Download PDF
ads:
1
A COMPLEMENTARIEDADE ENTRE OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO
NARRATIVO E DESCRITIVO NO GÊNERO HISTÓRIA EM QUADRINHOS
Aline Moraes Viana
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Dissertação de mestrado
VIANA, Aline Moraes. A complementariedade entre os modos de organização narrativo e
descritivo no gênero História em Quadrinhos. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras/UFRJ. 2007.
Orientadora: Professora Doutora Maria da Conceição A. de Paiva – UFRJ
Co-orientadora: Professora Doutora Maria Luiza Braga – UFRJ
Professora Doutora Vera Lúcia Paredes da Silva – UFRJ
Professora Doutora Maria da Penha Pereira Lins – UFES
Professor Doutora Maria Aparecida Pauliukonis Lino – UFRJ
Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
Defendida a Tese.
Conceito:
Em_____/______/2007.
ads:
3
Universidade Federal do Rio de Janeiro
A COMPLEMENTARIEDADE ENTRE OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO
NARRATIVO E DESCRITIVO NO GÊNERO HISTÓRIA EM QUADRINHOS
por
ALINE MORAES VIANA
Departamento de Lingüística
Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Maria da Conceição Paiva
Co-orientadora: Maria Luiza Braga
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2007
4
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Maria da Conceição Paiva pelo apoio, pela orientação sempre
presente e pela dedicação com que acompanhou o meu trabalho.
À Professora Doutora Maria Luiza Braga pela co-orientação e pelas importantes
observações realizadas ao longo deste trabalho.
Aos meus familiares e amigos pelo apoio e compreensão.
5
SINOPSE
Complementaridade entre os modos de organização narrativo
e descritivo no gênero História em quadrinhos dentro da
perspectiva das etapas narrativas propostas por Labov e
Waletzky (1972) e dos enquadres dos planos descritivos
estabelecidos por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004) .
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................8
2. O GÊNERO HQ ........................................................................................................................11
2.1 A complementaridade entre a linguagem verbal e não verbal no gênero HQ .........................11
2.2 A relação entre a imagem e texto na HQ .................................................................................15
2.3 A linguagem visual na HQ ......................................................................................................16
2.4 A linguagem verbal na HQ ......................................................................................................19
3. O MODO DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO ...................................................................24
3.1 Modo de organização narrativo ...............................................................................................26
3.2 O modo descritivo ...................................................................................................................33
4. AMOSTRA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................................39
5. PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO NARRATIVO NAS HQS ........................................42
5.1 Padrão de desenvolvimento linear ...........................................................................................42
5.1.1 Revista composta somente pelo código não verbal (Chico Bento no 449) ..........................42
5.1.2 Revista composta pela interação do código verbal/não verbal (Cebolinha no 228) ............48
5.2 Padrão de desenvolvimento encaixado ...................................................................................55
5.2.1 Revista composta somente pelo código não verbal (Chico Bento no 448) .........................55
5.2.2 Revista composta pela interação do código verbal/não verbal (Mônica no 228) ................60
6. CONCLUSÕES ........................................................................................................................70
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................74
ANEXOS
7
Diante da prancheta, o desenhista é quase onipotente para criar,
depende de seu traço e de seu lápis para tornar concreto aquilo que
concebeu. (...)
Pouco importa saber se os quadrinhos são – ou não – uma arte,
mesmo porque - hoje - o que realmente seria arte? O que importa é o
seu poder de comunicação e a sua capacidade de revitalizar formas
expressionais.
(Ruy de Castro)
8
1. INTRODUÇÃO
A História em Quadrinhos (HQ) é um gênero que se particulariza, pois conjuga a
linguagem verbal e não-verbal. Por mesclar essas duas formas de linguagem para a construção do
sentido do texto, a história em quadrinho constitui uma leitura acessível a qualquer tipo de leitor.
Atualmente, o gênero textual História em Quadrinho passou a ser visto não apenas como
um texto cujo objetivo seja o entretenimento de seus leitores, mas também como um foco de
estudos de diversos autores como: Rincón (1996), Lins (2002), Cirne et alii (2002), Mendonça
(2003) e Rama & Vergueiro (2003) que encontraram na HQ um vasto campo de trabalho a ser
investigado.
Vale ressaltar que o gênero HQ é caracterizado por ser um texto predominantemente
narrativo em que as seqüências de imagens transmitidas pelas vinhetas podem estar aliadas ao seu
componente verbal. Embora a sua característica narrativa seja a mais marcante, não se pode
deixar de observar que o modo descritivo- aliado ao narrativo- também desempenha um papel
fundamental não apenas na caracterização imagística das personagens, mas também no próprio
desenrolar do enredo a ser desenvolvido.
O presente trabalho tem como objetivo principal apresentar e analisar a
complementaridade entre o modo narrativo e descritivo dentro do gênero História em Quadrinhos
mostrando a forma como eles interagem para a construção do gênero. Serão examinadas 4 HQs
brasileiras de “Turma da Mônica” de Maurício de Sousa. Para a análise do modo de organização
narrativo, se verificará a aplicabilidade das etapas narrativas propostas por Labov (1972),
procurando identificar a forma como elas são realizadas dentro do gênero textual focalizado. Já,
para a análise do modo de organização descritivo, será aplicada a classificação de enquadres e
planos proposta por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004). Procede-se a uma análise quadro
a quadro dos tipos de “recortes” imagísticos realizados em cada história observando também as
suas contribuições para o enredo narrativo.
O trabalho, deste modo, divide-se em duas partes principais: capítulos 2 e 3 (os
pressupostos teóricos) e capítulos 4 e 5 (amostra e procedimentos metodológicos e análise do
desenvolvimento narrativo das histórias em quandrinhos e a interação entre os modos
narrativo e descritivo).
9
No capítulo 2 será observado mais especificamente o gênero História em Quadrinhos e a
suas características particulares. Na seção 2.1, será abordado o gênero em questão como um tipo
de texto em que há - em grande parte - a interação do código verbal / código não-verbal e como
essas linguagens contribuirão para a construção da sua coerência e coesão textual. A relação entre
imagem e texto na HQ será vista na seção 2.2 em que se demonstrará a relevância da imagem
para a construção de sentido neste gênero textual. Nas seções 2.3 e 2.4, serão ressaltados os
componentes que constituem a linguagem visual e verbal nas HQs e, ao mesmo, tempo se notará
como estes elementos podem contribuir diretamente ou indiretamente para a formação do gênero
textual a ser estudado.
No capítulo 3, será visto o conceito de modo de organização do discurso e quais as
características lingüísticas principais dentro de um gênero textual para que este seja considerado
narrativo ou descritivo. Nas seções 3.1 e 3.2 serão trabalhados, com maior atenção, os modos de
organização narrativo e descritivo. Na seção 3.1 será estudado prioritariamente o enredo
narrativo, assim como também as etapas narrativas principais que o constituem de acordo com a
visão de Labov (1972), Koch (2000) e Adam (2005). Na seção 3.2, serão problematizadas a
função e a utilização do modo de organização descritivo, de acordo com a proposta desenvolvida
por Charaudeau (1992), Koch (2000), Pauliukonis (2000) e Adam (2005) e também se
questionará através de Charaudeau (1982) e Hamon (1982) se o modo descritivo e o modo
narrativo podem ou não estar presentes no mesmo espaço textual contribuindo da mesma forma
para a construção da tessitura textual.
No capítulo 4, fornecemos os detalhes sobre a amostra utilizada, o número de histórias
selecionadas para análise e como será observada a interação entre o modo narrativo e descritivo
sob a perspectiva de etapas narrativas propostas por Labov e Waletzky (1972), e descritivo dentro
do contexto da HQ, sendo este último melhor detalhado através da aplicação da classificação dos
planos proposta por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004).
Por fim, no capítulo 5, será analisado mais detalhadamente um corpus de quatro Histórias
em Quadrinhos brasileiras de Maurício de Sousa (Turma da Mônica): duas representativas de um
padrão de narrativa linear ( Chico Bento n
o
449,composta somente pelo código não-verbal e
Cebolinha n
o
228, composta pela interação do código verbal e não-verbal) e duas representativas
de um padrão de desenvolvimento encaixado ( HQ de Chico Bento n
o
448, composta somente
pelo código não-verbal e Mônica n
o
228, composta pela interação do código verbal e não-verbal)
10
em que se aplicarão as categorias analíticas referidas pelos os estudos realizados anteriormente
sobre o modo narrativo e descritivo, buscando observar a forma como se inter-relacionam no
gênero escolhido para análise.
11
2. O GÊNERO HQ
Neste capítulo, é tratado mais especificamente o gênero história em quadrinhos e os seus
componentes, ou seja, a linguagem verbal e a não-verbal. Será focalizada também a forma como
os modos narrativo e descritivo interagem interagem nesse gênero textual.
2.1 A complementaridade entre a linguagem verbal e não verbal no gênero HQ
O gênero História em quadrinhos (HQ, daqui para a frente) se particulariza por ser
formado pela interação de dois códigos importantes para a sua composição: o visual e o verbal,
como destacaram autores como Rincón (1996), Lins (2002), Cirne et alii (2002), Mendonça
(2003) e Rama & Vergueiro (2004).
Para Cirne et alii (2002:14), a estrutura dos quadrinhos se caracteriza essencialmente pela
seqüencialidade. Entre uma imagem e outra, há uma continuidade temporal e espacial que vai
gradativamente, construindo um enredo. Ainda segundo o autor, a HQ constitui uma narrativa
gráfico-visual que pode ser aliada à linguagem verbal através dos balões que podem contribuir
para o enriquecimento narrativo de uma HQ, representando a fala das personagens de uma
história e os seus sentimentos (de ira, de entusiasmo etc). As HQs podem também ser compostas
somente pelo código não-verbal, que a imagem é o elemento principal de sustentação do
enredo.
As narrativas de uma HQ, segundo Cirne et alii (opt.cit:18) e Mendonça (2003:197)
podem variar de acordo com o tipo de publicação em que elas estão inseridas. Assim, pode haver
narrativas para a página do suplemento dominical que terá continuidade ou não, narrativas para
publicações exclusivas (ex. gibis) e a narrativa que se desdobra em publicações como periódicos,
podendo ser prosseguidas ou não. O tamanho das narrativas agrupa o tipo de texto em cartuns,
charges, caricaturas e HQs. As HQs são compostas do seqüenciamento de imagens, o mesmo não
acontece com os outros cuja composição pode se esgotar no espaço de uma só imagem.
Em Lins (2002:67), a HQ também é vista como uma associação entre dois códigos: a
imagem e a linguagem escrita. Quando a história é composta somente pelo código não-verbal,
esse assume todas as funções, visto que, nesse caso, ele é o responsável por todo o eixo
narrativo/descritivo. A imagem neste caso é o único código informativo e cabe a ela oferecer ao
12
seu leitor “pistas” não-verbais que permitam a compreensão da narrativa (tempo, lugar,
personagens etc) assim como as suas respectivas características descritivas (expressões faciais e
corporais das personagens).
Em histórias compostas pela linguagem verbal, há uma complementaridade entre o código
verbal e o não-verbal. As HQs compostas pela interação entre os dois códigos, o verbal e o não-
verbal, podem fornecer tanto informações narrativas quanto descritivas de maneira que uma
complemente a outra. A inclusão dos balões como elementos que representam a fala das
personagens tem como função integrar-se à narrativa da HQ, fornecendo informações relevantes
que, ao mesmo tempo, se associam ao código não-verbal para auxiliar o desenrolar dos fatos.
Para Moya (1977, apud Lins, 2002), os balões assim como a sua cor, forma, espessura, tamanho
etc. tornam-se elementos importantes para o texto, pois podem expressar de que forma a ou as
personagens vivenciam as situações que constituem o enredo desenvolvido.
Nas HQs, o eixo narrativo é constituído basicamente pela seqüência de imagens. O código
visual oferece ainda outras informações importantes para a composição do enredo tais como:
lugar, tempo e personagens. Os elementos descritivos também estão, em sua grande parte, no
componente visual da HQ através das expressões faciais e corporais das personagens, embora
possam ser materializados também nas onomatopéias ou no formato das letras que compõem o
balão, elementos estes igualmente importantes e significativos para a constituição do gênero
textual.
Segundo Rincón (1996), para que haja a construção do roteiro de uma HQ, é preciso que
se tenha o argumento a ser trabalhado, os detalhes sobre as personagens e o ambiente. O
argumento principal da HQ é dividido em pequenas unidades de ação que contêm dentro de si os
momentos chave. De acordo com a necessidade do discurso, essas ações, representadas em cada
vinheta de uma HQ, podem estabelecer diferentes formas de relação entre si. De acordo com
essas relações, as ações podem ser: ação linear, ação paralela e ação evocativa, exemplificadas, a
seguir, com trechos das narrativas estudadas.
- Linear (ação linear): segue uma ordem cronológica dos acontecimentos narrados;
13
Ação Linear
(Cascão no 447, 2005)
- Paralela (ação paralela): quando duas ou mais ações principais estão ocorrendo de forma
simultânea.
Ação Paralela
(Almanaque do Cascão no 90, 2005)
14
(Cebolinha no 181, 2001)
- Evocativa (ação cortada): quando a ação narrada é interrompida por um determinado instante
para se evocar algo do passado ou antecipar alguma ação futura. É conhecido pelo termo de flash
back ou forward do inglês.
Ação Evocativa
(Cascão no 447, 2005)
Nas seções seguintes, se desenvolverá de forma mais aprofundada a importância e a função dos
dois componentes centrais das HQs.
15
2.2- A relação entre a imagem e texto na HQ.
Ao se estudar gêneros mistos que se caracterizam pela interação entre dois códigos, tal
como o gênero quadrinhos, é importante tecer algumas considerações sobre a relação entre eles.
A imagem pode ilustrar um texto verbal ou o texto pode esclarecer a imagem sob forma
de comentário. A imagem possui um conteúdo particularmente polissêmico, ou seja, têm caráter
de uma mensagem aberta podendo ser atribuídos a ela múltiplos significados.
Santaella & Nöth (2001:54, apud Barthes,1964) questionam se a imagem representa um
fenômeno de redundância, repetindo-se os mesmos conteúdos explicitados no contexto do
código verbal. Os autores retomam a classificação proposta por Kalverkämper (1993) para quem
três possibilidades devem ser consideradas: a imagem é inferior ao texto, a imagem é superior
ao texto ou imagem e texto têm a mesma importância. No primeiro caso, a imagem está aliada
ao texto, utilizada, porém, apenas como pano de fundo, como um elemento representativo
centrado na linguagem verbal (ilustrações de livros, por exemplo). No segundo caso, a imagem
contém a informação principal, estando o texto relegado ao segundo plano (exemplificações
enciclopédicas, por exemplo). No último caso, texto e imagem são igualmente importantes para a
construção da mensagem, pois são igualmente informativos. Essa co-relação entre o
texto/imagem é definida como complementaridade. Um exemplo dessa correlação está nos
contextos em que os conteúdos de imagem e de palavra utilizam os mais variados potenciais de
expressão semiótica de ambas as mídias.
Do ponto de vista da sua distribuição na página Kibédi-Varga (1989, apud Santaella &
Nöth. opt.cit), considera que palavra e imagem podem estar relacionadas de três formas
diferentes: a coexistência, a interferência e a co-referência. Na coexistência, a palavra está
escrita na imagem e ambas se relacionam ao mesmo referente. Na interferência, palavra e
imagem estão separadas uma da outra espacialmente, porém aparecem na mesma página. Na co-
referência, a palavra e a imagem aparecem na mesma página, mas se referem ao mundo de forma
independente.
Um outro aspecto importante demonstrado pelos autores é que a imagem pode servir de
contexto para uma outra imagem. O código não-verbal também pode existir isoladamente e ser
explicado por si mesmo.
16
Essa co-relação entre imagem/texto é algo importante a ser observado ao se estudar
gêneros que contenham a interação entre esses dois códigos. Como exemplo desta interação
entre imagem/texto, é analisada neste trabalho a linguagem visual e verbal nas Histórias em
Quadrinhos, que serão discutidas na seção seguinte.
2.3. A linguagem visual na HQ
Morgan (2005) considerando critérios funcionais, afirma que não é a interação texto-
imagem que define a HQ, mas a escolha de ordem narrativas e formais que podem determinar o
seu conteúdo narrativo, seja na linguagem verbal seja na linguagem visual. O componente visual
na HQ, responsável pela construção do eixo narrativo, encontra-se nas vinhetas, pois é através
delas que o leitor faz a conexão entre os fatos, estabelece a coerência e a coesão textual dos fatos
ocorridos. As vinhetas dispostas seqüencialmente auxiliam ao leitor a compreender a série de
acontecimentos do enredo narrativo, podendo estes estar dispostos em ordem linear ou
encaixados, conforme veremos em seções posteriores.
Cada vinheta que constitui a seqüência narrativa da HQ possui um determinado tipo de
enquadre. O enquadre
1
é o espaço que uma determinada vinheta pode ocupar em uma história, o
qual visa focalizar determinadas cenas ou aspectos da mesma que sejam relevantes no momento
da narração. De acordo com Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004), podem-se distinguir três
tipos de enquadre:
- Segundo a focalização espacial que o desenhista tenha selecionado da realidade (PLANOS);
- Segundo o ângulo de visão oferecido ao leitor (ÂNGULOS DE VISÃO);
- Segundo o espaço que a vinheta ocupe no papel (FORMATO) podendo esta ter uma forma
retangular, quadrada, circular, triangular etc;
No presente trabalho serão observados mais detalhadamente os planos, visto que estes
representam “recortes” imagísticos de um determinado momento de uma história. Os planos ou
enquadramentos têm como função principal ressaltar e selecionar determinados detalhes de uma
1
O termo “enquadre”, utilizado neste trabalho, designado para demonstrar a focalização específica de cada seqüência
de imagens, é vocabulário próprio da linguagem cinematográfica. Distingue-se, portanto, do seu significado na
Lingüística sociointeracional em que é empregado com o sentido de “frame”.
17
cena, fornecendo ao leitor as imagens necessárias para a compreensão da situação que está sendo
apresentada. Os planos são recursos importantes na composição de uma HQ e podem ser usados
de forma alternada de acordo com a necessidade representativa do autor.
Os principais planos são: plano geral, plano total ou de conjunto, plano médio ou
aproximado, plano americano, primeiro plano e plano de detalhe, pormenor ou close-up,
explicados a seguir:
Plano geral - O enquadramento é bastante amplo, envolvendo as personagens da história assim
como também o ambiente em que elas se situam.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
Plano Total e de Conjunto - Focaliza as personagens que compõem a história. A representação
do espaço em que se encontram é algo secundário.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
18
Plano Médio ou Aproximado - Representa as personagens da cintura para cima. Neste plano, as
expressões faciais e traços fisionômicos são vistos claramente.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
Plano Americano - as personagens são representadas do joelho para cima.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
Primeiro plano - a personagem é ressaltada à altura dos ombros. Neste plano salientam-se a
expressão da personagem e seu estado emocional.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
19
Plano de Detalhe, Pormenor ou close-up - ressalta-se uma parte de um objeto ou da
personagem.
Exemplo:
(Magali no 385. 2005)
É através dos planos que se faz uma seleção de detalhes relevantes para cada tipo de
situação. É através desse “recorte” imagístico-descritivo, integrando-se simultaneamente às
seqüências do enredo narrativo que se pode obter a construção da coesão e da coerência textual
do gênero História em Quadrinhos. No plano narrativo vê-se uma série de informações tais como:
personagens (quem), de fatos/ações (o quê), a forma como se desenrolou o fato ou a ação (como),
em que época os fatos ocorreram (quando), o lugar da ocorrência (onde), a causa, a ação ou o
motivo da ação (porquê) e o resultado ou conseqüência da mesma (por isso). Pelas imagens
apresentam-se também os detalhes de cada cena e estes podem ser vistos através dos planos que
apresentam a caracterização física (ex: descrição imagística da personagem Mônica, Cascão,
Rolo etc) e/ou emocional das personagens (expressões fisionômicas de raiva, de desespero, de
preocupação etc), a expressão corporal em que os mesmos se encontram em cada cena (por
exemplo; deitados, com as pernas para cima etc), a aspectos do ambiente que compõem a cena
(um dia de sol, praia, crianças brincando no mar etc) etc.
2.4 A linguagem verbal na HQ
A linguagem não-verbal que constitui a HQ está - na maior parte das vezes - aliada à
linguagem verbal e ambas são utilizadas simultaneamente para permitir o desenvolvimento do
eixo narrativo/ descritivo do gênero. A linguagem verbal na HQ é realizada por meio de balões
que representam o “discurso oral” das personagens. Estes balões podem transmitir diversas
informações ao leitor, tais como: o cochicho de uma personagem (balão de linhas tracejadas), o
20
pensamento (em formato de nuvem como o rabicho elaborado como bolhas que se depreendem
da mente da personagem), balão traçado em zig-zag representando uma descarga elétrica vinda
de um televisor ou de um robô etc. Este tipo de balão é empregado para diferenciar os sons que
reproduzem a fala humana face a outros tipos de comunicação também verbais.
Exemplos:
(Mônica no 228, 2005)
(Magali no 390, 2005)
(Chico Bento no 454, 2005)
21
A legenda representa a voz onisciente do narrador da história e é empregada para situar o
leitor no tempo e no espaço. Indica mudança de localização dos fatos, avanço ou retorno do fluxo
temporal e expressões ou percepções dos personagens.
Exemplo:
(Cascão no 447, 2005)
A onomatopéia é um recurso utilizado na HQ para dar mais dinamicidade às narrativas.
Exemplos: explosão (bum!), quebra (crack!), tiro (bang!, pou!). Para Dutra (1997:145) entende-se
por onomatopéia o conjunto de palavras cuja pronuncia pretende imitar o som natural dos ruídos
produzidos por seres inanimados ou não. A autora afirma que as formas onomatopaicas não têm
um significado próprio, mas tipicamente denotam um som ou objeto. Em Du Bois (1986, apud
Dutra (opt.cit) as onomatopéias fora do balão representam vários tipos de sons, ruídos e vibrações
oferecendo à história maior interação e uma maior representação e reprodução dos sons
22
oferecidos pelo ambiente externo tais como: seqüências não-lexicais, parcialmente ou totalmente
reduplicadas (exemplo: “toc-toc”, “plim-plim”), de origem não-humana (“pou”, “bum”) etc.
Exemplo:
(Mônica no 228, 2005)
O componente verbal das HQ é importante igualmente como um meio de trasmissão da
avaliação das personagens acerca dos fatos que compõem a narrativa. O conteúdo avaliativo
presente nas falas das personagens no decorrer das histórias é um recurso que visa mostrar ao
leitor a “voz” de um senso comum. Como se pode observar nos exemplos abaixo, em que a
personagem Rolo transmite através dos seus pensamentos a “voz” do senso em comum em
relação à companhia dos pais, ou seja, que, para os jovens, passar o fim de semana com os pais
significa passar por várias situações embaraçosas. No outro exemplo abaixo, nota-se novamente
essa “voz” de um senso comum através da fala do pai da Mônica ao relatar que o trabalho fora de
casa não é tão produtivo ou agradável quanto o trabalho feito em casa.
23
Exemplos:
(Cebolinha no 228,2005)
(Mônica no 228, 2005)
Nas seções discutidas, se observou como o componente verbal pode interagir com o
componente visual para a constituição de uma HQ. Também se ressaltou a função de ambos os
componentes na formação do gênero em questão. Além de possuir prioritariamente essa relação
texto/imagem, a HQ também é formada, basicamente, do modo de organização narrativo
realizado nas seqüências imagísticas de vinhetas e nos balões que sinalizam a reação das
personagens. Além disso, o modo narrativo é associado ao modo descritivo através das imagens
que transmitem informações sobre o ambiente em que se desencadeará a cena e as personagens
(as suas expressões faciais e estados de ânimo), conforme será discutido mais detalhadamente nos
capítulos a seguir.
24
3- MODO DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
Cada gênero textual contém dentro de sua estrutura um ou mais modos de organização do
discurso ou tipos textuais. De acordo com Paredes Silva, 1997:89, os modos de organização do
discurso nos auxiliam a organizar a fala. Para cada modo haveria uma série de características
lingüísticas específicas como: tempo/aspecto/modo verbal, tipo de predicado, unidade semântica
básica, pessoa do discurso referida, unidade sintática básica. Essas estruturas lingüísticas podem
estar ligadas diretamente a algum gênero do discurso e podem ser, segundo Paredes & Silva
(1997) estruturas narrativas, descritivas, expositivas, procedurais e dialógicas.
Neste trabalho, adotamos a definição de tipo textual de acordo com os termos de
Marcuschi (2003:22/23):
Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de seqüência teoricamente
definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia
dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
A predominância de determinadas características em cada texto também é destacada por
Vilella & Koch (2000:534), para quem o conceito fundamental é o de seqüência:
A competência textual de um falante permite-lhe averiguar se em um texto
predominam seqüências de caráter narrativo (por exemplo, recurso aos tempos do
passado), descritivo (freqüência de adjetivos, de proposições centradas nos eventos de
estado), argumentativo (presença de conectores de tipo lógico-semântico ou
discursivo-argumentativo, que interligam (macro) proposições ao plano textual global)
etc..
O conceito de seqüência também é utilizado por Adam (2005:30) que empreende um
estudo detalhado dos gêneros textuais, considerando que as seqüências prototípicas mais
conhecidas são: a narração, a descrição, a argumentação, a explicação e o diálogo. A seqüência
da narração tem como característica principal narrar a sucessão de eventos que podem vir
basicamente subdivididas em: situação inicial, transformação dos eventos e situação final. A
descrição tem como função básica enumerar atributos de um determinado objeto ou personagem.
A argumentação visa provocar a adesão ou a não-adesão de um público a algum tema ou a
alguma tese, oferecendo-lhe argumentos relativos ao assunto em questão. A seqüência explicativa
25
pode fazer parte tanto da narrativa quanto da argumentativa, descritiva e do diálogo. A sua função
é provocar uma problemática e oferecer à mesma uma explicação, uma resposta que satisfaça.
Por último, a seqüência de diálogos consiste essencialmente na observação da organização
interna dos elementos que compõem a linguagem oral, o papel dos interlocutores distintos que
fazem parte da conversa, dos marcadores discursivos, das seqüências encaixadas, da troca de
turno etc.
Todos os modos de organização do discurso vistos podem ser utilizados de forma
concomitante, ou seja, a presença latente de mais de um modo pode ser necessária para a
construção de um texto. Segundo Adam (2005:19), cada texto possui uma realidade muito
heterogênea em que textos narrativos são muito mais variáveis que textos argumentativos. Os
textos descritivos são raramente considerados autônomos, sendo quase sempre vistos como parte
de um outro modo de organização do discurso.
Marchuschi (2003:22/23) propõe que a identificação de um determinado texto como
narrativo, descritivo ou dissertativo requer observar suas características predominantes e se o
emprego de um dos modos é essencial para a construção do gênero como um todo. Para que a
estrutura de um texto seja caracterizada basicamente como narrativa, descritiva ou dissertativa, é
necessário que contenha dentro de si a predominância de determinadas propriedades lingüísticas
(ex: verbos, adjetivos, advérbios etc.). É através dessas marcas textuais que um falante/ouvinte ou
escritor/leitor consegue perceber pela sua competência textual em uma determinada língua - se
um texto se constitui “essencialmente” de uma narração, descrição, argumentação etc.
Como se pode notar, todo texto contém características lingüísticas que o definem como
texto narrativo, descritivo ou argumentativo. Vários estudos têm sido realizados envolvendo uma
análise mais aprofundada de cada um dos modos de organização discursiva. Este trabalho visa
analisar mais detalhadamente os modos narrativo e descritivo na composição de histórias em
quadrinhos, visto que esses dois tipos textuais ou modos de organização discursiva possuem igual
importância na constituição de gêneros textuais diferenciados: a descrição auxilia o texto
oferecendo qualificações a uma história enquanto que a narração determina o desenrolar dos fatos
e as relações de causa-efeito entre eles. Nas seções seguintes será comentado mais
detalhadamente cada um desses modos.
26
3.1 Modo de organização narrativo
Nesta seção detemo-nos no modo narrativo, buscando explicitar primeiramente o conceito
deste modo textual, assim como a sua estrutura. Podemos iniciar, remetendo para Barthes
(1972:26) segundo o qual “a narrativa (...) nos faz descobrir um mundo que é construído dentro
do desenvolvimento de uma sucessão de ações que se influenciam entre si e se transformam em
um encadeamento progressivo”.
Em outro trecho, o mesmo autor demonstra que esse encadeamento progressivo de ações é
importante para a constituição de cada parte da narrativa, conforme se pode perceber no trecho a
seguir:
Compreender uma narrativa não é somente seguir o esvaziamento da história, é
também reconhecer nela << estágios >>, projetar os encadeamentos horizontais do <<
fio >> narrativo sob um eixo implicitamente vertical: ler (escutar) uma narrativa não
é somente passar de uma palavra para a outra, é também passar de um nível para
outro. (página:26)
O encadeamento progressivo de que fala Barthes pode se realizar sob quatro formas
distintas, segundo a proposta de Charaudeau (1992:731). Segundo esse autor, se podem
determinar quatro tipos principais de encadeamentos:
- A sucessão: seqüências que se sucedem de maneira linear e consecutiva (...)
- O paralelismo: seqüências que se desenvolvem de maneira autônoma regidas por
actantes diferentes (...)
- A simetria: duas seqüências realizadas por actantes diferentes se desenvolvem de
formas opostas em que resulta uma realização positiva para um e simultaneamente
negativa para o outro (...)
- Encaixamento: micros seqüências podem estar incluídas no interior de uma seqüência
mais ampla para detalhar certos aspectos das mesmas (...)
Pôde-se perceber nas citações acima que, na sua acepção mais comum, uma narrativa é
definida como uma seqüência de ações encadeadas (sob distintas formas) que oferecem ao texto
um desenvolvimento progressivo. Esse desenvolvimento, na maioria das vezes, se caracteriza
pela tríade início, meio e fim que constitui um enredo clássico. Essas etapas narrativas se
estruturam em termos de uma situação inicial de algo/alguém, que realiza algo, seguindo-se uma
transformação da situação anteriormente apresentada, para enfim obter-se uma situação final,
conforme se vê no esquema estrutural clássico de Desmedt (1984:07) com base em A.J.Greimas:
27
transformação
antes t depois
S _____________________________________________________ S
situação conteúdo conteúdo situação
inicial invertido formulado final
Essa posição é partilhada por Koch (2000:551) para quem o texto narrativo prototípico
possui três etapas principais:
O esquema narrativo é composto portanto de três momentos discursivos: a situação
inicial (situação estável, mas que algo pertuba), a transformação ou nó, que surge por
força perturbadora e que instala o desequilíbrio e a situação final (ou a resolução)
instaladora do equilíbrio.
Um modelo mais completo e elaborado da organização do texto narrativo é proposto por
Labov
2
(1972), para quem as cláusulas de uma narrativa podem ser divididas em dois tipos:
1) Cláusulas narrativas - Consistem em cláusulas ordenadas temporalmente. Para que se
constitua a base de uma narrativa é necessário que haja, no mínimo, duas cláusulas narrativas
ligadas por um elemento de juntura temporal. Caso haja uma mudança na ordem dos eventos, a
sua interpretação semântica também é modificada.
2) Cláusulas livres - Consistem em cláusulas livres de elementos de juntura temporal.
Apresentam a possibilidade de deslocamento dentro de um texto, podendo mudar de posição
dentro de uma narrativa sem sequer modificar a interpretação semântica do texto.
O autor (op.cit) propõe uma estrutura do texto narrativo composta dos seguintes
componentes (pág. 363 - 370):
1. Abstract - É o resumo de uma história. (sobre o quê?).
2. Orientação - Indica o tempo, o lugar, as pessoas, suas atividades ou a situação. (quem,
quando, o que, onde?).
3. Complicação - É o ápice da narrativa, o seu momento principal. (o que aconteceu?).
4. Avaliação - Indica o ponto-chave da narrativa, a sua razão de ser, o porquê foi dita e o que o
narrador deseja transmitir. (é uma estrutura secundária dentro da narrativa). (e então?).
5. Resolução - Sinaliza o encerramento do relato. (o que finalmente aconteceu?).
2
O modelo de narrativa apresentado por Labov (op.cit) resultou da análise de textos orais de pré-
adolescentes, adolescentes e adultos de uma comunidade negra do Harlem, na cidade de Nova Iorque.
28
6. Coda- Representa um acréscimo que o narrador realiza após a resolução sinalizando a
finalização da narrativa. (e o que aconteceu?)
De acordo com o autor (op.cit), uma narrativa completa começa com a orientação,
seguindo-se para a complicação, ficando em seguida suspensa pela avaliação antes da
resolução, para enfim retornar ao ouvinte no tempo presente com a coda.
A complicação é, na perspectiva do autor, o elemento de organização essencial da
narrativa, pois ela constitui o “corpo” narrativo. O abstract, a orientação, a resolução e a
avaliação respondem a questões relativas aos efeitos da narrativa. A referência oferecida pelo
abstract é importante tanto para a orientação quanto para a complicação e a avaliação. A coda não
responde a nenhuma destas questões, ela pode ser vista como um elemento que está fora da
narrativa.
A etapa narrativa de avaliação segundo Labov ainda pode ser subdividida em 4
subgrupos: (Págs: 371- 375)
1. Avaliação externa - O narrador interrompe a narrativa a fim de transmitir ao seu ouvinte o seu
ponto de vista.
2. Avaliações encaixadas - O narrador passa o seu sentimento com relação ao ocorrido.
3. Ação avaliativa este tipo de avaliação ocorre em uma narrativa com o intuito de se relatar o
que uma pessoa fez e o que eles disseram.
4. Avaliação como suspensão de uma ação - Esta função avaliativa é a mais freqüente dentro de
uma narrativa. O relato do narrador é “suspenso” para se fazer considerações, avaliações a
respeito de algo.
As etapas narrativas estabelecidas por Labov são reiteradas na proposta de Adam
(2005:45) em que se demonstra de uma forma ilustrativa esses cinco momentos narrativos. Na
sua análise dos tipos de texto o autor enfatiza os aspectos discursivos e pragmáticos, procurando
fornecer um conjunto de características que definam seqüências textuais prototípicas. No que se
refere ao modo narrativo, o autor afirma que:
Enquanto unidade textual, toda narrativa corresponde a uma definição mínima que
pode dar a textualidade: todas as proposições levam a um fim, mas como definir o que
faz a especificidade de um tipo de discurso em um texto
3
3
“En tant qu’unité textuelle, tout récit correspond certes idéalement à la définition minimale qu”on peut donner de la
textualité: suites de propositions liées progressant vers une fin, mais comment définir ce qui fait la spécialité de ce
type de mise en texte?”
29
Adam (2005: 46/59) propõe uma análise mais detalhada das seqüências narrativas,
considerando que elas são constituídas de cinco elementos básicos: a sucessão de eventos, a
unidade temática, a transformação dos predicados, o processo e a causalidade narrativa. Na
sucessão de eventos, observa-se que, para que haja uma narrativa, é necessária uma unidade
temporal mínima de duas ações. Na unidade temática, deve-se ter em mente a presença de um
sujeito ator e de um sujeito paciente e/ou sujeito operador que se tornará o agente de
transformação dos eventos. Quanto à transformação dos predicados, mostra-se que toda narrativa
possui uma situação inicial que, no decorrer do processo sofrerá transformações até alcançar uma
outra situação final. O processo narrativo é constituído pela transformação dos eventos que
constituem a história. A causalidade narrativa é composta por uma seqüência de eventos vista
através do encaixamento cronológico de ações dispostas no decorrer da narrativa que podem ser
subdivididas em: situação inicial (orientação), complicação, ações ou avaliação, resolução,
situação final e a moral da história, podendo esta última estar aliada à narrativa a ser contada ou
não. No esquema visto abaixo, percebe-se que a situação inicial e a situação final fazem parte
obrigatória de toda a história, pois correspondem ao início e ao fim da mesma. A complicação, as
situações avaliativas inseridas no decorrer da história e a resolução da complicação constituem o
“miolo” da narrativa, pois fazem parte do encadeamento de situações e das soluções encontradas
para resolvê-las.
Seqüência narrativa
Situação Complicação Ações Resolução Situação Moral
inicial Desencadeamento 1 ou Desencadeamento 2 final
(Orientação) Avaliação
Pn1 Pn2 Pn3 Pn4 Pn5 Pn
Modelo narrativo proposto por Adam (2005:57)
Em alguns pontos, a proposta de Adam reforça a proposta de Labov (1972) de que o texto
narrativo não se reduz à tríade início/meio e fim. De acordo com os autores, essas etapas
narrativas podem ser ampliadas em mais estágios. Para o autor, a narrativa é um método de se
recapitular experiências passadas em que os eventos se ordenam numa seqüência temporal e
30
causal. (pág.359-360). Todas as cláusulas narrativas são caracterizadas, em geral, por obedecer a
uma ordem linear de eventos.
Do ponto de vista pragmático, Adam (2005:59) admite que os textos narrativos devem
atender a três regras pragmáticas que são: a concisão, a clareza e a verossimilhança. Além dessas
regras pragmáticas, outras obras clássicas inserem também o interesse como outro item
constitutivo de uma narração. Segundo o autor, para que um texto se torne interessante e
interativo, é necessário que este alcance tanto o seu autor quanto o seu leitor. A clareza de um
texto, assim como a sua verossimilhança com alguma situação real, são pontos-chave para se
compor uma boa narração.
Acerca das características lingüísticas do texto narrativo observa-se que o autor
(2005:71/72) contesta algumas afirmações sobre esse modo do discurso, a partir do argumento de
que dentro de um texto, apesar de se ter uma macroestrutura textual que o define como um modo
narrativo, descritivo etc, há seqüências heterogêneas de outros modos do discurso. O texto
narrativo pode abarcar uma série de orações descritivas que também fazem parte da estrutura
composicional de outros textos. A predominância do aspecto perfectivo no modo narrativo não é
suficiente para definir uma seqüência narrativa, para isso, é necessário considerar outras
características tais como: a presença de verbos que exprimam ação, a presença de pronomes
anafóricos, a alternância entre o pretérito imperfeito e pretérito perfeito etc.
Diversos estudos têm procurado aplicar essas propostas teóricas à análise de narrativas
diversificadas. A aplicação do modelo inicialmente proposto por Labov (1972), por exemplo, têm
permitido uma reformulação de alguns aspectos. Um trabalho a ser destacado é o de Worcman
(1993). Neste estudo, a autora propõe algumas modificações nos componentes abstract e coda,
intitulados pela autora de introdução e extrodução respectivamente. A definição de cada etapa
narrativa é detalhada assim como as funções principais de cada uma delas. Cada etapa narrativa
pode possuir uma função avaliativa perante o fato a ser narrado e/ou ter uma função referencial
sobre lugar, tempo e personagens que participaram da história a ser narrada. Segunda a referida
autora, além das funções apresentadas, também podem ser encontradas etapas narrativas em que
não possuem nenhuma função específica dentro do texto. No seu trabalho, observou que a
introdução (abstract) possui a função avaliativa e referencial, a orientação e a complicação a
função referencial, a avaliação a função avaliativa e a resolução e a extrodução (coda) o
possuem funções específicas. (pág.110).
31
Nas conclusões de seu trabalho, Worcman (op.cit) visou mostrar que nem sempre todas
essas etapas narrativas se apresentarão sob a forma de seqüência cronológica de eventos,
conforme era defendido pela clássica de narrativa. O contexto em que ela é produzida
determinará as suas etapas, podendo conter todas elas (abstract, orientação, complicação,
avaliação, resolução e coda) ou não. A ordem em que essas etapas podem aparecer dependerá do
contexto e da necessidade que o seu produtor terá ao desenvolver sua história.
A autora sugere, para futuros trabalhos sobre os textos narrativos, que haja um maior
aprofundamento sobre cada uma das etapas. Segundo ela, “o critério de divisão das narrativas
deveria passar de um estágio ainda bastante intuitivo para um estágio mais formalizado”
(pág.262), porém a mesma ressalta que não acredita que possa haver uma formalização absoluta
da estrutura das narrativas.
Uma outra revisão do modelo proposto por Labov é empreendida por Louzada Jr.(1992).
A partir do conceito de cláusula narrativa, o autor mostra que, embora muitas narrativas possam
ser delimitadas claramente de acordo com as etapas propostas, em outras podem ser encontradas
seqüências narrativas que diferem do conceito clássico de narrativa proposto por Labov (op.cit).
Alguns dos textos analisados por Louzada Jr. (op.cit) foram construídos pelo tipo não-seqüencial
e por construções que fazem referências a fatos, mas não relatam os fatos em si. (pág:82)
O autor se baseia em um corpus composto de narrativas produzidas por alunos do ensino
fundamental (5ª à série). Para obter os dados necessários referentes à narrativa, a
entrevistadora - que tinha como função principal a coleta de dados - deveria introduzir um tema
de forma descontraída para a obtenção de relatos vivenciados pelos mesmos.
O seu objetivo no decorrer do trabalho não é rejeitar o modelo clássico, mas sim de
analisar textos cuja organização não se enquadra no conceito clássico de narrativa.
Em suas conclusões, o autor observou que, dentre todos os textos analisados por ele,
alguns não se enquadraram no modelo laboviano (textos seqüenciais). Num dos tipos de textos
encontrados por Louzada Jr. (op.cit), intitulados não-seqüenciais, as cláusulas portadoras dos
eventos não se subordinam à propriedade de juntura temporal identificada por Labov (pág.145).
Ao aplicar as etapas narrativas propostas por Labov (op.cit) (abstract, orientação,
complicação, avaliação, resolução e coda) subdividida pelo autor em estrutura da composição e
estrutura das funções discursivas, Louzada Jr. observou que a maioria das narrativas plenas
32
apresentou as cinco partes da composição, enquanto que nos textos não-seqüenciais e nos
presumidos faltam algumas características das cláusulas narrativas.
4
Em suas conclusões, o autor demonstra que não são as cláusulas que dão a forma aos
textos narrativos, mas as suas funções discursivas é que os constituem (pág.152). Assim como
Worcman (op.cit), Louzada Jr. (op.cit) demonstra - no decorrer do seu trabalho a importância
do contexto em que os textos narrativos são produzidos. A forma de uma narrativa não pode ser
vista de forma isolada sem que haja um contexto em que ela possa ser aplicada e analisada
detalhadamente. A utilização ou não de algumas etapas narrativas dependerá unicamente da
necessidade de elaboração.
Deste modo, pôde-se perceber que tanto Louzada Jr. (op.cit) quanto Worcman (op.cit)
levam-nos a entender que as etapas narrativas nem sempre seguem uma ordem linear, de acordo
com o que foi visto na proposta de Labov (op.cit) e podem mesmo não estar todas elas presentes.
O contexto em que este modo será inserido vai determinar o uso de todas estas etapas ou de
apenas algumas, conforme for a necessidade do seu produtor.
O emprego do modo de organização narrativo é observado em gêneros textuais distintos
sendo este aliado a um ou mais modos de organização do discurso. O seu uso é heterogêneo e
particular podendo ser variável de um gênero textual para outro.
4
Segundo o autor, os textos presumidos são construídos sobre o conhecimento de um episódio a que o relato se
refere, embora sem mencioná-lo. Nesta forma de codificação lingüística de eventos, o imformante explicita o tema e
o conteúdo do episódio, apresenta um evento que poderia disparar uma seqüência narrativa, mas concentra seu
esforço na elaboração de comentários de avaliação a respeito dos fatos. (P.142)
33
3.2 O modo descritivo
Na classificação clássica, outro modo de organização do discurso freqüentemente
considerado é a descrição. Esse modo raramente trabalhado de forma isolada é quase sempre
observado como um aliado de outros modos do discurso tais como: o narrativo, o argumentativo.
Uma análise e caracterização do modo descritivo identifica três problemas principais.
Segundo Charaudeau (1992:653/654/656), esses problemas seriam:
1- A tradição de exercícios escolares no decorrer dos anos estabeleceu uma confusão
entre o que é de ordem da descrição e o que é de ordem da narração (...);
2- O segundo problema dá-se freqüentemente em não se distinguir a finalidade de um
texto e o seu modo de organização (...);
3- O terceiro problema concerne à relação língua/texto (...);
O primeiro problema se refere ao fato de que, ao se compor um texto, emprega-se
aleatoriamente tanto o vocábulo “descrever” quanto o vocábulo “contar” como se ambos
possuíssem a mesma função. Vale ressaltar que o ato de “descrever” indica uma seqüência de
ações lógicas realizadas ordenadamente; o ato de “contarimplica duas funções distintas: a
primeira - o que foi visto (equivale à descrição) e a segunda - o que foi feito (equivale à
narração).
O segundo e terceiro problema referem-se ao fato de que não é trabalhada a distinção
entre a finalidade de um texto e o seu modo de organização. Na maioria das vezes, não se
demonstra que um texto, embora possa ter um determinado tipo de organização discursiva
(exemplo: um formato descritivo caracterizado por marcas lingüísticas tais como: tipo de verbo,
adjetivos, substantivos etc.), pode possuir uma outra finalidade (função) ou um outro objetivo
como, por exemplo, informar, incitar o leitor a executar algo etc. O que vai determinar o modo de
um determinado gênero textual é em suma além dos aspectos lingüísticos a situação
comunicativa em que ele se insere.
Além dos problemas apresentados anteriormente, o modo descritivo muito tempo tem
sido considerado um modo auxiliar em geral do modo narrativo, conforme foi observado na
introdução do capítulo. Como se pode ver na afirmação de Hamon (1981: 95): “sabe-se que a
34
pesquisa semiótica em poética (1960-1975) o tem anexado (o texto descritivo), sobretudo como
uma parte do modo de organização narrativo do texto(...)”
5
Desta forma, pôde-se perceber então que o modo descritivo é freqüentemente reduzido a
pequenos fragmentos auxiliares de outros modos. Essa falta de autonomia com que o texto
descritivo é tratado foi vista por uma boa parte de estudiosos tais como V.Propp (s.d, apud
Hamon. 1982:95) em que a definição do modo descritivo é colocada apenas em termos de uma
expansão tardia e literária, decorativa e reduzida a simples atributos de personagens, e em
Genette (1982: 262) que lhe atribui um papel subalterno de uma escrava sempre necessária, mas
sempre submissa, jamais emancipada.
Por ter permanecido praticamente em segundo plano em análises raramente nunca visto
como objeto de estudo em si mesmo - o modo descritivo foi pouco explorado em relação a outros
modos de organização do discurso. A ênfase é dada aos modos narrativo e dissertativo. Nesta
seção, questionamos essa posição, procurando caracterizar as funções principais da descrição
assim como suas características como um modo de organização autônomo.
Quanto ao primeiro aspecto, é necessário destacar primeiramente que, ao se descrever
algo, seja um quadro, uma pessoa, uma cena, um ambiente, uma paisagem, uma ação, um
processo etc., procede-se a uma seleção de elementos agrupados que formam uma construção
“imagística” de um objeto/ser. É essa escolha de características que vai compor o objeto a ser
descrito, como se pode perceber na citação de Garcia (2003:246):
É preciso saber selecionar detalhes, saber reagrupá-los, analisá-los para se conseguir
uma imagem e não uma cópia do objeto. É preciso mostrar as relações entre as suas
partes para melhor compreendê-lo no seu conjunto e melhor senti-lo como impressão
viva.
Segundo Pauliukonis (2000:27), além de apontar detalhes de elementos importantes de
um referente qualquer, a descrição possui objetivos específicos dentro do ambiente textual, pois
permite “defini-lo, caracterizá-lo ou simplesmente apresentá-lo ou enquadrá-lo dentre os
objetivos de um texto”.
5
“La recherche sémiotique récente (1960-1975), on le sait, a surtout été axée d’une part sur les modes d’organisation
narrative du texte, d’autre part sur les modes d’organisation du texte fondés sur les principes convergents de la mise
en relief du signifiant, de la stratégie anagrammatique, du parallélisme et de la constituition de matrices de positions
homologables (... )”.
35
Os estudos realizados ao longo dos anos destacavam a existência, ao lado da
competência narrativa, de uma competência descritiva. Estudiosos de lingüística textual tais
como Hamon (1981), Charaudeau (1992), Adam (2005) etc enfatizam que o modo descritivo não
é apenas um complementar dos demais modos, podendo mesmo estar presente de forma
onipresente em determinados gêneros textuais. Como destaca Adam (2005:95-97), nota-se a
presença desse modo, por exemplo, em listas de compras, receitas, etc.
6
Hamon (1981:98)
propõe: “mais do que a descrição, é melhor falar de descritivo e considerando mais uma vez esse
descritivo como uma << dominante >> constituída por certos tipos particulares de textos
7
Ainda segundo Hamon (1981:40), todo e qualquer ouvinte ou leitor de um texto pode
reconhecer de forma intuitiva a presença de uma unidade descritiva dentro de uma macroestrutura
textual, através de características específicas deste modo de organização discursivo ou por
reconhecer certas modificações mais profundas do processo comunicativo de um texto. O modo
descritivo leva o leitor a uma visão diferente do mundo, criando nele certas posturas de
destinador e de destinatário do texto; o mesmo leva o texto a um outro fluxo textual, a um novo
horizonte convocando uma nova imagem do emissor da mensagem e, ao mesmo tempo, criando
um novo estatuto de leitor, exigindo deste uma forma diferente e específica de competência para
que haja uma leitura efetiva do texto.
Para Hamon (1981:42/43), a competência descritiva de um texto é definida em termos
paradigmáticos, lexicais e enciclopédicos. Em termos paradigmáticos observa-se que a memória
impõe a repetição de termos lexicais de um mesmo conjunto de vocábulos relativos a um mesmo
tema através da declinação de um paradigma. Como exemplo disto, é visto o vocábulo “casa
cujo o uso permite a inserção de outros vocábulos no mesmo contexto descritivo: muros, janelas,
escadas, portas etc, ou seja, objetos que fazem parte de uma casa. Em termos lexicais nota-se a
persistência de um mesmo significado através da pluralidade de lexemas diferentes que
constituem o esquema descritivo de uma casa, conforme visto. Em termos enciclopédicos,
percebe-se que a memória a longo prazo do leitor é solicitada, que - para compreender o texto
o leitor/ouvinte precisa recorrer a todo o seu arcabouço vocabular,ou seja, à sua enciclopédia
pessoal de conhecimento. Por outro lado, uma estrutura narrativa vai requerer do seu leitor uma
6
Não consenso quanto à classificação desses tipos de texto, pois, segundo Werlich de Longrage, o gênero
‘receita’, por exemplo, pode ser considerado um tipo de texto especificamente procedural. (Pág.95). Sendo situado,
deste modo, entre dois modos de organização do discurso : o narrativo e o descritivo.
7
“Plutôt que de description, il faudrait donc mieux parler de descriptif, et considérer encore une fois ce descriptif
comme une <<dominante>> construite par certains types particuliers de textes”.
36
outra competência, a do tipo lógico, que permite compreender uma série de seqüências
correlacionadas entre si
A fim de caracterizar igualmente a autonomia de um texto descritivo, Pauliukonis
(2000:27) distingue duas funções básicas das seqüências descritivas: a função extratextual e a
função intratextual. A função extratextual caracteriza textos puramente descritivos tais como:
receitas, anúncios, listas etc. a função intratextual caracteriza textos mistos em que
simultaneamente com o modo descritivo seqüências compostas pelo narrativo e/ou
dissertativo. Esta última função será o foco de análise no capítulo 5, onde será observado um
corpus de quatro histórias em quadrinhos (duas compostas pela interação do código verbal/não-
verbal e duas compostas somente pelo código não-verbal) com o objetivo de se examinar mais
minuciosamente a interação entre os dois modos de organização em estudo, ou seja, os modos
narrativo e descritivo.
No que se refere à organização interna de um texto descritivo, para Vilela & Koch (2000:
549/550), a seqüenciação de elementos que compõem o texto descritivo pode resultar em um
esquema que inclui:
Um título ou tema (...), inclui ainda uma progressão enumerativa das partes e de suas
propriedades (...); pode integrar também uma relação com o lugar e o tempo (...), uma
associação com aspectos de objetos diferentes (...) e finalmente, a construção da
macroestrutura, a proposição resumidora de toda a descrição efetuada.
Esse esquema de organização do texto descritivo é proposto de uma forma mais detalhada
também por Adam (2005:85). Para esse autor, a descrição envolve quatro procedimentos:
ancoragem, aspectualização, situação e encaixamento. A ancoragem propriamente dita revela o
que ou quem vai ser o foco da questão e é subdividida em três aspectos: ancoragem, afetação e
reformulação. A afetação mostra o fim da seqüência do que ou de quem foi o foco da questão; a
reformulação é o processo de combinação dos dois elementos anteriores e tem como objetivo
uma reorganização resumitiva do tema título inicial. O procedimento de aspectualização é
considerado a base do modo descritivo, que a descrição é uma exposição de diversos aspectos
de um determinado elemento, permitindo o conhecimento das várias partes que compõem o todo.
O procedimento de situação corresponde a um processo de assimilação que pode ser comparativo
ou metafórico sobre um certo elemento em um determinando contexto. Por último, o
procedimento de encaixamento é a inserção de uma seqüência em outra favorecendo a expansão
descritiva do texto.
37
Segundo Hamon (1981:48), o texto descritivo tende a ampliar e enriquecer um esquema
textual. Um sistema descritivo possui um fecho mais previsível que um sistema narrativo. Uma
descrição é mais aberta que um sistema narrativo. Grandes coletâneas clássicas de textos
descritivos como a descrição de personagens, ou as coletâneas máximas que são as definições de
descrição dão igualmente a impressão de textos perpetuamente abertos como as enciclopédias, os
calendários ou os boletins. As marcas lingüísticas da descrição (1981:65/66) são observadas
através de uma gama de procedimentos demarcativos vistos na introdução e na conclusão do
texto e as auto-referências sendo esta uma constante global da descrição. As características
lingüísticas descritivas mais freqüentes que dão ao texto um efeito descritivo são: o uso de
adjetivos, marcas morfológicas particulares tais como a predominância de verbos no imperfeito,
termos lexicais particulares como substantivos próprios com fortes conotações individuais,
figuras de linguagem etc.
Enfim, o modo descritivo - nas últimas décadas - passou a ser melhor reconhecido como
um modo que possui características e finalidades específicas tais como: verificar, informar,
contar, definir e explicar podendo ocorrer em uma série de gêneros textuais e que também pode
estar aliado a outros modos de organização do discurso.
A integração e o auxílio mútuo entre textos narrativos e textos descritivos constrói a
coerência e a coesão de muitos textos dos quais os mesmos são participantes. Como vimos,
geralmente, esses dois modos são estudados separadamente, como se narração e descrição não
pudessem de forma alguma estarem trabalhando lado a lado para uma melhor contribuição da
tessitura do texto.
Outro grande equívoco é que, geralmente, muitos estudiosos tratam a descrição como se a
mesma estivesse sempre em posição inferior ou a serviço da narração. Esse tipo de visão ainda
bastante comum é revista, por exemplo, por Genette (1982:263) apresentada na citação da seção
anterior.
Tanto a descrição quanto a narração possuem igual importância ao formar gêneros
textuais diferenciados, pois a descrição auxilia a narração oferecendo qualificações a personagens
e a cenários de uma história enquanto que a narração contribui para determinar o desenrolar dos
fatos e a relação de causalidade entre eles. A narração e a descrição neste tipo de visão
(intratextual) são analisados como dois modos discursivos da mesma importância, que podem
38
estar presentes em maior ou menor grau dentro do mesmo espaço textual, conforme destaca
Hamon (1982:97)
:
(...) além do mais, descrição e narração podem ser utilizadas, em primeiro
lugar, para se opor por razões convencionais, porém sem dúvida elas são
consideradas freqüentemente como dois tipos estruturais em interação perpétua (...)
como dois tipos complementares a construir teoricamente, ou como duas tendências
em que buscarão – sem dúvida – interagir-se profundamente.
Essa perspectiva é partilhada por Charaudeau ( 1992:659), como se pode observar na
citação abaixo:
Em outras palavras, o (modo) descritivo não está a serviço do Narrativo, como
freqüentemente comenta-se, esse sentido a este último (...) Em suma, diz-se que os
três modos de organização contribuem igualmente para a construção textual; contar um
fato significa testemunhar uma experiência (...) e descrever em identificar e qualificar
seres (...) Descrição e Narração são procedimentos discursivos que contribuem de
forma equivalente para a construção textual.
8
Pôde-se perceber, de acordo com os autores vistos acima, que o modo descritivo não deve
ser tratado apenas como um mero “recurso” de um modo maior (narrativo). Nas afirmações dos
autores acima, observa-se que a descrição possui o mesmo valor que a narração dentro do texto;
enquanto a descrição oferece ao texto uma série de informações extremamente importantes tais
como: qualificações, localizações da personagem e do espaço etc, a narração determina o
desenvolvimento progressivo dos fatos e revela a participação de personagens que compõem o
enredo.
A integração e o auxílio mútuo desses dois modos do discurso constroem, portanto, a
coerência e a coesão de muitos textos. Ao serem empregados no mesmo espaço textual, observa-
se que a estrutura descritiva exige competências lexicais do seu leitor, enquanto que a estrutura
narrativa competências do tipo lógico. São as duas complementarmente que permitirão uma
compreensão mais global do texto.
Dentre todas as perspectivas sobre descrição trabalhadas acima, será adotado a teoria dos
enquadres dos planos explicitados por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2003) no capítulo
8
“De plus, description et narration, qu’il peut être utile, en un premier temps, d’opposer pour de raisons
heuristiques, réclament sans doute d’être considerées plutôt comme deux types structurels em interaction perpétuelle
(...), comme deux types complémentaires à construire théoriquement, ou comme deux tendences textuelles dont
serait sant doute vain de chercher les incarnations exemplaires parfaites”.
39
anterior, pois é através deles que obtemos uma focalização descritiva das expressões faciais e
corporais das personagens e de todo o ambiente que os cercam.
40
4. AMOSTRA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a investigação da organização narrativa e da complementaridade entre os modos de
organização narrativo e descritivo nas histórias em quadrinhos analisa-se um corpus de 10
revistas brasileiras da “Turma da Mônica”, de Maurício de Souza, publicadas durante o ano de
2005. Selecionam-se histórias compostas somente pelo código não verbal e histórias compostas
pela interação dos códigos visual e verbal, buscando depreender as especificidades de cada um
desses tipos de histórias em quadrinhos e as possíveis regularidades. Dentre estas 10 revistas
previamente analisadas, foram escolhidas inicialmente 5 histórias estruturadas somente pelo
código não-verbal e 5 histórias constituídas pela a interação entre os dois códigos: o verbal e o
não-verbal, conforme observa-se no quadro ilustrativo abaixo:
10 histórias brasileiras da “Turma da Mônica”
5 histórias compostas somente pelo código
não-verbal
5 histórias compostas pela interação entre
os códigos verbal e visual.
Cascão e Cascuda em: Bem no alvo.
(Cascão n
o
442/2005)
Rolo em: Preciso de uma bermuda verde-
limão. (Magali n
o
385/ 2005)
Cascão em: Que tal um empurrãozinho?
(Cascão n
o
443/ 2005)
Cascão em: Já posso ter um celular, não?
(Cascão n
o
447/ 2005)
Cascão e Cebolinha em: Me puxa no
tapetão. (Cascão n
o
446/ 2005)
Cascão em: O episódio três. (Cascão n
o
449/ 2005)
Chico Bento em: Vai aprender a tocar ô!
(Chico Bento n
o
449/ 2005)
Mônica em: Trabalhar em casa dá uma
canseira... (Mônica n
o
228/ 2005)
Piteco em: Siga as intenções (Chico Bento
n
o
448/ 2005)
Rolo em: Prazer em conhecer, pais!
(Cebolinha n
o
228/ 2005)
Após examinar todas as 10 histórias elegidas, observou-se que as histórias em
quadrinhos em análise possuíam basicamente dois tipos de padrão de desenvolvimento narrativo:
o padrão de desenvolvimento linear ou o padrão de desenvolvimento encaixado. Ao observar
esses dois padrões de desenvolvimento narrativo fez-se um “recorte” de análise restringindo-se o
corpus a ser examinado a 2 histórias constituídas somente pelo componente imagístico e a 2
41
histórias constituídas pelo componente lingüístico e imagístico. A comparação entre os dois tipos
de HQ tem como objetivo observar se a composição dos códigos nas HQs possui pontos
semelhantes ou distintos quanto a aplicabilidade das etapas narrativas de Labov (1972) e dos
enquadres descritivos dos planos propostos por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2003). No
padrão de desenvolvimento linear da narrativa, se trabalhará com 1 história composta somente
pela código não-verbal (“Chico Bento em: Vai aprender a tocar ô!”) publicada na Revista do
Chico Bento no 449/ e com 1 estruturada pela interação de ambos os códigos (Rolo em: Prazer
em conhecer, pais!, publicada na Revista do Cebolinha no 228/ ), a mesma análise repete-se
no padrão de desenvolvimento encaixado (Piteco em: “Siga as intenções”, publicada na
Revista do Chico Bento no 448/ e “Trabalhar em casa uma canseira”, publicada na
Revista da Mônica no 228. As histórias analisadas estão em anexo.
Além de verificar como funcionam esses padrões de desenvolvimento narrativo nas
histórias em quadrinhos mencionadas, também será examinada a aplicabilidade do modelo de
narração proposto por Labov (1972). Segundo os referidos autores, vistos na seção 3.1, a
estrutura de um texto narrativo é composta pelos seguintes componentes: abstract, orientação,
complicação, avaliação, resolução e coda. O abstract corresponde ao tópico resumitivo de uma
história; a orientação ao componente indicador de tempo, lugar e personagens inseridos; a
complicação ao ponto-chave da narrativa; a resolução a atitude tomada a fim de se resolver algo e
a coda ao elemento sinalizador da finalização da narrativa. A avaliação é um elemento que não
possui um lugar fixo dentro da estrutura narrativa, podendo estar presente em quaisquer etapas
mencionadas ou não. Cada etapa narrativa proposta nos estudos de Labov (opt.cit) será analisada,
a fim de se observar como as mesmas se aplicarão no gênero textual examinado.
Outra questão a ser investigada é a interação entre os modos de organização narrativo e
descritivo na organização de cada história em quadrinho. Para uma análise mais pormenorizada
das características descritivas de cada história, será utilizada a classificação de enquadres dos
“planos” imagísticos mencionados por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004) apresentada
e discutida na seção 3.2. Segundo os autores, os planos são caracterizados como um “recorte’
espacial de um determinado momento da narrativa e este “recorte” visa ressaltar determinadas
características da cena a ser descrita ou do próprio personagem que a compõe. Os principais
planos a serem trabalhados são: o plano geral, total ou de conjunto, médio ou aproximado,
americano, primeiro plano e o de detalhe ou close-up. O plano geral tem o enquadramento
42
bastante amplo envolvendo o personagem e o ambiente em que ele está situado, o plano total ou
de conjunto tem como objetivo principal focalizar somente os personagens que compõem a
história, o plano médio ou aproximado representa os personagens da cintura para cima assim
como as suas expressões faciais e traços fisionômicos, no plano americano os personagens são
representados do joelho para cima, neste momento dá-se importância às ações realizadas pelos
seres participantes da história, no primeiro plano os personagens são ressaltados à altura dos
ombros com o intuito de se revelar a expressão e o estado emocional dos mesmos e no plano de
detalhe ou close-up ressalta-se parte de um objeto ou do personagem e tem como objetivo
mostrar a possível relevância dos mesmos dentro do ambiente narrativo.
Todos os planos mencionados apresentam características descritivas importantes que, ao
mesmo tempo, contribuem para o desenvolvimento narrativo das HQs. Será verificada a forma
como os planos serão inseridos dentro de cada HQ no capítulo 5 e como estes se inter-relacionam
com as etapas narrativas propostas; as histórias analisadas nessas seções posteriores estarão em
anexo.
43
5. PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO NARRATIVO NAS HQS
O capítulo que se segue abordará duas questões: o padrão de desenvolvimento linear e o
padrão de desenvolvimento encaixado em HQs compostas somente pelo código não-verbal e em
HQs compostas pela interação do código verbal e não-verbal. Além de destacar as diferenças e
semelhanças entre os dois padrões e os dois tipos de HQ, também será analisada detalhadamente
a aplicabilidade das etapas narrativas propostas por Labov (1972) na descrição da estrutura das
HQs. Simultaneamente, relacionam-se essas etapas narrativas aos enquadres dos planos
“imagísticos” propostos por Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004).
5.1 Padrão de desenvolvimento linear
Conforme já visto nos capítulos anteriores, o padrão de desenvolvimento linear resulta em
uma narrativa na qual os fatos se dispõem de uma forma seqüencial, estabelecendo-se uma
relação de causalidade entre eles. Neste padrão, as etapas narrativas desenvolvem-se de maneira
linear e podem subdividir-se em: abstract, orientação, complicação, resolução e coda.
Nesta seção será proposto um esquema representativo deste tipo de padrão de
desenvolvimento narrativo. A história a ser analisada será dividida em “blocos” que buscam
representar a forma de desenvolvimento da narrativa. Simultaneamente, é examinada cada etapa
narrativa do texto escolhido assim como a sua interação com o modo de organização descritivo,
através da identificação dos enquadres dos planos (geral, total ou de conjunto, médio ou
aproximado, americano, primeiro plano e de detalhe, pormenor ou close-up) também
anteriormente explicitados.
5.1.1 Revista composta somente pelo código-não verbal
Nesta seção, analisamos detidamente a HQ Chico Bento em: Vai aprender a tocar, ô!,
publicada em Chico Bento no 449, estruturada exclusivamente a partir do código visual. Antes de
proceder à análise das diferentes etapas dessa HQ, propomos a seguir uma segmentação da
estrutura narrativa dessa HQ.
44
Esquema de desenvolvimento da HQ de Chico Bento em: Vai aprender a tocar, ô! (Chico
Bento no 449).
Chico Bento toca mal para
a sua namorada.
(Quadro 1 ao 4)
Rosinha leva o namorado
para o curso de violão.
(Quadro 5)
Chico Bento progride em
suas aulas de violão.
(Quadro 6 ao 13)
Chico Bento mostra o que
aprendeu e toca para a sua
namorada.
(Quadro 14 ao 20)
Chico Bento atrai
multidões.
(Quadro 21 ao 24)
Rosinha fica de fora da
roda de música.
(Quadro 25 ao 26)
Rosinha arranca-o da
roda de música.
(Quadro 27)
Rosinha substitui o violão
do Chico Bento pelo
trombone.
(Quadro 28 ao 30 )
No esquema acima de “Chico Bento em: Vai aprender a tocar, ô!” cada bloco
corresponde a um conjunto de ações que compõe a estrutura da narrativa. Essas ações são
45
dispostas de forma seqüencial, ou seja, um fato desenvolve-se posteriormente a outro
constituindo, dessa forma, um padrão de desenvolvimento linear.
A análise a seguir visa verificar a aplicabilidade das etapas narrativas propostas por Labov
e Waletzky (1972).Em outros termos, procuramos verificar se é possível segmentar tais etapas no
fluxo narrativo da história selecionada. O objetivo principal é determinar no fluxo narrativo as
partes que compõem a narrativa e como as mesmas são observadas no código não-verbal visto
que se trata de uma HQ estruturada apenas pela imagem que, neste caso, realiza dupla função: a
de transmitir a mensagem narrativa e descritiva de toda a HQ.
O abstract desta história encontra-se no título: Chico Bento em: Vai aprender a tocar,
ô!”. Podemos assumir que, o título referido indica um “breve” resumo narrativo do que será visto
pelo leitor no decorrer da história. É preciso notar, no entanto, que o tulo desempenha uma
dupla função, na medida em que antecipa também o protagnista do enredo narrativo.
A orientação se localiza principalmente no primeiro quadro da história. Neste quadro
inicial, o escritor procede à apresentação dos personagens, ou seja, Chico Bento e a sua namorada
Rosinha, assim como à localização espacial do enredo narrativo, ou seja, do lugar em que se
desenrolarão os eventos que construirão a narrativa (em um lugar descampado, ambiente
característico do protagonista) e as ações não-verbais que os personagens realizam no momento:
Chico Bento toca o violão para a sua namorada ao ar livre e Rosinha o ouve tocar sentada em
uma pedra (1o quadro).
Neste primeiro quadro, o modo descritivo contribui de forma explícita para a
caracterização da etapa narrativa, através do plano geral que permite um enquadramento bastante
amplo, permitindo a visualização de todos os detalhes do ambiente e personagens descritos. A
utilização desse plano permite ao leitor identificar a localização física dos personagens e as suas
reações manifestas nas expressões faciais dos mesmos (Chico Bento está em pé, com o seu violão
recostado sobre o joelho esquerdo e sua expressão fisionômica é de contentamento ao
desempenhar esta atividade; Rosinha está sentada em uma pedra de frente para o namorado e
escuta atentamente a canção tocada pelo namorado).
A complicação vai sendo progressivamente desenvolvida na seqüência de eventos que
abarca do 2
o
ao 27
o
quadro da história. Nessa seqüência de vinhetas, ocorre uma progressão linear
dos fatos que é vista inicialmente do 2
o
ao 5
o
quadro, o desenvolvimento narrativo é assinalado na
modificação progressiva da expressão fisionômica da personagem Rosinha. A centralização da
46
história nas atitudes das personagens é acompanhada de uma maior exploração do plano total ou
de conjunto em que as cenas restringem-se somente aos personagens centrais da história. A partir
do segundo quadro e na progressão dos quadros seguintes, a expressão facial de Rosinha vai se
modificando gradativamente, numa oposição clara com os sentimentos de Chico Bento que se
mostra cada vez mais enstusiasmado.. O componente visual neste momento tem como objetivo
detalhar as alterações do estado de ânimo de Rosinha que vai, progressivamente, se alterando,
passando de um estado de atenção,embora um tanto surpresa, ao de inquietação, ao de desespero,
ao de irritação, culminando na sua decisão de levar o namorado ao curso de violão (quadros 4 e
5), do 6
o
ao 8
o
quadro com Chico Bento em um curso para aprender a tocar violão, no 9
o
quadro
com Chico Bento aprendendo as notas do violão com o professor de música, do 10
o
ao 13
o
com a
progressão de Chico Bento nas aulas de violão até tornar-se um bom violonista, do 14
o
ao 19
o
em
que Chico Bento mostra para Rosinha o que aprendeu e do 20
o
ao 23
o
em que Chico Bento atrai
multidões com a sua música. O ápice da complicação desta história encontra-se do 24
o
ao 27
o
quadro: neste instante, Rosinha - que foi a grande incentivadora do progresso musical de Chico
Bento - fica de fora da roda de música.
O componente descritivo interage de forma relevante com o componente narrativo nessa
seqüência de ações, pois contribui para ilustrar progressivamente como Chico Bento ficou
rodeado de pessoas de todas as partes da cidade a tal ponto que a própria Rosinha se tornou
somente uma pessoa a mais naquele meio. Neste momento, Rosinha vai mostrando os seus
sentimentos de forma gradual: no primeiro momento, está encantada com a desenvoltura musical
de Chico, após, se surpreende por ficar de fora da roda e, por último, mostra-se revoltada ao
perceber que ela mesma fora completamente banida da roda de música.
Essa seqüência de eventos linearmente dispostos é dividida basicamente em três planos
descritivos distintos: no plano geral (9
o
quadro), no plano total ou de conjunto do (10
o
ao 23
o
quadro e do 25
o
ao 26
o
) e no plano geral (24
o
quadro).
No 6
o
quadro, o retorno ao plano geral contribui para acentuar a importância da decisão
tomada por Rosinha: ela leva o namorado para um curso de violão.As alterações nas expressões
faciais dos personagens contribuem para concretizar a tensão que se instala: enquanto Rosinha
manifesta contentamento, Chico Bento demonstra indecisão.
47
No 7
o
e 8
o
quadros, ocorre novamente a mudança do enquadramento que passa para o
plano total. Nesses quadros, mostra-se o professor de música, Chico Bento com o seu violão e o
desejo de Rosinha em tornar Chico Bento um grande violonista.
O retorno ao plano geral no 9
o
quadro re-situa as coordenadas espaciais da história: a cena
desloca-se para uma sala de música e entra em cena um outro personagem que se torna o agente
das mudanças no desempenho musical do personagem central.
Já o plano total ou de conjunto é visto do 10
o
ao 23
o
quadro e do 25
o
ao 26
o
. Do 10
o
ao 13
o
quadro, a progressão narrativa é garantida principalmnte pelas mudanças fisionômicas de Chico
Bento, na medida em que melhora seu desempenho musical. O aperfeiçoamento musical do
personagem é observado a cada quadro no formato dado às notas musicais: no primeiro instante,
observa-se que as notas musicais estão extremamente desafinadas (no 10
o
quadro), passando a
desafinar ligeiramente (no 11
o
), para em seguida se apresentarem de forma correta,
correspondendo ao aperfeiçoamento musical do personagem (no 12
o
). No último quadro,
observa-se toda a excelência da aprendizagem obtida, pois suas notas musicais estão sendo
tocadas perfeitamente (no 13
o
). Neste momento, a expressão facial de Chico Bento denota
tranqüilidade, pois ele domina facilmente o seu instrumento musical. O sucesso do curso é
reforçado pela expressão de contentamento do professor.
Do 14
o
ao 19
o
quadro, Chico Bento mostra-se alegre, eufórico e confiante em seu
aprendizado e Rosinha, ao mesmo tempo, deixa transparecer em seu rosto a sua admiração e
felicidade ao perceber o progresso do namorado.
Do 20
o
ao 23
o
quadro, o talento do personagem passa a ser reconhecido publicamente:
ocorre uma aglomeração de personagens que vão se aproximando lentamente do Chico Bento até
formar uma multidão à sua volta. No 24
o
quadro, ocorre uma mudança de plano que passa do
plano total ou de conjunto para o plano geral, a fim de acentuar o sucesso de Chico Bento e a sua
transformação em um personagem público o que se concretiza no grande número de pessoas que
veio prestigiar a sica de Chico Bento e a exclusão de Rosinha que, fisicamente, se encontra
fora daquele meio. No 25
o
e 26
o
quadro, retorna-se ao plano total ou de conjunto e pode-se
observar a expressão furiosa de Rosinha, pois ela mesma fica de fora da roda de música do
próprio namorado.
A resolução encontra-se conjugada do 27
o
ao 30
o
quadro. No 27
o
quadro, a insatisfação
de Rosinha é resolvida com a tomada de uma outra atitude: ela tira o namorado do meio da
48
multidão. Do 28
o
ao 30
o
quadro, a tensão se desfaz com a solução encontrada pela personagem
Rosinha: ela decide trocar o violão de Chico Bento por outro instrumento musical para que ele
passe a tocar somente para ela. O estado inicial visto na orientação fornecida nos primeiros
quadros é reiterado, mas modifica-se ligeiramente, no final da história, na coda, com a troca do
instrumento inicial (violão) pelo instrumento final (trombone).
O plano descritivo utilizado do 27
o
ao 29
o
quadro é o plano total ou de conjunto. Nesses
quadrinhos, nota-se a expressão enraivecida de Rosinha ao perceber que não é mais uma
platéia exclusiva e a fisionomia de espanto e, posteriormente, de surpresa de Chico Bento ao ser
oferecido a ele um outro instrumento musical. O último quadro da história é ressaltado pelo plano
geral. Neste momento, a cena é re-enquadrada, retomando alguns elementos do primeiro quadro:
os personagens estão novamente em um lugar descampado da roça. A solução do problema
desenvolvido na narrativa é explicitada na substituição do instrumento musical: Chico Bento toca
um outro instrumento (um trombone) de forma desafinada e Rosinha manifesta sua satisfação
dirigindo ao namorado um olhar apaixonado, ouvindo-o sem a presença incômoda de outras
pessoas. A expressão facial de Rosinha - vista nos primeiros quadros - transforma-se
completamente no final da narrativa, pois a personagem - neste instante mostra-se
extremamente feliz e satisfeita em ter o “talento musical” de seu namorado somente para ela.
Vale ressaltar que cada etapa narrativa, observada nos conjuntos de quadros do esquema
acima, equivale a um “bloco” de vinhetas dispostas seqüencialmente. Cada “bloco” de vinhetas
vai fornecer ao leitor informações relevantes para o desenvolvimento linear da história a ser
narrada tais como: lugar, tempo e personagens que o constituem, realizando de forma espacial e
de forma contextual as etapas narrativas propostas por Labov (1972) (abstract, orientação,
complicação, resolução e coda). Pode-se dizer ainda que a exploração de diversas formas de
enquadre Rincón (1996) e Rama & Vergueiro (2004), participa diretamente e de forma
importante da construção da seqüência narrativa. .
49
5.1.2 Revista composta pela interação do código verbal e não-verbal
Conforme visto na análise anterior, o padrão de desenvolvimento linear é caracterizado
por uma seqüência progressiva de ações em que o fato anterior está ligado seqüencialmente ao
posterior. Adotando o mesmo procedimento utilizado na seção anterior, nesta seção, focalizamos
uma HQ em que se conjugam a imagem e a palavra, ambos os componentes contribuindo para a
criação e um espaço textual. Concentramos a análise na história Rolo em Prazer em conhecer,
pais!, publicada em Cebolinha no 228, cuja segmentação é apresentada no esquema a seguir:
Esquema de desenvolvimento da HQ: Prazer em conhecer, pais!
Rolo desperta em um fim
de semana.
(Quadro 1 ao 7)
Rolo decide encontrar os
amigos para sair.
(Quadro 8 ao 12)
Nenhum de seus amigos
pode sair com ele.
(Quadro 13 ao 23)
Rolo decide acampar
sozinho.
(Quadro 24 e 25)
Os seus pais o levam para
acampar.
(Quadro 26 ao 29)
Os seus pais o ajudam a
montar a barraca e vão
embora.
(Quadro 30 ao 36)
Rolo decide aproveitar o
seu fim de semana.
(Quadro 37 ao 41)
50
O carro do seu pai enguiça
e os pais de Rolo decidem
ficar no acampamento.
(Quadro 42)
Rolo se inibe com a
presença dos pais.
(Quadro 43 ao 53 )
Rolo descobre que os seus
pais são pessoas incríveis.
(Quadro 54 ao 59 )
Rolo volta para a cidade e
comenta com o seu amigo
Zecão sobre o seu fim de
semana.
(Quadro 60 ao 63 )
No esquema acima de “Rolo em: Prazer em conhecer, pais!” cada bloco corresponde a
um conjunto de ações que compõe a estrutura da narrativa, estas ações se organizam
seqüencialmente , com um fato se relacionando de forma causal com o seguinte caracterizando,
desta forma, um padrão de desenvolvimento linear.
A esquematização vista acima permite visualizar a forma como as etapas narrativas
podem ser segmentadas e se sucedem na HQs em análise, sob a perspectiva do modelo de
narrativa visto nos capítulos anteriores. O objetivo principal é determinar - no fluxo narrativo
esquematizado acima - as partes que compõem a narrativa e como as mesmas são realizadas na
interação de ambos os códigos: o verbal e o não-verbal. A mensagem narrativa e descritiva de
toda a HQ é construída pela interação de ambos os códigos permitindo que o leitor reconstrua o
fluxo narrativo da história. O modo de organização descritivo sevisto paralelamente ao modo
narrativo através do enquadre dos planos utilizados em cada etapa narrativa apresentada.
O abstract desta história encontra-se no título: Rolo em: Prazer em conhecer, pais!”.
O tulo referido indica um “breve” resumo narrativo do que será visto pelo leitor no decorrer da
história e, assim como já vimos na análise da HQ anterior, antecipa o protagnista dos fatos a
serem narrados. Vale ressaltar que, na história em análise, no próprio título da narrativa está
51
ainda o pressuposto de que - até o ponto em que se desenvolvem os fatos que constituem a
narrativa - o personagem central (Rolo) desconhecia as diversas facetas dos pais.
A orientação é vista do 1
o
ao 29
o
quadro da história. Nestes quadros iniciais, nota-se a
apresentação dos personagens, ou seja, Rolo e seus pais, das diferentes localizações espaciais da
história: parte do enredo narrativo se desenvolve em casa, e parte no campo (num lugar
descampado) e as ações verbais/não-verbais que os mesmos realizam no momento presente. Rolo
desperta em um final de semana cheio de planos (do 1
o
ao 7
o
quadro), decide convidar os amigos
para fazer algum programa (do 8
o
o 12
o
quadro), todos os amigos recusam o convite, pois cada
um tem um empecilho que o impede de acompanhá-lo (do 13
o
ao 23
o
quadro). Do 24
o
e 25
o
quadro, Rolo toma a decisão de acampar sozinho e, por fim, do 26
o
ao 29
o
quadro, os pais
decidem acompanhá-lo. Vai-se criando, assim, uma espécie de background (pano de fundo) para
os fatos centrais que vão constituir a trama narrativa, pois todos os quadrinhos acima colocam os
eventos preparatórios que vão culminar na complicação.
Nestas etapas iniciais, os modos narrativo e descritivo interagem de forma explícita
através do plano geral no 1
o
quadro em que o enquadramento é bastante amplo, permitindo a
visualização de todos os detalhes do ambiente inicial e dos personagens envolvidos. A utilização
desse plano permite ao leitor identificar a localização física inicial dos personagens (no quarto de
Rolo) e as expressões faciais dos mesmos (A mãe de Rolo está em perto da porta entreaberta
chamando-o para os seus compromissos; Rolo está literalmente “jogado” na cama, expressa
extremo cansaço e pede a sua mãe que o deixe dormir mais um pouco). Nesse ponto, o
componente lingüístico desempenha um papel fundamental, visto que é através das palavras da
mãe que se instala a consciência de que se trata de um sábado.
Do 2
o
ao 7
o
quadro, o desenvolvimento narrativo é assinalado na modificação progressiva
da expressão fisionômica de Rolo que dorme tranqüilamente, de sua mãe, na tentativa de
despertá-lo, na sua descoberta de que não havia necessidade de acordar o seu filho, que era fim
de semana e, por último, em que Rolo pula rapidamente da cama ao saber que se tratava de um
dia de lazer. A centralização da história na atitude do personagem principal é acompanhada de
uma maior exploração do plano total ou de conjunto em que as cenas restringem-se somente aos
personagens centrais da história.
Na progressão dos quadros, a expressão facial de Rolo vai se modificando, passando do
extremo cansaço e desânimo para a completa euforia e disposição. O componente visual neste
52
momento, além de determinar a seqüência de ações, detalha a progressão no estado de ânimo de
Rolo, que vai progressivamente se alterando. Do 8
o
ao 15
o
quadro, percebe-se novamente a
utilização do plano total ou de conjunto, auxiliando progressivamente o enredo narrativo através
da focalização do personagem central e de suas atitudes. Neste momento Rolo está animado,
cheio de planos para o final de semana e decide ir à casa de cada um de seus amigos para
convidá-los para sair. A cada quadrinho em que ouve uma recusa, Rolo muda o seu estado de
ânimo passando da extrema euforia para a surpresa e, por último, para a completa indignação,
pois cada um de seus amigos tem outras atividades programadas ou está impossibilitado de
sair. A mudança fisionômica apresentada por Rolo em cada situação apresentada anteriormente
encontra-se ressaltada pelo plano médio do 16
o
ao 23
o
quadro.
Do 24
o
ao 25
o
quadro, o plano descritivo é realizado através da exploração do plano total
ou de conjunto, focalizando-se somente o personagem Rolo que está furioso com os seus amigos
pela recusa proferida.Seu estado de ânimo é reforçado pela fumacinha” que está acima de sua
cabeça demonstrando a sua raiva (24
o
quadro) e no 25
o
quadro em sua nova decisão de acampar
sozinho. Neste momento, o personagem encontra-se repentinamente alegre com a nova idéia para
o fim de semana.
No 26
o
quadro, observa-se a utilização do plano americano: os personagens são
ressaltados somente do joelho para cima, enfatizando a surpresa de Rolo com a decisão dos pais
em acompanhá-lo. No 27
o
quadro, um retorno para o plano total ou de conjunto, a fim de se
ressaltar novamente os personagens participantes do enredo narrativo e o que eles vão levar para
o acampamento e a surpresa de Rolo com a quantidade de bagagem que os pais separaram. No
28
o
e 29
o
quadro, há o uso do plano geral, determinando uma alteração nas coordenadas espaciais
da narrativa: Rolo e seus pais se situam no acampamento, local onde se desenrolarão as ações
centrais da narrativa.
A complicação vai sendo progressivamente desenvolvida na seqüência de eventos
realizadas pelos componentes verbal/ visual que abarcam do 30
o
ao 53
o
quadro da história. A
progressão linear dos fatos é vista inicialmente do 30
o
ao 36
o
quadro em que os pais ajudam Rolo
a arrumar a sua barraca e, após, vão embora, e do 37
o
ao 41
o
quadro em que Rolo decide
aproveitar sua liberdade para curtir o acampamento e no 42
o
quadro em que seus pais retornam
para o acampamento porque o carro enguiçou. O ápice da complicação desta história encontra-se
53
do 46
o
ao 53
o
quadro, quando Rolo se inibe com a presença dos pais, pois pensa que eles
estarão lá para perturbá-lo e envergonhá-lo.
O componente descritivo aliado ao narrativo é de grande relevância neste momento, pois
tem como objetivo ilustrar progressivamente, através do código visual, as expressões faciais de
Rolo de vergonha e desagrado. Esses sentimentos são reforçados através de suas palavras de
conteúdo avaliativo em que se relata indiretamente a sua insatisfação perante a presença
incômoda dos pais (vista mais especificamente nos quadros 43 e 50). Neste ponto, o componente
verbal sinaliza o ponto de vista da personagem Rolo perante a situação que vivenciava naquele
momento, pois ter a presença de seus pais no acampamento significaria para ele passar por
situações embaraçosas diante de outros jovens da mesma idade.
Essa seqüência de eventos linearmente dispostos é dividida basicamente em quatro planos
descritivos distintos: no plano total ou de conjunto (30
o,
34
o
, 36
o
ao 38
o
, 48
o
e 52
o
) no plano
médio ou aproximado (31
o
ao 33
o
, 39
o
, 42
o
ao 46
o
, 49
o
, 50
o
e 53
o
), no plano americano (35
o
, 40
o
e
51
o
) e no plano geral (41
o
e 47
o
).
No 30
o
quadro, há um retorno para o plano total ou de conjunto para se mostrar a inserção
de mais uma personagem na história, ou seja, uma jovem acampando sozinha. Do quadro 31
o
ao
33
o
passa-se para o plano médio ou aproximado, o que possibilita ressaltar o total desagrado de
Rolo com o excessivo zelo de seus pais.
No 34
o
(plano total ou de conjunto), no 35
o
e 40
o
(plano americano) e no 36
o
ao 39
o
(plano total ou de conjunto) quadros uma seqüência linear de eventos que descrevem a ajuda
dos pais de Rolo com a barraca, o sentimento de vergonha que o mesmo sentia ao ser observado
pela jovem que assistia a tudo, a saída dos mesmos e a tentativa de Rolo em se aproximar da bela
moça.
No 41
o
quadro, há uma mudança de plano que passa do plano americano ao plano geral.
Neste momento, mostra-se todo o enquadramento em que Rolo e a garota estão (na cachoeira), as
suas expressões de alegria, de divertimento e finalmente a intromissão dos pais de Rolo.
Do 42
o
ao 46
o
quadro ocorre novamente a mudança para o plano médio ou aproximado. A
expressão de decepção e de estarrecimento de Rolo e da garota é evidente nestes quadros; os
pais de Rolo demonstram sentimentos opostos aos do seu filho, pois estão felizes e eufóricos em
passar o final de semana com ele.
54
No 47
o
quadro, a cena mostra-se no plano geral: Rolo sente-se frustrado com a presença
dos pais, decide sair da água com eles, enquanto que a garota decide conversar com um outro
rapaz. No 48
o
e 53
o
(plano total ou de conjunto), no 49
o
, 50
o
e 53
o
(plano médio ou aproximado) e
no 52
o
quadro (plano americano) focalizam-se as expressões dos pais de Rolo (de alegria e
entusiasmo) e de Rolo (com medo de que seus pais o envergonhem perante os demais).
A resolução encontra-se conjugada do 54
o
ao 63
o
quadro e dividem-se basicamente em
três fatos principais. No 54
o
e 55
o
quadro, observa-se a descoberta de Rolo, ou seja, seus pais
possuem os mesmos gostos que os seus, do 56
o
ao 59
o
quadro, Rolo aprende a divertir-se com os
seus pais e, do 60
o
ao 63
o
quadro, em que Rolo chega a uma conclusão: seus pais são pessoas
com as quais ele pode se divertir.
O plano descritivo utilizado no 55
o
quadro é o plano geral. Neste instante, os pais de Rolo
encontram-se cercados de jovens que admiram a sua música. No 56
o
e 57
o
quadro, ocorre a
mudança de plano para médio ou aproximado. A expressão de Rolo transforma-se imediatamente
nestes quadros, pois ele passa a sentir-se feliz por ter um pai com os mesmos gostos que ele. No
58 e 59
o
quadro, há o emprego do plano geral com o objetivo de mostrar as atividades que Rolo e
seus pais fizeram no final de semana que passaram juntos. No 60
o
( plano total ou de conjunto),
no 61
o
e 62
o
(plano médio ou aproximado) e no 63
o
quadro (plano americano) focalizam-se dois
personagens: o Rolo e o Zecão. Nesses quadrinhos, a expressão facial e as palavras de conteúdo
avaliativo de Rolo estão totalmente modificadas, comparativamente ao início da narrativa:
Rolo revela-se tranqüilo e feliz e chega à conclusão de que seu fim de semana fora maravilhoso,
pois lhe deu a oportunidade de descobrir que, na realidade, seus pais são tão incríveis quanto os
seus amigos.
A avaliação - conforme já visto no capítulo 3 - não constitui parte obrigatória da estrutura
narrativa. Segundo a proposta de Labov (1972), a etapa da avaliação pode estar presente em
qualquer parte da estrutura narrativa (orientação, complicação, resolução e coda) e pode ser
realizada de três formas distintas: externa, encaixada e ação avaliativa.
Na avaliação externa, o narrador interrompe o fluxo da narrativa, a fim de transmitir ao
seu ouvinte o seu ponto de vista. A avaliação encaixada é utilizada quando o narrador passa o
seu sentimento com relação a algo ocorrido com ele em um determinado momento do fluxo
narrativo ou introduz uma 3
a
pessoa que avalia a ação do antagonista para o narrador. A ação
55
avaliativa tem como objetivo principal relatar o que uma pessoa fez e o que os outros
personagens disseram.
Na HQ analisada, observam-se alguns quadros em que ocorre a presença do conteúdo
avaliativo encaixado. Estes quadros podem ser encontrados durante a complicação (17
o
, 43
o
, 50
o
e 54
o
quadro) e na resolução (61
o
quadro). Todos estes quadros são caracterizados pela avaliação
encaixada em que o sentimento de Rolo é externalizado através do código verbal em
determinados momentos do fluxo narrativo de acordo com as situações vividas por ele em cada
momento e também concomitantemente pelo código não-verbal através das expressões faciais e
expressões corporais da personagem.
56
5.2 Padrão de desenvolvimento encaixado
Conforme visto nos capítulos anteriores, o padrão de desenvolvimento encaixado
consiste em uma narrativa onde se encaixam micro-eventos que constituem parte de um enredo
mais amplo. Em cada micro-evento de uma história em que se identifica este tipo de padrão
repete-se basicamente a mesma estrutura da tríade narrativa de início, meio e fim de um
acontecimento. Essas seqüências de micro-eventos são fechadas e interdependentes entre si e, ao
mesmo tempo, estão ligadas a uma narrativa global.
Assim como nas seções anteriores, propõe-se um esquema representativo deste tipo de
padrão de desenvolvimento narrativo. A história a ser analisada será dividida em “blocos
narrativos. Simultaneamente, examinaremos cada etapa narrativa do texto escolhido assim como
a sua interação com o modo de organização descritivo, através da identificação dos enquadres e
dos planos.
5.2.1 Revista composta somente pelo código não-verbal
Na amostra selecionada, detemo-nos na análise da HQ de Piteco em: Siga as intenções,
publicada em (Chico Bento no 448). Utilizando o mesmo procedimento adotado até aqui,
partimos da proposta de um esquema de segmentação do texto.
Esquema de desenvolvimento da HQ Piteco : Siga as intenções
Piteco observa um rastro de
pegadas e pensa em caçar um
animal.
(Quadro 1 ao 3)
Piteco segue as pistas
do rinoceronte, tenta
caçá-lo, porém é
atacado por ele.
(Quadro 4 ao 11)
Piteco segue as pistas
do alce, tenta caçá-lo,
porém é atacado por
ele.
(Quadro 12 ao 19)
Piteco segue as pistas
do urso, tenta caçá-lo,
porém é atacado por
ele.
(Quadro 20 ao 27)
Piteco segue as pistas
do mamute, tenta caçá-
lo, porém é atacado
por ele.
(Quadro 28 ao 35)
Piteco continua seguindo as
pistas em busca de comida,
porém as pegadas que ele
segue são de sua amiga Thuga
que possivelmente o
alimentará.
(Quadro 35 e 36)
57
No esquema acima, cada bloco corresponde a uma micro-narrativa que pode ser
segmentada nas suas partes constituintes em que se identificam um início, um meio e um fim.
Essas ações são dispostas de forma encaixada, ou seja, essas micro-narrativas são
interdependentes no sentido de que elas vão contribuindo para uma conclusão final que constitui
o ápice da narrativa maior. A narrativa global possui uma seqüência de eventos cíclica em que
uma mesma ação se repete constituindo micro-eventos que vão se intensificando.
O objetivo principal desta análise é determinar no fluxo narrativo esquematizado acima as
partes que compõem a narrativa encaixada não-verbal e, simultaneamente, quais são os planos
descritivos focalizados no decorrer da história que auxiliarão na construção da narrativa.
O abstract desta história encontra-se no título: Piteco em: Siga as intenções!”.
Podemos assumir que o título, apesar da falta de clareza quanto ao assunto que será desenvolvido
no decorrer da história, indica “metaforicamente” o que será visto pelo leitor nos quadros que
constituem a HQ, além de indicar previamente o protagonista da narrativa.
A orientação é observada no primeiro quadro da história, superpondo-se ao início da
primeira micro-narrativa. Além de se oferecer dados como lugar, tempo e personagens da história
em desenvolvimento, no primseiro quadro inicia-se também a primeira micro-narrativa
propriamente dita com a descoberta das pegadas, a decisão de seguí-las e o ataque do rinoceronte.
Essa seqüência é perfeitamente linear e possui uma clara organização de início, meio e fim que
caracteriza todo texto narrativo em que Piteco encontra as pegadas de um animal (1
o
quadro),
deduz (o que é assinalado nos balões dos dois quadros a seguir) que tipo de animal passou por ali
(um rinoceronte/ 2
o
quadro) e, por último, decide caçá-lo a fim de saborear sua carne (3
o
quadro).
Neste ponto, os modos narrativo e descritivo interagem de forma explícita através do
plano geral no 1
o
quadro em que o enquadramento é bastante amplo, permitindo a visualização de
todos os detalhes do ambiente e personagem descritos. A utilização desse plano permite ao leitor
identificar a localização física do personagem (em um lugar de vegetação densa) e a sua
expressão facial (Piteco encontra-se surpreso ao descobrir pegadas pelo chão).
A complicação vai sendo progressivamente desenvolvida num encadeamento de diversas
seqüências narrativas encaixadas que abarca do 1
o
ao 35
o
quadro da história. A partir do 4
o
quadro, ocorre uma progressão cíclica dos fatos que é vista inicialmente do 4
o
ao 11
o
quadro com
Piteco seguindo as pegadas do rinoceronte (4
o
e 5
o
quadro), o encontro com o animal (6
o
quadro),
a tentativa de ataque ao animal (7
o
quadro), o animal defende-se atirando-o para longe (8
o
e 9
o
58
quadro), Piteco se esborracha no chão (10
o
quadro) e, por último, Piteco sofre vários ferimentos
na luta (11
o
quadro).
Do 12
o
ao 19
o
quadro, observa-se a mesma micro-seqüência linear de fatos, envolvendo,
no entanto, uma alteração de alguns dos elementos. Nesta micro-seqüência de eventos, repete-se
o mesmo esquema de ações, porém com a substituição do animal a ser caçado. No 12
o
quadro,
retorna-se ao ponto inicial: Piteco encontra um outro rastro de pegadas, Piteco identifica que o
animal é um alce (13
o
quadro), decide caçá-lo (14
o
quadro), encontra-o (15
o
quadro), decide
atacá-lo (16
o
quadro), o animal defende-se atirando-o para longe (17
o
e 18
o
quadro) e, por fim,
Piteco sai novamente ferido da caça (19
o
quadro).
O esquema visto acima se reproduz do 20
o
ao 34
o
quadro com a repetição da mesma
seqüência de ações, porém com uma maior intensificação dos fatos, o que se realiza no plano
imagístico através do aumento do tamanho dos animais. Nestas micro-seqüências, Piteco decide
caçar animais de grande porte como um urso (do 20
o
ao 27
o
quadro) e um mamute (28
o
ao 34
o
quadro) diferenciando-se das anteriores em que havia tentado caçar animais de porte médio.
As seqüências narrativas que se sucedem são reforçadas pelos procedimentos descritivos
adotados manifestos nas distintas formas de enquadre dispostas no decorrer da complicação. Os
planos empregados nesta etapa são: o plano total ou de conjunto e o plano geral.
No 1
o
quadro o emprego do plano geral em que o enquadramento é bastante amplo
permite a observação detalhada de todo o ambiente e as expressões de surpresa de Piteco ao se
deparar com as pegadas de um animal. No 2
o
e 3
o
quadros, o desenvolvimento seqüencial das
ações é complementado pelo componente descritivo em que o autor assinala a modificação
progressiva da expressão fisionômica do personagem Piteco e se centraliza nas atitudes do
mesmo, assinalando seu processo de dedução (o que é assinalado pelo uso do balão pensamento
no 2
o
e 3
o
quadrinhos) de que aquele rastro de pegadas - observadas no 1
o
quadro - pertence a um
rinoceronte. A cena composta pelo 2
o
quadrinho é realizada através da exploração do plano total
ou de conjunto em que a cena restringe-se ao personagem central da história. No 3
o
quadro,
observa-se a utilização do primeiro plano, com o rosto da personagem focalizado com maior
atenção, a fim de mostrar a sua expressão sonhadora e o seu desejo de realizar o seu intento visto
no seu balão-pensamento, ou seja, encontrar comida.
Do 4
o
ao 29
o
quadro, observa-se a utilização do plano total ou de conjunto. Neste tipo de
enquadre escolhido, o cenário que envolve o personagem central Piteco é algo secundário e o que
59
importa neste momento é somente focalizar as ações dos personagens participantes do enredo
narrativo, quais sejam, o homem pré-histórico Piteco e os animais que o mesmo tenta caçar.
Nestas cenas, as expressões fisionômicas de Piteco sinalizam uma gradação de sentimentos
sempre repetida em cada micro-sequência de eventos: primeiramente ele se sente contente com a
descoberta das pegadas (do 4
o
ao 6
o
, do 11
o
ao 15
o
, do 20
o
ao 23
o
e do 28
o
ao 29 quadro), age com
fúria para atacar o animal (7
o
, 16
o
, 24
o
e 31
o
quadro), expressa medo ao perceber que o animal
atacado reage com violência (do 8
o
ao 10
o
, do 17
o
ao 18
o
, do 25
o
ao 26
o
e do 32
o
ao 34
o
quadro) e,
por último, demonstra-se desanimado, desolado e dolorido ao observar que sua caçada fora
completamente frustrada ( 11
o
, 19
o
, 27
o
e 35
o
quadro- que além de fazer parte do final da
complicação, também faz parte da resolução da narrativa).
A resolução desta história é observada no 35
o
e 36
o
quadros da história. Neste momento,
a mesma seqüência de eventos percebida em todo o decorrer da história é novamente repetida,
porém com uma pequena diferença: Piteco o segue mais as pegadas de um animal com o
objeto de conseguir alimento.Nestes últimos quadros, Piteco segue as pegadas de sua amiga
Thuga (um ser humano como ele) que possivelmente irá ajudá-lo, oferecendo-lhe gentilmente os
alimentos de que necessita.
Nessas últimas cenas, o modo descritivo contribui para o desenvolvimento narrativo
através da exploração do plano total ou de conjunto e do plano geral. No 35
o
quadro, o plano total
que focaliza somente o personagem Piteco permite destacar a sua expressão fisionômica de
desalento e de dor por ter sido ferido pelo mamute. Já no 36
o
quadro, o plano geral tem como
meta enfocar toda a cena em que a narrativa se passou (em um lugar ao ar livre), mostrar o rastro
de pegadas deixado por Thuga que carrega um cesto cheio de frutos e, por último, enfatizar a
expressão fisionômica de Piteco que expressa contentamento e, ao mesmo tempo, o seu desejo de
auxílio como se pode notar no balão-pensamento do personagem expresso neste último
quadrinho.
Vale ressaltar que, na análise de histórias em quadrinhos constituída unicamente pelo
código não-verbal, a avaliação é implícita, visto que não há quadros explícitos em que se perceba
a avaliação direta de um personagem em torno do que ocorre consigo ou com as suas
experiências vividas naquele momento.
Observa-se que o padrão encaixado difere do padrão linear anterior por possuir micro-
seqüências de eventos concatenados entre si. Essas micro-seqüências possuem um início, meio e
60
fim determinados e, ao mesmo tempo, estão interligadas àquelas que as precedem e aquelas que
as seguem, com o intuito não apenas de reiterar um conjunto de ações, mas também de
intensificá-las.
61
5.2.2 Revista composta pela interação do código verbal e não-verbal
Conforme visto na análise anterior, o padrão de desenvolvimento encaixado é
caracterizado por uma seqüência concatenada de ações em que uma seqüência maior de eventos é
composta por diversas narrativas encaixadas entre si. Nesta seção será examinada a forma como
as etapas narrativas estão associadas aos enquadres dos planos descritivos em uma HQ composta
pela interação de ambos os códigos de linguagem, ou seja, o código verbal e o não-verbal. Para
tanto, selecionamos a HQ de Mônica em: Trabalhar em casa uma canseira, publicada em
Mônica, no. 228, cujo esquema é apresentado a seguir:
62
63
No esquema visto de Mônica em: Trabalhar em casa uma canseira...” cada bloco
corresponde a um conjunto de ações que compõe a estrutura da narrativa. Essas ações são
dispostas de forma encaixada no sentido de que cada fato encontra-se concatenado a um outro
formando micro-seqüências narrativas interdependentes entre si.
Assim como nas outras HQs analisadas, também se observará nesta história como as
etapas narrativas de Labov (1972) são dispostas e relacionadas com os enquadres descritivos.
Busca-se perceber como ambos os modos de organização do discurso interagem nesta HQ
composta pelos códigos verbal e visual.
O abstract desta história encontra-se no título: “Mônica em: Trabalhar em casa uma
canseira...”. Podemos assumir que o título referido indica um “breve” resumo narrativo do que
será visto no decorrer da história. O título da história examinada, que antecipa igualmente um dos
protagonistas da narrativa, além de se apresentar um breve resumo, também pode revelar ao leitor
uma espécie de conteúdo avaliativo da história, ou seja, a de que não seria possível trabalhar em
casa estando simultaneamente na companhia de filhos e na obrigação de realizar diferentes
tarefas domésticas.
A orientação pode ser identificada nos seis quadros iniciais da HQ: o escritor oferece ao
seu leitor as coordenadas espaciais e temporais nas quais se situam as ações que serão
desenvolvidas ao longo da narrativa e define um dos personagens centrais (a mãe) que atuará no
decorrer do enredo narrativo. No que se refere à localização espacial, sabe-se que as ações irão se
desenvolver na casa da Mônica e que se iniciam na parte da manhã, visto que a mãe da Mônica
despede-se do marido revelando ao mesmo as tarefas que ainda executará (1
o
, 2
o
e 3
o
quadros) ao
longo do dia. Dos quadros 4 a 6, define-se a questão central da narrativa: a mãe vai para o seu
local de trabalho (4
o
quadro) e, por fim, prepara-se para iniciar seu trabalho (5
o
e 6
o
quadros).
A utilização do plano geral, neste 1
o
quadro, permite ao leitor identificar a localização
física dos personagens que participarão da história (a casa da Mônica) e as atitudes da
personagem central (a mãe da Mônica) que está recostada na soleira da porta da sua casa
despedindo-se do marido que vai trabalhar.
No 2
o
, 3
o
, 4
o
e 5
o
quadros, observa-se a presença do plano total ou de conjunto. Neste
momento, a cena restringe-se somente à personagem central da história e às suas expressões
faciais. No 2
o
quadro, observa-se a expressão alegre da mãe da Mônica ao despedir-se do marido,
no 3
o
quadro ela observa o seu carro sair, no 4
o
quadro em que se mostra ansiosa e extremamente
64
satisfeita por iniciar um novo trabalho em casa e no 5
o
quadro em que começa a trabalhar
animadamente. O 6
o
quadro caracteriza-se pelo primeiro plano, neste quadro a personagem é
focalizada somente da cintura para cima com o intuito de se salientar com detalhes o seu estado
de ânimo bem humorado diante o computador.
Embora, mais regularmente, a orientação se situe nos quadros iniciais em histórias que
possuem o padrão de desenvolvimento encaixado, ela pode se diluir no desenvolvimento da
narrativa uma vez que ao longo de cada micro-seqüência uma nova inserção de informações
sobre personagens, tempo e lugares. Neste caso há uma sobreposição de duas etapas narrativas: a
orientação e a complicação de todos os micro-eventos vistos no decorrer da história. Podemos
citar como exemplo, a micro-seqüência de eventos compostos do 12
o
ao 15
o
quadro em que a mãe
da Mônica está em sua sala de trabalho (12
o
quadro), ouve um grande barulho (13
o
quadro),
resolve verificar o que aconteceu (14
o
quadro) e observa que a sua cozinha está um verdadeiro
caos (15
o
quadro).
A complicação vai sendo progressivamente desenvolvida na seqüência de micro-
narrativas que vão se encaixando do 7
o
ao 125
o
quadro da história. A partir do 7
o
quadro, ocorre a
primeira interrupção do trabalho da mãe pela filha que derruba alguns utensílios de cozinha no
chão, levando a sua mãe a sair da sua concentração no trabalho, a fim de verificar o que ocorreu
(do 8
o
ao 11
o
quadro). No 12
o
quadro, ocorre um retorno ao estado inicial, com a mãe que se
senta novamente na frente do computador, a fim de retomar seu trabalho. O bom humor da mãe
transparece nos seus comentários acerca da interrupção, como se pôde notar no 11
o
quadro em
que ela expressa, através do componente lingüístico, a sua satisfação em perceber que sua filha já
se tornara uma criança independente, ou seja, que sabe se virar sozinha sem necessitar de sua
presença constante. Essa mudança, com a mãe sempre retomando o trabalho, vai se manifestar ao
longo da narrativa, marcando, de certa forma, a passagem de uma micro-narrativa a outra.
A ciclicidade da narrativa se manifesta do 13
o
ao 22
o
quadro, numa crescente
intensificação. No 13
o
Quadro, Mônica - além de derrubar novamente alguns talheres - causa um
verdadeiro “caos” na cozinha sujando-a e desarrumando-a completamente fazendo com que sua
mãe tenha de interromper o trabalho por mais tempo, para limpá-la totalmente.
O 23
o
quadro marca novamente uma passagem, uma tentativa de retorno ao estado inicial,
o que se manifesta principalmente no componente lingüístico com a fala da mãe expressando sua
disposição de voltar ao trabalho. Neste quadro, as ações se superpõem, pois a nova interrupção
65
começa logo no quadro 23, quando Mônica interrompe o trabalho da mãe, apoderando-se do seu
computador para bater papo com uma amiga. A mãe pede para que ela saia para que possa dar
prosseguimento ao seu trabalho, porém, ao concentrar-se novamente na sua tarefa, percebe que o
seu projeto desapareceu da tela do computador e se desespera, requisitando a presença da filha
para resolver o seu problema (do quadro 30
o
ao 35
o
).
Ao conseguir resolver o problema e voltar ao trabalho (no 35
o
quadro), a mãe de Mônica é
novamente interrompida, agora pela conversa alta de Mônica no telefone (do quadro 36
o
ao 45
o
)
normalizando-se somente no 46
o
quadro, quando sua filha finaliza a conversa. O 46
o
quadro
assinala uma outra passagem, através da retomada do trabalho pela e. Vale ressaltar que -
nestes quadros - o componente lingüístico possui grande contribuição ao enredo narrativo
principalmente no 43
o
e 46
o
quadro. No 43
o
quadro, a mãe da Mônica expressa, através do balão,
o seu ponto de vista perante a interrupção que sofreu relatando que não deve dar atenção à
conversa da filha ao telefone por ser apenas uma “fofoquinha de criança” e no 46
o
quadro em que
se mostra - também através do componente lingüístico - aliviada pela finalização da conversa de
sua filha no telefone como se vê em suas palavras: “Ah! De volta ao trabalho!”.
Do 47
o
ao 50
o
quadro, a mãe da Mônica é interrompida, mais uma vez, agora pela
música alta da filha. Resolvido esse problema, a mãe tenta novamente se concentrar no
trabalho(51
o
quadro que também assinala uma transição), mas é interrompida pela campainha de
sua casa (do 52
o
ao 62
o
quadro) .
Quando finalmente retoma a sua atividade (no 63
o
quadro), novamente é forçada a retirar-
se de sua tarefa para fazer um lanche para as meninas (do 64
o
ao 67
o
quadro). Ao voltar para a
mesa de trabalho, a mãe da Mônica novamente não consegue trabalhar devido à interrupção
constante de Mônica e Magali em seu trabalho (do 68
o
ao 90
o
quadro). Ao livrar-se da presença
delas, encontra outro fato que a dispersa de sua atividade: a televisão alta da sala (do 91
o
quadro
ao 98
o
quadro), ao se dar conta de que o seu trabalho ainda não está concluído, a mãe da Mônica
retorna para ele (do 99
o
ao 101
o
quadro), porém outro problema surge: ela necessita preparar o
almoço para as crianças (do 102
o
ao 105
o
quadro).
Neste momento, a mãe da Mônica retorna para o seu trabalho (106
o
quadro), mas é
interrompida incessantemente pelas atribulações do dia-a-dia como: impedir a bagunça na
cozinha feita pelo cachorro da Mônica (do 107
o
ao 109
o
quadro), tomar conta da filha de sua
vizinha (110
o
e 111
o
quadro), atender ao telefone, dar bronca na Mônica por bater nos meninos,
66
botar o cachorro para fora de casa, dar o lanche da tarde das meninas e fazer toda a tarefa da casa
(do 112
o
ao 119
o
quadro).É necessário destacar que, em toda essa seqüência uma aceleração
dos micro-eventos e, ao mesmo tempo, uma superposição entre eles, o que aumenta a
exasperação da mãe.
Do 120
o
quadro ao 122
o
ela retoma mais uma vez a sua atividade inicial, porém sem
grandes resultados, que é interrompida pela chegada do marido que volta pra casa após o
trabalho, o dia está terminado e ela nada progrediu no seu trabalho. (do 123
o
quadro ao 125
o
).
O componente descritivo aliado ao narrativo é de grande relevância neste momento, pois
permite ilustrar progressivamente, com a colaboração do código lingüístico, a deterioração do
estado de ânimo da mãe. Essas micros-seqüências de eventos encaixados são divididas
basicamente em quatro planos descritivos distintos: plano total ou de conjunto, primeiro plano,
plano americano e plano médio ou aproximado.
No 7
o
quadro, o autor se vale do enquadramento descritivo do primeiro plano, ressaltando
a mãe da Mônica na altura dos ombros para cima e sua expressão fisionômica de surpresa ao
ouvir um forte estrondo. No 8
o
e 9
o
quadros ocorre uma mudança de planos, passando para o
plano total ou de conjunto. Nesses quadros, observa-se em que local a personagem Mônica está
localizada e, ao mesmo tempo, os objetos que ela deixara cair no chão. No 10
o
quadro, retorna-se
para o primeiro plano a fim de demonstrar a expressão de contentamento da mãe da Mônica ao
perceber que sua filha é capaz de resolver o problema sem a sua ajuda.
No 11
o
quadro um retorno para o plano total ou de conjunto para mostrar a saída da
mãe da Mônica da cozinha, no 12
o
quadro há a mudança para o plano médio ou aproximado em
que a mãe da nica é ressaltada da cintura para cima, a fim de focalizar o seu estado de
contentamento frente ao trabalho que realiza e, no 13
o,
quadro há novamente uma mudança para o
primeiro plano com o intuito de destacar a expressão assustada da mãe ao ouvir um estrondo na
cozinha muito maior do que o anterior.
Do 14
o
ao 18
o
quadro, há novamente o emprego do plano total ou de conjunto que nos
permite observar o “estrago” que ocorreu na cozinha e, ao mesmo tempo, as mudanças no estado
de ânimo da mãe (visíveis nas suas expressões faciais) que vão, progressivamente, se
transformando, passando do susto ao contentamento forçado. No 19
o
quadro, ocorre a mudança
para o plano médio ou aproximado em que sua expressão facial é novamente alterada pelo susto
provocado pelo barulho novamente realizado por Mônica. Do 20
o
ao 23
o
quadro observa-se
67
primeiramente a expressão de desespero da mãe de Mônica ao perceber a cozinha totalmente
destruída (20
o
quadro), o seu contentamento forçado (21
o
quadro), a sua expressão de aparente
tranqüilidade (22
o
quadro), a sua volta para o computador e a sua expressão de surpresa ao
encontrar a sua filha mexendo nele (23
o
quadro).
Do 24
o
ao 27
o
quadro, a utilização do plano médio ou aproximado contribui para ressaltar
a expressão alegre de Mônica em frente do computador e de surpresa e de desagrado de sua mãe.
Do 28 ao 30
o
quadro ,ocorre novamente a mudança para o plano total ou de conjunto. Neste
momento a mãe de Mônica encontra-se contente e inteiramente disposta a dar prosseguimento a
sua tarefa (no 28
o
e 29
o
quadro), porém este seu estado de ânimo é alterado para a total surpresa
que leva ao perceber que algo de errado no computador (no 30
o
quadro). No 31
o
quadro,
altera-se o tipo de enquadramento para o primeiro plano: neste quadro a mãe de Mônica encontra-
se totalmente desesperada, e no 32
o
quadro, é empregado o plano total ou de conjunto e no
33
o
quadro é empregado o plano médio ou aproximado. No 34
o
quadro, o plano total ou de
conjunto permite mostrar o local em que se encontram as personagens e o contraste de
sentimentos experimentado por cada uma delas: de um lado, a expressão de pânico da mãe e, por
outro, a de incompreensão por parte de Mônica. No 35
o
quadro, é utilizado o plano médio ou
aproximado, possibilitando ressaltar a expressão de tranqüilidade de Mônica ao resolver o
problema e de surpresa e alívio de sua mãe.
Do 36
o
ao 42
o
quadro, utiliza-se o mesmo plano. A expressão facial da mãe de Mônica
transforma-se a cada quadrinho: passando da surpresa ao ouvir a conversa alta de Mônica no
telefone (36
o
quadro), à curiosidade em descobrir o que se passa, como se nota nestes quadros
restantes.
No 43
o
e 44
o
quadros, o emprego do plano americano, em que a mãe é ressaltada do
joelho para cima, focalizando-se, assim a sua expressão de irritação (43
o
quadro) e, ao mesmo
tempo, de curiosidade ao querer melhor compreender a conversa das meninas no telefone (44
o
quadro).
Do 45
o
ao 50
o
quadro, há novamente o retorno ao plano total ou de conjunto.. A
expressão fisionômica da mãe de Mônica vai novamente se alterando gradativamente:
aparentemente tranqüila e concentrada em seu trabalho (nos quadros 45
o
e 46
o
), a seguir,
assustada com o imenso barulho do som (47
o
quadro) e, finalmente, irritada por não conseguir
realizar o seu trabalho (do 48
o
ao 50
o
quadro).
68
No 51
o
e 53
o
quadro, utiliza-se o primeiro plano para ressaltar a expressão de
tranqüilidade da mãe de Mônica por finalmente conseguir realizar seu trabalho. No 52
o
quadro
uma mudança deste estado de ânimo da mãe de Mônica, manifestando-se sua irritação por mais
uma interrupção no seu trabalho, ao perceber que sua filha não atendeu a porta. No 54
o
e do 57
o
ao 64
o
quadro, volta-se mais uma vez ao plano total ou de conjunto, focalizando novamente as
mudanças no estado de ânimo da mãe, que passa de contentamento ao de irritação ao perceber
que novamente é interrompida por algum imprevisto. Nestes quadros, o componente lingüístico
torna-se importante para ressaltar a breve conversação com a Magali, ao atender a porta, a sua
tentativa de concentração ao retomar o trabalho, superpondo-se ao diálogo entre Magali e Mônica
que manifestavam sua intenção de preparar algo na cozinha. É através desse pequeno diálogo
entre as duas que a mãe de Mônica vê-se surpresa e novamente interrompida pela possível
confusão que ambas realizariam em sua cozinha.
No 62
o
e do 65
o
ao 67
o
quadro, ocorrem outras mudanças no estado de ânimo da mãe que,
inicialmente calma, passa ao completo desespero ao perceber que sua cozinha poderia ser
novamente destruída pela bagunça das crianças. No 68
o
, 71
o
, 72
o
, 76
o
ao 78
o
, 85
o
e 86
o
quadros,
observa-se a continuidade do emprego do enquadramento do primeiro plano. Nestes quadros o
estado de ânimo da mãe de Mônica mostra-se primeiramente na expressão pensativa da
personagem passando para o incômodo que sente ao ser observada e interrompida todo o tempo
pelas meninas.
No 69
o
quadro, do 79
o
ao 84
o
quadro e do 87
o
ao 90
o
quadro, emprega-se o plano total ou
de conjunto a fim de destacar não somente as personagens mãe da Mônica, Mônica e Magali no
local de trabalho, mas também a sua modificação fisionômica de dúvida, enfado, surpresa e
aparente felicidade por conseguir livrar-se da presença incômoda das meninas. O plano
americano é visto do 73
o
ao 75
o
quadro, quando a mãe da Mônica encontra-se totalmente
incomodada pela intromissão constante das meninas em seu ambiente de trabalho.
No 91
o
, 92
o
e 94
o
quadro, o primeiro plano destaca a tentativa de concentração da e da
Mônica . No 93
o
, do 95
o
ao 100
o,
novamente o emprego do plano total ou de conjunto, em que
a mãe da Mônica encontra-se surpresa, no primeiro momento, assustada com o grito da televisão
e aflita por não conseguir terminar a sua atividade.
No 101
o
, 104
o
e 106
o,
a presença do plano americano em que se revela o estado de
angústia da mãe da Mônica ao não conseguir realizar adequadamente as suas tarefas. Nos quadros
69
110, 112
o
e 117
o
são empregados o plano americano, neste momento mostra-se a expressão
preocupada e desesperada da mãe da Mônica ao desempenhar tantas funções.
No 102
o
, 103
o
, 105
o
, do 107
o
ao 109
o
, 111
o
, do 113
o
ao 116
o
quadro do 118
o
ao 125
o
quadro, observa-se novamente a utilização do plano total ou de conjunto, destacando-se, assim o
desespero da mãe da Mônica para realizar todas as tarefas da casa. Esse estado de ânimo vai
alcançar o seu ápice no 118
o
quadro, quando se observa a sua total ansiedade e aflição tendo que
se desdobrar em muitas para conseguir realizar tudo a contento (102
o
, 103
o
, 105
o
, do 107
o
ao
109
o
, 111
o
, do 113
o
ao 116
o
quadro e 118
o
). Do 119
o
quadro ao 125
o
observa-se o estado de
exaustão em que a mesma se encontra ao ter realizado tantas coisas ao mesmo tempo, seu olhar
revela o seu desalento e o seu cabelo em desalinho demonstram muito bem o seu real estado
físico.
A resolução desta história é observada no último quadro da história (126
o
). Neste
momento a mãe da Mônica resolve o seu problema mandando a filha e o cachorro para o trabalho
do marido. Deste modo, ela pode trabalhar sem as interrupções que sofreu durante todo o tempo.
O modo descritivo contribui para o desenvolvimento da seqüência narrativa auxilia o
modo narrativo nesta última cena através do plano total ou de conjunto. Neste instante, uma
modificação total no enquadramento espacial da narrativa, mostrando-se o pai da Mônica no seu
ambiente de trabalho acompanhado de sua filha e de seu cachorro para que a sua mulher consiga
trabalhar em paz.
A avaliação, na HQ analisada, pode ser observada em diversos quadros da história. Estes
quadros podem ser encontrados durante a complicação (35
o
, 43
o
, 71
o
e 125
o
quadro),
caracterizando uma avaliação encaixada em que o sentimento da Mãe de Mônica é externalizado
através do código verbal em determinados momentos do fluxo narrativo de acordo com as
situações vividas por ela em cada momento e também, simultaneamente, pelo código não-verbal
através de suas expressões faciais e corporais.
Além disso, essa avaliação encaixada também é vista através da fala do marido no 125
o
quadro em que este emite diretamente seu ponto de vista com relação ao trabalho profissional
feito em casa.
Com relação à seqüenciação da narrativa vista, notou-se que o plano total ou de conjunto
constituiu a maior parte da complicação em que se ressaltavam prioritariamente as personagens e
as suas ações que constituíam o enredo narrativo. Sempre que o autor destacava a volta da mãe ao
70
trabalho, percebia-se a utilização do plano total ou de conjunto ou do plano médio ou aproximado
com o intuito de se demonstrar as expressões de enfado da mãe de Mônica em sua tentativa de se
concentrar no trabalho proposto. no ápice da complicação (no 118
o
quadro), observou-se o
emprego do plano geral permitindo ao leitor um enquadramento bastante amplo da cena em que
se percebia toda a agitação da mãe de Mônica na sua tentativa de, ao mesmo tempo, dar conta de
todas as tarefas de casa e de seu trabalho profissional.
Assim como pudemos observar na HQ exlusivamente visual, na história em análise se
observa uma seqüência cíclica de micro-eventos concatenados entre si. Embora se disponham
seqüencialmente e possam ser considerados de certa forma independentes, esses micro-eventos
não são apenas a reiteração de um conjunto central de ações (cocnentração no trabalho-
interrupção- volta ao trabalho), pois cada uma deles acrescenta um componente de intensificação
da narrativa mais ampla até que ela atinja seu climax.
Nesta análise, também se observou um aspecto muito paralelo com a narrativa não-verbal
encaixada vista na seção 3.2.1, pois em ambas, no ápice da complicação, os elementos
constituintes da narrativa vão se reduzindo, de forma a se destacar apenas o elemento que
contribui para a intensificação da complicação.
71
6. CONCLUSÕES
Ao longo deste trabalho, partiu-se de pressupostos relacionados ao conceito de gênero
discursivo e modo de organização do discurso, a fim de analisar a estrutura narrativa das
Histórias em Quadrinhos e a forma como narração e descrição interagem na sua organização.
Foram focalizados especialmente os modos narrativo e descritivo, por considerá-los dois modos
de organização do discurso essenciais para a própria caracterização do gênero em análise.
Esses pressupostos foram aplicados à análise de quatro textos representativos de duas
formas distintas de desenvolvimento narrativo: duas representativas do padrão linear (uma
composta somente pelo código não-verbal e uma composta pela interação de ambos os códigos) e
duas representativas do padrão encaixado (uma composta somente pelo digo não-verbal e uma
composta pela interação de ambos os códigos). Mesmo particularizando-se em 4 histórias
brasileiras de uma revista voltada para o público infanto-juvenil, a análise permitiu depreender
algumas regularidades tanto no que se refere à forma de desenvolvimento das narrativas de
quadrinhos quanto à complementaridade entre os modos narrativo e descritivo.
Na análise das HQs, foi utilizado o modelo de narrativa proposto por Labov (1972), que
pressupõe uma estrutura em etapas, com o intuito de se verificar se esse modelo pode explicar a
forma de construção da narrativa em um gênero que se particulariza por conjugar os códigos
lingüístico e visual. Cada uma das etapas propostas pelos autores pôde ser segmentada no
decorrer das histórias examinadas, percebendo-se uma regularidade independente do tipo de
narrativa (linear ou encaixada), pois - em todas elas - o abstract da história encontrava-se no título
da HQ oferecendo à mesma um breve resumo do que seria apresentado no decorrer do enredo.
A mesma regularidade também foi percebida na orientação que, em geral, se situa nos
quadros iniciais das histórias analisadas. Esses quadros iniciais fornecem simultaneamente
informações relativas ao enquadramento espacial e temporal do enredo assim como aos
personagens que vivenciam as ações narradas. Em algumas situações, no entanto, pode haver
uma diluição da orientação sobrepondo-se à etapa da complicação conforme se observou na HQ
de Mônica n
o
228/ 2005 intitulada: “Mônica em: Trabalhar em casa uma canseira...” em que a
cada nova micro-seqüência uma inserção de informações tais como: lugar, tempo e/ou
personagens.
72
No que se refere à complicação, percebeu-se que elas podem ser agrupadas em dois tipos
distintos: o primeiro consiste no padrão de desenvolvimento linear em que a complicação é
desenvolvida através de blocos de vinhetas seqüenciais onde os fatos seguem uma sucessão
progressiva de ações. O segundo consiste no padrão de desenvolvimento encaixado em que a
complicação é desenvolvida através de “blocos” cíclicos de micro-seqüências concatenadas entre
si e associadas, ao mesmo tempo, a uma macro-narrativa principal. Estes fatos encaixados se
intensificam a cada micro-seqüência contribuindo, não apenas para o para o prosseguimento da
narrativa, como também para a elaboração de um clímax. Vale ressaltar que essa divisão
confirma a importância da distinção estabelecida por Charadeau (1992:731) entre esses dois tipos
de desenvolvimento narrativo.
Quanto à resolução, percebeu-se que ela se situa via de regra, nos três últimos quadrinhos.
A resolução das HQs tiveram como intuito mostrar o desfecho final de da narrativa realizada pela
seqüência de quadrinhos.
A etapa da Avaliação pôde ser observada de forma mais clara somente nas HQs
construídas pela conjugação dos códigos lingüístico e visual, confirmando, assim, a opinião de
Labov de que essa etapa não é imprescindível à construção do texto narrativo. Em muitos casos,
pode-se falar de avaliações encaixadas em que o narrador (neste caso a personagem central)
transmite lingüisticamente, através de suas observações e opiniões pessoais situadas nos balões, o
seu sentimento com relação a algo ocorrido ou vivenciado por ele em um determinado momento
do fluxo narrativo. Vale destacar aqui que nas HQs exclusivamente visuais, a parte relativa à
avaliação não é explicitada, pois ela é implícita, visto que não quadros específicos em que se
perceba a avaliação direta de um personagem em torno do que ocorre consigo ou com as suas
experiências vividas naquele momento.
Podem ser destacadas algumas regularidades também quanto à forma de exploração dos
planos de enquadres e na sua associação com as etapas narrativas. De forma geral, a etapa de
orientação nas HQ corresponde à utilização do plano geral em que o enquadramento é bastante
amplo envolvendo as personagens do enredo e o ambiente em que elas se situam. Os outros
quadros que também fazem parte desta etapa apresentaram-se no plano total ou de conjunto a fim
de se focalizar, prioritariamente, os personagens que vivenciam os eventos narrados.
A complicação das histórias examinadas foi vista, em geral, pelo plano total ou de
conjunto e pelo primeiro plano, o que permite destacar as expressões faciais e os estados de
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo