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VALDETE MARQUES ARNAUT ANTIQUEIRA
A EVITABILIDADE DO ÓBITO MATERNO E
PROPOSIÇÕES POLÍTICAS E LEGAIS VOLTADAS À
ATENÇÃO À SAÚDE REPRODUTIVA
CUIABÁ-MT
2008
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE EMFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
VALDETE MARQUES ARNAUT ANTIQUEIRA
A EVITABILIDADE DO ÓBITO MATERNO E
PROPOSIÇÕES POLÍTICAS E LEGAIS VOLTADAS À
ATENÇÃO À SAÚDE REPRODUTIVA
CUIABÁ-MT
2008
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VALDETE MARQUES ARNAUT ANTIQUEIRA
A EVITABILIDADE DO ÓBITO MATERNO E
PROPOSIÇÕES POLÍTICAS E LEGAIS VOLTADAS À
ATENÇÃO À SAÚDE REPRODUTIVA
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem, da
Universidade Federal de Mato Grosso,
como requisito para obtenção do título
de Mestre em Enfermagem. Área de
concentração: Processos e práticas em
saúde e enfermagem.
Orientadora: Drª Edir Nei Teixeira
Mandú.
CUIABÁ-MT
2008
4
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
A629p ANTIQUEIRA, Valdete Marques Arnaut
A evitabilidade do óbito materno e proposições políticas e
legais voltadas à atenção à saúde reprodutiva/Valdete Marques
Arnaut Antiqueira. Cuiabá, 2008.
156 f.
Dissertação apresentada ao Programa Mestrado da
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), como parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre.
Orientador(a): Profª Dr.Edir Nei Teixeira Mandú.
1. Mortalidade materna. 2. Saúde da mulher 3. Qualidade da
assistência 4. Política de saúde I. Título. II. Antiqueira, Valdete
Marques Arnaut. III. UFMT.
CDU: 618.3
5
VALDETE MARQUES ARNAUT ANTIQUEIRA
A EVITABILIDADE DO ÓBITO MATERNO E PROPOSIÇÕES POLÍTICAS E
LEGAIS VOLTADAS À ATENÇÃO À SAÚDE REPRODUTIVA
Esta dissertação foi submetida a processo de avaliação por Banca Examinadora,
para obtenção do título de Mestre em Enfermagem sendo aprovada na sua versão
final em 22/02//2008, segundo as normas da legislação vigente da UFMT e do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem.
________________________________
Drª Maria Aparecida Munhoz Gaíva
Coordenadora do Programa
BANCA EXAMINADORA:
___________________________
Drª Edir Nei Teixeira Mandú
Presidente (Orientadora)
___________________________ ______________________
Áurea Christina de Paula Corrêa Cleusa Alves Martins
Membro Efetivo Membro Efetivo
________________________ ________________________
Neuci Cunha dos Santos Maria Alves Barbosa
Membro Suplente Membro Suplente
Cuiabá-MT
2008
6
DEDICATÓRIA
Ao meu esposo Vanderley, pois com você
consegui trilhar mais uma etapa de meu
caminho, graças a seu apoio e incentivo. Com
muito amor, com trabalho e honestidade,
alcancei meus objetivos.
Às minhas filhas Natália e Giovana, pelo
carinho, dedicação e paciência nas minhas tão
necessárias ausências. Agradeço por serem tão
compreensivas e amorosas, o que me fortaleceu
para mais esta vitória. Em nome de Jesus, minha
eterna gratidão.
7
AGRADECIMENTOS
Ao meu Senhor Jesus Cristo,
de onde recebi o dom mais precioso que poderia
me dar: a VIDA.
Aos meus Pais,
que me preencheram de alegrias, carinho,
compreensão e muito amor, abrindo as portas de
meu futuro, como principais responsáveis pela
minha formação moral e intelectual, conduzindo-
me à compreensão dos preceitos de idoneidade,
solidariedade, boa conduta e, acima de tudo,
respeito pelo ser humano, sempre me iluminando
e abençoando. O meu eterno agradecimento.
A minha orientadora, Prof.ª Drª Edir Nei
Teixeira Mandú,
pelo incentivo, paciência e ajuda durante a
confecção desta. Sem o seu precioso
conhecimento, não conseguiria. Meus sinceros
agradecimentos.
Aos meus colegas do mestrado e demais
professores,
pelos bons momentos que passamos durante
esta jornada.
Ao governo do Estado de Mato Grosso,
colegas da UNIC e da Escola de Saúde
Pública de Mato Grosso.
Ao primeiro, pela minha liberação para a
qualificação profissional tão desejada; aos
demais, pela oportunidade de convivência, apoio
e compreensão.
8
EPÍGRAFE
Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida;
quem crê em mim, ainda que esteja morto,
viverá;
E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca
morrerá.”
Jesus Cristo
João 11:25-26
9
RESUMO
ANTIQUEIRA, Valdete Marques Arnaut. A evitabilidade do óbito materno e
proposições políticas e legais voltadas à atenção à saúde reprodutiva. 2008. 156 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2008. Orientadora: Dra Edir Nei
Teixeira Mandú.
A evolução científica e tecnológica nas últimas décadas do século XX
resultou em benefícios na área de saúde materna e fetal. Apesar disso, as
estatísticas oficiais nos revelam que o óbito materno configura-se como um evento
marcante e que merece destaque nas políticas públicas, sendo considerado
evitável. A morte materna resulta de um conjunto de vulnerabilidades que abrange,
entre outros, aspectos relacionados à assistência à saúde. Assim, analisamos
proposições políticas e legais nacionais atualmente em vigor, voltadas à atenção
obstétrica e ao planejamento familiar, buscando evidenciar a direcionalidade dada
às medidas e estratégias propostas para sua organização, gestão e assistência,
com implicações para o enfrentamento do óbito materno. Realizamos um estudo
descritivo-analítico em documentos da política nacional relacionados à saúde
reprodutiva e sexual e à evitabilidade do óbito materno, encaminhado por meio de
uma abordagem qualitativa. São fontes de dados documentos públicos atuais da
esfera nacional: as portarias 569 e 1.067 do Ministério da Saúde, que tratam da
política de atenção obstétrica; a Lei Federal 9.263, que regulamenta o planejamento
familiar; o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal; e o
documento ministerial que apresenta diretrizes para garantia dos direitos sexuais e
reprodutivos e delineia a política de planejamento familiar. Para o processo
analítico, utilizamos a análise de conteúdo temática. Os valores evidenciados nos
documentos foram: garantia de direitos reprodutivos e sexuais; humanização;
integralidade da atenção; e respeito a aspectos éticos-legais em pesquisa.
Identificamos que, de forma abrangente, tanto a assistência obstétrica como ao
planejamento familiar encontram-se direcionadas por finalidades que se inter-
relacionam: a reversão do quadro de morbimortalidade materna; o nascimento
saudável e o bem estar materno; e a melhoria do acesso, da cobertura e qualidade
da assistência. São encontrados grandes eixos estratégicos, abrangendo a
organização da rede, a garantia de recursos físicos, materiais, humanos e
financeiros, o partilhamento de responsabilidades, a elaboração de normas e
protocolos, a produção de ações diagnósticas, de informações e avaliação, além de
tecnologias comunicacionais e de articulação intersetorial. No âmbito assistencial,
são discutidas ações informativas e educativas, clínico-assistenciais e de vigilância,
incluindo a dimensão inter-relacional. Essas proposições estratégicas encontram-se
sintonizadas com os valores e as finalidades encontrados, refletindo avanços na
política, embora elas também reflitam características do modelo predominante em
saúde, sobretudo pela perspectiva de controle de riscos que as atravessa.
Palavras-chave: Mortalidade Materna, Saúde da Mulher, Qualidade da Assistência,
Políticas de Saúde.
10
ABSTRACT
ANTIQUEIRA, Valdete Marques Arnaut. The prevention of the maternal death and
the legal and the politics proposals directed to the attention to the reproductive
health. 2008. (Master in Nursing) - Course of Consultant Gradation in Nursing,
UFMT, Cuiabá, Brazil. 156 l.
Oriented by Dr Edir Nei Teixeira Mandú.
The scientific and technological evolution in the last decades of 20th
century resulted in benefits in the health maternal and fetal area. Despite this, the
official statistics in disclose them that the maternal death is configured as a relevant
event and that deserves prominence in the public politics, being considered an avoid
event. The maternal death results of a set of vulnerabilities that includes, among
others, aspects related to the assistance to the health. Thus, we analyze proposals
currently national legal politics, directed to the obstetric attention and the familiar
planning, searching to evidence the given directionality they and the measures and
strategies proposals toward its organization and process of management and
assistance work, in view of the confrontation of the maternal death. We
accomplished a description-analytical research related to the reproductive and
sexual health and the avoidness of the maternal death, directed through a
qualitative boarding. It was established as source of data current public acts of the
national sphere: Governmental decree GMS 569 and 1,067, that they deal with the
politics of obstetric attention; Federal Law 9,263, that it regulates the familiar
planning: the National Pact of Reduction of the Maternal Death and Neonatal; e the
document that presents national lines of direction for guarantee of the sexual and
reproductive rights. For the analytical process it was used analysis of content with
some adaptations. The values evidenced in the documents directed to the attention
to the reproductive and sexual health had been: guarantee of reproductive and
sexual rights; humanization and production of autonomy and protagonism of the
citizens; completeness of the attention; respect the ethical-legal aspects. It was
possible to identify that, of including form, as much the obstetric assistance as to the
familiar planning meets directed by given purposes, that if interrelate, as: healthful
birth and welfare maternal; reversion of the disease and mortality maternal picture;
regulation of the fertility; e improvement of the access, the covering and quality of
the obstetric assistance. Great inherent axles to relative the strategies proposals to
the organization of the services and action of reproductive health had been argued,
to the management of the obstetric assistance and to the familiar planning and the
technologies in the educative, physician-preventive sphere and of monitoring,
including the inter relation of dimension. In a general way, these proposals meet
symptom with the axis and found purposes, reflecting advances in the politics, even
so they also reflect in relevant way characteristic strategies of the predominant
model in health, over all for the perspective of risk control that crosses them.
Word-key: Maternal mortality, Health of the Woman, Quality of the Assistance,
Politics of Health.
11
RESUMÉM
ANTIQUEIRA, Valdete Marques Arnaut. ANTIQUEIRA, Valdete Marques Arnaut. La
evitabilidad del óbito materno y proposiciones políticas y legales enfocadas a la
atención a la salud reproductiva. 2008. (Mestrado en el oficio de enfermera) - curso
de Pós-Graduación en el oficio de enfermera, UFMT, Cuiabá, Brasil, 156 h.
Orientadora: Dra. Edir Nei Teixeira Mandú.
La evolución científica y tecnológica en las décadas pasadas del siglo XX
dio lugar a ventajas en la área de la salud materna y fetal. A pesar de esto, los
estadísticos oficiales nos divulgan que la muerte materna está configurada como
acontecimiento marcante y que merece la prominencia en la política pública. Ella és
considerada un acontecimiento evitable. La muerte materna resulta de un sistema
de vulnerabilidades que incluye, entre otros, aspectos que se relacionan con la
asistencia a la salud. Así, analizamos proposiciones políticas y legales nacionales
actualmente en vigor, direccionadas a la atención obstétrica y al planeamiento
familiar, buscando evidenciar la direccionalidad dada a ellas y las medidas y las
estrategías propuestas para su organización y proceso de trabajo gerencial y
asistencial, tendo en vista la confrontación de la muerte materna. Esta investigación
si constituye en un estudio descriptivo-analítico de documentos de la política
nacional relativos a la salud reproductiva y sexual y a la evitabilidad de la muerte
materna, encaminada atraves de un abordaje cualitativa. Fué establecido como
fuente de datos los actos públicos actuales de la esfera nacional: Decretos
Govenamientales GMS 569 y 1.067, que se ocupán de la política de la atención
obestetrica; la Leye Federal 9.263, que regula el planeamiento familiar; el Pacto
Nacional de la Reducción de la Muerte Materna y Neonatal; y el documento que
presenta neas direccionales nacionales para la garantía de los derechos sexuales
y reproductivos. Para el proceso analítico fué usada la análisis del contenido con
algunas adaptaciones. Los valores evidenciados en la política direccionada a la
atención a la salud reproductiva y sexual fueran: garantía de los derechos
reproductivos y sexuales; humanização y producción de la autonomía y
protagonismo de los sujetos; la integralidad de la atención; respeto a los aspectos
ético-legales en la pesquisa. Fué posible identificar que, de forma inclusiva, tanto la
asistencia obstétrica como la asistencia al planeamiento familiar se encuentran
direccionadas por determinadas finalidades que si correlacionán, como: nacimiento
saludable y bienestar maternales; reversión del cuadro de dolencia y mortalidade
materna; mejora del acceso, de la cubierta, de la calidad y de la ayuda obstetrica.
Fueran discutidos los grandes árboles inherentes a las proposiciones estratégicas,
incluyendo la organización de la red, la garantía de recursos físicos, materiales,
humanos y financieros, de la división de responsabilidades, de la elaboración de
normas y protocolos, la producción de acciones diagnosticas, de informaciones
evaluaciones, más allá de tecnologías relativas a la comunicación y de la
articulación intersectorial. De una manera general, estas proposicones se
encuentrán en sintonia con los árboles y finalidades que encontró, reflejando
avanzo en la política, a pesar de que también reflejan de manera marcante
caracteristicas estrategicas del modelo predominante en salud, sobretodo por la
perspectiva del control del riesgo que los cruza.
Palabra-llave: Mortalidad Materna; Salud de la Mujer; Calidad de la Asistencia;
Políticas de Salud.
12
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................ 9
ABSTRACT ........................................................................................................... 10
RESUMÉM ............................................................................................................ 11
1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................... 14
2 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 16
3 OBJETIVOS ....................................................................................................... 26
3.1 Geral ........................................................................................................... 26
3.2 Específicos .................................................................................................. 26
4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ............................................................................ 27
4.1 A adoção da perspectiva de integralidade na atenção à saúde reprodutiva .. 27
4.2 A evitabilidade do óbito materno em sua relação com a atenção à saúde .... 34
5 OPERACIONALIZAÇÃO DO ESTUDO .............................................................. 38
5.1 Tipo de pesquisa ......................................................................................... 38
5.2 Fonte de dados ............................................................................................ 39
5.3 Análise dos dados ....................................................................................... 40
6 DOCUMENTOS ANALISADOS .......................................................................... 42
6.1 Portaria GMS 569/01, que institui o programa de humanização do pré-
natal, parto e nascimento (phpn) ........................................................................... 42
6.2 Portaria GM/MS 1.067, que institui a política nacional de atenção
obstétrica e neonatal ............................................................................................. 43
6.3 Lei Federal 9.263, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências relacionadas .............................................. 44
6.4 Documento “direitos sexuais e direitos reprodutivos: uma prioridade do
governo”, que apresenta diretrizes para a garantia desses direitos, enfocando
principalmente o planejamento familiar.................................................................. 45
6.5 Pacto Nacional pela redução da morte materna e neonatal, lançado pela
Presidência da República em 08 de março de 2004. ............................................. 46
7 RESULTADOS DA ANÁLISE DOCUMENTAL ................................................... 47
7.1 Finalidades e princípios da assistência obstétrica e do planejamento ......... 47
familiar................................................................................................................... 47
13
7.1.1 Finalidades da assistência obstétrica e ao planejamento familiar .......... 47
7.1.2 Princípios orientadores da atenção à saúde reprodutiva ........................ 57
7.2 Organização, gestão e funcionamento da assistência reprodutiva .................. 85
7.2.1 Organização da atenção obstétrica e ao planejamento familiar ............. 85
7.2.2 Gestão da assistência obstétrica e ao planejamento familiar ............... 108
7.2.3 Tecnologias voltadas à assistência obstétrica e ao planejamento familiar
..................................................................................................................... 128
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 143
14
1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
Nesta pesquisa, analisamos proposições políticas e legais nacionais em
vigor, voltadas à atenção obstétrica e ao planejamento familiar, buscando
evidenciar a direcionalidade dada a estas e as medidas e estratégias propostas
para sua organização e processo gerencial e assistencial, tendo em vista o
enfrentamento do óbito materno. Para tanto, procuramos correlacionar as
proposições encontradas em torno da atenção à saúde reprodutiva e sexual para
evitabilidade do óbito materno.
Na discussão encaminhada, tomamos como eixos a integralidade da
atenção à saúde, com um recorte na saúde reprodutiva e sexual, e a evitabilidade
do óbito materno na sua relação com os serviços de saúde, apoiando-nos em
autores que debatem o tema.
Minha formação e exercício profissional permitiram-me compreender a
mortalidade materna como um fenômeno evitável, mas que freqüentemente é
encarado com certa naturalidade pela sociedade brasileira e, em alguma medida,
pelos próprios formuladores de políticas, gestores dos serviços públicos e
profissionais da saúde. Entretanto, enquanto estive na Coordenação da Área
Técnica da Saúde da Mulher da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso,
nos anos de 1996 a 2003, também pude testemunhar esforços governamentais
para a promoção da qualidade da assistência obstétrica e para o planejamento
familiar, com o objetivo de melhorar os indicadores de saúde da mulher e de reduzir
a ocorrência do óbito materno. Neste período, também tive a oportunidade de
participar como membro do Comitê Estadual de Mortalidade Materna e de
acompanhar repercussões desse evento na família e sociedade em nosso Estado.
Atuando nesses espaços, reportei-me continuamente às proposições
federais direcionadas à atenção à saúde reprodutiva e sexual, repassando-as a
outros profissionais e utilizando-as como um norte para a realização do trabalho
sob minha responsabilidade.
Apesar do caráter sintético que possuem as proposições técnico-políticas e
legais que orientam a organização e o encaminhamento da atenção obstétrica e ao
planejamento familiar no Brasil, elas contêm importantes referências para o trabalho
nesse campo contemplando princípios, intencionalidades e proposições
15
estratégicas que direcionam a construção de uma dada qualidade, sobretudo para a
atenção à mulher, e que se pode apreender dessas proposições.
Desse modo, para os gestores e trabalhadores em saúde, identificar e
criticar essas proposições é essencial, pois isso permite o seu uso crítico na
tomada de decisão política e técnica. É com essa intencionalidade, então, que
desenvolvemos este estudo, motivadas por nossa experiência profissional e por sua
importância na condução e efetivação crítica da política em questão.
Nos itens 2 e 3, apresentamos, respectivamente, o objeto de estudo com
seu delineamento e os objetivos da pesquisa; nos itens 4 e 5 encontram-se,
sequencialmente, os fundamentos teóricos da pesquisa e a operacionalização do
estudo; no item 6, apresentamos uma síntese dos documentos analisados; no item
7 encontram-se os resultados do estudo, com destaque para as finalidades e
princípios da assistência obstétrica e do planejamento familiar e a organização,
gestão e funcionamento da assistência reprodutiva; e, por fim, no item 8 são feitas
considerações a partir do objeto, objetivos e achados da pesquisa
16
2 INTRODUÇÃO
O movimento da Reforma Sanitária aponta para a mudança no sistema de
saúde no Brasil, tendo em vista a superação de concepções e práticas centradas
na assistência clínica, requerendo uma mudança radical na condução das políticas
públicas (PIANCASTELLI, 2000). Esse movimento, em oposição ao modelo
hegemônico em saúde, deu ênfase ao vínculo entre o setor saúde e a sociedade,
aliando-se a correntes políticas e organizações sociais insatisfeitas com a
sociedade instituída (JACOBI, 1989), orientado-se por uma visão abrangente de
saúde e cidadania.
A partir daí, o Brasil vem investindo na ampliação da sua rede de
prestação de serviços (estatal e privada) e tem feito reformulações profundas no
setor saúde, concomitantemente a reformulações do Estado (SOUZA, 2000).
Em decorrência desse processo, aprovou-se, por meioda Constituição
Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), que reconheceu a saúde como
um direito a ser assegurado pelo Estado, fundamentado nos princípios da
universalidade, eqüidade, integralidade e nas diretrizes de descentralização,
hierarquização e participação social da população.
As leis 8.080 (BRASIL, 1990a)
e 8.142 (BRASIL, 1990b), que lhe deram
sustentação jurídica, possibilitaram novas decisões e práticas no campo da saúde,
com o envolvimento de novos e múltiplos atores, que provocaram mudanças
significativas na atenção à saúde.
No processo de implementação do SUS houve investimentos mais efetivos
na ampliação e qualificação da rede de serviços de saúde e ocorreram avanços
evidenciados a partir da descentralização das ações de saúde e da ampliação do
acesso e qualidade da assistência (CORDEIRO, 2000).
Apesar disso, também se reconhece que o sistema de atenção à saúde
vigente ainda precisa avançar muito em questões como a integralidade,
humanização, resolutividade, entre outras, mediante a reorganização dos seus
serviços e a produção de uma nova qualidade dos seus processos de trabalho em
saúde, que deve atingir as suas diferentes áreas assistenciais (como a atenção à
saúde reprodutiva e sexual).
Cabe ressaltar que a implementação do SUS vem sendo acompanhada
por certas mudanças no perfil demográfico e epidemiológico da população
17
brasileira. Mas ainda estão presentes, de forma marcante, desigualdades sociais e
regionais que afetam a esperança de vida ao nascer e as taxas de mortalidade,
fecundidade e natalidade (CORDEIRO, 2000), entre outros indicadores de saúde-
doença.
Entre os perfis de mortalidade no Brasil, encontra-se a problemática da
morte materna, considerada um grave problema de saúde pública, por ocorrer no
período em que a mulher encontra-se em plenitude e por provocar dissolução
familiar e orfandade (BRASIL, 2002a).
O óbito materno é definido na Classificação Internacional de Doenças (CID
10) como a morte de uma mulher no período de gestação, parto ou até 42 dias
após o parto, independentemente da duração ou da localização da gravidez, a partir
de qualquer fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas
em relação a ela. Não é considerada morte materna aquela ocorrida em
conseqüência de fatores acidentais ou incidentais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1994).
Esse evento coloca em questão a direcionalidade das políticas de atenção
à saúde que contribuem para sua evitabilidade, pois ele retrata, além de
inadequadas condições de vida, a qualidade e cobertura insatisfatórias da
assistência pré-natal, ao planejamento familiar, parto e puerpério, entre outros
aspectos.
Ainda que com especificidades, a qualidade dessa assistência não se
separa da qualidade construída no âmbito do SUS como um todo e de suas várias
proposições políticas, inclusive as direcionadas aos diferentes campos estratégicos.
No contexto de desenvolvimento do sistema de saúde no Brasil, é inegável
que a atenção à saúde reprodutiva e sexual, situada sobretudo no campo da saúde
da mulher, avançou muito, especialmente a partir da edição do Programa de
Atenção à Saúde da Mulher (PAISM), em 1983/1984 (MANDÚ, 2002b), e do
processo de implementação do SUS.
É fato que os investimentos nessa atenção e no SUS como um todo
produziram um impacto positivo no evitável problema da morte materna, embora
este ainda se apresente como um evento de destaque nas políticas públicas
brasileiras tendo em vista o seu enfrentamento.
Tanto que, as altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal levaram
o Ministério da Saúde a promover uma série de medidas contínuas para reversão
18
dessa situação, entre as quais se encontra a apresentação de medidas políticas
direcionadas a esse fim.
Entre essas medidas encontram-se a edição do Programa de
Humanização do Pré Natal, Parto e Nascimento, (PHPN) em junho de 2000, e a
sua revisão e ampliação, em fevereiro de 2004. Esta última versão soma-se aos
esforços para o alcance de metas estabelecidas pelo Pacto Nacional pela Redução
da Mortalidade Materna e Neonatal no Brasil, aprovado em 2004.
Em 2005, o Ministério da Saúde divulgou o documento de sustentação da
Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, produzido em 2003,
que prevê ações voltadas ao planejamento familiar na perspectiva de garantia dos
direitos de mulheres e homens em relação à saúde sexual e reprodutiva. Essas
proposições reafirmam o conteúdo da Lei Federal nº 9.263, de janeiro de 1996, que
dispõe sobre o planejamento familiar com base na Constituição Federal de 1988,
refletindo a preocupação com problemas relacionados à fertilidade e à manutenção
do elevado coeficiente de morte materna no país.
Recentemente, no Pacto pela Saúde, celebrado em 2006 (BRASIL,
2006a), o enfrentamento desse evento figura entre as seis ações prioritárias em
saúde, comprometendo os Estados, regiões e municípios com a sua redução, por
meio de ações estratégicas, que incluem a humanização da atenção e a
investigação dos óbitos maternos.
Essas proposições técnico-políticas referendam a produção de uma nova
qualidade no âmbito da atenção à saúde reprodutiva e sexual em todos os níveis
assistenciais, pautada em certos valores políticos. Os gestores, trabalhadores e
representantes da sociedade no âmbito do setor saúde têm, assim, a
responsabilidade de olhar para o problema da mortalidade materna, de criticar as
proposições que vêm sendo feitas para seu enfrentamento, além de viabilizar as
medidas necessárias a sua efetivação.
A permanência na agenda política do setor saúde do evento da morte
materna indica que ele vem provocando estranhamentos não em relação a sua
ocorrência, mas também em sua correlação com a qualidade dos serviços e ações
de saúde e com o perfil das políticas propostas para sua prevenção e
enfrentamento.
19
Isso porque a morte materna pode ser prevenida em 98% dos casos, com
a adoção efetiva de inovações no primeiro nível de atenção e nos demais
(REZENDE, 2000).
No Brasil, em 1998, a razão de mortalidade materna (RMM), a partir de
óbitos declarados, foi de 64,8 óbitos por 100.000 nascidos vivos (nv), com
diferenças regionais. As regiões sul e sudeste apresentaram os maiores
coeficientes, com 76,2 e 70 óbitos por 100.000 nv, respectivamente. As regiões
norte, nordeste e centro-oeste apresentaram os mais baixos coeficientes, com
valores de 56.2, 54.8 e 57 óbitos por 100.000 nv, respectivamente. Supõe-se que
essas diferenças são resultados da melhor qualidade das informações das regiões
sul e sudeste (BRASIL, 2002a).
No período que compreende os anos de 2000 a 2004, a mortalidade
materna, sem correção, ficou em torno de 52,74 óbitos por 100.000 nv. A maior e a
menor razão de mortalidade materna foram de 50,60 e 54,37 por 100.000 nv nos
anos de 2001 e 2004, respectivamente (BRASIL, 2006c).
Aplicado o fator de correção de 1.4
1
, em 2004, a RMM no Brasil, obtida a
partir de óbitos declarados, alcançou 76,09 óbitos maternos por 100.000 nv,
segundo estudo da Mortalidade de mulheres de 10 a 49 anos, com ênfase na
mortalidade materna (BRASIL, 2006d). Para comparar, cabe destacar que os
coeficientes de mortalidade materna podem apresentar variação acentuada, que vai
de 1 para cada 100.000 nv, em países como a Holanda, a mais de 200 para cada
100.000 nv, em alguns países africanos (BRASIL, 2002a).
É preciso considerar, ainda, que esses dados não refletem o real problema
da morte materna. As estatísticas oficiais no Brasil enfrentam sérios problemas em
face da limitação dos dados em função da qualidade do preenchimento da
declaração de óbito, devido ao sub-registro
2
e à subnotificação
3
de óbitos, e pela
ineficácia ou inexistência de investigação destes.
1
Esse fator de correção foi identificado por Laurenti (2002) em estudo da Mortalidade de
mulheres de 10 a 49 anos, com ênfase na mortalidade materna (BRASIL, 2006d).
2
Sub-registro é a omissão do registro de óbito em cartório, fato comum em regiões de difícil
acesso a cartórios ou pela prática de sepultamentos em cemitérios clandestinos ou até
mesmo pela desvalorização deste documento pela população (BRASIL, 2002a).
3
Subnotificação de óbito materno é quando ocorre a omissão da relação direta do óbito
com o processo de gestação, parto ou puerpério (BRASIL, 2002a).
20
A morte materna é um importante indicador das condições de
desenvolvimento de uma nação, em face à sua relação com as condições de vida e
de atenção à saúde (BRASIL, 2002a).
Para compreensão ampla desse problema é importante considerar que ele
é resultante de uma série de fatores que não se restringem a aspectos biológicos,
englobando questões sociais, culturais, políticas, institucionais, éticas e
comportamentais (CECATTI, 2005; MANDÚ, 2006a).
A morte materna ocorre em todas as sociedades, independentemente do
seu estágio de desenvolvimento, bem como de condições de raça, cor, área de
ocorrência (urbana ou rural). Porém, ocorre com acentuadas diferenças entre as
diversas sociedades e grupos sociais (BRASIL, 2002a), em face às suas distintas
condições econômicas e culturais de vida e de acesso
4
a serviços de saúde de
qualidade.
Considerado um evento estreitamente relacionado às desigualdades
econômico-sociais, os óbitos maternos ocorrem, em sua maioria, em mulheres de
classes sociais mais baixas, com baixa escolaridade e baixos salários. No caso do
Brasil, ele se encontra estreitamente ligado a desigualdades sociais entre regiões e
entre localidades (MARTINS, 2006).
É pertinente destacar que, como parte dessas condições de desigualdade
de vida, associação dependente entre o nível de escolaridade da gestante e os
riscos
5
obstétricos. Os reduzidos anos de estudo da mulher influenciam
desfavoravelmente na inscrição precoce no pré-natal, bem como na adesão efetiva
a este (MARTINS, 2006).
A morte materna está relacionada ao grau de cidadania e, como parte
desta, à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Ainda,há o
reconhecimento social e político de que as necessidades de saúde desse grupo
requerem políticas e medidas públicas apropriadas.
4
O conceito de acesso está relacionado à inserção do usuário no contexto de uma política
de saúde pública, sendo considerada uma questão estreitamente relacionada com a
humanização da assistência (DESLANDES, 2005).Este conceito aqui se aplica à inserção
da gestante na assistência pré-natal.
5
Risco refere-se à probabilidade de ocorrência de um agravo em um grupo qualquer, com
determinada característica, eliminando-se outras condições intervenientes (AYRES et
al,1997).
21
As variações na RMM também refletem a determinação política dos
governos para seu enfrentamento. Isso pode ser demonstrado pelo fato de que
países como o Chile, Cuba, Costa Rica e Uruguai, que possuem condições sócio-
econômicas semelhantes a de outros países latino-americanos, reduziram
acentuadamente o seu perfil de mortalidade materna, atingindo níveis menores do
que 40/100.000 nv (BRASIL, 2002a).
No campo cultural, sabe-se que condições como menor renda e baixo
acesso ao pré-natal associam-se à questão racial e implicam maior suscetibilidade
e coeficientes mais elevados de morte materna entre mulheres negras brasileiras
(VOLOCHKO, 2003).
Em nosso país, a morte materna acomete, sobretudo mulheres
afrodescendentes, mestiças, indígenas, pobres e solteiras, residentes nas regiões
mais pobres (BRASIL, 2002a).
Por sua vez, fatores culturais de gênero também se encontram envolvidos
no evento em questão. Sabe-se que fatores culturais em geral legitimam ações da
sociedade, por meio de crenças, costumes, idéias e preferências. Quando a cultura
não apóia as mulheres, ou quando os homens são mais valorizados do que estas
essas desigualdades comprometem a saúde das mulheres, pois a limitada
autonomia
6
decorrente as impedem de tomar decisões importantes para melhorar a
sua qualidade de vida e saúde. Quando não eqüidade entre os gêneros, as
desigualdades se estabelecem (COSTA et al., 2000) e estas propiciam a ocorrência
do óbito materno.
A magnitude da morte materna, de igual modo, reflete aspectos
institucionais. Ela se relaciona a deficiências no acesso e na qualidade dos serviços
e ações de saúde e à precariedade das medidas de promoção da saúde dos
modelos atuais de assistência estruturados, uma vez que esse evento pode ser
evitado por meio da universalidade do acesso, da integralidade e equidade na
atenção à saúde em geral e, especificamente, na atenção à saúde reprodutiva e
sexual.
A atenção à saúde deve atingir as mulheres em todos os seus ciclos de
vida, respeitando as especificidades das diferentes faixas etárias e dos distintos
6
Autonomia significa autodeterminação, autogoverno, capacidade da pessoa de tomar
decisões que afetem sua vida, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais, de
acordo com seus valores, crenças, expectativas, necessidades, prioridades, livre de
coações (FORTES, 1998).
22
grupos populacionais, considerando que, muitos óbitos relacionam-se a fatores pré-
existentes ao momento reprodutivo que se não identificados e corrigidos, podem
resultar em morte materna.
Nesse sentido, a política, a gestão, atenção e avaliação da saúde da
mulher devem nortear-se pelo resgate das fronteiras entre a saúde sexual e
reprodutiva, para alcançar todos os aspectos da saúde da mulher (BRASIL, 2004a).
Contudo, de acordo com Serra (2000), os óbitos maternos ocorrem devido
a uma combinação de fatores que se associam, especificamente, à falta de
prioridade no sistema público de saúde no enfrentamento dos problemas de saúde
da mulher. Afirma esse estudioso que onde as condições de assistência à gravidez,
ao parto e puerpério são precárias pode ocorrer uma taxa de mortalidade materna
maior.
As variações na RMM estão diretamente ligadas a dadas características
demográficas (como local de moradia) e sócio-epidemiológicas do grupo feminino.
Entre mulheres que vivem em áreas rurais e que não têm acesso aos serviços de
pré-natal, em meio a outras condições que favorecem a emergência do óbito
materno, este é um problema com expressão significativa (BRASIL, 2004a).
De acordo com dados atuais, as mortes maternas brasileiras por causas
obstétricas diretas
7
(a maioria) associam-se a problemas controláveis, como
síndromes hipertensivas, hemorragias, complicações do aborto e infecções
puerperais. as causas indiretas
8
relacionam-se ao agravamento de problemas
como as cardiopatias, epilepsia, diabetes, malária, dentre outros (BRASIL, 2002a).
Embora alguns desses problemas tenham um componente hereditário, a sua
ocorrência, além de estar diretamente relacionada à qualidade e oferta das ações
em saúde, também se relacionam a estilos de vida e comportamentos adotados no
campo da saúde reprodutiva e sexual.
De modo geral, no campo comportamental, a falta de prevenção em
relação a doenças como a aids e doenças sexualmente transmissíveis é
7
Morte materna obstétrica direta é a devida a complicações obstétricas durante gravidez,
parto ou puerpério em função de intervenções, omissões, tratamento incorreto ou a uma
cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1994).
8
A morte materna obstétrica indireta é a resultante de doenças pré-existentes ou que se
desenvolveram durante a gravidez, ou se agravaram pelos efeitos fisiológicos da gravidez
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1994).
23
considerada, entre outros, fator gerador de maior suscetibilidade ao óbito materno
(BRASIL, 2002a).
Como decorrência de doenças sexualmente transmissíveis encontra-se a
doença inflamatória pélvica (DIP), relacionada à infertilidade, à dor crônica e à
gravidez ectópica, que se correlacionam com causas maternas indiretas. De igual
modo, a aids vem se configurando como uma das principais causas de morte
feminina na fase reprodutiva, com ocorrência também no período grávido-puerperal
(BRASIL, 2004a).
Em síntese, é preciso considerar que o problema da morte materna é
resultante de uma série de aspectos inter-relacionados, que promovem um conjunto
de vulnerabilidades
9
na vida de mulheres na fase reprodutiva e fora dela.
Destacando desse conjunto apresentado as proposições políticas,
podemos dizer que o perfil das políticas e ações públicas voltadas para a atenção
à saúde reprodutiva e sexual, em sua relação com a evitabilidade do óbito materno,
tem sido pouco estudado, principalmente se ponderarmos que as propostas
políticas governamentais, em alguma medida, dão direcionalidade às ações
realizadas.
Por meio de levantamento bibliográfico, identificamos que muitos dos
estudos relacionados à morte materna são de cunho epidemiológico, enfocando
causas e fatores demográfico-sociais relacionados, evidenciando-se a importância
de estudar, entre outros aspectos, o tema da qualidade da atenção à saúde
reprodutiva e sexual relacionando-a ao óbito materno, por meio da análise das
propostas políticas que a norteiam.
Neste estudo, então, partimos das seguintes questões:
- Que referências estratégicas encontram-se nas proposições federais
direcionadas à saúde reprodutiva e sexual e evitabilidade do óbito
materno, considerando o âmbito municipal da atenção ao pré-natal, parto,
puerpério e planejamento familiar?
- Que princípios a orientam?
- E qual a consonância entre esses princípios e as proposições feitas, tendo
em vista a evitabilidade do óbito materno?
9
A noção de vulnerabilidade, que busca superar a noção de risco, é relativa à
suscetibilidade e às condições de resposta de indivíduos ou coletividades em articulação
com fatores sociais, institucionais e individuais/coletivos, de forma inter-relacionada, que
comumente se encontram na base dos processos de saúde-doença (AYRES et al, 1999).
24
Segundo o conteúdo encontrado no conjunto das propostas políticas
analisadas, focalizamos nesta pesquisa as características de qualidade
relacionadas com a organização, gestão e assistência da atenção à saúde
reprodutiva e sexual direcionadas ao espaço municipal do setor saúde.
Especificamente, como dito, tomamos como objeto de estudo a análise
de proposições políticas e legais nacionais em vigor, direcionadas à atenção
obstétrica e ao planejamento familiar, com implicações para a evitabilidade do óbito
materno.
Na sua discussão, tomamos como base algumas idéias em torno da
integralidade da atenção à saúde, com recorte em eixos relacionados à atenção à
saúde reprodutiva e sexual e à evitabilidade do óbito materno, apoiando-nos em
autores que debatem o tema.
Considerando o alvo das análises desta pesquisa proposições técnico-
políticas e legais do âmbito federal relacionadas à saúde reprodutiva e sexual –,
consideramos a seguir a compreensão que temos das políticas de saúde.
As políticas de saúde estão integradas ao campo da ação social do Estado
e têm por objetivo melhorar as condições de saúde da população e dos seus
ambientes, estando voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde
dos indivíduos e coletividades (BRASIL, 1988).
Como dito inicialmente, no Brasil, atualmente, essas políticas
fundamentam-se na Constituição Federal de 1988, sendo direcionadas para a
construção do Sistema Único de Saúde, orientado por um conjunto de princípios e
diretrizes (LUCCHESE et al, 2002) e para a construção de um modelo de atenção
que busca superar o modelo biomédico vigente.
As políticas públicas (incluindo as de saúde) são um conjunto de diretrizes,
medidas e procedimentos adotados pelo Estado para orientar e regular as
atividades relacionadas às ações públicas. Elas são influenciadas pela economia,
pelo regime político, pela sociedade e nível de atuação e participação dos
diferentes atores sociais (LUCCHESE et al, 2002).
A política pública determina a forma de intervenção do Estado sobre uma
dada questão, e expressa o resultado de um processo interativo entre diversos
atores sociais. É construída por meio de interesses, conflitos e negociações entre
várias instâncias instituídas e atores sociais. Segundo Oszlak e O’donnell apud
Wargas (2002), ela determina a direção dada ao que é seu objeto, por meio de
25
orientação normativa, afetando o futuro desse processo social, em meio a um
conjunto de outros processos que determinam e condicionam as práticas em saúde.
A política de saúde é fruto de um complexo processo de negociações, de
confrontos entre a burocracia pública, profissionais de saúde, sindicatos, partidos
políticos, grupos de interesses e organizações da sociedade civil. As instâncias
colegiadas do SUS assumem, enquanto espaços de embates e escolhas políticas e
técnicas, elevado grau de importância na determinação dos rumos das políticas
setoriais. Quanto maior número de atores sociais ou institucionais fizer parte desse
processo político, mais amplo ele será (WARGAS, 2002).
As políticas de saúde são compostas por propósitos, diretrizes,
responsabilidades de cada esfera do setor público, dos vários envolvidos, além de
incluírem medidas estratégicas, que podem ser decodificadas em planos e
programas de atenção à saúde.
Assim, ao analisarmos os documentos da política aqui selecionados
buscamos considerar esses aspectos, a partir da compreensão de que esta espelha
as relações e os interesses presentes na sociedade em um dado momento,
mediados pelo Estado, contemplando certas contradições que expressam o modelo
de atenção à saúde que se busca superar e o modelo a construir.
26
3 OBJETIVOS
3.1 Geral
- Analisar proposições políticas e legais federais relacionadas à atenção à
saúde reprodutiva, em face da evitabilidade do óbito materno.
3.2 Específicos
- Identificar princípios, finalidades e proposições tecnológicas relativos à
atenção obstétrica e ao planejamento familiar.
- Discutir esses elementos considerando a atenção integral à saúde, com
recorte na saúde reprodutiva e evitabilidade do óbito materno.
27
4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
4.1 A adoção da perspectiva de integralidade na atenção à saúde reprodutiva
De modo amplo, a integralidade envolve medidas de promoção à
recuperação da saúde, incluindo componentes indispensáveis ao alcance de
objetivos assistenciais e à configuração do contexto organizacional do setor para
sua implementação (MATTOS, 2001).
Mattos (2001) aborda a integralidade como um “conjunto de valores”
direcionados à atenção à saúde na perspectiva de uma sociedade mais justa.
Embora realce o necessário cuidado de não defini-la de uma vez, para não
destruir sentidos emergentes, observa que o termo integralidade traz consigo um
conjunto de noções para designar valores desejáveis no sistema de saúde.
A integralidade como um dos princípios garantidos pelo sistema de saúde
no Brasil é expressa na Constituição de 1988 como: "atendimento integral, com
prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais"
(BRASIL, 1988). Na Lei 8.080/90, ela é apontada como um “conjunto articulado e
contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema”
(BRASIL, 1990c).
Assim, do ponto de vista da organização das ações em saúde, a
integralidade rompe com a lógica da divisão entre assistência à saúde e saúde
pública, e rejeita a verticalização e fragmentação dos programas e ações de saúde
(CAMPOS, 2003).
Reportando-se à necessária horizontalização no modo de organizar as
práticas, a integralidade expressa a superação da fragmentação das várias
atividades dos serviços de saúde (GOMES; PINHEIRO, 2005).
A integralidade não se restringe às atividades individuais, incluindo o
desenvolvimento de atividades coletivas junto à comunidade. A integralidade
denota responsabilidades políticas, especialmente desenhadas para dar respostas
a um problema específico de saúde ou aos problemas de saúde que afligem certo
grupo populacional (GOMES; PINHEIRO, 2005).
28
Isso também quer dizer que deve haver um atendimento organizado,
diversificado e humano, que não exclui nenhuma das possibilidades de promover,
prevenir e restaurar a saúde e reabilitar os indivíduos (CAMPOS, 2003).
A integralidade preconiza a prática de serviços orientados pela
epidemiologia, para o atendimento das reais necessidades da população,
articulando a demanda espontânea, as atividades programadas e as ações
estratégicas para a produção de impacto positivo na saúde (CAMPOS, 2003).
Ela requer a necessária utilização das oportunidades geradas pela
demanda espontânea para a aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação
sistemática de situações de risco para a saúde (GOMES; PINHEIRO, 2005).
No campo das práticas, a despeito da valorização da epidemiologia,
Mattos (2001) considera que a equipe de saúde, ao definir as necessidades de
saúde, corre o risco de romper com a integralidade pelo fato de restringir suas
ações ao instituído, sem dar resposta às necessidades não percebidas no momento
da programação. Nesse sentido, no campo relacional, esse autor realça a
necessidade de estabelecer diálogo e negociação com todos os sujeitos evolvidos
no processo saúde-doença e processo terapêutico, para ampliação da abordagem
de necessidades.
Mattos (2001) argumenta que um dos sentidos da integralidade refere-se à
postura profissional ou à tentativa de prestar um trabalho de qualidade, para a
satisfação das necessidades coletivas ou individuais, de forma criativa, humana e
adequada à realidade. A integralidade, segundo síntese desse autor, diz respeito à
interação dos sujeitos, à integração e articulação para a assistência, e à
comunicação efetiva e terapêutica. Nesse sentido, ela abrange a consideração à
intersubjetividade e à consecução dos direitos dos usuários, sendo estes
considerados como seres complexos e multidimensionais.
É necessária a compreensão de que a integralidade na atenção à saúde
se processa por meio de atitudes profissionais que favorecem a busca e o
reconhecimento das demandas e necessidades de saúde dos usuários (GOMES;
PINHEIRO, 2005).
De igual modo, na perspectiva da integralidade, os serviços de saúde
devem dispor de equipe multiprofissional, ou seja, de profissionais de várias áreas
do conhecimento em saúde, que trabalhem de forma articulada e com comunicação
29
adequada para garantir a eficiência e a eficácia dos serviços (SCHRAIBER et al,
1999).
De forma sintética, podemos dizer que o fazer desarticulado e individual,
não conta de atender a integralidade. Portanto, para garantia desse princípio, é
fundamental que os serviços e suas equipes encaminhem suas práticas de forma
articulada e integrada. Além disso, cabe ressaltar que a resolutividade não depende
apenas dos recursos materiais, mas do conhecimento técnico, de habilidades dos
profissionais e, também, da ação acolhedora, do vínculo que se estabelece entre o
profissional e o usuário, e do significado dado a essa relação (FRANCO;
MAGALHÃES, 2005).
Essa forma de conceber a integralidade coloca como necessária a
ampliação da visão sobre o homem, a saúde e o cuidado, que deve ser
compartilhada por múltiplos olhares sobre um dado objeto (ALVES, 2005). Deve
prevalecer o processo de trabalho partilhado, que conheça o sujeito em sua
plenitude, em seus problemas, valores e história de vida, reconhecendo-se os
determinantes do seu processo de saúde-doença (FRANCO; MAGALHÃES, 2005).
Nesse processo, deve se manifestar o uso prudente das tecnologias, evitando-se a
utilização indiscriminada de bens e serviços de saúde dirigidos à regulação dos
corpos (GOMES; PINHEIRO, 2005).
No contexto da integralidade, os profissionais da saúde têm
responsabilidades sobre o cuidado, cabendo a estes gerirem o projeto terapêutico,
acompanhando e garantindo ao usuário o acesso aos vários níveis de assistência,
assim como a “contra-transferência”, mantendo o vínculo com a equipe de saúde
(FRANCO; MAGALHÃES, 2005).
Esse princípio se concretiza por meio de diretrizes como a do acolhimento
e vinculação da clientela, no qual a equipe se responsabiliza pelo seu cuidado
sendo este sustentado por diversos campos de saberes e práticas (FRANCO;
MAGALHÃES, 2005).
A idéia de integralidade está eminentemente relacionada à idéia de
promoção da saúde. Adotando-a como princípio, é preciso compreender que o
sistema de saúde apresenta limites para o atendimento das necessidades de
saúde, isto é, ele necessita de ações intersetoriais.
Assim, é pertinente trazer o sentido de promoção da saúde que se constitui
em uma estratégia-chave para a qualidade de vida e saúde (Clamps et al, 1998) e
30
que implica novas responsabilidades para os serviços de saúde. Essa expressão,
balizada no pensamento sanitarista canadense a partir do conhecido relatório
Lalonde (BRASIL, 2002), considera como determinantes de saúde o ambiente físico
e social, os serviços de saúde, além de estilos de vida e condições da biologia
humana.
A promoção da saúde tem como eixo organizacional da atenção à saúde
as ações sociais e políticas em torno da criação e manutenção de condições
saudáveis de vida. Tais ações se desenvolvem em planos diferentes, incluindo
ações sobre os ambientes físico, mental e social, bem como por meio do
desenvolvimento de políticas e práticas que se refletem nas condições e “estilos de
vida” das pessoas e grupos sociais, e na organização e operação dos sistemas e
serviços de saúde. Ela propõe que o sistema de saúde incorpore mudanças
científicas e tecnológicas na área da saúde, tendo em vista alterações
epidemiológicas e sociais nas condições de vida e saúde da população e a
produção de novos valores relacionados à saúde e qualidade de vida (TEIXEIRA,
2003).
Paim (1998) aponta a promoção da saúde como a constatação do papel
exercido pelos determinantes gerais sobre as condições de saúde. Suas atividades
são direcionadas por meio de ações setoriais e intersetoriais. Nesse sentido, ela
deve ser compreendida em sentido amplo, relacionado ao ambiente físico, social,
político, econômico e cultural, e às políticas públicas e condições favoráveis ao
desenvolvimento da saúde. A promoção da saúde atua diretamente sobre as
causas, com o objetivo de incrementar a saúde e o bem-estar; portanto, ela difere
da prevenção que investe apenas na superação dos riscos de um problema
específico. Para a promoção da saúde faz-se necessária entre outras coisas, a
reorganização dos meios de trabalho e das atividades dos agentes de saúde, além
de novas dinâmicas nas relações sociais e técnicas dos processos de trabalho. A
promoção da saúde postula a articulação de saberes técnicos e populares e a
mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para o
enfrentamento e resolução das causas da doença.
Dessa perspectiva até aqui apresentada, pode-se dizer que a atenção
integral no campo da saúde reprodutiva e sexual também abriga um conjunto de
valores sintonizados com direitos em saúde, cujos sentidos encontram-se em
aberto. Embora, não se possa negar que ela se encontra efetivamente articulada ao
31
acesso e à qualidade da assistência prestada em todos os níveis de atenção do
sistema de saúde, orientados pelos direitos reprodutivos e sexuais conquistados.
Esses direitos históricos
10
englobam aspectos relativos a condições
socioculturais de vida, ao acesso a políticas públicas e a medidas geradoras de
bem-estar e autonomia, englobando a promoção e garantia de:
- respeito à cultura, integridade e privacidade das pessoas;
- superação das desigualdades entre homens e mulheres;
- acesso a serviços efetivos, de boa qualidade, com ações
integradas em saúde reprodutiva;
- desenvolvimento de capacidades criativas;
- autocontrole corporal e escolhas livres e responsáveis sobre a
própria vida reprodutiva (sobre ter ou não filhos, em que número,
em que momento, com que espaçamento, com quem, com que
proteção), apoiadas em serviços e ações de saúde e em medidas
de informação e educação sem qualquer forma de discriminação,
coerção ou violência.
A integralidade, em sentido amplo, está relacionada à política, à gestão, à
organização e assistência nos/dos serviços especificamente direcionados à atenção
à saúde reprodutiva e sexual, o que inclui, entre outras coisas, o acesso à atenção
à gestação, ao parto, puerpério e saúde sexual em todos os níveis de complexidade
do setor saúde.
No centro dessa idéia encontra-se o eixo de qualidade da integração, que
pode ser vista tanto do ponto de vista organizacional, como gerencial e assistencial.
A integralidade da atenção à saúde reprodutiva e sexual remete à
integração entre os serviços e entre as ações de promoção da saúde (no sentido
amplo, tratado anteriormente) e ações de prevenção, cura e reabilitação. De igual
modo, ela diz respeito à integração das ações de planejamento familiar, pré-natal,
atenção ao parto puerpério e outras.
Essa perspectiva de integralidade requer a superação da fragmentação
das ações profissionais e do seu distanciamento das mulheres, homens e suas
10
Esses direitos são marcos aprovados na Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento, de 1994, e na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, de 1995, a serem
considerados na elaboração e encaminhamento de políticas e ações blicas, em
definições jurídicas e nas práticas assistenciais em saúde reprodutiva e sexual. Levá-los em
consideração significa, em alguma medida, adotar formulações que expressam o ponto de
vista dos usuários.
32
famílias, por meio de práticas humanizadas. A interação profissional, por meio do
trabalho em equipe, assim como a interação das equipes com esses sujeitos e seus
contextos é essencial para a produção da qualidade na atenção à saúde.
A integralidade como um dos princípios do PAISM postula o atendimento
da mulher nos vários níveis do sistema de saúde, de forma que “todo e qualquer
contato que a mulher venha a ter com os serviços de saúde seja utilizado em benefício da
promoção, da proteção e da recuperação da sua saúde(BRASIL, 1984 p.15).
Esses contatos devem ser traduzidos em oportunidades de acolhimento,
para ser usados em benefício da promoção, proteção e recuperação da saúde
(COSTA, 2004).
Da perspectiva da integralidade em saúde reprodutiva e sexual é essencial
trabalhar com necessidades abrangentes, ao tempo que se considera a
multidimensionalidade dos sujeitos envolvidos, ou seja, a sua dimensão biológica
integrada à psico-social.
No primeiro sentido, as propostas do PAISM apontam o uso da
epidemiologia como uma das possibilidades para identificação dos determinantes
dos processos de saúde-doença femininos (BRASIL, 1984).
A integralidade requer a consideração da mulher em todas as fases e
aspectos de sua vida e não apenas no momento e aspectos reprodutivos.
Reafirmando a relação do óbito materno com as condições de saúde da mulher em
períodos pré-gestacionais e inter-gestacionais, a integralidade da atenção à saúde,
coerente com a intencionalidade de redução desse evento, requer a identificação
de situações que determinam ou influenciam a ocorrência desse problema,
considerando fatores pré-existentes em todo o ciclo de vida feminino.
Desta compreensão emerge que todas as necessidades importantes para
a produção da saúde devem ser apreendidas e atendidas. Portanto, as mulheres
que buscam o sistema de saúde precisam ser compreendidas em suas
necessidades de forma contextualizada, com compromisso com a resolutividade da
atenção a elas dispensada em todos os níveis de complexidade da atenção
(COSTA, 2004).
No segundo sentido, as mulheres devem ser encaradas como sujeitos,
sendo que o cuidado deve levar em conta as suas dimensões biológica, psicológica
e social (BRASIL, 1984).
33
A integralidade da atenção à mulher abrange a consideração a questões
subjetivas e, também, a incorporação de práticas cientificamente sustentadas que
se traduzam em cuidados efetivos à saúde da mulher (SILVER, 1999).
Além disso, resultados positivos no ciclo gravídico-puerperal devem ser
atingidos com a promoção da saúde materna, o que implica investimentos amplos
nesse campo atrelados à atenção obstétrica e ao planejamento familiar assim como
à saúde como um todo.
Para enfrentar o desafio constante da morte materna é imperativa a
proposição e o desenvolvimento de ações governamentais voltadas à saúde
reprodutiva e sexual, bem como o desenvolvimento de ações intersetoriais, sendo
fundamental a articulação com os diferentes segmentos da sociedade (BRASIL,
2004a).
As políticas de saúde da mulher devem ser compreendidas em sua
dimensão mais ampla, objetivando o respeito e a ampliação da sua cidadania, com
atuação do setor saúde em parceria com outros setores governamentais, como a
segurança, a justiça, o trabalho, a previdência social e a educação, entre outros
(BRASIL, 2004a). Nesse sentido, também é importante o desenvolvimento de
extensa rede de atenção básica com ações e medidas de apoio à gravidez, ao
parto e ao puerpério e à assistência ao planejamento familiar; além da participação
da sociedade na gestão dessas ações, com a participação tanto dos trabalhadores
como dos usuários.
Assim, da perspectiva da integralidade, destacamos como eixos da
atenção à saúde reprodutiva e sexual, essenciais à evitabilidade do óbito materno:
- O respeito aos direitos reprodutivos e sexuais.
- A captação abrangente das necessidades e demandas de saúde
reprodutiva e sexual, por referência aos seus condicionantes e
determinantes e às dimensões biológica e psico-social da vida
feminina.
- O acesso universal à atenção à saúde com garantia de continuidade.
- A valorização das ações de promoção da saúde e a sua integração a
ações preventivas, de cura e reabilitação da saúde.
- A integração dos serviços e ações de pré-natal, parto, puerpério e
planejamento familiar.
- O trabalho em equipe.
34
- A interação e diálogo entre equipe e entre profissionais e usuárias do
serviço de saúde, mediante práticas e relações humanizadas.
4.2 A evitabilidade do óbito materno em sua relação com a atenção à saúde
Para o reconhecimento e análise das proposições políticas relativas à
atenção à saúde reprodutiva e sexual, pensando na perspectiva da evitabilidade do
óbito materno, é essencial o reconhecimento das situações relacionadas a esta
atenção que influenciam ou determinam a ocorrência desse evento, englobando o
período gravídico-puerperal e indo além deste.
O conhecimento dos riscos e das vulnerabilidades relacionados ao óbito
materno deve ser visto como imprescindível à análise de qualquer proposta política
voltada à redução deste agravo.
Sabemos que a consideração a qualquer dos aspectos relacionados ao
problema do óbito materno, de forma isolada, não é suficiente para explicar,
eliminar ou diminuir tal evento de forma homogênea e satisfatória em qualquer lugar
do mundo.
Contudo, como dissemos, a mortalidade materna incorpora, além de um
componente genérico de condições e comportamentos em saúde e condições
socioculturais das mulheres, a adequada atenção em saúde a estas especialmente
durante a gestação, o parto, puerpério e ao planejamento familiar.
De fato, grande parte dos óbitos maternos pode ser eliminada apenas com
a melhoria da atenção profissional em saúde independentemente das condições de
vida das mulheres. Os fatores políticos, econômicos, sociais e culturais são
determinantes da qualidade em saúde e, especialmente, da saúde das mulheres,
mas não há dúvidas de que os profissionais da área muito podem fazer para
melhorar a qualidade de saúde e de vida desse grupo (CECATTI, 2005).
Essa compreensão não pode deixar de lado que na atenção à mulher é
necessário considerar não o ciclo gravídico-puerperal, mas também o período
pré-concepcional e intergestacional, com ampliação do acompanhamento pós-parto
até um ano de duração (CECATTI, 2005), respeitando-se as especificidades das
diferentes faixas etárias e dos distintos grupos populacionais.
35
Igualmente, no conjunto das ações de saúde reprodutiva e sexual o
homem também deve ser alvo, especialmente considerando que a sua saúde e
participação na reprodução e sexualidade também se refletem na saúde da mulher.
Ainda, para atender as várias situações envolvidas no período gravídico-puerperal
(e diríamos, também, na saúde sexual), maior atenção deve ser dada ao núcleo
familiar da mulher, cuja estabilidade vem sendo considerada primordial para a
efetiva atenção à saúde (CECATTI, 2005).
A mortalidade materna influenciada pela qualidade das políticas de saúde
ou pela qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar correlaciona-se
a características de organização, infra-estrutura e ao modo como os processos de
trabalho gerenciais e assistenciais são propostos e encaminhados.
Tendo em vista a construção de referências iniciais para o
encaminhamento das análises das proposições de órgãos federais em saúde
reprodutiva e sexual, cabe-nos mencionar que a qualidade da atenção à saúde,
conforme Mezomo (2001), diz respeito ao atendimento de certos requisitos sociais
e tecnicamente estabelecidos, baseados em conhecimentos atualizados, em face
do imperativo de resposta a necessidades de saúde.
Vuori (1991), ao abordar a questão da qualidade nos serviços de saúde,
nos alerta para os seus múltiplos sentidos, atribuídos segundo os diferentes atores:
gestores, profissionais de saúde, usuários, entre outros. Assim, a despeito do
recorte feito neste trabalho, no olhar de formuladores de políticas, evidenciamos
que a abordagem da qualidade dos serviços e ações de saúde deve ocorrer em
conformidade tanto com as concretas situações enfrentadas como com o ponto de
vista dos usuários (implicando sua satisfação)
11
.
Segundo Serra (2000), os óbitos maternos ocorrem devido a uma
combinação de fatores, mas, no que se refere aos serviços de saúde,
correlacionam-se à limitada aplicação e deficiência na utilização de recursos
financeiros no sistema público de saúde, sobretudo na atenção à saúde da mulher.
São diversos problemas que concorrem significativamente para a ampliação da
suscetibilidade de mulheres ao óbito: a falta de estrutura da rede, dificuldades no
acesso às ações de saúde reprodutiva e sexual; a baixa qualidade dos
atendimentos em qualquer ponto da rede.
11
Essa interpretação não desconsidera que a proposição de políticas reflete não o ponto
de vista de formuladores de políticas, mas os consensos históricos possíveis entre governos
e sociedade.
36
É relevante a organização/reorganização dos serviços de forma
hierarquizada e articulada, com referência e contra-referência garantidas, com
capacidade instalada compatível com a proposta de assistência, em termos de
recursos humanos e tecnologias (BRASIL, 2005a).
No campo do gerenciamento, para a redução dos óbitos maternos é de
extrema importância a produção de informações e a aplicação periódica de
instrumentos de avaliação da qualidade da assistência prestada nos diversos níveis
de atenção, ao que se somam a prática sistemática de investigação dos óbitos
maternos e os investimentos na preparação adequada dos profissionais para atuar
na gestão e assistência à saúde reprodutiva e sexual. Considera-se de extrema
necessidade o monitoramento
12
dos óbitos maternos e a institucionalização de
medidas promocionais de saúde na tentativa de reduzir e evitar os óbitos maternos
(BRASIL, 2005a).
Cecatti (2005) considera que reduzir ou eliminar complicações ligadas à
gravidez, parto e puerpério pode ocorrer com o adequado atendimento profissional
à mulher durante a gestação e, principalmente, durante o parto. Esta assistência,
por si, pode determinar um papel fundamental na redução significativa da
ocorrência de morbidade materna grave e do óbito materno.
Para a adequada atenção ao parto, tem sido apontado como relevante a
adoção de medidas de redução das taxas de cesariana (ARAÚJO, 2000), e de
outras práticas que desmedicalizam esse evento.
A assistência pré-natal, especificamente, pode não prevenir as principais
complicações do parto, tais como hemorragias, septicemias, obstruções do trabalho
de parto. Entretanto, várias intervenções no pré-natal podem favorecer a
identificação precoce de problemas que melhoram o prognóstico materno
(CALDERON et al, 2006).
Portanto, a falta de estrutura e acesso a essa assistência ou a sua
desqualificação podem contribuir para permanência ou manutenção das taxas de
morbimortalidade materna.
No campo da saúde sexual, a qualidade da atenção abrange o cuidado
amplo à saúde de mulheres e homens. A falta de disponibilidade e acesso a
12
Monitoramento é entendido como o processo de acompanhamento rotineiro da
implementação de determinadas ações, balizado em um projeto. Tem como instrumento
para sua implementação o planejamento, com metas pré-estabelecidas, permitindo inclusive
maior agilidade na correção de rumos (HARTZ, 2000).
37
serviços, meios e recursos necessários ao planejamento familiar e ao cuidado da
saúde sexual bem como o não investimento adequado no desenvolvimento de
ações que assegurem decisões e práticas autônomas e conscientes no exercício da
sexualidade e planejamento gestacional predispõe mulheres e homens a problemas
de saúde que concorrem para o óbito materno.
A gravidez precoce, a indesejada, ou a que ocorre em intervalos curtos,
bem como o aborto em condições inseguras favorecem a possibilidade de óbito
materno. Especificamente, a morte por aborto abriga importantes diferenças nos
seus coeficientes, entre outras razões, decorrentes da variação na oferta, qualidade
e acesso a serviços e meios preventivos e abortivos (MARTINS; MENDONÇA,
2005).
Muitas mulheres encontram-se expostas à gravidez indesejada por falta de
acesso a serviços, ações e recursos apropriados ao planejamento da gravidez, e
por falta de conhecimento e uso inadequado de métodos anticoncepcionais. Os
abortos com complicação, entre outras razões, relacionam-se à gravidez indesejada
e não apoiada, pelo parceiro, núcleo familiar e sociedade como um todo, e pela
realização de aborto em condições insalubres (PARPINELLI, 1999). Essa condição
contribui para os elevados índices de mortalidade materna, o que no Brasil, em
2003, representou 14,19% do total de óbitos maternos (BRASIL, 2006c).
No âmbito das práticas de planejamento familiar bem como da atenção
obstétrica, é importante a adoção e melhoria das práticas de educação em saúde
individuais e coletivas tendo em vista a geração de maior autonomia para o lidar
com a própria saúde, o que pode contribuir para a redução da gravidez indesejada
e conseqüentemente a do óbito materno.
Para reversão do elevado coeficiente de morbimortalidade materna requer
investimento na promoção da saúde reprodutiva e sexual, assim como em medidas
de melhoria da assistência pré-natal, parto, puerpério e na atenção ao
planejamento familiar.
Entre os requisitos da atenção à saúde reprodutiva e sexual encontram-se
o respeito aos direitos e valores dos usuários, a valorização de sua cultura, e a
adoção de habilidades relacionais que favoreçam o acolhimento de suas
necessidades e um tratamento humanizado.
38
5 OPERACIONALIZAÇÃO DO ESTUDO
5.1 Tipo de pesquisa
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa descritivo-analítica,
realizada por meio de estudo documental, a partir do levantamento e análise de
documentos relativos à política nacional de saúde, cujo conteúdo tem implicações
para a redução da mortalidade materna.
Consideramos que a abordagem qualitativa mostrou-se a mais adequada
para esta pesquisa, na medida em que tal abordagem busca, entre outros aspectos,
descrever qualidades impossíveis de serem captadas e quantificadas por meio
dos números (MINAYO, 1994).
A pesquisa descritiva, segundo Polit (2004), tem como finalidade observar,
descrever e documentar aspectos de uma dada situação ou fenômeno. Aqui nos
atemos à descrição de valores e qualidades presentes no material documental
selecionado. A estas finalidades da pesquisa descritiva associamos uma
perspectiva analítica, que nos permitiu melhor compreender os aspectos ou
fenômenos abordados.
O uso de estudo documental, por sua vez, coaduna-se com o estudo
analítico das proposições nacionais relacionadas à saúde reprodutiva e sexual, com
enfoque na evitablidade do óbito materno.
A pesquisa documental, segundo Gil (1995), vale-se de material que não
recebeu tratamento analítico, ou que ainda pode ser reelaborado de acordo com o
objetivo da pesquisa proposta. Na pesquisa documental procuram-se informações
de fatos ou idéias que vão ao encontro de questões ou pressupostos de interesse.
A pesquisa documental não oferece resposta definitiva para um problema
de pesquisa, mas amplia a visão sobre ele e possibilita a elaboração de
pressupostos ou hipóteses a serem estudados por outros caminhos. Com a revisão
bibliográfica
13
procuramos construir um campo semântico para a pesquisa
13
Utilizamos como fontes bibliográficas livros, artigos de periódicos especializados,
dissertações e manuais do Ministério da Saúde que tratam do tema em estudo. Levantamos
os artigos de periódicos especializados no Portal CAPES, na base de dados Scielo Brasil e
LILACS, por meio de consulta à bibliografia nacional.
39
enfocando conceitos fundamentais, teóricos e metodológicos, tendo em vista
alcançar os objetivos da pesquisa. Essa perspectiva fundamenta-se na
conceituação mais ampla de pesquisa bibliográfica que, segundo Martins e Lintz
(2000, p. 29), “procura explicações para discutir sobre um tema ou um problema com base
em referências teóricas publicadas em livros, revistas, periódicos”, ou seja, com a revisão
bibliográfica buscamos conhecer e incorporar criticamente contribuições científicas
sobre o tema de estudo determinado, segundo os seus objetivos.
5.2 Fonte de dados
Estabelecemos como fonte de dados documentos públicos vigentes da
esfera nacional, direcionados à atenção obstétrica e ao planejamento familiar. A
sua seleção constituiu-se em um processo que se iniciou com uma lista vasta de
potenciais documentos a serem consultados, seguida da leitura prévia ou pré-leitura
destes que resultou na sua delimitação. Estes documentos foram buscados no
portal do Ministério da Saúde
14
, no período de maio de 2006 a outubro de 2007. Os
documentos selecionados foram:
1. Portaria GMS 569 (BRASIL, 2000a), que trata da Política Nacional de
Atenção Obstétrica e Neonatal.
2. Portaria GMS 1.067 (BRASIL, 2005a), que trata da Política Nacional de
Atenção Obstétrica e Neonatal, numa versão mais ampliada
15
.
14
Capturados nos sites abaixo relacionados:
Portaria 569 (BRASIL,2000a):
<http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/PORT2000/GM/GM-569.htm.>
Portaria 1.067/GM (2005a) http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-
1067.htm>.
Lei Federal 9 263. (BRASIL,1996b):
<http://bvsms.saude.gov.br/html/pt/legislacao/saude_mulher.htm>
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos(BRASIL, 2005b):
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_direitos_sexuais_e_direitos_%20
reprodutivos_uma_prioridade_de_governo.pdfa>
Pacto Nacional Pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal(BRASIL, 2004b):
<http://www.fiocruz.br/redeblh/media/pactotripartide.pdf>
15
Cabe ressaltar que as Portarias 569 e 1.067, utilizadas como fonte documental em nosso
estudo, apesar de tratarem de um mesmo assunto, não são excludentes entre si e se
complementam, apresentando diretrizes comuns e complementares importantes ao
desenvolvimento da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.
40
3. Lei 9.263, que aborda a Política Nacional de Planejamento Familiar no
Brasil (BRASIL, 1996b).
4. Documento Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade do
governo, do Ministério da Saúde, que aborda a política de planejamento familiar
(BRASIL, 2005b).
5. Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal
(BRASIL, 2004b).
A delimitação desses documentos fundamentou-se em alguns critérios de
inclusão:
- Ser um documento norteador da atenção obstétrica e ao planejamento
familiar ou norteador de políticas de enfrentamento do óbito materno.
- Ser um documento vigente.
A partir da pré-leitura dos possíveis documentos a serem utilizados neste
estudo, buscamos verificar se eles atendiam aos objetivos e critérios estabelecidos
para este estudo. Essa leitura prévia seletiva possibilitou-nos identificar os
documentos a serem examinados de forma mais detalhada.
Posteriormente, realizamos uma leitura analítica e interpretativa dos
documentos selecionados, buscando respostas para os problemas da pesquisa.
Esse processo é descrito a seguir.
5.3 Análise dos dados
Realizamos a análise dos dados com o emprego da técnica de análise de
conteúdo temática. Trata-se de um conjunto sistematizado de técnicas de análise
da comunicação que permite localizar respostas para questões previamente
formuladas, confirmando ou não hipóteses e pressupostos de pesquisa. Seu
emprego permite ultrapassar o que aparentemente foi estabelecido na
comunicação, não devendo ser utilizada simplesmente para a pura descrição dos
conteúdos, mas para a obtenção de ganho secundário, ou seja, para aprendizagem
advinda do tratamento destes, segundo inferências relacionadas às situações de
produção e recepção das mensagens (BARDIN, 1977).
41
Essa técnica apresenta vasta empregabilidade (na análise de obras, de
depoimentos, de textos, de livros, entre outros). Oferece condições de subsidiar
repostas para questões levantadas em trabalhos, bem como permite corroborar ou
refutar afirmações prévias ao desenvolvimento destes. Isso além de possibilitar
transcender a análise das respostas obtidas, uma vez que ela oferece condições de
estabelecer inferências (GOMES, 1994).
Segundo Gomes (1994), a análise do conteúdo envolve três momentos: a
pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados obtidos. Por
meio desta técnica é possível analisar o conteúdo das mensagens por meio de
unidades de registro, de forma isolada ou combinada. Essas unidades se
constituem em: palavras (todas ou algumas de um texto); frases; orações e temas
(os mais utilizados).
Na análise do conteúdo, além do recorte das unidades de registro, o
emprego de unidades de contexto (que significa inserir a mensagem no contexto) e
a confecção sistemática das categorias. Estas últimas são consideradas, por
Gomes (1994), como elementos ou aspectos que se relacionam ou que apresentam
características comuns. Fazer uso de categorias significa fazer agrupamento de
idéias, de sentidos relacionados a um dado conceito.
Selltiz et al apud Gomes (1994) apontam três princípios para o
estabelecimento de categorias: a adoção de um principio único de classificação; a
exaustão do processo de análise, que significa que toda resposta deve ser incluída
em uma categoria; e a exclusividade de inclusão das respostas em uma única
categoria.
No encaminhamento da análise do material trabalhado nesta pesquisa
buscamos considerar todos esses aspectos acima. Assim, chegamos a um conjunto
de categorias e subcategorias, que apresentamos no item Resultados da Análise, a
partir dos seguintes eixos norteadores:
- Finalidades e princípios da assistência obstétrica e ao planejamento
familiar
- Organização, gestão e funcionamento da assistência reprodutiva e
sexual.
Concomitantemente à análise de conteúdo, utilizamo-nos dos autores
consultados e elaboramos a discussão por meio de suas contribuições teóricas,
42
buscando dar significado aos resultados obtidos, conforme os objetivos da
pesquisa.
6 DOCUMENTOS ANALISADOS
Em atendimento aos propósitos estabelecidos no presente estudo, foram
analisados cinco documentos, sendo duas portarias do Ministério da Saúde, uma lei
federal, um documento que trata dos direitos sexuais e reprodutivos (divulgado pelo
Ministério da Saúde como política de planejamento familiar), e o Pacto Nacional
pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Para melhor compreensão do
seu conteúdo e do contexto em que esses documentos foram editados
apresentamos uma síntese destes a seguir.
6.1 Portaria GMS 569/01, que institui o programa de humanização do pré-
natal, parto e nascimento (PHPN)
As altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal levaram o
Ministério da Saúde, por meio da Área Técnica de Saúde da Mulher, Secretaria de
Assistência à Saúde e Secretaria Executiva, a promover uma série de medidas
contínuas para reversão desta situação. Entre estas medidas encontra-se a edição
do Programa de Humanização do Pré Natal, Parto e Nascimento instituído em 1º de
junho de 2000, por meio da Portaria GM/MS n º 569.
Esta Portaria tem como proposta a implementação de estratégias no
âmbito da gestão/organização e da assistência voltadas à melhoria da atenção
obstétrica e neonatal no SUS. Ela se configura como mais uma resposta para a
necessária redução da taxa da morbimortalidade materna e perinatal. Objetiva,
43
entre outros aspectos, o desenvolvimento de ações integradas de promoção,
prevenção e assistência a gestantes, parturientes e puérperas e a seus recém-
nascidos, com ampliação da cobertura assistencial e melhoria de sua qualidade e
da capacidade instalada. Intenciona, ainda, a organização e regulação dessa
assistência e a definição de um paradigma nacional para a assistência obstétrica no
âmbito do SUS. Além disso, propõe que a atenção obstétrica e neonatal seja
organizada de forma compartilhada pelo Ministério da Saúde e secretarias
estaduais e municipais de saúde.
O Programa de Humanização do Pré-Natal, Parto e Nascimento apresenta
princípios e diretrizes para a atenção obstétrica, estabelece o perfil esperado dessa
assistência e as responsabilidades dos três níveis de governo para a sua
estruturação, organização e gestão, além de propor critérios de financiamento e de
avaliação para a sua qualificação.
6.2 Portaria GM/MS 1.067, que institui a política nacional de atenção
obstétrica e neonatal
Esta Portaria foi publicada pelo Ministério da Saúde em 4 de julho de 2005,
com base em proposições de um grupo de trabalho instituído por meio da Portaria
nº 151/GM, de 4 de fevereiro de 2004. Esse grupo, composto por representantes de
vários segmentos do Ministério da Saúde, teve por objetivo realizar uma análise da
situação da atenção obstétrica e neonatal no País e elaborar propostas para a
melhoria dessa atenção. Assim, o grupo propôs medidas articuladas entre os
diversos órgãos que compõem o Ministério da Saúde para a redução das taxas de
mortalidade materna e neonatal no Brasil, a partir da ampliação da Portaria GMS nº
569/01, mencionada acima. Essa nova proposta visa ao incremento da qualidade
da assistência obstétrica e neonatal, bem como sua organização e regulação no
âmbito do Sistema Único de Saúde, conforme os esforços para o alcance de metas
estabelecidas pelo Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal.
Nesta Portaria são reafirmados ainda os direitos da mulher no campo de
saúde reprodutiva e estabelece um processo de contratualização de metas,
compromissos e responsabilidades compartilhadas, entre os três níveis de gestão,
44
para a assistência obstétrica e neonatal e para a organização de uma rede de
atenção a ela direcionada nos estados e municípios. Ela apresenta as diretrizes
gerais que orientam a celebração dos contratos, de metas a serem pactuados na
atenção básica, na assistência de média e alta complexidade e, ainda, apresenta
um termo de referência para o processo de contratualização de metas para a
atenção obstétrica e neonatal.
Tal documento propõe também o desenvolvimento de ações e
procedimentos para a atenção ao pré-natal, parto, pós-parto e atenção ao recém-
nascido. De forma geral, propõe a forma de encaminhamento da atenção à mulher
e ao recém-nascido, orientada por diretrizes e princípios gerais, destacando uma
perspectiva humanizada.
Por meio dessa Portaria se disponibiliza o sistema de informação do
Programa de Humanização do Pré-natal, Parto e Nascimento: o SIS-PRÉ-NATAL
ou Sistema de Informação do Pré-Natal.
6.3 Lei Federal 9.263, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências relacionadas
A Lei Federal 9.263, promulgada em 12 de janeiro de 1996, dispõe
sobre o planejamento familiar tendo seus princípios sustentados na Constituição
Federal de 1988, no Título VII da Ordem Social, capítulo VII, artigo 226, parágrafo
7º.
A referida Lei é fruto da propulsão das negociações resultantes da
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no
Cairo, em 1994, e da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995,
em Beijing, além das informações produzidas pela Pesquisa Nacional Sobre
Demografia e Saúde (PNDS), em 1996. Nessa pesquisa demonstrou-se a elevada
prevalência de laqueadura tubárea e do uso do método hormonal oral, refletindo o
baixo acesso e desconhecimento das mulheres sobre as várias formas de
anticoncepção. Assim, esta Lei atribuiu ao Estado a responsabilidade pelo
planejamento familiar como expressa na Constituição Federal de 1988.
45
Entre outros aspectos, o documento reflete a preocupação com a
maternidade e paternidade responsáveis, em função da alta fecundidade na
adolescência, assim como com o elevado número de abortamentos provocados,
que contribuem para a manutenção do elevado coeficiente de mortalidade materna
no País, além do problema da baixa autonomia das mulheres para a escolha de
métodos contraceptivos.
Fica estabelecido também o elenco de ações de planejamento familiar no
âmbito do Sistema Único de Saúde, e a responsabilidade do governo com o
treinamento de recursos humanos, para atuação na promoção de ações de
atendimento à saúde reprodutiva e a promoção de condições e recursos
informacionais, educacionais, técnicos e científicos para a garantia do livre
exercício do planejamento familiar. Estabelece ainda mecanismos para coibir
infrações no caso de esterilização cirúrgica indiscriminada.
6.4 Documento “direitos sexuais e direitos reprodutivos: uma prioridade do
governo”, que apresenta diretrizes para a garantia desses direitos, enfocando
principalmente o planejamento familiar.
Sua publicação foi realizada como fruto de uma parceria celebrada entre o
Ministério da Saúde e os Ministérios da Educação, Justiça, Desenvolvimento
Agrário, Desenvolvimento Social e Combate à Fome e com a Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres, Secretaria Especial de Direitos Humanos e
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Esse documento é dirigido a profissionais da saúde, justiça, educação,
entre outros. Ele se baseia na Lei do Planejamento abordando essencialmente as
diretrizes estratégicas atuais da política nacional sobre o planejamento familiar para
a garantia dos direitos de homens e mulheres, adultos e adolescentes, em relação
à saúde sexual e à saúde reprodutiva.
Aborda questões históricas da Política Internacional sobre População e
Desenvolvimento, e a participação brasileira nesta política, discute a condução
histórica da política nacional sobre planejamento familiar, e apresenta eixos atuais
desta política e propostas e diretrizes para o triênio 2005-2007.
46
6.5 Pacto Nacional pela redução da morte materna e neonatal, lançado pela
Presidência da República em 08 de março de 2004.
O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal foi
lançado pela Presidência da República em 08 de março de 2004 e aprovado na
reunião da Comissão Intergestores Tripartite do Conselho Nacional de Saúde,
realizada em 18/03/04, sendo divulgado pelo Ministério da Saúde, por meio da
Secretaria de Atenção à Saúde e Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas.
Esse Pacto tem por objetivo mobilizar os atores sociais em torno da
melhoria da qualidade de vida de mulheres e crianças. Constitui a formalização de
um compromisso do governo federal com a adoção de medidas para a redução da
mortalidade materna e neonatal. Eventos considerados pelo governo como violação
dos direitos humanos, uma vez que refletem as iniqüidades sociais às quais estão
sujeitas mulheres e crianças das regiões do Brasil. O governo federal entende que
a redução da mortalidade materna e neonatal no Brasil é ainda um grande desafio
para os serviços de saúde, gestores e a sociedade em geral, e que para o seu
enfrentamento é necessário o envolvimento de diferentes atores sociais, para
garantir o cumprimento das políticas nacionais, como também para que elas
venham responder às reais necessidades locais da população.
O Pacto apresenta um conjunto de estratégias e ações para a atenção
obstétrica, ao neonato e ao planejamento familiar com o objetivo de promover a
redução do óbito materno e neonatal.
47
7 RESULTADOS DA ANÁLISE DOCUMENTAL
A análise dos documentos selecionados nos permitiu identificar elementos
significativos e pertinentes relacionados aos objetivos deste estudo. Neles,
localizamos princípios, finalidades e proposições relativas à organização, a
componentes de infra-estrutura dos serviços, à gestão e assistência obstétrica e ao
planejamento familiar.
Tais aspectos, com o apoio de teóricos que tratam do tema nos permitiram
discutir referências significativas para a melhoria da atenção à saúde reprodutiva e
sexual na perspectiva da evitabilidade do óbito materno, o que apresentamos neste
capítulo.
7.1 Finalidades e princípios da assistência obstétrica e do planejamento
familiar
A análise realizada nos documentos selecionados nos permitiu considerar
que, de forma abrangente, tanto a assistência prestada às questões obstétricas
quanto ao planejamento familiar, são direcionadas por finalidades sociais, que se
inter-relacionam, como se pode observar a seguir.
7.1.1 Finalidades da assistência obstétrica e do planejamento familiar
- Reversão do quadro de morbimortalidade materna
A necessidade de reversão do quadro de morbimortalidade materna é
evidenciada na justificativa da Portaria 569 (BRASIL, 2000a), que aponta
explicitamente “a necessidade de ampliar esforços no sentido de reduzir as altas taxas de
morbimortalidade materna, perinatal e neonatal registradas no país”. Na Portaria 1.067
(BRASIL, 2005a), esta intencionalidade também é afirmada, ao se apontar ”(...) a
necessidade de ampliar os esforços para alcance das metas estabelecidas pelo Pacto
Nacional pela redução da Mortalidade Materna e Neonatal, lançado pelo Ministério da
Saúde no ano de 2004“.
48
A morte materna em países desenvolvidos vem se tornando um evento
raro a partir dos anos de 1940. Em contraposição a esta situação, nos países em
desenvolvimento (entre os quais o Brasil se insere) não tem ocorrido redução
significativa desse evento, em função dos direitos de cidadania, especialmente das
mulheres, não serem respeitados (BRASIL, 2002a), entre outras razões.
Como dissemos, o reconhecimento das situações que influenciam ou
determinam a ocorrência dos óbitos maternos pode favorecer a proposição e o
reconhecimento de medidas que visam à melhoria da qualidade da assistência à
saúde da mulher, não somente no período gravídico-puerperal.
É necessário considerar que a vulnerabilidade não é uma condição isolada
que expõe ao risco de morte mulheres apenas por fatores relacionados à atenção à
gestação, ao parto ou o puerpério, mas que diz respeito a um conjunto de
processos que extrapola inclusive a questão estritamente sanitária. Portanto, a
mortalidade materna é influenciada por determinantes e condicionantes de natureza
sócio-econômica, política e cultural (MARTINS, 2006).
A baixa renda implica qualidade de vida, como a limitada rede de
saneamento básico, alimentação, e indisponibilidade de recursos para o
transporte até os serviços de saúde. Essas condições geram situações adversas
para a gestação. A morte materna pode ser conseqüente da exclusão social
determinada pelas desigualdades sociais e pela pouca oportunidade de emprego e
renda.
Em face desse quadro, destacamos como fator importante a determinação
política governamental e da sociedade brasileira em resolver o problema por meio
de medidas amplas, como a recente Política de Promoção da Saúde.
No entanto, a problemática da morte materna requer medidas políticas
específicas no campo da atenção à saúde reprodutiva e sexual, tendo em vista o
compromisso dos serviços com a prática de saúde indispensável ao seu
enfrentamento considerando a reorganização de serviços e a qualificação da
atenção à saúde reprodutiva, reduzindo a possibilidade de complicações e óbitos.
A taxa de mortalidade materna constitui-se como um excelente
indicador sócio-econômico que melhor traduz a situação da condição feminina. Em
função disso, no Brasil, a avaliação das estratégias utilizadas para redução da
morbimortalidade materna, bem como a otimização de recursos da assistência
49
prestada, são temas comumente em discussão em diferentes países (BRASIL,
2004b).
Certamente a produção da qualidade de vida feminina também deve ser
uma intencionalidade do serviço de saúde e da assistência obstétrica e reprodutiva,
somando-se à geração de bem-estar materno e da criança em desenvolvimento,
por meio de ações de promoção da saúde.
As políticas de saúde da mulher têm como objetivo a criação e ampliação
da cidadania das mulheres, valorizando a atuação em parceria do setor saúde com
outros setores governamentais.
Para a reversão do quadro de morbimortalidade materna é importante que
os profissionais norteiem a assistência na perspectiva da promoção da saúde e da
integralidade da assistência.
Além de encontrarmos nas duas portarias mencionadas a intencionalidade
de redução da morte materna, esta também faz parte da proposição de um pacto
nacional para sua redução. No Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal, pode-se apreender ao longo do documento que se interpreta que o perfil
elevado de mortalidade materna encontrado no Brasil denota falhas nas
proposições e ações de saúde nacionais, estaduais e municipais existentes, por
não conseguirem, de fato, enfrentar problemas em torno da organização dos
serviços e promover a qualificação da atenção obstétrica e ao planejamento familiar
(BRASIL, 2004b).
A preocupação com a mortalidade materna também orienta o conjunto das
ações propostas na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher,
colocando-se em perspectiva a sua superação (BRASIL, 2004a). Igualmente, no
Pacto pela Vida, que se constitui uma estratégia recentemente articulada entre os
gestores do SUS para responder a situações importantes de saúde da população
brasileira, a mortalidade materna é uma das prioridades estabelecidas (Brasil,
2006a).
- Nascimento saudável e bem-estar materno
Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), no seu Anexo I, a assistência
obstétrica é apontada com o objetivo de “acolher a mulher desde o início da gravidez,
50
assegurando, ao fim da gestação, o nascimento de uma criança saudável e a garantia do
bem-estar materno e neonatal”.
Em relação à assistência pré-natal, nessa mesma Portaria afirma-se que
esta deve compreender um conjunto de ações que visem à promoção, prevenção e
assistência à saúde da gestante e do recém-nascido, bem como a identificação de
riscos, para ambos, intencionando a assistência adequada e oportuna.
Na Portaria 569 (BRASIL, 2000a), também se localiza a intenção de obter
bons resultados tanto para a mulher como para seu recém-nascido, embora a
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) amplie as suas propostas em relação às
apresentadas na Portaria 569 (BRASIL, 2000a).
A partir dessas proposições é possível apreender que a assistência
obstétrica engloba ações direcionadas à gravidez, ao parto e puerpério objetivando
o bem-estar fetal, o nascimento de uma criança saudável e a garantia do bem-estar
da mulher.
Assim como a mortalidade materna, a mortalidade infantil é um importante
indicador das condições de vida e de acesso e qualidade às ações e serviços de
saúde. No Brasil, apesar da redução da taxa de mortalidade infantil
16
(TMI), que
caiu de 25,1 óbitos por 1.000 nv em 2002 para 22,5 óbitos por 1.000 nv em 2004,
(BRASIL, 2006c).Esta situação aponta que ainda um cenário bastante distante
em relação a outros países, no que diz respeito à organização da rede de
assistência perinatal (CARVALHO, 2005), Nesse período a mortalidade pós-
neonatal foi a que mais colaborou para a queda da mortalidade infantil, sendo que
se associa às condições gerais de vida e saúde. Já a mortalidade neonatal precoce
associa-se diretamente ao acesso e à qualidade dos serviços de saúde, da
assistência pré-natal ao parto, e resultou em decréscimo na ordem de 7,7% entre o
período de 2002 a 2004, no Brasil (BRASIL, 2006c).
. Esta situação aponta que, no Brasil, ainda um cenário muito distante
do preconizado e consideravelmente atrasado em relação a outros países, no que
diz respeito à organização da rede de assistência perinatal (CARVALHO, 2005)
Os óbitos neonatais têm grande peso na TMI, o que confere maior
preocupação, pois estes se relacionam com a assistência obstétrica. Assim, esta
16
A mortalidade infantil é classificada em: óbito neonatal precoce que ocorre até os 6 dias
de vida; neonatal tardia quando o óbito ocorre dos 7 aos 27 dias; e a s-neonatal
quando o óbito ocorre dos 28 dias até 11 meses e vinte e nove dias de vida
(BRASIL,2004d).
51
situação associada com a dos óbitos maternos impulsionou a inclusão das
estratégias de organização e qualificação da atenção obstétrica e neonatal na
agenda de prioridades das políticas de saúde (CARVALHO, 2005).
A intencionalidade de promover o nascimento saudável e bem-estar
materno apreendida nas portarias mencionadas assemelha-se à destacada por
Osis et al (1993), que consideram como objetivos principais do pré-natal: assegurar
o desenvolvimento normal da gravidez; preparar a mulher para a gestação, parto, e
puerpério e a lactação normal; e identificar precocemente situações de risco.
Nas portarias analisadas, a atenção obstétrica é encaminhada em função
de seus benefícios tanto para a mulher-mãe como para seu filho. Cabe inicialmente
a observação de que, certamente, essa intencionalidade captada contribui para a
redução da morte materna e perinatal. Porém, a questão aqui também é reconhecer
em que medida essa perspectiva se associa a uma visão abrangente de saúde
reprodutiva, que considere outras dimensões que não apenas a de controle de
riscos e agravos.
O que se pôde apreender das portarias em questão é que se destaca uma
perspectiva transversal de controle de riscos, tanto para a mulher quanto para seu
filho, que é orientativa do conjunto das proposições.
Assim, identifica-se que a assistência obstétrica nas Portarias 569 (Brasil,
2000a) e 1.067 (Brasil, 2005a) caracteriza-se pelo desenvolvimento de ações
preventivas, educativas, desenvolvidas por meio de contatos sistematizados, com a
intenção de rastrear gestantes de risco, oportunizando intervenção precoce nos
problemas que afetam a mulher e o seu concepto. Portanto, à assistência obstétrica
confere-se um processo de vigilância à saúde com o propósito de controlar riscos.
Essa tem sido uma intencionalidade que tem se perpetuado historicamente
nas proposições governamentais em torno da atenção à saúde reprodutiva.
Observa-se que uma íntima relação com a organização social
predominante de produção em saúde. Em face dessa organização, as medidas e
ações mais valorizadas no cuidado com a reprodução ocorrem em função de certas
necessidades reprodutivas, em que se encontram o desenvolvimento do ciclo
grávido-puerperal com um mínimo de desgaste físico e emocional para a mulher, a
antecipação, o reconhecimento prévio e a resolução de intercorrências maternas e
fetais, a prevenção e o tratamento de desconfortos maternos, e o desenvolvimento
saudável do concepto. (MANDÚ; SANTOS; CORRÊA, 2006a).
52
Consideramos todos esses aspectos importantes, mas na medida em que
não desconsiderem outras necessidades, relativas a condições materiais e à
dimensão subjetiva do processo de reprodução.
Sem desconsiderar o fato de que as finalidades assistenciais em saúde
são definidas em estreita articulação com os projetos sociais predominantes e as
políticas que as expressam, deve-se ter em mente que a efetivação dessas
finalidades também depende da atuação profissional cotidiana, espaço no qual
mudanças podem ser produzidas.
Finalidades mais abrangentes devem conjugar-se com as encontradas que
considerem o resgate da dimensão social e subjetiva do processo reprodutivo e sua
relação com o conjunto de vulnerabilidades, desdobrando-se em objetivos
assistenciais mais abrangentes. Também é necessário investir na ampliação de
propostas e projetos de atenção, que ultrapassem o exclusivo controle de riscos e
agravos à saúde reprodutiva (prevenção e cura) na direção da promoção da saúde
reprodutiva. Isso é fundamental para a prevenção do óbito materno.
- Melhoria do acesso, da cobertura e qualidade da assistência
reprodutiva
A qualidade da assistência obstétrica, (gestação, parto e puerpério e
neonato), nos documentos analisados, além de se caracterizar como direito (o que
será discutido adiante), constituí-se em elemento imprescindível para a reversão do
quadro de morbimortalidade materna. A preocupação com a melhoria da qualidade
da assistência obstétrica é apresentada na justificativa das Portarias 569 (BRASIL,
2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a) ao se apontar a “necessidade de adotar medidas
destinadas a assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do
acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério e da assistência neonatal”.
Segundo o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal (BRASIL, 2004b), deve ser garantido o acesso irrestrito de mulheres aos
serviços de saúde, em todos os níveis assistenciais segundo a necessidade. Neste
há afirmação de que “Mulheres e recém-nascidos não podem ser recusados nos serviços,
e peregrinar, em busca de assistência. Caso a unidade não seja adequada para o tipo de
atendimento necessário, a gestante deverá ser assistida, até que seja garantido transporte
seguro e transferência para outras unidades de maior complexidade, capazes de atender
suas necessidades.”
53
O acesso aos serviços, ações e recursos de saúde aparece como um
elemento fundamental a ser buscado junto à qualificação da assistência à saúde
reprodutiva e sexual.
Em relação ao acesso aos serviços e ações de saúde é oportuno ressaltar
que a forma de utilização destes por um grupo populacional é explicada pelo seu
perfil de necessidades em saúde e pela percepção destas como um problema e sua
conversão em demanda e consumo em ações e sérvios de saúde (OJANUGA;
GILBERT, 1992) Também, está condicionada por fatores internos ao setor, tais
como a cultura médica local, a disponibilidade, tipo e quantidade de serviços e
recursos disponíveis (financeiros, humanos, tecnológicos), a localização geográfica
dos serviços, entre outros aspectos (TAVARES, 1998).
É fato que nem todas as necessidades de saúde se convertem em
demandas e que estas são efetivamente atendidas. As desigualdades no acesso e
uso de serviços de saúde refletem as desigualdades sociais. Elas também se
relacionam às diferenças individuais diante da doença, além das ligadas à
qualidade da oferta de ações de saúde (PINHEIRO e TRAVASSOS, 1999;
TRAVASSOS et al, 2000).
A Portaria 569 (Brasil, 2000a) e a 1.067 (BRASIL, 2005a) estabelece a
realização de um número mínimo de consultas, segundo os trimestres da gravidez.
Essa recomendação se destaca no Anexo I da Portaria 1.067 como: Realização de,
no mínimo, seis consultas de pré-natal, sendo, preferencialmente, uma no primeiro
trimestre, duas no segundo trimestre e três no terceiro trimestre da gestação” (BRASIL,
2005a). Além destas, definem a realização da consulta puerperal entre o trigésimo
e quadragésimo segundo dias após o parto. Soma-se a essa proposição, a
recomendação de início precoce do pré-natal, objetivando fortalecer a adesão da
mulher a essas ações (e, portanto, visando a ampliar o seu acesso a essas ações),
bem como diagnosticar eventuais fatores de risco.
A Organização Mundial de Saúde considera ideal, quanto ao número de
consultas de pré-natal, a realização de quatro consultas e uma no período pós-
parto. A primeira consulta deve ocorrer até a 16ª semana de gestação. Nesta
ocasião, deverá ser avaliado o risco obstétrico e, na ocorrência de qualquer risco, a
gestante deverá receber atenção especializada em um serviço de nível mais
complexo (WORLD HEALTH ORGANIZATION apud SERRUYA, 2003).
54
Vale ressaltar que o número mínimo de consultas estabelecido no PHPN
supera o preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em relação às
previstas para a gestação, sendo que também prevê a consulta no puerpério.
Dados do Ministério da Saúde apresentam um crescimento de 50,48% no
número de consultas de pré-natal, realizadas entre 1996 e 1998. Entre os anos de
1997 e 1998, o aumento foi de 78%. Entre os anos de 1988 e 1999, o aumento foi
de 18%. Do mesmo modo, a média de consultas no pré-natal vem aumentando. De
forma paradoxal, os indicadores de mortalidade materna não têm sofrido redução,
mesmo com a implantação das equipes de saúde da família, o que se torna
preocupante (BRASIL, 2004a).
Estudiosos afirmam que a cobertura pré-natal é inversamente proporcional
ao nível sócio-econômico, apesar da interferência de outros fatores. Essa
associação revelou que nos estados com melhor nível econômico cobertura de
pelo menos seis consultas de pré-natal, sendo que com a redução de 10% na taxa
de pobreza ocorre um aumento de 7% na cobertura pré-natal, reforçando a
associação entre acesso à assistência e renda (SERRUYA; LAGO; CECATTI,
2004).
O alcance da redução da morte materna muitas vezes é dificultado em
função do retardo na inscrição no pré-natal, por desconhecimento de sua
importância, por dificuldades no acesso ao primeiro nível de assistência, em função
de barreiras geográficas, dificuldades no transporte, e da demora para o
atendimento nos serviços (REA, 2003).
O acesso à assistência pré-natal, no Brasil, apesar da instituição de
políticas para a sua ampliação, como a política de atenção obstétrica, tem ocorrido
de forma insatisfatória consideradas as propostas, sendo este muitas vezes
insuficiente e/ou tardio, com variações nas diferentes regiões do Brasil (SERRUYA;
LAGO; CECATTI, 2004).
A partir do lançamento do Programa de Atenção Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), instituído pelo Ministério da Saúde (MS), em 1984, a mulher
conquistou uma nova proposta assistencial norteada pela perspectiva da
integralidade.
Após implantação do PAISM houve um incremento na assistência pré-natal
em termos de acesso precoce e de número de consultas realizadas por gestantes.
E, segundo resultados da Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde de 1996
55
(PNDS), quase 100% dos partos passaram a ser hospitalar, na grande maioria das
regiões do Brasil (BRASIL, 1996a). Isso significa dizer que o acesso à atenção
hospitalar melhorou amplamente. Contudo, sabemos que nem sempre essa
assistência é obtida no tempo necessário, o mesmo ocorrendo em situações de
gravidade.
Deste modo, o acesso pode ser considerado um aspecto fundamental para
a melhoria da assistência, o que demonstraram resultados de diferentes estudos
que o destacam, inclusive, como um componente indicador de vulnerabilidade da
assistência (VIANA et al. 2001). A questão do acesso e da cobertura da assistência
pré-natal e ao parto remete à necessidade de mudança nos serviços de saúde, na
atitude dos profissionais e na organização dos serviços, para que focalizem as
necessidades da mulher de forma integral, sem valorizar demasiadamente o plano
biológico, considerando ainda a capacidade instalada dos serviços (PEDROSA
2003).
O destaque à melhoria do acesso também se vincula à assistência ao
planejamento familiar, por meio do qual se busca ampliar o uso de serviços, meios
e recursos para o controle autônomo da fecundidade, conforme destacado na Lei
9.263 (BRASIL, 1996b) e reafirmado no documento Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos (BRASIL, 2005b). Este apresenta medidas para viabilizar o acesso ao
planejamento familiar a casais inférteis, como a casais que convivem com o HIV e
que desejam ter filhos; e ainda o acesso à reprodução humana assistida na rede
SUS. Prevê também o acesso ao planejamento familiar a homens e mulheres em
sistema prisional, a adolescentes e jovens, às vítimas de violência sexual, entre
outras. Essas medidas, em uma perspectiva de promoção da saúde, incluem, entre
outras, ações como o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas, uma parceria
entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, a ampliação de acesso à
esterilização cirúrgica mediante aumento do número de serviços credenciados para
tal prática, elaboração de termos de cooperação com outras instituições, apoio ao
desenvolvimento da pesquisa.
Em relação à qualidade da assistência é de extrema importância
considerar o que se entende por qualidade. Vuori (1991) argumenta que o termo
qualidade geralmente remete a determinadas características almejadas,
fundamentadas nos pilares definidos por Donabdian (1988) que são: efetividade,
56
eficácia, eficiência, eqüidade, aceitabilidade, acessibilidade, adequação e qualidade
técnico-científica.
O acompanhamento da saúde obstétrica e sexual pode conferir impacto na
redução da mortalidade materna desde que as mulheres tenham acesso aos
serviços, e que estes prezem pela qualidade da assistência, ou seja, que esta
resulte, em última instância, na antecipação e/ou resolução das possíveis
necessidades e problemas de saúde.
Com investimentos na melhoria da assistência obstétrica, é possível
enfrentar as mortes por doenças hipertensivas específicas da gravidez, por
hemorragia, sepsis e outras causas (CECATTI, 2004).
Victora apud Serruya (2004) argumenta que com a melhoria do
atendimento ao parto é possível reduzir o número de mortes por hemorragia,
sepsis, doenças da placenta, contrações uterinas anormais, embolia, entre outras
intercorrências do parto, como também o número de mortes por doenças
hipertensivas específicas da gestação, aborto e outras causas diretas e indiretas.
Pensar na assistência integral à saúde da mulher é pensar na qualificação
da atenção à sua saúde considerando o conjunto de ações desde a promoção até a
recuperação da saúde, executadas nos diferentes níveis de atenção à saúde e
intersetorialmente (BRASIL, 2004a), tendo em vista sua saúde reprodutiva e sexual.
É sob essa perspectiva que a intencionalidade de ampliar o acesso e melhorar a
qualidade da atenção a esse campo deve se configurar.
A busca da qualidade na atenção à saúde da mulher tem sido o foco da
atuação do governo federal, representado pelo Ministério da Saúde, por meio de
suas medidas políticas e de apoio aos governos estaduais e municipais. Nesse
sentido, muitos incentivos financeiros e de desenvolvimento de recursos humanos
têm sido oferecidos.
O Ministério da Saúde vem propondo medidas estratégicas tendo em vista
alcançar a melhoria, sobretudo da atenção à saúde da mulher, na intenção de
concretizar esta intencionalidade. Destacam-se, entre elas, algumas de interesse à
saúde reprodutiva e sexual e que serão posteriormente discutidas: a organização
da rede de serviços de atenção obstétrica; a expansão da rede laboratorial; o
fortalecimento da atenção básica no cuidado com a mulher; a ampliação e
qualificação da assistência obstétrica nos estados e municípios; a ampliação e
qualificação da atenção ao planejamento familiar; a qualificação e humanização da
57
atenção à mulher em situação de abortamento; incluindo a assistência à
infertilidade; a ampliação e qualificação da atenção clínico-ginecológica, inclusive
para as portadoras de infecção pelo HIV e outras DSTs; a melhoria da informação
sobre a magnitude e tendência da mortalidade materna; entre outras.
Também têm sido ampliados os incentivos para a humanização da atenção
pré-natal, ao parto, puerpério e nascimento, em função basicamente de três
indicadores de qualidade do pré-natal: da elevada taxa de eclâmpsia; da incidência
de sífilis congênita igual a 24/1000nv em partos financiados pelo Sistema Único de
Saúde (SUS); e da baixa cobertura da vacina dupla adulto (BRASIL, 2004a). Esses
indicadores são importantes porque refletem o impacto das ações realizadas, ou
seja, o resultado da estrutura dos serviços e da qualidade dos processos
assistenciais.
Por fim, cabe dizer que o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal (BRASIL, 2004b) aponta a ampliação da Estratégia Saúde da
Família como um caminho para promover a ampliação de cobertura da assistência
ao planejamento familiar, pré-natal, da vigilância à saúde da mulher e do seu
acompanhamento pós-parto.
Vale destacar que a assistência de qualidade, com vistas à redução da
morte materna, referindo-se principalmente a atenção obstétrica e ao planejamento
familiar, deve ser orientada por valores e princípios que direcionam a prática e a
política de atenção à saúde, o que será discutido na seqüência.
7.1.2 Princípios orientadores da atenção à saúde reprodutiva
Os resultados da análise documental nos permitiram identificar alguns
valores que orientam a assistência aos campos em foco. Para melhor compreensão
destes e de sua importância, apresentaremos interpretações acerca desses valores
segundo alguns autores, evidenciando a explicitação da própria política quando
presente nos documentos analisados.
Segundo Fortes (1998), os valores traduzem nossas preferências.
valores de diversas naturezas, sendo possível agrupá-los. Entre os tipos de valores
mencionados por este estudioso, por sua relação com esta pesquisa, destacamos:
os valores éticos, referentes às normas de conduta individual ou institucional que
58
permeiam todas as esferas das nossas atividades como, por exemplo, a
solidariedade, honestidade, verdade, lealdade, bondade, altruísmo; os valores
políticos, relacionados à justiça, igualdade, imparcialidade cidadania, liberdade; e
os valores vitais, relativos à saúde e força. Os valores têm relação direta com as
estruturas, por constituírem suas bases e estas por sua vez, são produtoras e
mantenedoras de valores, (CAMPOS 2000). Daí sua relevância para a discussão
em torno de proposições políticas para a assistência obstétrica e ao planejamento
familiar.
Para abordar os valores reconhecidos nos documentos analisados será
necessário destacar que estes se orientam a partir de um grande princípio: o do
respeito aos direitos reprodutivos e sexuais. Porém, a este são agregados outros,
como o princípio da humanização, da participação no processo de gestão da
assistência obstétrica; do respeito a preceitos ético-legais.
- Garantia de direitos reprodutivos e sexuais
A garantia dos direitos reprodutivos e sexuais como um eixo orientativo da
atenção obstétrica e ao planejamento familiar, tal como evidenciado nos
documentos analisados, é de extrema importância para a melhoria da qualidade
dessa atenção e evitabilidade do óbito materno.
Destacamos a princípio que ele implica em um caráter de inclusão e
igualdade entre homens e mulheres, em uma perspectiva de cidadania e igualdade,
e na possibilidade de se efetivar a integralidade em saúde, constituindo-se em
dever do Estado garantir tais direitos.
Esses direitos são decorrentes de uma construção histórica, com uma
trajetória internacional e nacional sintonizada com a construção social de uma
compreensão da saúde reprodutiva e sexual.
Na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento cunha-se a
saúde reprodutiva como um estado global de bem-estar (social, físico e mental) no
que diz respeito ao aspecto reprodutivo, o que significa segurança, satisfação e
autonomia para decidir sobre a reprodução.
59
Entretanto esta concepção é bastante criticada e sob uma perspectiva
mais abrangente e ampla de saúde, os direitos reprodutivos e sexuais remetem a
saúde reprodutiva às condições de vida, isto é: emprego, salário, alimentação,
educação, inclui o desenvolvimento de ações igualitárias de poder entre homens e
mulheres, estímulo à políticas públicas que promovam a qualidade de vida,
alteração na legislação (em relação à maternidade,pesquisas médicas). Também é
igualmente destacada a liberdade de expressão de homens, mulheres quanto às
suas necessidades e estratégias para os seus enfretamentos, estabelecendo-se
livre diálogo com os profissionais. Deve-se, portanto, adotar uma visão mais
abrangente do conceito de saúde, das necessidades e dos direitos do campo
reprodutivo, com umas abordagens sociais, culturais e simbólicas das pessoas
envolvidas.
Nesta compreensão deve-se evitar o uso abusivo das tecnologias e
relações de poder entre profissional e paciente, focando-se a ética e a
intersubjetividade nos espaços dos serviços. Devem ser garantidas ações
assistenciais de boa qualidade, incluindo-se educação sexual em todas as suas
nuances, voltadas para o desenvolvimento da autonomia. Devem ser desenvolvidas
a promoção e apoio e medidas de organização e controle social nas políticas e
ações públicas (especificas ou gerais).
Para tanto, também é necessária a produção de novos conhecimentos e
desenvolvimento de potenciais humanos, divulgação de informações públicas sobre
as condições de saúde reprodutiva das populações.
Baseados nos direitos reprodutivos e sexuais os serviços de saúde devem
ofertar ações de apoio à concepção, contracepção de forma autônoma e segura. O
mesmo se dará com as doenças (prevenção e tratamento), infertilidade, cuidados
com a gravidez, abortamento previsto na legislação, prevenção da interrupção da
gravidez de forma insegura, e eliminação da violência contra as mulheres.
Também muito que ser feito no atendimento individualizado, devendo-
se inovar a relação profissional-paciente e uma visão mais abrangente do conceito
de saúde, das necessidades e dos direitos do campo reprodutivo, com abordagem
social, cultural e simbólica das pessoas envolvidas (MANDÚ, 2006b).
A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas tem ressaltado a
saúde como uma questão de direitos humanos, com reconhecimento da pessoa de
60
forma integral, sem discriminação relacionada à raça, sexo, idade, condição sócio-
econômica, idade, religião, ou outra condição.
Todas as pessoas nascem livres e com igualdade de direitos e dignidade
(VENTURA 2003).
Como parte desses direitos humanos, a saúde sexual e reprodutiva
também se constitui em direito que deve ser considerado e apoiado pelas nações,
inclusive a brasileira.
Os direitos reprodutivos situam-se na chamada terceira geração de
direitos, com sentido individual e social. No que diz respeito ao sentido individual,
encontram-se os direitos de homens ou mulheres à liberdade de escolher o
companheiro, à privacidade, intimidade, autonomia e livre exercício de exercer sua
sexualidade para fins reprodutivos ou não. A dimensão social deste direito se refere
ao direito de se beneficiar das políticas públicas de saúde e, ainda, receber
informação, educação sexual, qualidade da assistência, acesso aos insumos e ao
desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a ações de promoção da
erradicação da violência de gênero e demais ações de promoção da saúde sexual e
reprodutiva (VIEIRA; ARILHA, 2003).
Os conceitos de direitos sexuais e reprodutivos são recentes, sendo que o
conceito de direitos reprodutivos consagrou-se em 1994 e reconhecido como
direitos humanos em documentos nacionais e internacionais, que se fundamentam
no reconhecimento do direito de todo casal e indivíduo decidir de forma autônoma
sobre o número e o espaçamento e as condições de ter filhos, incluindo o direito de
acesso a meios e métodos para a garantia dessa condição, o que envolve o gozo
de elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva, sem discriminação, coerção,
violência (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E COMISSÃO
NACIONAL DE POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO apud CORRÊA E ÁVILA,
2003).
Essa concepção de direitos reprodutivos é incorporada à recente política
de planejamento familiar brasileira que a apresenta como parte dos
posicionamentos políticos que assume em face da questão (BRASIL, 2005b). No
Brasil, a incorporação da expressão saúde da mulher na perspectiva de direitos
reprodutivos data de 1984. Esta perspectiva foi influenciada por um grupo de
mulheres feministas que participou do I Encontro Internacional de Saúde da Mulher
(CORRÊA e ÁVILA, 2003).
61
O conceito de direitos sexuais teve sua formulação na década de 1990, no
contexto dos movimentos de homossexuais europeus e norte-americanos e que se
disseminou no movimento feminista. Contudo, o termo veio a ser reconhecido na IV
Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing, em 1996. Esses direitos
consideram a sexualidade como imprescindível para transformar as desigualdades
nas relações de gênero. Nessa Conferência, firmou-se que direitos sexuais dizem
respeito aos direitos humanos das mulheres, ou seja, o direito sobre as questões
referentes à sexualidade, o que inclui a saúde sexual e reprodutiva e a autonomia
de decidir sobre questões relacionadas, sem coerção, discriminação ou violência,
com preservação da integridade da pessoa, e responsabilização mútua de assumir
conjuntamente as conseqüências do comportamento sexual (VENTURA et al,
2003).
Uma das dificuldades enfrentadas nas questões dos direitos sexuais e
reprodutivos é traduzi-las para o plano jurídico-normativo nacional e para os
instrumentos nacionais de direitos, em especial para a legislação.
Tal dificuldade é atribuída ao fato de que os documentos nos quais tais
definições foram registradas não têm o caráter e o peso de documentos resultantes
de convenção ou tratado, o que não obriga a tradução destas em legislação.
Entretanto, esforços têm sido envidados no sentido de reconhecer esses direitos
em documentos de convenções e tratados, para dar mais sustentabilidade
normativa aos direitos sexuais e reprodutivos (VENTURA et al, 2003).
No Brasil o movimento feminista acompanhou a linguagem dos direitos
reprodutivos, sendo destacado entre os primeiros países em desenvolvimento
adeptos à sua concepção. Cabe destacar que, no Brasil, discussões acerca da
sexualidade já vinham ocorrendo desde 1970, ocupando lugar de destaque na
agenda feminista (VENTURA et al, 2003).
No final da década de 1970, o movimento feminista reivindicava acesso a
métodos anticoncepcionais e integralidade na assistência á saúde (BARSTED,
1999).
Nesse contexto havia a reivindicação do movimento das feministas em prol
da autodeterminação sexual e reprodutiva e da responsabilidade do Estado no
atendimento às necessidades de saúde das mulheres, pelas dificuldades no acesso
à saúde, determinadas por condições relacionadas ao gênero e por desigualdades
62
sócio-econômicas. A partir daí, a questão dos direitos reprodutivos e sexuais
ganhou legitimidade, e passou a ser encarada como responsabilidade do Estado.
Um dos aspectos evidenciados na perspectiva de direitos reprodutivos,
vinculados à saúde integral especialmente das mulheres, diz respeito à
necessidade de considerar as diferenças sociais, étnicas, culturais e de gênero e
superar desigualdades nesse âmbito. Esta perspectiva foi e é considerada
essencial na alteração dos indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento
humano das mulheres e, certamente, relaciona-se a um impacto positivo em face
do óbito materno.
A igualdade de gênero foi um assunto destacado na Conferência sobre
População e Desenvolvimento, como base para a melhoria das condições de saúde
e de qualidade de vida das mulheres, que aponta a co-responsabilidade entre
homens e mulheres nas questões referentes à saúde sexual e reprodutiva.
Desse modo, na atual política de planejamento familiar brasileira, a
igualdade de gênero e a igualdade social são tomadas como eixos essenciais para
se respeitar os direitos reprodutivos e sexuais. Nesse sentido, aponta-se que o
planejamento familiar requer a superação do controle da natalidade avançando
para a implementação de políticas que objetivem o desenvolvimento sustentável e
distribuição mais igualitária da riqueza, diminuindo dessa forma as enormes
desigualdades existentes.
O planejamento familiar foi declarado e reconhecido pela Organização das
Nações Unidas (ONU), desde 1968, como um direito humano básico, embora no
Brasil esse direito tenha se oficializado somente com a Constituição de 1988 e com
a Lei nº 9.263, publicada em 12 de janeiro de 1996.
É importante destacar que o contexto brasileiro no qual ocorreu a
apreensão do conceito de direitos reprodutivos foi o mesmo no qual se desenvolveu
o movimento sanitário, que colocou a saúde como direito de todos e dever do
Estado, assegurado na Constituição de 1988. Nesta, está garantido, também, o
direito ao planejamento familiar. Ela nos traz em seu Art. 226, § e 8º, que:
“Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas. (...) O Estado assegurará a assistência à
família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações“ (BRASIL, 1988b). Na década de 1990, outros
63
avanços em torno dos direitos reprodutivos foram alcançados, tais como os
relacionados ao aborto e ao estupro, que passou de crime contra costumes para
crime contra a pessoa.
Avanços consideráveis também ocorreram no âmbito da saúde como a
publicação pelo Ministério da Saúde da Norma Técnica da Atenção à Mulher Vítima
de Violência Sexual e as portarias que regulamentam a Lei 9.263/96, que limita o
teto máximo da cesárea nos hospitais conveniados aos SUS.
A Lei 9.263 (Brasil, 1996b), que dispõe sobre o planejamento familiar,
regulamenta o que reza na Constituição de 1988 e, portanto, reafirmando direitos
reprodutivos e sexuais, ou seja, a autonomia do homem, da mulher ou do casal de
decidir, livre e responsavelmente sobre o número e o espaçamento dos filhos.
Nos documentos analisados, a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos
abrange o direito à assistência obstétrica e ao planejamento familiar, sendo
abordados a seguir.
a) Direito à assistência ao planejamento familiar
Como dito anteriormente, a assistência ao planejamento familiar é
constituinte dos direitos reprodutivos e sexuais e, assim, ela deve ser garantida pelo
Estado brasileiro.
Na Lei 9.263 (BRASIL, 1996b), que trata do planejamento familiar
17
, no seu
Art. 2º, ele é considerado como o conjunto de ões de regulação da fecundidade que
garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo
homem ou pelo casal”. Essa concepção é reafirmada no documento da política de
planejamento familiar (BRASIL, 2005b).
Tal concepção aponta em seu cerne ações voltadas para a regulação e
apoio à fecundidade, referindo-se ao homem, á mulher ou ao casal como sujeitos
desse processo, remetendo-o também à responsabilidade do Estado brasileiro
segundo uma perspectiva de direito.
17
No material trabalhado este também é abordado como sinônimo de regulação da
fecundidade, paternidade responsável ou responsabilidade compartilhada.
64
Tal como na Constituição de 1988, nessa Lei afirma-se a autonomia do
homem, da mulher ou do casal de decidir, livre e responsavelmente, sobre o
número e o espaçamento dos filhos que querem ter.
Nesses dois documentos nacionais, confere-se ao planejamento familiar o
sentido de ”direito reprodutivo“ cuja apropriação deve se dar com autonomia. Nesse
sentido, ele não pode ser determinado ou influenciado pelo Estado ou por políticas
de controle populacional, sendo uma livre decisão dos envolvidos, cabendo ao
Estado fornecer as condições e os recursos, sendo vedada qualquer prática
coercitiva.
Podemos dizer que com essa perspectiva busca-se a desvinculação do
controle da fertilidade do controle demográfico e de medidas medicalizantes nas
práticas dos serviços de saúde, estabelecendo no país uma política para o
planejamento familiar vinculada à autonomia. O que é coerente com a perspectiva
de integralidade, no sentido de que as políticas de saúde da mulher devem ser
amplas, objetivando o respeito à mulher e a ampliação da sua cidadania.
Foi possível identificar essa orientação como parte da direcionalidade da
política de planejamento familiar na Lei analisada, o que requer a proposição de
práticas coerentes. A garantia do direito ao planejamento familiar, defendido na
Carta Magna e na Lei 9.263 pode se efetivar com a inserção de práticas de
planejamento familiar nos serviços que garantam o amplo acesso a cuidados e
favoreçam, respeitem e desenvolvam essa autonomia associada à disponibilidade
de meios e métodos para realização de escolhas.
No Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal
(BRASIL, 2004b), como parte da orientação para a atenção obstétrica proposta,
encontra-se a garantia de direitos reprodutivos, entendendo-se que estes
compreendem o direito às ações de concepção e contracepção, seguras e de
qualidade, à escolha com autonomia, e à vivência saudável da sexualidade.
De modo sintético, realçamos que nos documentos analisados, ficou
evidente que a garantia desse direito abrange algumas condições. Os elementos
que se sobressaem são: o direito ao acesso a informações, aos meios, métodos e
técnicas contraceptivas para escolhas autônomas, associadas ao acesso às demais
ações de saúde na rede. Essas condições são coerentes com a finalidade
encontrada de melhoria do acesso e da qualidade da atenção à saúde reprodutiva e
sexual, assim como com a intencionalidade de redução do óbito materno.
65
Esse entendimento se traduz em uma prerrogativa da Lei 9.263, em seu
Art. 4º. Vejamos seu conteúdo: o acesso e a melhoria da qualidade da assistência
ao planejamento familiar implica garantia de acesso a informações, meios,
métodos, técnicas e serviços de regulação da fecundidade (BRASIL, 1996b). Para
melhor compreensão da política nacional de planejamento familiar, é pertinente
destacar que, no Brasil, a oferta de métodos contraceptivos pelos serviços públicos
só se tornou uma realidade na década de 1980, com a institucionalização do
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Neste, o
planejamento familiar foi posto entre as ações previstas para a atenção à mulher
(OSIS, 1994), embora sem respaldo na legislação.
Somente com a Lei Federal 9.263, do planejamento familiar, o acesso à
concepção e à anticoncepção foi assegurado na legislação. Ainda que esse direito
não seja até hoje garantido com qualidade e suficiência. Uma evidência é a
existência da prática da cesárea para fins de limitação da prole, como nos mostram
os resultados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) realizada em
1996 (BRASIL, 1996a).
Em relação ao planejamento familiar é evidente que seu acesso deve
ocorrer de forma igualitária para homens e mulheres, sem restrições ligadas à
questão de gênero, garantindo-se, a ambos, serviços, meios e técnicas necessários
e disponíveis segundo o grau de desenvolvimento científico em torno dessa
questão.
Na perspectiva de garantir meios, métodos e técnicas disponíveis para a
regulação da fecundidade, o Ministério da Saúde incluiu métodos anticoncepcionais
(diafragma anticoncepcional hormonal oral e o injetável mensal, DIU) no elenco de
medicamentos/insumos para a atenção básica, sob a responsabilidade do nível
federal, e a anticoncepção definitiva por meio da laqueadura tubárea e da
vasectomia.
b) Direito à assistência obstétrica
A proteção à maternidade tem como eixo central o reconhecimento do
direito a reprodução, que é uma função social protegida pela sociedade. Apesar de
a gravidez, o parto e a amamentação serem, por razões biológicas, inerentes ao
66
domínio da mulher, a proteção à maternidade diz respeito à proteção da própria
espécie humana. Decorre desse princípio que a mulher deve ser protegida em
função da maternidade, pela sociedade, por meio de leis e políticas públicas
adequadas.
O governo brasileiro tem pactuado medidas internacionais para a
maternidade sem risco, tais como os compromissos assumidos na Conferência
sobre a Maternidade Sem Risco, realizada em 1987, em Nairobi no Kênia, e a
Resolução XVIII da Conferência Sanitária Pan-Americana (realizada em 1990).
Nesta, o Brasil comprometeu-se a reduzir a mortalidade materna em 50% no
decorrer da década de 1990, conforme o Plano de Ação Regional para a Redução
da Mortalidade Materna da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS).
No que diz respeito à assistência obstétrica, um conjunto de elementos
que compõem a perspectiva de direitos assumida pelo Ministério da Saúde e que
serão abordados na seqüência da discussão. Grosso modo, porém, esses direitos
dizem respeito ao acesso aos serviços de saúde, e ao atendimento digno, de
qualidade, humanizado, informado e seguro, como destacado nas Portarias 569
(BRASIL, 2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a).
Na justificativa da Portaria 569 (BRASIL, 2000a) e na Portaria 1.067
(BRASIL, 2005a), encontra-se que: “o acesso das gestantes e recém-nascidos a
atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto, puerpério e período
neonatal são direitos inalienáveis da cidadania... e, ainda, que “toda gestante tem direito à
assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e
segura“.
O direito à informação na assistência obstétrica é uma prerrogativa para
garantia dos direitos reprodutivos; sendo assim, os documentos destacam como
necessário a garantia de informações, como evidenciado no Art. da Portaria 569
(BRASIL, 2000a), em seus princípios e diretrizes. Nesta registra-se que na
implementação do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento deve ser
garantido o direito ao acesso à maternidade e à informação acerca de que serviço
atenderá à mulher, assim apresentado: ”toda gestante tem direito de saber e ter
assegurado o acesso à maternidade em que será atendida no momento do parto”.
Podemos dizer que a partir do momento em que a mulher apresenta o
desejo da concepção, ela tem o direito à garantia da reprodução saudável, e
quando este desejo se concretiza, ou quando a gravidez ocorre de forma
indesejada, esta situação não pode representar nenhum risco. Portanto, a mulher
67
tem o direito de ser atendida nos serviços de saúde com a garantia de qualidade, o
que significa que o Estado tem o dever legal de prover assistência com qualidade
para essa atenção.
A perspectiva de direito à assistência obstétrica, em que se destaca o
atendimento digno e de qualidade, remete-nos de maneira contundente às
finalidades e aos demais princípios da assistência obstétrica reconhecidos nas
proposições políticas estudadas, em especial às finalidades de melhoria do acesso
e qualidade da assistência à saúde reprodutiva e sexual e de produção de bem-
estar materno e fetal.
Nesse sentido, como nos lembra Serruya, Cecatti; Lago (2004), a
assistência obstétrica deve ser balizada nas especificidades da vida feminina, com
o reconhecimento da mulher enquanto sujeito de direitos, descartando-se o
exclusivo enfoque em prol da melhoria dos indicadores da saúde infantil. Para
tanto, é necessário mudar a produção do cuidado, na rede básica, na assistência
secundária, atenção à urgência e todos os outros níveis assistenciais, incluindo a
assistência hospitalar (FRANCO 2003).
- O princípio da humanização
A perspectiva de direito à atenção obstétrica também remete ao princípio
da humanização da atenção, sem o que a qualidade necessária na perspectiva da
integralidade não pode ser garantida.
A humanização da assistência é um dos princípios apontados para a
assistência obstétrica e ao planejamento familiar, articulado às finalidades
propostas para essas ações, embora se destaque em relação à primeira.
O Ministério da Saúde propõe que a atenção obstétrica e neonatal “deve ser
fundamentada na qualidade e na humanização. O atendimento destes direitos depende dos
profissionais de saúde, os quais devem acolher com dignidade a mulher e o recém-nascido,
considerando-os como sujeitos de direitos(BRASIL, 2005a).
Para melhor compreensão do sentido da humanização destacamos a
seguir alguns aspectos históricos e conceituais relacionados tal questão.
A política nacional de humanização da assistência hospitalar, no Brasil,
teve sua origem em um Projeto-Piloto, denominado Projeto-Piloto do Programa
68
Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, publicado pelo Ministério da
Saúde em 24 de maio de 2000. Este foi promovido principalmente em função dos
resultados de um diagnóstico que revelou a insatisfação dos usuários face de
aspectos relacionadas com os profissionais de saúde (BRASIL, 2001b).
Posteriormente foi instituído o Programa Nacional de Humanização da
Assistência Hospitalar (PNHAH) por meio da Portaria GM 881, publicada em 19
de junho de 2001 (BRASIL, 2001b).
Deslandes (2004), em estudo sobre o discurso oficial de humanização da
assistência hospitalar, diz que o PNHAH inicialmente teve o propósito de responder
à violência institucionalizada nos serviços de saúde - física, psicológica, simbólica,
e relacionada à falta de respostas às demandas ou expectativas dos usuários.
Posteriormente, essa política passou a ter por objetivo melhorar a qualidade do
atendimento, com a aplicação conjugada de habilidades técnicas e relacionais.
Embora tenha sido marcada por importantes contribuições e experiências
realizadas no âmbito do SUS, no ano de 2003, o PNHAH foi substituído pela
Política Nacional de Humanização (PNH) ou Humaniza - SUS, pois se constatou
que havia o risco do PNHAH a vir se caracterizar como um programa e não uma
política, uma vez que até então ele vinha se desenvolvendo de forma fragmentada,
por meio de várias iniciativas realizadas pelo Ministério da Saúde. Entre estas
iniciativas destacam-se: a iniciativa Hospital Amigo da Criança, o Prêmio Galba de
Araújo, o Programa de Humanização da Assistência ao Pré-natal, Parto e
Nascimento (PHPN) e o próprio PNHAH.
Em 2004, O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal aponta a necessidade de requalificar os hospitais amigos da criança, e
reavaliação dos de referência para gestação de risco, com redefinição de critérios
com perspectiva de implantação da gestão participativa, e habilitação desses
hospitais, incorporando critérios de qualidade e humanização da assistência
obstétrica e neonatal intensificando o estímulo ao aleitamento materno (BRASIL,
2004b).
Um dos grandes desafios atuais do SUS, para a produção da humanização
da assistência, é a superação do modelo hegemônico do atendimento, com sua
substituição por um modelo humanizado, com valorização da integralidade, do
acolhimento e da responsabilização para com o usuário.
69
Entre os desafios do SUS, encontram-se aqueles que estão voltados
principalmente para a modificação da lógica de atendimento dominante, na tentativa
de interferir e de produzir elementos que possam constituir um novo modelo de
atenção, que seja humanizado e permeado pela noção de integralidade e da
responsabilização para com o usuário, passando o acolhimento a ter um valor
fundamental.
A humanização da assistência à saúde é um assunto bastante discutido
atualmente e se constituí em uma demanda bastante expressiva da sociedade para
os serviços, os profissionais e gestores, em função das deficiências existentes nos
cuidados para com os usuários, relacionadas em alguma medida aos ambientes e
condições de trabalho inadequadas e exigências de produtividade dos profissionais.
Para melhor compreensão da questão da humanização da assistência
apresentamos o que nos traz Campos (2005), que nos coloca que esta é a
consideração ao sujeito e também à sua história desde o momento do diagnóstico
até o da intervenção. Ela é, também, a consideração à centralidade da vida humana
na atenção à saúde, o que significa não reduzi-la a objeto da clínica ou da saúde
pública. Em saúde é comum a redução de pessoas a objetos. Sendo assim, é
imprescindível no processo de humanização da atenção considerar as pessoas
como sujeitos, e democratizar as relações interpessoais e institucionais.
A proposta de atenção humanizada recomendada pelo SUS apresenta o
acolhimento como um princípio básico que, bem como aponta a necessidade de
reorganização dos serviços no sentido da garantia do acesso universal, da
resolutividade e do atendimento humanizado, pautados no acolhimento concebido
por eles basicamente como oferta de respostas positivas aos problemas de saúde
apresentados pelos usuários (FRANCO et al, 1999).
No Brasil, em resposta ao modelo assistencial e aos indicadores de
morbimortalidade materna e perinatal, no ano de 1998, a política de assistência
obstétrica começou a ter incentivos para a valorização do parto normal e
fortalecimento do vínculo entre a mãe e o seu bebê. Neste sentido, foram propostas
e desenvolvidas as iniciativas a seguir:
- Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), com o objetivo de estimular o
aleitamento materno.
- Implantação por meio da Portaria 2.816 (BRASIL, 1998a) de um
decréscimo no teto máximo de realização das cesáreas, em termos
70
percentuais, com aplicação de medidas punitivas no caso de
descumprimento do limite estabelecido. No ano de 1998, o teto
estabelecido foi de 40%; no ano de 1999, foi de 35%; e no ano de 2000 foi
de 30%.
- Oficialização do pagamento da assistência ao parto de baixo-risco,
realizado por enfermeira obstetra (conforme Portaria MS/GM 2.815, de 29
de maio de 1998) (BRASIL, 1998b).
- Institucionalização do prêmio “Galba de Araújo”, com premiação de
maternidades que prestam assistência humanizada ao parto (conforme
Portaria n º 2. 883 , de 4 d e junho de 1998) (BRASIL,1998c).
- Institucionalização do PHPN, em 2000, por meio de um conjunto de
Normas e Portarias (MS/GM 569, 570, 571, 572, publicadas em junho de
2000), com recomendações para a assistência humanizada ao pré-natal,
parto, puerpério e nascimento, com incentivos financeiros quando
contempladas ações elencadas no programa, e com estímulo à
reorganização dessa assistência, entre outras questões.
Atualmente, é de competência dos estados e do Distrito Federal a
definição de limite máximo de cesariana por hospital, em relação ao total de partos
realizados, a implementação de outras estratégias para a obtenção de redução
destes procedimentos no âmbito do estado, de acordo com o estabelecido na
Portaria nº 466/GM (BRASIL, 2000b).
Em 2004, a preocupação com a melhoria da assistência ao parto é
expressa no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal
(BRASIL, 2004b), quando se estabelece que o processo de humanização da
assistência hospitalar depende da definição e da pactuação de critérios mínimos
para o funcionamento de maternidades e investimento na qualificação de
maternidades e hospitais que realizam partos, além da revisão e adequação do
Programa de Humanização do Parto e Nascimento.
De forma destacada, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal (BRASIL, 2004b p.10) apresenta a necessidade de:” Construir
pactos locais contendo a agenda de compromissos; estratégias e ões; cronograma e
definições de responsabilidades, em coerência com o Plano Diretor de Regionalização,
apresentando como necessário a “Definição e pactuação de critérios mínimos para o
funcionamento de maternidades”.
71
A atenção humanizada ao parto para o Ministério da Saúde compõe-se de
um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes que visam à promoção do parto
e do nascimento saudáveis e a prevenção da morbimortalidade materna e perinatal
(BRASIL, 2001a) conferindo articulação entre as finalidades dessa atenção e o
princípio de direitos e humanização.
Nessa perspectiva, a humanização tem como foco a qualidade da atenção,
sendo destacados a dignidade e os direitos humanos da mulher e do recém
nascido. De acordo com Serruya; Cecatti; Lago (2004), o Programa de
Humanização no Pré-natal e Nascimento também tem como finalidade a
humanização da assistência obstétrica e neonatal na perspectiva de direito.
No PHPN, a humanização compreende vários aspectos. Entre eles se
destaca a postura ética e solidária por parte dos profissionais. Esta atitude diz
respeito à prerrogativa de que é dever das unidades de saúde receber com
dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido. Isto implica que a instituição
deve se organizar com vistas a criar um ambiente acolhedor bem como adotar
condutas que reconheçam a mulher como sujeito de direito (SERRUYA; CECATTI;
LAGO, 2004).
Outro aspecto refere-se à implementação de práticas e procedimentos
reconhecidamente benéficos para o acompanhamento do pré-natal, do parto e do
pós-parto, evitando práticas intervencionistas (SERRUYA; CECATT; LAGO, 2004) e
sem qualidade técnica.
Nesse sentido, as Portarias 569 (Brasil, 2000a) e 1.067 (Brasil, 2005a),
apontam como um direito a assistência humanizada ao pré-natal, parto, puerpério e
recém-nascido, destacando que esta faz parte da garantia da qualidade da
assistência.
Esta referência se expressa no Anexo I da Portaria 569, nos princípios
gerais e diretrizes para a atenção obstétrica e neonatal, onde se encontra que A
Atenção Obstétrica e Neonatal, prestada pelos serviços de saúde deve ter como
características essenciais a qualidade e a humanização”.
Essa mesma proposição encontra-se na Portaria 1.067 (Brasil, 2005a).
Desta forma, a atenção obstétrica, prestada pelos serviços de saúde, deve
ter como característica essencial de qualidade a humanização, tratada como parte
dos direitos reprodutivos.
Tendo como referência a integralidade da assistência, é possível afirmar
que esta engloba a assistência prestada pelos atores envolvidos na saúde por meio
72
da integração das ações promocionais, preventivas e curativas, com o objetivo de
atender a população, intervindo nos problemas de saúde, nas condições de vida e
nos riscos e danos à saúde. Essas ações requerem posturas diferenciadas, sendo
a humanização um recurso fundamental para o estabelecimento do vínculo entre
trabalhadores e usuários do sistema (REIS; ANDRADE, 2008).
a) Assistência segura e digna
Identificamos como uma característica da humanização a oferta de
assistência segura ao parto, puerpério, ao recém-nascido, conforme Portaria 569
(Brasil, 2000a), em seu Anexo II, que destaca: A humanização da Assistência
Obstétrica e Neonatal é condição para o adequado acompanhamento do parto e puerpério.
Receber com dignidade a mulher e o recém-nascido é uma obrigação das unidades. (...)”.
A humanização da assistência obstétrica também se destaca no Anexo I,
que trata dos princípios gerais e das diretrizes para a Atenção Obstétrica e
Neonata,da Portaria 1.067 (Brasil, 2005a), com o sentido da dignidade, sendo
descrito que: É dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a
mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos”.
No Artigo da Portaria 569 (Brasil, 2000a) afirma-se que toda gestante
tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma
humanizada e segura". Isso implica, de acordo com esse documento, na
reorganização das rotinas, dos procedimentos e da estrutura física, assim como na
incorporação de condutas acolhedoras e não-intervencionistas.
Na Lei 9.263 (Brasil, 1996b) também se estabelece que a assistência ao
planejamento familiar deve ser vinculada à segurança das práticas no decorrer da
gestação e nos intervalos interpartais.
Nesse documento, a humanização com foco na segurança da assistência,
é ressaltada em seu Art. 9º, com a seguinte expressão: “Para o exercício do direito ao
planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e
contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das
pessoas, garantida a liberdade de opção”.
Considerando que a prática segura de assistência ao planejamento
contribui para a redução da mortalidade materna, o documento atual da política de
73
planejamento familiar (BRASIL, 2005b) reafirma esta característica de qualidade
desejável.
No Brasil, ao longo da história de institucionalização da assistência ao
parto, consolidou-se a sua medicalizacão, apoiada na classificação dos partos
como de alto, médio e baixo risco, entre outras questões. Desta forma, a
organização da assistência ao parto caracterizou-se como intervencionista e
centrada no hospital. Atualmente, destaca-se que a assistência hospitalar ao parto
deve ser segura, com a utilização dos avanços científicos e tecnológicos, mas com
respeito aos direitos femininos, resgatando-se a autonomia da mulher na vivência
do parto (BRASIL, 2001a).
Considerando que aproximadamente 90% das mulheres recebem
assistência pré-natal e a média de consultas no SUS é de quatro ou mais consultas
por mulher, o Brasil deveria apresentar melhores indicadores de saúde perinatal
(BRASIL, 2001a). Isso coloca em questão a qualidade da assistência recebida, o
que remete à questão da humanização.
O Ministério da Saúde (Brasil, 2005c), quanto à qualidade da assistência
ao pré-natal, afirma que ela requer o acolhimento da mulher desde o início de sua
gravidez, considerando-a como um período de intensas mudanças, no qual cada
gestante vivencia de forma distinta. Essas mudanças comumente geram medos,
dúvidas, angústias, fantasias e questionamentos, que devem ser trabalhados.
Dessa forma, o pré-natal de qualidade, humanizado, prevê também
atenção quanto aos aspectos emocionais, subjetivos, e de apoio social. Contudo,
quanto aos procedimentos realizados nas consultas de pré-natal, Enkin et al apud
Diniz (2001) postulam que estes são ritualistas, que privilegiam aspectos
preventivos prescritivos e não o apoio social e emocional.
b) Produção de autonomia, autodeterminação e co-responsabilidade
Autonomia significa autodeterminação, autogoverno, capacidade da
pessoa de tomar decisão sobre questões relacionadas à sua saúde e vida física,
psíquica e relacional. Para expressar sua liberdade, deve haver necessariamente
opções e escolhas, bem como a liberdade de ação para estas (FORTES, 1998).
74
Portanto, a autonomia está relacionada tanto à liberdade de opção como a escolhas
e ao acesso a opções, não se tratando de uma qualidade que se separa das
condições enfrentadas.
Para a produção de autonomia, destaca-se o acesso a todo leque de
opções no que diz respeito à gestação, ao parto e planejamento familiar, para
escolha dos métodos contraceptivos, sendo necessária a disponibilidade destes,
sem privilégio de um ou outro método.
Para o desenvolvimento da autonomia na questão do planejamento
familiar, destaca-se, ainda, o acesso a informações sobre a maternidade, aos
métodos disponíveis para a condução do parto, sobre os riscos e benefícios de
todos os procedimentos, bem como sobre drogas e exames usados durante a
gravidez, o parto e o puerpério. Como parte desse processo, deve ser incorporado
o direito ao consentimento informado
18
.
A liberdade de escolha está relacionada à autodeterminação, ao direito à
liberdade, privacidade, escolha individual, livre vontade. Essencialmente, autonomia
envolve a capacidade de pensar, decidir e agir, com base em decisões refletidas e
independentes.
Considerando a estreita associação entre a opção por um método e o
acesso à educação e informação, cabe destacar que a Lei 9.263 (BRASIL, 1996b)
aponta que é necessário dispor de ações educativas e de informações para a
produção de autonomia do homem, da mulher ou do casal diante de questões de
fertilidade.
Para a escolha informada, a educação em saúde deve ser investida de
uma prática pedagógica dialógica, que envolva os usuários e profissionais da saúde
a partir de um objetivo comum, onde o saber seja propulsor das ações (COSTA;
FUSCELLA, 1999). A incorporação dessa prática educativa é fundamental para o
rompimento do que comumente se faz nos serviços: a pura distribuição de
anticoncepcionais, que não atende desta forma ao direito estabelecido.
uma relação direta entre opção por um método contraceptivo e o nível
de informação a respeito de questões relacionadas. Sendo assim, a informação é
uma prática imprescindível, que assegura o direito de optar sem coerção por ter
18
Consentimento informado é poder optar por procedimentos diagnósticos, terapêuticas,
meios preventivos, após esclarecimento sobre seus benefícios e riscos A informação
permite também a recusa informada a estes (FORTES, 1998).
75
filhos ou não, bem como sobre o número desejado. A informação favorece a
escolha individual realizada num contexto social. Ela favorece a autonomia para a
decisão.
Entre as barreiras para a efetiva política de planejamento familiar no Brasil
situam-se: a impossibilidade de livre escolha, a reduzida informação dos usuários e,
também, a forma autoritária de relação estabelecida entre profissionais de saúde e
usuários, que levam ao uso descontínuo e incorreto dos métodos.
O aconselhamento para a eleição do anticoncepcional pertinente,
reversível ou não, necessita do estabelecimento de uma relação horizontalizada e
de confiança. Isso implica alguns requisitos, apontados por Hatcher et al apud
Vieira (2003) como: respeito, cordialidade, confiança, interação (escuta ativa);
linguagem acessível; fornecimento de informações pertinentes e de métodos
segundo aspirações dos usuários (VIEIRA, 2003).
A hegemonia do modelo biomédico introduziu a valorização das
tecnologias duras e leve-duras
19
no processo de atenção à gravidez e ao parto,
inibindo a mulher em seu papel de protagonista neste processo. A assistência
obstétrica norteada pelo protagonismo considera imprescindível, entre outras
questões, a inversão da centralidade médica para o controle da mulher no processo
de gestar e parir.
No caso do uso de métodos contraceptivos, segundo Faunds e Hardy
(1996), o respeito ao princípio da autonomia nem sempre ocorre, visto que a
vontade da mulher é muitas vezes preterida pela do profissional, por omissão ou
por imposição de método.
Faunds e Hardy (1996) nos propõem uma forma pedagógica de abordar a
questão do planejamento familiar sem imposição ou sem prejuízo para autonomia
da mulher (e diríamos também do homem), de acordo com especificidades técnicas
e legais:
a. Controle do uso do método pelo indivíduo do início até a interrupção
(no caso do condom e dos métodos hormonais orais e injetáveis).
b. Controle inicial pelo profissional (no caso do diafragma e dos métodos
naturais).
19
A tecnologia dura é composta por materiais concretos, de alta complexidade e
durabilidade permanente. A leve-dura caracteriza-se pela conjunção de equipamentos
menos complexos com conhecimentos prévios específicos do profissional. A leve inclui o
processo de comunicação, relação e vínculo do profissional e usuário (MERHY et al, 1997).
76
c. Início e interrupção do método controlado pelo médico (no caso do DIU
e dos implantes)
d. Início do método controlado pelo médico (no caso de ligadura tubária e
vasectomia).
Segundo Faunds e Hardy (1996), os métodos que do inicio à interrupção
dependem do controle do médico podem gerar abusos que ferem o princípio ético
da autonomia. O mesmo ocorre por ocasião da realização da laqueadura sem
autorização da mulher ou quando esta não tem acesso à informação sobre o leque
de possibilidades contraceptivas. O mesmo se pode dizer no caso da vasectomia.
O controle do uso pelo profissional pode gerar arrependimento futuro por
parte da mulher, tanto que Faunds e Hardy nos apontam que estudos realizados
demonstram que mulheres que não receberam informações sobre a cirurgia e que
não têm conhecimento sobre outros métodos anticoncepcionais compõem a maioria
do grupo que se arrepende de ter feito a laqueadura. A reduzida informação está
entre os fatores mais importantes do arrependimento. Tais estudos demonstram
que quanto menor a participação da mulher na decisão sobre a laqueadura maior o
risco de arrependimento, que chega a ser até 10 vezes maior entre aquelas
laqueadas sem sua participação na decisão.
A Lei 9.263 (Brasil, 1996b), em seu § 3º, nos diz que somente não será
considerada a manifestação de vontade “durante ocorrência de alterações na
capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados
ou incapacidade mental temporária ou permanente”.
Para normatizar as ações do planejamento familiar, na perspectiva da
autonomia, a Portaria 048 GM/MS de 11 de fevereiro de 1999 dispõe sobre as
normas de funcionamento e os mecanismos de fiscalização para execução dessas
ações pelas instâncias gestoras do SUS. Em seu artigo 4º, caput I e IV, e no seu
Art. 8º, dispõe sobre as condições para a realização da laqueadura tubárea e a
vasectomia (BRASIL, 1999). Estas, em alguma medida, propiciam ou limitam a
escolha autônoma, na medida em que se estabelecem regras para o acesso ao
direito à regulação da fecundidade, conforme a seguir:
1. Homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos
de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, sendo observado o
prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o
ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada,
acesso ao serviço de regulação da fecundidade, incluindo
77
aconselhamento por equipe multidisciplinar, tendo em vista
desencorajar a esterilização precoce.
2. Será obrigatório constar em prontuário médico o registro da vontade
em documento escrito e firmado, após a informação dos riscos da
cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldade de reversão e opções
de contracepção reversíveis - laqueadura tubária e vasectomia -,
devendo o registro ser arquivado junto ao prontuário do paciente.
Um aspecto que fere a questão da autonomia no campo da saúde
reprodutiva diz respeito à medicalização do corpo feminino por meio da cesariana,
entre outras práticas. Esse abuso se estende à realização de cesárea para fins de
realização da laqueadura, o que pode ocorrer por comodidade do profissional ou da
mulher.
Sobre essa prática e abusos relacionados, a Lei do Planejamento Familiar
(BRASIL, 1996b) estabelece, em seu Art. 13, que é vedada a sua indução ou
instigamento, individual ou coletivo, sendo inclusive penalizada, nessa
circunstância, com detenção (conforme Art. 16º).
A humanização apresenta como estratégia para a mudança no processo
de trabalho em saúde, além de incentivar a produção de uma nova forma de
interação entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde e deles
necessitam, acolhê-los na perspectiva de promover o seu protagonismo (BRASIL,
2006b). Assim, a perspectiva de acolhimento entrelaça-se com a idéia e proposição
de protagonismo, sendo, nesse sentido, essencial à participação ativa e crítica dos
sujeitos em todo o processo de atenção à saúde reprodutiva e sexual e na definição
de seus rumos.
Desta forma, a concepção da humanização na perspectiva do
protagonismo depende de mudança nas relações entre equipes, profissionais,
gestores e usuários dos serviços, intermediadas por meio de tecnologias relacionais
que valorizam a informação, o diálogo e a negociação, tanto no âmbito da produção
como da gestão dos cuidados em saúde.
A Política Nacional de Humanização (PNH) (BRASIL, 2004c) entende que
a humanização valoriza os diferentes sujeitos envolvidos no processo de cuidado
em saúde: os usuários, os trabalhadores e gestores, estimulando a autonomia e o
protagonismo desses sujeitos. Nessa perspectiva, incorpora-se assim a co-
responsabilidade de todos no cuidado em saúde.
78
Essa perspectiva de co-responsabilidade é apontada na Política Nacional
de Planejamento Familiar (BRASIL, 2005b), que assinala o sentido de
responsabilidade compartilhada entre o estado (seus níveis de gestão), a sociedade
e os cidadãos. O planejamento familiar é apontado como uma responsabilidade que
deve ser assumida de forma compartilhada entre os três níveis de gestão do
sistema de saúde e pala sociedade civil organizada. De igual modo, destaca-se a
responsabilidade do indivíduo no que tange ao exercício da paternidade
responsável.
A humanização no atendimento obstétrico, com sentido de protagonismo,
tem destaque nas Portarias 569 (BRASIL, 2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a). Estas
destacam a consideração dos sujeitos como portadores de direitos e autonomia,
mas também com co-responsabilidade e protagonismo na gestão.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) traz a questão do protagonismo e da co-
responsabilidade com a seguinte expressão: “A humanização diz respeito à adoção de
valores de autonomia e protagonismo dos sujeitos, de co-responsabilidade entre eles, de
solidariedade dos vínculos estabelecidos, de direitos dos usuários e de participação coletiva
no processo de gestão”.
A humanização no SUS requer o aperfeiçoamento do sistema de gestão,
isto significa que esta deve ser compartilhada nos serviços, em outros espaços, e
nas relações cotidianas. Nesse sentido, devem ser desenvolvidas estratégias que
objetivem o empoderamento das pessoas e da população em geral perante o poder
e a autoridade do saber e das práticas sanitárias para evitar o abuso de poder
(CAMPOS, 2005).
c) Acolhimento e vínculo
Embora posteriormente se discuta acolhimento como uma tecnologia
relacional, aqui, especificamente, apresenta-se esta como parte do princípio de
humanização, uma vez que é nesse sentido que é apresentada nas portarias
analisadas, dando-se ênfase aos seus possíveis significados.
Acolhimento, segundo Ferreira (2001), é o ato de acolher; é recepção,
atenção, consideração, refúgio, abrigo, agasalho. Acolher significa: dar acolhida ou
79
agasalho; hospedar; receber; atender; dar crédito; dar ouvidos; admitir; aceitar
considerar.
Isto corresponde ao atendimento do usuário como sujeito, isto é,
garantindo sua autonomia, protagonismo e cidadania, o que também se refere ao
atendimento digno e humanizado, que respeita direitos, em acordo com uma
perspectiva de integralidade.
Para o atendimento aos direitos do usuário é necessária, na perspectiva da
integralidade, a garantia ao consumo de todas as tecnologias, articulando as duras,
leve-duras e leves (CECILIO; MERHY, 2003). É nessa perspectiva que o
acolhimento se coloca e articula à idéia de humanização.
Por sua vez, vínculo é tudo que ata, que liga; é o que provoca nexo e
sentido (FERREIRA, 2001).
Os sentidos atribuídos em dicionário a estas duas palavras não se dirigem
especificamente às questões de saúde, mas é possível inferir a partir desses
sentidos para a atenção humanizada.
Esses sentidos nos remetem a uma aproximação das distintas produções
sobre o tema.
Acolhimento, como conceito, não é um espaço ou um local, mas uma
postura ética, que exige mudança das estruturas e pessoas, e o desenvolvimento
de valores em defesa da vida, que promovam a desalienação, a vinculação entre
profissionais e usuários, a criatividade, e o prazer em trabalhar. Ele implica,
também, desenvolvimento de atitudes acolhedoras pautadas em parâmetros
técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade (FRANCO et al, 1999).
O acolhimento pode ser considerado como estratégia para a melhoria do
acesso, pois o acolhimento favorece o vínculo e a responsabilização (PINHEIRO,
2002).
O acolhimento é entendido por Scholze et al (2006) como uma forma de
efetivar os princípios dos SUS de universalidade, integralidade e eqüidade. Implica
compartilhamento de saberes, de angústias e criatividades, abrigando o usuário em
suas demandas, com responsabilidade e resolutividade, de acordo com as suas
necessidades (BRASIL, 2006b). É importante ressaltar que entre os vários sentidos
do acolhimento o foco na comunicação, sendo entendido como escuta
qualificada na qual se estabelece empatia e interesse genuíno pelo paciente
(SCHOLZE et al, 2006).
80
Para melhorar os resultados obstétricos e perinatais, as medidas políticas
e técnicas dirigidas aos gestores e profissionais trazem o acolhimento como um
eixo estratégico a ser adotado (BRASIL, 2005a). É isto que perpassa os
documentos analisados.
O acolhimento pode ser visto como uma forma de ampliar o acesso
à
assistência obstétrica a partir da escuta qualificada, capaz de identificar as
necessidades, associada à oferta de atendimento. O acolhimento pode ser visto
como a primeira possibilidade para a ampliação do acesso e efetivação das ações
propostas nas políticas de atenção obstétrica. Nesse sentido, Merhy (1998) refere o
acolhimento como ponto inicial do processo de trabalho em saúde, por meio da
adoção de tecnologias leves.
Enquanto diretriz operacional, o acolhimento coloca como requisito a
transformação da lógica da organização e do funcionamento dos serviços, devendo
ser centrados nos usuários. Também deve ser valorizado o trabalho em equipe
multiprofissional, que tenha assegurado como diretriz o acolhimento (FRANCO et
al, 1999).
Esta forma de organização possibilita o estabelecimento do vínculo,
aproximando profissionais e usuários de forma personalizada, numa relação
compromissada, solidária e resultante de uma construção social e como um esforço
que envolve equipe, instituições e comunidade (SILVA et al., 2004).
Teixeira (2001) apresenta como essencial ao cuidado o acolhimento, que
se estabelece numa rede de conversações, ou seja, num processo dialógico. As
conversas caracterizam-se como elemento ímpar do processo de trabalho em
saúde, que repercute em impacto social positivo, tendo como elementos a
capacidade de negociação das necessidades dos usuários buscando atendê-las.
O acolhimento tem o sentido de um cuidado desenvolvido com escuta
atenta às necessidades (psíquicas, culturais ou sociais) da gestante, parturiente,
puérpera, da mulher fora do estado gravídico puerperal, do homem ou da mãe e da
família do bebê. Esta escuta deve permear a prática de todos os profissionais e não
somente dos que prestam cuidados de saúde.
Desta forma, os serviços de saúde têm a função precípua de acolher,
escutar, dar uma resposta positiva, com o objetivo de resolver os problemas de
saúde da população. Para isso, pensando na assistência obstétrica, é necessário
atender a todas as gestantes que procuram os serviços de saúde (na atenção
81
básica e hospitalar) com esta perspectiva, dando cumprimento ao princípio da
humanização.
A finalidade de ampliação do acesso e da qualidade proposta para a
atenção à saúde reprodutiva e sexual coaduna-se com o princípio da humanização
intermediado pelo acolhimento, segundo o sentido discutido até aqui.
- O princípio da integralidade
A integralidade, vista como perspectiva ou como um princípio, é
transversal ao conjunto dos documentos analisados. Nestes tal princípio é afirmado
claramente ou se expressa mediante o conjunto de prioridades e proposições
tecnológicas feitas, e que são coerentes com o que se concebe atualmente como
integralidade, anteriormente discutida, seja em relação a aspectos de organização,
gestão seja em relação às práticas assistenciais.
Trata-se de um eixo valorativo que vem sendo historicamente apontado
como reorientador da assistência à saúde da mulher, desde o Programa de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), por meio do qual também se buscou
dar nova direção à atenção à saúde feminina nos documentos analisados.
O PAISM propõe a diretriz integralidade, traduzida como ações educativas,
preventivas, diagnósticas, terapêuticas e de recuperação que se processam nos
aspectos gineco-obstétricos, no climatério, no planejamento familiar, nas ações
direcionadas às DST, câncer de colo de útero e de mama, além de outras
necessidades identificadas por critérios epidemiológicos (BRASIL, 1984).
Este eixo é afirmado no âmbito do SUS, remetendo a questões de
natureza política, técnica, relacional e estrutura, relacionadas ao modelo
assistencial em saúde, sendo encontrado no conjunto das proposições políticas do
Ministério da Saúde.
Entretanto, a integralidade, talvez seja o maior desafio na forma de
entender e realizar as ações de saúde que confrontem os padrões de intervenção
médica ou de saúde já tornados tradição (SCHRAIBER et al, 1999).
Nesse movimento, espera-se que as práticas possam valorizar o contexto
e a singularidade das interações, entre outras questões (ARONE; CUNHA, 2007), o
82
que articula os princípios da humanização e integralidade. De igual modo, com essa
intenção, entre outros aspectos, as políticas de atenção à saúde da mulher devem
estabelecer estratégias para ampliar as condições necessárias ao exercício dos
direitos da mulher (BRASIL, 2004a), o que também vincula o princípio da
integralidade ao de respeito aos direitos reprodutivos e sexuais.
De forma geral, podemos dizer que esse princípio está presente nas
proposições dos documentos analisados quando estes valorizam aspectos que
serão apresentados e discutidos posteriormente, tais como: o encaminhamento de
um conjunto de ações individuais e coletivas, com a intenção de promoção,
prevenção e cura; a idéia de integração dos diversos níveis e ações assistenciais; e
a oferta de assistência multiprofissional integrada. Ainda, quando se destaca: a
extensão das ações de saúde sexual, para além da mulher em seu ciclo vital, para
o homem e o casal; a priorização de atividades estratégicas, consideradas como
essenciais à prevenção e ao controle de determinados agravos e situações; a
proposição de democratização da gestão e controle público das políticas e ações
em saúde reprodutiva e sexual, entre outras.
Tanto em relação ao PHPN como à política de planejamento familiar, a
integralidade como eixo busca principalmente corrigir as enormes distorções
relativas à qualidade da assistência à saúde sexual e à mulher em situação de
gravidez, parto e puerpério, possibilitando a ampliação do acesso aos serviços e a
ampliação de respostas a necessidades.
Essa direção não é coerente com a finalidade proposta, de melhoria
dessa atenção, como também é essencial à intencionalidade de redução do óbito
materno. Na justificativa da Portaria 1.067 (Brasil, 2005a), afirma-se a necessidade
de estimular o aprimoramento do sistema de atenção à saúde da mulher e do recém-
nascido”, por meio de medidas, como uma “forma de garantir a integralidade da
atenção”.
Na Portaria 569 (BRASIL, 2000a) encontra-se que é preciso garantir a
integralidade assistencial”. Na Lei do Planejamento Familiar, o Art. postula que
este ”é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal,
dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde”. Em seu Parágrafo Único
reforça que esta atenção deve ser desenvolvida por meio de “programa de atenção
integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais (BRASIL, 1996b).
O documento Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (BRASIL, 2005b)
por várias vezes traz a integralidade da assistência como eixo da assistência
83
reprodutiva e sexual. Por exemplo, pode-se identificar isto na afirmação de que O
Ministério da Saúde es enfrentando esse desafio e agregando todos os esforços
necessários para a implantação/implementação da assistência em planejamento familiar, no
âmbito da atenção integral à saúde de homens e mulheres, trabalhando de forma integrada
e em parceria com outros órgãos do Governo Federal, com estados e municípios e com a
sociedade civil organizada, visando à potencialização das ações desenvolvidas (BRASIL,
2005b p.23). Esse documento tem como proposta a integralidade da atenção a
homens, mulheres, inclusive em regime prisional e a adolescentes.
A diretriz da integralidade reafirma os direitos das mulheres e pode ser
vista como ferramenta institucional para reorganizar a assistência e articular
assistência ao pré-natal, ao parto, ao puerpério e ao planejamento familiar, com a
preocupação de ampliar o acesso e garantir qualidade.
- Respeito a aspectos ético-legais no encaminhamento de pesquisas na
área de reprodução humana
A realização de pesquisas na área da saúde é reconhecida pelo seu valor
na produção de conhecimentos, para a terapêutica, a prevenção de doenças ou
reabilitação. Contudo, ela envolve questões éticas em face de conflitos de
interesses entre pesquisadores, sociedade e participantes dos estudos. Para o
desenvolvimento de uma pesquisa é necessário que ela tenha relevância e utilidade
social. Deve ser considerado o bem-estar dos sujeitos participantes (FORTES
1998).
Essa é uma questão relevante no campo da saúde reprodutiva, que é
particularmente normatizada na Lei do Planejamento Familiar em análise nesta
pesquisa.
No Brasil, as pesquisas envolvendo humanos devem ser orientadas pelas
disposições estabelecidas na Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do
Conselho Nacional de Saúde. Essas disposições se pautam nos quatro referenciais
básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre
outros, e visa a proteger os direitos e deveres da comunidade científica, dos
sujeitos da pesquisa e do Estado.
84
Essa Resolução define pesquisa envolvendo seres humanos como
pesquisa que desenvolvida de forma individual ou coletiva, envolva o ser humano, de forma
direta ou indireta, em sua totalidade como em partes, incluindo o manejo de informações ou
materiais“ (BRASIL, 1996c). De acordo com essa Resolução, toda pesquisa com
seres humanos deve respeitar disposições éticas, entre outras:
- Ter consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo resguardando
a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes
(resguardando-se o princípio da autonomia).
- Ponderação entre riscos e benefícios, reais ou potenciais, individuais
ou coletivos (resguardando-se o princípio da beneficência).
- Garantia de que danos previsíveis serão evitados (resguardando-se o
princípio da não maleficência).
- Ter relevância social com vantagens significativas para os sujeitos da
pesquisa com mínimo ônus para os sujeitos vulneráveis (resguardando-
se o princípio da justiça e eqüidade).
No caso de pesquisas realizadas com mulheres em idade fértil ou com
mulheres grávidas, deve-se levar em conta a avaliação de riscos, os benefícios e as
eventuais interferências sobre a fertilidade, gravidez, o embrião ou feto, o trabalho
de parto, puerpério, a lactação e o recém-nascido. Pesquisas em mulheres grávidas
devem ser precedidas de pesquisas com mulheres fora do período gestacional,
exceto quando a gravidez for o objetivo fundamental da pesquisa.
As disposições da Resolução 196/96 asseguram o respeito à ética, à
autonomia e segurança. As questões referentes à mulher no período de gravidez,
parto e puerpério foram contempladas nesta Resolução e, também, na Lei do
Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b). Elas contemplam diretrizes específicas,
mas ambas não permitem que seres humanos sejam usados como meios para a
construção do conhecimento.
A partir dessas considerações podemos dizer que o respeito a aspectos
ético-legais em pesquisa na fase reprodutiva se coadunam com a questão da
integralidade.
Na Lei do Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b), em seu Art. 7º, dispõe-
se: “É permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas
ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada
pelo órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde”.
85
Em seu Art. 8º, dispõe-se: “A realização de experiências com seres humanos no
campo da regulação da fecundidade somente será permitida se previamente autorizada,
fiscalizada e controlada pela direção nacional (...) atendidos os critérios estabelecidos pela
Organização Mundial de Saúde”.
Cabe ressaltar que na ocasião da publicação da Lei 9.263 (BRASIL,
1996b), da qual estamos tratando, ainda não havia sido publicada a Resolução
196/96 do CNS, entretanto aquela já expressa uma preocupação do governo com a
preservação da integridade e direitos da mulher.
Dada a importância dessa questão, havendo desrespeito ao normatizado
este pode se caracterizar em responsabilidade administrativa e criminal. Assim,
gestores e responsáveis pelas instituições de saúde que permitem a prática de
qualquer ato ilícito em torno da questão em foco ficam sujeitos ao estabelecido na
Lei do Planejamento Familiar e no Código Penal.
7.2 Organização, gestão e funcionamento da assistência reprodutiva
7.2.1 Organização da atenção obstétrica e ao planejamento familiar
A organização da atenção à saúde em qualquer nível assistencial é
condição imprescindível para o funcionamento de um sistema de saúde eficaz,
eficiente e eqüitativo (SCHRAIBER; GONÇALVES, 1996), sendo essencial também
quando se estabelecem políticas e se encaminham ações específicas em saúde,
como as direcionadas ao campo da saúde reprodutiva e sexual.
A evitabilidade do óbito materno depende da qualidade e acesso aos
serviços e ações específicas de saúde reprodutiva e sexual e estas estão
diretamente relacionadas à qualidade da organização da atenção, sendo esta uma
das dimensões do modelo assistencial em saúde.
A organização adequada dos serviços de saúde deve considerar a oferta
de serviços e ações de saúde e um dado arranjo desses, de forma que a atenção
neles dispensada e sua integração garantam a produção de respostas individuais e
coletivas às necessidades de saúde e o acesso a elas.
A organização da atenção obstétrica e ao planejamento familiar na rede
SUS abrange a organização e regulação da rede de atenção à gestação, ao parto,
86
pós-parto, recém-nascido, e à saúde sexual, para a realização de ações integradas
em todos os níveis de atenção e garantia adequada do atendimento. Isso, sem
desconsiderar que a atenção à saúde reprodutiva e sexual deve se estender a
outros momentos da vida dos envolvidos.
A organização dos serviços de saúde no SUS ainda precisa avançar para
corresponder ao desafio de construção de um novo modelo assistencial, compatível
com as necessidades de saúde da população e um atendimento de qualidade na
saúde. Portanto, a organização dos serviços e ações de saúde constitui-se parte
importante da política pública em saúde, sendo fundamental à consecução da
atenção integral em saúde e, especificamente, no pré-natal, nascimento, puerpério
e planejamento familiar.
As mudanças na atenção à saúde reprodutiva propostas nas políticas
devem propiciar a organização de uma rede que possibilite a oferta de recursos
assistenciais e de diagnóstico abrangentes e integrados que respondam às suas
finalidades estabelecidas.
Para a garantia dos direitos reprodutivos, a qualificação da assistência na
perspectiva da reversão do quadro de morte materna requer uma organização da
assistência obstétrica e ao planejamento familiar baseada em respostas
abrangentes às necessidades reprodutivas, com acesso organizado mediante a
oferta de serviços, ações e recursos disponíveis, em articulação e integração, de
forma regionalizada e hierarquizada, num contexto de descentralização (que remete
ao município grande parte dessa responsabilidade).
Ao se aprovar constitucionalmente o Sistema Único de Saúde (SUS), foi
reconhecida a saúde como um direito a ser assegurado pelo Estado, sendo a sua
organização fundamentada nos princípios da universalidade, eqüidade,
integralidade e nas diretrizes operativas da descentralização, regionalização,
hierarquização e participação social da população nas decisões do setor.
A partir daí, ocorreram investimentos mais efetivos na ampliação e
qualificação da rede de serviços e ocorreram avanços evidenciados pela
descentralização das ações e ampliação do acesso à assistência, embora se
reconheça que o sistema de atenção à saúde vigente ainda precisa avançar na
produção da qualidade da assistência (CORDEIRO, 2000).
Considerados esses aspectos nos documentos analisados encontramos
proposições em torno de certas características organizativas da atenção à saúde
87
reprodutiva, em consonância com a finalidade proposta de ampliação do acesso e
melhoria da qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar e com o
princípio de integralidade. Nesse sentido, identificamos propostas aqui classificadas
como: estabelecimento de uma rede suficiente, integrada e regulada; e garantia de
recursos humanos, físicos e financeiros.
- Estabelecimento de uma rede suficiente, integrada e regulada
Nas Portarias 569 (BRASIL, 2000a) e 1.026 (BRASIL, 2005a) há um
conjunto de proposições relacionadas à estruturação e organização de redes de
serviços e ações para o atendimento às gestantes e neonato. Este componente diz
respeito a medidas que se baseiam na lógica da regionalização e hierarquização do
sistema de saúde envolvendo responsabilidades dos três níveis de governo.
O Anexo I da Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), afirmando a necessária
hierarquização e regionalização da assistência obstétrica e neonatal, determina que
os estados e os municípios disponham de uma rede de serviços organizada para
atenção obstétrica e neonatal, com mecanismos estabelecidos de referência e
contra-referência.
A organização da rede de serviços de atenção obstétrica e neonatal deve
garantir atendimento à gestante e ao recém-nascido de baixo e alto risco e em
situações de urgência, incluindo mecanismos de referência e contra-referência para
ambos.
Para a agilidade e efetividade da assistência à gestante de alto risco, a
Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu § 3º, ressalta a necessidade de “estabelecer a
referência para a assistência ambulatorial e hospitalar à gestante de alto risco, em seu
próprio território ou em outro município, mediante programação regional”.
Nessa Portaria e na 1.067 (BRASIL, 2005a), indicação de que se deve
garantir às gestantes classificadas como de risco, o atendimento ou acesso à
unidade de referência ambulatorial e/ou hospitalar especializado. Portanto, a
regulação da assistência obstétrica requer que se organize uma rede de
atendimento às gestantes de risco.
Em seu Anexo II, a Portaria 569 (Brasil 2000a) atribui aos municípios e
estados a responsabilidade de pactuar a organização da atenção obstétrica e
88
neonatal de forma coerente com o processo de regionalização e hierarquização,
definido no Plano Diretor de Regionalização (PDR), conforme aprovação da
Tripartite. Essa programação pactuada deve contemplar prestação de serviços
ambulatoriais, hospitalares e de apoio diagnóstico e terapêutico, com a
correspondente alocação de recursos financeiros.
A Portaria 569 (BRASIL 2000a) estabelece que, tendo em vista o
aprimoramento do atendimento obstétrico e neonatal na rede de assistência, esta
deve ser integrada e regulada, garantindo o acompanhamento pré-natal, o
atendimento pré e inter-hospitalar, o atendimento hospitalar e, ainda, o controle de
leitos obstétricos. Desta forma, estabelece a necessidade de definição dos
mecanismos de regulação, com a organização dos fluxos de referência e contra-
referência que garantam o adequado atendimento à gestante, ao parto e ao recém-
nascido, orientado por meio das Centrais de Regulação Obstétrica e Neonatal, nos
níveis estadual, regional e municipal.
Esta condição de regionalização e hierarquização é compatível com o que
determina a Lei 8.080/90, ou seja, a descentralização, regionalização e
hierarquização das ações e serviços de saúde, previstas nessa Lei, impõem a
necessidade de as três esferas de governo estabelecer uma rede de ações e
serviços de saúde capaz de garantir o acesso nos diversos níveis de atenção, por
meio de um sistema de referência e contra-referência municipal e intermunicipal
(BRASIL, 1990a).
No Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade e Neonatal (BRASIL,
2004b) se estabelece, em suas ações estratégicas para este fim, a construção e
manutenção de uma rede integrada, regionalizada e hierarquizada, com a
integração dos níveis de atenção, com a garantia da vinculação da gestante ao
serviço que a atenderá no parto, com garantia de leitos de UTI, com a expansão e
regionalização da rede de bancos de leite humano e hemoderivados, e qualidade
do atendimento e transferência em situação de risco. Esta rede deve ser regulada
pelas centrais de leito e de consultas/exames.
O processo de descentralização, hierarquização e regionalização
apresenta possibilidades e desafios a serem enfrentados pelos três níveis de
governo. As desigualdades dos municípios e regiões brasileiros demandam
repostas públicas coerentes para responder às diferentes necessidades.
89
Diante disso, espera-se que cada gestor municipal atue efetivamente para
atender as necessidades locais de organização da rede de atenção à saúde, pois
cabe ao nível municipal a responsabilidade pelo estabelecimento de uma rede
suficiente, integrada e regulada, apoiada em recursos de infra-estrutura necessários
à sua efetivação.
Nesse sentido, os municípios necessitam dispor tanto de uma ampla rede
de serviços e ações para atenção obstétrica e neonatal, como estes devem estar
integrados mediante mecanismos estabelecidos de referência e contra-referência.
Os serviços a serem disponibilizados em rede, segundo a Portaria 1.067
(Brasil, 2005a), devem responder pelo atendimento de todas as gestantes,
parturientes e puérperas em situações de baixo e alto-risco. Como parte dessa rede
de serviços, deve-se garantir: exames de rotina e complementares necessários à
assistência obstétrica; o atendimento da demanda excedente; e a oferta de serviços
de planejamento familiar para mulheres em risco ou não, incluindo serviços de
reprodução humana assistida, e laqueadura tubárea e vasectomia.
Na assistência obstétrica prevê-se a garantia de exames para diagnóstico
laboratorial, o que se destaca na Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Anexo I,
que define a necessidade de identificar laboratórios e garantir a realização dos exames
básicos e o acesso aos exames de seguimento do pré-natal, em seu próprio território ou em
outro município, mediante programação regional da atenção à gestante de risco”.
Como parte da garantia da estrutura necessária à assistência obstétrica, a
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) define a necessidade de garantir o apoio
diagnóstico, com suporte laboratorial ampliado que contemple todos os exames
preconizados no PHPN, garantindo o atendimento a 100% da necessidade das
usuárias do SUS.
Para o diagnóstico laboratorial, o PHPN descreve que este deve ser
desenvolvido na lógica de referência com a rede básica, conforme destaca a
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), na caracterização da atenção laboratorial,
permitindo que o resultado dos exames laboratoriais seja disponibilizado em tempo
hábil, à rede básica, para institucionalização de medidas oportunas.
Segundo o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal (BRASIL, 2004b), para garantia da ampliação da assistência ao pré-natal
devem ser previstas as ações de diagnóstico, impondo-se a oferta de exames
laboratoriais de forma regionalizada, que permitam o acesso descentralizado e
imediato à avaliação especialmente o que diz respeito a exames como ABO-Rh,
90
HB/Ht, VDRL, Urina, Testagem anti-HIV, sorologia para hepatite B (HBsAg),
sorologia para toxoplasmose (IgM).
A integração da rede como uma condição indispensável é explicitada na
justificativa da Portaria 569 (BRASIL, 2000a), que expressa em seu § a
necessidade de prosseguir na política de estimular o aprimoramento do sistema de
assistência à saúde da gestante, integrando o atendimento à gestação e ao parto
nos níveis ambulatorial, básico e especializado, envolvendo o acompanhamento
pré-natal, o atendimento pré e inter-hospitalar e o hospitalar, por meio da
estruturação e garantia do funcionamento da Central Municipal de Regulação
Obstétrica e Neonatal.
Para a organização dessa rede, tendo em vista sua suficiência, no § do
Componente II da Portaria 569 (Brasil, 2000a) dá-se destaque à “criação de
condições técnicas, operacionais que permitam o desenvolvimento de mecanismos
destinados à organização e regulação da assistência obstétrica e neonatal por meio do
estabelecimento de protocolos de regulação (...)”.
A integração desses serviços de atenção à gestação, ao parto e
nascimento, nos vários níveis de complexidade, é considerada um dos eixos de
qualidade na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a).
De acordo com a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), para essa integração,
os fluxos de referência e contra-referência devem ser organizados e garantidos,
contemplando referência estabelecida para ações diagnósticas básicas e
complementares em tempo hábil, para a atenção ambulatorial especializada e
hospitalar e para assistência às situações de intercorrências e urgências obstétricas
e neonatais. Nesse sentido, é parte das responsabilidades municipais a definição
das unidades laboratoriais e hospitalares de referência, e dos mecanismos de
vinculação da atenção ao parto com a rede básica.
O Art. 5º, § da Portaria 569 (BRASIL, 2000a) define como
responsabilidade municipal ”estruturar e garantir o funcionamento das Centrais Estaduais
de Regulação Obstétrica e Neonatal”.
Entre as responsabilidades municipais apresentadas na Portaria 569
(BRASIL, 2000a), em seu § 3º, encontra-se: estruturar e garantir o funcionamento
da Central Municipal de Regulação Obstétrica e Neonatal; estruturar e garantir o
funcionamento do sistema móvel de atendimento pré e inter-hospitalar; garantir o
atendimento pré-natal e do puerpério em seu próprio território.
91
A necessidade de garantir uma rede integrada de assistência obstétrica
fica explícita nas justificativas das Portarias 569 (BRASIL, 2000a) e na Portaria
1.067 (BRASIL, 2005a), onde se afirma que se deve “estimular o aprimoramento do
sistema de atenção à saúde da mulher e do recém-nascido, integrando e regulando o
atendimento à gestação, ao parto e ao nascimento, nos níveis ambulatorial básico e
especializado”.
Para isso, considera-se importante o seguinte critério: a vinculação de
unidades que prestam atenção pré-natal às maternidades e aos hospitais e vice-
versa, conforme definição municipal. Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), nos
princípios gerais e na definição de condições para a adequada assistência ao parto,
se estabelece que os serviços de assistência ao parto devem estar vinculados a
uma ou mais unidades que prestam assistência pré-natal, conforme determinação
do gestor local. Essa vinculação deve garantir o acesso à maternidade para o parto,
com as informações necessárias, bem como o contrário, garantindo-se, inclusive o
agendamento da consulta pós-parto.
O sistema municipal de saúde deve vincular a assistência pré-natal à
atenção ao parto e puerpério e aos serviços de maior densidade tecnológica que
atendem às situações de alto-risco, podendo contar para esse atendimento de
maior densidade com serviços próprios e/ou com uma rede regional de serviços,
que é da responsabilidade do município garantir a atenção básica.
A garantia da referência formal de todas as gestantes tem como objetivo
possibilitar assistência adequada, e assegurar o retorno da gestante e do recém-
nascido ao serviço de saúde de origem, de posse de todas as informações
necessárias para o seu acompanhamento pela equipe de saúde.
Nesse sentido, o Cartão da Gestante é um instrumento comunicacional
que facilita o registro, as notificações para a referência e contra-referência,
permitindo à equipe, tanto do hospital como da atenção básica, o conhecimento da
evolução da mulher desde o início da gestação até o pós-parto. Possibilita o
registro dos dados da gestação, do parto e puerpério, bem como do recém-nascido.
Serve como elemento de integração dos diferentes níveis de complexidade do
sistema de saúde e de ligação entre os diversos serviços que atendem à gestante.
Para isso, ele deve ser preenchido com os dados relativos a cada consulta pré-
natal e, no momento da alta, com os dados do parto, puerpério e recém-nascido.
Ainda dificuldades no estabelecimento de um sistema de referência e
de contra-referência na atenção à saúde, determinadas por diversos fatores, que se
92
opõem às diretrizes operativas do SUS e da própria atenção obstétrica, revelando
em alguma medida comprometimento na resolutividade dos problemas em saúde
reprodutiva.
Diante disso, as portarias mencionadas deixam claro que os estados e os
municípios necessitam dispor de uma rede de serviços organizada para atenção
obstétrica e neonatal, com mecanismos estabelecidos de referência e contra-
referência, considerando a vinculação das unidades de saúde a uma central de
regulação obstétrica e neonatal de modo a garantir a internação, inclusive nos
casos de demanda excedente, garantindo-se o atendimento de situações de baixo
risco e das intercorrências obstétricas e neonatais.
Consideramos que para a existência de um sistema de referência e contra-
referência atuante e efetivo faz-se necessário não apenas o estabelecimento dos
fluxos e contrafluxos de pacientes e informações, mas também o reconhecimento
da necessidade de regulação destes.
Podemos apreender a partir dos documentos analisados que um sistema
efetivo de referência e contra-referência deve dispor de uma central de regulação
de leitos para controle de leitos obstétricos e neonatais incluindo o de alto-risco, o
que possibilita o atendimento precoce e a diminuição do risco de morte materna e
neonatal.
A partir dos conceitos, finalidades e práticas de regulação, e aproximando-
os da regulação da assistência obstétrica, podemos dizer que a orientação precisa
para os fluxos das gestantes no interior da instituição de saúde possibilita a
otimização dos recursos e dignifica o atendimento, bem como desenvolve
resolutividade e satisfação pelo atendimento prestado.
Dessa forma, as proposições estratégias encontradas nos documentos
analisados podem contribuir mais substancialmente para a redução do óbito
materno e neonatal, evitando a peregrinação das gestantes à procura de
assistência e a falta de acesso aos serviços, expressando a perspectiva de garantia
da atenção integral.
Cabe ressaltar que esta estratégia de regulação dos fluxos deve ser
respeitada e socializada entre profissionais e a sociedade em geral, com a
supressão de privilégios e favoritismos que a desvirtuam e interferem na eqüidade
da atenção.
93
A regulação das ações de saúde surgiu com o propósito de promover a
integralidade e a eqüidade no atendimento à saúde em todos os níveis, respeitando
os princípios da regionalização e hierarquização. Além disso, por meio dela, o
acesso pode ser facilitado e adequado às necessidades de forma responsável e
ágil, com a aplicação de recursos assistenciais necessários para cada situação, a
partir de critérios regulatórios pactuados e transparentes.
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Art. 1º, afirma que a assistência
obstétrica deve ser realizada promovendo-se “a ampliação do acesso a estas ações,
com incremento da qualidade e da capacidade instalada da assistência obstétrica e
neonatal bem como através de sua organização e regulação no âmbito do Sistema Único de
Saúde”.
Desse modo, o acesso, a oferta abrangente de serviços e ações, a
regulação e o incremento da qualidade se inter-relacionam. Falar de qualidade em
prol da redução do óbito materno, é falar de uma rede de serviços suficiente e
integrada, com acesso garantido e viabilizada por meio de estratégia que o
favoreça com agilidade e sem privilégios.
O processo de regulação na saúde vem ocorrendo por várias décadas,
mas marcadamente é a partir da NOAS/2001 que define mecanismos para a
reorganização dos fluxos de referência e contra-referência e se introduz o conceito
de “regulação assistencial”.
O Pacto Nacional Para a Redução da Mortalidade Materna no Brasil
(BRASIL, 2004b) é uma referência nacional que reconhece a mortalidade materna
como um indicador das desigualdades sociais brasileiras e das falhas na
assistência às mulheres adultas e adolescentes.
Por meio dele afirma-se que a redução da mortalidade materna pode ser
alcançada partir da ampliação da oferta de serviços e ações de assistência
obstétrica, incluindo a implementação do planejamento familiar e da ampliação da
atenção básica.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) deixa clara a necessidade de celebração
de contratos entre prestadores de serviços e gestores, e entre gestor estadual e
gestor municipal, de forma coerente com a Programação Pactuada e Integrada
(PPI), conforme propostas do termo de referência para a contratualização e em
consonância com as proposições do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal.
94
Nesse sentido, a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), em seu § 1º, determina
que “Os contratos de metas para atenção obstétrica e neonatal deverão contemplar a
organização da atenção pré-natal ao parto, ao puerpério e ao neonatal, com garantia de
referência para diagnóstico, atenção ambulatorial especializada, hospitalar e para
assistência às situações de intercorrências e urgências obstétricas e neonatais”.
O PHPN trouxe para a atenção obstétrica um mecanismo orientador para
efetiva integração da assistência pré-natal e ao parto: ser desenvolvida por meio de
uma rede de serviços estabelecida mediante a celebração de contratualização
entre os gestores estaduais e municipais e gestores municipais e prestadores de
serviços.
- Garantia de recursos físicos, materiais, humanos e financeiros
Reconhecemos que o desenvolvimento da atenção obstétrica em uma
rede suficiente integrada e regulada, com a finalidade de prevenção e manutenção
da saúde do binômio mãe e filho e de evitar o óbito materno, exige um amplo
suporte em recursos físicos, técnicos, materiais, e humanos, em todos os níveis
assistenciais.
Para a redução da mortalidade materna é relevante a organização dos
serviços por meio de capacidade instalada compatível com a proposta de
assistência, em termos de recursos financeiros, humanos e tecnologias disponíveis.
Ressaltamos que a garantia da capacidade instalada pode ser entendida como uma
das formas de efetivar a integralidade.
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Art. § 2º, determina critérios
para a atenção obstétrica como “a criação de condições técnicas, financeiras e
operacionais que permitam o desenvolvimento de mecanismos destinados à organização e
regulação da assistência obstétrica e neonatal”. Nessa mesma Portaria, nos princípios
gerais e condições para a adequada assistência ao parto, reafirma-se essa
necessidade de dispor de recursos humanos, físicos, materiais e técnicos
necessários à adequada assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, incluindo o
recém-nascido.
A capacidade instalada refere-se ao potencial de estrutura com o qual se
conta numa dada localidade ou serviço e diz respeito às condições físicas, de
95
equipamentos e de recursos humanos, diretamente relacionados aos investimentos
financeiros.
a) Estrutura física e equipamentos adequados
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a), nos princípios gerais e condições para o
adequado acompanhamento pré-natal, detalha como estrutura física nima para o
atendimento ao pré-natal: ambulatório, com sala de espera, local para guarda de
materiais e medicamentos, banheiro(s) e consultório(s), com condições de higiene,
conservação e ventilação, e com garantia de privacidade da paciente durante a
realização das consultas, exames clínicos e/ou ginecológicos.
Nessa mesma Portaria, nos princípios gerais e condições para a adequada
assistência ao parto, são apresentadas as características físicas mínimas para
atendimento ao parto, que deve conter: sala de exame e admissão da parturiente;
sala de pré-parto, parto e pós-parto; alojamento conjunto, com área de lavagem
das mãos; área de prescrição; área de assistência ao recém-nascido; banheiro
para parturiente, com lavatório, bacia sanitária e chuveiro; sanitário para
funcionários e acompanhantes; armário/rouparia e copa/cozinha; depósito para
material de limpeza; depósito para equipamentos e material de consumo; sala de
administração; central de esterilização; e expurgo. Às Unidades que realizam parto
cirúrgico deverão ser acrescentados o centro obstétrico e a sala de recuperação
anestésica.
É importante destacar que a estrutura física tal como proposta indica a
valorização do direito à permanência do acompanhante no parto, ao estabelecer a
garantia de sanitário para este. Esse aspecto, porém, veio a ser mais
amplamente garantido e respaldado em 2005, por ocasião da publicação da Lei
Federal nº 11.108/05 (BRASIL, 2005d), que garante que toda gestante tem o direito
à presença de acompanhante durante o trabalho de parto e pós-parto imediato.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) não detalha a estrutura física necessária
à assistência obstétrica e neonatal (para o pré-natal e parto), entretanto há menção
à necessidade de garantia de recursos físicos para o funcionamento das unidades
que prestam atenção obstétrica e neonatal, conforme disposto no seu Anexo II.
96
Para conhecimento da estrutura física adequada ao atendimento ao pré-
natal e parto o gestor deve recorrer ao que determina a Portaria 569 (Brasil, 2000a)
ou, preferencialmente, à Resolução da Diretoria Colegiada número 50 (RDC 50)
(BRASIL, 2002c) por suas definições no que se refere a construções, reformas,
ampliações, instalações e funcionamento de Estabelecimento de Assistência à
Saúde (EAS), sendo que, para o atendimento ao parto, esta Resolução determina
estrutura física mais complexa, comparada a proposta na Portaria 569 (BRASIL,
2000a).
A RDC 50, em atendimento ao princípio da descentralização, é um
instrumento norteador da política nacional de construções, reformas, ampliações,
instalações e funcionamento dos EAS, que atendam aos princípios da
regionalização, hierarquização, acessibilidade e qualidade da assistência prestada
à população, proporcionando às secretarias estaduais e municipais de saúde um
instrumento para elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos
assistenciais de saúde, adequado às novas tecnologias na área da saúde.
A RDC 50 determina que todos os projetos de EAS devem
obrigatoriamente ser elaborados em conformidade com as suas disposições,
devendo ainda atender a todas as outras prescrições relacionadas, estabelecidas
em códigos, leis, decretos, portarias e normas federais, estaduais e municipais,
inclusive normas de concessionárias de serviços públicos.
Os autores de normas devem considerar a prescrição mais exigente, que
eventualmente pode não ser a do órgão de hierarquia superior. Dessa forma,
consideramos que a Portaria 569 (BRASIL, 2000a) deveria ter feito menção ao que
dispõe a RDC 50, pelo seu detalhamento e uma vez que ela impõe a obediência às
suas diretrizes.
Para garantia de atenção qualificada à gestante e recém nascido de risco o
Ministério da Saúde editou a Portaria GMS 3.018, em junho de 1998. Esta
Portaria apresenta diretrizes para a implantação dos Sistemas Estaduais de
Referência Hospitalar no Atendimento da Gestante de Alto Risco (BRASIL, 1998d).
Nessa Portaria se define a área física específica para atendimento à gestante de
alto risco, além de um conjunto de equipamentos considerados necessários.
Posteriormente a Portaria 3.018 (BRASIL, 1998d) foi substituída pela
Portaria GMS n º 3.477, de 20 de agosto de 1998,(BRASIL,1998e) que determina
97
mecanismos para implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar no
Atendimento à Gestante de Alto Risco.
Cabe-nos ressaltar que tanto a Portaria 569 (BRASIL, 2000a) como a
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) não apontam a Casa da Gestante como um
importante espaço para a retaguarda das gestantes de risco.
A Casa da Gestante ou Casas Maternais possui uma estrutura física
adequada para a retaguarda da gestante de risco em acompanhamento, porém
sem necessidade de internação. Uma das características dessa casa é a sua
localização, que deve ser próxima a um hospital de referência secundária ou
terciária. Ela serve de apoio para albergar gestantes de alto risco que moram em
áreas distantes de serviço de saúde de referência. As gestantes albergadas em
casa da gestante devem ter atenção qualificada, anteriormente ao seu parto, e
contar com transporte garantido a um hospital de alta complexidade obstétrica.
Serve, também para amparar grávidas sem patologia conhecida, mas que
apresentam dificuldades de acesso a serviços de atendimento ao parto. Essa casa
faz parte das propostas das estratégias do Plano para a Redução da Mortalidade
Materna nas Américas, aprovado em setembro de 1990 pela XXIII Conferência
Sanitária Panamericana e a XLII Reunião do Comitê Regional que entre outras
coisas aponta a necessidade de disponibilizar uma rede de casas para gestantes
de alto risco em rede nacional. A casa da gestante permite o acesso imediato a
hospital para gestante de risco contribuindo para diminuir as complicações e mortes
obstétricas (INSTITUTO DE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL, [s.d.]).
A assistência obstétrica requer ainda transporte especializado para a
adequada resolução das necessidades de saúde da população de sua abrangência.
Isto implica na responsabilidade dos gestores com a garantia de transporte
adequado e seguro mediante vaga assegurada em outra unidade, quando se faz
necessária a mobilidade inter-hospitalar.
De acordo com a Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Anexo II, deve ser
garantida a transferência a gestante e ou o neonato em transporte adequado, mediante
vaga assegurada em outra unidade estar vinculada à Central de Regulação Obstétrica e
Neonatal de modo a garantir a internação da parturiente, quando necessário”.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) detalha a infra-estrutura básica para a
implementação da assistência reprodutiva, destacando o transporte madequado
das gestantes, puérperas e recém-nascido em outros níveis de atenção, por meio
de um sistema móvel de atendimento (pré e inter-hospitalar).
98
Considerando que o atendimento móvel de urgência é a primeira
possibilidade de ação no enfrentamento às urgências, o que lhe confere alto
potencial de impacto de preservação da vida e, ainda, considerando a sua
capacidade de intervenção junto a pacientes em situações urgentes e a sua
facilitação do acesso em todos os níveis do sistema, é fundamental garantir o apoio
do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAMU, conforme se encontra na
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) em seus princípios gerais e diretrizes para atenção
obstétrica e neonatal.
Essa garantia propicia, quando necessário, a transferência inter-hospitalar,
o deslocamento seguro da parturiente e/ou do recém-nascido de acordo com os
critérios estabelecidos no Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais a Urgência
e emergência referente às transferências e transportes inter-hospitalares. Cabe-nos
ressaltar que esta prática é recente no Brasil, mas essencial à prevenção do óbito
materno.
Conforme a Portaria 569 (BRASIL, 2000a), o transporte da gestante e
recém nascido deve ocorrer mediante vaga assegurada em outra unidade, quando
necessário. Além disso, a viatura deve ter fonte de oxigênio e incubadora de
transporte.
As Portarias 569 (BRASIL, 2000a) e 1.067 (BRASIL, 2000a) estabelecem,
ainda, como parte das responsabilidades dos municípios, em algumas situações em
parceria com o nível federal e estadual, a equipagem suficiente da rede para
atenção obstétrica e ao planejamento familiar definindo alguns equipamentos,
medicamentos e insumos considerados básicos.
b) Recursos humanos suficientes e preparados
O déficit de pessoal competente é um grande impeditivo para a qualidade
da assistência, assim como o seu perfil. A qualidade da assistência depende, em
termos gerais, do quadro de pessoal disponível e da competência de quem realiza
o trabalho.
99
Em relação aos recursos humanos, a Portaria 569 (BRASIL, 2000a),
diferentemente da Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), apresenta detalhamento quanto
a composição da equipe profissional mínima para a assistência ao parto e ao recém
nascido, em unidades mistas, hospitais gerais e maternidades, que deve abranger:
obstetra; pediatra/neonatologista; clínico geral; enfermeiro (preferencialmente com
especialização em obstetrícia); auxiliar de enfermagem; auxiliar de serviços gerais.
Para a atenção ao alto risco, a Portaria 3.018 (BRASIL, 1998d) também
dispõe sobre a equipe técnica para atendimento resolutivo em Clínica e Cirurgia
Obstétrica, Neonatologia, UTI adulto e UTI neonatal, constituída dos seguintes
profissionais: neurologista, cardiologista, endocrinologista, nefrologista, cirurgião
geral, clínico geral, ultrassonografista, enfermeiro, assistente social, farmacêutico,
psicólogo e nutricionista.
Nas portarias referentes ao PHPN não foi feita nenhuma menção a esta
última Portaria, o que pode se traduzir em dificuldade para os gestores, no
momento de estabelecer contratualização e avaliação das ações de atenção à
saúde reprodutiva.
Para a adequada assistência obstétrica também é necessária a garantia
dos recursos humanos preparados para a atenção pré-natal, ao parto, recém-
nascido e puerpério, conforme se encontra no Anexo l da Portaria 1.067 (BRASIL,
2005a).
Para se evitar o óbito materno é necessário dispor de profissionais
preparados para atuação qualificada, tanto para a atenção individual como coletiva,
para a atenção a situações de baixo e alto risco, e com o caráter de promoção, cura
ou prevenção.
Para que este objetivo seja alcançado, a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a)
estabelece o desenvolvimento de um Programa de Educação Permanente para os
profissionais da rede de atenção obstétrica e neonatal básica.
Especificamente, essa Portaria, no seu Anexo II, evidencia-se a
importância do preparo técnico dos profissionais, sendo necessário em cada
consulta avaliar o risco obstétrico e neonatal e garantir assistência imediata à
mulher e ao recém-nascido em situações de intercorrências, devendo para tal
dispor-se de profissionais capacitados para prestar os cuidados imediatos nestas
situações.
100
Uma das preocupações da assistência pré-natal tem sido a identificação da
gestação de alto risco, cujo acompanhamento requer atendimento especializado. A
hierarquização do risco gestacional, o diagnóstico de intercorrências, a identificação
e o encaminhamento das gestantes de alto risco aos centros de referência na
atenção secundária e terciária são considerados instrumentos de grande
importância para a redução da mortalidade materna e perinatal (REZENDE et al,
2000). Essa preocupação com a hierarquização e o reconhecimento de
necessidades específicas de gestantes de risco caracterizam-se como expressões
do princípio da integralidade.
Para dar conta dessas proposições estratégicas, é imprescindível o
desenvolvimento de ações de educação permanente dos profissionais da rede de
atenção obstétrica, considerando o contexto de atuação multidisciplinar (formação
de enfermeiras obstetras, doulas, parteiras tradicionais) e o preparo de profissionais
capacitados tanto para atuar nas intercorrências como na perspectiva a promoção
da saúde.
Cabe-nos ressaltar que, desde 1998, o Ministério da Saúde vem
apresentando medidas, promovendo e apoiando políticas e investindo recursos
para a especialização de enfermeiras obstétricas para assistência ao parto normal.
Outra consideração a ser feita é com relação à situação das parteiras
tradicionais. Apesar de não se saber o número real de parteiras atuantes no País,
sabe-se que elas têm atuado sem apoio dos serviços e profissionais de saúde. Não
só elas não receberam capacitação para o partejar como não contam com materiais
básicos para assistência ao parto, além de não serem remuneradas pelo seu
trabalho (BRASIL, 2004b). Como conseqüência dessa situação, a maioria dos
partos ocorridos em domicílios ocorre em condições precárias e não são
computados no sistema de informações em saúde.
Destacamos que na zona rural as mulheres têm maior dificuldade de
acesso ao parto, como demonstrou a PNDS de 1996, principalmente entre as
mulheres com baixa ou nenhuma escolaridade, e entre aquelas que não tiveram
assistência pré-natal (BRASIL, 1996a). Essas mulheres são atendidas no parto por
parteiras que no geral encontram-se despreparadas para as situações de
intercorrência, estando mais sujeitas ao óbito materno.
O desenvolvimento de recursos humanos para a atenção reprodutiva é
evidenciado também no parágrafo único do artigo 4 da Lei do Planejamento
101
Familiar (BRASIL, 1996b) que estabelece que o Sistema Único de Saúde deve
promover o treinamento de recursos humanos, com ênfase na capacitação do
pessoal técnico, visando à promoção de ações de atendimento à saúde reprodutiva.
Na Política Nacional de Planejamento Familiar (BRASIL, 2005b), aponta-se
que a assistência qualificada a este e à assistência obstétrica requer profissionais
capacitados quanto aos direitos sexuais e reprodutivos, valorizando-se, para tal, a
produção de material político e técnico, a realização de capacitações para
profissionais de saúde e educação, abordando-se temas diversos de saúde
reprodutiva e sexual e o enfoque de direitos, mediante parcerias. Aponta-se a
necessidade de capacitação de profissionais de saúde na atenção integral à saúde da
mulher nos seguintes temas: assistência em planejamento familiar, assistência pré-natal,
assistência humanizada à mulher em situação de abortamento e no pós-abortamento,
climatério, violência sexual e doméstica, urgências e emergências obstétricas e atenção
humanizada (...)”.
Cabe destacar que a necessidade de qualificação da assistência obstétrica
não é exclusiva da rede pública, sendo necessária, também, para os prestadores
privados, com ou sem vínculo com o SUS.
O desenvolvimento de recursos humanos para uma atenção à saúde
reprodutiva é uma das prerrogativas do Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal (BRASIL, 2004b) no qual se a apresenta a
necessidade de capacitação intensiva dos profissionais, de modo a prestar
adequada assistência obstétrica e neonatal, para a definição e implementação de
práticas assistenciais humanizadas. Neste, prevê-se que nos novos contratos de
gestão hospitalar se considere a adesão a boas práticas na atenção obstétrica e
neonatal e aos critérios da Política Nacional de Humanização.
No Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal (BRASIL,
2004b), há referência quanto à necessidade do estabelecimento de assessoria
técnica para planejamento local e regional, de apoio técnico na área de saúde da
mulher e na organização da atenção a gestante e ao recém-nascido, e o
desenvolvimento de educação permanente dos profissionais envolvidos com a
atenção obstétrica e neonatal, capacitação de gestores e gerentes, e a inclusão da
temática nos grandes processos da educação na saúde: PROMED, PROFAE,
PROESF e Pólos de Capacitação. Essa referência expressa o desenvolvimento de
pessoal de forma ampliada, contemplando: Educação permanente dos profissionais
envolvidos com a atenção obstétrica e neonatal”; “Formação de enfermeiras obstétricas”;
102
”Qualificação de parteiras tradicionais e doulas”; ”Capacitação para atenção as urgências
obstétricas e neonatais”; ”Capacitação de gestores e gerentes.
A necessidade de desenvolvimento de pessoal também é uma das
questões destacadas nas proposições do documento Direitos Sexuais e
Reprodutivos, no qual se afirma que “serão viabilizadas capacitações para profissionais
da saúde e da educação, para formação de multiplicadores, por meio dos pólos de
educação permanente”,
O desenvolvimento de recursos humanos deve ser tarefa compartilhada,
desde a sua formulação até a sua execução, pelos três níveis de governo,
conforme dispõe a Lei 8.080 (BRASIL, 1990a). Coerentemente com essa Lei a
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) estabelece a necessária inserção das unidades
básicas de saúde e unidades hospitalares como campo de estágio para as
instâncias formadoras de recursos humanos, de graduação ou pós-graduação, em
consonância com as necessidades do SUS e com os princípios e diretrizes da
PHPN.
Deve assegurar a adequada assistência à parturiente, puérpera e ao
recém-nascido, conforme o enfoque da assistência integral e humanizada.
Nos serviços de saúde as práticas educativas direcionadas ao
desenvolvimento dos seus profissionais, geralmente se configuram como
capacitação, treinamentos ou cursos. Elas podem ser de caráter emergencial,
pontual e até mesmo processos de formação. Muitos gestores acreditam que a
melhoria dos níveis de saúde depende do aprimoramento dos trabalhadores. Esta
compreensão estabelece uma relação causa-efeito, linear e simplista, entre
preparação de trabalhadores de saúde
20
e resultado do trabalho. (ROSCHKE et
al,1991).
Embora a preparação exerça influência na qualidade do trabalho, esta não
é a única questão envolvida, outras questões atuam na qualidade da assistência,
portanto não deve ser tomada isoladamente como medida de qualificação do
estado da assistência à saúde.
Por outro lado, verifica-se que muitos profissionais atuam sem
pressupostos conceituais, agem de forma mecânica, apegados em tradição e
focado na rotina, concentrando os esforços e recursos na repetição acrítica de
20
Considera-se trabalhadores de saúde todas as categorias profissionais com ou sem
preparo formal nas especificidades da área, assim como as categorias de profissionais de
outras áreas empregadas no setor (ROSCHKE et al,1991).
103
atividades. O que se expressa de forma acentuada na assistência obstétrica
principalmente no pré-parto e parto, sendo vista como assistência desumanizada.
Entretanto, uma pequena parcela de profissionais e gestores relaciona os
processos educativos às necessidades reais do processo produtivo,
compreendendo este espaço como relativamente importante na execução das suas
finalidades, o que os leva a investir, principalmente, na compreensão da realidade e
na construção de alternativas capazes de integralizar as múltiplas variáveis
envolvidas (ROSCHKE et al,1991).
Quando se pretende reverter a situação prevalente é necessário identificar
os problemas, utilizando-se de estratégias para abstrair a realidade e compreender
os fenômenos em sua totalidade concreta. Nesta forma de pensar, a transformação
da formação e gestão do trabalho em saúde, portanto, não pode ser vista como
uma questão simplesmente técnica, que envolve mudanças nas relações, nos
processos, nos atos de saúde e, principalmente, nas pessoas, sendo a atualização
técnico-científica apenas um dos aspectos da transformação das práticas e não seu
foco central (ROSCHKE et al, 1991).
Ela tem como fundamento a aprendizagem significativa (que promove e
produz sentidos), que se inspira na transformação das práticas profissionais por
meio da reflexão crítica sobre estas, por profissionais reais em suas ações na rede
de serviços. Educação Permanente é aprendizagem no trabalho, quando a
aprendizagem e o ensino se incorporam ao cotidiano das organizações e ao
trabalho (ROSCHKE et al, 1991).
Ao colocar em evidência a formação e o desenvolvimento de pessoas para
o SUS por meio da construção da educação permanente, pode-se propor a
agregação entre desenvolvimento individual e institucional, entre serviços e gestão
setorial e entre atenção e controle social, visando à implementação dos princípios e
das diretrizes constitucionais do SUS (ROSCHKE et al, 1991).
Propõe-se, portanto, que o processo ensino-aprendizagem na saúde tenha
como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da
gestão setorial e do controle social em saúde. Tenha como objetivos a
transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho e
sejam estruturados a partir da problematização do processo de trabalho. A
atualização técnico-científica é apenas um dos aspectos da transformação das
práticas e não seu foco central. (ROSCHKE et al 1991).
104
Neste sentido a educação permanente em saúde parece ser uma
alternativa capaz de contribuir com a redução da mortalidade materna. Isso requer
ações nos âmbitos da formação técnica, de graduação e de pós-graduação, da
organização do trabalho, da interação com as redes de gestão e de serviços de
saúde e do controle social.
Como vimos, essa forma de pensar o processo ensino-aprendizagem
considera a realidade do sujeito, para a partir dela teorizar conteúdos e
posteriormente usá-los na prática de forma significativa. Essa proposta pedagógica
pode ser utilizada na organização do trabalho, nos processos de educação em
saúde, no próprio ato do cuidado, de forma a exercer o conhecimento
compartilhado. Essa modalidade pedagógica pode ser referida como revestida de
sentido da integralidade.
Além da preocupação com o desenvolvimento para a assistência,
também preocupação com o desenvolvimento para a atuação em atividades meio.
Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), no seu Anexo II, estabelece-se a necessidade
de garantir e adotar estratégias de capacitação de forma regular para a operação
dos Sistema de Informação em Saúde.
c) Financiamento disponível
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), nos seus artigos 195 e
198, descreve que o financiamento do SUS é uma responsabilidade a ser
compartilhada entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Posteriormente, a Emenda Constitucional (EC) 29, de 13 de setembro de 2000,
(BRASIL, 2000c) apresentou a definição dessas responsabilidades e, ainda,
permitiu corrigir e evitar alguns dos problemas ocorridos nos anos de 1990, que
comprometeram o financiamento do SUS. Tais dificuldades relacionavam-se, entre
outras: à inexistência de um parâmetro legal que induzisse os estados, Distrito
Federal e municípios a destinarem recursos para a área da saúde; à instabilidade
das fontes de financiamento no âmbito da União: à natureza emergencial e
provisória de medidas adotadas para fazer frente à falta de recursos para o setor
saúde.
105
A EC 29 estabeleceu o parâmetro para a base de cálculo, e os
percentuais mínimos de recursos orçamentários a serem aplicados em ações e
serviços públicos de saúde por cada esfera de governo (BRASIL, 2000c).
O instrumento utilizado no seu acompanhamento, fiscalização e controle é
o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da
Saúde (SIOPS), estruturado para dar visibilidade aos gastos públicos com a saúde
à sociedade civil; para constituir uma fonte de informações acessível; facilitar a
realização de estudos e pesquisas que subsidiem o desenho de políticas públicas e
programas na área da saúde; e servir como instrumento de acompanhamento do
que reza a Constituição Federal, especificamente o disposto na Emenda
Constitucional 29.
Para a efetivação do PHPN, além dos recursos repassados de forma
regular e automática para os municípios (transferência fundo a fundo e
remuneração por serviços produzidos), estes recebem um adicional quando ocorre
cadastro precoce de gestantes, e nos casos de realização de ações mínimas
preconizadas pelo PHPN (número mínimo de consultas, exames laboratoriais,
administração de vacina dT, e a consulta pré-natal).
A Política de atenção obstétrica introduz incentivos financeiros para o
custeio dessa assistência, após cumprimento de critérios mínimos, necessários
para melhorar a qualidade da assistência.
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu § 2º, dispõe sobre o
“financiamento do incremento da qualidade assistencial e da capacidade instalada
obstétrica e neonatal de hospitais públicos e filantrópicos integrantes do Sistema
Único de Saúde que prestem este tipo de assistência e que cumpram os requisitos
e critérios de elegibilidade estabelecidos”. Ainda exige que o município aloque,
complementarmente, recursos financeiros próprios para o desenvolvimento do
Programa, conforme o § 2º do Art. 5º.
Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), na definição dos compromissos e
responsabilidades conjuntas entre os três níveis de governo, se estabelece a
responsabilidade das três esferas de governo com a alocação de recursos para o
financiamento da assistência obstétrica, conforme diagnóstico de necessidades
locorregionais. Desta forma, a alocação de recursos financeiros deve vir das três
esferas de governo (União, Estados e Municípios), com vistas à ampliação de
106
cobertura da atenção obstétrica e neonatal, tanto quantitativa quanto
qualitativamente.
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Art. § 3º, estabelece o
compromisso do gestor municipal em alocar recursos de caráter complementar para
o desenvolvimento do PHPN.
Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) em seu Art. 4º , o Ministério da Saúde
se compromete a repassar incentivos financeiros do PHPN “para 100% dos
municípios que informarem, por meio do Sisprenatal, a realização dos procedimentos
estabelecidos”. No seu Anexo II, determinação de desembolso financeiro das três
esferas de governo (União, Estados e Municípios), conforme diagnóstico das
necessidades locorregionais, com vistas à ampliação de cobertura da atenção
obstétrica e neonatal, tanto quantitativa quanto qualitativamente.
Para a necessária adequação do financiamento das ações em saúde
reprodutiva e sexual, tendo em vista o enfrentamento do problema nacional do óbito
materno, por meio do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal (BRASIL, 2004b), coloca-se a necessidade de redirecionamento de
recursos para fortalecimento de projetos e ações direcionadas a esse fim,
pactuadas nas instâncias gestoras do SUS.
Considerando-se que para a redução mortalidade materna e neonatal no
Brasil é necessária a institucionalização de medidas de várias naturezas – políticas,
econômicas, sociais e assistenciais –, é preciso considerar que estas demandam a
provisão e adequação de recursos financeiros necessários a sua efetivação.
Com essa intenção, a assistência obstétrica e neonatal tem recebido
incentivos do governo federal para estruturação e organização das unidades que
prestam esse tipo de assistência, de forma regionalizada e hierarquizada, para sua
efetivação ao longo da década de 1990 e na atual década.
Essas medidas buscam também garantir a dignidade no processo de
gestar, parir e nascer, coerentemente com o eixo da integralidade. Desta forma,
incentivos financeiros adicionais têm sido dirigidos para a adequação desta
assistência, seja na atenção básica, hospitalar, laboratorial, para estruturar o
transporte adequado de gestante e recém-nascido de alto risco, e para o
desenvolvimento de pessoal, sendo estes incentivos repassados em forma de
materiais, equipamentos e em valores pré-fixados, aos gestores e prestadores de
serviços no âmbito do SUS, como discutido anteriormente.
107
Os incentivos destinados à assistência podem apresentar potencial para
gerar impactos positivos nas taxas de morbimortalidade materna e neonatal, pois
são dirigidos desde a atenção básica à assistência hospitalar, e principalmente
porque são de caráter complementar à assistência financiada de forma regular
pelos serviços produzidos, de média e alta complexidade, executados e aprovados
na assistência ambulatorial ou hospitalar, mediante a apresentação do instrumento
de fatura desses atendimentos, ou por meio de repasse fundo a fundo, para os
estados e municípios, porém, exige o uso eficiente de tasi recursos.
Essa situação pode ser corroborada com os resultados do estudo realizado
por Serruya; Lago; Cecatti (2004) que demonstraram o impacto positivo do PHPN
em relação ao número de cadastro de gestantes na assistência pré-natal entre o
ano de 2001 e 2002, sendo, que em 2001 apresentou (9,25%) de gestantes
cadastradas e no ano de 2002 (27,92%), sendo estes, na sua maioria precoce. Em
relação ao percentual de gestantes que realizaram seis ou mais consultas de pré-
natal, este girou em torno de 20%. O percentual de gestantes que realizou seis ou
mais consultas e a consulta puerperal e/ou os exames laboratoriais mínimos
estabelecidos no PHPN, o seu percentual reduziu para a metade. Nesta avaliação,
os pesquisadores verificaram que o registro da vacina antitetânica cresceu 100% no
período que compreende os anos de 2001 e.2002, enquanto o percentual de
solicitações do VDRL foi a metade do número de solicitações do exame anti-HIV e
apenas 2% das mulheres cadastradas em 2001 e 5% em 2002 realizaram o
conjunto de todos os critérios assistenciais estabelecidos.
Além disso, no Brasil, as principais causas de óbito materno devem-se às
causas obstétricas diretas, principalmente por hipertensão, sendo que seu
diagnóstico se faz por uma técnica muito simples e de baixíssimo custo, que é a
aferição da pressão arterial em todas as consultas de pré-natal. Portanto, com seu
diagnóstico e condutas corretas é possível evitar muitos óbitos maternos, e para
isso não é necessário o investimento de muitos recursos financeiros (SERRUYA;
LAGO; CECATTI, 2004).
Entretanto, não podemos afirmar que em todos estados, municípios os
recursos serão assegurados para o desenvolvimento deste potencial, pois fica na
dependência da capacidade de gestão a aplicação dos recursos financeiros aos fins
a que são destinados, e do controle social em acompanhar a aplicação destes
108
investimentos, o que pressupõe a capacitação desses atores para o exercício do
controle social.
7.2.2 Gestão da assistência obstétrica e ao planejamento familiar
- Partilhamento de responsabilidades entre as autoridades sanitárias
Para a garantia dos direitos reprodutivos, a gestão da assistência
obstétrica e ao planejamento familiar deve ser de responsabilidade das três esferas
de governo, com atribuições específicas para cada um desses entes, como
estabelecem a Lei do Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b), a Portaria 569
(BRASIL, 2000a) e a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a).
A gestão compartilhada é consoante com o Pacto pela Saúde 2006, que se
sustenta nos princípios e diretrizes do SUS. Esse Pacto oferece apoio à
implementação da descentralização e organização da gestão no SUS, sendo
fundamentado no processo de pactuação intergestores. Possibilita, entre outras
coisas, a definição clara das responsabilidades sanitárias e de gestão entre as
autoridades sanitárias do SUS (BRASIL, 2006a).
Portanto, os níveis federal, estadual e municipal devem viabilizar as
condições necessárias à implementação da política nacional de humanização ao
pré-natal, parto e puerpério e de assistência ao planejamento familiar.
A despeito das implicações desta forma de gestão para as várias
autoridades sanitárias, considerado o recorte desta pesquisa, destacamos
responsabilidades que envolvem diretamente a gestão dos municípios.
Atualmente o município apresenta maior autonomia na gestão do sistema
de saúde. Mas de forma paradoxal esta vem acompanhada de maior
responsabilização.
Entre elas, a Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Art. 5º, § 3º define que
o município deve participar da organização dos sistemas regionais e do conjunto
das definições que são necessárias a sua efetivação. É responsabilidade municipal
participar da elaboração do Programa Estadual de Humanização no Pré-Natal e
Nascimento. Especificamente, cabe ao gestor municipal estruturar e garantir o
funcionamento da Central Municipal de Regulação Obstétrica e Neonatal, estruturar
109
e garantir o funcionamento do sistema móvel de atendimento pré e inter-hospitalar,
e garantir a atenção pré-natal e ao puerpério em seu próprio território, podendo
partilhar com outros municípios a atenção ao parto, ao alto risco e serviços
diagnósticos mediante pactuação e programação regional. Essa forma de organizar
a assistência tem fundamento no princípio da integralidade.
No Art. 5º, § 2º, dessa Portaria se define que cabe ao município monitorar
o desempenho do PHPN e os resultados alcançados, mediante o acompanhamento
de indicadores de morbimortalidade materna e neonatal, no âmbito municipal.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), em seu Art. 1º, Parágrafo Único,
também afirma como responsabilidades do gestor municipal o desenvolvimento de
ações de promoção, prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-
nascidos, e a organização e regulação no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Em seu Art. 3º, para a gestão compartilhada, se estabelece o processo de
contratuação de metas entre os gestores municipais, estaduais e o Ministério da
Saúde para organização da rede, de acordo com diretrizes e condições a serem
aprovadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Conselho Nacional de
Saúde (CNS). Para o acompanhamento do alcance dessas metas, em seu Anexo II,
dispõe sobre a necessidade de desenvolver análise de forma conjunta e periódica,
de forma a adotar as medidas julgadas necessárias.
Essa perspectiva é expressa no Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal (BRASIL, 2004b), que afirma uma gestão apoiada
na construção de “pactos locais contendo a agenda de compromissos, estratégias e
ações, cronograma e definições de responsabilidades, em coerência com o Plano Diretor de
Regionalização”.
Os contratos de metas para atenção obstétrica devem contemplar a
organização da atenção obstétrica e a garantia das referências. Deve contemplar a
reclassificação do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento e a
reclassificação das unidades de referência para atendimento às gestantes e recém-
nascidos de risco nos estados e municípios, por meio de consulta pública, como
explícita a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a). O seu Art. 3º, § 1º, 2º e 3º, dispõe que:
“Os contratos de metas para atenção obstétrica e neonatal deverão contemplar a
organização da atenção pré-natal, ao parto, ao puerpério e ao neonato, com garantia de
referência para diagnóstico, atenção ambulatorial especializada, hospitalar e para
assistência às situações de intercorrências e urgências obstétricas e neonatais”.
110
Esta reclassificação se faz necessária em função da nova sistemática do
PHPN quanto à necessidade de contratualização para a organização da atenção
obstétrica e neonatal entre Secretarias Municipais e Secretarias Estaduais de
Saúde, consoante com o processo de regionalização e hierarquização, definido no
Plano Diretor de Regionalização, conforme aprovação na Tripartite, além do
contrato de metas com os prestadores de serviços contemplando a descrição das
responsabilidades das partes, os serviços a serem prestados pelas unidades de
saúde e as metas qualitativas e quantitativas, conforme proposições descritas no
termo de referência para a contratualização e em sintonia com as proposições do
Pacto Nacional para Redução da Mortalidade Materna e Neonatal.
Na organização da assistência à saúde reprodutiva, o município deve
garantir o acesso ao planejamento familiar, oferecendo ações educativas, métodos
anticoncepcionais e serviços. Nesse sentido, a política de planejamento familiar
(BRASIL, 2005b) aponta que a disponibilidade dos métodos anticoncepcionais
incluídos no elenco de medicamentos/insumos para a atenção básica é da
responsabilidade do nível federal.
O Art. da Lei 9.263 (BRASIL, 1996b) determina que “as ações de
planejamento familiar serão exercidas pelas instituições públicas e privadas, filantrópicas ou
não, nos termos desta Lei e das normas de funcionamento e mecanismos de fiscalização
estabelecidos pelas instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde“. Estabelece, ainda,
em seu Art. 14º, que “cabe à instância gestora do Sistema Único de Saúde, guardado o
seu nível de competência e atribuições, cadastrar, fiscalizar e controlar as instituições e
serviços que realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar”. Em relação à
garantia dessa assistência o seu Art. 3º, determina que as instâncias gestoras do
SUS, incluindo os municípios, “obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no
que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal”
Acreditamos que a efetiva gestão compartilhada à implementação dessa
política deve se basear em uma visão estratégica, com definição do que deve ser
implementado a curto, médio e em longo prazo. Consideramos que a forma de gerir
estabelecida nos documentos da política em vigor seja estendida até o nível
operacional, incluindo a participação da sociedade e dos trabalhadores. Essa
construção deve ser um processo coletivo e permanente, não devendo ser utilizado
como um meio para justificar interesses políticos.
Da mesma forma, é necessário o real reconhecimento da mortalidade
materna como um problema de saúde pública, pelos gestores e demais atores
111
sociais a partir do conhecimento do problema e de sua superação, o que
certamente implicará compartilhamento de novas responsabilidades. Para
substanciá-las, defendemos a implementação da avaliação permanente, e não
periódica, do cumprimento das metas pactuadas da atuação estendendo-se essa à
atuação dos comitês de mortalidade materna.
Como vimos nos documentos analisados e em aspectos destacados neste
item, de uma forma ou outra, a expressão de vários dos muitos sentidos da
integralidade.
- Elaboração de normas e adoção de protocolos técnicos de
assistência obstétrica
Protocolos clínicos, de natureza técnica, são definidos como o elenco de
recursos terapêuticos mais adequados para cada situação clínica (BRASIL, 2005a),
e constituem-se parte do conjunto das normatizações a serem adotadas para a
organização, gestão e encaminhamento do trabalho assistencial.
Segundo Martins e Pereira (2002) a normatização de procedimentos é um
importante processo para garantir a qualidade da assistência obstétrica e perinatal,
evitando práticas consideradas inapropriadas. Desta forma, o estabelecimento de
protocolo é fundamental para efetivar as rotinas em torno da captação precoce das
gestantes, da realização de ações educativas com gestantes e familiares, do
retorno da puérpera à unidade de saúde para a consulta puerperal, entre outros
aspectos.
Os protocolos para o cuidado obstétrico são indispensáveis em todos os
níveis de assistência, pois explicitam e regem as atividades dos membros da
equipe, que devem participar de sua elaboração e revisão. Os protocolos devem
orientar a atenção necessária, com conhecimento científico atualizado e compatível
com nível de atenção que se presta. Na sua construção é de grande importância a
opinião dos usuários (SCHWARCZ, 1996).
Uma das responsabilidades do nível municipal é o estabelecimento de
protocolos técnicos de assistência na área de obstetrícia e neonatologia, como se
define na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), na caracterização da atenção hospitalar.
112
Como parte desses protocolos, focando aspectos de organização da
atenção, essa Portaria estabelece, ainda, a necessidade de ”adotar estratégias que
garantam a utilização rotineira do partograma” e de “garantir, para todas as gestantes, o
preenchimento do cartão da gestante”. Isto além de “Adotar protocolos técnicos de
assistência na área de obstetrícia e neonatologia”.
O partograma destina-se ao registro da evolução clínica do parto,
informando sobre suas condições na relação com medidas adotadas. Oferece
maior segurança na condução do trabalho de parto e parto, contribuindo para a
redução de riscos maternos e perinatais, contribuindo para a evitabilidade da morte
materna e perinatal.
Defendemos a idéia de que os protocolos a serem adotados devem
expressar o resultado de trabalho conjunto, envolvendo os serviços de saúde, as
sociedades científicas (Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia, de Pediatria,
Associação Brasileira de Enfermagem, entre outras), incluindo procedimentos e
práticas clínicas de viabilização do acesso na rede.
Entre essas, deve-se incluir ações de monitoramento do comparecimento
da gestante ao programa, de busca ativa das gestantes faltosas, de obrigatoriedade
do preenchimento do cartão da gestante e de seu prontuário, entre outras.
É necessário cuidado na utilização de protocolos para que estes não
venham a se constituir em um conjunto de procedimentos sem flexibilidade, que
desconsiderem a singularidade das situações. Como nos alerta Rocha (2004), o
uso de protocolos de forma acentuada pode caracterizar-se como uma questão
eminentemente ritualista, o que em um curto espaço de tempo pode inibir a
comunicação no cuidado. Entretanto sua utilização de forma racional, tendo o
cuidado com as especificidades de cada situação pode se expressar como uma dos
aspectos da integralidade.
- Diagnóstico situacional dos problemas de saúde e da atenção
obstétrica e neonatal
Para a gestão da atenção à saúde reprodutiva e sexual, a produção de
informações, o diagnóstico de necessidades, o planejamento, a confecção de
113
planos de trabalho e o monitoramento e avaliação são essenciais, previstos em
todos os documentos que tratam da política em foco.
O diagnóstico situacional é uma das etapas do planejamento sendo que,
para Merhy (1994), esse pode ser considerado um instrumento da ação
governamental para a produção de políticas e para o processo de gestão das
organizações, sendo uma prática social.
O planejamento deve ser um processo permanente e participativo dentro
da instituição, pois necessariamente deve ser feito pelos atores envolvidos na ação,
continuamente, para que se reconheçam necessidades e para que exista
comprometimento com o seu enfrentamento.
Drucker (1975) defende a idéia de que para o futuro acontecer é
necessária a tomada de decisões e o encaminhamento de ações imediatas. Para
ele, o verdadeiro planejamento não se constitui em uma lista de desejos ou boas
intenções, mas deve apresentar objetivos factíveis, caso contrário perderá a
credibilidade. Planejar impõe visualizar um futuro melhor, o que não o resume a
simplesmente sonhar alto. Exige maturidade para aceitar as restrições e, além
disso, a seleção de ações concretas necessárias para alcançar o objetivo desejado.
Para essa construção e implementação de um plano de trabalho, é preciso
o conhecimento da realidade, assim como é indispensável o uso de um sistema de
informação para dar sustentabilidade ao planejamento.
Vale ressaltar que o planejamento das ações em saúde diferencia-se do
plano de trabalho, sendo este um dos produtos do processo de planejamento, que
documenta e enuncia as conclusões dos acordos, indicando a situação desejada. O
plano deve ser flexível e permanentemente revisado para se manter atual. Muitas
experiências fracassam ou tornam-se traumáticas pela supervalorização do que se
consubstancia em documentos, de forma inflexível. O plano tem seu valor, embora
seja peça secundária. O plano escrito deve sempre existir, principalmente para
documentar os acordos e a direcionalidade do trabalho, e sua linguagem deve ser
clara.
Com relação ao diagnóstico situacional das necessidades e prioridades
tendo em vista a atenção à saúde reprodutiva, a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a),
no seu Termo de Referência Para o Processo de Contratualização de Metas para a
Atenção Obstétrica e Neonatal estabelece que a garantia de alocação de recursos
deve se dar “conforme diagnóstico das necessidades locorreginonais, com vistas à
114
ampliação de cobertura da Atenção Obstétrica e Neonatal, tanto quantitativa quanto
qualitativamente”.
No Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal
(BRASIL, 2004b), fica estabelecido que para a configuração da rede de atenção
obstétrica é necessário o diagnóstico situacional da capacidade instalada sendo
indispensável reavaliar a rede e qualificação de hospitais de referência para
gravidez de risco, em função de cumprimento de critérios de referência regional, e
da qualificação para a assistência humanizada.
Atribui-se ao âmbito municipal a obrigatoriedade pelo diagnóstico
situacional da atenção obstétrica e neonatal, fundamentado no perfil sócio-
demográfico e epidemiológico das mulheres em idade fértil, e na capacidade
instalada da rede própria e conveniada. Essa prática deve resultar na priorização
dos principais problemas e obstáculos referentes à atenção obstétrica, no amplo
debate com os atores sociais da saúde, nas parcerias necessárias ao processo de
pactuação, e na definição das metas a serem alcançadas e das estratégias para o
seu alcance, entre outros aspectos.
Para o reconhecimento das necessidades locais, uma das estratégias de
fundamental importância é o estabelecimento de parceria com grupos de pesquisa
para a produção de conhecimento relacionado. Além disso, de igual importância é a
capacitação e sensibilização dos gestores, profissionais e comunidade acerca do
processo de diagnóstico situacional.
Podemos dizer que a preocupação com a identificação das necessidades
por meio do diagnóstico situacional em saúde confere preocupação com a
integralidade da atenção à saúde reprodutiva e sexual.
- Produção e uso de informações para a atenção à saúde reprodutiva
A informação constitui-se em suporte básico para toda atividade humana e
todo o nosso cotidiano é um processo permanente de informação. Para o
conhecimento de problemas e de soluções necessidade de informação. Não é
possível exercer gestão/gerência em nenhum setor se não houver um sistema de
apoio à decisão que se sustente na informação.
115
A informação é um instrumento essencial para a tomada de decisão,
quanto mais estruturado for o processo, mais ele pode colaborar com as respostas
às reais demandas e necessidades locais. A informação em saúde permite a
tomada de decisão com base na realidade. Configura-se como elemento importante
em diferentes dimensões e também permite a avaliação da qualidade dos serviços
e das respostas a necessidades em saúde.
A informação pode ser entendida como um elemento redutor de incertezas,
um instrumento capaz de auxiliar na identificação de prioridades, contribuindo para
um planejamento responsável que produza transformações necessárias.
Da mesma forma, a informação em saúde deve ser entendida como um
instrumento de apoio para o conhecimento da realidade sócio-econômica,
demográfica e epidemiológica, para o planejamento, gestão, organização e
avaliação nos vários níveis que constituem o Sistema Único de Saúde.
A produção de diagnósticos bem como a capacidade de gestão dependem
da produção e uso de informações e da utilização de sistemas de informações em
saúde, que devem ser alimentados de forma regular por pessoas qualificadas,
evitando-se a subnotificação ou situação inversa a esta.
De forma sintética, podemos dizer que a organização dos serviços atrelada
ao planejamento das ações e este articulado a informações concretas, atualizadas
e pertinentes podem se constituir em meios para redução da mortalidade materna.
A qualidade da assistência fundamenta-se no adequado planejamento dos serviços,
que se sustenta num sistema de informação adequado. As informações
relacionadas à saúde reprodutiva e sexual devem ser utilizadas no planejamento,
administração e avaliação dos serviços e ações de atenção obstétrica e ao
planejamento familiar.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) dispõe sobre a necessidade da gestão
orientada por meio de sistema de informação, com alimentação sistematizada.
Entre os sistemas destaca o SISPRENATAL, SIA, SIH, SIAB, SISVAN
21
, que
devem ser manipulados por pessoas com capacitação específicas para esta
função.
21
SISPRENATAL - Sistema de Informação do Pré-Natal e Nascimento
SAI - Sistema de Informação Ambulatorial
SIH - Sistema de Informação Hospitalar
SIAB - Sistema de Informação da Atenção Básica,
SISVAN - Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional
116
Além de apoiar a gestão, o sistema de informação pode contribuir para a
avaliação local da assistência obstétrica, permitindo identificar necessidades de
intervenção para a redução da mortalidade materna.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Sistema de Informação em
Saúde (SIS) constitui-se em um mecanismo composto por coleta, processamento,
análise e transmissão da informação necessária para se planejar, organizar e
avaliar os serviços da saúde e implementar novas estratégias de atuação. O
Sistema de Informação em Saúde deve possibilitar a análise da situação de saúde
no nível local, análise essa que deve levar em consideração as condições de vida e
saúde da população.
As informações geradas nos SIS são fundamentais tanto para o
profissional que gerou o registro, como para os usuários, as unidades de saúde e
os gestores nos diferentes níveis hierárquicos, e têm sido empregadas como mais
um recurso para o desenvolvimento do processo de trabalho nas organizações.
Lamentavelmente, no Brasil, o sub-registro e a produção de dados de
forma inadequada têm sido uma constante. Para conhecer a saúde materna e
melhorar os serviços de assistência à mulher em idade fértil é preciso melhorar a
qualidade da informação. Uma prática dependente do sistema de informação é a da
vigilância do óbito materno, atrelada aos Comitês de Mortalidade Materna. Esses
Comitês têm justamente a atribuição de apurar e identificar os motivos do óbito,
contribuindo para as medidas de intervenção e para a prevenção de casos
semelhantes.
Para expressar a importância do sistema de informação, e da atualização
dos bancos de dados, a Portaria 569 (BRASIL, 2000a), em seu Art. 5º § 3º, destaca
a necessidade de “manter atualizados os bancos de dados que estejam sob sua
responsabilidade SIM, SINASC, SIPAC”.
22
Destaca que cabe ao município monitorar o
desenvolvimento das ações de saúde reprodutiva por meio do sistema de
informação e da alimentação e uso regular desses, participando da atualização do
banco de dados nacionais e da disponibilização do Sisprenatal.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) no item que trata da caracterização dos
sistemas de informação na atenção obstétrica e neonatal, apresenta a necessidade
de garantir a alimentação regular dos SIS (SISPRENATAL, SIA, SIH, SIAB,
22
SIPAC-Sistema Integrado de Procedimentos de Alta Complexidade
SIM-Sistema de informações sobre mortalidade
SINASC- Sistema de informação sobre nascidos vivos
117
SISVAN, entre outros), e o seu uso como instrumentos de gestão, devendo todos
os municípios dispor do Sistema de Informação do Programa de Humanização do
Pré-Natal e Nascimento, o SISPRENATAL.
Para a vigilância epidemiológica dos óbitos maternos, deve-se utilizar,
entre outros mecanismos, da implantação e implementação dos Comitês de
Mortalidade.
Podemos dizer com segurança que, para que estes comitês sejam
atuantes é necessário, além de ser composto essencialmente por pessoas com
larga experiência na área, que eles sejam subsidiados por sistema de informações.
Somente com o uso efetivo das informações as falhas existentes e a soluções para
estas poderão ser adequadamente apontadas. Desta forma, é importante que todos
os atores sociais conheçam os passos de cada uma das etapas de um sistema de
informação, para garantir a fidedignidade das bases de dados, e também a sua
permanência e plena utilização. Isto é essencial nas práticas em prol da
evitabilidade do óbito materno.
Uma estratégia específica de produção de informações à atenção a saúde
reprodutiva é o processo de cadastramento de gestantes, sem desconsiderar que
este é também uma estratégia de vinculação destas aos serviços locais de saúde.
Entre as responsabilidades municipais apresentadas na Portaria 569
(BRASIL, 2000a), em seu § 3º, encontra-se a realização do cadastramento de
gestantes, sendo da competência do gestor acompanhar todas as suas gestantes
para atendimento pré-natal e ao puerpério em seu próprio território.
Essa é uma proposição que muito tem sido destacada no campo da
atenção básica à mulher, mas que ganha contornos particulares com a Estratégia
de Saúde da Família, por meio da qual se organiza toda a atenção local à saúde a
partir do processo de territorialização. Por meio deste, as condições de saúde locais
da população, consideradas as suas especificidades, são detectadas, registradas e
acompanhadas, tendo em vista o encaminhamento de ações de saúde mais
abrangentes, equânimes e resolutivas.
Em relação às mulheres gestantes, a política nacional pre que as
secretarias municipais de saúde repassem às suas unidades básicas que realizam
atendimento pré-natal as Fichas de Cadastramento das Gestantes (FCG) e as
Fichas de Registro Diário do Atendimento das Gestantes (FRDAG), segundo a
estimativa do número de gestantes a serem cadastradas.
118
Cada gestante deve ter um número no SISPRENATAL, que será utilizado
como identificador para avaliação da assistência prestada. O cadastramento da
gestante permite conhecer quais delas estão sem assistência pré-natal ou no
puerpério, em intervalo selecionado em semanas (de 1 a 50 semanas), por unidade
de saúde ou entre todas as unidades do município. O cadastramento permite,
também, conhecer as gestantes atendidas na unidade e que não são residentes no
município e conhecer o número de gestantes de outros municípios em assistência
pré-natal fora de seu município de residência.
Para o cadastramento da gestante é necessário que esta tenha em mão
algum documento pessoal (certidão de nascimento ou de casamento, identidade,
carteira de trabalho, ou outro). Caso ela não disponha de nenhum documento, esta
situação deve ser regularizada até o fim do pré-natal.
A documentação é necessária para possibilitar o preenchimento do registro
da ficha da gestante. Se o cadastro não for feito, o município não recebe o incentivo
na conclusão da assistência pré-natal, mesmo tendo executado todas as consultas,
exames, vacinas e o parto de acordo com o Programa de Humanização.
Outra consideração importante é que o número da gestante no
SISPRENATAL deve estar disponível para o hospital que realizará o parto. Ele
deverá ser transcrito para o Cartão da Gestante, tendo em vista questões de
faturamento do hospital. A utilização deste registro no momento da assistência ao
parto também possibilita avaliação epidemiológica quanto à condição de cobertura
da assistência pré-natal em termos de número de consultas.sistema de informação
em saúde
A preocupação com a instituição e alimentação do sistema de informação
é imprescindível para o diagnóstico situacional em saúde, portanto para a garantia
do atendimento das reais necessidades de saúde das mulheres. As ações
planejadas, pautadas em um sistema de informação consolidado, são direcionadas
pela preocupação com a assistência integral.
- Adoção de tecnologia comunicacional para a circulação de
informações
119
Como parte das estratégias de produção, circulação e uso de informações,
encontramos a proposição das tecnologias comunicacionais, às quais se fez
menção em outros momentos desta discussão, mas que aqui queremos evidenciar.
Estas se referem essencialmente à comunicação escrita, que engloba os
relatórios médicos e de enfermagem, os registros do parto, das condições de
nascimento e do pós-parto e os registros em prontuário e cartão da gestante,
incluindo registro de intercorrências/urgências que requeiram avaliação hospitalar
em situações que não necessitem de internação.
Identificamos esta proposição na Portaria 569 (BRASIL, 2000a) nos
Princípios Gerais e Condições Para a Adequada Assistência ao Parto : ”elaborar
relatórios médico e enfermagem e fazer registro de parto”; registrar a evolução do trabalho
de parto em partograma.”Na Portaria 1.067 (Brasil, 2005a) menção à necessidade
de articulação entre a atenção básica e hospitalar, propiciando o estabelecimento
de vínculo da gestante aos serviços/profissionais da equipe de assistência pré-natal
e ao parto. Para tal, encontra-se a indicação de disponibilidade de informações com
o significado tecnológico de registro, expressa também como uma preocupação
organizativo-gerencial de integração entre profissionais no trabalho em equipe
multiprofissional e como uma preocupação avaliativa.
Encontra-se no Anexo II item II da Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a)
indicação para elaboração de relatórios: “Os municípios ficam obrigados a fornecer à
Comissão Estadual de Acompanhamento do Contrato todos os documentos e informações
necessárias ao cumprimento de suas finalidades, bem como encaminhar relatórios
semestrais”.
Ainda, destaca o registro em prontuário e cartão da gestante sobre a
evolução desta e suas intercorrências/urgências. Em seu Anexo I: Registro em
prontuário e cartão da gestante, inclusive registro de intercorrências/urgências que
requeiram avaliação hospitalar em situações que não necessitem de internação”.
A tecnologia comunicacional deve ser compreendida desde sua geração,
registro e divulgação na perspectiva da universalização de informações e do
trabalho em equipe, pois a integração do trabalho profissional de uma mesma
equipe se sustenta na comunicação, como no sentido da construção de projetos
assistenciais comuns com a participação de usuários dos serviços e população.
Os documentos analisados colocam a comunicação como um instrumento
importante para integração dos profissionais, avaliação dos resultados da
120
assistência prestada, entre outras questões, como destaca a Portaria 1.067
(BRASIL, 2005a).
Entretanto, isto não se constitui sempre uma prática, o que é confirmado
por Tanaka (2000), que demonstrou em um estudo sobre a mortalidade materna a
fragilidade dos registros nos serviços de pé-natal, caracterizada por falta de
registros e registros incompletos.
As informações devem fazer parte de uma prática institucional, mas é
necessário garantir o caráter sigiloso das informações, independente da natureza
da atenção dispensada: domiciliar, ambulatorial, hospitalar, nos serviços públicos
ou privados. No caso de atendimento hospitalar, o serviço de arquivo médico e
estatística deve zelar pela guarda das informações, guarda dos prontuários e
confidencialidade das suas informações. Um cuidado adicional que os profissionais
e serviços de saúde devem ter é com prontuários eletrônicos (FORTES 1998).
A tecnologia comunicacional deve ser concebida para garantir o acesso a
informações, tanto por parte dos produtores diretos do cuidado, como pelos
gerentes dos serviços. Esta consideração se faz necessária porque a informação é
um dos meios para continuidade dos objetivos de cada trabalho, do produtor de
cuidados ao gerenciador desses trabalhos (SALA; NEMES; COHEN, 1999). A
comunicação nos processos de trabalho em saúde deve ser uma prática nos seus
diferentes níveis assistenciais, prevendo-se instrumentos e definindo-se quais
informações serão alvos desses procedimentos.
A tecnologia comunicacional no campo da atenção à saúde reprodutiva e
sexual é, assim, uma ferramenta importante para o reconhecimento concreto da
complementariedade e a viabilização da articulação das ações, sendo considerada
um dos elementos que caracterizam a interdependência no processo de trabalho
em saúde e a ações desenvolvidas na perspectiva da integralidade.
- Uso de tecnologias de controle e avaliação da assistência
obstétrica e neonatal
A gestão compartilhada do SUS pelos três níveis de governo tem se
destacado por modelos distintos nos Estados. Entretanto, vem se avançando no
processo de pactuação das responsabilidades e atribuições das três esferas de
121
governo. Nesse sentido, consenso entre esses três níveis de governo sobre as
atribuições correspondentes a cada um no controle, avaliação e regulação da
assistência à saúde, e estas foram editadas na Portaria SAS/MS 423, de 24 de
junho de 2002.
As atividades de controle e avaliação da assistência, a serem realizadas
pelos três níveis de gestão do sistema são: identificação dos prestadores de
serviços, bem como de sua capacidade instalada e estabelecimento de contratos
com os prestadores; acompanhamento da oferta dos serviços para a garantia da
sua qualidade, de acordo com a programação estabelecida; autorização de
procedimentos e internações; controle periódico das ações e serviços faturados e
dos pagamentos efetuados aos prestadores; observância da aplicação de normas
técnicas e portarias vigentes; avaliação dos resultados da atenção e do seu impacto
nas condições de saúde.
Tais funções implicam que sejam desenvolvidos novos métodos de
controle e avaliação para o fornecimento de subsídios para análise da adequação
do sistema e do modelo de gestão, das facilidades de acesso e da qualidade
assistencial, considerando a perspectiva de avaliação da satisfação dos usuários.
Os gestores municipais têm as seguintes atribuições: estruturar o serviço
de Controle e Avaliação; coordenar, controlar, regular e avaliar o sistema de saúde
no seu âmbito; controlar, regular, avaliar a prestação de serviços sob sua gestão;
identificar as dificuldades entre a oferta pactuada e demanda no seu âmbito.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) apresenta como estratégias de
acompanhamento da qualidade da atenção ao parto (redução das cesáreas) e da
atenção ao pré-natal: a análise das metas alcançadas; a participação em processos
de avaliação de qualidade promovidos pelo Ministério da Saúde, conforme
descrição contida em seu Anexo II: ”Adotar estratégias de acompanhamento da
qualidade da atenção hospitalar ao parto e aos recém-nascidos, utilizando indicadores
próprios desse nível de atenção”. Essa Portaria ainda dispõe sobre a obrigatoriedade
de “analisar, conjunta e periodicamente, conforme cronograma pré-estabelecido, as metas
alcançadas frente aos resultados esperados, de forma a adotar as medidas julgadas
cabíveis”.
A Portaria 569 (BRASIL, 2000a) e a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a)
propõem alguns indicadores para a avaliação da qualidade da atenção, de acordo
com a apresentação descrita na seqüência. Esses indicadores deverão ser
utilizados de forma estratégica na gestão.
122
Indicadores de saúde são parâmetros utilizados internacionalmente, com o
objetivo de avaliar, sob o ponto de vista sanitário, a saúde das populações, bem
como fornecer subsídios para o planejamento em saúde, permitindo o
acompanhamento das variações e tendências históricas do padrão sanitário de
diferentes coletividades consideradas na mesma época ou da mesma coletividade
em diversos períodos de tempo (ROUQUAYROL; ALMEIDA, 2003). Os indicadores
constituem-se em elementos fundamentais para a gestão e atenção à saúde. Eles
oferecem condições de direcionar consubstancialmente o planejamento nos
aspectos organizativos e assistenciais. A utilização de indicadores coaduna-se com
a perspectiva de integralidade.
Indicadores de processo (avaliação em percentual):
- Gestantes inscritas precocemente (até 120 dias após a última
menstruação), com meta estimada a partir do total existente ou
estimado de gestantes pelo número de nascidos vivos do município.
- Realização de 06 (seis) consultas de pré-natal.
- Realização de 06 (seis) consultas de pré-natal e a consulta de
puerpério.
- Realização de 06 (seis) consultas de pré-natal, a consulta de puerpério
e todos os exames básicos.
- Administração da dose imunizante da vacina dupla adulto.
- Realização de 06 (seis) consultas de pré-natal, a consulta de puerpério,
todos os exames básicos, o teste anti-HIV, a dose imunizante da vacina
antitetânica.
Indicadores de Resultado (avaliação em percentagem):
- Recém-Nascido com diagnóstico de sífilis congênita.
- Recém-Nascido com tétano neonatal.
Indicadores de Impacto (coeficientes e taxas):
- Incidência de sífilis congênita no município comparando com o do ano
anterior.
- Incidência de tétano neonatal no município comparando com o do ano
anterior.
123
- Razão de mortalidade materna no município comparando com o do ano
anterior.
- Coeficiente de mortalidade neonatal precoce no município comparando
com o do ano anterior.
- Coeficiente de mortalidade neonatal tardia no município comparando
com o do ano anterior.
- Coeficiente de mortalidade neonatal total no município comparando
com o do ano anterior.
Os indicadores apontados acima podem, de forma quantitativa, refletir a
qualidade da assistência, devendo ser conhecidos pelos gestores, profissionais e
comunidade.
preocupação do Ministério da Saúde quanto à avaliação da assistência
pré-natal, do parto e nascimento, conforme identificamos na Portaria 1.067
(BRASIL, 2005a), que destaca a necessidade de: “definir os indicadores de
acompanhamento para cada uma das metas pactuadas e o cronograma de avaliação do
desempenho do contrato de metas” (BRASIL, 2005a).
Mesmo com a implantação do PHPN continua havendo qualidade na
assistência ao pré-natal, parto e puerpério. Por exemplo, de acordo com os
indicadores do PHPN, extraídos do sistema de informação da assistência pré-natal
e puerpério (SISPRENATAL), além de falhas na assistência pré-natal, a atenção no
puerpério não está consolidada nos serviços de saúde. A grande maioria das
mulheres retorna ao serviço de saúde no primeiro mês após o parto tendo como
principal preocupação a avaliação e vacinação do recém-nascido, preocupação
esta também dos profissionais de saúde (BRASIL, 2001a).
Essa inadequação da qualidade pode se traduzir em complicações
obstétricas e na manutenção de alto coeficiente de mortalidade materna. E a
avaliação pode apontar problemas dessa natureza.
A avaliação da assistência também pode ser realizada mediante a
utilização de indicadores elaborados a partir dos dados registrados na ficha de
internação perinatal e no mapa de registro da assistência pré-natal, no partograma,
no cartão da gestante e prontuário. A sistematização dos registros permite a
seleção dos dados estatísticos necessários para a avaliação dos serviços.
A institucionalização da avaliação permanece ainda como um dos desafios
no sistema de saúde, porém a prática da avaliação deve constituir parte da cultura
organizacional, orientando a ação (HARTZ, 1997).
124
Apesar das dificuldades na prática de avaliação, quando investimento
na institucionalização da avaliação, objetiva-se a qualificação da atenção à saúde,
por meio de processos sistematizados que vão ao encontro dos princípios do
Sistema Único de Saúde, na dimensão da gestão, do cuidado e do impacto sobre o
perfil epidemiológico (FELISBERTO, 2004).
Nesse sentido, no campo da saúde reprodutiva e sexual, a avaliação pode
indicar em que medida os direitos nesse campo estão sendo respeitados, sendo
estes um dos princípios que orientam essa atenção, e, também, em que medida as
finalidades propostas para a atenção obstétrica e ao planejamento familiar estão de
fato se efetivando, sintonizadas com uma perspectiva de integralidade e
humanização.
Com essa intenção é preciso considerar, no processo avaliativo, que a
integralidade relaciona-se aos aspectos da organização dos serviços de saúde, e a
atributos das práticas de saúde, sendo que em qualquer nível ocorre a articulação
entre a prevenção da assistência, com apreensão ampliada das necessidades de
saúde. Na perspectiva da integralidade, os profissionais são capazes de responder
ao sofrimento manifesto, que resultou na demanda espontânea, e de modo
articulado, responder à oferta relativa a ações ou procedimentos preventivos
(MATTOS, 2004).
A organização das práticas balizada na integralidade se configura de forma
a superar a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde.Isso
traz a necessidade de articulação da demanda programada com a espontânea.
Neste sentido aproveita-se as oportunidades geradas pela demanda espontânea
para a aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação de situações de risco
para a saúde, assim como o desenvolvimento de conjuntos de atividades coletivas
junto à comunidade (MATTOS, 2001).
Deve ter como um dos valores a clínica ampliada, exercida com a
participação de múltiplos profissionais, numa relação entre si e com o usuário.
(MERHY; 1998).
Neste sentido é preciso desenvolver a percepção e análise das
necessidades apreendidas, de ações de saúde, de forma contextualizada, em cada
encontro, priorizando o que deve ser feito de imediato e posteriormente oferecer o
que for apreendido como necessário. Isso significa que o cuidado deve ser
contextualizado (MATTOS, 2004).
125
Deve-se levar em conta a resolutividade, pois a integralidade tem caráter
resolutivo que se relaciona ao recurso instrumental e conhecimento técnico dos
profissionais, mas também à ação acolhedora, ao vínculo que se estabelece com o
usuário, ao significado que se na relação profissional/usuário, que sugere o
encontro de sujeitos com o sentido de atuar sobre o campo da saúde. (FRANCO
2003).
Isso nos remete a refletir que as práticas em saúde no SUS sejam
permeadas de intersubjetividade, com as quais profissionais de saúde se
relacionem com sujeitos, e não com objetos. Isso implica a construção de projetos
terapêuticos individualizados.Necessariamente, envolve a compreensão por parte
dos profissionais a seleção de ferramentas necessárias para a elaboração desse
projeto terapêutico, tanto os emanados por ele com base com base em seus
conhecimentos, como os trazidos pelo outro a partir de seus sofrimentos, de suas
expectativas, de seus temores e de seus desejos (MATTOS, 2004).
Na avaliação das questões relacionadas ao campo da saúde sexual e
reprodutiva, estas questões devem ser orientadoras do processo avaliativo.
Deve ser considerado, entre outras questões, no atendimento à mulher,
que suas necessidades de saúde não se limitam aos órgãos reprodutivos (SILVER,
1999).
Entretanto atualmente a maioria das avaliações em saúde é de cunho
quantitativo; assim, apontamos a necessidade de produzir indicadores capazes de
dimensionar e refletir não somente aspectos epidemiológicos, mas questões de
outra natureza, como as relacionais, as sociais, sintonizadas com a perspectiva de
promoção da saúde e de humanização. Ademais, todos os aspectos envolvidos na
organização, atenção e gestão devem se transformar em objeto de avaliações.
Nesse sentido, a avaliação deve ser coerente com as especificidades de
cada contexto, requerendo possibilidades metodológicas variadas e
multidimensionais, que superem uma visão positivista que tem marcado
historicamente o processo de avaliação.
- Estratégias para articulação intersetorial
126
A intersetorialidade determina mudanças na organização, tanto dos
sistemas e serviços de saúde, como em outros setores da sociedade, além da
revisão do processo de formação dos profissionais que atuam nessas áreas
(JUNQUEIRA, 2000).
Dessa forma, a equipe não deve ser mais entendida como um conjunto de
saberes compartimentalizados, mas sim a partir de inter-relações desenvolvidas em
processos de trabalhos articulados entre si, atuando na perspectiva de que as inter-
relações extrapolam o setor saúde e buscam novas parcerias com outras
instituições, em redes de atenção que auxiliem e garantam a eficácia na atenção à
saúde dos usuários (JUNQUEIRA, 2000).
A Intersetorialidade como eixo estruturante da atenção à saúde tem
provocado discussões acerca de como obter melhor desempenho em relação à
resolutividade das ações de saúde que são ofertadas à população, tendo em vista o
seu amplo leque de necessidades com repercussão em sua saúde.
Diversos autores têm contribuído significativamente para o aprimoramento
do sistema de atenção no âmbito do SUS. Nesse sentido, proposições sobre a
própria organização do setor de saúde (MENDES, 2002) e, também, sobre a sua
interlocução com os outros setores da sociedade, permeados pelos paradigmas da
assistência (CAMPOS, 2000).
Atualmente, preocupação quanto à estruturação dos serviços de saúde
de forma mais equânime, buscando-se compartilhar com outros setores que
mantêm relações com o setor saúde a atenção e as responsabilidades pelas
mudanças necessárias (JUNQUEIRA, 2000).
A atuação de maneira isolada, como se cada um dos setores tivesse um
palco próprio, tem sido considerada insuficiente para dar conta da complexidade
dos problemas que afetam a sociedade. Isso provoca a necessidade de estabelecer
um diálogo conjunto entre os diferentes segmentos para a responsabilização
coletiva. Essa perspectiva é altamente sintonizada com direitos reprodutivos e
sexuais, com uma interpretação ampla da saúde nessa esfera, assim como com a
atenção integral que concorre para a evitabilidade do óbito materno.
Isso porque a intersetorialidade é um caminho para a articulação de
possibilidades dos distintos setores sociais em relação à produção da saúde,
considerados o conjunto de seus determinantes e condicionantes, e de co-
responsabilização por sua garantia como direito humano.
127
A intersetorialidade nas políticas de saúde com áreas afins à saúde, do
governo ou do setor privado, busca respostas conjuntas para o enfrentamento dos
problemas que interferem na qualidade de vida e nas necessidades de saúde da
população. É um processo que busca o estabelecimento de parcerias com outros
setores dos governos federal, estadual e municipal, para aperfeiçoar recursos
humanos e financeiros na implantação de projetos prioritários (GOULART, 1999).
Nesse caminho, cabe ao setor saúde a tarefa de convocar os outros
setores a considerar os parâmetros sanitários, a pensar e encaminhar ações
articuladas para a melhoria da qualidade de vida da população. De igual modo,
cabe-lhe, também, participar de iniciativas de outros setores nessa direção.
Assim, deve ser parte das políticas de saúde o encaminhamento de
medidas e práticas que concorram para o cumprimento dessa responsabilidade. No
que diz respeito ao planejamento familiar, no documento que estabelece a sua
política, tendo em perspectiva a participação de outros setores nas ações de
educação à saúde reprodutiva e sexual e lança o Programa Saúde e Prevenção
nas Escolas resultante de “parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da
Educação”, (BRASIL, 2005b p.17) com a intenção de capacitar professores do nível
médio e do ensino fundamental para a participação nessas ações.
Na mesma direção, nesse mesmo documento, menção à iniciativa do
Ministério da Saúde de elaboração de um documento sobre esse tema dirigido aos
países que compõem o MERCOSUL, tendo em vista a promoção de uma política
comum de saúde sexual e reprodutiva. Soma-se a essa iniciativa o apoio ao
desenvolvimento de pesquisas em parceria com centros de pesquisa, sobre temas
relacionados.
Na Lei do Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b), a associação com o
sistema educacional visando à oferta de recursos educacionais, informativos,
técnicos e científicos nessa esfera é apontado como dever do Estado. No seu Art.
aponta-se que As ações de planejamento familiar serão exercidas pelas instituições
públicas e privadas, filantrópicas ou não (...)”. Em seu Art. 5º, determina-se que “É dever
do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às
instâncias componentes do sistema educacional”.
Nessa mesma Lei, em seu Art. 7º, define-se que “é permitida a participação
direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ões e pesquisas de
planejamento familiar, com a autorização, fiscalização e controle do órgão de direção
nacional do Sistema Único de Saúde”.
128
Na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), Anexo II, ao se tratar dos fluxos e
documentos a serem apresentados no processo de pactuação para a
contratualização entre serviços de saúde, municípios, estado e governo federal, se
estabelece como responsabilidade do município (assim como do Estado): “identificar
os principais parceiros necessários ao processo de pactuação e definição das metas a
serem alcançadas”.
Nessa mesma portaria, na definição dos compromissos e
responsabilidades conjuntas das esferas governamentais, se estabelece que cabe
ao âmbito municipal, ao definir os contratos de metas para organização da rede de
atenção obstétrica e neonatal, estabelecer as ações a serem pactuadas bem as
articulações intersetorial.
A despeito dessas formulações, em nenhum dos documentos analisados
há especificidade em relação à proposição do trabalho intersetorial, sobretudo
articulado às ações assistenciais, sendo este secundário no conjunto das
proposições encontradas, o que se contrapõe ao esperado a partir de uma
perspectiva de integralidade e promoção da saúde sexual e reprodutiva.
Embora, no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal (BRASIL, 2004b), em suas ações estratégicas se estabeleça que é
necessária a instituição de parcerias para fortalecer os gestores de todos as esferas
de governo para a qualificação da atenção obstétrica, ao planejamento familiar e
neonatal. Nesse sentido, o desenvolvimento de parcerias e de ações intersetoriais
deve contar com a participação de diferentes atores sociais e de sociedades
científicas, conselhos regionais, segmentos profissionais, movimentos sociais,
organizações governamentais e não-governamentais, entre outros.
Uma gestão em conformidade com o que reza os princípios do SUS
implica construção de ações intersetoriais como descrito a seguir. Como apontamos
nesta discussão, a intersetorialidade é uma das proposições identificadas nos
documentos analisados, o que nos faz reconhecer nestas proposições uma das
premissas da integralidade.
7.2.3 Tecnologias voltadas à assistência obstétrica e ao planejamento familiar
129
Para melhor entendimento da adoção de tecnologias em saúde, Merhy et
al (1997) classificam-nas como leve, leve-duras e duras. A tecnologia dura é a
composta por materiais concretos de alta complexidade e durabilidade permanente.
A leve-dura caracteriza-se pela junção de equipamentos menos complexos com
conhecimentos específicos do profissional. A leve inclui o processo de
comunicação, relação e vínculo que envolve a prática profissional e a dos usuários.
De acordo com esses autores, para a eficácia da assistência prestada pelos
profissionais de saúde, as três categorias devem ser utilizadas, porém comandadas
pelas tecnologias leves.
Contudo, consideramos que o uso dessas diferentes tecnologias e a sua
priorização devem ocorrer de acordo com as necessidades dos usuários e as
situações peculiares que os envolvem. Tendo isto em perspectiva é que discutimos
a seguir as tecnologias assistenciais identificadas nos documentos analisados,
conforme o destaque dado a estas. Essas tecnologias correlacionam-se a
atividades de natureza coletiva e a ações de assistência individual. Estas últimas,
em especial, a despeito da importância daquelas para a integralidade e
evitabilidade do óbito materno, são destacadas nas políticas analisadas.
Antes, porém, considerando o fato de que tecnologias se articulam a
necessidades em saúde priorizadas, que podem ser mais ou menos abrangentes,
reportamo-nos ao modo como estas são apontadas nas políticas analisadas.
Nesse sentido, fazemos de imediato a observação de que a despeito da
importância deste aspecto na condução da integralidade e humanização das ações
no campo em questão, esta matéria não recebeu destaque nas políticas propostas.
- Abordagem centrada em necessidades de saúde
De modo geral, na Portaria 1.067 (Brasil, 2005a), no Termo de Referência
para o Processo de Contratualização de Metas para a Atenção Obstétrica e
Neonatal, na caracterização da atenção pré-natal e puerperal, encontra-se a
seguinte referência em torno da questão das necessidades: Adotar ou estimular a
adoção de abordagem centrada nas necessidades das gestantes e suas famílias, coerente
com as diretrizes da Política Nacional de Humanização”.
130
A despeito da importância do recorte das necessidades em saúde na
articulação e qualidade dos processos de trabalho em saúde, sendo eles
componentes aos quais as tecnologias assistenciais vinculam-se, as portarias
voltadas à atenção obstétrica não o evidenciam.
Contudo, a referência acima remete à necessidade de reconhecimento
dessas necessidades, especialmente as das gestantes e suas famílias, segundo as
diretrizes do PHPN, que como evidenciamos na discussão das finalidades e
princípios são abrangentes.
A abordagem centrada nas necessidades,como vimos, tem fundamento na
perspectiva da integralidade. Igualmente, a indicação das necessidades não de
gestantes mas de suas famílias é coerente com as propostas do Programa Saúde
da Família e com a compreensão de que a experiência reprodutiva se estende para
além da mulher, alcançando sua família.
Nas Portarias 569 (BRASIL, 2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a), na
apresentação da proposta de atividades, destaca-se a necessidade de oferecer
atenção diferenciada a adolescentes, atentando para suas especificidades.
No Anexo da Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), nos princípios gerais e
diretrizes para a atenção obstétrica e neonatal, está expresso:É importante destacar
a necessidade de atenção especial à gestante adolescente (10 a 19 anos) e a outros grupos
específicos como de mulheres negras, índias e portadoras de HIV ou outras doenças
infecciosas de transmissão vertical”.
O reconhecimento dessas especificidades se faz necessário, pois estes
grupos, em especial os primeiros, são marcados social e historicamente por
discriminações e exclusão, associados a condições de raça e etnia, exigindo
acesso diferenciado aos serviços de saúde. Esses marcadores, como vimos, estão
associados ao problema da morte materna.
Entre adolescentes, é cada vez mais freqüente a gravidez. Dados do
SINASC mostram que, em 2001, 22,4% do total de nascidos vivos no Brasil eram
filhos de mães adolescentes, entre 15 e 19 anos, com forte concentração nas
regiões Norte e Nordeste, onde esses percentuais atingiam 28,9% e 24,9%,
respectivamente, justificando-se a necessidade de uma assistência específica ao
grupo, com caráter preventivo e de apoio.
A priorização desses grupos aponta para a consideração a suas
necessidades e à adoção de tecnologias assistenciais que respondam a elas, numa
131
perspectiva de promoção da eqüidade de atenção, o que do ponto de vista da
evitabilidade do óbito materno é essencial.
Cabe-nos destacar que essa atenção especial à adolescência e aos
demais grupos apontados deve levar em consideração não necessidades da
esfera biológica, mas também necessidades psicossociais relacionadas à sua
condição de vulnerabilidade no campo da saúde reprodutiva e sexual.
- Oferta de informações e ações educativas para o exercício de
direitos em saúde reprodutiva
A oferta de informações no campo da saúde reprodutiva e sexual encontra-
se presente como parte do rol das tecnologias assistenciais em todas as portarias
analisadas, vinculada ou não às ações educativas.
Com mais especificidade, na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), em seu
Anexo I, encontra-se: ”informar sobre os métodos que podem ser utilizados no pós-parto,
esclarecer dúvidas e fornecer informações sobre sua condição, sobre a condição do seu
filho/a e sobre o que vai ser feito”.
Nessa mesma Portaria, encontra-se, também, como parte desse conjunto,
a indicação de oferta para gestantes de “todas as informações e explicações que
desejarem”, sobre direitos reprodutivos, sociais e trabalhistas, ou outras que
possibilitem o exercício de seus direitos de cidadania.
Na Lei do Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b), em seu Art. 4º, afirma-
se que este deve se orientar, entre outros aspectos, pela garantia de acesso
igualitário a informações para a regulação da fecundidade. Nessa Lei, em seu Art.
5º, se estabelece como parte dos deveres do Estado, em associação com outras
instituições, ofertar recursos informativos e educativos que assegurem o livre
exercício do planejamento familiar.
É preciso considerar que a oferta de informação pode produzir libertação e
reversão das desigualdades socioculturais ou pode se tornar em um instrumento de
dominação e exclusão, aumentando assimetrias. Ou seja, a informação pode
colocar as pessoas em situação de simetria ou assimetria a partir do conhecimento
que possuem.
Assim, sem desconsiderar a importância daquelas informações, é preciso
realçar que o modo como elas serão trabalhadas no campo da atenção à saúde
132
reprodutiva e sexual as constituirá, ou não, em elementos favoráveis à apropriação
de direitos e exercício de práticas autônomas, fortalecendo o processo democrático
e possibilitando à sociedade e seus membros encontrarem novas formas de
convivência e superação das desigualdades existentes.
Nessa direção, as informações no campo da saúde reprodutiva e sexual
devem contribuir para o desenvolvimento da cidadania e o empoderamento das
pessoas nessa esfera, diminuindo assim sua condição de vulnerabilidade. As
informações subsidiam a tomada de decisões, assim como devem ter significado
para o enfrentamento das necessidades vividas. Nesse sentido, as informações
possuem uma dimensão educativa, devendo ser pensadas em interface com as
práticas de educação em saúde formais e informais.
A educação em saúde, por sua vez, constitui-se um processo estruturado
em práticas pedagógicas articuladas às práticas de saúde, que de acordo com
Pedrosa (2001), é uma prática que se configura nas relações entre os sujeitos
sociais envolvidos na ação em saúde, em meio a seus diferentes saberes, em
diferentes espaços públicos ou privados, caracterizando-se como individuais ou
coletivas, intencionais ou não, formais ou informais, por meio de metodologias
progressistas ou conservadoras.
Nas intervenções em saúde reprodutiva e sexual, portanto, a ação
educativa está presente podendo ocorrer de forma autoritária ou por meio de uma
concepção crítica do processo saúde-doença, das inter-relações e da prática
educativa.
As estratégias educacionais tradicionalmente objetivam aumentar a
consciência sobre os riscos e promover comportamentos seguros. Nesse sentido,
as práticas de educação em saúde fundamentam-se no modelo de repasse de
informações, no qual os usuários são tomados como indivíduos desprovidos de
conhecimento em saúde. Nesse modelo, as atividades educativas dos profissionais
de saúde assumem um caráter autoritário, de determinação aos usuários sobre o
que e como fazer para promover a sua saúde.
Isso nos leva a refletir sobre a premissa de que saber ensinar não é
transferir conhecimento, mas possibilitar a sua própria produção ou a sua
construção, conforme nos revela Freire apud Rios e Vieira (2007).
Realizar atividades educativas, nesse sentido, não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para que os indivíduos envolvidos em uma
133
ação pedagógica possam participar da produção compartilhada do conhecimento.
Mas este compartilhar ocorre a partir de uma ação dialógica, na qual a escuta e
a contextualização das vivências é o mais importante.
As atividades educativas em grupo podem ser consideradas uma
oportunidade ímpar de discutir as questões de saúde de forma coletiva, aprofundar
conhecimentos, fortalecer vínculos. Estas podem ser desenvolvidas por meio de
abordagens lúdicas principalmente quando é realizada na perspectiva do
desenvolvimento da cidadania, mediante práticas pedagógicas que objetivem a
melhoria da qualidade de vida e a promoção do homem (BRASIL, 2005c).
Como afirma Fortes, (1998) a educação em saúde deve fundamentar-se
no respeito à dignidade humana, sendo esta um valor ético essencial para a união
social e harmonização dos interesses, sejam individuais ou sejam coletivos.
A assistência pré-natal é um período oportuno para a preparação física e
psicossocial para o parto e maternidade, que são experiências sociais que
demandam intensas aprendizagens. Nesse período, a educação em saúde, entre
outras questões, é essencial para a promoção da saúde.
É comum gestantes e puérperas apresentarem medo do desconhecido,
dos cuidados com o recém-nascido nos primeiros dias, o que lhes gera tensão, e
pode influenciar negativamente no período gravídico-puerperal. Desta forma, é
fundamental a valorização das emoções, dos sentimentos expressos pelas
gestantes e sua família, de forma a individualizar e atender às suas necessidades
Para tanto, é importante valorizar a escuta, sem juízo de valor, e o fortalecimento
do vínculo profissional-mulher.
A necessidade de realização de atividades educativas pelos serviços é
apontada na Portaria 569 (BRASIL, 2000a) e na 1.067 (BRASIL, 2005a), na
definição de ações e procedimentos de atenção pré-natal. Nestas, essa previsão
aponta para a realização de atividades educativas “em grupo ou individualmente, ao
longo da gestação, com linguagem clara e compreensível, considerando as especificidades
das adolescentes, proporcionando respostas às indagações da mulher ou da família e as
informações necessárias”.
Os temas nelas valorizados abrangem a importância do pré-natal, os
direitos previdenciários, a saúde sexual e mental, aspectos relacionados à
fisiologia, a intercorrências no ciclo grávido-puerperal e à sua prevenção, além de
práticas preventivas de auto-cuidado e cuidados com o recém-nascido.
134
A preparação da gestante para o parto, amamentação e contracepção o
afirmadas na definição de ações e procedimentos para o parto, na Portaria 1.067
(BRASIL, 2005a).
Na política de planejamento familiar (BRASIL, 2005b) definiu-se como
prioridade a implementação de atividades educativas voltadas a usuários da rede
de saúde, voltadas aos direitos reprodutivos e sexuais, com base em métodos de
regulação da fecundidade, sobre a dupla proteção e legislação federal do
planejamento familiar.
Embora não se possa desconsiderar a importância desses temas como
objeto de trocas, a educação em saúde necessária na atenção obstétrica e ao
planejamento familiar, na perspectiva da integralidade, deve levar em consideração
a necessidade de desenvolvimento de autonomia e participação dos sujeitos nas
questões de vida e saúde que lhe dizem respeito e que concorrem para o
enfretamento coletivo dos problemas de saúde em sua origem social. Desse modo,
nos documentos analisados, as ações educativas tal como destacadas guardam
certa incoerência com o princípio apontado de respeito aos direitos em saúde
reprodutiva e sexual.
Produzir saúde adota a perspectiva promocional e remete ao compromisso
com sujeitos e coletividades no sentido da produção de crescente autonomia e
capacidade para gerenciar satisfatoriamente os limites e os riscos impostos pela
doença, pela genética e pelo contexto sócio-político-econômico-cultural, enfim pela
vida (CAPONI, 2003).
É importante também considerar que a prática da educação em saúde é
um processo permanente, presente em todas as relações terapêuticas ou de saúde.
Assim, o encaminhamento de práticas em uma perspectiva humanizada, tal como
apontado nas políticas analisadas, ainda que sem destaque à sua dimensão
educativa, é coerente com a consecução dos direitos no campo reprodutivo e
sexual.
- Ações diagnósticas e clínico-assistenciais de atenção obstétrica e
ao planejamento familiar
135
As ações diagnósticas e clínico-assistenciais consideradas importantes na
atenção obstétrica e ao planejamento familiar, atreladas a uma perspectiva de
controle dos riscos, são evidenciadas especialmente nas Portarias 569.(BRASIL,
2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a), constituindo-se referências para a prática
assistencial.
a) Tecnologias Diagnósticas
Como parte das ações diagnósticas, a Política Nacional de Atenção
Obstétrica e Neonatal, apresentada na Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), prevê a
realização de um elenco mínimo de exames laboratoriais no pré-natal (ABO-Rh,
EAS, VDRL, anti-HIV após aconselhamento, hemoglobina, hematócrito e glicemia
de jejum), conforme estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Além desses exames, essa política prevê a avaliação do risco na gestante
na assistência pré-natal, de forma sistemática, associada aos encaminhamentos
necessários. Essa classificação de risco gestacional deve ser realizada na primeira
consulta e nas subseqüentes. A valorização desta tecnologia soma-se
particularmente à perspectiva de risco que orienta as proposições assistenciais
presentes na Política em questão.
b) Ações clínico-assistenciais de atenção à gravidez, parto e puerpério
Na Portaria da Política de Atenção Obstétrica e Neonatal (BRASIL, 2005a)
também se encontra a referência a um conjunto de ações que abrange: a
prevenção do tétano neonatal, a prevenção da transmissão vertical do HIV e sífilis
congênita, o diagnóstico precoce do câncer de colo uterino e de mama, e a
prevenção e tratamento dos distúrbios nutricionais. Entre essas ações,
especialmente a avaliação nutricional e o tratamento de distúrbios nessa esfera
estão relacionados a condições gerais de saúde da mulher mais diretamente
implicadas na evitabilidade no óbito materno. Os distúrbios nutricionais devem ser
identificados no pré-natal para caracterização precoce das gestantes em risco
nutricional: aquelas com baixo peso e sobrepeso ou obesidade, e para o adequado
tratamento. Como parte das medidas preventivas de quadros de anemia prevê-se
136
especialmente o uso terapêutico de sulfato ferroso e ácido fólico no pré-natal e
puerpério.
Outras ações previstas nas duas portarias que tratam da atenção
obstétrica são ações clínicas de atenção ao parto normal e puerpério e às principais
intercorrências obstétricas, tendo em vista práticas seguras, garantindo-se os
benefícios dos avanços científicos e práticas integrais.
Para estimular o exercício da cidadania feminina, resgatando a autonomia
da mulher no parto, a Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), em seu Anexo I, define
como forma de garantir a segurança e humanização no trabalho parto e parto
(normal e cirúrgico) os procedimentos pré-anestésicos e anestésicos e manejos
adequados na sua condução, como: o controle da contratilidade, exame da
placenta e membranas, avaliação do canal de parto, hidratação oral no trabalho de
parto, permissão de posição apropriada no trabalho de parto (não supina),
utilização de métodos não invasivos e não farmacológicos para alívio da dor e uso
restrito da episiotomia.
A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) também determina a necessidade de
promover a atenção à mulher e ao recém-nascido na primeira semana após o parto,
com realização das ações da "Primeira Semana de Vida", incluindo além de ações
voltadas a saúde da criança a realização específica da consulta puerperal (entre o
30ª e 42ª dias após-parto).
c) Ações de assistência ao planejamento familiar
O planejamento familiar compõe-se de ações educativas e clínico-
assistenciais. Estas, conforme as portarias voltadas à política de atenção obstétrica
(BRASIL, 2000a; BRASIL; 2005a), a Lei do Planejamento Familiar (BRASIL, 1996b)
e o Documento da Política de Planejamento Familiar (BRASIL, 2005b), que incluem
o uso dos variados métodos disponíveis para contracepção no pós-parto, no pós-
aborto e em outros momentos, abrangendo os métodos reversíveis, o DIU e os
métodos anticoncepcionais cirúrgicos – a laqueadura tubária e vasectomia.
- Ações de vigilância do óbito materno
137
Para a redução da morte materna é necessário estabelecer a vigilância dos
óbitos de mulher em idade fértil, como meio para identificar as causas desses
óbitos e os óbitos maternos não declarados, contribuindo com a compreensão
desse evento e a redução da sua subnotificação e conhecimento real da sua
magnitude em nível local. Dessa forma, é possível instituir medidas para a sua
redução. A Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), no Anexo II, coloca a responsabilidade
conjunta dos três níveis de gestão com o desenvolvimento de atividades de
vigilância epidemiológica dos óbitos maternos, fetais e neonatais, utilizando, entre
outros mecanismos, a notificação compulsória dos óbitos maternos e a implantação
e a implementação dos Comitês de Mortalidade. Nos seus termos, propõe-se
”Implantar, implementar e manter Comitês de Mortalidade Materna e de Prevenção do Óbito
Infantil e Fetal implantados e atuantes, informando ao gestor municipal/estadual,
periodicamente, os seus índices e as iniciativas adotadas para a sua redução e os
resultados alcançados. Para tanto, considera-se que é necessário: “Desenvolver
atividades de vigilância epidemiológica dos óbitos maternos, fetais e neonatais, utilizando,
entre outros mecanismos, a implantação e a implementação dos Comitês de Mortalidade”.
Tais Comitês, além de contribuir com a investigação para fins epidemiológicos,
assumem papel estratégico de monitoramento e implantação de políticas públicas
para a prevenção da morte materna.
- Inter-relações favoráveis
Conforme apontamos anteriormente, encontra-se nas Portarias 569
(BRASIL, 2000a) e 1.067 (BRASIL, 2005a) uma forte identificação com a
valorização da humanização como uma das diretrizes para a qualificação da
assistência á saúde reprodutiva. Essa perspectiva inclui um conjunto de tecnologias
que propiciam o acolhimento de necessidades e o bem-estar das mulheres em
situação de atendimento obstétrico ou ao planejamento familiar. Nesse conjunto, na
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a) identificamos como orientação geral para a atenção
humanizada a seguinte expressão: Uma atenção pré-natal e puerperal qualificada e
humanizada se por meio da incorporação de condutas acolhedoras e sem intervenções
desnecessárias”.
Um dos aspectos inter-relacionais valorizados é a escuta e outro é o de
identificação nominal dos profissionais e da própria gestante, como referido na
138
Portaria 1.067 (BRASIL, 2005a), nos princípios gerais e nas diretrizes para a
atenção obstétrica e neonatal e nas proposições para a atenção pré-natal, onde é
posta a necessidade de “identificação da gestante pelo nome e dos profissionais de
saúde responsáveis pelo atendimento” e a necessidade de “escuta da mulher e de
seus/suas acompanhantes”.
A atenção humanizada, segundo essas portarias, depende da
incorporação de práticas comprovadamente benéficas, evitando-se intervenções
desnecessárias. Isso, além da valorização de inter-relações baseadas em condutas
que promovam o acolhimento das mulheres.
Essas inter-relações devem basear-se em princípios éticos, garantindo-se
privacidade e autonomia, compartilhando-se com a mulher e sua família as
decisões sobre as condutas a serem adotadas. Especificamente, em relação ao
parto, deve-se propiciar a interação mãe-filho, por meio do estímulo à aproximação
e contato pele a pele e do estímulo à amamentação logo após o parto.
A prática obstétrica fundada em um modelo medicalizado, com
sobrevalorização das tecnologias duras e leve-duras tem implicado em violações
múltiplas dos direitos das mulheres, como o direto à autonomia e integralidade. É
parte dessa situação a oferta e utilização de tecnologias médicas estimuladas por
processos mercantilistas, ao invés de sanitários. Esta situação, entre outros
aspectos, é conseqüência da fragilidade da regulamentação do Estado e do
incipiente controle social (SILVER, 1999). A excessiva medicalização da gestação e
do parto pode gerar efeitos iatrogênicos. Além disso, afasta a mulher do seu papel
de protagonista, reduzindo esses fenômenos fisiológicos a eventos patológicos
(SILVER, 1999), desumanizando a atenção.
Atitudes e ações técnicas se somam nos documentos e conferem a
importância a inter-relações na atenção à mulher. Na Portaria 1.067 (Brasil, 2005a)
incluem-se medidas e ações como:
- Acolhimento da parturiente, identificando-a pelo nome e se
identificando.
- Escuta da mulher e de seus/suas acompanhantes, esclarecendo
dúvidas e informando sobre o que vai ser feito e compartilhando as
decisões sobre as condutas a serem tomadas.
139
- Garantia do direito à permanência do acompanhante no pré-parto,
parto e pós-parto, segundo demanda da mulher e da visita do pai ou de
familiares sem restrição de horário.
- Uso de métodos não invasivos e uso de métodos não farmacológicos
para alívio da dor.
- Permissão para deambulação e liberdade de posição e movimento
durante o trabalho de parto, bem como oferta de líquido por via oral
durante o trabalho de parto.
- Estímulo a posições não-supinas durante o trabalho de parto.
- Realização de procedimentos pré-anestésicos e anestésicos, quando
pertinentes.
- Indicação precisa da episiotomia.
- Uso profilático de ocitocina.
A assistência ao parto tem sido objeto de grande medicalização, sendo
esta uma das formas de violência institucional com a mulher. O parto medicalizado
faz com que a mulher perca o seu papel de protagonista no momento de parir.
Assim, essas novas tecnologias clínicas propostas buscam, em alguma medida,
superar essa característica.
A participação do acompanhante no trabalho de parto, parto e pós-parto e
a garantia do alojamento conjunto podem ser consideradas formas para a
promoção de autonomia e protagonismo das mulheres. Nesta perspectiva, o Pacto
de Redução a Mortalidade Materna e Neonatal (BRASIL, 2004b) traz, no item
Ações Estratégicas Para o Pacto Nacional Pela Redução da Mortalidade Materna
Neonatal, recomendações como o “direito a acompanhante e ao alojamento conjunto”,
inclusive nos serviços privados, e que este seja de livre escolha da usuária.
Inter-relações sintonizadas com a produção de autonomia e com o
acolhimento são coerentes com humanização da atenção à saúde reprodutiva e
sexual e com a perspectiva de integralidade e os direitos reprodutivos e sexuais.
140
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A morte materna, por refletir as condições de vida e saúde da população
feminina, deve ser considerada um sinalizador da qualidade das políticas públicas
em geral e da assistência à saúde reprodutiva e sexual nos diferentes níveis. A sua
persistência reflete a negação de direitos nesse campo.
A gravidade desse problema requer políticas e intervenções específicas
efetivas, que assegurem direitos reprodutivos formalizados, envolvendo o amplo
acesso, sobretudo das mulheres a ações de promoção da saúde e a medidas
assistenciais de qualidade.
Para sua redução, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas
peculiares, a serem implementadas no sistema de saúde, que se sustentem nos
princípios do respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, da humanização e
integralidade da atenção, considerando a necessidade de serem socializadas e
construídas com a participação de todos os atores sociais envolvidos. E é
exatamente essa a perspectiva destacada nos documentos analisados,
constituindo-se estes em eixos articuladores das suas proposições.
Para a efetiva assistência pré-natal, ao parto, puerpério, bem como ao
planejamento familiar é imprescindível observar determinadas condições e
providências a serem aplicadas no âmbito institucional, profissional e social, que
levem em consideração que a morte materna está associada a uma diversidade de
vulnerabilidades: socioculturais, instrucionais, biológicas e comportamentais.
Ainda que o eixo das vulnerabilidades não tenha direcionado fortemente as
proposições encontradas, foi possível identificar que, de forma abrangente, tanto a
assistência obstétrica como o planejamento familiar encontram-se direcionadas
para finalidades que se inter-relacionam, tais como: a reversão do quadro de
morbimortalidade materna; o nascimento saudável e bem-estar materno; e a
melhoria do acesso, da cobertura e qualidade da assistência reprodutiva.
Conhecer e refletir sobre referências de qualidade presentes nas propostas
políticas, sobretudo direcionadas à atenção à mulher, sendo considerada uma de
suas finalidades a evitabilidade do óbito materno - deve constituir-se em uma
prática constante no âmbito acadêmico e das instituições do sistema de saúde.
141
Nesse sentido, os documentos analisados neste trabalho não
referendam medidas estratégicas para a assistência à saúde reprodutiva nos
diferentes níveis assistenciais do SUS, como também oferecem a possibilidade de
desenvolver parâmetros para o monitoramento e a avaliação de forma
sistematizada e ampla dessa assistência.
Os documentos analisados sinalizam inovações no paradigma da atenção
obstétrica e ao planejamento familiar, no que diz respeito à sua
estrutura/organização, gestão e ao processo de trabalho assistencial, no momento
reprodutivo e fora dele.
De forma geral, tais documentos, por meio de suas proposições
estratégicas, expressam como constituintes da qualidade dessa atenção: a
ampliação do acesso a atenção à saúde, a estruturação de uma rede suficiente de
serviços e ações integrados e regulados e apoiados em condições adequadas, em
ternos de recursos físicos, materiais, financeiros, e de potenciais humanos bem
preparados para atuar no campo da gestão e da assistência.
No campo da gestão, essas referências abrangem proposições em torno
do partilhamento de responsabilidades entre as várias autoridades sanitárias,
incluindo o diagnóstico situacional dos problemas de saúde e da atenção obstétrica,
a produção e uso de informações para essa atenção e o uso de tecnologias de
controle e avaliação desta. Estas proposições se estendem, ainda, à adoção de
tecnologia comunicacional para a circulação de informações, elaboração de normas
e adoção de protocolos técnicos de assistência, e a estratégias de articulação
intersetorial, embora estas não tenham o destaque dado a medidas no campo
clínico-preventivo.
No campo assistencial, as proposições reafirmam práticas tradicionalmente
incorporadas na atenção ao período reprodutivo, particularmente as medidas
diagnósticas e clínico-assistenciais de prevenção e controle dos riscos reprodutivos.
No campo inter-relacional, os documentos dispõem sobre critérios para
direcionar as práticas e os comportamentos de forma humanizada na assistência
reprodutiva. Nesse sentido, confrontando as práticas de medicalização do parto e
de planejamento familiar é valorizada a dimensão da autonomia e da atenção
segura e com acolhimento.
Muitos dos óbitos maternos ocorrem em conseqüência da pobreza e da
dificuldade de acesso às ações de saúde. Por meio da proposição de práticas
142
humanizadas na assistência reprodutiva pode-se exercer a inclusão da mulher no
sistema de saúde, possibilitando o seu acesso e vínculo aos serviços de saúde,
considerando que a assistência obstétrica e o planejamento familiar não devem ser
consideradas apenas como um fim em si mesmo, mas como uma oportunidade
para o desenvolvimento de cuidados abrangentes de saúde à gestante, parturiente,
e puérpera.
Portanto, é necessário que as políticas valorizem, além de investimentos
na melhoria da assistência reprodutiva e sexual, igualmente, medidas para a
integração dessa atenção no conjunto das ações do SUS, com especial destaque
para as ações de promoção da saúde. Apesar de reconhecermos que a mortalidade
materna ocorre, sobretudo, por falhas na assistência voltada ao período gravídico-
puerperal e ao planejamento familiar, a perspectiva de integralidade da atenção
dimensiona a necessária interface da promoção da saúde com as demais ações em
saúde.
Para finalizar, consideramos que os objetivos propostos neste estudo
foram atingidos, visto que identificamos e relacionamos, nos documentos
analisados, os princípios, as finalidades e as proposições estratégicas dirigidas à
saúde reprodutiva e sexual, com destaque aos aspectos relativos à organização,
gestão e assistência, articulando-as à evitabilidade do óbito materno.
Podemos dizer que os achados, em alguma medida, são reveladores de
inovações na política dirigida à saúde reprodutiva e sexual, por se encontrarem
sintonizadas com direitos históricos das mulheres, sabendo-se que essas
inovações são inclusive conquistas alcançadas nas lutas por melhores condições
de vida e saúde para as mulheres e que refletem também conquistas no processo
de implementação do SUS.
Não podemos deixar de considerar, entretanto, que essas proposições
precisam avançar, sobretudo no campo das interfaces necessárias entre a
específica atenção à saúde reprodutiva e a atenção à saúde como um todo e no
campo da promoção da saúde, superando a predominância da perspectiva
preventiva, apoiada na idéia de risco, que a atravessa.
Profissionais de saúde, gestores, formuladores de políticas e a população
organizada podem encontrar no material aqui analisado um importante recurso para
o encaminhamento crítico de suas práticas, tendo em vista a construção almejada
de integralidade da atenção à saúde.
143
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