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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A
P
OLÍTICA DE
P
ARTICIPAÇÃO NA
E
DUCAÇÃO DE
J
OVENS E
A
DULTOS NO
M
UNICÍPIO DE
B
ELÉM
(1997
-
2004)
J
OSÉ
C
ARLOS
F
ERREIRA
A
RAÚJO
BELÉM - PARÁ
2007
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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A
P
OLÍTICA DE
P
ARTICIPAÇÃO NA
E
DUCAÇÃO DE
J
OVENS E
A
DULTOS NO
M
UNICÍPIO DE
B
ELÉM
(1997
-
2004)
J
OSÉ
C
ARLOS
F
ERREIRA
A
RAÚJO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação do Centro de Educação da
UFPA na linha de pesquisa de Políticas Públicas, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação do Professor Doutor
Salomão Mufarrej Hage.
BELÉM - PARÁ
2007
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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A
P
OLÍTICA DE
P
ARTICIPAÇÃO NA
E
DUCAÇÃO DE
J
OVENS E
A
DULTOS NO
M
UNICÍPIO DE
B
ELÉM
(1997
-
2004)
J
OSÉ
C
ARLOS
F
ERREIRA
A
RAÚJO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dr. Salomão Mufarrej Hage
Centro de Educação/UFPA-Orientador
________________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Marcos Lima Araújo
Centro de Educação/UFPA
________________________________________________
Profª. Drª. Ivanilde Apoluceno
Centro de Ciências Socais e Educação/UEPA
BELÉM-PARÁ
2007
3
A todos que fazem parte da minha vida, em especial ao
Professor Dr. Salomão Mufarrej Hage meu orientador.
À minha amiga e co-orientadora Helena Rocha que
sempre esteve presente nas horas necessárias desta
jornada.
À minha mãe, pela vida, pelo seu amor, apoio, e por estar
presente em minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Dr. Salomão Mufarrej Hage, que contribuiu para o
êxito deste trabalho;
À minha amiga e co-orientadora, Helena Rocha, pela sua paciência e dedicação;
A meu pai José Araújo, à minha mãe Maria Araújo, que às suas maneiras me
ensinaram a trilhar meu caminho com carinho, amor e dedicação;
A Marinaldo Carreira Maia, pela amizade, incentivo e todo apoio vital dado em minha
jornada;
A meu avô e avó maternos, a minha tia Raimunda Ernestina Miranda (in memorian);
Ao meu saudoso amigo Cloduardo Soares (in memorian);
A todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram para que este trabalho
fosse realizado;
À Universidade Federal do Pará, que sem dúvida alguma, por intermédio dos seus
professores da pós-graduação em educação do Centro de Educação, proporcionou-
me novos aprendizados, fornecendo maiores conhecimentos para a evolução de um
saber mais significativo;
A CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior pela
concessão de bolsa de estudos, que tornou possível a minha dedicação aos estudos
do mestrado.
5
[...] não é uma chaga, nem tampouco uma erva daninha a
ser erradicado, nem uma enfermidade, mas uma das
expressões concretas de uma realidade social injusta.
Não é um problema estritamente lingüístico, nem
exclusivamente pedagógico, metodológico, mas político,
que precisa ser superado [...].
Paulo Freire
6
RESUMO
Este trabalho analisa a política de participação na Educação de Jovens e Adultos
(EJA) no contexto de desenvolvimento capitalista brasileiro, focalizando os
programas e as experiências implementadas no município de Belém, Estado do
Pará, durante o período de 1997 a 2004. Na análise privilegiaremos as relações
entre o nível macro (Orçamento Participativo e Congresso da Cidade) e o nível micro
(PROALFA e MOVA) implementado pela Prefeitura de Belém, que são tidos como
modelos de instâncias caracterizadas pela participação da população na discussão e
elaboração de políticas e projetos de desenvolvimento e o resgate histórico das
experiências e programas efetivados nessa modalidade de ensino. É nossa intenção
ainda identificar como a SEMEC e outros órgãos municipais se reestruturaram, para
criar e fortalecer setores responsáveis por essa modalidade de ensino. No processo
investigativo utilizaremos a pesquisa de caráter qualitativo. Dessa forma, para traçar
um panorama acerca da temática foram utilizados os seguintes procedimentos:
pesquisa bibliográfica, pesquisa documental. Estaremos utilizando as categorias
conceituais de participação-poder, e da participação controlada. Em nível macro,
apesar dos avanços observados na participação popular em Belém, não se pode
afirmar que a sociedade civil tenha assumido o controle sobre o planejamento
municipal. Pode-se inferir que este ocorreu de forma compartilhada entre o poder
municipal e a sociedade civil no qual a organização e a dinâmica de funcionamento
do Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade permitiram a descentralização
das decisões sobre as políticas públicas que passaram a acontecer dentro do
Conselho da Cidade, órgão máximo de decisão no Congresso da Cidade. Essa foi a
maneira encontrada pelo Poder Municipal de legitimar a participação da sociedade
civil. O PROALFA e o MOVA foram parte da política educacional do Governo do
Povo e sua ação política e cultural se afirmam, tomando corpo o conceito de parceria
e diálogo entre poder público e sociedade civil. O primeiro papel do Governo do
Povo em relação ao PROALFA e ao MOVA foi o de se colocar como impulsionador
da criação e da implementação do Movimento, o que se constituiu como participação
controlada, pois teve origem na concessão do governo. Essas instâncias como o
Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade, o PROALFA e o MOVA tiveram
suas limitações, da mesma forma que se reconhece que ainda estão muito longe de
uma participação massiva plena - participação poder, dada à complexidade de
construção desta. Mas é preciso reconhecer que muito se avançou no processo de
democratização e descentralização em Belém, tendo um avanço enorme na
construção de políticas públicas para essa modalidade de ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos, Políticas Públicas,
Participação.
7
ABSTRACT
This work analyzes the Politics of participation in the Education of Youths and Adults
(EJA) in the context of Brazilian capitalist development, focalizing the programs and
the experiences implemented in the municipal district of Belém, State of Pará, during
the period from 1997 to 2004. In the analysis we will privilege the relationships
among the level macro (Calculation Partition and Congress of the City) and the level
micron (PROALFA and MOVE) implemented by the City hall of Belém, that are
known as patterns of instances characterized by the participation of the population in
the discussion and elaboration of politics and development projects and the historical
ransom of the experiences and programs executed in that teaching modality. It is still
our intention to identify like SEMEC and other municipal organs were restructured, to
create and to strengthen responsible sections for that teaching modality. In the
investigative process we will use the research, of qualitative character. This way, to
trace a panorama concerning the thematic the following procedures we used:
bibliographical researches, documental researches. We will be using the conceptual
categories of power-participation and of the controlled participation. To level macro,
in spite of the progresses observed in the popular participation in Belém, one cannot
affirm that the civil society has assumed the control about the municipal planning. It
can be inferred that this happened in shared way between the municipal power and
the civil society in which the organization and the dynamics of operation of the
Calculation Partition and the Congress of the City allowed the decentralization of the
decisions on the public politics that they started to happen inside of the Council of the
City, maximum organ of decision in the Congress of the City. That was the way found
by the Municipal Power of legitimating the participation of the civil society. PROALFA
and MOVA were it part of the educational politics of the Government of the People
and their political and cultural action is affirmed, getting important the partnership
concept and dialogue among being able to public and civil society. The first paper of
the Government of the People in relation to PROALFA and MOVA was to be placed
as propeller of the creation and of the implement of the Movement, what was
constituted as controlled participation, therefore it had origin in the government's
concession. Those instances as the Calculation Partition and the Congress of the
City and PROALFA and MOVA had their limitations, in the same way that is
recognized that they are still very far away from a participation full massive power-
participation, because of its complex construction. But it is necessary to recognize
that there was advance in the democratization process and decentralization in
Belém, existing an enormous progress in the construction of public politics for that
teaching modality.
KEYWORDS: Education of Youths and Adults, Public Politics, Participation
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01- PRINCIPAIS INVESTIMENTOS DO PODER MUNICIPAL DE BELÉM
SOBRE O TOTAL DO ORÇAMENTO PÚBLICO (1997-2000);
QUADRO 02- MATRIZ DEMONSTRATIVA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO;
QUADRO 03- MATRIZ DEMONSTRATIVA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DO
CONGRESSO DA CIDADE;
QUADRO 04- MATRIZ DEMONSTRATIVA DAS DISCUSSÕES DA I
CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE EJA.
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01- ORGANOGRAMA DO CONGRESSO DA CIDADE DE BELÉM (2001-
2004);
FIGURA 02- ORGANOGRAMA DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO GOVERNO
DO POVO
10
LISTA DE SIGLAS
AAPAS – Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária
ANPED – Associação Nacional dos Profissionais em Educação
AR’s – Administrações Regionais
BIRD – Banco Inter-Americano de Desenvolvimento
CEAA – Campanha de Alfabetização de Adolescentes e Adultos
CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CNAIA – Comissão Nacional Para o Ano Internacional de Alfabetização
CNE – Conselho Nacional de Educação
CEB – Câmara de Educação Básica
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CONFITEA – Conferência Internacional de Educação de Adultos
COP – Conselho do Orçamento Participativo
CBB – Comissão de Bairros de Belém
DAMOS – Distrito Administrativo de Mosqueiro
DAOUT – Distrito Administrativo de Outeiro
DAICO - Distrito Administrativo de Icoaraci
DABEN – Distrito Administrativo do Benguí
DAENT – Distrito Administrativo do Entroncamento
DASAC – Distrito Administrativo da Sacramenta
DABEL – Distrito Administrativo de Belém
DAGUA – Distrito Administrativo do Guamá
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
11
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FMAE – Fundação Municipal de Apoio ao Estudante
FEMECAM Federação Metropolitana de Centros Comunitários e Associação de
Moradores
HP’s – Hora Pedagógicas
IBGE – Instituo Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IES – Instituto de Ensino Superior
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
MOVA – Movimento de Alfabetização
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MEC – Ministério da Educação
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NPCP – Núcleo de Participação e Controle Popular
ONU – Organização das Nações Unidas
ONG’s – Organizações Não-Governamentais
OEI – Organização dos Estados Inter-Americano
OP – Orçamento Participativo
12
PEE – Plano Estadual de Educação
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PMB – Prefeitura Municipal de Belém
PPP – Projeto Político Pedagógico
PT – Partido dos Trabalhadores
PROALFA – Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos Professor Paulo Freire
PNE – Plano Nacional de Educação
PEI – Programa de Educação Integrada
PRONASEC – Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas Para o Meio Rural
PRODASEC Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais Para as
Populações Carentes Urbanas
PNAC – Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania
PAS – Programa de Alfabetização Solidária
PRONERA – Programa de Educação na Reforma Agrária
PLANFOR – Plano Nacional de Formação e Qualificação Profissional
PRUB – Parceria de Reitores das Universidades Brasileiras
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
RME – Rede Municipal de Educação
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação
SAEB – Sistema de Avaliação do Ensino Básico
SBA – Sistema Brasil Alfabetizado
SEA – Serviço de Educação de Adultos
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SEGEP – Secretaria Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão
13
SEFOR – Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional
SEMAD – Secretaria Municipal de Administração
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação
SESI – Serviço Social da Indústria
SESC – Serviço Social do Comércio
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SEEA – Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo
UEPA – Universidade do Estado do Pará
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFRA – Universidade Federal Rural da Amazônia
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESCO – Organização das Nações Unidas Para a Educação Ciência e Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas Para a Infância
UNIPOP – Universidade Popular
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................
16
CAPÍTULO I: UMA
VIAGEM
SOBRE
A
EDUCAÇÃO
DE
JOVENS
E
ADULTOS
NA
HISTÓRIA
DA
EDUCAÇÃO
....................................................
25
1.1- A EJA na história da educação brasileira ............................................
26
1.1.1- Período Jesuítico (1519 – 1789) .................................................
29
1.1.2- Período Imperial (1822 – 1888) .................................................. 31
1.1.3- Período Republicano (a partir de 1889) ......................................
33
1.1.3.1- Primeira República ................................................................ 33
1.1.3.1.1- A década de 1920 .............................................................. 34
1.1.3.1.2- A década de 1930 .............................................................. 36
1.1.3.1.3- A década de 1940 .............................................................. 38
1.1.3.1.4- A década de 1950 .............................................................. 41
1.1.3.1.5- A década de 1960/70 ......................................................... 44
1.1.3.1.6- A década de 1980 .............................................................. 46
1.1.3.1.7- A década de 1990: Reformas educacionais e o espaço da
EJA .....................................................................................................
49
1.2- A LDB e a educação de jovens e adultos: perspectivas atuais ...........
55
1.3- A gestão dos programas federais de EJA implementadas em
parcerias com organismos governamentais e não governamentais...........
64
CAPÍTULO II: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA GESTÃO
MUNICIPAL NO PERÍODO DE 1997 A 2004: A PROPOSTA DA ESCOLA
CABANA .........................................................................................................
76
2.1- A educação de jovens e adultos na pauta das políticas educacionais
e a responsabilidade do município..............................................................
79
2.2- A experiência da Gestão Democrática no Município de Belém e suas
conseqüências na Rede Municipal de Ensino ............................................
89
2.3- As políticas públicas para a EJA no Município de Belém ................... 92
2.4- A Prefeitura Municipal de Belém na Gestão da Frente Belém
Popular.e concretude de ações políticas de EJA .......................................
97
2.4.1- Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos – PROALFA .... 98
15
2.4.2- Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos –
MOVA/Belém ...................................................................................
104
2.4.2.1- Metodologia de Trabalho do MOVA ...................................... 105
2.5 – A Concretude das Políticas de Educação de Jovens e Adultos na
Proposta Política Pedagógica da Escola Cabana da Prefeitura Municipal
de Belém (1997-2004) ................................................................................
108
CAPÍTULO III: A POLÍTICA DE PARTICIPAÇÃO NA IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE EJA NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO
PERÍODO DE 1997 A 2004 .............................................................................
114
3.1- A participação e Cidadania ................................................................. 117
3.1.1- A Cidadania ................................................................................... 118
3.1.2- A Participação ................................................................................
124
3.2- O Lócus: caracterização da realidade sócio-político-econômica do
Município de Belém ....................................................................................
127
3.3- Rede Municipal de ensino de Belém: plano de ação .......................... 128
3.3.1- Caracterização Administrativa da Rede ........................................ 129
3.3.1.1- Atendimento Educacional ........................................................... 132
3.3.1.2- Caracterização Pedagógica da EJA ........................................... 135
3.4- A Alfabetização de Jovens e Adultos no Pará ..................................
136
CAPÍTULO IV: INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃO DO GOVERNO DO
POVO: DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO AO MOVA BELÉM ..................
139
4.1- Os canais de Participação no Governo do Povo – Nível Macro ......... 139
4.1.1- O Orçamento Participativo .............................................................
142
4.1.2- O Congresso da Cidade ............................................................... 144
4.2- Os canais de Participação no Governo do Povo – Nível Micro ...........
153
4.2.1- I Simpósio de EJA ......................................................................... 157
4.2.2- I Conferência Municipal de Educação ........................................... 158
4.2.3- Fóruns ............................................................................................
159
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................
164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 175
16
INTRODUÇÃO
O foco central deste estudo visa discutir a política de participação na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Município de Belém no período de 1997 a
2004, a fim de investigar as formas de participação popular em nível macro
(Orçamento Participativo e Congresso da Cidade) e micro (PROALFA e MOVA).
Estas Instâncias se apresentaram como um novo espaço, no qual o Governo
Municipal e a sociedade civil (organizados ou não) discutiram, elaboraram e
construíram juntos as políticas públicas no período em questão. No entanto, antes
de voltarmos nossas atenções para o município de Belém, faremos uma breve
incursão na história da educação brasileira, a fim de detectarmos a importância que,
historicamente, é dada à educação de jovens e adultos. Abordaremos as políticas
para a EJA no contexto do capitalismo brasileiro e da globalização mercadológica
vigente para analisar e buscar compreender o significado dessas políticas frente ao
momento social e educacional dos anos 90.
A partir dessa incursão, voltaremos nosso foco, objetivo central de nossa
investigação, à analise da política de participação na Educação de Jovens e Adultos
implementada no município de Belém.
De forma específica, buscamos identificar as formas de participação do
cidadão nas instâncias de participação popular concedidas pelo Governo Municipal
nos níveis macro e nível micro relacionados à implantação de políticas de EJA,
assim como desvelar o funcionamento e os avanços conseguidos a partir dessas
instâncias.
Embora essas formas de participação popular tenham sido implementadas no
Brasil desde a década de 80, são poucos os trabalhos que abordam essas
experiências democráticas, principalmente em relação à educação de jovens e
adultos.
No caso de Belém, as falas de representantes de setores aos quais nos
dirigíamos para a obtenção de dados sobre a temática foram diversas e na maioria
das vezes se resumiam em pedido de desculpas, quando falávamos de nossas
intenções em fazer um estudo do período da gestão da Frente Belém Popular,
17
quase sempre recebíamos informações que dados ainda estavam sendo
armazenados e que por isso ainda não tinham condições de sair do espaço.
Estudar a Gestão Democrática Popular do Partido dos Trabalhadores, cujo
representante era o prefeito Edmilson Rodrigues, foi algo que se tornou uma tarefa
árdua, principalmente depois da perda da disputa eleitoral, em 2005, na qual saiu
vitorioso o atual prefeito Duciomar Costa. A equipe que assumiu as coordenações
dos mais diversos setores da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) alegava que
pouco tinha a informar, pois os documentos que deveriam ter sido deixados pela
gestão anterior não forma encontrados. Houve até mesmo a insinuação de que os
ocupantes da gestão anterior teriam “levado tudo” e “não teriam deixado nada”.
Houve grande dificuldade até mesmo para localizar informações através da Internet.
É como se a história tivesse se apagado.
Por outro lado, ao entramos em contato com a coordenadora do MOVA na
primeira gestão da Frente Belém Popular em busca de informações sobre o
programa de alfabetização e o alcance deste na tentativa de eliminar o
analfabetismo em nossa cidade, bandeira de luta do PT juntamente com os outros
segmentos da sociedade, obtivemos da mesma como resposta “que por motivos
diversos tinha deixado seu cargo e tinha saído de com o seu carimbo em
mãos”. Enfim, foram sucessivos fatores que emperraram processos que dificultaram
resultados e que não nos permitiram até mesmo dar uma informação mais
consistente.
Belém, tanto pela sua tradição política conservadora, quanto pela sua
primeira experiência democrática de participação popular em termos educacionais
em relação à educação de jovens e adultos, apresenta especificidades que
justificam uma análise da experiência nos níveis macro e micro. No que se refere ao
nível macro as instâncias de participação popular do Orçamento Participativo e
Congresso da Cidade. Em nível micro, o PROALFA e MOVA. Essas análises são
no sentido de colaborar para o entendimento, aprofundamento e avanço do
processo de democratização no país.
No ano de 1997, o município de Belém experimentou pela primeira vez em
sua história uma nova situação de gestão após a vitória do Partido dos
Trabalhadores, que introduziu novos mecanismos de participação popular. Esses
mecanismos tiveram inicio com a implantação do Orçamento Participativo e se
18
ampliaram através do Congresso da Cidade (este que substitui o primeiro na
segunda gestão petista na capital paraense).
Quanto à Educação de Jovens e Adultos, foi implementado o Projeto de
Alfabetização de Jovens e Adultos Professor Paulo Freire (PROALFA) que se
ampliou para o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos Professor Paulo
Freire (MOVA), o qual introduziu novos mecanismos de participação popular através
do I Simpósio de Educação de Jovens e Adultos, da I Conferência Municipal de
Educação, do I Fórum Municipal de Alfabetização de Jovens e Adultos (precedido
pela realização de oito pré-fóruns distritais que contaram com a participação de mais
de 5.000 participantes, entre alfabetizandos, alfabetizadores, associações, centros
comunitários e entidades formadoras), além do II Fórum de Educação, que
aconteceu em 2004, chamando todos envolvidos na EJA para repensar o modelo de
homem, de sociedade e de currículo que vinha sendo construído na gestão
democrático-popular através do Projeto Político Pedagógico Cabano.
Essas instâncias apresentaram-se como ferramentas inovadoras para
elaborar e reordenar as ações do Governo Municipal, no sentido de incorporar como
elemento chave a participação da sociedade civil no planejamento de ações para o
município e para a educação, que é nosso foco de estudo.
De acordo com a proposta apresentada pelo Governo Municipal, o cidadão
comum assume, junto com o Governo, o papel de “planejador legítimo” das políticas
públicas. Uma questão extremamente relevante é que a proposta do Governo era
estruturada de modo que fosse possível agregar as demais experiências de
participação existentes na cidade: simpósios, jornadas, fóruns, etc.
Nossa problemática de investigação surgiu do interesse de investigar como
funcionou e se organizou essa proposta de gestão democrática e de participação
popular, cujo discurso garantia que o cidadão não opinasse, mas decidisse junto
com o Governo Municipal as políticas públicas para o município e para a educação,
mais especificamente a modalidade EJA.
Dentre as questões que precisam ser elucidadas, estão as seguintes: Como e
de que maneira o cidadão participa nas instâncias de participação popular
promovidas pelo Governo Municipal nos níveis macro e micro relacionadas à
implantação de políticas de EJA? Como se deu a política de participação
popular
19
percebida na construção das políticas públicas de EJA no período em questão?
Como funciona e quais os avanços conseguidos a partir dessas instâncias?
A partir de tais questionamentos, apresentamos em seguida a metodologia do
trabalho: análise dos dados; a discussão dos dados distribuídos nos canais de
participação no Governo do Povo nível macro: O Orçamento Participativo e o
Congresso da Cidade; os canais de participação no Governo do Povo nível micro:
PROALFA e MOVA. I Simpósio de Educação de Jovens e adultos; I Conferencia
Municipal de Educação e os dois Fóruns de Educação de Jovens e Adultos.
Ressaltamos que a análise dos dados se dará baseada nas categorias apresentadas
por Peruzzo (1998) de participação passiva, participação controlada e da
participação poder.
Percurso Metodológico
Investigar “A Política de Participação na Educação de Jovens e Adultos no
Município de Belém no período de 1997 a 2004” não é tarefa simples, uma vez que
a construção desse campo de participação, tem-se apresentado de grande
importância em diversos contextos. Devido a essa complexidade, procuramos ter
alguns cuidados com os procedimentos metodológicos de investigação. Esse
trabalho é uma pesquisa de caráter qualitativo, tal como definida por Lakatos e
Marconi (1992. p. 87):
[...] cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla
finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador
com um ambiente, fato ou fenômeno para a realização de uma pesquisa
futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos.
De acordo com Gil (2002, p. 41), “na maioria dos casos, essas pesquisas
envolvem levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram
experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que
estimulem a compreensão”. Dessa forma, para traçar um panorama acerca
da
20
política de participação na EJA no município de Belém no período de 1997 a 2004,
foram utilizados os seguintes procedimentos: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa
documental.
A pesquisa bibliográfica, de acordo com Martins (2002, p. 35), “tem como
objetivo recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições científicas já
existentes sobre determinado assunto”. Este procedimento tomou como base o
roteiro proposto por Gil (2002 p.59): escolha do tema, levantamento bibliográfico
preliminar, formulação do problema, elaboração do plano provisório de assunto,
busca de fontes, leitura do material, fichamento, organização lógica do assunto e
redação do texto. Procedimentos que o sustentação teórica à pesquisa.
Paralelamente à pesquisa bibliográfica que delineia o quadro teórico dessa
investigação, lançamos mão da pesquisa documental.
A pesquisa documental tem por finalidade reunir e classificar documentos de
todo gênero dos diferentes domínios da atividade humana sobre um determinado
assunto (Martins, 2002, p. 35). Ao utilizarmos documentos, a intenção não é que a
pesquisa documental responda totalmente ao problema, mas se faz essencial para
uma melhor visão das questões postas e a verificação posterior; [...] a pesquisa
documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico,
ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos de pesquisa (GIL,
2002, p.45).
Dessa forma, leis, relatórios, páginas na Internet e folders também foram
fontes para este estudo. O roteiro de desenvolvimento da pesquisa documental foi o
proposto por Gil (2002, p.87): determinação dos objetivos, identificação das fontes,
obtenção do material, tratamento dos dados, confecção de fichas, construção lógica
e redação do trabalho. Procedimentos que nos permitiram conhecer, em
profundidade, as experiências dos Programas PROALFA e MOVA.
Os dados obtidos pela pesquisa foram analisados a partir da construção de
categorias analíticas, explicitadas ao longo dos capítulos. Desta maneira, o
tratamento dos dados foi feito tal como Good e Hatt propõem (apud Lakatos e
Marconi, 1992, p.145): esclarecer o que se deseja do material, estudar
cuidadosamente, planejar classes e os indicadores de classes, adequar as classes
aos dados e codificar. Com isso, construíram-se categorias que puderam ser
classificadas, analisadas e comparadas.
21
Categorias conceituais
As categoriais conceituais que serão utilizadas são as de participação
passiva, participação controlada e participação-poder (Peruzzo, 1998, p. 78-86).
De acordo com a autora, enquanto na participação passiva e na participação
controlada o poder é de tipo autoritário, onde a grande maioria dos indivíduos
assume uma postura de espectador e de conformismo, delegando cargos para que
algum ou alguns sujeitos governem. Existe nessas categorias, obviamente, uma
limitação na participação, que se quando as instâncias detentoras do poder se
sentem ameaçadas. Na participação-poder é visível uma democracia ativa e
autônoma. As pessoas são tidas como sujeitos. Por vezes é limitada, mas não
passiva e nem manipulada, pois partilha do poder. Ela pode ser dividida em co-
gestão e auto-gestão.
Para Peruzzo (1998), na co-gestão existe a “co-participação ativa no
gerenciamento de uma instituição, uma associação, uma empresa ou um órgão
público”. Há uma participação ativa nas decisões, mas, não se altera o poder central.
Funciona dentro de permissões, mas, promove a democracia.
A auto-gestão implica na participação direta da população no que se refere à
tomada de decisões em todas as esferas da vida: econômica, social, política, jurídica
e cultural. É a estrutura básica de uma sociedade democrática. Todas as decisões
são tomadas pela coletividade. A designação de representantes é indispensável.
Nesse tipo de participação, a coletividade elege e destitui os representantes sempre
que necessário e sem muita burocracia.
Para melhor compreensão dessas categorias, ampliamos suas discussões
por toda a dissertação, que estará estruturada da seguinte maneira:
Inicialmente, a pesquisa partirá para uma viagem em direção ao percurso
histórico da educação de jovens e adultos no Brasil, compreendida como
instrumento de conscientização dos sujeitos do ato educativo e que deve ser
preocupação fundamental nas políticas públicas voltadas para a EJA. Para a
incursão na trajetória teórica e histórica dessa modalidade de ensino, partiremos do
que foi tornado público sobre o tema em estudo, como os estudos de autores
como Francisco Filho (2001), Gandin (1994,1999), Gadotti e Romão (2003), Haddad
22
(2000), Imbernón (2000), Paiva (1983), Paiva (1992), Xavier (1990), Ribeiro (1997),
Cury (2000) entre outros, além dos documentos legais que versam sobre a EJA.
Em seguida, faremos uma incursão nas reformas educacionais na década de
90, para então situarmos o espaço da EJA nessas reformas, em que discutiremos,
entre outras questões, a redefinição do papel do estado e ajustes macroeconômicos
implementados pelos órgãos internacionais, principalmente o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), que
influenciaram a reforma educacional brasileira, a qual passa por um processo de
descentralização da gestão e do financiamento, o Plano Nacional de Educação e a
EJA e os grandes programas do governo e sua relação com a EJA. Discussões que
caracterizam o primeiro capítulo.
No segundo capítulo, a abordagem será a respeito da gestão municipal no
período de 1997 a 2004, onde destacamos a apresentação do compromisso dessa
gestão para com os excluídos em que se inserem os jovens e adultos e a política
municipal para a EJA. Para essa discussão, realizamos uma pesquisa documental,
em que analisamos entre outros os seguintes documentos: SEMEC. Movimento de
alfabetização de jovens e adultos professor Paulo Freire; SEMEC. Projeto Político
pedagógico da escola Cabana; SEMEC. Caderno de educação 01 (Escola
Cabana construindo uma Educação Democrática e Popular).
Será discutida a política pública para a EJA no município de Belém no período
de 1997 a 2004, na qual traçaremos, inicialmente, um breve histórico da EJA, um
panorama das políticas públicas no período em questão, como essas políticas foram
traduzidas em ações concretas, os referenciais teóricos que fundamentaram tais
políticas e em que medida as leis de educação, principalmente a LDB 9.394/96, a
Emenda constitucional 14/96, que estarão sendo analisados a partir da leitura de
Carneiro (1998), Haddad (2000) Valente (2001) possibilitaram a concretização de
políticas públicas destinadas a EJA no município de Belém.
No terceiro capítulo, apresentaremos uma discussão acerca dos conceitos de
participação e cidadania, cuja análise estará fundamentada nos estudos de Marshall
(1987) e Peruzzo (1998). Falaremos da realidade sócio-politico-econômica do
Município de Belém, bem como do plano de ação da rede municipal de ensino e de
como era o atendimento educacional e as características pedagógicas da EJA à
alfabetização de jovens e adultos no Estado do Pará.
23
No quarto capítulo, discutiremos os dados que propiciaram perceber a
participação popular no governo do Povo de 1997 a 2004 em nível macro, através
do Orçamento Participativo e do Congresso da Cidade e em nível micro, deflagrado
a partir dos mais diversos eventos educativos.
Por fim, como considerações finais, reconstrói-se o fio condutor da
dissertação para verificar se a política de participação na EJA através de
mecanismos como o Orçamento Participativo, Congresso da Cidade, PROALFA e
MOVA representaram um avanço na democratização dessas políticas em Belém e
no Brasil.
Nosso interesse em pesquisar a política de participação na educação de
jovens e adultos no município de Belém, mais especificamente no período de 1997 a
2004, período em que a Gestão Municipal passou a ser assumida por um governo
que tinha assentado as linhas mestras de seu programa na participação popular e
no atendimento às necessidades mais urgentes das classes populares que o
apoiaram decorre principalmente da necessidade de se intensificar tais
estudos que permitam analisar sua trajetória, realizar inferências críticas e estimular
novas possibilidades de investigações desse fenômeno no contexto do
desenvolvimento capitalista brasileiro.
Esperamos que os resultados desses estudos possam se consubstanciar e
subsidiar a elaboração de políticas educacionais para a área, principalmente em um
momento de predominância de políticas neoliberais e neoconservadoras que
buscam aliar as políticas educacionais à lógica do mercado, por isso marcadas por
reformas educacionais restritivas baseadas na racionalização e eficiência dos
sistemas, privilegiando alguns níveis de ensino em detrimento de outros, provocando
várias e sérias implicações para a educação de jovens e adultos.
O envolvimento com o tema em questão surgiu quando ainda aluno da
graduação do curso de Pedagogia, em que tive a oportunidade de participar como
professor bolsista do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos Professor Paulo
Freire (PROALFA), no período de abril de 1999 a dezembro de 2000, através de um
convênio firmado entre a Universidade Federal do Pará e a Prefeitura Municipal de
Belém. Nesse período, tomamos consciência da importância do Projeto para todas
as pessoas que se encontravam envolvidas com a proposta da gestão democrática
24
popular e que se empenhavam e se desdobravam para que esta alcançasse seus
objetivos.
O esforço em investigar a política de participação na EJA no município de
Belém não tem sido tarefa das mais fáceis, principalmente pelo fato de no ano de
2004 a gestão democrático popular ter perdido as eleições e dado lugar a outro
governo que assumiu a gestão do município em 2005 e que por diversos motivos
não permitiu liberar informações sobre a EJA para o andamento desta pesquisa.
Mas, mesmo diante de tais dificuldades, procuramos ter alguns cuidados com os
procedimentos metodológicos de investigação, de forma que o estudo fosse
realizado com rigor.
25
CAPÍTULO I
UMA VIAGEM SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Nesse momento, procuramos realizar uma imersão na História da Educação a
fim de inserirmos a trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil objetivando
apreendermos o(s) conceito(s) que tal modalidade de ensino vem assumindo
historicamente, bem como de identificar sua importância ao longo do tempo. É válido
ressaltar que além de estarmos avançando no entendimento da conceituação dessa
modalidade de ensino, estaremos também refletindo sobre a questão da
participação e cidadania no espaço do direito da população à educação escolar.
Hoje o mundo, por conta das transformações que vem passando, volta a sua
atenção à criação de condições para o acesso de seus cidadãos à educação básica.
Dessa maneira, não são poucos os documentos de caráter internacional que
reconhecem e garantem esse acesso a seus cidadãos. Contudo, faz-se necessário
que este direito, para que seja garantido, seja inscrito na legislação nacional. Por
outro lado, devem ser criadas condições para que os cidadãos conheçam as leis,
pois o conhecimento e a compreensão das mesmas é de fundamental importância
para se reivindicar tais direitos.
A Constituição de 1988 assegurou a todos os cidadãos, independentemente
da idade, o direito ao ensino fundamental, prevendo, inclusive o mandato de
injunção para aqueles que ficaram privados desse direito. Para tanto, é necessária,
além da oferta de ensino básico para todas as crianças, a ampliação dos serviços
educacionais da pré-escola, da educação especial, que o sistema assuma
efetivamente a educação de jovens e adultos e dos trabalhadores. Somente assim o
direito de todos à alfabetização, à escolarização e à continuidade do processo
educativo estará garantido.
Partindo desse pressuposto, iniciamos nossa discussão procurando definir o
que é Educação de Jovens e Adultos, visto que essa denominação dá margem a
inúmeras interpretações e conseqüentes definições diferenciadas ao longo da
história.
26
1.1- A EJA na história da educação brasileira
O termo Educação de Jovens e Adultos tem sido empregado tanto para
designar uma modalidade de ensino, como para um programa do governo federal.
No primeiro caso pode-se definir, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9.394/96 (LDB), a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como
modalidade de ensino da educação básica.
Essa modalidade inclui os níveis de ensino fundamental e médio, mas guarda
autonomia em relação ao ensino regular que pode ser implementada por meios de
cursos e exames supletivos, em que podem ter acessos jovens e adultos, maiores
de 15 anos para o nível de conclusão no ensino fundamental (art. 38 § 1º, I), e para
os maiores de dezoito anos, no nível de conclusão do ensino médio (art.38 § 1º, II.),
os quais não tiveram a oportunidade de freqüentar a escola básica no tempo
oportuno. Direito assegurado pela Constituição Brasileira, que reza em seu artigo
208 § 1º que “o Estado deve garantir o acesso ao ensino obrigatório e gratuito”, pois
o tempo de estudar nunca cessa, por isso o acesso e a permanência na escola são
direitos públicos e subjetivos.
No segundo caso, como programa do governo federal destinado a promover a
educação de jovens e adultos, o que tem acontecido efetivamente é a delegação de
deveres a outras esferas do poder, além da concessão de subsídios e da
cooperação técnica. Fato que vem recebendo duras críticas, inclusive de estudiosos
como Gadotti e Romão (2003) que afirmam que essa dispersão ao mesmo tempo
em que enfraqueceu os movimentos populares para pressionar o Estado a fim de
obter o atendimento às demandas, perdendo-se assim até mesmo a grande unidade
teórica, acabou ganhando em diversidade e desta nasceu a prática de organização
popular e conseqüentemente a conquista de uma nova arma teórica para enfrentar
os novos desafios do final do século.
Desde o inicio dos anos 90, a União vem deixando relegando a um plano
secundário sua obrigação com os encargos da educação de jovens e adultos, e
transfere-os aos estados e, principalmente aos municípios, com visíveis apelos para
o envolvimento de organizações não-governamentais e da sociedade civil. Esta
27
transferência de responsabilidades culmina com o fim da Fundação Educar, órgão
que vinha induzindo as políticas de Educação de Jovens e Adultos em todo o país.
A ausência do governo federal no campo das políticas públicas educacionais
acabou abrindo espaços para experiências pulverizadas, permitindo, inclusive, que
predominem concepções produtivistas nas atuais políticas educacionais, visto que
os organismos internacionais, como o Banco Mundial, baseiam-se nas relações
custo-beneficio, e por isso acabam privilegiando um tipo de educação baseada nos
interesses de mercado em detrimento de uma outra que busque construir uma
sociedade melhor para todos.
À educação de jovens e adultos é conferido um papel secundário nas
reformas educacionais, enquanto para aqueles alunos em idade apropriada é
recomendado uma maior atenção e investimentos. O que pode ser conferido na LDB
9.394 de 20 de dezembro de 1996 e da Emenda Constitucional 14/96, que se
constituem instrumentos dessa política, permitindo a descentralização, a
racionalização e a focalização dos recursos educacionais no Ensino Fundamental, e
deixando de lado o atendimento à educação de jovens e adultos (CARNEIRO,
1998).
É bem verdade que do ponto de vista da História da Educação, pode-se
afirmar que a educação nem sempre foi entendida como um direito de todos. A luta e
a reivindicação em favor da universalização do ensino são recentes, visto que nos
últimos tempos a sociedade tem compreendido que quanto mais se organiza mais
passa a reivindicar seus direitos e a criar outros.
A concretização do direito à educação tem sido objeto de discussão no
cenário mundial. Uma educação para todos que respeite as diferenças individuais e
grupais, tem sido a tônica das propostas de políticas sociais comandadas por
comissões internacionais como a Organização das Nações Unidas Para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas Para a Infância
(UNICEF) e o Banco Mundial.
Essas Instituições Internacionais têm patrocinado Conferências Mundiais para
tratar do problema da educação, como foi o caso da Conferencia Mundial Sobre
Educação Para Todos, realizada em Jontiem, Tailândia, no ano de 1990. Em abril de
2000, representantes dessas instituições reuniram-se em Dakar a fim de avaliar se
28
houve ou não progressos das propostas que saíram do encontro de Jontiem. Outras
propostas surgiram também nesse encontro e foram consubstanciadas no
documento ‘O Marco de ação de Dakar - Educação Para Todos: Atingindo Nossos
Compromissos Coletivos’.
Logo, pode-se considerar, a partir desses movimentos, que existe uma
preocupação em incluir parcelas da população que historicamente foram excluídas
do processo educacional, tendo em vista o cumprimento daquilo que se constituiu
num direito de todo cidadão. Nesse sentido, a escola popular pública que
historicamente se tem reivindicado é aquela que busca o reconhecimento das
especificidades, o respeito às diferenças entre os diversos segmentos da sociedade,
cuja finalidade é a construção de um mundo mais justo e digno.
É mister que se entenda que a Educação de Jovens e Adultos não começou
na década de 90. Essa modalidade existe, legalmente, desde o ano de 1879,
quando se promulgou a primeira lei, ou melhor, o primeiro decreto, que versava
sobre a mesma. Efetivamente, passa existir a partir da década de 1930, quando se
fundaram as primeiras escolas públicas do ensino primário. Também, não se pode
acreditar que sua estrutura de ensino sempre foi a mesma, isto é, sempre esteve
inscrita dentro do Ensino Fundamental e Médio ( e graus, ensino primário,
ginasial ou cientifico). Ora se constituiu de classes de alfabetização, ora se expandiu
para o ensino primário. Ora atingiu, também, o ensino profissionalizante, ora
retrocedeu. Ora retomou toda a antiga estrutura e ampliou-se. Portanto, a definição
de Educação de Jovens e Adultos mais adequada é a que a define como
modalidade de ensino destinada a jovens e adultos, pois abarca todos esses
momentos é.
Essa reflexão tem a finalidade de se definir a EJA como parte constitutiva do
sistema regular de ensino que propicia a educação básica e nesse sentido tal
educação deve ser revestida de qualidade. Assim, de acordo com Gadotti e Romão
(2003), ela não pode ser colocada paralelamente ao sistema, nem como forma
compensatória, nem como forma complementar, mas como modalidade de ensino
voltada para uma clientela especifica.
Uma vez tendo se definido a EJA, discutiremos como tem sido o campo da
educação de jovens e adultos no cenário brasileiro como esta tem sido pensada e
tratada e o objetivo que tem assumido historicamente.
29
Muitos são os teóricos que, principalmente, nas últimas décadas do século
XX, vêm travando várias discussões a respeito da educação. É uma questão que
está na pauta do dia não pelo setor escolar, mas pelos discursos e propostas
governamentais, bem como de todo um segmento da sociedade civil, independente
da corrente político-ideológica defendida por tais segmentos.
É de conhecimento dos que se interessam por educação que reformas e
propostas nesse campo não são novidades históricas no Brasil deste século.
Contudo, quando atentamos para as origens desses eventos, percebemos que
essas formulações se deram, principalmente, devido às crises econômicas, na
redefinição do modelo de acumulação do capital e pelo surgimento de novos atores
sociais no cenário político nacional, como veremos a seguir.
1.1.1- Período Jesuítico (1549 a 1789)
Podemos afirmar que basicamente a educação de jovens e adultos
começou no Brasil com os jesuítas, que segundo Francisco Filho (2001, p. 25) “am
de catequizar os indígenas, preparar os filhos dos colonos brancos que
completariam os estudos no velho continente, os jesuítas tinham a incumbência de
aumentar o contingente de sacerdotes da ordem”. Esses educadores, através das
crianças, pretendiam atingir seus pais catequizando-os dentro dos princípios
cristãos. Além de transmitir normas de comportamento, ensinavam os ofícios que se
faziam necessários ao funcionamento da economia colonial.
Podemos afirmar também que a história da educação de jovens e adultos de
forma geral está vinculada à educação popular, a questões políticas em torno da
mobilização em favor da educação para as classes populares, no sentido da
manutenção de estruturas socioeconômicas ou de mudanças nas estruturas sociais.
A educação, elemento fundamental de manutenção ou mudança se tornou um
instrumento de luta política ideológica de poder, transformando-se nesse fator de
manutenção do status quo (conservação) ou de mudança social.
No caso do Brasil, sociedade com raízes conservadoras, a educação de
adultos surgiu vinculada à educação básica, em função de dois fatos bastante
importantes, dos quais um foi mencionado anteriormente: a catequese dos
Jesuítas que atendia às crianças e aos adultos, objetivando a cristianização e a
30
aculturação dos nativos; e a criação de escolas para adultos, em 1870, cuja
expansão deu-se de forma concomitante a do ensino elementar, por exigências
sociais e políticas (PAIVA, 1983).
Na realidade, a educação de jovens e adultos era um trabalho educativo que
se dava de forma indireta e que não revelava nenhuma preocupação com os
adultos. A história da educação brasileira não registra movimentos oficiais,
campanhas de alfabetização de jovens e adultos, sistematizadas no período
jesuítico. O trabalho volta-se, prioritariamente, à clientela infantil. Os escravos não
tiveram muito acesso às escolas jesuíticas, conforme assegura Leite (apud PAIVA,
1992, p. 17).
[...] Os jesuítas portugueses e brasileiros muito menos. Se não se admitiram
nas escolas do Brasil os escravos, a razão foi a mesma que atinge hoje a
grande massa do proletariado; não o permitiam as circunstâncias
econômicas da terra, nem os senhores compravam escravos para os
mandarem estudar.
Com a expulsão dos jesuítas, em 1789, houve grandes mudanças nesse setor
e o sistema educacional desorganizou-se completamente. Agravaram-se os
panoramas do analfabetismo e do ensino precário. A educação ficou à deriva.
Aumentou o fosso entre os letrados e a maioria da população analfabeta, resultando
em grandes prejuízos nessa área para o império.
Estudos de Haddad e Di Pierro (2000) afirmam que, desde antes da
Proclamação da República, existia dispositivo legal (ao tratar-se do Brasil, isso
não significa efetivação) que versava sobre a EJA, embora de forma discriminatória
(em relação à isonomia concedida pela Carta Constitucional de 1988). Era o Decreto
7.247 de 19/04/1879, que “previa a criação de cursos para adultos analfabetos,
livres ou libertos do sexo masculino, com duas horas diárias de duração no verão e
três no inverno, com as mesmas matérias do diurno”, bem como, “auxílio a entidades
privadas, que criassem tais cursos”.
Anterior a esse decreto, a Primeira Constituição, de 25 de março de 1824
garantiria uma “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”, incluindo nesse
contexto os jovens e adultos. Posteriormente, o Ato Adicional de 1834, emenda a
essa Constituição, abria oportunidades para as assembléias provinciais legislativas
31
legislarem e promoverem os ensinos elementar e secundário, bem como caberia às
províncias a criação de escolas de primeiras letras (ibid., 2000).
Entretanto, poucas escolas primárias foram fundadas e a instrução elementar
acabou por tornar-se um encargo da família. Assim, como afirma Francisco Filho
(2001) “a instrução pública gratuita para ensinar a ler e escrever ficou quase
esquecida nas linhas mortas da Constituição de 1824”. E, confirmando essa
premissa, Haddad e Di Pierro (2000), afirmam que pouco ou quase nada foi
realizado no período colonial. Poucas foram as escolas criadas para minimizar a
falta de educação para os jovens e adultos nesse período, legando assim grandes
prejuízos ao império.
1.1.2 - Período Imperial (1822 a 1888)
Como é passível de constatação nos estudos de Francisco Filho (2001),
durante todo o império expandiram-se os ensinos superiores, cresceram os números
de instituições religiosas que trabalhavam com o ensino secundário, porém, no que
diz respeito ao ensino popular elementar, esses sofriam acentuada refutação e as
causas provinham da falta de verbas ou outros motivos quaisquer que impediam sua
expansão, fazendo com que, de acordo com Haddad e Di Pierro (2000), mesmo
diante de forças de leis que contemplavam a educação para todos, o que se
percebia era uma distância exorbitante entre o proclamado e o realizado, resultando
na exclusão da grande maioria da população desse contexto educacional.
Por outro lado, nesse período, conforme os autores acima citados, só possuía
cidadania quem pertencia a elite econômica. A esta classe, cabiam as benesses da
educação; os que a ela não pertenciam só restava a exclusão. Assim, negros,
indígenas e grande parcela da população feminina ficavam de fora do direito à
educação primária (ibid., 2000).
Algo que colaborou muito para acentuar esse processo de exclusão foi o fato
de o Ato Adicional de 1834 delegar a responsabilidade da educação às províncias,
atribuindo-lhes a função de oferecer educação à grande maioria carente e
desprovida desse bem e reservando ao império a prioridade de dar educação
somente à classe elitizada. Porém, é valido ressaltar que, naquela época,
segundo os estudos de Haddad e Di Pierro (2000), existiam províncias que se
32
esforçavam dentro de suas reais condições em oferecer um pouco de educação
para população desassistida. Mas não era o suficiente para minimizar as mazelas
que iam se delineando, uma vez que desta situação sobraria ainda um grande
número de analfabetos.
Nesse sentido, o que se observava era que as perspectivas liberais, ou seja,
aquelas que asseguravam direitos sociais (ibid., 2000), que estavam incorporadas
na legislação desse período, não se concretizavam devido a toda uma estrutura
capenga que acabava por atropelar toda uma perspectiva da sociedade brasileira.
Para Beisiegel (1974, p. 43),
[...] No Brasil, na colônia e mesmo depois nas primeiras fases do império [...]
é a posse da propriedade que determina as limitações de aplicação das
doutrinas liberais; e são os interesses radicados na propriedade dos meios
de produção colonial [...] que estabelecem os conteúdos específicos dessas
doutrinas no país e que há realmente peculiar no liberalismo no Brasil
durante esse período e nestas circunstâncias é mesmo a estreiteza das
faixas de população abrangidas nos benefícios consubstanciados nas
formulações universais em que os interesses dominantes se exprimem.
Contudo, é válido ressaltar que esse período foi movido por inúmeros projetos
apresentados ao Parlamento Nacional que, entre outras questões, reivindicavam o
ensino elementar popular e o ensino gratuito e obrigatório para todos. Todavia, a
falta de verba, entre outros motivos, fazia com que os projetos fossem arquivados.
Em 1854, como aponta Francisco Filho (2001), foi aprovada a Lei Couto Ferraz, que
criou a obrigatoriedade do ensino elementar e criou classes especiais para adultos
que não tinham concluído os cursos. Porém, conforme o autor, essa lei foi
considerada absurda e na prática, pouco resultado se obteve.
Com a última Reforma Educacional do Império em 1879 (Reforma Leôncio de
Carvalho) promoveu-se, dentre outras reformas, o ensino obrigatório dos sete aos 14
anos, que podia ser freqüentado pelos filhos de escravos. O que para Francisco
Filho (2001) podia ser considerado um grande avanço, não foi. Na realidade
critica o autor o Império legou à República um ensino de elite, parcelado e sem a
mínima atenção ao conhecimento para as classes populares.
33
1.1.3 - Período Republicano (a partir de 1889)
Com o advento da República, o retrocesso foi ainda mais reforçado, devido à
Constituição Federal de 1891, de caráter eminentemente liberal (daí enfatiza-se o
princípio da livre iniciativa), ter tornado a educação uma responsabilidade do
indivíduo, visto que eliminou de seu texto a “gratuidade da instrução”. Logo, deixa de
existir também a obrigatoriedade de criação dos cursos para adultos, bem como o
fornecimento de auxílio às instituições privadas que os implementassem.
Este fato nos remete ao estudo de Xavier (1990) que, ao fazer uma análise do
discurso liberal, afirma que o mesmo suscitou nas camadas inferiores da sociedade
o desejo de ascensão via escola. O autor afirma que tal discurso não se
consubstanciou nas instituições educacionais, a não ser para produzir elites
dominantes.
E os ideais liberais da escola “redentora”, promotora de progressos
individuais e sociais, móveis do desenvolvimento econômico, acabaram por
se traduzir na acanhada defesa da ampliação do sistema tradicional que
produzia elites dominantes (p. 61)
Em concordância com Hilsdorf (2003), quando atentamos minuciosamente
para esse período, principalmente o da Primeira República (1889 a 1930),
observamos que a diacronia republicana pode ser percebida coexistindo,
cooperando e conflitando com a monárquica, persistindo nas primeiras décadas do
século XX, uma vez que entre os republicanos liberais radicais e democratas,
mas também muitos liberais não-abolicionistas e mesmo homens de mentalidades
conservadoras.
1.1.3.1- Primeira República
Em 1891, com a promulgação da Constituição Federal, consagrou-se uma
nova concepção de federalismo, delegando-se a responsabilidade do ensino básico
ao setor público, tanto nas províncias quanto nos municípios. Diante dessa nova
concepção, caberia à União o papel de animador dessas atividades, assumindo a
34
educação fundamental e o ensino superior, o que garantiu, de uma forma geral, uma
quase exclusiva atenção ao ensino da camada elitizada, deixando à margem desse
processo uma ampla parcela da população, já marginalizada por esse setor público.
A justificativa desse descaso do setor público para com a educação dessa
parte da população era a falta de recursos por parte das províncias e municípios que
controlavam politicamente as finanças.
Esta Constituição acabou também por excluir os adultos analfabetos, ao
desobrigá-los do voto, justamente num contexto em que a maioria da população
adulta era analfabeta.
Contudo, mesmo diante de toda essa problemática apontada por Haddad e Di
Pierro (2000), esse período apresentou grandiosas reformas no campo educacional,
à medida em que se procurou um princípio de normatização e preocupou-se com o
estado precário do ensino básico. Deve-se ressaltar que estas reformas não foram
promotoras do alavancamento da educação, uma vez que não existia um orçamento
voltado para a área educacional. Em conseqüência, não se garantia que as
propostas legais tivessem um resultado positivo para a população carente.
1.1.3.1.1 - A década de 1920
Aproximadamente 30 anos, após o estabelecimento da República, o censo de
1920 apontava o analfabetismo em cerca de 72% da população acima de cinco
anos. Logo, é possível a observação de que à educação de jovens e adultos não era
dada nenhuma importância, nem como fonte de um pensamento pedagógico, nem
como fonte de políticas educacionais especifica (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
Foi na década de 20, com o movimento de educadores e de todos aqueles
que lutavam por educação, que foi se ampliando o número de escolas, bem como da
qualidade na educação. A partir desse momento, estabeleceram-se condições a
favor da implementação de políticas públicas para a educação de jovens e adultos.
Os grupos organizados passaram a exercer pressão para que o Estado assumisse
definitivamente esses serviços, uma vez que o país encontrava-se com baixíssimos
índices de escolarizados, atrás de muitos países da América Latina ou do resto do
mundo. Porém, vale a pena destacar que essa iniciativa no final da Primeira
35
República associa-se ao fato do surgimento da industrialização, bem como do
crescimento do Brasil no aspecto urbano (ibid., 2000)
Pelos motivos expostos, as elites procuravam se antecipar no
estabelecimento constitucional do direito à educação para todos, mas não
significava que davam as condições necessárias para tal realização. Na realidade
acabavam por ver esse princípio constitucional não como dever do Estado, mas
como dever do brasileiro perante a sociedade, responsabilizando-os por sua
educação, conforme os apontamentos de Beisiegel (1974).
[...] ao direito da educação que se afirmara nas leis do Brasil, com a
garantia do ensino primário gratuito para todos os cidadãos, vira agora
associar-se, da mesma forma como ocorrera em outros países, a noção de
um dever do futuro cidadão para com a sociedade, um dever educacional
de preparar-se para o exercício das responsabilidades da cidadania [...]
(p.63)
Na realidade, as reformas educacionais eram conseqüências de toda uma
mudança pela qual passava a sociedade, devido principalmente à Primeira
Guerra Mundial, que provocara profundas transformações nos quadros econômico,
social e político do país, fortalecendo o grupo industrial-urbano, ampliando setores
médios e o proletariado urbano. Surgira nesse contexto um nacionalismo suscitado
pela guerra e pela pressão para a recomposição do poder político nos padrões da
democracia liberal republicana (PAIVA, 1983).
A educação passa então a ser considerada um problema nacional, uma vez
que sua ausência é tida como responsável por todos os problemas sociais. Com
isso, chamava-se a atenção para a universalização da instrução elementar.
Surge o
entusiasmo pela educação que, segundo Paiva (1983), passa a ser, então,
perpetuado pelos burocratas da educação, após a criação do Ministério da
Educação (objetivando manter a ordem vigente) e pelos humanitaristas (buscando
«recuperar» o analfabeto para a vida social).
Paralelamente a esses acontecimentos, ou seja, ao largo das transformações
que vinham ocorrendo no mundo, em 1925 o Direito ganha novos espaços e o
acesso á educação escolar é um deles. O Decreto 16.782/A de 13/01, que trata do
“Concurso da União para Difusão do Ensino Primário”, concedeu por meio do artigo
36
27 permissão para funcionamento de escolas noturnas para adultos e do art. 25,
subsídio parcial, ainda que apenas para as escolas da zona rural: “poderão ser
criadas escolas noturnas, do mesmo caráter [das de ensino regular], para adultos,
obedecendo às mesmas condições do art. 25”.
Porém, esta Reforma não se tornou efetiva, em virtude da alegada carência
orçamentária da União e do reacionarismo proveniente do temor da elite à
incorporação de novos eleitores (o art. 70 da Constituição condicionava o exercício
do voto à alfabetização) e a toda sorte de mudanças políticas.
Portanto foi o desejo de conquista desses espaços de direito que motivou os
que lutavam por melhores condições de vida e acesso aos bens sociais a erguerem
suas bandeiras de lutas. Nesse sentido, segundo Paiva (1983), a problemática da
educação de adultos emerge na década de 20 entre os «realistas» da educação.
Nessa época, se identificava a possibilidade da educação de adultos como
instrumento para a promoção da participação política das massas, tanto pelas
«esquerdas» marxistas, quanto pelo governo no Estado Novo e pelos movimentos
de orientação cristã-não-marxista.
Finalmente, os anos 20 marcam a educação de jovens e adultos vinculada à
educação popular, à luta pela Universalização do Ensino e ao aparecimento de dois
Movimentos: o Otimismo Pedagógico e o Realismo em Educação.
1.1.3.1.2 - A década de 1930
A década de 30 representa um outro marco histórico para a questão da
educação popular, porque delineia o início de um período político subdividido em
características diferenciadas: o da Segunda República, com ideais democrático-
liberais (1930-1936) e o Estado Novo marcado pelo regime autoritário, antiliberal e
antidemocrático (1937-1945) que vão interferir na trajetória educacional, também de
forma diferenciada (PAIVA, 1983).
Para além dessas características, essa década representava também um
marco histórico pelo fato da nação estar reafirmando-se ao contrário do federalismo
que prevalecera até aquele momento, reforçando os interesses das oligarquias
regionais. (HADDAD e DI PIERRO, 2000)
37
No primeiro momento de seu governo, Getúlio Vargas incluía em seu
programa de reconstrução nacional a difusão intensiva do ensino público,
principalmente o técnico-profissional, estabelecendo um sistema de estímulo aos
estados. Os educadores passaram a ser ouvidos nos seus pareceres e as
discussões versavam sobre a definição de uma política nacional de educação.
No Estado-Novo, o autoritarismo não permitiu as discussões dos problemas
relevantes da educação, entrando em declínio o movimento de renovação escolar e
o desprestígio dos educadores liberais, sem perda, entretanto, da importância do
técnico da educação e a sua utilização com fins ideológicos, para sedimentação da
nova ordem política.
Nos anos de 1930, começaram a ser efetivadas mudanças na educação:
criou-se o Ministério da Educação e Saúde (1930) e reformulou-se o ensino superior
(1931). Após a Constituição de 1934, houve a reformulação do ensino secundário e
criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o INEP (BEISIEGEL, 1989).
Foi a partir dessa cada que a Educação de Jovens e Adultos começou a
efetivar-se. Uma primeira experiência que evidencia a preocupação com a
especificidade da educação de adultos foi o Convênio Estatístico de 1931, que
incluiu nas estatísticas oficiais a categoria do Ensino Supletivo. Por meio desse
convênio firmado entre a União e os estados, consolidaram-se as normas e padrões
para a uniformização das estatísticas relativas a esse campo especifico. O fato é que
a partir de então os sistemas supletivos estaduais começaram a se ampliar. Paiva
(1983, p. 173) afirma que “entre 1932 e 1937 a matrícula geral em todo o País no
ensino supletivo havia se elevado de 49.132 para 120.816 e as unidades escolares
de 663 para 1.666”.
Para tanto, contribuíram, sobremaneira, fatores ligados à conjuntura sócio-
político-econômico-histórica: a vinda de imigrantes europeus (que mesmo quando
iletrados, possuíam, geralmente, formação política anarquista); a queda do preço do
café no mercado internacional; o enfraquecimento da oligarquia cafeeira; a
revolução de 30 e a centralização do poder na esfera da União; a imigração interna
(em especial, o êxodo rural) e o crescimento acelerado da população das cidades de
São Paulo e do Rio de Janeiro; a crescente industrialização. Para que fossem
levadas a cabo tais mudanças, requeria-se uma grande e inadiável transformação
cultural, isto é, o abandono de uma cultura oral para adoção de uma cultura letrada.
38
O Decreto 19.890 de 18/04/1931 e a Constituição Federal de 1934, nos seus
artigos 149 e 150 foram as bases legais que deram condições para que houvesse a
efetivação da educação de jovens e adultos. É válido mencionar que em 1936/1937
existia uma proposta de um Plano Nacional de Educação (PNE), que nunca foi
votado. O Decreto trouxe mudanças estruturais para a educação: a sinonimização
entre faixa etária apropriada, seriação e ensino regular; a avaliação do processo
ensino-aprendizagem por meio de exames, provas e passagens para a série
imediatamente posterior (esse foi o começo da dicotomia entre Ensino Regular e
Ensino Supletivo).
A Constituição atrelou ao ensino os princípios liberalistas. Assim, a educação,
mesmo que no âmbito do ensino primário, tornou-se gratuita, logo acessível a
todos. A Constituição de 1934 reconheceu, pela primeira vez em caráter nacional, “a
educação como direito de todos e [que ela] deve ser ministrada pela família e pelos
poderes públicos” (art. 149). Em seu art.150, versa que o Plano Nacional de
Educação deve obedecer, entre outros, “ao principio do Ensino Primário integral,
gratuito e de freqüência obrigatória, extensiva aos adultos (§ único, a)”.
Em 1937, período em que ocorreu o golpe militar e criou-se o totalitário
Estado Novo, a Educação de Jovens e Adultos volta a sofrer retrocessos: outorgou-
se a nova Constituição, que cancelou todas as disposições da Constituição anterior,
isto é, o acesso que todos tinham garantido ao Ensino Primário estava ameaçado e
se impunha então uma educação bipartida, a educação para a elite e a educação
para o populacho. A educação para este focalizava o trabalho manual e permitia,
apenas, o “acesso mínimo à leitura e à escrita”. Tal situação perdurou ao fim da II
guerra Mundial.
1.1.3.1.3 - A década de 1940
Foi a partir da criação do INEP, em 1938, (Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos) que, através de seus estudos e pesquisas, instituiu-se em 1942 o
Fundo Nacional do Ensino Primário, cujos recursos passariam a realizar um
programa progressivo de ampliação da educação primária que incluísse os Ensinos
Supletivos para adolescentes e adultos.
39
Em 1945 o fundo foi regulamentado, estabelecendo que 25% dos recursos de
cada auxílio deveriam ser aplicados num plano geral de Ensino Supletivo, destinado
aos adolescentes e adultos analfabetos. Em proporções internacionais, ampliavam-
se os movimentos em prol de uma educação de jovens e adultos. Ainda em 1945 foi
criada, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que denunciava ao mundo o fosso da
desigualdade entre os paises e alertava para o papel que a educação deveria
desempenhar na minimização dessa problemática, inclusive na educação de
adolescentes e adultos analfabetos que representava um atraso para as nações em
processo de desenvolvimento (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
Com o fim da ditadura, no mesmo período, e o alerta da ONU (Organização
das Nações Unidas) para a urgência de integrar os povos visando à paz e à
democracia, a Educação dos Adultos ganhou destaque e preocupação dentro da
educação. Os progressos no ensino não foram, porém, extraordinários. Se em 1940
havia no país 56% de analfabetos, essa porcentagem passou para 50,5% em 1950 e
baixou de 10% em 1960 (39,4%). Mas em números absolutos houve um aumento do
número de analfabetos de 1950 para 1960, o que significa um atendimento escolar
deficiente da população (WEREBE, 1997, p.63).
Na segunda metade da década de 40, mais especificamente a partir de 1945,
com a redemocratização do país, percebe-se uma mobilização em torno do
problema da Educação de Jovens e Adultos e esta modalidade de ensino acabou
por receber novos impulsos; uma vez que se fazia necessário aumentar as bases
eleitorais de sustentação do governo federal, bem como “abrasileirar” as massas
populacionais de imigração recente. Então, em 25/08/1945, aprovou-se o Decreto
19.513, que estabelecia a concessão de auxílio federal para a ampliação e o
desenvolvimento do Ensino Primário Estadual, segundo a necessidade dos estados
e fixava a quota de recursos destinada a ser aplicada na construção de escolas
(70%) e na Educação de Jovens e Adultos (25%), conforme mencionado
anteriormente. Sendo assim:
[tais necessidades seriam] avaliadas segundo a proporção do número de
crianças, entre 7 e 11 anos de idade, que não estejam matriculadas em
estabelecimentos de ensino primário e que a importância correspondente a
25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária de
adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um plano
40
geral de ensino Supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde.
(BRASIL, 2000, p. 124).
É válido ressaltar, que estes novos impulsos foram tanto por parte do governo
federal, por conta dos motivos expostos anteriormente, quanto das esquerdas,
ligadas ao Partido Comunista do Brasil (PCB), recém legalizado, que passaram a
promover cursos e atividades educativas com adultos através das Universidades
Populares e dos centros de cultura popular, nos quais a tônica principal era a da
difusão da cultura. E essa efervescência cultural se desenvolve em quase todos os
estados, principalmente no Nordeste.
Por outro lado, essa mobilização tanto do governo quanto da esquerda
acabou por culminar em sérios problemas, de acordo com alguns estudiosos, visto
que para estes o sistema educacional acabara se transformando em um sistema de
discriminação social. É o que identifica Romanelli (1984, p. 169). De acordo com a
autora, os componentes dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção
pelas escolas que “classificavam” socialmente, ou seja, uma para a elite e outra para
as camadas populares e os componentes dos estratos populares que passaram a
fazer opção pelas escolas que preparavam para o mercado de trabalho.
Em 1947, sob o comando do professor Lourenço filho, inaugurou-se a
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), um movimento que
nasceu com a instalação do Serviço de Educação de Adultos (SEA), um serviço
especial do Departamento Nacional de Educação do Ministério da Educação e
Saúde, que tinha por fim a reorientação e coordenação geral dos trabalhos anuais
do ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos. Sua influência foi
significativa, principalmente por criar uma infra-estrutura nos estados e municípios
para atender a educação de jovens e adultos, posteriormente preservada pelas
administrações locais (BEISIEGEL, 1974)
Inicialmente, o movimento teve seu inicio na zona urbana e gradualmente foi
expandindo-se para a zona rural. Com essa campanha, pretendia-se alfabetizar a
massa e qualificá-la para o trabalho. Para isso, sua estrutura didática dividia-se em
duas etapas: a “ação extensiva”, que englobava curso de alfabetização com duração
de 3 meses e curso primário com duração de 14 meses, dividido em dois períodos
41
de 7 meses. A etapa seguinte, a “ação em profundidade”, visava à capacitação
profissional e ao desenvolvimento comunitário.
No seu inicio, o movimento obteve grandes êxitos: ampliou os serviços
existentes nas diversas regiões do país, fundou várias escolas supletivas (que após
a extinção da campanha foram herdadas pelas redes estaduais e municipais de
ensino), alcançou um número considerável de pessoas e alguns voluntários se
engajaram.
1.1.3.1.4 - A década de 1950
O movimento de educação de adultos, que nascera em 1947, estendeu-se até
o fim da cada de 50. Conforme Haddad e Di Pierro (2000) duas campanhas ainda
foram organizadas pelo Ministério da Educação e Cultura: uma em 1952, a
Campanha Nacional de Educação Rural e, outra em 1958, a Campanha Nacional de
Erradicação de Analfabetismo. Ambas tiveram vida curta e pouco realizaram. Na
realidade, a partir da década de 50, quando essas campanhas se expandiram para a
zona rural, elas arrefeceram-se; não conseguiram lograr, ali, o mesmo bom senso,
que obtiveram na zona urbana, e antes do fim da década, cessaram de vez.
As causas do insucesso, segundo o apontamento da época, seriam as
deficiências administrativo-financeiras (o recurso orçamentário da União estava-se a
empregar na construção de Brasília), a orientação pedagógica ultrapassada (pré-
behaviorista), a superficialidade do aprendizado em função do tempo de ensino (o
que se faz atualmente em quatro anos e foi feito em seis, era feito em dezessete
meses) e a inadequação do método para a população adulta das diferentes regiões
do país. Assim, como podemos observar, a instauração da campanha de educação
de adultos deu lugar também à conformação de um campo teórico pedagógico
orientado para discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil.
Conforme levantamos anteriormente, a campanha de educação de adultos
fracassou no fim da década de 50 e o governo federal, por meio de alegação de
carência orçamentária, eximiu-se da responsabilidade de educar os jovens e adultos
analfabetos (sem, contudo, revogar as leis anteriores). As organizações não-
governamentais, em especial a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
e a União Nacional dos Estudantes (UNE), tomaram para si tais responsabilidades,
42
sem deixar de pressionar o governo, para que este voltasse a responsabilizar-se por
esse ensino (HADDAD E DI PIERRO, 2000)
Na década de 50, as críticas à Campanha de Educação de Adultos
convergiram para uma nova visão do problema do analfabetismo e para a
consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja
referência principal foi o educador pernambucano Paulo Freire.
[...] num ambiente de entusiasmo e liberdade, desenvolveram-se
movimentos em favor da educação popular, sobretudo os ligados aos meios
universitários, ou religiosos. Esses movimentos promoveram atividades
culturais variadas, sobretudo cursos de educação de base (WEREBE, 1997
p. 73).
O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para
alfabetização de adultos, inspirou os principais programas de alfabetização e
educação popular que se realizaram no país no início dos anos 60. O paradigma
pedagógico, que se construiu nessa prática, baseava-se num novo entendimento da
relação entre a problemática pedagógica e a problemática social. Sob essa
perspectiva, Paulo Freire criticou a chamada educação bancária, que considerava o
analfabeto um ignorante, uma espécie de gaveta vazia onde o educador depositava
todo o conhecimento. Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem,
Freire propunha uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas que fosse
transformando-se através do diálogo.
Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos
conscientizadora, cujo principio básico seria respeitar os sonhos, as frustrações, as
dúvidas, os medos, os desejos dos educandos (crianças, jovens e adultos); os
educadores e educadoras nos quais via um ponto de partida para sua ação, e não
de chegada.
Mas, se sob o ponto de vista das garantias sociais, pelo exposto, a Educação
de Jovens e Adultos retrocedeu, sob o da orientação pedagógica, teve grandes
avanços. Durante os quatros primeiros anos da década, o movimento de
alfabetização fundamentou-se nos aportes teórico-metodológicos de Paulo Freire.
Essa concepção caracterizava-se (ou melhor, caracteriza-se) por sua proposta final
progressiva, isto é, em vez de formar sujeito “ledores e escrevedores” a intenção era
43
de formar leitores e escritores, dotados de capacidade de interagir com a realidade
social circundante:
[...] Paulo Freire criticou a chamada educação bancária [...] tomando o
educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação
educativa que o negasse sua cultura, mas que a fosse transformando
através do (sic) diálogo. Na época ele referia-se (sic) a uma consciência
ingênua ou intransitiva [...] que deveria ser transformada em consciência
critica necessária ao engajamento ativo no desenvolvimento político e
econômico da nação. (RIBEIRO, 1997. p. 23-24).
Essa tendência constituía-se de duas etapas: a etapa preparatória” e a
“etapa executiva”.
Na primeira, o procedimento consistia na pesquisa da realidade existencial do
grupo a ser alfabetizado, em seguida o arrolamento das palavras usuais e a escolha
das que expressassem os conceitos mais relevantes de tal realidade e, por último, a
seleção daquelas, cujo padrão fonotático representasse amostra da língua (estas
eram chamadas de palavras geradoras).
Na segunda (no processo de execução, propriamente dito, do processo de
alfabetização) começava-se, primeiramente, com a desmistificação da palavra
cultura, criando condições para que os alunos passassem a recusar a definição da
Antigüidade Latina, aquela que identifica cultura com cultura erudita, para adotarem
a definição antropológica que, de acordo com Faundez apud Gadotti (1996), não
considera um povo iletrado como um povo ignorante. De acordo com essa definição,
a cultura é todo ”o conhecimento que o povo acumulou por meio da produção de sua
vida social e se transmite fundamentalmente através da oralidade e da ação”.
Sendo assim, por meio da exposição de cartazes com imagens, a fim de fazer
com que os alfabetizandos passassem a acreditar nas suas capacidades de
aprender e se vissem e se sentissem responsáveis por isso. Depois, as mesmas se
relacionavam com as palavras geradoras, estas eram decompostas em sílabas.
Então, apresentava-se um quadro com as famílias silábicas e começava-se,
conseqüentemente, a se construir novas palavras. Por último, quando os mesmo
estivessem letrados, “as palavras geradoras seriam substituídas por temas
geradores, a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam a análise de seus
44
problemas, preferencialmente se engajando em atividades comunitárias ou
associativas”.
1.1.3.1.5 - As décadas de 1960 e 70
Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização que
previa a disseminação por todo o Brasil de programas de alfabetização orientados
pela proposta de Paulo Freire. Com o golpe militar em 31 de março de 1964, os
programas de alfabetização e educação popular que, durante os anos anteriores se
proliferaram, tornaram-se ameaças graves e potenciais à ordem imposta. Sendo
assim, os que a promoveram foram severamente perseguidos e punidos, os
movimentos de educação e cultura populares foram reprimidos, seus ideais
censurados. O Programa Nacional de Alfabetização foi interrompido e
desmantelado, seus dirigentes presos e materiais apreendidos (HADDAD e DI
PIERRO, 2000).
A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação dos programas de
educação de adultos cuja natureza política contrariavam os interesses impostos pelo
golpe militar. Assim o Estado exercia o seu poder coercitivo para garantir a
“normalização” das relações sociais.
Mas, se por um lado, este setor da educação não podia ser abandonado por
parte do Estado, uma vez que era um canal de mediação do governo com a
sociedade. Por outro lado, não cabia dentro da proposta do governo de regime
militar um crescimento para o país sem considerar o combate ao analfabetismo.
Havia ainda a necessidade de dar resposta a um direito de cidadania que cada vez
mais se identificava como legitimo, mediante estratégias que atendessem ao modelo
socioeconômico implementado pelo regime militar. (ibid., 2000)
Das iniciativas que derivavam do Programa de Alfabetização, a mais
importante foi o Programa de Educação Integrada (PEI) que correspondia a uma
condensação do antigo curso primário. Esse programa abria a oportunidade de
continuidade dos estudos para o alfabetizado. O(s) fim (ns) desse programa seria(m)
forjar um avanço educacional no campo de educação de jovens e adultos; visto que,
agora, os cursos de alfabetização teriam seqüenciação; e, ainda, “varrer para
debaixo do tapete vermelho” a descaracterização do método Freire, que
45
supostamente seria o adotado pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL).
Em 1967, o Governo Militar a partir da Lei n° 5.379 de 15 de dezembro criou o
MOBRAL, que começa a funcionar de fato em 1970. Criou, também, o Ensino
Supletivo, regulamentado pela Lei 5.692, de 1971. Segundo Haddad (1989), o
Ensino Supletivo e o Mobral foram implementados para dar resposta aos
movimentos da década de 60, que foram cortados pelo golpe militar, já que a
demanda por educação continuou e a havia a necessidade de ampliar a oferta de
formação profissional em função da nova política de desenvolvimento nacional.
O Estado procurou, através do Ensino Supletivo e do Mobral, manter a
concepção de educação permanente no sentido não de oportunizar a
escolarização daqueles que não a obtiveram na época adequada, mas atualizar
permanentemente qualquer pessoa em qualquer nível de ensino para participar de
forma adequada do desenvolvimento nacional, haja vista que nessa década se tem
um novo modelo de acumulação ligado ao capital internacional. Como se vivia sob a
tutela militar, coube então à cúpula desse regime a realização de reformas cuja
preocupação era a de adequar a educação brasileira a esse novo sistema de
produção (ibid.,1989).
Esse modelo de acumulação acabou gerando várias conseqüências negativas
para a sociedade, principalmente para a camada mais pobre da população. Foram,
sem dúvida, esses estratos populares, o ponto de partida para as várias discussões
e posições de estudiosos, que tentaram alertar para a problemática advinda desse
processo de desenvolvimento devastador e, assim, partir para a tentativa de
construção de uma nova proposta de educação para a sociedade. Mas, enquanto
isso não acontecia, o Ensino Supletivo e o MOBRAL se expandiam. Este último,
principalmente, apropriando-se do sistema Paulo Freire de alfabetização, abstendo-
se, contudo, do preceito da conscientização ou da educação problematizadora.
46
Segundo Aranha (1989, p. 268):
Neste trabalho é aplicado, de maneira deformada, o método Paulo Freire e,
sendo usadas apenas às fichas de leitura, “aliviando-o” do processo de
conscientização, considerado subversivo. Na verdade, trata-se do avesso
do método, impensável como mera técnica de alfabetização.
O MOBRAL evocou para si o controle dos programas de alfabetização de
todo o território nacional. Em 1969, lançou-se numa campanha massiva de
alfabetização. A partir da década de 70, esse movimento difundiu-se por todo o país.
Contudo, também fracassou, seja nas intenções eleitoreiras, seja no desperdício de
recursos. No inicio da década de 80, se esperava a não consecução dos objetivos
propostos.
1.1.3.1.6 - A Década de 1980
A cada de 80 representa o inicio da transição da ditadura militar à
“redemocratização” e a abertura política no país. Os anos posteriores,
principalmente a partir de 1985 quando os civis retomam o governo nacional,
representaram um período de democratização das relações sociais e das instituições
políticas brasileiras, ao qual correspondeu um alargamento dos direitos sociais. Na
realidade, um momento histórico em que antigos e novos movimentos sociais voltam
a emergir, ocupando espaços crescentes na cena pública, adquirindo organicidade e
institucionalidade, renovando as estruturas sindicais, ou criando até mesmo novas
formas de organização (GOHN, 1994).
Esses fatos resultaram na promulgação da Constituição Federal de 1988 e
seus desdobramentos nas constituições estaduais e nas leis orgânicas dos
municípios, nos quais se materializou o direito das pessoas jovens e adultas
analfabetas à educação fundamental com o estado se responsabilizando por sua
oferta pública, gratuita e de qualidade (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
Entretanto, a história da educação de jovens e adultos no período de
redemocratização é marcada pela contradição entre a afirmação no plano jurídico do
direito formal da população jovem e adulta à educação básica, de um lado, e sua
negação pelas políticas públicas concretas, de outro.
47
Segundo Di Pierro (2000), no período de 1980 a 1985, o III Plano Setorial de
Educação, Cultura e Desporto toma como um de seus eixos a redução das
desigualdades, assinalando a educação como direito fundamental mobilizadora [...]
para conquista da liberdade, da criatividade e da cidadania”. Esse plano busca uma
“nova postura com relação à educação de adolescentes e adultos”. Essa educação
deveria atender aos objetivos de “desenvolvimento cultural, de ampliação de
experiências e vivências e de aquisição de novas habilidades”.
Partindo de tais premissas, para que o ensino efetivamente desse certo, este
deveria contar, socialmente, com a distribuição de renda, a participação
mobilizadora, comunitária e pedagogicamente inovadora e “tendencialmente não-
formal”. Daí decorreram os programas de caráter compensatório, como o Programa
Nacional de Ações Sócio-Educativas para o Meio Rural (PRONASEC) e o Programa
de Ações Sócio-Educativos e Culturais para as Populações Carentes Urbanas
(PRODASEC), ambos de 1980. (ibid., 2000)
Assim, com a emergência dos movimentos sociais e o início da abertura
política na década de 80, experiências foram se ampliando, construindo canais de
trocas, reflexão e articulação. Projetos de alfabetização se desdobraram em turmas
de pós-alfabetização, onde se avançava no trabalho com a língua escrita, além das
operações matemáticas básicas. Também as administrações de alguns estados e
municípios maiores ganhavam autonomia com relação ao Mobral, acolhendo
educadores que esforçavam por reorientar seus programas de educação básica de
adultos.
Até os meados da década de 80, o Mobral não parou de crescer, atingindo
todo território nacional e diversificando sua atuação. Uma de suas iniciativas mais
importantes foi o Programa de Educação Integrada (PEI), como abordado
anteriormente, que, mediante a uma condensação do Primário, abria a possibilidade
de continuidade de estudos para recém-alfabetizados com precário domínio da
leitura e da escrita.
Mesmo com todo o volume de recursos investidos no Mobral, este acabou
não rendendo os resultados esperados, sendo considerado por grande parte dos
planejadores e educadores um grande desperdício e um programa ineficiente.
Sendo até mesmo acusado de adulteração de dados estatísticos. Desacreditado nos
meios políticos e educacionais, o MOBRAL acabou sendo extinto em 1985. Seu
48
lugar foi ocupado pela Fundação Educar, que abriu mão de executar diretamente os
programas, mas atuava via apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de
governo, de organizações não-governamentais e de empresas a ela conveniada,
agora dentro das competências do MEC.
Quatro anos após a sua criação, a Fundação Educar foi extinta pela Medida
Provisória 251/90, no Governo Collor, sem que nada de específico fosse proposto
para a área e sem que houvesse uma avaliação de suas atividades e de seus
resultados concretos.
Nesse mesmo período, no decorrer da década de 80, difundem-se entre os
educadores brasileiros, estudos e pesquisas sobre o aprendizado da língua escrita
com base na lingüística e na psicologia, que lançam novas luzes sobre as práticas
de alfabetização (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
O texto da atual Constituição Brasileira, de 05/10/1988, estabelece, em seu
artigo 205, o que se segue:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O que se pretende destacar é a responsabilidade do Estado em promover a
educação, que este é um direito extensivo a todos, inclusive aqueles que não
puderam estudar em idade própria, conforme apontado no artigo 208: “O dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso
na idade própria”. Ao registrar que a educação será promovida em colaboração com
a sociedade, o texto da Constituição abre a possibilidade para as entidades da
sociedade civil organizada criarem espaços educativos objetivando atender à
demanda reprimida na modalidade de EJA.
Esse dispositivo constitucional reconhece o papel das ONG’s, dos
movimentos populares e de outros segmentos organizados especialmente no que
concerne à questão da alfabetização dos adultos. Assim, a Constituição de 1988
reconhece a responsabilidade do Estado de oferecer a educação fundamental para
todos e indica a possibilidade de participação da iniciativa privada como forma de
49
executar as estratégias de implementação de promoção dessa modalidade de
ensino.(ibid., 2000)
Contudo essa expansão se tornou possível pelo fato de na década de 90,
por conta de insatisfações generalizadas, principalmente por parte de alguns setores
que se mostravam descontentes com os resultados devastadores da Reforma
Nacional, bem como das Reformas Educacionais. A sociedade se organizou e
passou a reivindicar seu direito de cidadania. Delineia-se, então, um novo cenário,
onde um novo problema se apresenta, visto que existem várias abordagens sobre
essa categoria cidadania que tanto do ponto de vista teórico metodológico
quanto das visões do processo de mudança e transformação da sociedade,
provocam sérias implicações na educação. Visões que nos defrontamos, e cuja
compreensão são imprescindíveis para cumprirmos a nossa tarefa de educadores
responsáveis pela formação de sujeitos humanos.
A história da educação de jovens e adultos no Brasil chega ao século XXI,
reclamando, portanto, reformulações pedagógicas. Essa situação ressalta o grande
desafio pedagógico, em termos de seriedade e criatividade, que a educação de
jovens e adultos impõe: como garantir a esse segmento social, que vem sendo
marginalizado nas esferas socioeconômicas e educacionais, acesso à cultura letrada
que lhe permita uma participação efetiva na vida em sociedade.
1.1.3.1.7 – A Década de 1990: reformas educacionais e o espaço da EJA
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, de acordo com o artigo
60 das Disposições Gerais e Transitórias, o Governo Federal e toda sociedade civil
se encarregariam de juntar esforços para erradicar o analfabetismo no país em 10
anos. A Fundação Educar era a principal responsável pela coordenação da
execução desta tarefa, levando-a, juntamente com o MEC, em 1989, a convocar
uma comissão composta por especialistas que desenvolveram, ou vinham
desenvolvendo trabalhos/pesquisas no campo da EJA, para que se discutisse a
preparação do Ano Internacional da Alfabetização, definido para 1990 pela
UNESCO.
No tão propagado Ano Internacional da Alfabetização (1990), são realizados
em todo país diversos debates, encontros, congressos e seminários por entidades
50
governamentais e não-governamentais no sentido de discutir e apresentar propostas
para a erradicação do analfabetismo no Brasil (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
Mas esta comissão, denominada Comissão Nacional para o Ano Internacional
da Alfabetização (CNAIA), acaba sendo desarticulada com a extinção da Fundação
Educar pelo novo Governo do Presidente Fernando Collor de Melo, em 1990, que
justificativa tal atitude com o argumento de “enxugar” a maquina administrativa com
a retirada de subsídios estatais a fim de ajustar as contas públicas e controlar a
inflação (ibid.,2000).
Mais um passo no descontínuo processo das políticas em EJA, ainda mais
penalizada com o tom e o rigor das orientações dos órgãos financistas internacionais
para educação brasileira: priorizar o ensino fundamental para crianças; transferir
para a esfera privada (leia-se: empresas e Organizações Não-Governamentais) as
responsabilidades sobre EJA, utilizando-se do discurso da parceria; vincular, cada
vez mais, os objetivos de EJA ao atendimento exclusivo das exigências do mercado.
Nesse mesmo, ano o Governo Collor lança o Programa Nacional de
Alfabetização e Cidadania (PNAC) que pretendia reduzir em 70% o número de
analfabetos no país nos 5 anos seguintes. Para se ter idéia do que deveria ser isto
em termos quantitativos, tomemos os dados sobre o analfabetismo da década de 80:
O PNAC se propôs a promover e mobilizar ações de alfabetização, através
de comissões municipais, estaduais e nacional, envolvendo os diversos
setores interessados das esferas públicas e da sociedade civil em geral.
Enquanto as comissões se mobilizaram, o governo federal assinava
convênios, repassando fundos mediante critérios clientelistas e sem controle
destas comissões, tanto do volume de recursos, quanto do número de
projetos e a quem se destinavam (HADDAD, 1994, p. 97)
Esses e outros fatos ocasionaram a ameaça de renúncia, por parte de
membros da Comissão e protestos de diversas entidades de movimentos populares
e sindicais. Nesse período, os interesses políticos levaram o governo à criação de
diversos programas que não beneficiavam diretamente a população analfabeta.
Enfim, o que caracterizou esse programa foi a sua grande divulgação junto aos
meios de comunicação e o seu caráter demagógico, aliás, como as demais
propostas deste Governo.
51
Com o "Impeachment" do Presidente Collor, o seu vice, Itamar Franco,
assumiu a presidência. No discurso de moralização da política no país, Itamar irá em
busca da recomposição da imagem do governo brasileiro diante da opinião pública
nacional e internacional.
No que se refere a EJA, vai se tentar um fortalecimento da discussão que
vinha se dando em torno da implementação de um programa sistemático, não
apenas de alfabetização, mas de garantia do Ensino Fundamental para Jovens e
Adultos, prova disto é uma nova composição na Comissão Nacional com
educadores que coordenaram os debates desta temática, em torno do Plano
Decenal de Educação para Todos -1993/2003, ao mesmo tempo em que vinham
realizando discussões para o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB).
É desse esforço, em 1994, que nasce o documento: Diretrizes para uma
Política Nacional de Educação de Jovens e Adultos, do qual se extrai aqui um trecho
fundamental para o contraponto com a situação na qual se encontra a EJA nestes
dois anos que se seguem à publicação do referido documento. O então Ministro da
Educação e do Desporto, Murilo de Avellar Hingel, assim se pronuncia na sua
introdução:
[...] o documento de diretrizes da Política de Jovens e Adultos, que o
Ministério da Educação e do Desporto tem a grata satisfação de editar e
divulgar, organizado com a participação da Comissão Nacional de Jovens e
Adultos, deverá ser entendido como a manifestação da vontade política do
Governo de cumprir o que determina o Artigo 208, caput, inciso I, parágrafo
1º e 2º, isto é, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os
que a ele não tiveram acesso na idade própria;§ - O acesso ao ensino
obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;§ 2º - O não oferecimento do
ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade de autoridade competente'. (HINGEL, 1994. p. 7)
Esta declaração se contrapõe à fala do Ministro, em 1993, quando da
abertura do Encontro Latino-Americano Sobre Educação de Jovens e Adultos
Trabalhadores:
No Plano Decenal de Educação para Todos, a prioridade não poderia deixar
de ser a criança. É a criança o objetivo maior das preocupações do Plano,
uma vez que o atendimento integral às necessidades da criançade ser a
52
garantia da formação plena, de forma que problemas que ainda afligem a
sociedade brasileira, como o problema do analfabetismo, sejam estancados
na sua origem, na sua própria razão de ser. (HINGEL, 1994, p. 11)
Apesar das contradições nos discursos oficiais, o que se observa no restante
do documento das diretrizes é um reconhecimento da mobilização que foi feita pelos
setores oficiais e da sociedade civil que atuam em EJA, tentando não deixar passar
a opção da exclusiva e excludente atenção do governo à escolarização de crianças,
muito menos a desobrigatoriedade do governo com a EJA. Evidência desse fato se
constata em uma de suas linhas de ação, no que se refere à demanda da EJA:
- ampliar a oferta de educação básica para os jovens e adultos excluídos
do sistema regular de ensino, mantê-la enquanto não tiver sido assegurada
a todos a efetiva oportunidade de acesso e progressão com sucesso à
escola fundamental na idade própria; - propor à escola redimensionar o seu
atendimento a jovens e adultos, encontrando modos que, sem renunciar à
sua função recíproca de preservação, transmissão e produção do
conhecimento, possam efetivamente ir ao encontro dos limites impostos
pelas condições concretas de vida da população trabalhadora;" (HINGEL,
1994, p.18)
A análise da história da educação no Brasil aponta para a educação de
adultos como resultado da ineficácia do Estado em garantir, por meio de políticas
públicas adequadas, a oferta e a permanência da criança e do adolescente na
escola.
As reformas educacionais propostas pelo governo Fernando Henrique
Cardoso (1994-2002) e concretizadas por meio de instrumentos legais como a LDB
9394/96 e a Lei 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação,
caracterizam a educação de adultos diferentemente da legislação anterior, que
considerava o conhecimento e a experiência de vida do adulto o qual poderia
legitimar seus saberes numa organização escolar compatível com esta
especificidade. As medidas propostas para a modalidade de ensino com adultos
acabam sendo diluídas com outra categoria excluída da escola, isto é, o jovem.
Do ponto de vista legal, LDB 9.394/96, entende-se por jovem aquele aluno
com idade a partir de 14 anos. uma distinção a fazer entre o jovem e o adulto,
que se fundamenta na especificidade das circunstâncias de vida de cada fase do
53
desenvolvimento destes grupos etários, bem como diferenças quanto aos interesses
e às expectativas de cada um. O que se pretende esclarecer é que por força de lei,
os jovens, a partir de catorze anos, poderão freqüentar as salas de aula antes
destinadas apenas aos adultos. A política expressa nos dispositivos legais, ao
rebaixar a idade para 14 anos, permitindo, assim, adolescentes freqüentarem as
classes com adultos, parece ser uma forma de atenuar a pressão da sociedade
sobre aqueles alunos que têm sido excluídos do processo educacional por estarem
em distorção na relação idade/série.
Essa política esconde alguns dos problemas estruturais da escola e
desconsidera distinções concernentes àquele que deveria ser o objeto de esforço da
prática pedagógica: o aluno. O Plano Nacional de Educação - PNE, Lei 10.172/01,
refere, como diagnóstico, que
De acordo com a contagem da população realizada pelo IBGE em julho de
1996, são cerca de 2,7 milhões de crianças de 7-14 anos fora da escola,
parte das quais nela esteve e a abandonou. Uma parcela dessa
população pode ser reincorporada à escola regular e outra precisa ser
atingida pelos programas de educação de jovens e adultos.
O diagnóstico feito no PNE refere, ainda, que “o fato de ainda haver crianças
fora da escola não tem como causa determinante o déficit de vagas, está
relacionada à precariedade do ensino e às condições de exclusão e marginalidade
social em que vivem segmentos da população brasileira”.
A política proposta pelo PNE considera que é preciso haver correção da
distorção idade-série. Assim, ao que parece, a política a que se propõe este Plano, é
a de considerar padrões de normalidade no processo de escolarização, como se as
pessoas fossem iguais apenas por fazerem parte da mesma categoria etária. Parece
que a interpretação descrita pelo PNE não considera a diversidade entre os sujeitos
de uma mesma faixa etária; este atributo é dado àqueles que não conseguiram
cumprir a etapa do ensino fundamental até os catorze anos.
Para aqueles que não seguiram o padrão de normalidade e não couberem na
forma, resta a exclusão, mascarada como oportunidade de ensino na modalidade
antes destinada aos adultos. A correção da distorção idade-série é mais uma forma
54
de exclusão, que a escola não conseguindo trabalhar com o aluno, o direciona
para as classes de EJA.
Neste sentido, imaginar que o educando jovem estará sendo mais bem
atendido estando juntamente com os adultos, é promover tanto a exclusão dos
jovens quanto a dos adultos de um processo educativo comprometido com a
finalidade da educação e com a emancipação social.
A legislação educacional brasileira, após 1988, incluiu a categoria jovem na
modalidade de educação de adultos. Educação de adultos é o termo historicamente
utilizado no Brasil, para definir a modalidade de ensino dos educandos que não
puderam se escolarizar em idade própria. O jovem da LDB é caracterizado pela faixa
etária dos 15 anos para a conclusão da EJA do ensino fundamental (ingresso aos 14
anos) e 18 anos como conclusão da EJA no ensino médio (ingresso aos 16 anos).
As conferências internacionais de educação de adultos também definem o
campo de atuação pedagógica direcionado aos educandos adultos, embora nas
duas últimas conferências tenha aparecido a preocupação com a educação do
jovem. No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança, a
pessoa com até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e
dezoito anos de idade. Após os dezoito anos, poderíamos dizer que o sujeito pode
ser definido como jovem. Antes disso, poderíamos dizer que são adolescentes. Isto
significa que o termo na LDB educação de jovens e adultos é utilizado de forma
equivocada.
O termo adulto poderia ser definido por uma série de variáveis, combinando
os critérios jurídicos, biológicos, psicológicos somados estas variáveis às
experiências de vida do sujeito. O código civil utiliza o critério da faixa etária para
definir as pessoas que são capazes de responder pelos seus atos da vida civil. Do
ponto de vista jurídico, a maioridade plena que se dava, anteriormente, aos 21 anos.
Com a mudança no código civil, que passou a vigorar em 11 de janeiro de 2003, a
maioridade foi definida a partir dos 18 anos.
Um problema freqüente na educação de adultos é a formação específica do
educador. O trabalho pedagógico com adultos requer um conhecimento específico
que, por via de regra, não é prioridade nos cursos de formação de professores. A Lei
5.692/71, no art. 32, aponta para a necessidade de uma formação específica para
55
essa modalidade de ensino. Na legislação atual, LDB 9394/96, art. 61, considera-se
importante a capacitação do profissional em serviço, "...de modo a atender aos
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada
fase do desenvolvimento do educando...".
Na análise de alguns momentos históricos da educação de adultos neste
país, verifica-se uma preocupação específica com esta fase da escolarização. Nas
décadas de 40, 50 e início dos anos 60 do século XX, dada a pressão internacional,
e a alegação de que o analfabetismo obstaculizava o progresso, várias foram as
campanhas destinadas a erradicar o analfabetismo. Com a promulgação da Lei
5.692/71, a educação de adultos passa a ser considerada através de uma
perspectiva de continuidade do processo de escolarização, com a denominação de
ensino supletivo de primeiro e segundo graus.
1.2- A LDB e a educação de jovens e adultos: perspectivas atuais
Se por um lado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 avança
com relação à ampliação da noção de Educação de Jovens e Adultos, entendendo-a
como o conjunto do ensino fundamental e médio com identidade própria garantindo
a continuidade de ensino para aqueles que não conseguiram concluir o ensino
fundamental na idade própria e não estão matriculados no ensino médio. Por outro,
a mesma legislação restringiu a EJA a processos escolares, fazendo um recorte na
amplitude que vinha adquirindo este conceito na América Latina e no mundo, onde
para Torres (1996) a concebiam como sinônimo de conscientização, de pura
educação política, e como se constatou, está mantida essa amplitude na Declaração
de Hamburgo e na Agenda para o Futuro da Educação de Adultos.
A Educação de Jovens e Adultos baseada na LDB 9.394/96, Parecer 11/2000
e Resolução 01/2000 CNE/CEB ao ter seu alcance, conforme mencionamos acima,
entende-a como forma adequada de que se revestira o ensino fundamental e o
ensino dio ao serem oferecidos para aqueles que não conseguiram acesso ou
continuidade aos estudos na idade própria. Portanto, não se trata mais da simples
aprendizagem do ato de ler e escrever, concepção predominante de alfabetização,
mas de uma concepção mais ampliada, que vai além daquela criada pelo MOBRAL,
56
em 1972, de educação integrada (sistema dois em um) e dos exames supletivos dos
então primeiro e segundo graus.
A LDB 9.394/96, na seção V, em seus artigos 37 e 38, contidos no capitulo II,
que trata da educação básica, determina as condições especificas de funcionamento
da EJA: gratuidade, quando oferecida pelo poder público; apropriada segundo as
características dos alunos, seus interesses, condições de vida e de trabalho; oferta:
cursos e exames; currículo: base comum nacional; os concluintes de EJA no ensino
fundamental deverão ter completado 15 anos, e 18 anos os da EJA ensino médio
quando da prestação de exame supletivo.
A própria terminologia evoca uma ambigüidade nessa modalidade
educacional, pelo fato de não ter sido bem definido nos artigos 37 e 38 da LDB
9394/96. Enquanto no primeiro artigo a terminologia é a de educação de jovens e
adultos, no segundo, é chamada de ensino supletivo, dando, inclusive margem para
que alguns pensem que se trata de duas modalidades de ensino.
A LDB 9.394/96 traz em seu bojo uma novidade com relação à LDB 5.692/71
que diz respeito à redução da idade para a conclusão dessa modalidade de
educação básica via exame supletivo. Também é nova a possibilidade de
certificação de conhecimentos e habilidades adquiridos informalmente, por
instituições de ensino mediante exames próprios. As normas para o reconhecimento
dessas competências deverão ser elaboradas pelos respectivos sistemas conforme
o artigo 38 “os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que
compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento
de estudos em caráter regular” e reforçado no §“os conhecimentos e habilidades
adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos
mediante exames”.
Por outro lado, como reza o Titulo IX, Das Disposições Transitórias § 3˚. Cada
Município e, supletivamente, e Estado e a União, deverá: II prover cursos
presenciais e a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados (Art.
87 § 3º.). Admite-se também uma diversidade de ofertas presenciais e/ou à
distância, na forma de cursos ou apenas oportunizando exames àqueles que se
julguem em condições de prestá-los.
57
De fato não novidades em relação à EJA, nem se conseguirá muito se
ficar apenas nesses dois ambíguos artigos e no art. 87 das disposições transitórias.
Seu alcance, de fato, se amplia e cria uma certa consistência se combinado com
os artigos: 3º. Que trata das bases nacionais de ensino; e que se referem aos
jovens e adultos, na etapa de ensino fundamental, e a obrigatoriedade do ensino.
É válido ressaltar que essa consistência se reforça mais ainda se combinada
com os artigos 22 a 28 que tratam dos princípios da educação básica, garantindo as
possibilidades de, quando oferecida a jovens e adultos, adquirir personalidade
própria pela dinâmica, organização, funcionamento e avaliação específicos.
A EJA não inclui mais processos de profissionalização que passam a fazer
parte de uma modalidade própria de formação: a educação profissional, que foi
regulamentada pelo Decreto 2.208, de 17 de abril de 1997, publicado no Diário
Oficial da União no dia 18/04/1997, referido ao parágrafo 2º. Do art. 37 e aos artigos
39 a 42 da Lei 9.394/96. Não há, no entanto, proibição para combinar, na sua
organização, mesmo que se trate de dois processos formativos autônomos, a
escolarização e a profissionalização.
De qualquer forma, porém, mantê-las vinculada, exigem-se níveis de
escolaridade para oficializar a validade de educação profissional, com exceção da
formação profissional sica, que não exige nenhuma escolarização. O Art.2º do
Decreto 2.208/97 cria a possibilidade de articulação da educação profissional “com o
ensino regular ou modalidades que contemplem estratégias de educação
continuada, podendo ser realizadas em escolas de ensino regular, em instituições
especializadas ou nos ambientes de trabalho“ (BRASIL, 1997).
A EJA, assegurada como direito subjetivo do cidadão e dever do Estado,
pode ser conceituada como: processos e experiências de escolarização de jovens e
adultos, através dos conhecimentos escolares, orientados a aumentar e consolidar
capacidades individuais e coletivas dos sujeitos populares mediante a promoção e
recriação de valores, a produção, apropriação de conhecimentos que permitam o
desenvolvimento de propostas mobilizadoras capazes de contribuir para a
transformação da realidade cultural e dos seus sujeitos.
Trata-se, na realidade, de uma proposta pedagógica escolar com pessoas
jovens e adultas que não tenham conseguido se escolarizar no nível do ensino
58
fundamental e do ensino médio ou se encontrem subescolarizados para que
consigam ampliar suas capacidades decisórias, técnicas, éticas, estéticas, políticas,
intelectuais. Em suma, que sejam capazes de construir suas competências
humanas. Nesse sentido, é grande o desafio da educação de jovens e adultos,
primeiramente, pelo fato da sociedade ter entrado na era do conhecimento. E depois
pelo fato do potencial educativo em todas e quaisquer atividades e situações.
Se aposta no potencial educativo da tecnologia em todos os setores da
educação (educação tecnológica), da sexualidade (educação sexual), da família
(educação doméstica), da religião (educação religiosa), da saúde (educação para a
saúde), do ambiente (educação ambiental), do civismo (educação cívica), do
desenvolvimento (educação para a sustentabilidade), da cidadania (educação para a
cidadania), da escola (educação escolar) entre outras, que garantam processos
crescentes de humanização.
Entretanto, ressaltamos que é nova a explicação da possibilidade de
certificação, por instituições de ensino mediante exames próprios, de habilidades e
conhecimentos obtidos informalmente. Para que essa norma seja certificada,
deverão ser baixadas pelo sistema de ensino correspondente, sendo assim, deverá
oferecer garantias, para que se tenha qualidade a formação que necessitam os
jovens e adultos. Caberá ao Poder Público, nos municípios e supletivamente, o
Estado e a União prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos
insuficientemente escolarizados no que percebemos no Art. 87, parágrafo 3º, Inciso
II da LDB 9.394/96.
Art. 87 É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da
publicação desta Lei.
§3º – Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverão:
II Prover cursos presenciais ou à distância aos jovens e adultos
insuficientemente escolarizados; (BRASIL, 1996)
Estas são as propostas legais que devem ser asseguradas para os jovens e
adultos. Entretanto, mesmo cientes da importância que deve ser dada à EJA e à
existência da lei que a contemple, é perceptível que a Educação de Jovens e
Adultos é de exclusão social. O jovem e o adulto analfabeto ou de pouca
escolaridade quase sempre são excluídos das vantagens do sistema capitalista e
vêem então na escola a sua chance de participação no mercado de trabalho ou de
59
melhoria salarial. O índice de analfabetismo do Brasil ocupa a sétima colocação na
América Latina, mesmo sendo a 8ª economia do mundo.
Esta é uma situação particularmente constrangedora no que diz respeito ao
trabalhador o alfabetizado. Este, banido da sociedade, é visto como cidadão de
segunda categoria, privado do direito a um ensino de qualidade e conveniente as
suas necessidades de vida e trabalho. Assim é perceptível que o índice de
analfabetismo requer um esforço redobrado dos nossos governantes e de toda
sociedade.
A década de 90 se caracterizou como um período de reformas nos sistemas
públicos que redefiniram o papel do Estado a ajustes macroeconômicos
implementados sob a orientação do Banco Mundial e outros organismos financeiros
internacionais que se inspiram, sem sombra de dúvida, em concepções neoliberais.
Tais reformas são de cunho economicista, que buscam maiores resultados com
menores investimentos de recursos e essa é a lógica aplicada também à educação.
Assim, esta década foi de racionalização de gasto público e de redistribuição entre
os níveis de ensino, visando a aumentar a eficiência interna do sistema.
A educação de jovens e adultos, desde a sua origem, sempre foi induzida
técnica e/ou financeiramente pelo governo federal. De 1950 a 1980 o ensino básico
para a população jovem e adulta teve a característica de um serviço
desconcentrado, visto que mesmo a oferta desse ensino sendo oferecida pelos
estados, convênios com municípios e organizações civis, tal política educacional era
definida no âmbito federal e desenvolvida em regime de co-financiamento como foi o
caso do Mobral, implementado pelo regime militar e amplamente difundido, porém
centralizado no plano político pedagógico.
Na realidade, os estados sempre foram os provedores responsáveis pelo
financiamento e pela oferta de educação para jovens e adultos e na década de 90,
não foi diferente das décadas anteriores, porém com alguma peculiaridade: a
municipalização do atendimento a educação de jovens e adultos no ensino
fundamental, principalmente depois que a Fundação Educar foi extinta e o governo
federal se eximiu desse campo de atuação.
A Constituição Federal de 1988 forçou o engajamento dos municípios, quando
assegurou aos cidadãos o direito ao ensino fundamental público e gratuito
60
independente da idade. E assim responsabilizou o poder público em ofertá-lo,
vinculou parcela da receita de impostos a despesas com educação e promoveu uma
descentralização dos tributos em favor da esfera municipal, que ampliou sua
capacidade de investimentos. Assim, no final dos anos de 1990, os municípios
respondiam por grande parte das matrículas na educação básica de jovens e
adultos, crescendo assim também a oferta no ensino fundamental.
Mas, segundo Haddad e Di Pierro (2000), em 1998 essa tendência à
municipalização foi inibida com a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF)
que acabou por restringir a liberdade que estados e municípios tinham em gastar
com a educação básica, direcionando a maior parte dos recursos públicos para o
ensino fundamental, acarretando prejuízos para a educação de jovens e adultos. O
instrumento dessa reforma foi a aprovação da Emenda Constitucional 14/96, que
suprimiu das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 o artigo que
comprometia a sociedade e os governos a erradicar o analfabetismo e a
universalizar o ensino fundamental até 1998 (ibid., 2000).
Se por um lado, na década de 90, a reforma educacional se mostrou eficiente
para operacionalizar a descentralização da oferta e do financiamento do ensino
básico de jovens e adultos, por outro o Ministério da Educação acabou retendo para
si funções de regulação e controle, fixando parâmetros curriculares, criando
programas de formação de educadores, que mesmo sendo apresentado como
opção aos estados e municípios, tornaram-se compulsórias na prática pelo fato de
condicionar as transferências de recursos federais à adesão aos programas
mencionados.
Não podemos deixar de mencionar uma outra questão que acaba
contribuindo para o enfraquecimento ainda mais da educação de jovens e adultos,
que é a canalização dos recursos para alguns subgrupos sociais e regiões mais
pobres do país como é o caso da Alfabetização Solidária que centra sua atenção
para os municípios e periferias metropolitanas com maiores índices de pobreza e
analfabetismo.
Essas são as concepções que se apresentam a respeito do serviço público
não-estatal e que se encontram presentes e em disputas nas diversas iniciativas de
educação de jovens e adultos implementadas em parcerias entre organismos
61
governamentais e não-governamentais que foram implementados a partir da
segunda metade da década de 90 como é o caso do Programa de Alfabetização
Solidária (PAS); Programa de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e Plano
Nacional de Formação e Qualificação Profissional (PLANFOR) que, mais adiante,
mencionaremos, de maneira bem sucinta, como esses programas se desenvolvem.
O regime de parceria nesses programas apresenta-se com ambigüidades,
visto que permite que o Estado deixe de se responsabilizar pela garantia de direitos
universais mediante a delegação de funções primordiais à sociedade civil, possibilita
também que se constituam espaços públicos não estatais de gestão democrática de
políticas sociais, ampliando assim o controle da sociedade civil sobre o aparato
político-administrativo e burocrático do Estado.
Por outro lado, por conta de tudo o que estamos expondo, corre-se o risco da
privatização seletiva de tais serviços educativos, o que ainda não tomou corpo
pelo fato da opinião pública resistir se respaldando principalmente na Constituição
de 1988 que estabeleceu que o ensino público deve ser gratuito em todos os níveis.
Contudo, é visível que a privatização vem ocorrendo por um mecanismo indireto que
é o da própria constituição do mercado de serviços educacionais privados.
O crescimento das exigências educacionais para se ingressar no mercado de
trabalho também tem contribuído para esse fenômeno de privatização do ensino. A
própria omissão do Estado em oferecer a educação em todos os níveis e
modalidades de ensino acaba dando condições para que se privatize esses
espaços. O sucateamento do ensino público contribui para a aceitação e aquisição
privada desses serviços por aqueles que podem comprar.
É bem verdade que no campo da educação de jovens e adultos ainda não
ocorre um crescimento do setor privado para o atendimento a essa população,
mesmo porque a maioria dessa clientela não tem poder aquisitivo para adquirir tais
serviços, mas isso não significa que esse atendimento privatizado não exista. Assim,
mais do que o problema da privatização desses serviços, o impacto da reforma
educativa sobre as relações entre o setor público e o privado incide, principalmente
ao longo da segunda metade da cada de 1990, sobre as práticas de parcerias,
como: centrais sindicais de trabalhadores e fundações empresariais.
62
A noção de parceria passou a ser utilizada para definir tanto a relação
contratual estabelecida entre governos estaduais e fundações privadas que
produzem programas de ação educativa pela televisão, quanto para designar
convênios mantidos por governos municipais ou estaduais com organizações
comunitárias para o desenvolvimento de movimentos de alfabetização de jovens e
adultos. Este fato bem caracteriza o afastamento do Estado no que diz respeito ao
financiamento e na oferta dos serviços sociais e ao mesmo tempo jogou para a
sociedade as responsabilidades com tais tarefas que sem dúvida eram suas,
gerando com isso a multiplicação dos provedores não-governamentais.
É possível notar o envolvimento de instituições do mercado e da sociedade
civil instalados no campo da Alfabetização Básica de Jovens e Adultos como o
“Sistema S” (SESI, SESC, SENAI, SENAC, SENAR), os centros de educação
popular e as igrejas. São novos atores que surgem e que vão ganhando relevância
dentro desse novo cenário educacional: o empresariado de um lado; sindicatos,
federações, centrais e cooperativas de trabalhadores, de outro, ocupando posições
sociais diferenciadas mas, no entanto envolvidos na complexa problemática que
envolve educação e mercado de trabalho, que envolvem a qualificação profissional,
emprego, desemprego, reestruturação produtiva, globalização econômica e a
competitividade empresarial.
É bem verdade que esse convênio que vem acontecendo entre instituições
governamentais, privadas, organizações filantrópicas e sem fins lucrativos não é um
fenômeno dessa década na história das políticas públicas educacionais no Brasil,
também é verdade que os vários programas sejam de alfabetização, educação
básica, formação e qualificação profissional de jovens e adultos em regime de
parcerias assumem nessa década de 90, novas configurações e significados.
Contudo não se pode deixar de atentar para o fato de que a difusão dessa
estratégia também não deixa de ser uma estratégia do Estado que na ‘onda’ de
políticas de reforma do estado visa à redução do déficit fiscal, o que implica entre
outras na privatização de empresas e serviços públicos, bem como na redução de
funcionários e custos para com esses. Assim, tais políticas, é bom lembrar, levaram
não apenas a redefinição do papel do Estado, mas, principalmente ao sucateamento
do serviço público.
63
Portanto, é nesse contexto de 1990, de redefinição do papel do estado e a
desvalorização do serviço público que resultaram nas parcerias entre instituições
governamentais e da sociedade civil. Esse fato é bem perceptível na educação de
jovens e adultos. Mas isto não significa que nessa mesma década, que é uma
década em que surgem grandes movimentos de reivindicações dos direitos
humanos, o convirjam idéias de que a responsabilidade pública pela educação
básica de jovens e adultos no Brasil não seja tarefa do Estado. Mesmo porque as
instituições governamentais têm a responsabilidade por sanar débitos sócio
educativos que estão acumulados historicamente. Mas, independente desse
consenso, o que inquieta também são as concepções que se tem de parceria.
Vejamos o caso da vertente social-liberalismo, do ex-ministro da administração Luiz
Carlos Bresser Pereira, para o qual aponta que a crise do estado brasileiro é de
natureza fiscal e a origem desse problema era devido à intervenção do Estado na
economia até os anos de 1980 (HADDAD, 2000).
Para que houvesse crescimento na economia, fazia-se necessário uma
sintonia entre estado e mercado, a começar pelo ajuste fiscal e a reforma do próprio
aparato estatal. Para Bresser Pereira, o estado deve ser pequeno, porém forte para
promover o desenvolvimento. Para isso o estado substituiria o padrão burocrático de
administração pública por um modelo gerencial que é inspirado no setor privado.
Assim, aquelas atividades que não são exclusivas do Estado seriam objeto de
privatização, terceirização, como é o caso da educação e outros serviços similares,
de “publicização” em favor das organizações civis de direito privado sem fins
lucrativos (ibid, 2000).
Porém esse modelo de ‘publicização’ traz em seu bojo algumas inquietações,
uma vez que tal modelo não deixa claro os mecanismos pelos quais a sociedade e
instituições democráticas podem exercer um controle efetivo sobre tais organizações
sociais. Na realidade, a noção de serviço público não-estatal está implícita nesse
raciocínio de cunho econômico-instrumental, reduzindo dessa forma o cidadão à
condição de mero consumidor e as organizações sociais como prestadoras de
serviços públicos.
Mas, existe uma outra vertente de pensamento que vai à contramão dessa
defendida pelo ex-ministro Bresser Pereira, para a qual o significado de parceria e o
conceito de serviço blico não-estatal ainda se delineiam, mas, aborda a
64
necessidade da Reforma do Estado considerando a perspectiva ético-política,
primando pela desprivatização e subordinação à esfera social. Rompe-se com o
monopólio estatal da esfera pública e ampliam-se os espaços de co-gestão
democrática das políticas governamentais. Nessa direção inscrevem-se as
experiências dos Conselhos de Gestão de Políticas Sociais e Fundos Públicos, as
Câmaras Setoriais (que foram desativadas), o Orçamento Participativo e os
movimentos de alfabetização de jovens e adultos que são resultantes desse
processo de gestão compartilhada (DANIGNO et all., 1999).
Porém, faz-se necessário ressaltar e, concordando com os autores acima
citados, em determinados aspectos aparente consenso, mas é preciso deixar
claro que a noção de parceria é polissêmica e por isso, mesmo esses setores
estando nessa perspectiva horizontalizada, os conflitos acontecem, mas não
assumem a forma de anulação, e sim de reconhecimento mútuo, visto que estes
agentes têm autonomia e suas vertentes de significado têm nculos com correntes
de pensamento político-social distintas (ibid., 1999).
1.3 - A gestão dos programas federais de EJA implementados em parceria
com organismos governamentais e não governamentais.
O Programa Alfabetização Solidária foi concebido em 1997, em parceria
entre o Conselho do Programa Comunidade Solidária e o Ministério da Educação, e
executado também a partir de parceria com instituições de ensino superior e
empresas privadas. Quando de sua criação, o PAS tinha como objetivo primeiro:
[...] desencadear um movimento nacional no combate ao analfabetismo no
Brasil. Diferentemente de outros programas desenvolvidos, o
Alfabetização Solidária tem, desde o seu nascedouro, a clareza de que não
pode resolver os problemas sozinho. Nesse sentido, incentiva a parceria
entre governo, a iniciativa privada, as universidades públicas e privadas e as
prefeituras para, no conjunto, somar esforços com vistas à redução dos
índices de desigualdades e de condições subumanas, especialmente, nas
regiões e populações mais necessitadas. (BRASIL, 1999, p. 11).
É importante observar que, durante o período considerado, os objetivos do
Programa foram ampliados. O texto que, em 2002, circulava em folders do Programa
e em documentos de avaliação do Programa Alfabetização Solidária, diferente do
65
anteriormente citado, declara: [...] o Programa Alfabetização Solidária atua nos
municípios que apresentam os índices mais elevados de analfabetismo. O objetivo é
reduzir essas taxas e desencadear a oferta pública de educação de jovens e adultos
(BRASIL, 2002).
O formato de parcerias proposto pelo Programa é baseado na idéia de que
ele consolida o modelo solidário e de que “o empenho da sociedade como um todo é
fundamental, quando se enfrenta um problema social tão grave quanto o
analfabetismo” (BRASIL, 1997, p.11).
A efetivação do Programa ocorre quando da realização das atividades nos
municípios parceiros, organizadas em módulos, com duração de seis meses (um
mês destinado ao curso de capacitação de alfabetizadores, e os cinco restantes ao
processo de alfabetização em sala de aula). Cada módulo prevê a seleção e a
“capacitação” de novos alfabetizadores, cuja manutenção por mais de um semestre
só é permitida em situações excepcionais como a inexistência de um outro candidato
com condições de desenvolver o trabalho numa comunidade rural. O Programa
pode ser mantido na localidade se houver novos alunos para a composição de uma
outra turma.
O modelo de parceria define papéis bem específicos para os parceiros,
visando a operacionalização dos módulos. À Universidade, cabe o acompanhamento
do trabalho desenvolvido nos municípios: seleção e capacitação de alfabetizadores,
realização de visitas mensais às turmas em andamento, para acompanhamento e
orientação do trabalho. Também fazem parte da equipe responsável pelo trabalho
no município e participam dos cursos um coordenador municipal, normalmente
selecionado pela coordenação executiva por indicação do prefeito, com o “aval” da
IES parceira, e um assessor pedagógico função criada em 1999 com o intuito de
auxiliar o coordenador municipal, que além do acompanhamento às turmas,
gerenciamento de distribuição de merenda, é responsável por todos os aspectos
infra-estruturais.
À empresa parceira, cabe a “adoção” de um ou mais municípios e, ao fazê-lo,
responsabiliza-se por despesas como alimentação, transporte, hospedagem,
merenda dos alunos, bolsas dos alfabetizadores, durante o módulo, no município. O
município parceiro tem a responsabilidade de criar as condições infra-estruturais
espaços devidamente mobiliados para funcionamento das turmas, para o trabalho
66
da equipe local e pagamento das pessoas responsáveis pela preparação da
merenda.
O Conselho do Programa Comunidade Solidária, através da coordenação
executiva do PAS, define os municípios, articula as entidades envolvidas e mobiliza
novos parceiros. A ela, através da Associação de Apoio ao Programa Alfabetização
Solidária (AAPAS), cabe o gerenciamento de todo o processo e encaminhamentos
para o repasse dos recursos obtidos junto às empresas parceiras. O custo total por
aluno era, até 2002, de R$ 34,00 divididos entre a empresa parceira e o Ministério
da Educação que também produzia e distribuía o material didático e de apoio,
disponibilizava a equipe de coordenação do Programa que atuava na supervisão e
na aplicação dos recursos.
O PAS previa a realização periódica de avaliações das atividades
desenvolvidas nos municípios a partir da mediação das instituições de ensino
superior envolvidas no processo. As informações obtidas eram, posteriormente,
tabuladas pela coordenação executiva do Programa, responsável também pela
divulgação. As avaliações apresentam dados sobre o aluno do Programa (sexo,
gênero, faixa etária, aprendizagem dos alunos, número de alunos atendidos, entre
outros).
Até o ano de 2002, o Programa Alfabetização Solidária desenvolveu, entre
outros, os seguintes projetos: o Projeto Ver (1999): que visava “reduzir uma das
principais razões da evasão dos alunos, problemas de visão dos quais se queixavam
mais de 18% dos alunos que abandonavam a sala de aula”; o projeto Grandes
Centros Urbanos (1999): “para atender jovens e adultos nas regiões metropolitanas,
onde o índice percentual de analfabetismo não é tão elevado, mas a concentração
de pessoas não alfabetizadas é grande; o Projeto Rádio Escola: criado em 2001 a
partir de parceria com a Secretaria de Educação à Distância do Ministério da
Educação, baseava-se na utilização, tanto na capacitação dos alfabetizadores
quanto nas salas de aulas, de programas radiofônicos que visavam ”enriquecer as
aulas de alfabetização e estimular o interesse da participação de alunos e
alfabetizadores”.
Outros projetos como o Projeto Alfabetização Digital (2001), atendeu a 20
municípios em projeto-piloto com a finalidade de propiciar, aos municípios,
computadores para que os alfabetizadores tivessem contato com a tecnologia e
67
estreitassem contatos com as instituições de ensino superior; o Projeto Promoção da
Saúde (2001): desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, consistia na
distribuição de cartilhas com a qual O Programa “não somente melhora a qualidade
de vida de seus alunos e alfabetizadores, mas também agrega valor à aprendizagem
da leitura e da escrita, inserindo-a em um processo maior de introdução social e
exercício pleno da cidadania.”
Uma outra vertente, que também se faz presente neste processo, vem sendo
liderada pelo Governo Federal e seus Órgãos de Administração Direta. No princípio,
estes se articularam com os diferentes setores ligados à EJA, num discurso de
mobilização nacional que acaba por esbarrar em concepções ideológicas do projeto
de EJA. A ruptura desta relação se faz bem mais explicitada a partir de final de 1996
por três acontecimentos chaves: quando o texto do Seminário Nacional de EJA,
sequer é considerado pelo MEC, que envia outro texto à Conferência Regional
Preparatória para V Conferência Internacional de Educação de Adultos, que ocorreu
em Hamburgo, julho de 1997; quando o Presidente da República veta a
possibilidade de inclusão do quantitativo de alunos do supletivo, para destinação dos
recursos relacionados ao Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério; quando se reduz a política nacional de Educação de
Jovens e Adultos a um programa de propaganda e marketing do governo, o
"solitário" Alfabetização Solidária (HADDAD e DI PIERRO, 2000).
Embora as análises da EJA durante os anos 90 apontem para um momento
desestimulador, no qual o Governo Federal desobriga-se desses encargos, registra-
se, também, nesta década, um movimento de reação a esse desmonte. Assim, os
encontros preparatórios e posteriores ao V CONFINTEA (Conferência Internacional
de Educação de Adultos), nos quais educadores, pesquisadores, instituições
governamentais e não-governamentais e movimentos sociais se articularam no
sentido de discutir, congregar e propor experiências de EJA, e busca mostrar a
importância da EJA junto ao Poder Público.
Os Fóruns Estaduais de EJA se inscrevem neste movimento, por meio de
articulação e integração das experiências e proposições de EJA no âmbito de cada
estado. Em decorrência da ausência de políticas por parte do Governo Federal, os
municípios e a sociedade civil representada pelos movimentos sociais e
organizações não governamentais têm emergido como protagonistas no
68
atendimento à EJA. No âmbito da sociedade civil, consolidam-se diversas
experiências e projetos. Em alguns casos, os movimentos sociais criam um espaço
de interlocução com o Estado e, em outros, com a sociedade civil. Nestes espaços
estão sendo gestadas experiências inovadoras que contemplam os interesses e
anseios dos grupos sociais demandatários deste ensino.
É válido ressaltar que num ou noutro programa o grau de publicidade dos
espaços de gestão compartilhada varia muito. Segundo Di Pierro (2001) no PAS, o
conceito de parceria, parece vigorar apenas no plano operacional, pois não se
reflete em instancias de gestão do PAS. A Associação de Apoio ao Programa
Alfabetização Solidária, que articula empresários e dirigentes do governo federal,
não incorpora as instituições de ensino superior e os municípios; serve de
instrumento para a captação de recursos privados e gestão financeira do programa,
mas não delibera sobre os planos estratégicos e pedagógicos.
Na realidade, o poder decisório é muito concentrado, ficando a cargo da
Coordenação do Programa que se subordina hierárquica e formalmente ao
Conselho da Comunidade Solidária, mas mantém uma comunicação fluente e
subordinação perante o MEC, de onde saem os recursos federais do programa.
Portanto não se visualiza um modelo de gestão democrática de um programa em
parceria. Ao contrário, existe um modelo de relações de poder que rompem com a
transparência e reciprocidade entre os parceiros, dando aberturas para que ocorram
práticas de políticas autoritárias e prevaleçam sobre a orientação democráticas de
determinados agentes.
O PLANFOR (Plano Nacional de Formação e Qualificação Profissional),
criado pelo Ministério do Trabalho em 1995, se desenvolve por meio de parcerias
entre órgãos do governo (Secretarias da Educação e Trabalho) e organizações da
sociedade civil como instituições profissionalizantes, sindicatos de patrões e
trabalhadores, universidades, institutos de pesquisas entre outros. Esses parceiros
têm como principal articulador o governo federal (BRASIL.MTE, 2001, p. 10). O
Planfor tem como principal meta a ampliação e diversificação progressiva a oferta de
educação profissional para qualificar e requalificar aproximadamente 20% da
população economicamente ativa por ano que se aproxima dos 15 milhões de
trabalhadores de acordo com Di Pierro e Graciano (2003).
69
Um programa que atua por meio de Planos Estaduais de Qualificação (PEQs)
que são ações de formação profissional circunscritas a uma unidade federativa,
propostas e executadas pela rede de agentes públicos e privados, mediante
convênio e gestão da Secretaria Estadual do Trabalho com aprovação e
homologação da respectiva Comissão Estadual do Trabalho/Emprego, responsável
pela articulação e priorização das demandas definidas pelas Comissões Municipais
e das Parcerias Nacionais e Regionais através de convênios firmados pelo Ministério
do Trabalho através da Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional
(Sefor) que focalizam as ações em grupos ou setores de atividades considerados
prioritários por critérios econômicos (BRASIL.MTE,2001, p.10).
O programa é financiado com recurso do FAT (Fundo de Amparo ao
Trabalhador) criado em 1990, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego que se
destina ao Seguro-Desemprego, Abono Salarial e ao financiamento de Programas
de Desenvolvimento Econômico e supervisionado pelo conselho Gestor do órgão,
formado por representantes das centrais sindicais de trabalhadores e do governo
federal.
A concepção de educação que permeia a proposta do Planfor, de acordo com
os formuladores do plano, é a que possibilita ao trabalhador a capacidade de
aprendizagem contínua e que incorpora os princípios da polivalência e da
multifuncionalidade, que deve considerar as exigências do paradigma produtivo e
tecnológico em consolidação na atualidade. Assim os conhecimentos giram em torno
das habilidades básicas: saber ler e escrever, interpretar, calcular e raciocinar.
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) é
uma Parceria de Reitores das Universidades Brasileiras (PRUB) com o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que introduziu nas ações federais de
reforma agrária elementos de uma política pública de educação de jovens e adultos
no meio rural.
A gestão é tripartite, onde representantes do governo compartilham decisões
estratégicas e pedagógicas com representantes das universidades e dos
Movimentos sociais (MST, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura,
Comissão Pastoral da Terra), a fim de traçar estratégias para alcançar seus
objetivos, que vão desde a superação dos altos índices de analfabetismo de jovens
70
e adultos nos assentamentos até a formação técnico-profissional para a produção e
administração rural.
Portanto, as parcerias e publicidade dos programas federais de educação de
jovens e adultos têm se mostrado com algumas facetas. Ora com características
assimétricas, como no caso do PAS, que representa um exercício prático de
publicização, tal como propõe Bresser Pereira em sua proposta de reforma do
Estado (expondo claramente os riscos que essa concepção implica de autoritarismo,
não-transparência, aprofundamento da privatização do aparato estatal) e o
PRONERA que, adotando uma gestão tripartite, democratiza mais a gestão,
reconhecendo e respeitando a autonomia e as diferenças entre os parceiros.
O PRONERA tem oportunizado às Instituições de Ensino Superior a
realização de uma extensão universitária que, efetivamente, tem contribuído tanto
para vincular os cursos de Pedagogia e Letras aos desafios das lutas sociais
favorecendo um repensar da formação de seus acadêmicos quanto para a
formação de sujeitos sociais capazes de fazer sua própria história e de nela interferir
de forma consciente. o milhares de homens e mulheres jovens e adultos do
campo, que por diversos motivos, não tiveram acesso à educação regular, mas que
têm nesse projeto a oportunidade de recuperar o tempo fora da escola e adquirir
conhecimentos que possam atender às suas necessidades e anseios.
É nesse contexto de lutas e conquistas dos movimentos sociais por uma
educação do campo que situamos o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA). Criado em 1998, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário,
sua proposta foi decorrente de uma parceria - premissa orientadora para o
desenvolvimento do projeto, entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), diversas
universidades públicas e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), cujo objetivo geral era de uma intervenção educativa capaz de fortalecer a
educação nos assentamentos da reforma Agrária, estimulando, propondo, criando,
desenvolvendo e coordenando diversos projetos educacionais, com metodologias
voltadas para a especificidade da realidade do campo e capaz de contribuir para o
Desenvolvimento Rural Sustentável.
Além desta proposição geral, o PRONERA tem, especificamente, os
seguintes objetivos:
Alfabetizar e oferecer uma formação e educação fundamental
71
para jovens e adultos dos projetos de assentamentos da reforma agrária;
desenvolver a escolarização e formação de educadores para atuar na promoção da
educação nos projetos de assentamento da reforma Agrária; oferecer aos
assentados a possibilidade de escolarização e de formação técnico profissional, com
ênfase em conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável;
produzir e editar materiais didático-pedagógicos necessários à consecução dos
objetivos do programa.
A despeito dos projetos de alfabetização não serem uma novidade na
realidade educacional brasileira, o diferencial na proposta do PRONERA é a crença
de que através da constituição de parcerias efetivas entre o Governo, os
Movimentos Sociais e as Universidades Públicas, é possível superar os problemas e
desafios historicamente colocados para esses projetos, sobretudo a desvinculação
da maioria dos programas com a realidade político-cultural dos alfabetizandos.
O PRONERA tem implementado, a partir deste princípio de parceria, um
conjunto inovador de práticas pedagógicas que, efetivamente, têm valorizado a
história, a cultura e a cidadania dos homens e mulheres do meio rural.
Diante desse quadro, é possível visualizarmos que os caminhos que
percorreremos para chegarmos a uma educação mais humana, mais solidária,
igualitária, são espinhosos, mas é preciso caminhar. É preciso sonhar com novas
possibilidades. É preciso compreender que temos grandes desafios pela frente.
Vivemos de tendências em tendências, de paradigmas em paradigmas, que
precisam ser desvelados nas suas essências para que não caiamos no erro de
desenvolvermos projetos iguais àqueles defendidos com “boas intenções” pelas
tendências conservadoras.
Mesmo porque temos consciência que o desenvolvimento explorador do
capitalismo, a massificação das relações sociais, o distanciamento entre
desenvolvimento tecnológico e a miséria social, o consumo insaciável de alguns
contra a falta de poder de compra de outros, o desrespeito à dignidade humana, a
destruição ambiental em todos os sentidos, são elementos de um novo cenário que
desponta.
Diante desse embate, é possível verificar que muitos alertas vêm sendo
dados por cientistas, filósofos e todos aqueles que têm se preocupado com a
72
construção e elaboração de um novo paradigma para a sociedade, bem como para a
educação. É bem verdade que, efetivamente, as ações ainda são mínimas, mas
também é verdade que existe uma preocupação em tentar solucionar os problemas
provocados por um capitalismo exacerbado. Preocupações essas que visam
principalmente mudanças de comportamentos e valores tanto dos agentes
econômicos como da sociedade.
Para Gadotti (2000) isto poderá ser promovido a partir de uma educação
do futuro que vise à amplitude de conhecimentos. Pois o conhecimento é capaz
de provocar essas mudanças. Esse conhecimento dinâmico que leva a questionar as
verdades, que faz refletir sobre a realidade e conforme Morin (2001, p. 175-193)
[...] que nos leva a lançarmos ao desafio da complexidade que diante dos
grandes debates científicos sempre foi negado, mas que a partir de
Bachelard esse pensamento se evidencia, e começam então as discussões
em torno desse fenômeno e como conseqüências formulam-se e
reformulam-se princípios a partir do “diálogo com a contradição”.
Portanto, travamos aqui grandes discussões sobre uma nova educação que
reformula pensamentos, que condições de se pensar mais ainda o mundo de
maneira mais global. E é a partir desta educação que teremos condições de sairmos
da “caverna” e irmos ao encontro da “luze então nos libertarmos da escuridão que
nos foi imposta para então construirmos paradigmas de educação e de sociedade
que venham realmente a contemplar o homem em sua multidimensionalidade.
Em janeiro de 2003, o MEC anunciou que a alfabetização de jovens e adultos
seria uma prioridade do governo federal. Para isso, foi criada a Secretaria
Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (SEEA), cuja meta seria erradicar o
analfabetismo durante o mandato de quatro anos do governo Lula. Para cumprir
essa meta foi lançado o Programa Brasil Alfabetizado, por meio do qual o MEC
contribuiria com os órgãos públicos estaduais e municipais, instituições de ensino
superior e organizações sem fins lucrativos que desenvolvessem ações de
alfabetização.
No Programa Brasil Alfabetizado, a assistência é direcionada ao
desenvolvimento de projetos com as seguintes ações: Alfabetização de jovens e
adultos e formação de alfabetizadores. É necessário que o alfabetizador, antes de
73
iniciar as atividades de ensino, conheça o grupo com o qual irá trabalhar. Esse
conhecimento prévio pode ser pelo cadastro dos alunos e pelo diagnóstico inicial
que deve servir de base para o planejamento das atividades. A intenção é tornar o
processo de alfabetização participativo e democrático. A formação de
alfabetizadores compreende a formação inicial e a formação continuada.
Já se passaram três anos desde que o Programa Brasil Alfabetizado foi
lançado. Durante esse período foram investidos muitos recursos para enfrentar o
desafio de, até o ano de 2006, incluir milhões de jovens e adultos brasileiros no
mundo da leitura, da escrita, das formas e dos números. Tais habilidades são
fundamentais para um bom desempenho social, garantindo, inclusive, maior
qualidade de vida e produtividade, na medida em que possibilitam uma maior
consciência sobre como melhorar os cuidados com a saúde, a segurança pessoal e
dos outros, a alimentação e as finanças pessoais, além de incrementar sua
empregabilidade.
Uma ação desse porte pode trazer impactos importantes para o país, uma vez
que teremos um contingente maior de homens e mulheres aptos a contribuir para um
crescimento econômico progressivo, uma melhor distribuição de renda e uma
sociedade mais justa e democrática.
As políticas implementadas pela SEEA não se limitam à transferência de
recursos às instituições alfabetizadoras, embora tenham no apoio financeiro uma
importante ferramenta de ampliação da capacidade nacional de alfabetizar jovens e
adultos. Os recursos são repassados às instituições conveniadas mediante a
aprovação de projetos de alfabetização e do credenciamento no Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC). Os termos do convênio estabelecem o
repasse de R$ 80,00 por alfabetizador capacitado e mais R$ 15,00/mês por aluno,
para a remuneração dos alfabetizadores. Às instituições conveniadas, cabe a
responsabilidade de manter a infra-estrutura necessária: salas de aula, material
didático e pedagógico, entre outros.
Segundo discurso oficial, o programa Brasil Alfabetizado é muito mais que
uma campanha de alfabetização. É a garantia efetiva de inserção social para os
milhões de jovens e adultos que ainda não sabem ler e escrever. Na visão do
programa, acabar com o analfabetismo é urgente e tarefa de todos. É uma vergonha
74
para um país que conquistou espaço nos campos mais avançados do
conhecimento e está entre as maiores economias do mundo.
É preciso que haja continuidade das ações governamentais. O Programa
Brasil Alfabetizado foi criado para ter duração de quatro anos - enquanto durasse a
gestão do governo Lula. Os resultados seriam muito melhores se houvesse
seguimento nos programas implantados, pois evitaria perda de tempo e de
dinheiro na criação de novos programas, como vem acontecendo ao longo dos
anos: muda o presidente, mudam os programas. Deve haver, também, a ligação do
programa de alfabetização com outros programas governamentais ou não, como é o
caso do bem sucedido programa Alfabetização Solidária. Que é hoje
indiscutivelmente um programa de relevância quando o assunto é alfabetização de
jovens e adultos. Sua abrangência educacional transcende as fronteiras Brasileiras e
já é destaque e modelo de Educação em vários países.
Apesar de não estar havendo continuidade dos programas ao longo dos
tempos, a Educação de Jovens e Adultos está sempre sendo buscada, com o
objetivo de realmente permitir o acesso de todos à educação, independentemente
da idade. Desta forma, fica claro o caminho que a EJA percorreu em nosso país a
chegar aos dias de hoje. Muito já foi feito, mas aindao que se fazer. Não se pode
acomodar com os avanços conseguidos, é necessário vislumbrar novos
horizontes na busca da total erradicação do analfabetismo em nosso país, pois a
educação é direito de todos.
Portanto, compreendemos que as ações públicas realizadas para extinguir o
analfabetismo na sociedade brasileira e, particularmente no município de Belém,
ainda tem sido insuficientes diante das demandas e por isso faz-se necessário
ressaltar que é preciso haver um maior comprometimento nas políticas públicas no
que se refere à educação para que possamos assim atingir um maior número de
pessoas que se encontram alijados da formação escolar para que esta lhe as
condições mínimas para desenvolver uma postura critica face à realidade que os
cercam, bem como possam usufruir dos bens e direitos necessários às suas
condições de sobrevivência.
A partir dessas considerações, tomaremos como referência de nossa
abordagem a EJA desenvolvida no município de Belém na gestão da Frente Belém
75
Popular, a fim de verificarmos o que esta realizou de concreto para desenvolver
políticas públicas para essa modalidade de ensino.
76
CAPÍTULO II
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA GESTÃO MUNICIPAL NO
PERÍODO DE 1997 A 2004: A PROPOSTA DA ESCOLA CABANA
Neste capítulo passaremos a traçar considerações sobre o município de
Belém, com o objetivo de resgatar as ações de políticas educacionais da
administração municipal que ganhou as eleições em 1996, vindo a assumir a
Prefeitura Municipal de Belém em 1997.
A Liderança era do Partido dos Trabalhadores com a participação do Partido
Comunista do Brasil, do Partido Socialista do Brasil, do Partido Popular Socialista e
do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados instituindo a partir do Projeto
Escola Cabana. Um projeto que tinha como inspiração os ideais do Movimento
Cabano. A Revolução Cabana ou Movimento da Cabanagem como ficou mais
conhecido aconteceu no período de 1835-1840 integrado ao movimento nativista
vivenciado no Brasil contra o processo de colonização dos portugueses.
No estado paraense, a Cabanagem teve o seu inicio em 7 de janeiro de 1835
e estendeu-se até 1840 ficando conhecido como a Primeira Revolução da América
Latina em que o povo assumiu o poder. A luta, na realidade, caracterizou-se por
ideais de liberdade e esperança de se alcançar as conquistas sociais e políticas
decorrentes da Independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1822. Uma
luta que foi se tornando, aos poucos, em revolta popular, aglomerando índios,
mestiços, africanos, escravos e europeus semilivres contra a exploração da
população da região.
A denominação Cabanos se deu pelo fato da maioria dos combatentes
ser de camadas humildes, que habitavam cabanas. Esse levante popular acabou por
resultar na morte de aproximadamente 30.000 habitantes, o que correspondia a um
quarto da população amazônica da época.
A partir de tais proposições o que se pretendia, finalmente, era acabar com
uma história em que se presenciava o predomínio dos interesses dos portugueses
elitistas, que se apropriavam das riquezas amazônicas para patrocinar a cobiça
particular das grandes oligarquias, deixando de lado as vontades do povo, que
77
era lembrado para ser explorado a qualquer época, ficando, assim, à disposição da
avidez dos colonizadores. Estes que se utilizavam, para isso, de todo tipo de
mecanismo, desde a repressão aos “rebeldes”, até a compra da “consciência” com
benesses que deveriam ser direitos básicos desse povo.
Nas últimas duas décadas do século XX, em nível nacional, viu-se proliferar
um movimento social e cultural que, sem vida alguma, trouxe grandes mudanças
para a sociedade brasileira. A cada de 90 se apresentou como uma década de
consolidação de várias lutas por uma sociedade democrática e pela construção de
direitos para todos os cidadãos deste país.
A educação pública, gratuita e de qualidade esteve no centro desses debates,
nas formulações de políticas públicas reivindicadas pelos movimentos sociais junto
ao poder público que culminaram em diversas iniciativas de renovação pedagógica,
introdução de inovação nas práticas curriculares e didáticas, avaliação
emancipatória, formação continuada de professores. Iniciativas que, no Brasil, diante
do contexto que foram implantadas, receberam denominações como: Escola Plural,
Candanga, Cidadã, entre outras.
Concomitante a estes movimentos e suas reivindicações, formulou-se em
Belém, capital do Estado do Pará, no período de 1997 a 2004, no Governo da Frente
Belém Popular, o projeto educacional denominado “Escola Cabana”, que surgiu
como alternativa de uma nova qualidade na educação. Uma qualidade que
resgatasse fundamentalmente os valores expressivos da cultura local e que
considerasse o princípio da inclusão social na ação educativa escolar na perspectiva
de “construir um futuro de democracia econômica, social, cultural e política para as
crianças e jovens de nossa Belém” (BELÉM, 1997).
Entendemos que o compromisso com a inclusão social e sua conquista
pode acontecer quando todos os sujeitos participarem efetivamente e se envolverem
com as questões que defendem de forma ativa, pois, como nos lembra Lima (2003),
toda participação deve acarretar algum tipo de movimento, que pode ser
caracterizado como participação ativa, reservada ou passiva. Por isso nenhum
trabalho é possível, sem que haja participação ativa dos reivindicadores em qualquer
movimento.
78
A Escola Cabana é uma proposta construída pelo conjunto dos sujeitos
sociais que atuam na educação municipal. Os princípios e as diretrizes desse projeto
foram formulados pelos professores, técnicos, servidores, alunos e pais, nos
momentos de formação continuada, fóruns e conferências, organizados pela
Secretaria Municipal de Educação.
Esta proposta que resgatou no seu nome, conforme mencionado, um dos
mais legítimos e revolucionários movimentos populares que marcou o século XIX em
nosso país, onde as populações cabanas, os ribeirinhos, levantaram, até mesmo
suas armas clamando por justiça, pelo fim da escravidão e participação política.
Sendo assim e, de acordo com a Proposta do Regimento Escolar da Rede Municipal
de Belém, “a escola cabana retoma essa memória, pela rebeldia e coragem de
nossos ancestrais, quando assume o princípio da participação popular como eixo da
qualidade social da educação em Belém”. (BELÉM, 1997)
O projeto educacional da Escola Cabana objetivava uma ação mais íntima
entre a escola e seu contexto cultural, buscava oportunizar um rico debate entre a
função da escola e a necessidade de fazer firmar uma relação democrática com a
comunidade a fim de se criar oportunidades de reflexões das possibilidades e dos
desafios da democratização da educação pública municipal. Foram criados vários
espaços onde pudessem ocorrer as discussões da sociedade civil, que exigia
democratização e transparência das práticas governamentais.
Um movimento que se dirigia à socialização do poder político mas que, ao
mesmo tempo, coincidia com a dinâmica contraditória de apropriação privada da
riqueza socialmente produzida, de crise econômica e de agudização da exclusão
social. Essas contradições trouxeram em seu bojo a possibilidade dos debates sobre
propostas distintas de reestruturação do sistema educacional, que fizessem frente às
transformações recentes da sociedade, da economia e das relações de poder em
nosso país.
Nesse ambiente político de redemocratização, foi também que se percebeu
melhor a importância de se estabelecer novas proposições para a educação escolar,
tanto no que diz respeito à organização interna, ou seja: currículo, gestão político-
pedagógica, avaliação, processo ensino-aprendizagem, relação professor-aluno,
entre outros, bem como da relação com os segmentos sociais e demais instâncias
da sociedade.
79
Nessa direção, o projeto político pedagógico da Escola Cabana, foi uma
experiência realizada na área educacional desde o inicio da primeira gestão em
1997, do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura de Belém, com a intenção de
promover uma radical mudança no sistema educacional de forma coletiva, ou seja,
com a participação de todos os segmentos da educação da Rede Municipal de
Ensino, bem como os demais setores da sociedade.
Assim, o Governo do Povo inaugurou uma nova etapa na história da gestão
pública no município de Belém, tendo como diretriz principal a participação popular,
que culminou no desenvolvimento de uma série de experiências de participação
direta do cidadão no que diz respeito à definição de melhoramentos para a
educação municipal.
As jornadas pedagógicas, os Fóruns e a Conferência Municipal de Educação
se constituíram em instâncias de definições das políticas e ações da Escola Cabana,
propostas a partir das diretrizes apontadas nos mais diversos documentos (BELÉM,
1999a; BELÉM, 1999b; Lima e Rodrigues, 2000) propondo então: a democratização
do acesso e permanência com sucesso; gestão democrática; qualidade social;
valorização profissional de educadores. É válido ressaltar que tais experiências se
ampliaram para outras obras, serviços e políticas públicas oferecidas pela PMB, uma
vez que pensar a inclusão social é pensá-la para todos os setores da sociedade.
2.1- A educação de jovens e adultos na pauta das políticas educacionais e a
responsabilidade do município
A partir da organização do sistema educativo detalhado na LDB 9.394/96 e as
metas plurianuais fixadas na LEI 10.172 do Plano Nacional de educação, o Governo
Federal acaba por transferir sua responsabilidade no tocante às políticas de EJA aos
Estados, e aos Municípios, provocando uma rie de problemas, que
conseqüentemente acarretaria a estes últimos buscar soluções a qualquer custo.
De acordo com Di Pierro e Graciano (2003), a legislação nacional determina
que a oferta gratuita do ensino público seja compartilhada da seguinte maneira: aos
municípios à oferta pela Educação Infantil e Ensino Fundamental, aos estados os
encargos com o Ensino Fundamental e Médio e ao governo federal cabe a atenção
com o Ensino Superior e por algumas escolas técnicas de Nível Médio; ou seja, a
80
União participa muito pouco do Ensino Básico, mas tem uma importante função
redistributiva dos recursos e exerce um papel fundamental na coordenação e
indução das políticas educacionais dos outros níveis de governo.
Apesar da demanda crescente de jovens e adultos por oportunidades
educacionais em virtude de exigência de escolaridade pelo mercado de trabalho, o
Governo Federal optou por priorizar o Ensino fundamental. Para isso utilizou como
expediente a restrição ao financiamento da educação para jovens e adultos por meio
do Fundef (criado em 1996 e implementado nacionalmente a partir de 1998). (ibid.,
2003).
Como a década de 90 se apresenta como um período de reconstrução
democrática, surgiram, principalmente, por parte dos governos municipais, muitas
experiências consistentes de alfabetização. Foram desenvolvidas parcerias com
diferentes grupos de atores sociais, houve a continuidade, e até mesmo a
intensificação da presença de centros de educação popular e organizações não-
governamentais que, tendo desenvolvido especialização técnica, passaram a prestar
serviços de pesquisa, planejamento, assessoria e avaliação dos programas
educativos, formação de educadores e produção de materiais didático-pedagógicos.
Foi nesse contexto que surgiram programas como o Orçamento Participativo e o
Movimento de alfabetização - MOVA (ibid., 2003).
O Movimento de Alfabetização-MOVA foi inaugurado em São Paulo durante a
administração do Partido dos Trabalhadores (1989-1992), tendo como secretário de
Educação Paulo Freire. Apesar do programa ter sofrido descontinuidade nas
gestões subseqüentes, foi retomada a partir de 2001 e acabou por inspirar outras
administrações municipais a desenvolverem programas similares, pondo em prática
os postulados político-pedagógicos freireanos e, assim, enriquecendo os modelos de
alfabetização conscientizadora dos anos 60.
Como um avanço importante dessas experiências pode ser citado a
incorporação de uma nova forma de pensar a alfabetização como um processo que
exige um maior grau de continuidade e sedimentação. Compromisso, por sinal, dos
governos de esquerda que sempre estiveram atrelados às camadas populares e que
têm sido responsáveis pelo desenvolvimento de experiências consideradas
importantes no campo da educação de jovens e adultos no Brasil. Assim, tinham
como desafio a superação da evasão, eficácia das metodologias aplicadas, elevação
81
da escolaridade e formação político pedagógica dos educadores populares,
articulação com as redes de escolas públicas a fim de garantir a continuidade de
estudos aos alfabetizandos, etc. (ibid, 2003).
Sendo assim, o que se buscava era mudar uma realidade de descaso nas
políticas educacionais para a categoria jovens e adultos que sempre passaram ao
largo da questão da sua especificidade, não se discutindo temas como gestão,
financiamento, formação de educadores, quadro de carreira, material didático e infra-
estrutura apropriada à sua realidade. O comum tem sido a transferência do modelo
da escola diurna e de sua gestão para a escola no período da noite, sem que suas
particularidades sejam consideradas e por isso essa escola tem sido incapaz de
absorver o aluno em sua totalidade, na globalidade de sua vida permeada pelo
além-muro da escola, pelos sentimentos vividos no trabalho, na cidade e na família.
Na realidade, a escola não se adapta ao tempo e ao cotidiano dos alunos
trabalhadores, fazendo com isso com que estes desistam e, devido a isso, terminem
sendo culpabilizados e estigmatizados como alunos "sem interesse", "agressivos",
"marginais", etc. Como nos lembram Haddad e Di Pierro (1994, p. 12):
[...] a escola terá que redimensionar o seu atendimento, encontrando modos
que, sem renúncia a sua função precípua de preservação, transmissão e
produção do conhecimento, possam efetivamente ir ao encontro dos limites
impostos pelas condições concretas de vida da população trabalhadora.
Procurando compreender as atuais tendências das políticas educacionais
para a EJA, o município de Belém, após as eleições de 1996, quando o Partido dos
Trabalhadores assumiu o poder, pretendeu efetivar esse quadro político. Os
programas de EJA passaram a ser pensados e a se desenvolver em uma outra
direção. Na verdade, a pretensão era de rompimento radical com as propostas
educacionais da gestão anterior.
As propostas de educação de jovens e adultos passaram por processos de
reformulações, criando-se novas proposições e projetos. Políticas gestadas no
interior do Estado para a educação de jovens e adultos pretendiam dar respostas a
velhas questões, como aquelas mencionadas anteriormente, tendo como referência,
no entanto, diferentes concepções acerca do papel do Estado e de sua atuação no
âmbito das políticas sociais.
82
Busca-se, com isso, garantir "o direito do jovem e do adulto à educação
básica sem interrupção", levando-se em consideração duas especificidades desse
turno: "a heterogeneidade dos alunos, provocada por uma enorme diversidade
etária, de interesses, de escolarização, de tempo de afastamento da escola, de
inserção social e cultural" e a "inadequação da estrutura escolar à realidade
específica desses alunos e alunas, o que gera inúmeras formas de exclusão"
(rigidez dos horários, tempos de aula fragmentados, grade curricular inadequada,
etc.).
Essa é a grande responsabilidade histórica da administração popular da
PMB. Os parâmetros hoje usados como referências para a escolarização
básica de jovens e adultos, tal como se desenvolve atualmente, tem caráter
transitório, tendendo a esgotar-se quando a sociedade puder assegurar, no
tempo próprio, escolarização para todos. Ao se considerar que a educação
é um processo permanente que se desenrola ao longo da existência, a
Educação de Jovens e Adultos deverá assumir novos dimensionamentos
quando o acesso à educação fundamental for garantido para todos na
infância e na juventude (BELÉM, 1997).
Mas isto não significava que seria tarefa fácil sua implementação, uma vez
que estavam postos dois projetos: um que era mais global, onde estavam os
interesses de organismos internacionais que buscavam reestruturar o modelo
capitalista de produção e outro, que era mais local, onde se buscava não permitir a
submissão das cidades aos ditames da acumulação capitalista.
Em nível de política global, tem sido comum encontrarmos atualmente, nos
discursos de organismos internacionais, empresariais e governamentais, uma
centralidade cada vez maior reservada à educação. O eixo central tem sido a defesa
da qualidade da educação como forma das nações inserirem-se numa economia
globalizada e como condição sine qua non para a promoção do desenvolvimento
econômico com equidade social (OEI, 1996).
mesmo, um retorno a um certo otimismo pedagógico (Martins & Franco,
1996), cenário no qual surge uma série de propostas que compõem a agenda
educacional neste final de século. A primeira característica das políticas
educacionais nesta década é a predominância da idéia de que os investimentos no
Ensino Fundamental representam uma maior taxa de retorno econômico para os
seus alunos. Tanto a Conferência Mundial de Educação para Todos - Tailândia,
83
1990 -, quanto a Conferência de Nova Deli - Índia, 1993 - e o próprio Plano Decenal
Brasileiro para a Educação (BRASIL, 1993) se posicionaram nesse sentido.
Esta tese é defendida e divulgada pelo Banco Mundial desde os anos de
1970. E suas orientações, que têm crescido em importância no âmbito educacional
nos últimos anos, apontam para a prioridade de investimentos no Ensino
Fundamental. De acordo com estudiosos como Fonseca (1997), estudos financiados
pelo Banco do tipo custo-benefício atribuem ao nível primário maior taxa de retorno
econômico, tendo como referência a renda dos indivíduos. Ainda na ótica do Banco,
o retorno econômico constitui o principal indicador da qualidade da educação.
Um outro aspecto das políticas educacionais defendidas por esse organismo
é a tendência à flexibilização da administração, por meio de medidas que
descentralizem funções e competências antes reservadas às instâncias superiores.
Ao mesmo tempo, uma transferência de atribuições, que na realidade, é
acompanhada de medidas que parecem possibilitar uma margem bastante
considerável de controle sobre o trabalho docente, como a elaboração centralizada
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a instituição do Sistema de
Avaliação do Ensino Básico (SAEB) (ibid., 1997).
Na América Latina, as orientações, no que diz respeito à gestão da educação,
têm caminhado no sentido de adequar os sistemas de ensino dos países latino-
americanos à realidade de uma economia mundial globalizada e às políticas
neoliberais hegemônicas dos países centrais. A tendência atual aponta para um
modelo de gestão flexível em todos os âmbitos do Setor Público, principalmente no
que tange ao planejamento das políticas sociais. Essas novas orientações passam
então a transferir a responsabilidade da educação, para a esfera local, o município,
comunidade e escola - a gestão administrativa, pedagógica e financeira da escola
(OLIVEIRA, 2004).
O que vem embasando tal concepção é justamente o discurso da
democratização da educação que se enraíza nas mentes ganhando credibilidade da
sociedade e fazendo com que os sujeitos tenham atitudes nessa direção. Defende-
se o envolvimento da sociedade na gestão da escola, participando de sua
administração, pressionando e zelando pela qualidade do ensino oferecido. Por meio
de um discurso da defesa da cidadania prega-se o "envolvimento da comunidade na
melhoria das condições de funcionamento das escolas." (BRASIL, 1997, p. 10).
84
Nessa direção todos os setores do sistema escolar são convocados a fim de
estruturar condições para a governabilidade da democracia, garantindo dessa
maneira «participação da comunidade educacional no governo e na administração»,
bem como eficiência e transparência na sua gestão. Defende-se a necessidade de
um «grande acordo nacional» que envolva igrejas, sindicatos, empresários,
comunidade escolar como co-responsáveis pela educação (OEI, 1996).
Porém, o que se tem visto de fato, é uma forte tendência de investimento na
sala de aula como se fosse o locus prioritário e fundamental da qualidade na
educação. O próprio MEC tem tomado uma rie de medidas que visam a melhorar
o ambiente de ensino. Parte-se do pressuposto que a prática pedagógica é
inapropriada e os insumos básicos para um ensino de qualidade não são favoráveis.
Daí a necessidade de investimentos em livros didáticos, currículos e cursos de
treinamento e aperfeiçoamento de professores (BRASIL, 1997).
Na realidade, tais tendências podem ser compreendidas como estratégias das
políticas sociais no âmbito do neoliberalismo. Tanto é que, concordando com Draibe
(1993), governos neoliberais têm implementado políticas de reestruturação dos
programas sociais que se orientam pela descentralização como "modo de aumentar
a eficiência e a eficácia do gasto", pela focalização, isto é, "o direcionamento do
gasto social a programas e a públicos-alvos específicos, seletivamente escolhidos
pela sua maior necessidade e urgência" e, por fim, pela privatização, que, dentre
várias formas, pode ser implícita (dada pelo desengajamento do Estado) ou por
atribuição (a condução da demanda para o setor privado).
O que de fato é que todas as propostas que nascem desse contexto
acabam por colocar a educação como um campo de disputa entre diferentes modos
de concebê-la, seja como um direito social, seja como um imperativo econômico.
Ficando a cargo da gestão da escola a possibilidade desta vincular-se a uma
concepção democrática e participativa ou a uma concepção que se orienta apenas
por uma lógica eficienticista.
Para esta, escola cabe apenas a escolha entre uma dessas opções que pode
ser decisiva (SINGER, 1996). Valorizar a educação de jovens e adultos significa
caminhar rumo ao resgate de uma dívida social histórica para com um amplo setor
da nossa sociedade, que se acha impossibilitado de vivenciar plenamente um
ambiente escolar humanamente rico.
85
A educação de jovens e adultos, bem como o combate ao analfabetismo,
sempre esteve dependente, em várias experiências históricas no Brasil, da
capacidade de organização da população, mediante a articulação dos movimentos
sociais que pressionam o Estado para o fornecimento dessa modalidade de ensino.
Com a ascensão desses movimentos sociais durante a década de 80, os sucessivos
governos que se seguiram foram forçados a reconhecerem a EJA como um direito
social. Haddad e Di Pierro (1994), após procederem à consolidação dos documentos
mais representativos das políticas nacionais da EJA nos anos de 1985 a 1994,
concluíram que, "no período analisado, a educação fundamental de jovens e adultos
foi reconhecida como direito e dever do Estado, igualando-se à educação infantil.”
Em 1988 com a Constituição Federal ficou garantido que o Estado se
obrigaria do Ensino Fundamental enquanto uma obrigação e um direito subjetivo do
cidadão, incluindo-se aqueles que não tiveram acesso à educação na idade
apropriada. O artigo 208 em seu inciso I em que se lê: "ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria", seja no inciso VI que determina a "oferta de ensino noturno regular,
adequado às condições do educando". A simples fidelidade a este artigo implicaria
em grandes avanços no âmbito da EJA. Principalmente por sua universalidade, ao
contrário da lógica excludente presente na condução das políticas econômicas e
sociais no Brasil que garantem nas linhas de suas leis grandes e profundos avanços
democráticos.
Ao contrário desses avanços legais, o que se tem visto são perdas de direitos
adquiridos. É o que vem acontecendo e ainda acontece com a Educação de Jovens
e Adultos, defendida no seio das leis mas abandonada pelos setores responsáveis
pela aplicação da mesma conforme Beisiegel (1997, p. 242) que afirma que "o
envolvimento dos poderes públicos com a educação básica de jovens e adultos
analfabetos apresenta-se bem menor do que foi no passado, nas décadas de
1940 a 1980.”
Dados do MEC apontam que 56% das matrículas no Ensino Médio no Brasil
são no período noturno (ANPED, 1997). Em 1995, do total de alunos aprovados no
ensino médio regular no Brasil (3.634.660), 54,17% estavam no ensino noturno. Do
total de matrículas no ano de 1996 no Ensino Médio, 54,3% têm mais de 17 anos, o
que constitui um público que necessita conciliar o tempo escolar com o tempo de
86
trabalho (BRASIL, 1998). No entanto, o próprio Plano Nacional da Educação
proposto pelo MEC torna-se discriminatório ao prever a ampliação das vagas do
Ensino Médio apenas no diurno.
O que nos parece é que as políticas educacionais voltadas a EJA valorizam
determinada clientela do sistema de ensino, ou seja aquela que está em situação
correspondente ao fluxo "normal" das séries, excluindo assim aqueles que estão fora
da faixa etária, tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino dio. uma
tendência, conforme mencionamos, em momento anterior, muito nítida em
direcionar a maior parte dos recursos do Estado para o Ensino Fundamental e, de
forma subjacente, para o ensino de jovens e adultos trabalhadores. Reservando a
estes um ensino com medidas paliativas, de caráter compensatório num sistema
educacional que discrimina.
Portanto é dessa maneira que se põe um dos projetos para a sociedade. As
diretrizes que permeiam as políticas globais de educação pelos organismos
internacionais para as sociedades inserirem-se numa economia globalizada. Nesse
sentido, a concepção tem se orientado apenas por uma lógica eficientista, que pode
ser entendida como estratégias no âmbito do neoliberalismo cuja orientação principal
é a descentralização dos programas sociais e focalização de recursos em programas
e públicos específicos, bem como pela privatização dos serviços blicos uma vez
que o Estado tem se desresponsabilizado dos mesmos (DRAIBE, 1993).
Contudo, as sociedades são diversas, complexas de interesses divergentes e,
na grande maioria das vezes, conflitantes e por isso provocam avanços, retrocessos
e até mesmo emperram processos. Por outro lado, na relação entre o global e o
local despontam outras macro e micro relações que apresentam tendências que
também, ora convergem e ora divergem. Talvez estas características tenham
contribuído ou não para a implantação na mudança do quadro político na Cidade de
Belém na Gestão da Frente Belém Popular.
Desde a década de 80, um terreno fértil vem se apresentando para ilustrar o
que acabamos de apontar nessa era de implantação de reestruturação do modelo
produtivista capitalista. Capitaneada pelos paises centrais, tendo a frente o Reino
Unido de Margareth Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan. Esses países
se encarregaram de iniciar uma profunda modificação no panorama econômico
internacional impondo um violento ajuste econômico, e conforme Frigotto (1996)
87
postulando nesse contexto a tese neoliberal da retirada do Estado da economia,
com promessas de aumento de produtividade, garantias e estabilidade de emprego;
a volta das leis do mercado sem restrições; o aumento das taxas de juros para
aumentar a poupança e arrefecer o consumo; a diminuição dos impostos sobre o
capital e diminuição dos gastos e receitas públicas e, conseqüentemente, dos
investimentos em políticas sociais.
No Brasil, o Governo Collor procurou implementar um projeto que buscou
subordinar o país à nova ordem mundial, ou seja, dentro desse ideário de
globalização neoliberal. Não obteve sucesso e acabou recebendo o impeachment. O
seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, teve mais competência e,
conseqüentemente, sucesso para efetivar o ajuste neoliberal. quem afirme,
inclusive, uma ala que era do próprio Partido dos Trabalhadores, que se desligou do
mesmo criando uma nova legenda, que a atual presidência do governo de Luis
Inácio Lula da Silva, mesmo sendo de esquerda, está por aprofundar as políticas
traçadas no Governo de Fernando Henrique Cardoso.
O fato é que todas as conquistas resultantes das lutas desta década foram
quase todas interditadas por conta do ajuste da economia, da descentralização, da
flexibilização e da privatização. Nesse sentido, a educação mesmo considerada na
Lei máxima do país, como direito social e subjetivo de todos, passa a ser encarada
como um bem e por isso deve ser comprada.
Diante dessas considerações, torna-se pertinente evidenciar que vivemos de
tendência em tendência, de paradigmas em paradigmas que, quase sempre, se
mostram de forma antagônicas. E, dentro desses movimentos, temos outros
movimentos que ora convergem e ora divergem, pois os interesses são os mais
diversos e estão inseridos dentro de uma macro-estrutura, mas também de uma
micro estrutura de uma dada sociedade, portanto as coisas não partem apenas em
uma só direção e sim, para as mais diversas.
Mas, apesar de todas as dificuldades impostas por uma política mais geral ao
novo Governo Municipal de Belém (PT), e considerando num primeiro momento, a
gestão 1997-2000, tanto com o Governo Estadual representado por Almir Gabriel
(PSDB) quanto com o Governo Federal do Presidente Fernando Henrique Cardoso
também do PSDB, o programa do novo governo municipal se propôs a inverter as
prioridades sociais, nas quais a educação surge com destaque.
88
É neste contexto que, em Belém, cidade movida pelo setor comercial e de
prestação de serviços, componentes determinantes da economia do município, com
uma população de 1.244.688 habitantes na área metropolitana. Sendo 914.195
habitantes na área urbana divididos entre os distritos de Icoaraci, Mosqueiro e
Outeiro e que conta com uma população economicamente ativa da ordem de
498.758 habitantes, empregando quase 50% da sua força de trabalho nesses dois
setores (SEGEP/PMB, 1999), mas que coexistem a modernidade e a pobreza, que a
educação de jovens e adultos ganha vulto, assumida como bandeira de luta por
políticos, educadores e diversos setores da sociedade civil.
Afinal, as transformações do capitalismo internacional, têm atribuído à
educação escolar papel importante como estratégia de modernização da economia.
E esse se torna o discurso prioritário que confere a esta educação uma importante
centralidade no desenvolvimento socioeconômico do país, porém é crescente a
desobrigação do Governo frente aos direitos sociais, incluindo-se aí, o educacional.
No bojo dessas desobrigações insere-se a educação de jovens e adultos.
Quando a legislação brasileira foi redefinida, iniciando-se, inclusive, com as
modificações constitucionais, o Governo Federal estimulou a união e a parceria entre
as instituições educacionais e a sociedade em geral fazendo acreditar que esta seria
a solução para os problemas que a educação enfrentava. Porém, na prática, o que
se pôde constatar com as mudanças na política educacional foi a utilização por parte
desse governo de estratégias de centralização e descentralização, ou seja, a
elaboração e definição das políticas ficariam centralizadas no Executivo Federal
enquanto que suas operacionalizações se descentralizariam conforme o próprio
MEC em seu Planejamento Político Estratégico indicava (1995/1998):
Cabe ao MEC um papel político-estratégico na coordenação da política
nacional de educação: estabelecer rumos, diretrizes e fornecer mecanismos
de apoio às instâncias estaduais ou municipais da administração pública e
ao setor privado. No caso do ensino básico, esse papel político-estratégico
também é compartilhado por estados e municípios, em função da estrutura
federativa e da autonomia administrativa dessas instancias. o os estados
e municípios que efetivamente atuam no nível estratégico-gerencial do
sistema educacional, pois acompanham, avaliam, coordenam e integram o
planejamento e os resultados alcançados pela escola. Aqui reside o ponto
mais importante do sistema educacional, pois é exclusivamente na escola
que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o
nível gerencial-operacional do sistema (BRASIL, 1995).
89
Portanto, o que se constata é que se tratava de uma via de mão dupla,
enquanto o discurso vai por uma direção, a prática vem por outra. Movimentos
completamente desencontrados. Na realidade continua o governo federal com sua
postura conservadora frente à redefinição dessa legislação educacional,
desconsiderando, principalmente, o esforço que a sociedade civil organizada, nos
últimos tempos vem realizando em defesa de uma educação de qualidade para
todos em todos os níveis de ensino.
Pelo exposto, o desafio da Prefeitura Municipal de Belém na Gestão da
Frente Belém Popular seria muito grande, pois o que estava em curso era uma
mudança radical na concepção de escola, tanto na forma, quanto em seu conteúdo
e interferir nas velhas estruturas seculares para democratizar seus espaços de
convivência e abri-la à influência e à participação democrática da comunidade o
era algo tão fácil.
2.2- A experiência da gestão democrática no município de Belém e suas
conseqüências na rede municipal de ensino
Quando se resolve alterar as estruturas de poder para promover a
democratização nas relações sociais ou mais especificamente nas escolares, que é
o nosso foco, sabe-se que se lidará com uma tarefa árdua uma vez que conflitos
surgirão, visto que as tendências são antagônicas e quem queira mudar, mas
também, por diversos motivos, quem queira conservar, portanto, promover
mudanças na gestão é algo que exige consciência de democratização misturada a
uma dose forte de vontade política.
Desde a década de 80, como resultado dos movimentos de democratização,
fortificou-se a consciência da população sobre seus direitos de cidadania. E foi
evidente na década de 90 a pressão popular sobre as administrações locais por
mais e melhores serviços públicos. A partir de então, tem sido tarefa das gestões
municipais conciliar os recursos com as crescentes demandas, buscando dessa
maneira soluções adequadas às realidades e características de suas regiões.
É evidente o reconhecimento de que, para que um país se desenvolva em
todas as suas dimensões, faz-se necessário uma educação que considere tais
dimensões e aliado a esse reconhecimento, uma pressão popular por mais escolas
90
de qualidade. A consciência desse fenômeno acaba colaborando para que haja
mudanças consistentes na administração dos serviços de educação e por outro lado,
reconhece-se a necessidade da participação da comunidade na administração
pública como elemento importante de mudança.
Foi esse reconhecimento de participação popular nas questões públicas que
contribuiu para que o Governo do Povo vencesse as eleições e, em janeiro de 1997,
assumisse, assim, a administração do município de Belém. Um movimento de
articulação entre várias forças políticas do campo progressista e de esquerda que se
representaram através de entidades e organizações populares como: sindicato dos
trabalhadores, associação de moradores, partidos políticos, entidades estudantis,
dentre outros.
Essa foi a composição de forças populares que se constituiu na base de
sustentação política e que se aglutinou em torno do mandato da Frente Belém
Popular, levando-a a assumir o compromisso de administrar Belém em consonância
com os interesses da classe trabalhadora e dos setores oprimidos da cidade,
invertendo prioridades e estabelecendo políticas públicas, no sentido de garantir o
principio da inclusão social e a democratização do Estado, através do fomento à
participação popular, pautados nas marcas de Governo: participação popular e um
futuro às crianças e adolescentes.
Foi nesse cenário de mudanças de práticas políticas, da democratização da
gestão pública que se inseriu o debate sobre gestão democrática nas escolas e que
se discutiu, também, a respeito dos mecanismos que aprofundariam a participação
popular nas decisões, seja na escola ou na definição das políticas da educação
municipal. Discutiu-se, também, o papel dos Conselhos Escolares, da eleição direta
para diretores de escola e a relação entre a escola e um projeto pedagógico para o
município. Este último item, foi referência para a investigação e a construção social
do conhecimento.
Nesse sentido, o planejamento escolar deveria ser garantido, com intuito de
permitir o engajamento coletivo na prática educativa e que permitisse relações com
outras práticas educativas vividas pela sociedade, além de favorecer a construção
de um espaço de participação de todos os envolvidos: pais, alunos, professores,
coordenadores pedagógicos, comunidade organizada, servidores administrativos, de
apoio, etc. Assim, o Projeto Político Pedagógico da Escola Cabana tem estabelecido
91
num de seus eixos, de acordo com o Regimento, “a Gestão Democrática” (BELÉM,
1997), o que significa o estabelecimento e a ressignificação dos Conselhos
Escolares e do processo de Eleição Direta para a Direção dos espaços educativos.
Desta maneira, intensificou-se a participação de toda a comunidade nos espaços de
administração do bem público, que é a escola pública e, conseqüentemente, se
promoveu a democratização da gestão municipal nas escolas.
Entre as experiências da democratização que envolveram a Rede Municipal
de Ensino estava a do Orçamento Participativo, que na gestão da Frente Belém
Popular acabou tornando-se um dos principais espaços de gestão democrática,
onde os cidadãos, organizados por bairros, reivindicavam e buscavam fazer valer
seus interesses locais. Não isso, mas também eram chamados pelos demais
órgãos municipais a debater sobre obras estruturais para o desenvolvimento da
cidade (BELÉM, 2000). Com o Orçamento Participativo, a população de Belém
passou a ter o conhecimento de quanto a cidade arrecadava e em que gastava.
Desta maneira, na realidade, o povo era também chamado a participar das decisões,
invertendo assim, como prometido em campanha, a lógica anterior que via na
população alvo de manobras.
Segundo dados oficiais da Secretaria Municipal de Coordenação Geral do
Planejamento e Gestão SEGEP (1999), nos primeiros anos de realização do OP
em Belém, predominaram demandas pontuais e emergenciais como abastecimento
de água, unidades de saúde e pavimentação. a partir de 2000, outras demandas
passaram a ser incluídas, como a restauração do centro histórico da cidade, praças,
complexos esportivos, programas de capacitação e geração de renda. Se
atentarmos para o quadro abaixo, onde apresentamos uma tabela com os principais
investimentos do governo Municipal, no período de 1997-2000, em relação às
demandas pontuais e emergenciais da população, notaremos que há um
crescimento na área de saúde e saneamento bastante significativo, mesmo que no
ano de 1999 para 2000 tenha apresentado uma queda de 23,4% para
aproximadamente 17% respectivamente.
92
QUADRO 01
PRINCIPAIS INVESTIMENTOS DO PODER MUNICIPAL DE BELÉM
SOBRE O TOTAL DO ORÇAMENTO PÚBLICO (1997-2000)
Ano
Áreas de
Investimento
1997 1998 1999 2000
Saúde e
saneamento
11,4%
22,3%
23,4%
16,8%
Educação e
cultura
26,1%
25%
26,1%
30%
Habitação e
urbanismo
9,1%
11,8%
9,5%
11,1%
Segurança pública 1,7% 1,4% 1,4% 1,8%
Outros 51,7% 39,5% 39,6% 40,3%
Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: SEGEP/PMB, 2000
Além do Orçamento Participativo, outros mecanismos foram criados e até
mesmo aperfeiçoados. As Conferências Temáticas, representativas de segmentos
sociais, como educação, saúde, saneamento e transporte, convocaram o povo para
opinar sobre as políticas públicas, ‘desprivatizando’ dessa maneira o debate sobre
as grandes definições que influenciariam a vida dos cidadãos (BELÉM, 2000). No
entanto, é válido mencionar, que a experiência do Orçamento Participativo em
Belém teve suas limitações no avanço do processo participativo na cidade. Isso
porque uma grande parcela dos participantes se limitava a pensar os problemas da
cidade de maneira pontual, desarticulada de outros problemas urbanos, trabalhando
apenas uma parte do orçamento. Foi justamente essa problemática desafiadora que
mais tarde “viria a se constituir no Congresso da Cidade” (RODRIGUES, NOVAES e
ARAÚJO, 2002, p.8).
Mas, como resultado positivo desses movimentos, tem-se o fim, senão total,
mas pelo menos em boa parte, dos monopólios das empresas de transportes
urbanos. Assim como a das grandes empreiteiras que não mais decidiam sobre as
obras que deveriam ser feitas, mas trabalhar sobre aquelas que eram decididas pela
população de forma organizada em suas entidades ou através de seus delegados no
Orçamento Participativo.
Portanto, era dessa forma que se buscava efetivar uma política de
participação no município de Belém na Gestão da Frente Belém Popular que, entre
outras, procurava aprofundar esta forma de gestão democrática, enraizando tais
93
práticas no cotidiano dos cidadãos para que estes tivessem um real controle sobre
os serviços públicos.
2.3 – As políticas públicas para a EJA no município de Belém
No plano das políticas, o combate ao analfabetismo no país, nunca foi
assumido com tanta seriedade. O que de fato sempre se deram foram campanhas
montadas por Governos mais preocupados com resultados estatísticos do que
propriamente com a qualidade dessa educação. Nas campanhas de alfabetização,
os docentes quase sempre não tinham formação pedagógica como também não
tinham preparo mínimo para que fossem para lidar com a educação do jovem e do
adulto. Partia-se do pressuposto que a alfabetização desses deveria ser como a de
uma criança, por isso, deveria obedecer aos mesmos procedimentos metodológicos
(ARELARO, 1986).
Presumia-se que a alfabetização de adultos seria simples ou até mesmo de
menor importância, que podia ser efetivada por pessoas leigas ou até mesmo por
qualquer voluntário. Concepção que favoreceu, principalmente, a não destinação de
verbas públicas para essa modalidade de ensino, uma vez que alfabetizar esses
sujeitos poderia ser feito de qualquer maneira, por quaisquer sujeitos, por isso
poderia ser pago qualquer valor ou até mesmo não haver pagamentos de salário,
visto que era comum o recrutamento de voluntários. A educação de jovens e adultos,
não era pensada como um trabalho profissional (RIBEIRO, 1997).
Portanto foi nesse cenário de sucessão de descasos que sempre se
apresentou a educação de jovens e adultos no Brasil, apesar do reconhecimento
oficial de que o analfabetismo era e é fruto de uma dívida social para com amplos
setores da população.
Na tentativa de mudar esse quadro, tivemos vários movimentos em defesa
não apenas dessa modalidade de ensino que é um sintoma do tipo de política
educacional exercida em nosso sistema que tem por vários motivos gerado o
fracasso escolar de grande parte dos brasileiros, mas da educação como um todo. A
própria escola pública tem recebido atenção desses movimentos, pois também tem
sido fruto do descaso com que os governantes a têm tratado.
94
Como conquistas desses movimentos, a década de 1990 é fechada com o
Governo Federal demonstrando grande otimismo com dados que revelam a
diminuição do número de crianças que estavam fora da escola, com o aumento de
matriculas na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e na
modalidade de educação de jovens e adultos, fazendo com que o próprio
representante da UNESCO no Brasil, Jorge Werthein, tecesse elogios sobre a
melhoria da educação brasileira:
O Brasil vem convivendo com esses índices aterradores durante tantas
décadas que é muito difícil recuperá-los de forma muito rápida. Mas hoje,
apenas 4% de crianças em idade escolar fora da escola, há dez anos
(1991) esse número era de 15%. O Brasil fez avanços imensos (apud
COSTA, 2001, p.9).
Mas somente a quantidade não deve bastar, apesar de que aumentar o
número de matriculas na escola fundamental é um grande passo para se
democratizar a educação, mas faz-se necessário que se alie a essa quantidade a
qualidade na educação para que ela faça frente às reais necessidades da
população. Assim faz-se necessário um investimento que efetivamente contribua
para superar os índices negativos da educação brasileira, no que diz respeito aos
fracos resultados que os nossos alunos têm apresentado em relação à
aprendizagem escolar, a fim de não mais se perpetuar interesses de grupos ou de
classes dominantes que sempre pretenderam que se consolidassem seus saberes,
suas culturas, como válidas.
É valido destacar que, ao apontarmos que a educação tem se apresentado
com índices negativos, mesmo sendo essa tão propalada nos discursos oficiais
como prioridade, não estamos fazendo isso de forma aleatória, ao contrario,
estamos nos valendo de resultados de pesquisas de diferentes órgãos, inclusive
alguns governamentais, mas que nos revelam um quadro tanto negativo da
educação, incluindo a EJA, que mesmo com toda uma perspectiva de política
marcada por reformas, não foge à regra como característica da educação brasileira.
Tais informações são oriundas de instituições como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) entre outros.
95
Fletcher e Ribeiro (1987 apud MOYSÉS, 1995, p.14), analisando os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), chegaram à conclusão que o
ensino apresentava dados pouco animadores e que essa realidade era revelada
tanto no levantamento feito em 1982 quanto no que foi realizado em 1992, onde
[...] se constatam os alarmantes índices de retenção do aluno no sistema:
8,4 anos, em media, nos bancos escolares para completar, no máximo cinco
series, sendo o índice de retenção na primeira série igual a 54%. [Ribeiro]
usa a expressão ‘pedagogia da repetência’ para se referir à crença bastante
difundida entre os professores das series iniciais, de que uns poucos
alunos conseguem passar de ano.
O que podemos perceber é que a política educacional desenvolvida no Brasil,
na década de 1990, cuja justificativa é com base nos dados negativos sobre a
educação, o deu conta de mudar essa realidade. O quadro não se alterou em
2000. Na Região Norte, a exemplo, havia 2.380.000 crianças de 7 a 14 anos, mas a
matricula do ensino fundamental é de 3.273.693 alunos, representando 25% da
população total da região, como foi informado por Seabra por ocasião do Fórum
Brasil de Educação, realizado em maio de 2003 em Belém.
Esses dados revelam que quase 1/3 dos alunos matriculados, ou seja,
893.693, possuem mais de 14 anos de idade, o que denuncia o alto índice de
retenção no ensino fundamental. Esse problema antes de ser de cunho meramente
pedagógico é gerado, principalmente, pelo tipo de política educacional que os
administradores do país, em suas varias instâncias, adotam em seus planos e
ações. A educação, quando feita de forma adequada, pode lograr excelentes
resultados, não é o que se configura no país e, sobretudo no Norte, onde
Mais de 2/3 dos alunos do Ensino fundamental estão matriculados nas
quatro primeiras séries. Na 1ª. série existe quase três vezes mais alunos do
que crianças de sete anos. Para atender ao universo das crianças de 7 a 14
anos, seriam necessárias muito menos escolas e professores do que hoje
são oferecidos em toda a região Norte como, de resto,, em todo o país. O
valor per capido FUNDEF poderia ser aumentado, sem a necessidade de
novos recursos, o que resultaria em salários significativamente maiores para
os professores: se menos alunos, o total de recursos do FUNDEF seria
dividido para menos gente, e com isso, o valor distributivo seria maior um
terço maior no caso da região Norte (SEABRA, 2003, p.367).
96
Apesar dos discursos oficiais demonstrarem claramente a intenção de se
melhorar a qualidade da educação brasileira, concordamos plenamente com Moysés
(1995) quando, em outras palavras, afirma que na realidade tal discurso tem servido
apenas para eleição e reeleição de muitos políticos e por isso nos deparamos com
uma realidade que nos demonstra quão vazio têm sido esses discursos.
Partindo dessa afirmativa, parece-nos que a intenção da Prefeitura Municipal
de Belém na Gestão da Frente Belém Popular era de combater concretamente o
fracasso escolar e se tornar elemento indispensável para promover um processo
educativo de qualidade que contribuísse para o cumprimento dos princípios
definidores de uma educação que evite a exclusão por motivo de raça, sexo, cultura,
idade, incapacidade, condição econômica ou outras formas de discriminação, que
impeça a liberdade e a diversidade cultural, e que não garanta o direito de todos a
desfrutar com igualdade dos meios e oportunidades de formação que o sistema
escolar venha a oferecer, haja vista que
A escola que pode enfrentar o fracasso escolar prevenindo-o é uma escola
voltada para a diversidade, voltada para o respeito ao particular de cada
um, voltada à igualdade entre os diferentes; é uma escola cuja participação
da comunidade é completamente indispensável, onde pais questionam e
repensam suas funções educacionais junto aos professores; é uma escola
que abandona o seu isolamento da comunidade e transforma-se em uma
comunidade de aprendizagem, envolvendo a todos: pais, alunos e
professores, transformando as relações entre os diferentes atores do fazer
educativo; é uma escola que caminha na busca de uma ruptura
paradigmática que substitua os valores de competição e utilitarismo por
valores de solidariedade e igualdade (DORNELES, 2000, p.28)
Dessa forma, a PMB parecia ouvir as necessidades da população que
reclamavam por elevação de escolaridade, a necessidade de alfabetização de
muitos jovens e adultos, bem como por uma formação que não visasse apenas uma
“qualidade total” como elevação das capacidades dos recursos humanos para
competir e produzir centrado num Know-how favorável à economia globalizada, mas
compromissada com a conquista da cidadania para homens e mulheres que lutavam
por uma educação que os livrassem da marginalidade, da exclusão de direitos.
A partir dessas considerações, adiante abordaremos as ações que o
Governo da Frente Belém Popular realizou no que tange à EJA. Considerando que
essa administração, cujo lema de gestão era “Governo do Povo”, assumiu a tarefa
97
de fomentar a luta pelo resgate da vida e da dignidade do povo belenense e, em
1997, no inicio do primeiro mandato trabalharia pela construção e efetivação do
Projeto Escola Cabana que buscava uma ação político-pedagógica baseada nos
princípio de que:
A visão de homem e de mulher enquanto sujeito histórico, produto e
produtor das relações econômicas, sociais, culturais e políticas que o
transformam e são transformadas pelos conflitos estabelecidos entre as
diferentes classes sociais, as quais se enfrentam na disputa pelo poder
hegemônico (BELÉM, 1999).
2.4 A Prefeitura Municipal de Belém na gestão da Frente Belém Popular e a
concretude de ações políticas de EJA
Ao traçarmos considerações sobre o município de Belém, mostraremos as
ações de política educacional desenvolvidas pela gestão da Frente Belém Popular
(coligação de esquerda liderada pelo Partido dos Trabalhadores e com a
participação do Partido Comunista do Brasil, do Partido Socialista do Brasil, do
Partido Popular Socialista e do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados) que
assumiu, a partir de 1997, e instituiu as bases do Projeto Escola Cabana, o qual se
anuncia como expressão da cultura local.
A Escola Cabana assumiu como princípios centrais de sua proposta a
participação popular e a inclusão social, orientando-se pelas seguintes diretrizes:
acesso e permanência com sucesso; gestão democrática, qualidade social e
valorização dos trabalhadores da educação. Esta última, articulava-se a partir de
amplo Programa de Formação Continuada que era entendido por seus idealizadores
como um dos meios de valorização dos trabalhadores em educação (BELÉM, 1999,
p.1).
O projeto Escola Cabana informava em seus enunciados discursivos a
superação do modelo que privilegiava a reciclagem e o acúmulo de cursos e
conhecimentos para desenvolver uma proposta articulada de forma contínua e
sistemática, tendo como lócus privilegiado a escola, onde se buscava discutir,
aprofundar e avaliar a práxis do trabalho pedagógico e suas implicações sociais no
sentido da construção de alternativas capazes de superar as dificuldades de forma
participativa.
98
O Projeto Político-Pedagógico da Escola Cabana surgiu como a principal
proposta do Governo Municipal para a área da educação. Uma proposta que se
caracterizava por um intenso debate, que envolvia todos os setores do Governo e da
sociedade civil na busca de novos paradigmas pedagógicos (BELÉM, 1999 p. 3). O
programa resumia-se no combate à fragmentação do conhecimento, à rígida
estrutura disciplinar do currículo, aos tempos escolares que o respeitavam os
ritmos e à dinâmica de aprendizagem dos alunos e à forma de gestão escolar. A
concepção Cabana de educação, estava pautada nos princípios da democracia e da
inclusão social, assumindo em seu bojo, de forma significativa, o compromisso de
repensar a educação de jovens e adultos, que deveria ser garantido por meio do
PROALFA e do MOVA.
No tocante a essa concepção, faz-se necessário enfatizar que além das
propostas mencionadas acima, sobre as quais ainda argumentaremos. A proposta
da Escola Cabana se materializava por meio de outros programas, como:
[...] a Bolsa Escola; as Escolas Referências para os Portadores de
Necessidades Educativas Especiais (PNEES); a construção de novas
escolas e a criação de anexos; a transformação das creches em Unidades
de Educação Infantil; os Projetos na área de Esporte, Arte e Lazer, e o
estabelecimento de uma Nova Lógica de organização do Ensino em ciclos
de formação (BELÉM, 1999, p.3)
A Prefeitura Municipal de Belém, de acordo com seus representantes,com
essas ações buscava consolidar na cidade uma escola pública efetivamente
democrática, emancipadora, prazerosa, de qualidade e percebida enquanto um
espaço cultural na cidade que garantisse uma formação plena a homens e mulheres,
bem como seus direitos à educação para todos (BELÉM, 1999).
2.4.1 – Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos – PROALFA
A Prefeitura Municipal de Belém (PMB) juntamente com a Secretaria
Municipal de Educação de Belém (SEMEC), implementou o Projeto de Alfabetização
de Jovens e Adultos, “Professor Paulo Freire” (PROALFA). Projeto que foi
implantado com o intuito de fazer chegar a educação para trabalhadores
99
analfabetos, jovens e adultos, que por motivos alheios e/ou sociais de suas
condições concretas de existência, foram excluídos do sistema formal de ensino.
O PROALFA foi implantado com o objetivo de atender os servidores não
alfabetizados da Prefeitura Municipal de Belém (conforme pesquisa realizada em
1997 pela Secretaria Municipal de Administração SEMAD), os quais
representavam 4% (do total de funcionários), além das demandas apresentadas
pelas entidades populares interessadas em combater o analfabetismo em Belém
(BELÉM, 1999, p.54). No período de 1997 a 2000, formaram-se 78 turmas, com a
inclusão de 1.236 alfabetizandos.
O PROALFA constituía-se em um conjunto de ações pedagógicas que
objetivavam a formação de novas mentalidades e atitudes dos sujeitos envolvidos no
processo, passando, assim, a contribuir com a participação crítica e consciente dos
trabalhadores, fazendo com que eles passassem a ter uma visão ampla dos
fenômenos sociais, para que pudessem seguir rumo à construção de uma sociedade
livre, justa e democrática. Logo se integrava ao projeto político social dos
movimentos sociais que aglutinavam à classe trabalhadora nas suas lutas por
mudanças radicais das estruturas sociais vigentes, profundamente injustas e
excludentes.
Para Paulo Freire, o sentido libertador da ação educativa se concretiza na
instauração do processo de reflexão das classes oprimidas sobre sua realidade e
seu próprio movimento de libertação. A educação faz parte da estratégia de
conquista de uma nova hegemonia cultural e política, para Freire (1987, p.88)
significava que:
[...] a educação libertadora é uma das coisas que devemos fazer junto com
outras coisas, para transformar a realidade. Devemos evitar que nos
interpretem como se estivéssemos pensando que deveríamos primeiro
educar as pessoas para serem livres, para depois podemos transformar a
realidade. Devemos o quanto possível, fazer as duas coisas
simultaneamente [...]
Nesse sentido, em seus princípios básicos, o PROALFA se identificava com a
luta pelo direito à cidadania dos setores excluídos da sociedade, por entender que
era a partir da alfabetização que os indivíduos instrumentalizavam-se para acessar
100
os conhecimentos formulados e determinados socialmente, os quais eram usados
pela classe dominante para reprimir e dominar os indivíduos constituídos de uma
consciência ingênua. Por isso, essa ação política pedagógica, tinha o compromisso
com o fortalecimento do movimento popular e com a transformação estrutural da
sociedade (BELÉM , 1999).
O homem considerado como um projeto em construção, que se faz à medida
que cria e transforma. Cada vez mais temos a consciência que o indivíduo é capaz
de construir a sua própria história e ao mesmo tempo assumir a direção de seu
destino, sendo senhor de suas ações desvinculando-se da classe dominadora.
Sendo assim, este era o verdadeiro sentido político do ato de educar que o
PROALFA tentava resgatar (ibid.,1999).
O PROALFA apresentava como objetivos: trabalhar na perspectiva de
formação de educadores populares, proporcionando-lhes a formação inicial e
assegurando-lhes a formação permanente; estabelecer diálogo com outros projetos
de formação de jovens e adultos que trabalhassem na perspectiva libertadora, para
que se ampliassem as trocas de experiências; fazer cumprir o artigo 60 das
Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1998 que prevê a erradicação
do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental como dever do poder
público, através de um projeto maciço de alfabetização; estabelecer parcerias com
diversos setores organizados da sociedade civil, tais como: estatais, entidades
públicas, empresas, associações, dentre outras, para que se implementasse o
projeto e captasse recursos financeiros (BELÉM, 1999, p.57). Objetivos que
contribuiriam para que a meta principal do PROALFA fosse atingida, que era
subsidiar uma educação de qualidade para os analfabetos, mas para isso ocorrer
fazia-se necessário também à contribuição dos órgãos competentes, juntamente
com os educadores como um todo, para que o processo de ensino aprendizagem
tivesse êxito no seu transcorrer.
A filosofia do PROALFA traçava uma perspectiva, que procurava não apenas
dar acesso aos educandos, ao saberes sistematizados de ensino, mas também que
os indivíduos buscassem, na construção de novos conhecimentos, desvelar as
ideologias e fomentar a construção de novas hegemonias. Para isso, o PROALFA
buscava fazer trabalhos vivenciados, ou seja, desenvolvendo um currículo que não
esquecesse a força das organizações e dos saberes populares. Deste modo, a
101
proposta intencionava possibilitar ao educando um ambiente educativo e
aconchegante, pois para que houvesse um bom aprendizado fazia-se necessário
que se tivesse certas condições (ibid.,1999), mesmo porque na perspectiva
libertadora a educação é em si um ato de criação capaz de desencadear outros atos
criadores [...] o processo identificado com as condições da nossa realidade. Uma
educação integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço que leva o homem a refletir
sobre sua ontológica vocação de ser mais. (FREIRE, 1987, p.101).
Mas essa reflexão era possível ao lançar-se mão de pressupostos teóricos
metodológicos que permitissem que o indivíduo se sentisse livre e capaz de
organizar seus próprios pensamentos, que começava a partir de onde os seus pés
pisavam, ou melhor se iniciava com um estudo do meio que se desencadeava ao
meio em que os educandos (as) estavam inseridos. O principal objetivo era que
estes (as) conhecessem suas realidades, partindo de suas condições de vida, de
suas dimensões econômicas, políticas, cultural e religiosa. Além das problemáticas
encontradas no seu dia-a-dia, trabalhavam-se também as falas significativas, que
eram transformadas em temas geradores. Eram trabalhos realizados de forma
interdisciplinar, durante todo o período de alfabetização.
Partindo desta ação concreta, construía-se a cada dia na diversidade dos
sujeitos, na busca da unidade que estabelecesse o fazer coletivo e democrático. O
PROALFA, como parte integrante da proposta da escola cabana trabalhava baseado
na pedagogia libertadora de Paulo Freire, com as contribuições de Gramsci,
Vygotski, Piaget e Emília Ferreiro, dentre outros pensadores e estudiosos da
dialética, do sócio-interaciocinismo e da psicolingüística (BELÉM, 2004). Portanto,
um arcabouço teórico que sustentava a proposta político-pedagógica do Proalfa.
Desta forma, Freire nos diz (1987, p.25) que:
A possibilidade humana de resistir forma acrescida de ser mais do que
viver, faz do homem um ser eminentemente racional, estando nele, pode
também sair dele. Projetar-se, discernir e conhecer. É um ser aberto.
Distingue o ontem do hoje. O aqui do ali. Essa transitividade do homem faz
dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz dele um criador de cultura. A
posição que ocupa na sua circunstância é uma posição dinâmica. Trava
relações em ambas às partes de seu mundo A natural, para o
aparecimento de cujos entes o homem não contribui mais o que o confere
uma significação que varia ao longo da história, e a cultura, cujos objetos é
criação sua.
102
Assim entendemos que é de grande importância a conscientização do que
vem a ser a alfabetização, pois através de um processo educativo alfabetizador,
reflexivo e crítico, será possível que o indivíduo venha interagir com seu nível de
consciência, sendo estimulado para uma leitura da realidade e desse ponto de
partida expandir seu universo na área do conhecimento.
Entendemos que o indivíduo ao ser classificado de analfabeto, é conceituado
de “excluído” intelectual, por corresponder a uma precisão econômica da sociedade
capitalista, tendo como precursor dessa situação a exclusão econômica, esta que
contribui para a exclusão política, cultural e social. Esse processo de exclusão
acontece devido à interligação de uma realidade à outra. A ciência tem peso
grandioso, ao totalizar-se ao redor do saber cientifico, perdendo a noção da relação
com o outro saber, saber este vivido no senso comum de cada indivíduo. Desta
forma, compreendemos que esta vivência da situação, em que explicita nossa
coerência da vida capitalista. Guareschi (1997, p.9) nos afirma que esse cidadão:
[...] é analfabeto, não sabe ler e escrever, por isso vale menos, pode
receber um salário abaixo da sobrevivência. Enquanto isso aquele que
esquentou banco por mais tempo, atribui-se o direito de usufruir da mais-
valia do trabalhador braçal. E paradoxalmente não existiria o “intelectual”
eles se “necessitam”, dialeticamente, mas o intelectual o nega na prática e
nas relações vitais.
O discurso dialético entre o saber erudito e o saber popular, envolvendo uma
questão econômica e a de classes, é conseqüentemente uma questão de poder na
qual enfatizamos ser a grande precursora desse desnível educacional que é
mostrada claramente pelo intelectual versus a não escolarização, esta simbolizada
pelo ignorante, esse assumindo o papel na nossa sociedade, dito por muitos de
analfabeto político, burro, e outros. A educação para jovens e adultos tem como
referencial o respeito pela identidade do aluno, primando pelo pluralismo cultural,
uma vez que estas pessoas não puderam desfrutar de outras culturas, isso por
várias razões, por isso deve-se ter o cuidado para não perder a primeira cultura, e
cometermos erros como os que cometeram com muitos indivíduos.
Portanto, afirmando integrar-se nesse contexto de inovações educacionais, e
como parte integrante do projeto Escola Cabana, o PROALFA surge como uma
alternativa de construção de uma nova qualidade na alfabetização de jovens e
103
adultos, conforme mencionamos e essa nova qualidade de educação busca resgatar
os valores expressivos da cultura local e pauta-se pelo princípio da inclusão social
na ação educativa escolar na perspectiva de construir um futuro de democracia
econômica, social, cultural e política para as crianças e jovens da cidade de Belém
(BELÉM, 1997).
O compromisso com a inclusão social efetiva-se a partir do envolvimento de
todos os sujeitos que fazem a ação educativa escolar, constituindo-se num trabalho
coletivo cotidiano. Neste sentido, entende que a parceria deve ser como uma teia
que vai se constituindo através de Grupos de Ação Educativa no espaço das salas
de aula, nas reuniões pedagógicas, nas práticas avaliativas, no trabalho com as
disciplinas numa perspectiva interdisciplinar, etc. (BELÉM, 2003).
Uma outra diretriz desencadeadora do projeto concebe a formação
continuada numa perspectiva de valorização dos profissionais da educação. Nessa
direção, entende que não há como implantar uma inovação sem a participação
efetiva dos docentes. No rastro dessa intenção, busca tornar a escola um espaço
privilegiado de construção do conhecimento. A escola enquanto espaço público
passa a ser concebido como locus de atuação e formação profissional.
Portanto é com esse olhar mais amplo sobre o ser humano, sua ação, o
desejo, o pensamento em relação a seu contato com o mundo pelo conhecimento,
alimentada pela sede de luta por justiça social na construção de homens e mulheres
que fizeram com que o PROALFA se tornasse instrumento de ideologia das
camadas desfavorecidas da sociedade belenense.
2.4.2 – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos – (MOVA BELÉM)
O PROALFA se amplia na gestão do Governo do Povo, dando condições para
o surgimento do MOVA, que na realidade se tratava de um movimento que vinha
acontecendo no Brasil e que chegava à Belém tendo como referenciais o respeito
pela identidade do aluno, o reconhecimento do pluralismo cultural, a necessidade de
ampliação às camadas populares da cultura escolar, enfim, um programa que visava
desde a alfabetização aos estudos pós-alfabetização.
Em Belém, o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA
BELÉM), um movimento social vivenciado por outras administrações populares no
104
Brasil, com o objetivo de superar o analfabetismo, resgatando uma consciência
critica e cidadã diante da leitura do mundo e da palavra buscou trazer para dentro da
escola uma boa parte da população que dela foi excluída. Segundo dados do Censo
demográfico (BRASIL, 2000), o município contava com um contingente de 5% de
analfabetos na faixa de 15 anos em diante, referente a 46.000 do total da população.
Foi essa demanda que provocou uma grande mobilização na Secretaria
Municipal da Educação a ir buscar acordos com a sociedade civil em um amplo
movimento de alfabetização. Uma das primeiras iniciativas foi a ampliação do
PROALFA que acabou por se transformar em MOVA que continuava propondo o
resgate da educação numa perspectiva cidadã e buscava mobilizar os diversos
setores organizados da sociedade através de uma parceria a favor de uma
educação de qualidade social (BELÉM, 1997).
O MOVA, na realidade, não objetivava apenas a oportunidade de acesso à
alfabetização, mas se constituía em uma alternativa diante do discurso neoliberal
que colocava que tudo poderia ser transformado em mercadoria, em lucro e que a
formação do trabalhador(a) deveria estar atrelada à lógica do mercado. Este grande
movimento de superação do analfabetismo se diferenciava de outras práticas por
estar pautado numa visão de educação crítica e emancipadora que concebia o ser
humano como sujeito do conhecimento, ampliando as possibilidades de vida e de
liberdade (BELÉM, 1999).
A ação educativa do MOVA alicerçada no pensamento de Paulo Freire, numa
visão sócio-interacionista de educação, onde homens e mulheres eram vistos como
produtos e produtores das relações sócio-culturais, por isso o trabalho pedagógico
buscava fundamentos no saber popular, no cotidiano da vida do educando. O
educador do MOVA mergulhava na realidade do educando, se apropriava de seu
universo vocabular, das falas significativas, das situações problemas para planejar e
re-planejar suas ações pedagógicas (ibid.,1999).
Postulava-se que as falas dos educandos são carregadas de significados,
nelas estão contidos suas situações problemas, seus limites e potencialidades. O
diálogo com essas dimensões que estão na realidade cotidiana faze com que os
educandos do MOVA se reconheçam como sujeitos capazes de reconstruir suas
histórias. A problemática das temáticas geradoras permitia a articulação entre o
conhecimento popular e o conhecimento sistematizado, que numa visão de
105
totalidade defende a construção do saber através de uma estruturação curricular
construída coletivamente (ibid.,1999).
Nessa perspectiva, a totalidade do conhecimento rompia com as práticas
tradicionais e assumia um caráter interdisciplinar e contextualizado, onde se
entendia a alfabetização como instrumento de libertação das classes populares, um
ato essencialmente político. Por isso, os conteúdos não eram constituídos somente
pelos conhecimentos que foram sistematizados e acumulados historicamente pela
humanidade, mas pela compreensão das condições objetivas que encerravam
concretamente o ato educativo (BELÉM, 2003).
Considerando tal perspectiva, a organização do MOVA se dava na
perspectiva de totalidade do conhecimento, na apreensão, construção e
sistematização das diversas formas de linguagem. Assim, o aluno oriundo do Mova,
não tinha nenhum prejuízo em sua aprendizagem e conseqüentemente podia ser
enturmado nas escolas da rede para dar continuidade à construção de seus
conhecimentos passando por uma avaliação diagnóstica de seu nível de apropriação
do conhecimento (ibid., 2003).
As turmas tinham duração de um ano, mas quem determinava a passagem do
educando para o ensino formal na escola, era o ritmo de construção de sua
aprendizagem, era o desenvolvimento de suas potencialidades e de construção de
novos conhecimentos; as aulas aconteciam de segunda à quinta-feira com o tempo
de duas horas, em turmas próximas à residência dos educandos, sob a mediação de
um (a) professor (a) alfabetizador (a).
2.4.2.1- Metodologia de trabalho do MOVA
Pensávamos numa alfabetização que fosse ao mesmo tempo um ato de
criação capaz de gerar outros atos criadores; uma alfabetização na qual o
homem, que não é passivo, nem objeto, desenvolvesse a vivacidade da
invenção e da reinvenção, características dos estados de procura.
Procurávamos uma metodologia que fosse um instrumento do educando e
não somente do educador, e que identificasse o conteúdo da aprendizagem
com o processo mesmo de aprendizagem. (FREIRE, 1980)
106
A Formação Continuada desenvolvida com os educadores(as) que atuavam
no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos - Professor Paulo Freire estava
diretamente ligada ao acompanhamento e acesso à sala de aula. Era a pesquisa
etnográfica, as observações das práticas pedagógicas manifestadas no cotidiano
dos professores que possibilitavam detectar os avanços e entraves dentro da
proposta político-pedagógica do MOVA.
No processo de formação, a pesquisa era indispensável, seria através dela
que as práticas dos professores e professoras eram desveladas e as carências
teóricas detectadas. Era a investigação participativa que possibilitaria perceber tais
práticas e, de maneira competente, planejar a intervenção. As teorias com as quais
os professores (as) estavam em contato eram atualizadas e realimentadas no
cotidiano a partir da investigação que o professor fazia a respeito de como o (a)
aluno (a) trabalhador (a) aprendia, das hipóteses que construía, das possibilidades
de avanço. Era a partir das discussões travadas, dos diálogos com seus pares nos
grupos de formação, das muitas leituras que respondiam a diversas perguntas, dos
cursos de atualização, que os educadores e educadoras alimentavam seu cotidiano
na sala de aula (BELÉM, 1998).
Por acreditar que o (a) educador (a) era capaz de teorizar sobre sua prática, é
que o MOVA propunha uma formação continuada voltada para investigação da
prática docente do educador, em que ele pudesse se fazer as perguntas e encontrar
as respostas sobre os mais diversos aspectos da vida. A sala de aula se tornava um
espaço onde o (a) educador (a) olhava analiticamente, ou melhor: fazia relação,
observava e registrava as iniciativas dos educandos e as construções de hipóteses.
A formação era o momento significativo em que o (a) educador (a) expunha sua
prática para análise teórica (ibid., 1998).
Dessa forma, era na dinâmica de sala de aula de cada educador (a) que se
detectavam os problemas e retiravam-se os temas geradores que seriam discutidos
nos encontros de formação nas sextas-feiras e, em uma ação cooperativa,
analisava-se e se construíam pistas para as possíveis mudanças. As situações
problemas encontradas nas práticas docentes orientavam a seleção de recursos
didáticos, como textos para as leituras de atualização, vídeos, periódicos etc. As
resoluções dos problemas iam sendo construídas com a relação da prática docente
como produção cientifica disponível (ibid., 1998).
107
É valido ressaltar que os conteúdos de formação eram selecionados a partir
do resultado da pesquisa que a equipe pedagógica e os monitores faziam no
cotidiano da sala de aula. À medida que se construíam as respostas para suas
inquietações, o trabalho solitário dos educadores ia sendo superado. Os problemas
que os educadores consideravam individuais mostravam-se como coletivos e as
soluções também eram tomadas pelo grupo. Nesse sentido, era prática permanente
do grupo de formação: a observação, o registro, a reflexão, a avaliação e o
planejamento. Acreditava-se que esse movimento gerava subsídios para identificar
algumas questões de dificuldades, necessidades e desejos e, por isso, acabava por
impulsionar o grupo para a autonomia, a partir da leitura que faziam de si e da sala
de aula para avançar em seu processo de construção e reconstrução da prática
pedagógica (ibid., 1998).
De fato, todas essas propostas, entre outras, tinham afinidades com a
proposta da Escola Cabana, que propunha a reorganização da ação educativa
escolar no sentido de superar a perspectiva disciplinar reducionista, individualizada
na direção da conquista do conhecimento em sua totalidade. Intenção que se
expressava da seguinte maneira:
Ao assumir a interdisciplinaridade enquanto um princípio de sua prática
educativa, a Escola Cabana se dispõe a profundas transformações, o que
implica assumir que todo o seu coletivo é sujeito participativo na vida da
escola e como tal deve apontar superações às suas situações
problemáticas, assim como, a vivenciar suas conquistas. É neste movimento
que a escola consegue desvelar as temáticas significativas para o seu
trabalho escolar, investigando e diagnosticando dados da realidade
vivenciada pelo coletivo (BELÉM, 1998, p. 36).
Contudo, faz-se necessário que percebamos que toda e qualquer mudança
depende de uma práxis constante de todos os segmentos da comunidade escolar.
Implica também que, no campo pedagógico, os educadores tenham a percepção
das contradições da proposta tradicional de ensino para que as propostas
inovadoras, que saiam das reuniões pedagógicas, sejam asseguradas e tenham
influência na rotina escolar na perspectiva de superação dos limites observados e da
conquista de condições coletivamente almejadas.
108
2.5 A Concretude das Políticas de Educação de Jovens e Adultos na
Proposta Política Pedagógica da Escola Cabana da Prefeitura Municipal de
Belém (1997-2004)
Após o Governo do Povo ter assumido a Prefeitura Municipal de Belém, no
ano de 1997, detectou-se a necessidade de formular a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), em seus mais diversos aspectos, para que esta viesse efetivamente
ao encontro do que se pleiteava essa nova gestão, que era de acordo com Luis
Araújo, então Secretário de Educação, em sua apresentação no lançamento do
caderno “A Gestão Democrática no Projeto Político Pedagógico da Escola Cabana”
inaugurar ‘uma nova etapa na história da gestão pública em nosso município’
(BELÉM, 2000, p. 5).
Nesse novo contexto, a PMB e os órgãos responsáveis pela educação no
município pleiteavam implementar ações que visassem uma política educacional
consoante com os anseios das classes populares excluídas e trabalhadoras. Entre
tais ações, estava a de consolidar uma política educacional que não desarticulasse
os conhecimentos, como a de suscitar nos indivíduos que estavam envolvidos nesse
processo educativo a conhecerem suas histórias e se perceberem como sujeitos
produtores dessas histórias.
A política educacional da Prefeitura de Belém estará voltada para os
interesses emancipatórios e dignificantes da população, relacionando a
educação com o projeto de desenvolvimento e de sociedade que
almejamos, estando assim organicamente vinculada a uma política cultural
consistente, à ciência e a tecnologia, aos processos formativos mais amplos
e assentados nas demandas provenientes dos movimentos sociais e da
sociedade em geral (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996, p. 20)
Nessa direção, vários eventos foram realizados, de acordo com Silvia Nádia
Machado, à época, Diretora da Coordenadoria de Educação da SEMEC, a fim de
intensificar o debate, envolvendo o coletivo de escolas da Rede e entidades
representativas da sociedade civil e da comunidade educacional, dentre estes:
Os I e II fóruns Municipais de Educação, realizados em 97 e 99,
respectivamente; a I Conferencia Municipal de Educação, em dezembro de
98; o I Seminários de Gestão Democrática em 99; as I, II, III e IV Jornadas
Pedagógicas; além de inúmeros encontros distritais que reúnem as
coordenações pedagógicas das escolas e os encontros de formação dos
educadores, conselheiros escolares e agentes sócio-culturais (BELÉM,
2000, p.7).
109
Ainda no ano de 1997, foi realizado o I Simpósio de Educação de Jovens e
Adultos, no qual foi dado início ao processo de construção da proposta de formular o
currículo de EJA da Rede Municipal de Educação. No final de 1998, na I Conferência
Municipal de Educação, foi aprovado que a Totalidade de Conhecimento seria
adotada como principio norteador e organizativo da proposta curricular da EJA.
Sendo que essa proposta passa por um processo de discussão, reconstrução em
1999 no II Fórum Municipal de Educação, onde foi submetida à plenária final desse
evento, ficando definido que seria implantado no ano de 2000 as Totalidades de
Conhecimento em substituição a 1ª. e 2ª etapa do Supletivo (BELÉM, 2004, p. 17).
A proposta busca quebrar a lógica conservadora das grades curriculares,
rigidamente organizadas e fragmentadas, por compreender que toda ação educativa
escolar deve pautar-se na busca do conhecimento como uma Totalidade, uma vez
que permite compreender a interação das partes com o todo, do particular com o
geral e do uno com o múltiplo; pois não se trata de um todo estático e sim de uma
realidade em movimento, na qual a alteração de qualquer elemento influi sobre os
demais (BELÉM, 1998).
Uma das marcas do Governo do Povo (PMB) era dar um futuro às crianças
de Belém. Nessa direção, intencionava-se construir uma educação pública,
democrática e popular, com caráter consistente e não mais com a transitoriedade
com que vinha sendo tratada historicamente, haja vista que a meta desse governo
era o acesso e permanência com sucesso de todos ao ensino fundamental, o que
provocaria a redução dos altos índices de analfabetismo e sub-escolarização na
cidade de Belém (BELÉM, 1998).
Ao que parecia, o Governo do Povo, como representante dos movimentos
populares, no campo institucional, reafirmava que era tarefa do setor público a
institucionalização dos serviços de Educação de Jovens e Adultos, de maneira a
garantir as condições físicas, materiais, profissionais e pedagógicas para a oferta
abrangente de um ensino de qualidade.
Mas essa institucionalização defendida pela Prefeitura de Belém, de maneira
alguma, podia ser confundida com burocratização, bem como, deveria se contrapor
ao apoio do poder público às modalidades informais de EJA promovidas pelos
movimentos populares, cujas especificidades e autonomia deveriam ser
preservadas. Assim a PMB, através da Secretaria Municipal de Educação, dentro do
110
Programa de Reorientação da Educação de Jovens e Adultos desenvolvia também
um projeto especial para essas categorias (BELÉM, 1997).
O compromisso de campanha da Frente Belém Popular colocava no centro
das atenções o problema da educação pública. Ponto central do programa desse
governo que era o acesso e permanência com sucesso na escola a todos,
independente da faixa etária e tinha como conseqüências necessárias à implantação
de serviços educativos de natureza pública, destinados à Educação de Jovens e
Adultos (EJA) (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996).
Em Belém, como mencionamos anteriormente, os altos índices de
analfabetismo atingiam de maneira contundente a população trabalhadora de baixa
renda, inclusive uma larga faixa de funcionários públicos municipais. Estes índices
alarmantes exigiam um esforço redobrado, não apenas da PMB, mas de toda a
sociedade civil organizada e da população em geral, a fim de pelo menos, de
imediato, minimizar essa problemática.
Por outro lado, a erradicação do analfabetismo e a universalização do ensino
fundamental estavam consideradas na Constituição como dever do poder público,
que devia aplicar para esse fim, durante dez anos, 50% dos recursos oriundos da
receita de impostos e vinculadas à educação (artigo 60 das Disposições
Transitórias).
Diante desse quadro é inadiável a redução do déficit escolar, aumentando
os investimentos para o setor educacional e a busca da universalização do
ensino e a valorização dos profissionais da educação. Entretanto é
fundamental esclarecer em que contexto, tipo de escola e de ensino se
processará essa universalização, essa valorização e com quais finalidades
(FRENTE BELÉM POPULAR, 1996, p. 19).
O que pretendia a PMB nos quatro primeiros anos (1997 -2000) de gestão
popular era priorizar a maioria da população excluída da cidadania, visto que o aluno
trabalhador era tratado como um sujeito sem categoria, despojado do direito a um
ensino de qualidade e adequado às suas condições de estudo. Assim, o Governo do
Povo (PMB) começa a construir um novo tipo de escola que contemple, de maneira
explícita os excluídos e, de modo especial, os jovens e adultos trabalhadores. Uma
escola fruto da contribuição de todos, onde os agentes terão papéis ativos,
111
dinâmicos, experimentando novas formas de aprender, de trabalhar e de participar
das decisões e encaminhamentos (BELÉM, 1997).
Cria-se, em 1997, o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos Professor
Paulo Freire - o PROALFA, programa sobre o qual argumentamos anteriormente,
que tinha como objetivo principal, contribuir para que se consolidasse uma
participação critica e consciente dos trabalhadores na construção de uma sociedade
mais livre e democrática.
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com
a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como
seres “vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se
numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas
nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência
intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a
da problematização dos homens em suas relações com o mundo (FREIRE,
1987, p. 67)
Com essa mesma perspectiva, cria-se o Movimento de Alfabetização de
Jovens e Adultos - MOVA, em junho de 2001 que, na realidade, foi uma ampliação
do PROALFA para um movimento maior de intervenção popular. A Prefeitura
Municipal de Belém reassumiu o compromisso com a sociedade civil de consolidar
uma educação mais humana e democrática. Entre suas metas estavam os de
alfabetizar 35 mil analfabetos que existiam na cidade, PNAD-IBGE/1999, criar
anualmente 350 turmas com 25 alunos em cada turma que no geral atenderia a
8.750 jovens e adultos que não eram alfabetizados (BELÉM, 2004, p.182).
Para conseguir tal intento, o MOVA e a Prefeitura de Belém se lançaram em
busca de parcerias com os mais diversos setores organizados da sociedade civil:
órgãos públicos, empresas privadas, igrejas, sindicatos, centros comunitários, entre
outros. O MOVA – Professor Paulo Freire adotou medidas para enfrentar e superar o
analfabetismo em Belém, dividindo atribuições entre os parceiros envolvidos
(BELÉM, 2004).
A Secretaria Municipal de Educação efetivou a abertura de 1.083 turmas
(1997-2003) para toda Belém, assim como para atender a funcionários de
repartições públicas ou privadas que participavam como parceiros no MOVA,
incluindo ações, principalmente na área insular: Ilha de Outeiro (Itaiteua, Água Boa,
112
Brasília, Tucumaiera, Fidelis, Água Boa I, Ilha de Cotijuba. Ilha de Jutuba I, Ilha de
João Pilatos); Ilha de Mosqueiro (Baia do Sol, São Francisco, Pantanal, Murubira,
Aeroporto, Maraú, Paraíso e Carananduba, Chapéu Virado, Furo das Marinhas, Ilha
da Barreira, Igara Coco, Bonfim, Maracajá, Estrada do Maraú, Cajueiro, Ariramba e
Praia Grande); Ilha Grande (Ilha de Piriquitaquara, Furo Paciência, Comunidade
Nazaré, Anexo Nazaré, Anexo São José); Ilha do Combu (Furo São Benedito, Ilha
do Papagaio) (BELÉM, 2004 p. 182 e 183).
Assumiu o Plano Orçamentário Financeiro e estabeleceu parcerias para
viabilizar recursos financeiros com o MEC através do Programa Brasil Alfabetizado
da Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD),
ampliando em 2003, 322 turmas e em 2004, 183 turmas garantidas pelo Ministério
da Educação, que antes eram assumidas pela Prefeitura Municipal de Belém. Além
de garantir a cobertura financeira para o pagamento dos alfabetizadores que
possuíam turmas que ultrapassaram o número de alfabetizandos cadastrados em
2003 no Sistema Brasil Alfabetizado (SBA) do MEC (BELÉM, 2004 p. 183).
Efetivou a formação permanente dos educadores que ocorria em dois
momentos: no inicio de cada semestre, com temática e carga horária previamente
definidas; e em finais de semana, realizada todas as sextas-feiras, com a duração de
três horas diárias/semanais; doze horas mensais, contabilizando 120h em 10 meses.
A formação continuada estava diretamente ligada ao acompanhamento e
assessoramento em sala-de-aula. Era a pesquisa etnográfica, a observação das
práticas pedagógicas manifestadas no cotidiano dos educadores, que possibilitavam
detectarem-se os avanços e entraves na concretude da proposta político-
pedagógica do MOVA (BELÉM, 2004, p. 183).
A Secretaria Municipal de Educação realizou também a assessoria
pedagógica aos espaços educativos em todos os Distritos Administrativos, de
segunda à quinta-feira, conduzida pela equipe técnica da SEMEC e uma equipe de
45 monitores selecionados pela própria Secretaria, sendo que 40 atuavam na
assessoria pedagógica e 05 atuavam na área administrativa. Somente em 2004,
foram 499 espaços educativos assessorados. Viabilizou Kits pedagógicos (cadernos,
lápis, caneta, borracha, tesoura e apontador). Além da merenda escolar, que era
distribuída pela Fundação Municipal de Apoio ao Estudante (FMAE) que atuavam
conjuntamente com as Agenciais Distritais, Centros comunitários e associações de
113
moradores. À cada inicio de turmas, realizava o processo seletivo dos educadores
que iriam participar do MOVA, que acontecia juntamente com a formação inicial
(BELÉM, 2004).
Em 2004, promoveu a culminância de vários momentos de debate em
plenárias distritais (de 1997 a 2003) junto com a sociedade civil, criando o Fórum
Municipal de Alfabetização de Jovens e Adultos. Após a implementação do FÓRUM
do MOVA, convocou as entidades e representantes dos Movimentos Sociais para
encaminhar agendas após o período eleitoral, objetivando definir a atuação do
Fórum Municipal de Alfabetização (BELÉM, 2004).
Portanto, foram essas medidas adotadas pelo MOVA – Professor Paulo Freire
conjuntamente com a Secretaria Municipal de Educação para enfrentar e superar o
analfabetismo em nossa cidade. Por outro lado, o MOVA contava com a participação
da sociedade civil assumindo a identificação e mobilização da demanda por áreas,
organizando as turmas; disponibilizando espaços para as turmas de alfabetização
que se formavam e para as que estavam formadas, indicando educadores
populares para seleção e formação inicial, garantindo as aulas das novas turmas;
participando dos Fóruns Municipais para eleição de representantes distritais e
suplentes (BELÉM, 2004, p. 184).
As Universidades também participavam nessa empreitada: a Universidade do
Estado do Pará – UEPA, Universidade Federal do Pará – UFPA, Universidade
Federal Rural da Amazônia UFRA, Universidade Popular UNIPOP participavam
da seguinte maneira: disponibilizando espaços educativos (salas de aulas,
auditórios, laboratórios, anfiteatros, ginásios, etc.) presente em seu campus para
favorecer a formação dos alfabetizandos, dos monitores e da população em geral;
cedendo professores das diversas áreas de conhecimentos, em alguns casos com
remuneração pela SEMEC (BELÉM, 2004, p. 185).
114
CAPÍTULO III
A POLÍTICA DE PARTICIPAÇÃO NA IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EJA NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO
PERÍODO DE 1997 A 2004.
Neste capítulo, apresentamos uma abordagem acerca da problemática que
envolve os conceitos de participação e de cidadania, cuja análise está
fundamentada nos estudos de Marshall (1987) e Peruzzo (1998). As concepções
que vêm permeando essas categorias no decorrer da história e o caráter da
educação nesses contextos.
Perceberemos a importância da participação da sociedade civil para a
promoção do desenvolvimento da sociedade. Veremos como se caracteriza a
realidade sócio-político-econômica do Município de Belém a fim de evidenciar o
papel dos sistemas educacionais na tentativa de atender as demandas
educacionais, mais especificamente a EJA. As estratégias metodológicas da rede
Municipal de Ensino para elaborar o Plano de Educação.
Evidenciaremos a caracterização Administrativa da Rede, o atendimento
educacional, a organização do espaço escolar a partir da implementação da Escola
Cabana e a caracterização pedagógica da EJA. Introduziremos, ainda a discussão a
respeito dos canais de participação no governo do Povo em nível micro quando
falarmos de como se deu a alfabetização de jovens e adultos no Pará a partir de
1997 com a criação do PROALFA e do MOVA como instâncias mobilizadoras das
políticas públicas de EJA no município de Belém que serão aprofundadas no
capítulo posterior.
3.1- A Participação e Cidadania
Apesar das discussões acerca da melhoria da qualidade da EJA no Brasil, e
inclui-se nesse contexto o município de Belém, estarem na pauta do dia, poucas têm
sido as inovações nesse campo ainda marcado por alto índice de jovens e adultos
não alfabetizados ou a mesmo analfabetos funcionais. O que tem gerado certo
115
embate, como mostrado nos capítulos anteriores, no que se refere à luta por uma
educação de qualidade voltada para essa parte da população.
O sistema educacional como um todo apresenta ainda dificuldades quanto à
tão almejada educação de qualidade para todos, mas o nosso olhar se volta para a
política de participação na EJA, focalizando os programas e as experiências que têm
sido implementados em Belém nas duas gestões do governo da Frente Bem
Popular, fruto de uma política pública exercida, definindo uma educação pública e de
qualidade para os nossos jovens e adultos, que procura ir à contramão de uma
política mais geral que, de certa forma, não tem conseguido aprender com os dados
históricos que mostram a perpetuação de um quadro de fracasso escolar no
contexto brasileiro.
A diversidade de iniciativas voltadas ao atendimento educacional de jovens e
adultos no Brasil vem sendo grande se considerarmos os diferentes espaços e
momentos históricos que essas práticas foram, e são implementadas, seja em níveis
internacional, nacional, estadual e municipal, pelos mais diferentes órgãos:
comunidades, sindicatos, igrejas, associações, etc., que atingem diversos âmbitos:
qualificação profissional, formação confessional, cultural e política e variadas
modalidades: presencial, modular, teleducação entre outras. Diversidades no
atendimento à EJA que têm caracterizado um movimento pela renovação dessa
modalidade, tornando-a um espaço de luta no campo político, pedagógico e técnico,
mesmo com determinados poderes administrativos, que se utilizam de práticas
assistencialistas, embebidos de ordenações internacionais querendo dominar esse
terreno.
Os discursos defendem as atitudes políticas democráticas de homens e
mulheres na sociedade, porém as práticas vêm em outra direção, carregadas de
concepções autoritárias e centralizadoras. As decisões sobre as políticas blicas
destinadas aos mais diversos setores da sociedade são entendidas e assumidas
pelo Estado como tarefa sua, portanto, este acaba escolhendo que diretrizes
seguir e a realidade à qual deseja responder. Contudo, políticas blicas não são
somente o que o Estado deseja fazer, elas devem ser entendidas como ações
voltadas para setores específicos da sociedade e que devem se efetivar a partir de
um processo que envolva a todos os órgãos públicos e diferentes organismos e
agentes da sociedade relacionados à política implementada de forma abrangente e
116
duradoura. Neste sentido, políticas públicas não podem e nem devem ser reduzidas
a políticas estatais (HOFLING, 2001).
Sendo assim, as ações nos diferentes setores sociais e educacionais devem
estar permeadas dessa concepção de política publica “como uma política pública de
corte social, de responsabilidade do Estado mas não pensada somente por seus
organismos” (HOFLING, 2001, p.31). A política pública social de que trata nosso
trabalho caracteriza-se pelas ações que o governo deve implementar e
responsabilizar-se, resultantes das decisões que envolvem setores da sociedade:
estado e sociedade civil e que visem beneficiar a população em geral em diversos
setores, entre eles a educação.
A discussão que vem se travando gira em torno da participação e da
cidadania, que a nosso ver estão interligados. Daqui a diante focalizaremos com
maior ênfase cada uma dessas categorias. De imediato, cabe ressaltar que a
compreensão da materialidade efetiva da participação e cidadania, como dos
processos educativos mais amplos que se dão ao nível da escola ou das relações e
práticas sociais, somente pode dar-se adequadamente se referidos à trama das
relações e aos embates que se travam no plano estrutural e conjuntural da nossa
sociedade neste fim de século.
Apesar de se veicular a crença, sob o ideário neoliberal, de que a
humanidade finalmente atingiu a participação e cidadania global e se convenceu de
que as relações sociais capitalistas são as únicas fundadas na ordem natural e,
portanto, as únicas possíveis e viáveis, uma perversa e profunda contradição salta
aos olhos hoje: muitos são os excluídos dos mais diversos setores da sociedade,
bem como dos mais diversos benefícios que desta deveriam usufruir, sem
atenderem sequer as mínimas necessidades biológicas. Tampouco têm o mínimo de
proteção social efetiva do Estado.
No Brasil, a situação não difere dos demais países, muitos são os que vivem
em condições de brutal violência e de exclusão à educação, cultura e lazer entre
outros. Que tipo de participação e cidadania tem sido produzidas nas mais diferentes
esferas da sociedade e, em especial, na escola para ajustar a educação aos
processos de exclusão? E, para aqueles que acreditam que as pessoas vêm em
primeiro lugar e não podem ser sacrificadas (HOBSBAWN, 1992). Partindo dessa
117
premissa discutiremos, inicialmente, a concepção que se vem tendo historicamente
sobre cidadania para em seguida abordarmos a problemática da participação.
3.1.1- A Cidadania
No liberalismo cidadão, era o homem burguês, o proprietário suficientemente
esclarecido para escolher os seus representantes. Assim não se via a necessidade
de educação para a classe trabalhadora, pois não cabia a esta o pensar,
desfazendo-se aí o discurso da igualdade pregado pelos liberais.
Locke justifica uma diferenciação de direitos entre as classes trabalhadoras,
acostumadas com o arado e com a enxada, usavam somente as mãos e a
cabeça, sendo incapaz de ter idéias sublimes (apud GOHN, 1994, p. 12)
No culo XVIII, com a consolidação do capitalismo que enfatiza a razão,
reformulam-se essas idéias. A autonomia da razão propunha modificar a ordem
social e política, atuando sobre a consciência e a instrução. Logo, a questão da
cidadania se resumiria a uma questão educativa. Mas, à medida que o capitalismo
se consolida, a classe trabalhadora, também consciente dos seus direitos e
organizada, passa a ameaçar o sistema. Assim, as lutas sociais deixam de ser
apenas pela subsistência, surgindo concepções alternativas de direitos. Mas uma
população consciente não é interessante a um sistema que visa à exploração,
alienação e comodismo. Assim a educação volta a ser pensada pelas classes
dirigentes como mecanismo de controle social, conforme Adam Smith citado por
Gohn
[...] justifica a necessidade da educação em função da divisão do trabalho.
Seria competência do Estado facilitar, encorajar e até mesmo impor a toda
população a importância do aprendizado mínima às necessidades do
capital, quais sejam: ler, escrever, aprender rudimentos de geometria e de
mecânica (1994, p.13).
118
O que propunham na realidade era que a educação formasse sujeitos
passivos que não se posicionassem contra o sistema.
O século XX trará novas concepções de cidadania. Concepções de direitos
dos indivíduos. No entanto, o Estado passa a regulamentar esses direitos e a
restringi-los ou até mesmo a cassá-los. Assim, a cidadania deixa de ser uma
conquista da sociedade civil e passa a ser competência do Estado. Este processo
sofre mais influência ainda da tendência neoliberal, que se desenvolve nesse
período, que faz pensar o cidadão como o homem civilizado participante de uma
comunidade de interesses, solidários com seus pares. Logo, sutilmente, a educação
volta a ter um caráter conservador, pois visava educar para a “cooperação geral” e a
escola se encarrega de todo esse processo escamoteador das condições concretas
da realidade com visões românticas da mesma.
Portanto, nesse contexto, de acordo com Lima (2003, p.133)
Na senda da escola das relações humanas, o conflito é atribuído a
dificuldades de comunicação e a desentendimentos interpessoais, e não a
posições e interesses divergentes e a assimetrias de poder. Neste sentido,
uma participação de tipo socio-técnico” é indispensável à evacuação dos
conflitos, e não à negociação política e à gestão dos conflitos [...]
Na análise do processo de constituição dos direitos de cidadania no Brasil,
diversos estudiosos apontam para o reconhecimento de que, no nosso caso, a
cidadania plena existe apenas como uma possibilidade, pois, apesar de ter sua
extensão garantida a toda a sociedade no plano jurídico-institucional, na prática,
poucos são aqueles que podem ser classificados como cidadãos.
Para Carvalho (1998, p. 1), o resultado da não-transposição do que no
plano jurídico-institucional para a realidade é que “o cidadão brasileiro é um cidadão
apenas virtual, no velho sentido da palavra, de algo que pode ser mais ainda não é.”
A partir da consideração de que a efetivação da garantia dos direitos de cidadania
ainda está por se fazer, a educação aparece, no pensamento sócio-educacional
brasileiro, como um dos instrumentos potencialmente capazes de contribuir com
esse processo.
Fazendo uma análise acerca da relação “automática” que por vezes se
estabelece entre educação e cidadania, na qual a primeira aparece como pré-
119
condição para se chegar à segunda, Arroyo (1987) busca, nas transformações
sociais ocorridas ao longo da História, as suas raízes. As conclusões de sua análise
apontam para duas direções: a primeira é a de que o entendimento da educação
como pré-requisito para a cidadania deve ser questionado criticamente, pois, muitas
vezes, pode se levar à reprodução de um discurso gestado no interior das classes
dominantes. Esse discurso se prestaria, em sua concepção, a legitimar a
permanência de uma situação de exclusão configurada. A segunda conclusão é a
de que, mesmo entendendo que esta pré-condição representa um instrumento
através do qual pode se justificar a exclusão, o autor acredita que a educação
representa um importante papel no processo de construção da cidadania devendo
ser, portanto, um direito assegurado. No que tange à possível existência de relação
entre educação e cidadania, ele afirma que
e muita, no sentido de que a luta pela cidadania, pelo legítimo, pelos
direitos, é o espaço pedagógico onde se dá o verdadeiro processo de
formação e constituição do cidadão. A educação não é uma precondição da
democracia e da participação, mas é parte, fruto e expressão do processo
de sua constituição (ARROYO, 1987 p. 79).
Relacionando a construção da República Brasileira aos direitos civis,
Carvalho (1998), analisa o tema dos direitos da cidadania no Brasil, partindo de
dados coletados em duas pesquisas referentes à percepção e ao exercício de
direitos políticos e civis relacionadas ao nível de escolaridade dos entrevistados.
1
Com esse estudo, o autor constatou o baixo nível de percepção e utilização
dos direitos da cidadania, identificando-o como um dos reflexos da pouca
escolaridade da população (pois os dados demonstram que essa percepção e
utilização tendem a se elevar à medida que se eleva o grau de instrução dos
entrevistados). Diante de tal constatação, ele conclui que:
As evidências o inequívocas: a educação aumenta significativamente a
percepção dos direitos civis e políticos, aguça o senso crítico dos cidadãos,
1
Neste trabalho o autor apresenta resultados parciais da pesquisa “Lei, Justiça e Cidadania, feita pelo
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) e pelo Instituto
de Estudos da Religião (ISER), feitas em 1996, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro” (p.2) e,
ainda utiliza-se de dados do IBGE publicados no suplemento sobre participação social e política
“Associativismo, Representação de Interesses e Intermediação Política da Pesquisa Mensal de
Empregos de 1996, coletados nas áreas metropolitanas de Recife, São Paulo, Porto Alegre Salvador,
Belo Horizonte e Rio de Janeiro” (p. 3).
120
incrementa a disposição das pessoas de se organizarem para a ação
coletiva, acresce o grau de envolvimento político, melhora a qualidade do
voto. Em médio prazo, não pode haver melhor política de promoção da
cidadania do que um forte investimento na educação em todos os seus
níveis (p. 14-15).
Entender que a educação é parte constitutiva da efetiva garantia e extensão
dos direitos de cidadania à imensa parcela da população brasileira, que vive em
situação de “inclusão precária e instável, marginal”
2
, não significa aderir à idéia de
que sem educação não cidadania. Entretanto, se não se pretende superestimar a
educação como único meio de se efetivar a garantia dos direitos de cidadania
àqueles para os quais os mesmos são negados, não se pode, pelo o que se expôs
até aqui, subestimar o fato de que a educação pode dar uma importante contribuição
a esse processo.
Neste sentido, pode-se concluir que a importância da educação na efetivação
dos direitos de cidadania e, por conseguinte, na caminhada rumo à construção de
uma sociedade mais justa, corrobora a idéia de que “se, de um lado, a educação
não é a alavanca das transformações sociais, de outro, estas não se fazem sem
ela.” (FREIRE, 1987, p. 267)
Ainda que o histórico da EJA aponte para a limitação de oportunidades
educacionais a seus demandatários, também se identifica a busca de alternativas
para proporcionar a melhoria da formação escolar a esses sujeitos. Assim, no
destino posterior dessas crianças que, anualmente, são excluídas da escola, está,
entre diversas possibilidades, a de vivenciarem uma experiência de escolarização
tardia através da reinserção na escola.
Marshall (1987) define Cidadania como participação da herança social. Isso
significa ser admitido como membro completo da sociedade. A conquista da
cidadania significa a passagem de súditos para cidadãos, dentro de um arcabouço
social que requer o envolvimento das pessoas, condicionando-se seu status de
cidadão à qualidade da participação. Esta é uma de suas bases. Outra está na
2
Para Martins (1996) (op. cit.), essa expressão traduz com maior precisão o resultado das “políticas
econômicas atuais, no Brasil e em outros países, que seguem o que está sendo chamado de modelo
neoliberal [...]” Ela acredita que “não são exatamente políticas de exclusão. São políticas de inclusão
das pessoas nos processos econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços,
estritamente em termos daquilo que é racionalmente conveniente e necessário à mais eficiente
(barata) na reprodução do capital.” (p. 20)
121
noção de que suas formas se condicionam ao tipo de sociedade política em que se
vive (apud PERUZZO, 2002).
Marshall (1987) associa o conceito à noção de direitos. Segundo o autor, o
direitos que surgem historicamente: civis, políticos e sociais. Os primeiros teriam
nascido no século XVIII e dizem respeito à liberdade individual. São os direitos de
propriedade, de igualdade, de ir e vir etc. Os direitos políticos teriam sido
conquistados no século XIX e referem-se à liberdade de associação e reunião, de
organização política e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio
universal etc. Os direitos sociais, finalmente, teriam sido alcançados no culo XX
mediante as lutas dos movimentos operários e sindicais. São os direitos ao trabalho,
saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim, a garantia de acesso
aos meios de vida e bem estar social. Os direitos civis e políticos são classificados
como direitos de primeira geração; os sociais, de segunda geração.
É importante perceber que, para a plena realização dos direitos civis, seria
necessário um Estado mínimo. Na concepção liberal uma individualização da
cidadania. E uma separação entre as esferas pública e privada. O que conta é o
indivíduo, os direitos da pessoa individualmente. A busca central é a satisfação do
interesse próprio, particular (Peruzzo, 2002)
3
.
Marshall (1987), nessa perspectiva, afirma a desigualdade quantitativa ou
econômica até como passível de aceitação, mas não concebe diferenças de
cidadania. A sua análise é unidirecional e sem atores. É como se a Cidadania
fizesse parte da marcha inexorável da história.
Carvalho (2001) demonstra como essa perspectiva de análise progressiva
não funciona no Brasil. Os direitos civis, políticos e sociais no Brasil não
aconteceram de forma linear. Por exemplo:
O direito ao voto já era exercido pelos brasileiros durante o período colonial
e foi mantido no momento da independência, ou seja, antes do fim da
escravidão. Assim um direito político foi juridicamente legitimado antes da
universalização dos direitos civis, a liberdade e igualdade dos humanos.
Quando a abolição da escravidão reconhece o direito à liberdade individual,
o direito do voto é restringido aos alfabetizados, que então constituem uma
parcela muito restrita da população, concretizando assim um recuo nos
direitos políticos. Enquanto isso, os direitos sociais não foram de fato
reconhecidos pelo Estado brasileiro antes do século XX, estando os
3
Disponível em <http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista13/artigos%2013-3.htm>. Acesso em 28
out.2006
122
cuidados com a saúde e educação a cargo mais de entidades privadas de
cunho religioso ou associativo do que do Estado (PACHECO, 2001)
4
.
Na segunda metade do século XX, surgiram os direitos conhecidos como de
terceira geração, não baseados no indivíduo, mas em interesses difusos e
coletividades:
[...] os direitos de terceira geração, que têm como titular não o indivíduo,
mas os grupos humanos, como o povo, a nação, coletividades étnicas,
minorias discriminadas e até o direito de autodeterminação dos povos. A
onde tem desenvolvido [sic] em conferências mundiais os direitos humanos,
o direito das mulheres, o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao
meio ambiente. Entre esses direitos da terceira geração estariam também
os dos “novos movimentos sociais” como direitos relativos a interesses
difusos, direito do consumidor, direito à ecologia, direito à qualidade de vida,
direito da terceira idade, direito das crianças, dos jovens etc. (PERUZZO,
2004, p.65).
A perspectiva de cidadania, inaugurada por Marshall (1987), é de uma
“cidadania passiva”, em que o Estado é peça fundamental para o reconhecimento e
outorga dos direitos de cidadania. A idéia de participação aqui é passiva. A pessoa
“consente, se objetiza, se submete e simplesmente delega o poder a outra [...] o
exercício do poder é do tipo autoritário” (PERUZZO, 1988, p.78).
Mas essa não é a única possibilidade de cidadania. Como foi visto, na
democracia o conflito é legítimo. O objetivo das pessoas, grupos ou instituições ao
disputar é que seus interesses se tornem reconhecidos formalmente, Lei. E,
portanto, sejam direitos universais.
A democracia é uma ordem social ‘auto-fundada’: duas leis e normas são
construídas pelos mesmos que as vão cumprir e proteger. Assim, os males
da sociedade são o resultado da ordem social que nós mesmos criamos.
Aceitar essa responsabilidade pela realidade é se obrigar à tarefa de
transformá-la, saindo de uma atitude de fatalismo. O cidadão é aquele
capaz de criar e transformar, com outros, a ordem social (HENRIQUES,
2002, p.55).
4
Disponível em <http://www.seol.com.br/mneme/index.php?edicao=3>. Acessado em 21 out.2006.
123
Para isso, geralmente, os indivíduos somam forças com outros que têm
interesses parecidos e se organizam. Peruzzo (2004, p. 50) assim define os
movimentos populares:
[...] são manifestações e organizações constituídas com o objetivo explícito
de promover a conscientização, a organização e a ação de segmentos das
classes subalternas visando satisfazer seus interesses e necessidades,
como os de melhorar o nível de vida [...].
Além dos movimentos populares, esses interesses podem ser organizados
em outros espaços de mobilização social como ONG´s, sindicatos (que inclusive
podem ser patronais), associações de bairro etc. Os movimentos sociais populares
representam estruturas novas que podem vir a contribuir para a formação de um
duplo poder. São criações da sociedade civil, que vão democratizando, exercendo
um papel do qual os canais tradicionais de representação não estavam dando conta.
Além do mais, não tiram espaços destes, mas, pelo contrário, podem somar esforços
com eles. São depositários de experiências da democracia direta, surgindo, talvez,
para complementar a democracia representativa (PERUZZO, 1998).
Nesse sentido, a sociedade civil não é homogênea. Está fragmentada em
interesses que se disputam mas que também podem se alinhar. Essa é a cidadania
ativa de acordo com Benevides (2000)
5
que alerta também que uma cidadania
passiva e, inclusive, diferencia essas duas concepções, afirmando que todos são
cidadãos passivos porque todos, numa determinada sociedade, estão sujeitos à
intervenção e sanção de uma ordem jurídica, ou seja são cidadãos passivos
garantidos por uma determinada constituição que atribui deveres e direitos. E se
tornarão cidadãos ativos quando efetivamente assumirem uma responsabilidade em
relação a essa participação nas esferas de poder, tanto para participar de processos
decisórios, como para se organizar na reivindicação de direitos sociais, econômicos,
culturais. Então, o indivíduo realmente constrói essa sua condição, ele se torna um
cidadão ativo, e essa cidadania está ligada também a uma pré-condição, que é a da
responsabilidade civil.
A cidadania ativa se constrói nos espaços sociais de reivindicação - os
movimentos sociais - e nas instituições de representação política - órgãos públicos e
5
Disponível em < http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/victoria.htm>. Acesso em: 25 out. 2006
124
partidos. Acarretam em ligações entre democracia, sociedade pluralista, educação
política e democratização dos meios de comunicação de massa (Benevides, 2000).
Essa seria a prática necessária para romper com a herança cultural política
clientelista e populista.
A partir desse conceito, é um pequeno salto para associar a cidadania ativa
com as atividades - institucionalizadas - de participação cidadã: orçamento
participativo, congresso da cidade, tribuna popular, conselhos etc. É o que
Benevides (1991) chama de democracia semi-direta, ao referir-se aos referendos,
plebiscitos e iniciativas populares, que são palcos onde homens e mulheres se
posicionam ativamente a fim de construírem ou mudarem suas histórias, visto que
Só faz história quem participa da construção dessa história. E a participação
na história implica na participação da discussão nos ramos que essa história
vai tomar e na discussão do planejamento do futuro da nossa pátria. É
fundamental que todos os grupos organizados possam fazer ouvir sua voz e
participar dessas decisões (GUARESCHI, 1989, p.119).
Contudo, é válido lembrar que o jogo de interesses sempre esteve presente
nas organizações sociais, principalmente na sociedade capitalista, em que as
diferentes classes sociais aspiram diferentemente por melhorias sociais. Portanto é
na maneira de se organizar, de participar que pessoas ou grupos tentam sustentar
seus projetos de sociedade. Fato que nos remete também para a discussão de como
acontece a intervenção política nas questões sociais e como se à atuação dos
agentes que intervêm nessas realidades, sendo este um dos motivos que nos leva a
buscar ter clareza do que significa efetivamente a participação.
3.1.2- A Participação
Podem ser desenvolvidas várias linhas convergentes de argumentação para
destacar a importância da participação da sociedade civil e da articulação de atores
sociais nas ações voltadas para a promoção do desenvolvimento, seja em escala
nacional, seja regional ou local. (CARVALHO, 1998)
6
assevera que, Os diversos
atores sociais, seja da sociedade como do Estado, reivindicam e apóiam a
“participação social”, a democracia participativa, o controle social sobre o Estado, a
6
Disponível em: < http://www.polis.org.br/publicacoes/papers/19982.html>. Acesso em 24 out.2006.
125
realização de parcerias entre o Estado e a sociedade civil. E ainda lembra que
“Participação”, democracia, controle social, parceria, não são, porém, conceitos com
iguais significados para os diversos atores e têm, para cada um deles, uma
construção histórica diferente. Estas diferenciações de significados nos colocam,
inicialmente, a necessidade de refazer alguns percursos que construíram conceitos e
práticas de participação social no Brasil. Pode-se dizer, de início, no entanto, que a
participação democrática nas decisões e ações que definem os destinos da
sociedade brasileira tem sido duramente conquistada por esta mesma sociedade, de
um Estado tradicionalmente privatista, que mantém relações simbióticas e
corporativas com grupos privilegiados.
Neste sentido, participar não é mera presença ou formalismo. Também é uma
construção e uma conquista. Como explica Sampaio
7
, participar é: formar, ter,
expressar e ter peso uma opinião. E acrescentamos: e defendê-la. Isso significa
também não reproduzir - no interior dessas organizações - as práticas clientelistas e
populistas. Peruzzo (1998, p.75) alerta:
“[...] a dominação não é simplesmente imposta. Às vezes também
cumplicidade, omissão e até um jeito de ‘gostar’ de ter um chefe. Isso vai
fazendo parte de nossa cultura. Somos vítimas e culpados? Talvez sim”.
Peruzzo (1998) trabalha, ainda, com a concepção de Bordenave de graus de
participação, na relação entre membros e dirigentes: informação; consulta
facultativa; consulta obrigatória; elaboração/recomendação; co-gestão e delegação;
e autogestão. E propõe as seguintes qualificações para a participação: passiva (já
mencionada); controlada (trabalhada no item a seguir); e participação-poder,
expressas na co-gestão e autogestão.
Enfim, Peruzzo (2002)
8
, em síntese, assim ressalta os aspectos em relação à
cidadania que devem ser observados:
7
Em palestra realizada no seminário “Os sentidos da democracia e da participação”, organizado por: Fórum
Nacional de Participação Popular, PÓLIS, IBASE, FASE, INESC, CENTRAC, ETAPAS, Projeto MAPAS -
IBASE, ABONG, Inter-Redes e Fórum Estadual de Participação Popular. Ocorrido de 1 a 3 de julho de 2004,
São Paulo: SP
8
Disponível em < http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista13/artigos%2013-3.htm>. Acesso em 28
out.2006
126
Primeiro: o cidadão tem direitos e deveres. A participação política, a
responsabilidade pelo conjunto da coletividade, o cumprimento das normas
de interesse público o deveres, por exemplo. Segundo: a cidadania é
histórica. Varia no tempo e no espaço, varia conforme o período histórico e
o contexto vivido. Portanto, cabe sempre perguntar quem pode exercer
plenamente a cidadania. Terceiro: a cidadania é sempre uma conquista do
povo. A ampliação dos direitos de cidadania depende da capacidade
política” dos cidadãos, da qualidade participativa desenvolvida. Quarto: as
formas de participação decorrem do tipo de sociedade política em que se
vive. Quinto: a cidadania não se encerra nas suas dimensões da liberdade
individual e participação política, mas inclui os direitos sociais e coletivos
(PERUZZO, 2002). [grifo meu]
A participação que deveria ser pretendida nas políticas públicas seria a
participação-poder, mas, com certeza, a prática mais recorrente é da participação
controlada (PERUZZO, 1998). Ela pode ter duas origens: a conquista pela pressão
popular ou a concessão do governo. “Tal modalidade é ‘controlada’ por se dar com
base em determinadas restrições - ou seja, é limitada - e ainda pode ser
manipulada” (idem, p. 79). É limitada porque “é favorecida e possível somente nos
aspectos ou até o ponto que as instâncias detentoras do poder permitirem. Na
prática, isso significa sua concretização em fragmentos secundários ou parciais da
tomada de decisões”.
O fato de ser limitada o implica que este espaço não deva ser conquistado
ou ocupado: “Todavia, que se ter cuidado para não se cair nas raias do
clientelismo nem se admitir uma pseudoparticipação, manipulada” (PERUZZO, 1998,
p.80). Manipular significa “a tentativa de, via de regra, adequar suas demandas aos
interesses de quem detém o poder”. Geralmente, quando o objetivo da manipulação
não é atendido, a participação é interrompida, confirmando-se uma farsa.
Com o fim da ditadura, os movimentos sociais na década de 80 fomentaram a
participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas. Peruzzo (1998,
p.76-77), identifica três tipos de participação em relação aos programas públicos:
nos resultados, nas decisões e na execução. A primeira refere-se a “distribuição de
riqueza acumulada socialmente”. A segunda significa exercitar o poder em conjunto,
a co-responsabilidade. A terceira, na execução, que tem se tornado recorrente nos
últimos anos no Brasil.
Porém o que tem ocorrido nesse último tipo de participação é que tem se
estabelecido relações controladas, utilizando-se a negociação, a consulta e a
127
colaboração. As ações são realizadas respeitando-se até certo ponto os interesses
da comunidade, como, por exemplo, permitindo que esta discuta, sugira e colabore.
Na realidade [...] Aqui o poder caracteriza-se como paternalista, descentralizado até
certo ponto, delegando-se parcelas dele, primordialmente em seus aspectos
secundários. Mas mantém-se a dependência, visando assegurar os mecanismos de
controle do poder (PERUZZO, 1998).
3. 2 - O Lócus: Caracterização da Realidade Sócio-Político-Econômica do
Município de Belém
O Município de Belém localiza-se ao norte do Estado do Pará, com a
extensão territorial de 6.875,50 km2, constituída por uma Região Metropolitana
formada por 8 distritos administrativos: Distrito Administrativo de Mosqueiro
(DAMOS), Distrito Administrativo de Outeiro (DAOUT), Distrito Administrativo de
Icoaraci (DAICO), Distrito Administrativo do Benguí (DABEN), Distrito Administrativo
do Entroncamento (DAENT), Distrito Administrativo da Sacramenta (DASAC),
Distrito Administrativo de Belém (DABEL) e Distrito Administrativo do Guamá
(DAGUA), com uma população total de 1.361.672 habitantes. Do total de habitantes,
32% estão na faixa etária dos 0 aos 14 anos. É uma cidade situada à margem da
Baía do Guajará e de rios, além de atravessada por igarapés. O clima é quente e
úmido, com a temperatura média de 30º (BELÉM, 2004).
O Governo do Estado do Pará estava sob a administração do Governador
Almir Gabriel, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em seu primeiro
mandato (1995-1998) e a cidade de Belém começava a ser administrada pelo
Prefeito Edmilson Rodrigues, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) (1997), em
dois mandatos seqüenciais.
Belém é um município pouco industrializado, com reduzida oferta de
emprego, predominando a prestação de serviços e o comércio de mercadorias como
atividades produtivas de maior relevância (ANUÁRIO, 2000). O índice de
desenvolvimento humano do Município de Belém, em 2000, foi de 0,806 (ATLAS DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, 2003).
Os sistemas educacionais (municipal e estadual) não estavam conseguindo
atender a demanda, encontrando-se, em Belém, um elevado índice de analfabetos,
128
o correspondente a 75.419, na faixa etária de 5 a 60 anos ou mais. Acrescenta-se a
este dado de exclusão educacional, que de uma população de 365.754 na faixa
etária de até 14 anos foi indicado uma freqüência escolar de apenas 69,6% (CENSO
IBGE, 2000 apud BELÉM.CME, 2003). Isto significa que 30,4% dessa população, o
equivalente a 111.238 crianças e adolescentes estavam fora do sistema escolar no
Município de Belém.
Na rede municipal, a educação infantil apresentou, em 2001, uma evasão de
13,12%, o ensino fundamental 7,24% e a educação de jovens e adultos 38,4%. O
índice de repetência/retenção é de 8,9% no ensino fundamental e 14,72% na
educação de jovens e adultos (BELÉM.CME,2003, p.16 ). Existia, portanto, um
quadro de exclusão escolar, destacando-se, sobretudo, o fracasso escolar na
educação de jovens e adultos.
3.3 - Rede Municipal de Ensino de Belém: Plano de Ação
A Rede Municipal de Ensino na época, em fase de elaboração de seu Plano
de Educação, utilizava como estratégia metodológica a realização de eventos
envolvendo representações sociais locais. Entretanto, possuía alguns documentos
preliminares que expressam os resultados destes encontros e que definem os
princípios norteadores do Projeto denominado «Escola Cabana», implementado
desde 1997.
A política educacional do Município de Belém encontrava-se pautada em
valores expressivos de sua cultura, que busca a construção de novos homens e
mulheres em direção à efetivação da democracia econômica, social, cultural entre os
cidadãos (BELÉM, 2003, p. 22).
O projeto da Escola Cabana, conforme mencionamos em momento
anterior, traz em seu bojo o desenvolvimento de um trabalho coletivo de
democratização do ensino, via movimento de reorientação curricular, expressando
uma concepção política de educação, sintonizada com o projeto de emancipação
das classes populares. “Os princípios dialético-materialistas, as teorias do
desenvolvimento infantil e humano na perspectiva sócio-construtivista defendidos
por Piaget, Vygostsky e Wallon e a educação popular freireana” constituem a base
129
teórica da proposta de organização do ensino em ciclos da Escola Cabana (BELÉM,
2003, p. 36).
A partir de 2003, as ações educativas da Escola Cabana passaram a ser
organizadas por meio de eixos temáticos: (1) Acesso e permanência com sucesso
na educação; (2) Qualidade social da educação; (3) Gestão Democrática na
educação; (4) Educação para a inclusão social; (5) Formação e Valorização do
profissional da educação e (6) Financiamento da educação (BELÉM.CME, 2003).
Com essa nova organização, as propostas direcionadas ao alunado que
requer atendimento educacional especializado foram incluídas em todos os eixos,
caracterizando uma visão de educação para a diversidade sem delimitar os espaços
de debate e de ação dessa modalidade de educação escolar.
3.3.1- Caracterização Administrativa da Rede
De acordo com o que evidenciamos no capitulo anterior, o projeto
denominado Escola Cabana, se configurou a partir dos desejos, do desafio, de uma
aposta frente ao que estava estabelecido na sociedade paraense. Um levante dos
oprimidos contra seus opressores. Um projeto que traz em seu bojo uma
possibilidade histórica, visto que é um projeto político de sociedade, educação e
cultura, mas sabe-se que não é um projeto acabado e que tampouco tem condições
de resolver todos os problemas, mas que procura apontar caminhos, percursos a
serem constantemente construídos e reconstruídos, haja vista que a história que
vivenciamos ontem, nos ajuda a delinear o que fazer amanhã, pois como sabemos
O pensamento dialético exige que pensemos o presente como contendo
algo que ainda não é, mas que pode vir a ser, permite-nos a recuperar não
só o que foi, mas o que poderia ter sido e que dá sentido ao que ainda pode
ser. A realidade como sendo carregada de possíveis
(OLIVEIRA, 2000, p. 19)
Em 1996, em Belém do Pará, um rompimento com o circulo vicioso do
poder com a eleição para Prefeito da cidade, de um sindicalista e professor, o
Senhor Edmilson Brito Rodrigues, da coligação Frente Belém Popular (PT/PC do
B/PPS/PSTU/PCB). Foi a primeira vez que um partido de “esquerda”venceu uma
eleição nesse município.
130
Evidentemente que isto não ocorreu por acaso, mas foi resultado das longas
lutas políticas ocorridas em décadas anteriores (1980-90), dos Centros
Comunitários, Associação de Moradores, Sindicatos das mais diversas categorias,
em especial dos professores e, movimentos sociais que reivindicavam por melhores
condições de vida (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996).
Diante desse quadro, a vitória de um partido de esquerda, significou
esperança renovada, para quem andava descrente de tudo e não via mais
possibilidades de melhoria de suas condições de vida.
Em seu Programa de Governo, a Frente Belém Popular estabeleceu a
necessidade de dar um outro rumo à cidade e seus habitantes, invertendo
prioridades. Assim, instituiu como fundamento do governo a democratização da
gestão como valor central e estratégico, que promovesse a participação direta da
sociedade na definição das políticas publicas de modo a abalar os alicerces da
cultura política local (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996).
Nessa direção, foram traçadas as primeiras ações que o governo iria realizar
no campo das políticas sociais, desenvolvimento econômico, espaço urbano e
gestão pública. Ë válido enfatizar que ao longo do governo, essas ações foram
sofrendo ajustes, acréscimos, detalhamentos, que as tornaram mais palpáveis,
concretas e realizáveis administrativamente, no confronto e no debate com o desejo
e as reivindicações da população (FRENTE BELÉM POPULAR, 1996).
No campo da educação isso se traduziu numa nova lógica educativa de “Dar
um futuro às Crianças e Adolescentes” tendo a participação como elemento chave
no estabelecimento do diálogo entre os diversos setores (pais, alunos, educadores,
sociedade civil), com o objetivo de construir, de maneira coletiva, um projeto de
educação que desse novo sentido à escola pública. A Política Educacional da
prefeitura voltou-se então, para os interesses emancipatórios e dignificantes da
população, relacionando a educação com um projeto de desenvolvimento, de
sociedade que almejava uma política cultural consistente, construtora de cidadania.
Assim foi proposto
131
[...] a universalização da oferta da educação infantil e do ensino
fundamental, a democratização do sistema de ensino, a qualidade social da
educação e a valorização dos profissionais da educação asseguradas pela
democratização do acesso e permanência, com sucesso (FRENTE BELÉM
POPULAR, 1996, p. 14-15)
Portanto, o que se desenhava seria fruto de uma tarefa árdua, intensa,
diversa e complexa, visto que o que se pleiteava era mexer com todo o
funcionamento de uma estrutura de uma administração anterior, e que sem dúvida
alguma geraria muita polêmica. Mesmo porque toda mudança exige um
reordenamento político jurídico que dê sustentação à mesma.
Assim, foi se redesenhando uma nova equipe técnica e redirecionando ações
para o que se propunha construir. Desencadeou-se um processo de formação
interna dos técnicos (principalmente dos mais novos) com a realização de
seminários, estudos internos das equipes e entre elas, discussões sobre as
propostas de governo, currículo, epistemologia, avaliação, ciclos, política
educacional entre outras (que também foram ampliadas para as escolas), com ajuda
de assessorias internas e externas como: Carlos Luckesi, L. Arelaro. M. Arroyo, C.
Geraldi, Alicia Fernandez e, também ainda acanhada formação dos educadores da
RME, no estilo oficinas (BELÉM, 1999).
Portanto, o que estava em curso era um amplo processo de avaliação e
reajustamento da Política Educacional do Município de Belém. Política esta em
gestação, no confronto de idéias, concepções e práticas, tendo como base, a
Jornada Pedagógica, o Programa de Governo, as experiências de governos
populares em vários Estados, as idéias de Paulo Freire e um desejo imenso de
mudança. Por seus princípios, ela não poderia ser fruto da cabeça de alguns, nem
pensada em gabinetes, mas resultado de um movimento atravessado por debates,
propostas, conflitos e contradições, como toda política educacional é, apesar de se
ocultar isso (BELÉM, 1997).
Por fim, o que efetivamente, se pretendia era realmente fazer entender a
escola como um campo de luta, um campo de disputa pela hegemonia sócio-cultural,
enquanto a pedagogia uma forma de política cultural. Sendo necessário para isso,
evidenciar a capacidade inovadora e criadora dos que fazem a escola; ecoar a voz
dos silenciados; resgatar os universos culturais das crianças, jovens e adultos; abrir
132
a escola a seus múltiplos saberes, fazendo-a, assim, uma referência de sua
comunidade (GIROUX; SIMON, 2001). O Projeto Educacional Escola Cabana
pretendia desenvolver uma visão de educação e de escola pautada nestes novos
referenciais, apontando como diretrizes básicas a qualidade social da educação, o
acesso e permanência com sucesso, a democratização da gestão (BELÉM, 1997, p.
33-36).
3.3.1.1 - Atendimento Educacional
Com fins de implementar concretamente os referenciais da Escola cabana, ou
seja, a nova organização do espaço escolar, primeiramente repensou-se a questão
do conhecimento, assumiu-se a “interdisciplinaridade como perspectiva mobilizadora
do projeto”, visto que havia a necessidade de superar a fragmentação e o
individualismo dos conhecimentos disciplinares, pela inter-relação e articulação das
áreas dos saberes. Assim o currículo seria pensado como algo em permanente
construção e não como algo dado e acabado, o que se propunha, mesmo sem ainda
uma consistente reflexão, era um trabalho com temáticas geradoras como forma de
superar o “rol tradicional da listagem de conteúdos/habilidades/conceitos a serem
trabalhados linearmente” (BELÉM, 1997, p. 14).
O primeiro desafio estava posto, outros surgiriam, visto que para se alcançar
uma meta, medidas necessitam ser tomadas e, principalmente, quando se resolve
mudar a estrutura e organização de um sistema vários desafios surgirão que
precisam ser observados, analisados para que se construam novas condições para
superá-los e assim se atingir o que se propõe no primeiro momento e nos momentos
posteriores, nesse caso o alcance dos objetivos do projeto Escola Cabana da rede
municipal de ensino de Belém.
Percebeu-se então, que um outro desafio, senão o principal, seria a
instauração do trabalho coletivo, que deveria traduzir-se no desejo de mudança e na
busca coletiva por ela. Propuseram-se então, as horas de trabalho pedagógico
efetivado nas próprias escolas. As Horas pedagógicas (HP’s), na realidade é uma
conquista histórica dos educadores, que se contemplava na Lei 5.692/71, mas
que não se efetivava, para que existisse nas escolas um espaço em que pudessem
133
se encontrar, discutir seus problemas e planejarem suas aulas. Essas horas de
trabalho pedagógico deveriam propiciar o encontro do coletivo dos educadores da
escola. Constitui-se no “tempo do planejar, avaliar, estudar, pesquisar, reinventar o
conhecimento cotidiano” (ibid., 1997, p. 15).
O que o documento propunha evidentemente, era o estabelecimento de um
movimento de Reorientação Curricular, um conjunto de ações político pedagógicas e
administrativas, que iriam mexer com os aspectos acima mencionados, bem como o
redimensionamento dos turnos de funcionamento das escolas, modificava-se em
parte o “esqueleto” do sistema escolar (BELÉM, 1997). Apresentava-se à Rede
Municipal de Ensino o novo desenho curricular, que reorganizava a ação educativa
no âmbito das escolas. Uma reorganização, na realidade, que permitiria, segundo os
autores do projeto, um maior dialogo com a RME. Mesmo não aprofundando as
discussões sobre a reorganização da ação educativa no âmbito das escolas faz-se
necessário evidenciar que
O projeto político pedagógico da escola deve apresentar todas as atividades
desenvolvidas no espaço educativo como um todo: o planejamento, a
matrícula, o calendário escolar, as reuniões dos professores e dos pais, o
conselho de ciclo e/ou totalidades, as horas pedagógicas, as festas
comemorativas, as reuniões do conselho escolar, as interfaces com outras
instâncias de gestão da cidade, as atividades esportivas e culturais, o
desenvolvimento dos programas curriculares, entre outros (BELÉM, 2003, p.
11).
Todos esses aspectos têm o objetivo de evidenciar o desejo de efetivação de
uma Política Pública que considerasse realmente os sujeitos sociais, uma vontade
política de superação das distorções de medidas unilaterais, um amadurecimento
das discussões anteriormente estabelecidas no interior dos grupos e equipes que
compunham a comunidade escolar: professores, alunos, pais dos alunos,
funcionários etc.
Sendo que, e concordando com Cortella (2000, p. 98-99) são os educadores
em dialogo entre si e com os “gestores” (outros educadores) que vão construindo,
reconstruindo e reformando-se mutuamente em diálogo, em direção a uma nova
Política Educacional que procure resgatar a educação e a escola enquanto
construção cultural; portanto, nem absoluta nem eterna, mas histórica, resultante do
134
esforço de um grupo determinado de homens e mulheres para construir referencias
que orientem o sentido da ação humana e o sentido da existência.
A rede municipal de ensino de Belém atende a educação infantil, o ensino
fundamental e médio e as modalidades de educação de jovens e adultos e de
educação especial. Em 2003, contava com 59 escolas do ensino fundamental,
incluindo 32 anexos, 01 do ensino médio (Escola Bosque), 34 Unidades de
Educação Infantil e mais de 226 turmas de alfabetização de adultos do MOVA -
Belém (BELÉM , 2003).
No período de 1990 a 1995, a Escola Bosque de Educação Ambiental, a
única escola municipal de ensino médio, não apresentou matrícula. Em 1996,
reiniciou a matrícula, atendendo 314 alunos (BELÉM, 2003). A matrícula inicial no
Município de Belém, na Educação de Jovens e Adultos foi de 13.801 alunos
(BRASIL.INEP, 2000). A formação continuada era uma das diretrizes contida no
documento «Construindo o Plano Municipal de Educação» (BELÉM, 2003), o qual
apresentava a proposta de melhoria e qualificação dos profissionais por meio de:
vincular a formação continuada à formação acadêmica, com orçamento e convênios,
visando garantir a graduação e pós-graduação dos profissionais da educação;
implementar a organização de uma categoria única de trabalhadores da educação,
discutindo nessa perspectiva, a formação inicial, a continuada e a de carreira;
garantir horários para estudo e planejamento dentro da carga horária remunerada
do/a professor/a; garantir orçamento destinado ao apoio de publicação, divulgação e
socialização de trabalhos e experiências das escolas e de educadores/as.
A formação continuada dos educadores está regulamentada na Resolução Nº
17/99 do Conselho Municipal de Educação. E realizada por meio de encontros
coletivos nas Horas Pedagógicas, no próprio espaço educativo e nos encontros
coletivos gerais ou distritais, tendo como eixos norteadores: gestão democrática,
ritmos e tempos de aprendizagem, construção social do conhecimento e avaliação
emancipatória (BELÉM, 2003).
Essa formação está ligada, também, ao acompanhamento e assessoramento
do/a professor/a na sala de aula, por meio de pesquisa etnográfica e da observação
das práticas pedagógicas cotidianas dos/as educadores/as. As situações problemas
diagnosticadas nas práticas dos docentes orientam o conteúdo e a metodologia das
atividades realizadas no processo de formação. As Horas Pedagógicas são
135
vivenciadas como uma política pedagógica, apresentadas de forma diferenciada
entre o professor pedagógico de tempo integral, com liberação para estudo dentro
de sua jornada de trabalho, e o professor licenciado, horista, que é liberado 5 horas
semanais para estudo. Cada escola deve ter seu Plano de Ação das Horas
Pedagógicas.
3.3.1.2 - Caracterização Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos
Essa modalidade de educação é destacada, na Resolução Nº. 17/1999 do
Conselho Municipal de Educação, em relação a sua proposta curricular, que tem
como princípio norteador a «Totalidade de Conhecimento», ou seja, que «toda ação
educativa escolar deve pautar-se na busca do conhecimento, enquanto uma
TOTALIDADE (BELÉM, PPP - Escola Cabana, 2003, p. 80).
A proposta curricular organiza o ensino fundamental de jovens e adultos em 4
anos abrangendo 4 Totalidades do conhecimento, desencadeada em processo
gradativo:
I Totalidade: corresponde ao 1º e 2º ano do ensino fundamental.
II Totalidade: corresponde ao 3º e 4º ano do ensino fundamental.
III Totalidade: corresponde ao 5º e 6º ano do ensino fundamental.
IV Totalidade: corresponde ao e ano do ensino fundamental (BELÉM,
PPP – Escola Cabana, 2003, p. 82).
Cada ano letivo corresponde a uma Totalidade, com a carga horária de 800
horas, cumprida em 200 dias, organizada em 40 horas semanais de efetivo trabalho
escolar. O Tema Gerador é considerado o princípio metodológico e a proposta
curricular é constituída pelos seguintes conhecimentos: linguagem; histórico,
geográfico, social e político; lculo e raciocínio lógico-matemático; físico-natural e
arte. A organização em TOTALIDADE permite a continuidade do processo de
ensino. Os conhecimentos que os alunos e alunas trazem de suas experiências se
incorporam ao conhecimento sistematizado, provocando com essa conexão que a
educação promova a criação da consciência critica e ao mesmo tempo a
incorporação do saber sistematizado das diversas áreas do conhecimento (BELÉM,
2003).
136
A Educação de Jovens e Adultos assume, no seu conjunto, um caráter
interdisciplinar e contextualizado, rompe-se com as práticas fragmentadas entre a
escola e a comunidade, bem como entre os diversos segmentos que constituem a
escola, os saberes do senso comum são tão considerados quanto os saberes
sistematizados.
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos é processual e diagnóstica,
considerando-se a progressão continuada dos alunos conforme o seu ritmo de
aprendizagem. Para efeito de progressão do aluno adota-se a freqüência mínima de
75% (BELÉM, PPP – Escola Cabana, 2003).
3.4 - A Alfabetização de Jovens e Adultos no Pará
De fato as iniciativas na área de alfabetização de adultos, no Estado do Pará,
ganharam força a partir de 1997, com a criação do projeto de alfabetização de
jovens e adultos, “Professor Paulo Freire” PROALFA. Um projeto implantado com
o intuito de fazer chegar a educação para trabalhadores analfabetos, jovens e
adultos, que por motivos alheios e/ou sociais de suas condições concretas de
existência, foram excluídos do sistema formal de ensino.
O PROALFA foi implantado com o objetivo de atender os servidores não
alfabetizados da Prefeitura Municipal de Belém (conforme pesquisa realizada em
1997 pela Secretaria Municipal de Administração SEMAD), os quais
representavam 4% do tal de funcionários, além das demandas apresentadas pelas
entidades populares interessadas em combater o analfabetismo em Belém.
Ressaltamos também que o PROALFA foi uma Ação Pedagógica que objetivava, de
forma ampla, contribuir com a participação crítica e consciente dos trabalhadores,
fazendo com que estes tivessem uma visão macrocóspica a respeito dos diversos
fenômenos que os cercavam, para que pudessem seguir rumo a construção de uma
sociedade justa e democrática. O PROALFA apresentava como objetivos:
- Trabalhar na perspectiva formação de educadores populares,
proporcionando-lhes a formação inicial e assegurando-lhes a formação
permanente;
- Estabelecer diálogo com outros Projetos de Formação de Jovens e Adultos
que trabalhem na perspectiva libertadora, para que ampliemos as trocas de
experiências;
137
- Fazer cumprir o artigo, 60 das Disposições Transitórias da Constituição
Federal de 1998 que prevê a erradicação do analfabetismo e a
universalização do Ensino Fundamental como dever do poder público,
através de um projeto maciço de alfabetização;
- Estabelecer parcerias com diversos setores organizados da sociedade
civil, tais como: estatais, entidades públicas, empresas, associações, dentre
outras, para que se pudesse implementar o Projeto e captar recursos
financeiros (BELÉM, 1999, p. 57).
O PROALFA aparece com a perspectiva, não de dar acesso ao educando,
ao saber sistematizado de ensino, mas também que esse sujeito buscasse na
construção de novos conhecimentos, desvelar as ideologias e fomentar a construção
de novas hegemonias. No que se refere à concepção pedagógica do PROALFA, ela
buscava fazer um trabalho vivenciando, um currículo que não esquecesse a força
das organizações e dos saberes populares,desse modo ela possibilitaria ao
educando um ambiente educativo e aconchegante, pois se faz necessário que se
tenha certa condição para que se tenha um bom aprendizado.
A SEMEC ampliou a atuação do PROALFA para o Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos Professor Paulo Freire MOVA, Criado pelo
governo petista de Edmilson Rodrigues, esse movimento procurou atuar focado, no
resgate da cidadania daqueles homens e mulheres que, vindos da zona rural ou de
outros Estados, como o Maranhão, viviam na periferia da Grande Belém, em
precárias condições de vida.
Com o MOVA, nasceram a possibilidade de expressão do pensamento e a
reivindicação dos direitos de cidadãos. Os educandos passaram a ter vez e
adquiriram o direito de voz para expressar suas angústias, seus sonhos e
esperanças de sentirem-se donos da própria história, ao poder ler, escrever
e falar suas vidas. (GOMES, 2004, p. 7).
O trecho acima inquieta e faz pensar o quanto o silêncio, a auto-repreensão, a
repreensão ao outro e o autoritarismo doméstico, vedam as possibilidades de
diálogo, com quem não a hora de expressar suas idéias, de também ser ouvido,
de ser respeitado. Segundo Freire (1987), “escutar o outro significa a disponibilidade
permanente por parte do sujeito que escuta para abertura à fala do outro, ao gesto
do outro, às diferenças do outro”. Ouvir é uma arte, saber ouvir é uma das grandes
virtudes do ser humano. É a partir dessa inquietude que o MOVA aconteceu na
cidade de Belém.
138
A proposta do movimento era a de buscar a libertação do ser humano, por
meio de uma educação popular, baseada na concepção dialética de educação. A
metodologia era toda fundamentada na Pedagogia Freireana. Os Educadores,
normalmente, moravam na mesma comunidade em que viviam os Alfabetizandos.
Os encontros de alfabetização aconteciam em espaços cedidos por moradores da
comunidade ou em centros comunitários. Os Alfabetizadores passavam por um
processo de capacitação coordenado pela Secretaria Municipal de Educação e pela
Universidade Federal do Pará.
Após a saída do Prefeito Edmilson Rodrigues, em 2004, o MOVA perdeu
força. Seus líderes continuam tentando manter o movimento vivo no seio da
comunidade, mas vale acrescentar que as dificuldades têm sido muitas, não para
prever se o movimento terá fôlego para continuar.
139
CAPÍTULO IV
INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃO DO GOVERNO DO POVO: DO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO AO MOVA BELÉM
Neste capítulo, mostramos como se estruturaram as instâncias de
participação em nível macro como o Orçamento Participativo e o Congresso da
Cidade e em nível micro as instâncias participativas do PROALFA e do MOVA como
os Simpósios, Conferências e Fóruns de Educação de Jovens e Adultos nas duas
gestões do Governo do Povo.
4.1- Os canais de participação no Governo do Povo – nível macro
No final da década de 80, principalmente a partir da Constituição Federal de
1988, a luta pela redemocratização se instaurou no Brasil de tal forma que acabou
também por se estender a um setor que era muito difícil a sua acessibilidade, que é
o setor de planejamento. Nesse setor as decisões ficavam nas mãos de um pequeno
grupo de técnicos e executivos que faziam parte da burocracia estatal, que
desenvolviam um planejamento baseado no modelo tradicional-tecnocrático que
Matus (1997) define como referência ao tipo de planejamento que se caracteriza por
um único ator que planeja, de forma autoritária, geralmente o Estado, tentando
controlar um sistema que compreende agentes com condutas previsíveis.
Mas a idéia de que somente o Estado possuía capacidade para gerir e
planejar a cidade estava a se desfazer a partir do momento em que a ação política
passou a ser entendida não apenas como um conjunto de técnicas para a realização
de um objetivo prévio, mas como um conjunto de ações que fazem parte e
interferem no dia a dia de todo o cidadão, considerando-se também que não existe
especialistas em assuntos políticos (CASTORIADIS apud BENEVIDES, 2001, p. 26).
Convém destacar que
Com a crise do Estado, o desprestígio e a burocratização do sistema
partidário, o agravamento dos conflitos sociais e a crescente
conscientização de vários segmentos sociais, desenvolvem-se novas
alternativas de participação, novas áreas de relações sociais
(homem/mulher, etnias), incorporando-se temas até fora da problemática
política tradicional. Exercita-se assim uma outra lógica a da solidariedade
e busca de um consenso normativo em relação a questões básicas, tais
140
como meio ambiente, exclusão social, cooperação internacional,
possibilitando-se o surgimento de novos tipos de participação, mais ampla
[...] (TEIXEIRA, 2002, p.28).
O cenário muda entra em cena grupos e organizações na luta pelo direito à
cidade: ONG’s, movimentos populares, sindicatos, entre outros segmentos que
quase não tinham nem vez e nem voz no cenário político. Os Municípios passam
então a elaborar suas leis, respaldados pela Constituição Federal, e, dessa feita, a
permitir ou reivindicar a participação da sociedade no planejamento e gestão das
cidades. Substitui-se então o planejamento tradicional-tecnocrático, por dois tipos de
planejamento no Brasil: Planos Estratégicos de Desenvolvimento, que tem como
modelo o plano de Barcelona que ganhou visão internacional, pelas reformas
econômicas que eram empreendidas no País sob o aspecto mais econômico que
social, fazendo assim com que as cidades se tornassem mais competitivas e
conseqüentemente mais atraentes para os investidores, uma vez que os seus
conjuntos de infra-estrutura iriam favorecer a essa questão e como conseqüência
promoveriam a paz social (OSMONT, 2002).
Uma outra vertente é representada pela criação de mecanismos de
participação, como a do Orçamento Participativo e do Congresso da Cidade que
também ganhava destaque no país e que tinha como virtude levar o orçamento
municipal ao conhecimento da população, para que se garantisse uma distribuição
mais justa dos recursos para as cidades. Um modelo de planejamento democrático
ou participativo.
Tanto o primeiro quanto o segundo modelo, serviram de inspiração para
algumas cidades brasileiras reformularem suas formas de planejar, implicando na
articulação de vários sujeitos, bem como de seus interesses e suas expectativas no
sentido de superar os desequilíbrios das distribuições dos serviços públicos a que
estão submetidas às cidades. Nessa direção, o processo democrático passa a ser
um componente fundamental dos novos modelos de planejamento nas cidades.
Partindo dessa concepção e com fins de entender como se deu à implantação
desses modelos no município de Belém, uma vez que se observa que o modelo de
planejamento em nossa cidade não difere desses que mencionamos anteriormente,
vamos focalizar nossa atenção ao Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade
141
de Belém-Pará, que se apresenta como um novo espaço de planejamento municipal
compartilhado, no qual a sociedade passou a discutir elaborar e decidir em conjunto
com a prefeitura Municipal, as diretrizes de desenvolvimento para a cidade.
É válido relembrar que a Prefeitura Municipal de Belém estava sob a gestão
do Partido dos Trabalhadores e, como uma administração petista, ganhou
notoriedade pelas experiências de gestão e planejamentos participativos no Brasil e
as principais experiências que deram condições para tal foram o Orçamento
Participativo e o Congresso da Cidade.
Após a crise da ditadura e o processo da redemocratização do país, o Partido
dos Trabalhadores passou a ser projetado como alternativa de governo nas cidades
brasileiras, tendo como principal líder Luiz Inácio Lula da Silva. A partir desse
momento, o PT deu vazão aos seus ideais frutos de sua atuação nos campo
movimentalista, integrado por sindicatos, movimentos sociais, ONG’s, pastorais de
igreja e setores da esquerda política participativa e controle social (SANCHEZ,
2002).
Na gestão do Governo do Povo a participação popular foi o caminho pensado
para as decisões na implantação de obras e projetos na cidade de Belém,
juntamente com os Movimentos Sociais organizados a prefeitura oportunizou
momentos de participação, discussão e tomadas de decisões para o que seria
melhor para a comunidade. A partir desta organização social foram demandadas
ações que pudessem congregar os diversos setores da sociedade para definir
juntamente com a prefeitura as obras, num primeiro momento, e num segundo
momento os projetos educacionais e sociais para a cidade de Belém e seus
cidadãos.
Embora se tenha tido um salto considerável na implantação de novas formas
de planejamento que vem sendo implantado no Brasil nos meados da década de 80.
Ainda, atualmente, encontramos grande dificuldade em encontrar publicações que
abordem essas novas experiências.
No caso de Belém, estudar a Gestão Democrática Popular do Partido dos
Trabalhadores, que tinha à frente o prefeito Edmilson Rodrigues. Foi uma pesquisa
que se tornou uma tarefa árdua, principalmente após a perda da eleição. O
candidato vitorioso, o então Prefeito Duciomar Costa, juntamente com sua equipe,
142
ao assumir as coordenações dos mais diversos setores da PMB em 2005, sempre
afirmavam que pouco tinham a informar, pelo fato de nunca encontrarem os
documentos que deveriam ter sido deixados pela gestão anterior. Informavam que
seus antecessores teriam “levado tudo” e “não tinham deixado nada”.
A dificuldade era tamanha, que até mesmo encontrar informações através da
Internet sobre tal gestão tornou-se praticamente impossível. É como se a história
tivesse sido apagada.
Enfim, foram sucessivos fatores que emperram processos, que dificultam
resultados e que não nos permitem até mesmo dar uma informação mais
consistente.
4.1.1- O Orçamento Participativo
No ano de 1997, por conta da vitória do Partido dos Trabalhadores no
Município de Belém, a cidade passou a experimentar um novo tipo de gestão e de
planejamento participativos, que pode ser dito que foi o primeiro na sua historia.
Entre os mecanismos de participações populares, inspirados no projeto da cidade de
Porto Alegre, foi implantado o Orçamento Participativo que tinha como objetivo a
escolha e viabilidade de obras públicas para determinada comunidade ou bairro do
município de Belém.
Na realidade, o Orçamento Participativo, foi a primeira medida do poder
Municipal de Belém, para abrir um espaço de participação direta da população na
gestão e planejamento da administração pública. A pretensão era de fazer com que
a administração pública municipal através do Orçamento Participativo criasse
condições para que a população participasse do controle dos gastos públicos,
escolhendo as prioridades de investimentos, além da fiscalização das demandas
que eram apresentadas e aprovadas (MARTINS, 2000).
Em seguida, mostramos um quadro com os principais aspectos do orçamento
participativo, relacionando atribuições, objetivos e resultados esperados, entre
outros, envolvidos em cada uma das experiências.
143
QUADRO 02
MATRIZ DEMONSTRATIVA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DO ORÇAMENTO
PARTICIPATIVO
Instrumento Atribuições Estágio Composição Objetivos Produto Resultados
esperados
Participantes
OP Incorporar e
agregar
demandas
sociais
encaminhando
-as para
serem
incorporadas
no Orçamento
Municipal;
Proporcionar
condições
para a
viabilização da
participação
popular no
Governo
Municipal
Efetivado em
1997, passou
a ser parte
constitutiva do
Congresso da
Cidade a partir
de 2001
42 conselheiros;
1400 delegados
distribuídos em 8
assembléias
populares
regionais e 5
plenárias
temáticas
Estimular a
cidadania
ativa de
acordo com a
qual o cidadão
participa e
decide sobre
as prioridades
de
investimento
da cidade
junto com o
poder
Municipal
Definição do
orçamento anual
da PMB (Plano
Anual de
Investimento)
Fortaleciment
o da
cidadania;
Controle
popular sobre
os gastos
públicos;
transformação
da cultura
política local;
Setores
populares;
Entidades de
classe;
Movimentos
comunitários;
Movimentos
culturais e outros
segmentos a
serem
incorporados
FONTE: SEGEP/PMB – 2003
Como podemos visualizar no quadro 02 o Orçamento Participativo foi
instituído na primeira gestão do Governo Democrático Popular (1997-2004), que se
inspirou no OP de Porto Alegre-RS. Foi criado um canal de comunicação entre a
Prefeitura Municipal de Belém e a sociedade civil criando condições para que a
população participasse efetivamente do processo de elaboração da Proposta
Orçamentária, garantindo com isso, um maior controle sobre os gastos públicos
municipais e a inclusão das demandas populares no orçamento municipal. O
Processo do OP de Belém funcionou até 2001, a partir desse momento passou a
fazer parte constitutiva do Congresso da Cidade (MARTINS, 2000).
O funcionamento do OP se dava da seguinte maneira: primeiramente
acontecia a assembléia das 28 microrregiões, as quais apresentavam suas
demandas e elegiam Conselheiros e delegados que iriam representá-los na
assembléia final, uma proporção de 1 delegado para cada 10 pessoas presentes,
um total de 42 Conselheiros e 1400 delegados, distribuídos em 8 assembléias
populares regionais e cinco plenárias temáticas; num segundo momento, com fins de
144
alcançar seus objetivos, o OP promovia Assembléias Distritais, onde se davam às
prestações de contas da prefeitura e as demandas consideradas prioritárias pela
população, assim estimulavam a cidadania ativa a participarem e decidirem as
prioridades de investimentos da cidade (ibid., 2000).
No terceiro momento, as demandas eram enviadas aos órgãos municipais
responsáveis, para parecer técnico cujos resultados saiam nesse mesmo momento à
população. No quarto momento, o das Assembléias Temáticas, a Prefeitura,
apresentava sua prestação de contas e os conselheiros debatiam e aprovavam as
demandas prioritárias das temáticas. E no último momento, se dava a Assembléia
Final do Conselho do Orçamento Participativo (COP) que era um órgão de
participação direta da comunidade, tendo por finalidade propor, fiscalizar e deliberar
sobre matérias referentes a receitas e despesas do Poder Público Municipal, onde
se discutia e aprovava os recursos para o ano seguinte (ibid., 2000).
A pesar de inovadora, a experiência do OP em Belém mostrou limitações no
avanço do processo participativo na cidade. Uma vez que grande parte dos
participantes se limitava, ainda, a pensar os problemas da cidade de maneira
pontual, desarticulada dos demais problemas urbanos, trabalhando apenas uma
parte do orçamento, não conseguindo alcançar a cidade enquanto conjunto. “Estava
plantada a desafiadora semente do processo que viria a se constituir no Congresso
da Cidade” (RODRIGUES, NOVAES, ARAÚJO, 2002, p. 8), implementado a partir
da segunda gestão Edmilson Rodrigues (2001-2004). Como veremos a seguir.
4.1.2 - O Congresso da Cidade
A partir da experiência que foi acumulada durante os quatro anos de
Orçamento Participativo (OP) e da idéia de avançar na perspectiva de um
planejamento urbano com uma maior participação, resultou a proposta de instituir o
Congresso da Cidade como modelo mais avançado de participação, na segunda
gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues (2001-2004). Por isso é valido ressaltar que
o Congresso da Cidade não descartou o Orçamento Participativo, e sim o
incorporou, dando um passo além dele (RODRIGUES, 2002).
Um outro destaque muito importante a se fazer é que essas mudanças no
cenário da participação em Belém não foi apenas mérito somente da boa vontade
145
política do Poder Municipal. Mas também do acúmulo de lutas sociais travadas no
cenário urbano da cidade (ibid., 2002).
De acordo com esse novo modelo de planejamento, o Congresso da Cidade
passaria a ser o instrumento através do qual o Poder Municipal, juntamente com os
cidadãos de Belém, elaborariam a agenda para o desenvolvimento da cidade
(RODRIGUES, NOVAES, ARAÚJO, 2000).
Partindo desse pressuposto,
[...] o Congresso da cidade é mais um passo na consolidação de um Modelo
de gestão, democrático, participativo e com controle social, onde os
cidadãos de Belém dizem à cidade que querem viver e construir. Assim o
CONGRESSO DA CIDADE significa um processo socialmente construído e
articulado com a sociedade civil organizada e o cidadão em geral, que
proporciona reflexões críticas e propositivas que materializam o espaço de
Planejamento Participativo, garantindo as ações para as Políticas Públicas
Municipais (BELÉM, 2002).
Nos mais diversos eventos que ocorriam na cidade de Belém na Gestão da
Frente Belém Popular era evidente que esse mecanismo de participação se tornava
um espaço público de co-gestão na administração e planejamento da cidade uma
vez que a população juntamente com a Prefeitura Municipal decidia sobre projetos e
Políticas Públicas urbanas de desenvolvimento para Belém.
Portanto, o que ocorria, efetivamente, nesse contexto era a distribuição das
funções administrativas e de planejamento, através de níveis intermediários de
governo e de planificação; adaptação da ação governamental às condições
especifica local; tratamento diversificado às diferentes regiões, de acordo com suas
necessidades e potencialidades (FERRARI, 1979).
Uma questão que deve ser considerada no bojo da proposta do Congresso da
Cidade foi que esse permitiu que se agregasse a ele outras propostas de
participação que existiam na sociedade como o próprio Orçamento Participativo, os
Conselhos Setoriais, os runs, entre outros (RODRIGUES, 2002). Dessa maneira
acabou por se transformar em referência para o estudo de formas inovadoras de
planejamento urbano, garantindo até mesmo premiações internacionais (BELÉM,
2004).
146
Ao mesmo tempo trouxe para dentro das discussões das questões urbanas
diversos segmentos da sociedade: entidades públicas e privadas, sindicatos etc.
Além de atores como técnicos, empresários para que se propusessem diretrizes de
melhoria para a cidade. Assim se viu a ampliação do Orçamento Participativo para
Congresso da Cidade a partir da preocupação da Esfera Publica Municipal em não
ficar arraigada ao Orçamento Participativo.
Era muito comum nas reuniões do Congresso da Cidade ouvirmos a seguinte
frase “estamos aqui para planejarmos a Belém do século XXI”. Esse era o Slogan
recorrente nas falas dos coordenadores desses eventos que, movidos pela
influência do pensamento marxista, viam que era possível mudar uma realidade,
a partir da organização dos mais diversos setores da sociedade.
A chamada da sociedade civil para um novo espaço de participação traduziu-
se também num desafio para o poder público municipal, na medida em que a
proposta apresentava-se como um avanço na democratização do poder em Belém.
A fim de efetivar tal proposta vários recursos foram adotados desde a
produção de cartilhas, folders, exposições de outdoors, entre outros que
estabelecessem aos participantes a efetiva compreensão sobre a importância de
discussões mais amplas, que fosse além do orçamento público para incorporar
diretrizes e ações do Governo Municipal, que extrapolavam a dimensão até então
localizada das intervenções como acontecia no Orçamento Participativo e ao mesmo
tempo atrair atores que nem sempre se moviam por esses determinantes
(empresários, sindicatos, ONG’s, movimentos culturais etc.), para então poder
combinar as deliberações no âmbito da rua, do bairro e do distrito com as políticas
globais para a cidade.
De acordo com Rodrigues, Novaes e Araújo (2002):
Foram sendo adotados, assim, diversos recursos, tanto no interior do
governo, quanto em grupos sociais não governamentais, como reuniões
para identificar expectativas, fóruns promovidos ou apoiados pelo governo,
como o orçamento participativo, conferências sobre as políticas blicas,
colóquios sobre temas específicos, audiências públicas, condomínios
participativos – associação entre governo e empresários que lutam pela
valorização dos espaços onde concentram as suas atividades -, comitês
ambientais formados por moradores de bairros ou ruas especificas e por
funcionários dos órgãos municipais, que contribuem para a gestão
ambiental da cidade, inclusive nos locais de trabalho (p.46).
147
Mudaria-se, assim, a correlação de forças na luta de classes, transformando a
estrutura urbana, bem como o próprio poder do Estado. Concepção que é bastante
evidenciada nos estudos de vários estudiosos como Kowarick (1997) que aborda a
melhoria das questões urbanas a partir da produção e ocupação das cidades
através dos movimentos sociais.
É bem verdade que esta concepção de planejamento socialmente construída,
na prática, não está imune de acontecerem os conflitos, visto que podem ocorrer
tentativas de manipulações e jogo de pressões de grupos econômicos e políticos. Ao
contrário, a partir do momento em que se reconhece o cidadão como um planejador
legítimo da sua cidade, é imprescindível que se reconheça também a cidade como o
lugar das diversidades, onde residem os conflitos, mesmo porque os interesses são
diferentes, divergentes e na maioria das vezes conflitantes visto que surgem as mais
distintas formas de apropriação do espaço e as disputas por interesses de classes,
conforme nos demonstra Souza (2002)
[...] intervenções de planejamento e mecanismos de gestão, sejam
protagonizados pelo Estado ou por agentes da sociedade civil, precisam ser
entendidos à luz de uma teia de relações em que a existência de conflitos
de interesse e de ganhadores e perdedores, dominantes e dominados, é um
ingrediente sempre presente. Como poderiam o planejamento e a gestão
ser neutro”, em se tratando de uma cidade marcada por desigualdades
estruturais? (p.83).
Uma discussão mais profunda sobre a teia de relações existente no processo
de planejamento em Belém extrapola os objetivos de nosso trabalho. O que nos
interessa é um estudo sobre ‘A Política de Participação na Educação de Jovens e
Adultos no Município de Belém no período de 1997 a 2004’, na Gestão da Frente
Belém Popular que tinha como um de seus compromissos de campanha o combate
ao analfabetismo na cidade. Para isso se comprometera em construir em Belém um
Projeto Político Pedagógico comprometido com a participação popular, com a
inclusão social que permitisse sonhar com uma sociedade mais justa e fraterna
(BELÉM, 2004, p.83).
Desde a década de 80, muito se tem discutido a respeito de uma nova forma
de planejar. Uma forma que efetivamente considerasse os anseios e necessidades
148
de todos: setores públicos, setores privados, e demais segmentos da sociedade,
pois com a participação de todos os segmentos da sociedade civil a mudança se
efetivaria de forma harmoniosa e consistente. Uma vez que todos estariam voltados
numa mesma direção. Contudo, de acordo com Farias (2004)
No que diz respeito às questões teóricas e conceituais concernentes ao
campo do planejamento, a literatura é bastante reduzida. Neste sentido os
trabalhos utilizados abordam o planejamento enquanto procedimento
organizado que conduz a um certo resultado através de uma ação coerente,
além de conceituar os tipos de planejamento existentes. (p.23)
Em Belém, talvez pelos fatores apontados acima, a literatura especifica sobre
o novo modelo de Planejamento se mostra ainda incipiente. Os trabalhos
acadêmicos e científicos, que tratam da experiência do Congresso da Cidade são
bem poucos e quase sempre, segundo Rodrigues (2000) se resumem aos relatos de
Conselheiros, do Prefeito e da Secretaria de Planejamento, que são publicados pela
própria Prefeitura.
Mas há estudos como o de Martins (2000), que faz, uma análise dos primeiros
quatro anos do Governo da Frente Belém Popular, liderado por Edmilson Rodrigues
(1997-2000) que, inclusive, citamos quando abordamos a respeito da criação do
Orçamento Participativo. Observa-se que ao incluir o tema de participação na
agenda, o Governo Municipal passou a assumir uma nova postura em relação aos
cidadãos. Nesse sentido, a implantação do Orçamento Participativo passou a
assumir um papel importante na nova relação do poder municipal com a sociedade
civil. Com o OP o cidadão passou a participar diretamente das discussões,
deliberando, acompanhando e fiscalizando a aplicação do dinheiro público.
As experiências de participação popular do OP e do Congresso da Cidade
apontam características de participação poder de co-gestão, embora com suas
limitações, mas não se mostra passiva e nem se pode afirmar que seja manipulada
na medida em que a partilha do poder, visto que existe a co-participação ativa
nas decisões, embora, não se altere o poder do Governo Municipal que é o poder
central. Funciona dentro de permissões, mas, há a promoção da democracia.
É bem verdade que, apesar dos avanços observados na participação popular
em Belém, não se pode afirmar que a sociedade civil tenha assumido o controle
149
sobre o planejamento municipal. Mas pode-se inferir que este ocorreu de forma
compartilhada entre o poder municipal e a sociedade civil no qual a organização e a
dinâmica de funcionamento do Orçamento Participativo e do Congresso da Cidade
permitiram a descentralização das decisões sobre as políticas públicas que
passaram a acontecer dentro do Conselho da Cidade, órgão máximo de decisão no
Congresso da Cidade. Essa foi a maneira encontrada pelo Poder Municipal de
legitimar a participação da sociedade civil.
Em seguida mostramos um quadro com os principais aspectos do Congresso
da Cidade, relacionando atribuições, objetivos e resultados esperados, entre outros,
envolvidos em cada uma das experiências.
QUADRO 3
MATRIZ DEMONSTRATIVA DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DO CONGRESSO DA
CIDADE
Instrumento Atribuições Estágio Composição Objetivos Produto Resultados
esperados
Participantes
CONGRESSO
DA CIDADE
Estimular o
surgimento de
um movimento
cívico e a
construção de um
espaço de
debates e
proposições
voltados para o
desenvolvimento
integrado de
Belém,
articulando as
iniciativas
públicas e
privadas, no qual
a tomada de
decisão será
definida através
de consensos
progressivos
Lançado
em
1998,
passou
a
substitui
r o OP a
partir de
2001.
2500
delegados
(eleitos na
proporção de
1/10);
88
conselheiros
distritais
(eleição direta
nas urnas);
49
conselheiros
da cidade
distribuídos
em 48
congressos
distritais, 11
congressos
municipais, 6
temáticos e 5
setoriais.
Propor e
discutir
projetos para
Belém,
recontextualiz
ando-os
estrategicame
nte no âmbito
das políticas
públicas.
Plano Plurianual;
LDO; Orçamento
Anual e Plano
Estratégico da
Cidade de Belém;
Reforço da auto-
estima do
cidadão do
Belém;
Construção da
percepção do
cidadão sobre a
cidade como um
todo;
Maior integração
entre os atores
que formam a
cidade.
Setores
populares;
Entidades de
classe;
Movimentos
comunitários;
Movimentos
culturais e outros
segmentos a
serem
incorporados
FONTE: SEGEP/PMB - 2003
O quadro 03 demonstra a instituição do Congresso da Cidade, que se deu na
segunda gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues (2001-2004), mesmo tendo sido
lançado em 1998 passou a substituir o OP a partir de 2001. Suas atribuições
estavam em estimular um movimento cívico e a construção de um espaço de
150
debates e proposições voltados para elaborar a agenda de desenvolvimento da
cidade com a promoção da justiça social, da sustentabilidade ambiental entre outros
projetos para Belém transformando-os em políticas públicas para a cidade.
As ações políticas resultavam da união dos órgãos municipais com as
instâncias participativas (OP, Conselhos, movimentos sociais entre outros). A
composição era a seguinte: 2500 Delegados; 88 conselheiros distritais, 49
conselheiros da cidade, 11 Congressos Municipais, 6 temáticos e 5 setoriais. O
Congresso da Cidade constituiu um planejamento dos investimentos e das diretrizes
de desenvolvimento municipal, onde as decisões são tomadas em conjunto pela
PMB e a população participante dos processos, guiados por instrumentos como o
Orçamento Participativo; o Plano Plurianual, que estabelecia diretrizes, objetivos e
metas da Administração para as despesas de capital e outras delas decorrentes e
para as relativas aos programas de duração continuada.
O Plano Plurianual tinha vigência de quatro anos e devia ser elaborado em
consonância com o Plano Diretor Urbano do Município que era o instrumento básico
da política de desenvolvimento e expansão urbana, para fazer cumprir a função
social da cidade, conforme o artigo 182 da Constituição Federal; A LDO (Leis de
Diretrizes Orçamentárias), que compreendia metas e prioridades da administração,
despesa de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientação para a
elaboração do orçamento e alterações na legislação tributária; O Orçamento Anual,
que estabelecia de forma regionalizada e setorizada, a programação de gastos do
governo para cada ano civil. Continha a discriminação da receita e despesa de forma
a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do governo,
obedecidos aos princípios de unidade, universalidade e anualidade; O Plano de
Governo Municipal, consistia em um conjunto de políticas e diretrizes destinadas a
atingir um horizonte de um mandato governamental e os objetivos do Programa de
Governo apresentado no período de candidatura partidária.
Todas essas instâncias de decisões tinham a intenção de incluir na agenda
do governo a discussão dos investimentos municipais com a população, por isso se
esperava como resultado o reforço da auto-estima da população de Belém; a
construção da percepção do cidadão sobre a cidade, uma maior integração dos
atores que formam a cidade. Assim, o Congresso da Cidade tinha a participação de
151
entidades públicas e privadas, dos movimentos sociais e outros segmentos da
sociedade.
A seguir, apresenta-se um organograma com os principais aspectos do
Congresso da Cidade de Belém para melhor visualização do nível macro de
participação em Belém.
FIGURA 01
ORGANOGRAMA DO CONGRESSO DA CIDADE DE BELÉM (2001-2004)
FONTE: SEGEP/PMB – 2003
O Organograma do Congresso da Cidade foi elaborado com base na
integração das mais diversas esferas de participação existentes. De acordo com a
figura 01, o Congresso da Cidade era composto por três setores: O Executivo
152
Municipal que demandava obras para a cidade resultante dos eventos dos
Congressos Distritais e dos Congressos Municipais; o Conselho da Cidade, instância
máxima de decisão dentro do Congresso da Cidade, tendo caráter consultivo
deliberativo sobre o Planejamento do Município; e a Sociedade Civil e seus
subsetores, os quais tinham funções definidas (RODRIGUES, NOVAES, ARAÚJO,
2002).
No primeiro ano, 2001, ficava a cargo, exclusivo, da Secretaria Municipal de
Planejamento e Gestão (SEGEP) a coordenação do Congresso da Cidade que
organizava os espaços de participação e acompanhava os debates, além de
promover a articulação entre o Poder Municipal e a Sociedade Civil na elaboração e
implementação do orçamento e das políticas públicas locais. O Núcleo de
Participação e Controle Popular (NPCP), órgão que foi criado na segunda gestão do
Prefeito Edmilson Rodrigues, responsável pela organização da participação popular
no Congresso da Cidade, em conjunto com as Administrações Regionais (AR’s) e
ainda o SEGEP passam a coordenar o Congresso da Cidade a partir de 2002 (ibid.,
2002).
A organização da participação popular passou a ser feita de acordo com a
Divisão Administrativa da Cidade (os Distritos Administrativos). O Congresso da
Cidade apresentava diversas instâncias de discussão e decisão, como: as Plenárias
Preparatórias, Pré-Congressos Distritais Temáticos e Assembléias Setoriais,
Congressos Municipais Temáticos que conduziam ao Congresso Geral da Cidade,
onde as propostas eram aprovadas. Todas essas instâncias contavam efetivamente
com a população nas tomadas de decisão (ibid., 2002).
As instâncias de participação se organizavam e se desenvolviam nos oito
Distritos Administrativos de acordo com as atribuições de cada setor de participação.
Organizavam-se da seguinte maneira: reuniões e oficinas preparatórias, onde eram
introduzidos temas específicos para debate, como a revisão do Plano Diretor de
Belém, o Estatuto da Cidade, Saneamento, Saúde, Cultura etc; Congressos Distritais
Temáticos, cuja função era de aprofundar as discussões sobre políticas de governo
e as demandas para os Distritos. Os temas giravam em torno da cidadania, cultura,
meio ambiente, gestão democrática e inclusão social.
Promoviam também debates de temas como: negros, mulheres
homossexuais, prostitutas entre outros; Os Congressos Municipais Temáticos, que
153
discutiam e aprofundavam os debates oriundos dos Congressos Distritais; O
Congresso da Cidade, instância máxima de participação, onde aconteciam o
aprofundamento dos temas que eram discutidos, nas oficinas e reuniões
preparatórias, nos Congressos Distritais e Congressos Municipais, e a tomada de
decisão relativas à política de desenvolvimento e investimento Municipal. Cada um
dos Distritos Administrativos elegia um Conselho Distrital, composto por conselheiros
eleitos e coordenado pelos Administradores Regionais que representavam o poder
municipal (RODRIGUES, NOVAES, ARAÚJO, 2002).
Em síntese o quadro que demonstra os principais aspectos do congresso da
Cidade, bem como o organograma que mostra o seu funcionamento, apresentados
aqui apresentam dados que parecem indicar que o Congresso da Cidade, criado
pela PMB, praticava efetivamente o compartilhamento do planejamento municipal
com a sociedade civil. A própria estrutura de participação criada pela Prefeitura
Municipal, através das instâncias participativas do Congresso da Cidade promovia
uma boa comunicação desta com a sociedade civil de modo que parecia ser
possível a inclusão de diferentes atores sociais no sistema de planejamento
municipal da cidade de Belém. Um outro indicativo era de que realmente existia o
desenvolvimento de forma compartilhada do Poder Municipal e os representantes da
sociedade civil, conforme mostra o organograma do Congresso de Cidade de Belém
(2001-2004).
Essas instâncias como o Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade
tiveram suas limitações, da mesma forma que se reconhece que ainda estão muito
longe de uma participação massiva plena - participação poder na perspectiva da
auto-gestão (PERUZZO, 1998), dada à complexidade de construção desta. Mas é
preciso reconhecer que muito se avançou no processo de democratização e
descentralização em Belém.
4.2 - Os canais de participação no Governo do Povo – nível micro
Em 1997, Belém, com a posse do Partido dos trabalhadores, representado
pelo Prefeito Edmilson Rodrigues na Prefeitura Municipal da cidade, passou a
experimentar a desafiadora e inovadora tarefa de coletivamente, construir e vivenciar
o Projeto Político Pedagógico Escola Cabana. Um processo intenso e rico de
154
construir/socializar o conhecimento tomando o trabalho coletivo dos mais diversos
autores mediatizados pela realidade sócio-cultural como estratégia para alcançar a
práxis (ação, reflexão, ação) (BELÉM, 2004).
Esse movimento de participação foi deflagrado pela Secretaria Municipal de
Educação de Belém a partir de vários eventos educativos. Com base nos princípios
de participação popular, inclusão social e gestão democrática, o Governo do Povo
ao longo de oito anos (1997-2004) de mandato buscou de forma efetiva abrir canais
que possibilitassem a participação do povo na construção das leis que regiam o
ensino em Belém.
O desafio estava em superar uma educação cuja estratégia neoliberal insiste
em ser o único caminho para então retirar a educação institucionalizada da esfera
pública e submetê-la as regras do mercado e transformá-la num objeto de consumo
individual e não de discussão pública e coletiva (SILVA, 1994 apud BELÉM, 2004)
para implantar na capital do Pará uma nova educação de caráter libertador, contra-
hegemônica e que imprimisse em cada espaço escolar e em toda a cidade o
compromisso político-pedagógico em defender a educação pública como direito de
cidadania e dever do Estado indo da educação infantil passando pelo ensino
fundamental à educação de jovens e adultos (BELÉM, 2004).
Não obstante a legitimidade de reivindicação de espaços de participação
direta da sociedade civil na mobilização social, no desenho e na avaliação de
políticas blicas de educação de Jovens e Adultos no Governo do Povo, reafirma-
se então que o setor público é o único detentor de institucionalidade suficiente para
universalizar o acesso à educação, capaz de mobilizar recursos para implantar
políticas públicas permanentes dos serviços de EJA, de maneira a garantir as
condições físicas, materiais, profissionais e pedagógicas para a oferta abrangente
de um ensino de qualidade que incluísse também as modalidades informais de EJA
(BELÉM, 1997).
Muitos movimentos sociais ensinaram a fazer participação política em Belém
e introduziram novas lógicas de abordagem dos grupos sociais. Apesar disso, o
poder de representação e intervenção desses movimentos nos espaços de
elaboração e definição de políticas públicas para a EJA têm sido escassos, tímidos,
acanhados e tutelados, na maioria das vezes, por algumas instituições públicas que
os vêem como ameaças à ordem e à segurança pública.
155
O fato é que a trajetória desses movimentos têm sido bastante obstaculizada,
mesmo porque o espaço educativo é o espaço da disputa, da contradição, do
conflito, logo da complexidade que deve ser encarada como um desafio para
superar concepções e conceitos que estão muito cristalizados na cultura escolar,
mas que é possível sua descristalização para então propor uma outra alternativa de
educação.
Assim na cidade de Belém procurou-se estabelecer na Gestão Democrático
Popular um novo Contrato Social. Não um contrato social da modernidade
excludente conforme nos alerta Santos (1998), mas sim um contrato social que
considere a participação, a inclusão, que exercite a igualdade, o respeito à
diferença, que articule o saber comum ao saber erudito, enfim refaça o movimento
popular na sua essência (BELÉM, 2004).
Em Belém, o contingente, de analfabetos e sub-escolarizados, conforme
demonstramos em outros momentos, apresentavam um índice alarmante que
requeriam um esforço redobrado, tanto por parte do Governo do Povo, quanto de
toda a sociedade civil organizada e da população em geral (BELÉM, 1997). Havia a
necessidade de ampliar as oportunidades educacionais para jovens e adultos
trabalhadores. Por outro lado, a erradicação do analfabetismo e a universalização do
ensino fundamental são consideradas pela Constituição como dever do poder
público, que deveria aplicar para este fim, durante dez anos, 50% dos recursos
oriundos da receita de impostos e vinculados à educação (artigo 60 das Disposições
Transitórias).
Diante desse quadro, a prefeitura de Belém pretendia já nos primeiros quatros
anos (1997-2000) dar uma atenção maior à população excluída da cidadania, aquela
que era reprovada-expulsa da escola e ainda levava consigo a culpa pelo fracasso
escolar (BELÉM, 1997). O governo do Povo considerava necessária a construção de
um novo parâmetro de escola para o trabalhador, cuja estrutura, formas de
organização, conteúdos produzidos e veiculados tivessem por referência principal o
mundo do trabalho. Nesse sentido a intenção do Governo do Povo era
[...] muito mais do que trazer uma “nova tecnologia” para dentro da escola,
alterando a lógica do planejamento pedagógico. O que estamos a fazer é
alterando a forma de ler o mundo, de pensar o mundo e suas relações,
trabalhando com subjetividades, mentalidades e visões de mundo (BELÉM,
2004, p. 46).
156
Essas concepções permaneceram e se ampliaram para a segunda gestão do
Governo Democrático Popular que construiu em Belém um Projeto Político
Pedagógico comprometido com a participação popular, com a inclusão social que
permitisse sonhar com uma sociedade mais justa e fraterna. Portanto para que esta
escola efetivamente acontecesse se fazia necessário a contribuição de todos, onde
os agentes tivessem papel ativo, dinâmico, e experimentassem novas formas de
aprender, de trabalhar e de participar das decisões e encaminhamentos.
Durante a gestão do Governo do Povo a participação popular foi o mote
principal desta administração construindo um grande avanço social e
político em Belém. As decisões tomadas pela prefeitura em parceria com os
Movimentos Sociais organizados, as lideranças comunitárias, os idosos, as
crianças, os negros e negras, os indígenas, as mulheres, os homossexuais,
enfim, o conjunto total de cidadãos de Belém, sem exclusão, foram
convidados a deliberar projetos para um futuro melhor para a cidade e seus
habitantes tanto da região continental como da insular (BELÉM, 2004,
p.179)
E finalmente, as ações implantadas respondiam às exigências sócio-culturais
e políticas, tanto do momento histórico quanto da proposta do Governo que pode ser
evidenciada na figura 2.
157
FIGURA 02
ORGANOGRAMA DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO GOVERNO DO POVO
FONTE: Travessias Inclusivas de Saberes: A Educação Cabana em Belém (1997-2004). Belém,
2004.
4.2.1- I Simpósio de Educação de Jovens e adultos
Como o acesso ao Ensino Fundamental a todos os cidadãos de todas as
faixas etárias passa a ser um direito constitucional, uma conquista na consolidação
da cidadania brasileira que teria, caso fosse concretizado, o papel de contribuir na
correção da injustiça social, decorrente da exclusão de milhões de pessoas da
escolaridade básica a necessidade de se formularem projetos que combatam o
analfabetismo. Para isso, O Governo Federal, juntamente com os Governos
Estaduais e Municipais, e as instituições da sociedade civil, devem estar articulados
na busca de soluções eficazes, criando, coordenando, financiando, apoiando e
executando projetos extensivos de Educação de Jovens e Adultos.
158
Diante desse quadro os educadores de EJA, logo após a Prefeitura Municipal
de Belém, ter assumido em 1997, detectaram a necessidade de formular o currículo
de EJA da Rede Municipal de Educação. Então realizaram o I Simpósio de
Educação de Jovens e Adultos, onde foi dado inicio a construção de novas
propostas para a EJA no município de Belém. Em 1998, foi apresentada uma visão
preliminar de uma proposta Curricular para a EJA.
4.2.2- I Conferência Municipal de Educação
No final do ano de 1998, mais especificamente em 16 de dezembro foi
realizada a I Conferencia Municipal de Educação, quando foi adotada a Totalidade
de Conhecimento como principio norteador e organizativo da proposta Curricular de
EJA. No quadro 3 pode ser visualizada a matriz demonstrativa das discussões desse
evento, de acordo com o Registro Síntese das discussões dos grupos de trabalho,
mais especificamente no GT 6: Educação de Jovens e Adultos.
QUADRO 04
MATRIZ DEMONSTRATIVA DAS DISCUSSÕES DA I CONFERÊNCIA MUNICIPAL
DE EJA
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES POLÊMICAS
1-Flexibilização do horário de entrada do Ensino Noturno para
alunos trabalhadores
1. Extinção do Ensino Noturno
2- Que o planejamento da ação educativa se de forma a garantir
uma pratica interdisciplinar
2- Não retenção do Ensino Noturno
3- Trabalhar no ensino noturno com temas geradores pela via da
interdisciplinaridade
4- Que a pratica de pesquisa do universo cultural dos alunos seja
incorporada pelo ensino de Jovens e Adultos
5- Promover oficina nas escolas para os alunos do ensino noturno
6- Realizar um Fórum sobre Educação de Jovens e Adultos na 1ª.
Quinzena de janeiro de 1999. Discutindo as seguintes questões:
a) Diminuição do horário de funcionamento das turmas do ensino
noturno
b) garantia de merenda escolar para os alunos do Ensino Noturno
inclusive PROALFA
c)Garantia de continuidade de estudos dos alunos do PROALFA
nas escolas da rede
d) organizar calendário de eleições de Grêmios
e) intervenção das escolas junto às famílias dos alunos
adolescentes no Noturno para que haja acompanhamento do
processo educativo
f) Assegurar vaga para o aluno de 14 a 18 anos no Ensino Diurno,
observando a enturmaçao por faixa etária.
g) Atendimento aos PNEES com acompanhamento dos técnicos da
SEMEC
h) Formação continuada para os professores do Ensino Noturno
com ênfase na interdisciplinaridade
7- Encaminhamentos para o Fórum sobre Educação de Jovens e
Adultos:
159
a) promover ampla discussão do documento “Texto Preliminar para
discussão da Educação de Jovens e Adultos” nas escolas da rede.
FONTE: Registro síntese das discussões dos GTs – 16/12/1998.
As principais recomendações decorrentes do evento foram: preocupação
maior com a formação intelectiva do aluno do ensino noturno (isso se remete a
questão da não retenção); garantir o cumprimento do horário de trabalho por parte
dos professores do ensino noturno; criar situações no currículo que envolvesse os
alunos em questões político-sociais da Comunidade. A única moção aprovada foi de
repúdio ao MEC pela não inclusão da Educação de Jovens e Adultos nas verbas do
FUNDEF.
4.2.3 – FÓRUNS
No período de 1997 a 2003, com fins de erradicar o analfabetismo, a
Prefeitura Municipal de Belém fez parcerias com vários setores da sociedade civil
criando o Fórum Municipal de Alfabetização de Jovens e Adultos, após a realização
de oito pré-foruns distritais com mais de 5000 participantes, entre alfabetizandos,
alfabetizadores, associações, centros comunitários e entidades formadoras. Após a
implementação do Fórum do MOVA, a prefeitura convocou as entidades e
movimentos sociais, para encaminhar agenda após o período eleitoral objetivando
definir a atuação do Fórum Municipal de Alfabetização (BELÉM, 2004).
O ano de 1999 foi importante para o processo de construção curricular. A
investigação participativa desenvolvida neste ano, com professores, educandos e
corpo técnico das escolas delineou a proposta curricular que foi discutida e
reformulada no II Fórum Municipal de Educação e submetida à plenária final desse
evento. Ficou definido que seria implantado no ano de 2000 a Totalidade de
Conhecimento em substituição a e etapas do Ensino Supletivo (BELÉM, 2004,
p. 78). O II Fórum de Educação aconteceu em 2004, chamado todos envolvidos na
EJA para repensar o modelo de homem, de sociedade e de currículo que vinha
sendo construído na gestão democrático popular através do Projeto Político
Pedagógico Cabano.
Pode-se constatar que o Governo do Povo buscou implementar em Belém no
período estudado ações que permitissem que os cidadãos exercessem seu direito à
informação e à participação. Essa participação da sociedade materializou-se através
160
da incorporação de parcerias e grupos sociais envolvidos direta ou indiretamente no
processo educacional, ou seja, significou tirar dos governantes e dos técnicos da
área o monopólio de determinar os rumos da educação no município. Assim o
Governo do Povo privilegiou a criação de mecanismos institucionais que pudessem
articular mudanças. Os órgãos colegiados, como os Conselhos foram os principais
instrumentos, enquanto instâncias que garantiriam a participação de um mais amplo
leque de interessados.
Neste sentido, os conselhos são formas de participação institucionalizadas
- assim como os orçamentos participativos, audiências públicas, congressos da
cidade etc. Devem ser órgãos independentes, sem depender da tutela do Estado,
seja no provimento de estrutura de funcionamento ou para mobilização. Geralmente,
eles têm um caráter consultivo – e, nesse sentido, auxiliar - e vinculam-se ao
Executivo. É muito recorrente serem nomeados representantes de algum movimento
organizado, como sindicatos, fóruns, associações, etc.
A literatura tem ressaltado as características dialógicas dos Conselhos, a
idéia da transparência das discussões, afastando em tese, o fantasma da
cooptação e do clientelismo, traços da cultura política brasileira. Os
Conselhos são compreendidos como um caminho para a reforma
democrática do Estado, ao realizarem uma importante função pedagógica
na construção da democracia participativa e de uma atuação cidadã
(CARVALHO, 1998)
9
.
Mas é importante reafirmar que os Conselhos são espaços de disputa
também. Isso quer dizer que suas opiniões devem ter o peso de uma construção
coletiva, mas não são, de modo algum, uma síntese do pensamento da sociedade
civil:
[...] as associações civis e organizações voluntárias são pressupostas como
portadoras de interesses generalizáveis, quanto ao risco de que a esfera
pública, de não-estatal, se transforme de fato em paraestatal, ou em mais
uma arena institucional vulnerável a instrumentalização pelo Estado, pelos
partidos e pelos políticos (SIGNATES, 2003).
10
9
Disponível em: http://www.polis.org.br/publicacoes/papers/19982.html . Acesso em 26 out.2006.
10
Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/congresso2003/nucleos_np10.shtml. Acesso em: 26
out.2006.
161
Faz-se necessário transitar entre o cidadão onicompetente e o tecnicismo
exacerbado, para de fato co-responsabilizar os conselhos pelas políticas públicas
desenvolvidas. Essa perspectiva é extremamente importante, que governos
neoliberais ao desobrigar-se de encargos sociais, geram uma transferência de
responsabilidades às instâncias locais, ao mercado e à sociedade (CARVALHO,
1998). Portanto, representantes do Poder Público também se fazem fundamentais,
para não se configurarem como mais um espaço de luta reivindicatória, apenas:
Existem conselhos sólidos e democráticos construídos a partir de iniciativas
sociais; eles persistem na sua atividade, mesmo sem apoio significativo de
governos, conseguindo inclusive pressionar governos contra atitudes
privatistas, obter subsídios financeiros, a disponibilidade de funcionários
públicos, de imóveis e equipamentos públicos. Estas “conquistas” não
passam de direitos legais mas, especialmente quando se relacionam com
governos conservadores, somente são obtidas pela ação de conselheiros
muito fortes, articulados e competentes. É claro que os conselhos
dependem de uma mínima resposta governamental. Sem a participação dos
representantes governamentais e um acesso mínimo às informações do
governo, eles deixam de ser espaços de negociação e co-gestão,
reduzindo-se a espaços de luta social reivindicativa como os demais
movimentos sociais (CARVALHO, 1998).
É claro que a demanda de participação deve ter origem na sociedade civil. A
questão da participação - e dos conselhos - já foi debatida em momentos anteriores,
mas aqui é importante reafirmar que a participação é uma relação, em que seu
interlocutor lhe confere legitimidade. Nesse sentido, o Poder Público pode
desempenhar dois papéis importantes: incentivo à participação e institucionalização
desses canais - os conselhos, audiências públicas, tribunas populares, fóruns
institucionais.
Deliberar sobre a Política Pública de Participação Poder na perspectiva de
co-gestão desenvolvidas em âmbito municipal é democratizar a gestão, que está
mais próxima do cidadão, no cotidiano. No sentido da democratização que compete
ao Governo Municipal, o Público local pode estabelecer canais para o
encaminhamento dessas sugestões e questões elaboradas pelos cidadãos
residentes na sua cidade, por exemplo.
A I Conferência Municipal de Educação foi, sem hesitação, um marco de
162
gestão participativa nas políticas blicas nessa área. Mas, essa ação por si não
garantiu o direito à participação, mas sim às práticas que decorreram desse ato. Os
processos de ação coletiva orientada para a participação na gestão pública
encontram-se, assim, fortemente condicionados pela vontade política
governamental, na medida em que esta é central na determinação da estrutura de
oportunidades para o surgimento daqueles processos.
Deve-se ter presente que os governos possuem uma série de prerrogativas
legalmente estabelecidas que lhes permite uma relativa autonomia em relação às
pressões sociais, fazendo com que a efetivação de processos e espaços de gestão
participativa, mesmo que definidos na legislação, sejam dependentes das forças
políticas à frente dos governos. Na medida em que depende dos governos a
efetivação daquilo que deriva dos processos de gestão participativa, sejam políticas
públicas, investimentos, serviços etc., pode-se concluir que a eficácia dos processos
de participação é fortemente condicionada pelo grau de comprometimento dos
governos com tais processos e seus resultados e, isso é facilmente visível na gestão
do Governo do Povo.
O esforço de todos ao longo desses anos em construir e manter este espaço
de intercâmbio e articulação do PROALFA e do MOVA - Belém, com certeza
contribuiu para o maior enraizamento da sua prática, para o aprimoramento de suas
formulações e realizações e, certamente, para a legitimidade dos seus acúmulos
neste momento em que se concretiza a possibilidade de tomar a questão do desafio
da alfabetização como prioridade na construção de um novo modelo de
desenvolvimento inclusivo e sustentado.
Neste contexto, é de fundamental importância a reflexão sobre o papel do
Estado e da sociedade civil, pois a prática de parceria entre estas duas instâncias,
numa perspectiva substantivamente democrática, requer a união de ambas,
vontades políticas e ao mesmo tempo um profundo respeito pela autonomia dos
atores e uma clara definição de responsabilidades.
Um dos primeiros aspectos a resgatar e sublinhar é a dimensão de
movimento presente na proposta do PROALFA e do MOVA e que tem nos atores da
sociedade civil os principais responsáveis pela sua vitalização. É preciso recuperar a
idéia de que o PROALFA e o MOVA são movimentos sociais que em parceria com o
Estado tomam a questão da alfabetização e da pós-alfabetização como uma tarefa
163
inicial na luta pelo direito à educação ao longo de toda a vida dos jovens e adultos.
Esta dimensão coloca o desafio para os atores da sociedade civil que ingressam no
MOVA a partir da prática da sala de aula e para além da mesma organizarem-se
como movimento social que luta pelo direito à educação, que sabemos indissociável
do conjunto dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
O PROALFA e o MOVA foram parte da política educacional do Governo do
Povo, sua Ação Política e Cultural se afirma, tomando corpo o conceito de parceria e
diálogo entre poder público e sociedade civil. A alfabetização de jovens e adultos
passa a ser uma estratégia não educativa, mas também de desenvolvimento
econômico e popular.
O primeiro papel do Governo do Povo em relação ao PROALFA e ao MOVA
foi o de se colocar como impulsionador da criação e da implementação do
Movimento, o que se constituiu como participação poder na perspectiva da co-
gestão, pois teve origem na concessão do governo. “Tal modalidade é ‘controlada’
por se dar com base em determinadas restrições - ou seja, é limitada - e ainda por
poder ser manipulada” (PERUZZO, 1998, p. 79). É limitada porque “é favorecida e
possível somente nos aspectos ou até o ponto que as instâncias detentoras do
poder permitirem. Na prática, isso significa sua concretização em fragmentos
secundários ou parciais da tomada de decisões”. O fato de ser limitada não quer
dizer que este espaço não deva ser conquistado ou ocupado.
Contudo é possível perceber a existência de duas gerações de políticas: as
de primeira , recortadas pela idéia de direito e do Estado provedor, e as de segunda
geração, marcadas pela participação da sociedade civil, mesmo que de forma
pontual, e por parcos recursos financeiros. As políticas de primeira geração estão
consolidadas e são marcadas pela inserção da estrutura administrativa da prefeitura
local, criando melhores condições para a sua permanência e desenvolvimento do
que as de segunda geração. As duas gerações de políticas são a expressão cabal
do esforço realizado no âmbito local para garantir o direito à educação a jovens e
adultos.
164
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tendência participativa nasce no Brasil com a luta pela reforma urbana, a
partir da década de 80. Ao incluir o tema da participação na agenda, o Governo
Edmilson Rodrigues (1997-2004) passa a assumir uma nova postura perante os
cidadãos. Nesse sentido, a implantação de instâncias em nível macro como o
Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade e, em nível micro, PROALFA e
MOVA, passaram a assumir um papel importante na relação de poder entre o
Governo Municipal e a sociedade civil.
Com base na análise desenvolvida ao longo dos capítulos precedentes,
busca-se, a título de conclusão deste estudo, a retomada e apresentação das
respostas obtidas ao problema que orientou a investigação: Como e de que maneira
o cidadão participa nas instâncias de participação popular concedidas pelo Governo
Municipal em nível macro? Como e de que maneira o cidadão participa das
instâncias de participação popular criadas pelo Governo Municipal em nível micro,
relacionadas à implantação de políticas de EJA? Como se deu a política de
participação popular na construção das políticas públicas de EJA no período em
questão? Como funciona e quais os avanços conseguidos a partir dessas
instâncias?
O cidadão belenense participou nas instâncias de participação popular
concedidas pelo Governo Municipal em nível macro através do Orçamento
Participativo efetivado em 1997, que passou a ser parte constitutiva do Congresso
da Cidade a partir de 2001. Era composto de 42 conselheiros; 1400 delegados
distribuídos em 8 assembléias populares regionais e 5 plenárias temáticas setoriais
populares. No Orçamento Participativo participavam entidades de classes,
movimentos comunitários, movimentos culturais e outros segmentos da sociedade
civil não organizada.
Com a ampliação para o Congresso da Cidade, cujo objetivo era o de
estimular o surgimento de um movimento cívico e a construção de um espaço de
debates e proposições voltados para o desenvolvimento integrado de Belém,
articulando as iniciativas públicas e privadas, no qual a tomada de decisão seria
165
definida através de consensos progressivos. Foi lançado em 1998, passando a
substituir o OP a partir de 2001.
O Congresso da Cidade era composto de 2500 delegados (eleitos na
proporção de 1/10); 88 conselheiros distritais (eleição direta nas urnas); 49
conselheiros da cidade distribuídos em 48 congressos distritais, 11 congressos
municipais, 6 temáticos e 5 setoriais. Tinha como previsão de resultado final o Plano
Plurianual; LDO; Orçamento Anual e Plano Estratégico da Cidade de Belém.
Participavam os setores populares, as entidades de classes, os movimentos
comunitários e os Movimentos culturais e outros segmentos da sociedade civil não
organizada.
Para clarear melhor essa questão da participação no planejamento da cidade
de Belém na Gestão Democrático Popular (1997-2004), faz-se necessário que
lembremos como as coisas aconteciam no Brasil na década de 80 que fez com que
essa década fosse considerada
[...] como a década perdida, como muitos a caracterizam. De fato, perdemos
nossos índices de crescimento, perdemos em produtividade agrícola e
industrial, perdemos em competitividade tecnológica etc. Mas não foi de
perdas econômicas que vivemos: perdemos também em qualidade de vida,
com o aumento dos índices de criminalidade, poluição, doenças infantis e
epidemias, com a estagnação do declínio da taxa de analfabetismo, com o
aumento do numero de desempregados, dos sem terra e sem teto, de
assassinatos de crianças, adolescentes, lideres rurais etc. (GOHN, 1994,
p.57)
Porém, a própria autora lembra que nesta mesma década tivemos alguns
ganhos no plano ciopolítico, haja vista que por conta dos problemas acima
apontados a sociedade como um todo aprendeu a se organizar e a reivindicar por
melhores condições de vida. Em suma, do ponto de vista político a década não foi
perdida. Ao contrário, ela expressou o acúmulo de forças sociais que estavam
represadas até então, e que passaram a se manifestar (GOHN, 1994).
É válido, também lembrarmos que as demandas educativas nos anos 80
foram bastante grandes uma vez que o país cada vez mais se engrenava no modo
de acumulação capitalista. A educação esteve intimamente articulada às conjunturas
políticas que o país atravessou, também para muitos se apresentava como soluções
166
para problemas de ordem estrutural, gerados por essa forma de acumulação. Estas
demandas podem ser sistematizadas nas seguintes áreas, temas ou problemáticas:
Demandas educacionais na sociedade: educação ambiental, educação
sobre o patrimônio histórico cultural, educação para a cidadania, educação
sanitária e de saúde pública, educação popular, educação de menores e
adolescentes, educação de minorias étnicas: índios, educação contra
discriminações: sexo, idade, cor, nacionalidade, educação para deficientes,
educação para o transito e de convivência em locais públicos, educação
contra o uso de drogas, educação sexual, educação contra o uso da
violência e pela segurança pública, educação para geração de novas
tecnologias. Demandas por educação escolar: educação infantil: creches e
pré-escolas, ensinos de 1º. e 2º. graus, as demandas por novas leis
educacionais do ensino e ensino noturno (GOHN, 1994, p.59).
Diante desse quadro de demandas educativas para a sociedade e o
surgimento de movimentos, lutas e organizações que aquelas demandas geraram
houve uma mudança nos rumos do planejamento no Brasil, a participação da
sociedade civil na construção de um projeto de desenvolvimento urbano começou a
ganhar destaque, o discurso do planejamento tradicional-tecnocrático, de que
somente os técnicos têm a competência de planejar para a cidade, foi perdendo
espaço para o discurso do planejamento participativo, cuja característica é a
construção coletiva de um projeto para a cidade é a melhor alternativa para superar
os desequilíbrios sócio-espaciais.
Na capital paraense, este embate se deu em 1997, com a vitória do Partidos
dos Trabalhadores (PT) à Prefeitura da Cidade, que inaugura uma nova etapa na
história política e social da cidade. Assim o Governo Municipal privilegiou a criação
de mecanismos institucionais que pudessem articular mudanças.
Na primeira gestão, em 1997, conforme anunciamos no inicio dessa
discussão, o governo municipal cria o Orçamento Participativo, onde os cidadãos
belenenses puderam participar, junto com o Poder Municipal, da discussão do
Orçamento Anual. Experiência que foi ampliada através do Congresso da Cidade,
implementada em 2001, que tinha diversas instâncias de discussão e decisão, que
iam desde Plenária Preparatória, passando pelos Pré-Congressos Distritais
Temáticos e Assembléias Setoriais, Congressos Municipais Temáticos até chegar ao
Congresso geral da cidade onde as propostas eram aprovadas (RODRIGUES,
NOVAES E ARAÚJO, 2002).
167
Os órgãos colegiados, como os Conselhos foram os principais instrumentos,
enquanto instâncias que garantiriam a participação de um mais amplo leque de
interessados. Os Conselhos Distritais, por exemplo, que obedecem a regimentos
internos para seus funcionamentos passando pela organização da participação da
população dentro dos oito Distritos Administrativos de Belém (DABEL, DASAC,
DAICO, DAOUT, DAMOS, DABEN, DAGUA e DAENT), a outras questões de ordem
funcional.
Como rum de participação, os Conselhos Distritais têm caráter consultivo e
deliberativo que discute o funcionamento do planejamento da cidade no âmbito de
cada Distrito, sendo composto por representantes da população de cada distrito e
coordenado pelo Administrador Regional. Tem a função de elaborar propostas e
projetos a serem debatidos no âmbito do Distrito para serem apreciados pelo
Conselho da Cidade, que é a instância máxima de decisão dentro do Congresso da
Cidade com caráter consultivo, deliberativo sobre o planejamento do município (ibid.,
2002).
Como é perceptível, os Conselhos Distritais e o Conselho da Cidade como
instrumentos integrantes do Congresso da Cidade fizeram com que o planejamento
da cidade deixasse de estar restrito a um grupo de técnicos “especialistas” que nem
sempre, efetivamente, atendiam as necessidades da cidade nem tampouco da
população que raramente era ouvida (ibid., 2002).
A partir do momento em que a Prefeitura Municipal de Belém (PMB)
democratizou a construção do Plano de Governo, avançou, também, no processo de
gestão e planejamento municipal, levando as políticas públicas e as diretrizes de
desenvolvimento governamentais ao debate público. E como se considera
[...] a classificação da educação como a mais importante das políticas
públicas, num país como o Brasil. Todas as prefeituras apontam a educação
como área de destaque; a legislação obriga os municípios a aplicarem 25%
dos seus recursos em educação. Mas os cidadãos sabem muito pouco
sobre o que realmente está acontecendo, apenas verificam a perda de
qualidade do ensino blico, convivendo cotidianamente com as suas
conseqüências. Além de receberem poucas informações, também são raras
as oportunidades que a sociedade tem de participar sobre as decisões
sobre a política educacional (BELÉM, 2004, p.24)
168
Em decorrência desses fatores o Governo do Povo na Gestão Municipal da
cidade de Belém (1997-2004) legitima a participação da sociedade civil no sistema
de gestão e planejamento e provoca um movimento de interlocução entre Cidade
escola e Escola cidade, no processo de amadurecimento político-pedagógico de
exercício de cidadania, de inclusão e de experiência de democracia e passa a
desenvolver ações, como as que mencionamos no decorrer desse trabalho, que
buscam permitir que os cidadãos exerçam seus direitos à informação e à
participação no compromisso com a consolidação da democracia (BELÉM, 2004).
Os dados foram analisados através das categorias conceituais propostos por
Peluzzo (1998) de participação controlada e participação-poder, expressas na co-
gestão e autogestão. A partir de tais categorias, que foram discutidas no decorrer
desse estudo, podemos afirmar que as práticas observadas na gestão do Governo
Municipal de Belém são evidências de participação poder na perspectiva da co-
gestão.
Entretanto, não se pode afirmar que a sociedade civil tenha assumido o
controle sobre o planejamento municipal. Pode-se inferir que este ocorreu de forma
compartilhada entre o poder municipal e a sociedade civil no qual a organização e a
dinâmica de funcionamento do Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade
permitiram a descentralização das decisões sobre as políticas públicas que
passaram a acontecer dentro do Conselho da Cidade, órgão máximo de decisão no
Congresso da Cidade.
Essa foi a maneira encontrada pelo Poder Municipal de legitimar a
participação da sociedade civil. Essas instâncias, como o Orçamento Participativo e
o Congresso da Cidade, tiveram suas limitações, da mesma forma que se reconhece
que ainda estão muito longe de uma participação massiva plena - participação
poder (PERUZZO, 1998), dada à complexidade de construção desta. Mas é preciso
reconhecer que muito se avançou no processo de democratização e
descentralização em Belém. Deliberar sobre a Política Pública de Participação
Poder (co-gestão) desenvolvida em âmbito municipal é democratizar a gestão,
que está mais próxima do cidadão, no cotidiano.
É importante afirmar que as inferências possíveis desse trabalho certamente
são parciais, principalmente pela falta de dados mais consistentes. Mas, certamente,
foi possível pensar algumas considerações que poderão ser aprofundadas
169
posteriormente. Sugere-se para o futuro da EJA, enquanto política pública em
Belém, a dinamização de novos Fóruns, pelas experiências acumuladas pelos
constituídos; ampliar a penetração e abrangência, com a função de manter fecunda
a articulação nacional e fazer frente a todas as demandas políticas que o cenário
atual da EJA deverá requerer.
Se recapitularmos o que vimos discutindo em nossos estudos. O discurso do
planejamento participativo de que a construção coletiva de um projeto para a cidade
é a melhor alternativa para transformá-la numa sociedade mais humana e menos
desigual vem ganhando grandes proporções. E, no bojo dessa reivindicação, a
educação não poderia ficar de fora uma vez que a educação passou a ser
reconhecida como uma necessidade por vários segmentos da sociedade brasileira,
conforme assinalamos no decorrer desse estudo desde o período da colônia à
atualidade.
Desde a década de 80, principalmente, como demonstra Gohn (1994) o leque
de demandas educativas veio se ampliando diante das conjunturas políticas que o
país vem atravessando, assim como busca de respostas a problemas de ordem
estrutural, gerados pela forma de acumulação capitalista.
Diante desse quadro procuramos demonstrar ao longo de nosso estudo, a
estratégia do Governo do Município de Belém para ofertar a educação para um
segmento da sociedade que historicamente tem sido excluída de seu direito à
educação, e como criou condições para que se desse ‘A Política de Participação na
Educação de Jovens e Adultos no Município de Belém (1997-2004)’.
Em nível micro, relacionados à implantação de políticas de EJA. O cidadão
participou do I Simpósio de Educação de Jovens e adultos criado logo após a
Prefeitura Municipal de Belém, ter assumido em 1997, com o objetivo de formular o
currículo de EJA da Rede Municipal de Educação. Participou ainda da I Conferência
Municipal de Educação quando foi adotada a Totalidade de Conhecimento como
principio norteador e organizativo da proposta Curricular de EJA.
No período de 1997 a 2003 com fins de erradicar o analfabetismo a Prefeitura
Municipal de Belém fez parcerias com vários setores da sociedade civil criando o
Fórum Municipal de Alfabetização de Jovens e Adultos, após a realização de 8
pré-foruns distritais com a participação de mais de 5000 participantes, entre
170
alfabetizandos, alfabetizadores, associações, centros comunitários e entidades
formadoras. O II Fórum de Educação aconteceu em 2004, chamado todos
envolvidos na EJA para repensar o modelo de homem, de sociedade e de currículo
que vinha sendo construído na gestão democrático popular através do Projeto
Político Pedagógico Cabano.
A grande contribuição dos runs se expressa pela forma como têm
articulado pessoas e instituições em torno do fazer e refletir a EJA quer pelo papel
formador, pela troca de experiências, socialização de informações e pela
disponibilidade de recursos, assim como pelos inúmeros indicativos que vêm
fazendo para a formulação de políticas públicas nas esferas de poder federal,
estadual e municipal.
No mesmo sentido, a administração pública municipal exerceu relevante
papel na consolidação do direito a EJA. O Governo do Povo mostrou resistência e
criou instâncias de atendimento à população que, no nível local, exerceram a
cidadania reivindicando direitos sociais. Outras instituições públicas, organizações
não-governamentais, movimentos sociais, entidades de classe, entidades de serviço
social da indústria e do comércio vêm, do mesmo modo, assumindo participação,
compromisso e espaço de interlocução com a população excluída do direito a
educação, uma vez que também estão comprometidos com a redução da
desigualdade.
O Governo do Povo buscou implementar em Belém no período estudado
ações que permitissem que os cidadãos exercessem seu direito à informação e à
participação. Essa participação da sociedade materializou-se no momento em que
os cidadãos organizados por bairros, grupos sociais opinavam e decidiam sobre os
seus direitos locais ou mais gerais, fosse no campo da educação como em outros
projetos que viessem atender suas necessidades como também melhorias e
desenvolvimento da cidade, configurando-se num tipo de planejamento que tirava a
exclusividade dos governantes e dos técnicos da área o monopólio de determinar os
rumos da educação e outros no município.
O PROALFA iniciou suas atividades atendendo os servidores não
alfabetizados da Prefeitura Municipal de Belém, que conforme apontamos nesse
trabalho, baseado pela Secretaria Municipal de Administração SEMAD,
representavam 4% do total de funcionários. Além das demandas apresentadas pelas
171
entidades populares interessadas em combater o analfabetismo em Belém (BELÉM,
1999).
na primeira gestão do Governo Popular do Partido dos Trabalhadores (PT)
(1997-2000), foram formadas 78 turmas com a inclusão de 1.236 alfabetizandos
(BELÉM, 2004). Com a intenção de superar o analfabetismo na cidade, que esta
era uma de suas promessas de campanha, a PMB ampliou a atuação do PROALFA
para um amplo movimento de intervenção popular MOVA Paulo freire, no inicio
da segunda gestão (2001) (Ibid, 2004).
É válido ressaltar que do PROALFA para o MOVA o ideal de consolidar uma
sociedade mais humana, justa, democrática e fraterna permaneceu. E ao assumir
esse compromisso a PMB estabeleceu como meta alfabetizar 35 mil analfabetos
existentes na capital segundo o PNAD-IBGE/1999. Para isso criaria-se 350 turmas
com 25 alfabetizandos o que resultaria no atendimento de 8.750 jovens e adultos
que haviam sido excluídos do processo educacional de nossa cidade (ibid., 2004).
Diante dessa intenção e sabedora de que sozinha alcançar essa meta seria
algo muito difícil. A PMB/SEMEC e a Coordenadoria de Educação/COED
procuraram estabelecer parcerias com os mais diversos segmentos organizados da
sociedade civil (entidades estatais, públicas, empresas privadas, associações
populares como as igrejas, centros comunitários, escolas comunitárias, domicílios de
alfabetizadores, sindicatos, clubes, agremiações, dentre outros). Todas as áreas de
Administrações Regionais de Belém foram contempladas com o Movimento de
Alfabetização Professor Paulo Freire (ibid., 2004).
O MOVA dividiu atribuições entre os diversos atores envolvidos. A SEMEC,
no período de 1997-2003 abriu 1.083 turmas para toda Belém para atender tanto a
funcionários públicos quanto de empresas privadas que tinham parceria com o
MOVA. Desenvolveu ações nas Ilhas de Outeiro, Mosqueiro, Ilha Grande, Ilha de
Combu e adjacências. Assumiu o plano financeiro estabelecendo parcerias para
obter recursos do MEC/Brasil Alfabetizado através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) que tornou possível ampliar em
2003, 322 turmas e em 2004, 183 turmas garantidas pelo MEC, que antes eram
assumidas pela PMB (ibid.,2004).
172
A SEMEC garantiu também o pagamento dos alfabetizadores; efetivou a
formação permanente dos educadores; realizou assessoria pedagógica nos espaços
educativos em todos os distritos administrativo; viabilizou Kits pedagógicos; realizou
a seleção dos educadores que participavam do MOVA; promoveu vários eventos de
debates em plenárias distritais; articulou as entidades representantes dos
movimentos sociais para encaminhamento de agendas para o Fórum Municipal de
Alfabetização (BELÉM, 2004).
O Movimento de Alfabetização com a Sociedade Civil assumiram a
identificação e mobilização de demandas áreas organizando as turmas;
disponibilização de espaços para as turmas de alfabetização; participação efetiva da
Federação Metropolitana de Centros Comunitários e Associação de Moradores
(FEMECAM) e Comissão dos Bairros de Belém (CBB) na identificação das
demandas existentes, indicação de educadores populares; participação no Fórum
Municipal dos Movimentos de Alfabetização (ibid., 2004).
As Universidades: Universidade do Estado do Pará (UEPA), Universidade
Federal do Pa (UFPA), Universidade Rural da Amazônia (UFRA), Universidade
Popular (UNIPOP) tiveram as seguintes atribuições: formação dos alfabetizandos,
monitores e da população em geral em seus espaços educativos, disponibilização
dos professores das diversas áreas de conhecimento (ibid., 2004).
Portanto, houve uma grande mobilização na cidade comandada pela
Prefeitura Municipal/SEMEC com o objetivo de garantir direitos constitucionais
àqueles que foram excluídos de seus direitos a educação, conforme contempla a
Constituição Federal, na Seção I Da Educação em seu artigo 205 que estabelece:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Em sintonia com a Constituição Federal está a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996) que reza em seu
artigo 4º. Incisos I, e VII respectivamente
173
‘ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria’; ‘oferta de educação escolar regular para
jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas
necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem
trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;’
As Leis são bem claras quando afirmam que o Poder Público nas esferas da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devem oferecer o ensino fundamental
gratuito a todas as crianças na faixa etária dos 7 aos 14 anos e, ainda, àquelas
pessoas que não puderam freqüentar este nível de ensino na idade própria. No
inciso sétimo, particularmente é perceptível que a oferta de educação para jovens e
adultos deverá considerar uma pluralidade de formas apropriadas a esta categoria
de alunos considerando suas características biopsíquicas como também suas
necessidades objetivas de trabalho (CARNEIRO, 1998).
Logo a educação oferecida a estes educandos deve considerar seus perfis,
seja no sentido de chegar à escola como de permanecer nesta. Para atender esses
aspectos, a necessidade que as escolas estejam bem equipadas, com
professores preparados, sobretudo com sólida formação na área psicopedagógica
de adulto. Diante de tais exigências não é difícil comprovar que a escola brasileira
não está preparada para receber este seguimento. Neste sentido, o direito a
educação ainda é uma utopia.
De acordo com Carneiro (1998), para que a educação de qualidade se efetive
faz-se necessário considerar alguns aspectos que perpassam pela organização
escolar e pedagógica, ou seja, envolvem o núcleo de gestão e o núcleo pedagógico.
Assim, perpassa a qualidade na estrutura física, acervo de equipamentos, qualidade
dos recursos humanos, missão da escola, perspectiva dos cursos entre outros.
Todos esses indicadores de qualidade devem considerar o tamanho da escola, à
sua matricula, os turnos de funcionamento e as condições de otimização do uso dos
espaços e do tempo escolar (CARNEIRO, 1998).
Além das condições acima citadas, a necessidade de se prever recursos
financeiros mínimos para manutenção das escolas que devem considerar não
apenas a matricula escolar e as condições gerais físicas da escola mais um conjunto
de necessidades que envolvem a comunidade escolar que deve prestar contas dos
gastos dos recursos públicos.
174
Finalmente, apesar das conquistas ainda se tem muito caminho a percorrer
para alcançar a tão almejada educação de qualidade e inclusiva. Apresentamos
ainda um conjunto de demandas que sem dúvida alguma ainda estão por ser
conquistadas e que para isso aconteça faz-se necessário a participação efetiva da
sociedade para o alcance dessas demandas e por outro lado que o Poder Público
continue criando um terreno fértil e germinando o exercício da democracia
participativa. Pois é assim que definitivamente juntos Estado e sociedade civil farão
sonhos tornarem-se realidades. Mas com a certeza, que ainda se tem muito que
enfrentar pela frente, ainda muito que se investir para que a autonomia das
comunidades garanta a permanência de ações com inclusão e sucesso.
175
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