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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE DESPORTOS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
CORPO E NATUREZA:
perspectivas para uma Educação do CorpoMundo
FABIANO WEBER DA SILVA
Florianópolis
2007
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Fabiano Weber da Silva
CORPO E NATUREZA:
perspectivas para uma Educação do CorpoMundo
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação Física, na linha de pesquisa Teoria
e Prática Pedagógica, do Programa de Pós-
graduação em Educação Física da
Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
Orientadora: Profa. Dra. Ana Márcia Silva
Co-orientadora: Profa Dra. Paula Brügger
Florianópolis
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE DESPORTOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
A dissertação: CORPO E NATUREZA: PERSPECTIVAS PARA UMA
EDUCAÇÃO DO CORPOMUNDO”
Elaborada por: Fabiano Weber da Silva
e aprovada em 23/04/2007, por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo
Curso de Mestrado em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de
MESTRE EM EDUCAÇÃO FÍSICA
____________________________________
Prof. Dr Juarez Vieira do Nascimento
Coordenador de Pós-Graduação em Educação Física
BANCA EXAMINADORA
____________________________
Profa. Dra. Ana Márcia Silva
_____________________________
Profa. Dra. Simone Rechia
______________________________
Prof. Dra. Paula Brügger
___________________________
Prof. Dra. Alcyane Marinho
Aos meus pais
Agradecimentos
Ao José Jesus e Isolda pelo amor e sempre acreditar e apoiar os sonhos do seu filho;
Ao meu amado e precioso João Vítor por nascer e caminhar ao meu lado e assim me
ensina a viver a vida;
Um especial agradecimento a querida Janine que acompanhou corpo-a-corpo todas
as dores e delícias de um mestrando; pelo carinho, dedicação e acreditar no nosso amor e
pela linda mulher que és.
Ao irmão Éden, e a CrisKer e todo o grupo do CorpoMundo que comporam e
sonharam juntos cada linha tecida nesta pesquisa.
A todos os professores e crianças que trabalhamos que acreditaram (e acreditam) na
possibilidade de viver uma outra educação;
A Ana rcia por me dar asas para sonhar com outra formação humana na
Educação Física
A Paula Brügger por me ampliar a visão;
A Simone e Alcyane como membros da banca e a atenção prestada ao meu trabalho;
Ao Prof. Maurício pelas inúmeras contribuições na qualificação e para além dela;
Ao mano César por me compor o ritmo da vida e as inspirações no morro do
Lampião;
A Lu, Nara, Gabi, Dudu, Rossana, Gabriela e Rafa por deixarem mais colorida
minha família;
Ao meu querido e charmoso Thor;
A Cris que me ajudou a dar mais luz a estas linhas aqui tecidas;
A Eliane, Clarete, Juliano, Elisa e Miguel que muito representaram com suas
presenças e a atenção prestada nestes dois anos de encontros e desencontros;
A todos os meus alunos que passaram e assim me ensinaram;
Aos amigos de Porto Alegre que mesmo na distância não lhes esqueço;
A todos os artistas e brincantes que me estimulam a viver;
A natureza que me compõe.
RESUMO
CORPO E NATUREZA: PERSPECTIVAS PARA UMA EDUCAÇÃO DO
CORPOMUNDO
Autor: Fabiano Weber da Silva
Orientadora: Ana Márcia Silva
Co- orientadora: Paula Brügger
O presente projeto visou pesquisar pela ótica qualitativa através da metodologia da
pesquisa-ação, junto ao Curso de Formação Continuada para Professores de Educação
Física do Município de Florianópolis, um grupo de professores sujeito e produtor do
conhecimento de todo o processo investigativo. Durante a pesquisa de campo, trabalhamos
com práticas corporais que possibilitaram uma maior aproximação do corpo com suas
expressões lúdicas e artísticas no intuito de analisar e construir princípios teórico-
metodológicos na Educação Física, numa perspectiva onde a educação corporal humana
não se apresente descolada de preocupações éticas, estéticas e ecológicas, bem como
investigar algumas das suas múltiplas linguagens expressivas que podem auxiliar no
conhecimento e cuidado de si. Assim, ao considerarmos a complexidade e a diversidade
que constituem estes processos, podemos refletir as imbricadas relações do corpo humano
com o mundo - composição entre cultura e natureza - no processo de sensibilização e
construção de sua consciência e expressividades através da concepção de corpo sugerida
pelo pintor Friedensreich Hundertwasser. Neste sentido, através de práticas corporais que
sejam concomitantemente lúdicas, artísticas e ecológicas com ênfase na sensibilização e
cooperação , com base no ‘aprendizado sequencial’ de Cornell (1997), propomos uma
oportunidade de reflexão-ação crítica junto aos três registros ecológicos apontados por
Guatarri (1990) que é a relação de cada um consigo mesmo, dos seres humanos entre si e
destes com a natureza com base na sustentabilidade na perspectiva da construção de uma
Educação do CorpoMundo.
Palavras-Chaves: Corpo; educação; lúdico e natureza
ABSTRACT
BODY AND NATURE: PERSPECTIVES FOR A BODYWORLD EDUCATION
Author: Fabiano Weber da Silva
Advisor: Ana Márcia Silva
Co advisor: Paula Brügger
The present project had the prupose to research a group of teachers who is the knowledge
subject and producer of the intire investigational process, through the search-action
methodology together with the Sustained Formation Course for Physical Education
Teachers of Florianopolis city. During this study, it was done body practices which enabled
a better body approaching with its playful and artistic expressions having the objective to
analyse and build theoretic methodological principles in Physical Education in a
perspective that the human corporal education does not present itself disjointed the ethical,
aesthetic and ecological concerns as well as investigating some of several expressive
languages which can help with the knoledge and care of themselves. Thus, it can be thought
over the body relation with the world - compounded by culture and nature - in the
sensibilization and construction process of its conscience and expressions through the body
conception suggested by the painter Friedensreich Hundertwasser, when it is considered
the diversity and complexity of these processes. Thereby, it is proposed an opportunity for a
critical reflection-action together with the three ecological registers mentioned by Guatarri
(1990) which are: the realtion of each one with themselves; the human being with
themselves; and all of them with nature. It is based in sustainability and construction
perspective of a BodyWorld Education through corporal practices which are playful,
artistic and ecological at the same time emphasising sensibilization and cooperation
according to the “sequencial learning” by Cornell (1997).
Key-words: Body; education; playful and nature.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES------------------------------------------------- 10
I.
Constituição da problemática da investigação e sua relevância social
-------------------------------------------------------------------------------------------------- 11
I.1 Espirais da vida ---------------------------------------------------------------------------- 13
II.
O caminho da pesquisa: a construção coletiva do conhecimento---26
II.1 Aprendendo com as pedras no caminho-------------------------------------------------- 28
II.2 Sobre a intervenção--------------------------------------------------------------------------31
II.3 Os momentos de intervenções--------------------------------------------------------------38
III.
O corpo como princípio ecológico: perspectivas para a Educação
Física----------------------------------------------------------------------------53
III.1 Companheiros para um outro caminho: Hundertwasser, Cornell, Guattari---- ----60
III.2
Expressividades: no ritmo do lúdico e da arte------------------------------------------- 67
III.3 A Educação do CorpoMundo e a formação dos professores---------------------------79
III.4 A crise socioambiental e educação ambiental: questões para a Educação Física--84
III.5 Formação continuada de professores-----------------------------------------------------89
IV.
Análise das tramas tecidas na “viagem” ao campo--------------------91
IV.1 Os caminhos da trama---------------------------------------------------------------------- 91
IV.2 A concepção ambiental--------------------------------------------------------------------108
IV.3
Práticas corporais e a educação do corpo----------------------------------------------125
IV.
Uma síntese conclusiva sobre os limites e possibilidades do trabalho
desenvolvido-------------------------------------------------------------------------136
V.
Referências -------------------------------------------------------------------145
ANEXO 1 – Formulário de inscrição -------------------------------------153
ANEXO 2 Questionário expressivo ------------------------------------155
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. -------------------------------------------------------------------------------06
Figura 2. Caminhada de olhos vendados junto a natureza----------------------42
Figura 3. Trilha cega-----------------------------------------------------------------44
Figura 4. Construção das travessuras com cordas--------------------------------45
Figura 5. Falsa baiana com os professores----------------------------------------45
Figura 6. A espera do ônibus com as crianças------------------------------------47
Figura 7. Pintando o rosto-----------------------------------------------------------48
Figura 8. Sabores---------------------------------------------------------------------48
Figura 9. Pêndulo---------------------------------------------------------------------49
Figura 10. Falsa baiana------------------------------------------------------------- 49
Figura 11. Ciranda na goiabeira--------------------------------------------------- 50
Figura 12. Despedida-----------------------------------------------------------------50
Figura 13. Trilha-------------------------------------------------------------------- - 91
Figura 14. Árvores das vidas e mortes------------------------------------------- 101
Figura 15. Pintura de rosto: entrando no clima do festival--------------------107
Figura 16. Pêndulo voador: As-Pirações do CorpoMundo------------------- 108
11
I CONSTITUIÇÃO DA PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO E SUA
RELEVÂNCIA SOCIAL
Há muito tempo estudiosos tentam responder o que é Educação Física. É uma
profissão ou uma ciência? Qual o objeto de estudo? Com quais bases epistemológicas
produz ciência? Temos consciência da dificuldade de tentar responder a essas perguntas,
até porque não é este o objetivo central deste trabalho, pois além de que provavelmente
faríamos reducionismos, nossa contribuição é, sim, no sentido de ajudar a fomentar a
reflexão a respeito de qual Educação Física queremos e precisamos e, assim, assumirmos o
papel de sujeitos críticos e atuantes.
Será que algum dia a Educação Física será um campo em não construção? Ou será
um campo num processo dinâmico de construção/desconstrução/construção? A Educação
Física, incluída como sub-área da saúde, não tem dado conta das demandas de reflexão-
ação de uma área que expande, extrapola suas dimensões, acentuando a importância de ser
compreendida não como uma área, e sim como um campo com especificidades onde as
suas dimensões ultrapassam o rigor das fronteiras.
A Educação Física, historicamente, baseia suas reflexões e intervenções sobre uma
concepção de corpo humano provinda das ciências biomédicas: um corpo que se basta em
sua materialidade manifesta, em seus princípios anatômicos e fisiológicos, bem como no
esquadrinhamento matemático dos vetores biomecânicos de seus movimentos. Assim
sendo, os processos pedagógicos que emergem de seu interior, desde suas origens, surgem
sob os limites e perspectivas que se desdobram desta concepção científica e moderna de
corpo humano.
A partir da década de oitenta, no Brasil, a área entra em um processo profundo de
reflexão e autocrítica, o qual, felizmente, perdura até os dias atuais. Este movimento
reflexivo é desengatilhado justamente pela introdução de matizes epistemológicos de outras
áreas de investigação científica, a partir de estudos multidisciplinares de pós-graduação,
onde se observa que muitos profissionais da Educação Física vão realizarem seus estudos
de mestrado na área da educação, o que, de certa maneira, vai ocasionar uma reorientação
12
nos paradigmas da Educação Física, na medida em que estes profissionais retornam de seus
estudos e começam a fazer parte da direção do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte -
CBCE, tendo em vista que esta entidade, por volta dos anos 80 e 90 era a referência
principal dos rumos que a Educação Física pretendia trilhar. Conforme Bracht (1998)
ocorre o processo de re-pedagogização nos campos da Educação Física/Ciência do Esporte,
com as pesquisas voltadas paras ciências sociais e humanas, ajudando assim a contaminar
os alicerces da área com outras cores, formas e entendimentos, re-elaborando os
fundamentos da práxis dos educadores do corpo.
Portanto, fica clara a interdisciplinariedade atuante neste campo, que vai das áreas
biomédicas (fisiologia, anatomia) até a filosofia e arte, e se estende, como disse, sem
fronteiras rígidas. Porém, a Educação Física é, portanto, enquadrada como sub-área da
grande área da saúde, o que lhe dificulta realizar estas conexões, apesar de já estarem sendo
realizadas com muitos esforços no meio acadêmico e fora dele.
Essa nova esfera de compreensão aponta a importância de tencionar estas
delimitações impostas pelas instituições científicas (CNPq CAPES – FINEP). Isso exigiu
e continua a exigir como resistência necessária um movimento de desconstrução/construção
de bases epistemológicas sustentadas por uma reflexão-ação ética e moral.
É assim que a política, a economia, a psicologia, a antropologia e as artes começam
a entremear-se aos conjuntos de fibras, músculos, veias e ossos, que até então compunham
de forma quase exclusiva o arcabouço teórico dos pesquisadores da área. O corpo humano,
bem como seu processo de educação, começa, então, a ser compreendido de forma mais
ampla e complexa no interior da Educação Física. Em um desdobramento vivo deste
contexto, configuram-se inúmeras propostas pedagógicas nos anos subseqüentes, buscando
sempre responder às demandas e aos desafios propostos por seus respectivos momentos
históricos, de forma coerente com suas divergentes posturas políticas.
Conforme aponta a professora Rossana Valéria de Souza e Silva, com sua pesquisa
sobre o desenvolvimento da produção científica na área da Educação Física, “... constitui
fator favorável verificar que, numa área do conhecimento construída historicamente por
influências militaristas, biologicistas e mecanicistas, marcada de forma contundente pelo
positivismo e atrelada a mecanismos e modelos autoritários, ganham espaço perspectivas
mais críticas de desenvolvimento da produção científica” (SILVA, 1998, p.63).
13
Seguindo essa tendência, as problemáticas sociais que se impõem no contexto
contemporâneo são distintas (porém, consequências) daquelas que figuravam décadas atrás,
e assim sendo, a Educação Física - da mesma forma que as outras diversas áreas
pedagógicas – também demandam um movimento de autocrítica, ressiginificação e re-
criação de seus princípios teórico-metodológicos, possibilitando um processo educativo
mais coerente e sincero com a realidade contemporânea.
Neste sentido, entendemos que a grande crise socioambiental contemporânea
1
que
se impõe diante dos paradigmas da Modernidade, apresenta-se hoje como sendo uma das
questões centrais e urgentes para a preservação da vida no planeta. Desta forma, sentimos a
necessidade de uma educação que contribua na construção de possibilidades de
enfrentamento desta crise; uma caminhada que essencialmente exige uma construção
interdisciplinar do conhecimento, “... uma determinação em abordar problemáticas de
forma compartilhada que jamais poderá ser interpretada ou exercida através de um olhar
que seja preconceituoso, monolítico, disciplinar ou violento” (NOAL, 2002, p.77).
Portanto, acreditamos que esta confluência de fatores oferece um fértil contexto no
qual a Educação Física pode olhar para si e questionar-se radicalmente sobre as suas
possibilidades atuais, e reais, de contribuição neste contexto maior de transformação.
Partimos para este movimento na intenção de aguçar nossas sensibilidades para
possíveis germes que possam auxiliar na fomentação de outras racionalidades que superem
formas dicotômicas de entender o ser humano separado do corpo, como o próprio corpo-
humano separado da natureza. Sendo assim, buscar um entendimento de natureza que
inclua o humano e suas produções juntamente com todos os elementos da natureza como
complementares e em constante interação.
I.1 Espirais da vida
O processo de trilhar caminhos que me levavam à reflexão de qual o significado e
até mesmo a função de um profissional da Educação Física em suas possibilidades de
atuação, em contextos tão adversos, tanto no meio científico, como numa área de
1 “Embora reconhecemos o caráter multidimensional da questão ambiental, entendemos ser necessário
enfatizar a articulação entre a dimensão social e a dimensão ambiental, motivo pelo qual apresentamos neste
documento a formulação ‘socioambiental’ em vez de simplesmente ‘ambiental’” (PRONEA 2005, p.18).
14
interconexão das grandes áreas da ciência, como também, suas potencialidades na atuação
profissional que vão desde a área pedagógica à área da saúde, foi influenciando o ritmo de
meu caminhar como educador. Um educador em formação que se preocupava e se
questionava sobre a dimensão que o curso de licenciatura de Educação Física lhe
proporcionava, trazendo o corpo humano como um corpo objetivado, finito e preso à sua
carne e preocupada com as suas articulações, músculos e todo mecanismo que ficava preso
a um mundo limitado e restrito a seu “umbigo”.
Observar as imbricadas relações de um corpo com o mundo, um corpo que não se
restringe às suas necessidades fisiológicas, assim como a possibilidade de ressignificar suas
potencialidades e necessidades e que na sua hegemonia dentro do curso da Educação Física
não possui tanta importância, fez-me questionar sobre minhas andanças em que ora era
arte-educador, ora era educador corporal, ambiental, entre tantos adjetivos que o conceito
de educador traz dentro dele.
Refletindo sobre o corpo portador de ritmo e de movimento como pressupostos para
a sua expressividade, sendo, portanto, um corpo vivo e conectado ao mundo, segui
trilhando caminhos que me levavam justamente a pensar a práxis do profissional de
Educação Física no contexto da Educação para/com o mundo. Compreendendo uma
educação do corpo que considera a complexidade de “ser” humano na interação com o
mundo (natural e social) a partir e com a sua dimensão corporal; uma Educação preocupada
eticamente com o outro, entendida como outros seres humanos e toda a diversidade de
elementos que compõem a natureza, colocando, portanto, para o conhecimento e o cuidado
de si a necessidade do conhecimento e cuidado com o mundo, uma Educação do
CorpoMundo.
Participando de grupos interdisciplinares sobre a educação, com ênfase na questão
ambiental, trazendo as questões corporais como uma possibilidade da “ambientalização” da
educação, isto é, uma educação que trata das questões ambientais como princípio, e
refletindo a possível inserção das questões relativas a educação do corpo como uma
temática transversal, realizei a graduação, trabalhos de extensão, pesquisa e docência na
graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Percebendo a ausência destas questões na Universidade, alunos, de diversos cursos,
solicitavam palestras, cursos, seminários e até disciplina que tratasse das questões sobre a
15
Educação Ambiental, Atividades de Aventura na Natureza, Esporte de Aventura, enfim,
atividades que envolvessem a relação entre Humano e Natureza. Foi, então, que tive a
oportunidade de participar como organizador, professor e aluno de diversas formações de
educadores promovidas tanto pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
como em parceria com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre que resultaram em
seminários, disciplinas, cursos, palestras, artigos e um livro
2
. Nestes trabalhos a pergunta
que me intrigava, era de como o profissional de Educação Física pode estar colaborando
para as discussões que envolvem as relações entre o Humano e Natureza. A Educação
Física pode também ser Ambiental? Por que precisamos ter tantos adjetivos na palavra
Educação? Como pensar o corpo na interconexão entre Educação e Natureza?
Com a ajuda desses encontros, junto a educadores, ficou a esperança de que é
possível construir coletivamente uma Educação, no caso particular uma Educação Física
que é também ambiental, o que a priori se faz necessário a construção do conhecimento de
uma educação do corpo que se amplie para além de sua fisiologia, sendo possível, assim,
observar categorias como a performance e rendimento já não como prioridades, mas outro
tipo de educação preocupada com outra “estética” e uma valorização e preocupação com a
relação dos seres humanos entre si, e destes, com a natureza. Estas são algumas das
preocupações e possibilidades que esta pesquisa pretende abordar.
Portanto, a partir deste momento, parto para a escrita destas próximas linhas que
seguem nesta dissertação de mestrado conjugadas na primeira pessoa do plural, por
entender um processo de construção coletiva do conhecimento. Nesta construção do
conhecimento entendemos a necessidade de potencializar a interação entre os sujeitos
pesquisadores e os pesquisados, na intenção de amenizar o distanciamento entre o objeto de
estudo e o pesquisador, tendo em vista que estamos falando tanto sobre seres humanos
quanto sobre a biodiversidade existente no ambiente natural, dando, portanto, significado e
espaço para que o ambiente em suas possibilidades de expressão se torne também sujeito do
processo de pesquisa, compondo os substratos para a construção de uma Educação do
CorpoMundo.
2
EDUCAÇÃO AMBIENTAL vários olhares e várias práticas / Enice Aita Isaia Kindel, Fabiano Weber da
Silva, Yanina Micaela Sammarco, organizadores. – Porto Alegre : Medicação, 2004. 112 p.
16
Somos todos inspirados e influenciados na relação com os ritmos e movimentos dos
ciclos da Terra, do Universo, das Águas, da Sociedade e do Mundo, na sua totalidade e
interconexão, constituindo-nos em nossa maneira de ser-sentir-expressar. O mundo
transforma nosso criar e atuar e se relaciona intrinsecamente com nosso corpo. As
constantes mudanças de ritmo do mundo, tanto harmônicas como desarmônicas, refletem-se
em nossos movimentos, em nossas expressividades, naquilo que chamamos CorpoMundo.
A dimensão corporal humana é a condição por meio da qual se a relação de
alteridade com este processo, da mesma forma que se distancia do meio para manter sua
especificidade vital, é integrante e dependente do ambiente.
A alteridade é esta fratura na existência humana, a ruptura com este mundo
natural que se a partir da consciência do “outro”, da distinção e da
separação que se estabelece a partir daí. Esta fratura dilacera o ser humano:
ele é incompleto, infinitamente distante do outro, solitário e se faz como
paradoxo, pois o ser humano se percebe separado do mundo e ao mesmo
tempo imerso nele distante e distinto. A alteridade é paradoxal, pois une e
separa o sujeito do objeto, desejo permanente de união que não pode ser
realizado. O nascimento da pessoa humana como sendo relação é a tentativa,
senão desesperada, de suturar esta fratura, de cruzar o abismo da separação:
aproximar-se do outro, trocar e dialogar com o outro, compreender o outro,
unir-se ao outro (MAKIUCHI, 2005, p.29-30).
O corpo é a nossa materialização de estar no mundo e se transformar com ele, sendo
a possibilidade da interconexão entre cultura e natureza, o que favorece a pensarmos nesta
relação de alteridade com a complexidade da vida, tanto social como natural e suas fusões.
Portanto, com o estudo sobre o corpo podemos nos aproximar sobre o conhecimento do
mundo, nesta concepção, para conhecermos por completo o corpo precisamos conhecer
todo o mundo, o que nos coloca na impossibilidade destes conhecimentos. Porém, não nos
coloca numa posição de inércia ou desistência, mas num projeto utópico que nos move na
eterna busca do conhecimento.
Entendemos que as sensações podem construir valores capazes de construir cultura
e influenciar, portanto, o ritmo da natureza. O que podemos considerar que modificar o
ritmo de qualquer parte do mundo (cultural e\ou natural) é estar modificando a própria
17
natureza. A Educação do CorpoMundo se pauta numa educação estética
3
, onde a
possibilidade para refletir/sensibilizar é priorizada, onde a racionalidade humana não é
desprezada, mas que ela não impossibilite outras formas de sensações e sensibilidades, na
relação com o ritmo harmônico/desarmônico do movimento da vida; movimentos do
corpo.
Os seres humanos, assim como os outros seres que compõem este cenário, suas
alteridades, estão sujeitos a este movimento. O que pode ser reavaliado é a forma como se
o contato humano com os demais seres desse mundo, que possuem valor em si mesmos.
Compreendermos a relação de interdependência dos seres que compõem o mundo é nos
aproximarmos de alguns dos princípios básicos da ecologia que nos sugere Capra (1996),
onde teremos como conseqüência a valorização da vida, que, para isso, dependerá de uma
alfabetização ecológica que nos auxiliará a tomar atitudes em conformidades com eles. Esta
interdependência do eu com o mundo é o fato de estarmos preocupados com a própria
natureza, tendo em vista que não fazemos parte dela como somos a própria natureza.
Tecemos, portanto, a chamada teia da vida (CAPRA 1996), com a qual devemos nos
preocupar com a complexidade da sobrevivência deste emaranhado, indo ao encontro de
uma Educação para a Sustentabilidade, uma Educação para a Vida.
Este entendimento de fazermos parte da teia da vida, assim como a identificação do
eu com a natureza, Naess (apud CAPRA 1996, p.29) coloca:
O cuidado flui naturalmente se o “eu” é ampliado e aprofundado de modo
que a proteção da Natureza livre seja sentida e concebida como proteção de
nós mesmos. ... Assim como não precisamos de nenhuma moralidade para
nos fazer respirar...[da mesma forma] se o seu “eu”, no sentido amplo dessa
palavra, abraça um outro ser, vonão precisa de advertências morais para
demonstrar cuidado e afeição... você o faz por si mesmo, sem sentir
nenhuma pressão moral para fazê-lo. ... Se a realidade é como é
experimentada pelo eu ecológico, nosso comportamento, de maneira natural
e bela, segue normas de estrita ética ambientalista.
Estamos nos propondo a discutir sobre a construção de princípios teórico-
metológicos na educação do corpo que considerem estes apontamentos citados
anteriormente, uma educação comprometida com as alteridades do corpo humano que se
3 Estética entendida aqui mais próxima de sua acepção grega, provinda do conceito sthêsis (sensação).
18
fazem presentes na relação com o mundo. Entendemos a Educação Física como um campo
do conhecimento privilegiado para a educação do corpo na qual almejamos, para tanto
concordamos com Nóbrega (2000, p.72-73):
A Educação Física, ao intervir sobre o corpo e o movimento, deve estar
atenta para os aspectos da saúde, do bem-estar, do desenvolvimento das
capacidades motoras e orgânicas, mas deve ampliar o seu campo de
referência para a questão ética e estética do movimento, a beleza dos gestos,
sua relação com a identidade do ser humano e a relação com a cultura,
possibilitando ampliar a percepção de si mesmo, do outro e do mundo,
contribuindo para o redimensionamento do ser humano e da vida no planeta,
tendo como referência básica a corporeidade.
Estamos nos propondo a uma educação estética que não esteja pautada no sentido
que amplamente está colocado pela cultura do consumo, onde são colocadas inúmeras
intervenções sobre o corpo de ordem econômica ou médica a ter um corpo “belo”,
ocasionando uma corrida a transformações corporais, e, sim, na possibilidade de Ser um
corpo, e não apenas de Ter um corpo, pautada, portanto, na sensibilidade de perceber a
potencialidade da dimensão corporal e suas alteridades.
Entretanto, a necessidade da vigilância para a não construção de cartilhas ou
manuais onde engessaríamos as possibilidades e estaríamos nos contradizendo com o
própria proposta da pesquisa, como também não pretendemos desenvolver métodos
retóricos de difícil relação com o mundo da práxis, o que desejamos é um entendimento
para além das dicotomias entre teoria e prática através de um diálogo entre estes dois
saberes que se retroalimentam. Teorizar as metodologias para que não se deixem
influenciar por um ativismo sem pressupostos, assim como refletir e construir teorias nas
trajetórias percorridas. Entretanto, aqui fica o questionamento central que move nossa
pesquisa: quais os atributos que nos auxiliariam na construção de pressupostos teórico-
metodológicos de uma educação do corpo que contemple as questões ambientais e de
sustentabilidade?
Para um trabalho corporal mais coerente com o que estamos apontando, partimos de
pressupostos que se trata de priorizar, portanto, o educar sensível, de maneira simples e
prazerosa, facilitando a percepção do ser CorpoMundo, uma educação que se preocupe com
a sustentabilidade, isto é, uma valorização da vida em suas alteridades, que busque o que é
19
melhor tanto para si mesmo, para a humanidade e para toda a biodiversidade que
constituem o mundo, e não simplesmente o que é melhor para a lógica do mercado, do
capital. Portanto, uma educação que se preocupa com sua relevância social e as
conseqüências ambientais, pois, se não levássemos em consideração estas questões,
estaríamos tomando atitudes insustentáveis perante as condições das diversas e complexas
vidas existentes no planeta. Cada vez mais, torna-se importante, discutir e criar
possibilidades que trabalhem estas problemáticas com diferentes públicos, a partir de
atividades que relacionem temas educativos de maneira lúdica, isto é, abordando temas
atuais e reais de uma maneira espontânea e prazerosa de aprender.
Acreditamos que para participar e agir ativamente nos processos de conservação e
preservação do ambiente natural, assim como para a valorização e resgate das culturas
sustentáveis, os indivíduos necessitam construir uma Educação do CorpoMundo. Optamos
em estruturar esta pesquisa orientada pelo referencial teórico da pesquisa-ação,
considerando a importância dos sujeitos pesquisados para além de meros informantes e,
sim, participantes e pesquisadores de todo processo, entendendo que o processo de
conscientização e produção do conhecimento se faz coletivamente e interdisciplinarmente,
no qual acreditamos que a metodologia da pesquisa-ação é um importante veículo, dando
ênfase aos aspectos que nos indica Thiollent (2004, p.19) que são “resolução de problemas,
tomada de consciência ou produção de conhecimento”; o que muitas vezes se consegue
atingir, conforme o próprio autor nos coloca, apenas um desses três aspectos. Porém com o
amadurecimento do processo é possível que se inter-relacione os três aspectos.
Mas, sabemos que, conforme os princípios que norteiam a política dos cursos de
pós-graduação, o processo de amadurecimento fica dificultado num processo rápido que
nos é colocado pela espada suspensa de Chronos” (BIANCHETTI, 2000, p.166) na
valorização de um tempo linear e quantitativo, através das imposições de datas e prazos
endurecidos, quantidades de produções acadêmicas impostas pelos programas, sem a menor
preocupação com a qualidade dos mesmos, como também para o término no tempo previsto
de defesa de dissertação devido ao tipo de avaliação estabelecido por órgãos
governamentais como a Capes e o CNPq no que diz respeito à liberação de verbas.
Para esta pesquisa, cientes das dificuldades e limitações impostas pelas normas
academicistas, porém, buscando não perder o rigor e a qualidade científica, trazemos
20
pesquisadores e pesquisados que se interessam em participar e agir para além do ativismo
banalizado, assim como reflexões teóricas-metodológicas que pretendemos que nos
auxiliem “responder com maior eficiência aos problemas da situação em que vivem, em
particular sob forma de diretrizes de ação transformadora” (THIOLLENT, 2004, p.8) e que
possam contribuir na produção do conhecimento acadêmico da Educação e da Educação
Física. Cientes que ainda de forma limitada, pois a pesquisa-ação se destina a desenvolver
conhecimento em coletividades de pequeno e médio portes, o que não coloca em risco sua
relevância, fidedignidade e exigências científicas.
Trazemos como questões desta pesquisa as expressões dicas e artísticas como
referências na discussão da educação do corpo, a sustentabilidade e a “racionalidade
ambiental” (LEFF, 2001) como possibilidade de reflexão crítica à reificação do conceito de
natureza e das práticas corporais junto à natureza, assim como problematizar o
entendimento de corpo, na esperança de ampliar a concepção que embasa a área da
Educação Física, potencializada pelo entendimento do corpo na interconexão entre
Educação e Natureza. Com estas questões trazidas a priori para o grupo da pesquisa-ação,
acreditamos que podemos despertar canais que, além de entender conceitos, estimulamos
discutir e construir valores e comportamentos.
Perceber a dimensão estética do ser humano nos ritmos e movimentos das
expressões lúdicas e artísticas nos auxilia na construção da Educação do CorpoMundo, o
que vem a sugerir bases epistemológicas na Educação Física que destoam de um paradigma
mecanicista e antropocêntrico, apontando possibilidades para ressignificar o entendimento
de ser corpo humano.
Acreditamos que a construção de princípios teórico-metodológicos da Educação de
um CorpoMundo é sonharmos com a ousadia de entrarmos na simbologia da ciranda da
vida, isto é, estabelecendo suas relações e composições entre pausas e movimentos,
compondo e executando um ritmo, o que implica numa não linearidade de movimento,
“falamos em ritmo a partir do momento em que o fluir apresenta descontinuidades”
(KIEFER, 1987, p.23), onde é possível diferentes expressões e experiências como, por
exemplo, da ludicidade e da arte. Onde ainda é possível a negação da competição por
princípio, e sim, a possibilidade da cooperação, da totalidade e da unidade do universo,
21
oportunizando, assim, outros valores e comportamentos que não o do rendimento e da
performance, mas princípios éticos, estéticos e ecológicos.
Trazemos, portanto, a discussão da educação do corpo tendo o lúdico, a arte, o
ritmo, o tempo e a estética como elementos potencializadores, a discussão da natureza e
sustentabilidade permeados pela reflexão ética da relação entre humano e natureza, como
substratos para a construção de uma Educação do CorpoMundo no âmbito da formação
continuada de professores de Educação Física de maneira a alcançar os objetivos propostos
e incentivar a reflexão sobre tais questões. Temos, como objetivo geral desta pesquisa a
seguinte formulação:
- Estruturar princípios teórico-metodológicos, no âmbito da formação continuada de
professores de Educação Física, acerca da educação do corpo potencializados por
experiências que sejam concomitantemente lúdicas, artísticas e ecológicas em suas
possibilidades de contribuição e reflexão crítica da relação entre ser humano e natureza,
visando contribuir para o redimensionamento crítico desta categoria.
E como objetivos específicos, os seguintes:
- Construir, avaliar e refletir sobre procedimentos teórico-metodológicos para a
ressignificação da educação do corpo;
- Identificar possíveis alterações na percepção ecológica no que tange ao
CorpoMundo de um grupo específico de professores de Educação Física, sujeitos
participantes do curso de formação continuada oferecida pelo NEPEF/CDS/UFSC (ao
longo da pesquisa);
- Problematizar as reflexões do conceito de natureza, assim como das práticas
corporais junto à natureza, utilizando-as como referências básicas para a construção e
avaliação das propostas pedagógicas.
Observando algumas características na Modernidade que contribuíram para a
elaboração dos objetivos propostos, poderíamos citar algumas, como por exemplo: a
expectativa de corpo que aponta para um desligamento dos seres humanos da Natureza e,
de forma mais ampla, da Totalidade, prevalecendo uma relação de dominação com o
ambiente natural e, concomitantemente, a ampliação do interesse pelo corpo numa
perspectiva mercadológica (SILVA, 2001); a importância, assim como a dificuldade de
uma Educação e uma Educação Física que contemple as questões ambientais vivenciadas e
22
experienciadas de modo mais integrado ao próprio humano (e não da forma como ela vem
sendo compreendida na Modernidade, como sendo algo desvinculado); a abordagem das
questões ambientais na educação, ou em outras áreas do saber, somente por uma visão
instrumental e uma racionalidade restrita que lhe fundamenta, despreocupada com a
dimensão ética, entendida esta, bem como outras racionalidades, como pertencente a
irracionalidade e não como dimensões complementares da própria razão (BRUGGER,
2004); a valorização de uma educação ambiental naturalista, assim como uma Educação
Física biológica, ocasionado justamente pelo entendimento limitado e restrito que se tem de
natureza e do ser humano, somente por uma visão natural e técnica, desvalorizando as
dimensões social e cultural.
Entendemos, portanto, que estas características citadas acima são apenas as
conseqüências de um problema maior, que é a visão de mundo fragmentada, o que leva a
uma desconsideração ecológica, favorecendo as dualidades, da dicotomia das ciências
naturais e ciências humanas, do corpo e alma, cultura e natureza, humano e natureza, entre
outras, o que concordamos com Capra (1996), Brugger (1998, 2004), Silva (2001), Ribeiro
(2004), entre outros, quando alertam que precisamos de outros valores, éticas, estéticas,
comportamentos e atitudes, isto é, outros paradigmas, para tentarmos almejar um outro
mundo. Com este contexto, faz-se relevante e urgente estudos que preencham estas lacunas
no campo acadêmico numa perspectiva para a contribuição da construção de uma nova
cultura.
Esta pesquisa com a construção de uma Educação do CorpoMundo surge para tentar
contribuir nesta caminhada, numa perspectiva que sugere outras formas de sentir e de se
perceber corporalmente através das diversas linguagens expressivas, de práticas corporais, e
de estudos que busquem outros caminhos para uma educação do corpo que trabalhe com a
harmonia de compor os ritmos expressivos do mundo na sua diversidade e complexidade,
trazendo uma reflexão-ação diante da crise socioambiental e/ou da visão de mundo que nos
encontramos. Trazemos, portanto, o corpo humano como tema de uma educação sensível
que contemple as questões ambientais e de sustentabilidade por entendermos como uma
dimensão privilegiada de interação e se situa, por sua especificidade, na interconexão da
cultura e natureza, o que lhe confere um caráter único, especialmente, no que diz respeito à
construção de uma nova cultura” (SILVA, 2001, p.121).
23
É crescente, no caso específico da Educação Física, estudos que tenham uma
abordagem ambiental, embora estejam relacionados, muitas vezes, ao âmbito do Lazer
(acampamentos, esportes de aventura, entre outros) tendo como enfoque principal o fazer
da atividade a ser realizada, deixando de lado o significado do espaço onde ocorrem as
práticas corporais, fazendo com que este sirva apenas como coadjuvante do processo ou até
mesmo do produto final numa visão pragmática.
Podemos ter uma pequena amostra deste fato nos trabalhos apresentados no XIV
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e I Congresso Internacional de Ciências do
Esporte (2005), promovido pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte na qual é a
sociedade científica mais antiga deste campo e reconhecida em âmbito nacional, onde nos
grupos de trabalhos temáticos (GTTs) é pouco tratada a questão da relação humano e
natureza. No “GTT Corpo e Cultura” onde poderia ser um espaço privilegiado para estas
abordagens, inexistem publicações a respeito, exceto dois trabalhos de minha própria
autoria “A arte de brincar com o corpo e educação ambiental” e “Corpo, Arte e Natureza
construindo uma Educação Ambiental Lúdica”. No“GTT- Recreação e Lazer” já é possível
perceber algumas reflexões, com predominância de trabalhos que contemplem as atividades
de aventura na natureza, embora o enfoque principal seja ainda do esporte e sendo o
suficiente para considerar a aproximação do humano e natureza. No trabalho “DA BUSCA
PELA ADRENALINA À FRUIÇÃO DAS TRAVESSURAS nas práticas corporais de
aventura NA NATUREZA” (INÁCIO et.al., 2005) observa-se a preocupação de apontar os
limites e possibilidades da ressignificação de algumas práticas de aventura na natureza com
uma discussão mais crítica da relação humano-natureza.
Para Inácio (2006), é a partir de 1999 que se destaca no âmbito da Educação
Física/Ciências do Esporte as produções científicas que envolvem a relação humano e
natureza em anais do Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e no Encontro Nacional
de Recreação e Lazer. Inácio pesquisando sobre o “estado da arte” (1999 à 2005)
abrangendo a temática humano e natureza nestes dois eventos científicos propõe
subtemáticas: práticas corporais na natureza (PA´s); educação ambiental (EA), conceito de
meio ambiente (CMA); formação profissional (FP), entre outras. Em sua análise coloca que
as PA’s é a subtemática mais presente em mesas e pôsteres, com predominância da
discussão de práticas de aventura na natureza e sendo apresentados no GTT Recreação e
24
Lazer, concluindo, portanto, que estas PA’s são realizadas principalmente no âmbito do
Lazer.
O autor ainda coloca que a educação ambiental se faz presente em trabalhos
apresentados na área do Turismo e não da Educação Física, portanto que “...os cursos de
formação em turismo estão mais próximos do debate ambiental, principalmente em textos
ao ecoturismo e ao turismo de aventura”(INÁCIO, 2006, p.50).
Portanto, fica uma lacuna que nos instiga a produzir conhecimento em que se
discuta a relação do humano e natureza para além das práticas corporais de aventura na
natureza, porém, tendo como referência alguns destes trabalhos que apontam justamente
seus limites e possibilidades (INACIO et. Al., 2005). Observamos com este “estudo da
arte” que as preocupações com a formação profissional na Educação Física que envolvam a
relação humano e natureza ainda é pouco expressiva, assim como uma educação ambiental
que se possa ser discutido tendo o corpo e/ou a corporeidade como princípio ecológico.
Portanto, estas questões sugerem possibilidades para a Educação Física refletir
sobre suas possíveis contribuições no contexto maior de uma melhor relação entre o
humano e natureza. Não temos a pretensão de simplificar conceitos, mas, sim, buscar
nuances que sugiram indicativos para a construção de uma utopia que possa nos
desequilibrar de nossos tronos “confortáveis” no centro da natureza, ou fora dela.
Visamos, assim, contribuir para o despertar de canais de percepção dos sujeitos
pesquisados, potencializando a sensibilização, a intuição, a compreensão, a discussão e a
construção de outros valores, posturas e conhecimentos que viabilizem a edificação de
propostas pedagógicas, onde o corpo humano não é mais considerado de forma dissociada
dos outros humanos e do mundo que o cerca, muitas vezes, dificultadas na educação
corporal hegemônica.
Em relação à região eleita para o desenvolvimento da pesquisa, poderíamos dizer
que a cidade de Florianópolis, bem como a maior parte do Estado de Santa Catarina,
apresenta-se como um espaço-sujeito privilegiado para a implementação desta proposta,
devido ao seu exuberante e diversificado meio natural, bem como às inúmeras contradições
que configuram suas políticas de povoamento e de exploração turística, as quais se
apresentam atravessadas por grandes práticas de degradação, poluição e descuido, seja por
parte dos turistas ou mesmo dos próprios moradores locais. E justamente esta evidência
25
cotidiana da natureza em meio aos modos de vida do povo e da cidade, potencialmente a
torna um elemento chave para a práxis educativa dos professores da região, através de sua
problematização e ressignificação.
Entendemos como formação continuada não uma etapa, fragmentada do processo
contínuo, que vem a acrescentar as deficiências encontradas na formação inicial, e sim
como processo que vai acompanhar o educador desde o começo de sua formação assim
como todo o processo de desenvolvimento profissional. Entender o educador como um
aluno em constante formação é possibilitar que possa ser entendido como um ser humano
portador de inúmeras necessidades e potencialidades e não apenas como uma força de
trabalho.
26
II O CAMINHO DA PESQUISA: a construção coletiva do conhecimento
A presente pesquisa apresenta uma proposta metodológica de atuação fundamentada
na pesquisa-ação, portanto, na linha de uma pesquisa qualitativa. Os sujeitos pesquisadores
desenvolveram um trabalho ativo e integrado ao coletivo de sujeitos-pesquisados. Segundo
Thiollent (2004, p.14), “a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica
que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de
um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.”
Entendendo que este processo não pode ser considerado como algo separado da vida
de cada um e despido de características específicas e singulares de cada ser que nele atua,
tanto pesquisadores como pesquisados, apresentam-se como agentes construtores e
criadores do processo. Essa caracterização não deslegitima ou empobrece os resultados da
pesquisa, uma vez que parte do pressuposto de que a pesquisa foi feita justamente junto a
agentes sociais em um contexto cotidiano específico, e, por isso, assumindo suas
singularidades e diminuindo a dicotomia pesquisa e realidade.
Muito se tem discutido sobre métodos qualitativos que consideram importante a
intervenção e a influência do sujeito-pesquisado, que apesar de ainda pouco trabalhado,
vem sendo crescente sua utilização. Uma das mais difundidas justificativas, conforme
Thiollent (2004, p.74), “é a constatação de uma desilusão para com a metodologia
convencional, cujos resultados, apesar de sua aparente precisão, estão muito afastados dos
problemas urgentes da situação atual da educação. Por necessário que sejam, revelam-se
insuficientes muitas das pesquisas que se limitam a uma simples descrição da situação ou a
uma avaliação de rendimentos escolares”.
O método de pesquisa-ação possibilitou, além de avaliar a problemática juntamente
com os atores, construir soluções em conjunto para o problema. Juntamente com o grupo
da pesquisa-ação, a pesquisa teórica estabeleceu-se durante todo o processo para levantar
e organizar as reflexões. Este estudo foi potencializado pela formação do grupo de
pesquisadores integrantes do subprojeto de pesquisa “Expressividades do CorpoMundo”.
Maiores detalhes sobre este grupo irei mencionar em seguida. Este grupo, também, teve
como objetivo levar estas informações de uma maneira mais adaptada aos participantes,
27
assim como criadores e construtores na programação, reflexão e avaliação dos encontros
com o grupo de professores da pesquisa-ação.
Pensando a pesquisa pela ótica qualitativa, visamos, no primeiro momento, uma
pesquisa-ação com um grupo de aproximadamente trinta e cinco professores de Educação
Física do Estado de Santa Catarina, os quais iriam participar do curso de Formação
Continuada denominado “Expressividades do CorpoMundo”, onde seriam os sujeitos e
interventores de todo o processo investigativo visando consolidar uma rede ativa de agentes
multiplicadores, criadores e problematizadores de propostas pedagógicas entre os professores
de Educação Física de Santa Catarina, a partir de perspectivas críticas da educação do corpo.
Um projeto de Formação Continuada oferecida pelo Núcleo de Estudos Pedagógicos da
Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina NEPEF/UFSC que está
vinculado ao Projeto Integrado de Pesquisa “As Práticas Corporais no Contexto
Contemporâneo: esporte e lazer ressignificados na cidade”, o qual, por sua vez, representa um
dos núcleos estaduais da Rede CEDES – Centro de Desenvolvimento do Esporte Recreativo e
do Lazer – criada pelo Ministério do Esporte / Governo Federal.
As reflexões fundantes da presente pesquisa provêm da confluência de dois
trabalhos anteriores, sendo que um deles foi coordenado pelo professor Humberto Luís de
Deus Inácio e, o outro, pela professora Cristiane Ker de Melo. São eles respectivamente,
“Artes Corporais e Aventuras na Natureza” e “Práticas Corporais na Maturidade”, os quais
contribuíram com o Projeto Integrado “Práticas Corporais na Contemporaneidade:
Explorando Limites e Possibilidades”, coordenado pela professora Dra. Ana Marcia Silva
durante o ano de 2004, financiado também pelo Ministério do Esporte Governo Federal
4
com parceria com o NEPEF/UFSC.
O grupo de professores-pesquisadores do atual subprojeto de pesquisa
“Expressividades do CorpoMundo” é composto atualmente por cinco integrantes. São eles,
uma coordenadora, dois pesquisadores bolsistas e dois voluntários: Profa. Ms. Cristiane
Ker de Melo (Coordenação); Doutorando Éden Silva Pereti; Mestrando Fabiano Weber da
4
O projeto integrado foi, portanto, reeditado no ano de 2006, novamente financiado pelo Ministério
do Esporte Governo Federal em parceria como o NEPEF/UFSC, com a coordenação do Professor Dr. José
Luis Cirqueira Falcão, assim como onze subprojetos entre eles as “Expressividades do CorpoMundo”.
28
Silva; Graduando Rafael Matiuda Spinelli, Graduando Rodrigo Hirai. Com a pesquisa
bibliográfica, seminários e todo o processo da formação continuada com os professores-
pesquisadores e os sujeitos-pesquisados, foram desenvolvidos artigos e textos que
enriquecem a fundamentação teórica desta dissertação.
Na construção do curso-pesquisa, elegemos como categorias a priori a educação,
corporeidade e natureza, o que serviu também de eixos geradores para a elaboração das
temáticas para os encontros no curso, assim como fomentadoras para o redimensionamento
crítico da relação humano e natureza como categoria a priori desta dissertação. Para tanto,
selecionamos instrumentos e técnicas que possibilitam uma maior aproximação com o
corpo em suas expressões lúdicas e artísticas. Tendo reflexões acerca da natureza como fio
condutor, utilizando, para tanto, diferentes técnicas baseadas na possibilidade de
experiências das múltiplas linguagens expressivas.
II.1 Aprendendo com as pedras no caminho
A proposta de intervenção estava prevista com um grupo de professores de
Educação Física da Rede Estadual de Ensino do Estado de Santa Catarina. Este grupo tinha
um número de 38 professores(as), os(as) quais participaram do Projeto de Extensão
denominado “Rede de /em Formação”
5
.
As “Expressividades do CorpoMundo” seria oferecido como nova proposta de
formação continuada para este grupo de professores de Educação Física da Rede Estadual
de Ensino do Estado de Santa Catarina que realizaram a formação continuada no ano de
2005. O tema proposto para a formação no ano de 2006 com os respectivos professores
vinha da própria necessidade observada nas avaliações das atividades desenvolvidas no ano
de 2005, tendo o seminário “Práticas Corporais de Aventura na Natureza”, desenvolvido
pelo professor Humberto Luís de Deus Inácio, demonstrado grande interesse por parte dos
professores ao tema envolvendo a relação humano e natureza, assim como uma
5
Um projeto de formação continuada no campo da Educação Física numa parceria entre o Núcleo de Estudos
Pedagógicos da Educação Física – NEPEF/UFSC com a Secretaria Estadual de Educação/SC desde o ano de
2004, coordenado pelas professoras Cristiane Ker de Melo e Iara Regina Damiani.
29
possibilidade de outros conteúdos para Educação Física que não fosse o esporte.
A proposta de intervenção estava prevista através de encontros mensais de dois dias
consecutivos, com noite de hospedagem, num total de seis, visando um aprofundamento,
uma imersão. Acreditamos possibilitar assim, uma vivência ampla e intensa, capaz de
caracterizar e compartilhar formas de experiências pessoais e coletivas através de diferentes
instrumentos e práticas corporais. Para alcançar os objetivos propostos foram feitas diversas
negociações com a Gerência de Educação do Estado Santa Catarina
6
.
Foram quatro meses (fevereiro a maio) de negociações entre propostas e contra-
propostas, e os gestores responsáveis alegando diferentes justificativas para impossibilitar a
concretização da formação. Nesse vai-e-vem a data de início do curso-pesquisa era sempre
adiada em função da expectativa e esperança de uma resposta positiva. Dentre as
justificativas alegadas nos diversos momentos de reuniões, tivemos: a) essas práticas são
impossíveis de serem realizadas na escola porque não tem espaço adequado; b) essas
práticas não são Educação Física; c) os professores não podem realizar formações nos
finais de semana porque o governo tem de pagar diária para eles; d) a justificativa da
proposta precisa ser melhor elaborada; e) se dispensarmos os professores durante a semana,
prejudicaremos o trabalho na escola; f) eles terão de repor as aulas perdidas; g) os
encontros são muito próximos; h) esse grupo de professores realizou formação
continuada no ano passado e dentro da política de formação da secretaria, as formações são
de apenas um ano; i) etc.
Então, ficavam as perguntas: que formação continuada é essa que não pode passar
de um ano? Onde está a continuação? Qual é o entendimento de formação desse órgão
gestor no plano educacional? Que formato deve ter uma proposta de formação continuada?
Que tipo de conteúdo deve abordar? Que metodologia deve propor?
Esses foram alguns dos muitos entraves com os quais lidamos para começar a
realizar nossa pesquisa, mas, o principal deles foi a dificuldade de entendimento do tema
proposto. Muitas vezes ouvíamos questionamentos do tipo: por que trabalhar e como
trabalhar estas questões de natureza se nossas escolas em sua grande maioria não possuem
6
Este órgão já havia dado apoio e financiamento para a execução do Projeto de Formação Continuada “Rede
de/em Formação” e, havia solicitado com bastante ênfase a continuidade do mesmo no formato realizado.
30
nem árvores? Vocês sabiam que no Estado é proibido levar os escolares para locais onde
haja água (piscina, lago, praia, lagoa etc.)? Como vai ser a aplicabilidade imediata para a
escola? Que retorno isso terá para a escola?
Com estas questões ficou evidente a necessidade de um trabalho mais profundo
acerca das temáticas relacionadas com as questões ambientais, não com os professores e
alunos, como também, com os próprios gestores e coordenadores de órgãos de fomento da
educação.
Após reuniões exaustivas onde tentávamos, entre mudanças no cronograma, redução
de despesas, modificação do espaço de realização dos encontros, também fazer diversas
modificações no programa de acordo com as exigências que eram solicitadas.
Argumentávamos, ainda, acerca da importância do tema na formação continuada desses
professores e, até mesmo, da relevância social da pesquisa, tendo em vista que estamos
querendo descobrir maneiras de trabalhar este assunto juntamente com sujeitos que estão
in loco
7
, não foi suficiente para o apoio ao projeto. Após já termos percorrido este
caminho, no intento da construção coletiva da proposta, tivemos a surpresa da notícia que
não poderíamos mais realizar este projeto de pesquisa em parceria com a Secretaria
Estadual.
Neste momento, os prazos para conclusão da intervenção da pesquisa estavam se
esgotando e ainda nem tínhamos “entrado em campo”. Sem muitos argumentos mais, o
motivo explicitado foi falta de recursos financeiros. Diante desses fatos, novamente
questionamos: qual o entendimento do papel que deve desempenhar uma secretaria de
educação? Se a falta de recursos é uma realidade, por que não liberar carga-horária do
professor para ele participar de outras propostas de formação que não aquelas organizadas
pela Secretaria? Quais prioridades e áreas são destacadas quanto ao fomento? Que
prioridade e interesses envolvidos tem a Secretaria Estadual de Ensino de Santa Catarina
quanto ao financiamento para Formação Continuada de Professores, principalmente, na
Educação Física? Que preparo, conhecimento, formação e interesses têm os gestores
nesse setor?
7
P
rofessores atuantes em escolas da rede com uma experiência de docência que iriam nos ajudar a desfazer
as dicotomias tão marcantes na educação, como: teoria e prática pedagógica, cultura e natureza e corpo e
31
Na impossibilidade de responder estas inúmeras perguntas neste momento, até
porque não estavam no objetivo desta pesquisa, ficam aqui apontamentos para futuras
pesquisas. Portanto, sem esse apoio e, para dar continuidade aos nossos ideais e sonhos
sobre a Educação Física que queremos e acreditamos, resolvemos realizar a pesquisa sem o
apoio da secretaria, mesmo sabendo de todas as dificuldades que isto ocasionaria. Assim,
nos propusemos a organizar o curso ainda em seis encontros mas um pouco mais reduzido
em termos de possibilidades e conteúdo.
Mas, mais uma vez, nossa incursão deveria ser adiada, pois os docentes das redes
municipal e estadual estavam paralisados (greve) e, respeitando esse posicionamento
político da classe, aguardamos o retorno das atividades nas escolas.
II.2 Sobre a intervenção
Tudo de volta ao normal, elaboramos uma proposta inicial, mas, conscientes de que
esta seria o ponto de partida, e poderia ser reconstruída com o coletivo de professores ao
início do processo. Essa reconstrução foi feita logo no primeiro encontro com os
educadores presentes, mas mesmo assim, isso não nos isentou de remodelá-la durante o
próprio processo das intervenções devido às necessidades e expectativas geradas pelas
inter-relações nos encontros do grupo.
A livre adesão à proposta por parte dos educadores era uma perspectiva
fundamental, principalmente, por não estarmos oficializados com a secretaria da educação.
Essa escolha demarcaria, inclusive, o comprometimento desses educadores com o projeto
em questão e com a sua própria formação.
Dimensionamos, ainda, a perspectiva de não fazermos em espaços privados, mas
garimparmos as possibilidades dos espaços públicos pela cidade. Essa, talvez, poderia ser
uma saída para a ampliação da visão de escola, quebrando” assim os seus muros, ou os
“murros da instituição escolar” como prefere denominar Ribeiro (2004, p.56). Ao final do
processo essa perspectiva foi confirmada por alguns integrantes do grupo.
mente.
32
Durante esse(s) tempo(s) de expectativa, tivemos a oportunidade de rever diversas
coisas já construídas dentro do projeto, inclusive, a decisão de ampliar o universo do campo
da Educação Física para outras áreas. Essa foi uma perspectiva importante que ganhou
destaque, pois se colocava a necessidade da inclusão no curso para professores de Educação
Física de educadores de diferentes áreas no intento de dialogar e construir outro
entendimento, no qual a relação humano-natureza não se configura preocupação exclusiva
da Educação Física e, sim, tema emergente de todas as áreas de conhecimento e, para além
delas, posto tratar da (possibilidade de continuidade da) vida no planeta. Também indicado
pelo coletivo de educadores no primeiro encontro, essa decisão veio a enriquecer os
desdobramentos da pesquisa, ao incorporar o entendimento de educação - que
necessariamente possui um viés corporal -, enquanto uma totalidade.
Entendemos que a relação humano e natureza, assim como a importância da
dimensão corporal na educação, se fazem presentes nos princípios abordados pela
transdiciplinaridade, conforme aponta Nicolescu (1999, p.51): “A transdisciplinaridade,
como prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é
a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do
conhecimento.”
Seguimos, então, a construção coletiva do curso, utilizando-nos dos recursos que
disponibilizávamos dentro da estrutura da universidade (e nossos também!), e continuamos
a divulgar o curso em cartazes, na internet pela página eletrônica da Agecom/UFSC
8
, e via
lista de e-mail de grupos que tínhamos cadastrados. Igualmente, enviamos para os e-mails
das Secretarias Municipal e Estadual de Educação, para que, assim, pudessem divulgá-los
para os seus respectivos professores. E, por informações posteriores dos próprios
professores, esses informativos não foram repassados a eles por essas instâncias.
A dinâmica do curso foi apresentada na forma de oficinas com duração de oito
horas cada, e foi proposta e conduzida tanto pelos professores-pesquisadores, quanto pelos
professores-colaboradores que participaram do curso. Nessas utilizamos como caminho
8
Agência de Comincação da Universidade Federal de Santa Catarina.
33
metodológico a arte-educação para analisar e construir os significados para as
Expressividades do CorpoMundo.
Ressalta-se que todos os espaços públicos da cidade que foram solicitados nos
foram disponibilizados. Esses contatos foram feitos em diferentes etapas, seja por telefone,
ofício e/ou pessoalmente, a depender da exigência de cada setor/departamento. Assim,
quanto aos locais de realização das intervenções, utilizamos as dependências do
CDS/UFSC para deflagração do processo em curso; em seguida nos apropriamos dos
espaços do Parque Ecológico Municipal do Córrego Grande e, nas intervenções finais, do
Parque Municipal da Lagoa do Peri. Esses constituíram-se em lugares “oficiais” das
intervenções, mas o grupo também realizou outras práticas em outros espaços a partir de
demandas internas, como: reuniões nas casas de alguns dos seus integrantes com o objetivo
de ver as fotos e filmagens, realizar avaliações, reuniões, fazer festas, “correr da chuva” etc.
As intervenções com a proposta de vivência e experiência das práticas corporais
com esse coletivo de professores teve início em 27 de maio e seguiu até 15 de novembro de
2006. No começo do curso, mais precisamente nos dois primeiros momentos, o mero de
participantes foi muito inconstante, pois alguns vieram num dia e depois não vieram mais,
outros apareceram no terceiro encontro e permaneceram no grupo. Como as inscrições
para participarem do Curso Expressividades do CorpoMundo deveria ser feita pela internet
através do preenchimento de um formulário de inscrição (ANEXO 1) e enviado para o e-
mail do projeto (projeto_corpomundo@yahoo.com.br), muitos se inscreveram mas, nunca
se fizeram presentes nos encontros. Recebemos muitas ligações e e-mails perguntando se
ainda poderiam se inscrever, mesmo tendo passado o prazo pré-estabelecido. Como o grupo
ainda não estava constituído, o processo de inscrição teve continuidade até o terceiro
encontro.
Esse formulário incluía questões de ordem sócio-econômica, formação, experiência
no magistério (tempo de atuação, cursos realizados etc.), dados pessoais e, também, o
entendimento de Educação Física, corpo, corporeidade, natureza e sustentabilidade. A
utilização desse instrumento objetivou traçar um perfil deste coletivo. Assim, 24
formulários foram preenchidos na rede e enviados.
34
Efetivamente, durante o curso/pesquisa contamos com a participação e a
colaboração de 13 educadores, sendo, 10 mulheres e 3 homens, com idades variando entre
25 a 41 anos. Durante o período de realização registramos algumas faltas de alguns desses
participantes, mas todos sempre tiveram o compromisso e a delicadeza de justificarem suas
ausências, que na maioria das vezes foram por problemas pessoais.
Todos esses professores-colaboradores da pesquisa são residentes na grande
Florianópolis, possuem formação superior, sendo, 6 deles com especialização. Todos
professores da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, com carga-horária de trabalho
diferenciada, tendo 4 professores com 40 horas, 3 professores com 30 horas e o restante
com menos de 20 horas semanais de atuação na escola. Dois professores atuam ainda na
Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina e na Rede Privada de Ensino. Vários
educadores atuam em mais de um nível de ensino, tendo 6 educadores atuando na Educação
Infantil, 6 no Ensino Fundamental (1
a
à 4
a
Série), 3 no Ensino Fundamental ( 5
a
à 8
a
Série) e 1 no ensino Médio. Temos ainda um professor que atua como assistente
pedagógico e outro atuando fora da escola em um clube com atividades de natação e
ginástica.
Em relação ao tempo de magistério, percebe-se que a maioria está no começo da
carreira. Porém temos 1 professor com 10 anos de magistério, outro com 11 e o mais
experiente com a educação física escolar possui 15 anos de magistério. Todos os
professores possuem experiência em outros cursos de formação.
Proposto como um instrumento de investigação e, ao mesmo tempo, como uma
vivência, apresentamos e solicitamos ao grupo o preenchimento do que denominamos de
“questionário expressivo” (ANEXO 2): Este poderia ser respondido utilizando diferentes
linguagens expressivas. Algumas questões foram respondidas através da linguagem escrita,
outras através de desenhos, recortes, colagens, emborrachados (E.V.A.), esculturas com
argila e, verbalmente num momento de reunião do grande grupo. Essas possibilidades
ficaram a critério de cada um, em utilizar uma ou mais linguagens para expressar suas
respostas.
De modo a trabalharmos também com instrumentos para a colheita de
informações de ordem das múltiplas linguagens, construímos uma dinâmica a partir de
35
desenhos - a qual denominamos de “maquete-ambiental” -, contendo momentos de
expressão individual e coletiva, incluindo ainda, uma fase de apresentação e interpretação
verbal.
Também realizamos com 9 participantes uma “entrevista semi-estruturada”
9
, cujo
objetivo foi elaborar um diagnóstico das percepções dos sujeitos-pesquisados no que se diz
respeito à relação corporeidade, educação e natureza.
A colheita destas informações através dos instrumentos utilizados até então,
serviram de referência para a construção de conexões de sentido junto a outras informações
produzidas ao longo do processo.
Por se tratar de uma pesquisa-ação, outra técnica utilizada para colheita de
informações foi a “observação direta” (participante). Para tal, elaboramos um “roteiro de
observação”. Todas as informações foram registradas em um “diário de campo”, a partir da
observação de um dos professores-pesquisadores, seguindo um rodízio entre os mesmos.
O trabalho de observação buscou privilegiar uma certa fidelidade dos fatos
vivenciados no momento; na interpretação de Rudio (1980, p.33), não implica apenas ver,
sentir, ouvir, tocar etc. é necessário também examinar, auscultar, aplicar os sentidos a fim
de obter uma determinada observação sobre algum aspecto da realidade que está de certa
forma camuflada nas entranhas. Possibilita assim, chegar mais próximo dos elementos
empíricos que brotam do ambiente, captando e registrando as impressões, os ruídos, o ritmo
do momento vivido, considerando, inclusive, toda a carga emocional, intuitiva, etc. da
dimensão sensível que se faz presente, e que perpassa os limites racionalizados, uma vez
que o vivido implica o envolvimento e os sentimentos e sensibilidades de todos que dele
participam. Atrelamos a isso os “registros diários” elaborados por duas das professoras-
colaboradoras que tinham assumido no grupo essa tarefa.
Na intenção de uma maior oportunidade de participação do grupo de professores-
colaboradores na pesquisa, elaboramos coletivamente funções a todos os participantes as
9
A ficha de inscrição foi realizada via internet, podendo ser complementada no encontro. Este procedimento
era a confirmação de sua efetiva inscrição no curso; o questionário expressivo constou de perguntas
previamente selecionadas em que os participantes poderiam se utilizar das múltiplas linguagens para
responderem as questões; e a entrevista semi-estruturada foi realizada com alguns professores que se
mostraram dispostos a serem entrevistados anteriormente ao primeiro dia de curso.
36
quais denominamos de “ócios-do-ofício”. Este instrumento permeou todos os momentos do
curso, pois cada participante com seu ofício
10
específico que foi escolhido logo no início
do encontro, deveria ser desempenhado durante todo o curso.
Todos estes ofícios foram de extrema importância para formar nossa comum-
unidade. Não deve ser entendida somente como mais uma obrigação, e sim como uma boa
maneira de ver seu trabalho ainda mais prazeroso. Poderíamos ter ofícios com mais de um
participante, assim como criar e/ou eliminar ofícios se o grupo julgasse necessário no
decorrer da pesquisa.
A filmagem e a fotografia igualmente constituíram instrumentos de registro das
ações desta proposta de pesquisa-ação, e essas foram feitas ora pelo olhar dos professores-
pesquisadores, ora pelo olhar dos professores colaboradores, sujeitos-participantes nesse
contexto. Com o uso desses equipamentos, a intenção foi buscar captar e eternizar através
de imagens os momentos marcantes de criações e construções dos sujeitos em ação com
suas experimentações com as múltiplas linguagens. Serviu também de referência para uma
análise mais cuidadosa após um processo de afastamento do momento vivido, favorecendo
o processo de estranhamento com a situação vivenciada, o que também nos ajudou numa
melhor compreensão dos fatos ocorridos.
Construídas estas intervenções a partir de determinadas temáticas no âmbito da
proposição das múltiplas linguagens, construímos práticas corporais através de
possibilidades com arte-educação, musicalidade, dança, fotografia, dentre outras. A criação
e produção coletiva dessas múltiplas possibilidades caracterizaram o registro da experiência
vivida e compartilhada. Esses registros foram realizados através de vídeos, desenhos, fotos,
10
Os ofícios da nossa comum-unidade foram:Animador: promove atividades para quebrar o gelo;
Fotógrafo; tira as fotos para registros de momentos que julgar necessário; Repórter virtual: encarregado de
resgatar a memória coletiva do grupo, assim como as principais nocias e acontecimentos nos encontros e
disponibilizar via internet; Decorador: cuida da decoração do local do curso; Fofoqueiro: descobre ou inventa
fofocas, imagina o que cada participante pensou, mas não disse; Recapitulador: relembra ao grupo os
momentos vividos, experiências e sentimentos do encontro anterior; Cinegrafista: Registro visual que julgar
conveniente para futura análise junto ao grupo; Organizador: cuida da formação do grupo nas diversas
atividades; controla o horário, a frequência e os atrasos; acelera a execução dos trabalhos; Dicionarista:
explica para o grupo o significado dos termos empregados no curso; Merendeiro: cuida do lanche do grupo;
Astrólogo: fará as previsões do grupo, assim como previsões climáticas e energéticas do mundo; Relator:
Realizar o registro escrito dos momentos vividos nos encontros; Chargista; desenhar alguma cena dos
encontros do curso; Crítico; Atento a situações para dar sugestões para melhor andamento do curso;
Sonoplasta: apresentar músicas ao grupo nos momentos de intervalo do curso, ou em outro momento que
julgar pertinente; Curinga: realizar alguma das funções acima se for preciso, por motivos diversos;
37
confecção de materiais didáticos ou outras possibilidades, a depender das propostas
planejadas para cada dia.
Ao final do processo de intervenção, incluímos, além da solicitação de elaboração
de uma avaliação individual por escrito tratando de todos os elementos envolvidos no
curso/pesquisa inclusive uma auto-avaliação -, ainda, uma entrevista coletiva que seguiu
um roteiro semi-estruturado. O objetivo desta última citada foi coletar novamente
elementos e percepções da relação Corporeidade, Educação e Natureza a partir de suas
possíveis ressignificações pela experiência da formação vivida nas “Expressividades
CorpoMundo”.
Num exercício de busca de possibilidade de incorporação e continuidade da rede
tecida até então, propuzemos a elaboração de uma tarefa caracterizada como “carta-para-
si”. Esta foi entregue envelopada e endereçada para quem a escreveu. Esta deverá ser
remetida a cada um deles daqui a um ano, de modo que possam reavaliar, a partir dos
compromissos assumidos nela, sua prática pedagógica.
A organização e análise dos dados incidiram sobre esses registros e as produções
coletivas. Considerando o rigor implicado no fazer científico, alguns passos básicos foram
seguidos, quais sejam: ordenação, classificação e análise; possibilitando assim o confronto
da abordagem teórica com a mediação e os apontamentos dos dados empíricos coletados no
campo da pesquisa-ação. Para lidar com um grande volume de informações, pelas
diferentes técnicas e instrumentos utilizados no transcurso metodológico, exercitamos a
realização de um trabalho de triangulação dos dados, que segundo Triviños (1987, p.138),
“tem por objetivo básico abranger a máxima amplitude na descrição e compreensão do foco
em estudo. Parte de princípios que sustentam que é impossível conceber a existência
isolada de um fenômeno social, sem raízes históricas, sem significados culturais e sem
vinculações estreitas e essenciais com a macro-realidade social”.
O tratamento do material produzido no campo está baseado numa abordagem
dialética, a qual busca encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo; e
considera a interioridade e a exterioridade como constitutivas dos fenômenos.
38
As filmagens e as fotografias produzidas no campo foi analisado juntamente com os
professores colaboradores e professores-pesquisadores. O materiais mais específicos como
o diário de campo, o questionário expressivo, a carta-para-si, a maquete-ambiental, os
ócios-do ofício, a entrevista semi-estruturada, a auto-avaliação assim como as práticas
corporais foram sistematizados e analisados somente com os professores-pesquisadores
participantes do subgrupo de pesquisa “Espressividades do CorpoMundo”. Porém durante
todo o curso-pesquisa incentivamos as análises e comentários dos professores-
colaboradores sobre as temáticas abordadas que eram então registradas para serem
analisadas posteriormente. Nos fica aqui um desafio para o futuro: analisar todos estes
resultados obtidos juntamente com os professores- colaboradores.
Estes instrumentos de pesquisa eram analisados na perspectiva das três categorias
escolhidas apriori (corporeidade, educação e natureza) que se tornaram sub-categorias de
análise desta dissertação que buscava um entendimento da relação humano e natureza na
Educação Física.
II.3 Os momentos das intervenções
A pesquisa-ação se desenvolveu, com os sujeitos, em um pré-encontro e oito
momentos como mostra o quadro:
MOMENTO
TEMÁTICAS DATA LOCAL HORAS
Pré –
encontro
Apresentação Geral
03/06/06
CDS/UFSC
4
1
Apresentação e Diagnóstico
Percepções iniciais do CorpoMundo:
Intersecções do corpo, educação e natureza
01/07/06
P. Córrego
Grande 8
2
Sensibilização e Consciência Corporal
A dimensão sensível na educação corporal
15/07/06
P. Córrego
Grande
8
3
Práticas Corporais de Sensibilização junto a
Natureza
A arte de brincar com o CorpoMundo:
possibilidades de com-tato
05/08/06
P. Córrego
Grande
8
4
Práticas Corporais de travessuras junto a
Natureza
Alternativas para as Práticas Corporais de
26/08/06
P. Lagoa do
Peri 8
39
Aventura junto a Natureza
5
Práticas Corporais de travessuras junto a
Natureza
Alternativas para as Práticas Corporais de
Aventura junto a Natureza
16/09/06
P. Lagoa do
Peri
8
6
Planejamento do Festival das Práticas
Corporais junto a Natureza
Instrumentalização e métodos de
organização de eventos socioculturais
30/09/06
P. Córrego
Grande
8
7
Festival das Práticas Corporais junto a
natureza
"Aspirações do CorpoMundo:
travessuras na natureza"
Execução e avaliação de propostas
metodológicas da Educação do
CorpoMundo
28/10/06
P. Lagoa do
Peri
8
8
Avaliação Final e Confraternização
Avaliações individuais e coletivas do
processo construído, assim como sugestões
para continuidade do trabalho
15/11/06
Casa de um
sujeito da
pesquisa
4
Carga-horária presencial 64 horas
Carga-horária à distância 12 horas
Carga-horária Total 76 horas
Segue, portanto, a história dos momentos vividos e construídos pelo grupo da
pesquisa-ação:
PRÉ-ENCONTRO. Apresentação Geral
Este momento foi denominado de pré-encontro por não se caracterizar como o
curso oficialmente, tendo em vista que foi um dia em que estávamos com um número
reduzido de professores. Portanto, foi dada a apresentação mais detalhada do projeto e
apresentação dos professores-pesquisadores e dos professores-colaboradores que estariam
participando na qualidade de sujeitos-pesquisados.
Perspectivamos ainda, juntos, elaborar coletivamente o plano de trabalho, no qual,
definimos coletivamente que, por ser uma proposta interessante, os outros colegas da
escola não poderiam ficar de fora, tendo a tarefa de cada professor ali divulgar em sua
40
escola a possibilidade de novas inscrições, inclusive para professores de outras áreas que
não a Educação Física.
A intervenção encerrou com uma roda de ciranda e o conteúdo restante planejado
foi, então, projetado para um próximo “primeiro” encontro.
MOMENTO 1. Apresentação e Diagnóstico
Neste primeiro momento realizamos as primeiras aproximações com os sujeitos,
expondo os objetivos da pesquisa e dando tempo para o preenchimento da ficha de
inscrição. Após estas formalidades se fazia necessária uma apresentação de todos que se
faziam presentes. Então para isto escolhemos uma brincadeira intitulada “Bingo Humano”
que segundo a professora-colaboradora “Entre espreguiçar-se e observar a paisagem,
iniciamos o Bingo humano, um tipo de apresentação festiva que, junto ao sol, esquentou
nosso início de trabalhos. Assim ficou impossível esquecer o nome dos participantes.”
(Mara, 01/jul, relato/ócios-do-ofício)
A partir de então, todos se encontravam mais relaxados e de certa forma mais
próximos, o que ficou mais envolvente conversamos sobre a noção de pertencimento do
grupo, e a idéia de rede que acabávamos de assumir. E como rede, cada um de nós assume
funções no grupo, como um nó, que possibilita sustentar todos os fios. Para esta metáfora
chamamos de “Nós na Teia”.
Portanto, para esta teia ser sustentável precisava que todos os seus nós fossem
fortes e flexíveis, sendo cada integrante deste curso um nó, sendo assim teriam todos suas
funções no grupo o que intitulamos de “Ócios-do-Ofício”.
Agora formado os “Nós na Teia” assim como os “Ócios-do-Oficio” nos sentimos
mais cúmplices do processo, assim como nossas responsabilidades para com o curso. Para
encerrar a manhã realizamos uma dança circular (“Entra na Roda Tindolelê”) que vem
simbolizar através do círculo de mãos dadas e do movimento a noção de totalidade,
pertencimento e fraternidade que acabávamos de conversar e nos dispor a realizá-la.
Com base em Whyte (1978), os projetos de pesquisas que envolvem a relação
humano-natureza devem ter um levantamento de percepção dos atores envolvidos, pois
proporcionam uma interação do conhecimento local (desde o indivíduo até a comunidade)
com o conhecimento científico.
41
Existem diversas maneiras de realizar levantamentos de percepção, os mais comuns
são através de entrevistas ou questionários. Apesar de também utilizarmos deste recurso,
entendemos que são métodos que se tornam um tanto quanto “frios” e pouco prazerosos
para os participantes, utilizamos para este momento outros instrumentos que chamamos de
“Questionário Expressivo” e “Maquete-Ambiental”.
Para a construção das respostas do questionário expressivo eram disponibilizados
materiais alternativos (reciclados) e convencionais (tinta, canetinhas, pincel, etc.) com os
quais poderia, então, responder fazendo um desenho, música, escultura, colagem, teatro, e a
escrita. Após o tempo destinado para a construção das respostas nos deparamos com a
dificuldade da maioria em expressar-se de outra forma, além da escrita, apesar de alguns
conseguirem se utilizar das múltiplas linguagens e a maioria também se colocar com
dificuldades de escrita. Portanto, fica um indicativo da dificuldade desses professores de
exprimirem suas respostas naquele momento que não seja pela linguagem oral.
A proposta seguinte foi à construção individual da maquete-ambiental onde deveria
representar o ambiente escolar atual. Após, em duplas desenhar o ambiente escolar ideal
que desejam e depois em grupos desenhar o ambiente escolar ideal e a relação com a
natureza.
Tanto na construção como na apresentação dos questionários expressivos e das
maquetes-ambientais propuzemos uma metodologia lúdica, que favoreceu um público a se
expressar mais à vontade, mesmo considerando suas dificuldades. Isto favoreceu um
diferencial para perceber como estes atores interagem com suas “casas” (CorpoMundo).
Ao final desta primeira etapa os pesquisadores e participantes estabeleceram os
principais problemas levantados, o campo de observação, os atores e o tipo de ação que
estiveram focalizados no processo de investigação, e um cronograma de trabalho.
MOMENTO 2. Sensibilização e Consciência Corporal
Neste momento buscou-se construir de forma sensível um maior contato do
indivíduo com suas potencialidades de percepção e expressão. Foram trabalhadas diferentes
formas de sensibilização e consciência corporal como massagem, meditação, relaxamento,
exercícios cênicos e expressão corporal.
42
Cada atividade proposta tinha como princípio uma reflexão sobre nossas
possibilidades de ampliação de percepção corporal, na ousada tentativa de reportar-se para
dentro de si e estar em contato com o todo através do relaxamento e da expressão corporal,
no intuito de perceber o cuidado de si e do outro, como atividades hoje em dia, comumente
desperdiçadas.
Propondo estas experiências como uma possibilidade de explorar limites e
possibilidades do entendimento do cuidado de si, tendo a música, o relaxamento e o corpo
como sujeitos, para uma construção filosófica do ritmo da vida através da experiência,
numa relação de composição entre os sons, gestos e sentimentos, buscando a construção de
nossas alteridades, da música, do corpo, enfim da natureza, aproximamos da percepção do
ritmo e da expressão “artificial e natural”, assim como as percepções das alteridades do
corpo e do mundo.
MOMENTO 3. Práticas Corporais de Sensibilização junto a Natureza
Fig. 2 Caminhada de olhos vendados junto a natureza
As Práticas corporais de sensibilização junto à natureza são dinâmicas com ênfase
nas sensações mais sutis com a natureza, na intenção de captar outras dimensões estéticas
tão dificultadas de serem afloradas em nosso cotidiano, seja em ambientes naturais ou não.
São propostas que têm como referência o método desenvolvido por Cornell (1996,1997)
que, dentre outras atividades extraídas do nosso caminhar pelo mundo, possibilitam uma
experiência estética dos envolvidos no processo, contribuindo assim para uma reflexão das
43
relações humanas com a natureza que nos são impostas hoje, seja no meio natural ou
urbano.
Ao nos permitir a “arte de brincar com o CorpoMundo” através de jogos e
brincadeiras, com ênfase na sensibilização e cooperação, nos proporcionou uma
oportunidade criativa de encontro com a gente mesmo, com os outros e com a natureza.
Esta proposta trabalhou através de práticas corporais lúdicas, artísticas e cooperativas, com
o objetivo de aguçar a sensibilização e conscientização das relações entre corpo, arte,
lúdico e natureza como possibilidade de uma Educação do CorpoMundo, estimulando as
vivências educativas a permear a arte e o lúdico, assim como a arte e o lúdico possam
permear a vida, construindo valores mais positivos.
São jogos e brincadeiras que têm por objetivo a negação da competição e exclusão
por princípio, e a construção coletiva das atividades como intenção. Basicamente, estes
valores foram focados em todo o encontro, sendo estimulados mais em contextos
específicos como este momento.
O objetivo desta etapa é possibilitar uma sensibilização com o ambiente natural,
para, então, podermos dialogar e avaliar práticas pedagógicas mais sustentáveis entre o
corpo e o mundo como uma possibilidade de uma educação corporal sustentável.
MOMENTOS 4 e 5. Práticas Corporais de Travessuras junto a Natureza
Neste momento o objetivo foi uma imersão mais profunda e sensível com o
ambiente natural. Para potencializar esta experiência realizamos duas saídas para o Parque
Municipal da Lagoa do Peri, pois sentimos a necessidade de buscar um espaço que pudesse
ser mais sujeito, atuante e desafiador, uma natureza não contemplativa, mas também
fomentadora neste processo de formação, portanto, entendemos que este ambiente nos
ajudaria pois ele representa o conceito de “espaço-sujeito” (INÀCIO et. al., 2005, p.76).
Realizamos, então, práticas corporais que intitulamos de “travessuras”, ao invés de
“aventuras”, junto à natureza no intuito de possibilitar outras linguagens de aproximação do
humano com a natureza, assim como a ressignificação destas práticas devido à maneira
pouco reflexiva que vem sendo utilizada na contemporaneidade, e assim que possam
ajudar a aguçar outros sentidos com a natureza.
44
A partir de experiências estéticas e vivências lúdicas foram realizados trilhas na
mata na intencionalidade de “conhecer mais de perto o binômio morte-vida, através da
aproximação com a composição e decomposição dos movimentos dos seres vivos e mortos
da floresta, através do caminhar, na travessia da natureza primitiva e vegetação
selvagem” (Simone, 26/ago, relato/ócios-do-ofício).
Fig.3 Trilha cega
Ainda durante a trilha foi realizada uma caminhada de olhos vendados, onde todos
seguravam uma corda que era guiada por um dos pesquisadores até uma árvore escolhida,
onde acreditávamos previamente que conseguiríamos potencializar a experiência que
havia começado. Neste encontro com esta árvore que dividia sua vida secular com vidas
passageiras de insetos e fungos, com vidas e mortes, foi possível alcançar uma forte
experiência estética entre todos que ali se faziam presentes.
Nas atividades com cordas e utensílios para muitos representavam esportes de
aventura, pois o nosso objetivo foi justamente a reflexão desse olhar, para que assim sendo
não limitasse a nossa experiência, o que nos colocava no movimento de ressignificar o uso
destes equipamentos e construir coletivamente práticas corporais de travessura junto à
45
natureza. Para isso precisávamos atravessar as amarras que o conceito de aventura na
modernidade nos impõe.
Fig.4 Construção das travessuras com cordas
Ficou decidido coletivamente que a idéia naquele momento era de suspender o
corpo, através de pêndulos e balanços, foi o que fizemos inicialmente. “Nossa, foi muito
agradável. Cada um tentando explorar possibilidades de movimentos que aqueles
equipamentos nos possibilitavam. Eu, tenho a nítida sensação de ter voado naquela Lagoa.
Chovia, ventava, estávamos famintos e cansados, mas muito, muito felizes (Mara, 19/set,
relato/ócios-do-ofício).
46
Fig. 5 Falsa baiana com os professores
Encerramos o dia na casa de uma das professoras, pois ao final da trilha de volta
estava chovendo e a mesma se ofereceu para irmos à sua casa.
“Por volta das 17horas, muito, mas muito a contra gosto deixei a casa da Sida e
com a absoluta certeza de não me lembrar a quanto tempo, na minha vida, eu não passava
um dia tão divertido.” (Mara, 19/set, relato/ócios-do-ofício).
MOMENTO 6. Planejamento do Festival das Práticas Corporais junto à
Natureza
Criação, construção e planejamento de propostas pedagógicas junto ao grupo da
pesquisa-ação com o objetivo de depurar as experiências dos momentos anteriores e
preparar o festival, tendo como base os princípios teórico-metodológicos que foram
desenvolvidos durante todo o curso. “Após o levantamento das muitas idéias (toró de
parpite), depois de muita discussão, descontração e criação vou abreviar o relato -
definimos o festival” (Mara, 30/set, relato/ócios-do-ofício), que ficou intitulado:
AsPirações do CorpoMundo: Travessuras na Natureza”.
Quando: 28-10-06
Onde: Parque Municipal da Lagoa do Peri.
Hora: 8 às 12 horas - com as crianças. Das 13 às 17 horas, com o grupo da
pesquisa-ação e professores convidados.
Os professores (sujeitos da pesquisa) sugeriram convidar colegas professores,
mesmo que de outras áreas, para se envolverem nas atividades. Foi solicitado este quesito,
pois surgiu no curso a dificuldade de se trabalhar a Educação Física que queremos e
sonhamos tanto no âmbito escolar e fora dele, pelo entendimento que se está cristalizado do
que é Educação Física e suas possibilidades de atuação tanto por parte dos professores,
como da direção da escola e a sociedade em geral.
Acreditamos, portanto, que as práticas corporais junto a natureza materializadas
neste momento nas ‘AsPirações do CorpoMundo’ são fortes aliadas a seguir nesta utopia.
Trazemos a experiência estética como possibilidade de uma educação do corpo mais
47
coerente e para isso acreditamos também que a ludicidade é uma linguagem privilegiada
para alcançar tais objetivos.
Para tentar ousar materializar estas preposições, o festival foi carinhosamente
pensado para aproximadamente vinte e cinco crianças da Quarta Série, da escola municipal
General José Vieira da Rosa, localizada no bairro Morro das Pedras, onde leciona, nossa
professora-colaboradora Sida. Foi escolhida esta escola devido a facilidade de transporte
destas crianças, e a disponibilidade da colega em organizá-las.
Cada professor teve um importante papel neste planejamento de atividade, segundo
a distribuição, a seguir.
Transporte das Crianças: Foi decidido que numa parceria com a prefeitura as
crianças pegariam ônibus de linha e não pagariam as passagens.
Fig. 6 A espera do ônibus com as crianças
Recepção: - “despertar o entusiasmo” ( CORNELL, 1997)
Atividades musicadas, dramatização com explicação das “regras do parque”, ou
“regras do festival”. Poesia, brincadeiras. Trabalharíamos com a fantasia de entrar numa
floresta onde possui uma diversidade de vidas, e para isso apareceria um mago, ou gnomos,
que iria contar algumas histórias da floresta para as crianças entrarem no “clima”. Depois
as crianças realizariam pinturas no rosto umas nas outras.
48
Fig 7. Pintando o rosto
Missão: - “concentrar a atenção” (CORNELL, 1997)
Caminharíamos pela beira da Lagoa do Peri em direção a trilha no meio da floresta.
Nesta caminhada pediríamos algumas missões para os alunos (em duplas) para observarem
alguns elementos da natureza possíveis de serem encontrados, assim como elementos
artificiais deixados por outros humanos.
Sabores: - “Concentar a atenção” (CORNELL, 1997)
Parada para aguçar os sentidos e preparar para a trilha com degustação. As crianças
chegariam e se colocariam sentadas de olhos vendados para estimular os sentidos através da
apreciação dos sabores das frutas.
Fig.8 Sabores
49
Trilha Orientada: - “Dirigir a experiência” ( CORNELL, 1997)
Trilha praticamente individual das crianças pelo bambuzal, até a árvore grande,
com placas de orientação e sugestões de práticas a serem realizadas: inspirar, espreguiçar-
se, etc. Na árvore, mais uma “missão” uma arvore belíssima e centenária, com raízes
enormes onde puderíamos sentir toda a energia da multiplicidade de vidas e morte que ali
se encontram.) Após este momento realizaríamos a trilha cega, até chegar às árvores onde
realizaríamos as travessuras com as cordas.
Árvores das Travessuras: - “Dirigir a experiência” (CORNELL,1997)
Teria como objetivo central desestabilizar o olhar do entorno, potencializando e se
colocando no ambiente de tal forma que possa sugerir outros sentimentos e percepção.
Seriam atividades com cordas: falsa baiana e pêndulos de diversos tipos
Neste momento também seria o local para as conversas informais entre todos os
participantes.
Fig 9 Pêndulo
Fig. 10 Falsa baiana
50
Retorno Musicado: - “Compartilhar a inspiração” (CORNELL, 1997)
Realizaríamos o retorno somente pela beira da praia, o que favoreceria uma
caminhada mais tranqüila, onde poderíamos cantarolar cantigas e/ou potencializar
conversas livremente para compartilhar as inspirações.
Ciranda e Encerramento com as Crianças: “Compartilhar a inspiração”
(CORNELL, 1997)
Estimulados pelas cantigas cantadas no retorno, faríamos uma grande roda e
dançá-las em forma da ciranda, resgatando a simbologia do grupo em movimento, da
totalidade, dos processos sistêmicos e abrindo espaço para relatos.
Fig. 11 Ciranda na goiabeira
Após este momento seria o retorno das crianças para escola encaminhando-as ao
ônibus junto às professoras responsáveis.
Fig.12 despedida
51
Almoço Solidário
Almoço com o grupo da pesquisa-ação e professores convidados.
Avaliação Geral do Festival
Avaliação com o grupo da pesquisa-ação juntamente com os professores convidados
sobre a vivência e experiência do festival junto às crianças.
MOMENTO 7. Festival e Avaliação
Realização e concretização do Festival de Práticas Corporais junto à Natureza com
um grupo de crianças com base na programação realizada no momento anterior.
Com a chegada das crianças ao parque estávamos organizados, e tínhamos um
roteiro para nos guiar. Porém, não seguimos com rigidez nossas combinações, tendo
atividades que foram invertidas a ordem por motivos de algum professor achar mais
conveniente, como a atividade dos sabores que ficou para ser realizada após a trilha e não
antes conforme havíamos combinado.
As travessuras com as cordas foram realizadas com muito sucesso e pudemos
observar muitos comentários de alegria com as crianças interagindo e ressignificando a
proposta que inicialmente tínhamos elaborado.
O retorno musicado pela beira da praia não aconteceu, porém foi decidido voltar
pela mesma trilha orientada, onde as crianças, ambientadas no espaço e na proposta,
interagiram mais com os cartazes sugestivos, que na primeira vez.
Todas as crianças conheciam o parque, embora a maioria delas não tinha
realizado as trilhas, assim como não conhecia o entorno. Comentaram da necessidade do
retorno mais vezes a estes lugares.
Encerrado com as crianças, realizamos o almoço assim como as avaliações coletivas
do festival. Entre os destaques foi a possibilidade de executar as experiências dos princípios
teórico-metodológicos vividos e construídos nos encontros do curso, assim como ver os
próprios professores atuando com as práticas pedagógicas; a impossibilidade de um método
rígido, em que não possibilidades de mudanças, mas ao mesmo tempo a sua importância
para um melhor aproveitamento do tempo que temos com as crianças; a necessidade de se
trabalhar estas práticas dentro do contexto escolar e mostrar este trabalho para outros
52
educadores, que não somente da Educação Física; a possibilidade de ressignificação do
espaço urbano como, por exemplo, o espaço do parque ecológico municipal da Lagoa do
Peri e as parcerias e uso do transporte coletivo como possibilidade de deslocamento.
Foi decidido que a professora-colaboradora Sida iria realizar uma avaliação com os
alunos em sua escola sobre o festival e levar para o próximo momento.
O festival foi registrado através de filmadora, fotografias e diário de campo, e a
avaliação foi gravada em mp3, para ser analisada em encontros extras, com os professores e
todos os envolvidos e interessados no trabalho para se discutir e avaliar todo o processo da
pesquisa-ação. Posteriormente a este momento foi a análise do material a partir de
categorias selecionadas no processo.
MOMENTO 8. AVALIAÇÃO FINAL E CONFRATERNIZAÇÃO
Passados todos os trabalhos anteriores era hora de avaliar também de uma maneira
lúdica, então realizamos um café colonial entre o grupo da pesquisa para podermos
conversar mais descontraídos. Para este dia também os professores trouxeram a avaliações
do curso assim como suas auto-avaliações, e a carta-para-si.
Conversamos sobre o curso e fizemos algumas intervenções pontuais segundo
roteiro elaborado previamente para avaliação coletiva.
53
III O CORPO COMO PRINCÍPIO ECOLÓGICO: perspectivas para a
Educação Física
Preocupações sobre as questões relativas ao corpo é um tema, ao mesmo tempo,
novo e arcaico. É uma possibilidade de ir até nossas profundas raízes, identificar nossas
visões de mundo que ultrapassam séculos.
Analisar outras racionalidades no processo histórico, proporciona-nos a
possibilidade de acentuar outros pensamentos não hegemônicos e que se tivessem tido
maior expressão poderíamos ter trilhado outros rumos, onde o humano não esteve fora da
natureza, concebendo a natureza como totalidade, entendendo o planeta terra como um
grande - ou pequeno, comparado ao universo - ser vivo que se entrelaça em forma de teias e
que fazemos parte junto com todas as outras formas de vida; parte do todo, parte da
natureza.
A palavra físico entendida como corpo, ou materialidade humana, restrita ao âmbito
biológico, como hoje comumente é difundida através de expressões, como por exemplo,
Educação Física, vem do conceito de “physis”, que era utilizada na antiguidade greco-
romana como essência que produzia identidade entre todos os seres, uma irmandade, um
conceito que era a própria representação do cosmos, do universo, e o corpo, naquela
cultura, era entendido pela expressão “Soma” (SILVA, 2004). Porque a expressão
difundida foi Educação Física e não Educação Somática, que soma é que significava o
corpo naquela cultura? Pensar na educação do corpo tendo a reflexão do conceito “Physis”
é sugerir uma visão ecológica de totalidade, através de uma essência vital de interligação
entre todos os seres da natureza.
“Para os gregos, o paradigma da physis era a vida orgânica, primeira característica
deste conceito.” A segunda característica é que “a natureza era tida, além disso, como
processo circular.” “A estes dois aspectos da physis se acresce um terceiro que, em certo
sentido, é mais específico. Segundo a filosofia grega, existe algo que é a physis – a
natureza, a essência, ou o princípio – de cada ser singular” (KESSELRING, 1992, p.21).
O conceito de physis na antiguidade grega, conhecida como a época pré-socrática,
tem o entendimento de totalidade, natureza, mas não a natureza que entendemos hoje. “À
54
physis pertencem o céu e a terra, a pedra, a planta, o animal e o homem, o acontecer
humano como obra do homem e dos deuses, e, sobretudo, pertencem à physis os próprios
deuses” (GONÇALVES, 1989, p. 30).
É com este entendimento que os filósofos desta época entendem o ser humano e
todos os elementos que constituem a natureza, como “physis” e a partir da “physis”,
apontando uma visão ecológica da vida. Mas fica vidente que é uma época que teve pouca
repercussão.
É com Platão e Aristóteles que se começa assistir a um certo desprezo “pelas
pedras e pelas plantas” a um privilegiamento do homem e da idéia.” (GONÇALVES, 1989,
p.31) rumo a natureza desumanizada. Mas foi sobretudo com a influência judaico-cristã
que a oposição homem-natureza e espírito-matéria adquiriu maior dimensão”
(GONÇALVES, 1989, p.32).
A filosofia foi merecedora de grandes pensadores, e o corpo como elemento
fundamental para pensar tais questões, ainda que de Platão a Hegel, com suas
peculiaridades de cada tempo/época a visão predominante foi dualista do humano: corpo e
alma. Tendo o humano um corpo, um pedaço de “carne” com menor importância, tendo em
vista que era mutável, passageiro, comparado a alma que era imortal e inteligente. Esta
visão fragmentada e instrumental do corpo, que é possível ainda identificar nos dias de
hoje, veio a se desenvolver mais acentuadamente com a racionalidade Cartesiana.
Segundo Sérgio (1996, p.125) “Razão tem Edgar Morin, ao descrever ‘o ser humano
não é físico pelo seu corpo’”. Somos corpo! E não apenas temos um corpo como nos
mostra a filosofia de Descartes.
Não precisamos ir até a filosofia do período Pré-Socrático para refletirmos sobre os
cuidados e o pertencimento de ser-corpo. Os índios brasileiros nos deixaram muitas
heranças, embora adormecidas, neste agitado e confuso mundo contemporâneo de “corpos
de passagem” (SANT’ANNA, 2001).
Observa-se, tanto em culturas indígenas como em outras culturas antigas, uma forte
tendência de valorizar as práticas corporais com fins religiosos, como uma homenagem aos
deuses que vai se diluindo rumo às práticas de ginástica com fins militaristas, o que de
alguma forma vai perdendo seu caráter espiritual. No Brasil, a história da Educação Física
está atrelada à história dos militares e, ainda, é possível observar os princípios militaristas
55
na Educação Física, com formação de militares como professores de Educação Física e,
logo depois, professores civis sendo formado por estes mesmos militares (CASTELLANI,
1988).
A Educação Física, sendo um campo do saber privilegiado para as questões da
educação do corpo, estabeleceu-se como uma ferramenta mantenedora da ordem e
progresso vigente, o que dificultou, e ainda dificulta a sua construção como um campo do
saber que pode estimular a reflexão e a autonomia, buscando a emancipação humana e a
construção de uma cultura sustentável.
Parece-nos uma necessidade de repensar as relações do corpo no e com o mundo,
quase que perdida em meio a tantos avanços que provocam uma gritante separação entre a
condição tecnológica e a condição “natural” do ser-humano. Entendermos o corpo como a
possibilidade da interconexão entre natureza e cultura, é como entendermos a natureza e a
cultura “não como duas coisas opostas e distintas, mas como complementares e com
constante interação” (SPAZZIANI, 2004, p.42).
Vários autores, como Serrano (1997), Morin (1991, p.178), Singer (1998, p. 286)
dizem que existe um desejo contemporâneo de “retorno à natureza”, uma valorização maior
que em épocas passadas, tendo em vista a necessidade de compensar as maneiras como o
humano evoluiu dentro de grandes meios urbanos, cada vez mais artificiais, rígidos e
isoladores, dificultando as possibilidades de percepção e sensibilização com o seu entorno.
A humanidade está caminhando para uma forma de natureza virtual onde fica mais
cômoda a experiência do mundo através da televisão, Internet, telefones, etc. Nossos
contatos ficam automatizados e mecânicos sugerindo uma dessensibilização nas relações. O
cuidado com a dimensão corporal fica banalizada. Não importa o corpo que somos e, sim, o
corpo que poderemos ter. Não queremos aceitar as mudanças que o tempo traz, perdemos a
relação da fruição, em que o tempo lento e denso nos dá a possibilidade de degustar o viver
e se transformar com o mundo. Mudamos o sentido do tempo e rapidamente invertemos a
lógica: quanto mais a vida passa, mais queremos ficar com um corpo “novo”.
Segundo Melo (2001, p.708): “reconhece-se um mundo no qual o natural é ser
artificial, do corpo (cirurgia, próteses, o próprio projeto genoma) ao tempo (do relógio).
Uma dimensão que desconhece nossa vinculação orgânica com a natureza e a necessidade
da vivência da cultura lúdica, que isola e transforma o universo e a nós mesmos em
56
máquinas, em objetos”. uma necessidade de uma reconciliação entre natural e cultural,
mas não queremos aqui - até porque sabemos da impossibilidade - tornar tudo natural, mas
o contrário também nos parece verdadeiro. Somos seres da natureza e de cultura. Tudo ao
mesmo tempo, sem perder suas especificidades.
Estamos vivendo num mundo cada vez mais veloz, numa era em que a velocidade e
as possibilidades de comunicação são tão variadas que deixamos de lado as formas mais
simples de expressão e comunicação. Segundo Sant’anna (2001), as cidades não
conseguem mais atender às necessidades vitais dos seres humanos como a sociabilização e
o lazer. Sentimentos de medo e descompromisso socioambiental surgem, por parte do
cidadão, da cidade e do mundo, em nossa contemporaneidade também de maneira
acelerada.
Vivemos num mundo em que a velocidade faz parte de nosso cotidiano, de tal
maneira, que somos estimulados a agir muito mais que refletir. Esquecemos da importância
da lentidão, que conforme Sant´Anna (2001) é com a lentidão que poderemos dar mais
expressão e sentido para as pequenas coisas do cotidiano. “Se a velocidade dota a natureza
e as coisas de uma mobilidade inusitada, a lentidão realça a força de sua presença tornando
incontornáveis as singularidades da paisagem (p.17). Viver a lentidão é também
possibilitar o reencantamento da estética da velocidade, não somente com a preocupação de
rendimentos e proveitos.
Na contemporaneidade da velocidade, o humano se depara com o seu corpo
limitado, finito e preso a terra. Um corpo que tem dificuldade de responder a velocidade
que a cultura lhe impõem, pois ao mesmo tempo em que o humano deseja mais velocidade,
preocupa-se com a duração do tempo finito de sua existência na terra, não podendo mudar
alguns princípios da vida. O que tenta com a velocidade é aproveitar e ampliar ao máximo
o seu corpo “perfeito” pois depende dele para sua felicidade, almejando ser eterno e jovem,
nem que para isto tenha de trocar de corpo como se troca de roupa. Nesta perspectiva, o
mesmo ignora as possibilidades de uma vida integrada com seu ambiente, adotando um
constante processo de padronização do corpo e da natureza que o cerca.
O padrão contemporâneo de estética do corpo (entendida diferentemente do
conceito grego aísthêsis) está se tornando sinônimo de saúde, influenciado pela mídia e a
tecnologia científica do mundo hodierno, fazendo do corpo um instrumento rentável da
57
ciência e do mercado
11
. Com isto, transformam-se valores pessoais, modos de viver e,
conseqüentemente, cultura, transformando a nossa vinculação com a natureza uma
vinculação “artificial”, onde o que importa é a aparência de uma saúde perfeita em corpos
torneados pelo artificialismo, auxiliando a perda de nosso sentimento de ser-corpo, o que
vem a sugerir o afastamento com a natureza e apontando possíveis justificativas da
destruição do ambiente que vem ocorrendo na atualidade.
Não basta apenas mudar os padrões da estética do corpo, precisamos ampliar a
concepção de corpo, o que nos ajudaria a revolucionar o sentido de estética que se
apresenta em nossa cultura. Hoje ter um corpo bonito é aquele que se aproxima do corpo
universal hegemônico, desprezando toda sua dimensão corporal (afetiva, sensorial,
espiritual, psicológica entre tantas outras que não me cabe encerrar, se é que possível, neste
momento) favorecendo mais que um afastamento do ser humano com a natureza e, sim, do
próprio ser humano. Este corpo hegemônico construído pelo mundo da cultura, como nos
coloca Silva (2001, p.65) ... é um corpo não humano”, tendo em vista ser um corpo
alienado e subordinado a uma racionalidade instrumental, fruto das relações mercantis. Um
corpo coisificado que perdeu seu valor em si e, portanto, que coisifica o mundo através de
suas relações, favorecendo um sentimento de estranhamento nas relações complexas entre
ser humano e mundo. Estas percepções de mundo favorecem as pessoas a não se
reconhecerem e a não reconhecerem os outros, dando espaço à solidão, depressão,
compulsão ao consumismo e ao medo da morte (desconectado da vida).
Sendo assim, temos necessidade de buscar respostas para estes sentimentos, porém
as mesmas nos são dificultadas, apesar da facilidade de acesso a muitas informações. Em
contraposição a este conflito, surge a mídia com falsas respostas, propondo um modelo de
vida consumista que alimenta o sistema, e faz as pessoas sentirem-se, supostamente, mais
próximas e, finalmente, “cúmplices da publicidade”. A televisão, uma das ferramentas da
mídia, propõe maneiras passivas de interagir com o mundo, tornando o corpo restrito aos
olhos, novamente, provocando uma distância entre o humano e o seu entorno.
Nesta escassa percepção e falta de pertencimento do mundo, somos influenciados a
acreditar, quase que como uma crença religiosa, que as respostas e soluções para estes
problemas vêm através do paradigma científico e/ou tecnológico. Porém, o paradigma
11
Para saber mais a respeito da tríade corpo, ciência e mercado, sugiro a leitura de Silva (2001)
58
científico não é a única fonte de verdade, colocando a necessidade de reconhecer os limites
da ciência e da técnica, o que nos coloca na busca de novos horizontes, pois como tem se
mostrado, não tem dado conta das perguntas e necessidades da vida.
Neste contexto, a “Educação do CorpoMundo” se propõe a desenvolver práticas
integrais de (com)tato, para oportunizar a sensibilização de um corpo-natureza que se
entrelaça no ritmo do mundo (cultura versus natureza), com base na ética relacional.
Conforme Villaverde (2001, p.120) “...uma ética em que importe não somente a relação do
sujeito consigo mesmo, mas também a relação com outras pessoas, consideradas em sua
pluralidade, e ainda com outros seres e elementos existentes no mundo, considerados em
sua diversidade”. Acreditamos que, desta forma, pode ser possível afastarmo-nos dos
valores limitadores do paradigma antropocêntrico no qual o humano é a referência
central.
O cuidado de si, considerando a complexidade da vida não-humana como intrínseco
neste processo, implica uma percepção do eu atado ao mundo, a natureza, onde o cuidado
pela vida não se torne um dever, mas numa necessidade viceral onde no fundo estaremos
cuidando não apenas de si, mas de toda a natureza. Estaremos deixando o velho paradigma
antropocêntrico para nos aproximarmos de valores ecocêntricos nos quais a vida possa
ser a referência –, como sugerido pela ecoética (CAPRA, 1996).
Desenvolver a educação para a sensibilização do CorpoMundo é aguçar os sentidos
para a importância do equilíbrio com os elementos da natureza, favorecendo uma
composição que valoriza as alteridades, sem, contudo, estabelecer uma relação
dominador/dominado de forma alienada e/ou de superioridade. É uma mudança de
paradigma: não somos o centro do universo e, sim, somos parte do todo. Nesta direção,
podemos perceber que, como parte integrante do mundo, não o compomos de maneira
estática e objetiva, mas sim o fazemos em um fluxo contínuo, dinâmico e complexo, rico
em inter-relações e conexões, permitidas, sobretudo, pelo campo de nossas expressividades.
A tomada de consciência do indivíduo é um processo subjetivo, que a mesma
deverá ter o fim nele próprio e não em um elemento externo. Portanto, sensibilizando o
indivíduo para a importância de sua conscientização, tal processo será privilegiado.
Conforme Santin (1993, p.14), “Os caminhos de reencontro com as harmonias da natureza
só poderão ser abertos nos espaços da sensibilidade”.
59
A Educação do CorpoMundo têm como referência as reflexões de Inácio (2001) que
afirma que uma prática corporal para ser considerada ecológica, respeita quatro pontos
básicos: a popularidade; a ausência de competição; qualquer espaço; a ausência de
exigência técnica. Buscam-se aqui elementos para esclarecer certas inquietações que
permeiam a modernidade, uma das várias perguntas que norteiam tais inquietações é a de
que modo se processa a interação entre o ser humano e a natureza.
Observamos um crescimento de adeptos às práticas corporais de aventura na
natureza, como uma maneira de reaproximação do humano ao meio natural. Porém, muitas
vezes, os indivíduos que praticam estes esportes utilizam a natureza como algo para
simplesmente satisfazer suas necessidades pessoais. Não a partir de uma interação sadia e
ecológica, um resgate, uma valorização ou uma troca com a Mãe Natureza, pois, onde
estaria o prazer ou o ganho da natureza, numa corrida de motos por trilhas fechadas no
meio da mata? Não se resumiria, tal fato, mais uma vez em uma abordagem ou
aproximação com a natureza dentro de uma visão instrumental?
a necessidade de relativizar a maneira desta aproximação do humano junto a
natureza. O fato de estarem tecendo “juntas” as tramas da vida, não assegura que estaremos
vivenciando a ecologia profunda (CAPRA, 1996). necessidade de levantar os valores e
a visão de mundo que está expressa nesta relação. O fato de utilizarmos os recursos da
natureza como simples ferramentas para o nosso bom proveito, desrespeitando o valor em
si dos elementos que compõem a biodiversidade do mundo, estaremos indo ao encontro de
uma uma ecologia rasa. Onde o importante é unicamente a vida do humano, o que “resta”
são elementos coisificados em torno do valor que estes têm para o próprio ser-humano, o
grau de importância é intrínseco com o grau de utilidade.
O que estamos propondo a refletir é a relação sustentável entre as diversas
possibilidades de vida no planeta e entendendo o próprio planeta como possuidor de vida e,
portando, de cuidados. Porém, tomando o devido cuidado para a “vara não envergar para
um lado” isto é, pensar apenas na vida não-humana em detrimento da vida humana, pois
existem implicações práticas que inviabilizariam esta posição. “Todos compreendemos que
a solução dos problemas ambientais são decisivos atualmente, que a manutenção das
espécies vivas no planeta, da vida biológica como tal importa, sim, mas sem que com isso
se encontrem motivos para se desinteressar pelo direito à vida biológica e cultural do ser
60
humano.” (ASSMANN, 2001, p.32) Faz-se necessário uma “relação de composição”
(SANT’ANNA, 2001), de diálogo e respeito entre as diferenças, uma profunda reflexão
ética, onde não é estabelecida uma regra, uma lei, e sim um bom senso de respeito ao
“outro”, seja ele um humano, em seus diferentes estágios etários, como aos diferentes
ecossistemas com base na sustentabilidade do mundo.
Uma contra-proposta à visão pragmática da relação do humano e natureza é a
ressignificação e a re-criação destas práticas corporais, ou seja, incentivando o interesse
pelas questões ambientais através de práticas corporais, artísticas, cooperativas, ecológicas,
de sensibilização e de lazer em ambientes naturais. Lembrando Bruhns (1997, p.130),
“estamos buscando outras sensibilidades, que possam nos conduzir a outras formas de
comunicação com a natureza, não vista como oposição, mas como lugar onde a relação
corpo/universo se insere”.
Nestas experiências, onde o corpo humano e o espaço estão inseridos, seria possível
experimentar o “engate” entre as partes, o erótico, na tentativa de não apenas tentar superar
o obstáculo, vencê-lo, e sim no desejo de se relacionar com ele numa relação de
cordialidade, respeito e amizade. Estas experiências não acontecem somente em lugares e
com pessoas privilegiadas, como não existem receitas universais. Sendo possível estimular
a percepção e possibilidades de comunicação ecológica entre humano e natureza que
ocorrem em nosso cotidiano, na esperança de se perceber como (p)arte do CorpoMundo.
III.1 Companheiros para um outro caminho: Hundertwasser, Cornell,
Guattari
A proposta de construir um outro caminho parte de uma perspectiva que não
compreende o corpo humano somente de forma isolada e fisiológica, mas sim a partir das
imbricadas relações que este estabelece com seu entorno e com o mundo. Acompanhados
destas inquietações, buscamos construir um processo educativo que se justifica
sinteticamente no entendimento trazido pela expressão CorpoMundo. A partir dos
princípios que a atravessam, propusemos uma ressignificação do entendimento de
corporeidade e, por conseguinte, do processo de construção da consciência e da percepção
corporal, e tendo por conseqüência a ressignificação do próprio entendimento de natureza,
61
no momento em que procuramos tornar mais
explícita a complexidade própria às relações
entre as dimensões internas (organismo
individual) e externas (alteridades) que
compõem o organismo humano.
Para subsidiar a ressiginificação e a
recriação de uma outra consciência e percepção
das concepções de corpo que se fazem
necessários na atualidade, trazemos como
referência do mundo das artes a concepção
metafórica de corpo “multi-epidérmico”
sugerida, desenhada e vivida pelo pintor
austríaco Friedensreich Hundertwasser, que
aparece como uma das matrizes principais para
a construção da presente proposta de trabalho,
desde a estruturação de suas temáticas até o
entendimento fundamental que concebe o corpo
humano composto também por dimensões exteriores ao organismo. Hundertwasser traz um
corpo-humano de cinco peles - a epiderme, a vestimenta, a casa, as relações sociais e a
natureza - são os diferentes níveis de compreensão e percepção que o ser humano possui de
sua existência, “...não dominado e esquadrinhado por retas e vetores de um racionalismo
eficaz, mas sim um corpo que se contorce em seu interior, e justamente daí retira suas
forças para desenrolar-se em espiral...”, possibilitando assim uma relação visceral entre o
mundo externo e o organismo humano, “...permitindo constituir-se por dimensões daquilo
que lhe é estrangeiro. Uma pele que germina em um movimento profundo admitindo e
captando matizes da alteridade na configuração de sua própria consciência.” (PERETTA,
2005, p.128-129)
A Educação do CorpoMundo busca construir justamente possibilidades de reflexão
e de ação para a educação deste corpo “multi-epidérmico”. Um corpo com cinco peles e
que tenha a lentidão como escolha, não menosprezando a velocidade, mas sim na tentativa
de ressignificar a própria fruição da estética da velocidade, onde deixamos a coisificação do
HUNDERTWASSER. As cinco peles do Homem.
Desenho a tinta, 29,7 x 20,9 cm, Viena, 1998.
62
corpo e, conseqüentemente, do tempo, para uma relação de emancipação e autonomia com
a diversidade rítmica do mundo. Conceber um corpo com tais dimensões, texturas e
velocidades, talvez não seja possível através desta racionalidade hegemônica que nos é
colocada na modernidade. Mas, sim, pela inclusão da dimensão sensível que nos faz
presentes em nossa dimensão corporal e que pode ser melhor aguçada por uma educação
dos sentidos, uma educação estética.
Desta forma, entendemos que para estabelecer as relações de alteridade que se
fazem presentes no corpo das cinco peles se faz necessário uma metodologia que priorize as
sutilezas da natureza humana e que ajude a desenrolar em forma de espiral um processo
educativo que perpasse as cinco peles de forma sutil e prazerosa. Para isso acreditamos que
a teoria de Joseph Cornel (1997), chamada de Aprendizado Seqüencial
12
nos ajuda nesta
caminhada pois nele é possível a manifestação da ludicidade e provoca mudanças na
conduta do humano com a natureza (MARINHO, 2004).
Observando a intensificação na atualidade de novos relacionamentos entre humano
e natureza e a complexidade que é inerente neste processo, faz-se necessário um
entendimento sobre nós mesmos para tentarmos, assim, observar o que nos liga e nos
separa assim como o processo de alteridade que se faz presente. Portanto, “...reconhecer
que a simples visita à natureza nem sempre é suficiente para proporcionar aos turistas,
visitantes, e aventureiros empatia com outras formas de vida, bem como uma interação
pessoal com elas. Daí a importância da proposta de Cornell (1997) referente a um
aprendizado seqüencial, o qual é capaz de despertar, sutilmente, a percepção da natureza”
(MARINHO, 2004, p.3).
É um sistema bastante flexível que proporciona liberdade de acordo com as
necessidades do momento. Sendo possível ser executado em qualquer lugar, ao ar livre, na
sala de aula e na vida pessoal. “Você também descobrirá que as pessoas participarão com
mais entusiasmo de discussões sobre o aspecto científico e da ecologia se você primeiro
ajudá-las a ficar receptivas e inspiradas” (CORNELL, 1997, p.17).
O aprendizado seqüencial não tem a intenção de estabelecer obrigatoriedade nas
12
N
os referenciar nesta teoria, porém com uma reflexão crítica desta, no intuito de não nos contradizermos
com os princípios da complexidade aqui sugeridas, e que possa assim, compor junto a outros referenciais
teóricos, a construção de nossa própria proposta de pesquisa com o grupo envolvido na pesquisa-ação .
63
condutas a serem tomadas, pelo contrário, é dar possibilidades de estratégias a serem
escolhidas no intuito de ajudarem educadores a organizar uma experiência direta e sensível
entre os seus alunos e o ambiente natural. Não estamos propondo um educação apenas
naturalizada e romântica junto a natureza, mas, sim, uma relação onde a sensibilidade e a
racionalidade caminhem juntas. Para além de um conhecimento somente abstrato e teórico
da teia da vida, mas juntamente com a racionalidade que nos faz presentes uma construção
de uma outra racionalidade de pertencimento desta teia, ou como costumamos chamar dos
nós da/na teia.
Para tanto, vamos ao encontro de um princípio educativo que se paute numa
racionalidade que inclua:
...ética da estética, traduzida pelo desejo de experimentar emoções em
comum, sentimento que se esgotam, num presente intenso, repousando num
jogo dos sentidos, orientada por parâmetros não racionais, incorporando o
sonho, o lúdico, o imaginário e o prazer dos sentidos, compondo uma
sociedade envolvendo não apenas sistemas mecânicos de relações
econômico-políticas ou sociais, mas um conjunto de relações interativas,
composto de afetos e emoções (MAFEFESOLI apud BRUHNS, p.12, 1999).
A teoria do “aprendizado seqüencial” baseia-se em determinados aspectos sutis da
natureza humana, e divide-se em quatro estágios:
ESTÁGIOS QUALIDADES
Despertar o
Entusiasmo
Divertimento e
Vivacidade
Concentrar a Atenção Receptividade
Dirigir a Experiência Absorção
Compartilhar a
Inspiração
Idealismo
“QUADRO DO APRENDIZADO SEQUENCIAL” (CORNELL, 1997, p.46, 47,
50)
A seguir um detalhamento de cada estágio tendo como referência Cornell (1997).
64
ESTÁGIO 1- Despertar o Entusiasmo
É um estágio ativo, onde as vivências divertidas despertam a alegria e o entusiasmo
de participar dos momentos seguintes. É uma introdução às vivências mais sensíveis.
É estágio muito importante onde de certa forma vai ser mostrado o que pretendemos
desenvolver com aquele grupo, estimulando o grupo cooperativamente a se entregar para o
momento, e se permitir a experiência, e com isto é “preciso mudar o botão” conforme nos
ajuda Mendonça (2000, p.144), quando usa esta metáfora para exemplificar o objetivo deste
estágio, nos colocando, portanto, a necessidade de termos outras sensibilidades do que estas
que estamos acostumados no nosso cotidiano e a importância deste momento para o
sucesso dos estágios seguintes.
ESTÁGIO 2- Concentrar a Atenção
É o momento em que iremos concentrar a energia produzida no estágio anterior,
tornando o grupo mais calmo e receptivo. Sendo, portanto, uma travessia entre as vivências
mais agitadas com as mais reflexivas onde necessitam de mais concentração.
É neste momento que começamos, ainda de forma sutil, com experiências mais
sensíveis, desenvolvendo e possibilitando a expressão e percepção dos sentidos estimuladas
ainda pelo entusiasmo do estágio anterior. É um momento em que buscamos o refinamento
da atenção, uma atenção ainda objetiva e direcionada, porém “é nesse momento em que a
diferença entre o “olhar e “ver” pode ser percebida (MENDONÇA, 2000, p.145), para no
estágio seguinte facilitar a experiência.
ESTÁGIO 3- Dirigir a Experiência
Apesar do estágio 2 e o estágio 3 serem semelhantes, diferem pelo maior potencial
que as vivências do estágio 3 têm de envolver de forma mais direta as pessoas na natureza.
É a possibilidade da fruição da experiências estética, onde uma imersão dos sentidos,
sendo possível conhecer outras realidades, ampliando nossa percepção do mundo que nos
rodeia, tendo condições de começar a entender e conhecer o CorpoMundo.
Proporciona uma experiência mais direta e subjetiva das possíveis relações entre
humano e natureza. Uma possibilidade de experiência estética em que o tempo e a
65
performance não se fazem presentes. Facilita a intuição e a percepção do mundo que se está
vivendo a experiência.
ESTÁGIO 4- Compartilhar a Inspiração
É um estágio onde através de vivências simples dão um fechamento às experiências,
favorecendo a sensação de totalidade. É um bom momento para as pessoas falarem a
respeito das experiências que tiveram nos estágios anteriores, pois “a alegria compartilhada
é alegria dobrada” ( GOETHE apud CORNELL 1997, p.40).
Núcleos geradores das “Expressividades do CorpoMundo”
A finalidade principal dos núcleos geradores é fomentar a reflexão sobre um dos
temas de maior abrangência e emergência na sociedade atual, a relação humano e natureza,
possibilitando assim uma educação (do corpo) mais coerente e sincera com a realidade
contemporânea.
Neste sentido, pensamos essa formação baseada em uma visão ecológica, isto é,
uma formação que não se basta somente no próprio educador, no aluno ou mesmo na
escola/instituição, mas sim privilegia suas relações, inseridas em um ambiente mais amplo
e complexo. Sugerimos uma oportunidade de encontro mais radical com a relação humano-
natureza.
A visão ecológica do mundo é mais que uma visão romântica da natureza, em que
um grupo apaixonado pelos ambientes naturais está preocupado pela conservação da fauna
e flora, mas um entendimento de totalidade através da articulação e diálogo entre os três
registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade
humana) como aponta Félix Guattari (1990).
Na ecologia da subjetividade, a preocupação com o cuidado de si, no que diz
respeito a uma reflexão crítica da forma como vem sendo elaborada esta formação alienada
e massificada, auxiliada por valores externos como meios televisivos e midiáticos,
apontando para uma necessidade da ressignificação da construção subjetiva, onde o trato
consigo mesmo é privilegiado, no simples, mas fundamental ato de ser-sujeito do próprio
processo. Entretanto, na relação com a ecologia social, onde as relações de cuidado se
66
ampliam para o cuidado com o outro, nas relações de cooperação, para que possamos mais
do que saber respeitar o espaço do outro, construir e compor junto ao outro uma sociedade
sustentável, como seres que habitam o mesmo ambiente neste aqui e agora, que tem como
princípio ético o cuidado com a terceira ecologia, não em termos de hierarquia, e sim como
relação de diálogo, onde este registro ecológico represente justamente a dimensão
ambiental, no qual não apenas privilegia os ambientes naturais, como também os sociais e
subjetivos como pertencentes e em constante relações na construção da comum-unidade.
A visão ecológica aponta que a crise ambiental em que nos encontramos na
contemporaneidade é uma crise também nas relações sociais que se impuseram; uma
relação de opressão pelo capital, pelas relações de poder que se colocaram os seres
humanos uns com os outros e como conseqüência com a própria natureza.
O curso ‘Expressividades do CorpoMundo’, portanto, foi composto por três eixos
geradores baseado nos três registros ecológicos de Guatarri, tendo como pano de fundo a
concepção de corpo das cinco peles pintada e vivida por Hundertwasser e a teoria do
aprendizado seqüencial de Cornell que se interpenetraram e apresentaram diferentes cargas
horárias e níveis de aprofundamento:
1) Cuidado de si: buscou-se desenvolver de maneira mais próxima as três primeiras
peles do humano, e a ecologia subjetiva, construindo de forma sensível um maior contato
do indivíduo com suas potencialidades de expressão e percepção. Neste módulo foram
trabalhadas diferentes formas de sensibilização e expressão corporal como massagem,
meditação, relaxamento e exercícios cênicos.
2) Nós na Teia: deteve-se com mais carinho na quarta pele, e a ecologia social,
buscando ampliar a percepção da dimensão coletiva que compõe a existência de cada ser
humano. A partir de práticas recreativas, músicas, vivências cooperativas e cênicas propôs
uma concepção sistêmica e ecológica para desvelar algumas das relações da complexa teia
da vida.
3) Nua Natura
13
: proposta de imersão profunda e sensível na quinta pele do
humano e a ecologia ambiental. A partir de experiências estéticas e vivências lúdicas foi
proposto um (com)-tato direto com o ambiente natural e suas singularidades através da
13
Nome este pego emprestado de um dos capítulo da dissertação de Peretta (2005)
67
teoria do “aprendizado seqüencial”, potencializando, assim, a percepção sensível desta pele
planetária compartilhada por todos os seres vivos.
3.2 Expressividades: no Ritmo da Arte e do Lúdico
A dimensão artística
14
pode ser percebida em diferentes formas de sentir/expressar
que permeiam as diversas condições sociais, etárias ou econômicas. Ao contrário da fala
popular, não é necessário pré-requisito, habilidades motoras, muito menos conhecimentos
técnicos. A arte se expressa por si , e de diferentes linguagens, tem a possibilidade de se
expressar da forma cotidiana em um assobio, um rabisco, um movimento espontâneo e/ou a
pensamento colorido.
As diferentes linguagens artísticas não são fragmentadas como pudemos expressar
neste momento, elas ainda podem se cruzar, sobreporem-se ou, até mesmo, uma
desembocar na outra num processo livre e espontâneo. O que não impede a possibilidade
do surgimento de outras linguagens para materializar a arte, pois quem faz a arte é o artista
e o artista pode ser qualquer um de nós. A possibilidade do surgimento de expressões
artísticas no cotidiano não tem a intenção de banalizar o conceito de arte, a ponto de achar
que qualquer “sapato com um canudo dentro” é uma obra de arte, ou que necessariamente
deva ser uma super produção de cinema, teatro, música (...) pelo contrário, mas sim de
valorizar as expressões artísticas apontando para o fato de que elas possam brotar tanto de
profundos estudos de técnicas como de momentos simples da nossa vida. Portanto, em
nosso entendimento, não é somente o produto final que interessa e sim o processo criativo e
estético que deva ser valorizado.
O processo artístico permite brincar com o desconhecido, criar, experimentar os
erros, explorar novas idéias, sem a preocupação “no quê isso vai dar?”. O importante é a
vivência, a própria experiência, não uma maneira certa ou errada de se fazer arte, pelo
14
Não temos a intenção e pretensão de dizer o que é arte, por ser uma definição muito controversa e
complexa dentre os estudiosos no assunto, o que pretendemos é aproximar a dimensão artística com a experiência
estética, onde o que está em jogo é o aprofundamento das sensações, das sensibilidades e da criação, ou da fruição,
da possibilidade de usufruir experiências através das sensações corporais.
68
menos, assim deveria dar-se o processo artístico pedagógico. Segundo Morais (2001,
p.170.), “O resultado não é a elaboração de uma determinada obra, mas um enriquecimento
do indivíduo”.
Muitos artistas, críticos e pesquisadores como Lígia Clark, Mário Pedrosa (apud
MORAIS 2001) comentam que o objetivo da arte, da fase Moderna à contemporânea, é
acabar com o conceito de obra permanente e durável, mostrando que ela vivencia situações
que refletem a vida, desta forma, transformando qualquer momento do cotidiano em arte.
Entretanto, esta reflexão não é uma novidade, pois Foucault (apud SANT’ANNA 2001)
questionava sobre a vida do indivíduo ser uma obra de arte. Entretanto, não para expor em
galerias, elevar o artista ou a sua obra, e sim, para potencializar tanto o indivíduo como o
coletivo, o humano e o não humano, favorecendo a composição da estética da vida.
Morais (2001, p.172) comenta: “Mondrian, que entendia a arte como um produto de
substituição em uma época que carecia de beleza, dizia que quando a vida encontrasse mais
equilíbrio, quando o trágico desaparecesse, tudo seria arte, e não teríamos mais necessidade
de pinturas e esculturas”.
Com a experiência artística tem-se a possibilidade de expressar um outro mundo,
não como salvação, mas talvez desestabilizar algumas certezas, ditas como incontestáveis.
E nesta construção de viver com o mundo vai se fazendo cultura e sugerindo a arte da
educação. Pensar a educação na relação com a arte é possibilitar outras atitudes frente ao
conhecimento, numa construção artística das idéias, na esperança de desestabilizar algumas
formas tecnicistas e mecanizadas de metodologias na educação.
A arte-educação é um método quem vem sendo difundido na Educação Ambiental,
embora muitas vezes restrinja-se a oficinas de arte que trabalham com o lixo, ou seja,
material possível de ser reciclado, ela possui uma gama de possibilidades a serem
exploradas, como seu emprego no levantamento da percepção ambiental dos vários
públicos, o que raramente acontece.
Geralmente, os educadores a usam de uma forma pragmática e menos filosófica. A
possibilidade de experienciar a arte de uma forma mais filosófica não seria para encontrar
respostas para os problemas, mas como oportunidade para nos sugerir a encontrar os
problemas das respostas que nos são dadas como prontas e acabadas, ou simplesmente, nos
69
dar a possibilidade de refletirmos sobre outras possibilidades de ritmos e movimentos para
nossas vidas.
Na Educação do CorpoMundo a experiência educativa é permeada pela dimensão
artística, para tanto a contribuição da arte no processo educativo vai depender do grau de
envolvimento e imersão do sujeito no processo, o que será de grande importância como
será proporcionado esta interlocução. Tendo o educador o desafio de ser o mediador de
diferentes formas, desde a sensibilização através das emoções, construção de conceitos, até
o enriquecimento da cultura.
A arte-educação deve contextualizar-se no momento social emergente, procurando
sensibilizar para as mudanças de atitudes e hábitos necessários ao tempo e à época. Isto é,
refletir sobre os problemas sociais, econômicos e ambientais contemporâneos e as possíveis
contribuições da arte. Segundo Morais (2001, p.170) “O artista, hoje é uma espécie de
guerrilheiro. A arte, uma forma de emboscada”.
Um exemplo disso é a utilização de materiais recicláveis
15
na arte, como uma das
possibilidades de contrapor o sistema exageradamente consumista. Além disso, incentivar a
vivência da construção e não a competição, deixando de lado a idéia do “mais belo”, do
“mais perfeito”, e, sempre que possível, buscar a produção coletiva, mesmo que isso se dê
com a junção das partes no final, formando um todo passível de maior reflexão.
Estamos falando de arte numa concepção que se aproxima do lúdico, expressões
humanas que se complementam, se retro-alimentam e se confundem. Expressões que não
estão alienadas do mundo, mas que se opõem à sua visão hegemônica, com sentimentos de
espontaneidade que valoriza o processo e não o produto final, com ênfase na cooperação e
não produtividade. Expressões que se dão pelo contato corporal com o mundo, com a
natureza, que aguça a percepção de outras experiências estéticas. Estamos entendendo este
processo como a arte de brincar com o CorpoMundo.
A arte de brincar com o CorpoMundo fundamenta-se na arte educação a partir do
momento em que ela emerge de uma necessidade atual, que é o resgate da relação mais
próxima com os elementos da natureza. Cabe ressaltar que mais do que o simples contato
com os elementos naturais é a abordagem que se terá com a experiência, a simples
15
O simples fato de estarmos reciclando o lixo não assegura que estaremos contrapondo o sistema
consumista, pois cabe aqui mencionar os famosos 3 r’s da educação ambiental: reduzir; reutilizar; reciclar.
70
interferência desenfreada, e em grande escala, do humano em ambientes naturais teria um
efeito devastador.
Quando entramos em contato com a terra, chuva, sol, elementos marinhos, texturas,
sons, nossa dimensão corporal e até outros corpos, podemos despertar os sentidos, muitas
vezes adormecidos, como o tato, olfato, audição, visão, etc. Isto é, podemos perceber em
cada elemento natural, cheiro, textura, temperatura, sonoridade, ritmo, cor e suas
possibilidades de interações, inclusive com várias partes do corpo. Além disso, o
estímulo para observação dos ciclos naturais, das mudanças de estações, e da
disponibilidade dos elementos naturais, como as sementes, água etc. A partir de tais
experiências, o humano poderá se atentar para valores que não eram percebidos
anteriormente.
Nesta proposta de trabalho, abordamos a arte não como objeto a ser analisado, mas
sim na relação onde o sujeito e objeto se confundem, ao que se refere Sant’Anna (2001)
quando a ação e a paixão se confundem, isto é, estabelecendo uma composição entre a arte
e o artista, a brincadeira e o brincante, confundindo a brincadeira com quem brinca, como
que o sujeito se tornasse a ação de brincar a tal ponto que ele fosse tão intensamente este
ato que nada sobrasse para representar o papel do brincante ou do brincar.
Com a experiência artística é aguçada a possibilidade de ampliar a percepção e
imaginação do mundo, através de uma reflexão crítica da realidade vivenciada,
desenvolvendo criatividade para mudar a realidade que foi analisada (BARBOSA, 2001).
Para isso, a arte de brincar com o CorpoMundo incentiva a inter e a transdisciplinaridade,
podendo trabalhar as várias áreas de conhecimentos.
Compondo a estética da arte sem necessariamente haver o binômio
dominado/dominador como “pano de fundo” de todas as atividades desenvolvidas,
acreditamos incentivar que se deixem levar pelas emoções, intuições, impulsos,
criatividade, sem medo de ousar do desconhecido, alguns dos sentimentos inerentes do
artista, sem compromisso do “rótulo ser criativo” e com isto o pré-conceito do belo. E sim,
que as vivências educativas possam permear a arte, assim como a arte possa permear a
vida.
Portanto, a reciclagem é a última atitude no processo de contrapor o sistema exageradamente consumista.
71
A arte de brincar com o CorpoMundo é uma oportunidade criativa de encontro com
a gente mesmo, com os outros e com a natureza. Para isso, trabalha através de práticas
corporais lúdicas, artísticas e cooperativas, com o propósito de aguçar a sensibilização
corporal e ambiental, acreditando que ambas estão proporcionalmente relacionadas para
uma melhor relação de equilíbrio do humano com a natureza.
A arte de brincar com o CorpoMundo aborda conteúdos como o aprendizado
seqüencial e os jogos de sensibilização com a natureza, baseado em Cornell (1996, 1997),
entre outras vivências corporais lúdicas. “Alguns dos jogos nos dão uma visão interior de
como a natureza trabalha os princípios dos sistemas ecológicos, por exemplo -, mas não
de forma maçante e teórica. Enquanto participamos das brincadeiras, representamos nossos
papéis de modo dinâmico e sentimos diretamente os ciclos e processos espontâneos da
natureza”. (CORNELL, 1996, p.5)
Os Jogos e as brincadeiras são mais do que uma prática física são um resgate da
relação Humano e Natureza. Trazem consigo uma ciência pedagógica que valoriza ao
mesmo tempo o lúdico, a arte, a cooperação, a sensibilização e a aprendizagem que levam à
conscientização do ser humano em si mesmo e com o seu exterior. “Cada brincadeira cria
uma situação, ou uma experiência, na qual a natureza é a mestra. Cada uma delas representa
uma boca por meio da qual a natureza fala algumas vezes na linguagem do cientista,
outras na linguagem do artista ou na linguagem mística” (CORNELL 1996, p.4).
No entanto, o simples contato com a natureza e com estas atividades não é o
suficiente. Segundo Cornell (1997) uma seqüência para que as brincadeiras e atividades
possam realmente ter um efeito positivo, e talvez até mudanças na relação da pessoa com o
mundo, independente da idade dos participantes, local das atividades entre outras coisas.
“Cheguei à conclusão de que as pessoas reagiam de modo mais favorável a essa seqüência
porque ela se harmoniza a determinados aspectos sutis da natureza humana” (p.15).
Os principais materiais de trabalho são o nosso corpo, o corpo do colega e o
entorno. As atividades não requerem pré-requisitos e possuem ausência de competição.
Entretanto é importante estar com o “corpo disponível”, isto quer dizer com uma atitude de
vontade muito mais de algum tipo de impossibilidade física.
Estamos falando de arte que se confunde com o brincar, com o lúdico, com o jogo,
mas o que entendemos por estes conceitos? a possibilidade de restringir a conceitos?
72
Entendemos primeiramente que não existem diferenças tão visíveis e delimitadas entre
jogo, brinquedo, brincadeira e lúdico, e sim que todos fazem parte da cultura lúdica. Vamos
neste momento concentrar nossos esforços para tentarmos entender este fenômeno que se
expressa pela palavra lúdico.
Onde está o lúdico? Vivemos em tempo de paradoxos. Quanto mais falamos da sua
importância, menos tempo e espaço o mundo tem proporcionado a expressão da ludicidade.
Apesar dos estudos terem aumentado em relação ao fenômeno social da categoria infância,
não temos “tempo”, nem incentivo, e muitas vezes nem pré-disposição a vivermos com os
“mestres do lúdico”: as crianças. Apesar de aumentar os estudos, nossas práticas estão cada
vez mais longe de viver o lúdico.
A existência das crianças nunca foi tão valorizada na história, e num momento em
que elas existem em menor número relativo. Temos esta tendência a valorizar, de modo
geral o que estamos perdendo, como está acontecendo com a cultura lúdica, a natureza etc.
Mas o que é lúdico e qual o seu significado? Onde está o incentivo para a
valorização de outras formas de “produção” que não seja esta imposta pelo paradigma
hegemônico mecanicista e capitalista, que prioriza o racional, o metódico, a produtividade e
o rendimento, não dando tempo para outras fruições do tempo, em que é possível que se
desencadeie momentos de liberdade, espontaneidade, lentidão, improdutividade como
possibilidades de outras experiências estéticas? O Lazer está sendo um tempo-espaço-
sujeito privilegiado para a construção de uma cultura lúdica?
Observa-se a dificuldade da vivência da cultura lúdica criada e recriada pela criança
na relação com a diversidade do seu entorno. Isto é, o seu entorno fica restrito ao que a
“babá eletrônica” lhe proporciona. A televisão entra no cotidiano da criança de uma
maneira tão intensa e voraz, assumindo uma posição privilegiada no repertório lúdico que
dificulta a cultura criada pela criança e sim uma cultura para a criança. E nesta cultura para
a criança, orientada pelo paradigma capitalista que privilegia o Ter em detrimento do Ser,
empobrece a diversidade da cultura infantil. Podemos observar a dificuldade das crianças
brincarem nas ruas, desaparecendo um vasto repertório de brincadeiras, que de certa forma,
era um espaço privilegiado de construção da cultura lúdica.
Para esta discussão da cultura Da e Para criança entendemos que não são
oposições, tão pouco se anulam, e sim como formas complementares que se
73
retroalimentam. Entretanto, é necessária uma compreensão dialógica do adulto interlocutor
da criança e vice-versa, e não uma compreensão monológica, que prioriza o olhar do
adulto, tendo a criança como um mini-adulto, ou uma obra de arte inacabada, que terá seu
fim com a idade adulta.
Mas então, o que é lúdico?
Observa-se uma imensa utilização da palavra lúdico em nosso cotidiano. Apesar de
sua ocorrência, com certa naturalidade na nossa língua portuguesa, estamos longe de um
consenso sobre o seu significado, o que poderia nos levar a refletir sobre uma possível
banalização do lúdico.
Acreditamos ser necessário buscar subsídios teóricos para tentarmos entendê-lo. O
lúdico por seu caráter espontâneo e descompromissado, entre outros sentimentos
românticos ligados a não seriedade e produtividade, sofre duras críticas sobre as suas
potencialidades de estudos no campo acadêmico. Entendemos o lúdico como um fenômeno
de grande importância na formação humana e que necessita de aprofundamentos teóricos
que contribuam na construção da cultura lúdica no mundo. Não queremos encerrar aqui, ou
apenas através de conceitos determinar o que é dico, pois entendemos que o lúdico
transcende o entendimento do conceito. Porém, estes argumentos não nos desqualificam, e
sim, nos instigam a ousar a desvelar algumas de suas características na esperança de
construção de uma cultura que seja também lúdica.
Entretanto, estabelecemos um diálogo com alguns estudiosos do assunto, para nos
ajudar a mostrar possibilidades do que é o lúdico, porém não esquecendo que para entender
o lúdico é necessário ir além de suas teorias, precisamos de fato a presença da prática, isto
é, do brincar.
Primeiramente, precisamos destruir algumas concepções que a sociedade capitalista
nos aponta, que o lúdico é coisa de criança e restrito a jogos, brinquedos entre outras coisas
de não tanto “valor”, que podem ser feitas de qualquer maneira. O lúdico, segundo
Huizinga, (1999), é um fenômeno de construção da cultura, portanto, ao considerarmos que
desde que existe o humano existe cultura, não podemos restringir o lúdico algumas
manifestações culturais, tendo em conta a diversidade de manifestações culturais em que o
lúdico pode se expressar.
74
Falar em cultura é nos aproximarmos das expressões, significados e construções
humanas. Vivemos num mundo em que produzimos e reproduzimos cultura a todo o
momento, sendo privilegiadas as que priorizam a visão hegemônica. Dar luz à expressão
lúdica é possibilitar que os humanos ressignifiquem o seu tempo dando possibilidades a
outros ritmos, movimentos e cores no (dis)curso da vida, não entendendo como uma
expressão mais importante ou desconectado de outras expressões, justamente ao contrário,
dando a oportunidade de que a cultura lúdica possa fazer (p)arte das imbricadas relações
culturais que permeiam a vida no mundo.
Cristianne Luce Gomes (2004, p.145) coloca a compreensão do lúdico como uma
forma de expressão humana que poderá ocorrer em todas os momentos da vida, como no
trabalho, família, política, sociedade etc. e de diferentes formas (oral, escrita, gestual etc.).
“Mas as práticas culturais não são lúdicas em si. É a interação do sujeito com a experiência
vivida que possibilita o desabrochar da ludicidade”.
Nesta interação, ou poderíamos até chamar na composição, entre o sujeito e a
experiência, não necessariamente teremos os sentimentos românticos do lúdico, como
alegria, prazer, liberdade entre outros, e sim numa relação dialética com os sentimentos,
onde o que vai estar em jogo não é necessariamente o produto final e, sim, o processo do
momento vivido, estabelecendo outra composição estética com o tempo, na qual com a
dimensão sensível possam ser valorizados outros ritmos, valores e comportamentos que não
estes do paradigma do mundo capitalista; uma prática oposta à racionalidade instrumental
de relacionar com o Outro (natureza, outros corpos) e si mesmo.
Apesar desta aparente desvinculação com o mundo real, este mundo imaginário no
qual o lúdico tem a possibilidade de se expressar, é a possibilidade de abstrairmos do
mundo objetivado, não como alienação, muito pelo contrário, como possibilidade de
emancipação humana. Não entendemos como dicotômico o real e o imaginário, pois o
lúdico não está desvinculado da sociedade, do meio no qual está inserido, pelo menos assim
deveria ou poderia se estabelecer esta composição. Pois, se assim não proceder, ficaria mais
para subordinação do que para composição, favorecendo as desigualdades sociais e
alimentando o ditado do “pão e circo”.
Nessa direção, entendo o lúdico como expressão humana de
significado da/na cultura referenciada no brincar, consigo, com o outro e
75
com o contexto. Por essa razão, o lúdico reflete as tradições, os valores, os
costumes e as contradições presentes em nossa sociedade. Assim é
construído culturalmente e cercado por vários fatores: normas políticas e
sociais, princípios morais, regras educacionais, condições concretas de
existência (GOMES, 2004, p.145).
A racionalidade capitalista despreza o tempo do lúdico. A racionalidade do sistema
produtivo torna o lúdico inviável, pois o tempo do lúdico não é regulável, mensurável,
objetivável. O lúdico, dentro do mecanismo do sistema, é a sua negação. Em seu lugar
permite-se o lazer, o não-trabalho, coisa totalmente diferente do lúdico, que é o jogo, a
brincadeira, a criação contínua, ininterrupta. “(...) o tempo do lúdico não pode ser jamais o
da produção capitalista. O lúdico identifica-se com a criança (.)” (PERROTTI, 1990, p.20,
apud ZILBERMAN). O conceito de dico é bem mais abrangente do que o conceito de
lazer. As possibilidades de ocorrência do lúdico, na nossa sociedade, são bem maiores do
que as do lazer, pois ele não está preso a um tempo definido.
A expressão da ludicidade na nossa sociedade é estimulada pelo governo que ocorra
no tempo/espaço do lazer, estabelecendo datas comemorativas como o dia para andar de
bicicletas, dia para caminhar, dia para “quase tudo”. Esta necessidade de reprimir as
expressões lúdicas a momentos pré-estabelecidos ocorre no intuito de sufocar e controlar os
impulsos espontâneos e criativos do humano, dificultando a possibilidade de se conhecer
melhor e assim ver possibilidades na construção de um mundo diferente da visão
hegemônica, o que poderia acarretar verdadeiras revoluções (PEREIRA, 1996).
Não queremos menosprezar a cultura do lazer, pois o tempo conquistado para o
lazer pelo trabalhador é uma das conquistas importantes para uma melhor condição de vida,
e que podem ainda privilegiar as expressões lúdicas. É importante o incentivo à construção
de uma autonomia crítica por parte do cidadão para o tornar autor de seu espaço-tempo-
atitude de culturas como do lazer e do lúdico. Entendemos tanto a cultura do lazer, como a
do lúdico, como construções humanas que podem se retro-alimentarem, porém ainda cabe
ressaltar que a cultura lúdica não está presa a um tempo pré-estabelecido pelo capitalismo,
o que lhe diferencia do lazer.
Portanto, é necessário que se fortaleça uma cultura do lazer que se preocupe com as
necessidades e potencialidades da existência humana, onde o lazer possa ser um espaço de
liberdade, exercício da cidadania e da participação social; onde é possível políticas públicas
76
que proporcionem a expressão do lúdico, mostrando de certa forma a incapacidade do
capitalismo no processo de formação autônoma e emancipatória do ser humano. Um lazer
entrelaçado na relação histórica com a sociedade e que leve em conta a utopia da formação
de uma outra sociedade como nos aponta a Lazerania (MASCARENHAS, 2005).
A lazerania, conforme sugere Fernando Mascarenhas, é um projeto de formação
humana e um instrumento prático e pedagógico de transformação social que tem como
objetivo central de preocupação, portanto, a educação, sempre buscando
proporcionar meios e condições aos sujeitos que de seu exercício tomam
parte para refletirem sobre suas condições de vida e sobre a sociedade mais
ampla na qual estão inseridos, possibilitando-lhes não o acesso, mas o
entendimento do lazer como manifestação de uma cultura e como possível
instrumento de ligação com sua realidade (2005, p.250).
Concebemos a lazerania como um espaço-sujeito privilegiado para a Educação do
CorpoMundo, onde as expressões lúdicas, artísticas e ecológicas podem ser
potencializadas, e entender tanto o lazer como o lúdico como possibilidades transgressoras
das normas vigentes, é entendê-los imbricados com o mundo, podendo se manifestar em
diversos tempo e espaço da cultura. Entretanto, a cultura lúdica dispõe de uma certa
autonomia, de um ritmo próprio, mas pode ser entendida em interdependência com a
cultura global de uma sociedade específica. A cultura lúdica recebe estruturas da sociedade,
conferindo-lhe um aspecto específico.
“O lúdico como alegria, espontaneidade, ser feliz, viver o momento, fazer o que
quiser sem regras e nem castigos. Essa cultura lúdica não está fechada em torno de si
mesma; ela integra elementos externos que influenciam a brincadeira: atitudes e
capacidades, cultura e meio social” (BROUGÈRE, 1997, p.51). Portanto, atitudes que de
certa forma, estão livres de funções pragmáticas da cultura contemporânea, mas sem
banalizar e tirar os significados das atitudes, porque seria perigoso o fato de fazer o que
quiser sem regras e sem castigo como afirma o autor, se não estivesse contextualizada com
a própria realidade onde se dá a ação.
Reconhecer o lúdico é reconhecer a especificidade do brincar e da infância: permitir
que as crianças sejam crianças, que possam brincar, e que se deleitem a ocupar-se do
77
presente. As crianças se expressam através da ludicidade, os adultos podem e necessitam
cultivar a cultura lúdica para que possamos nos tornar ainda mais humanos.
Brincar é uma linguagem fundamental para a expressividade do “Ser” humano. A
criança, desde muito cedo, aprende a se expressar através dos movimentos que vão se
tornando brincadeiras e vão compondo seu ritmo com o CorpoMundo. A experiência do
brincar é cada vez mais racionalizada e estruturada justamente pela sua dimensão
revolucionária que é proporcionado pelo ato espontâneo e que tem uma relação direta com
a liberdade. O que seria extremamente perigoso para o sistema hegemônico, tendo em vista
que as pessoas poderiam escolher outros caminhos que não os impostos como corretos. “A
essência do brincar é o fato de ser um ato voluntário” o que entendemos que também não
está livre de influências (PEREIRA, 1996 p.11). Na busca por outros caminhos o brincante
cria um mundo ilusório. Sendo a brincadeira uma ação que ocorre no plano da imaginação,
implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem simbólica. Nesse sentido, para
brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-
lhes novos significados, sendo preciso ter consciência da diferença existente entre a
brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se. Essa
peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação
da realidade, tendo o brinquedo como uma das possibilidades simbólicas para a
interconexão entre a realidade e o imaginário. Toda brincadeira é uma imitação
transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente
vivenciada.
Na nossa sociedade a idéia de lúdico está ligada a não-seriedade, o brincar é apenas
um mero passatempo, assim já incutimos desde crianças o trabalho como algo produtivo e o
brincar improdutivo. Muitas vezes quando queremos nos referir a uma das expressões da
cultura lúdica que implica mais seriedade nos referimos ao jogo, para Huizinga (1999)
lúdico tem a característica do jogo. Sendo o jogo uma das possibilidades de expressões da
cultura lúdica, tanto no brincar como o jogo, o prazer não é a única categoria, pois dentro
da cultura dica implica, também alegria e tristeza, seriedade e descontração. Ela possui
dentro de si a dialética de dor e prazer, ódio e amor, consenso e conflito, alienação e
emancipação (SILVA, 2003).
78
A Educação Física se considera uma grande conhecedora da cultura lúdica, mas
precisamos relativizar estes conhecimentos, pois se não tomarmos os devidos cuidados
podemos estar matando a expressão da ludicidade. O lúdico brota da espontaneidade, e não
com hora marcada. É comum nos referirmos o fato de utilizarmos brinquedos, brincadeiras,
jogos, entre outros recursos-metodológicos para satisfazer nossos objetivos propostos, e
assim considerarmos como suficiente para classificá-las como atividades lúdicas.
Não é a atividade que vem a garantir que iremos viver o dico. O que estamos
realizando são brinquedos, brincadeiras e jogos como recursos metodológicos no ensino-
aprendizagem, mas não necessariamente proporcionando a expressão lúdica. Pereira (1996)
nos coloca, indo ainda mais longe, que o brincar não tem objetivo pedagógico e quando é
utilizado com esta intenção perde suas características essenciais do brincar. Sendo assim,
este dito brinquedo pedagógico pode ser um verdadeiro material pedagógico, o que o torna
bastante diferente.
Uma educação inspirada na ludicidade não necessariamente é feita de jogos e
brincadeiras, mas sim é um espaço onde a sensibilidade lúdica pode estar presente, onde
não haja a centralidade do educador e que o educando se sinta livre para se expressar, e
construir o significado da aula com prazer de aprender. É a oportunidade de deixar surgir
outros valores que não apenas o que achamos “conveniente” para o nosso aluno. “Uma aula
lúdica é uma aula que se assemelha ao brincar atividade livre, criativa, imprevisível,
capaz de absorver a pessoa que brinca, não centrada na produtividade” (FORTUNA, 2001,
p. 117).
Como podemos cobrar que um professor eduque seus alunos para a vida, colocando
valores como a ludicidade, se na sua “formação” não lhe foram proporcionados e nem
valorizados estes sentimentos, a não ser de uma forma conteudista?
Estamos em crise, nos sentimos em crise, precisamos de revoluções ainda maiores
nos paradigmas que orientam o (dis)curso de produtividade da educação e da vida. Falar de
ludicidade é entrar na contra-mão desse curso imposto a todos os seres humanos. É comum
as crianças cansadas com a aula, perguntarem ao professor quando elas poderão brincar. Se
observarmos as crianças em sala de aula, será o oposto de vê-las brincando.
Por vezes, somos estimulados a concordar, ou no mínimo refletirmos sobre os
argumentos da polêmica afirmação do “desaparecimento da infância” (POSTMAN, 1999) o
79
que resultaria no desaparecimento do lúdico. As crianças são cada vez mais estimuladas a
racionalizar como os adultos (não crianças). Sofrem um forte acúmulo de informações e
devem processar conforme as expectativas dos adultos, desde bater palminha, alfabetização
precoce, forte tendência à banalização da sexualidade e até comportamentos sociais picos
do mundo adulto (não criança).
É possível um desaparecimento do lúdico? Onde está a esperança de
expressividades da cultura lúdica?
As crianças e as expressões lúdicas não são como em décadas anteriores como
sugere Postman (1999), mas este fato não nos coloca em possibilidade de dizer que a
ludicidade e a infância desapareceram, e sim que elas se transformaram com o mundo,
tendo em vista, como vimos anteriormente, suas imbricadas relações. É importante
reconhecer também que o processo adulto-criança é dialógico e para toda vida. Não
podemos negar as especificidades da categoria da infância e a necessidade da valorização
de um tempo da vida que não volta mais. Porém, ao nos tornarmos adultos não precisamos
deixar de cultivar também nossa ludicidade, e nosso jeito moleque de ver a vida: criativo,
relaxado, descompromissado e espontâneo. Podemos concordar que isto é uma utopia nos
tempos onde o paradigma do mundo capitalista coloca outros valores. Porém, a utopia é
algo difícil e complexo para se alcançar, mas não impossível. A cultura dica jamais
desaparecerá, mesmo que em alguns momentos não existam sinais de sua presença, em
algum lugar, em algum momento, uma criança irá nascer!
Com a ajuda de Pinto e Sarmento (1997) é necessário reconhecer as crianças como
produtores de cultura e não meramente consumidores desta cultura hegemônica do mundo
adulto. Podemos, portanto, ter a esperança de que a expressão do lúdico no humano seja
uma possibilidade que fomente a necessidade de reescrever a história da cultura humana.
III.3 A Educação do CorpoMundo e a formação de professores
Observamos a necessidade de estudos que busquem outros caminhos para uma
educação do corpo e que considerem toda a complexidade e diversidade inerentes a este
processo. Diante disso, buscamos propor uma ressignificação, como também uma re-
criação, dos elementos que compõem a relação do Corpo com o Mundo para assim
80
oportunizar diversas experiências estéticas nas relações de alteridade entre humano e
natureza. Visando contribuir, assim para o despertar de canais de percepção dos sujeitos,
potencializando a intuição, a sensibilização, a compreensão, a discussão e a construção de
outros valores, posturas e conhecimentos que viabilizem a edificação de propostas
pedagógicas onde o corpo humano não é mais considerado de forma dissociada dos outros
humanos e do mundo que o cerca.
Ao percebermos as nossas interdependências com o Mundo, na sua complexa
composição com os ritmos da vida, considerando os valores intrínsecos dos elementos
extra-humanos, necessidade de uma educação que contribua para tomada de decisões
coletivas, para inclusão e autogestão. O que deixa claro a não possibilidade de tomarmos
atitudes que nos coloquem fora da teia da vida, tendo em vista que todas as ações de
alguma forma influenciarão no ritmo do mundo. Faz-se necessário uma educação corporal
preocupada com a formação de uma cultura sustentável para que possa despertar o
sentimento de pertencimento, participação e co-responsabilidade com o seu entorno.
Observa-se a crise deste paradigma antropocêntrico que sustenta a vida e a ciência
moderna. A natureza é estudada e trabalhada nas universidades através de uma
racionalidade instrumental, o que tem nos levado à incapacidade de dar conta da
complexidade da crise socioambiental em que vivemos. No movimento proposto por
Brügger (1998, p.63), a educação deveria tentar responder a pergunta fundamental: por
que nossa sociedade tem essa relação com a natureza?” Na tentativa de responder estas
questões, buscando o questionamento histórico da relação entre sociedade e natureza, como
também dos humanos entre si, assim como rever o paradigma dominante em muitos outros
aspectos, seria possível uma “ambientalização” da educação, uma educação que se
preocupasse com as futuras relações entre a sociedade e natureza, isto é, preocupada com a
construção de uma sociedade sustentável, que se preocupa com o valor intrínseco de cada
ser humano, com o outro, considerado em toda diversidade dos elementos não humanos que
compõem o Mundo.
A relação estabelecida entre Ciência, Educação e até mesmo outras áreas do
conhecimento, está baseada nas filosofias e nos métodos cartesianos, estabelecendo como
verdade o que é possível conceber, claro e distintamente, anulando todos os outros
elementos que não são possíveis entender nesta perspectiva, ou que pudessem colocar em
81
dúvida o paradigma emergente. Porém, este “resto” - necessário para se chegar às verdades
- reaparece numa aparente confusão inquietando os saberes da ciência contemporânea.
Nesta percepção cartesiana, a ciência, deve fragmentar a natureza para entender as
partes em separado e, num segundo momento, juntá-las. Mas como juntá-las, se foram
descartadas partes importantes por se mostrarem obscuras e então rejeitadas? Para
entendermos o humano foi preciso fragmentá-lo como, por exemplo, em corpo e alma.
Sendo o corpo menosprezado a ponto de acreditar que não somos corpo, e sim que temos
um corpo. Assim, se tornou alvo e merecedora desta ciência que o repartiu em inúmeros
segmentos realizando testes e até mesmo reinventando-os em laboratório num processo de
cientifização do ser-humano, nos incentivando a um ritmo “artificial” com o mundo, isto é,
rumo às artificializações do corpo e do ser (clonagens genéticas), ditas como indispensáveis
para a evolução humana.
O séc. XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, com a ciência e a
técnica adquirindo, como nunca, um significado central na vida dos homens.
A natureza, cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado, é agora
subdividida em física, química, biologia. O homem em economia,
sociologia, antropologia, história, psicologia, etc. Qualquer tentativa de
pensar o homem e a natureza de uma forma orgânica e integrada torna-se
agora mais difícil, até porque a divisão não se somente enquanto
pensamento. (GONÇALVES, 1989 p.34)
Este é o cenário com que a ciência se desenvolve e legitima as produções dos
saberes na educação. É um cenário onde o humano e natureza não atuam juntos. Surge,
portanto, uma necessidade de resgatar uma consciência de pertencimento a natureza e toda
a complexidade existente para tal. Porém, o paradigma da ciência, ou a forma como ela é
racionalizada, não satisfaz a procura e necessidade do conhecimento, acarretando
enormes incertezas nas coisas mais fundamentais (MORIN, 1998).
Somos estimulados como sujeitos ativos a encontrar, ou pelo menos saber que
existem, muito mais coisas que aquelas “claras e distintas” de Descartes para construirmos
as bases epistemológicas da educação. Uma educação que busca o conhecimento de si e
para se conhecer será necessário o conhecimento da natureza e vice-versa. Portanto, o que
estamos falando é de um profundo conhecimento da própria natureza, tendo em vista que o
humano é a natureza, “princípio que poderíamos chamar de hologramático” como diz
82
Morin (1998, p.181), onde o todo está nas partes como as partes estão no todo. O que nos
possibilita falar que o humano traz em si toda a complexidade da natureza e, portanto, a
impossibilidade de se conhecer por completo, pois seria necessário o conhecimento da
natureza, como também para conhecer a natureza é necessário o conhecimento do ser
humano. Uma impossibilidade que não traz a inércia do conhecimento, mas, pelo contrário,
um conhecimento que aguça a explicação através do movimento espiral e rítmico, o que
coloca a não linearidade, indo das partes para o todo e do todo para as partes na eterna
tentativa de compreensão do mundo.
Estas são algumas das causas e necessidades emergentes que estão surgindo, entre
muitas outras, que faz estarmos em crise, tanto na ciência como na educação, e como não
dá, e não podemos mais separar, com a natureza. Segundo Kuhn (1987), o surgimento da
crise é um sinal que mudanças ainda maiores estão por vir, uma autêntica revolução na
visão de mundo, tendo em vista que o paradigma emergente não conta de responder,
na sua amplitude, as necessidades apresentadas na atualidade.
Entretanto, são comentados por muitos autores, os limites da ciência,
principalmente como ela está estruturada hoje, para se alcançar o conhecimento desta
complexidade. Bracht (1995) aponta que é possível observar a postura de alguns
epistemólogos que criticam a posição absolutista da razão científica, onde deixaríamos de
ter a ciência como a única possibilidade, ou até mesmo a privilegiada de se chegar à
verdade sobre os mistérios do mundo. Se é que existe uma única verdade nesta concepção
complexa da totalidade.
Compreendendo a necessidade da superação do conhecimento fragmentado da
ciência, da educação e da natureza, é estimulada uma reflexão sobre a relação destes temas
com a complexidade da crise socioambiental. Para tanto, a crise socioambiental é apenas
uma faceta da grande crise, a crise de visão de mundo. Nota-se o surgimento de outros
paradigmas que vêm sendo chamados de holístico, que entendem um mundo como um todo
e não fragmentado. Apesar de uma pequena, mas crucial diferença, encontra-se também
percorrendo os caminhos da ecologia profunda a visão ecológica. Para facilitar a explicação
dos conceitos iremos nos referenciar em Capra (1996, p.25).
Uma visão holística, digamos, de uma bicicleta significa ver a bicicleta como
um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as
83
interdependências das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui
isso, mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no
seu ambiente natural e social de onde vêm as matérias-primas que entram
nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente natural e a
comunidade pela qual ela é usada, e assim por diante.
Tendo como pressuposto teórico a visão ecológica, coloca-se a necessidade de um
conceito de educação ampliada, isto é, que inclua a dimensão ambiental e de
sustentabilidade em nível interdisciplinar do conhecimento e uma educação engajada como
meta-desafio à construção de valores éticos, estéticos e ecológicos. Parece que o simples
fato de acrescentarmos adjetivos à educação, como educação ambiental ou Educação Física
não é o suficiente. Porém, o fato de haver necessidade da existência de adjetivos parece
evidenciar que a educação, da forma como é trabalhada, não está dando conta das tais
questões (BRÜGGER, 1998, 2004).
A Educação do CorpoMundo se propõe contribuir com princípios teórico-
metodológicos que oportunizem a reflexão sobre tais questões. Uma educação que trate
destes temas e que possibilite muito mais o prazer do que normas a aprender. Uma
educação que se baseie nas expressividades do CorpoMundo através da arte e do lúdico.
Autor do “Cone de Experiências”, Edgar Dale (apud TELLES et al, 2002, p.42),
“enfatiza que o ensino puramente teórico (simbólico abstrato) deve ser evitado. O
imediatamente vivencial permite uma aprendizagem mais efetiva”. Não melhor maneira
de aprender do que brincando, do que fazendo “arte”, o brincar é uma oportunidade criativa
para nos encontrarmos: com nós próprios, com os outros e com o mundo.
Na Educação do CorpoMundo é através da arte e do lúdico que estimulamos os
sentidos e os re-educamos, além de promover a auto-estima, juntamente com o
desenvolvimento de habilidades interpessoais positivas. É uma educação que se preocupa
com o processo muito mais do que com o produto final, mais a atitude do que ação, o que
Morais (2001, p.169) auxilia na sua compreensão de artista. Não pretendemos aqui mostrar
como deve ser um educador, um artista, pois entendemos que não existe apenas um tipo de
educador, mas sim a singularidade de cada humano na sua maneira de ser. “O artista não é
o que realiza obras dadas à contemplação, mas o que propõe situações que devem ser
vividas, experimentadas. Não importa a obra, mesmo multiplicada, mas a vivência”.
84
III. 4 A Crise Socioambiental e Educação Ambiental: questões para a
Educação Física
Poderíamos perguntar, o que a crise socioambiental tem de relevante com a crise da
ciência e até mesmo com a Educação Física? Tentaremos responder fazendo outra
pergunta. Será que uma das causas que estamos em completo caos na relação entre
sociedade e natureza e até mesmo humano e natureza, e entre os próprios seres humanos é
justamente pela forma que se estabeleceu a racionalidade científica moderna, embasada por
um desenvolvimento (crescimento) sem limites? Leff (2001, p.60) indica que “Uma das
principais causas da problemática ambiental foi atribuída ao processo histórico do qual
emerge a ciência moderna e a revolução industrial.”
Como viemos refletindo, uma ciência tradicionalmente fragmentada tem-se
mostrado insuficiente ao lidar com os problemas socioambientais que são complexos.
Observa-se a necessidade de fundar uma concepção da problemática ambiental, que inclua
em toda a sua complexidade as interações entre o conjunto da natureza, da sociedade e da
vida de cada indivíduo, e uma reflexão sobre as bases epistemológicas para pensar a
articulação das ciências e da produção do conhecimento requeridas por estas teorias para
uma construção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2001).
O que nos apresenta é que a crise socioambiental é conseqüência da visão de mundo
que adquirimos ao longo da história. “Poluição, extinção e mau uso dos recursos naturais
são sobretudo sintomas assim como a febre é um sintoma, e não uma doença - de uma
crise maior: a crise de paradigma e de civilização citada” (BRÜGGER, 1998, p.63). O
que desencadeia outras febres - como a crise da ciência e da Educação Física - que se
tornam conseqüência de um paradigma (doença) que é colocado como verdadeiro.
A Educação Física não está fora deste jogo de poderes, pois como mostra sua
história, foi (e ainda é!) palco de disputas políticas. A crise do paradigma cartesiano,
mecanicista, fragmentado, racional influencia a crise socioambiental, a crise da ciência, e
que também catalisa a crise da Educação Física. O que podemos escolher é se queremos ser
sujeitos atuantes/críticos do processo, ou simples objeto de manipulação, onde o poder
dominante nos utiliza como instrumento. Ora, está emergente a necessidade de exercermos
85
nosso sentimento de educadores críticos preocupados com questões ambientais e de
sustentabilidade do mundo!
Segundo Leff (2001, p.60), “a problemática ambiental na qual confluem processos
naturais e sociais de diferentes ordens de materialidade não pode ser compreendia em sua
complexidade nem resolvida com eficiência sem o concurso e integração de campos muito
diversos do saber.”
Deve-se considerar que a dimensão ambiental está amplamente presente na
educação formal (pré-escolas, escolas, universidades) e não formal (parques, praças,
reservas, nas ruas, na vida), demonstrando que uma parcela de professores e educadores
se encontra consciente e sensibilizada de sua necessidade. O que precisamos é dirigir
esforços no sentido de fazer com que educandos e educadores percebam-se como agentes
históricos da própria condição humana de existência em sociedade.
A Educação Física pode contribuir para a emancipação humana, pois se hoje nos
encontramos em crise, também ambiental, é uma conseqüência da não-emancipação
humana. O estudo da área da educação ambiental, tendo em vista que não é somente estudo
da disciplina acadêmica de ecologia, ou somente das áreas como geografia e biologia, se
faz necessário uma educação da ecologia profunda no contexto da relação humano-
ambiente, na relação da subjetividade e nas relações sociais, indo ao encontro das três
ecologias de Guattari (1990).
A educação ambiental pode e deve ser estudada interdisciplinarmente, o que pode
neutralizar o artificialismo inerente à prática tradicional do ensino. A educação ambiental
não se constitui numa disciplina rígida e, sim, como um tema transversal. O que
aparentemente poderia dificultar o processo acaba flexibilizando a aquisição e produção do
conhecimento. Todos os campos do saber precisam cooperativamente contribuir para a
emancipação humana, o que poderia resultar numa melhor educação ambiental. Temos,
além de trabalhar os assuntos específicos da nossa área, trabalhar assuntos que são de
importância do mundo.
tempos vem se discutindo a necessidade da escola ser lugar de aprender também
valores éticos e morais importantes para a vida. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais:
meio ambiente; saúde (2000), observa-se que foi na década de 80 que o MEC, por meio do
Parecer n. 0819/85 determinava a inclusão de conteúdos ecológicos nos Currículos de 1 e 2
86
graus, e o Parecer n. 226/87 que normatizou a inclusão da educação ambiental nos
currículos das escolas de 1 e 2 graus, e a criação de centros de educação ambiental. Em
1988, a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 225, Inciso VI,
consolida a expressão de anseio de “promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino, e a conscientização pública para preservação do meio ambiente”. No ano de 1991, a
portaria 678/91, do Mec, ratifica a orientação anterior, determinando que a Educação
Ambiental deve estar em todos os currículos das diversas modalidades de ensino e destaca a
necessidade de formação de professores.
Observa-se, a existência de uma política de Educação Ambiental Formal -
Parâmetros Curriculares Nacionais - o que mostra que não é o suficiente para garantir a
educação ambiental nos currículos e fora deles. O conhecimento e as metodologias
pedagógicas e a formação de professores são indispensáveis para a realização desta
caminhada, porém são temas que o professor de Educação Física, na maior parte dos casos,
não possui.
Normalmente, a maioria dos alunos gosta das aulas de Educação Física, pois
comparado com outras disciplinas, ficam mais livres para expressarem sua corporeidade, e
é através desta que conseguiremos construir valores ambientais, bem como corporais, seja
consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Nós, como educadores, temos condições
de trabalhar estes valores, precisamos estar sensibilizados pela questão da educação
ambiental e capacitado para trabalhar o assunto.
Atualmente, é comum encontrar as palavras educação ambiental vinculadas a
qualquer atividade que tenha alguma relação com a natureza e ambiente, ou que venha
"embrulhada" com algo que evoca o "ecológico". Através de panfletos e palestras prontas,
estas atividades receitam atitudes ecologicamente corretas para comunidades, não levando
em consideração a realidade local destas últimas.
Porém, o campo aberto pela educação ambiental é muito mais amplo e acena para a
possibilidade de ensaiarmos integrar, nas atividades, o trabalho sobre a questão
fundamental do humano de hoje: a sua fragmentação. Isto é a divisão entre o pensamento, o
gesto e a fala, corpo e espírito, humano e natureza entre tantas outras que o conduzem a
uma relação de descontentamento e o seu não reconhecimento e pertencimento de ser
humano histórico, cultural e natural.
87
As diretrizes metodológicas existentes em educação ambiental são muito
diversificadas, e estão muitas vezes distantes das reais necessidades das comunidades com
as quais se pretende desenvolver um projeto de trabalho. Segundo Fazendo Educação
Ambiental, CPRH Governo do Estado de Pernambuco, Recife, 1994, (apud TELLES
et.al, 2002, p.41) “as tendências existentes em Educação Ambiental no Brasil podem ser
distinguidas em cinco categorias básica, a saber:
Educação Ambiental Conservacionista Excursões, lutas conservacionistas,
preservação da fauna e flora, para conservação da biodiversidade.
Educação Ambiental Biológica Ênfase na biologia e ciências nos livros
didáticos, cadeias alimentares e aspectos da biosfera.
Educação Ambiental Comemorativa Destaca campanhas temporárias,
como Comemoração da Semana do Meio Ambiente, etc.
Educação Ambiental Política Vinculação a questões de natureza política,
em detrimento dos aspectos naturais.
Educação Ambiental Crítica Para Sociedades Sustentáveis Entendimento
das origens, causas e conseqüências de degradação ambiental, por meio de uma
metodologia interdisciplinar, visando a uma nova forma de vida coletiva”.
Acreditamos que a categoria da Educação Ambiental Crítica Para Sociedades
Sustentáveis pode ser um princípio importante para o fortalecimento da Educação do
CorpoMundo. Uma Educação contrapondo a visão instrumental da natureza onde se
assemelha a um “Adestramento Ambiental” como chamada por Brugger (2004), e sim onde
os Educadores-Educandos são estimulados a uma reflexão crítica e ética sobre os valores
intrínsecos da natureza, para além da conservação dos recursos naturais.
O conceito de sustentabilidade vem sendo muito discutido na questão ambiental e é
também utilizado na expressão ‘desenvolvimento sustentável’. A palavra desenvolvimento
ficou usualmente tratada como crescimento, e sendo naturalmente utilizado como algo
positivo. Hoje está sendo repensada a utilização do termo “desenvolvimento” como
sinônimo de crescimento. A palavra desenvolvimento tem uma influência da economia em
que se privilegia o crescimento econômico e o conceito de sustentabilidade era o fato de
administrar os recursos naturais a fim de gerenciar a natureza para que não termine, no
intuito de continuar obtendo o tão almejado crescimento (lucro) econômico.
88
As palavras crescimento e desenvolvimento possuem sentidos diferentes - apesar de
serem utilizadas como sinônimos e o seu entendimento é essencial na questão ecológica.
Segundo o economista ecológico Herman Daly (apud BRÜGGER 2004, p.71):
Crescer significa aumentar de tamanho por acréscimo ou assimilação de
material. Crescimento, portanto, significa aumento quantitativo na escala das
dimensões físicas da economia. Desenvolver implica em uma melhoria
qualitativa na estrutura, design e composição dos estoques físicos de riqueza
e bens, o que resulta de um maior conhecimento tanto da técnica quanto do
seu próprio propósito. Uma economia crescente está se tornando maior/ uma
economia em desenvolvimento está se tornando melhor, enfatiza ele.
Na discussão sobre o emprego da expressão ‘desenvolvimento sustentável’, nos fica
a pergunta: “sustentar o quê e para quem? Esse é o cerne da questão.” (BRÜGGER, 2004,
p.76) Poderíamos ainda perguntar: como realizar?
No conceito de sustentabilidade tem-se a idéia de manter alguma coisa, conservar,
etc., o que nos remete às mesmas perguntas citadas acima. O que nesta visão instrumental
da natureza fica claro é a tentativa da “maquiagem verde” (BRÜGGER, et. al., 2003) onde
é passada a informação de que ações de empresas ou ações governamentais estão
preocupadas com a ecologia, mas nas entrelinhas a visão instrumental da natureza continua
direcionando as atitudes para garantir o lucro para uma minoria privilegiada. Enquanto os
prejuízos da destruição do mundo são distribuídos a todos os seres da natureza, os lucros
são restritos a uma minoria da população humana. Sustentar essa visão técnica,
fragmentada da natureza e do conhecimento é sustentabilidade?
Entendemos que necessidade de mais que mudanças de conceitos, precisamos de
mudanças de atitudes. O que estamos precisando é uma cultura que seja sustentável, que se
preocupe com as gerações futuras, com a qualidade na formação de uma sociedade
sustentável e, conseqüentemente, um mundo sustentável. Uma cultura-sociedade-mundo
sustentável que valorize o humano na sua integridade, e uma educação corporal que se
preocupe com princípios éticos, estéticos e ecológicos.
Enfim, o que se pretende é uma educação real do mundo vivido que se relaciona
organicamente com os sujeitos do mundo e que valorizem suas subjetividades numa
perspectiva de construção cultural intersubjetiva preocupada com a qualidade da
biodiversididade do mundo no passado-presente-futuro. Portanto, uma educação que se
89
preocupe com as questões corporais e ambientais e que possibilite aos educadores-
educando a construção do saber, do saber fazer, do ser (cognitivo, afetivo e espiritual) e do
conviver em harmonia com o Mundo.
III.5 Formação Continuada de Professores
Cada vez mais, do professor é cobrada, em sua prática docente, uma reflexão e ação
destes temas citados anteriormentes. Mas uma necessidade que as cobranças tenham
como contrapartidas melhores condições de trabalho, onde incluam também políticas de
formação continuada sistemáticas. Pois, a forte cobrança de sucesso, sem incentivo e
condições dignas para exercer sua profissão, poderá acarretar resultados ainda mais
frustantes. uma forte tendência na supervalorização da qualidade do ensino, ou até
mesmo a cobrança excessiva, centrada no educador como fator essencial na melhor
qualidade de ensino, sem no entanto, investimentos financeiros e efetivos para o seu
exercício e na sua formação continuada.
Entendemos como formação continuada de professores não uma etapa, fragmentada
do processo contínuo, que vem a acrescentar as deficiências econtradas na formação inicial,
e sim como processo que vai acompanhar o educador desde o começo de sua formação
assim como todo o processo de desenvolvimento profisional. Entendendo o
desenvolvimento diferentemente do crescimento, onde não apenas é acrescido o tamanho
de seu currículo, ou até mesmo de seu salário, mas além disto também um desenvolvimento
em direção a um crescimento qualitativo, que se dá através do aperfeiçoamento e estímulo a
reflexão, autonomia, esclarecimento e criatividade.
Entender o educador como um aluno em constante formação é possibilitar que possa
ser entendido como um ser humano portador de inúmeras necessidades, potencialidades e
não apenas como uma força de trabalho. Possibilitar que o educador experiencie outras
maneiras na sua formação é dar espaço para que apareça também outras práticas no seu
exercício como docente. Como poderemos cobrar uma educação de qualidade, com base na
autonomia e na reflexão crítica, preocupada com as questões ambientais e de
sustentabilidade, se no seu próprio processo de formação lhe foi (e é) negado?
90
Estamos entendendo “formação continuada, em seu sentido amplo, como processo
ininterrupto que acompanha o professor durante toda a sua trajetória profissional e, em
sentido estrito, como forma deliberada e organizada de aperfeiçoamento proposta ao
docente, que o incentive, pela ação, pela reflexão e pela interação com seus pares, ao
aperfeiçoamento de sua prática e à apropriação de saberes rumo à autonomia profissional”
(FALSARELLA 2004, P.55).
O professor engajado no processo de formação continuada é um ser social em
constante interação com seus colegas, com a escola e com seu entorno. O que induz a
pensarmos as formações de educadores com a visão ecológica (CAPRA, 1996) onde além
de pensarmos nas relações subjetivas do educador, nas partes, e no todo, a escola e suas
intrínsecas relações, é importante o entendimento de como este professor e a escola estão
inseridos com o seu ambiente e com seu entorno. É a educação do CorpoMundo. Portanto,
a formação não se resume no professor como a única solução para os problemas na
educação.
Segundo destaca Novais (apud FALSARELLA, 2004, p.64) “a instituição escolar
como participante do movimento das forças históricas. Para ela, a instituição escolar deve
ser um sistema aberto, em permanente intercâmbio com seu entorno, mesmo que esse
intercâmbio seja conflitual e contraditório. Seu foco deve ser as relações humanas, as
condições de existência e não as de produção”. Sentimos a necessidade de colocar que estas
relações humanas e condições de existência não se dêem somente entre os seres humanos e
sim com a vida do planeta.
Uma formação de educadores que os leve a refletir o desafio do professor para o
além de passar o conhecimento, mas também proporcionar a ressignificação, a recriação do
conhecimento. Que se sintam produtores de cultura e não apenas reprodutores. Que a escola
possa ser um espaço de reflexão crítica da cultura para dar possibilidade de outras maneiras
de entender e viver a vida. Uma formação continuada que não seja um treinamento, ou
adestramento cultural, que reduza somente a uma nova proposta de metodologia, mas que
proporcione o processo reflexivo com base na autonomia e no esclarecimento para a
emancipação humana.
91
IV ANÁLISE DAS TRAMAS TECIDAS NA “VIAGEM” AO CAMPO
Fig.13 Trilha
IV.1 Os caminhos da trama: apontando outros caminhos pedagógicos na experiência com
os professores
Os caminhos da trama se propõem a discutir e analisar os procedimentos
pedagógicos desenvolvidos e realizados no curso junto ao grupo da pesquisa-ação, tal como
indicado nos objetivos da pesquisa. Para tanto, irá realizar uma triangulação das
informações recolhidas no campo, os dados empíricos, assim como o diálogo com os
referenciais teóricos e a análise do pesquisador.
A trama da Educação do CorpoMundo foi tecida pela ânsia de novas visões de
mundo na Educação e na Educação Física, e podemos dizer que foi construída
coletivamente com todo o grupo da pesquisa-ação, professores-pesquisadores e professores-
colaboradores. Tomamos como referência uma das três modalidades de
Ensino/Aprendizado que nos sugere o Programa Nacional de Formação de Educadoras(es)
Ambientais por um Brasil Educado e Educando Ambientalmente para a Sustentabilidade
(ProFEA 2006) denominada “Educação Difusa”. Esta ocorre pela “Educação Presencial”,
através dos encontros sistemáticos do curso, momento “...extremamente valioso e
importante, deve propiciar uma interação significativa, com múltiplos sentidos, múltiplas
linguagens. O “olho no olho” viabilizado na educação presencial possibilita o
fortalecimento de laços, a pesquisa mais profunda das “utopias” e dos obstáculos a sua
92
realização.” (ÓRGÃO GESTOR DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL, 2006, p.25).
A Educação Difusa ocorre também pela “Educação à Distância (EaD)” através das
leituras de textos, trocas de emails entre os participantes e a elaboração e preparação das
funções dos “Ócios do Ofício”. “A EaD é fundamental não apenas pela necessidade, mas
por um desejo de promover uma ruptura com as perspectivas mais verticais de educação
que confundem ensino e aprendizagem como se fossem lineares ou iguais. A EaD é uma
das bases da sustentabilidade dos processos de formação de educadoras(es) Ambientais.”
(ÓRGÃO GESTOR DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL 2006,
p.25)
A Educação à Distância se fez significativa no curso, principalmente, com as
leituras de textos e os “Ócios do Ofício”, por meio dos quais elaboramos algumas funções
para todo o grupo da pesquisa-ação construída coletivamente.
Nas avaliações finais tivemos a declaração de Pedro sobre o seu ofício que era o
astrólogo. Este tinha por objetivo falar um pouco das previsões sobre o curso, as previsões
climáticas entre outras coisas que ele próprio poderia inventar, até mesmo assuntos sem
sentido aparente. Era uma função que o grupo na sua criação colocou muita expectativa; foi
falado muito sobre as diversas possibilidades de interpretação como um grande chapéu,
bola de cristal, etc. Nos primeiros encontros Pedro fez apresentações muito interessantes,
mas foi aos poucos se perdendo e, ao final do curso, ele próprio comentou que foi uma
grande decepção não conseguir realizar o astrólogo até o final, tendo como sua maior
justificativa a expectativa gerada sobre sua apresentação, o que acabava lhe deixando
bastante tímido.
Apesar do grupo em consenso ter escolhido suas funções, muitos não se
identificaram com o ofício no decorrer da pesquisa, o que dificultava a sua realização.
Porém, a não realização destes, entendemos não como algo que deu errado, mas sim um
desafio colocado para os participantes em tentarem superar suas dificuldades, lidar com as
dificuldades encontradas. Entendemos que poderíamos ter dado mais atenção para as
dificuldades e até colocar mais pessoas em algumas funções, como no caso do coringa,
onde já havia uma participante, que deveria justamente fazer o papel daquele que por algum
93
motivo não pudessem realizar, seja por ausência no curso, ou falta de tempo para organizar,
ou, até mesmo, dificuldade de identificação com a função.
Para aqueles que se identificaram com seu ofício, fizeram dele mais uma forma de
potencializar a participação, indo ao encontro à idéia de ócio e prazer e não mais um tipo de
tarefa a ser cumprida. Foi uma experiência valiosíssima, tanto para o sujeito que a realizou
como para o bom andamento do curso e de certa forma para estas linhas aqui tecidas.
Avalio também que foi de extrema riqueza a construção da idéia de rede, através dos
ócios do ofício. O que poderia ser uma tarefa a ser executada, tornou-se para mim, o
potencializar de uma forma de expressão, no conjunto das várias formas, que os vários
colegas e os vários desafios apresentaram.” ( Mara, 15/nov, avaliação escrita)
Os Ócios do Ofício constituíram-se na oportunidade de cada participante dar a sua
contribuição para o grande grupo sem, no entanto tornar-se uma obrigação. Ao mesmo
tempo em que esta falta de cobrança proporcionava para muitos outra forma de entender
produção de conhecimento, tivemos pessoas que não se sentiam à vontade para sua
realização no decorrer do curso e a falta de cobrança favoreceu que se perdessem algumas
de suas funções. Outros depoimentos, porém, apontaram importantes possibilidades do
trabalho, tal como este exemplo: “Acredito que a forma como as coisas foram
acontecendo, de acordo com o interesse, o empenho, capacidade, e a participação do
grupo, é um bom exemplo de como ser uma aula, com funções para os alunos como os
Ócios do Ofício, onde cada um pode dar sua contribuição.” (Felipe, 15/nov, avaliação
escrita)
A leitura dos textos, outra forma de educação à distância, era fomentada pela
reflexão na educação presencial, potencializando assim que as vivências práticas se
tornassem uma experiência significativa aos sujeitos. Muitos dos textos lidos tinham
relação direta ou próxima com a programação elaborada para o próximo encontro.
“Quanto as vivências, os conteúdos e questões abordadas, eu percebi que se construiu um
todo significativo, e um processo de construção de conhecimento que abarcou o ser-
humano em sua totalidade. Neste sentido, as vivências foram inesquecíveis e singulares”
(Simone, 15/nov, avaliação escrita). “As leituras dos textos também foram importantes,
ajudando a embasar teoricamente, o que vínhamos vivenciando. Bem como, ao entrar em
contato com temas voltados a natureza.” (Felipe, 15/nov, avaliação escrita).
94
Observamos que a prática pedagógica, a práxis, constituiu-se como um dos pontos
importantes para os professores-colaboradores, assim como uma preocupação constante dos
professores-pesquisadores. Para isso também se fazia necessário que tanto nas discussões
dos textos como nas vivências práticas fosse potencializada a transformação e a recriação
das propostas durante as atuações dos envolvidos. Durante o trabalho com os textos, era
dada abertura para que fosse expresso todo e qualquer tipo de entendimento e críticas
referentes aos conteúdos e autores, assim como nas vivências práticas, oportunizava-se a
possibilidade de reconstrução e até mesmo a elaboração de outras propostas. “A práxis foi
um aspecto sempre presente no curso, pois as atividades iam de acordo com as discussões
fomentadas através dos textos oferecidos, debatidos sempre, como disse, de maneira
horizontal, sem nenhuma imposição de conhecimento. A prática do CorpoMundo
caminhava, então, lado a lado com as suas finalidades, com o que era proposto na teoria”
(Pedro, 15/nov, avaliação escrita).
Tendo em vista que o projeto ‘Expressividades do CorpoMundo’ não possuía verba
para fprnecer os textos
16
para todos os professores a solução encontrada foi enviar via
correio eletrônico. Os professores-pesquisadores tiveram bastante trabalho para conseguir
enviar, pois nem todos os textos possuíamos digitalizados, o que acarretou horas de
trabalho e combinações com outros setores da universidade para conseguir escanear os
artigos assim como enviá-los. “Em relação aos textos, eu acho muito desconfortável ler na
tela do PC e tornou-se oneroso imprimir todos os textos; mas, eu também não sei o que
sugerir diferente disso. Também não concordo com a ausência de leituras, por este
motivo.” (Mara, 15/nov avaliação escrita).
Entendemos que situações como essa poderiam facilmente ser solucionadas se
tivéssemos o apoio da Gerência Regional de Ensino de Santa Catarina (GEREI), conforme
havíamos planejado e discutido anteriormente, pois necessidade dos professores que
buscam uma formação continuada receberem, no mínimo, o material de apoio para a
realização de sua formação, que os seus baixos salários não o proporcionam.
16
Enfrentamos dificuldade para os professores-colaboradores conseguirem tirar fotocópia dos textos, desde o
recurso financeiro para tal, como definir um local que pudéssemos deixá-los, pois como nossos encontros
aconteciam aos sábados, todos os locais posveis para as fotocópias estavam fechados nos encontros.
Tentamos também abrir uma pasta do CorpoMundo, mas como haviam professores-colaboradores que tinham
dificuldade de ir ao centro, ou até mesmo próximo a Universidade esta tentativa foi invalidada.
95
Concebemos que os professores-colaboradores fazem parte de uma parcela reduzida que
procuram uma formação continuada e ainda disponibilizam de seus próprios recursos
financeiros, assim como o seu tempo de lazer para se dedicarem a busca e construção do
conhecimento na expectativa de melhorarem sua prática pedagógica.
O curso “Expressividades do CorpoMundo” visou, desta forma, a construção de
propostas pedagógicas na Educação Física que se desenvolvessem na intersecção entre
corpo, educação e natureza. A partir de princípios da ecologia e da complexidade,
desenvolveu a formação baseada na experiência do corpo brincante para construir um
processo de sensibilização e percepção da relação humano e natureza. Para construir
conhecimentos desta complexidade, se fez necessário, conforme a indicação de todos os
sujeitos da pesquisa que se encontravam presentes no encontro preparatório do curso que,
para além do referencial teórico interdisciplinar, necessitaríamos abrir vagas no curso para
professores de outros campos do conhecimento comporem o grupo da pesquisa-ação.
Fazia-se necessário que a questão ambiental fosse trabalhada transversalmente na
educação (no caso, a Educação Física) com apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN’s (1997), mas também a educação do corpo deveria ser um conhecimento transversal.
A construção interdisciplinar seria necessária para a construção da educação de um
CorpoMundo que almejasse ser um conhecimento transversal na educação.
Compreendemos que todo o conhecimento passa pela experiência corporal dos sujeitos, o
que sugere compor um conhecimento que merecesse ser denominado de educação, antes
mesmo de ser corporal, ou ambiental.
Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e transversalidade alimentam-se
mutuamente, pois o tratamento das questões trazidas pelos Temas
Transversais expõe as inter-relações entre os objetos de conhecimento, de
forma que não é possível fazer um trabalho pautado na tranversalidade
tomando-se uma perspectiva disciplinar rígida. A transversalidade promove
uma compreensão abrangente dos diferentes objetos de conhecimento, bem
como a percepção da implicação do sujeito de conhecimento na sua
produção, superando a dicotomia entre ambos. Por essa mesma via, a
transversalidade abre espaço para a inclusão de saberes extra-escolares,
possibilitando a referência a sistemas construídos na realidade dos alunos.
(BRASIL, 1997, p. 40)
96
Os saberes extra-escolares se fizeram muito presentes no curso, tanto pela
necessidade que a temática do CorpoMundo emerge, como pelo fato de termos de fazer
parcerias com empresas de ônibus, parques públicos da cidade na tentativa de ampliar o
espaço escolar. Porém, este tema vai ser melhor abordado no item seguinte.
Foi o diferencial deste curso abordar temáticas do corpo, educação e natureza a
partir de princípios da ecologia e da complexidade, que são tão urgentes e necessárias,
através de experiências do corpo brincante. Estes temas vêm sendo amplamente discutidos,
nas diferentes visões de mundo sobre a dita educação ambiental, seja pela mídia, PCN’s,
Universidades. Observamos que, mesmo assim, ela não se encontra presente de forma clara
no cotidiano escolar e na prática docente dos professores.
Como parte desta pesquisa, o curso se propôs a tratar destes temas com outra
linguagem. Era importante a abordagem não apenas com regras e conceitos, mas também
através da experiência, redescobrindo o prazer em aprender e ressignificando o próprio
processo de ensino-aprendizagem. Estas manifestações se fizeram presentes e por parte dos
professores ficou muito clara, que poderíamos dentro do universo da Educação e da
Educação Física tratar das questões ambientais de uma maneira simples e prazerosa, sem
com isso ser menos profunda, intensa e interdisciplinar. Compreendemos a necessidade de
revoluções para além da Educação para tentar sonhar com a solução dos problemas que
criamos e nos encontramos na modernidade.
Foi o curso mais doido que tínhamos feito. A gente brincava e divertia e
dizíamos que estávamos estudando. Mas, foi realmente essa lição maior que
tínhamos dessa experiência corpomundana, para que aprender e estudar
não precisamos estar amarradas á cadeira e com professores durões nos
dando ordem. Aprendemos e relembramos a dimensão do prazer na
aprendizagem. E se a gente refletir é um dos pontos mais cruciais em nossas
escolas, a falta de prazer em aprender dos nossos alunos. Ser uma
corpomundana me fez enfatizar mais ainda a alegria e o prazer em dar
aulas e também o de proporcionar experiências intensas, sensibilizadoras e
prazerosas aos alunos. (Roberta, 15/nov, carta-para-si)
Com a preocupação de construir um processo teórico-metológico que priorizasse
um contato mais cuidadoso para uma educação dos sentidos no contato do humano com o
meio natural, tínhamos como referência inicial a teoria do aprendizado seqüencial de
Cornell, comentada anteriormente. Tínhamos, a priori, como esta própria teoria
97
apontava, a dificuldade de proporcionar experiências estéticas com a natureza mais ousadas
sem antes nos prepararmos para tal. Conforme a teoria do Cornell sugere, é necessário
passar por estágios que agucem os sentidos para potencializar a experiência estética quando
imersos nos ambientes naturais.
Como estávamos realizando uma pesquisa buscando investigar a adequação das
práticas pedagógicas, fez-se necessário que construíssemos procedimentos teórico-
metodológicos que abrangessem para além do contato direto dos professores com o
ambiente natural. Lançamo-nos, então, ao desafio de recriar a própria seqüência das
atividades no período do curso para potencializar a experiência estética com a natureza,
entendendo que não era essencial estarmos em contato com o meio natural para
estabelecermos uma reflexão crítica sobre as relações entre humano e natureza.
Podemos apontar a importância do segundo momento do curso com a experiência
de “sensibilização e conscientização corporal” onde observamos “a centralidade do corpo
no processo de construção das subjetividades” (SILVA, 2007, p.5) proporcionando um
crescente envolvimento do grupo nas questões ligadas à percepção e à expressão corporal,
favorecendo uma maior integração do grupo, apontando, portanto, a experiência do cuidado
consigo mesmo através de um saber sensível como fundamental para despertar o cuidado
do outro.
Começamos o dia (15 de novembro de 2006) com vivências que denominamos de
“eu profundo” através de relaxamento, percepção e expressão corporal, para depois no
período da tarde trabalhar a ampliação do cuidado de si que ultrapassa a dimensão subjetiva
e escorre para o tecido grupal, tendo o entendimento do “Outro” para além da vida humana.
A ênfase era o grupo de pessoas que se fazia presente com o objetivo de se preparar para
seguir desenrolando a “espiral das peles”, assim como se conhecer melhor almejando
ampliar nosso entendimento de “ser” humano.
Podemos apontar que este foi o primeiro momento que o grupo alcançou uma
experiência estética, favorecendo o conhecimento entre o grupo, assim como entenderem
mais profundamente o objetivo da nossa pesquisa. A partir deste dia sentimos que tecemos
a teia e assim não éramos mais professores e alunos e, sim, um grupo de estudo em busca
de conhecimento.
98
Podemos então, nos comportar esteticamente em nossas vidas cotidianas,
dependendo da relação que estabelecemos com a realidade a nossa volta.
Não são as coisas do mundo, naturais ou construídas, nem nós em nossa
humanidade que somos, de por si, estéticos, e sim o tipo de relação que pode
se estabelecer. A situação em que há uma interação peculiar entre o sujeito e
o elemento em questão, o qual possui qualidades específicas que suscitam a
sensibilidade humana é que denominamos de estética. (SILVA, 2007, p. 7)
Com esta experiência conseguimos refletir sobre a relação que cada um tem consigo
mesmo, com as outras pessoas e com a natureza. Sentimos a importância desta experiência
para podermos potencializar outras relações de alteridade com o mundo, pois se estamos
falando de uma educação corporal, precisamos experimentar percepções corporais para
estarmos aguçados a outras relações com outros corpos, com outros mundos,
potencializando assim outros caminhos da trama.
O aprendizado seqüencial foi importante para esta pesquisa para nos mostrar que
havia um outro caminho sensível a percorrer, que não está colocado hegemonicamente pela
modernidade com os chamados esportes na natureza. O que está em jogo, na maioria das
vezes, é simplesmente a atividade a ser realizada e não a trama, o erótico, o envolvimento, a
cumplicidade entre aqueles corpos-humanos e os ambientes onde estão inseridos.
O crescente processo de esportivização traz, para esses fenômenos, uma
série de elementos que são constituintes dos esportes convencionais,
especialmente sua natureza vinculada à competitividade, ao rendimento e à
performance. Além disso, o processo de esportivização das práticas
corporais tende a construir uma padronização e uma instrumentalização do
movimento corporal que as faz perder seu teor original de enraizamento...”
(SILVA; DAMIANI, 2005, p.21).
Dentre tantas nomenclaturas encontradas como esporte de aventura na natureza,
esportes ecológicos, atividades de aventura na natureza, esportes radicais, entendemos que
todos estes termos carregam elementos dos esportes convencionais. Optamos, então, pela
expressão prática corporal junto à natureza como a mais coerente com a nossa pesquisa-
ação.
Para isso, o termo prática deve ser compreendido em sua acepção de “levar
a efeito” ou “exprimir” uma dada intenção ou sentido e fazê-lo, neste caso,
por meio do corpo, como indica e permite plenamente a língua portuguesa.
99
Esta expressão mostra adequadamente o sentido de construção cultural e
linguagem presente nas diferentes formas de expressão corporal. Esse
sentido de construção cultural e linguagem está ausente na expressão
atividade física, que tanto etimologicamente como conceitualmente,
mostrando-se reducionista em sua perspectiva. (SILVA & DAMIANI, 2005,
p.23-24).
Busca-se, portanto, uma superação da atividade pela atividade que concebe a cultura
do corpo um objeto a ser explorado, sem sentido, onde o que está em jogo é o
desenvolvimento da performance de uma atividade esportivizada que desconsidera seu
enraizamento cultural, e sim, uma prática corporal que possibilita a formação da
subjetividade, e conseqüentemente, constrói cultura.
Nas práticas corporais junto à natureza, parte importante desta pesquisa-ação,
experimentamos práticas próximas aos conteúdos das ditas “Atividades Físicas de Aventura
na Natureza” (BETRÁN; BETRÁN, 1995) ou até mesmo dos “Esportes Soft” assim
chamados por Santos (1997). Entendemos que estes referenciais possuem uma proximidade
no que diz respeito às práticas corporais, apresentando-se assim como outros caminhos para
a superação da visão hegemônica dos esportes tradicionais. Os esportes soft contrapõem os
esportes hard onde o que importa é a força, trajetória ou potência, enquanto que nos
esportes soft predomina a relação estética com a natureza e com o corpo (SANTOS, 1997)
Percebemos que em nossas práticas com cordas realizadas na Lagoa do Peri (rapel,
pêndulos, balanço, falsa-baiana) havia uma preocupação dos participantes muito mais com
a experiência em si do que um objetivo externo à prática, um recorde ou algo que se
aproxima dos “esportes hard”, e sim, próximo aos “esportes soft” que possuem uma
predominância estética.
... com predominância estética, a prática concerne, em primeiro lugar, a si
mesma: o desempenho é guiado mais pela habilidade e pela beleza dos
gestos do que por sua finalidade, inspirado mais pelo prazer que proporciona
o esportista e, naturalmente, o que oferece aos que assistem a seu
desempenho do que por sua utilidade, funcionalidade ou produtividade.
Aqui, o que conta é a realização adequada, tanto que possível
qualitativamente perfeita, dos gestos e dos atos, pois é ela que permite que a
evolução prossiga. Nessas forças, o estilo triunfou sobre a força (SANTOS,
1997, p. 13).
100
Conseguimos com esta intencionalidade ressignificar o uso destes equipamentos e
das práticas corporais de aventura e construir coletivamente práticas corporais de travessura
junto à natureza que podem ser exemplificadas pela citação: “Quis interagir com as cordas.
Pensei que talvez fosse a única oportunidade que teria e resolvi me arriscar. Foi
maravilhoso. Pude vivenciar a suspensão do peso do meu corpo. Vivenciei giros e a
mudança de perspectiva do meu olhar, ao ver as águas da Lagoa em movimento a partir do
meu próprio movimento. Vivi o meu próprio ritmo e expressão: a dança, bem como a força
desta ancestralidade, como observa-se na tradição indiana...” (Simone, 26/ago,
relatora/ócios do ofício)
No início desta pesquisa, achávamos que as práticas corporais em ambiente natural
não tinham tanta importância para esta reflexão crítica acerca da alteridade na relação com
a natureza, comparado aos outros processos realizados anteriormente, nos quais nos
preocupávamos mais com as relações da ecologia subjetiva e social, ou seja, no desenrolar
das primeiras quatro peles. Este da trama foi uma grande surpresa quando fomos
desenrolando a espiral e chegamos realmente no contato com o ambiente natural. Neste
espaço, as diferentes vidas e mortes compunham o ambiente, árvores seculares dividiam
espaços com vidas passageiras de insetos, onde era possível perceber outros tempos
compartilhando o mesmo espaço. Nós, seres humanos, com as práticas corporais na Lagoa
do Peri, sensíveis para perceber e compor esta relação visceral, e mergulhar na fruição da
experiência estética.
Ai, eu vi, uma coisa difícil de relatar, porque foi mais um sentir, do que um
ver. Uma árvore imensa, linda, tudo verde. Eu estava em uma de suas raízes
e todo o grupo, cada um numa raiz, formando um todo... foi uma mescla de
sensações, inenarrável. Um turbilhão de sei , que: surpresa, alegria,
emoção, viver... eu me senti completamente conectada até as raízes não
às pessoas, mas a tudo por ali. Senti uma necessidade tão grande de me
grudar naquela árvore!!!!!!!! Eu pensei nunca mais conseguir sair dali.
(Mara, 16/set, relatora- ócios do ofício)
101
Fig.14 Árvores das vidas e mortes
Esta imensa árvore relatada pela professora-colaboradora foi escolhida previamente
para esta atividade, pois ela representava esta multiplicidade de vidas e mortes. Realizamos
uma trilha cega por entre a mata com todos os participantes segurando uma única corda,
com um professor guiando na frente e outro atrás e outro observando o percurso. Neste
caminho priorizamos o silêncio assim como a confiança no grupo para potencializar a
percepção de outros sentidos que estavam sendo aguçados devido à tamanha informação
que o ambiente nos trazia. Ao chegarmos próximo desta árvore secular paramos o grupo e
colocamos um de cada vez em volta dela. Logo depois retiramos as vendas dos professores
e não falamos nada. Foi maravilhoso observar as expressões do grupo, que continuava em
silêncio, mas com expressões de espanto, felicidade, surpresa, alegria e admiração por toda
aquela luz que entrava em seus olhos, e refletia naquela biodiversidade presente.
A presença sensível da Natureza requer a capacidade sensível humana, numa
relação singular e imediata onde os sentidos humanos encontram-se
envolvidos nesta prática cultural. Esta relação gera uma experiência que
envolve a totalidade dos dados sensíveis que a paisagem oferece e a
percepção correspondente que põe em movimento um conjunto de
sensações, pensamentos, imagens, lembranças, necessidades, pulsões e
emoções, numa complexidade indissolúvel e enraizada somaticamente. A
experiência assim constituída inscreve-se radicalmente no humano, ainda
que possa não ser totalmente consciente. Pode constituir-se uma fruição que,
102
livre das necessidades imediatas, rememora a arcaica unidade perdida em si
com a Natureza. (SILVA, 2007, p.10).
Podemos perceber, então, aquilo que imaginávamos a respeito do “espaço sujeito”
comentado anteriormente, um espaço que não apenas era utilizado, um objeto, mas que
se fazia atuante e que dialogava com os sujeitos que ali se encontravam, e impunha sua
presença e fomentava uma atitude de respeito, admiração e contemplação. Mas não acabava
aí, pois entre as observações que tivemos é que este “espaço sujeito” para além da
contemplação passiva instigava mudar pensamentos e atitudes em relação a sua consciência
de ser humano e de natureza, aguçando lembranças de vidas, assim como incitando a rever
projetos pessoais e profissionais.
Ficamos muito tempo nesta experiência, o tempo que o grupo assim desejou
permanecer. Esta experiência fomentou uma reflexão que gerou uma percepção de
CorpoMundo que interpretamos como superior a todos os outros realizados. “Aproximar al
alumnado a la naturaleza supone una actividad enormemente enriquecedora. No solamente
por la motivación que ello conlleva sino también por el desarrollo de una serie de valores
que lleva implícito esta actividad y que tendrá repercusiones directas en el conocimiento
del entorno y desarrollo de una mayor sensibilidad medioambiental” (BETRAN, 2005, p.
18-19).
Com isso, não estamos desprezando os estágios vividos anteriormente nas outras
peles, na dimensão mais subjetiva e social. Apontamos a impossibilidade ou, pelo menos, a
dificuldade de substituir o contato sensível direto com a natureza, como também temos a
clareza de que esta relação intensa e esclarecedora de nossa relação visceral com a quinta
pele foi facilitada, fomentada e aberta por canais trabalhados mais profundamente em
estágios anteriores.“A medida que eu caminhava, ia entrando na freqüência da mata. Os
cheiros, as cores, os ruídos, a respiração. Pareceu-me menos angustiante pensar, que,
afinal eu não precisava fazer tanta força para sentir tudo, pois eu era parte deste
tudo!!!!!!! Então ficou mais leve e mais “sentido”, tudo, sem a obrigação de fazê-lo como
uma tarefa.” (Mara, 26/set, relatora- ócios do ofício)
A percepção do grupo da pesquisa era a de que a quinta pele não era somente mais
uma pele afastada das outras, com fronteiras rígidas entre elas, mas sim a experiência de
que as fronteiras eram porosas e fluidas. Peles que estabelecem uma relação de alteridade.
103
Possuem suas diferenças, não são a mesma coisa, possuem suas singularidades, e que o ser
humano deve procurar estabelecer suas relações de diálogo, com seu corpo multi-
epidérmico, não para dividi-lo e reparti-lo, mas justamente ao contrário, buscar uma relação
onde em um dado momento podemos nos perceber CorpoMundo, não mais como um dever,
ou uma tarefa, mas um viver em harmonia na relação com nossas alteridades.
Queremos aqui colocar novamente a importância de todos os momentos construídos
e vivenciados para se chegar a esta consciência. Precisamos, em muitos momentos, de
deveres e tarefas. Não excluímos nossa racionalidade também instrumental, mas não
menosprezamos a importância da preocupação em estar atentos às sutilezas humanas que
favorecem a percepção da relação de alteridade com a natureza que nos une e nos faz
CorpoMundo.
Percebemos em alguns momentos do curso cansaço do grupo, pois o curso se
realizava com duração de oito horas com parada para almoço, então precisávamos de
esforço para continuar a caminhada.
Percebemos que tanto a experiência estética junto à natureza, como as experiências
do corpo brincante de modo geral, fizeram parte de momentos, em uma sequência
projetada, porém não ficamos presos a esta. Identificamos como que é necessário, portanto,
a desestabilização do tempo do relógio, linear e mecânico, para possibilitar a entrega para
uma dimensão poética do tempo, onde possa ser algo sutil e subjetivo e, mesmo assim,
compartilhado harmoniosamente com as outras pessoas e as diversas vidas que se fazem
presentes na natureza.
Na preocupação de construir as informações e atividades que achávamos
importantes para os professores-colaboradores, muitas vezes nos observamos acelerando o
processo vivido, ocasionando uma perda da potencialidade da experiência. Tínhamos que
tentar nos livrar desta pré-disposição de aceleração do ritmo das atividades. Mesmo
percebendo a importância do valor da lentidão para gestar um conhecimento mais
consistente, tínhamos que estar atentos a todo o momento, pois como aponta Bruhns
(2001), a história do capitalismo tem se caracterizado pela aceleração do ritmo da vida e,
portanto, o tempo torna-se uma mercadoria. Tendo em vista que estávamos construindo
uma outra proposta de formação continuada para professores tínhamos a preocupação de
passar um conteúdo que fosse consistente, mas precisávamos criar outra lógica de tempo
104
que se afastasse desta sociedade do capital que estamos imersos. Para tanto, nos apoiamos
no conceito de lentidão que nos sugere Sant’Anna (2001), uma lentidão que
oportunidade de sentido no momento presente, que não está preocupado com o devir e que,
de alguma maneira, tempo para lidar com as coisas que se apresentam de maneiras
singulares.
Tivemos muitos avanços e limitações no que diz respeito ao ritmo e ao tempo das
experiências. Para muitos era uma oportunidade para experimentar o tempo de outra forma,
“foi importante o entendimento de tempo (dos outros conceitos de tempo), e o respeito de
nossos ritmos nas experiências” (Mara, 15/nov, avaliação escrita) enquanto para outros
era angustiante a dita lentidão que tramava o percurso, como nos mostra a observação:
“...nossos encontros eu diria que as vezes a gente demorava um pouco para iniciarmos
nossos trabalhos, pode ser ansiedade minha em ver as coisas funcionarem, mas acho que
tiveram alguns “tempos improdutivos”” (Sida, 15/nov, avaliação escrita).
A necessidade do próprio processo da pesquisa levou a muitas conversas sobre os
diferentes tipos de tempo, desde o tempo eletrônico, tempo cultural, tempo biológico.
Discutimos os dois entendimentos de tempo que vêm da mitologia grega chamado de
“Cronos” e o tempo chamado “Kairós”, assim como suas relações dialéticas. Cronos é um
tempo linear e quantitativo aproximando-se do tempo construído para a produção, enquanto
o tempo Kairós é um tempo espiralado e qualitativo que se constitui por outras categorias
que não a produção e sim a multiplicidade de tempos da natureza.
O tempo foi inventado pelo Ser humano para servir de base a todo
desenvolvimento do saber humano, porém o tempo que conta, neste mundo
tecnologizado, é o tempo eletrônico. Talvez, as maiores mudanças, ou as
mudanças mais radicais e menos perceptíveis que a humanidade conseguiu
realizar, se deram sobre as modificações do tempo. E, embora, também, de
difícil percepção consciente, são essas mudanças relacionadas ao tempo que
mais fortemente influenciam/condicionam o nosso modo de pensar, sentir e
agir no dia-a-dia. (KUNZ, 2003, p.22)
Partindo da dificuldade de viver no Kairós, pois sofremos a pressão do mundo
contemporâneo, tecnologizado, do tempo eletrônico, nos sentimos instigados a criar
estratégias para, no mínimo, tentar, ainda como uma utopia, viver um tempo que se
105
aproximasse do Kairós, tanto na vida pessoal e profissional, pois entendemos a necessidade
de viver com mais qualidade do que quantidade de informações e experiências.
Temos uma cobrança com a produção, mesmo sabendo da existência de
outro tempo. Quando acaba o conteúdo, o que fazer? Se mudar a atitude, o
que vai acontecer? É uma responsabilidade... Quando pensamos nisso,
sofremos, pois é uma renúncia... É um caminho que não tem fim. Difícil
criar estratégias para lidar com estes temas, porém se faz necessário para
não cair no vazio. Diálogo com o mundo real para dar subsídio para lidar
com a vida. (Fernanda, 15/jul, diário de campo).
Dentre as dificuldades apontadas pelos professores-colaboradores para se trabalhar
estes diálogos com os tempos estava justamente a cultura escolar, com suas repartições por
períodos de tempos para cada disciplina, o que dificultava tentar outras possibilidades
quando estávamos em uma atividade com os alunos. “O tempo é uma tortura, até no
semáforo. As crianças vão no meu celular e falam que faltam dois minutos” (Roberta,
15/jul, diário de campo).
Tínhamos entre os objetivos realizar ao final um evento, um festival para que
pudéssemos colocar em prática estes procedimentos teórico-metodológicos construídos e
sonhados na pesquisa. Foi escolhido realizar coletivamente um festival de práticas
corporais junto à natureza para crianças conforme já explicitamos com mais detalhes
anteriormente.
Não tínhamos nada definido a priori sobre como, com quem e aonde seria o festival,
mas os professores-colaboradores acharam oportuno realizar com crianças. “Gostaria de
ver isso tudo aplicado com crianças. Como a criança vai interagir com essa proposta, com
cada criança vão surgir novas possibilidades” (Roberta, 30/set, diário de campo).
Na hora de escolhermos as crianças, a professora-colaboradora Sida se colocou à
disposição para organizar o contato com a direção da escola onde trabalha e até o convite
oficial para seus alunos, o que já nos apontava que esta professora-colaboradora se fazia
confiante e estimulada pela experiência vivida no curso do CorpoMundo.
A proposta foi muito bem aceita pelas crianças e observamos que foi muito
diferente da relação que os adultos tiveram na experiência junto à natureza. Enquanto os
adultos têm uma relação de contenção com o espaço as crianças têm a expansão.
106
As atividades com as crianças na Lagoa do Peri mostraram o alcance das
idéias do CorpoMundo na prática, que ainda pode render muito mais. As
atividades planejadas por quase todos que estiveram no projeto,
descontando as desistências ocorridas durante o percurso do curso, foram
uma gratificação, pela aceitação das crianças e o entusiasmo estampado em
seus rostinhos ao participarem das atividades que foram envolvidas, a
maioria tanto com os participantes do projeto, quanto com as crianças.
(Pedro, 15/nov, avaliação escrita)
O sucesso do festival foi para além da aceitação das crianças com as práticas
pedagógicas, e sim observar que as práticas pedagógicas não eram uma cópia do que foi
desenvolvido com os professores-colaboradores no decorrer do curso, mas sim uma
recriação destas tendo como eixo geradores os procedimentos teórico-metológicos
construídos no caminho da trama.
O festival representou a possibilidade de realizar nossos objetivos e até chegar
próximo das nossas utopias, “aqui agente pode fazer tudo que na escola não conseguimos”
(Sida, 30/set, diário de campo). Outro ponto importante do festival, apontados por todos os
participantes, é que conseguimos construir uma programação, mas, não ficamos presos a
ela, conseguimos recriar e mudar as atividades, devido a necessidade das crianças e
professores, enfim “a gente pensou no Cronos e tudo foi vivido no Kairós.” (Roberta,
28/out, diário de campo)
Sobre a avaliação das crianças sobre o festival, a professora-colaboradora que é a
sua professora de Educação Física se dispôs a realizar uma avaliação com seus alunos. “A
experiência com os alunos foi muito gratificante porque eu percebi a satisfação e o
entusiasmo que eles demonstraram aos outros alunos que não foram, contando sua aula e
todas as suas aventuras.” ( SIDA, 15/nov, diário de campo)
Os procedimentos teórico-metodológico construídos e vividos no processo
proporcionou a todo o grupo da pesquisa-ação uma reflexão assim como apontar outras
possibilidades na sua prática docente, e isto foi confirmado. “Na minha concepção, o
projeto foi excelente. Pois desde o momento da entrevista, dos questionamentos e das falas
do pesquisador, comecei a refletir e a me perguntar sobre minha prática pedagógica, e
visão de mundo, na verdade foi uma espécie de volta às origens... (Felipe, 15/nov,
avaliação escrita). O mesmo professor quando escreve a carta para si, deixa claro a sua
preocupação de além da reflexão a necessidade da ação. Venho através desta singela carta,
107
informar a Vossa Senhoria, que é chegada a hora de “tomar vergonha na cara”. Dito isto,
pois teço por você sentimentos de elevada estima e consideração, e gostaria de o ver
colocando em prática, as coisas que pensas e falas, as quais possuem uma relação muito
estreita com as vivências do CorpoMundo (Felipe, 15/nov, carta-para-si).
Observamos aqui o quanto a experiência na participação da pesquisa fez aflorar
sentimentos tão comuns em nossa contemporaneidade, a fragmentação entre o sentir, o
pensar e o agir. Este professor coloca a necessidade de agir imediatamente, não como uma
obrigação, mas sim pelo real desejo que lhe impulsiona, um movimento, um agir que tem
sentido e não algo que deverá fazer para dar conta do recado. Acreditamos que nesta
perspectiva fique mais próximo que ocorram mudanças significativas nos valores, nas
atitudes e comportamentos dos indivíduos, da sociedade, da educação e do mundo.
Entendemos que estes procedimentos de construção coletiva junto a professores é
uma necessidade, pois têm contribuições importantes. Fica registrada a necessidade e o
desejo dos professores de que as formações continuadas realmente continuem. “Espero que
o grupo continue! O processo de construção do conhecimento foi inesquecível para mim”.
(Simone, 15/nov, avaliação escrita)
Fig. 15 Pintura de rosto: entrando no clima do festival
108
Em duplas de crianças, uma fez a pintura na outra, sendo
que poderiam pintar o que desejariam ser. E esta dupla iria
permanecer até o final do festival juntas, isto é, iriam se
cuidar.
Fig. 16 Pêndulo voador: As-Pirações do CorpoMundo
IV.2 A concepção ambiental
O MUNDO
O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano, italiana
O mundo filé milanesa
Tem coreano, japonês, japonesa
O mundo é uma salada russa
Tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia
O mundo é uma esfiha de carne
Tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire
O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
O açúcar é doce
O sal é salgado
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O mundo caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata
O homem que mente
Por que você me trata mal
Se eu só te trato bem
Por que você me faz o mal
Se eu só te faço o bem
Todos somos filho de Deus
Só não falamos a mesma língua
( André Azambuja)
É chegada a hora de analisar a concepção ambiental junto aos professores, processo
desenvolvido nesta pesquisa. Creio que seja uma das tarefas mais difíceis nesta nossa
jornada, pois são conceitos e atitudes muito cristalizados em nossa cultura que nos deixa
com muitas limitações para avançar significativamente na questão ambiental em tão
pouco tempo de trabalho.
Entendemos que este seja um dado muito precioso, identificar a dificuldade de
transformar a concepção ambiental na Educação Física, na Educação e no mundo.
Porém, conforme a letra da música citada acima entendemos que o mundo está muito
doente, um homem que mata um homem que mente, e que está doente primeiramente
nas relações sociais que se travam acarretando uma complexidade de crises no mundo,
uma crise socioambiental. Uma sociedade que se separa da natureza e com isso não
escuta nem vê o mundo que está inserido, apenas o trata mal, se relacionando de maneira
que possa tirar algum proveito. Isto é um aspecto da racionalidade instrumental junto a
natureza, privilegiando os aspectos técnicos em detrimentos dos aspectos éticos.
A experiência junto a educadores, com as conversas, vivências, leituras, enfim todo
o processo da pesquisa-ação, colocou a dimensão de tal empreitada, ajudando a refletir
mais criticamente sobre o assunto. Observamos também que embora hajam leis que
incorporam a dimensão ambiental nos currículos e na educação de forma geral, a
reflexão e a ação de tais questões ainda não está presente na prática docente dos
professores assim como dos órgãos fomentadores das formações de professores.
110
No Brasil, apesar dos avanços na legislação (Constituição Federal), a
consolidação da EA com a Lei 9795 / 99 instituindo a Política nacional de
Educação Ambiental, da tentativa do MEC de institucionalizar a EA como
política educacional com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
MEC, 1997 ; 2001), e a recente discussão pública do Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA), infelizmente não foram suficientes para a
incorporação da dimensão ambiental na educação e a institucionalização da
EA, garantindo assim seu fortalecimento (GERRA; LIMA, 2004, p.42).
Esta pesquisa nos ajudou a refletir sobre os porquês e a real necessidade do adjetivo
ambiental na educação. Os múltiplos conceitos de natureza e ecologia, e repensar nossa
própria postura frente a estas questões, assim como a necessidade e a urgência de um
aprofundamento destes conhecimentos na educação.
Quando estamos falando num aprofundamento, não estamos falando apenas de uma
formação continuada, ou uma disciplina que trate destas questões, como uma ilha
isolada no meio do conhecimento; pois, se for somente assim, percebemos que poucos
avanços são observáveis, embora fique evidente a necessidade e a vontade que tais
professores mostraram ânsia de buscarem tais conhecimentos, pois são conhecimentos
que se fundam com sua vida pessoal.
O que a experiência junto aos professores nos mostrou é que a concepção ambiental
na educação é a possibilidade de um conhecimento, no qual a vida pessoal e profissional
estejam vinculadas, diminuindo, portanto, as dicotomias tão presentes hoje. “Eu construi
material para a minha própria vida” (Simone, 15/nov, avaliação oral); “Sinto que
através destas diversas vivências em contato com a natureza e da contextualização
através dos textos as idéias floresceram, e como disse anteriormente, surgiram novas
possibilidades de trabalho ou de mudança no estilo de vida, por que o?! (Joana,
15/nov, avaliação escrita)
Temos ainda uma professora-colaboradora, ao escrever uma carta para si sobre seus
planos para o futuro, apresenta a fusão entre o entendimento de lazer e trabalho, outra
dicotomia presente na atualidade. Ela coloca sobre o seu projeto de “viagem de estudo,
ou mesmo na viagem de férias; Pois, nem tens mesmo mais vontade de estar de férias,
111
Parece uma coisa só!! O trabalho prazeroso, a busca do conhecimento, as paixões por
conhecer, as aulas, as formações...” (Mara, 15/nov, carta-para-si).
A educação não é um conjunto abstrato de valores e conhecimentos
desvinculados da estrutura histórica e da vida espiritual de uma sociedade,
mas reflete seus valores nos mais diversos aspectos e dimensões. Não
tornaremos a educação mais “ambiental”, nos berçários ou na pós-
graduação, em áreas como a engenharia, economia, arquitetura ou mesmo
biologia, elegendo temas ou criando disciplinas isoladas de “meio ambiente”
como ilhas de outra racionalidade -, em currículos fundamentados numa
visão de mundo mecanicista, com todos os problemas apontados antes. É
preciso que a educação mova seus pressupostos filosóficos em direção a uma
cultura sustentável, e isso pressupõe questionar os conceitos que se
encontram mais solidamente sedimentados em nossas mentes, incluindo a
forma como construímos o conhecimento. Nesse processo é fundamental,
também, que percebamos o mundo de forma mais sistêmica ou ecológica
(BRÜGGER, 2006, p.79).
É necessário que esta concepção ambiental revolucione o sentido de educação e no
mundo que, de certa maneira, está colocado em nossa sociedade, é preciso, portanto, ser
entendida mais do que um conteúdo para ser acrescentado e que a educação deverá dar
conta. Deve ser concebida como a forma que toda a educação deveria acontecer, mais
de forma qualitativa do que quantitativa, com uma preocupação sobre os valores e visões
de mundo que estão imbricados nos conhecimentos que estão sendo trabalhados, do que
necessariamente ter de acrescentar novos conteúdos para cada área para se tornar
ambiental; toda a educação acontece em um ambiente, o mundo é feito de ambiente, a
vida acontece no ambiente, e, portanto, se desprezarmos este ambiente que está em
nosso meio e que faz parte intrinsecamente do nosso sentir, pensar e agir no mundo
estaremos apenas construindo um conhecimento limitado que pouco ( ou nada!) mudará
de fato em nosso ser-estar no mundo. “Como podemos ter uma educação não-ambiental
se desde o dia do nosso nascimento até o dia de nossa morte vivemos em um ambiente?”
(GRÜN, 2003, p.20). Fica então a necessidade de compreender que existem muitas
possibilidades de ambientes, o que coloca outra pergunta: que ambiente é esse?
112
Numa das primeiras intervenções com o grupo, ficou claro que o espaço escolar
não é incorporado, não está no meio do ambiente, ou pelo menos é assim que é percebido.
Foi solicitado aos professores-colaboradores expressarem-se por meio de desenhos e
pinturas acerca dos seguintes temas: ambiente escolar real; ambiente escolar ideal; e, a
relação ambiente escolar e natureza. As primeiras experiências de trabalhos coletivos no
projeto começaram a ganhar forma, cor, textura, sentido etc. pela convergência dos
elementos expressos através da maquete, na qual até seus sonhos de educadores puderam
ser projetados.
No primeiro movimento, a escola que se tem, proposto de forma individual, trouxe a
representação quase que unânime de formas lineares, com muitas retas, com espaços
circunscritos, definidos e esquadrinhado a partir de quadrados e retângulos. São quadrados
dentro de outro grande quadrado, ou seja seus muros limitantes que, simbolicamente,
separam a vida da escola e a escola da vida. Na expressão verbal de alguns dos sujeitos-
pesquisados essa percepção se reafirma: “é uma escola quadrada” (Antônia, 01/jul, diário
de campo); é uma educação bancária, sem significado. Escola dentro de um
quadrado.”(Sida, 01/jul, diário de campo). São as famosas organizações estruturais na
produção de corpos dóceis. Temos a noção de que foi preciso retirar a escola do ambiente e
criar um espaço que fosse protegido do meio que está lá fora.
Cabe aqui ressaltar alguns apontamentos escritos sobre Hundertwasser, que além de
pintor era também denominado como médico da arquitetura, onde o seu ódio a linhas retas
ficou muito conhecido através de seus manifestos contra a arquitetura racionalista onde
declarava que a linha reta conduzia a perda da humanidade.
... as ações de Hundertwasser foram sempre puramente intuitivas,
espontâneas, não premeditadas, motivadas pelo sentido de uma verdade,
sempre a mesma: o ódio (simbolizado pela linha reta e sua antítese
espiralóide) ao racionalismo em todos os domínios e em particular no setor
que condiciona mais o indivíduo, a estruturação do seu habitat e a
determinação do seu gênero da vida (RESTANY, 1999, p.17).
As escolas, com suas salas numeradas numa seqüência interminável em longos
corredores (que de espaço para correr é o que menos acontece), limitam as manifestações
da corporeidade, da vida em movimento, haja visto o fato de poucos terem incluído em suas
produções figuras humanas. A representação da figura humana aparece apenas na metade
113
dos desenhos. Podemos, talvez, questionar: será que não há vida nesses espaços? Se há, que
qualidade contém? Será que eles não representam a vida?
Apenas dois desenhos contemplaram representações de elementos da natureza,
como: árvores, rios, nuvens, pássaros etc. Essas possibilidades parecem mesmo estar muito
distantes da escola. Tematizar a natureza num lugar como este, de concreto, endurece as
possibilidade de sensibilização, de humanização. Um espaço escolar que não privilegia um
ambiente para interação entre as pessoas e delas com a natureza dificulta um processo que
poderíamos denominar de educação ambiental.
Com a realidade dos espaços escolares assim traçados, urge a necessidade de
“quebrar” seus muros e construir outras possibilidades em seu entorno e ao longo da
cidade. Ou, até mesmo, re-construir, re-significar o próprio espaço escolar, o meio
ambiente escolar.
A referência quanto a vida no entorno da escola, explicitado em apenas um desenho,
traz as marcas da violência das ruas (tiros, drogas etc.) que atingem e penetram a escola. A
escola tende a se fechar para se proteger do mundo de fora e vive um mundo aprisionado
por dentro de seus cadeados e portões, limitando outros ambientes e vidas que nos faz
CorpoMundo. “Assim, direito à vida equivale à defesa dos corpos humanos, que são a
condição primeira para a existência humana. Se não se garantem as mínimas condições de
manutenção em vida dos corpos, todas as outras aspirações humanas à liberdade, à
fraternidade, à igualdade estarão inviabilizadas automaticamente.” (ASSMANN, 2001, p.
29)
Faz-se necessário uma ressignificação do entendimento dos muros escolares.
Perceber os muros não como um lugar que cria dois ambientes para serem isolados, como
mais uma fragmentação da vida, e sim, como germe do possível que cria ambientes e
culturas com particularidades e singularidades que por assim apresentarem-se necessitam
da relação com o outro para justamente se materializarem e valorizarem suas
singularidades, pois na relação com o todo que assim se projetará. Entender a
radicalidade dos muros na perspectiva de um espaço de fronteira, um espaço, portanto,
privilegiado da relação, aproxima-se da reflexão de Peretta sobre o conceito de fronteira
tendo como referência inicial Bloch (1980, p.146) que aponta “...como um setor mais
adiantado do tempo, como um local privilegiado onde se pode decidir o tempo próximo. E
114
com este entendimento nos ajuda a significar uma fronteira não mais como uma linha morta
que divide dois territórios, seja geográfica ou politicamente, mas uma instância viva de
transição, como um espaço dialético onde coabitam, tensos, os movimentos de partida e de
chegada;” (2005, p.121).
Os muros tornam-se um potencial para estimular, fomentar e instigar a relação,
que não se apresenta somente como um limitador de espaço, e sim, como local privilegiado
para pensar a relação do que está para dentro com o que está para fora, sugerindo a
necessidade de criar fronteiras fluidas, pois o espaço escolar é justamente um espaço de
movimento de partidas e chegadas diárias.
Para dentro dos muros escolares encontramos valores, condutas e comportamentos
cristalizados que assim se apresentam pela relação que as pessoas que transitam entre estes
ambientes internos e externos concebem e fazem a sociedade. “Portanto, para se entender
os fenômenos produzidos e/ou reproduzidos pela instituição escolar, devemos levar em
consideração as dinâmicas internas e todos os fatores que colaboram na construção de sua
organização, de sua cultura interna. Precisamos entender a escola como lugar de
organização e produção de uma cultura própria, específica – Isto é, de uma cultura escolar.”
(RIBEIRO, 2004, p.79). Para construir uma outra cultura específica dentro da escola que
estabeleça uma outra relação com o espaço escolar, faz-se necessário não destruir os muros
e sim os “murros” que se encontram tanto no espaço interno e externo da escola, e aí sim se
projetar para uma educação e uma sociedade mais sustentável com suas amplas dimensões
e potencialidades.
Num espaço escolar é privilegiada uma racionalidade restrita, que privilegia um
saber intelectual em detrimento ao saber afetivo, lúdico, criativo, pois que espaço ocupa,
(quando ocupa) as manifestações e expressões do corpo brincante? No cantinho que sobra,
se coloca um parque, e se institucionaliza um lugar onde é possível dar algumas chances, e
claro, em horário pré-determinado para expressão do corpo brincante, com algumas
exceções como no caso da educação infantil, onde ainda permanece uma perspectiva mais
lúdica na educação. Isto fica apontado pelos professores-colaboradores em suas maquetes-
ambientais como um lugar que surgem algumas formas circulares representativas dos
equipamentos lúdicos que estes espaços abrigam.
115
Essa imagem se reafirma em dois desenhos daquelas que atuam com a Educação
Infantil, quando aparecem os traços circulares, as ondas ou linhas curvas. A possibilidade
do brincar parece apontar a um contexto ainda não incluído no esquadrinhamento. um
certo envolvimento, uma certa circularidade nos balanços, nos brinquedos. A identificação
com essa faixa etária, por melhor dizer, com esse nível de educação aparece por escrito em
um dos desenhos: “creche” (Joana, 01/jul, maquete-ambiental) ou, verbalizado ao explicar
um outro que continha apenas um grande braço aberto e um largo sorriso: porque eu
trabalho na Educação Infantil e é assim: muito abraço, afetividade, sorriso, alegria”.
(Maria, 01/jul, diário de campo)
Para que a escola crie espaços onde o ambiente possa se fazer sujeito criador e
(p)arte da educação, não podemos aceitar que somente na educação infantil seja possível,
ainda que na maioria das vezes limitado, um ambiente para a expressão da ludicidade.
Como apontamos anteriormente, acreditamos que a ludicidade é uma oportunidade
singular para construirmos uma relação mais cuidadosa entre os seres humanos e destes
com a natureza, assim como a escola ser um espaço que nos mostre também uma educação
mais prazerosa e com isso não se afastando das necessidades que se fazem presente para
uma concepção ambiental da educação.
A expressão da ludicidade presente mais acentuadamente na educação infantil
talvez seria pela possibilidade de liberdade maior do que outros níveis da educação. Se
perdeu a idéia da escola que se aproxima do ócio. “Em grego, ócio se diz scholé, de onde
vem nossa palavra “escola”. Para os antigos, era possível dedicar-se à atividade do
conhecimento se não se estivesse escravizado pela obrigação de trabalhar” (CHAUI, 1999,
p.11). A busca pelo saber deixa de ser uma possibilidade de se entregar com prazer e
liberdade pelo conhecimento para ser uma tarefa penosa, ardente e obrigatória, perdendo
assim toda a sua potencialidade, assim como seu real significado.
...nas sociedades escravistas antigas, como a grega e romana, cujos poetas e
filósofos não se cansam de proclamar o ócio um valor indispensável para a
vida livre e feliz, para o exercício da nobre atividade da política, para o
cultivo do espírito (pelas letras, artes e ciências) e para o cuidado com o
vigor e beleza do corpo (pela ginástica, dança e arte militar), vendo o
trabalho como pena que cabe aos escravos e desonra que cai sobre homens
livres e pobres (CHAUI, 1999, p.11)
116
Percebe-se, portanto, uma inversão de valores, onde o conceito de trabalho era
menosprezado, justamente por ser algo repetitivo, rotineiro em comparação ao ócio que era
a possibilidade que enobreceria o ser humano pelo seu poder de autonomia e
esclarecimento, hoje se encontram com valores opostos. Quanto mais a escola se dedicar a
uma educação numa perspectiva voltada para o ócio menos valorizada será pela sociedade,
o que para a antigüidade era a sua maior potencialidade.
Sabe-se que para alcançar um determinado avanço seja no conhecimento, ou em
outro objetivo que temos, se faz necessário empenho, dedicação, disciplina, e muitas vezes
este processo é dolorido. O que estamos colocando, portanto, é um ócio que não é apenas
prazer e divertimento, mas tem dentro dele a dialética da dor e do prazer, da alegria e da
tristeza como inerente do processo de formação humana.
Percebe-se em nossa escola que temos pouco espaço dedicado para o vazio, para a
contemplação, onde este espaço seria possível a expressão do ócio, sendo então possível
que surjam outras possibilidades para a construção do conhecimento, que não está
hegemonicamente expressa pela racionalidade instrumental onde o aluno se obrigado a
ficar sentado em cadeiras por horas tendo um professor à sua frente.
Para que essa idéia, essa outra forma de relação, perpasse todos os níveis de ensino
necessitaríamos outro tipo de escola e sociedade. E esse foi expresso no segundo
movimento proposto ao grupo de professores-colaboradores, como a perspectiva de uma
“escola ideal”. Em duplas e, dando vazão aos sonhos, os traçados da(s) escola(s) ideal(is)
foram ganhando definição.
Significativamente, a natureza e o verde se manifestam, preenchem ou se tornam o
próprio espaço. As linhas retas e as definições de ângulos reto desaparecem para dar lugar a
figuras humanas em relações; a brincadeiras coletivas e individuais como as rodas de
ciranda (Roberta; Sida, 01/jul, maquete ambiental) ou, a formas de cuidados com outras
coisas e seres como: aguar a horta, incluir o colega (Pedro; Felipe, 01/jul, maquete
ambiental). Os espaços representados se abrem, sem muros, sem limites, a não ser pelas
dimensões do papel disponibilizado. Espaço (multi) temáticos surgem com áreas de
convergência e comunicação entre as tantas outras (Antônia; Mara, 01/jul, maquete-
ambiental). Apontando a necessidade de uma educação menos fragmentada. Em outro, o
espaço vazio se amplia com uma grande interrogação no centro, ou seja, a perspectiva das
117
infinitas possibilidades que o vazio abriga (Pedro; Felipe, 01/jul, maquete-ambiental), ou
apenas a explicitação da palavra: “liberdade” (Maria; Joana, 01/jul, maquete-ambiental).
Ainda, muito verde, muitas curvas e muita gente em relações. A natureza não apenas ocupa
o grande espaço, ela é o próprio espaço. E a escola, sem limites, no meio da natureza, a
integra.
Fica indicado, ainda que metaforicamente, a necessidade de uma escola que tenha
espaço para a liberdade, para o ócio, para ludicidade, que não tenha “muros” e na qual seu
ambiente possa ser o próprio mundo. Entendemos a necessidade apontada que a questão
não é ter ou não muros literalmente, mas participar de uma escola que trate das questões da
vida, que tenha significado tanto para o educador como para o educando, enfim que se
paute numa educação que prime pelas relações, com as vidas, as mortes, a natureza, os
problemas reais, enfim uma outra visão de educação e de sociedade, uma educação que
merecesse ser ambiental por princípio.
As relações apontadas entre, ambiente escolar e natureza, no terceiro movimento
proposto ao grupo, convergem com a “escola ideal”. O tal apontamento afirma a
necessidade de uma melhor relação entre sociedade-escola-natureza, ainda que seja como
um caminho utópico.
A construção de uma escola ideal é a escola que trate a educação na concepção
ambiental, e para tanto é nos colocar na necessidade da inter e transdisciplinaridade na
educação. A concepção ambiental está em latência em todas as disciplinas e para além
delas, pois o ambiental não está somente na geografia e na biologia mas, sim, em todas
as áreas do conhecimento, “...prefiro partir da premissa de que todas as disciplinas, das
mais diferentes áreas, são “eixos” potenciais. ...não há por que distinguir o conhecimento
em áreas “mais” ou em áreas “menos” ambientais” (BRÜGGER, 2004, p.45). É
questionar de que forma como todas as disciplinas ocorrem no ambiente. A Educação
Física é uma disciplina privilegiada para tais questões, pois na sua grande maioria da
vezes se (ou pelo menos poderia se dar) em ambientes abertos e com profundas
potencialidades para experiências junto à natureza. A respeito das questões éticas das
práticas corporais junto à natureza serão discutidas a seguir.
Cabe aqui ressaltar novamente a importância do entendimento da concepção
ambiental para além do contato do ser humano com a natureza, mas também das
118
relações entre os próprios seres humanos e deles consigo mesmo (BRUGGER, 2004,
p.56). Partindo desta concepção para uma educação ser ambiental a necessidade de se
considerar também a dimensão da relação entre os indivíduos. Entendemos que esta é
uma potencialidade da Educação Física.
Com as informações colhidas no campo pudemos obter uma visão de fundo do que
pensavam os professores-colaboradores no início dos trabalhos. A começar, eles indicam
diversas potencialidades da área da Educação Física, mas pouquíssimas vezes tivemos
opiniões coincidentes. Mais uma vez se explicita a diversidade da área que no campo
teórico aparece permeada de conflitos, mas parece que no âmbito da intervenção é sua
maior riqueza, ou seja, suas potencialidades. Dentre os aspectos citados, é possível
observar uma predominância nas potencialidades da Educação sica as questões ligadas
a interação entre os indivíduos, assim como suas expressividades, o que vem a
colaborar, segundo os participantes, num melhor conhecimento de si, através da cultura
corporal.
Observamos, entretanto, que na totalidade das potencialidades apontadas não
nenhuma questão ligada diretamente, com o conhecimento das áreas biomédicas, o que nos
surpreendeu pois dentro da área da Educação Física nos é colocado este como
conhecimento hegemônico. No final do nosso curso conseguimos ampliar as
potencialidades da intervenção da Educação Física que ficava restrita para dentro dos
muros escolares. Podemos observar, portanto, que os professores ganham uma perspectiva
para além dos “murros” escolares e ganham de tal forma o mundo.
A gente acaba se acomodando dentro dos muros das escolas e não damos
conta de que existem inúmeras possibilidades de trabalho que podem ser
vivenciados pelas crianças fora desses muros. A começar pelas vivências
corporais junto à natureza, que é de tão importância para nós e para as
crianças nos dias de hoje, pois elas precisam valorizar a natureza, ter um
contato mais real para dar a devida importância e o cuidado que precisamos
ter com ela. (Sida, 15/nov, avaliação escrita)
Percebemos que estes professores-colaboradores ao procurarem este tipo de curso,
não são parte deste contingente hegemônico o que potencializou o nosso trabalho assim
como alguns avanços na possibilidade de construir uma outra Educação Física. O curto
119
período do curso, assim como ainda representar uma “ilha de outra racionalidade” na
educação, como já apontado, apresentou-se limitações na perspectiva de relação com a
natureza, ainda muitas vezes ingênuas e com certo valor instrumental, mas um começo de
aproximação e valorização dos ambientes naturais, que no começo do curso não aparecia
nem como conteúdo da Educação Física e muito menos como sua potencialidade.
Na minha escola existe apenas uma árvore encostada num muro e sem
muitas possibilidades de travessura, mas depois dos nossos encontros
comecei a olhá-la de maneira diferente e achar alguma coisa nela que
pudesse servir para me ajudar nas aulas de ed.física. Então me inspirando
nas aulas da Lagoa do Peri, amarrei cordas nela e começamos a nos
balançar, estiquei outras e começamos a nos pendurar e passar de uma lado
para o outro... que aula divertida. (Sida, 15/nov, Avaliação Escrita)
Aqui fica mais uma vez a necessidade de formações continuadas para que possamos
assim dar continuidade nas reflexões sobre as práticas dos professores após o curso, e estas
reflexões serem feitas junto aos professores. Entendemos assim a possibilidade de
conseguir transformar coletivamente conceitos, valores e atitudes tão entremeados em
nossa cultura e daí nos projetarmos para um outro paradigma onde se estabeleça uma
relação mais sustentável entre sociedade e natureza. Porém, tivemos com os professores-
colaboradores uma mudança, principalmente, na relação de entender a concepção ambiental
para além de uma abordagem com o ambiente natural, e sim, perceber a educação Física
como um eixo gerador e possível de trabalhar conceitos éticos, estéticos e ecológicos nos
conteúdos da sua prática docente.
O conhecimento de si fomentado pelas experiências corporais e, como uma das
potencialidades da Educação Física apontadas pelos professores-colaboradores, pode-se
apresentar como um importante aliado para tratar das questões ambientais, numa
perspectiva que nos ajuda a compreender o significado do cuidado de si para além do corpo
ideal massificado pela mídia, mas na possibilidade de uma construção da subjetividade que
seja merecedora de seus próprios desejos.
A Educação Física com seus conteúdos que vão das lutas, danças, esportes,
recreação, lazer, ritmo, expressão corporal, enfim toda uma multiplicidade de práticas
corporais não precisa aumentar seus conteúdos para conseguir almejar ser ambiental, mas
120
apenas não excluir as multivocalidades que as experiências corporais apresentam,
potencializando assim a concepção ambiental de forma qualitativa, isto é, os valores e o
paradigma ambiental na educação, do que necessariamente a quantidade de conteúdos.
Quanto aos conteúdos citados pelos professores no questionário expressivo,
identificamos os conteúdos mais diversos na educação física escolar e quase nada aparece
daqueles os quais a literatura aponta como sendo hegemônicos. Ao final do curso também
foram apontadas as inúmeras possibilidades de práticas corporais junto à natureza como
conteúdo e potencialidade da educação física para uma educação que valoriza a vida. “Esse
curso serviu para refletirmos sobre nossa prática e tentarmos abrir caminhos para novas
possibilidades como a relação do corpo e natureza.” (Sida, 15/nov, avaliação escrita);
“Aprendi bastante e pude implementar minha prática pedagógica na creche da qual
trabalho, que fica no sul da ilha; apesar da proximidade com a praia as crianças pouco a
visitam, não obtendo os benefícios do contato com a natureza. Sendo assim uma excelente
oportunidade para buscar outras possibilidades das aulas de Educação Física e educação
infantil.” (Joana, 15/nov, avaliação escrita)
Os espaços e materiais citados no questionário expressivo para realização das aulas
são os mais variados, permanecendo em grande medida os espaços mais amplos e
tradicionais da educação sica como quadras, salas e pátio assim como os materiais que
possuem na escola como os arcos, bolas e cordas. Teve um professor que comentou: “o
espaço não é ótimo, é cimentado, cinzento, fechado, no entanto o que se constrói no espaço
é mais importante.” (André, 01/jul, diário de campo). Não é simplesmente buscar novos
espaços, materiais, uma aproximação com a natureza, por mais que isto possa nos ajudar
nossos trabalhos, mas o que se pretende de fato construir com os nossos alunos enquanto
estamos juntos. Portanto, mais uma afirmação da necessidade de formações qualificadas
para potencializar o professor para sua prática docente, mas cientes que para uma qualidade
do professor é necessário para além dele para garantir uma qualidade de ensino.
Percebemos que a experiência do CorpoMundo para estes professores, inclusive
com a experiência do festival, possibilitou tanto ampliar e ressignificar os materiais e o
espaço escolar, assim como a nossa prática pedagógica, ainda como um caminho utópico de
vivências com outras possibilidades para a Educação Física que eles haviam indicado com
a escola ideal nas maquetes-ambientais. Portanto, uma educação que fosse física e
121
ambiental por princípio.
Os elementos que mais dificultam o trabalho desses educadores em suas escolas
foram indicados por eles e incluem desde os materiais que se colocam para se trabalhar a
educação física e que são basicamente bolas, apito, a falta de espaços físicos, até a
fragmentação do conhecimento na relação a outras disciplinas, além da concepção que se
tem de educação física, questões institucionais de como está organizada a escola a educação
e a sociedade.
Aqui apresenta-se a necessidade de um entendimento de corpo que perpasse a
materialidade manifesta, da dimensão da atividade física, assumindo assim toda a
complexidade e expressividades que é inerente de ser corpo. Entendemos que se faz
necessário este conhecimento para além da Educação Física e sim todas as disciplinas, se
tornando um conhecimento que seja transversal na educação, pois fica dificultado para nós
professores, realizar um trabalho que acreditamos ser coerente com a educação do corpo
que almejamos se toda a escola, assim como a sociedade de forma geral não ressignifique o
seu entendimento. Se é difícil ser compreendido num trabalho que desejamos que seja
realmente corporal, imagine ainda quando concebemos a dimensão ambiental no processo.
Se a educação ambiental assim como a educação física tem sua prática
influenciada pelas representações que se tem de meio ambiente e de corpo
ou movimento humano, ambas são passíveis de diferentes interpretações que
nem sempre são entendidas pelos demais membros da comunidade escolar.
Se a aula de educação ambiental for realizada em uma sala de aula “normal”
e não em um laboratório ou parque, bem como se aula de educação física
não for na quadra de esportes é certo que o (a) profissional terá de se
preparar para um possível questionamento se está fazendo educação
ambiental ou educação física, ou ambas. Isso somente para citar o espaço
físico. Quantos aos conteúdos me lembro que um professor reclamou que foi
criticado quando apresentou para o projeto de educação ambiental da escola
que leciona, que pretendia realizar com os alunos um resgate das histórias
que seus pais ouviam. Ouviu, segundo o professor, um coro “isso não é
educação ambiental e isso não é conteúdo da educação física”. (RIBEIRO,
2004, p. 62)
É necessário que retire a concepção instrumental hegemônica da Educação Física,
assim como da Educação Ambiental, em ter que ensinar as pessoas a realizarem
movimentos repetitivos e copiados que na sua maioria das vezes não possui nenhum
122
significado para o participante, ou ter que separar o lixo sem saber nem o que se está
fazendo. É necessário que seja uma educação (física) (ambiental) que prime pela
criticidade, liberdade, autonomia, criatividade e prazer em aprender na esperança de
contribuir para uma outra formação humana.
Embora todo o processo educacional envolva alguma coerção, a educação
ao contrário de leis, por exemplo -, deve ser um universo de ação com
predomínio da liberdade. Mas só pode haver educação com liberdade a partir
de uma real mudança de valores. Por isso é preciso criticar o domínio de
valores pragmáticos na educação (seja ela “ambiental ou não”): para ser livre
é preciso decidir, mas em um contexto instrumental não se decide nada.
Todos os comportamentos e valores estão pré-catalogados. Basta “abrir a
lata”.” (BRÜGGER, 2004, p.93)
Faz-se necessário que a Educação Física questione os comportamentos e valores
pré-catalogados sobre a educação do corpo, uma educação limitada pautada num
conhecimento apenas biomédico, assim como pensar uma educação ambiental que se
paute apenas em comportamentos técnicos e politicamente corretos em relação ao
ambiente natural. Para estes comportamentos “basta abrir a lata” que encontraremos
muitas formas para adestrarmos nossos alunos.
Compreendemos que a educação (física) (ambiental) para se aproximar da
concepção ambiental que estamos almejando, uma Educação do CorpoMundo, não deve
apenas realizar atividades em meio natural como único caminho para se tornar
merecedora do adjetivo ambiental
17
. Mas que a experiência junto à natureza ocorra com
um potencializar da relação de alteridade que temos com nosso entorno. Percebemos que
nossas práticas em ambientes naturais foram de extrema importância para o despertar o
quanto temos de natureza em s e no mundo e quanto temos de aprender para
conseguirmos uma relação que realmente seja de alteridade, e não uma relação de
dominação mas sim de composição e de escuta para sim dialogar. “Não tem sentido
buscar uma relação mais harmoniosa com a Natureza se nós não possuímos a mínima
boa vontade para compreender a Natureza como Outro. Se, ao invés disso, nós nos
esforçarmos sempre para impor um significado, predição ou controle sobre a natureza,
17
Para saber mais sobre quando e porque o adjetivo ambiental começa ser colocado na educação, Brügger
123
nós estaremos entrando em um tipo de conquista e não em um diálogo.” (GRÜN 2003,
p. 9)
Sabemos da limitação dos educadores em geral assim como dos próprios
professores-colaboradores de alcançarem, neste momento da pesquisa, tais ampliações
na concepção ambiental. Como comentamos, este processo da pesquisa-ação ainda
representa uma ilha no meio da racionalidade instrumental que fundamenta a educação e
a sociedade. Urge buscar políticas públicas que incentivem formações que realmente se
fazem merecedora do adjetivo continuada, pois como observamos em nossos encontros
com a Gerência Regional de Ensino de Santa Catarina (GEREI) as formações
continuadas possuem um tempo para acabar, para logo começar outra totalmente nova, o
que nos aponta uma preocupação por parte destes organizadores e fomentadores das
formações em ter mais números quantitativos do que realmente qualidade nas
formações.
É compreensível a necessidade de abranger um maior número de professores que se
capacitem com formações continuadas, o que não impossibilita manter em vista o
adjetivo de continuada na medida que os cursos vão encerrando seus ciclos, mas a
necessidade de pensar alternativas de continuação para estas formações de professores
que obtiveram a formação inicial. Não cabe aqui retomar estes assuntos discutidos
nesta pesquisa, mas cabe colocar que apontamos anteriormente sugestões de continuação
que não foram aceitas.
Para que a formação continuada seja potencializada e também seja merecedora do
adjetivo continuada necessidade de que ela não venha apenas suprir deficiências na
formação inicial, seja na graduação, ensino médio, fundamental, no caso, com a
concepção ambiental, mas sim que se faça uma formação para além de professores, e
sim uma formação de seres humanos que vivem e interagem em ambientes e, com isso,
estabelecem relações com toda a complexidade de vidas que se fazem presentes.
Estamos indicando que para termos pessoas educadas ambientalmente se faz necessário
que se comece desde a infância sua educação ambiental.
(2004, p 33-42).
124
É claro que temos noção da dificuldade deste processo acontecer se os nossos
professores que são os educadores das nossas crianças, jovens e adultos não receberam
uma formação com base na concepção ambiental. Então como cobrar conceitos, valores
e atitudes ambientais de nossos educadores se eles também não receberam esta
concepção tanto na suas primeiras fases da educação como na sua formação acadêmica?
É neste ponto que acreditamos que a universidade tem papel fundamental na construção
de saberes que tenham a preocupação ética, estética e ecológica, assim como uma
preocupação política com o que estamos construindo e para que estamos construindo
este arsenal de dados.
... a educação, em especial a universitária, deve assumir sua
responsabilidade, pois para que a EA seja incorporada ao ensino formal,
começando pelo infantil, é preciso que professores sejam primeiramente
formados em outras bases, com uma percepção que ultrapase a memorização
de conteúdos ecológicos e supere a simples aplicação de técnicas ecológicas.
Não é nem lógico exigir que um professor trabalhe idéias, conceitos, valores,
habilidades e atitudes que colaborem com a formação de uma sociedade
ambientalmente responsável, se ele não foi assim formado e nem recebeu
uma formação continuada (GUIMARÃES; TOMAZELLO, 2003, p. 58).
Quando buscamos no grupo o entendimento de Natureza, tanto no começo como no
final do curso, percebemos concepções ora divergentes, ora complementares. O que se
apresenta é a relação direta com a natureza como sinônimo de vida, e uma vida que está
para além da influência humana, muitas vezes se aproximando de uma natureza intocada,
uma idéia metafórica, sendo algo real, porém, que não passa pela subjetividade humana.
Surge, também, o entendimento de que é o próprio ser humano, assim como suas
transformações, fazem parte da natureza tendo em vista que somos a própria natureza.
Pensar a possibilidade de continuidade da vida no planeta depende de diversas
mudanças em nosso comportamento, em nossa forma de conceber nosso estar no mundo e,
um dos temas fundamentais nessa empreitada é o conceito de sustentabilidade que, para
vários integrantes do grupo estrutura-se de forma bastante limitada. O entendimento na sua
maioria se apresenta como manter, conservar, sustentar, mas fica o questionamento, como
também apontado por um dos participantes após as leituras realizadas sobre
125
sustentabilidade, em relação a que e a quem
18
? E quando é colocado a quem é preciso
sustentar, fica presente a idéia de uma natureza naturalizada, como recurso, num processo
de reificação do que é natureza.
O questionamento das possibilidades das interconexões entre Educação Física,
Natureza e Sustentabilidade na visão desses educadores e o que é colocado é a relação
harmoniosa entre o corpo e natureza, uma relação consigo mesmo e com o que o cerca. Um
conhecimento de si para o conhecimento do outro. Portanto, com tais apontamentos,
destaca-se a necessidade de saber o entendimento de corpo, pois o que percebemos em
grande medida é sua relação com uma perspectiva biologizante, muito embora alguns
tenham manifestado acerca também de um lado mais sensível para além da matéria que o
condensa.
IV. 3 Práticas corporais e a educação do corpo
Os elementos que se construíram na perspectiva de encaminhar uma educação do
corpo coerente com a concepção que almejamos foram vários e complexos. Podemos partir
da compreensão que nas práticas corporais se representou e representa a busca do
entendimento do sujeito em relação de alteridade com/no mundo. Essa relação caracteriza
certa forma de consciência e intencionalidade que perspectiva o cultivo e o cuidado do
corpo em suas várias possibilidades de manifestação. É um modo de compreender e olhar o
corpo como sujeito que incorpora a responsabilidade por suas ações.
O corpo, nas práticas corporais, é o sujeito em movimento que estabelece relações
comunicativas que traduzem uma intenção real de ação no processo de construção e
manutenção da relação de alteridade com o mundo. Representa uma comum-unidade entre
o corpo e o seu entorno, seja ele outros corpos humanos, elementos da culturas ou da
natureza. Como sujeito, o corpo é vivo, é próprio, é dinâmico, está em constante
movimento de construção e transformação de si e do ambiente através de suas infinitas
possibilidades de linguagens expressivas. Como nos diz esta professora: “Imaginei que o
universo era eu mesma, o mundo em mim mesma.” (Simone, 15/jul, diário de campo).
18
Ver Brügger (2004, p.75-82)
126
O corpo, nas práticas corporais, é a possibilidade do deslize, da travessura e de se
entregar para a experiência, potencializando a recriação das atitudes e comportamentos dos
sujeitos envolvidos, dando possibilidade até para o surgimento do movimento “errado” e
justamente é a possibilidade de desestabilizar o certo, mudar o ritmo, diminuir a
velocidade, dar chance para que o sorriso apareça. Não descarta-se, assim, as possibilidades
de expressões tão castradas em nossos tempos, porém ampliando e ressignificando o
entendimento do fazer diferente e não uma cópia de gestos e atitudes pré-convencionados,
dando espaço, portanto, a outras manifestações corporais.
Para uma prática corporal ser coerente com uma educação do corpo que queremos
constuir, ela deve potencializar a liberdade de expressão, a criação, e não a mera repetição
de gestos e movimentos estereotipados pela indústria cultural, ou por modas lançadas para
ampliar o consumo de equipamentos que se dizem necessários. Com isso, estimulamos
outras formas de construção das subjetividades, assim como a reflexão crítica dos apelos
externos que sufocam um conhecimento da vida que venham do nosso interior, interferindo
em nossos valores e comportamentos cotidianos. “O ser humano é individual e coletivo ao
mesmo tempo. A mídia faz perder a individualidade. É ditado o jeito de vida que se tem de
levar. Ex: Copa do Mundo de Futebol”. (Pedro, 15/jul, diário de campo) Este professor
deu este exemplo, pois justamente estávamos realizando o curso na época da Copa do
Mundo e estávamos refletindo que nos jogos do Brasil nos sentíamos quase que obrigados a
parar para ver os jogos, pois tudo de alguma forma, se movimentava para isto.
O jogo de futebol nas escolas e nas ruas pelas crianças toma conta do tempo e
espaço, e muitas vezes nós, como professores de Educação Física, somos levados a
trabalhar esta prática corporal. Portanto, não podemos nos abster desta manifestação, assim
como trabalhá-la somente como mais uma prática da moda e alimentar alienadamente
milhares de crianças e alunos sobre o sonho de ser um craque de futebol, e sim
potencializar a experiência que a prática do futebol
19
possui para resgatar a arte de se
movimentar, com todos as suas potencialidades de expressividades, sociabilidade,
mudanças de ritmos e tempos, não com a preocupação com o devir, mas sim numa relação
de fruição do prazer de se jogar bola. “Se a ‘fissura’ é o futebol, trabalhar no futebol as
19
Para saber mais sobre a reflexão crítica das possibilidades da didática do futebol ver Kunz (2003)
127
coisas. A Educação Física para mim é o que essa galera quer e vamos fazer e ampliar”
(Sida, 15/jul, diário de campo)
Partindo da idéia colocada pela professora, entendemos a necessidade de partir da
cultura que está colocada, no caso do prazer, da fissura, que as crianças têm em jogar
futebol, principalmente em tempos de copa do mundo, para daí desenrolar um processo
educativo que possa partir da cultura já construída para a possibilidade de se refletir
criticamente o que está colocado em nosso cotidiano, sugerir a possibilidade de
desestabilizar algumas verdades ditas como incontestáveis para dar oportunidade de outras
culturas serem criadas, recriadas e ressiginificadas.
Partir de um processo educativo onde os sujeitos-educandos têm interesse em
participar, possui sentido para eles, favorece a participação e envolvimento do grupo para
depois partir para o novo, o desconhecido, para tanto, se faz necessário que também não
esquecamos de onde se partiu para, também, voltar nela, mas agora não mais no mesmo
lugar, pois não estamos falando de um processo circular que voltas num mesmo ponto,
mas sim, num processo espiralado, onde retornaremos nas atividades e práticas do futebol,
porém com outro ponto de vista, outros comportamentos, atitudes e valores, isto é,
transformados pelo processo.
A categoria de gratuidade nas práticas corporais do CorpoMundo se fez presente
nas reflexões e ações pelo fato da importância de estar inteiro, atento a cada movimento,
expressão, enfim, atento e entregue sem preocupação, ainda que temporária com o devir,
com as obrigações e compromissos, se despindo da lógica imposta do mercado, enfim,
numa profunda e sincera possibilidade que a prática corporal nos possibilita para dialogar
com o outro.
Uma dificuldade apontada para a expressão da gratuidade é a cultura da
performance que vai sendo pulverizada em largos passos em todas as dimensões da vida
humanas seja no lazer, no trabalho ou no convívio familiar, sobrando pouco tempo e espaço
para outras possibilidades que não sejam a competição, a velocidade, o rendimento, o
consumo, provocando uma complexa produção de necessidades para se tentar fazer parte
deste jogo, criando corpos treinados e dóceis para serem cúmplices de uma cultura que se
mostra incapaz de produzir seres humanos mais cooperativos, portanto, preocupados para
além da sua primeira pele. “Uma cultura da performance invade a vida e cria parâmetros
128
gerais para os gostos, estimula uma competição íntima e condena o ócio, a lentidão, a
inutilidade dos gestos prazerosos feitos ao acaso e desenha o prazer de ser esportivo, prazer
único e verdadeiro” (SOARES, 2005, p.50).
A exigência da performance dificulta a possibilidade de um sorriso
descompromissado, de uma intensa e gratuita atenção em um movimento, a um gesto, a um
som, ao entorno, ao mundo, pois desprezamos o simples mas sincero sentimento de estar
inteiro no aqui e o agora, sem necessariamente ficar preocupado com que finalidade, ou
intenção de ganho terei no futuro. Nesta direção não é valorizada a possibilidade de
movimentos grotescos que surgem do inesperado, de um vacilo, de uma queda, de um
tropeço, de um ato que pode ser ridicularizado e aí colocarmos para fora o nosso ser
ridículo que temos e dar boas doses de risadas juntos, deitar no chão, rolar, pelo simples
prazer de poder ter errado e ter criado uma situação de tamanha estranheza, uma
oportunidade de se sentir gente, gente que erra, que chora, e daí colhermos elementos para
que o processo educativo seja coerente com toda a complexidade que se faz ser humano,
enfim ser CorpoMundo.
Interessante notar o quanto determinadas atividades de lazer e de esporte
podem, em certos momentos, desencadear a graça, abrir espaço para
experiências que, no lugar de simplesmente desafiar os limites de cada um,
desafinam um pouquinho em relação a seus perfis e provocam risos e uma
espécie de relaxamento muscular, de parada no tempo e no espaço... Há,
nesses momentos, como que um desafinar gratuito e sem esperança que em
si mesmo pode não significar nada de palpável. Um pequeno momento que
talvez possa funcionar como um outro meio de afinar o corpo com o espaço
e com os demais seres que o rodeiam (SANTA’ANNA, 2005, p. 71).
Uma prática corporal coerente com a concepção de CorpoMundo, é a possibilidade
de se oportunizar, ou até mesmo conquistar na maioria das vezes, uma intensa experiência
corporal que pode provocar suspiros, risos, choros, enfim, não importa o resultado final, e
sim a experiência vivida, corporificada e compartilhada com toda a sua natureza externa,
tenha ela vida ou não. Tivemos estas experiência em diversas ocasiões como por exemplo
em práticas onde trabalhávamos a percepção do nosso andar, o caminhar “naturalmente”,
onde era possível observar o movimento feito pelo colega e após imitá-lo de forma
caricaturada, para justamente o grupo tentar adivinhar de quem era aquela expressão. Nas
129
práticas de travessura junto à natureza, ao construirmos as atividades com cordas, muitas
vezes lidamos com o insucesso na sua construção, com as quedas inesperadas ao
experimentarmos pela primeira vez atividades como a tirolesa, os pêndulos, expressar o
medo por determinadas atividades, compartilhar conquistas, sabores e desejos.
A possibilidade de compartilhar experiências junto à natureza que as práticas
corporais nos trouxeram deve ser analisada também na perspectiva de uma ética ambiental,
pois pouco adiantaria se apenas o fosse numa perspectiva pragmática. As práticas junto a
natureza favorecem estes sentimentos, que embora estejam amplamente difundidas e
esportivizadas, representam, ainda, a oportunidade de uma profunda possibilidade de
encontro com a sua natureza externa. Para tanto, vamos nos valer do exemplo que coloca
SINGER (1998, p.301)
...da perspectiva de uma ética ambiental, as nossas escolhas de divertimentos
não são eticamente neutras. No presente, vemos a opção entre corridas de
carro ou de bicicleta, entre o esqui aquático e o windsurf, apenas como uma
questão de preferência. Existe, porém, uma diferença fundamental: as
corridas de carro e o esqui aquático exigem o consumo de combustível
fósseis e a descarga de dióxido de carbono na atmosfera. O mesmo não se
com as corridas de bicicletas e o windsurf. Se levarmos a sério a necessidade
de preservar o meio ambiente, as corridas de carro e o esqui aquático
passarão a ser inaceitáveis, enquanto formas de divertimento, quanto o
esporte que consistia em instigar cães contra um urso acorrentado.
As práticas corporais junto a natureza que realizamos tiveram um cuidado com a
ética ambiental desde a escolha das atividades, que se baseavam em um contato harmônico
com o seu entorno. Baseados nos princípios apontados anteriormente por Inácio (1997)
consideramos que para uma prática ser considerada ecológica deverá levar em conta a
facilidade de acesso, baixa exigência técnica, não exigência de performance e que possa ser
realizado em qualquer espaço sujeito.
Considerando estas questões nesta pesquisa, onde havia uma preocupação de como
estas práticas se dariam no ambiente, fez-se necessário buscar subsídios para outra
concepção de corpo que estaria presente nestes práticas, em que priorizasse as relações
estéticas buscando uma composição entre corpo e natureza, evitando esta colocada na
atualidade, uma forma massificada e reducionista de entendimento de corpo. Precisávamos,
de certa forma, entender de que corpo que estávamos falando e vivendo para trilhar este
130
caminho, não linear, mas sim sinuoso, espiralado e que não priorizasse experiências com a
performance, a competição, o rendimento e sim o sensível, o cooperativo e o estético. Neste
momento que a construção e reflexão de outras racionalidades sobre corpo-humano se fez
fundamental. A concepção trazida pelo pintor Hundertwasser se fez presente, pois trazia a
consciência de um corpo agigantado, entremeado pelas alteridades do mundo e que, de uma
maneira metafórica, contribuiu significativamente para a nossa percepção de CorpoMundo.
Em nosso entendimento, um corpo com cinco peles, ou com cinco diferentes
matizes de uma mesma pele, teria como princípio básico uma relação de
composição. No momento em que construímos distintas peles para um
mesmo corpo, pressupomos uma ligação profunda entre todas elas; uma
ligação orgânica que não despreza suas singularidades, mas sim que encontra
justamente nestas as suas possibilidades de intersecção, diálogo e
composição. E assim, dilatada e plural, a nossa pele-fronteira enfim pode
encontrar o respeito e o legítimo espaço da alteridade; e do fervilhar
cintilante de suas porosas brechas e possibilidades possa aflorar o seu grito
mudo reivindicando aquilo que ela ainda-não-é. Um grito tenso e
esperançoso que, em uma busca latente pelo outro, atravessa a morada
primeira da ética: o vazio e o silêncio (PERETTA, 2005, p.125).
A partir desta concepção do corpo de cinco peles onde o próprio ambiente natural
compunha a quinta pele do corpo humano, foi desenvolvida a trama de um trabalho
corporal que partisse da primeira pele e iria se desenrolando e entremeando, não de forma
mecânica e linear e, sim, espiralada e complexa em direção a nossa quinta pele (natureza).
Podemos, assim, observar a ressignificação, por parte de todo o grupo da pesquisa-
ação, com a importância de uma metodologia que abrangesse esta concepção sistêmica da
relação humano e natureza, através de um saber sensível, das múltiplas linguagens,
potencializando a ampliação da concepção de corpo e suas profundas relações de alteridade
com o mundo. “A interação com as mensagens advindas das descobertas desta relação com
a natureza nas suas dimensões material, física, como também espiritual e psíquica, foram
importantes na produção de saberes sensíveis.” (Simone, 16/set, relatora/ócios-do-ofício).
O movimento de partir de práticas corporais onde se estabelecia um contato mais próximo
do sujeito consigo mesmo, na sua subjetividade, para depois estabelecer um contato com o
grupo, com o social, emergindo assim num contato com o ambiente natural, pudemos
analisar como satisfatória esta relação, percebendo a importância concreta de um processo
131
educativo que contemple os três registros ecológicos já apontados anteriormente por
Guatarri.
...de acordo com o que vi e vivi nos encontros corpomundanos, deve-se
buscar a totalidade e não a dicotomização pedagógica, ainda muito
utilizada; talvez por ser mais simples de ser trabalhada, ou por não haver
conhecimento sobre aspectos mais holísticos, o na Educação Física,
mas de qualquer área. ... A proposta de projeto de repensar a educação
integrando indivíduo e natureza foi sempre transmitida... mostrando a
superação do ensino tradicional, aspecto necessário para a construção de
um processo de ensino-aprendizado mais humano. (Pedro, 15/nov,
avaliação escrita)
Foi possível abordar corporalmente os três registros ecológicos num processo
educativo através das práticas corporais que se desenvolvia num caminho sinuoso e numa
perspectiva de desenrolar um corpo que se concebe com cinco peles, porém, não peles
diferentes, mas sim numa perspectiva de uma pele com diferentes dimensões, que apenas
na relação, percepção e consciência de suas alteridades seria possível se conceber como um
indivíduo, se entender ser humano, um ser humano que se encontra no outro ao mesmo
tempo em que não é o outro, mas necessita da relação, para sim se fazer indivíduo, seja o
outro na dimensão dos registros sociais e/ou da natureza.
A Expressão “indivíduo”, marca da Modernidade e, ao mesmo tempo,
inadequadamente utilizada durante este período, significa “indiviso”, numa
clara referência ao todo, consideração que pode nos apontar que cada corpo
humano possui uma certa individualidade, um conjunto de características
únicas que lhe é próprio e que, no entanto, depende do todo para ser o que é
e continuar a existir (SILVA, 2006, p.88).
Para se projetar numa relação que não seja de dominação com outro é necessário o
cuidado do quanto se aproximar para podermos, sim estabelecer uma relação, ou até
mesmo a necessidade da distância para conseguirmos refletir sobre o entendimento de ser
indivíduo, ou como estamos denominando ser CorpoMundo. Para tanto, como afirma
Santa’Anna, não há regras, pois depende de cada situação, de cada circunstância.
132
Por isso, o exercício da atenção é fundamental. A cortesia, o préstimo e o
estabelecimento de relações simetricamente positivas entre os seres, ou entre
os seres e as coisas, dependem em grande medida desse exercício: estar
atento, manter cioso da importância do que se passa em cada instante. Mas
também é preciso uma certa dose de cortesia para consigo: pois não trata de
considerar a atenção simplesmente o sinônimo de concentração para o
domínio do outro. A atenção é uma ato ao mesmo tempo físico, mental
individual e aberto ao coletivo. Ela é principalmente um gesto voltado a
cavar intervalos de duração entre o que foi e o que virá, entre o que nos é
perguntado e o que será respondido. ( 2005, p.69-70)
Nesta perspectiva, se fez necessário uma racionalidade pautada num saber sensível,
mas não irracional. Buscamos uma racionalidade ampliada, incluindo a dimensão
instrumental, mas que não menosprezasse outras possibilidades de construção de
conhecimento. A contribuição do aprendizado seqüencial de Joseph Cornell, auxiliou,
como apontado anteriormente; uma metodologia que ajudou justamente a organizar uma
proposta que levasse em consideração as sutilezas do comportamento humano.
Nele é possível ser visualizada uma intensificação de situações prazerosas,
alegres e espontâneas; ou seja, pode-se observar a manifestação do lúdico na
sua essência e, por conseqüência, podem ser efetivadas positivas mudanças
de atitudes e comportamentos referentes ao estar na e com a natureza.
(MARINHO, 2004, p.4).
Uma metodologia que potencializa a manifestação do lúdico é uma oportunidade
concreta de priorizar as sutilezas do comportamento humano, pois se apenas tivéssemos
uma racionalidade limitada, instrumental, dificilmente a expressão da ludicidade seria
privilegiada, pois como já comentamos em capítulos anteriores, a simples execução de
jogos e brincadeiras não garante a experiência lúdica.
A expressão da ludicidade tão presente nas práticas corporais do CorpoMundo, foi
fundamental para ir ao encontro com a categoria da gratuidade, pois é uma categoria central
e geradora para se estabelecer uma sincera relação de alteridade com o outro. Com a
ludicidade gerada junto ao ‘aprendizado seqüencial’ foi possível se entregar com mais
facilidade para a fruição da experiência, e assim ver putrefar o desempenho, a eficácia, a
performance como categorias centrais nas práticas corporais na contemporaneidade e ver
133
brotar a cultura da cortesia (SANTA’ANNA, 2005), a gratuidade, a cooperação, a graça e a
atenção a si mesmo, ao outro e a natureza, não para dominar, mas para compor.
Afirmar a positividade e o prazer do corpo em movimento talvez nos leve à
reflexão de nossas ações cotidianas e a mudanças na percepção de gestos
bastantes singelos como caminhar para observar paisagens, preocupar-nos
menos com o número de voltas que damos nos parques e mais com as
pessoas, as flores e folhas que encontramos, com o canto dos passarinhos,
com a luz do sol e o brilho que causa quando se projeta sobre a paisagem,
sentir mais as diferenças de temperatura do ar batendo em nosso rosto, a
carícia do vento, do que os segundos levados para percorrer uma
determinada distância; subir montanhas para olhar o horizonte, a vegetação,
ouvir os sons do próprio silêncio que estes lugares propiciam (SOARES,
2005, p.59).
Nesta perspectiva, é possível conceber práticas corporais que contribuam para uma
educação do corpo, para além de um adestramento corporal. Entendendo a Educação Física
como privilegiada para esta educação, percebemos a necessidade da ampliação da
concepção de corpo que é trabalhada tanto na universidade como nas escolas, pois segundo
nossos professores-colaboradores fica longe de uma educação coerente com a concepção de
corpo que entendemos como necessária na contemporaneidade. “Para muitos na área da
Educação Física, o trabalho desenvolvido no projeto CorpoMundo não faria sentido
algum. Estes deveriam ter participado do curso para ver o que é a Educação Física
relacionada à vida, não somente centrada no seu umbigo, se é que podemos nos restringir
à uma área.” (Pedro, 15/jul avaliação escrita).
A concepção, portanto, que se faz dentro da Educação Física é uma educação
limitada em suas potencialidades e complexidades das expressividades do corpo humano.
Nos primeiros encontros do nosso curso tivemos comentários como “lá na prefeitura eu
faço um curso de educação Física mesmo...” (Sida, 01/jul, diário de campo) se referindo a
um curso de formação continuada com a visão hegemônica de se fazer Educação Física.
Porém, na continuação dos nossos encontros a mesma professora em muitos comentários
expressava as múltiplas possibilidades que a experiência no curso do CorpoMundo lhe
havia proporcionado referente às possibilidades de entendimentos atuações na Educação
134
física. “... hoje é um conjunto de coisas, um corpo que interage na vida, um grande avanço,
sair do corpo físico, para todas as outras possibilidades, isto é sai do antropocêntrico para
o ecocêntrico” (Sida,16/set, diário de campo).
Percebemos que uma educação do corpo que limite o corpo a um punhado de
musculaturas, nervos, gorduras seja muito limitante, tendo em vista que somos também
sentimentos, emoções, um conjunto de percepções que é possível de ser analisado sob
uma dimensão de um corpo sutil, que não é palpável.
Estamos nos referindo a um episódio em que uma das professoras ao participar de
um profundo relaxamento e percepção corporal, uma educação do corpo privilegiando a
dimensão do ‘eu profundo’, como assim denominamos, numa tentativa de reportar-se para
dentro de si e se conhecer melhor por outros pontos de vista, na oportunidade de sim
olhar para o seu exterior, tivemos um comentário que se representa a possibilidade de um
trabalho ser corporal e sutil, e ao mesmo tempo denso e gratificante. “Quando o Éden disse
para eu imaginar uma cor na inspiração e uma cor saindo com a expiração, nossa
imaginei entrando rosa e saindo uma fumaça preta que invadiu todos os cantos da sala, foi
um horror! Mas, aquele dia saí uns 100 quilos mais leve e tive certeza que a companhia de
todos aquelas pessoas, principalmente a sua, me faria bem” (Roberta, 15/nov, carta-
para-si).
Esta mensagem que continha na sua carta-para-si a professora explica que estava
escrevendo para a sua melhor amiga do curso, que na sua concepção era ela mesma, as suas
experiências corporais. Fica aqui uma reflexão de quanto é poderosa nossa imaginação e
poder de criação. Pois se considerarmos que milhares de pessoas, em especial as mulheres
que são alvo de um corpo cada vez mais sensual e mercadológico, onde as promessas da
tecnociência prometem milagres para diminuir as silhuetas, acabam algumas vezes
decepcionadas com o resultado, apesar de uma forte mudança na sua aparência física.
Percebemos que neste exemplo citado acima, acreditamos ser uma possibilidade de
ressiginificação de uma sincera educação que podemos denominar de corporal, sendo assim
ser possível perder cem quilos e mais do que isso, se sentir bem, mais leve, e podendo
compartilhar isto com as outras pessoas.
Percebemos que uma educação corporal pautada num saber sensível não é palpável,
mensurável, muito menos quantificável, ou pelo menos não é a preocupação em destaque,
135
como se apresenta na Educação Física hegemônica ligada as áreas da saúde do corpo
“perfeito”, mas sim uma educação do corpo permeada de cores, sabores, texturas,
sentimentos, criação, portanto mais preocupada com o qualidade das emoções, sentimentos
interiores, do que realmente com a quantidade de meros que reduza sua curvatura, uma
educação que se paute somente no externo, pautada mais num adestramento corporal.
Compreendemos que para uma profunda revolução da educação do corpo trata-se de
uma autêntica revolução estética. Sair das amarras impostas de uma estética que fica presa
ao conceito do belo ligada a disciplina da arte, onde um corpo belo é este massificado pela
indústria cultural que move os desejos das pessoas na busca dessa imagem idealizada, nem
que para isso tenha que trocar de corpo como se troca de roupa. Mas abrir possibilidades
para um sentido estético que se aproxima da sensibilidade, do prazer e desprazer da
experiência de viver corporalmente, de cuidar, cultivar e admirar as marcas no corpo que
construímos junto a vida, procurar o belo, mas não desprezar o ridículo, o feio, pois são
expressões também de nossa humanidade, assim como procurar uma sensível relação
consigo mesmo, com outros e a natureza, curtir a experiência do tempo, observar o tempo
que está entre o que foi e o que virá. Enfim, uma profunda educação da vida.
Foi que na semana, que rolou o café colonial, eu descobri e vivenciei qual a
diferença entre o “conhecimento” e o “cuidado de si”, foi triste sentir na
pele (a primeira pele) que não basta ter algum conhecimento sobre si, sem
por em prática o cuidado... Para tanto, faz-se necessário que reflitas sobre o
que pensas que sabes de ti, e os cuidados que deves ter contigo. A partir
deste momento “estarás pronto”, para dividir e semear estes conhecimentos
para com aqueles que amas, entre eles, os mesmos que te esperam na escola
para te abraçar e beijar. Creio que saibas que não pode amar, a ti, mas
cada criatura que compõem este planeta, que os nativos chamam de mãe.
(Felipe, 15/nov, carta-para-si)
Fica aqui a dimensão corporal compreendida junto aos educadores, de um cuidado
de si que se amplia para além da dimensão sica e narcisista para se compor com toda as
outras possibilidades de vidas que nos faz CorpoMundo. Um cuidado de si que não se
limita a ter a consciência desta dimensão, ou do conhecimento de si, mas sim de fato
mudar atitudes da complexa dimensão do cuidado de si que se faz no entendimento de ser
CorpoMundo.
136
V. UMA SÍNTESE CONCLUSIVA SOBRE OS LIMITES E POSSIBILIDADES
DO TRABALHO DESENVOLVIDO
Exercitar uma olhar geral e profundo das possibilidades conclusivas da Educação do
CorpoMundo é estar ciente das limitações, por acreditar que é um processo de construção
permanente que não se encerra com este estudo. Entretanto, faz-se presente a necessidade
neste momento da pesquisa de realizar esforços para produzir uma síntese, ainda que
provisória e datada, das conclusões sobre o desenvolvimento desta pesquisa acerca de nossa
proposta pedagógica alcançada até este momento. Mais que um dever acadêmico, move-
nos a necessidade de avaliar o vivido, o experimentado, o construído e o desconstruído, na
esperança de conseguir mais claramente contribuir para futuras construções do
conhecimento que busquem uma concepção de educação mais coerente com outra
formação humana.
Ficamos com o germe de outra Educação Física, uma educação do corpo para além
da racionalidade instrumental e restrita, que inclua a dimensão do sensível, do artístico, do
estético, do lúdico, do ecológico como princípios fundamentais para uma postura política
de resistência e oposição a tudo que limita ou impede a manifestação da liberdade, do senso
de justiça, da criação, da participação e do direto de viver mais plenamente. Acreditamos
que essa educação do corpo que principia pela atitude responsável de um comprometimento
com o coletivo, poderá reescrever novos valores culturais e subsidiar a construção de um
outro/novo CorpoMundo.
Acreditamos no princípio que o conceito de educação traz dentro dela, o que nos
estimula a refletir sobre uma educação que se faça ambiental e corporal não somente pelo
acréscimo de tais adjetivos, mas pela concepção geradora do processo educativo.
Valendo-nos da contribuição do questionamento feito por Brügger (1994; 2004), analisando
sobre se o que vem sendo realizado é uma educação ou um adestramento ambiental,
entendemos que essa indagação fica muito pertinente também dentro do campo da
Educação Física. Questionamos o peso da performance, da competição, da busca pelo
corpo ‘perfeito’, por um corpo que é coisificado e banalizado pela tecnociência, tornando
produto rentável de um mercado; um corpo humano assim constituído é que vem a tornar-
137
se um “arquétipo da felicidade”, como aponta Silva (2001). Percebemos que estes
indicadores sugerem repensar se o que se apresenta na Educação Física é realmente um
princípio educativo ou também um adestramento, tendo em vista que um princípio
meramente pragmático, a racionalidade instrumental, em ambos os casos, fazem-se
presentes.
Com o adestramento do corpo limitado na perspectiva de comportamentos impostos
pela mídia, pela ciência e, assim, conseqüentemente, colocado no mercado para ser
consumido, limita a expressão e a percepção da dimensão corporal inerente do ser humano,
ocorrendo assim uma padronização da cultura, onde a possibilidade de construção e
ressignificação da cultura corporal por parte do indivíduo e da sociedade fica dificultada,
tendo em vista que ficamos restritos a reprodução de uma cultura pré-estabelecida. “A
expectativa de corpo com o qual se convive no contexto moderno é, por essa perspectiva e
em grande medida, um corpo de não natureza, fruto da artificialidade técnica; o corpo é,
também por isso, um objeto de pertença, já que é coisificado por uma subjetividade
dominadora” (SILVA, 2001, p.85).
O corpo, predominantemente ao longo da história da civilização ocidental, foi
representado por metáforas de máquinas, seja a máquina à vapor, a máquina do relógio, a
máquina química. A Educação Física, desde sua estruturação, valeu-se destas metáforas
para construir seu arcabouço teórico. Atualmente, ainda é possível observar este tipo de
metáfora no paradigma difundido pelos princípios da atividade física, desenvolvem-se
partes do corpo em separado, excluindo o processo sistêmico que se faz presente na
dimensão corporal. Constrói-se, deste modo, uma racionalidade restrita de cuidado e
conhecimento de si pautada numa gica de um corpo que se compara com uma
engrenagem dentro de um conjunto de maquinarias.
Como referenciamos ao longo desta pesquisa, observa-se na história da
humanidade outras visões de ser humano e de mundo que não se limitavam a esta
perspectiva instrumental, pragmática e limitada de se conceber corpo e ser humano, as
quais, porém, não obtiveram tanta expressividade. O que podemos concluir é a necessidade
de reflexão e construção de um projeto, ainda que utópico, que aponte a possibilidade de
outras racionalidades, outras culturas mais sustentáveis tendo em vista que, esta concepção
138
hegemônica na contemporaneidade, não foi a única ou esteve sempre presente ao longo do
tecido da história.
Para tanto, enfatizamos nesta pesquisa o resgate
20
da contribuição metafórica do
corpo de cinco peles, do pintor austríaco Friedensreich Hundertwasser, o qual concebe um
corpo humano mais ampliado e conectado visceralmente a outras dimensões da vida.
Educar um corpo com múltiplas peles não é condicioná-lo fisicamente, mas sim propiciar
conflitos e desequilíbrios, tendo em vista romper com a racionalidade instrumental que se
faz presente na Educação Física hegemônica e sugerir outras categorias no processo
educativo. A percepção desta ampliação da concepção de corpo nos parece difícil se não
ocorre por um meio de uma experiência estética, de uma aproximação sensível e de
reconhecimento da própria dimensão corporal e a de suas alteridades.
E com isso buscamos uma perspectiva que tenta libertar-se de uma necessidade
imperativa da performance, do belo, do rendimento em competição com o outro. Uma
perspectiva de compor com o outro, com o mundo, um CorpoMundo. Ficamos com o
desafio de compor um corpo de cinco peles, no qual há necessidade de relação com o outro e
não contra o outro, favorecendo uma Educação Física que vise uma percepção mais radical
daquilo que é o corpo, em sua profunda polissemia, multiplicidade e multivocalidade; nas
suas plurais dimensões orgânicas, históricas e culturais.
Deixar de lado metáforas de um corpo-máquina, de um corpo-objeto para um corpo-
sujeito, um corpo de cinco peles, um corpo que admite a complexidade de outros elementos
do mundo como pertencentes ao seu organismo sugere, ao mesmo tempo em que nos
estimula, construir outros princípios teórico-metodológicos para a educação e para uma
Educação Física mais coerentes com este entendimento.
As práticas corporais auxiliaram (e auxiliam) a produzir outras experiências e outras
representações culturais junto a este corpo de cinco peles, possibilitando assim construir
princípios educativos que estejam imbricados com uma perspectiva mais ecológica. Esta
perspectiva ecológica propõe um entendimento mais sistêmico dos processos da vida e do
mundo, seja do mundo natural ou cultural, e coloca a inadequação, mais do que a
impossibilidade, de separar a cultura da natureza, pois percebemos que apenas separamos
para fins didáticos, mas não de entendimento. Para uma prática corporal ter princípios
139
educativos e ecológicos, faz-se necessário uma concepção ambiental de educação; vale
lembrar a não obrigatoriedade de estarmos junto à natureza, mas sim a postura, os valores,
as condutas e os comportamentos coerentes com a visão ecológica que nos aponta uma
compreensão de “teia da vida” (CAPRA,1996).
Nas práticas corporais junto à natureza a relação ética com o entorno se faz
presente, é uma postura de cuidado com as vidas ali presentes e as vidas que poderão estar
presentes no futuro nestes lugares, para além de um antropocentrismo. É buscar um
ecocentrismo, onde o ser humano passa a estar sendo valorizado a partir da qualidade das
relações que estabelece com outras formas de vida humana e não humana que compõem e
que poderão compor o planeta. Uma Educação do CorpoMundo exige estar atento para as
múltiplas experiências que o corpo oferece no “simples” fato de estarmos vivos em relação
com os outros. Falar em educação do corpo se faz necessário pensar na “relação”, tendo em
vista que o ser humano é social e é assim que se concebe como indivíduo, na relação com o
outro.
Lembramos Rubem Alves (1995) quando aponta que uma Educação Física, para se
aproximar da vida, deveria ter disciplinas de educação dos sentidos como “cheiração”,
degustação, audição e não apenas uma imposição da necessidade de exercitar os músculos
na obrigatoriedade de se movimentar adestradamente, na busca pela “saúde perfeita”. O que
percebemos é a necessidade, quase visceral, de uma cultura do corpo que se construa na
relação com os sabores e aromas da vida, uma relação que traz dentro dela a alegria e a
tristeza, a dor e a delícia de se viver; elementos fundamentais para uma proposta de
educação que, de fato, merecesse ser denominada “corporal”.
As práticas corporais junto à natureza constituem-se em uma rica possibilidade de
intensa experiência. Embora haja outras possibilidades, nestas práticas podemos redescobrir
sentimentos e percepções que ficam dificultados e esquecidos em outros ambientes. Não
estamos aqui apenas propondo a valorização dos ambientes naturais para um melhor viver
humano, mas sim identificando o quanto é possível se perceber, apreciar e dedicar para a
preservação das florestas, das águas, dos seres humanos e não humanos, dos nossos
ambientes naturais e culturais, pelo seu valor em si mesmos, pelas possibilidades lúdicas
que oferecem, pela biodiversidade existentes e pelo simples fato de existirem no mundo.
20
Para saber mais da relação do corpo das cinco peles e a Educação Física ver Peretta ( 2005)
140
Singer (1998) indaga se esses valores realmente serão os das futuras gerações, tendo em
vista que estamos cada vez valorizando um mundo virtual, onde crianças passam horas em
frente ao computador e os shopping centers cada vez mais crescem e têm um maior número
de freqüentadores. Como o próprio autor afirma se referindo às suas experiências junto à
natureza, “...as florestas são a fonte dos maiores sentimentos de plenitude estética, uma
coisa que quase chega a uma intensidade espiritual” (SINGER, 1998, p.287).
Percebendo a importância da natureza e a preocupação como seres-humanos
produtores de cultura, se faz necessário refletir que cultura é essa que estamos construindo
e deixando de legado para as futuras gerações.
Através de nossa preservação das áreas verdes estamos dando às gerações
futuras uma oportunidade e, através dos nossos livros e filmes, podemos
criar uma cultura capaz de ser transmitida dos nossos filhos aos nossos netos,
e assim sucessivamente. Se achamos que um passeio pela floresta, com os
nossos sentidos em harmonia com a apreciação de tal experiência, é uma
forma muito mais compensadora de passar o dia do que ficar brincando com
jogos de computador, ou, se achamos que levar a nossa comida e a nossa
barraca numa mochila, para ficar uma semana explorando uma floresta, faz
muito mais pelo caráter de uma pessoa do que ficar em casa assistindo à
televisão durante o mesmo número de dias, então devemos incentivar as
futuras gerações a viver em sintonia com a natureza. Se terminarem por
preferir os jogos de computador, teremos falhado (SINGER, 1988, p.288).
Destruir a natureza implica não dar oportunidade de escolha às futuras gerações para
saberem o que preferem, nem mesmo a oportunidade de experiência junto a ela. Para se
alcançar o viver bem e não apenas sobreviver, faz-se necessário que se preserve a vida. A
nossa relação com a vida ocorre necessariamente através da experiência com o corpo;
qualquer mudança nessa relação necessariamente terá implicações em nossa dimensão
corporal. Talvez seja necessária a preservação da natureza para conseguirmos viver a
fraternidade, a igualdade, a solidariedade, o amor, a ética e podermos lutar juntos por
nossos objetivos, pois se não pudermos viver bem corporalmente, não poderemos almejar
nossa emancipação e seguir nosso caminho com mais humanidade.
Fica aqui uma possível indicação para uma profunda relação ética com a vida, um
cuidado do corpo como princípio primeiro para uma relação entre humano e natureza. Um
cuidado do corpo numa perspectiva do corpo de cinco peles nos aproxima do entendimento
141
do cuidado de si que rompe com as fronteiras narcisistas e entende todas as suas peles como
merecedoras de cuidado; assim, parece-nos incoerente pensar uma educação limitada e
antropocêntrica dentro da Educação Física, e sim elementos possíveis para de fato ser uma
educação coerente com o seu adjetivo, educação do corpo.
Desta forma, estaremos nos afastando de uma concepção instrumental e pragmática
da educação para nos aproximar de uma dimensão que inclua a concepção ambiental no
processo; estaremos nos afastando de um adestramento para ser merecedora do conceito de
educação que prime pela autonomia e esclarecimento na formação humana e na construção
de uma cultura sustentável para a continuação da vida do planeta e das vidas humanas e não
humanas.
A educação não tem como ser a única solução do mundo ou resolver situações tão
complexas como esta que nos encontramos, com uma crise nas relações sociais, degradação
ambiental, enfim, uma profunda crise socioambiental. Entendemos, porém, que a educação
é um dos elementos indispensáveis para almejar uma construção de uma outra cultura que
possa nos conduzir para uma relação mais sustentável com a vida. Para tanto, faz-se
necessário que a educação não seja privilegiada apenas no ensino superior ou em curso de
formação continuada, ou até mesmo em alguns casos de educação infantil onde estão
colocadas outras visões de mundo.
Faz-se urgente uma educação de qualidade em todos os setores da educação, seja
uma educação particular, pública, infantil, ou de nível superior. O entendimento de
educação continuada se faz necessário, uma educação desde o nascimento até sua morte,
uma educação que se faça com/na e durante a vida, e para isso são necessários educadores
capacitados, sensíveis e estimulados para a construção de uma outra educação contra-
hegemônica, uma Educação do CorpoMundo. Não podemos achar que uma formação de
professores se resuma ao seu curso de graduação, (com)formados e prontos para conceber a
complexidade do processo pedagógico na formação humana.
Sugerir uma Educação do CorpoMundo com princípios contra-hegemônicos não é
nos colocar como mais uma disciplina ou conteúdo, mas sim um germe dentro da própria
educação para talvez desestabilizar esta racionalidade restrita que se impõe na educação e
assim promover uma formação que não se limita aos “muros” escolares. É um princípio
educativo que tem como perspectiva a valorização do corpo que vive para além do espaço e
142
tempo escolar ao mesmo tempo em que valoriza este ambiente como lugar privilegiado
para tais questões. Portanto, nos valemos dos princípios apontados por Brügger na
construção de uma educação “ambiental” e “crítica” como perspectiva no CorpoMundo.
A “educação ambiental” deve se fundamentar num conjunto de valores que
formem uma racionalidade contra-hegemônica, tendo como referência de
“contra-hegemonia” a racionalidade/ideologia da sociedade industrial em
seus diversos aspectos. É essa racionalidade contra-hegemônica que vai
tornar a educação merecedora dos adjetivos “ambiental” e “crítica”, e não a
escolha de determinados temas ou áreas (geralmente confinados a uma
dimensão natural ou técnica). Nesse sentido, podemos dizer que a “EA” deve
ser um campo epistêmico e que não deve estar separada da educação como
um todo - de forma velada ou não -, como vem ocorrendo. É imprescindível
também encarar a educação como um processo contínuo, permanente e
complexo que envolve toda a sociedade. O processo educativo não se
restringe portanto à dimensão espacio-temporal “escola-tempo de estudante”
(BRÜGGER, 2004, p. 164-165).
A educação ambiental na perspectiva naturalizada e técnica como referenciada
acima não tem dado conta das necessidades que se fazem presentes na educação, assim
como a Educação Física numa única dimensão biológica e técnica, com padrões de
movimentos para alcançar gestos perfeitos esquadrinhados pela biomecância, onde a
técnica surge como limitador e não como possibilidade de outras expressões da cultura
corporal também se apresentam descoladas da perspetiva de construção da Educação do
CorpoMundo.
Importante trabalhar na direção que se construa princípios na perspectiva que se
formem profissionais atuantes, com pensamento crítico e responsável, pois somos educados
e educadores em diversos momentos de nossas vidas. Os futuros educadores que assim se
formarem já teriam tido uma educação que inclui a complexa concepção da dimensão
ambiental e corporal para assim darem continuidade no processo e poderem contribuir para
ampliar esta concepção. Estamos falando assim de um processo de formação que não se
resume a um período pré-determinado de sua formação, ou que seja para depois de sua
graduação para suprir deficiências de conteúdos que a sua formação não lhe proporcionou.
A formação continuada de professores é a formação continuada de seres humanos, o
que coloca a imbricada relação entre professores, alunos, gestores e fomentadores de cursos
de formação e a sociedade. Para uma melhor educação não parece ser suficiente formar um
143
professor qualificado, mas sim dar condições adequadas para a realização de seu trabalho,
com uma remuneração digna e coerente, oferecer cursos de formação continuada tanto para
professores como gestores de secretarias de educação e diretores de escola, para também
serem capacitados a realizarem seu trabalho com coerência com o que a educação e a
sociedade necessitam, assim como uma sociedade educada e preparada para conceber a
educação como uma dimensão privilegiada para a construção de uma cultura sustentável da
vida em sociedade. Entendemos também que ficará facilitado alcançarmos estes objetivos
plenamente quando tivermos cidadãos que tenham condições de ir além de suas
necessidades básicas como comida, alimentação, saúde, educação, lazer e trabalho;
condições estas que se colocam não como auto-suficientes, mas necessárias para dedicar-se
a um processo de educação sistemática e de construção de uma relação ética com o outro.
A exploração, assim como a falta de cuidados com o outro, numa perspectiva onde
os cuidados se apresentam sempre numa perspectiva instrumental, podemos conceber como
uma forma humana que tem sido prevalecida tanto no âmbito entre o ser humano como dele
com a natureza. Preservamos as belezas naturais para podermos assim preservar nas nossas
próprias vidas, ou damos direitos aos trabalhadores ao tempo de lazer para assim
produzirem melhor na lógica da sociedade industrial. O que se apresenta, portanto, é a
necessidade de mudança na concepção que temos com o outro, seja a natureza ou outros
seres humanos.
A mudança da relação, no que diz respeito ao corpo e a Natureza, está
colocada como uma possibilidade humana, dado que o problema existente na
relação atual é, exclusivamente, um problema humano e não da Natureza.
Uma relação estética com a Natureza deve ser, por princípio inútil, destituída
de valor porque não submissa às racionalizações humanas que levam ao seu
esquadrinhamento a partir dos objetivos de uma ética utilitarista. É
necessário, por isso, uma outra cultura que reconheça e respeite o princípio
das diferenças que está no fundamento de tal relação: a reconciliação com a
Natureza é condição para uma relação estética ( SILVA 2001, p.104).
Cabe a nós cidadãos planetários procurar nas entranhas de nosso CopoMundo poros
de outras racionalidades que nos estimulem a reconstruir o sentimento de pertencimento e
totalidade junto a natureza. Dar ouvidos ao silêncio, dar espaço ao vazio, dar sentido ao ser,
ao estar, ao que é e ao que ainda-não-é, uma profunda composição poética com o tempo
como elemento fundamental para uma relação ética, estética e ecológica na esperança que
144
possamos viver tempos melhores, de redescobrir um viver erótico, de um viver
CorpoMundo.
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TELLES, M. Q. et al. Vivências integradas com o meio ambiente. São Paulo:
Editora, 2002.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação 13. ed. São Paulo: Cortez, 2004
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VILLAVERDE, S. “Sobre o corpo, lazer e amizade: problematizações ético-político
nas subjetividades”. Caderno de Programação Científica e Resumos. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 12, 2001. Anais...
2001.
152
WHYTE, A. Guidelines for Field Studies in Evironmental Perception. Paris:
UNESCO, 1978. Technical Notes 5.
ZILBERMAN, R. A produção cultural para a criança. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1990.
153
ANEXOS
ANEXO 1 – Formulário de inscrição
Núcleo de Estudos Pedagógicos da Educação Física – NEPEF/UFSC
FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO
Este projeto é GRATUITO e possui um número limite para suas vagas. A seleção dos participantes será feita
após o primeiro encontro entre todos os pretendentes, no dia 20 de maio de 2006, na Universidade Federal de
Santa Catarina. Para pleitear uma vaga, todos devem preencher o formulário abaixo, salvá-lo e encaminha-lo
em anexo ao endereço eletrônico projeto_corpomundo@yahoo.com.br. Aqueles(as) que tiverem dificuldades
técnicas para efetuar tal procedimento poderão imprimi-lo e trazê-lo em mãos ao referido encontro.
* Caso seja necessário, digite a tecla enter para aumentar os espaços.
1- DADOS PESSOAIS:
ome
Idade
E
ndereço
Rua:
Bairro: Cidade:
CEP:
Tel(s)
Res. Com.: Cel.:
E-
Mail(s)
2- FORMAÇÃO:
Nível Instituição Ano de
conclusão
Grad.
Esp.
Mest.
Formação
Dout.
1- Grad.
2- Esp.
3- Mest.
Título(s) do(s)
trabalho(s) de
conclusão
4- Dout.
154
3- INFORMAÇÕES PROFISSIONAIS
1-
2-
3-
4-
Área(s) /
Temática(s) de
interesse
profissional
5-
1-
2-
3-
Nome(s) da(s)
escola(s) onde
trabalha
4-
Carga-horária semanal (escola)
Fundamental (1
a
a 4
ª
)
Fundamental (5
ª
a 8
ª
)
Níveis de atuação
(marque um X)
Médio
Efetivo
Tipo de contrato
(marque um X)
Temporário
Tempo de magistério
Local Funcão Carga-horária
1-
2-
3-
Outros locais
de trabalho
4-
4- OUTROS INTERESSES
Já participou de algum curso de formação
continuada?
Qual sua opinião sobre eles?
A seu ver, como deveria ser um curso de formação continuada? (indique aspectos didático-
metodológicos, tempo de duração, carga-horária, freqüência etc.)
Quais temáticas deveriam ser abordadas? (indique por ordem de prioridade)
Preencher o formulário e enviar para o e-mail projeto_corpomundo@yahoo.com.br
155
ANEXO B – QUESTIONÁRIO EXPRESSIVO
QUESTIONÁRIO EXPRESSIVO
PROJETO CORPOMUNDO (Formação Continuada)
NOME
1. Indique aquilo que você considera como sendo os principais potencilidades da área de Educação
Física.
2. Indique aquilo que você considera como sendo as principais carências da área de Educação Física.
3. O que você entende por Natureza?
4. O que você entende por Sustentabilidade?
5. Qual relação lhe parece ser possível estabelecer entre a Educação Física. Natureza e
Sustentabilidade?
6. O que você entende por corpo?
7. O que você entende por corporeidade?
8. O que você entende por Educação Física?
9. Qual seu maior objetivo como professor de Educação Física?
10. Quais fatores dificultam seu trabalho?
11. Em qual(is) abordagem(s) teórico- metodológica(s) você se apoia para construir suas aulas ou
intervenções?
12. Quais os espaços disponíveis que você utiliza para ministrar suas aulas ou intervenções?
13. Quais materiais você utiliza em suas aulas ou intervenções?
14. Quais os conteúdos que você aborda em suas aulas?
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