Download PDF
ads:
1
ANA PAOLA SGANDERLA
A PSICOLOGÍA NA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL
BRASILEIRO: A Defesa de uma Base Científica da Organização Escolar
FLORIANÓPOLIS-SC
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANA PAOLA SGANDERLA
A PSICOLOGIA NA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL
BRASILEIRO: A Defesa de uma Base Científica da Organização Escolar
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
em Educação na linha de
Pesquisa Infância e Educação
da Universidade Federal de
Santa Catarina, como
requisito parcial a obtenção
do titulo de Mestre em
Educação.
Orientadora: Diana Carvalho
de Carvalho
FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO DE 2007.
ads:
3
Dedicatória
A Deus, principio de tudo.
Ao meu amado marido Marcelo, pelo apoio incondicional e por alegrar
meus dias.
Aos meus pais Inês e José, exemplos de perseverança, por me
ensinarem a dar asas aos sonhos e ir atrás de cada um deles.
A minha orientadora Diana, pelo respeito a minhas idéias e pelo carinho
em apontar minhas dificuldades.
4
AGRADECIMENTOS
Aos Professores e Funcionários Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal de Santa pelo
profissionalismo e receptividade.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pelo um ano de
bolsa concedida.
As minhas queridas colegas educadoras e ao meu colega
educador da linha Educação e Infância, pelas trocas no decorrer do
primeiro ano do mestrado.
Aos integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação, Infância e Escola por modificarem minhas idéias sobre a
infância me propiciando questionar as aparências.
A professora Ione do Valle, pelas pontuações no texto de
qualificação e por me ensinar sobre Pierre Bourdieu.
A professora Maria das Dores Daros, por aumentar ainda mais
minha paixão pela História e pelas sugestões na qualificação.
Ao professor Odair Sass, pelas importantes reflexões.
A Geraldina, pelas correções.
A minha sogra Nelsi, pelo carinho em todos os momentos.
Ao meu irmão Marcos Vinicius, pela alegria.
A minha tia Neuza, pelos muitos livros que me deu e por
despertar em mim o amor pela educação.
5
A minha amiga Silvia, pelos muitos momentos, idéias,
sentimentos compartilhados.
A minha amiga Bárbara, por ter me possibilitado o acesso a
materiais essenciais a essa pesquisa.
Ao nosso afilhado Lucca, pela felicidade de sua chegada.
6
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS.............................................................................. 7
RESUMO................................................................................................. 8
ABSTRACT.............................................................................................. 9
INTRODUÇÃO....................................................................................... 10
CAPÍTULO 1- A Psicologia e a Constituição do campo educacional
brasileiro........................................................................................................... 20
CAPÍTULO 2- Lourenço Filho: um pioneiro da relação entre Psicologia e
Educação no Brasil .......................................................................................... 43
1.Formação Profissional..................................................................... 44
2.Atuação de Lourenço Filho na Formação de Professores e como
psicólogo experimental ................................................................................. 49
3. Cientificidade da Psicologia ........................................................... 53
CAPÍTULO 3- A disciplina de Psicologia na formação de professores nas
décadas de 1930 e 1940.................................................................................. 60
CAPÍTULO 4- Testes ABC: a defesa de uma base científica da
organização escolar ......................................................................................... 84
1. Testes ABC de Lourenço Filho: um instrumento eficiente para a
organização da prática escolar..................................................................... 87
2.Testes ABC de Lourenço Filho e o campo científico da Psicologia
.................................................................................................................... 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 109
FONTES .............................................................................................. 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... 115
7
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Nomenclatura da disciplina de Psicologia nos cursos de formação de
professores em Santa Catarina, entre os anos de 1911 e 1939...................................63
Quadro 2: Circular de 1935 emitida pela Secretaria de Interior, em que constam títulos
de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira............................................................... 66
Quadro 3: Programa da disciplina de Psicologia Educacional (1937) da Escola Normal
Superior Vocacional .....................................................................................................68
Quadro 4: Programa da Disciplina de Psicologia Educacional (1939) do Instituto de
Educação de Florianópolis............................................................................................74
Quadro 5. Instruções para aplicação e avaliação dos Testes ABC.............................88
8
RESUMO
A presente pesquisa analisou como as idéias de Lourenço Filho
referentes à Psicologia cientifica e materializadas no Teste ABC, contribuíram
na constituição do campo educacional brasileiro, especialmente em relação à
formação de professores e à organização da prática escolar. Para tanto,
utilizamos o conceito de campo social de Pierre Bourdieu como fundamento
para a análise da constituição do campo educacional brasileiro, bem como a
contribuição dos diferentes campos científicos que nele intervieram,
especialmente a Psicologia. Para a discussão do campo educacional brasileiro
do inicio do século XX, optamos por considerar as instituições, os agentes, as
práticas e os produtos que compõem esse campo. Destacamos Lourenço Filho
como um agente central na constituição deste campo e na construção do
campo cientifico da Psicologia. E entre suas produções debateremos os
Testes ABC Para Verificação da Maturidade Necessária à Aprendi
9
ABSTRACT
To present research it analyzed as Lourenço Filho's ideas regarding the
Psychology informs and materialized in the Testes ABC, they contributed in the
constitution of the Brazilian education field, espe
10
INTRODUÇÃO
O que Nós Vemos
1
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
11
aparentemente sem importância ligadas às práticas cotidianas. Esse é um
conhecimento que quando se constrói não pertence exclusivamente a nós,
ao mesmo tempo que depende do muito que foi desenvolvido por outros.
Podemos fazer uma aproximação das reflexões sobre esse poema com a
trajetória da realização de um projeto de pesquisa.
A decisão por um objeto de investigação na pesquisa não pode ser
resumida simplesmente ao momento de entrada em um curso de Mestrado; ao
contrário, ela reflete uma história do pesquisador que vem talhada por uma
série de percepções e constatações. Com isso, apresento-me, como sobrinha
de professoras e aluna de um curso de formação de professores e como
profissional de Psicologia recentemente graduada e bolsista de iniciação
científica, que pesquisou sobre a interação professor–criança em diferentes
instituições de educação infantil do município de Itajaí-SC. Dessa forma, a
preocupação com as questões da educação sempre esteve presente em minha
trajetória. Por vezes, essa preocupação aparecia de um modo informal e
familiar; em outras, isto se traduzia em questões teóricas e ações intencionais
voltadas à compreensão desse processo humano.
Ingressar em um Programa de Pós-Graduação significou a possibilidade
de aprofundar teoricamente questões que muitas vezes passavam
despercebidas na prática como aluna e como profissional, bem como a
oportunidade de dar continuidade às pesquisas realizadas na interface das
áreas de Psicologia e Educação, iniciadas na experiência de bolsista de
iniciação científica. Assim, a escolha pelo Mestrado em Educação foi motivada
pela busca de um arcabouço teórico que a graduação em sua curta duração e
por sua multiplicidade de conteúdos não alcançou contemplar.
Neste percurso da Pós-Graduação, muitos foram os desafios a serem
transpostos, especialmente aqueles ligados ao aprofundamento dos
conhecimentos na área da Educação. Se, por um lado, o curso proporcionou-
me o contato com autores e leituras que desconhecia, por outro, ampliou o
modo de olhar a relação entre esses dois campos de conhecimento, indo além
das questões específicas da relação professor-criança na educação infantil. Na
verdade, descortinaram-se para mim novas possibilidades de pensar diferentes
12
objetos que poderiam ser pesquisados na intersecção entre Psicologia e
Educação.
Nesse cenário de múltiplas possibilidades e inúmeras dúvidas, uma
disciplina em especial ofereceu condições de melhor compreender a relação
entre Psicologia e Educação e modificou, sobremaneira, as idéias que eu
possuía sobre ambas. A participação no seminário especial: A S
OCIOLOGIA E A
P
SICOLOGIA NA
C
ONSTITUIÇÃO DO
C
AMPO
E
DUCACIONAL
B
RASILEIRO
: 1920-1940,
cursado no segundo semestre de 2005, proporcionou o estudo do momento
histórico em que se efetivou a constituição do campo educacional brasileiro,
especialmente os anos de 1920 a 1940, tendo por objetivo compreender como
a Psicologia e a Sociologia participaram e contribuíram com esse processo.
Esse seminário também permitiu o contato com diferentes intelectuais ligados a
esse campo, entre os quais destaco Lourenço Filho, um dos responsáveis pela
consolidação dos laços entre a ciência psicológica e o pensamento educacional
que se desencadeou no país no início do século XX.
Ingressar no mestrado em Educação, mais especificamente na linha de
pesquisa Educação e Infância, possibilitou-me ampliar o olhar sobre temas
como infância e criança com base em uma perspectiva sociológica, que, até
então, tinha como referência central os autores da Psicologia. Do mesmo
modo, participar do GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE INFÂNCIA
EDUCAÇÃO E ESCOLA (GEPIEE) permitiu direcionar os estudos e debates
sobre as bases históricas e sociais das relações entre infância, educação e
escola.
As leituras e discussões realizadas nesses diferentes espaços
proporcionados pelo Programa de Pós-Graduação descortinaram um campo de
conhecimentos atrativo e profícuo para investigar as relações entre Psicologia
e Educação, especialmente no que tange à formação de professores, tendo em
vista que a Psicologia serviu como disciplina-base nos cursos que se
destinavam a tal fim, no início do século XX, período que aqui nos interessa.
Do ponto de vista da história da Psicologia, vários autores que têm se
dedicado à recuperação da trajetória dessa ciência no País indicam a
13
importância dos educadores, juntamente com os médicos e os engenheiros
nesse processo. Cabe destacar Pessotti (1975), Massimi (1987), Massimi e
Guedes (2004), Guedes (1998), Guedes e Campos (1999) e Antunes (2005).
Vale a pena salientar que a primeira tentativa de sistematizar a história da
Psicologia no Brasil foi realizada por Lourenço Filho, em 1955, numa
publicação organizada por Fernando de Azevedo sobre as ciências no Brasil e
re-editada em 1994 (Lourenço Filho, 1994).
Tais estudos evidenciam que a Psicologia é uma das ciências que
participaram da constituição do pensamento educacional brasileiro desde o
início do culo XX. No entanto, é apenas a partir do inicio da década de 1980
que essa relação começa a ser examinada sob bases mais críticas. Em 1981 é
publicado o livro de Maria Helena Souza Patto intitulado Introdução à
Psicologia Escolar, em que a autora realiza uma critica contundente à atuação
do psicólogo na realidade escolar, fundamentado em uma ¨(...) visão ingênua e
ideologicamente comprometida da escola como instituição social
neutra¨(Patto,1983,p.2). Ao apresentar ao estudante e ao profissional em
psicologia escolar uma série de textos de diferentes autores das ciências
sociais que se afastam de uma visão estritamente técnica de diagnóstico e
tratamento dos problemas de aprendizagem, a autora objetiva oferecer
condições para ¨(...) uma profunda compreensão das relações entre escola e
sociedade, no marco de uma formação social capitalista” (Patto,1983,p.2).
Essa crítica adquire maior consistência em 1984, ano em que a autora
publica Psicologia e Ideologia: uma introdução critica à Psicologia Escolar.
Nessa segunda obra, Patto recupera a história da sociedade brasileira e do
sistema de ensino escolar como pano de fundo para compreender o modelo de
ciência psicológica que se legitima. O contexto de redemocratização do país
permite, naquele momento, o acesso e o estudo de autores até então pouco
conhecidos, bem como o estabelecimento de profundos questionamentos e
debates sobre a realidade educacional brasileira. É nesse contexto que as
obras de Maria Helena Patto alcançam repercussão. Mesmo usando como
referência central de seus estudos L. Althusser, outro autor fundamental
utilizado por Patto(1984) para analisar a relação escola-sociedade foi Pierre
Bourdieu; por meio de sua teoria seria possível questionar o óbvio, o imposto, o
14
arbitrário na educação. Segundo Bourdieu (1972,p.199), apud Patto
(1984,p.54), os atos aparentemente mais insignificantes da vida cotidiana, os
atos que a educação e as estratégias de inculcação reduzem ao estado de
automatismo, são princípios mais fundamentais de um arbitrário cultural e de
uma ordem política que se impõem segundo a modalidade do evidente.”
Para Patto (1983), as análises de Bourdieu sobre como a sociedade
incide no individuo e em sua prática e de como o conceito de ideologia se
materializa no fazer humano são importantes para esclarecer a microfísica do
poder na instituição escolar. Neste sentido, Bourdieu defendia que a educação
estava longe de ser um mecanismo social neutro e imparcial de transmissão de
conhecimento acumulado pelas gerações anteriores para as gerações
seguintes, o sistema educacional numa sociedade complexa como a de
classes, agia na intenção de cristalizar a estrutura social vigente, por
intermédio da reprodução cultural.
Entender como a Psicologia contribuía nesse processo educacional era
um caminho, proposto por Patto, que exigia o exame da história da Educação.
Desse modo, foi, para mim, muito proveitoso relacionar os conhecimentos
oriundos das produções em história da Psicologia com as discussões
realizadas sobre a historia da Educação brasileira, especialmente no momento
em que essas duas áreas se entrelaçam: os anos iniciais do século XX.
Entre os estudos de História da Educação que contribuíram para
compreender a constituição do campo educacional brasileiro no início do
século XX, podemos destacar os de Miceli (1979) e Pecáut (1990). Ambos os
autores discutem como a intelectualidade brasileira participou do contexto
político e social daquele período, especialmente nos processos de produção e
veiculação de um discurso educacional adequado ao ideal de construir uma
nação moderna, tendo a ciência como fundamento de sua ação. O aporte
teórico que fundamenta esses autores são as idéias de Pierre Bourdieu sobre a
teoria dos campos sociais.
Segundo Vale (2007), as questões que permearam a obra de Pierre
Bourdieu (1930-2002) estão relacionadas ao desvelamento dos mecanismos
15
educacionais, culturais, sociais e simbólicos de dominação. Entre os conceitos
centrais desenvolvidos por esse autor, Vale (2007) identifica os seguintes:
habitus; hexis corporal; campo; capital; poder simbólico; violência simbólica;
distinção; legitimidade; socialização; reprodução.
Para Bourdieu o campo – conceito que aqui nos interessa de perto - é um
espaço relacional, um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social
que produz suas próprias leis e em que diferentes idéias estão em luta, ou seja,
o campo caracteriza-se como um espaço de disputas entre diferentes agentes
ocupando diferentes posições que variam de acordo com o capital que cada
agente possui dentro do campo. Ocorre então que, quanto mais os agentes
aumentam seu capital, mais têm o poder de administrar e manter sua posição:
O espaço social é composto por uma pluralidade de campos
relativamente autônomos; cada um desses campos define suas
maneiras específicas de dominação e estabelece suas próprias
regras: campo cultural (sistema de classificação que oferece
aos agentes a oportunidade de colocar em prática suas
estratégias de distinção), campo de poder (espaços de força
onde os indivíduos agem em função de suas respectivas
posições, como num jogo de xadrez), campo político (onde
predomina o “ilusionismo democrático”: as classes dominantes
têm o monopólio da política, enquanto os dominados tendem a
se considerar incompetentes, delegando seu poder de decisão
e se auto-excluindo) (VALE, 2007, P128)
Bourdieu avalia a potencialidade desse conceito:
Compreender a gênese social de um campo, e apreender
aquilo que faz a necessidade específica da crença que o
sustenta, do jogo da linguagem que nele se joga, das coisas
materias e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar,
tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-
motivado os actos dos produtores e as obras por eles
produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou
destruir. (BOURDIEU, 2001, P. 69)
Discorrendo especificamente sobre o campo científico, Bourdieu publica
um artigo, em 1976, em que afirma:
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas
entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o
espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo
especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade
científica definida, de maneira inseparável, como capacidade
técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da
16
competência científica, compreendida enquanto capacidade de
falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com
autoridade), que é socialmente outorgada a um agente
determinado (BOURDIEU. APUD ORTIZ, 1983, P. 122-123).
Tendo como referência tais idéias desenvolvidas por Bourdieu, é
possível formular outros questionamentos, além daqueles explicitados por
Patto: qual a compreensão de ciência que se tornou dominante no momento da
constituição do campo educacional brasileiro? Como a Psicologia contribuiu
nesse processo de instituição de uma legitimidade científica com relação a
determinados conceitos acerca da processo de escolarização, das crianças
que aprendiam e dos professores que ensinavam? Como podemos
compreender a perpetuação dessas idéias no pensamento educacional
brasileiro da atualidade
2
?
Assim, consideramos muito proveitoso para o presente trabalho utilizar o
conceito de campo social como fundamento para a análise da constituição do
campo educacional brasileiro, bem como a contribuição dos diferentes campos
científicos que nele intervieram, especialmente a Psicologia. Para a discussão
do campo educacional brasileiro do inicio do século XX, optei por considerar as
instituições, os agentes, as práticas e os produtos que compõem esse campo.
Entre as Instituições encarregadas da produção e disseminação dos
conhecimentos que contribuíram para a constituição do campo educacional
brasileiro destacam-se: a Associação Brasileira de Educação, corporação que
congregava diferentes profissionais que discutiam temas relacionados à
educação (1924); a Escola Normal da Praça em o Paulo, espaço de
formação de professores exemplo no Pais e que foi pioneira na implantação de
um Laboratório de Psicologia Educacional (1914), aglutinando profissionais
como: Sampaio Doria, Lourenço Filho; o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (1938) que se destinava a pesquisas nas áreas de Educação,
Psicologia . Em Santa Catarina, local em que se realiza esta pesquisa, cabe
destacar o Instituto de Educação de Florianópolis (1892), escola de referência
na formação de professores e nas discussões educacionais nesse Estado.
2
Sobre esse assunto verificar os estudos de Carvalho (2000 e 2003)
17
O campo educacional foi um espaço de luta de diferentes agentes pelo
monopólio da educação. Nas lutas para demarcação do campo educacional
brasileiro aparecem dois grupos distintos: os educadores católicos e os
renovadores liberais. Os primeiros empreenderam uma luta contra o ensino
leigo, pois visavam à introdução e à manutenção do ensino religioso nas
escolas públicas e ao o-controle da educação pelo Estado, os segundos
lutavam para uma educação pública e laica e se utilizavam dos conhecimentos
da Escola Nova, amplamente discutidos por Lourenço Filho.
Nesse cenário, Lourenço Filho destaca-se como um agente central na
constituição do campo educacional brasileiro e na construção do campo
cientifico da Psicologia. Suas produções foram propagadoras dos
conhecimentos da Escola Nova que se baseava em ciências como: Biologia,
Sociologia e a Psicologia.Essa é a razão pela qual o estudo de suas idéias é o
escopo central desta pesquisa , conforme abaixo detalharei.
Os conhecimentos científicos amplamente incorporados à Educação
teriam como meta a construção de novas práticas educacionais visando uma
maior adaptação da criança ao meio social e às demandas econômicas e
sociais do Brasil nos anos 1930. Para compreender o desenvolvimento desse
processo, considerei os estudos realizados sobre a história da formação de
professores em Santa Catarina. Encontrei nos Testes ABC Para Verificação da
Maturidade Necessária à Aprendizagem da Leitura e Escrita de Lourenço Filho
(1933) um exemplo de um produto que encontrou um ponto de convergência
entre diferentes instituições, agentes, práticas.
Os Testes ABC foram amplamente utilizados nas escolas públicas
brasileiras para selecionar e classificar as crianças que tinham maturidade para
a alfabetização, tendo em vista uma questão prática da educação: o elevado
nível de repetência dos estudantes nos primeiros anos escolares. Lourenço
Filho adquiriu notoriedade no campo educacional nacional e no campo
cientifico mundial da Psicologia com esses testes. No entanto, foi além, por
adequar seu produto a uma visão mais ampla de sociedade que buscava
fundamentos científicos para uma eficiente organização da prática escolar.
Dessa forma, seria possível conhecer as diferenças individuais das crianças,
18
anteriormente ao processo de instrução e configurar o espaço escolar de
maneira a contemplar os níveis de maturidade para a alfabetização.
Um dado que confirma a notoriedade dos Testes ABC como produto do
campo educacional e da importância dos conhecimentos do campo cientifico da
Psicologia na educação é o de ser a única bibliografia comum na biblioteca de
duas escolas de orientações distintas em Santa Catarina: o Instituto de
Educação de Florianópolis, reduto dos renovadores liberais e o Colégio
Coração de Jesus, escola de orientação católica.
É com base nesse contexto histórico e teórico que podemos definir o
objetivo desta dissertação: analisar como as idéias de Lourenço Filho
referentes à Psicologia cientifica e materializadas no Teste ABC,
contribuíram na constituição do campo educacional brasileiro,
especialmente em relação à formação de professores e à organização da
prática escolar.
Desdobrando ou detalhando esse objetivo, chegamos aos objetivos
específicos:
Discutir como a Psicologia, ciência que contribuiu para a formação do
campo educacional brasileiro, se constitui no interior desse campo.
Mapear a atuação de Lourenço Filho como um intelectual pioneiro na
introdução e disseminação dos conhecimentos psicológicos no campo
educacional brasileiro.
Investigar como a Psicologia enquanto ciência foi discutida nos cursos
de formação de professores em Santa Catarina.
Debater o significado dos Testes ABC de Lourenço Filho para uma
organização escolar, tendo por base os preceitos científicos dominantes na
época.
Para alcançar tais objetivos, a dissertação obedeceu à seguinte
organização: no primeiro capítulo tratarei da constituição do campo educacional
brasileiro, discutindo aspectos ou as implicações práticas presentes em sua
19
constituição: Intelectualidade influente; estruturação de associações
profissionais; formação e profissionalização docente e produção de
20
CAPÍTULO 1- A PSICOLOGIA E A CONSTITUIÇÃO DO
CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO
O objetivo deste primeiro capítulo é discutir a participação da ciência
psicológica na formação do campo educacional no Brasil a partir dos anos
1920. Para discutirmos a constituição do campo educacional, tomamos como
referência o conceito de campo social de Pierre Bourdieu. Esse conceito é
central na obra desse autor, pois o campo como um microcosmo no
macrocosmo que é a sociedade, entendendo que o social é constituído por
diferentes campos. São suas palavras:
A noção de campo está ai para designar esse espaço
relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis
próprias. Se, como o macrocosmo, ele é submetido a leis
sociais, essas não são as mesmas. Se jamais escapa às
imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de
uma autonomia parcial mais ou menos acentuada (BOURDIEU,
2004, p.20-21).
Para Bourdieu, os diferentes campos sociais (científico, artístico,
educacional, entre outros) existem por interesses específicos de um
determinado grupo, que investe economicamente, intelectualmente e
psicologicamente para a constituição desses campos. Cada campo possui sua
própria lógica, história, interesse, enfim suas próprias especificidades que
diferem das dos demais campos sociais e sua estrutura é dada pelas relações
de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela
hegemonia no interior do campo, isto é, pelo monopólio da autoridade que
detém o poder de ditar as regras, de repartir o capital específico de cada
campo.
Segundo Pereira (1999), os jogos e interesses específicos de cada campo
são irredutíveis aos jogos e interesses dos outros campos, mas a propriedade
geral, discernível, é o fato de que todos os campos são espaços de lutas por
meio dos quais os agentes do campo mobilizam recursos adequados aos
interesses em jogo.
21
22
Esses intelectuais estavam empenhados na consolidação do Brasil como
nação, seja através de sua participação direta na vida política, de suas
produções culturais ou da educação. Segundo Xavier (1999), a mobilização
dos intelectuais daquele período para inserir-se na esfera estatal teve como
consenso a crença no poder da ciência e a ambição de estabelecer uma
administração cientifica da esfera pública, entendendo-se a política como
competência técnica, fundada em uma ciência social.
Pecaut evidencia que houve reciprocidade entre os intelectuais e o Estado
no que diz respeito a esse movimento, ou seja:
Se os intelectuais aderiram a uma ideologia de Estado”, o
Estado aderiu a uma ideologia da cultura, que era também a
ideologia de um governo intelectual” . Além disso, o Estado
não conhecia outra expressão da opinião pública exceto a
representada pelos intelectuais (PECAUT, 1990, p.73)
Essa intelectualidade viu na educação a possibilidade de incorporar a
população brasileira ao processo de construção da nação (como novos
cidadãos) e também como uma forma de criar condições de alargamento do
mercado cultural (BRANDÃO,1999).
A constituição de um campo educacional como um espaço social
especifico, implicava que essa intelectualidade trabalhasse de forma a
contribuir para a resolução dos problemas educacionais existentes, em várias
frentes: estruturação de associações profissionais, na construção de um
sistema de ensino, na formação e profissionalização docente e na produção de
conhecimentos teóricos e técnicos,
No caso da estruturação de associações profissionais na área de
educação, aflorou como expoente a Associação Brasileira de Educação
4
(ABE), criada em 1924.
Sediada originalmente no Rio de Janeiro, a ABE foi projetada
como organização nacional. Seus organizadores esperavam
que em cada Estado brasileiro fossem criados núcleos
similares ao instalado no distrito federal (...). Embora tenha
malogrado o objetivo de organizar os núcleos estaduais, a ABE
4
Para uma discussão aprofundada sobre ABE, consultar: Carvalho, M.M.C. A Escola e a
República. São Paulo: Brasiliense,1989
23
consolidou-se como entidade nacional quando, a partir de
1927, passou a promover as projetadas Conferências
Nacionais (CARVALHO,1989, p.45).
A centralidade das discussões da ABE estava na remodelação e
reestruturação do sistema escolar brasileiro e na criação de um projeto
nacional para a educação com base em diferentes conhecimentos técnicos e
em torno de temas relacionados a esse campo. A ABE era formada por
profissionais com diferenciadas competências técnicas, tais como engenheiros
e médicos que, ao lado dos educadores, debatiam as causas educacionais.
Como uma associação que debatia os rumos da educação em nosso
País, a ABE foi palco de disputas em seu interior: de um lado, os educadores
católicos que até 1930 eram maioria na ABE e, de outro, os Pioneiros da
Escola Nova ou renovadores liberais. Com isso, a ABE destacou-se como a
principal instância organizada do movimento de renovação da educação
brasileira nos anos 1920 (SILVA, 2002).
Com a valorização atribuída à educação nos anos de 1920 como solução
dos problemas nacionais - considerando que, nesse período, praticamente
70% da população maior de 15 anos era analfabeta e a taxa de escolarização
na faixa entre 5 e 19 anos era de apenas 9% (Romanelli,1970 apud Silva,
2002) - , a criação de um sistema de ensino foi percebida como um valioso
recurso de poder, acirrando-se a disputa pelo controle do sistema educacional
brasileiro.
Na disputa pela implantação de projetos político-pedagógicos
concorrentes, e que o deixavam de ser projetos de reconstrução nacional
pela via da educação, os católicos e os pioneiros/ renovadores liberais tinham
propostas diferenciadas.(CARVALHO,1999; XAVIER,1999).
O grupo dos educadores católicos era composto pelo laicato intelectual
católico, que tinha como seu ponto de referência o Centro Dom Vital de São
Paulo. Tendo como meta investir contra as bases agnósticas e laicistas do
regime republicano, esse grupo concentrava-se na divulgação da doutrina
cristã e de seus preceitos na sociedade e nas diferentes instituições. Para que
tal meta fosse possível de ser alcançada, os educadores católicos
24
empreenderam uma luta contra o ensino leigo e intensificaram as pressões
para a introdução e a manutenção do ensino religioso nas escolas públicas,
como também pelo não-controle da educação pelo Estado (XAVIER,1999).
O grupo dos renovadores liberais, por sua vez, era formado por
intelectuais que detinham cargos técnicos e administrativos no aparelho estatal.
Assim como o grupo dos católicos, eram membros da Associação Brasileira de
Educação, o grupo dos renovadores foi responsável por um conjunto de
formulações, críticas e propostas de defesa do ensino público brasileiro que se
constituíram um ponto de partida para a formação de um aparato legal para a
educação no Brasil (XAVIER,1999).
A cisão entre esses dois grupos ocorre, segundo Carvalho (1999), na IV
Conferencia Nacional de Educação da ABE. O grupo dos católicos, que
comandava a ABE desde 1929, organizou a conferência em torno de temas
que defendiam a manutenção da dualidade do sistema escolar (escolas
públicas e confessionais) e a orientação religiosa. Tais intelectuais não
contavam com o questionamento de Nóbrega da Cunha que argüiu o desvio da
pauta, ou seja, a não-resposta à principal questão da conferência: a definição
das Diretrizes da Educação Popular. Tal questionamento conseguiu remeter a
questão para a V Conferência, afinal de contas o pedido para tal resposta vinha
avalizado pelo presidente Getúlio Vargas e pelo ministro da Educação e Saúde
Francisco Campos. Com essa estratégia, o grupo dos renovadores liberais
tomou a direção dos trabalhos e assumiu a responsabilidade de redigir um
documento para responder a questão solicitada. Nasce, assim, o Manifesto dos
Pioneiros da Escola Nova, amplamente divulgado após a IV Conferência como
um projeto político-pedagógico para a educação brasileira, avalizado por
figuras ilustres de nossa elite intelectual
5
.
5
Os educadores que ficaram conhecidos como pioneiros, na verdade surgiram de um
momento associado à assinatura do manifesto de 1932. Eles não constituíram como às vezes
a historiografia pode levar a supor, um grupo articulado organicamente em torno de um
trabalho no campo da educação; muitos deles eram jornalistas e professores que foram
procurados, em nome de alguns dos principais educadores daquela geração, para apoiarem a
campanha de construção de um sistema público de qualidade, de responsabilidade do novo
governo instaurado em 1930 (Brandão, 1999).
25
O Manifesto apresentava a defesa de um sistema único de ensino,
público, leigo e gratuito, fortalecendo, dessa forma, os embates dentro do
campo educacional entre os renovadores e os católicos que possuíam
posições antagônicas nos seguintes aspectos respectivamente: escola única X
escola dual; ensino público X particular; ensino leigo X ensino religioso. Além
dessas questões, os debates incluíam o campo teórico da Pedagogia,
especialmente a discussão da Escola Nova e as novas pedagogias
(CARVALHO, 1999; XAVIER, 1999). Esse último autor comenta:
Como todo e qualquer manifesto, seu objetivo intrínseco era
gerar repercussão, causar impacto. Ao lançar idéias novas e
clarear posições políticas, o Manifesto estimulou o debate
educacional fundamentando certas correntes de opinião e
procurando neutralizar outras. Nesse sentido, o Manifesto teria
introduzido um novo temário ao debate educacional com base
na defesa da escola pública, obrigatória, gratuita e leiga, e da
co-educação (XAVIER,2002, P.30).
Xavier (2002) explica ainda que, ao defender a universalidade de acesso
à educação em todos os seus ramos e graus a todos os cidadãos,
independente das diferenças sociais e das diferenças de sexo (co-educação), a
Educação Nova buscava ressaltar as diferenças marcadas pelas aptidões
naturais determinadas pelos caracteres biológicos de cada individuo
assegurando, dentro da instituição escolar, a possibilidade de preservação da
personalidade individual do público escolar, para, em seguida, expandir-se
pelos demais setores da vida social.
Essas diferentes concepções de educação defendidas, de um lado pelos
educadores católicos e de outro pelos renovadores, geraram disputas internas
no campo educacional brasileiro. É possível aqui partir de uma generalização
de Bourdieu (2004, p.29), “qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta
tanto em sua representação quanto em sua realidade” e aplicá-lo
especificamente ao campo educacional brasileiro. As lutas internas no interior
desse campo corroboram esse conceito, pois evidenciavam projetos em
disputa: a Igreja Católica que queria manter o monopólio sobre a educação
brasileira e os renovadores que buscavam a redefinição deste capital tornando
a educação pública e laica.
26
No entanto, mesmo que católicos e renovadores lutassem por diferentes
caminhos da educação, ambos tinham em comum, durante a cada de 1920,
a crença de que pela educação se formaria a nacionalidade do povo, e que
eles, como elite intelectual, conduziriam o processo de construção de uma
educação popular, mantendo o controle sobre o setor da educação (PAGNI,
2000; CARVALHO, 1999).
O conceito de campo de Bourdieu permite compreender tal consenso
compartilhado por grupos distintos dentro de um mesmo campo: ainda que em
luta permanente uns contra os outros, os agentes de um campo têm interesse
em que ele exista, havendo entre eles uma “cumplicidade objetiva”, acima das
lutas que os opõem.
As disputas pela construção de um sistema de ensino valorizaram o
debate sobre a vocação blica ou privada da educação brasileira, conferindo
ao campo educacional certa autonomia diante de outros campos sociais
(SILVA, 2002).
As mudanças pretendidas na educação no Brasil para constituição do
campo educacional como espaço especifico exigiram a formação e
profissionalização dos educadores, considerando que, até então, as vagas
nessa área eram preenchidas por intelectuais das mais diversas procedências:
médicos, engenheiros, bacharéis e políticos (MICELI, 1979; BRANDÃO, 1999).
A formação do profissional para as atividades de ensino passou a ocorrer
nos cursos de formação de professores que, a partir dos anos 1920, tornaram-
se regulares e sofreram diversas modificações nas suas versões iniciais. Tais
modificações foram empreendidas em diferentes Estados do País que se
organizavam independentemente, sendo as propostas formuladas por
educadores reformadores, que não existia uma legislação federal que
unificasse tais processos. Vejamos o que nos diz Tanuri (2000) a respeito:
Não obstante a ausência de participação federal, registraram-
se alguns avanços no que diz respeito ao desenvolvimento
qualitativo e quantitativo das escolas de formação de
professores, sob a liderança dos estados mais progressistas,
especialmente de São Paulo, que se convertera no principal
pólo econômico do país. A atuação dos reformadores paulistas
27
nos anos iniciais do novo regime permitiu que se consolidasse
uma estrutura que permaneceu quase que intacta em suas
linhas essenciais nos primeiros 30 anos da República e que
seria apresentada como paradigma aos demais estados,
muitos dos quais reorganizaram seus sistemas a partir do
modelo paulista, tais como: Mato Grosso, Espírito Santo, Santa
Catarina, Sergipe, Alagoas, Ceará, Goiás e outros (TANURI,
2000, P.68).
Exemplos das várias modificações empreendidas nos cursos de formação
de professores foram as ocorridas em Santa Catarina: no ano de 1892 foi
realizada a primeira reorganização nesses cursos, com a inclusão das
disciplinas de Ciências Físicas e Naturais e de Organização Política do Brasil
no currículo; em 1897, Hercilio Luz promoveu nova reformulação salientando a
contribuição das escolas normais na formação de professores; em 1911 a
reforma educacional encabeçada por Orestes Guimarães então Inspetor Geral
de Ensino, reorganizou a Escola Normal e instituiu as Escolas
Complementares, introduzindo no curso da Escola Normal os estudos de
Pedagogia e Psicologia; além disso houve modificações na escola primária
com a criação dos grupos escolares. Em 1919 houve nova reformulação na
formação docente em Santa Catarina, a Escola Normal passou a ser de quatro
anos e, em 1923, o então governador Hercílio Luz, em consonância com a lei
1.448, reformou novamente o ensino catarinense (DAROS, 2005; NÓBREGA,
2002; CARDOSO, 2002).
No ano de 1935
6
, de acordo com o Decreto-Lei 713, aprovado no governo
de Nereu Ramos, houve a transformação das Escolas Normais Catarinenses
públicas em Institutos de Educação e exigência de equiparação das escolas
Normais privadas. Essa reforma estava intrinsecamente relacionada à
implementação de um projeto para a educação brasileira com base na
constituição de uma pedagogia cientifica, amparada na Psicologia, Sociologia e
Biologia (DAROS, 2005; SILVA, 2005).
Por força desse Decreto, os Institutos de Educação organizaram-se da
seguinte forma : jardim de infância; escola isolada; grupo escolar; escola
normal primária de três anos, que preparava os alunos que pretendiam ser
6
Essa reforma foi denominada “Reforma Trindade”, em alusão ao seu idealizador que era o
Diretor da Instrução Pública em Santa Catarina: Luiz Bezerra da Trindade.
28
professores na zona rural; escola normal secundária cujo curso de três anos
preparava para o magistério; e escola normal superior vocacional de dois anos,
que tinha por objetivo o preparo de professores para as diversas modalidades
de ensino (SILVA, 2005).
A reforma de 1935 nos cursos de formação de professores em Santa
Catarina sofreu, segundo Silva (2005), influência da reforma realizada por
Manoel B. Lourenço Filho em 1931 na cidade de São Paulo, que transformou a
Escola Normal da Praça da República em Instituto Pedagógico. Entre os
educadores que atuaram na reformulação dos cursos de formação de
professores nos diferentes estados, Lourenço Filho foi uma figura muito
importante nas reformas de ensino dos estados do Ceará (1923) e de São
Paulo (1930).
Tal influência denota que Santa Catarina estava sintonizada com os
principais centros urbanos do Brasil dentro de uma política mais ampla de
constituição da nossa identidade nacional. Essas mudanças vinham aliadas ao
saber cientifico, que embasou todo um conjunto de ações geradoras de
mudanças significativas no sistema educacional brasileiro, especialmente nos
cursos de formação de professores (SILVA, DANIEL E DAROS, 2005).
Nessa direção, no ano de 1939, ocorreu uma reorganização dos Institutos
de Educação em Santa Catarina, pelo Decreto-Lei n.306, que extinguiu a
Escola Normal Superior Vocacional e estabeleceu em seu lugar o Curso
Normal com duração de dois anos. Entre os programas de disciplinas revistos
naquele momento, um deles foi o de Psicologia Educacional.
Até a segunda metade da década de 1940, as reformas nos cursos de
formação de professores eram realizadas em âmbito estadual, sem
interferência de leis federais. Em 1946 foi promulgada a Lei Orgânica do
Ensino Normal, cujas diretrizes para implantação desse curso centralizaram-se
no governo federal. O Decreto-Lei Federal n.8.530 de 02/01/1946 desdobrou o
ensino normal em dois ciclos: o curso de regente de ensino primário (curso
normal regional) e o curso de formação de professores primários (DAROS,
2005).
29
O exposto até aqui permite considerar que o que caracterizava a ação
dos educadores profissionais era a luta por uma formação profissional
específica, diferenciando-se daqueles intelectuais do início da República que
tinham o privilégio de serem oriundos de famílias dirigentes. Nesse novo
contexto educacional, os profissionais de extração social modesta conseguem,
à custa de seu próprio esforço intelectual e profissional, ocupar cargos a que
não teriam acesso em uma conjuntura distinta de funcionamento desse
mercado de trabalho especializado. Entre os critérios de legitimidade dos
educadores profissionais estava a capacidade de colocarem as questões de
educação em termos técnico-científicos (MICELI, 1979).
Xavier (1999) assinala que a demarcação de uma identidade própria
pelos profissionais da educação contribuiu para o afastamento da educação em
relação aos demais campos da atividade intelectual, imprimindo ao campo
educacional uma identidade particular, diferenciada das demais identidades
que compunham o campo cultural e intelectual brasileiro.
Para a formação desses profissionais da educação, fazia-se necessária a
ampla produção de conhecimentos teóricos e técnicos, em consonância com o
projeto de renovação que se buscava para a educação a partir dos anos 1930.
Esses novos conhecimentos, por sua vez, originavam-se de ciências como a
Biologia, a Psicologia e a Sociologia, e se propunham a fornecer uma base
científica para a Pedagogia.
Segundo Leite (1972), os conhecimentos científicos incorporados à
educação faziam parte de uma corrente ascendente da ciência nos séculos
XVIII e XIX, em escala mundial, que vinha abalizada pelos novos trunfos da
ciência aplicada à medicina - haja vista, por exemplo, os trabalhos de Pasteur e
Koch - e pela utilização de motores a vapor importantes na redução do trabalho
e na possibilidade de transporte. Os métodos da ciência natural, por sua vez,
foram transpostos por cientistas e filósofos para o estudo da sociedade, do
homem adulto e da criança.
O estudo cientifico da criança tem sua base na biologia do culo XIX e
no modelo evolucionista que revolucionou tanto o pensamento biológico, como
30
o sociológico e o psicológico. Os psicólogos e naturalistas esperavam
encontrar nas formas simples aquilo que consideravam complexo no homem
adulto, ou seja, obter, por meio do estudo do animal e da criança, uma
explicação para o comportamento do adulto.Os psicólogos da criança,
aplicando esse princípio, conseguiram integrar o estudo da criança às ciências
naturais, o que lhes conferia valor e alcance como trabalho científico
(LEITE,1972).
A denominada psicologia funcional foi fortemente influenciada pelos
princípios do modelo evolucionista e serviu de base para as concepções dos
primeiros psicólogos da criança europeus e norte-americanos. Para muitos
deles, essas idéias evolucionistas significaram a passagem de uma filosofia
especulativa para uma psicologia científica (WARDE,1997).
O estudo da psicologia da criança também decorreu de necessidades
práticas, como conseqüência da escolarização universal que teve início na
Europa nos fins do século XIX e começo do século XX. Nesse cenário, ocorre
também a intensificação da luta contra o trabalho infantil frente às novas
necessidades de uma preparação formal-escolar para o trabalho industrial
ascendente. Com a entrada desse público na escola, as questões de
inteligência, aprendizagem e das diferenças individuais passam a ser
preocupações centrais para psicólogos e pedagogos (LEITE,1972).
Entre os conhecimentos produzidos no Brasil nos anos 1930, fortemente
marcados pelas discussões da psicologia da criança, destaca-se a obra
Introdução ao Estudo da Escola Nova de Lourenço Filho. Lançada em 1930,
norteou grande parte da formação de professores no Brasil apresentando um
novo entendimento da educação, construída sobre a base cientifica de três
ciências: Biologia, Psicologia e Ciências Sociais.
Tal publicação causou grande impacto, sendo diversas vezes editada
7
e
traduzida para diferentes línguas em diversos países. Pode ser considerada,
7
Segundo Monarcha (1997) a obra Introdução ao Estudo da Escola Nova que integrava a
coleção Biblioteca de Educação, também organizada por Lourenço Filho, teve uma tiragem de
57 mil exemplares em 13 edições, entre os anos de 1930-1978. O Conselho Federal de
Psicologia e a Universidade do Rio de Janeiro reeditaram o livro no ano de 2002, em
homenagem a Lourenço Filho, decorrido um centenário de seu nascimento.
31
ainda hoje, uma obra clássica do movimento de renovação educacional que
ocorria no Brasil entre os anos de 1920-1940 (GREBIM, 2003).
As diferentes edições do referido livro foram revisadas e atualizadas pelo
autor em diferentes períodos, o que permitiu a adaptação da obra ao contexto
histórico e à evolução dos conhecimentos científicos, ocorridos entre a primeira
e a décima terceira edições.
Em 1930, Lourenço Filho definia a Escola Nova como:
Um conjuncto de doutrinas e princípios tendentes a rever, de
um lado, os fundamentos da finalidade da educação; de outro,
as bases de applicaçao da sciencia à technica educativa. Taes
tendências nasceram de novas necessidades, sentidas pelo
homem, na mudança de civilisação em que nos achamos, e
são mais evidentes,sob certos aspectos, nos paizes que mais
soffreram, directa ou indirectamente, os effeitos da
conflagração européia. Mas a educação nova não deriva
apenas da grande guerra. Ella se deve, em grande parte, ao
progresso das sciencias biológicas, no ultimo meio século, ao
espírito objectivo, introduzido no estudo das sciencias do
homem. (LOURENÇO FILHO, 1930, p.68)
No ano de 1978, na última edição em que constam as revisões do autor,
ele conceitua a Escola Nova nesses termos:
Não se refere a um tipo de escola, ou sistema didático
determinado, mas a todo um conjunto de princípios tendentes a
rever as formas tradicionais de ensino. Inicialmente, esses
princípios derivam de uma nova compreensão de necessidades
da infância, inspirada em conclusões de estudos da biologia e
da psicologia. Mas alargam-se depois, relacionando-se com
outros muito numerosos, relativos as funções da escola em
face de novas exigências, derivadas de mudança na vida
social” (LOURENÇO FILHO, 1978, p.17).
Entre essas duas edições existe uma diferença de quase cinqüenta anos,
período durante o qual o mundo e o pensamento cientifico sofreram inúmeras
mudanças, pois, além das duas guerras mundiais, foram crescentes os
processos de industrialização, urbanização e de globalização dos mercados
nacionais.
Mesmo que as duas guerras mundiais tenham representado um momento
de extremo sofrimento para a humanidade, ainda hoje diferentes pressões
agem sobre o homem, infortúnios que, embora não tão visíveis quanto as
32
guerras, fazem repensar as questões educacionais. Adorno (1995), ao discutir
a educação no contexto s Segunda Guerra Mundial, problematiza a
educação para a emancipação do sujeito, entendendo que a emancipação
seria a possibilidade de reflexão do sujeito sobre aquilo que lhe é apresentado
como natural, questionando a ordem estabelecida e entendendo-a como
socialmente determinada. Isso implica questionar, por exemplo, a idéia de que
uma formação social que se diga esclarecida conduza necessariamente à
emancipação, como é o caso da crença no desenvolvimento cientifico como
motor das melhorias sociais e do progresso, idéias caras ao movimento de
renovação educacional.
O movimento da Escola Nova foi identificado por Lourenço Filho (2002)
desde os últimos anos do século XIX, período em que vários educadores em
diferentes países, considerando os novos problemas
33
interesse pelos estudos da biologia e da psicologia da infância e adolescência,
bem como pelos instrumentos de avaliação das capacidades e condições da
aprendizagem, e da função dos programas de ensino.
Em termos mundiais vê-se, com o final da Primeira Guerra Mundial
(1918), um forte movimento em favor da educação da infância, notadamente
pelas ações do Bureau International de Sécours aux Enfants (1899) que propôs
em 1924 à Sociedade das Nações a assinatura da primeira Declaração
Universal de Direitos da Criança, a Declaração de Genebra (1924)
(CAMPOS,1999; VIDAL,1998).
Ainda, em âmbito internacional, vemos a criação em 1912 do Instituto
Jean Jacques Rousseau, um dos principais centros propagadores das idéias
da Escola Nova da Europa do início do século XX. Seu fundador foi o psicólogo
genebrino Edouard Claparède. Esse instituto de ciências da educação realizou
pesquisas nas áreas da Psicologia e da Pedagogia, bem como se destinou à
formação de educadores visando tornar-se um centro de informação e
propaganda a favor da reforma escolar e dos direitos da criança. A ênfase do
instituto estava no ensino de métodos científicos, com vistas ao progresso da
psicologia da educação e da didática. (VIDAL,1998).
Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939) essa proposta teve
que ser revista: mesmo admitindo a influência da educação na preservação da
paz e da formação humana, os renovadores consideraram que tal resultado
não poderia advir de um livre desenvolvimento da criança por si ou de uma
concepção autônoma de educação em relação aos sistemas políticos. Segundo
Lourenço Filho (2002), as conquistas do conhecimento são de extremo
interesse, especialmente em termos técnicos, mas a pacificação entre os povos
se lograria quando as nações se modelassem por uma filosofia política que
sustentasse essa idéia e quando as tensões de ordem social e econômica não
assumissem maior importância.
A primeira fase de renovação escolar que propunha a Escola Nova,
caracterizou-se, como vimos, pela aplicação, à Educação, de novos
conhecimentos da Biologia e da Psicologia relativos ao crescimento da criança,
34
aos estágios de maturação, às capacidades de aprender e às diferenças
individuais. na segunda fase dessa renovação, foram acrescidos os
Estudos Sociais, pois à medida que os conhecimentos psicológicos e
biológicos se aperfeiçoavam, notava-se que a formação humana o podia ser
vista independente de influências da organização social (LOURENÇO
FILHO,2002).
Assim, a Biologia, as Ciências Sociais e a Psicologia são confirmadas
pelo autor como as ciências- base do escolanovismo. Lourenço Filho (2002)
tratou de cada uma delas em separado, apresentando suas contribuições para
a renovação educacional.
Particularmente, os estudos de Biologia forneceram os primeiros passos
para um conhecimento objetivo da criança. Os dados levantados pelas
pesquisas nessa disciplina levaram a uma noção clara sobre a interação entre
organismo e meio, elucidando os processos de adaptação que direta ou
indiretamente refletiram na ação educativa. Esses estudos centraram-se em
fatores como: a) crescimento - fatos relacionados a variações de massa e
volume, que poderiam ser medidos e verificados, sem maiores dificuldades;
35
As aplicações desses conhecimentos à Pedagogia propiciaram o
entendimento da criança como um ser em crescimento e, desse modo, o
questionamento das práticas tradicionais. Estes buscavam o não-prejuízo do
desenvolvimento infantil pelo efeito do trabalho escolar considerando a
importância da primeira idade para o processo evolutivo, o que viria a
congregar esforços da instituição escolar e reforçar a ação da família sobre a
criança. Era preciso, portanto, dar um novo direcionamento às técnicas
pedagógicas, ou seja, efetuar uma adaptação dessas técnicas às modernas
orientações. (LOURENÇO FILHO,2002)
A concepção do processo educativo também se alterou com os
conhecimentos oriundos da Biologia por esta legitimar o modelo evolutivo na
compreensão da natureza humana, por meio do qual os fatos do
desenvolvimento não poderiam deixar de ser considerados. A compreensão
desse desenvolvimento era a de uma sucessão de fatos que se ligam uns aos
outros, como momentos sucessivos de um mesmo processo. A Biologia é
colocada em relevo como unidade do processo evolutivo, em razão do qual não
o corpo está envolvido, mas todas as capacidades funcionais (as da vida
vegetativa e as da vida de relação), levando a uma concepção unitária do
homem que orientaria outros estudos, especialmente os da Psicologia,
fundamentais também para o entendimento do processo educativo
(LOURENÇO FILHO,2002).
Com relação às Ciências Sociais, o autor considerava que estudar a vida
social se fazia muito importante no campo educacional, pois o processo
educacional era visto como de natureza social. Dessa forma, não caberia
apenas estudar os homens em particular, já que a personalidade não se
desenvolve fora das possibilidades de cada individuo, segundo seu legado
biológico.
A vida individual é necessariamente limitada no tempo, ao
passo que os grupos tendem a permanecer e a durar na
sucessão das gerações. E é essa a razão pela qual, em toda a
extensão, o processo educacional tem de ser visto como de
natureza social (LOURENÇO FILHO,1978, 119).
36
As variações que ocorrem no comportamento ocasionadas por fatores da
vida coletiva levaram à criação de um ramo específico para o estudo destes: a
Psicologia Social, a quem interessava não apenas o estudo das formas e
variações de cada individuo, mas também as formas e variações dos
comportamentos dos conjuntos de pessoas que exercem influência no
indivíduo.
Alguns aspectos dos estudos sociais foram importantes para a construção
de uma sociologia da educação, cujos trabalhos influenciaram a renovação
educacional. Um desses aspectos foi o estudo sobre a dinâmica social, pois, na
concepção do autor, a existência coletiva resulta da interação entre indivíduos,
grupos e instituições que se caracteriza por ação e movimento, equilíbrio e
desequilíbrio, fluidez constante. Para entender essa dinâmica é preciso
reconhecer a cultura que permeia o processo educacional. “A cultura é
entendida como a soma total das criações humanas, ou resultado organizado
da experiência de um grupo qualquer, num dado momento ou momentos
sucessivos” (LOURENÇO FILHO, 2002, P.198).
A compreensão do processo de assimilação cultural faz-se necessária
para o entendimento dos fatos educacionais, uma vez que resulta da influência
homogeneizadora do ambiente social. Consiste esta na adoção, por parte do
individuo, de atitudes e idéias, modos de fazer, sentir e pensar, evocadas por
símbolos comuns. Sobre essa assimilação cultural existe uma ação educativa
intencional, de objetivos mais definidos, que busca fundamentação na
experiência, organiza-se em sistemas, gradua seus métodos e controla seus
resultados. (LOURENÇO FILHO,2002)
As construções de Lourenço Filho sobre os estudos sociais são
fortemente marcadas pelo pensamento sociológico de Emile Durkheim, cuja
obra Educação e Sociologia (1928) - um dos cinco livros mais difundidos no
Brasil pela Bibliotheca de Educação foi traduzida pelo educador brasileiro.
Durkheim elevou a Sociologia ao seu status cientifico, transpondo os métodos
das ciências naturais para o estudo dos fatos sociais, entendendo que as
ciências humanas são da mesma natureza das ciências físicas e biológicas.
Com essa visão das ciências sociais, instalou-se a versão positivista de ciência
37
no seio dos estudos do homem em suas relações com outros homens.
(PATTO,1984)
É importante salientar aqui que a importação dos conhecimentos
biológicos para o estudo das relações entre homem e sociedade mascarou a
existência das classes, da ideologia e do poder, excluindo metodologicamente
a dimensão histórica dos fatos sociais, na medida em que considera o meio
social como algo natural e ao qual o individuo deve ajustar-se em nome do seu
bom funcionamento (PATTO,1984).
Para Durkheim é a educação que exerce este papel:
A educaçao é a acção exercida pelas gerações adultas sobre
as que ainda se não encontram amadurecidas para a vida
social. Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança
um certo número de condições físicas, intelectuais e morais
que dela reclamam, seja a sociedade política no seu conjunto,
seja o meio especial a que ela se destina particularmente
(DURKHEIM, 1984,p.17)
Para o autor, cada sociedade tem para si um certo ideal de homem e
somente pode manter-se coesa se existir suficiente homogeneidade entre
seus membros. Pela via da educação perpetua-se e reforça-se esse ideal,
“fixando antecipadamente na alma da crianças as similitudes essenciais que a
vida coletiva exige”( DURKHEIM, 1984, P.16).
Segundo Cunha (1995), no pensamento escolanovista pesquisar a cultura
do educando era aspecto importante para o desempenho do trabalho docente,
tanto para incorporar o aluno ao dia-a-dia da escola quanto para colocá-lo a par
das propostas de mudanças culturais tidas como necessárias ao progresso do
país.
A Psicologia, por sua vez, forneceria subsídios para a modificação, a
alteração do comportamento do educando por meio do entendimento de seu
desenvolvimento psicológico, com base em um modelo explicativo genético-
funcional, Com tal intento, consideraria os estudos sobre as modificações que
ocorrem em cada faixa etária, bem como os estudos sobre motivação,
aprendizagem e personalidade.
38
Entre as contribuições da Psicologia para a renovação das escolas,
destaca-se: a) descrição das variações psicológicas de acordo com as idades.
Isso seria levado a efeito pelos estudos das faixas etárias e de medidas
objetivas que pudessem comprovar o que cada idade seria capaz ou o de
realizar (os estudos psicológicos possibilitaram ao professor o conhecimento
das fases evolutivas e com isso adequar o ensino às capacidades e à natureza
do educando, diminuindo assim o risco de trabalhar na contramão dessas
fases); b) caracterização objetiva das semelhanças humanas e das diferenças
individuais: o conhecimento das variações psicológicas de cada idade fornecia
a idéia de que entre os indivíduos da mesma idade haveria semelhanças em
aspectos de expressão geral, mas seriam diferentes em suas particularidades
ou características especiais (testes eram aplicados para comprovar essa idéia
e foram amplamente utilizados na educação) ; c) criação de um modelo
genético funcional: fornecia um referencial de análise do comportamento dos
educandos que considerava fatores hereditários para explicação da
constituição física e do temperamento, a interação do organismo com seu
ambiente e ajustamento, ou seja como o organismo funciona em relação.
Esses conhecimentos ajudariam os educadores a organizar as classes
de acordo com as capacidades das crianças para a aprendizagem e com seu
nível mental. Auxiliariam também na elaboração de métodos de ensino
adequados aos processos de desenvolvimento mental das crianças (CAMPOS,
R.H; ASSIS,R.M; LOURENÇO,E, 2002).
Mesmo com a grande importância atribuída à Psicologia para a renovação
do campo educacional, Lourenço Filho (1978,p.119) afirma que a educação
não pode ser apenas fundada nessa disciplina: A Psicologia por si não
resolve nenhuma questão de educação, embora se deva compreender que,
sem os dados que ela fornece, nenhum problema de técnica educativa chega a
ser encaminhado ou, ao menos, a ser bem proposto.”
Por sua vez Cunha apresenta a importância da Psicologia para os
escolanovistas, mas assinala que esta não pode ser vista sem as demais
ciências da educação:
39
A Psicologia, embora uma das ciências básicas da Escola
Nova, não se encontra sozinha neste patamar; ela não
constitui, isoladamente das ciências sociais, o cerne do
pensamento escolanovista. A Psicologia fornece os meios
necessários para que a escola renovada investigue melhor as
características infantis e seja um local capaz de realizar
plenamente os atributos de cada individuo. Mas a investigação
desses atributos e o respeito à personalidade e ao pleno
desenvolvimento da criança não são tidos como fins em si, mas
sim como um instrumento para a construção de um projeto de
sociedade (CUNHA,1995, P. 41)
Os conhecimentos oriundos da ciência psicológica são assumidos pela
educação como elementos importantes na constituição desse campo. Haja
vista, por exemplo, que esses saberes, principalmente os focados na criança,
são em grande escala incorporados aos cursos de formação de professores,
visando instrumentalizar esses profissionais para a nova educação dentro do
projeto de nação que o Brasil buscava construir nos anos 1920. Ao mesmo
tempo, constata-se que o campo educacional forneceu elementos
fundamentais para a Psicologia constituir–se como campo científico
reconhecido no País.
Lourenço Filho, como um dos artífices da construção desse campo
científico, escreveu sobre a constituição da Psicologia no Brasil em texto
organizado por Fernando de Azevedo na década de 1950
8
, apresentando os
esforços e caminhos percorridos para a consolidação dessa ciência em nosso
País.
Lourenço Filho (1955) destaca cinco categorias de profissionais que
contribuíram para o avanço da psicologia cientifica no Brasil: os trabalhadores
da medicina, os educadores, os engenheiros e administradores, os sacerdotes
e lideres católicos e os especialistas estrangeiros.
No tocante à difusão e produção dos conhecimentos psicológicos no País,
o autor em questão destaca ter havido, num primeiro momento, uma fase
“heróica”, em que apareceram os autodidatas sobre o assunto, pois não
existiam universidades que fornecessem essa formação. Os conhecimentos da
psicologia objetiva, antes mesmo de chegarem aos bancos universitários,
8
LOURENÇO,F.M.B. A psicologia no Brasil. In: AZEVEDO,F org. As ciências no Brasil. Ed.
UFRJ, 1994. p.303-341. 1ºed:1955
40
serviam a educadores e administradores que queriam a renovação escolar e a
racionalização do trabalho. Esses conhecimentos vieram de brasileiros que
estudaram fora, de especialistas estrangeiros que ministravam cursos aqui ou
de obras traduzidas (LOURENÇO FILHO,1955).
Destaca que os trabalhadores da medicina foram os profissionais que
primeiramente discutiram aspectos da psicologia em seus estudos, dando
especial atenção a temas como: neuropsiquiatria, psicofisiologia, neurologia,
psiquiatria forense, higiene mental e aspectos de psicologia social e
pedagógica.
Na área educacional, data de 1890 o primeiro laboratório de Psicologia
Pedagógica em São Paulo. Em 1914, a Psicologia Pedagógica já era um
movimento reconhecido nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nessa
época destaca-se a vinda, para São Paulo, de Ugo Pizzoli, professor da
Universidade de Modena, contratado para organizar e dirigir o Laboratório de
Psicologia Experimental/ Pedagogia Experimental, na Escola Normal de São
Paulo. Ugo Pizzoli publicou uma coletânea de monografias com trabalhos
experimentais sobre os temas: raciocínio infantil, grafismo, memória, cinética,
tipos intelectuais e associações de idéias (LOURENÇO FILHO,1955;
ANTUNES,2005; MONARCHA,2001)
Outro grupo que prestou à psicologia cientifica intensa colaboração,
segundo Lourenço Filho (1955), foram os engenheiros. Os primeiros estudos
dessa área são devidos ao engenheiro Roberto Mange, professor da Escola
Politécnica de São Paulo. Mange participou da organização e difusão da
psicotécnica, uma psicologia voltada ao trabalho, destinada a empresários e
intelectuais. De acordo com Monarcha (2001), a psicotécnica seria uma
psicologia que poderia ser aplicada tanto à educação quanto ao trabalho e
serviria aos propósitos de organização da sociedade, pois as cidades estavam
mudando rapidamente em razão das novas circunstâncias da industrialização.
Daí que caberia a aplicação da psicotécnica sobre o portfólio da eficiência nas
organizações.
41
Os esforços tanto de Lourenço Filho quanto de Roberto Mange, com
outros engenheiros e educadores, contribuíram para a difusão da psicotécnica
em diferentes meios institucionais, culminando com a fundação do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT/1931). Nos estudos de
administração, pelo esforço dos engenheiros vê-se a criação, em 1947, do
Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP); da Fundação Getulio
Vargas e do Setor de Psicologia Aplicada, no Instituto de Administração,
mantido pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da
Universidade de São Paulo.
No caso dos sacerdotes, Lourenço Filho destaca a contribuição destes
para a constituição da Psicologia em nosso País, devendo-se a eles os
primeiros trabalhos nessa área, além da primazia nas discussões da filosofia
social, embora apresentassem reservas em relação ao método experimental.
Cabe assinalar que, depois de 1941, ano da legislação jesuítica de ensino, o
ensino de psicologia experimental passou a ser obrigatório no curso de
Filosofia. As Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Janeiro e São
Paulo, por sua vez, instalaram institutos de Psicologia (LOURENÇO
FILHO,1955).
Dentre os diferentes especialistas estrangeiros que colaboraram para o
desenvolvimento da psicologia cientifica no Brasil, destacam-se: Henri Piéron,
que veio ao Brasil para realizar palestras e aulas práticas de técnica
psicológica e Leon Walther, que aqui aportou em 1929 para realizar uma rie
de conferências sobre administração cientifica do trabalho (MONARCHA,2001;
LOURENÇO FILHO,1955).
Quanto ao ensino de Psicologia, até 1930 desenvolvia-se somente nos
cursos normais e somente em 1934 passou a ser ministrado nos cursos
superiores. A Universidade de o Paulo foi a primeira a ofertar a disciplina de
Psicologia dentro do curso de Filosofia. No curso de Pedagogia, existia a
cadeira de Psicologia Educacional, em que os estudos eram mais práticos e
objetivos, pois serviam a formação de técnicos e psicologistas escolares. Os
cursos de administração, jornalismo, educação física, sociologia e política,
42
direito e medicina também possuíam disciplinas de Psicologia focadas em seu
campo de saber.
Ao longo deste capitulo mostramos como a Psicologia contribuiu para a
constituição do campo educacional brasileiro como uma das ciências que
balizou a formação de professores e as discussões educacionais, a partir do
inicio do século XX, ao mesmo tempo em que, nesse período, o campo
educacional forneceu elementos fundamentais para a Psicologia, que serviram
de base a sua constituição como campo científico reconhecido no País.
Lourenço Filho foi um influente intelectual dentro do campo educacional, e
o principal intérprete e produtor dos conhecimentos psicológicos no século XX.
O próximo capitulo irá explorar os nculos entre a biografia pessoal de
Lourenço Filho e a sua produção intelectual no período histórico em que viveu.
43
CAPÍTULO 2- LOURENÇO FILHO: UM PIONEIRO DA
RELAÇÃO ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO NO
BRASIL
“Era assim a primeira escola que freqüentei, por alguns
meses, penosa e dura (...) Na escola do professor Ernesto
Moreira, o primeiro professor formado que por ali aparecia,
pude, enfim, receber ensino sem castigos físicos.”( Lourenço
Filho,1946)
“Penso que esta variação de processos e, sobretudo, a
ação deste último professor (Ernesto Moreira) muito influiu para
que se despertasse em mim, desde muito cedo, o interesse
pelo estudo pedagógico. Penso também, que a campanha que
tenho sustentado pela renovação de métodos tem
representado uma espécie de revide ao que, a mim e aos meus
colegas, nos fez sofrer o seu Mestre Ferraz”.(LOURENÇO
FILHO, 1946)
9
Lourenço Filho foi um dos mais eminentes educadores brasileiros do
século XX. Atuou nas diversas instâncias do campo educacional em especial
nas que se dedicavam à produção e à propagação dos conhecimentos da
ciência psicológica aplicada à educação. Era constante sua preocupação em
minimizar os problemas pedagógicos e ampliar a formação de professores,
discutindo assuntos em sintonia com o que acontecia mundialmente na época
em que viveu.
Autores como Miceli(1979) e Monarcha (1995;1999;2001) têm destacado
a importância de Lourenço Filho para a constituição do campo educacional
brasileiro. Durante muitas décadas, no transcorrer de vários governos,
assumindo posições de destaque administrativo e docente, sua participação
deu-se em diversos setores e abrangências: nas reformas que realizou na
9
Ruy Lourenço Filho. Depoimento : Lourenço Filho, Meu Pai. IN:PILETTI,N (org). Educação
Brasileira:a atualidade de Lourenço Filho. São Paulo: FEUSP,1999.
44
educação nos Estados do Ceará (1922) e São Paulo (1930); na docência em
cursos de formação de professores que foram referência no Brasil, como os da
Escola Normal de o Paulo e de Piracicaba; na publicação de diversos livros
inclusive infantis; além de ser prefaciador e tradutor de obras amplamente
utilizadas na formação de professores. Também assumiu diferentes posições
administrativas como as de: Diretor Geral de Instrução Pública do Ceará e de
São Paulo; do Instituto de Educação do Distrito Federal (1932); dos Arquivos
do Instituto de Educação, também do Distrito Federal (1933); presidente da
Associação Brasileira de Educação- Nacional (1934); diretor e organizador do
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938).
Um dos focos centrais dessas diversas atuações foi a organização e a
difusão de conhecimentos psicológicos no campo educacional, em atividades
tais como : o ensino de Psicologia em diferentes cursos de formação de
professores; a construção de instrumentos psicológicos de avaliação; a
tradução e a elaboração do prefácio de livros estrangeiros de autores
renomados publicados no Brasil. (OLIVEIRA,1999)
Entre as inúmeras informações que se tem sobre a história pessoal e
profissional de Lourenço Filho, daremos especial ênfase, neste capítulo, a suas
produções dentro da psicologia experimental aplicada à educação, com a
preocupação de situá-las no contexto histórico em que foram geradas.
1.Formação Profissional
Lourenço Filho nasceu em Porto Ferreira, interior do Estado de São Paulo
no ano de 1897. Sua mãe teve sete filhos e seu pai era comerciante na
pequena cidade. O comércio familiar tinha como característica a diversificação
e o trabalho com bens culturais, basicamente venda de livros e materiais para
fotografia. A família possuía também uma tipografia, um jornal semanal
intitulado “A Folha” e um cinema.
45
Na história de vida de Lourenço Filho as conquistas no campo
educacional foram decorrentes de sua formação educacional no ensino público,
aliada ao seu autodidatismo. Distingue-se de outros intelectuais da época que,
por herança familiar, assumiram posições de destaque no campo educacional.
Este o é o seu caso, sua origem humilde exigiu esforço pessoal. Contudo,
contou com a sorte de encontrar apoio na família que valorizava a cultura em
suas mais diversas expressões.
As discussões realizadas no primeiro capítulo sobre a importância dos
intelectuais na constituição do campo educacional brasileiro servem de base
para compreendermos a trajetória profissional desse educador, mas as
complementaremos com as informações de Miceli:
A trajetória profissional de Lourenço Filho é o exemplo cabal de
um agente especializado que deve quase tudo à escola e que
por isso mesmo tende a concentrar seus investimentos na
aquisição de títulos escolares. O trabalho que desenvolve e a
carreira a qual se devota resultam da coincidência entre a boa
vontade cultural que permeia suas disposições e os interesses
do poder público em contar com um corpo de especialistas
voltado para a gestão do sistema de ensino
(MICELI,1979,P.171).
Também retomaremos as posições de Bourdieu para entendermos o
papel dos agentes sociais de um determinado um campo. Diz Bourdieu:
Os agentes sociais estão inseridos na estrutura e em posições
que dependem do seu capital e desenvolvem estratégias que
dependem, elas próprias, em grande parte, dessas posições,
nos limites de suas disposições. Essas estratégias orientam-se
seja para a conservação da estrutura seja para a sua
transformação (BOURDIEU, 2004,p.29).
Lourenço Filho foi um intelectual que esteve voltado para a renovação e
mudanças no campo educacional. Bourdieu explica a oportunidade que alguns
agentes possuem em permanecer no campo e colocar suas idéias, ligando tais
fatos ao capital científico desse agente:
As oportunidades que um agente singular tem de submeter as
forças do campo aos seus desejos são proporcionais a sua
força sobre o campo, isto é, ao seu capital de crédito cientifico
ou, mais precisamente, a sua posição na estrutura da
distribuição deste capital (BOURDIEU, 2004,P.25)
46
Refazendo sucintamente a trajetória formativa e profissional de Lourenço
Filho, teremos que aos seis anos iniciou seus estudos primários na cidade natal
e os continuou na cidade vizinha de Santa Rita do Passa Quatro; em 1911
matriculou-se na Escola Normal Primária de Pirassununga onde teve como
grande mestre de francês e pedagogia Antonio de Almeida Júnior
10
. Após
formar-se, no ano de 1916 decidiu mudar-se para São Paulo, para cursar os
dois últimos anos na Escola Normal da Praça da República, recebendo novo
diploma de professor. Esta foi
a primeira escola-modelo de o Paulo cujo
objetivo era a formação de professores, tornando-se
uma referência em
educação no Estado e no Brasil
.
Ser diplomado pela Escola Normal da Praça significava a possibilidade do
futuro professor de desfrutar de prestigio intelectual e institucional, sendo o
diploma um titulo decisivo na carreira profissional e na ocupação de postos
importantes no aparelho escolar. Na época em que Lourenço Filho ingressou
nessa escola, estavam em plena efervescência as idéias de Oscar Thompson
(diretor); Clemente Quaglio (professor) e Ugo Pizzoli a quem já fizemos
referência no primeiro capítulo..
Oscar Thompson fazia parte de uma elite de intelectuais que vinha, desde
o final do século XIX, postulando a conversão das idéias e métodos da ciência
em princípios de organização de um sistema público de ensino. Thompson
imprime na educação o método analítico para o ensino da leitura
11
, que se
torna, gradativamente, o método para o ensino de todas as matérias e também
de organização dos programas escolares e base do ensino racional (WARDE
2000, MONARCHA,1999).
10 Antonio Ferreira de Almeida Júnior, um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, lecionou em diversos cursos de formação de professores e formou-se em
medicina (1921) pela Faculdade de São Paulo. Uniu os conhecimentos oriundos da medicina
aos da educação, trabalhando com temas como: biologia e higiene educacional.
11
Thompson assim descreve o método analítico no ensino da leitura: Se o método analítico
sob o ponto de vista geral e filosófico é método por excelência, por isso que parte da idéia geral
do conjunto para suas partes, do concreto para o abstrato, do todo- que impressiona
claramente a imaginação para o abstrato, do indivisível, que é monótono, árido,
insignificativo; não é de estranhar que ele tenha a sua primeira aplicação pedagógica no ensino
de leitura, a qual é inquestionavelmente uma operação essencialmente analítica do espírito
(Thompson,1910,p.9 apud Monarcha,1999,p.246).
O método analítico está ligado aos conhecimentos das ciências naturais transpostos à
educação, cujos princípios preconizavam que a marcha natural do desenvolvimento do
homem deve ser obedecida, ou seja, os programas de ensino devem seguir a natureza da
criança.
47
Clemente Quaglio, também professor da Escola Normal da Praça e
produtor de uma obra psicológica extensa e significativa, defendia a adoção de
métodos psicofísicos em ambiente de laboratório, como base da educação
cientifica em que acreditava. Para esse professor, a observação direta dos
alunos deveria ser realizada mediante exames somatológicos e psicológicos,
realizados com a experimentação instrumental. Acreditava ele que por
intermédio da aplicação de diferentes procedimentos analíticos (testes de
memória, inteligência; análise antropométrica: peso, altura, circunferência
torácica entre outros), se reconheceriam as características extrínsecas e as
qualidades intrínsecas dos alunos, pela decomposição das partes constituintes
de cada ser e reordenação artificial, comparando o individuo com o todo
(MONARCHA,1999).
Ugo Pizzoli instalou em 1914 o Gabinete de Psicologia e Antropologia
Pedagógica da Escola Normal da Praça. Os estudos ali realizados centravam-
se na observação positiva e na mensuração das conexões entre o mundo físico
e psíquico. Para tanto, eram utilizados procedimentos e técnicas da
antropologia física e dos testes mentais. Os dados levantados com esses
procedimentos levavam à identificação das disposições físicas, intelectuais,
morais e a conseqüente classificação hierárquica do tipo de aluno. Esse
gabinete, por estar locado em uma instituição de ensino renomada, gerou um
movimento expressivo em torno da pedagogia cientifica que vinha como
resposta às demandas sociais práticas que se fazia da ciência.
(MONARCHA,1999).
Entre as elaborações desse professor no Gabinete de Psicologia e
Antropologia Pedagógica da Escola Normal da Praça consta a Carteira
Biográfica Escolar, que era composta por registros de interrogatórios extensos
e exames precisos para a realização de um inventário completo e minucioso
dos alunos dos grupos escolares. Os alunos são convertidos em objetos
oferecidos à observação direta para o estudo das características físicas e
mentais. Institucionalizada em 1915, essa Carteira ficava sob custódia do
diretor do grupo escolar, devendo acompanhar o aluno durante toda sua
escolarização. No momento da diplomação desse aluno era remetida ao
governo.(MONARCHA,1999)
48
Cabe salientar, voltando a Lourenço Filho, embora tenha sido formado
sob as idéias dos professores supracitados, questionou as práticas psicofísicas
voltadas à classificação de escolares que tinham como fonte predominante os
pressupostos da escola de antropologia italiana de Cesare Lombroso, caso dos
dois últimos desses professores. Questionando o método analítico que
fragmentava a vida psíquica e não conseguia medir a capacidade geral do
sujeito, Lourenço e outros educadores da época demonstram com tais críticas
as disputas entre escolas psicológicas, em decorrência do choque causado
pelo modelo de ciência e pelas orientações teóricas. (MONARCHA,2001)
Segundo Monarcha (2001, p.13), Lourenço Filho defendia que: “a medida
psicológica devia ser efetuada rapidamente e em condições simples, por meio
de testes que permitissem a verificação do valor individual, para posterior
classificação dos escolares”. Assim, Lourenço empreende a reforma dos
laboratórios escolares, libertando a psicologia experimental dos moldes
restritos da psicofísica que exigia uma aparelhagem complexa para medir a
capacidade do sujeito.
Essas discussões entre diferentes visões psicológicas da educação
possibilitaram maior destaque ao movimento de organização cientifica e
institucionalização acadêmica da Psicologia, que ocorreu entre os anos 1920-
1930 no Brasil, gerando maior densidade teórica e expressão pública.
(MONARCHA, 2001)
Em São Paulo, foi Sampaio Doria quem o influenciou mais
profundamente em relação à visão de ciência psicológica que irá alicerçar toda
sua produção.
Através deste mestre Lourenço iniciou suas leituras teóricas
mais complexas e familiarizou-se com as novas tendências da
pedagogia e da psicologia, tendo por vetor científico o
pragmatismo de William James e as primeiras psicologias
educacionais, quer as funcionalistas, como a de Ed. Claparède,
quer as de base experimental, tais como:o behaviorismo de J.
B. Watson,o conexionismo de E. L. Thorndike e R. S.
Woodworth, com as quais dialogou até compor o seu próprio
modelo (WARDE, 2003, P.146-147).
49
Em 1918, ingressa na Faculdade de Medicina de São Paulo
interrompendo o curso no mesmo ano. Lourenço Filho declara que o fato de
haver realizado os primeiros anos do curso de medicina talvez houvesse
influído não no seu interesse pelos livros de Psicologia Educacional
(redobrado pelas exigências da docência), mas também na realização de
diversas experiências no emprego dos testes. (LOURENÇO FILHO,1955;
NUNES,C;1998)
A década de 1920, época em que Lourenço Filho conclui seu curso e
começa a atuar como formador de professores, representou um momento de
reflexão em torno da cultura brasileira, pois a República, em seu terceiro
decênio, deixava a desejar nos planos político, social, econômico e
educacional. Mas não podemos deixar de destacar que essa foi a época em
que estava em plena agitação a geração de intelectuais nascida com a
República e vivenciava-se o drama da Primeira Guerra Mundial (VENÂNCIO
FILHO,1999).
2.Atuação de Lourenço Filho na Formação de Professores e
como psicólogo experimental
Lourenço Filho foi professor de Pedagogia e Psicologia na Escola Normal
de Piracicaba em 1920, onde iniciou sua carreira. Na mesma época também
lecionou em um colégio particular mantido por uma fundação norte-americana,
tomando contato com livros de psicologia educacional procedentes dos
Estados Unidos. Passa a realizar uma série de pesquisas com o emprego de
testes, cujos primeiros resultados publica, em 1921, na Revista de Educação
da Escola Normal de Piracicaba (SP), em artigo intitulado Estudo da atenção
escolar (Campos,R.H; Assis,R.M; Lourenço,E,2002).
Em 1922 foi nomeado Diretor de Instrução Pública do Ceará para
reorganizar o ensino daquele Estado. Foi justamente essa incumbência que o
levou a percorrer os sertões a fim de instalar escolas e, conseqüentemente, a
examinar as condições da vida regional e da mentalidade do sertanejo. Isso lhe
forneceu material para escrever a obra Juazeiro do Padre Cícero (1926) que
50
lhe conferiu uma cadeira na Academia Paulista de Letras. No entanto, a fama
de suas obras como psicólogo escolar e sua presença marcante nas reformas
de instrução pública do primeiro quartel do século XX encobriram o sucesso de
sua obra de estréia nas letras brasileiras. (NUNES,1998)
Durante seu trabalho de reformar o ensino no Ceará, prossegue em
Fortaleza os estudos que vinha realizando sobre psicologia experimental,
montando um pequeno laboratório na Escola Normal dessa capital para o
estudo biológico e psicológico dos escolares.
Volta a São Paulo, em 1925, para assumir a cátedra de Psicologia e
Pedagogia ocupada até então por Sampaio Dória na Escola Normal da Praça.
Mesmo na regência das aulas, Lourenço Filho reativou o Laboratório de
Psicologia Experimental dessa escola, que fora abandonado no decênio
anterior. Sob sua supervisão utilizam-se ali testes de desenvolvimento mental;
realizam-se inquéritos sobre jogos, influência de leituras e do cinema;
pesquisas sobre aprendizagem e, seguindo o trabalho realizado em
Piracicaba sobre testes, investiga-se mais profundamente a maturidade
necessária à aprendizagem da leitura e da escrita que irá culminar na
publicação dos Testes ABC (LOURENÇO FILHO,1994).
A reativação do Laboratório de Psicologia Experimental vinha dar ênfase
aos testes coletivos e o mais à utilização de aparelhagem complexa para o
conhecimento das características dos alunos. Os testes, agora mais práticos e
econômicos, instrumentavam professores à testagem psicológica de seus
alunos, facultando-lhes a prática da psicometria. (CENTOFANTI,2006)
Lourenço Filho organizou e implementou, a partir de 1927, a coleção
pedagógica Bibliotheca de Educação, que publicou títulos estrangeiros
traduzidos e originais de autores nacionais que explicitavam as idéias
ascendentes da Escola Nova, sendo considerada a primeira série de textos de
divulgação pedagógica no Brasil. Essa série traduz o esforço da educação em
tornar-se uma atividade social especializada sob o amparo da ciência e em
apresentar os conhecimentos mais inovadores da época em matéria de
51
educação acessíveis ao público leitor interessado e, ao mesmo tempo, recrutar
um público leitor mais amplo (MONARCHA,1997).
Nessa coleção encontram-se publicadas duas obras fundamentais do
pensamento de Lourenço Filho que exerceram influência duradoura sobre
diferentes gerações de aluno e professores: Introdução ao Estudo da Escola
Nova (1930) e os Testes ABC (1933). Na Bibliotheca de Educação
12
, Lourenço
foi autor de três livros, tradutor de quatro e prefaciador de vinte e sete.
A vasta produção intelectual de Lourenço Filho pode ser notada na sua
produção entre os anos 1920-1930 e também depois dessa década. Entre
1920-1930, ele havia escrito sobre temas de psicologia, alfabetização,
formação de professores. Entre as obras de referência, no período, insere-se o
livro Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) que traz idéias atualizadas
sobre o movimento da Escola Nova e sobre as ciências que o fundamentavam:
Biologia, Psicologia e Ciências Sociais. Esse livro, assim como outros de
Lourenço Filho, serviram à formação de professores e como referência do
movimento de renovação educacional que se buscava no Brasil, naquele
momento.
A Cartilha do Povo (1928), a primeira entre as obras didáticas de
Lourenço Filho, ensinava a ler rapidamente, visando ampliar a educação
popular de crianças e adultos, como seu nome muito bem indicava. Decorridos
30 anos dessa publicação, o autor publica a cartilha Upa,cavalinho! destinada
ao ensino da leitura e da escrita de crianças das escolas brasileiras na fase
inicial de alfabetização. Essa publicação veio encerrar a Série de Leitura
Graduada Pedrinho, que era composta de seis títulos, cinco livros de leitura e
uma cartilha.
Ambas as produções acima citadas sintetizam “grande parte dos anseios
e esforços de uma época em relação à aprendizagem da leitura e da escrita, ao
mesmo tempo em que são representativas da produção didática de seu autor,
visando contemplar esses anseios” (BERTOLETTI,1997, P.116).
12
Para informação detalhada dos tradutores, prefaciadores e do número de edições de cada
uma das obras da “Bibliotheca de Educação” ver Monarcha (1997).
52
Ainda em torno do eixo de discussão do ensino da leitura e da escrita e
concretizando os estudos de Lourenço Filho sobre testagem psicológica, no
ano de 1934, foi lançado o livro Testes ABC, trabalho constante, em 1933,
como vimos, na coleção Bibliotheca da Educação - para verificação da
maturidade necessária ao aprendizado da leitura e da escrita. Obra de grande
notoriedade e ampla utilização, tanto no Brasil quanto em outros países,
pretendia oferecer condições de classificar as aptidões necessárias à aquisição
da leitura e da escrita, articulando as idéias de diferença individual e
rendimento, bem como orientar a organização das classes escolares.
Antes da utilização dos testes ABC, as escolas brasileiras lidavam com as
diferenças de aprendizagem das crianças separando-as por idade, depois por
critério de desempenho, ou seja, classes de aprendizagem lenta eram
organizadas para as crianças com dificuldades em acompanhar o primeiro ano
do programa de estudos. Esses procedimentos, no entanto, não permitiam que
a caracterização dos problemas de aprendizagem das crianças fosse realizada
antes do inicio do processo de instrução. tais testes buscavam diagnosticar
e prever os problemas de aprendizagem antes que o fracasso escolar se
desencadeasse. (CAMPOS,R.H; ASSIS,R.M; LOURENÇO,E, 2002).
Cabe destacar que os Testes ABC, mesmo antes de sua publicação,
serviram de base teórica para a Cartilha do Povo, pois as pesquisas para
formulação daqueles vinham ocorrendo antes da primeira edição da cartilha.
Lourenço Filho não foi o primeiro nem o único a apresentar os testes como
instrumento de trabalho do educador, mas consagrou a sua utilização por
realizar nos grupos escolares da capital de São Paulo a maior organização
psicológica de classes até então tentada na América Latina. Em 1931,
enquanto era diretor da Instrução Pública de São Paulo, Lourenço Filho atribuiu
ao Serviço de Psicologia Aplicada a tarefa de aplicar os testes ABC a 15.605
estudantes de 54 escolas blicas. Os resultados foram usados como base
para a organização de 453 classes seletivas e para a padronização do teste.
(NUNES,1998)
Tanto nas cartilhas de autoria de Lourenço Filho quanto nos Testes ABC
está explícito o seu projeto de alfabetização, em que ocupam lugar de
53
destaque a questão da maturidade da criança para o ensino da leitura e da
escrita e a utilização dos conhecimentos psicológicos como base teórica.
3. Cientificidade da Psicologia
Para entendermos a Psicologia e seus constructos na área educacional,
em especial os ligados à prática da testagem, precisamos nos reportar a sua
construção como campo cientifico que se constituiu sob diferentes exigências
históricas. Influenciada por temas da filosofia clássica e pelos todos das
ciências naturais, a ciência psicológica emerge de diversas fontes filosóficas,
epistemológicas e desdobra-se em métodos, perspectivas, teorias e sistemas
psicológicos (SASS,1992).
O desenvolvimento da Psicologia de caráter objetivo -se na segunda
metade do século XIX, na Europa, e vem suprir as demandas das sociedades
industriais capitalistas de selecionar, orientar, adaptar e racionalizar a
produtividade visando, em última instância, a um aumento desta. Constata-se
que as tendências experimentalistas e psicometristas, não se opõem aos
ditames das sociedades urbano-industriais capitalistas da época, mas que, ao
contrário, as sacramentam cientificamente (CUNHA,1995; PATT0,1984), ao
mesmo tempo em que esse contexto histórico contribuiu para a consolidação
da Psicologia como campo científico.
Dessa forma, a Psicologia apresentava-se como possibilidade de suprir a
demanda por conceitos e instrumentos científicos de medidas que garantissem
a adaptação do individuo à nova ordem social. A grande difusão do uso de
medidas psicológicas em âmbito internacional teve como ponto de partida a
necessidade de seleção de indivíduos para ocupação de postos adequados a
suas capacidades na Primeira Guerra Mundial.(PATTO,1984)
Com relação à educação, o uso da testagem psicológica em termos
nacionais, tem como exemplo os Testes ABC de Lourenço Filho. Estes testes
visavam à classificação dos alunos que ingressavam na escola ou eram
repetentes quanto a sua maturidade para a aprendizagem da leitura e escrita
propiciando, um perfl individual e um perfil da classe. Dessa forma, permitia a
homogeneização das classes quanto ao nível de maturidade dos estudantes,
54
separando-os em classes seletivas para a alfabetização, a fim de que fossem
melhor trabalhadas as diferenças individuais e se alcançasse maior eficácia
nos resultados escolares.
Cabe afirmar que, para Lourenço Filho, os Testes ABC não tinham o
intuito de classificar para impedir o ingresso das crianças na escola ou excluí-
las, mas, sim, de propiciar à educação um instrumento de medida da
maturidade das crianças para aprendizagem da leitura e escrita que fosse
capaz de selecionar/diagnosticar na própria instituição os alunos mais ou
menos maduros para a alfabetização.
Segundo Lourenço Filho (1969), os Testes ABC indicavam a
probabilidade das crianças aprenderem a ler e escrever, mais ou menos
rapidamente, aumentando a eficiência no ensino e a possibilidade de organizá-
lo pela construção de classes homogêneas, de forma a contemplar as
diferenças individuais de aprendizagem.
Para ele, o recurso da testagem psicológica tornava a educação uma
prática cientifica, isto é, previsível e livre das flutuações de personalidade. A
criança, antes um “enigma” a ser resolvido “pelo critério de cada mestre ou de
cada pai, por avaliação inteiramente subjetiva”, começa a ser desvelada “de
modo muito mais preciso e impessoal” (LOURENÇO FILHO, 1931, p.254 apud
CUNHA, 1995, p.85).
A defesa de uma pedagogia cientifica foi uma das características do
movimento educacional da década de 1930. No campo político, foi um período
de definições em torno do encaminhamento do desenvolvimento capitalista no
país, cujo marco era a acentuada tendência à industrialização.Essa nova
ordem fez-se acompanhar de preocupações com o desenvolvimento
econômico, de reorientações na política comercial e da disseminação de uma
ideologia democrática, ao mesmo tempo em que era efetivada a passagem
gradual de uma sociedade agrária oligárquica para uma sociedade urbano-
industrial. Ainda, essa década protagonizou movimentos políticos tais como a
Revolução de outubro de 1930, a Revolução Constitucionalista de 32 e o
Estado Novo, em 1937. (PATTO,1984)
55
Os conhecimentos da psicologia objetiva no Brasil foram amplamente
utilizados a partir do momento em que se necessitava de uma educação de
massas e que o trabalho especializado passava a ser utilizado na indústria
ascendente. A Psicologia responde à necessidade da utilização de conceitos e
instrumentos científicos de medida que garantissem a adaptação dos
indivíduos a essa nova ordem capitalista de organização do trabalho, o que se
manifesta tanto na indústria quanto na escola (PATTO,1984).
Foi também a partir de 1930 que diversos educadores brasileiros
passaram a fazer cursos de especialização em universidades norte-
americanas. Lourenço Filho foi um desses intelectuais que, entre o final de
1934 e o inicio de 1935, visitou os Estados Unidos
13
.
A universidade americana que se formava no final do século XIX e inicio
do século XX serviu de referência aos conhecimentos da nova ciência que
emergia naquele momento, a organização desta universidade acompanhava a
separação entre o Estado e a Igreja, a transformação de uma estrutura social
agrária e rural em uma estrutura urbana e industrial, a ascensão do
nacionalismo e a emergência da ciência em contraponto aos dogmas
religiosos. A secularização do ensino, também é ponto de extrema importância
na constituição de uma educação laica e a separação entre estado e igreja,
sendo as doações financeiras de industriais e homens de negócio para o
ensino superior grandes responsáveis pela independência cada vez maior das
determinações religiosas na administração de recursos, nos planos de estudo,
nos temas tratados e nos conteúdos de ensino. (SASS,1992)
O pragmatismo se situa nesse cenário como visão de mundo que,
fundada na gica do desenvolvimento do capitalismo, exige a expansão do
Estado, a reordenação da divisão social do trabalho e, conseqüentemente,
exige a diversificação profissional, a supremacia da cidade sobre o campo e da
indústria sobre a agricultura, bem como a superação de técnicas arcaicas a
substituição de técnicas arcaicas por técnicas modernas. Conforme indica
Sass (1992), essa visão denota a importância dos esforços para o
13
Sobre os relatórios que escreveu durante sua estada nos EUA para Anísio Teixeira, então
Diretor de Instrução Pública do Distrito Federal ler WARDE,M.J (2003).
56
estabelecimento de novos parâmetros de racionalidade fundados na ciência
que seria, por conseqüência, produzida no meio acadêmico. O pragmatismo
14
destaca-se como uma visão que alia a ciência à filosofia para combater
pensamentos que dificultam a nova ordem capitalista.
Os estudos de Lourenço Filho nos Estados Unidos e as discussões que
se faziam sobre educação naquele país não eram algo novo para ele, tendo em
vista que possuía leituras e muitas experiências práticas na educação de
diversos estados brasileiros. Suas leituras foram desenvolvendo-se apoiadas
em mestres como Sampaio Dória que legou a Lourenço Filho a leitura, por
exemplo, de William James, pensador norte-americano que muito Dória
havia se dedicado a estudar. Além dos ensinamentos passados por seus
mestres, Lourenço Filho teve acesso a diversas obras norte-americanas por
haver lecionado em uma escola particular mantida por uma fundação daquele
país. Lourenço Filho também possuía riquíssimas experiências de observações
do que se passava no cotidiano de escolas, nos padrões de formação e de
prática dos professores primários. Nesse sentido, não se revelou encantado
com as práticas que encontrou nos Estados Unidos, diferentemente de outros
educadores brasileiros. (WARDE,2003)
As leituras teóricas de Lourenço Filho e suas experiências práticas
propiciaram-lhe a familiaridade com as escolas norte-americanas que visitou.
Ter manejado tendências contemporâneas da psicologia e da
psicologia educacional, pelo crivo do pragmatismo de William
James e da experimentação, para compor suas próprias
ferramentas pedagógicas, facultou a Lourenço Filho um
enfrentamento dos modelos pedagógicos adotados pelas
escolas norte-americanas com a familiaridade com que um
peixe mergulha na água (WARDE,2003,P.148).
14
William James (1842-1910) foi um dos principais representantes da filosofia norte-americana
e um autor expressivo do Pragmatismo, sobre o qual proferiu uma série de conferências e
publicou ensaios. Segundo James (1989), o pragmatismo deveria ser entendido não apenas
como um método de determinação de significados, mas também como uma nova teoria de
verdade, segundo a qual deve-se ter a atitude de olhar para além das primeiras coisas, dos
princípios, das categorias, das supostas necessidades; e de procurar nas coisas últimas frutos,
conseqüências, fatos. O pragmatista agarra-se aos fatos e às coisas concretas, observa como
a verdade opera em casos particulares e generaliza, sendo que a verdade, para ele, torna-se
uma classificação para todos os tipos de valores definitivos de trabalho em experiência.
57
O conhecimento de Lourenço Filho sobre a educação americana vem
demonstrar que as discussões teóricas na educação brasileira da década de
1930 tinham como referência os debates educacionais presentes em nações
econômica e tecnologicamente mais avançadas, entre elas os Estados Unidos
que mantinham a hegemonia econômico-cultural mundial.
Quase ultrapassando a década de 1930, o advento do Estado Novo
(1937/1945) foi marco de outra etapa da história política brasileira. Entre os
objetivos explicitados por essa nova configuração jurídica e administrativa
(Estado Novo), estavam as perspectivas de ordenamento da educação; a
definição de competências entre as diferentes esferas do governo (Municípios,
Estados e União); a articulação entre os diferentes ramos de ensino e a
implantação de uma rede nacional de educação.
No ano de 1938 foi criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
INEP, vinculado ao Ministério da Educação para cuja direção foi nomeado
Lourenço Filho, que permaneceu no cargo até 1946. O INEP possuía uma
seção de orientação e seleção de profissionais, que se destinava à seleção do
pessoal para cargos públicos em todo o País, bem como uma seção de
psicologia aplicada para se efetuarem pesquisas de âmbito pedagógico. A ação
do INEP estendeu-se por meio de estágios e cursos de aperfeiçoamento para
professores de Psicologia e coordenadores de serviços educacionais.
Estabeleceram-se com isso serviços de Psicologia Aplicada e medidas
educacionais em diferentes estados e paises da América Latina.
Lourenço Filho foi também diretor do Departamento Nacional de
Educação entre os anos de 1947-1951, período em que presidiu a comissão
designada para preparar o projeto de Lei de Diretrizes e Bases, - transformado
posteriormente na Lei 4.024/61, primeira LDB DO Brasil - cujo relator foi o
professor Almeida Júnior. Segundo o senso de 1950, cerca de 52% da
população com mais de dez anos de idade era analfabeta no Brasil, o que
denota que os movimentos em prol da educação estavam longe de atingir seus
ideais e mais da metade da população ainda não havia sido absorvida pelo
ensino primário. Até o ano de 1961, existia uma grande indefinição da política
educacional. Para ilustrar tal fato, podemos mencionar que o primeiro projeto
58
de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional data de 1948, cuja
aprovação, com muitos conflitos, só ocorreu em 1961 (PATTO,1984).
Importa ainda destacar que a trajetória de Lourenço Filho como professor
de Psicologia iniciou-se nos anos de 1920 e se estendeu a1957, quando se
aposentou na cátedra de Psicologia Educacional, da Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil.
Neste capitulo discutimos a formação profissional de Lourenço Filho, suas
experiências como docente e em cargos administrativos dentro do campo
educacional durante 50 anos do século XX. Entre as inúmeras preocupações
desse autor ao longo de sua carreira, destacamos as ligadas à constituição de
uma psicologia cientifica em nosso País, desenvolvida através de suas
pesquisas nos laboratórios de psicologia, de sua produção intelectual e da
construção de instrumentos psicológicos de medida.
Utilizaremos a citação de Warde (2003) para finalizar este capitulo, pois
sintetiza primorosamente a trajetória de Lourenço Filho dentro do campo
educacional brasileiro.
Quer na formação como normalista, quer na docência primária
e normal, desde a segunda parte dos anos de 1910, Lourenço
Filho constituíra o seu arsenal intelectual em ambientes
escolares tangidos pelos vetores mais diversos. Na sua
formação, instrumentou-se para pensar e conduzir suas
práticas na direção da renovação; mas as escolas nas quais
Lourenço Filho trabalhou eram amálgamas de práticas antigas
e novas; de intervenções renovadoras e de resistências. O seu
arsenal pedagógico, portanto, não fora constituído desde fora
da escola, nem em idílicas condições. A perspectiva que
sedimentou sobre o que e como fazer para formar professores
habilitados para as lidas do ensino foi composta de uma parte
nodal de suas experiências docentes diretas; uma outra parte
foi fornecida pelos experimentos psicopedagógicos que
controlou, dos quais extraiu uma série de diagnósticos de
processos de ensino-aprendizagem tanto em ambientes de
práticas consagradas como em ambientes de práticas
renovadas.(WARDE,2003,P.142)
No próximo capítulo, dirigiremos o foco de análise para a educação em
Santa Catarina, Estado em que Lourenço Filho, como um intelectual do campo
educacional era também conhecido, seja como paraninfo de uma turma do
59
Instituto de Educação de Florianópolis, seja pela inclusão dos Testes ABC no
programa de ensino de Psicologia Educacional do ano de 1939. Daremos
ênfase à discussão dos programas da disciplina de Psicologia Educacional em
Santa Catarina relativos aos anos de 1937 e 1939, bem como comentaremos
os livros sugeridos para utilização no Curso Normal, sinalizando os esforços
para a incorporação dos conhecimentos científicos na formação de
professores.
60
CAPÍTULO 3- A DISCIPLINA DE PSICOLOGIA NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS DÉCADAS DE
1930 E 1940
Os professores e todas as pessoas que se ocupam de
educação, têm enorme interesse pela psicologia da criança, a
menos que não possuam vocação alguma. Se, habitualmente,
os mestres desprezam a psicologia e dão ombros a declaração
de ser seu estudo útil ao educador, é que pensam na antiga
psicologia, a única a eles ensinada, psicologia inteiramente
verbal, aprendida num manual de exame. E tem razão de não
querer tal psicologia! Porém, ponham-se em contato com a
psicologia biológica e experimental, façam-nos observar por
conta própria, chamem-nos a colaborar em algumas
investigações, cujos resultados fecundos possam ver
desdobrar-se paulatinamente a seus olhos, e os terão
convencido. (CLAPARÈDE,1959,P.166-167)
Conforme apresentamos no primeiro capítulo, diversas foram as
reformas empreendidas nos cursos de formação de professores de Santa
Catarina que tomaram como fundamento os conhecimentos científicos das
diferentes ciências. Como base dessas reformas, estavam as ciências Biologia,
Psicologia e Sociologia que, fundadas nos preceitos da E(i)1.87122(a)-4.31nt
61
produziam conhecimentos e instrumentos amplamente utilizáveis na educação.
Para Bourdieu, o universo supostamente puro da ciência é um campo social
como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e
estratégias seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes
revestem formas especificas”(BOURDIEU, 1983, p. 122).
É claro, então, que os conhecimentos psicológicos, como de regra,
necessitam de um lócus específico para serem produzidos, tais como escolas,
universidades e laboratórios.. Dirigindo o olhar para o Brasil dos anos 30,
veremos que os laboratórios de psicologia experimental aparecem como
instâncias encarregadas de assegurar a produção e circulação dos bens
científicos. No caso particular dos cursos de formação de professores, a
consagração da ciência psicológica que, ao discutir determinados autores e
conceitos, inculca sistematicamente habitus científicos ao conjunto de
destinatários legítimos da ação pedagógica. (BOURDIEU,1983)
As discussões deste capítulo nos darão elementos para entender a
Psicologia como campo cientifico que se legitima pela amplo ensino de suas
produções nos cursos de formação de professores.
O foco de análise dirigir-se-á à disciplina de Psicologia, para o que a
pesquisa de Silva (2003) nos servi de base. Com o objetivo de discutir as
concepções de criança e infância na formação dos professores catarinenses
nos anos 1930-1940, Silva disponibilizou e analisou o currículo do Instituto de
Educação de Florianópolis; os programas de ensino das disciplinas de
Psicologia Educacional e Pedagogia (1937 e1939) e as obras de referência
utilizadas nas disciplinas citadas. Nessa pesquisa a autora constatou que o
Instituto de Educação de Florianópolis estava sintonizado com as discussões
cientificas e políticas do campo educacional brasileiro daquele período.
Assinala também a incorporação das ciências-base do escolanovismo, a
Psicologia, a Biologia e a Sociologia no currículo dos cursos voltados à
formação de professores, com vistas a auxiliar a produção de novas
concepções sobre a criança como foco privilegiado para consolidação do
projeto de desenvolvimento social e econômico do país.
62
Neste capitulo iremos também destacar o momento em que a disciplina
de Psicologia passou a constar na grade de disciplinas dos cursos de formação
de professores em Santa Catarina e discutir os programas de ensino da
disciplina de Psicologia Educacional dos anos de 1937 e 1939 do Instituto de
Educação de Florianópolis, buscando estabelecer relações entre os conteúdos
ministrados, a Psicologia como campo científico e sua participação na
constituição do campo educacional brasileiro. Em outras palavras, faremos um
entrelaçamento entre os programas em análise, os princípios/concepções que
os fundamentam e a Psicologia como campo cientifico em construção
buscando localizar Santa Catarina nesse cenário e, mais especificamente, o
Instituto de Educação de Florianópolis. Além dos programas de ensino - cujas
grades aqui exporemos - utilizaremos para nossa discussão uma circular de
1935,
15
enviada pela Secretaria de Interior e Justiça às escolas,
recomendando-lhes a compra de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira,
organizada por Fernando de Azevedo.
Em Santa Catarina, a disciplina de Psicologia foi inserida nos cursos de
formação de professores em 1911, com a Lei n.846 de 11/10/1910. Com base
em Daros (2005), elaboramos um quadro ilustrativo das diferentes
nomenclaturas que a disciplina de Psicologia assumiu desde sua primeira
inserção nos cursos de formação de professores até o inicio da cada de
1940.
15
Diz o Artigo 49 do Decreto de 1935: “a fim de despertar o interesse dos alunos pela boa
leitura e servir de complemento às atividades escolares, terão os Institutos de Educação, além
da biblioteca dos professores, uma biblioteca para os alunos.Estas bibliotecas serão
oportunamente instaladas convenientemente em todas as Escolas Normais Primárias e Grupos
Escolares, ampliando-se as existentes nos referidos estabelecimentos”. Apud Silva
2003,p.85
63
Quadro 1: Nomenclatura da disciplina de Psicologia nos cursos de formação de
professores em Santa Catarina, entre os anos de 1911 e 1939, considerando a
legislação que regulamentava tal formação.
Ano 1911 1919 1928 1935 1939
Leis que
regulamentaram
a formação de
professores em
Santa Catarina
Lei n.846
de
11/10/1910
Decreto
n.1205 de
19/02/1919
Decreto
n.2.218 de
24/10/1928
Decreto-Lei
n.713 de
05/01/1935
Decreto-Lei
n.306 de
02/03/1939
Nomenclatura
dos cursos de
formação de
professores em
Santa Catarina
Escola
Normal
Catarinense
Escola
Normal
Catarinense
Escola
Normal
Catarinense
Institutos de
Educação
( Escola
Normal
Superior
Vocacional)
Instituto de
Educação
Nomenclatura
da Disciplina de
Psicologia
Noções de
Psicologia e
Pedagogia
Psicologia,
Pedagogia
e Instrução
Cívica
Pedagogia,
Psicologia e
Educação
Moral e
Cívica
Psicologia
Geral e
Infantil
Psicologia
Aplicada à
Educação
Psicologia
Educacional,
Pedagogia
.
No quadro 1 podemos notar que a Psicologia esteve associada, num
primeiro momento, à disciplina de Pedagogia. Em 1919 foi acrescentado à
disciplina um terceiro elemento: Instrução Cívica, modificado em 1928 para
Educação Moral e Cívica. Somente nas reformas de 1935 e 1939 houve uma
especificidade na nomenclatura, passando a disciplina a denominar-se
Psicologia Geral e Infantil, Psicologia Aplicada à Educação ou Psicologia
Educacional, Pedagogia. Cabe destacar que essas últimas mudanças não
significaram somente uma diferença no nome da disciplina, mas uma
organização dos conteúdos com base nas discussões da época em relação à
pedagogia experimental e à contribuição da ciência psicológica ao campo
educacional brasileiro.
Uma das instâncias principais da formação de professores em Santa
Catarina e que passou por diversas reestruturações em seu interior foi o
Instituto de Educação de Florianópolis
16
. Foi, desde sua concepção, um modelo
16
O atual Instituto de Educação de Florianópolis foi criado em 1892, com o nome de Escola
Normal Catarinense.Com as modificações ocorridas em 1935 no que tange à formação de
64
para a formação de professores e um lugar privilegiado das discussões
educacionais no Estado. Para veicular suas idéias, concepções e como meio
de efetivar o intercâmbio dessas idéias entre os intelectuais catarinenses,
intelectuais de projeção nacional e mesmo internacional, o Curso Normal do
Instituto desenvolveu em 1940, um veículo impresso, a Revista Estudos
Educacionais. Fundada pelo seu diretor João Roberto Moreira, na época
também professor de Psicologia e Pedagogia, a revista ressaltava o seu
caráter científico contando com vários artigos que discutiam temas
relacionados à biologia, psicologia,pedagogia, sociologia, educação física,
matemática, história, geografia, artes, entre outros (SILVA,2003;NASCIMENTO
E DANIEL,2002).
Retomando
B
ourdieu, este assinala que quanto maior o capital que uma
instituição possui mais ela cria meios de administrá-lo para manter-se em uma
posição dominante dentro do campo. Com base no exposto, podemos afirmar
que o Instituto foi uma instituição cujas produções intelectuais contribuíram
para mantê-la em posição de destaque no campo educacional catarinense.
Exemplo da força do Instituto no campo educacional catarinense é o fato
de que, segundo Decreto-lei 713 do governador Nereu Ramos, as escolas de
formação de professores privadas do Estado deveriam ter seus programas de
ensino equiparados com os daquela instituição, a partir de 1935.
(NASCIMENTO, DANIEL 2002)
As reestruturações por que passou o Instituto Estadual estão, em alguma
medida, relacionadas às reformas que ocorreram nos cursos de formação de
professores catarinenses. Discutiremos neste capitulo as de 1937 e 1939.
1937 foi o ano em que efetivamente entrou em vigor a reforma de 1935 por
meio do Decreto Lei n.217 que criou a Escola Normal Superior Vocacional
17
. A
professores em Santa Catarina, essa escola passou a ser denominada Instituto de Educação
de Florianópolis.( Nascimento e Daniel, 2002).
17
Com a reforma de 1935, segundo Decreto 713, as Escolas Normais Catarinense passaram
a denominar-se Institutos de Educação e deveriam organizar-se de forma a conter estes
cursos:
Jardim de infância
Escola Isolada
Grupo Escolar
65
reforma de 1939 propôs uma nova reorganização dos Institutos de Educação
em Santa Catarina, pelo Decreto-Lei n.306, que extinguiu a Escola Normal
Superior Vocacional e estabeleceu em seu lugar o Curso Normal de dois
anos
18
. Em 1939 também houve a revisão dos conteúdos programáticos das
disciplinas, sendo um deles o da Psicologia Educacional, que destacava o
estudo dos testes de inteligência, como os Testes ABC de Lourenço Filho.
(SILVA,DANIEL,DAROS,2005)
Não é nossa intenção aqui analisar como chegavam às escolas as
determinações e orientações no tocante às reformas educacionais e a revisão
dos conteúdos programáticos empreendidas pelo Estado. Queremos, sim, dar
destaque à influência que a Psicologia exerceu nos cursos de formação de
professores. É com esse intuito que transcrevemos ( ver quadro 2, abaixo) a
Circular n. 32 de 26 de setembro de 1935 enviada pela Secretaria de Interior e
Justiça aos Institutos de Educação Esse documento, que recomenda a compra
de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira organizada por Fernando de
Azevedo, nos uma idéia dos autores utilizados na formação de professores
em Santa Catarina, nas diferentes áreas ou disciplinas de estudo.
Escola Normal Primária ( com duração de três anos) Preparava os alunos que pretendiam
ser professores na zona rural.
Escola Normal Secundária (três anos) – Fornecia sólido preparo aos que pretendiam dedicar-
se ao magistério.
Escola Normal Superior Vocacional (dois anos) – Destinava-se ao preparo exclusivo de
professores para as diversas modalidades de ensino.
18
Em 1939, conforme Decreto-lei 306 de 02 de março de 1939, os Institutos sofreram nova
reestruturação, cujos cursos ficaram assim organizados:
Pré-primário (três anos)
Primário (quatro anos)
Secundário Fundamental (cinco anos) – Preparatório para o Curso Normal.
Normal (dois anos) – Destinado prioritariamente à formação de professores
normalistas.
66
Quadro 2: Circular de 1935 emitida pela Secretaria de Interior, em que constam títulos
de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira, de Fernando de Azevedo, como
orientação às escolas na compra de obras pedagógicas.
Circular n. 32. Florianópolis, 26 de setembro de 1935.
Sr. Diretor: Recomendo-vos os seguintes livros para uso da biblioteca
dêsse. Grupo, que poderão ser adquiridos na Companhia Editora Nacional
São Paulo sob direção de Fernando de Azevedo Série III Atualidades
Pedagógicas. -
1. Fernando de Azevedo: Novos caminhos e novos fins
2. Jonh Dewey: Como pensamos: como formar e educar o
pensamento
3. Anísio Teixeira:Educação Progressiva: uma introdução à filosofia da
educação
4. Edouard Claparède: A educação funcional: traduções e notas de
Jaime Graibom
5. Afrânio Peixoto: Noções de história da educação
6. Delgado de Carvalho: Sociologia Educacional
7. Artur Ramos: Educação e psicanálise
8. Adalberto Czemy: O médico e a educação
9. A. Almeida Jr. : A escola pitoresca
10. Celso Kelly: Educação social
11. Henri Piéron: Psicologia do comportamento
12. Henri Wallon: Princípios da psicologia aplicada
13. Djacir Menezes: Dicionário psico-pedagógico
67
14. Sílvio Rabelo: Psicologia do desenho infantil
15. A. M. Aguayo: Didática da Escola Nova
16. A. Carneiro Leão: O ensino das línguas vivas
Luiz Sanches Bezerra da Trindade – Diretor do Departamento de
Educação
Entre esses livros merecem destaque duas coleções que visavam à
formação maciça de professores tanto do ponto de vista profissional como
cultural.: a coleção Atualidades Pedagógicas, parte integrante da Biblioteca
Pedagógica Brasileira
(1932)
publicada pela Companhia Editora Nacional e
dirigida por Fernando de Azevedo entre os anos de 1931 e 1946 e a coleção
pedagógica Bibliotheca de Educação organizada e implementada por Lourenço
Filho (1927).
Como assinala Silva (2003), dos dezesseis livros citados nessa circular,
oito são referentes à Psicologia ou de autores dessa área como Dewey e
Claparède. A recomendação de tantos livros relacionados a essa disciplina
evidencia a forte influência dos conhecimentos psicológicos nos cursos de
formação de professores catarinenses.
Convém, no entanto, salientar que a sugestão para aquisição desses
livros não quer dizer que as concepções e princípios subjacentes às idéias
neles contidas tenham sido realmente discutidos, ou seja, diversas obras são
citadas,mas poucas tiveram suas idéias adotadas no programa de Psicologia
Educacional. Entre essas idéias notamos um predomínio da perspectiva
positivista de ciência.
O positivismo aparece como pensamento hegemônico entre os
conhecimentos em jogo no campo cientifico da Psicologia. Isso pode ser
notado nos programas de ensino que discutiremos a seguir. Tal fato encontra
68
explicação em Bourdieu (1983) para quem a definição do que está em jogo na
luta cientifica faz parte da própria luta, ou seja, os grupos dominantes o
aqueles que conseguem impor uma definição de ciência segundo a qual a
realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e
fazem.
A seguir, nos quadros 3 e 4, serão apresentados os programas da
disciplina de Psicologia Educacional propostos pelas reformas de 1937
19
e
1939
20
, e publicados nesses mesmos anos no Diário Oficial do Estado de
Santa Catarina.
Quadro 3: Programa da disciplina de Psicologia Educacional (1937) da Escola Normal
Superior Vocacional
1º ANO
Introdução ao estudo da Psicologia Educacional
1 – Linhas gerais da História da Psicologia Educacional:
a) período anterior ao evolucionismo;
b) período do evolucionismo;
c) período posterior ao evolucionismo.
2 O empirismo em Psicologia e suas conseqüências em Psicologia
Educacional:
a) John Locke;
19
SANTA CATARINA. Decreto-lei n. 217, de 09 de março de 1937 organização dos
programas, a título provisório, das disciplinas ministradas na Escola Normal Superior
Vocacional. Diário Oficial,Florianópolis, n. 877, 12.03.1937, Ano IV. Acesso: APESC.
20
SANTA CATARINA. Departamento de Educação. Programas Provisórios aprovados pela
Superintendência Geral do Ensino. Instituto de Educação de Florianópolis Curso Normal
regulamenta os conteúdos a serem ministrados nas disciplinas de Psicologia Educacional e
Pedagogia. Diário Oficial, Florianópolis, n. 1465, 11.04.1939, Ano VI. Acesso: APESC.
69
b) Os racionalistas;
c) a disciplina formal.
3 – O empirismo em Psicologia e o trabalho em Pestalozzi:
a) os empíricos;
b) O método intuitivo;
4 – O associacionismo:
a) Herbart;
b) Os cinco passos formais
5 A Psicologia inglesa do começo e do meio do século XIX e a
Psicologia Educacional:
a) Hamilton;
b) Tomas Brown;
c) Mill;
d) A. Bain
6 O experimentalismo em Psicologia e suas conseqüências em
Psicologia Educacional:
a) Período anterior a Wundt;
b) Wundt;
c) Cattell.
7 O evolucionismo em Psicologia e suas conseqüências em Psicologia
Educacional:
a) O evolucionismo;
b) A psicologia genética, comparativa e a animal;
70
c) Galton, Thorndike, Watson e Kohler;
d) Stanley Hall.
8 – A Psicologia do aprendizado e as modernas correntes psicológicas.
9 – A moderna Psicologia Educacional – E. L. Thorndike.
2º ANO
1 – Definição, objeto e método da Psicologia Educacional.
2 – Teoria da reação e seus fundamentos na psicologia nervosa.
3 – Diferenças individuais:
a) hereditariedade;
b) meio;
c) maturação e aprendizado.
4 – Desenvolvimento do comportamento:
a) Características;
b) fatores;
c) curvas de desenvolvimento
5 – O comportamento inato:
a) reflexos;
b) emoções;
c) tendências institivas;
d) aptidões especiais.
71
6 – O comportamento adquirido:
a) reações habituais;
b) reações inteligentes.
7 – A motivação.
8 – A inteligência e as integrações psíquicas.
9 - O aprendizado:
a) teorias;
b) leis;
c) curvas de aprendizado e de esquecimentos;
d) fatores de eficiências e economia;
e) transferência e interferência;
f) avaliação objetiva.
10 – A personalidade:
a) organização; tipos;
b) desenvolvimento;
c) perturbações;
d) medição.
Trabalhos práticos (a cargo do preparador da cadeira)
1 – Pesquisas, investigações, estudos;
2 – Grupos de discussão;
72
c) atividades extra-curriculares
Como é possível perceber, o programa da disciplina de Psicologia
Educacional de 1937 traduz a idéia de construção de uma educação sob
parâmetros científicos. Transpondo os métodos das ciências naturais para o
estudo do homem, a disciplina de Psicologia centrava-se no estudo empírico e
experimental do comportamento. As idéias evolucionistas aparecem como um
marco para o estudo da Psicologia Educacional como demonstra o item um do
conteúdo do primeiro ano, que identifica períodos anteriores e posteriores ao
evolucionismo.
Os conhecimentos sobre a psicologia empirista eram discutidos com base
em autores como: Locke, Pestalozzi, Herbart, Hamilton, Wundt. Nota-se
preocupação em situar o desenvolvimento das teorias psicológicas no mundo e
suas conseqüências para a Psicologia Educacional, ou seja, da Psicologia
como campo cientifico em que competem diferentes conhecimentos teóricos.
A Psicologia como ciência positiva começou a ser desenvolvida em
laboratórios universitários criados no final do culo XIX na Alemanha, França
e Suíça e visava compreender a mente humana utilizando dados objetivos,
obtidos principalmente através da metodologia da introspecção controlada. A
fundação por Wundt, em Leipzig, do primeiro laboratório de psicologia
experimental do mundo em 1879, assinala os esforços empreendidos pela
Psicologia na busca por firmar-se como ciência independente.(CAMPOS,2005)
Mais tarde, Binet, Stanley Hall, Thorndike e Claparède, que em Santa
Catarina, tiveram suas idéias estudadas nos programas de ensino de
Psicologia Educacional de 1937 e 1939, aprofundaram o uso do todo
experimental na psicologia e na educação e se tornaram, segundo Santos
(2002,p.22), os criadores da ciência psicológica conforme os cânones do
positivismo cientifico”.
As idéias da teoria evolucionista foram um marco decisivo para que a
criança fosse incorporada aos estudos científicos, pois os psicólogos
73
esperavam encontrar nas formas simples aquilo que consideravam complexo
no homem adulto, ou seja, esperavam, por meio do estudo do animal e da
criança, conseguir uma explicação para o comportamento do adulto.(MOREIRA
LEITE, 1972; WARDE,1997)
Claparéde (1959) destaca que o conhecimento da psicologia animal
através da experimentação com animais seria capaz de fornecer à psicologia
infantil e à própria pedagogia dados interessantes como: o desenvolvimento
filogenético do psiquismo infantil; os fenômenos de aquisição de um hábito pelo
animal, ou de seu adestramento.
Segundo Carvalho (2002), as idéias evolucionistas do inicio do século XX
apontavam a necessidade imperiosa de estudo e compreensão do
desenvolvimento infantil, pois a criança não era considerada um adulto em
miniatura, e o ingresso massivo das crianças na escola exigia a explicação dos
diferentes resultados por elas alcançados no processo de escolarização.
A psicologia funcional fortemente influenciada pelas idéias do modelo
biológico evolucionista teve como um de seus expoentes Edouard Claparède,
citado nos livros recomendados para a biblioteca do Instituto de Educação de
Florianópolis. Claparède, baseado em Rousseau, resumiu a concepção
funcional de infância em seis leis:
Lei da sucessão genética-a criança se desenvolve
naturalmente, passando por certo número de fases que se
sucedem em ordem constante.(...).Lei de exercício funcional- o
exercício de uma função é condição de seu desenvolvimento.
Lei de exercício genético- o exercício de uma função é
condição de aparecimento de certas outras funções
ulteriores.Lei de adaptação funcional-a ação se desencadeia
quando é de natureza tal que satisfaça a necessidade ou o
interesse do momento.(...).Lei de autonomia funcional-a criança
não é considerada, em si, um ser imperfeito, mas adaptado às
circunstancias que lhe são próprias.(...).Lei de individualidade-
todo individuo difere, mais ou menos, quanto a caracteres
físicos ou psíquicos dos outros indivíduos. (CLAPARÉRE,1959
apud MEYLAN,1959,P.98)
Passando agora à análise do programa do segundo ano (1937),
podemos perceber que este aborda temas vinculados ao desenvolvimento do
74
comportamento e da personalidade. Nele as diferenças individuais são
explicadas pela hereditariedade, influência do meio, maturação e
aprendizagem. O comportamento é um tema valorizado, tanto que merece três
unidades no Programa de Psicologia Educacional. A motivação, o aprendizado
e a personalidade são tópicos trabalhados em estreita relação com a temática
do comportamento.
Podemos verificar, ainda, que nesse programa o discutidas as bases
sobre as quais se assenta o entendimento da testagem psicológica, pois o
estudo irá centrar-se nas diferenças individuais tanto biológicas
(hereditariedade, reflexos, reação) quanto psicológicas ( emoções,inteligência,
motivação) .
Se em 1937, o conteúdo de Psicologia Educacional apresentava apenas
dois eixos de discussão que sintetizavam as diferentes concepções da ciência
psicológica, com especial ênfase à visão evolucionista e comportamentalista,
em 1939 (ver quadro abaixo) destacamos quatro temas centrais bem definidos.
No primeiro ano eram discutidos aspectos da Psicologia como ciência;
aspectos da Psicologia Educacional, como a utilização de testagem em
educação; no segundo ano, os conteúdos centravam-se no estudo da criança e
na aprendizagem e suas condições.
Quadro 4: Programa da Disciplina de Psicologia Educacional (1939) do Instituto de
Educação de Florianópolis
1º ANO
1º PARTE
1 A Psicologia como ciência; seu objeto e sua definição. Psicologia
Geral e Psicologia Especial. Aplicações.
2 Métodos Gerais. Introspecção, simples observação, experimentação,
método patológico,método comparativo.
75
3 Fatos psíquicos e fatos fisiológicos. Condições orgânicas da atividade
psíquica. Linhas Gerais da evolução do sistema nervoso, suas principais
funções.
4 A evolução bio-psíquica do homem; crescimento físico e crescimento
mental;fatores do crescimento.
5 – Classificação dos fatos psicológicos.
6 – Atividade reflexa. Reflexos condicionados. O método de Pavlov.
7 – Atividade instintiva; sua evolução. A imitação e o jogo.
8 O hábito. Condições de aquisição dos atos habituais. Leis da
formação e da persistência dos hábitos.
9 – Os atos voluntários.
10 A afetividade. Sentimentos, emoções e tendências. A afetividade e a
educação.
11 Sensação e percepção. Normalidade e anormalidade das
percepções; fatores e condições fisio-psíquicos.
12 – A atenção; suas condições. O Interêsse.
13 A conservação dos conhecimentos. A memória; condições de
aquisição e de conservação. O esquecimento.
14 – A associação e suas condições.
15 – Imaginação, evocação, invenção.
16 – Abstração e generalização.
17 – Psicologia do juízo e do raciocínio.
18 A linguagem; condições psíquicas e sociais. Linhas gerais de sua
evolução no indivíduo.
76
19 –O temperamento, o caráter e a personalidade. Principais
classificações biotipológicas.
2ª PARTE
20 – Definição, objeto e fundamentos da Psicologia Educacional.
21 – Métodos especiais da Psicologia Educacional.
a) o método dos inquéritos e o método dos testes;
b) testes individuais; escalas Binet Simon e escolas simplificadas; os
testes “ABC”;
c) testes coletivos, seus diferentes tipos.
2º ANO
1ª PARTE
1 - Conceito e métodos da Psicologia Infantil.
2 Fases típicas do desenvolvimento infantil e suas características
dominantes.
3 – O psiquismo infantil no período pré-escolar.
4 O psiquismo infantil no período de vida correspondente à duração do
curso primário.
5 – O psiquismo na puberdade.
6 A emotividade infantil. Tipos emotivos. A curiosidade. Os interêsses
infantis e sua evolução.
77
7 O juízo, o raciocínio e a linguagem na criança. Os traços principais da
lógica da criança.
8 Influências que favorecem a atenção da criança; a observação,
sugestões, imitação; o jogo; a fantasia e a imaginação.
9 – As formas de expressão; o desenho, a mímica.
10 – Anormais, classificação. Classificação dos anormais.
11 – Socialização da criança. Estágios de evolução. Fatores que retardam
a socialização: timidez; medo, reclusão, o filho único, etc. Fatores que
contribuem para uma adaptação prejudicial: a mentira, o embuste, a
delinqüência infantil.
2ª PARTE
12 – Noção usual e científica da aprendizagem.
13 Motivação de aprendizagem. Condições da motivação. As atividades
congênitas.A maturação. O interêsse. Aprendizagem primária e aprendizagem
concomitante.
14 – Princípios e normas da aprendizagem baseados na Psicologia.
15 Variações da aprendizagem. Fatores. Curvas e interpretação das
curvas.Pesquiza dos fatores favoráveis e dos perturbadores.
16 – O problema da transferência e da influência dos aprendizados.
17 Princípios da aquisição de atividade motores; princípios de aquisição
do conhecimento.
18 A medida do aprendizado. Princípios em que ela se baseia. Valor
dos testes pedagógicos
78
19 Condições psicológicas do erro. Fadiga. Condições do rendimento
do trabalho mental.
Quanto aos aspectos da Psicologia como ciência, nota-se que os
conteúdos ministrados estavam em consonância com as principais discussões
da desse campo científico até aquele momento histórico (1939). Observe-se,
por exemplo, que o conteúdo apresentava os principais métodos de análise
psicológica: instrospecção, simples observação, experimentação, método
patológico e método comparativo. Desenvolvimento físico e neurológico
humano. Funções mentais: afetividade, sensação e percepção, atenção,
memória, associação, imaginação, linguagem e suas psicopatologias. Atos
voluntários, instintivos, reflexos e hábitos.
Esses métodos refletiam o movimento das diferentes escolas de
Psicologia, que os conceberam para análise psicológica do ser humano. O
estruturalismo de Wund e Titchener tinha como método a introspecção
experimental; o funcionalismo de Claparède e Dewey utilizava a introspecção
seguida da observação do comportamento; a reflexologia de Pavlov utilizava a
observação experimental do comportamento.
Figueiredo (1991) assinala que praticamente toda a Psicologia que
pretendia se constituir como uma ciência natural adotava um modelo
instrumentalista dos fenômenos mentais e comportamentais, concebendo as
funções mentais como percepção e memória como processos orientados à
adaptação.
Tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo e a reflexologia
trabalhavam com elementos da fisiologia humana, em laboratórios de
psicologia experimental e quantificavam comportamentos. Essas similitudes
mostram que a psicologia que se constituía em nosso Pais não fugia às
discussões das diferentes escolas da Psicologia no mundo e que a tendência
experimental dominava todo esse cenário. Em Santa Catarina,
especificamente, as diferentes escolas psicológicas aqui citadas tiveram seus
métodos ensinados na escola normal desse Estado.
79
Os modelos instrumentalistas que proliferaram no século XX
consolidaram-se e atingiram seu auge na segunda e terceira cadas desse
século, período que, como assinala Cabral (1972), pode ser considerado como
a era das escolas da Psicologia.
Retomando a análise dos conteúdos de Psicologia Educacional de 1937 e
1939, podemos verificar que no primeiro o estudo da criança tinha por base as
discussões sobre o evolucionismo. em 1939, o estudo da criança aparece
como a primeira parte do programa de Psicologia Educacional do segundo ano,
havendo um detalhamento em relação a temas como por exemplo: “fases
típicas do desenvolvimento infantil e suas fases dominantes; o psiquismo
infantil em diferentes períodos; o juízo, o raciocínio e a linguagem na criança; a
socialização da criança; classificação dos anormais.
A importância dos conhecimentos biológicos para a compreensão do
desenvolvimento da criança está evidenciada no conteúdo ensinado aos
professores catarinenses. Nesse conteúdo transparece a preocupação com as
fases do desenvolvimento infantil e suas características dominantes o que
demonstra o reconhecimento da criança como alguém que difere do adulto,
que tem seu próprio ritmo. Cabia à escola reconhecer essas diferenças e
adequar o ensino ao desenvolvimento da criança, de modo que pudesse agir
com maior eficiência.(SILVA, 2003).
Nota-se também a preocupação com o ensino dos fenômenos psíquicos
que podem influenciar o ensino das crianças como medo, reclusão, ciúme,
mentira, bem como com o desenvolvimento das faculdades psíquicas na pré-
escola, na escola primária e na puberdade.
A visão de desenvolvimento discutida nos programas de 1937 e 1939 era
a de um desenvolvimento ligado a fases da vida entendidas como uma
sucessão de fatos que se ligam uns aos outros, como momentos sucessivos de
um mesmo processo biológico. Essa idéia é difundida em nosso Pais pelos
conhecimentos da Escola Nova.
Lourenço Filho, difusor dos conhecimentos escolanovistas, atribui à
como contribuição da Psicologia a renovação escolar, o estudo da descrição
80
das variações psicológicas de acordo com as idades. Segundo esse autor, as
variações poderiam, por meio da utilização de medidas objetivas, comprovar o
que cada idade seria capaz ou não de realizar.
Isso possibilitaria ao professor o
conhecimento das fases evolutivas do educando o que lhe facultaria adequar
seu ensino a essas fases, respeitando as capacidades individuais.
(LOURENÇO FILHO,2002)
Lourenço Filho deixou clara sua posição em relação à importância do
conhecimento da criança, quando convidado para ser paraninfo da turma de
diplomandos do ano de 1943, do Instituto de Educação de Florianópolis.
Mesmo não comparecendo à solenidade, seu discurso foi lido e publicado na
Revista de Estudos Educacionais dessa instituição.
Nesse discurso Lourenço Filho atribui aos professores a responsabilidade
pela construção de uma país que, pela via da educação, se afirmaria como
uma nação forte. Para tanto, esses professores teriam que ter conhecimentos
sobre a criança nos domínios biológico, psicológico, social .
O conhecimento da criança é, assim, a exigência primeira para
a missão do professor. Conhecimento de sua biologia das
circunstâncias que presidem seu crescimento orgânico, a
defesa de sua saúde, a manutenção e aumento de seu vigor
físico. Conhecimento depois, de sua psicologia tão diversa da
do adulto, não na essência dos fatos pelos quais se manifeste,
mas na sua graduação e relacionamento necessários. (...) Não
bastará, pois, do professor conhecer a criança, em si mesma,
mas deverá ainda conhecê-la em relação aos fatores de vida
coletiva que, sobre ela, de contínuo, estejam atuando: o lar, a
comunidade, a vida religiosa, as dependências da vida
econômica. (...) O estudo biológico da criança, e o seu estudo
psicológico social apresentam-se, portanto, como cabedal
necessário ao trabalho do mestre, como tereis verificado em
vosso bem orientado curso (LOURENÇO FILHO, 1943,p.05
apud SILVA,2003, p. 160
Dando continuidade à análise dos programas, voltemos ao primeiro ano
(1939).Na segunda parte do conteúdo a ser ministrado,...os conteúdos
centravam-se na utilização de testagem psicológica na educação,
concretizada em testes psicométricos. Denominados como métodos especiais
da Psicologia Educacional, dividiam-se em etapas: em um primeiro momento o
81
método dos inquéritos e o método dos testes para depois discutir os testes
individuais como: a Escala Binet-Simon, as escalas simplificadas e os Testes
ABC, de Lourenço Filho, além da discussão dos testes coletivos e seus
diferentes tipos.
Entre os diferentes instrumentos psicológicos de avaliação destacamos o
ensino da Escala Binet-Simon que, como os Testes ABC de Lourenço Filho,
foram criados para atender a uma demanda do Ministério da Educação francês
que pretendia construir instrumentos aptos a apontar formas de cuidado mais
eficientes de diagnóstico de crianças com dificuldades escolares , tendo em
vista o grande número de atrasos de desenvolvimento observados nos alunos
das escolas primárias francesas da época. Desse trabalho resultam as
famosas escalas de medida do desenvolvimento da inteligência e o conceito de
"idade mental". (CAMPOS,2005)
A idéia dos autores foi a de caracterizar o processo de desenvolvimento
da inteligência tendo como parâmetro a capacidade de resolução de problemas
lógicos, numa determinada idade. Para tanto, estabeleceram uma seqüência
de tarefas numa escala de dificuldades, desde as muito fáceis, que mesmo
crianças muito jovens poderiam realizar, a as muito difíceis, que apenas
adultos poderiam completar.
O conceito de aptidão de Claparède está na base do entendimento da
testagem psicológica, pois centra sua explicação nas diferenças individuais, o
que os testes se propõem a medir. Conceituando aptidão como "... uma
disposição natural para comportar-se de certa maneira, a compreender ou
sentir de preferência certas coisas ou a executar certas espécies de trabalho"
(Claparède, 1959, p.140), esse autor considera fundamental que a escola leve
em conta as diferenças de aptidão e inteligência, propiciando ao aluno o
desenvolvimento de suas habilidades particulares, porque "ir contra o tipo
individual é ir contra a natureza" (Claparède, 1959, p. 149).
Nesse contexto aparece a preocupação de Claparède com os processos
de diagnóstico psicológico, realizado por meio de testes. As leituras das obras
de Lourenço Filho permitem fazer uma aproximação entre suas idéias e as
82
idéias de Claparède. Os Testes ABC, elaborados por Lourenço Filho, visavam
medir as diferenças individuais quanto à maturidade para o aprendizado da
leitura e escrita. Assim, poder-se-ia obter diagnósticos individuais que
permitiriam a organização das classes baseada na maturidade das crianças
(CARVALHO,2002).
O estudo desses instrumentos pelos futuros professores possibilitava-lhes
utilizar, em seu exercício docente, os métodos da Psicologia científica para
melhor conhecer seus alunos. Segundo Silva (2003,p.112), “os testes de
inteligência eram uma tentativa de substituir as noções subjetivas aferidas
pelos professores aos seus alunos, por resultados quantitativos baseados em
dados objetivos , e por assim ser, mais precisos”.
Alcançamos finalmente a última parte do conteúdo em Psicologia
Educacional do segundo ano do curso de formação de professores(1939), cuja
temática gira em torno da aprendizagem e suas condições, com ênfase nos
aspectos psicológicos e físicos e nas técnicas de mensuração dessa
aprendizagem, objetivando minimizar as possibilidades de que esta não
ocorresse.
A aprendizagem aparece como uma possibilidade individual, cujo
desenvolvimento irá depender da maturação de cada criança, estando em
relação direta com a motivação e o interesse.
Ao futuro professor caberia reconhecer como seu aluno aprende para que
pudesse utilizar-se dos processos de ajustamento social com maior qualidade.
Esse conhecimento poderia dar-se, por exemplo, pela utilização de medidas
objetivas que propiciariam a criação de classes com níveis homogêneos de
aprendizagem dos alunos.(SILVA,2003)
Como se nota ao longo da discussão dos programas de Psicologia
Educacional (1937 e 1939) e dos livros sugeridos para a utilização no Instituto
de Educação (1935), a psicologia ensinada nos cursos de formação de
professores em Santa Catarina tinha como escopo os conhecimentos do
evolucionismo que justificavam as diferenças individuais pelo aparato biológico
83
da criança e pelos diferentes processos de desenvolvimento físico e psíquico.
O papel dos testes era apenas reafirmar as diferenças individuais e adaptar a
criança ao meio em que ela estava inserida.
A criança, por esse entendimento, era vista como um ser em
desenvolvimento, que ia da imaturidade à maturidade, sendo a interferência da
educação importante para adequar este ser a sociedade.Aos professores
caberia aprender com os conhecimentos científicos produzidos pela Psicologia
e aplicá-los de maneira a tornar a ação docente o mais pragmática possível.
No próximo capitulo, mostraremos que a produção de Lourenço Filho no
âmbito da psicologia da educação também aparece no cenário educacional
catarinense através da utilização dos Testes ABC. Estes materializavam a
tentativa de organização da pratica pedagógica fundada nos parâmetros de
racionalidade cientifica . O fato de os Testes ABC aparecerem como única obra
comum em utilização em duas escolas de formação de professores com
orientações política e teórica distintas, a saber: Instituto de Educação de
Florianópolis - reduto dos renovadores - e o Coração de Jesus - colégio
religioso freqüentando pela elite católica catarinense -, comprova a importância
desse material para instrumentalização dos professores.
84
CAPÍTULO 4- TESTES ABC: A DEFESA DE UMA BASE
CIENTÍFICA DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
Será que é preciso esperar a criança ter 7 anos para
ensiná-la a ler e escrever? Por que a criança não aprende a ler
quando está aprendendo a falar? TESTES ABC responde a
essas e outras perguntas de modo simples e exato. Com a
autoridade do Prof. Lourenço Filho, TESTES ABC é um método
para avaliar o grau de prontidão para alfabetização de uma
criança, que foi especialmente elaborado para a criança
brasileira. O pai, a mãe, ou a professora pode fazer o
diagnostico da idade em que a criança está pronta para
aprender a ler e escrever, aplicando o material e o livro
TESTES ABC. Seguindo o método do Prof. Lourenço Filho,
ainda se podem descobrir as áreas em que a criança ainda não
atingiu um desenvolvimento ideal.
21
A epígrafe que inicia este quarto capítulo é um excerto da apresentação
do livro os Testes ABC de Lourenço ao seu público e serve para avaliar a
importância que os conhecimentos produzidos pela psicologia cientifica tiveram
no campo educacional brasileiro no século XX, não e principalmente no
intuito de oferecer instrumentos para o conhecimento da criança que chega à
escola, mas também para uma organização mais eficiente da prática escolar.
Foi significativa a utilização desse instrumento nas redes educacionais de
todo o País até os anos de 1970. Aliando os conhecimentos da Psicologia em
discussão nos anos 1930 com as demandas educacionais do Brasil na época,
sua utilização concentrou-se especialmente em medir a maturidade da criança
para a alfabetização, procurando diminuir os altos índices de repetência das
crianças nos primeiros anos de escolarização.
Segundo Lourenço Filho,
21
Texto extraído da contracapa do material didático do Testes ABC, 24 edição, publicado pela
Editora Melhoramentos.
85
Nos grupos escolares da capital de São Paulo foram
encontrados 45% de repetentes, para o total de matrícula do 1º
ano, em 1930. Muitos deles repetiam o ano pela terceira e
quarta vez. Verificação idêntica foi feita nas escolas do antigo
Distrito Federal em 1932”.( LOURENÇO FILHO, 1969, p. 15)
Em Santa Catarina vemos um exemplo dessa utilização nas orientações
do Estado aos grupos escolares. Em 02 de janeiro de 1942 foi enviada uma
circular aos diretores dos grupos escolares, com a seguinte proposição feita
pelo Profº. Germano Wagenfiihr, inspetor de grupo escolar e curso
complementar: “...que, se possível, todos os alunos dos primeiros anos sejam
submetidos aos testes ABC de maturidade intelectual de Lourenço Filho”
22
. A
proposta foi aprovada pelo Departamento de Educação, sendo recomendada
sua execução a todos os alunos de primeiro ano dos grupos escolares
catarinenses.(SILVA,2003)
A presença dos Testes ABC e a sua afirmação como uma produção de
destaque no campo cientifico da Psicologia pode ser constatada em duas das
principais escolas de formação de professores do Estado nos anos de 1930: o
Instituto de Educação de Florianópolis e a Escola Coração de Jesus. Segundo
Silva (2003), citações do teste são encontradas no Programa de Ensino de
Psicologia Educacional do Instituto de Educação de Florianópolis, reduto dos
renovadores defensores dos conhecimentos da Escola Nova. Daros e Pereira
(2002) evidenciam a presença dessa publicação também na biblioteca do
Colégio Coração de Jesus
23
, colégio religioso freqüentando pela elite católica
catarinense.
No primeiro capítulo sinalizamos as lutas internas no campo educacional
entre os educadores católicos e os pioneiros/ renovadores liberais que tinham
propostas diferenciadas de controle técnico e doutrinário das escolas. Para
22
SANTA CATARINA. Secretaria do Interior e Justiça. Departamento de Educação. Circular n.
05, de 02 de janeiro de 1942 recomenda aos diretores de grupos escolares que os alunos do
primeiro ano sejam submetidos aos testes A.B.C. de maturidade intelectual de Lourenço Filho.
Circulares 1942.Florianópolis: Imprensa Oficial, 1943. Acesso: APESC.
23
O Colégio Coração de Jesus foi fundado em 25 de janeiro de 1898, em Florianópolis, pelas
irmãs da Congregação da Divina Providência. No início do século XX, destacava-se como uma
das principais escolas normais de Santa Catarina. Cabe destacar que nas décadas de 1930 e
1940 o acesso ao Curso Normal dessa escola era oferecido exclusivamente ao público
feminino.(Daros e Pereira). Nas fontes citadas ao final do trabalho consta a relação de livros do
Colégio Coração de Jesus.
86
Pagni (2000), os católicos valorizavam, em sua proposta pedagógica, a
importância da moral cristã, da e do sentimento, propugnavam a
permanência do ensino religioso como forma de garantir a ordem social e
moral, bem como a formação da consciência nacional em bases católicas.
Essa posição dos católicos estava atrelada a sua tradição de conformação da
sociedade e se distanciava do discurso da nova educação que visava, pela via
da escola renovada, modificar o povo, tendo como slogan “uma nova educação
para uma nova civilização”. O ensino público e laico eram as bases dessa
proposta que se materializou no Manifesto dos Pioneiros da 7( )-142.247(n)-4.337(p)]TJ313.985 0 Td[(m)-7.49588(o)-4.lala2( )1.87122(a)
87
Com base nas idéias pedagógicas dominantes, na época, a formação
dos professores em ambas as escolas buscava atingir o propósito do estudo do
indivíduo sobre pilares científicos , tendo como horizonte o meio social para o
qual pretendia-se adaptá-lo (SILVA,2003). A ciência psicológica como
fundamento para uma pedagogia científica é, assim, o ponto de contato da
formação proposta entre as duas escolas, sendo os conhecimentos
psicológicos propostos pelos Testes ABC o caminho prático pelo qual essa
aproximação se realiza. Pensa-se, desse modo, a educação escolar com base
no conhecimento e mensuração das capacidades individuais das crianças. As
diferenças de origem e trajetória social desaparecem, sendo as diferenças de
aprendizagem explicadas cientificamente de acordo com a maturidade e o
desenvolvimento da capacidade de cada um. Nesse caso, o recurso da
testagem torna-se o instrumento ideal para esse fim, contribuindo para a
prática escolar ao propor critérios científicos para a classificação dos alunos e a
organização das classes.
1. Testes ABC de Lourenço Filho: um instrumento eficiente
para a organização da prática escolar
Os Testes ABC para verificação da maturidade necessária à
aprendizagem da leitura e escrita (1934) foi uma das obras de Lourenço Filho
mais difundidas no Brasil no âmbito da Psicologia da Educação, tendo sido
traduzida em várias línguas, incluindo o inglês, o francês, o espanhol e o árabe.
Esses testes, como explicitado anteriormente, vinham sendo
elaborados desde os anos 1920 e buscavam responder a um grande problema
educacional: o alto nível de repetência das crianças de primeiro ano. Segundo
Lourenço Filho (1969, p.143), “os Testes ABC foram organizados para um
objetivo fundamental: diagnosticar nas crianças, que procuram a escola
primária, um conjunto de capacidades necessárias à aprendizagem da leitura e
da escrita.” A opção pela utilização de medidas objetivas em educação define-
se pela hegemonia, na época, da idéia de que se poderia detectar as
88
diferenças individuais entre as crianças, anteriormente ao processo formal de
instrução.
O objetivo dos Testes ABC era o de classificar as crianças pela sua
capacidade real de aprendizagem na leitura e na escrita, permitindo um
diagnóstico individual com relação à maturidade para aprendizagem dessas
habilidades. No total eram oito testes que procuravam atender aos pontos de
análise: coordenação visual-motora; resistência à inversão na cópia de figuras;
memorização visual; coordenação auditiva motora; capacidade de prolação
24
;
resistência à ecolalia; memorização auditiva; índice de fatigabilidade; índice de
atenção dirigida; vocabulário e compreensão geral. Possuindo orientações
minuciosas quanto a sua forma de aplicação, duração do exame, condições do
examinando e do examinador e da técnica de exame para cada um dos oito
testes, Lourenço Filho pretendia controlar as variáveis que pudessem interferir
no exame e evitar as críticas quanto a sua aplicação e resultados.
Cada um dos oito testes continha as explicações para sua aplicação e
correção, bem como o material necessário. No Quadro 5, abaixo, temos o
exemplo dessas informações com relação ao teste número dois que compunha
os Testes ABC.
Quadro 5. Instruções para aplicação e avaliação dos Testes ABC
Fórmula Verbal Instruções ao
examinador
Avaliação
Do outro lado deste
cartão, estão umas
figuras muito bonitas.
Eu vou virar o cartão e
você vai olhar as
figuras, sem dizer
nada. Mas, depois que
Depois de expor o
cartaz por trinta
segundos, e de o
haver voltado de novo,
escondendo as
figuras, deve-se
perguntar: que foi que
Quanto à avaliação,
ao examinador cabia:
Toma-se nota dos
nomes, o que nos
informará sobre a
deficiência de
vocabulário, repetição
24
Pronunciação, articulação (Houaiss,2004)
89
eu esconder as
figuras, você ira dizer
os nomes das coisas
que você viu.
você viu? (Se a
criança for
tímida,acrescenta-se):
Diga o que foi que
viu...Que mais?...Que
mais?...(Se a criança
iniciar a enumeração a
vista do cartaz)
Espere.Só diga
quando eu mandar.
automática de séries ,
ou imaginação.
Se a criança disser o
nome das sete figuras-
3 pontos
Se disser os nomes de
4 a 6 figuras-2 pontos
Se disser de 2 a 3 -1
ponto
Se disser apenas 1 ou
disser nada-zero
Não importa o nome
exato, mas a
evocação satisfatória
da coisa representada.
A avaliação geral dos Testes ABC para indicar o nível de maturidade
dava-se pela soma dos pontos obtidos em cada prova, ou seja, o máximo que
a criança alcançaria seria 24 pontos (oito testes que têm como escore mais alto
3), onde maturidade superior seria de 17 pontos para cima, a média seria entre
12 e 16 pontos e a inferior de 11 pontos para baixo.
Segundo Nunes (1998) o teste permitia: diagnóstico médio da classe; a
triagem dos alunos novos (particularmente os suspeitos de defeitos de visão,
audição e problemas emocionais) e o prognóstico para organização das
classes seletivas. De acordo com os resultados aferidos, a criança sofreria um
trabalho corretivo no âmbito médico e/ou no âmbito pedagógico, quando seria
encaminhada para instituições adequadas ou turmas mais lentas. Os casos
mais graves poderiam ter sua matrícula impedida na escola.
Acompanhava o material de aplicação do teste um livro publicado pelas
Edições Melhoramentos, dentro da coleção Biblioteca de Educação, que foi
90
assim organizado: introdução, seis capítulos, bibliografia geral, um item em que
o autor indica trabalhos que utilizaram ou faziam referência especial aos testes
ABC; índice de nomes e índice de assuntos.
Na Introdução, o autor discute o problema da alfabetização no Brasil,
indicando as diferenças que estabelece entre alfabetizar e educar e os limites
de uma política que confunda esses termos:
A escola popular carece de ter hoje função socializadora muito
mais profunda e extensa. Alfabeto e cultura não são sinônimos
e, muito menos, alfabeto e educação. Por esta, temos que
entender adaptação convinhável ao tempo e ao meio,
orientação das novas gerações aos problemas da vida
presente, já que nos seus variados aspectos de defesa da
saúde e produção da riqueza, já nos de equilíbrio e melhoria
das instituições sociais. (...) O aprendizado da leitura e da
escrita por certo que aí entra, em tal conjunto de técnicas
adaptativas como processo elementar, mero instrumento,
nunca a finalidade mesma. (LOURENÇO FILHO, 1969, P. 13).
O risco de limitar a educação ao ensino das primeiras letras é advertido
pelo autor:
uma vez salientamos o inocente sofisma de onde brota a
confusão do ensino de primeiras letras com o da educação
popular: o de assimilar-se a fase inicial da cultura de um povo,
iletrado como o nosso com a do indivíduo ignorante, e
imaginar-se que a construção da cultura no plano social se
deva fazer, igualmente a do plano individual, por etapas
sucessivas, em relação à totalidade da população.
(LOURENÇO FILHO,1969, P.14)
Mesmo considerando que é possível haver cultura sem alfabetização
extensa, ou seja, alfabetização das grandes massas, e que esse não era o
problema único da cultura brasileira, o autor adverte que, para o mestre
primário, esse problema, se apresentava como fundamental, seja para resolver
as exigências da organização do ensino, seja para atender aos reclamos
sociais:
Se a alfabetização não é o problema final da cultura, continua a
ser aqui, como em toda a parte, problema técnico fundamental
do custoso aparelho criado pelo Estado para mais pronta
difusão dos elementos básicos da cultura individual. Sem
significação imediata ao político, desde que estritamente
compelido em traçar planos de educação, que visem ao
equilíbrio e progresso social em cada momento ao mestre
91
primário, no entanto, o problema se apresenta sob feição das
mais prementes. Na escola popular, a leitura e a escrita
representam o problema crucial que nenhum argumento logra
iludir. (LOURENÇO FILHO, 1969, p. 15)
Na opinião do autor, “(...) a melhoria das condições do aprendizado inicial
sempre representará progresso de economia e eficiência” (Lourenço Filho,
1969, p. 15), além de permitir que a leitura alcance sua verdadeira finalidade:
“para pesquisa e autocultura do próprio aluno” (Lourenço Filho, 1969, p. 15).
O autor assim expressa o espírito da época:
O problema da eficiência e rendimento tem preocupado sempre
os mestres de todo o mundo e, nos últimos tempos, de modo
considerável, aos mestres de nossa época. Melhor e mais
rápido é uma lei de nosso tempo em que a máquina aproxima
as distâncias, centuplica e faz viver intensamente.
(LOURENÇO FILHO, 1969, P. 16)
Lourenço Filho faz a crítica das várias tentativas de melhoria da
aprendizagem inicial da leitura, protagonizada por educadores brasileiros havia
vários anos: a criança real tem sido esquecida, a criança vivia, com as suas mil
diversidades individuais. A idéia de padronização, de um aluno médio, é
criticada pelo autor: “Imaginado esse tipo padrão, admite-se igualmente que as
reações da classe também possam ser padronizadas” (Lourenço Filho, 1969, p.
17). As escolas, em geral, reagem de modo eminentemente empírico frente aos
problemas da realidade escolar que enfrentam. Propõe, então, uma nova
maneira de considerar a questão, ou seja, estudar o público a quem se destina
o ensino: as crianças.
O que de novo apresentamos é o processo de seleção dos
alunos novatos, para o fim especial da aprendizagem inicial da
leitura e escrita, com maiores probabilidades de êxito.
(LOURENÇO FILHO, 1969, p. 18)
Para justificar suas idéias e apresentar o caminho percorrido até chegar
aos testes ABC, o autor estabelece interlocução com os principais autores,
especialmente os americanos, que discutem questões referentes à relação
entre idade escolar, idade cronológica e idade mental. Sua preocupação central
era a de encontrar um critério seletivo seguro que favorecesse a realização do
ensino simultâneo, bem como de um adequado rendimento, impedindo o
92
desperdício das energias dos mestres e dos discípulos. Os Testes ABC foram
93
marcaram a história da alfabetização. Os testes ABC encontram-se no terceiro
momento crucial nesse processo (1920-1970).
Mortatti (2006), descrevendo esses momentos, mostra que cada um deles
fundou uma nova tradição relativa ao ensino inicial da leitura e escrita.O
primeiro momento foi o da metodização do ensino da leitura que e se estendeu
até o início da década de 1890. Naquela época, o ensino carecia de
organização, e as poucas escolas existentes eram, na verdade, salas
adaptadas, que abrigavam alunos de todas as“séries” e funcionavam em
prédios pouco apropriados para esse fim. O ensino da leitura centrava-se na
apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de
seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação),
sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Quanto à escrita,
seu ensino organizava-se em torno da tríade: cópia,ditados e formação de
frases, em que se enfatizava o desenho correto das letras, a caligrafia e a
ortografia.
No segundo momento, vemos a institucionalização do método analítico
que,
sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em
princípios didáticos derivados de uma nova concepção de caráter
biopsicofisiológico da criança. De acordo, com o método analítico, o ensino
da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à análise de
suas partes constitutivas. Esse método foi inicialmente utilizado na Escola-
Modelo anexa à Escola Normal da Praça, em São Paulo.
O aspecto central de nossa discussão situa-se no terceiro momento que
vem amparado pelas discussões psicológicas sobre alfabetização, tendo como
exemplo concreto os Testes ABC. Neste sentido, a alfabetização era entendida
como o aprendizado da leitura e escrita, sendo o método de ensino
subordinado ao nível de maturidade alcançada pelas crianças. A medida do
seu nível de maturidade levava à classificação das crianças e agrupamento em
classes homogêneas para a alfabetização.
A leitura era vista por Lourenço Filho (1969) como uma atividade:
94
A leitura não é, como se pensou, por muito tempo simples jogo
de fixação de imagens visuais e auditivas. Ler é uma atividade,
não em sentido figurado: é ação, desde a visão das formas
das palavras, das frases ou silabas, ate a expressão final, em
linguagem oral (leitura expressiva) ou em linguagem interior
(leitura silenciosa) (LOURENÇO FILHO, 1969,P.43).
A escrita, por sua vez, necessita de nível de maturidade e de
desenvolvimento fisiológico geral, muscular e ósseo, o sendo apenas um
movimento capaz de desenhar as letras, mas sim, um movimento coordenado
ao comportamento da linguagem (oral e interior), o individuo que escreve já é o
seu primeiro leitor. Por isso a escrita seria capaz de:
Revelar, até certo ponto, o estado emotivo do individuo no ato
de escrever, ou melhor, no ato de pensar o que escreveu,
como permite aquilatar, de modo geral, se seu temperamento.
(LOURENÇO FILHO, 1969,P.49)
A partir destes entendimentos de leitura e escrita o autor esclarece:
Leitura e escrita não podem ser mais concebidas, como
processo de simples associação de estímulos e reações
isoladas, mantidas conexões por impulsos discretos que, dos
órgãos sensoriais, caminhem para os centros da visão e da
audição, e destes desperte a inteligência para, então,
comunicar energias ao aparelho fonação. (LOURENÇO FILHO,
1969, P.51)
Os processos de leitura e escrita deveriam supor segundo Lourenço Filho
(1969) de um certo nível de desenvolvimento mental e principalmente certo
nível de maturidade. Segundo ele:
Ao invés de supor que a maior ou menor inteligência, tal como
a medimos pelos testes, seja a condição que permita fazer a
leitura e a escrita, será licito supor que uma causa de ordem
mais geral, subjacente tanto aos comportamentos do
pensamento como aos que as próprias técnicas em apreço
tenham de envolver, exista e possa ser revelada por meios
operacionais adequados. Chamemos a essa condição nível de
maturidade. (LOURENÇO FILHO,1969,P.48)
Opondo-se a explicar a dificuldade na aquisição da leitura e escrita em
termos de Quociente de Inteligência ligado à idade, como faziam muitos seus
contemporâneos, Lourenço Filho, com base em suas pesquisas experimentais,
baseou os Testes ABC nas diferenças individuais de maturidade:
95
Como se tivesse verificado que essa aprendizagem não
apresenta alta correlação com a idade cronológica dos alunos
nem, a partir de um mínimo de seus anos, com seu nível
mental, formulou-se a hipótese de que outra variável - a de
certas condições de maturação para o trabalho especifico da
aquisição da leitura e da escrita deveria ser relevante.
Aferidas as provas, obteve-se um instrumento para
classificação dos alunos segundo os diferentes níveis críticos
dessa maturidade específica (LOURENÇO FILHO,1969, p.143)
Com os Testes ABC seria possível, não apenas basear-se na idade
cronológica das crianças para entrada na escola, mas ter um critério cientifico
por meio da medida da capacidade de aprender a leitura e escrita e da
organização de classes seletivas e que contemplassem as desiguais
velocidades de aprendizagem.
E o que importa para os problemas práticos reais não é saber
qual a idade em que a media das crianças aproveita, mas, sim,
qual o momento em que esta criança, João, Benedito ou Maria,
está apta para receber o ensino da leitura, com melhor
aproveitamento, ou a que regime deverá ser sujeita, para que
isso possa ser obtido (LOURENÇO FILHO, 1969, P.21).
Para aferir a maturidade para o ensino da leitura e da escrita era levado
em conta um conjunto de aspectos, como: a) a coordenação de movimentos
em geral e, particularmente, a coordenação visual motriz e auditivo-motriz, que
condicionava a conduta da cópia de figuras e a capacidade de prolação; b) a
resistência à tendência à pia dessas figuras e da ecolalia na linguagem oral;
c) a resistência à fadiga e atenção dirigida;c) a facilidade de memorização
visual e auditiva, para figuras, palavras ou frases. (LOURENÇO FILHO,1969)
Finalmente, no quarto momento denominado Alfabetização:
construtivismo e desmetodização, que ocorre a partir do início da década de
1980, vê-se a introdução no Brasil do pensamento construtivista sobre
alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita,
desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro e colaboradores.
Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de
aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta
não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, que
apregoa o abandono das teorias e práticas tradicionais, a desmetodização do
96
processo de alfabetização e questiona a necessidade das cartilhas.
(MORTATTI, 2006)
Voltando ao terceiro momento, importa salientar que Magnani (1997)
atribui aos Testes ABC a fundação da tradição da alfabetização sob medida.
Podemos relacionar esta expressão utilizada pela autora com a idéia
97
especial, em exercícios preparatórios, adequadas condições de
motivação, ou mesmo, certo trabalho corretivo. O diagnóstico
permitirá, pois, um prognóstico, quer dizer, a previsão dos
resultados do trabalho escolar. Isso permitirá nas escolas
isoladas a organização de seções, pelo vel de maturidade
conhecida; e, nas escolas graduadas, a organização de
classes seletivas, praticamente homogêneas. (LOURENÇO
FILHO, 1969, P.9).
Segundo Lourenço Filho, a distribuição em grupos de diferente
maturidade para aquisição da leitura e escrita viria
Obstar a formação de atitudes de desânimo nas crianças
menos amadurecidas; por outro lado, aproveitaria os mais
capazes na razão de sua capacidade, encorajando-os ao
trabalho e habilitando-os a mais rápida produção social.
(LOURENÇO FILHO, 1969, P.108)
Lourenço Filho (1969) considera que o estudo da criança real, viva e com
suas diversidades individuais deve anteceder a organização das classes e
escolas. Difundida pelos preceitos da Escola Nova, essa idéia é adotada nos
cursos de formação de professores, como pudemos notar no plano de ensino
de 1939, (ver III capítulo desta pesquisa) do Instituto de Educação de
Florianópolis, especialmente na parte do conteúdo destinada ao estudo da
criança. O que os Testes ABC trariam de novo em relação ao conhecimento
sobre a criança era o processo de seleção dos alunos, para organização das
classes com o fim específico da aprendizagem inicial da leitura e escrita e
buscando alcançar maiores probabilidades de êxito.
As primeira aplicação dos Testes ABC para organização de classes
seletivas realizou-se em 1930, no grupo escolar da Barra Funda, São Paulo e a
98
que a taxa se elevava para 60% e 70% , sendo que algumas crianças
haviam repetido a classe inicial diversas vezes (LOURENÇO FILHO,1969).
O autor visava com esta medida dois fins específicos:
Primeiro, o de habilitar os professores a conhecimento mais
objetivo de seus próprios alunos, iniciando-os na prática dos
recursos da psicologia aplicada. Depois, atender a um dos
mais graves defeitos da organização escolar, que levava os
grupos escolares a reter na classe inicial como repetentes,
quase metade de seus alunos.( LOURENÇO FILHO,1969,
p.99)
Este trabalho de exame e organização das classes foi coordenado pela
professora Noemi Silveira, então assistente de Psicologia Aplicada. Em quinze
dias de trabalho, foram examinadas 15605 crianças, em 54 estabelecimentos e
organizadas 453 classes seletivas. Como avaliação do trabalho, foi realizado
um inquérito com professores e diretores, sendo que a opinião dos mesmos
mostrou-se positiva em relação à organização das classes seletivas. Com
relação aos benefícios das classes ao sistema de ensino de São Paulo,
Lourenço Filho afirma:
Demonstrou de maneira palpável o valor da organização
racional das classes; inaugurou o sistema de promoção, por
semestre, iniciando o ensino de classes paralelas; encaminhou
os professores a compreensão da autonomia escolar, com
mais completa definição de suas responsabilidades.
(LOURENÇO FILHO,1969,P.108)
Aconteceram também aplicações dos Testes ABC no Distrito Federal
(1932-1934); Belo Horizonte (1932); Instituto Sete de Setembro RJ (1933) que,
segundo o autor, demonstraram empiricamente a utilidade dos Testes ABC.
As vantagens de sua aplicação têm-se patenteado na melhoria
do rendimento escolar, na definição das responsabilidades dos
mestres e, ainda, no estudo dos alunos-problema. Assim
comprovam numerosos trabalhos com referência aos Testes
ABC, publicados no País e no Estrangeiro. (LOURENÇO
FILHO,1969,P.115)
99
Estes testes foram amplamente ensinados nos cursos de formação de
professores. Exemplo disso, são as citações que eles mereceram no Programa
de Psicologia Educacional (1939) no Instituto de Educação de Florianópolis, em
Santa Catarina, como comentado neste capitulo e no anterior.A concepção
que subjaz ao seu uso ou ao seu ensino denota a importância de o professor
saber utilizar os recursos da psicologia aplicada para conhecer seus alunos,
amparado em uma visão cientifica de educação. Os Testes ABC
apresentavam-se como uma solução cientifica para o problema prático da
repetência nos primeiros anos, permitindo aos professores organizar melhor
seu trabalho e aos inspetores melhor avaliar o trabalho realizado:
É evidente que, assim se fazendo, o ensino se tornará mais
racional, mais tecnicamente fundado, com economia de tempo
e esforço, tanto da parte dos alunos, quanto da dos mestres.
Igualmente terão inspetores e diretores mais preciosas
indicações sobre a tarefa entregue a cada professor. O
trabalho docente poderá ser mais judiciosamente avaliado.
E não será tudo.Desde que os mestres compreendam bem os
fundamentos dos Testes ABC, passarão a ter uma visão mais
exata das situações de aprendizagem das crianças a seu
cargo, podendo melhor orientar o ensino em cada caso.
Perceberão que não existem procedimentos mágicos que
ensinem a ler, que as crianças diferentemente aprendem
segundo suas condições peculiares, e que essas condições
deverão ser conhecidas. Entre elas, não estarão apenas as de
maturidade, como conceito geral, mas as que decorram
também de desajustamento, em certo número de alunos, e que
no ato da aplicação das provas poderá igualmente denunciar-
se. (LOURENÇO FILHO, 1969, P.9).
Os testes ABC ofereciam aos educadores meios de lidar com as
diferenças individuais e culturais no sistema escolar, sem, contudo, questionar
em profundidade a origem dessas diferenças. Ao serem largamente utilizados
nas escolas públicas primárias brasileiras, propiciaram a incorporação de uma
série de termos da psicologia ao ambiente educacional.
A três pontos fundamentais respondem portanto os Testes
ABC: ao diagnóstico das condições de maturidade para
aprender; ao prognóstico do comportamento das crianças nas
situações sucessivas do ensino; à necessidade de maior
estudo de certos alunos, geralmente tidos como de
100
comportamento difícil, ou de “crianças problema” (LOURENÇO
FILHO, 1969, p.10).
A análise dos Testes ABC construía um perfil individual de cada aluno por
meio do qual seria possível conhecer a maturidade da criança em termos
quantitativos e qualitativos. A observação desses perfis, que era produto da
análise entre os testes e as notas alcançadas por cada criança neles, permitia
ao professor, por um lado, aprofundar o diagnóstico de cada criança e, por
outro, adaptar os procedimentos didáticos que levassem os alunos a uma
melhor potencializarão de suas capacidades.
Quanto ao diagnóstico de cada criança, Lourenço Filho (1969) assinala
que os Testes ABC fariam uma primeira separação entre os alunos sem
maiores problemas e os que demandariam uma atenção especial, tendo em
vista os resultados obtidos nos diferentes testes. Várias razões poderiam estar
interferindo na maturidade da criança e deveriam ser analisadas pelo professor
como: a) condições gerais de saúde da criança: o professor deveria estar
atento às condições de saúde e nutrição, pois submeter à criança ao ensino,
sem que se suprissem as deficiências existentes, tornaria o trabalho docente
pouco produtivo, os testes poderiam indicar quais crianças necessitariam de
exames e cuidados especiais; b) condições de adaptação sensorial e motora:
as crianças com deficiências sensoriais ( audição e visão), com ficits de
desenvolvimento motor e mental, deveriam passar por exames para
reconhecimento da deficiência e resolução do problema sempre que possível;
c) condições de ajustamento geral: a observação do professor de como a
criança se encontra emocionalmente e se este estado e transitório ou é
derivado das condições familiares e sociais.
Cabe destacar que Lourenço Filho evidencia que a dificuldade de
adaptação inicial à escola pode ser transitória, se bem manejada pelo
professor, e que a situação socioeconômica da criança pode influenciar sua
adaptação e a aquisição que faz de diferentes vocabulários:
Ainda hoje numerosas crianças, provindas de famílias em
condições econômico- sociais menos favoráveis, vão para a
escola intimidadas.Outras jamais tiveram ocasião de pegar um
lápis e de exercitar-se com ele;seu vocabulário pode ser
restrito e inadequado. (LOURENÇO FILHO,1969,P.148)
101
O autor enumera uma série de condições para aprendizagem da leitura e
escrita: a) maturidade da criança; b) desejo ou disposição da criança para
aprender; c) seleção e graduação do material de orientação da aprendizagem;
d) capacidades do professor, tanto técnicas quanto de sua personalidade
como alegria, animação e entusiasmo ao ensino.
A respeito das condições de aprendizagem Lourenço Filho ainda afirma
que elas:
Podem existir ou não existir na criança, ou estarão impedidas
de manifestar-se por situação de saúde e subnutrição; ou
podem ser mal aproveitadas quando a linguagem do professor
e a das lições que apresente não ofereça maior sentido à
criança; ou podem ainda ser prejudicadas por situações de
mau ajustamento emocional ao trabalho da escola. (
LOURENÇO FILHO,1969,P. 150)
Os casos das crianças imaturas para a aprendizagem da leitura e escrita
são contemplados no manual dos Testes ABC, onde são sugeridos exercícios
de discriminação de formas, cores e movimentos, além de outros
desenvolvidos por diferentes profissionais que utilizaram-se dos Testes ABC.
Do perfil individual, no qual se registrem os resultados
parcelados de cada prova será possível avaliar das deficiências
particulares de cada criança e, em conseqüência, do embaraço
que apresente em face deste ou daquele aspecto particular da
aprendizagem. A vista de tais indicações, o mestre poderá
proporcionar exercícios especiais, de caráter estimulante ou
corretivo, para um aluno ou para um grupo deles. (LOURENÇO
FILHO,1969,P.94)
Os casos das crianças imaturas para a aprendizagem da leitura e escrita
são contemplados no manual dos Testes ABC, onde são sugeridos exercícios
de discriminação de formas, cores e movimentos, além de outros
desenvolvidos por diferentes profissionais que se utilizaram dos Testes ABC.
O autor apresenta a diferença de crianças que passaram pelo jardim de
infância na adaptação da aprendizagem da leitura e escrita quando assinala:
Observa-se que as crianças que hajam passado por um jardim
de infância, de conveniente orientação, mais facilmente se
adaptam a aprendizagem inicial da leitura e escrita. A razão
deste fato está em primeiro lugar na oportunidade, que a essas
crianças se ofereceu, no sentido de melhor ajustamento as
tarefas da classe: hábitos e atitudes de atenção; propriedade
102
de vocabulário e correção de pronúncia; maior confiança em si;
mais fáceis contatos com os colegas e o professor.(
LOURENÇO FILHO,1969,P. 152)
Lourenço Filho (1969), destacando o caso das crianças canhotas, diz não
ver nessa particularidade um impedimento para a maturidade e por
conseqüência para a aquisição da leitura e escrita. O autor aconselha que se
deixe o examinando trabalhar com a mão esquerda e que não existem normas
especiais para avaliação dos resultados nesses casos.
Os canhotos podem aprender satisfatoriamente, desde que não
se criem para eles condições de frustração; e mais, por
emulação com os colegas, podem eles tornar-se ambidestros,
isto é, capazes de empregar no desenho e na escrita uma e
outra das mãos, ainda que com eficiência variável, em cada
caso individual. LOURENÇO FILHO,1969,P. 152)
As reações emocionais das crianças interessavam na aplicação dos
Testes ABC, pois para Lourenço Filho elas poderiam interferir na realização do
teste. Pela prática da observação clinica, poder-se-ia notar alguma coisa a
mais que as crianças expressassem.
A observação clinica deveria reunir um certo mero de sinais, formular
várias hipóteses, excluir as menos prováveis, para admitir as que pareciam
mais exatas. Segundo o autor,
Por vezes, bastará atentar para certos sinais ( a aparência
geral da criança, a expressão de seu olhar, a sua maneira de
falar); em outras, porém será preciso colher dados da situação
da vida da criança no momento, em fase anterior, ou em todo
seu histórico. (LOURENÇO FILHO,1969,P. 169)
As crianças-problema inserem-se nessa realidade quando, pela aplicação
dos Testes ABC, notam-se comportamentos emocionais mais complexos que
podem ser derivados das dificuldades de ajustamento no ambiente familiar ou
na escola; conflito intimo. A educação dessas crianças muitas vezes impõe
tratamento especial, o que Lourenço Filho (1969,p.172) considera como uma
razão a mais para que, tão pronto possível, as crianças-problema sejam
reconhecidas como tais e devidamente encaminhadas.”
103
Lourenço Filho observa que os professores devem possuir algumas
noções gerais de psicologia evolutiva e de psicologia clinica a fim de facilitar
seu discernimento quanto às crianças normais e às “ crianças- problema”.
Como vimos no terceiro capítulo, em Santa Catarina essas noções estão
contempladas nos programas de ensino de Psicologia Educacional de 1937 e
1939.
2.Testes ABC de Lourenço Filho e o campo científico da
Psicologia
A ampla recomendação da utilização dos Testes ABC nas escolas do país
como forma de contribuir para a resolução de problemas práticos da educação
brasileira nos anos 1930, bem como sua constante re-edição pelo mercado
editorial nacional - o manual dos Testes ABC teve 12 edições entre 1933 e
1974 e seu material de aplicações 31 edições até 1985 (MAGNANI;
MONARCHA,1997) -, além da trajetória profissional desse autor, evidenciam a
presença por longos anos das idéias de Lourenço Filho no pensamento
educacional do país. Podemos dizer que, no caso específico dos testes ABC,
eles foram um dos elementos que contribuíram para conferir legitimidade ao
seu autor no campo cientifico da psicologia e notoriedade no campo
educacional mundial.
Lourenço Filho (1969) destaca outros estudos que utilizaram os Testes
ABC e os distribui em quatro categorias: os que apenas mencionam os Testes
ABC como úteis, ou divulgam os resultados de sua aplicação, discutindo
questões de aferição e validade de seu teste por outras pessoas; os que m
utilizado os Testes ABC de base para investigações relativas a condições de
saúde e subnutrição, perturbadoras da aprendizagem; os que consideram os
testes como instrumento propedêutico em psicologia clinica, isto é, útil à
caracterização preliminar de casos de crianças com maiores problemas de
ajuntamento e, por fim, estudos que analisam os fundamentos teóricos gerais
da hipótese que os Testes ABC propuseram.
104
O autor faz um registro especial na 1edição, de 1969, que utilizamos
como base neste trabalho, para o Tratado de Psicologia Experimental
organizado por Paul Fraisse e Jean Piaget:
Ao tirar-se esta 11ª edição, deve-se registrar que o “Traite de
Psychologic Experimentale”, publicado em Paris sob a direção
de Paul Fraisse e Jean Piaget, em seu volume VIII, cita e
comenta o conceito de maturidade especifica para a leitura e
escrita, propagada pelos Testes ABC, num estudo de Gaston
Mialaret, especialista na psicologia dessas disciplinas.
(LOURENÇO FILHO,1969,P.12)
A discussão dos Testes ABC e de suas premissas por diferentes agentes
no campo educacional e no campo cientifico da Psicologia, em nível mundial e
nacional, conferiu autoridade cientifica à Lourenço Fillho. O próprio autor
reconhece o espaço a ele conferido pelos Testes ABC, são suas palavras:
O A. sente-se desvanecido em ver que a sua iniciativa,
modestamente formulada como incentivo aos professores
brasileiros para o estudo de questões de pedagogia
experimental, assim tenha despertado a atenção de numerosos
especialistas, como se sente feliz em verificar que as singelas
provas, que organizou, estejam prestando algum beneficio a
crianças e mestres de grande números de paises.
(LOURENÇO FILHO,1969,P.12)
As premissas presentes nos Testes ABC sobre diferenças individuais e a
possibilidade de, sob instrumentos objetivos de medidas, provar essas
diferenças mantiveram-se hegemônicas no discurso pedagógico até a década
de 70. Tal tendência expressava-se claramente na idéia de maturidade para a
alfabetização, tendo em Ana Maria Poppovic
26
uma de suas principais
representantes após Lourenço Filho. Para essa pesquisadora, a maturidade
psiconeurológica era um fator indispensável para o início da alfabetização,
mais relevante até do que a própria inteligência (POPPOVIC, 1972, p.40).
Poppovic entre os anos de 1963-1965 adapta e padroniza o Teste
Metropolitano de Prontidão (1966), que procura substituir os Testes ABC de
Lourenço Filho. Embora os dois medissem a maturidade para a alfabetização,
o ABC tinha a desvantagem de não poder ser aplicado coletivamente, ao
contrário do Teste Metropolitano.
26
Para mais informações sobre a obra de Ana Maria Poppovic ver Pimentel (1997).
105
Ao longo deste capitulo sinalizamos a importância atribuída aos
conhecimentos psicológicos contemplados nos Testes ABC nas primeiras
décadas do século XX no campo educacional brasileiro, mais especificamente
na formação de professores. Tais conhecimentos construídos no campo
cientifico da Psicologia vinculavam-se principalmente a uma visão positivista
que destacava aspectos empíricos- experimentais. Esta visão hegemônica da
ciência psicológica no Brasil não representa, no entanto, inexistência de
embates no campo cientifico mundial. Para demonstrar tal afirmação trazemos
as idéias desenvolvidas por Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) russo,
professor de literatura, estética, história da arte e psicologia, um dos teóricos a
buscar nos fundamentos do materialismo histórico e dialético referências para
pensar a ciência psicológica.
Para esse autor, o psiquismo humano tem um caráter mediado, ou seja, o
psiquismo se constitui nas relações que o homem estabelece com seu meio
social e cultural. Dessa forma, para estudar os processos especificamente
humanos, tais como a aquisição da linguagem e o aprendizado da leitura e da
escrita, não é suficiente à ciência psicológica conhecer os processos biológicos
que caracterizam o desenvolvimento humano. A própria idéia de
desenvolvimento humano como condição para a aprendizagem, que se
estabelece com base na idéia de maturidade, é questionada por essa
perspectiva teórica. Na verdade, a passagem da criança pelo processo de
escolarização cria as condições para a realização de seu próprio
desenvolvimento. Em outras palavras, a experiência escolar é muito mais do
que um mero campo de aplicação dos conceitos psicológicos e os processos
de ensino-aprendizagem, bem como as relações estabelecidas na instituição
escolar, exigiam para Vygostky um estudo específico por parte da Psicologia.
Em um texto escrito em 1927, Vygotsky faz uma crítica às correntes
psicológicas do início do século com relação às formas de compreensão do
objeto e método da ciência psicológica. Segundo Zanela (2001), a crise da
Psicologia pode ser sintetizada por duas posições teóricas que disputavam o
campo científico: a psicologia naturalista ou fisiologista e a psicologia idealista
de cunho subjetivista.
106
Carvalho ao analisar esse texto, indica:
Segundo Vygotsky, nenhuma dessas concepções conseguia
dar respostas efetivas ao estudo das funções especificamente
humanas, que denominou funções psíquicas superiores,
porque estas eram estudadas a partir dos processos naturais
que as integram, reduzindo os processos superiores e
complexos aos processos elementares (como reflexos) e
desprezando as peculiaridades e leis específicas do
desenvolvimento cultural da conduta. (...) Na verdade, as
concepções tradicionais em Psicologia não conseguiam
explicar as diferenças entre processos orgânicos e processos
culturais do desenvolvimento, por isso tendiam a considerá-los
como fenômenos de mesma ordem, de idêntica natureza
psicológica e com leis que se regiam pelo mesmo princípio. Tal
compreensão leva a uma formulação errônea das questões
porque não julga os fatos do desenvolvimento psíquico da
criança como fatos do desenvolvimento histórico, mas sim
como processos e formulações naturais, confundindo o natural
e o cultural, o natural e o histórico, o biológico e o social.
(CARVALHO, 2000, P.48-49)
Segundo Vygotsky, o desenvolvimento da psicologia aplicada deu lugar à
reestruturação de toda a metodologia da ciência sobre a base do principio da
prática, ou seja, de sua transformação em ciência natural. Para muitos
psicólogos, a introdução do experimento constituiu uma reforma básica da
psicologia, chegando a identificar a psicologia experimental como psicologia
cientifica. Prognosticaram que o futuro pertence apenas à psicologia
experimental e viram nesse qualificativo um importantíssimo principio
metodológico. Na opinião do autor, os experimentalistas não foram além da
utilização de procedimentos técnicos e princípios pouco rigorosos, estando a
pergunta de pesquisa condicionada à técnica a ser utilizada (VYGOTSKY ,
1996, P. 352-353).
A única aplicação legitima do marxismo em psicologia seria a criação de
uma psicologia geral cujos conceitos se formulem em dependência direta com
a dialética geral, porque essa psicologia nada seria além da dialética da
psicologia. Neste sentido, a dialética abarca a natureza, o pensamento, a
história. Para Vygotsky essa dialética da psicologia ou marxismo psicológico é
o que ele considera como psicologia geral.
No processo da vida social o homem desenvolve sistemas muito
complexos de relação social e psicológica. Vygotsky assinala que, entre todos
107
os sistemas criados pelo homem, o mais importante é a linguagem, pois ela
permitiu a assimilação da experiência construída pela humanidade, o domínio
da corticalidade cerebral e o controle do comportamento, tanto o próprio
comportamento do homem como daqueles que o cercam (Vygotsky,
1931/1995
27
, p. 86-87).
Vygotsky entende a linguagem como uma função psíquica superior por se
constituir como uma outra classe de atividades do sujeito, específica ao ser
humano e que envolve uma interação mediada entre o homem e a natureza,
provocando uma atividade autêntica, ou seja, não provocada somente por
estímulos naturais. A linguagem, além de transpor as funções psíquicas a um
nível superior de conduta, medeia a aprendizagem do uso de instrumentos,
representa a realidade num novo sistema de sinais, medeia a assimilação dos
motivos significativos numa dada cultura e possibilita o ativo desenvolvimento
do domínio da própria conduta na relação com os seres mais desenvolvidos.
Com base no exposto acima ficam evidentes as diferenças de
pensamento entre Lourenço Filho e Vygostky. No Brasil, assim como no
cenário mundial, as idéias representadas por Lourenço Filho foram as que
adquiriram legitimidade, autoridade científica e se tornaram dominantes.Outras
idéias que se expressavam nos Testes ABC também passaram a fazer parte
do pensamento educacional brasileiro, sendo estabelecidas relações entre
fatores que se tornaram parte constituinte do senso comum dos professores,
tais como a relação maturidade, desenvolvimento e aprendizagem; a relação
problemas emocionais e adaptação escolar. O aspecto central dessas idéias
que se dissemina é a busca nas diferenças individuais dos alunos as possíveis
causas para o desempenho escolar.
As conseqüências desse tipo de prática escolar foram analisadas em um
momento distinto, décadas de 1960-1970, por Pierre Bourdieu com relação à
escola francesa. Bourdieu questionava qualquer tipo de classificação que
naturaliza as diferenças de origem social, especialmente a ideologia dos dons.
Essa ideologia seria o pensamento construído pelo sistema escolar e, mais
27
A primeira data diz respeito ao ano em que a obra foi escrita e a segunda ao ano da edição
utilizada.
108
amplamente pelo sistema social, de que as dificuldades escolares das classes
desfavorecidas são percebidas como inaptidões naturais, ligadas a sua
natureza individual e a sua falta de dons.
Na esteira dessas idéias, conclui-se que não podemos simplesmente
classificar as crianças pela sua maturidade, desconsiderando suas condições
sociais e a estrutura objetiva de distribuição dos bens materiais e simbólicos,
tendo em vista que esta se de forma desigual, dependendo da posição
ocupada por cada agente dentro de um determinado campo. Para Bourdieu,
mesmo que a educação seja vista como possibilidade de ascensão social, a
escola ignora as desigualdades culturais a que estão expostas as crianças de
diferentes classes sociais na transmissão de conteúdos e na utilização de
métodos e técnicas. Com isso, favorece os mais favorecidos e desfavorece os
mais desfavorecidos. São suas palavras:
É provável por um efeito de inércia cultural, que continuamos
tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social,
segundo a ideologia da ‘escola libertadora’, quando, ao
contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais
eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança
cultural e o dom social tratado como dom natural. (BOURDIEU,
1998, P. 41)
Neste sentido Bourdieu afirma que o sistema escolar está construído para
identificar e reificar a inteligência, valorizar o dom e a vocação. Inteligentes,
dotados e vocacionados têm acesso à ciência e à cultura e serão bem-
sucedidos na escola e fora dela; os demais devem acomodar-se nas
habilitações sem prestígio, ocupar as funções inferiores e contentar-se com as
posições subalternas Valle (2007
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta dissertação buscamos analisar como as idéias de
Lourenço Filho referentes à Psicologia cientifica e materializadas nos Testes
ABC, contribuíram na constituição do campo educacional brasileiro,
especialmente em relação à formação de professores e à organização da
prática escolar. Para que tal objetivo fosse alcançado, procuramos responder a
duas questões que serviram de base para a construção do trabalho.
Uma primeira questão: qual a compreensão de ciência que se tornou
dominante no momento da constituição do campo educacional brasileiro?
A constituição do campo educacional no inicio do século XX estava
diretamente relacionada às demandas do Brasil em construir-se como uma
nação moderna, em que os conhecimentos da ciência em plena efervescência
em termos mundiais fossem aplicados ao entendimento da sociedade. Os
intelectuais foram recrutados pelo estado para as mais diversas funções devido
a suas qualificações acadêmicas, sendo a aposta na educação assumida por
estes intelectuais como a possibilidade de realização de tal projeto. Além de
formar quadros para a indústria ascendente, a educação permitiria manter a
coesão social da população e possibilitaria a construção do homem novo que
se desejava para a nação moderna e industrializada.
Os diferentes campos científicos desenvolviam-se no mundo do inicio do
século XX, sendo comum a valorização das descobertas da ciência como
possibilidade de aplicá-las aos mais diferentes campos do fazer humano. A
visão de uma ciência pragmática domina este cenário, onde diferentes
experimentos procuram respostas para necessidades práticas da sociedade. A
educação não fugiu a esta regra, constituindo-se como um campo privilegiado
de aplicação dos diferentes conhecimentos científicos da Psicologia, Biologia,
Sociologia.
A constituição de uma educação cientifica encontrou no Brasil
ressonância nas idéias de Lourenço Filho. Esse educador teve atuações
110
diferenciadas no campo educacional, destacando-se na formulação de
reformas educacionais, na divulgação do conhecimento científico da época,
além de um importante papel na formação de professores. Por meio de suas
diferentes produções, discutia a importância dos conhecimentos construídos
pela ciência psicológica a fim de buscar uma forma de responder aos
problemas emergentes da prática educacional referentes, especialmente, à
formação de professores e à organização escolar. É nesse sentido que os
TESTES ABC, formulado pelo autor, se destaca como um instrumento eficiente
para este fim.
As produções de Lourenço Filho no campo educacional brasileiro nos
permitem, assim, questionar: que tipo de conhecimento psicológico essa
ciência ofereceu à Educação no processo de instituição de uma legitimidade
científica para embasar os processos de escolarização?
Vimos que os conhecimentos psicológicos foram amplamente discutidos e
utilizados na educação brasileira no inicio do século XX, seja nos laboratórios
de psicologia experimental que eram criados nas escolas normais, como na
divulgação dos conhecimentos produzidos pelo campo científico da Psicologia.
Uma maneira especialmente significativa da Psicologia fazer-se presente no
campo educacional foi por meio da inserção disciplina de Psicologia no
currículo dos cursos que se destinavam à formação de professores. Foi nesses
cursos que as principais idéias desenvolvidas no campo psicológico acerca do
desenvolvimento da criança e das suas possibilidades de aprendizagem se
disseminaram no pensamento educacional brasileiro.
Pelos conhecimentos oriundos da Psicologia, a criança assumiu um
espaço central no discurso e prática pedagógica. Entender de seu
desenvolvimento passou a ser tarefa primordial do professor. Foi nesse sentido
que os Testes ABC foi uma produção que materializou e expressou os
conhecimentos psicológicos vigentes na época sobre crianças e teve uma
influência direta sobre a organização escolar. Visando medir a maturidade das
crianças para a aprendizagem da leitura e escrita, estes testes possibilitaram
uma nova configuração do ambiente escolar em classes que separavam as
crianças maduras e as imaturas, buscando um maior êxito no desempenho
111
112
FONTES
Decretos, circulares, portarias (Silva,2003)
SANTA CATARINA. Decreto-lei n. 713, de 8 de janeiro de 1935 cria os
Institutos de Educação. Diário Oficial, Florianópolis, n. 246, 08.01.1935, Ano II.
Acesso:APESC.
_______________. Decreto-lei n. 217, de 09 de março de 1937 organização
dos programas, a título provisório, das disciplinas ministradas na Escola
NormalSuperior Vocacional. Diário Oficial, Florianópolis, n. 877, 12.03.1937,
Ano IV.Acesso: APESC.
_______________. Decreto-lei n. 306, de 2 de março de 1939 reorganiza o
Instituto de Educação. Coleção de Decretos-Leis de 1939, Florianópolis,
1939.Acesso: APESC.
_______________. Secretaria do Interior e Justiça. Departamento de
Educação.Circular n. 32, de 26 de setembro de 1935 recomenda para as
bibliotecas dosGrupos Escolares a compra dos livros da Companhia Editora
Nacional, sob direçãode Fernando de Azevedo Série III Atualidades
Pedagógicas. Circulares 1930-1941. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1942.
Acesso: APESC.
________________. Departamento de Educação. Programas Provisórios
aprovados pela Superintendência Geral do Ensino. Instituto de Educação de
Florianópolis Curso Normal regulamenta os conteúdos a serem ministrados
nas disciplinas de Psicologia Educacional e Pedagogia. Diário Oficial,
Florianópolis, n.1465, 11.04.1939, Ano VI. Acesso: APESC.
Discurso publicado na revista Estudos Educacionais (Silva,2003)
113
LOURENÇO FILHO, Manuel B. O professor Lourenço Filho como
paraninfo dos nossos professorandos. Estudos Educacionais. Publicação do
Curso Normal do Instituto de Educação, Fpolis/SC, ano III, n. 5, dez. 1943.
Acesso: BPESC, IHGSC e BN.
Livros encontrados na Biblioteca do Colégio Coração de Jesus ( Daros e
Pereira, 2002)
114
115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
ANTUNES, M.A.M. A psicologia no Brasil: leitura histórica de sua constituição.
4ºed. São Paulo: Unimarco Editora/Educ ,2005.
BERTOLETTI, E. N. M . Cartilha do povo E Upa, Cavalinho! - Projeto de
Alfabetização de Lourenço Filho. In: Carlos Monarca. (org.). Lourenço Filho -
outros aspectos, mesma obra. Campinas: Mercado de Letras, 1997.
BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
_____. O poder simbólico. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2001.
_____. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clinica do campo
cientifico. São Paulo: Unesp,2004.
BRANDAO, Z. A inteligentsia educacional um percurso com Paschoal Lemme:
por entre as memórias e as historias da Escola Nova no Brasil. Bragança
Paulista: CDAPH-IFAN; EDUSF, 1999.
CABRAL,A; OLIVEIRA,E.P. Uma breve historia da Psicologia. Rio de Janeiro:
Zahar,1972.
CAMPOS, R. H. F. ; ASSIS, R.M. ; LOURENÇO, E. . Lourenço Filho, a Escola
Nova e a Psicologia. In: LOURENÇO FILHO, M.B.. Introdução ao estudo da
Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea 10. ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
CAMPOS,R.H.F. A psicologia em Genebra e os movimentos de defesa dos
direitos das crianças (1920-1940): conexões epistemológicas.In: GUEDES,
M.C; CAMPOS,R.H.F. Estudos em história da Psicologia. o Paulo:
Educ,1999. p. 67-94
______. . Psicologia e educação nas primeiras décadas do século XX: o
diálogo com pioneiros na França e na Suíça, o olhar sobre a cultura brasileira.
In: 28a Reunião Anual da ANPED, 2005, Caxambu, MG. Anais da 28a.
Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG : Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Educação, 2005.
CARDOSO,J.A.N. A Formação do Normalista na Escola Catarinense nos anos
de 1910. In:SCHEIBE,L;DAROS,M.D (orgs). Formação de professores em
Santa Catarina. Florianópolis : NUP/CED,2002.p135-164.
116
CARVALHO,D C. : Psicologia e alfabetização: uma relação vista sob a óptica
dos professores.Tese (Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade)-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Pontifica
Universidade de São Paulo, São Paulo ,2000.
CARVALHO, D. C. . As contribuições da psicologia para a formação de
professores: algumas questões para debate.. In: Maraschin,C; FREITAS,L;
CARVALHO, D. C (Org.). Psicologia e Educação: multiversos olhares, sentidos
e experiências.. 1 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
CARVALHO,M.M.C . A Escola e a República. São Paulo: Brasiliense, 1989
_____. O território de consenso e a demarcação do perigo:política e memória
ddo debate educacional dos anos 30. In: FREITAS, M.C (org). Memória
intelectual da educação brasileira. Bragança Paulista: Edusf,1999. p.17-30.
CASTANHO,S.E.M. A educação escolar pública e a formação de professores
no império brasileiro. In:LOMBARDI,J.C; NASCIMENTO,M.I.M (orgs). Fontes,
história e historiografia da educação. o Paulo: Autores Associados, 2004.
p.37-63.
CENTOFANTI, R . Os laboratórios de psicologia nas escolas normais de São
Paulo: o despertar da psicometria.. Psicologia da Educação - Revista do
Programa de Estudos s-Graudados (PUC/SP), São Paulo, v. 22, n. 1sem, p.
31-52, 2006.
CLAPARÈDE, E. A escola sob medida. . Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura,1959,1ed.1920
.
CUNHA,M.T.S. Centelhas de Idealismo”. In:SCHEIBE,L;DAROS,M.D (orgs).
Formação de professores em Santa Catarina. Florianópolis :
NUP/CED,2002.p.71-92.
CUNHA,M.V. A educação dos educadores: da Escola Nova a escola de hoje.
Campinas SP: Mercado das Letras,1995.
DAROS,M.D. Formação de professores em Santa Catarina: breves
considerações sobre sua história.In:DAROS,M.D; SILVA,A.C; DANIEL,L.S.
Fontes históricas: contribuições para o estudo de formação de professores
catarinenses (1883-1946).Florianópolis : NUP/CED/UFSC,2005.p.11-22.
DAROS,M.D; PEREIRA, E.A.T. O pensamento de Alceu de Amoroso Lima em
um colégio católico de formação de professores em Santa Catarina.II
Congresso Brasileiro de Historia da Educação, 2002, Natal.
DURKEIM,E. Sociologia, educação e moral.Porto- Portugal:Res,1984.
117
FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do Pensamento Psicológico. Petrópolis, RJ,
Vozes, 1991.
GUEDES,M.do C. (Org.). História e Historiografia da Psicologia: revisões e
novas pesquisas. São Paulo: EDUC, 1998.
______. e CAMPOS, R. H. de F. (orgs.). Estudos em História da Psicologia.
São Paulo, EDUC, 1999.
GREBIM,V.S. P. Por que as crianças devem ir a escola?As relações entre a
Psicologia,a infância e a Pedagogia moderna no Brasil.Psicologia da
Educaçao: São Paulo,v.17,n.1, pp.37-50, 2 sem.de 2003.
LEITE,D.M.O Desenvolvimento da Criança. São Paulo: Nacional, 1972
LOURENÇO,F.M.B . Introdução ao estudo da escola nova. 2ªed. São Paulo:
Melhoramentos,1930
_____. Testes ABC: Para verificação da maturidade necessária a
aprendizagem da leitura e escrita. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1969.1 ed.
1934
_____. A psicologia no Brasil. In: AZEVEDO,F org. As ciências no Brasil. Ed.
UFRJ, 1994. 1ºed:1955
_____. Introdução ao estudo da Escola Nova. 12ºed . São Paulo:
Melhoramentos, 1978.
_____.
Introdução ao estudo da Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da
pedagogia contemporânea 10. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
MAGNANI, M. R. M. Testes ABC e a Fundação de Uma Tradição:
Alfabetização Sob Medida.. In: Carlos Monarcha. (Org.). Lourenço Filho: outros
aspectos, mesma obra.. 1 ed. Campinas - SP: Mercado de Letras, 1997, p. 59-
90.
MASSIMI, M. . Historia dos Conhecimentos Psicológicos No Brasil Na Época
Colonial. In: GUEDES. (Org.). HISTORIA DA PSICOLOGIA NO BRASIL. RIO
DE JANEIRO: PUC/RJ, 1987, p. 69-75.
______; GUEDES,M.do C.(orgs.) Historia da Psicologia no Brasil:novos
estudos. São Paulo: Educ, Cortez Editora,2004.
MONARCHA,C. A reinvenção da cidade e da multidão: dimensões da
modernidade brasileira: A Escola Nova. São Paulo: Cortez,1989.
_____. (org.). Lourenço Filho - outros aspectos, mesma obra. Campinas:
Mercado de Letras, 1997
118
_____. Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas: Editora
da UNICAMP, 1999
.
_____. Lourenço Filho e a organização da psicologia aplicada a educação (
São Paulo 1922-1936). INEP/MEC. Brasilia DF,2001.
MORTATTI, M. R. L . História dos métodos de alfabetização no Brasil. Portal
Mec Seminário Alfabetização e Letramento Em Debate, Brasília, v. 1, p. 1-16,
2006.
MICELI, S. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo:
Difel, 1979.
NASCIMENTO,C.D;DANIEL,L.S. Instituto de Educação de Florianópolis e os
intelectuais catarinenses na década de 40. In:SCHEIBE,L;DAROS,M.D (orgs).
Formação de professores em Santa Catarina. Florianópolis :
NUP/CED,2002.p.53-70
NOBREGA, P. Escola Normal, Ciência e Nacionalidade na Primeira República.
In:SCHEIBE,L;DAROS,M.D (orgs). Formação de professores em Santa
Catarina. Florianópolis : NUP/CED,2002.p.113-134.
NOVAES, M. H.; MARTINS, O. Glossário de termos referente aos testes e
medidas psicológicas. Rio de Janeiro: FGV, 1968.
NUNES, Clarice. Historiografia comparada da escola nova: algumas questões.
Rev. Fac. Educ. Vol.24, no.1, Jan 1998.
OLIVEIRA,M.K. Lourenço Filho na historia da Psicologia. In:PILETTI,N (org).
Educação Brasileira:a atualidade de Lourenço Filho. São Paulo:
FEUSP,1999.p.127-152.
ORTIZ, R. Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
PAGNI, P.A. Do manifesto de 1932 a construção de um saber pedagógico:
ensaiando um diálogo entre Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Ijuí:
Unijui,2000.
PATTO, M. H. S. Introdução à psicologia do escolar. São Paulo: T. A.Queiroz,
1983
______. Psicologia e ideologia: uma introdução critica à psicologia escolar. São
Paulo: T.A. Queiroz,1984.
PÉCAUT, D. Os intelectuais e a política no Brasil- entre o povo e a nação. São
Paulo: Ática,1990.
PESSOTTI, I. . Dados Para Uma Historia da Psicologia No Brasil.
PSICOLOGIA, v. 1, n. 1, p. 1-14, 1975.
119
PIMENTEL, A. Um estudo de caso na relação entre psicologia e educação: o
programa alfa. Dissertação de Mestrado, Programa de Psicologia da Educação,
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,1997
POPPOVIC, A. M. 1972. Alfabetização: um problema interdisciplinar. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, nº 2, p. 1-43, 1972.
ROMANELLI,O.O. História da educação no Brasil.12 ed. Petrópolis:
Vozes,1990.
SANTOS FILHO, J.C. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa:
desafio paradigmático. In: SANTOS FILHO, J.C. e GAMBOA, S.S. Pesquisa
Educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, 1999.
SASS,O. Critica da razão solitária: a psicologia social de George Herbert Mead.
254p. Tese (Doutorado em Psicologia Social) Pontifica Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo,1992.
SILVA, G. M. D. Sociologia Da Sociologia Da Educação: Caminhos E Desafios
De Uma Policy Science No Brasil (1920-1979), História & Ciências Sociais.
Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2002.
SILVA, A.C. As concepções de Criança e Infância na Formação de Professores
Catarinenses nos anos de 1930-1940.2003.176p. Dissertação ( Mestrado em
Educação)Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2003.
_____. Instituto de Educação de Florianópolis ( 1930-1940): olhares sobre a
infância e a formação de professores. In: LAFFIN,M.H.L.F;RAUPP,M.D;
DURLI,Z (orgs). Professores para a escola catarinense: contribuições teóricas
e processos de formação. Florianópolis: Ed. UFSC,2005.p.39-65.
SILVA,A.C;DANIEL,L.S; DAROS,M.D. A reforma curricular dos cursos de
formação de professores em Santa Catarina nos anos 1930/1940: o papel
estratégico da ciência como fundamento das políticas do Estado para a
educação nacional. In:DAROS,M.D; SILVA,A.C; DANIEL,L.S. Fontes históricas:
contribuições para o estudo de formação de professores catarinenses (1883-
1946).Florianópolis : NUP/CED/UFSC,2005.p23-38
SINDER, Marilene. Vygotsky e Bakhtin - Psicologia e educação: um intertexto.
Educ. Soc. , Campinas, v. 18, n. 60, 1997 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173301997000300
012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 Aug 2007.
TANURI, L.M. História da formação de professores. Revista Brasileira de
Educação, Nº 14Mai/Jun/Jul/Ago 2000.
120
THIRY-CHERQUES, H. R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm.
Pública, Fev 2006, vol.40, no.1, p.27-53.
VALLE, I. R.. A obra do sociólogo Pierre Bourdieu: uma irradiação
incontestável. Educ. Pesqui. , São Paulo, v. 33, n. 1, 2007 . Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
97022007000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 Ago 2007.
VENANCIO FILHO,A. Lourenço Filho um educador brasileiro. In:PILETTI,N
(org). Educação Brasileira:a atualidade de Lourenço Filho. São Paulo:
FEUSP,1999.
VIDAL,F.A escola nova” e o espírito de Genebra. Uma utopia político-
pedagógica dos anos 20.In: GUEDES, M.C (org). História e historiografia da
psicologia: revisões e novas pesquisas. São Paulo: Educ,1998. p. 101-127.
VYGOTSKY, L. S. Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores.
In: Obras Escogidas. Madrid: Visor. Vol. 3, 1995, 1ed.1931
VYGOTSKY, L.S. Teoria e método em psicologia. São Paulo, Martins Fontes,
1996
XAVIER,L.N. O Brasil como laboratório- educação e ciências sociais no projeto
do centro brasileiro de pesquisas educacionais. Bragança Paulista: Edusf,1999.
_____.
Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova. (1932). Bragança Paulista: EDUFS, 2002.
ZANELLA, A.V . L.S.Vygotski: contexto, contribuições à psicologia e o conceito
de zona de desenvolvimento proximal. 1. ed. Itajaí/SC: Editora da UNIVALI -
Universidade do Vale do Itajaí, 2001.
WARDE, M.J. Para uma história disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In:
Freitas, Marcos C. (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo:
Cortez,1997. p. 289-310
_____. Americanismo e educação: um ensaio no espelho. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, 2000.
_____. O itinerário de formação de Lourenço Filho por descomparação.Revista
Brasileira de História da Educação n° 5 jan./jun 2003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo