse
delito.
Para Luciano Figueiredo, ao empreender seus esforços no controle das práticas
extraconjugais, a
disseminação do
tentativa de se u
preventivo da sociedade atravé O cotidiano acabava por
vencer a
lta de rígidos organismos de fiscalização na colônia possibilitou certa liberdade
entre seus habitantes, traduzida no grande número de transgressões morais e sociais, que
pudemos
rilda Santana da Silva em sua
obra Dignidade e Transgressão, sugere duas hipóteses para justificar o fato de ter encontrado
poucos d
os infratores só foram
vigários da vara, não
construindo, assim um número expressivo destes processos. (...) Nossa segunda
Se a açã
desvios da moral
sua atuação.
à qual a cidade de Mariana pertencia, salienta que a corrupção, a convergência de cargos e
Mesmo amparado pelas determinações jurídicas, esse intenso controle nas Minas não
se efetivav
o número de funcionários era pequeno para se ocupar, além da assistência espiritual
corriqueira, da condenação de uma prática tão generalizada entre as populações.”
147
Igreja setecentista mineira não conseguiu estruturar-se para efetivar a
s casamentos. Assim, sem a generalização do casamento, fracassou a
tilizar a família como forma de regular a população mineira. O controle
s do casamento não funcionou. “
s instituições, que deveriam agir na moralização e normatização social.”
148
A fa
apreender na bibliografia consultada. E mesmo a ação punitiva da justiça encontrava
entraves.
Em relação ao Tribunal eclesiástico de Mariana, Ma
elitos dessa ordem julgados pelo juízo eclesiástico.
A primeira pode ter a sua explicação no sentido de que
admoestados pelas devassas eclesiásticas, ou pelos
hipótese é que teriam sido julgados pelo tribunal os casos de escândalos maiores,
uma vez que a legislação eclesiástica preocupava-se mais com a repercussão que os
delitos, principalmente femininos poderiam ter.
149
o do tribunal eclesiástico era, de certa forma, insuficiente para conter os
em Minas, a justiça secular por sua vez encontrou também obstáculos para
Marco Antônio Silveira analisando a atuação do judiciário na comarca de Vila Rica,
147
Ibidem, p.34.
148
Ibidem, p.39.
149
SILVA, Marilda Santana. op. cit., p. 194.
91
stiça, condicionando sua atuação.
150
Os probl va
também como tr a
semelhante nos se
Da Corrupção à vergonha, portanto, os limites com os quais se havia o aparelho de
e imposições ajudava a esboçar
estava ainda uma ampla gama de
rearranjos cotidianos cuja multiplicidade exigia outras soluções. Neste ponto, os
aos códigos morais e legais, procurava afirmar de maneira gradual o
poder público co
Segundo Ivan Ve
conflitos interpessoais, ao qual recorriam os diferentes estratos
ca de solução para suas querelas e disputas.
152
desmand
deveres e os interesses dos ouvidores, além do alto preço das despesas judiciárias,
dificultavam o acesso à ju
emas percebidos pelo autor na sede da comarca, onde a ouvidoria figura
ibunal de apelação, ou de 2ª instância, podem ser observados de maneir
nados das câmaras das vilas e da cidade de Mariana.
justiça eram muitos. De fato, apesar de sua importância institucional em uma
sociedade como a mineira pois mediante regras
certo modelo comportamental e valorativo , r
limites transformavam a justiça no último recurso e, em seu lugar (ou até mesmo
mesclada a ela), engendrava-se um diferente tribunal, esta outra legislação
sustentava-se na curiosa racionalidade daquele universo do indistinto.
151
A ação do judiciário em Minas Gerais ao mesmo tempo em que apresenta normas
impessoais, obedecendo
mo um espaço de mediação e de articulação de interesses os mais diversos.
llasco:
No que se refere à administração da justiça e sua presença na vida social, vários
autores têm revelado que, em que pese seus inúmeros vícios e enviesamentos, ela
revestiu-se de funções fortemente reguladoras nas trocas e interações sociais, e
apresentava, já na segunda metade do Setecentos, um poder de regulação e
contenção dos
sociais em bus
Recorrente na historiografia sobre Minas Gerais no período colonial, o tema da
violência vem sendo apresentado sob perspectivas diferentes.
Na obra Desclassificados do ouro
153
, Laura de Mello e Souza aponta para o início
turbulento do povoamento da região das Minas. Para ela, a Coroa, muitas vezes, ignorava os
os dos primeiros colonizadores, enquanto estes serviam ao seu interesse de efetivar a
ocupação do território.
150
SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto: estado e sociedade nas Minas oitocentistas, 1735-
1808. São Paulo: Hucitec, 1997, parte III,capitulo I.
151
Ibidem, p. 167.
152
VELLASCO. Ivan de Andrade. As seduções da ordem: violência, criminalidade e administração da justiça,
Minas Gerais, século XIX. Bauru/São Paulo: EDUSC/ ANPOCS, 2004, p.19.
153
SOUZA, Laura de Mello Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal,
2004
92
bandidos conviveram com “homens bons”, muitas vezes tornando-se um deles
enquanto estes, por sua vez, se perdiam em desmandos e acabavam perseguidos
pela justiça. Não foi outro o caso de Borba Gato, a que a justiça fechou os olhos.
154
A partir do momento em que os costumes e privilégios internalizados pelos vassalos
rebeldes das Min
impostos, o gove
administrativo do
as criadas as condições para o funcionamento das instituições administrativas
dentro desses centros urbanos, as medidas punitivas também poderiam ser melhor
aplicada
tos, ofícios de juiz de órfãos, patentes
militares e cargos de importância.
Para Car
situação administrativa das Minas tenha se normalizado. Segundo a autora, tal assertiva perde
Na fase de conformação do território das Minas, aventureiros, assassinos e
A Coroa serviu-se da violência e do banditismo dos grupos que se organizavam nas
Minas nos primeiros tempos da colonização de modo ambíguo, para, dessa forma, garantir a
exploração do ouro na região.
as fomentaram conflitos que passaram a comprometer a arrecadação dos
rno português teve de tomar medidas no sentido de estabelecer o aparelho
Estado, e, assim, garantir a ordem nas áreas mineradoras.
Segundo Laura de Mello e Souza, os anos compreendidos entre 1707 e 1740 foram
um período crítico para o governo das Minas
155
. O movimento urbanizador teve como
resultado uma maior aproximação entre a população, o que favoreceu o surgimento de
conflitos. M
s.
156
Além disso, a Coroa tentava cooptar os membros da elite local obtendo sua adesão
através da concessão de mercês. Favorecia, dessa forma, os agentes da normalização, os que
primavam pelo ordenamento das Minas com tabeliona
A partir de meados do século, como se ia dizendo, as revoltas tornaram-se surdas,
constantes, disseminadas, cotidianas: então, e até o governo de Luís da Cunha
Menezes, os oligarcas mineiros estiveram antes do lado do poder do que contra ele,
gozando de propinas: enraizando-se localmente, como viu Kenneth Maxwel em A
Devassa da Devassa; moldando-se cada vez mais pela vida intensamente urbana da
capitania;
157
la Anastasia
158
, o chamado fim da era dos potentados não significa que a
154
Ibidem, p.145
155
SOUZA, Laura de Mello. Norma e conflito: aspectos da história de Minas no século XVIII. Belo Horizonte:
Ed, UFMG, 1999, p.89
156
SOUZA. op. cit. 2004, p.152.
157
.Ibidem, p.90
158
ANASTASIA, Carla. op.cit., p.35
93
a valida
ndo alguns núcleos urbanos, se detiveram em
três questões fundamentais que contribuíram para o baixo grau de institucionalização política
da capitania de M
mando e o crescim
stante todos os
interesses privados dos que insistiam em mantê-las fora do alcance da população da
Capitania. E,finalmente, o processo da autonomização da burocracia que gerava
não só a iniqüidade da ação das autoridades, como, principalmente, os reiterados
terística da
aplicação da justiça em Minas,
161
Anastasia sugere como causa dessa perversidade a
autonom
de quando se examinam as áreas mais distantes dos centros administrativos da
capitania.
Ainda segundo Anastasia, todas as tentativas da Coroa portuguesa para alcançar um
efetivo controle das áreas mineradoras, inclui
inas Gerais: a generalização de zonas sem direito, a criação de áreas de
ento do mandonismo bandoleiro.
159
Em primeiro lugar, destaca-se a permanência da violência, não ob
esforços que foram feitos, especialmente pelos governantes da Capitania, para
controlá-la nas zonas mais distantes dos centros administrativos, onde, ou não
havia a presença de autoridades ou a autonomização das mesmas era ainda maior.
Outra questão foram as divergências dos ministros de rei quanto a necessidade da
ocupação das áreas consideradas proibidas desde 1736, alem da presença de
conflitos de jurisdição.
160
Se Laura de Mello e Souza aponta a iniqüidade como principal carac
ização da burocracia. Essa idéia de autonomia está diretamente ligada a imbricações
do jogo político colonial. Para Anastasia predominava na colônia o que ela chamou de
“concorrência de impressões”:
O rei delegava competência aos ministros para que exercitassem a autoridade em
seu real nome, mas esperava poder reduzi-los à obediência por meio, por exemplo,
dos governadores. Os ministros, por seu lado, ultrapassavam as suas competências,
uma vez que estavam convictos de possuírem uma autonomia muito maior daquela
que o soberano acreditava que efetivamente lhes havia delegado.
162
Essa “concorrência de impressões” levou à quebra das regras do jogo político na
capitania de Minas Gerais, o que determinou um baixo grau de institucionalização política,
levando à generalização das arbitrariedades, e, conseqüentemente, à intensificação da
violência.
163
159
Idem.
160
Idem.
161
SOUZA, Laura de Mello . op. cit. 2004, p.117
162
ANASTASIA, Carla. op.cit., p.46
163
Ibidem, p. 47.
94
Dessa fo
dificuldade na ma
Sem, no
ao processo de inconformidade das instituições do estado, Marco Antonio Silveira, em
“justiça
constantes surras de seus parceiros; soldados abusavam livremente de sua
autoridade. O conjunto destes crimes em sua maioria cometidos nas perigosíssimas
ncia da palavra e
sua fragilidade em meio à conturbada sociedade mineira. O rompimento da palavra dada
podia se configurar em delito. A preservação da honra se torna desse modo um dos caminhos
para a erupção da violência Ass gia da criminalidade define o forte peso da
palavra, a re ade.
a violência transformava-se em linguagem mediante a qual se
tinção.
166
ações da
violência cotidiana. Buscamos através dos crimes de cunho pessoal explicitar as regras de
comport
rma, a autonomização da burocracia seria a principal responsável pela
nutenção do ordenamento social na capitania de Minas Gerais.
entanto, se deter à origem da violência na formação política da capitania ou
e criminalidade”
164
analisa as manifestações cotidianas da violência em Minas.
Os inúmeros conflitos diários multiplicavam-se em agressões e assassinatos; casas
eram com freqüência violadas; armavam-se tocaias por vingança; mulheres sofriam
noites do mundo mineiro desvendava uma realidade em que a violência tornava-se
uma linguagem fundamental.
165
Segundo Silveira, muitos crimes refletiam o embate entre a importâ
im se a tipolo
corrência a vingança indica sua fragilid
Havia nas Gerais uma espécie de obsessão pela honra preservada e isso refletia a
necessidade que cada um tinha de afirmar seu valor naquele contexto de fluidez. A
pujança das relações pessoais convivia com a instabilidade institucional e
valorativa; portanto, era preciso impor insistentemente a condição e qualidade.
Nesse sentido,
debatiam as identidades. A violência expressava a dis
Violência, honra e vingança organizavam-se com modelos valorativos e
comportamentais da sociedade mineira, levando em consideração os rearranjos cotidianos
para a solução dos conflitos, em virtude da ineficácia ou inadequação dos mecanismos de
controle
Interessa-nos aqui mais precisamente a análise de Silveira sobre as manifest
amento e condutas sociais assentadas sobre a violência e a honra.
164
SILVEIRA, Marco Antônio. O universo do indistinto: estado e sociedade nas Minas oitocentistas, 1735-
1808. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 143
165
Idem
166
Ibidem, p. 150.
Violência interpessoal
167
em Mariana
95
Através do levantamento primário das fontes pertencentes ao Arquivo Histórico da
Casa Se
A primeira delas diz respeito à tipologia dos crimes. Utilizamos o termo violência
interpessoal, na
atentassem contra
No Livro V d
caracterização de
relação aos camp
A organ enações Filipinas, código de leis que vigorou o recorte de
tempo d
a crimes
contra a
tecentista de Mariana, podemos indicar certas características da criminalidade em
Mariana nos séculos XVIII e XIX. No entanto, antes de apresentar os dados, é necessário que
se façam algumas advertências.
falta de um referencial jurídico adequado para tipificar os delitos que
a moral e a ordem pública na legislação vigente em Minas no século XVIII.
as Ordenações Filipinas, dedicado ao direito penal, encontramos a
inúmeros delitos, sem que, no entanto, haja qualquer classificação em
os penais, a exemplo do que observamos no Código Penal vigente.
ização das Ord
o presente estudo, revela ainda um profuso inter-relacionamento entre moral, direito e
religião. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se os hereges,
apóstatas, feiticeiros e benzedores, blasfemos (contra Deus ou contra os santos),
168
sodomitas,
barregueiros, rufiões, etc.
169
.
Em nossa análise nos restringimos a alguns crimes que hoje equivalem
pessoa, contra os costumes e contra a família. Crimes violentos na sua maioria, mas
que tiveram como principal condicionante atentar contra os modelos socialmente aceitos de
moral e honra. Daí o uso do termo crimes interpessoais.
É claro que a violência interpessoal pode, muitas vezes, significar uma forma de
expressão de conflitos que ultrapassam as relações daqueles diretamente
envolvidos, bem como apresentar características que tornam os atores envolvidos e
a ação violenta em metonímias de relações sociais abrangentes, como crimes entre
escravos, senhores e feitores. Entretanto as razões da ação violenta não eliminam
sua característica básica, e, portanto, não deixam de nos revelar uma forma de
conceber o papel da violência nas relações, quer a aceitamos como legitima ou não.
E, ainda assim, trata-se de elucidar os usos da violência em face das outras
167
Adotamos a tipificação de violência interpessoal feita por de Ivan Vellasco para as queixas de ferimentos,
porretadas, açoites, espancamento, bofetadas, estupro, cárcere privado, homicídios e tentativa de homicídio.
VELLASCO, Ivan de Andrade. op. cit. p. 169. E acrescentamos de forma a evidenciar as relações de cunho
moral à violência a análise dos crimes de injúria e de adultério.
168
LARA, Silvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 55-
68, passim.
169
Ibidem, p. 125-141, passim.
96
entos segundo dados do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
incidênc
ssões diversas, invasão de terra, resistência
a prisão; crimes com uma baixa ou eventual ocorrência, por exemplo: jogos proibidos;
sedição
e, corte da cauda de um cavalo de oficiais de justiça.
facadas, tiros); injúrias, insultos, ameaças,
defloram
s. Constam ainda relacionados os autos com pedidos de livramento
crime e ou de cartas de seguro e os processos de presos por suspeita de algum crime violento.
alternativas disponíveis, dadas nos diferentes contextos sociais e mecanismos
institucionais.
170
O Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana reúne séries documentais de
natureza cartorial: inventários post-mortem, testamentos, ações cíveis, processos crimes, entre
outros. Este acervo procedente dos cartórios do 1
o
e 2
o
Ofício da comarca de Mariana abrange
o extenso período de 1709 a 1956, somando cerca de 50 mil docum
Em virtude da delimitação de nosso recorte temporal inicial estabelecido a partir da
metade do século XVIII, nos restringimos aos processos-crime pertencentes ao cartório do 2
o
Ofício que reúne quase a totalidade dos autos deste período.
171
Os processos-crime referentes ao 2º Ofício somam 1489 autos do período que vai de
1714 a 1899. Dentro do recorte proposto de 1741 a 1820 encontramos um total de 439 autos
referentes aos mais diversos crimes. Adotamos uma classificação primária de acordo com a
ia dos crimes. Dessa forma, compõe o conjunto desses processos crimes que teriam
uma ocorrência maior; podendo ser classificados como comuns, por exemplo: injúrias,
assassinatos, roubos, furtos e arrombamentos, agre
contra as autoridades constituídas; aliciamento e seqüestro de escravos; incêndio em
rancho ou roça, morte ou ferimento em animal (cavalo ou gado), embriaguez; fuga de presos;
e crimes que tem uma única ocorrência e que seriam no mínimo casos insólitos: furto da
mulher do autor, falta de cumprimento do dever na conclusão de uma Capela, preso por
engano de nom
Dentro da nossa perspectiva crítica que privilegia as relações entre violência, moral e
honra foram arrolados os seguintes crimes: assassinatos e tentativa de assassinato; lesões
corporais (ferimentos, agressões, espancamento,
ento (estupro); adultério, divórcio, alcovitice e mancebia. Crimes como porte de
armas proibidas, conflitos e violências, indiretamente ligados a temática central de análise,
também foram arrolado
170
VELLASCO. Ivan de Andrade. op. cit. p. 244-245.
171
Os processos-crime reunidos no cartório do 1º Oficio, referentes ao século XVIII limitam-se a última década
de 1790.
97
Os 313 p
classificatório as
padrões moralme
Os furto
tanto aparece nom
rapto, ou como ro
de furto de escrava, que teria o envolvimento entre a escrava e seu raptor como motivação
para o crime.
As agressões ou ofensas que tenham como mote disputa de terras; roubos, furtos e
arrombamentos; injúria na cobrança de créditos; crimes contra a propriedade ou contra o
patrimônio não foram objeto da presente análise.
As leis do Rei tos, o que era
um indicativo não só da gravidade desses crimes para o Estado, como da necessidade
pre e contê-los.
As Ordenações Filipinas previam a mesma pena para os que matam ou ferem ou
tiram com arcabuz ou besta
173
:
r outra ou mandar matar, a por isso morte natural.
E qualquer pessoa qu atar por dinheiro, ser-lhe- s as mãos decepadas e
morra morte natural, ais perca sua fazenda par a do Reino, não tendo
scendentes legítim (...)
or dinheiro, morra por isso. (...)
guma pessoa, qualquer condição que se ar outrem com besta ou
espingarda, além de por isso morrer morte natural, lhe serão decepadas as mãos ao
pé do pelourinho. (...
E matando ou ferindo, além da dita pena de morte, perca todos seus bens para a
Coroa, e havendo acusador, haverá a terça parte dele
174
rocessos
172
que constam desse levantamento têm como principal parâmetro
possíveis relações entre a preservação da honra na vivência cotidiana, os
nte aceitos e o uso da violência.
s listados na tabela abaixo se referem aos raptos de mulheres. Este crime
eadamente na documentação, nas petições de abertura dos processos, como
ubo e furto de mulher. Inclui-se nesse campo um único caso para o período
no determinavam punições severas para os crimes violen
mente d
Qualquer pessoa que mata
(...)
morr
e m
e m
ão amba
a a Coro
de
E ferindo alguma pessoa p
os.
E se al de ja, mat
)
s. (...)
172
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
173
LARA, Silvia Hunold (org.). op. cit. p.143
174
Idem, p.143,144,146.
98
Tabela 1: Crimes interpessoais, Mariana, 1741-1820
Crimes Número de processos Percentual (%)
Adultério 8 2,6%
Alcovitice 2 0,6%
Ameaças e agressões 11 3,5%
Armas proibidas 2 0,6%
Assassinato 41 13,0%
Carta de seguro 4 1,3%
Conflitos e tumultos 4 1,3%
Defloramento 3 1,0%
Divórcio 2 0,6%
Espancamento 31 9,9%
Facadas 4 1,3%
Ferimentos 98 31,3%
Furto/Rapto 3 1,0%
Injúria 58 18,5%
Insultos 3 1,0%
Livramento crime 7 2,2%
Preso pro suspeita ou denúncia 5 1,6%
Tentativa de assassinato 4 1,3%
Tiros 11 3,5%
Violências 3 1,0%
Outros * 9 2,9%
Total 313 100%
*Na tabela 1, os crimes que tiveram apenas uma ocorrência foram agrupados e classificados como outros.
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
99
Verificam
pessoas. Se som
entos, tentativas de homicídio,
facadas
não teriam como
caracterí
sos listados. Os processos contra crimes violentos são, portanto, a
maioria para o período pesquisado.
Em uma sociedade em que o castigo físico fazia parte dos mecanismos legais de
punição, é possível pensar que a população enxergava também, à sua maneira, ferir como
forma de punir os que, de alguma maneira, não seguissem as normas. Esta possibilidade de
empregar licitamente a violência era favorecida, e alguns casos, em que havia permissão
para ferir. É o que observamos nas disposições das Ordenações Filipinas sobre em quais
ocasiões as penas sobre os q
E estas penas não haverão lugar no que tirar arma ou ferir em defesa de seu corpo e
ulher ou seu filho ou
seu escravo, nem mestre ou piloto de navio que castigar marinheiro ou servidor do
qual seria o limite entre castigo e crime?
A contar pelo número de crimes violentos, parece difícil definir tal limite.
A partir do gráfico 1 notamos uma maior incidência dos crimes de ferimentos no
período de 1801 a 1820
os na tabela 1 o grande número de crimes contra a integridade física das
armos ferimentos, agressões
175
, espancam
e tiros, ou seja, crimes que causaram lesões variadas, mas que não necessariamente
levaram ao óbito, aos homicídios teremos 66% dos processos levantados, o que confirma o
uso da violência nas relações interpessoais. Os crimes contra a honra que
stica principal o uso da violência física, adultério, injúrias, insultos, alcovitice,
somam 25% dos proces
m
ue ferem não devem ser aplicadas:
vida, (...) nem em quem castigar criado ou discípulo, ou sua m
navio enquanto estiverem sob seu mandado.
176
Se ferir era um modo de corrigir, utilizado tanto pelas autoridades constituídas
quanto pelo homem comum, (pai marido e senhor),
175
Sobre os processos-crime das agressões verificamos que dos 11 processos, 4 se referem a ameaças de
agressão e ameaça de morte, portanto apenas 7 integram o somatório dos crimes que provocaram algum tipo de
lesão corporal.
176
LARA, Silvia Hunold (org). op. cit., p. 149.
100
Gráfico 1- Ferimentos, Mariana, 1741-1890
Ferimentos
4
5
3
1
2
11
31
41
40
74
15
35
23
10
14
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1741-1750
1751-1760
1761-1770
1771-1780
90
00
10
20
30
40
50
60
1781-17
1791-18
1801-18
1811-18
1821-18
1831-18
1841-18
1851-18
1861-1870
1871-1880
1881-1890
Número de Autos
Período (década)
da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Fonte: Arquivo Histórico Ofício – Crime
890
Da mesma forma, é possível notar uma curva semelhante de crescimento, a partir de
um período um pouco mais recuado de 1790 a 1820, para os crimes de assassinato e
espancamento nos gráficos 2 e 3 subseqüentemente.
Gráfico 2 – Assassinatos, Mariana, 1741-1
Assassinatos
28
30
tos
1
0
2
1
0
7
17
14
17
18
17
4
3
0
10
20
1741-1750
1751-1760
1761-1770
1771-1780
1781-1790
1791-1800
1801-1810
1811-1820
1821-1830
1831-1840
1841-1850
1851-1860
1861-1870
1871-1880
1881-1890
Peodo (Década)
mero de Au
13
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
Gráfico 3 – Espancamento, Mariana, 1741-1890
Espancamento
5
4
6
16
8
12
6
13
6
1
1
0
1
20
30
1741-1750
1751-1760
1761-1770
1771-1780
1781-1790
1791-1800
1801-1810
1811-1820
1821-1830
1831-1840
1841-1850
1851-1860
1861-1870
1871-1880
1881-1890
Número de Autos
21
2
1
2
0
Período (década)
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
101
O crescimento do número de processos de crimes violentos em finais do século
XVIII e
a
la justiça.
início do século XIX, pode estar relacionado às adequações e mudanças em relação à
política, a economia e a própria sociedade pelas quais passou a América portuguesa. Talvez
uma m ior centralização da autoridade ou o aumento do poder coercitivo do Estado, podem
ter produzido mudanças nos valores e costumes dos habitantes da colônia.
O espaço jurídico passa a ser visto como o local adequado para a solução dos
conflitos. Desta forma, o aumento dos processos não revelaria, ao contrário do que aparenta,
um crescimento do número de crimes violentos, mas sim uma maior demanda pe
Tabela 2: Ferimentos e facadas, em relação ao sexo das vítimas, Mariana, 1741-
1820.
Crime Número de processos Percentual
Ferimentos
177
6 6%
Ferimentos em mulheres 25 24%
Ferimentos em homens 67 66%
facadas em mulheres 2 2%
facada em homens 2 2%
Total 102 100%
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
Destacamos a seguir na tabela 2, os índices referentes aos processos-crime de
ferimentos. Dos 67 processos em que homens foram vítimas de ferimentos, dez eram de
escravos. Nestes dez processos conseguimos identificar 13 escravos s, já que em um
desses processos o eitos em mais de um escravo.
178
Em relação aos homens livres vítimas de ferimentos, muitos deles pardos e forros,
encontramos também um processo em que, a exemplo do caso acima, mais de um homem foi
feri
179
. Mas o que percebemos em relação aos homens livres é a ocorrência de ferimentos
infligidos à vítima po icação de
que os ferim feitos por m
ferimentos feitos a um homem por mulheres
. Com exceção do processo aberto pela justiça
para esclarecer os vários ferimentos feitos a Manoel Muniz, em 1804, nos demais casos de
homens ferimentos todos os réus, qu o identificados, são h
ocessos de ferimentos contra mulheres, apenas três tem como vítimas
nomeadamente escravas. Na maioria dos casos as vítimas são feridas por homens, mas em
cinco processos encontramos mulheres figurando como rés.
vítima
s ferimentos foram f
do
r mais de um réu. Em pelos menos sete processos existe a ind
entos foram ais de uma pessoa, incluindo o único processo de
180
vítimas de and omens.
Entre os pr
4 desses processos de ferimentos não há a identificação das vítimas. Os
177
Em outros 2 se encontravam
disponíveis pra a consulta, daí terem sido arrolados mas sem a identificação das vitimas ou da motivação do
ime.
178
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
in
cr
Ofício – Crime, códice 187, auto 4670.
179
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime, códice 188, auto 4709
180
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime, códice 231, auto 5769.
102
103
A maioria
de homens como réus nos processos, so dos casos. As mulheres representam a
minoria dos casos, são rés em 6% dos processos-crime
referem aos processos que não têm os réus identificados.
Se em s ferimentos temo expressiva maioria de homens tanto como
vítimas quanto nos casos de es ento e agressões é possível verificar um
número ligeira maior de mulheres com mas.
Tabela 3 Percentual de Agressões, Mariana, 1741-1820
ssim, em relação ao sexo dos agressores nos crimes de ferimentos, temos a
mando 83%
de ferimentos. E os outros 11% se
relação ao s uma
como réus, pancam
mente o víti
Crimes Mulheres vítimas %
Agressões 57%
Ameaça de morte 75%
Ameaça de agressão 71%
Tentativa de morte 50%
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
Tabela 4: Espancamentos, Mariana, 1741-1820
Crimes Número de processos Percentual %2
Espancamento(s) 8 25,8%
Pancadas 18 58,0%
Pancada e facada 1 3,2%
Bordoadas 3 9,8%
Sevicias 1 3,2%
Total 31 100%
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
104
Tabela
1741-1820
5: Percentual de espancamentos por sexo da vítima, Mariana,
Crimes homens mulheres
Espancamento(s) 37,5% 62,5%
Pancadas 50% 50%
Bordoadas 33,3% 66,7%
Total 45% 55%
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
to. Mas infelizmente no dia em que Manoel Pedro resolveu surrar
Vitorino, dando nele umas porretadas, Bernardes acudindo a esta desordem
182
foi vítima da
faca de ponta que
a facada com a m
Em outro processo
, Antonio Gonçalves Moreira foi vítima de uma tocaia que não
era para
el escravo do mesmo capitão e outros que ele não sabia
nomear.
péu carmesim e trages tudo como
o dito capitão Miguel, por engano os declarados da tocaia dispararam do mato dois
tiros no suplicante (...) e como os deram o tiro não mataram ao suplicante saio do
mato o crioulo nomeado Manoel, para matar o suplicante e conhecendo que não era
Crimes cotidianos que revelam os descaminhos de uma sociedade, em que a
população procurava solucionar suas desavenças através da violência. Em 1792, Manoel
Pedro da Silva, feriu com uma facada no lombo esquerdo João Bernardes Maciel
181
. O réu, no
entanto, não tinha nenhuma rixa com o João Bernardes, ele queria mesmo acertar as contas
com um tal Vitorino Pin
o réu levava na algibeira. Manoel Pedro, segundo as testemunhas, ainda deu
esma faca no dito Vitorino no peito.
183
184
ele. Levou um tiro, dos dois que foram disparados, porque uma das armas negou
fogo. Segundo Antonio, os autores da tocaia eram Eugenio da Silva e Souza, sobrinho do
capitão Joaquim José da Silva, Mano
Estes estavam embrenhados no mato à beira da estrada, próximos à fazenda dos
Cristais, há oito dias esperando o capitão Miguel Ferreira de Souza, jurado de morte pelo
capitão Joaquim José da Silva. Mas Antonio Moreira passou antes pelo caminho:
(...) sucedeu o suplicante vir de viagem adiante do dito capitão Miguel e como era
de manhã cedo e o suplicante vinha com hum cha
181
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime, códice:189, auto:4743.
182
Idem, fala das testemunhas.
183
Idem.
184
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime, códice: 204, auto: 5109
105
os os casos, a vítima não é o alvo do acerto de contas. Aparentemente, as
semelhanças existentes entre os processos e as ofensas físicas que Antonio e João sofreram se
limitam
o
iretamente ligadas aos conflitos. Mas, em alguns aspectos, a noção de
vingança privada, como vimos no capítulo 2, ainda prevalecia no estabelecimento de certas
punições
m
om ela em adultério, mas ainda os pode licitamente matar sendo certo que
lhe cometeram adultério; e entendendo assim provar, e provando depois o adultério
186
o
número
completos ou não, é possível obter alguns dados.
quem queriam matar e que tinham se enganado tornou o dito crioulo a voltar para o
mato.
185
Em amb
a máxima de se estar na hora errada, no lugar errado. A facada e o tiro também não
parecem revelar conflitos m rais ou contra a honra. No entanto, os casos citados são
paradigmáticos porque trazem à tona outro quesito que organizava o mecanismo de
preservação da honra, e, a reboque de valores morais, a vingança.
Nos processos acima citados, o sentimento de vingança acabou por envolver pessoas
que não estavam d
. Da mesma forma que se permitia ferir sob pretexto de reabilitar, havia a
possibilidade do uso da vingança sem que houvesse qualquer pena conforme o delito. Assim,
as Ordenações Filipinas, em relação ao marido que mata a esposa por achá-la e adultério,
determinam o seguinte:
Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim
a ela como o adúltero, (...) e não somente poderá matar sua mulher e o adúltero que
achar c
por prova licita e bastante conforme o direito, será livre sem pena alguma, (...)
Analisando especificamente os processos-crime de adultério, encontrados no
Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, podemos notar algumas questões em torno do
significado da preservação da honra.
A primeira constatação em torno da documentação pesquisada é a do reduzid
de processos contra adultério em relação a outros crimes. São 8 processos
187
, sendo 4
incompletos. Com exceção do processo 5403 do códice 216, em que só aparecem os nomes do
autor e do réu e a data da autuação do processo, ou seja, o seu pedido de abertura, nos demais
processos, in
185
Idem. Autuação.
186
LARA, Silvia Hunold (org.). op. cit. p.151e 152.
187
Os autos 5207 e 5208 do códice 208, são de um mesmo processo, sendo o segundo o traslado do primeiro,
com a inclusão de uma carta de seguro uma espécie de hábeas corpus, concedido mediante pagamento.
Dados que inclusive apontam para uma organização cotidiana no que se refere à
solução dos conflitos e usos da justiça, diferenciada em relação às determinações impostas
pela legislação.
106
Tais especificidades podem ser exemplificadas no processo que se segue. Na
realidade, são dois p
a o suposto amante.
Primeiro, Manuel Antunes oferece a denúncia ao vereador mais velho do Senado da Câmara,
Juiz de Fora e dos órfãos contra Serafi
apresentou guro, quando da primeira audiênc oi nessa audiência em que o
juiz acusava Serafim Gonçalves que o próprio Manuel Antunes acusou sua esposa Anna
Caetan de
Foram ouvidas as mesmas testemunhas nos dois processos. Em ambos, as alegações
das testemunhas, tanto de acusação quanto de defesa, revelaram que Anna Caetana vivia
aparta stituição
189
. Segundo
as testem acusação, há mais ou menos um ano os réus viviam amancebados. Esta
acusação foi desmentida por Serafim Gonçalves ao afirmar que Anna Caetana era encarregada
de cozin
Outra questão sobressai à fala das testemunhas de defesa é o fato de que Manuel
Antunes
ua esposa (seis ou sete anos), e seu posterior
silêncio
Dos qua
sendo que uma delas é condenada apenas a pagar as custas do processo, em virtude da
rocessos
188
; um movido contra a mulher e outro contr
m Gonçalves, que não chegou a ser preso, pois
carta de se ia. E f
Souza. a
da do marido há mais ou menos 6 ou 7 anos, vivendo de sua pro
unhas de
har sua comida e da lavagem de sua roupa, situação que foi confirmada pelas
testemunhas de defesa.
teria sido incitado a fazer a acusação por Felisberto Lopes, inimigo de Serafim
Gonçalves. Felisberto teria arrumado e pago as testemunhas de acusação contra Serafim. Isto
justificaria a demora do marido em acusar s
em relação ao processo, o que acabaria inocentando Anna Caetana.
Quando se observam as disposições legais contra o adultério presentes nas
Ordenações e sua severa punição, a princípio, seria justificada a baixa incidência de processos
contra mulheres. No entanto, os próprios processos demonstram que o rigor do código não
prevalecia.
tro processos, um está incompleto, e em dois as mulheres são condenadas,
188
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 231 auto:5767 e códice : 202
auto:5052,
189
Idem
107
ausência do mari
foi presa e apresen ento; em virtude de seu estado, o traslado do
processo é remetido ao Tribunal de Correição do Rio de Janeiro. Ainda sobre as mulheres
acusadas, uma é absolvida me
Tabela 6 Crimes de Injúria, Mariana, 1741-1820
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
do na última audiência,o que foi entendido como sendo seu perdão. A outra
tou uma ação de livram
diante o prolongado silêncio do marido.
Ofício – Crime
Revelador das ofensas morais, o crime de injúria compreende ofender alguém em sua
dignidade ou decoro. O crime de injúria assemelha-se em alguns processos a uma traição, ou,
nos termos das Ordenações do Reino, aos crimes cometidos aleivosamente.
m relação aos processos arrolados, temos uma grande maioria de homens como
autores n s cr
das à
honra das vítimas, bem como ao fato delas se sentirem ofendidas física e ou moralmente.
Dessa forma, em
exercício da justi
E
o ime de injúria, somando 84%. As mulheres figuram como autoras em 14% dos
processos e a Justiça é autora apenas em 2%
Nos casos de crimes violentos, a Justiça age no sentido de manter a paz, abrindo os
processos para evitar desordens públicas. As injúrias, no entanto, estão diretamente liga
relação aos crimes de injúria, podemos perceber outro significado para o
ça.
Assim, o exercício da justiça implicava algo mais importante do que estabelecer e
fixar a verdade: significava reafirmar e reforçar a rede hierárquica que ligava todos
190
Apesar de constar em outros processos de injúria ofensas verbais, apenas um processo-crime de1768 traz essa
expressão. Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime, códice: 222, auto:5535.
Crimes Número de processos Percentual (%)
Injúria atroz 43 74,2%
Injúria(s) 12 20,7%
Injúria, perdas e danos 2 3,4%
Injúrias verbais
190
1 1,7%
Total 58 100%
os súditos ao rei e o lugar de cada um nesse emaranhado de poderes, alçadas e
jurisdições.
191
108
Gráfico 4 – Injúria: Mariana 1741-1890
Inria
16
8
6
12 12
6
9
6
8
7
11
8
de Aut
3
14
4
4
3
0
4
12
1741-1750
1751-1760
1761-1770
1771-1780
1781-1790
1791-1800
1801-1810
1811-1820
1821-1830
1831-1840
1841-1850
1851-1860
1861-1870
1871-1880
1881-1890
Período (década)
Número os
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
Curioso, no entanto, são os processos de injúria em que os autores apresentam
sua argumentação de queixa em relação ao comportamento dos réus com suas esposas. A
injúria, assemelhada à traição, apresenta-se como uma ofensa grave em relação à confiança
depositada pelo autor no réu. A ofensa moral apresentada como crime de injúria às vezes pode
disfarçar um crime de adultério, como nesta autuação de um processo crime de 1797.
192
(...) apareceu presente o Alferes Manoel de Souza Pinto homem branco... ele queria
querelar, e denunciar as justiças de Sua Majestade como com efeito querelara e
denunciava perante ele Ministro de [fuão], e de Manoel Ferreira da Costa Amaral,
e consistia a razão de sua queixa em que sendo casado na forma que determina a
Igreja com [fuão], e fazendo com ela vida marital, acontece que esquecida a mesma
das obrigações do seu estado se deixou seduzir por Manoel Ferreira da Costa
Amaral passando a cometer com ele adultérios até a deixar a companhia do
191
LARA, Silvia Hunold e MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. (org.) Direitos e justiças no Brasil: ensaios de
história social. Campinas: Editora da UNICAMP, 2006, p.86
192
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 190 auto: 4750
109
suplicante, estando ambos os ditos suplicados com pública voz e fama de
concubinados...
193
Do mesmo modo, Cipriano da Costa no ano de 1792 acusa em um libelo de injúria
O que Cipriano pretendia conseguir com isso? Preservar sua honra tentando não
explicitar o com
eaçado pelo adúltero? E Marianna seria
realmente adúltera?
s processos no próximo capítulo.
sua esposa Marianna Felícia da Silva de cometer adultério
194
.
portamento reprovável de sua esposa? Salvar-se da publicidade do adultério?
Vingar-se da mulher? Punir o sedutor? Teria sido am
Tais questões podem nunca ser esclarecidas, no entanto, outras relacionadas aos usos
da Justiça e aos valores socialmente aceitos dentro da sociedade mineira e marianense devem
se constituir como foco da análise qualitativa de alguns desse
193
Idem.
194
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime: códice : 215 auto:5355
110
tiça
No auto de querela que abre o processo o alferes acusa os quatro escravos, Vitoriano,
Matheos
do Pomba conversando com Vitoriano Jose da Silva veio pela rua encaminhando
se para a porta do dito Alferes hum tumulto de grande número de pessoas e
chegando aonde ele testemunha estava deram logo duas porretadas no dito
dos
Ainda segundo as testemunhas o ferimento declarado no auto foi feito por um desses
forros, u
CAPÍTULO 4: Arranjos coloniais: usos da jus
Em janeiro de 1802 o alferes Antonio Coelho de Souza
1
foi vítima de ferimentos
causados por um grupo de homens forros e escravos.
, João Paulo e Joaquim. Os forros envolvidos na agressão não figuram como réus no
processo. No entanto a maioria das testemunhas atesta a participação efetiva dos forros no
tumulto que vitimou o alferes.
(...) estando ele testemunha a porta do Alferes Antonio Coelho de Souza no Arraial
Vitoriano José um crioulo de nome Manoel Hilário acompanhado de seu Irmão
Joaquim José de Santanna e de hum filho do mesmo Manoel Hilário de nome
Antonio e outro sobrinho do dito Manoel Hilário de nome Caetano também
acompanhavam aos ditos os escravos do Reverendo vigário da dita freguesia
Manoel de Jesus e Maria de nomes João Paulo, Vitoriano, e Joaquim todos crioulos
e outro de nome Matheos preto de nação da Costa de Angola e outros muitos to
escravos do reverendo Vigário que ele testemunha não destingiu por estar a noite
escura e somente reconheceu estes uns declarados por andar entre ele aos
empurrões sem arma alguma nas mãos defendendo-se ele testemunha a si e ao dito
seu companheiro Vitoriano Jose.
2
m pardo chamado Caetano.
3
(...) e ouvindo o dito Alferes Antonio Coelho que estava dentro da sua casa a bulha
saiu pela porta fora e logo o declarado Antonio filho de Manuel Hilário com uma
faca na mão esquerda e uma pistola na mão direita desfechou a pistola no Alferes
que não pegou fogo e então lhe atirou uma bordoada o sobredito João Paulo crioulo
escravo do declarado Reverendo vigário e o referido Caetano sobrinho de Manoel
Hilário o qual é pardo atirou outra bordoada no dito Alferes com a qual lhe fez o
ferimento que declara o Auto.
4
1
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana: 2º Oficio – Crime: códice 221, auto 5510.
2
Idem.
3
Idem
4
Idem.
111
reso um delinqüente,
disparando um tiro de espingarda na porta dessa guarda.
5
O mesmo mulato que o alferes prendeu disse à testemunha que o reverendo vigário
tinha ido
o “assistiam por casa do dito alferes”
10
, e que
teriam dito ao escravo Antonio Barbeiro para lançar fora a índia por brinquedo.
Através da fala das testemunhas fica evidente a participação dos escravos do
eres. No entanto, não há clareza em relação à motivação
e ao papel do vigário como mandante pa o
a prisão do escravo Joaquim indicam o
vigário teria saído do arraial para não se comprometer. Os que relacionam o crime ao suposto
insulto a
Todo esse tumulto teria sido feito a mando do reverendo vigário
Manoel de Jesus e
Maria
, contrariado pelo fato do alferes Antonio Coelho de Souza ter prendido o seu escravo
Joaquim mulato por este ter rompido uma guarda em que tinham p
O reverendo vigário teria ainda, segundo uma das testemunhas, visitado o alferes
que esteve em perigo de vida por causa do mencionado ferimento”
6
, e na presença desta
testemunha e de outros teria dito que sentia muito o estado do alferes e que se não saísse da
prisão o seu mulato, aquilo não era nada.
7
para fora do arraial do Pomba no dia do tumulto porque “se estivesse na ocasião do
sucesso que o alferes havia de ficar morto na estação da missa.”
8
Outras testemunhas, no entanto apontam outro motivo para a agressão feita ao
alferes.
(...) nasceu esta desordem de ir o tal Vitoriano a uma casa onde morava um preto
por nome de Antonio Barbeiro escravo do dito reverendo vigário, e ter dito ao
preto que queria que deitasse para fora da casa uma mulher índia que nela tinha
sobre o que alterou nas razões, e tendo disto noticia o preto do dito vigário, em
ocasião que este estava fora da terra, foram então vários escravos já referidos, e os
mais que acompanharão, e fizeram ferimento e pancadas que declarados tem...
9
Complementa outra testemunha que Vitoriano estava acompanhado por outro homem
chamado Vicente e que ambos nesse temp
Reverendo vigário na agressão ao alf
ra crime. Os que atestam como motivo para o crime
vigário como mandante. Nesse caso, o Reverendo
o negro Antonio Barbeiro, também escravo do vigário, sugerem que os escravos do
6
Idem.
7
Idem.
8
Idem
9
Idem
10
Idem.
5
Idem.
112
vigário t
o vigário.
Porém o
fala das testemun
e Caetano
no tum
eles não figuram
ferimento a tiro d
como réus os escravos do Reverendo vigário Manoel de Jesus e Maria.
a norma
Elementos que caracterizam um determinado crime e, principalmente, a sanção que
lhe é imposta podem conter variações consideráveis em relação à época e ao lugar em que
ocorrem.
eriam se aproveitado de sua ausência para acertar as diferenças com Vitoriano. As
testemunhas de defesa eximem o vigário de ter alguma relação com o crime e sugerem ainda
que, não necessariamente, era o alferes o alvo dos escravos d
que pode ser revelador nesse processo é o fato de mesmo transparecendo na
has a participação dos forros,
Manoel Hilário, Joaquim José de Santana, Antonio
ulto, sendo este último inclusive o responsável pelo tiro que feriu o alferes,
como réus do processo. O alferes recorreu à justiça em virtude de um
o qual foi vítima, mas não acusou quem proferiu o disparo. Preferiu citar
O alferes talvez quisesse atingir o vigário, por ter com ele alguma rixa, ou por achar
que ele fosse realmente o mandante dos ferimentos que sofreu, o que não importa. Importa o
uso que o alferes fez da justiça. Se ele não tenciona punir seu agressor por que recorrer a
justiça? O que o espaço da justiça representava para ele, era um local para sanar os conflitos
ou para reafirmar posições sociais?
Como foi dito no capítulo anterior, violência, honra e vingança organizavam-se como
modelos valorativos e comportamentais das sociedades em geral e da sociedade mineira
colonial em particular. Neste capítulo, meu objetivo é analisar o significado social da justiça,
seus espaços de ação e, sobretudo o modo pelo qual a população estabelece relações com essa
representação de poder. Dessa forma podemos situar os pontos de entrecruzamento desses
modelos valorativos com a ação da justiça.
Crimes: entre a prática e
O crime em si não existe. Ele é produzido por uma prática
social de discriminação e de marginalização, prática mutável e
obedecendo a uma lógica social muito complexa.”
11
11
HESPANHA, Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
In: Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1993, p. 335.
113
ocracia, família, contrato, propriedade, obrigação, roubo, homicídio, podem
possuir rupturas decisivas no seu significado semântico.
12
lavras está escondida uma
filosóficas numa
sociedade são fatores que influenciam, num movimento dialético a construção das bases do
direito e consequentemente da noção de crime.
entre idéias e concepções dentro da sociedade que exprimem as
contradi
o dessa forma a
continuidade histórica.
16
dicando os elementos
nelas inseridos, alterados e retirados. O di
Da mesma forma, os conceitos considerados construções jurídicas como pessoa,
liberdade, dem
O significado da mesma palavra, nas suas diferentes ocorrências históricas, está
intimamente ligado aos diferentes contextos, sociais ou textuais de cada ocorrência.
Ou seja, o sentido é eminentemente relacional ou local. Os conceitos interagem em
campos semânticos diferentemente estruturados, recebem influencias e conotações
de outros níveis da linguagem (linguagem corrente, linguagem religiosa, etc.), são
diferentemente apropriados em conjunturas sociais ou em debates ideológicos. Por
trás da continuidade aparente na superfície das pa
descontinuidade radical na profundidade do sentido.
13
Toda cultura jurídica possui fatores que a condicionam, produzindo noções diferentes
do crime durante o seu itinerário histórico. Assim o crime é concebido através dos “códigos
ideológicos responsáveis pela valorização jurídico-penal das condutas humanas”.
14
As
práticas cultural, social, político e econômico, assim como as correntes
São os conflitos
ções mais profundas do costume e do direito. É importante notar que o costume é
entendido por nós como algo mutável. Como adverte Hobsbawn e Ranger: “O ‘costume’ não
pode se dar ao luxo de ser invariável, porque a vida não é assim nem mesmo nas sociedades
tradicionais”.
15
Serve de motor e volante para mudanças confirmando ou resistindo às
inovações impostas. Assim, um novo costume, pode impulsionar inovações ou mudar sua
direção adaptando-se a exigência de ser compatível com o costume que o precedia. A função
do costume é dar à mudança desejada a sanção de seu precedente observand
As culturas punitivas, incluindo o direito penal fundado no direito comum, pelas quais
passa a noção de crime, funcionam da mesma forma como um motor in
reito comum ou consuetudinário exibe esta
12
HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura jurídica européia: Síntese de um Milênio. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2005, p. 26.
13
Idem.
14
HESPANHA, Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
Idem.
15
HOBSBAWN, Eric & RANGER, Terence (org). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997,
p. 10.
16
Idem.
114
Vinculad
que organizavam
discursivas que p
tipologia das Ord
contra ordem re
pública; contra as
Em rela
ordem moral, com
atentam contra a
análise atentará o
Estupro ou defloramento:
mbos os casos, o estupro enquadra-se nos
crimes de violência, ressaltando-se, além disso, a importância da qualificação do estupro
como cr
O direito canônico por sua vez ao observar a moral sexual da Igreja Católica
preocupava-se co
Igreja Católica é
As Orde
punindo o estupr
combinação de flexibilidade implícita e comprometimento formal com o passado, pois deriva
dos costumes.
os ao cotidiano, os costumes, integrariam os chamados códigos ideológicos
os discursos jurídicos da época moderna. Dentro dessas estruturas
residem a criação, classificação e disposição dos crimes e observando a
enações portuguesas podemos verificar os seguintes campos penais: crimes
ligiosa; contra a ordem moral; contra a ordem política; contra a ordem
pessoas; contra a verdade; contra o patrimônio.
17
ção às transgressões morais interessa-nos não apenas os crimes contra a
o também crimes inseridos em outros dois campos penais: os crimes que
ordem pública e os crimes contra as pessoas. Desse conjunto maior, nossa
s seguintes crimes: estupro, adultério, injúria e agressão.
O estupro é considerado um crime contra a ordem moral. Segundo o direito romano,
o estupro corresponderia a dois tipos de conduta: as relações sexuais com virgem e as relações
sexuais impostas com violência a uma mulher. Em a
ime numa perspectiva de defesa da ordem familiar. No direito romano o estupro não
ofende apenas a virgem, ou a mulher, mas atinge seus pais e sua família. No cerne da
legislação criminal sobre o estupro está a preservação da instituição familiar
18
.
m o caráter ilícito e pecaminoso do estupro enquanto ato sexual. O sexo para
um pecado, sobretudo o praticado fora do casamento
19
.
nações Filipinas de modo geral acolhem o direito comum ou romano,
o como relações sexuais com violência ou com virgem, viúva, honesta ou
17
HESPANHA, Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime
p. 336-354, passim.
18
Ibidem, p.341.
19
Ibidem, p.342.
115
menor de 25 ano
Ordenações Filip
Todo homem, de qualquer estado e condição que seja, que forçadamente dormir
com qualquer mulher, posto que ganhe dinheiro por seu corpo ou seja escrava,
não seja casada, por dádivas, afagos ou prometimentos e a tirar e levar fora da casa
de seu pai, mãe, tutor, curador, senhor ou pessoa sob cuja governança ou guarda
adeira força
a ela ou aos sobreditos, e o levador for fidalgo ou pessoa posta em dignidade ou
Na docu estupro aparece também classificado como
defloram
nosso recorte cronológico.
em o mesmo teor de outras oferecidas
em crimes de defloramento ou estupro:
com ela querelante dormira os dias e noites que lhe parecera até pouco tempo
s sob o pátrio poder. É o que se infere do título XVIII do livro V das
inas:
morra por isso (...). 1. E posto que o forçador depois do malefício feito case com a
mulher forçada e ainda que o casamento seja feito por vontade dela, não será
relevado da dita pena, mas morrerá, assim como se com ela não tivesse casado.(...).
2. E se algum homem travar de alguma mulher que for pela rua ou por outra parte,
não sendo para dormir com ela, somente por assim dela travar, seja preso e até
trinta dias na cadeia, e pague mil réis para o meirinho ou alcaide ou outra pessoa
que o acusar.(...) 3. E o homem que induzir alguma mulher virgem ou honesta que
estiver, ou de qualquer outro lugar onde andar ou estiver por licença, mandado ou
consentimento de cada um dos sobreditos, ou ela assim enganada e induzida se for
a certo lugar donde a assim levar a fugir com ela, sem fazer outra verd
honra grande e o pais da moça for pessoa plebéia e de baixa maneira ou oficial,
assim como alfaiate, sapateiro ou outro semelhante, não igual em condição nem
estado, nem linhagem ao levador, o levador será riscado de nossos livros e perderá
qualquer tença graciosa ou em sua vida que de nos tiver será degredado para África
até nossa mercê. E qualquer outro de menor condição que o sobredito fizer, morra
por isso.
20
mentação consultada, o crime de
ento. Num único caso o defloramento aparece associado a uma acusação de atentado
ao pudor. Esse processo-crime, aberto em julho de 1750
21
, é o processo de estupro com a data
mais recuada dentro de
No entanto, apesar dessas peculiaridades o processo contra Francisco José de Barros,
movido por Ana de Souza e seu tutor Manoel Ribeiro Moreira, não apresenta nenhuma
variação em relação à forma. Sua petição de abertura t
(...) que a razão de sua queixa e denúncia consistia em que sendo ela querelante
moça donzela honrada e virtuosa, estando em casa de Thereza de Souza honesta
virgem e recolhida e por tal tida e havida sem haver forma em contrário o
querelado Francisco José com o pretexto de amizade particular, e familiaridade
grande na dita casa, onde assistia a querelante entrava a tratar com a mesma,
entrando e saindo de noite e de dia, com comunicação estreita com a querelante
fundada em promessas de casamento, servindo de tudo porquanto chegara o
querelado a deflorar a dita querelante, em um dos dias do mês de abril de 1748, e
20
Ordenações Filipinas, Livro V, titulo XVIII. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM
21
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 184, auto 5292.
116
Nos caso
nenhum caso em
dos processos-crime analisados foi um alvará de soltura, para que o réu pudesse se casar com
a ofendi
Acusado por Páschoa Maria da Ressurreição em 1755 e por se encontrar preso, Luis
apresentou petiçõ
e honra e virgindade,
que contra ele deu Páschoa Maria da Ressurreição, e como o suplicante não tem
ava então que lhe fosse passado a certidão e o assento do termo de
casamen
cular coadjutor atual nessa Catedral de
Mariana por sua Exª R
mo
certifico que revendo o livro dos assentos dos casados
Reverendo Dr. Juiz
reira da Costa, se
receberem em minha presença em face da Igreja solenemente com palavras de
presente, com pouca diferença em que saíra prenha, sendo vista com ele querelado
por várias vezes, de tal sorte, que desde logo corre a fama que o querelado a tinha
deflorado (...)
22
s de estupro ou defloramento o réu deveria ser preso.
23
Não encontramos
que o acusado tivesse obtido carta de seguro. O que encontramos em alguns
da procurando dessa forma obter o perdão de seu delito. Foi o que fez Luis Álvares
Dinis.
es em que se propunha a casar com a autora de acordo com a lei.
Diz Luis Álvares Dinis, preso na cadeia desta por querela d
dúvida em cumprir com o que determina a Ordenação Do livro 5º folha 23 que é
casar com a suplicada para o que tem já provisão para se receber, que é a inclusa, e
visto satisfazer a pena da Lei, quer que vossa mercê, mande se junte esta aos autos
conclusos para vossa mercê o julgar por quite, e livre, e sendo assim está a
Suplicada pronta a dar-lhe perdão.
24
Nas petições aparece um termo de fiança para que o réu possa sair da cadeia para se
casar. A partir desse termo, o advogado do réu requeria o alvará de soltura que era, na maioria
das vezes, concedido.
O réu solicit
to para fazer os requerimentos necessários pra dar baixa na culpa de defloramento.
Apresentava então assento de seu casamento à justiça:
Manoel Pereira e Pinho Presbítero se
desta Freguesia a folha 118, achei um assento do teor e soma seguinte = aos vinte e
quatro de Abril de mil setecentos e cinqüenta e cinco, pelas cinco horas e meia da
tarde, nesta Catedral de Mariana por informações que, sem se saber de
impedimento algum nem eu o saber e por provisão do muito
dos casamentos, de Licença do dito cura atual Luciano Pe
presente, de mútuo consentimento, sem constrangimento de pessoa alguma, Luís
22
Idem.
23
“E sendo dado querela obrigatória de algum homem que por força corrompeu mulher de sua virgindade,
responderá preso, até o feito ser findo e desembargado.” Cf.: Ordenações Filipinas, Livro V, titulo XXIII.
SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação. Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
24
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 182, auto 4532.
117
endo testemunhas entre algum [povo], o
Alferes Thomé Soares de Soares de Brito e Manoel da Costa Munis moradores
resentava o assento de seu casamento, ele buscava se
livrar do processo e conseguir sua conclusão fa
foi extinta.
gindade, o que no período só era
constada a partir da existência de uma gravidez e de seu subseqüente parto. Também não
encontra
A via do casamento era a forma utilizada para resolver a querela entre as partes, e na
maioria
estrutura do processo, incluindo as sentenças também são muito similares.
O processo movido contra José Posidônio Ferreira obedece a essas questões
referentes a forma. No entanto, se distingue dos demais em certos aspectos, revelando
algumas contradições no que se refere à ação da justiça.
Álvares Dinis, morador na freguesia desta cidade filho Legítimo de Antônio
Álvares, e de Maria Diniz, natural de São Pedro do Pilar de Ferreiros Comarca de
Vila Real Arcebispado de Braga, e Páschoa Maria da Ressurreição, moradora na
freguesia de São Sebastião, filha legítima de Manoel Ferreira Galvão, e de Ignes
Pais de Oliveira natural e batizada na freguesia do Sumidouro. Lhes dei as benções
nupciais que expressa o ritual Romano, s
nesta mesma Freguesia, legalmente fiz este assento = e não continha mais o dito
assento ao qual me reporto que por mim esta assinado, cidade Mariana de Abril 12
de 1755.
25
A partir da petição em que ap
vorável. Luis Álvares foi absolvido e a culpa
...Visto como o réu pela Certidão foi certo ter-se recebido em face da Igreja com a
querelante ficando esta satisfeita da sua querela com o dito recebimento mando que
fique extinta a culpa que da querela dada contra ele réu pela querelante lhe podia
resultar pondo-se descarga na culpa e pague o réu as custas.
26
Geralmente os processos-crime contra estupro e defloramento davam conta de
relações entre homens e jovens donzelas que uma vez desonradas procuram a justiça pra que o
infrator se redimisse através do casamento. E apesar da lei anteriormente citada em relação ao
estupro inferir sobre a relação violenta com viúva honesta, nos processos consultados não
existe caso em que a vítima não se queixe da perda da vir
mos nenhum processo de defloramento em que a vítima fosse uma criança, para o
período pesquisado.
das vezes servia para solucionar realmente a causa, fazendo com que o tempo de
prisão dos acusados e culpados fosse de alguns meses.
Como dito anteriormente dito, os processos-crime de defloramento ou estupro tem
geralmente a mesma forma ou composição, as petições são muito semelhantes, e toda a
25
Idem.
26
Idem.
118
em 1779
afirmava através de seu procurador Bento da Silva Lima que seu delito havia cessado por ter
ele se ca
dele querelarão de honra, virgindade,
onstança Clara de Jesus, e seu Pai o Furriel João
Soares Guimarães, e porque tem cessado o dito delito não só pelo perdão da
Preso de
junho de 1779,
apresentando jun , o assento de seu casamento e uma escritura de perdão
que dão
fevereiro 1783. E após essa audiência, aparece
uma procuração de Jose Posidônio e de sua esposa Victoria Constança datada de sete de
março d
o Joaquim da Silva Costa, Manoel Felix de Mello e Castro e Antonio
Em 1778, Victoria Constança Clara de Jesus e seu pai o furriel João Soares
Guimarães, apresentaram uma querela contra José Posidônio Ferreira Rebello por estupro.
27
Esta querela aparece transladada em outro processo, aberto com uma petição do réu preso,
que buscava sua absolvição por exceção peremptória.
28
José Posidônio acusado por crime de honra, virgindade, traição e aleivosia,
sado com Victoria Constança.
Diz Jose Posidônio Ferreira Rebello, que
traição e aleivosia Victoria C
criatura inclusa, mas também por o Suplicante ter Recebido em face de Igreja por
sua Legitima mulher a querelante, e vem na forma da lei a ficar sem vigor os
referidos delitos dos quais quer que autuando tudo e preparado por se achar preso
se lhe de vista para mostrar por meio de uma Exceção, não ter mais lugar o dito
crime e os mais que nela deduzir.
29
sde janeiro de 1778, Jose Posidônio se casou com Victoria Constança em
em julho do mesmo ano quando entra com o pedido de absolvição,
tamente numa petição
o Furriel João Soares Guimarães e sua filha Victoria Constança Clara de Jesus a
José Posidônio Ferreira Rebello em Razão da querela”.
30
Mas o juiz de fora Ignácio José de Souza Rabello, determina que o réu permaneça
preso, mesmo depois de ter se casado com Victoria Constança e dela e seu pai terem lhe dado
o perdão.
Na seqüência há uma audiência em
e 1783. Os procuradores são: em Mariana: Doutores Manoel da Guerra Leal de Souza
e Castro, João de Souza Barradas e Manoel Brás Ferreira e solicitadores de causas Bento da
Silva Lima e Capitã
da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 295, auto 5724.
tória se chama àquela que pões fim a todo negocio principal assim como toda sentença,
,,prescrição, paga, quitação e todas aquelas que nascem das convenças feitas sobre alguma
outra qualquer ação famosa. E bem assim quais quer outras. que concluam o autor não ter
demandar. E com cada uma das exceções
27
Arquivo Histórico
28
“Exceção peremp
transação, juramento
crime, ou injuria, ou
por direito ação para poderá a parte vir a embargar o processo.” Cf.:
Ordenações Filipinas, Livro III, titulo L, artigo 635. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
29
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 295, auto 5724.
30
Idem
119
Fernand
rime
que lhe idearam para haver de o sujeitarem, e como bem cessado por parte da
. E mesmo após a morte do sogro quando sua sogra Anna Maria
Rosa e suas cunhadas Anna Jacinta Claudia de Jesus, Rosa Angélica da Encarnação, Elena
Maria V
Dois meses mais tarde, em nova audiência, Jose Posidônio consegue finalmente a
sentença
Recebo, julgo provada a excepção peremptória do réu (...) perdão e geral
desistência (...) é bom de acreditar que não houve a argüida traição, e aleivosia e
que foi suposta (...) me conformo, julgo carecer a justiça (...) absolvo o réu de todas
as culpas e penas (...) e mando que seja solto da prisão em que se acha (...) Antonio
dos Santos Ferreira, Maio 18 de 1785.
32
es Vieira e o Reverendo Padre João Batista; em Vila Rica: os Doutores Cláudio
Manoel da Costa, João Anastácio Rodrigues de Souza, Manoel de Sousa Oliveira,e
solicitadores o Alferes Domingos da Rocha Pereira, o Capitão Guilherme Teixeira e o Capitão
Caetano José de Almeida; na cidade do Rio de Janeiro: Geraldo Gomes de Campos, o Alferes
José Dias da Cruz, o Capitão Luis Alves, o Capitão André Alves Pereira Vianna, o ajudante
Jose Manoel de Andrade, Vitoriano Rodrigues Rosa e João da Motta Dias.
São ao todo 20 representantes, entre eles, o futuro inconfidente Dr. Cláudio Manuel
da Costa e alguns vereadores das Câmaras de Mariana e Vila Rica. O réu se pronuncia através
deles em nova audiência em março de 1785.
Diz o Alferes Jose Posidônio Ferreira Rebello (...) por remir a vexação da prisão
em que o tinham posto a recebeu por Esposa, não porque tivesse cometido o c
querelante a sua ação por estar já recebido como já se disse em face da Igreja (...),
ainda no caso negado de que fosse verdadeira, ficou só a da traição e aleivosia,
porém esta como é acessória daquele para o qual, se deve também reputar da
mesma natureza, e de nenhum vigor, e para assim se deliberar como seja falecido o
querelante seu sogro João Soares Guimarães e só existe viva sua sogra Anna Maria
Rosa, quer que esta responda se lhe quer ser parte no dito crime para haver de se
livrar, para cujo fim.
31
Já casado com Victoria Constança há seis anos, tendo seu sogro João Soares
Guimarães e própria esposa apresentado uma certidão de perdão de seu crime anos atrás, José
Posidônio permanecia preso
iolante dizem em audiência que nenhuma delas quer ser parte no processo, e desistem
de toda a acusação, o nome de Jose Posidônio Ferreira Rebello figura ainda entre os presos da
cadeia de Mariana em 17 de março de 1785.
favorável, não do juiz de fora Ignácio José de Souza Rabello, mas do juiz Antonio
dos Santos Ferreira.
31
Idem.
32
Idem
120
contarmos a partir da acusação feita em 1788, vinte e sete páginas contendo
translado de partes do auto da querela inicial, sem dúvida fazem do auto contra Jose
Posidôni
O que efetivamente faz com que o processo contra Jose Posidônio se diferencie dos
demais é sem dúv
se avolumam no
Constança, poder
o que teria levado
Fundame
favorável ao réu
cuidava do proce
negadas. Podemos inferir que o Juiz de fora fosse talvez mais rigoroso em relação ao que
determinava
O juiz d
perda de sua honr
Mais de seis anos de processo de livramento, mais de sete anos de petições e
audiências se
o, o maior processo-crime contra estupro em volume documental e o de maior
duração, principalmente levando-se em consideração que esse tipo de processo geralmente
chegava ao fim quando o réu se dispunha a cumprir a lei e se casava com a vítima.
ida sua duração. Daí explica-se o número maior de petições e certidões que
processo. Se ao menos ele tivesse recusado em casar-se com Victoria
íamos justificar a ação da justiça. Mas ao contrário, casou-se com ela. Então
essa demora da justiça em reconhecer que o réu havia cumprido a lei?
ntal é o papel do juiz de fora Ignácio José de Souza Rabello, pois a sentença
acontece no momento que outro juiz avalia o caso. Enquanto o juiz de fora
sso, as petições e demais tentativas de soltura do réu Jose Posidônio foram
a lei: “E posto que o forçador depois do malefício feito case com a mulher
forçada e ainda que o casamento seja feito por vontade dela, não será relevado da dita pena,
mas morrerá, assim como se com ela não tivesse casado.”
33
Ou seja, mesmo casando o réu
ficava sujeito a uma pena.
No entanto, segundo o título XXIII do Livro V das Ordenações Filipinas, a pena ao
homem que dormisse com mulher virgem por sua vontade era casar-se com ela. Ou caso ela
não quisesse se casar com o ele, este seria condenado a pagar um dote para que a vítima
assegurasse outro casamento.
34
e fora pode ter entendido que Victoria Constança não havia consentido na
a, que o réu teria agido com violência o que poderia influenciar na formação
inas, Livro V, titulo XVIII. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
ral, 2000. CD-ROM.
33
Ordenações Filip
Brasília: Senado Fede
34
“Mandamos que o homem que dormir com mulher virgem por sua vontade case com ela, se ela quiser e se for
conveniente e de condição para com ela casar. E não casando ou não querendo ela se casar com ele, seja
condenado para casamento dela na quantia que for arbitrada pelo julgador, segundo sua qualidade, fazenda e
condição de seu pai.” Cf.: Ordenações Filipinas, Livro V, titulo XXIII. SENADO FEDERAL, 500 anos de
legislação Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
121
da culpa de Jose
Ordenações.
er parda forra, casada com
Feliciano Duarte da Fonseca, moradora no distrito de Pinheiro, 30 anos.
mesma e por algumas vezes conversando com a
do e juntamente
lhe disse dissesse ao mesmo que visse que se não casava com ela que ficava com o
rocesso em janeiro de 1778 sugerem que o estupro cometido por Jose Posidônio
tenha sido por sedução e não por violência.
Ainda sobressai a fala das testemunhas que o réu não teria se casado com a autora
iniciar a querela, em virtude da oposição de sua mãe, que preferiu vê-lo sentar
praça a
mãe tinham amizade com João Soares Guimarães queixoso de sorte que receando a
ixosa
ente
que o querelado queria casar com a queixosa e que a dissera desse acordo te que o
rogo de parentes foi sentar praça de soldado a muito menos de ano e que ao parecer
dele testemunha terá a queixosa de idade no tempo presente dezesseis para
dezessete anos e mais não disse (...) na moradia e vizinhança da queixosa e que
Posidônio, fazendo prevalecer o título XVIII ao título XXIII do Livro V das
Mas a fala das testemunhas sugere que o réu e autora tinham um relacionamento, ou
pelo menos certo envolvimento, o que tornava a via não violenta mais provável. É o que
percebemos através da fala de Joanna da Silva de Jesus, mulh
(...) disse que sabe por ver que os queixosos são moradores nas vizinhanças do
Pinheiro (...) em cuja casa viu ela testemunha por muito tempo assistindo nela
entrando e saindo pelo interior da
queixosa perto e claramente e sós (...) que depois do querelado se recolher na
mesma casa se entrou publicamente a dizer que o querelado tinha deflorado a
queixosa e que a tinha emprenhado e que por isso casava com ela (...) seus parentes
a persuadir que se não casasse com a queixosa e que depois do querelado se retirar
mandou a queixosa a ela testemunha levar um escrito ao querela
seu credito perdido pois se achava infamada com ele e que lhe fosse falar e dando
ela testemunha este recado lhe fosse falar e dando ela testemunha este recado e
escrito o mesmo lhe respondeu por escrito e lhe disse dissesse a queixosa que dai a
dois dias ia sem falta falar-lhe e ver como arremeava essas coisas (...)
35
A proximidade e a convivência dos envolvidos e próprio desejo manifesto de réu em
se casar com a autora mesmo antes do início da querela atestados pelas testemunhas
36
arroladas no p
antes de se
casar com Victoria Constança. É o que alega
Mathias Ferreira Pires, homem branco,
morador na Barra do Xopotó, freguesia de Guarapiranga, 24 anos:
(...) disse que sabe pelo ver que o querelado Jose Posidônio Ferreira Rebello e sua
mãe do mesmo querelado de que o prendessem para soldado o mandou para a casa
do mesmo queixoso onde esteve bastante tempo e é publico que a levou a que
nessa mesma ocasião de sua honra e virgindade de sorte que se dizia publicam
35
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 295, auto 5724.
36
Idem.
nunca ouviu dizer que a mesma tivesse a menor fama com pessoa alguma e que só
sabe foi infamada com o querelado.
37
122
Ao que parece o juiz de fora Ignácio José de Souza Rabello não levou em
consider
privadas, e o
venalidade dos funcionários.
Desconhecemos a motivação do juiz de fora Ignácio José de Souza Rabello ou se
existe ou
ão cumprindo o que determinava a lei.
O chama
levar a interpreta da
justiça.
decisões judiciais), a jurisprudência metropolitana e colonial, e os
costumes.”
41
Dos problemas conjugais à degradação das normas sociais, o adultério passa a ser
também razão de tensões entre o Estado e Igreja por ser um desses crimes de foro misto.
ação a fala das testemunhas, nem o assento do casamento do réu com a autora, nem
tão pouco a certidão de perdão concedida ao mesmo réu pelos ofendidos. Não seria o primeiro
juiz de fora a ultrapassar suas funções por no período colonial.
38
(...) havia um abismo entre o país formal, existente nas normas jurídicas públicas e
país real da Colônia, onde as leis eram frequentemente inaplicadas ou
mal aplicadas, por causa da força dos proprietários rurais e dos comerciantes, alem
da
39
tro condicionante para sua ação. A única coisa que podemos constatar em relação ao
caso é que o juiz exacerbou seu poder n
do “emaranhado de normas”
40
que compunha a legislação colonial poderia
ções equivocadas da norma, bem como na conduta dos funcionários
As autoridades colônias se orientavam por vários conjuntos de normas. “Além das
Ordenações, vigiam no Brasil colonial as normas do direito canônico, do direito romano
(subsidiariamente nas
Adultério:
Dada a influência do direito canônico, alguns dos crimes contra moral eram
considerados de foro misto (mixti fori), estando assim agrupados a crimes contra a ordem
religiosa, o que possibilitava serem julgados tanto por tribunais civis quanto eclesiásticos.
37
Idem
38
WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil colonial – O Tribunal da Relação do
Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 77.
39
WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2005, p.312.
40
Ibidem, p. 313.
41
Idem.
123
.
prejudicial à República e contra a
fé do matrimônio e, assim os que os cometem são dignos de exemplar castigo, maiormente
sendo cl
No entanto, em relação aos leigos, o código eclesiástico atenuava o crime de
adultério
ou em o
das admoestaçõe
mulheres que com
Em prim
concubinato e ad
reconhecia o adultério do
O adultério é compreendido e classificado de modo diferente pelos códigos legais, o
que interfere da ação dos tribunais em relação a esse delito
Os códigos de leis que vigoraram durante o período estudado observavam
disposições diferentes em relação ao adultério. As Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia consideram o adultério como crime “muito grave, e
érigos”.
42
No texto das Constituições sobre o adultério recai uma advertência maior
sobre os clérigos, o que também ocorre nos demais parágrafos que versam sobre os chamados
delitos da carne.
43
, atrelando-o ao concubinato.
(...) não se admitirá denunciação, ou accusação criminal em nosso juízo contra
pessoa leiga para effeito de ser castigada, por se dizer, que cometteo adultério, se
juntamente não houver infâmia e perseverança que induza amancebamento.
44
Dessa maneira, as acusações de adultério serviam aos leigos no caso de concubinato,
utros processos como agravantes. Figuravam como uma das principais alegações nos
pedidos de separação.
As Ordenações Filipinas por outro lado, determinavam punições muito diferentes
s e dos sete anos de penitência estabelecidos pela Igreja
45
para homens e
etessem adultério.
eiro lugar, não existia no texto das ordenações essa estreita relação entre
ultério como no código eclesiástico. Além disso, o código Filipino não
marido, punindo a esposa e seu amante. Era, portanto, um crime
42
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo
Senhor D. Sebastião Monteiro de Vide, senhor Arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho de Sua Majestade:
propostas e aceitas em Sínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de ju
Typografia de Antonio Louzada Antunes, 1853. Livro V. Titulo XIX, parágrafo 966
nho do ano 1707. São Paulo:
, p. 334.
43
Ibidem, Titulo XVII, parágrafo 933, p.331.
44
Ibidem, Titulo XIX, parágrafo 968, p. 335.
45
“Mandamos que o homem que dormir com mulher casada, e que em fama de casada estiver, morra por isso.
Porem, se o adúltero for de maior condição que o marido dela, assim como se tal adúltero fosse fidalgo e o
marido cavaleiro ou escudeiro, ou o adúltero cavaleiro ou escudeiro e o marido peão, não farão as Justiças nele
execução até no-lo fazerem saber verem sobre isso nosso mandado. E toda mulher que fizer adultério a seu
marido, morra por isso.”In: p 117
124
unilatera
direito português considerava essas uniões legítimas e amparava suas alegações em
relação à po
46
crime totalmente dependente da acusação do marido.
47
l e a pena para a mulher adúltera era a morte. O amante, conforme sua posição social
e o tipo de adultério, poderia ter pena semelhante ou não.
Outras diferenças significativas advêm do fato das ordenações reconhecerem, no que
se refere ao adultério, as uniões feitas à margem da Igreja, distinguindo o casamento de
direito, casamento de feito, casamento por pública fama.
Herdada do código visigótico, a prática do casamento sob a forma de um contrato
celebrado entre as famílias, não pode ser simplesmente extinta com tencionava o Concílio de
Trento. O
sse e divisão do patrimônio dessas famílias
.
Dessa maneira, em função da proibição das uniões que não obedecessem às normas
eclesiásticas, toda a estrutura da legislação sobre a divisão de bens patrimoniais deveria ser
alterada. No entanto, pela força da prática, ou pelos problemas que as mudanças acarretariam,
o casamento contratual continuou a ser aceito pela sociedade portuguesa, mesmo que as
perseguições a esse tipo de prática pela Igreja Católica tenham continuado.
A sobrevivência na legislação civil do casamento contratual, considerado a partir da
proibição tridentina como clandestino, pode ser observada na disposição das punições do
crime de adultério e principalmente nos parágrafos que se referem à divisão dos bens do casal.
(...) a lei era muito severa na proteção dos interesses político-familiares, o que era
característico de uma sociedade onde prevaleciam valores casticistas e
linhagísticos: o adultério era, em geral, punido com a morte, sendo o marido
ofendido autorizado a tirar desforço por suas próprias mãos (Ord.fil., V, 38).
Legislação extravagante da segunda metade do séc. XVIII (alv. 26.9.1769)
reforçara ainda o caráter “familiar” dos interesses protegidos, ao tornar a
perseguição do
A forma do processo, sua estrutura, enquanto documento oficial, obedecia às
determinações legais. Nele constavam o autor e o réu (ou réus), a denúncia, auto de querela ou
formação da culpa, o arrolamento das testemunhas e a sentença. Como em outros processos-
crime, em alguns dos processos de adultério, na petição inicial do réu aparecia o pedido de
Carta de Seguro Negativa, que quando concedida, vinha em seguida.
46
Ordenações Filipinas, Livro IV, titulo XLVI. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
47
HESPANHA, Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
p.339-340.
125
e querelante casado e recebido em face da Igreja”
48
com a dita Maria Cesilia, “haverá seis meses mais ou menos de tempo que fugira de casa
dele querelante por desta cidade e nela está
r a
argumentação da defesa do réu. No caso do dono de loja Joaquim Rodrigues Monteiro,
acusado num
avam as testemunhas da
acusação
mulheres casadas. Dentro da documentação pesquisada apenas quatro processos-crime de
adultério são movidos contra as esposas adúlteras, sendo que: um por se achar incompleto nos
Na abertura do auto reforçava-se a condição do casal, para caracterizar o crime e
acentuar a ofensa causada pela esposa ou pelo adúltero. É o que notamos num processo de
1748 movido por Jose da Costa Campos, pardo forro contra sua esposa Maria Cesilia parda
forra. Jose da Costa diz que “e sendo el
vivendo com escândalo grande como meretriz
dormindo-se com todo homem que apareça para torpes e ilícitos digo lascivos estando dias e
noites escondida em casa de homens solteiros com quem dorme assim nesta cidade como fora
dela.”
49
As testemunhas serviam para confirmar a acusação ou para corrobora
processo de adultério, uma das testemunhas de defesa, a costureira parda Neiva
Dias Nascimento, confirma a acusação. Interessante neste caso foi a estratégia do réu que ao
fazer uso de uma testemunha que confirmava seu envolvimento com Carolina de Jesus,
procura desmentir as testemunhas de acusação que diziam viver o autor (ou querelante) com
muita honra com sua mulher, “com muita honra sem que houvesse mancha”.
50
O réu, em
audiência após a fala da costureira Neiva Dias, afirma que é público e notório que a mulher do
autor não vivia tão honestamente com seu marido como afirm
, pois o autor tinha dúvidas quanto a possíveis envolvimentos de sua esposa Carolina
com outros homens. O réu chega até a citar nominalmente Miguel Antonio de Freitas e um
outro Eugenio de tal como amantes de Carolina, o que dava a ela uma má condição. Desse
modo, voltando as atenções para a vida irregular da esposa do autor, Joaquim Rodrigues
consegue dar fim ao processo e se eximir da acusação de adultério, sendo sentenciado apenas
a pagar as custas do processo.
51
Apesar do caráter misógino e unilateral das disposições contra o adultério contidas
no conjunto de normas civis da época - o código Filipino -, a maioria dos processos é movida
contra os adúlteros ou, segundo o texto da lei, contra os homens que dormem com as
48
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 202, auto 5039.
49
Idem.
50
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 202, auto 5044.
51
Idem.
126
etido ao Tribunal de
Correição do Rio de Janeiro. Não sabemos a conclusão do processo, por não termos a
sentença
Custodio Alves da Costa,
que havia acusado sua esposa de adultério no que
resultou
a esposa Pulquéria Maria,
pelo crime de adultério, e aos seus sogros Gabriel Antunes e Francisca Maria das Neves por
crime de alcoviti
apenas que pagar
Assim, m
segundo em que o
as esposas adúlte
mulher que fizer
vontade for com a
querelar ou acusa
Mas alé
crime de adultéri
Maria, podem ser reveladores de outra questão, o reconhecimento da justiça como espaço
impede uma análise mais aprofundada; uma foi absolvida em virtude do prolongado silêncio
do marido; nos outros dois as mulheres foram condenadas. Uma delas foi condenada apenas a
pagar as custas do processo em virtude da ausência do marido na última audiência, o que pode
ser entendido como sendo seu perdão
52
.
Pulquéria Maria, uma das condenadas, foi presa e apresentou uma ação de
livramento em virtude de seu estado. O traslado do processo é rem
do tribunal da Correição. No entanto, através de outro processo movido por seu
marido dez anos mais tarde, podemos inferir que mesmo que tenha sido condenada pela
justiça, foi perdoada por quem teria sido mais ofendido por crime, seu marido Custódio.
53
sua condenação, voltou ao juízo para oferecer denúncia contra o adúltero, o amante
dela, dez anos depois. No entanto, na audiência em que o Capitão José Pereira Pinto seria
pronunciado, Custódio ofereceu uma certidão de perdão ao réu, a su
ce
54
. Foi dada baixa na culpa de Pulquéria, e o Capitão José Pereira teve
as custas do processo que não levado adiante.
esmo sem o resultado do primeiro processo contra Pulquéria Maria, pelo
marido lhe concede perdão, podemos perceber através dos processos contra
ras que a prática em relação ao adultério, se diferia muito da lei: “E toda
adultério a seu marido, morra por isso. E se ela para fazer adultério por sua
lguém de casa de seu marido ou donde a seu marido tiver, se o marido dela
r, morra morte natural.”
55
m de apontar as diferenças entre a lei e seu uso cotidiano, em relação ao
o, os processos movidos por Custodio Alves contra sua esposa Pulquéria
52
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime.
53
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 208, autos 5207 e 5208 (este
auto se refere apenas a petição de uma carta de seguro requerida pela ré Pulquéria Maria); códice 229, auto:
5724.
54
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 295, auto 5724.
55
Ordenações Filipinas, Livro V, titulo XXV. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira. Brasília:
Senado Federal, 2000. CD-ROM.
127
legítimo
sua motivação, mas o
fato de que mesmo amparado pelas disposições das Ordenações Filipinas, que lhe garantiam
o direito de exercer a justiça junto a sua esposa em casos como esse, ele aciona a justiça, não
as em momentos distintos. Primeiro recorre à justiça para acusar a esposa
de adulté
ormiu com sua esposa. É o que podemos notar num
auto de querela de 1792
56
, movido por Cipriano da Costa Pinheiro.
da Igreja com
...) do que resultou fugir sua mulher da companhia [ ] dele queixoso
cometido outros adultérios com o mesmo Paulo a cuja cada [dia] em
ausência dele querelante para o dito fim na causa de três meses a esta perto assim
de maio próximo passado (...).
57
O autor Cipriano acusa sua esposa pela culpa de adultério simultaneamente com dois
homens: um que teria cometido o crime em data mais aproximada à abertura do processo e
outro com quem sua esposa lhe teria sido infiel em meses anteriores.
de solução ou mediação dos conflitos. Podemos inferir sobre motivos diversos que
poderiam ter levado Custodio a procurar a justiça: para tentar resgatar sua honra, para tornar
patente sua indignação, ou para punir a esposa. O mais importante não é
apenas uma vez, m
rio, depois recorre novamente para lhe oferecer perdão.
A relação que Custodio Alves estabelece com a justiça em 1820 quando abre o
primeiro processo, reforça a idéia de que, como afirmamos no capítulo anterior, o aumento da
ocorrência de processos a partir do final do século XVIII e inicio do século XIX revelaria, não
um crescimento do número de crimes, mas uma demanda maior pela justiça.
Na maioria das vezes, como notamos na análise dos processos, o marido prefere
acusar o adúltero, ou seja aquele que d
(...) Cipriano da Costa Pinheiro morador no Brumado freguesia do Sumidouro (...)
foi dito ai dito ministro que ele queria querelar denunciar as justiças de sua
Majestade (...) como efeito querelou e denunciou querelante ele ministro do crime
de adultério da sua mulher Marianna Felícia da Silva e de Paulo Fernandes Sales
homem pardo morador na dita Freguesia do Sumidouro e de José Fernandes Lopes
homem tão bem pardo pela mesma culpa de adultério com a dita sua mulher e
consistia a razão de sua queixa e denuncia que sendo casado a face
Marianna Felícia [ ] na forma que determina o sagrado concilio Tridentino fazendo
ambos vida marital vivendo juntos de umas portas adentro a dois anos no Arraial
do Brumado [ ] moradores sucedeu que hum Paulo Fernandes Sales assistente no
mesmo arraial (.....) introduziu com ele queixoso a titulo de amizade lhe cometeu
adultério com a dita sua mulher sendo apanhados visto no dia de ontem com ato
ilícito torpe (
tendo já
como também algumas [ ] na mesma ocasião da audiência viu [ ] o dito Paulo ter
como ela a própria [ ] dele queixoso vivendo assim na fama [ ] de concubinados
(...) como José Fernandes. Lopes com a qual foi [ ] surpreendida no meado do mês
56
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 192, auto 4813.
57
Idem
128
no acusa sua
mulher Marianna Felícia, não por crime de adultério, mas por injúria
59
.
Injúria e agressã
o comum, era classificada como um
delito privado, característica fundada no direito romano que fazia uma abordagem em relação
a esse de
ressões) deveriam seguir pela via criminal, mas a pena
pecuniária era destinada ao ofendido.
61
is, a coroa deixava subsistir o sistema de
indemnização privada, canalizando todos os seus esforços no sentido de evitar
ra o crime de injúria. O
termo aparece como agravante nos casos em que já existe alguma demanda entre as partes
(Ordena
Apesar disso, injúria é um termo muito abrangente, podendo caracterizar tanto as
agressões verbais quanto as físicas. Esta ambivalência do termo em relação a agressão infere a
Nesse processo, apesar de citar a esposa, os réus são seus supostos amantes
58
. Em
outro processo, sobre o qual fiz referência no final do capitulo anterior, Cipria
o
A punição ao crime de injúria assegurava diretamente a proteção à honra, ou aos
valores pessoais não patrimoniais.
60
A injúria, no direit
lito principalmente sob o ponto de vista dos interesses individuais, compensáveis por
indenização. Dessa forma, influenciado pelo direito romano, o direito comum em relação à
injúria preferia uma ação penal à criminal. Em Portugal, segundo Hespanha, dominava a idéia
de que as injúrias não verbais (ag
As Ordenações portuguesas não se ocupam ex professo das injúrias (não
corporais), recebendo, por isso, de forma implícita, o sistema do direito comum. A
imagem da honra aí contida projecta-se, então, sobre o direito português e, por
intermédio deste, sobre a própria sociedade. O mesmo se passa com o regime
privatista da punição. Longe de se comprometer na vingança da honra de cada um,
estabelecendo punições públicas, crimina
meios violentos de reparação, como o duelo ou a vingança privada.
62
Nas Ordenações Filipinas não consta portanto, a pena pa
ções Filipinas, Livro V, titulo XLII), ou associado à agressão (Ordenações Filipinas,
Livro V, titulo XXXV).
58
Idem
59
Idem.
60
HESPANHA Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
p.349.
61
Idem.
62
Ibidem, p.350.
129
ontestação do réu, o juiz prolatava a sentença.
A maioria dos processos de injúria consultados diz respeito a ofensas verbais, apesar
do termo
dela, afirmando que ela havia se
deitado com o irmão de seu noivo.
nsultou-a publicamente chamando-a de “puta e feiticeira”.
67
Mesmo tipo
de insulto sofrido por Francisco Xavier do Rosário, em 1761, que foi chamado de “cornudo
e sua mu
4
69
, um novo vigário mudou-se para o arraial do Inficionado, termo de
Mariana, e foram espalhados cartazes com escritos difamatórios
70
.
existência de dois tipos penais de injuria: um referente as ofensas verbais e outro, que deveria
ser tratado como maior rigor como sugere Wehling
63
, relativo a violência física.
As injúrias mereciam especial atenção da legislação, prevendo-se a ação do juiz
para prevenir e reprimir o que se revelava como um aparentemente alto teor de
violência da sociedade. Tanto os juizes ordinários como togados deveriam
conhecer desse tipo penal de injuria e despachá-los com brevidade, “não fazendo
longos processos”, sem permitir vistas às partes e sem divulgar a identidade das
testemunhas. Após a c
64
injúrias verbais só constar em um processo.
65
Casos como o da Dona Ana Maria de Santa Rosa
66
, viúva, que em 1776, foi vítima
da difamação de um de seus vizinhos. Estando a senhora viúva de casamento marcado,
começou José Francisco de Souza, seu vizinho a dizer mal
Da mesma forma o processo movido, em 1774 por Catarina Gonçalves Miranda, que
após ter negociado “umas casas de morada”, com o alferes Felix da Silva, ao invés deste lhe
pagar o que devia, i
lher de “puta”, por Maria da Silva Salgado.
68
Em 178
Ao que parece, uma vez que não tivemos acesso a esse processo, julgamos que tenha
sido uma devassa, porque o suposto réu Gerônimo Gomes da Silva foi indicado por
63
WEHLING, Ar
Rio de Janeiro (
no & WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil colonial – O Tribunal da Relação do
1751-1808), p.73.
64
Idem.
65
Arquivo
66
Arquivo
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 231, auto 5752.
69
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 214, auto: 5332
70
A confecção de cartas ou escritos difamatórios, assim como sua distribuição, eram considerados crimes com
penalidades previstas no título LXXXIV, do Livro V das Ordenações Filipinas:“E o que fez escrito ou carta, ou
trovas de maldizer, mandamos que haja maior pena da que merecia se publicamente e em presença daquele que
doesta, ou difama o dissesse, havendo-se respeito à qualidade das palavras e difamação e das pessoas contra
quem tais escritos ou trovas são feitas, o que queremos que seja gravemente castigado.” In: Ordenações
Filipinas, Livro V, titulo LXXXIV. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira. Brasília: Senado
Federal, 2000. CD-ROM.
Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 222, auto 5535.
Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 229, auto 5722.
67
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 229, auto 5717.
68
130
ltos conta a esposa de
Jacinto Coelho da Fonseca, certo de ter sido ela que o teria prejudicado. Teria dito:
“cachor
júria atroz
72
percebemos que as queixas
ou acusações vão muito além da simples ofensa verbal. Ameaças de agressão, agressões e
ferimentos, adultério, são os crim
sa forma, ligada a honra, a noção de injúria cresce e assume um papel
diferenciado em relação à motivação dos autores dos processos e as argumentações
organizadas tanto
exemplos a segui
Em pelo
Numa perspectiv tério não deixa de
ser uma
sé Peixoto
Guimarães
73
contra José Vieira Cardoso acusado de cometer a aleivosia mais atroz, e “traição
mais de
Custodio Alves
75
, antes de acusar sua mulher, Pulquéria, pelo adultério com o
Capitão José Pereira Pinto, talvez procurando preservar a honra de sua família, a dele e até da
testemunhas. Na audiência em que seria pronunciado, no caso da difamação do vigário do
arraial do Inficionado, Gerônimo Gomes proferiu uma série de insu
ra, puta, de sorte que havia de lhe ensinar...”.
71
Mas só conseguimos essas
informações parciais em relação ao ocorrido com o vigário, porque Jacinto em virtude das
ofensas contra sua esposa, que não tem o nome citado, resolve processar Gerônimo, suposto
réu no caso dos cartazes, por injúria.
Numa analise mais detida dos processos de in
es encobertos sob a designação geral de injúria. Mesmo
quando não aparecem sob a qualificação de injúria, esses tipos de crimes, podem dialogar
com uma noção geral de ofensa, assumindo outra dimensão.
Des
na defesa como na acusação de determinados crimes, como veremos nos
r..
menos quatro processos de injúria o que temos são crimes de adultério.
a em que a influência do direito romano prevalece, o adul
ofensa.
No capitulo 2 nos referimos ao processo de injúria movido por Jo
testável solicitando e desencaminhando a mulher do autor para a falsidade mais
abominável, de faltar às invioláveis Leis do Matrimonio adulterando com ela no próprio leito
conjugal”.
74
71
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 214, auto: 5332.
72
A qualificação de atroz para o crime de injúria denota ser a ofensa intolerável. Cf.: BLUTEAU, D. Rafael.
Vocabulário português e latino. Lisboa: Oficina Pascoal da Sylva, 1790.
73
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 188, auto 4716.
74
Idem.
75
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Ofício – Crime: códice 188, auto 4698.
131
própria e
Cipriano da Costa Pinheiro após acusar dois dos supostos
amantes de sua esposa Marianna Felícia da Silva de adultério, retorna a justiça para acusá-la
por injúria.
77
Tr
amantes recaiu a
o marido mais de
para o marido ten
O fato d
caracterização de
de modo geral, com exceção do homicídio, provêm dos textos romanos sobre injúria. As
agressõe
O corpo durante todo o período do direito comum, foi considerado como apêndice
r outro lado, à mesma ofensa
a dignitate personae inferentis
injuriam et eam recipientis, como no regime geral das injúrias.
80
A atroci
ferida; o lugar em
A gravidade físic
Assim uma bofetada, que não chega a ser uma séria agressão, observando os
preceitos
a
sposa, procurou a justiça e denunciou o capitão por crime de injúria. Na formação da
culpa, o réu é acusado pela injúria atroz de seduzir a esposa do autor.
Em outro caso já citado,
76
atava-se do mesmo crime, os envolvidos eram os mesmos, mas sobre os
acusação de adultério, e quanto a esposa ela foi acusada pela injúria de trair
uma vez. Essa injúria atroz cometida por Marianna Felícia teria sido motivo
tar a separação dos bens do casal.
78
e se observar o direito romano em relação ao crime de injúria, torna a
sse crime tarefa complicada. Os escritos relativos aos crimes contra pessoa,
s físicas eram tratadas, desse modo, no direito romano, ou comum, como uma espécie
de injúria.
79
ou suporte da honra. Por isso, as ofensas infligidas ao corpo eram apenas encaradas
¬ salvo nos casos extremos ¬ como atentados à consideração social devida. Daí
que, por um lado, as conseqüências físicas das feridas não fossem, em principio,
consideradas para fixação da indenização, como, po
podiam corresponder punições diferentes, considerat
dade da ferida era determinada conforme: a intenção do agressor; o local da
que acontecia o crime; o horário; a arma utilizada, a qualidade do ofendido.
a do ferimento não era relevante para o estabelecimento da pena.
do direito comum, era punida conforme a condição de quem fosse ofendido. Da
mesma forma, era também punido duramente qualquer tipo de deform ção do rosto.
76
São, portanto, dois processos: Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice
215, auto 5355; códice 192, auto 4813.
77
Na verdade esse processo-crime está catalogado como sendo um processo de divórcio, e é o único classificado
dessa maneira. Mas toda a argumentação do autor Cipriano da Costa Pinheiro, se faz em torno da injúria atroz
que lhe fez sua esposa. Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 215, auto
5355.
78
Idem
79
HESPANHA Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
p. 351.
80
Idem.
132
, se materializa no parágrafo sétimo do XXXV artigo, que pune o ato de dar
cutiladas no rosto.
Segundo o libelo, o comerciante João Rodrigues morador na cidade de Mariana, no
dia 29 de janeiro
não são identifica
rário, e ainda hoje,
ignora a causa, e motivo, por que o réu cruelmente o atacou, feriu, e o quis matar.
aram que a rixa entre João Rodrigues e o
pedreiro Manoel Antonio surgiu “por causa de umas moças”.
85
As testemunhas não
esclarece
Segundo Hespanha, a preocupação com atos que pudesse desfigurar o rosto se devia
a uma noção de que a face “refletia a formosura da Deus”
81
. Nas Ordenações Filipinas essa
preocupação
E quem mandar dar cutilada pelo rosto com efeito a outra pessoa ou lhe der,
contando sua intenção e propósito não ser outro senão de lhe dar a dita ferida pelo
rosto, será degredado para o Brasil para sempre e perderá sua fazenda para a Coroa
do Reino, e se for peão, ser-lhe-á mais decepada uma mão. E estas mesmas penas
haverão os que para isso forem em sua companhia. Porem não lhes será cortada a
mão e, em lugar disso, serão publicamente açoitados, se forem pessoas em que
caiba pena de açoites.
E alem das ditas penas será julgado ao ferido a injúria segundo qualidade de sua
pessoa, contando que não seja menos de dez mil réis, por muito baixa que seja o
ferido.
82
Na documentação consultada notamos a interferência dessa tradição do direito
romano, presente nesse artigo das Ordenações, através da análise de um libelo crime
acusatório apresentado à justiça, em 1793, por João Rodrigues Pereira.
83
de 1789 foi atacado por Manoel Antonio de Barros e outros dois homens que
dos no processo, sem nenhum motivo aparente.
Porque o autor sempre foi bem procedido, quieto, e pacifico, isento de desordens,
temente a Deus, boa verdade, consciência, sem nota em cont
O réu porem, é conhecidamente mau, tribulento, prezado de valentão, soberbo, e
arrogante; e sendo oficial de pedreiro, sempre andou correndo terras, e conhecido,
e reputado por orgulhoso, e mau homem, inclinado para o mal, e sem jamais nunca,
ter nada seu; (...)
84
Duas das testemunhas, no entanto, afirm
m o que teria acontecido, mas afirmavam que esse teria sido o motivo para Manoel e
seus comparsas terem organizado a embosca contra João Rodrigues.
81
Idem.
82
Ordenações Filipinas, Livro V, titulo XXXV. SENADO FEDERAL, 500 anos de legislação Brasileira.
Brasília: Senado Federal, 2000. CD-ROM.
83
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana: 2º Oficio – Crime: códice 199, auto 4990.
84
.Idem.
85
Idem. Fala das duas primeiras testemunhas.
133
ão Rodrigues, e estavam à espreita dele procurando apenas uma ocasião oportuna
para tanto.
Os agressores armados com catanas e facas, segundo a acusação, tinham a intenção
de matar Jo
Porque arrancando o réu., e seus companheiros, as catanas espadas, e facas, com as
d
itas armas, lhe deram várias cutiladas, e fizerão feridas penetrantes com couro, e
carne cortada, ficando quase morto, e desacordado, a saber, três na cabeça, cada
uma, da largura de dois dedos... Porque não satisfeito o réu., com semelhante
procedimento, ele, e os mais companheiros, pegando e agarrando á mão, no autor
lhe fizeram outras feridas no nariz, assim como cortarão, e lascaram também o
beiço superior separando-lhe parte do músculo; cujo estrago, tinha de largura, três
dedos; e da mesma sorte lhe cortaram e lascaram o beiço inferior (...) sendo tão
grande a crueldade do réu., com os seus companheiros, que até lhe cortaram a
ia perdido ou deixado de ganhar doze mil cruzados, “e
ainda ho
88
nado, não só nas
quantias, que gastou o autor no seu curativo, perdeu, e deixou de ganhar, já
espera ver julgado, com
89
própria língua, separando-lhe a ponta da mesma, (...), e ultimamente lhe fizeram
estrago no braço esquerdo com uma ferida verificando-se serem semelhantes
ferimentos, feitos todos com instrumentos cortantes...
86
Por causa desses ferimentos João Rodrigues esteve de cama, muito mal, “e em perigo
de vida, o tempo de quatro meses”.
87
Além disso, segundo a acusação, por estar afastado de
suas atividades como comerciante, ter
je se vê, descomposto, espancado, ferido, defeituoso no nariz, beiços e boca”.
Porque nestes (...), e conforme aos de direito, deva o réu ser conde
articuladas, mas também na sobredita, de emenda, e satisfação, em que estima o
autor, a sua ofensa, e injuria, salva a judicial taxa, e em conseqüência, em todas as
mais penas cíveis, e crimes, em q. se acha incurso, ainda para satisfação da Justiça,
emenda própria, exemplo de outros, como se requer, e
todas as mais pronunciações necessárias, jurídicas, e legais...
Após a apresentação desse libelo, seguiram-se os procedimentos normais, inquirição
das testemunhas de acusação, e sentença do juiz. Como o réu não se pronunciou, uma vez que
teria se ausentado de Mariana, sem deixar “noticia alguma nem paragem certa onde
estivesse”
90
, o processo prosseguiu a sua revelia.
O réu Manoel Antonio de Barros foi condenado em todas as penas cíveis e criminais.
O fato dos ferimentos feitos pelo réu em João Rodrigues terem ocorrido à noite, agravaram
seu delito. Mas determinante mesmo para o estabelecimento da pena foi a mutilação do rosto
86
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana: 2º Oficio – Crime: códice 199, auto 4990.
87
Idem
88
Idem
89
Idem
90
Idem
da vítima, como podemos perceber na argumentação da sentença do Juiz Manoel da Silva
Araújo.
91
134
ista á Ordenação. Do Livro 1
o
folha 65, e ainda folha 58, como respectivos do Livro 5
o
., bem examinado o citado
A injúria, e ofensa feita pelo réu ao autor, é atrocíssima, não só pode ser além dos
mais feridas feitas no corpo do autor na sua própria cara, e face, nariz, boca, beiços,
e língua, delitos excetuados, e muito recomendados pelas leis do Reino, mas
também por serem perpetrados de noite, de caso pensado, e rixas velhas, seguindo-
se de lhes aleijão, e deformidade na cara, e rosto, que nunca jamais deixa de ter
lugar a Justiça, ainda, que o queixoso perdoe, bem v
Ferrei
ra, relativamente, na sua pratica criminosa; no Epílogo Jurídico, dos casos
crimes, (...) Verbete. Injuria, e outros muitos vulgares, sem precisão de recorrermos
à D.D. Estrangeiros.
92
Por fim, o réu é sentenciado, e sua pena é uma das maiores em relação aos crimes
desse tipo: “concluindo todos os determ
, e por conseguinte,
homem publico, e do (...) comércio.”
o a uma injúria atroz, sendo réu punido severamente.
No entanto, da mesma forma que encontramos processos como o anteriormente
citado, q
Interessa
por denúncia das
promotor que te
inantes, deve o réu ser degredado para Angola, depois
de (...) soltado com baraço, e pregão, e nas mais estabelecidas, por ser de inferior qualidade, e
como é oficial. de pedreiro, entendido ser o autor negociante público
93
Os ferimentos infligidos a João Rodrigues por Manoel Antonio de Barros, foram
tratados pela justiça com
Os critérios de valorização das ofensas – e, portanto, dos valores corporais
atingidos – não se relacionam com uma concepção fisiológico-funcional do corpo,
mas antes com várias hierarquias simbólicas sobrepostas, umas provindas dos usos
culturais do corpo, outras de antigas tradições textuais.
94
ue revelam a observância das tradições romanas do direito comum na legislação
portuguesa e nos usos cotidianos da justiça, em outros processos de ferimentos nem mesmo se
observam a lei, ou quando observada são mal interpretadas.
nte notar que os processos-crime por ferimentos e agressões físicas abertos
vítimas ou pela justiça, ou nos termos da documentação pela justiça por seu
ndiam a enfatizar na sua condução a injúria como fator determinante
91
Na metade do processo aparece uma referencia a outro Juiz: Antonio dos Santos Ferreira, que pode ter
substituído o Juiz Manoel da Silva Araújo em algumas audiências para inquirição da testemunhas, ou apenas o
teria auxiliado durante o processo.
92
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 199, auto 4990. Sentença
93
Idem.
94
HESPANHA, Antonio Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
p. 352.
135
acabavam
Em cont
condição como
inexistência do u
e em grande parte
o
sucede as inquirições feitas por uma devassa.
ude dos ferimentos feitos em Gabriel
Gomes Pereira.
97
Gabriel,
ferimentos chego
de Guarapiranga,
Notamos
dos ferimentos, q
não poderia ter pa
e horas foi a mesma feita (...).
por resultar num número maior de condenações dos réus, principalmente quando os
agredidos são de condição superior a dos agressores.
rapartida, quando esses o processo de agressões envolve pessoas de baixa
forros, prostitutas, vadios etc., figurando como vítimas, notamos a
so da argumentação no sentido do uso da noção injúria ou mesmo de ofensa
dos casos prevalece a absolvição do agressor.
Desse modo, a honra, o valor, enfim a condição da vítima ou do réu pode ser
determinante para o estabelecimento da sentença. Podemos notar essas questões através da
análise dos processos que se seguem, alguns envolvendo ex-escravos.
A justiça figura como autora no processo aberto contra Manoel Euzébio da Silva
95
.
Esse procedimento estava previsto nas Ordenações Filipinas nos casos em que o process
O processo contra Manoel Euzébio, homem pardo forro,
96
resultou de uma devassa
feita pelo juiz Ovídio Saraiva de Carvalho em virt
a vítima, não procurou a justiça, mas de alguma forma a notícia de seus
u até o juiz de fora, que estava no distrito de São José do Xopotó, freguesia
termo de Mariana, onde ocorreu a agressão, em 1815.
pela forma como a primeira testemunha chamada a depor expõe a extensão
ue o ocorrido com Gabriel Gomes, agredido com golpes de foice na cabeça,
ssado desapercebido pela população de seu distrito.
(...) disse que sabe pelo ver que indo Gabriel Gomes Pereira curar se de uma
grande cutilada que tinha na cabeça então viu que a mesma tinha sido feita com
ferro cortante por estar a mesma com couro e carne cortando ate o casco da qual
botou grande infusão de sangue porém que ignora qu
98
95
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2
96
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – C
º Oficio – Crime: códice 190, auto 4749.
rime: códice 190, auto 4749.
97
Não há menção a condição e a cor de Gabriel Gomes Pereira, a omissão do dado pode ser um indicativo de
que ele, a vítima, era branco. Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 190,
auto 4749.
98
Idem, traslado da inquirição das testemunhas no auto de devassa pelos ferimentos feitos a Gabriel Gomes
Pereira.
136
No auto
abertura do proce
omem
onado réu com uma
faca de ponta como constava do auto que me apresentava (...).
99
senho da tal faca, e uma certidão de
enfermid
101
o Livro dos
criminosos. Preso
Na form
existência de doi
fica demonstrado
Diz Gabriel Gomes Pereira, morador na Capela da Senhora das Dores, casado,
os, da honra, até chegar a ponto de ajustar a João Pereira para este tirar a
suplicante, estando este suplicado com auto feito da Justiça por armas
curtas e por ter dado uma foiçada na cabeça do suplicante que quase o ia matando,
Pelo que foi exposto acima, o réu Manoel Euzébio buscava seduzir a mulher da
vítima,
sumário da devassa, espécie de resultado preliminar, que oferece base para a
sso, Manoel Euzébio é acusado pelo crime.
(...) me foi dito que chegando lhe a noticia de ter sido Manoel Euzébio h
pardo forro quem ferira o delito de ferimentos em Gabriel Gomes Pereira de que
neste mesmo dia esta procedendo a devassa e que igualmente semelhante delito
fora cometido por andar de amizade ilícita o dito Manoel Euzébio com a mulher
daquele ofendido e que o dito réu tem insultado outras mulheres o mandara prender
em um dia de ontem em cujo ato de prisão fora achado o menci
Constam ainda do processo além do traslado do auto sumário, o auto de achada de
“uma faca de ponta de cabo de prata”
100
, com o de
ade do réu, alegando “dores nas juntas”
, na tentativa de se eximir da acusação.
Ao ser pronunciado como réu, Manoel Euzébio tem seu nome escrito n
, entrou com o pedido de carta de seguro negativa, que lhe foi concedida.
ação da culpa do réu, além do ato criminoso em si, podemos destacar a
s agravantes: a motivação para o crime e a intenção de matar a vítima. Isso
ao fim do auto sumário da devassa.
vivendo com sua mulher na forma do direito que lhe é prometido, e querendo
perturbar esta mesma união Manoel Euzébio da Silva morador em São José do
Xopotó, Termo de Mariana, solicitando a mulher do suplicante para os fins mais
execrand
vida ao
motivos estes expostos a Vossa Excelência pedindo o suplicante que seja esta
remetida ao Juiz de Mariana uma vez que se acha aquele suplicado dentro do seu
termo para aquele Ministro examinando o requerido dê as providencias necessárias
de se passar mandado de prisão e tornando conhecimento do Expendido e
Resultado fazendo a Justiça a qual se é prometida na forma da Lei.
102
e a inquirição das testemunhas da devassa indicava ainda que para alcançar seu
objetivo, o réu havia ajustado alguém para matar Gabriel Gomes.
Assim, além de agredi-lo fisicamente, o forro Manoel procurava atingir Gabriel
Gomes em sua honra, desejando sua mulher.
99
Idem, traslado do auto sumário da devassa.
100
Idem, Auto de achada.
101
Idem, Certidão de enfermidade do réu.
102
Idem, traslado do auto sumário da devassa.
137
elhante amizade e andava já com relhos do mesmo
a 1 do mês de maio do ano passado de 1815 as cinco horas da
tarde pouco mais ou menos encontrar o dito Gabriel ao Réu no terreiro daquele e
Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, acrescenta ao episódio dos
ferimentos feitos em Gabriel Gomes, dentro do seu próprio terreiro, o fato de que Manoel
Euzébio da Silva
Em outr
ofensa em relação
Em 1814
acusa Francisco D
morador em Miguel Rodrigues, freguesia
de Sumidouro deste Termo (...) vindo o suplicante da fazenda do capitão João
unha do suposto crime. Portanto, não deveria ser
obrigado a obter seguro.
dade; termos, em que não podia ser o
agravante obrigado a livrar-se, como seguro...
106
ebemos uma a tentativa do réu em desqualificar o
autor, afirmando ser Domingos Rodrigues “pessoa de ínfima qualidade
107
.
As testemunhas de acusação confirmam o que foi exposto pela petição de Domingos,
salientando o caráter agressivo do réu. Uma delas afirma “que sabe pelo ver que o réu
Por que o réu tratando ilicitamente com amizade com a mulher de Gabriel Gomes
Pereira que proibia sem
acontecera no di 2
então o Réu lhe deu uma foiçada na cabeça com a qual lhe fez o ferimento.
103
O juiz de fora
“tinha insultado outras mulheres e o mandou prender”.
104
o processo de ferimento em que um ex-escravo é a vítima, a condição de
ao crime não conseguiu prevalecer.
Domingos Rodrigues, crioulo pardo, morador na freguesia do Sumidouro,
ias da Costa por ferimentos, como consta da seguinte petição:
Diz Domingos Rodrigues crioulo forro,
Lourenço, e chegando ao Arraial daquele território, e querendo passar de uma casa
para outra por um antigo atalho, o suplicado tratou de impedir ao suplicante, e
então com uma vara de pau, que tinha nas mãos foi batendo no mesmo suplicante
ate o ponto de o deitar por terra, arrastando-o e assim lhe fez o ferimento, e
contusões, constante no auto junto, e certamente o mataria, se lhe não acudissem,
...
105
No momento do réu apresentar a carta de seguro, ele se pronuncia tentando persuadir
o juiz de que não havia nenhuma testem
(...) porque persuade-se o agravante, que das testemunhas, produzidas na querela
não haveria uma só, que presenciasse ter o agravante ofendido, nem espancado ao
queixoso Domingos Rodrigues, pois a este nunca ofendeu de forma alguma; e caso
haja alguma prova a este respeito, só poderia ser de ouvido espalhada pelo mesmo
queixoso, que é pessoa de ínfima quali
Através desse pronunciamento perc
103
Idem.
104
Idem.
105
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 220, auto 5491.
106
Idem.
107
Idem
138
costuma
Outra testemunha de acusação descreve o ocorrido, dizendo que pelo ver tem dele
perfeito conhecim
azia, e então este largando ao querelante, ordenou ao seu
com ele seguro pelo braço ate aquele seu
escravo Caetano pega-lo, e levá-lo...
109
e que em virtude das pancadas teria deixado de ganhar pelo
trabalho
mesmo Autor que o capitão lhe dissera que no dia seguinte havia
, indo a passar por aquele atalho, que é hum campo, por onde
todos passavam, sucedeu a desordem...
113
ameaçar de palavras a fazer castigos, e é tirador de bulhas, isto é acostumado a
fazer bulhas e a bater boca....”.
108
ento.
(...) por ir de pé, e sem cavalo, ao querelante o chamou de cachorro, e com uma
vara grossa, que tinha na mão lhe deu pancadas, e pondo-o em terra, montou como
a cavalo no querelante, e chegando nessa ocasião o licenciado Joaquim Ignácio,
disse ao querelado, o que f
escravo Caetano, que o levasse para sua casa, e depois lhe disse Manoel Fernandes
Sales que por ele, e por João da Silva mandara o querelado ao querelante ao
comandante, que o metera no tronco, porem que a horas de ceia lhe dera de comer,
e o mandara embora; e pelo ver, sabe que o querelante saio ferido em hum braço, e
não sabe, se foi de andar pelo chão, que se ferira em algum toco de pau; e pelo ver,
sabe que o querelado é perturbador do povo e arenguista, e anda sempre a dizer que
há de amansar ao Povo, e quando estava em cima do querelante, segurando-o pelo
cachaço, lhe dava murros e esteve
Atestam ainda que em razão dos ferimentos e pancadas, Domingos “teria posto
sangue pela boca”
110
enquanto dormia; que teriam visto o autor se queixar por algum tempo
das “pisaduras das costas”
111
;
de foice, machado e enxada em que se emprega; e que gastara com remédios.
112
Além disso, segundo as testemunhas, o autor quando aconteceu o desentendimento
com o réu estava cumprindo ordens:
(...) disse que no dia daquele sucesso passando por sua casa o Autor, lhe disse que
como soldado da esquadra do mato, que é alem de ser trabalhador, como dito tem,
ia à casa do capitão comandante João Lourenço dar-lhe obediência... e quando
voltou, lhe disse o
levar uma carta e
Salientavam ainda que o autor era “manso, pacífico, temente a Deus, e ás leis, e
muito obediente aos seus superiores...”.
114
108
Idem
109
Idem
110
Idem
111
Idem
112
Idem
113
Idem
114
Idem
139
ala de uma delas o fato de Domingos
Rodrigues, estar portando uma espingarda, com a qual, inclusive, teria ameaçado o réu.
ela de Miguel Rodrigues,
e depois passou a cercá-la, como é costume...”.
116
entado saltar a cerca que o réu
tinha feito “quando ali não era estrada, nem campo aquele lugar, e sim terras de roças do
dito capitão João
As teste
que as testemunh
colocado p
costas, ao mesmo tempo lançou a varinha para uma banda, e se avançou ao autor a braço
para tirar-lhe a e
Mas com
confirma que o a
duas horas. Afir
apresentava nenh
Domingos Rodrigues não tinha ferimento algum, tratou João Lourenço de mandá-lo no dia
As testemunhas de defesa por outro lado, apresentam uma versão completamente
diference do ocorrido. Em primeiro lugar sobressai da f
(...) disse que vindo o autor da casa do comandante com uma espingarda ao ombro,
presenciou que querendo passar por um atalho... e vindo de dentro o réu com sua
mulher, disse ao autor, que não queria que ele por ali passasse... (...) tendo o autor
uma espingarda dizia que ali era por onde ele passava, e querendo passar, e
embocando a espingarda ao réu, este lha tomará, e que não lhe dera pancada
alguma...
115
As testemunhas de defesa afirmam que o dito atalho pelo qual queria passar
Domingos, era na verdade um roçado de Francisco Dias. Ele teria conseguido aquele terreno
por poder” de seu cunhado o capitão João Lourenço, o mesmo a quem devia obediência o
autor. Dias então, “fez roçar certa porção de terra por detrás da cap
Depois de estabelecida e cercada a roça, o autor teria t
Lourenço...”.
117
munhas de defesa procuravam, através de suas falas, esvaziar o sentido do
as de acusação haviam afirmado. De maneira pontual rebatiam o que foi
ela acusação. Uma das testemunhas de acusação afirmava que o réu teria
espancado o autor com uma vara grossa; a de defesa assegurava que o réu tinha apenas uma
varinha, e que nem teria ferido o autor, “porque quando deu o empurrão neste, que caiu de
spingarda...”.
118
certeza a fala mais interessante é a de uma testemunha de defesa. Ela
utor foi posto no tronco pelo capitão João Lourenço por aproximadamente
ma ainda que quando o autor foi conduzido para casa do capitão não
um ferimento, nem tão pouco sangue derramado, de tal forma que vendo que
115
Idem
116
Idem
117
Idem
118
Idem
140
seguinte
(...) mas logo no dia santo seguinte indo o padre Manoel Gonçalves Carneiro dizer
unha dizendo que sabia que o Domingos não teve ferimento
nenhum
E por fim afirma o cirurgião que, ao contrário do que asseguraram as testemunhas de
acusação
ubava o que podia para sustentar ao autor.
121
Depois de ouvidas todas as testemunhas, e de ter ponderado a respeito da qualidade
dos depoimentos e das próprias testem
se persuade o mesmo réu pois sendo
has nas causas crimes sejam idôneas,
maiores de toda a exceção, Gomes, (...). capitulo décimo segundo, numero nono; o
levar uma carta ao comandante do Pinheiro. Por fim essa testemunha afirma que o
autor Domingos Rodrigues teria forjado os ferimentos.
Missa na Capela de Miguel Rodrigues em dia santo, ou domingo, disse o Padre que
se havia untado o autor com sangue de galinha para se fazer o auto de corpo delito;
e correu depois de voz publica que fora o capitão Manoel Mendes, quem ensinara
ao Autor para tal prática, e pelo ver sabe que o dito Mendes é inimigo declarado ao
réu, e ao vintena Manoel Felisberto ouviu dizer que pela v]z, que se espalhara de
estar ferido ... E disse que (...) o autor foi quem fizera em si mesmo na mão a
cesura para se fazer o corpo de delito...
119
Prossegue a testem
porque sendo o único cirurgião do lugar, teria sido chamado pra socorrer o autor.
Além disso, afirmou que pelo tombo que Domingos afirma ter sofrido não poderia “deitar
sangue pela boca, pois que pelo tropeço do pé caiu de costas...”.
120
, o autor não era “manso, pacífico, temente a Deus...”
(...) disse que sabe pelo ver que o autor não é trabalhador, como se inculca, antes
sim um grande vadio, dado a bebidas de cachaça, e anda roto, poucas vezes vai à
missa em dias de preceito, e consta que ainda se não desobrigou da quaresma deste
ano, e era constante que tinha amizade ilícita com uma escrava do réu e viu ele
testemunha que quando o réu saia de casa, ele lhe rondava a casa , fazendo-se
público que a escrava ro
unhas, o juiz Doutor Ovídio Saraiva de Carvalho e
Silva argumentou da seguinte forma a absolvição do réu.
(...) que o autor intentou contra o réu, e consta do Libelo folha quinze, não estará
provada (...) a legalidade necessária, como
disposição certa em Direito que as testemun
contrario se vê das que produziu o autor, e se acham contraditadas...pois mostra-se
que umas são parentas do autor, e por isso suspeitosos os seus juramentos... outras
inimigas do réu, e ainda que seja preciso uma inimizade capital para repelir a
testemunha nas causas cíveis, o contrario procede nas criminais, bastando qualquer
inimizade...
122
119
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 220, auto 5491.
120
Idem.
121
Idem.
122
Idem
141
Mesmo
com o agravante dos ferimentos terem sido feitos à noite, e como as falas das testemunhas de
acusação
ndição do réu em relação ao autor tenha determinado o desfecho desses
processos. No entanto, o que difere um do outro é basicamente a motivação do segundo
processo
ão da honra e uso da violência, o ciúme era causador de
ários conflitos, insultos, ferimentos e mortes. Na devassa feita pela morte da parda forra
Maria Joaquina, o auto de corpo de delito demonstra uma conotação sexual para o crime:
que (...) mostravam ser de pancadas e nas
partes pudendas se achavam duas feridas, um
retornar p
e de agressões, apresentando homens
como réus e m
No processo aberto por Francisco Dias da Costa, a sentença por fim favoreceu o réu,
já que no entendimento do Juiz, o ex-escravo Domingos Rodrigues, bem como as
testemunhas de acusação que apresentou, não conseguiram provar o crime.
Muito semelhante foi o caso do crioulo forro Manuel Gomes
123
que ao tentar retirar
Ana Felizarda de um batuque acabou levando umas bordoadas de Inácio Mendes.
atestavam, o Juiz Agostinho Marques Perdigão Malheiros, não considerou o réu
culpado.
Talvez a co
citado: “aquele ferimento (...) foi por ciúmes que tinha o ferido de Ana Felizarda”.
124
Nesse universo de preservaç
v
“(...) veio se achar nas costas umas nódoas azuis
a de cada banda que mostravam terem sido
feitas com instrumento perfurante.”
125
Segundo as testemunhas foi o amante de Maria Joaquina, José Brum da Silveira, que
por ciúme, teria a proibido de ir a uma procissão em Mariana. Diante da recusa dela em
ara a freguesia de Furquim, José Brum deu-lhe umas pancadas e estocadas com um
instrumento não nomeado. Esses ferimentos foram responsáveis pela sua morte dias depois.
José Brum foi preso, mas conseguiu livramento do crime.
É possível perceber em vários processos-crim
ulheres como vítimas, relações afetivo-sexuais entre os envolvidos. E notamos
que os processos desse teor geralmente terminam com o réu absolvido. Prevalecesse, portanto
uma idéia de preservação da honra.
123
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 185, auto 4625.
124
Idem
125
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 236, auto 5893.
142
Em 1805
Martins Coelho p
preso, m
relação aos processos crime de ferimentos em que o envolvimento
afetivo-s
O objetivo deste capítulo foi demonstrar, através da análise de alguns processo
circunscritos a alguns tipos de crimes, os discursos e práticas cotidianas envolvendo a justiça
que se distanciavam das normas ou das leis, apontando para formas próprias de resolução dos
conflitos e da esfera jurídica como espaço de mediação.
Os diversos casos analisados acima revelam como tanto a sociedade quanto a justiça
lidavam de maneira diferenciada conforme a condição dos envolvidos em crimes. Essa
diferenciação impressa nas próprias leis do Reino poderia inclusive transcendê-las, buscando
nos costumes formas para reafirmar as diferenças.
Numa sociedade como a de Antigo Regime que tem como maior característica a
desigualdade, a justiça por sua vez tratava de modo diverso homens intrinsecamente distintos,
na tentativa de conservar privilégios e evidenciar prerrogativas.
As analises sobre a justiça colonial tem enfatizado que os tribunais serviam menos
para controlar ou coibir infrações às normas do que mediar fricções entre grupos de
, Salvador Martins
126
foi processado pelos ferimentos que infligiu a Julio
or ciúme de Senhorinha de tal, mulher cabra. Nesse caso o réu chegou a ser
as foi absolvido depois. Como agravante, além das pancadas e facadas terem sido
dadas à noite, o réu na busca pela sua amásia, invadiu pulando um muro a casa de um homem
cego chamado Cláudio Lopes Chaves. Ao que parece, esse homem cego favorecia o encontro
entre Senhorinha e Julio Coelho. Mas apesar desses agravantes, o réu foi absolvido.
Dessa forma, em
exual é evidente, parece haver uma aceitação do uso da violência, o que atenuaria a
sentença. Novamente, a defesa da honra, mesmo nas relações consensuais parece guiar a ação
da justiça.
Através dos crimes e dos diferentes exercícios da justiça em relação a eles, é possível
perceber os mecanismos de repressão aos desvios de conduta em suas formas não oficiais,
aquilo que permanece pelo costume.
Espaços de mediação, espaços de reafirmação
126
Arquivo Histórico da Casa setecentista de Mariana. 2º Oficio – Crime: códice 231, auto 5753.
143
mesmo status social. O recurso aos tribunais seria assim o último passo numa longa
serie de conflitos, um recurso mediador quando outras possibilidades se mostravam
127
Se o recurso aos tribunais seria um a alternativa para solução de conflitos, isso
explicaria a maior incidência de crimes violentos. O réu, usando evidentemente de violência,
acaba por seguir as normas sociais de conduta, reproduzindo o discurso moralizante e
visualizar a justiça como espaço legítimo para
aqui a análise do capítulo anterior em relação aos crimes violentos.
Apresentados de forma conjunta, os índices revelam uma escala crescente do número de
processos relativos aos crimes que atentavam contra a integridade física das pessoas.
ineficientes.
a últim
normatizador, sem, contudo, entender ou
solucionar os conflitos.
No entanto, por outro lado, a incidência desses crimes violentos pode ser um
indicativo da ação da justiça no sentido de coibir a disseminação da violência. Mesmo que os
habitantes do termo de Mariana não reconhecessem a justiça como ambiente legítimo de
solução para os seus problemas cotidianos, e não oferecessem denúncia sobre os crimes, os
juizes através das devasssas particulares poderiam promover a justiça. E a própria existência
dos processos criminais, querelas e devassas, demonstra que a justiça agia.
Retomamos
127
LARA, Silvia Hunold e MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (org). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de
história social. Campinas: Editora da UNICAMP, 2006, p.84.
144
Gráfico 5: Crimes violentos: ferimentos, assassinatos e espancamentos, Mariana, 1741-
1890
Crimes violentos: ferimentos, assassinatos e espancamento
4
41
40
28
74
00
31
6
6
5
7
11
1
5
10
14
13
13
17
2
1
1
1
2
2
3
1
2
1
8
17
15
12
18
35
16
23
17
21
10
4
6
14
3
4
0
20
30
40
50
60
70
80
1741-1750
1751-1760
1761-1770
1771-1780
1781-1790
1791-1800
1801-1810
1811-1820
1821-1830
1831-1840
1841-1850
1851-1860
1861-1870
1871-1880
1881-1890
mero de autos
período (cada)
Legenda:
Ferimentos Assassinatos Espancamento
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentist
o
a de Mariana. 2 Ofício – Crime
sos de assassinato dos anos de 1741 a 1790, teremos um total de 4
autos. D
autos.
.
Observando o Gráfico 5, notamos que de 1741 até a década de 1790 o número de
processos referentes aos crimes de assassinato, ferimento e espancamento é muito pequeno.
Se somarmos os proces
a mesma forma, se somarmos os processos de espancamento, nesse mesmo intervalo
de tempo, teremos um total de 7 autos. E em relação aos processos de ferimento, temos uma
total de 15 autos, para o mesmo período. Em meio século, portanto, os crimes violentos
totalizam 26
145
Gráfico 6: Crimes violentos,
por décadas, Mariana, 1741-1890
Crimes violentos: total por década
114
120
7
6
7
33
23
40
20
21
0
10
20
30
40
0
41-1750
51-1760
61-1770
71-1780
81-1790
90-1800
01-1810
11-1820
21-1830
31-1840
850
860
870
880
890
54
60
61
5
60
10
11
17
17
17
17
17
17
18
18
18
18
1841-1
1851-1
1861-1
1871-1
1881-1
mero
67
69
70
80
90
0
0
de autos
período (década)
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
No gráfi
assassina
e compreende o período em analise
1741-1820, não r
maior acesso a ju
Da mesm
1790, não indicaria baixos índices de criminalidade nas Minas. “A violência, coletiva ou
co 6, notamos a evolução por décadas da ocorrência de processos-crime de
to, espancamento e ferimento, classificados como crimes violentos. Há um
crescimento a partir da última década do século XVIII, culminando na década de 1830 com
um total de 114 processos.
Esse crescimento, através uma linha evolutiva qu
epresenta necessariamente uma crescimento da criminalidade, mas talvez um
stiça.
a forma, a baixa ocorrência de processos violentos no período de 1741 a
146
interpessoal, este
Anastásia:
perigos
Assim d
crimes seria mai
desenvolveram “u
sa maneira, se os colonos
muitas vezes se rebelavam contra a autoridade real por outro lado também se beneficiavam
dos limi
Mas se essas regras internalizadas pelos vassalos, através muitas vezes do costume,
fossem issolvidas, a ordenamento social seria rompido.
A Coroa reconhecia a ameaça e respeitava os direitos por meio de convenções,
engendrando a acomodação e impedindo a eclosão da violência. Da mesma forma,
havia certas regras de convivência entre os atores sociais pautadas pela ação da
justiça e da sociabilidade construída na região mineradora.
132
Ainda que a documentação analisada não revele dados absolutos sobre a incidência
de determinados crimes, podemos dizer que na medida em que se processava uma maior
ve presente nas Gerais durante todo o século XVIII.”
128
, como afirma Carla
A violência nas Minas não se concentrava apenas na imensidão e no tenebroso das
paragens da Mantiqueira. As bocaínas da serra de Santo Antonio de Itambiruçu, na
comarca do Serro Frio, também escondiam corpos, jamais encontrados. Serras,
caminhos, matas gerais sertões na capitania das Minas apresentavam
previsíveis e imprevisíveis, reais e imaginários.
129
e acordo com o que salienta Anastasia a baixa incidência dos processos
s um indicativo de que as sociedades humanas, das tribos às cidades,
ma imensa capacidade para conviver com a violência.”
130
No capítulo anterior, ao nos referirmos ao tema da violência dentro da historiografia
sobre Minas Gerais no período colonial, vimos que Carla Anastasia atribui a generalização da
violência à autonomização da burocracia, geradora de um baixo grau de institucionalização
política.
Por institucionalização política, a autora entende o acatamento das regras do jogo
constituído entre os vassalos e a Coroa. Esse jogo compreendia que “as relações entre os
diversos atores sociais na América Portuguesa estavam pautadas por convenções, privilégios
e limites colocados ao exercício do poder metropolitano”.
131
Des
tes impostos ao alcance do poder da Coroa na colônia.
d
128
ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: a violência das Minas setecentista. p. 13
129
Idem.
130
Ibidem, p. 13 e 14.
131
Ibidem, p. 22 e 23.
132
Ibidem, p. 23.
147
institucionalização política, também crescia a atuação da justiça, revelada aqui pelo aumento
do número de processos referentes aos crimes violentos.
s diversos, a construção da liberdade e da cidadania no Brasil esteve
te associada a uma ordenação jurídica que nem sempre foi unívoca, mas
fez diferença. Invertendo aforismos freqüentes na historiografia, hoje podemos
dizer que, também no Brasil, as leis não foram apenas inócuas ou feitas “para
inglês ver”. Tampouco a justiça se constituiu em um monstro de movimentos
ição social ou a determinadas posições e
enciado. Assim, o exercício da justiça
implicava algo mais importante do que estabelecer e fixar a verdade: significava
reforçar os laços hierárquicos e de reafirmar a desigualdade de privilégios e
direitos. Ao mesmo tempo, como instituição de estado português, ao ser acionada, a justiça
consolid
A ação da justiça em relação às transgressões morais revela a preocupação em
legitima
Espaço de reafirmação das normas sociais e espaço de mediação entre grupos ou
indivídu
De modo
diretamen
lentos e totalmente defasados da chamada “realidade social”.
133
Presente na realidade social dos mineiros do período colonial, a justiça podia agir de
modo ambíguo no que se refere à observância e cumprimento das leis. As próprias leis do
Reino dedicadas aos assuntos criminais se encarregavam de reafirmar as desigualdades
variando conforme as circunstancias e a condição dos envolvidos em crimes.
Os privilégios atribuídos a cada cond
cargos estipulavam tratamento difer
reafirmar e reforçar a rede hierárquica que ligava todos os súditos ao rei e ao lugar
de cada um nesse emaranhado de poderes, alçadas e jurisdições
.
134
Desse modo, enquanto espaço de reafirmação do jogo político colonial, a justiça agia
no sentido de
ava a legitimidade do poder régio.
r a conduta dos mineiros, senão pela lei ou pelo costume, pela preservação da
condição social das camadas privilegiadas. Numa sociedade em que a honra era um elemento
de distinção, a justiça agia intercedendo no sentido de preservá-la.
os em conflito, a justiça é mais um cenário dos diversos arranjos coloniais.
133
LARA, Silvia Hunold e MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (org). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de
história social, p. 14.
134
Ibidem, p. 86.
148
Consid
importância do direito e do
poder de julgar para manter os laços de solidariedade e lealdade de seus vassalos. Ao direito
icas intricadas, o que sobressai são as tensões entre norma
e prática
as aos moldes do
Antigo R
identificar no cotidiano da sociedade mineira, no universo dos crimes e na ação da justiça.
A interpr
aplicação da norm
de ação e, sob
representação de poder.
no que se refere às relações entre uso da
justiça e as normas legais escritas estabelecidas pelo estado português. Claro que em grande
parte o que favorecia esse relacionamento por vezes oportuno ou inadequado com as normas
erações finais
Como vimos, o rei no Antigo Regime teria percebido a
fundado nos costumes sobrepõe-se o racionalismo formal do direito escrito que se torna
instrumento de poder do rei para ordenar a ação política. No entanto, numa sociedade de
relações políticas, sociais e econôm
, entre costumes e leis, e foi o que procuramos identificar no cotidiano da sociedade
mineira, no universo dos crimes e na ação da justiça.
Na colônia, a transposição das instituições jurídicas e administrativas da metrópole,
determinou o estabelecimento de uma justiça, em escala diferenciada, m
egime, que refletia tensões, pactos e especificidades, dentro da sociedade que foi se
constituindo.
Foram as tensões entre norma e prática, entre costumes e leis, que procuramos
etação das relações entre justiça e sociedade não se limitou à observação da
a jurídica. Procuramos analisar o significado social da justiça, seus espaços
retudo o modo pelo qual a população estabelece relações com essa
Ao avaliar a ação da justiça ao longo do processo de execução deste trabalho, fiz e
refiz uma questão várias vezes: em Minas no período colonial havia formas próprias ou
formas autônomas de organização em relação à justiça, sua ação e seus procedimentos?
Notamos através da análise de alguns processos circunscritos a alguns tipos de
crimes o que se pode chamar de um caráter próprio
149
jurídicas era o pr
subterfúgios inter
Assim, o
o adúltero, desco ua honra através
da mort
e, poderia tanto se referir as ofensas verbais, como a ferimentos, se observada a
tradição
ssos que nem mesmo as
normas
as penas
previstas fossem
457
pelo menos até o
advento do despotismo iluminado – não era nem muito efectiva, nem sequer muito
o entre o que estava previsto na lei e a decisão final dos tribunais,
portanto, não é uma característica exclusiva da justiça aplicada na colônia. A interpretação,
aplicaçã
possibilidade efetiva de se conseguir o perdão real.
óprio desconhecimento das mesmas. E ainda, havia aqueles que procuravam
pretando as leis da maneira como melhor convinha aos seus interesses.
marido traído que procurava a justiça movendo uma ação de injúria contra
nhecia a possibilidade que a lei lhe outorgava de satisfazer s
e dos traidores. Ou queria apenas resguardar sua honra, sem deixar que a ofensa
sofrida ficasse sem punição, garantindo talvez uma indenização.
O termo injúria já trazia várias possibilidades de interpretação, como vimos
anteriorment
do direito romano.
Em casos distintos notamos a interferência direta das tradições do direito romano na
definição da ação judicial. Ao mesmo tempo, temos alguns proce
portuguesas são observadas, como no caso emblemático citado no quarto capítulo
sobre as vicissitudes do pobre José Posidônio Ferreira Rebello.
Na prática, como vimos nos casos dos processos-crime de adultério, nem as rigorosas
penas, estabelecidas pelas leis do Reino, eram observadas. Em relação à aplicação das penas
Antonio Manuel Hespanha afirma que embora no sistema punitivo português
severas, em um grande número de casos elas raramente eram aplicadas.
Assim, e ao contrario do que muitas vezes se pensa, punição no sistema penal
efectivamente praticado pela justiça real no Antigo Regime –
aparente ou teatral. Os malefícios, ou se pagavam com dinheiro, ou com um
degredo de duvidosa efectividade e, muitas vezes, não excessivamente prejudicial
para o condenado.
458
O desacord
o e comutação das penas, assim como o caráter massivo do perdão na prática penal
da monarquia coorporativa
459
constituem fatores que revelam a importância da graça, ou
indulto real dentro das praticas jurídicas. A ameaça de punição estava associada a
457
HESPANHA, Antônio Manuel. A punição e graça. In: MATTOSO, José (direção). História da Portugal. v.4,
p.214-218, passim.
458
Ibidem, p. 220.
459
Ibidem, p.
150
contra
alcançar a
misericórdia real. Assim, mais que impor alguma disciplina ou coibir
desregramentos sociais, a justiça operava no sentido de reativar a preeminência do
soberano e reiterar a obediência dos súditos. Produzindo um exercício consentido
do poder e da prática do poder no Portugal do antigo regime.
460
Para Silvia Lara a justiça empenava um papel mais
importante do que o de instituir a verdade: significava reafirmar reforçar a rede hierárquica
que ligava todos os súditos ao rei e o lugar de um nesse emaranhado de poderes, alçadas e
jurisdições.
461
riana ao acionar a justiça para tentar
solucionar seus problemas cotidianos manifestava sua aceitação aos valores que conduziam as
praticas
terras ultramarinas, eram
tano.
464
Nosso objetivo neste trabalho era demonstrar, através das fontes, que os discursos e
práticas cotidianas envolvendo a justiça se distanciavam das normas ou das leis, apontando
para formas próprias de resolução dos conflitos e da esfera jurídica como espaço de
negociação.
A questão nunca foi, portanto, relacionar a ação da justiça e todas as suas
incongruências, reveladas através da análise dos processos criminais a uma autonomia
jurídica em relação ao estado português, nem tão pouco pensar na organização de uma justiça
O equilíbrio entre a punição e a graça não apenas implicava, por meio dos laços de
temor e do amor, a obediência dos súditos – mesmo aqueles que atentavam
as leis régias e estavam sob o rigor da lei podiam ter esperança de
no Antigo Regime português des
Nas colônias, segundo Lara, a justiça além de servir como mecanismo de
consolidação do poder real, reforçando hierarquias e reafirmando a distribuição desigual de
privilégios, reitera ainda o domínio do rei sobre todos os territórios.
462
Qualquer um dos habitantes do termo de Ma
políticas do império português, mesmo sem ter consciência disso, ou reconhecendo
sua legitimidade. O gesto, mais que o resultado, conectava-os a rede hierárquica do poder
metropolitano, que dava a cada um seu lugar e cada posição, direitos e privilégios.
463
Por isso, a superposição de alçadas constantes, as discrepâncias entre autoridades, o
casuísmo das decisões judiciais, tão na pratica jurídica portuguesa, em vez de
exprimir fraqueza do domínio do rei sobre as
constitutivos da própria estrutura do domínio metropoli
460
LARA, Silvia Hunold. Senhores da régia jurisdição: o particular e o publico na vila de São Salvador dos
Campos dos Goitacases na segunda metade do século XVIII. In p.86
461
Idem.
462
Idem.
463
Ibidem, p. 87
464
Idem.
151
aralela organizada pelos senhores locais. Mas sim pensar em que medida as manifestações
da justiça observadas em Minas não correspondem a uma sistemática do império.
p
Figura 4: Pelourinho de Mariana
Império tão bem representado pelos símbolos que compõe o pelourinho de Mariana,
a Câmara e Cadeia. A espada, o brasão, e a
justiça, como desígnios do
a que eterniza os feitos expansionistas de
Portugal, a esfera armilar portuguesa.
s processos-crime da cidade de Mariana verificamos a
existência de formas próprias em relação às práticas jurídicas. No entanto, como vimos, essas
estabelecido em frente ao prédio da Casa d
balança, correspondem à delimitação do poder, da ordem e da
estado português representado pelo emblem
A partir da análise do
152
coloniais, mas encaradas como
ínio estabelecido pela metrópole portuguesa.
ente as normas,
formas não devem ser consideradas especificidades
componentes estruturais da forma de dom
Portanto, formas próprias sim, mas não autônomas. Não cumprir rigorosam
nesse caso significa adequar-se a norma, e, fazer parte do Império.
153
eral
Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana
o
Bibliografia G
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2
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C
Códice 187:
C
154
8; 4830; 4831; 4828; 4839; 4840
Cód
Cód
Cód
Cód
Cód
Cód
Cód 37;
Cód
Cód ; 5213; 5223
Cód
Cód
Cód
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ice 196: auto nº. 4905
Códice 197: auto nº. 4939; 4940; 4944
ice 198: auto nº. .4954; 4956; 4960
Códice 199: auto nº. 4982; 4990
ice 200: auto nº. 4999; 5000; 5001; 5014
Códice 201: auto nº. 5016; 5019; 5031
ice 202: auto nº. 5038; 5039; 5045; 5047; 5049; 5050; 5051; 5052, 5058
ice 203: auto nº. 5063; 5064; 5069; 5075
Códice 204: auto nº. 5097; 5101; 5103; 5104; 5105; 5109; 5110; 5111; 5112; 5114
ice 205: auto nº. 5116; 5127; 5129; 5132; 51
Códice 206: auto nº. 5148; 5148; 5155
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Códice 209: auto nº. 5224; 5227; 5228; 5234; 5235; 5236; 5237; 5242
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Códice 211: auto nº. 5261; 5264; 5279; 5280; 5281; 5282; 5283; 5285
ice 212: auto nº. 5288; 5292; 5298; 5299
ice 213: auto nº.
5307; 5309; 5310
Códice 214: auto nº. 5326; 5332; 5338
Códice 216: auto nº. 5395; 5398; 5399.
ice 217: auto nº. 5407; 5415; 5426.
ice 218: auto nº. 5431; 5441; 5442; 5443; 5447; 5456
155
Cód 5510; 5511; 5512; 5513
Cód 75; 5579; 5581; 5582; 5584; 5585; 5586;
Códice 226: auto nº. 5623; 5626;
Cód
Códice 229: auto nº. 5708; 5709; 5710; 5712; 5715; 5716; 5717; 5722; 5724
Códice 230: auto nº. 5726; 5727; 5728; 5729; 5730; 5732; 5733; 5734; 5735; 5736; 5738;
Códice 231: auto nº. 5746; 5748; 5749; 5752; 5753; 5758; 5760; 5764; 5767; 5769; 5771;
5773; 5776; 5778
Códice 233: auto nº. 5808; 5814; 5824
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165
S
ANEXO
166
nexo eva ent pessoais, Mariana, 1741-1820
A I: L ntam o dos Crimes Inter
Códice
Nº. do
auto Ano Crimes
206 5155 1741 Ferimentos em Antonio Martins de Miranda
207 5182 1741 Injúria atroz
190 4748 1741 Termo de bem viver
224 5576 1742 Facadas em Francisca Gomes
232 5790 1742 Ferimentos no autor
193 4839 1744 Injúria atroz
200 5014 1745 Agressão em sua amásia
226 5634 1745 Ameaça de agressão
211 5279 1745 Injúria atroz
182 4535 1745 Tentativa de morte da escrava Rosa Maria
221 5506 1746 Assassinato de Domingos Marques
183 4571 1746 Espancamento
234 5851 1746 Injúrias
215 5359 1747 Ferimentos a foiçadas
210 5244 1747 Injúria atroz
184 4592 1747 Injúria atroz
202 5039 1748 Crime de adultério
183 4574 1748 Espancamento de Maria Lucia de Souza
182 4530 1748 Ferimentos em escravo
184 4591 1749 Ação de Injúria atroz
212 5292 1750 Atentado ao pudor. Defloramento
226 5635 1751 Indenização por morte de um escravo
195 4895 1752 Ferimentos em João Gonçalves de Macedo
233 5824 1754 Ferimentos em Rosa Soares (preta)
182 4532 1755 Defloramento de Páscoa Maria Ressurreição
213 5307 1755 Ferimentos em Manoel Rodrigues de Coelho
202 5045 1755 Injúria
213 5320 1755 Injúria atroz
182 4534 1756 Ferimentos em Manoel Nogueira
213 5319 1756 Injúria atroz
221 5505 1757 Ferimentos em João Angola
225 5613 1757 Tiro em Manoel da Fonseca
194 4850 1759 Injúria atroz
213 5323 1759 Injúria atroz
225 5596 1759 Seqüestro de bens, assassinato de Agostinho Coelho
182 4533 1760 Denuncia Difamatória contra o Padre José Corrêa Porto
180 4476 1760 Denúncias em pancadas em um escravo
204 5101 1761 Pancadas num escravo
231 5752 1762 Injúria atroz
222 5532 1763 Ameaça e agressão
202 5058 1764 Ferimentos a tiros em Manoel da Mata de Andrade
209 5228 1764 Injúria atroz
222 5533 1764 Injúria atroz
234 5842 1764 Pancadas na autora
202 5038 1765 Injúria atroz
204 5104 1767 Assassinato de Luiz Antonio
226 5637 1767 Injúria atroz
207 5163 1768 Cobranças com violências
188 4716 1768 Injúria atroz
226 5636 1768 Injúria atroz
222 5535 1768 Injurias verbais
213 5321 1769 Injúria atroz
188 4706 1769 Injúria atroz
193 4838 1769 Morte de Mateus de Oliveira (Suspeitas)
183 4573 1770 Crime de injúria
230 5727 1770 Ferimentos em Bernardo Mendes
207 5169 1770 Ferimentos no autor
210 5245 1770 Injúria atroz
187 4663 1770 Livramento crime
230 5728 1771 Assassinato de Antonio Moreira Chaves
230 5726 1771 Ferimentos em Manoel Antônio
224 5575 1771 Injúrias
183 4558 1772 Crime de injuria atroz
212 5298 1772 Espancamento da autora
209 5242 1773 Ameaça de morte
189 4732 1773 Injúria e danos
194 4849 1774 Injúria
229 5717 1774 Injúria atroz
184 4605 1775 Injúria atroz
188 4699 1775 Injúria atroz
182 4511 1776 Injúria atroz
229 5722 1776 Injúrias
227 5650 1776 Injúrias
215 5366 1777 Injúria atroz
229 5712 1777 Injúria atroz
219 5466 1779 Defloramento
231 5746 1781 Injúria
205 5116 1783 Injúria
217 5426 1783 Pancadas em Manoel Velho Brandão
214 5332 1784 Injúria atroz
192 4814 1785 Injúria atroz
187 4668 1789 Ferimentos e pancadas
201 5019 1789 Ferimentos em José Pinto Barbosa
226 5623 1789 Injúria atroz
193 4831 1791 Adultério
167
184 4598 1791 Ferimentos
211 5264 1791 Ferimentos em uma escrava
225 5594 1791 Furto da Mulher de Silvério J. Espinosa
229 5716 1791 Morte de um escravo
192 4813 1792 Adultério e rapto da esposa do autor
215 5355 1792 Divórcio
189 4543 1792 Facadas em Bernardo Maciel
188 4701 1792 Tentativa de morte contra Maria Ferreira da Cunha
204 5109 1792 Tentativa de morte de Antonio Gonçalves Moreira
205 5127 1793 Assassinato de Antonio (pardo)
185 4619 1793 Crime de morte de Antonio Carvalho Bastos
201 5016 1793 Facada em Antonio José da Costa
186 4659 1793 Ferimentos
204 5110 1793 Ferimentos em Domingos (pardo)
181 4499 1793 Ferimentos em João Pinto de Sá Pereira
199 4990 1793 Ferimentos no autor
204 5114 1793 Morte de Domingos da Cruz
225 5591 1794 Adultério
211 5261 1794 Assassinato de Felisberto (escravo)
209 5234 1794 Crime de Alcovitice e Mancebia
183 4566 1794 Crime de injúria atroz
229 5715 1794 Ferimentos a espada no soldado Antonio Morais
187 4670 1794 Ferimentos em escravos
209 5235 1794 Ferimentos em Manoel Pedro
232 5796 1795 Pancadas em Maria Ferreira
184 4593 1796 Ação de divórcio
209 5236 1796 Bordoadas em Jerônimo José dos Santos
190 4750 1797 Adultério e armas proibidas
209 5224 1797 Espancamento do autor
222 5522 1797 Injúria atroz
219 5472 1798 Espancamento de Mariana, escrava
230 5745 1798 Espancamento no autor
207 5181 1798 Ferimentos feitos a chicote
227 5649 1798 Ferimentos na escrava de nome Mariana
209 5237 1798 Tiros a esmo
184 4597 1799 Injúria atroz
208 5223 1799 Querelas
218 5441 1799 Tiros e ferimentos em Manoel do Nascimento
221 5513 1800 Assassinato de Francisco escravo do próprio réu
221 5512 1800 Assassinato de Manoel Pereira de Melo
218 5442 1800 Tiro em José Isidoro de Souza Teles
207 5173 1801 Assassinato de Pedro escravo
195 4880 1801 Assassinato em Joaquim Leonardo de Santana
194 4863 1801 Ferimentos em Capitão. Dionísio da S. Ribeiro
230 5734 1801 Ferimentos em Francisca Dias
188 4709 1801 Ferimentos em Francisco Inácio de S. Ferreira e outros
168
215 5370 1801 Ferimentos em Joana Maria de Jesus
208 5213 1801 Ferimentos em Manoel de Souza Fernandes
217 5415 1801 Ferimentos no oficial de justiça Antonio Dias Braga
203 5063 1801 Morte de Antonio Vieira Bastos
203 5064 1801 Morte de um pardo José Xavier Bolieiro
222 5518 1802 Assassinato de Jacinta (Crioula)
222 5516 1802 Assassinato de José Antônio
207 5171 1802 Assassinato de Maximiliano (pardo)
195 4874 1802 Assassinato de Miguel (preto)
221 5511 1802 Assassinato de um cabra.
221 5510 1802 Ferimentos no Alferes Antonio Coelho de Souza
207 5183 1802 Injúria atroz
228 5679 1802 Pancadas em Jacinta (crioula)
231 5760 1803 Assassinato de Anastácio Gomes Pereira
236 5894 1803 Assassinato de José Joaquim Nunes
204 5112 1803 Assassinato de Manoel Teixeira
195 4878 1803 Assassinato do índio Miguel Barbosa
231 5764 1803 Ferimentos em Francisca Dias de Araújo (crioula forra)
224 5582 1803 Ferimentos em Joaquina Rosa Teixeira (crioula)
223 5539 1803 Ferimentos em Rita Gomes da Silva
195 4873 1803 Nada apurado dos ferimentos de Antonio J. Rodrigues V.
204 5105 1803 Pancadas em Inácia da Luz
204 5097 1803 Tiros dados a esmo
205 5129 1803 Uso de armas proibidas
224 5586 1804 Achado de dois cadáveres sem cabeça
188 4707 1804 Agressão contra Manoel Francisco (e outros)
224 5587 1804 Assassinato de Manoel Botelho
190 4746 1804 Ferimentos em Manoel dos Santos
224 5584 1804 Ferimentos em Joaquim Monteiro de Godoy
231 5769 1804 Ferimentos em Manoel Muniz
224 5585 1804 Ferimentos em Miguel (benguela)
230 5730 1804 Ferimentos em Suzana Ferreira de Souza
231 5749 1804 Injúria atroz
181 4496 1804 Livramento de crime
204 5111 1804 Morte de Izabel (preta Forra)
230 5735 1804 Pancadas em Luiza Lopes de Amorim
231 5753 1805 Ferimentos em Julio Martins
195 4888 1806 Ferimentos em Alferes Pedro Fernandes Diniz .
187 4669 1806 Ferimentos em Domingos Angola
190 4771 1806 Ferimentos no escravo Antonio Pereira
223 5561 1806 Ferimentos no Meirinho da Real Fazenda
198 4960 1806 Injúrias perdas e danos
226 5626 1806 Mancebia
193 4830 1806 Pancadas em uma casa de presépio
212 5288 1806 Tiro contra escravo Ventura
191 4789 1806 Violências em cobranças de dinheiro
169
170
s em José Alves Quinta
230 5729 1807 Ferimento
227 5648 1807 Injúria
232 5803 1807 Rapto de uma índia
213 5311 1808 Bordoadas e ferimentos em Maria Felícia
237 5940 1808 Ferimentos em Severina da Silva
190 4768 1808 Ferimentos em Severina da Silva
215 5377 1808 Ferimentos no autor
231 5758 1808 Pancadas no autor
193 4828 1809 Agressão a uma mulher
230 5738 1809 Facadas em Apolinária de tal
201 5031 1809 Ferimento na autora
183 4575 1809 Ferimentos
225 5615 1809 Ferimentos em José Alves Cordeiro
234 5836 1809 Injúria
189 4729 1809 Injúria atroz
192 4807 1809 Insultos
228 5680 1809 Insultos em Pasquim
218 5447 1809 Tiro em Antonio José Machado
220 5477 1810 Assassinato de João José de Souza Ferrão
183 4556 1810 Crime de injúria
226 5632 1810 Ferimento no Pe. José Gonçalves
218 5456 1810 Ferimentos em Lucas Coelho
202 5050 1810 Ferimentos em Manoel José Leite
197 4939 1810 Injúria atroz
211 5280 1810 Injúria atroz
180 4474 1810 Pedido de livramento pelo réu
203 5069 1811 Ameaça de morte
218 5443 1811 Assassinato de Aleixo (carreiro)
206 5148 1811 Carta de seguro
230 5732 1811 Ferimentos em Albina (filha de João Caetano)
225 5614 1811 Ferimentos em sua escrava Francisca
196 4905 1811 Preso por suspeitas
223 5543 1812 Agressão a Clara Maria da Assunção
237 5939 1812 Espancamento de Maria Eugenia
223 5554 1812 Ferimentos em Domingos (angola)
193 4840 1812 Ferimentos em João Machado Ribeiro
213 5314 1812 Ferimentos em Justa Luiza
232 5802 1812 Ferimentos em Manoel José de Magalhães
216 5398 1812 Ferimentos em Maria Joaquina Soares
181 4495 1812 Livramento
216 5399 1812 Pancadas em Hilário Gonçalves
216 5395 1812 Pancadas em Joaquim da Silva
211 5285 1812 Uso de armas proibidas
185 4637 1813 Crime de morte de Felisberto Severino dos Anjos
202 5051 1813 Ferimentos em Antonio Francisco Quaresma
214 5326 1813 Ferimentos em ntonio Francisco Quaresma A
171
202 5049 1813 Ferimentos em
Antonio Machado Leite
224 5581 1813 Ferimentos em Elias Teixeira e outros
219 5458 1813 Pancadas em Joaquim Jerônimo
205 5137 1813 Pancadas em Justa Luiza
224 5571 1813 Pancadas em Maria Garcia
190 1813 Tiros dados a noite 4767
194 1813 Tiros em4848 Vicente escravo e arrombamento de casa
202 5052 1814 Adultério
231 5767 1814 Adultério
200 4999 1814 Agressão de Esteves Teixeira
223 5542 1814 Agressão e ameaça de morte
180 4478 1814 Crime por tiro dado em casa Eugênia Rosa
220 5491 1814 Espancamento do autor
218 5431 1814 Ferimentos em André Monteiro de Aguiar
207 5172 1814 Ferimentos em Maria Clara
182 4516 1814 Ferimentos feitos em André Monteiro de Aguiar
224 5579 1814 Ferimentos feitos no autor
229 5709 1814 Ferimentos na preta (Joana)
229 5708 1814 Ferimentos no Alferes Antonio Vieira Lopes
202 5047 1814 Ferimentos no Alferes Antonio Vieira Lopes
227 5644 mentos no aut1814 Feri or
137 4599 1814 Ferimentos por pancadas
229 5710 1814 Injúria atroz
224 5573 1814 an nio P cadas em Anto Machado Lima
195 4890 1814 Pancadas em José Raposo
192 4823 1814 Preso por suspeitas
223 5541 1814 Tiro dado em Roberto (crioulo)
237 5938 1814 Tumultos em Piranga
231 5748 1815 Assassinato de Francisco Rodrigues
226 5631 1815 Assassinato ancisco Rodrigues Pinto de Fr
224 5568 1815 Assassinato de Manoel da Costa
209 5227 1815 Bordoadas
200 5001 1815 Carta de seguro
183 4567 1815 Denuncia do autor a apurar pela Justiça
236 5903 1815 Desordens privadas
182 4509 1815 Ferimentos e faca
205 5132 1815 Ferimentos em escravo de Carlos Teixeira
211 5283 1815 Ferimentos em Luisa Rosa de Jesus
197 4944 1815 Ferimentos em Manoel de Souza (crioulo) a apurar
211 5282 1815 Ferimentos em Vitória Pereira
188 4698 1815 Injúria atroz
195 4892 1815 Preso por denuncias de Pe.Silvério da S. Rego
198 4956 1815 Preso por suspeitas
197 4940 1815 Prisão por suspeita
200 000 1815 Tentativa de morte 5
191 4791 1815 Violências e injurias contra José Manoel Alves Gardim
172
185 4614 1816
Conflito
237 5 1816 ento Antonio Benguela 920 Ferim s em
190 4749 1816 entos em a GFerim G briel omes Pereira
211 5281 1816 entos emFerim José Joaquim Moreira, a noite
230 5736 1816 entos emFerim José Moreira
214 5338 1817 Assassinato de Joana (crioula)
231 5771 1817 Assassinato de Manoel (escravo)
224 5572 1817 Conflito em uma cavalhada
230 5733 18 entos em17 Ferim Manoel dos Santos
222 5523 1817 Ferimentos no autor
221 5507 1817 Injúria atroz
203 5075 1817 Pancadas e facadas em José Luiz da Silva
231 5773 1817 Tumulto na Capela de S. José do Xopotó
215 5373 1818 Assassinato de Francisco (pardo)
185 4624 1818 Crime de morte de José da Silveira
189 4728 1818 Ferimento em um mascarado e resistência a prisão
199 4982 1818 Ferimentos em um mascarado (carnaval)
220 5478 1818 Insultos por pasquins
183 4553 1818 Livramento de crime
182 4528 1818 Livramento de crime
182 451 8 Livramento de crime 5 181
215 5374 Morte de João Duro (crioulo forro) 1818
213 5309 1818 Resistências as ordenanças e ferimentos em uma delas
233 5814 181 tra J dr9 Agressão con Fernando osé Ro igues
212 5299 1819 Assassinato de João José de Souza
222 5530 1819 Ferimentos em Antonio Gonçalves
185 4625 Ferimentos em Manoel Gomes 1819
236 5902 Pancada em Teodo aria Cândida de S. Jos1819 ra M é
204 5103 (carta de seguro) Ferimentos em onio Gonçalves 1820 Ant
208 5207 81 20 Adultério
20 5208 8 1820 Adultério, carta de seguro requerida pela ré
233 5808 rombamento e ferim1820 Ar ento no autor
236 5893 1820 Assassinato de Maria Joaquina
213 5310 1820 Carta de seguro por querela
185 4630 1820 Crime de morte de Domingos do Monte
231 5776 Antonio Ferreira de Vicerios 1820 Ferimentos em
220 5489 1820 Ferimentos em Inocêncio da Costa Novais
221 5498 1820 Ferimentos em José Manoel Alves Gardim
232 5784 1820 Ferimentos em Maria Silva
198 4954 1820 Ferimentos no autor
217 5407 1820 Injúria atroz
231 5778 1820 Injúria atroz
206 5149 1820 Pancadas em Antonio José
208 5206 1820 Sevicias na autora
Fonte: Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana. 2
o
Ofício – Crime
Anexo II: Índice Onomástico- m íc
Códice Auto Nomes Ano
Cri
e 2º Of io- Mariana, 1741-1820
Obs.
226 5632 Abreu - Francisco Martins de - Réu 1810 Ferimento no Pe. José Gonçalves
230 5726 Agostinho - (crioulo) Réu 1771 Ferimentos em Manoel Antônio
194 4848 Aguiar - André Monteiro de - (e outros) Vicente escravo e arrombamento de casa Réu 1813 Tiros em
183 4573 Aguiar - Antonio da Silva - Autor 1770 Crime de injúria
226 5635 Aguiar - José da Silva - Autor 1751 Indenização por morte de um escravo
202 5051 Alcovim - Francisco Dias de - (e outros) Réu 1813 Ferimentos em Antonio Francisco Quaresma
206 5138 Almeida - Caetano Vaz de - Réu 1810 Roubo
192 4807 Almeida - Manoel Joaquim de - Autor 1809 Insultos
223 5541 Alvarenga - Antonio Corrêa de - u 1814 Tiro dado em Roberto (crioulo)
195 4895 Alves - Pedro Rodrigues - Réu 1752 Ferimentos em João Gonçalves de Macedo
190 4750 Amaral - Manoel Ferreira da Costa - Réu 1797 Adultério e armas proibidas
236 5902 Andrade - Hermenegildo José de - Réu 1819 Pancada em Teodora Maria Cândida de S. José
215 5375 André - (de tal) Réu 1815 Roubo em casa de Ana G. Ribeiro
217 5407 Anjos - José Vieira dos - Autor 1820 Injúria atroz
237 5940 Antonia - (crioula) Réu 1808 Ferimentos em Severina da Silva
230 5733 Antonio - (cabra) Réu 1817 Ferimentos em Manoel dos Santos
236 5894 Antonio - (crioulo) Réu 1803 Assassinato de José Joaquim Nunes
182 4509 Antonio - (crioulo) Réu 1815 Ferimentos e faca
231 5771 Antonio - (preto) Réu 1817 Assassinato de Manoel (escravo)
204 5110 Antonio - João - Réu 1793 Ferimentos em Domingos (pardo)
184 4605 Araújo - João Gonçalves de - Autor 1775 Injúria atroz
226 5634 Barbalho - Maria da Costa - Autor 1745 Ameaça de agressão
187 4670 Barbosa - Antonio José - Réu 1794 Ferimentos em escravos
217 5426 Barbosa - Antonio José - Réu 1783 Pancadas em Manoel Velho Brandão
231 5773 Barbosa - Francisco - (e outros) Réu 1817 Tumulto na Capela de S. José do Xopotó
232 5790 Barbosa - José - Autor 1742 Ferimentos no autor
207 5174 Barros - Carlos Furtado de - Réu 1752 Suspeita de furto
173
203 5064 Barros - Joaquim de - Réu 1801 Morte de um pardo José Xavier Bolieiro
202 5052 Barroso - Serafim Gonçalves - Réu 1814 Adultério
187 4663 Batista - João Dias - Réu 1770 Livramento crime
222 5516 Batista - José - Réu 1802 Assassinato de José Antônio
195 4892 Bernardes - João Alves - Réu 1815 Preso por denuncias de Pe.Silvério da S. Rego
182 4511 Borges - Dionísio Simões - Autor 1776 Injúria atroz
222 5535 Borges - José Botelho - De.(Vigário Geral) Autor 1768 Injurias verbais
183 4558 Braga - Domingos Gonçalves - Autor 1772 Crime de injuria atroz
187 4669 Braga - Francisco Dias - (e outros) Réu 1806 Ferimentos em Domingos Angola
210 5244 Braga - Gonçalo Francisco - Autor 1747 Injúria atroz
230 5731 Braga - João Pereira - (pardo forro) uiar Réu 1818 Arrombamento da casa de José Martins de Ag
233 5824 Braga - Miguel Francisco - Réu 1754 Ferimentos em Rosa Soares (preta)
215 5359 Branco - Narciso Freire - Réu 1747 Ferimentos a foiçadas
231 5767 Caetana - Ana Réu 1814 Adultério
185 tonio Carvalho Bastos 4619 Caetano Réu 1793 Crime de morte de An
202 5058 Camargos - Antonio Francisco de -
Manoel da Mata de
Réu 1764
Ferimentos a tir
e
os em
Andrad
233 5814 Cardoso - Manoel Francisco de Souza - odrigues Réu 1819 Agressão contra Fernando José R
211 5285 Carmo - Manoel Duarte do - Réu 1812 Uso de armas proibidas
222 5534 Carneiro - Antonio Gonçalves - Autor 1816 Apropriação indébita de pedras preciosas
213 5311 Carneiro - Antonio Januário - (Cons.te) Maria Felícia Réu 1808 Bordoadas e ferimentos em
206 5139 Carvalho - Francisco Gonçalves de - Réu 1795 Furto de escravos
194 4864 Carvalho - João Alves de - Autor 1789 Injúrias na cobrança de crédito
232 5802 Carvalho - João Mendes de - Réu 1812 Ferimentos em Manoel José de Magalhães
194 4863 Carvalho - Joaquim de - Réu 1801 Ferimentos em Cap.. Dionísio da S. Ribeiro
217 5408 Carvalho - Manoel Teixeira de - Autor 1800 Invasão de terras
223 5561 Carvalho - Manoel Vieira de - (e outros) da Real Fazenda Réu 1806 Ferimentos no Meirinho
233 5808 Castro - Albino José de Almeida e - mento no autor Autor 1820 Arrombamento e feri
225 5614 Cezimbra - Joaquim Carvalho - a Réu 1811 Ferimentos em sua escrava Francisc
226 5637 Chaves - José Martins - Autor 1767 Injúria atroz
204 5104 Chaves - Patrício Gonçalves - (Srg.- mór) Réu 1767 Assassinato de Luiz Antonio
174
195 4874 Cipriano - (cabra forro) Réu 1802 Assassinato de Miguel (preto)
208 5206 Claudina - (crioula) A r uto 1820 Sevicias na autora
229 5723 Coelho - Antonio Ferreira - (e outros)
dever na conclusão da
Autor 1797
Falta de cum
capela
primento de
202 5049 Coelho - Davi da Silva Pereira - Réu 1813 Ferimentos em Antonio Machado Leite
222 5532 Coelho - João Pacheco - Autor 1763 Ameaça e agressão
205 5116 Coelho - Manoel José - Autor 1783 Injúria
183 4553 Conceição - Francisco Felisberto da - Réu 1818 Livramento de crime
230 5732 Conceição - Josefa Maria da - (e outros) Réu 1811 Ferimentos em Albina (filha de João Caetano)
201 5016 Conceição - Manoel da Silva - (pardo) u 1793 Facada em Antonio José da Costa
212 5298 Conceição - Maria de Souza da - Réu 1772 Espancamento da autora
195 4880 Corrêa - Anacleto - Réu 1801 Assassinato em Joaquim Leonardo de Santana
202 5038 Corrêa - Manoel da Silva - (Cap.) Autor 1765 Injúria atroz
182 4534 Costa - Antonio Martins da - Réu 1756 Ferimentos em Manoel Nogueira
190 4767 Costa - Bento Francisco da - (e outros) Réu 1813 Tiros dados a noite
208 5207 Costa - Custódio Alves da - Autor 1820 Adultério
208 5208 Costa - Custódio Alves da - pela ré Autor 1820 Adultério, carta de seguro requerida
188 4698 Costa - Custódio Alves da - Autor 1815 Injúria atroz
193 4839 Costa - Francisca da - Autor 1744 Injúria atroz
230 5745 Costa - Francisco Dias da - Autor 1798 Espancamento no autor
214 5326 Costa - Inácio José da - Réu 1813 Ferimentos em Antonio Francisco Quaresma
182 4533 Costa - José do Canto - Réu 1760
Denuncia Difamatória contra o Pe. José Corrêa
Porto
194 4850 Costa - José Ferreira da - Autor 1759 Injúria atroz
195 4894 Costa - Leandro Ferreira da - Réu 1750 Furto
216 5398 Costa - Luciana Maria da - Réu 1812 Ferimentos em Maria Joaquina Soares
225 5596 Costa - Manoel Gonçalves da - Réu 1759
Seqüestro de bens, assassinato de Agostinho
Coelho
219 5465 Costa - Martinho Rodrigues da - jetos Autor 1761 Furtos de vários ob
211 5279 Couto - Francisco Carvalho do - Autor 1745 Injúria atroz
221 5506 Couto - Páscoa Ferreira do - Réu 1746 Assassinato de Domingos Marques
175
221 5495 Cruz - Antonio Gonçalves - Réu 1743 Seqüestro de escravos
225 5594 Cruz - Antonio Martins da - Réu 1791 Furto da Mulher de Silvério J. Espinosa
207 5182 Cruz - João Gonçalves da - Autor 1741 Injúria atroz
223 5539 Cunha - Ana Florência da - Réu 1803 Ferimentos em Rita Gomes da Silva
198 4956 Cunha - Ana Florência da - Autor 1815 Preso por suspeitas
200 5001 Cunha - Antonia Florência da - Autor 1815 Carta de seguro
216 5399 Cunha - João Pedro da - Réu 1812 Pancadas em Hilário Gonçalves
182 4535 Cunha - José Manoel da - aria Réu 1745 Tentativa de morte da escrava Rosa M
224 5578 Cunha - Manoel José da - Réu 1817 Arrombamento e roubo
207 5163 Dantas - Manoel da Silva Autor 1768 Cobranças com violências
182 4532 Deniz - Luiz Alves Réu 1755 Defloramento de Páscoa Maria Ressurreição
229 5708 Dias - Francisco - Réu 1814 Ferimentos no Alferes Antonio Vieira Lopes
137 4599 Dias - Francisco - Réu 1814 Ferimentos por pancadas
231 5749 Dória - José Anacleto - Autor 1804 Injúria atroz
228 5680 Dória - José Anacleto - Réu 1809 Insultos em Pasquim
189 4732 Duarte - Ana Maria - Autor 1773 Injúria e danos
201 5015 Encarnação - Ana Jacinta da - Autor 1805 Roubo
218 5447 Euzébio - Antonio - Réu 1809 Tiro em Antonio José Machado
202 5050 Faria - Joaquim Caetano de - Réu 1810 Ferimentos em Manoel José Leite
231 5778 Fernandes - José Teixeira - Autor 1820 Injúria atroz
207 5172 Fernandes -Demétrio - Réu 1814 Ferimentos em Maria Clara
209 5227 Ferreira - Alexandre Francisco - Autor 1815 Bordoadas
224 5586 Ferreira - Francisco - (Capitão do mato) R u é 1804 Achado de dois cadáveres sem cabeça
195 4888 Ferreira - Jacinto - Diniz e... Réu 1806 Ferimentos em Alferes Pedro Fernandes
236 5903 Ferreira - João Barbosa - Autor 1815 Desordens privadas
205 5129 Ferreira - Joaquim Paulo - u 1803 Uso de armas proibidas
215 5377 Ferreira - Manoel - Autor 1808 Ferimentos no autor
231 5758 Ferreira - Manoel - Autor 1808 Pancadas no autor
223 5554 Ferreira - Marçal José - Réu 1812 Ferimentos em Domingos (angola)
182 4528 Ferreira - Serafim - Réu 1818 Livramento de crime
218 5442 Filgueiras - Joaquim Nunes - Réu 1800 Tiro em José Isidoro de Souza Teles
176
231 5776 Filho - José Barbosa Castro - Réu 1820 Ferimentos em Antonio Ferreira de Vicerios
230 5729 Fonseca - Fernando José da - Réu 1807 Ferimentos em José Alves Quinta
210 5245 Fonseca - Francisco Xavier da - Autor 1770 Injúria atroz
214 5332 mulher)
Fonseca - Jacinto Coelho da - (e sua
Autor 1784 Injúria atroz
204 5114 Francisco - (Mina) Réu 1793 Morte de Domingos da Cruz
221 5513 Franco - José de Souza - Réu 1800
Assassinato de Francisco escravo de seu próprio
réu
218 5441 Freire - José Gonçalves - Réu 1799 Tiros e ferimentos em Manoel do Nascimento
188 4701 Freitas - Manoel - (pardo forro) Réu 1792
Tentativa de morte contra Maria Ferreira da
Cunha
209 5237 Fróes - Manoel Rodrigues - Réu 1798 Tiros a esmo
215 5367 Garcia - Vicente - (e outro) Réu 1816
Incêndio do rancho de Antonio Gonçalves da
Silva
237 5920 Geraldo - Manoel - Réu 1816 Ferimentos em Antonio Benguela
237 5939 Gomes - João - e outros Réu 1812 Espancamento de Maria Eugenia
190 4746 Gomes - Manoel - (pardo) Réu 1804 Ferimentos em Manoel dos Santos
224 5585 Gomes - Vitor - Réu 1804 Ferimentos em Miguel (benguela)
184 4593 Gonçalves - Maria Clara - Autor 1796 Ação de divórcio
227 5648 Guimarães - João Francisco - Autor 1807 Injúria
199 4980 Guimarães - João Francisco - Réu 1788 Suspeição de diversos crimes
181 4496 Guimarães - José de Oliveira - e outros Réu 1804 Livramento de crime
188 4716 Guimarães - José Pacheco - Autor 1768 Injúria atroz
232 5796 Henriques - Manoel de Freitas Réu 1795 Pancadas em Maria Ferreira
201 5019 Hipólito - (escravo) Réu 1789 Ferimentos em José Pinto Barbosa
197 4939 Jesus - Francisca Tereza de - Autor 1810 Injúria atroz
206 5148 Jesus - Genoveva Maria de - (e outros) Autor 1811 Carta de seguro
193 4831 Jesus - Juliana Moreira de - Réu 1791 Adultério
203 5069 Jesus - Luciana Francisca de - Autor 1811 Ameaça de morte
224 5581 João - (e outros) Réu 1813 Ferimentos em Elias Teixeira e outros
224 5573 Joaquim (crioulo) Réu 1814 Pancadas em Antonio Machado Lima
177
232 5784 Joaquim (negro) Réu 1820 Ferimentos em Maria Silva
218 5431 Jorge - José Gonçalves - Réu 1814 Ferimentos em André Monteiro de Aguiar
218 5456 José - (escravo) Réu 1810 Ferimentos em Lucas Coelho
181 4499 José - João - Réu 1793 Ferimentos em João Pinto de Sá Pereira
221 5512 A Justiça Autor 1800
Assassinato de Manoel P. de Melo -dentro da
cadeia
207 5171 A Justiça Autor 1802 Assassinato de Maximiliano (pardo)
207 5173 A Justiça Autor 1801 Assassinato de Pedro escravo
180 4478 A Justiça Autor 1814 Crime por tiro dado em casa Eugênia Rosa
231 5764 A Justiça Autor 1803
Ferimentos em Francisca D. de Araújo (crioula
forra)
188 4709 A Justiça Autor 1801
Ferimentos em Francisco Inácio de S. Ferreira
outros
215 5370 A Justiça Autor 1801 Ferimentos em Joana Maria de Jesus
224 5582 A Justiça Autor 1803 Ferimentos em Joaquina Rosa Teixeira (crioula)
211 5281 A Justiça Autor 1816 Ferimentos em José Joaquim Moreira, a noite
211 5283 A Justiça Autor 1815 Ferimentos em Luisa Rosa de Jesus
197 4944 A Justiça Autor 1815 Ferimentos em Manoel de Souza (crioulo)
211 5282 A Justiça Autor 1815 Ferimentos em Vitória Pereira
229 5709 A Justiça Autor 1814 Ferimentos na preta (Joana)
217 5415 A Justiça Autor 1801
Ferimentos no oficial de justiça Antonio Dias
Braga
204 5113 A Justiça Autor 1804 Furto em casa de Francisco de Miranda
195 4873 A Justiça Autor 1803 Ferimentos de Antonio J. Rodrigues V.
204 5097 A Justiça Autor 1803 Tiros dados a esmo
185 4624 Justiniano - (de tal) Réu 1818 Crime de morte de José da Silveira
215 5373 Justo - (de tal) Réu 1818 Assassinato de Francisco (pardo)
212 5299 Laia - Francisco Luciano de - Réu 1819 Assassinato de João José de Souza
225 5613 Lanhoso - João Carvalho - Réu 1757 Tiro em Manoel da Fonseca
229 5715
Leal - Manoel Braz Ferreira da Silva -
(Cap.) Réu 1794 Ferimentos a espada no soldado Antonio Morais
178
198 4960 Leal - Miguel Antonio Gonçalves - (Cap.) Autor 1806 Injúrias, perdas e danos
221 5507 Lima - José de Souza - Autor 1817 Injúria atroz
191 4791 Lima - Manoel da Costa - (e outros) Réu 1815
Violências e injurias contra José Manoel Alves
Gardim
213 5307 Lima - Severino Rodrigues - Réu 1755 Ferimentos em Manoel Rodrigues de Coelho
228 5679 Lisboa - Luiz Vicente Corrêa - Réu 1802 Pancadas em Jacinta (crioula)
204 5105 Lopes - Rosa Maria - (e suas filhas) Réu 1803 Pancadas em Inácia da Luz
183 4574 Lucia Maria (e sua filha) Réu 1748 Espancamento de Maria Lucia de Souza
187 4668 Machado - Domingos Réu 1789 Ferimentos e pancadas - Hábeas Corpus
192 4814 Machado - José Cardoso - Autor 1785 Injúria atroz
202 5045 Machado - José Pereira - Autor 1755 Injúria
219 5468 Machado - Manoel Jorge Réu 1813
Arrombamento da casa de André Monteiro
Aguiar
230 5734 Machado - Sebastião Rodrigues - Réu 1801 Ferimentos em Francisca Dias
184 4591 Magalhães - Manoel Alves de - Autor 1749 Ação de Injúria atroz
221 5505 Magalhães - Pedro da Costa - Autor 1757 Ferimentos em João Angola
182 4515 Magalhães - Ventura Vieira de - Réu 1818 Livramento de crime
204 5111 Manoel - (angola) Réu 1804 Morte de Izabel (preta Forra)
203 5063 Margarida (parda forra e outros) Réu 1801 Morte de Antonio Vieira Bastos
204 5112 Martins - Manoel - (e outros) Réu 1803 Assassinato de Manoel Teixeira
231 5753 Martins - Salvador - Réu 1805 Ferimentos em Julio Martins
204 5101 Mata - Manoel Gonçalves da - Autor 1761 Pancadas num escravo
208 5223
Mendonça - Manoel Camilo Cardoso Jorge
de - Autor 1799 Querelas
183 4566
Menezes - José Souza Cunha (sargento
mor) Autor 1794 Crime de injúria atroz
183 4567 Menezes - José Vieira de - Autor 1815 Denuncia do autor a apurar pela Justiça
193 4840 Miranda - Antonio Teixeira de - Réu 1812 Ferimentos em João Machado Ribeiro
200 5000 Miranda - Antonio Teixeira de - Autor 1815 Tentativa de morte
229 5717 Miranda - Catarina Gonçalves - Autor 1774 Injúria atroz
188 4699 Monteiro - Antonio de Souza - (Alferes) Autor 1775 Injúria atroz
179
230 5728 Monteiro - Gonçalo Rodrigues - Réu 1771 Assassinato de Antonio Moreira Chaves
220 5477 Monteiro - José Gonçalves - (e outros) Réu 1810 Assassinato de João José de Souza Ferrão
201 5018 Monteiro - Manoel - Autor 1818 Arrombamento da casa e ferimento de André M.
224 5579 Monteiro - Manoel - Autor 1814 Ferimentos feitos no autor
213 5323 Morais - Antonio Lopes de - Autor 1759 Injúria atroz
211 5261 Morais - Francisco Gonçalves de - Réu 1794 Assassinato de Felisberto (escravo)
192 4823 Morais - José Joaquim - Réu 1814 Preso por suspeitas
230 5735 Mota - José Joaquim Teobaldo Pinto da - u 1804 Pancadas em Luiza Lopes de Amorim
224 5576 Moura - Bernarda Maria de - Réu 1742 Facadas em Francisca Gomes
215 5366
Muniz - José Joaquim de N. S. da
Conceição Autor 1777 Injúria atroz
202 5047 Nascimento - Francisco Dias do - Réu 1814 Ferimentos no Alferes Antonio Vieira Lopes
218 5443 Neto - Domingos Pereira - Réu 1811 Assassinato de Aleixo (carreiro)
230 5730 Novais - Jacinto de Souza - Réu 1804 Ferimentos em Suzana Ferreira de Souza
211 5264 Oliveira - Antonio Joaquim de - Réu 1791 Ferimentos em uma escrava
193 4838 Oliveira - Custódio Fernandes de - Réu 1769 Morte de Mateus de Oliveira (Suspeitas)
194 4849 Oliveira - José Lopes de - (Te.) Autor 1774 Injúria
183 4571 Oliveira - Manoel Carvalho de - Réu 1746 Espancamento
200 4999 Oliveira - Placidina Rosalia de - (e outros) Réu 1814 Agressão de Esteves Teixeira
209 5235 Oliveira - Vitorino Vidal de - Réu 1794 Ferimentos em Manoel Pedro
184 4598 Ozório - Simão da Cunha - Réu 1791 Ferimentos
219 5458 Paula - Francisco de - Réu 1813 Pancadas em Joaquim Jerônimo
188 4707 Paula - Francisco de - (e outros) Réu 1804 Agressão contra Manoel Francisco (e outros)
221 5510 Paulo - João - ( e outros) Réu 1802 Ferimentos no Alferes Antonio Coelho de Souza
185 4630
Pedro - (de tal) feitor do Cap.. Manoel
Gomes Réu 1820 Crime de morte de Domingos do Monte
205 5127 Pedro - (escravo) e outros Réu 1793 Assassinato de Antonio (pardo)
189 4543 Pedro - Manoel - Réu 1792 Facadas em Bernardo Maciel
185 4625 Penedo - Inácio Mendes - Réu 1819 Ferimentos em Manoel Gomes
213 5314 Perdigão - Luiz da Silva - Réu 1812 Ferimentos em Justa Luiza
205 5137 Perdigão - Luiz da Silva - Réu 1813 Pancadas em Justa Luiza
180
229 5710 Pereira - Alexandre José - (Pe.) Autor 1814 Injúria atroz
226 5636 Pereira - João Pinto - Autor 1768 Injúria atroz
199 4990 Pereira - João Rodrigues - Autor 1793 Ferimentos no autor
226 5623 Pereira - Joaquim Gomes - Autor 1789 Injúria atroz
185 4637 Pereira - José Barroso - Autor 1813 Crime de morte de Felisberto Severino dos Anjos
195 4890 Pereira - Manoel - Réu 1814 Pancadas em José Raposo
220 5489 Pereira - Manoel João - Réu 1820 Ferimentos em Inocêncio da Costa Novais
230 5727 Peres - Bernardo - Réu 1770 Ferimentos em Bernardo Mendes
213 5321 Pessoa - Antonio Rodrigues - Autor 1769 Injúria atroz
192 4813 Pinheiro - Cipriano da Costa - Autor 1792 Adultério e rapto da esposa do autor
215 5355 Pinheiro - Cipriano da Costa - Autor 1792 Divórcio
221 5511 Pinheiro - Clemente - Réu 1802 Assassinato de um cabra
215 5374 Pinto - João - (e outro) Réu 1818 Morte de João Duro (crioulo forro)
193 4828 Pinto - Joaquim José - Réu 1809 Agressão a uma mulher
184 4592 Pombeiro - Alexandre Rodrigues - Autor 1747 Injúria atroz
224 5584 Pontes - Felix da Silva - (e outros) Réu 1804 Ferimentos em Joaquim Monteiro de Godoy
224 5572 Porto - Antonio José de Araújo - (Alferes) Réu 1817 Conflito em uma cavalhada
222 5523 Rabelo - Manoel dos Santos - Autor 1817 Ferimentos no autor
212 5288 Rabelo - Miguel Joaquim Ferreira - u 1806 Tiro contra escravo Ventura
219 5466 Rebelo - José Posidônio Ferreira - Réu 1779 Defloramento
211 5280 Rego - Miguel de Souza - (e outros) Autor 1810 Injúria atroz
231 5760 Reis - Álvaro Dias dos - Réu 1803 Assassinato de Anastácio Gomes Pereira
209 5242 Reis - João Antunes dos - Autor 1773 Ameaça de morte por brigas de terras
188 4706 Resende - Eleutério Caldeira - Autor 1769 Injúria atroz
207 5169 Ribeiro - Domingos Carvalho - Autor 1770 Ferimentos no autor
185 4614 Ribeiro - João - (crioulo) Réu 1816 Conflito
209 5224 Ribeiro - João Machado - Autor 1797 Espancamento do autor
209 5236 Ribeiro - Teotônio Francisco - (Cap.) Réu 1796 Bordoadas em Jerônimo José dos Santos
230 5738 Rocha - Antonio José de - Réu 1809 Facadas em Apolinária de tal
231 5769 Rocha - Francisca Rosa da - (e outros) Réu 1804 Ferimentos em Manoel Muniz
216 5395 Rocha - Joaquim Alves - Réu 1812 Pancadas em Joaquim da Silva
181
230 5736 Rocha - José Ferreira da - Réu 1816 Ferimentos em José Moreira
214 5338 Rocha - Maria Joana da - Autor 1817 Assassinato de Joana (crioula)
220 5491 Rodrigues - Domingos - (crioulo) Autor 1814 Espancamento do autor
221 5498 Rodrigues - José Ferreira - Réu 1820 Ferimentos em José Manoel Alves Gardim
237 5938 Rosalia - Placidina - Réu 1814 Tumultos em Piranga
231 5752 Rosário - Francisco Xavier do - Autor 1762 Injúria atroz
180 4476 Sá - José Moraes de - Autor 1760 Denuncias em pancadas em um escravo
213 5320 Salazar - Antonio Santiago - Autor 1755 Injúria atroz
225 5615 Salazar - Joaquim Santiago - (Alferes) Réu 1809 Ferimentos em José Alves Cordeiro
180 4474 Salgado - Luciano de Faria - Réu 1810 Pedido de livramento pelo réu
234 5851 Sampaio - Manoel Gonçalves de - Autor 1746 Injúrias
229 5722 Santa Rosa - Ana Maria de - Autor 1776 Injúrias
189 4728 Santana - Joaquim José de - Réu 1818 Ferimento em um mascarado e resistência a prisão
206 5149 Santos - Antonio dos - (e outros) Réu 1820 Pancadas em Antonio José
181 4495 Santos - Camilo José dos - Réu 1812 Livramento
213 5309 Santos - Inácio José dos - (e outros) Réu 1818 Resistências as ordenanças e ferimentos
190 4771 Santos - João Batista dos - (Alferes) u 1806 Ferimentos no escravo Antonio Pereira
182 4530 Santos - José Ferreira dos - Réu 1748 Ferimentos em escravo
224 5568 Santos - Maria Corrêa dos - Réu 1815 Assassinato de Manoel da Costa
199 4982 Santos - Valentim dos - Réu 1818 Ferimentos em um mascarado (carnaval)
208 5213 Serafim - José - (pardo) Réu 1801 Ferimentos em Manoel de Souza Fernandes
190 4768 Severino (e seu escravo) Réu 1808 Ferimentos em Severina da Silva
202 5039 Sezilia - Maria - (parda forra) Autor 1748 Crime de adultério
223 5542 Silva - Ana Rita da - Autor 1814 Agressão e ameaça de morte
185 4622 Silva - Antonio da Fonseca - Réu 1794 Roubo na capela do Caraça.
204 5103 Silva - Antonio Gonçalves da - Autor 1820 Ferimentos em Antonio Gonçalves
198 4954 Silva - Antonio Gonçalves da - Autor 1820 Ferimentos no autor
213 5319 Silva - Antonio Pereira da - Autor 1756 Injúria atroz
220 5478 Silva - Bento Álvares da - Réu 1818 Insultos por pasquins
223 5543 Silva - Braz Gomes da - Réu 1812 Agressão a Clara Maria da Assunção
231 5748 Silva - Braz Gomes da - Réu 1815 Assassinato de Francisco Rodrigues
182
183
224 5587 Silva - Domingos - Réu 1804 Assassinato de Manoel Botelho
193 4830 Silva - Francisco Delgado da - Autor 1806 Pancadas em uma casa de presépio
226 5631 Silva - Francisco Gomes da - (e outros) Réu 1815 Assassinato de Francisco Rodrigues Pinto
207 5181 Silva - Francisco Rodrigues da - Autor 1798 Ferimentos feitos a chicote
224 5575 Silva - Joana Pereira da - Autor 1771 Injúrias
213 5310 Silva - José Antonio da - Réu 1820 Carta de seguro por querela
203 5075 Silva - José Antonio da - (e outros) Réu 1817 Pancadas e facadas em José Luiz da Silva
191 4789 Silva - Luiz Vaz da - Autor 1806 Violências em cobranças de dinheiro
184 4597 Silva - Manoel Caetano da - Autor 1799 Injúria atroz
190 4749 Silva - Manoel Euzébio da - Réu 1816 Ferimentos em Gabriel Gomes Pereira
209 5228 Silva - Manoel Luiz da - Autor 1764 Injúria atroz
183 4556 Silva - Manoel Pereira da - Autor 1810 Crime de injúria
201 5031 Silva - Severina Rodrigues da - (e outro) Autor 1809 Ferimento na autora
183 4575 Silva - Severina Rodrigues da - (e outro) Autor 1809 Ferimentos
222 5530 Silva - Vicente Garcia da - Réu 1819 Ferimentos em Antonio Gonçalves
219 5472 Silveira - Antonio Brum da - (e sua mulher) Réu 1798 Espancamento de Mariana, escrava
227 5649 Silveira - Antonio Brum da - (e sua mulher) Réu 1798 Ferimentos na escrava de nome Mariana
206 5155 Silveira - Antonio José da - (e outro) Réu 1741 Ferimentos em Antonio Martins de Miranda
222 5522 Silveira - Francisco Pereira da - (Alferes) Autor 1797 Injúria atroz
236 5893 Silveira - José Brum da - Réu 1820 Assassinato de Maria Joaquina
205 5132 Soares - Francisco - (forro) Réu 1815 Ferimentos em escravo de Carlos Teixeira
229 5716 Soares - João Alberto - Autor 1791 Morte de um escravo
227 5650 Soares - Josefa Maria - Autor 1776 Injúrias
212 5292 Souza - Ana de - (e seu tutor) Autor 1750 Atentado ao pudor. Defloramento
227 5644 Souza - Antonio José de - Autor 1814 Ferimentos no autor
204 5109 Souza - Eugenio da Silva e - (e outros) Réu 1792
Tentativa de morte de Antonio Gonçalves
Moreira
224 5571 Souza - Izabel Pereira de - u 1813 Pancadas em Maria Garcia
197 4940 Souza - João Gomes de - Réu 1815 Prisão por suspeita
189 4729 Souza - Luiza Maria de - Autor 1809 Injúria atroz
225 5591 Souza - Miguel Ferreira de - Réu 1794 Adultério
184
207 5183 Teixeira - Carlos - (e outro) Autor 1802 Injúria atroz
232 5803 Teixeira - Manoel Rabelo - Réu 1807 Rapto de uma índia
190 4748 Teves - Henrique de Souza - Autor 1741 Termo de bem Viver
234 5836 Toledo - Joaquim José Ferreira de - (Cap.) Autor 1809 Injúria
234 5842 Valadão - Rosa da Silva - Autor 1764 Pancadas na autora
200 5014 Vale - Teodolio de Oliveira - Autor 1745 Agressão em sua amasia empregada do autor
186 4659 Veloso - Manoel Barbosa - (e outros) Autor 1793 Ferimentos
196 4905 Viana - Manoel Nascimento da Silva - Réu 1811 Preso por suspeitas
182 4516 Vicente - (cabra) Réu 1814 Ferimentos feitos em André Monteiro de Aguiar
222 5518 Vicente - Luiz - Réu 1802 Assassinato de Jacinta (Crioula)
209 5234 Vieira - Ana - (e sua filha) Réu 1794 Crime de Alcoviteira e Mancebia (D.Janeirinha)
226 5626 Vieira - Angélica Maria - Réu 1806 Devassa Janeirinha Mancebia
229 5712 Vieira - Caetano Gonçalves -(e sua mulher) Autor 1777 Injúria atroz
231 5746 Vieira - Francisco Simões - Autor 1781 Injúria
222 5533 Vilas Boas - Inácio Manoel de - Autor 1764 Injúria atroz
195 4878 Vitoriano - Joaquim - (e outros) u 1803 Assassinato do índio Miguel Babosa
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