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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
VALDIR DA SILVA OLIVEIRA
O ANARQUISMO NO MOVIMENTO PUNK:
(Cidade de São Paulo, 1980-1990).
MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
VALDIR DA SILVA OLIVEIRA
O ANARQUISMO NO MOVIMENTO PUNK:
(Cidade de São Paulo, 1980-1990).
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
História sob a orientação da Profª.
Doutora Maria do Rosário Cunha
Peixoto.
SÃO PAULO
2007
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Banca Examinadora
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4
Agradeço a minha companheira, esposa e mulher Kida que teve paciência,
colaborando com sugestões, me suportando e auxiliando nos momentos difíceis.
Aos amigos Marcão, João Paulo e Téia pela contribuição nos longos momentos de
debates e discussões. Aos amigos e amigas do Movimento Bota pela longa
caminhada de aprendizagem. Ao Antonio Carlos, Orlando e Fábio que gentilmente
me concederam depoimentos valiosos. Ao Lopes pela revisão do trabalho. A
professora Doutora Maria do Rosário Cunha Peixoto pela eficiência na orientação.
A banca de qualificação pelas valiosas contribuições e a todas as pessoas que
ajudaram para que essa pesquisa se concretizasse.
Dededico este trabalho ao meu Pai Genival, a minha Mãe Alice e a meus
irmão e irmãs: Valdemar, Vera, Valdirene, Vanda e Walter que acreditaram em
mim e permitiram que eu estudasse.
5
RESUMO
“O anarquismo no movimento punk: cidade de São Paulo (1980-1990)”.
A presente dissertação partiu de minhas inquietações vivenciadas na década
de 1980. Morando no Parque São Rafael, Zona Leste da cidade de São Paulo, pude
presenciar, cotidianamente, a mobilização punk que emergia com força e vitalidade
na cidade.
No entanto, o que mais me chamava atenção era o pequeno, mas crescente,
engajamento do movimento punk com o anarquismo. Manifestado em suas práticas
e experiências no processo de ocupação e vivências nos espaços e territórios da
cidade.
O objeto de pesquisa desse trabalho é refletir, discutir e estudar o anarquismo
no movimento punk, suas incursões políticas, sociais e culturais na metrópole
paulistana. Para isto, utilizamos como fontes os próprios discursos dos
remanescentes punks da época pesquisada, através de relatos, textos e artigos
publicados nos fanzines (meio de comunicação dos punks), cartas trocadas entre os
integrantes do movimento e entrevistas com punks do período abordado, onde
analisamos as tensões e disputas dos punks enquanto memória de vidas e lutas.
Procuramos dar voz e visibilidade aos sujeitos históricos que interagiram,
vivenciaram, discutiram e refletiram sobre o anarquismo no movimento punk, na
década de 1980.
O campo da memória foi abordado com a compreensão de que os punks são
sujeitos sociais que interagem uns com os outros e com a sociedade como um todo.
Compreendendo que essas interações estão permeadas de lutas, resistências e
interferências na busca de referências identitárias nos espaços urbanos da cidade.
Esperamos ter contribuído para o debate, as discussões e reflexões sobre o
anarquismo no movimento punk. Entretanto, esta dissertação não apresenta
conclusões e sim sondagens de caminhos que interagem uns com os outros. Pois o
ideal punk de uma sociedade anarquista, onde não haja nenhum tipo de dominação
e exploração, ainda persiste na postura e atitude de vários grupos denominados
anarco-punks que continuam seu protesto nas ruas e praças da cidade de São Paulo.
Palavras-chave: Anarquismo, Movimento Punk, Movimentos Juvenis.
6
ABSTRACT
“Anarchism in the punk movement: São Paulo city (1980-1990)”
The present work comes from my experiences and concerns with the decade
of the 1980’s. When living at Parque São Rafael, a district located on the east side
of São Paulo city, I had the opportunity to witness the punk movement that grew in
the city.
Nevertheless, what really called my attention was the little, but growing,
commitment to the punk movement with anarchist ideas which were expressed by
its practices and experiences.
The main aim of this reasearch is to analyse, discusss and study the
anarchism in the punk movement, taking into account its political, social and
cultural characteristics in São Paulo city.
In order to analyse it, the study is based on documents, texts, enterviews,
letters, articles and fanzines published by punk members of the studied historical
period.
We tried to give voice and visibility to historical individuals which actively
integrated the punk movement and had relation to anarchist ideas in the decade of
the 1980’s.
We also bared in mind that the punks are social individuals living and
interacting in society. It is known that those interactions are marked by struggles,
resistance and interference in their search for indentity references in the city.
So our intention is to make a contribuition to the debate and discussion about
anarchism in the punk movement. This study does not include conclusions but
discusses the ways and interactions in the punk movement related to anarchism as
they aimed at an anarchist society.
That attitude is still alive in many groups called anarcho-punks which
continue their protests in São Paulo.
Keywords: anarchism, punk movement, young movement.
7
SUMÁRIO
Lista de abreviaturas e siglas............................................................................................................................ 08.
Introdução..........................................................................................................................................................09.
Biografia dos depoentes (História Oral)...........................................................................................................31.
I – Um Novo Grito de Rebeldia: Nasciam os Punks.........................................................................................33.
II – Praticas do Movimento Punk na Cidade de São Paulo...............................................................................63.
III – Anarquia e Movimento Punk.....................................................................................................................90.
Fontes................................................................................................................................................................129.
Acervos................................................................................................................................131.
Referências Bibliográficas...............................................................................................................................132.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI-5 – Ato Institucional nº5.
AIT – Associação Internacional do Trabalho.
CCS – Centro de Cultura Social.
CCCS – Centre for Contemporary Cultural Studies.
CEDIC – Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro
dos Reis Filho”.
COB – Confederação Operária Brasileira.
CPC – Centro Popular de Cultura.
ETAL – E.E. Tarciso Álvares Sobo.
MPA – Movimento Punk Alternativo.
NCP – Núcleo de Consciência Punk.
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
SESC – Serviço Social do Comércio.
UGT – União Geral dos Trabalhadores.
UNE – União Nacional dos Estudantes.
9
INTRODUÇÃO
A presente dissertação parte de minhas inquietações vivenciadas na década
de 1980. Morando no Parque São Rafael, região de São Mateus, periferia da Zona
Leste da cidade de São Paulo, pude presenciar, cotidianamente, as vivências e
experiências do “movimento punk”
1
que emergia com força e vitalidade na cidade.
No Parque São Rafael da década de 1980, as opções de lazer, principalmente
para os “jovens”,
2
eram poucas. Freqüentávamos as quermesses na “Igreja São
Marcos”
3
nos períodos de festa junina, organizávamos festinhas na casa de amigos
nos finais de semana, jogávamos futebol nos campinhos improvisados em terrenos
baldios e na “escola”,
4
muitas vezes íamos a festas na “Sociedade Amigos do
1
Movimento juvenil, de contestação musical e comportamental, que surgiu na Inglaterra e Estados Unidos na década
de 1970 e no Brasil na segunda metade de 1970. “[...] movimento ligado a uma faixa da juventude que continuou e
continua rebelando-se contra a hipocrisia, a complacência, o conformismo, o tédio e contra um mundo baseado em
pompa e privilégio, no qual o jovem tem pouca chance de manifestar-se e os jovens das classes mais baixas menos
chance ainda. [...] Não importa que pareçam diferentes entre eles, os contestadores das ruas, os escapistas e os
anarquistas, todos fazem parte de um movimento que deflagra uma rebelião adolescente. A primeira regra do punk é
que não existem regras. Punk é quebrar regras e não criá-las. É não estar preocupado em usar a roupa certa ou dizer
os clichês certos, mas pensar por si mesmo. Punk é liberdade de palavra e espaço para mover-se”. Por Gary Bushell,
editor da revista – Punk’s Not Dead – 1981. In: BIVAR, Antonio. O que é punk. 4º edição. São Paulo, Ed.
Brasiliense, 1998. p. 84,85 e 86.
2
Trabalhamos a idéia de jovem e juventude, analisando sua diversidade na cidade, enquanto categoria constituída
historicamente.
3
Igreja São Marcos (católica) – Rua Prof. Ciro Formícola, nº 17. Parque São Rafael. Zona Leste – São Paulo.
4
E.E. “André Nunes Junior” – Rua Salvador de Paiva, 145. Parque São Rafael – Zona Leste de São Paulo.
10
Bairro”
5
e no “Salão de Festas Pedro Sertanejo”.
6
Nesses espaços de sociabilidade
no bairro, comecei a perceber grupos juvenis com jaquetas pretas, coturnos ou tênis
cano longo, cabelos curtos ou espetados, calças pretas, correntes e alfinetes
pendurados nas roupas e pelo corpo, um visual surrado, rasgado e agressivo - eram
os “punks”.
7
Apesar de não ter sido punk, meu contato com eles era estabelecido através
de amigos e vizinhos que aderiram ao movimento. No entanto, o que mais me
chamava atenção era o pequeno, mas crescente, engajamento do movimento punk
com o “anarquismo”.
8
atestado, entre outras coisas, pelo uso em suas indumentárias
da letra “A” dentro de um círculo, significando “anarquia”
9
e pela negação das
instituições (públicas ou privadas) que representam o poder.
5
Sociedade Amigos do Bairro Parque São Rafael – Rua Clemente Falcão, nº 17. Parque São Rafael – Zona Leste de
São Paulo. No salão dessa entidade aconteciam vários eventos, tais como: festas de casamentos e de aniversários,
cursos (artes marciais, tricô, crochê, etc) e shows punks.
6
Salão de festas Pedro Sertanejo – Rua Gruqueamas s/n. Parque São Rafael.
Único salão de baile do bairro, onde o forró varava noite adentro. De vez em quando, encontrávamos alguns punks
no salão. Atualmente, nesse local funciona uma igreja evangélica.
7
Sobre a palavra punk, no Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, temos a seguinte definição: Membro de
movimento não-conformista surgido na Inglaterra ao final dos anos 1970 que adota diversos sinais exteriores de
provocação, por completo desprezo aos valores estabelecidos pela sociedade.
8
“Do ponto de vista histórico, o anarquismo é a doutrina que propõe uma crítica à sociedade vigente; uma visão da
sociedade ideal do futuro e os meios de passar de uma para a outra. [...] o anarquismo preocupa-se, basicamente, com
o homem e sua relação com a sociedade. Seu objetivo final é sempre a transformação da sociedade; sua atitude no
presente é sempre de condenação a essa sociedade, mesmo que essa condenação tenha origem numa visão
individualista sobre a natureza do homem; seu método é sempre de revolta social, seja ela violenta ou não”. In:
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – V. 9. 1: A idéia. Porto Alegre: L&PM,2002.
p. 7.
9
“Na linguagem popular, anarquia é sinônimo de caos. [...] Anarchos, a palavra grega original, significa apenas
‘sem governante’ e, assim, a palavra anarquia pode ser usada tanto para expressar a condição negativa de ausência de
governo quanto à condição positiva de não haver governo por ser ele desnecessário à preservação da ordem”. In:
WOODCOCK, 2002. p.8.
11
Tive, então, a oportunidade de conviver e interagir com práticas juvenis de
contestação ao “sistema”,
10
protestos expressos no visual, na música e no
comportamento, a princípio “niilista”,
11
caracterizando um primeiro momento do
movimento (1977-1985), no qual predominaram aqueles punks que queriam
destruir tudo, acabar com tudo, e que diziam nada ter sentido na vida.
“Ser punk é ser contra tudo o que nos é imposto, ser rebelde, não dar valor nem à própria vida; é
ser contra o sistema, o governo e um modo de vida fabricado. Punk é ser podre, é ser tóxico-humano, é ser
contra tudo e todos. Punk não é aquele que se veste mal, e sim aquele que sabe por que se veste mal”.
12
Nesse depoimento, a idéia punk de ser contra tudo o que é imposto pelo
governo e pela sociedade vai se concretizando em uma prática que se expressa no
modo de se vestir sujo, rasgado, denunciando a sujeira e as mazelas sociais. Ao
adotar essa atitude, os punks assumem uma postura de extrapolação das
10
“Sistema é um conjunto de pensamentos, teses ou doutrinas, desenvolvidas articuladamente e formando uma
unidade teórica”. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Ed.
Jorge Zahar, 1996. Quando os punks falam de combate ao sistema eles estão se referindo ao sistema capitalista e suas
instituições políticas, econômicas, sociais e culturais.
11
Niilismo, palavra que vem do francês nihilisme e que significa, segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio –
Século XXI: 1. Redução a nada; aniquilamento; 2. Descrença absoluta; 3. Filosofia: Doutrina segundo a qual nada
existe de absoluto; 4. Ética: Doutrina segundo a qual não há verdade moral nem hierarquia de valores; 5. Política:
Doutrina segundo a qual só será possível o progresso da sociedade após a destruição do que socialmente existe.
12
Depoimento de Arnout, ex-punk do grupo Punkid’s – Pq. S. Rafael (Z/L – SP) – entre 1982 e 1983. Conforme
documento (nº V – 76) – CEDIC – PUC/SP (Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos
Reis Filho”). Nos documentos, não encontramos mais informações sobre o depoente. No decorrer do trabalho,
teremos várias fontes apresentando essa defasagem de informações, pois, a princípio, os punks não se preocupavam
em preservar sua memória. Essa prática tem influência desse primeiro momento “niilista” do movimento.
12
convenções sociais, criando uma sensação de exterioridade em relação à sociedade
na qual vivem.
Nesse primeiro momento, “nos anos iniciais dos punks brasileiros, um amplo
setor do movimento entendia o anarquismo muito mais pelo seu sentido pejorativo
de desordem, descontrole, bagunça, caos, etc...”.
13
Os punks viviam um processo de
dispersão, “no sentido de ser apolítico, não participante da política (mais a fim de
música, do som, etc.)”.
14
Após 1985, analisamos um segundo momento de estruturação do movimento
punk ou “essa outra vertente que se pode chamar de anarquista”.
15
Momento em
que o movimento vai se articulando e se organizando de forma mais consistente,
com participação em manifestações como o “boicote às multinacionais”,
16
a
chamada para o “vote nulo, faça de seu voto sua revolta”,
17
e a união de punks e
13
Caderno nº 1 do CCS (Centro de Cultura Social) p. 3. Nesse caderno, na mesma página, encontramos informações
constando “que o CCS não é um espaço de anarquistas, um aparelhão, é uma casa de cultura, fundada em 1933 por
trabalhadores de orientação “anarco-sindicalista” e que interrompeu suas atividades várias vezes devido a inúmeras
ditaduras. Foi fundado por trabalhadores anarco-sindicalistas, porém desde então é um espaço livre, aberto a todos,
desde que de acordo com seus estatutos”. Segundo Costa, o anarco-sindicalismo (do final do século XIX e início do
XX) considera a greve geral (organizada pelos sindicatos dos trabalhadores) como o supremo instrumento estratégico
revolucionário (COSTA, 1985).
14
Caderno nº 1 do CCS (Centro de Cultura social) p. 3.
15
Entrevista, Revista Kaprikórnio Vintetres – Morumbi – S.P. (1985), com Helen Rose Pedroso, cientista social e
autora de um trabalho (ver bibliografia) sobre o movimento Punk, publicado pela UNICAMP.
16
Manifesto M.P.A. (Movimento Punk/Alternativo) nº 1, nov. 1989 (não temos a autoria deste documento). Doc.
Disponível no CEDIC-PUC/SP.
17
Idem. Ibidem.
13
anarquistas contra o imperialismo, conforme matéria publicada no “Jornal do
Brasil” em dezembro de 1987.
18
Nesse processo de politização e organização do movimento, a montagem de
bandas punks e a produção de eventos musicais e “fanzines”
19
terão papéis
preponderantes. Eram em eventos musicais, como o show “Começo do Fim do
Mundo” (SESC Pompéia, 1982), onde punks de todas as regiões de São Paulo se
reuniam, trocavam idéias, informações e experiências. Nesses eventos, circulavam
os fanzines, panfletos e manifestos punks. Vejamos o que diz Antonio Bivar sobre
a organização do evento citado:
“A esta altura de setembro os punks já estão preparando o primeiro festival do movimento: dois dias no fim
de novembro. Sábado e domingo, no SESC da Pompéia. Mais de 20 bandas tocarão (15 minutos cada uma),
o ingresso será franqueado a todos, punks e não-punks, haverá exposição de fotos, projeção de filmes e
vídeos sobre eles, mostra dos desenhos de Meire Martins (uma punka), as bandas já estão providenciando
camisetas com estampas dos grupos, e mais botões, discos, fanzines (A Punk Rock armará uma barraca) e
um LP comemorativo, com uma faixa para cada banda. Nome do festival: ‘O Começo do Fim do Mundo’.
Os organizadores esperam que, então, os punks mais atiçados se comportem e que tudo corra bem”.
20
18
Jornal do Brasil – 1º caderno – Segunda-feira, 7/12/1987. Em matéria intitulada: “Anarquistas e ‘punks’ reúnem-se
contra imperialismo em S. Paulo”.
19
“Fanzine é a junção das palavras fan (de fã, em português) com magazine (revista, em inglês). Fanzine: uma revista
do fã, feita pelo fã e para o fã”. In: BIVAR, 1982. p. 51. O fanzine era um dos meios de comunicação dos punks.
20
BIVAR, 1982. p. 105.
14
O show foi realizado tal como menciona Antonio Bivar e o seu livro – O que
é punk – também foi lançado nesse festival. Apesar de algumas brigas fora e dentro
do SESC, o evento foi importante para os punks, pois conseguiu demonstrar para a
opinião pública a força e mobilização do movimento na cidade.
Como define “Antonio Carlos”,
21
que vivenciou o movimento punk na
década de 1980, havia por um lado os punks cavernas, aqueles que estavam no
movimento por “embalo”, modismo, confundindo o punk com vandalismo,
violência e bagunça, e por outro lado os punks verdadeiros que compreendiam o
movimento punk enquanto contestação e protesto político, econômico, social e
cultural, levantando a bandeira do anarquismo e tentando compreendê-lo e praticá-
lo.
Compreendemos a postura de Antonio Carlos, em separar punks cavernas e
verdadeiros, como um processo de disputas internas no movimento e uma tentativa
de manter a contestação e o protesto punk. No entanto, preferimos analisar o
movimento punk com suas disputas e tensões internas sem o julgamento de
verdadeiros ou falsos, numa perspectiva de compreender os sujeitos no seu fazer-
se, nas suas experiências. Para nós, todo comportamento punk é contestador.
21
Entrevista (concedida ao autor em 20/07/2006) por Antonio Carlos de Oliveira, que estará disponibilizada no
CEDIC – PUC/SP (Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho”). Antonio
Carlos é formado em História pela PUC/SP, ex-participante do movimento punk (editor de fanzine como o “Anti-
Sistema”) e hoje se declara anarquista. É Prof. Coordenador na Rede Estadual de Ensino de São Paulo e nos forneceu
15
Como pudemos verificar no decorrer de nossa pesquisa, essa vertente punk,
chamada de niilista ou punk caverna, e que preferimos chamar de um primeiro
momento do movimento, predominou até por volta de 1985, período de intensa
mobilização política e social no Brasil. Na segunda metade da década de 80, que
chamaremos de um segundo momento do movimento, os punks, paulatinamente,
vão se organizando política e culturalmente, através da música, da produção de
fanzines (revista do fã, meio de comunicação dos punks) e da aproximação das
idéias anarquistas.
No entanto, tanto no primeiro, como no segundo momento, havia uma
diversidade de posturas e ações. “A turma pensava que era anarquia, que era fazer
uma revolução, brigar com militar, passeata, mas não era só isso, o meu objetivo
era pura e simplesmente musical”.
22
Essa fala, de um integrante de uma banda,
expressa a diversidade de atuações do movimento punk.
As análises e reflexões sobre as diversas fontes e bibliografia, permitem a
compreensão do movimento histórico em que os punks, em seu primeiro momento,
ainda no bojo da “ditadura militar”,
23
confundiam anarquia com bagunça e
um vasto material e reflexões sobre o movimento punk. Publicou, entre outros, o livro “Os fanzines contam uma
história sobre os punks”. Rio de Janeiro: Ed. Achiamé, 2006.
22
Depoimento de Valson – banda punk “AI-5” – Documentário: “Botinada! A origem do punk no Brasil” (2006).
23
Instaurada no Brasil em 1964 onde governos militares se sucederam no poder implementando um regime
autoritário que perdurou até 1984.
16
modismo, e um segundo momento, pós “diretas já”,
24
onde vão tentando estruturar
o movimento em torno dos ideais anarquistas, ocorrendo, dessa forma,
transformações do movimento, influenciadas pelo contexto histórico, no decorrer
do tempo. São vistos aqui enquanto movimento social de resistência ao “sistema”.
25
Indo contra as imposições do capitalismo, contestando a ordem estabelecida e
propondo uma nova forma de organização social, o anarquismo.
O objetivo de pesquisa deste trabalho é refletir, discutir e estudar o
anarquismo no movimento punk (Cidade de São Paulo, 1980 – 1990). Utilizaremos
como fontes os próprios discursos dos remanescentes punks da época pesquisada,
por meio de relatos, textos e artigos publicados nos fanzines (meio de comunicação
dos punks), cartas trocadas entre os integrantes do movimento e entrevistas com
punks do período abordado, onde analisaremos as tensões e disputas dos punks
enquanto memória de vida e lutas. Pretendemos, então, dar voz e visibilidade aos
sujeitos históricos que interagiram, interferiram, vivenciaram, discutiram e
refletiram sobre o anarquismo no movimento punk na década de 1980.
Além da bibliografia, trabalhamos com 10 depoimentos do “CEDIC-
PUC/SP”,
26
15 depoimentos de jornais e revistas, 06 depoimentos de vídeo, 03
24
Movimento de mobilização política no Brasil pelas eleições diretas para presidente em 1984.
25
Segundo o “Dicionário Básico de Filosofia” (ver bibliografia), “sistema” é “um conjunto de pensamentos, teses ou
doutrinas, desenvolvidas articuladamente e formando uma unidade teórica”. No caso do movimento punk eles
combatem o sistema capitalista e suas instituições políticas, econômicas, sociais e culturais.
26
CEDIC (Centro de Documentação Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho”) – PUC/SP.
17
entrevistas gravadas pelo autor, 12 relatos não gravados pelo autor, 04 cartas
enviadas ao Núcleo de Consciência Punk (NCP), 05 manifestos punks e 05 fanzines
punks.
Segundo Terry Eagleton, “aquilo que ocupa uma posição oblíqua à sociedade
como um todo – o marginal, louco, desviante, perverso, transgressor é o mais fértil,
politicamente”.
27
A transgressão da ordem, o ir contra o sistema, faz parte do
caminho escolhido pelos punks para a realização do seu projeto político, o
anarquismo. Ainda, segundo Eagleton, “há poucas outras tarefas mais honrosas
para estudantes da cultura do que ajudar a criar um espaço no qual o descartado e
ignorado possa encontrar uma língua, uma fala”.
28
É importante estudarmos o
movimento punk enquanto contestador da ordem estabelecida, propondo um novo
projeto político.
A “grande imprensa”,
29
enquanto guardiã da ordem, repudia os movimentos
de contestação. Em algumas matérias da mídia escrita e televisiva, os punks eram
associados a marginais e vândalos.
“Você também vai escrever que os punks assaltam velhinhas no metrô, bebem leite com limão e
são a favor do nazismo e da bomba atômica? A pergunta de Calegari à repórter Miriam Macedo não tinha
27
EAGLETON, Terry. Depois da teoria – um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Tradução de
Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2005. p. 27.
28
Idem. Ibidem. p. 28.
18
nada de ameaçador. Guitarrista da banda Punk rock Inocentes, cabelos curtos, vestes pretas, dezenove anos,
desempregado...”.
30
Calegari, integrante da banda punk Inocentes, relata aqui o que considera a
idéia que a grande imprensa vinha construindo sobre os punks. Ao fazer a pergunta
à repórter, reafirma o que a maioria dos grandes jornais e revistas vinha publicando
sobre eles. Segundo Nelson Wernek Sodré
31
, a grande imprensa brasileira executa a
tarefa de “deformar a realidade, ou de escondê-la”.
32
Todos os meios de comunicação, os “meios de massa e a grande imprensa”,
33
são considerados, segundo o punk Hugo Von Drago, editor do fanzine Lixo
Reciclado, como representantes de interesses que não são favoráveis aos punks, “a
bronca que o punk tem com a grande imprensa é o fato de passar uma idéia errada
[...]. Não procuram se informar, ou quando têm a informação põem de lado, falam
o que querem, e estão a serviço de um sistema que não é muito simpático ao
punk”.
34
29
Nesse trabalho utilizaremos o termo “Grande Imprensa” como um jornal ou uma revista de grande circulação. In:
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4º Edição. São Paulo: Ed. Mauad, 2007.
30
Revista Visão – Caderno comportamento – 24 de janeiro de 1983.
31
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4º Edição. São Paulo: Ed. Mauad, 2007.
32
Idem. Ibidem. Preâmbulo.
33
Nelson Werneck Sodré diz que os “meios de massa” são representados principalmente pela televisão que tem uma
grande penetração, um grande alcance sobre a população. Enquanto que a “grande imprensa” é um meio de não uso
habitual em parcela numerosa de nosso povo. Nossas abordagens, sobre meios de comunicação, irão ao encontro
dessas análises de Sodré. In: SODRÉ, História da imprensa no Brasil. 4º Edição. São Paulo: Ed. Mauad, 2007.
34
Entrevista concedida por Hugo Von Drago (punk, 21 anos, desempregado), ao fanzine: “Lixo Cultural”-Edição
especial do fanzine “Lixo Reciclado”, junho de 1983. Material disponível no CEDIC-PUC/SP.
19
A grande imprensa é um espaço “privilegiado de formulação, articulação e
expressão dos modos de pensar das elites paulistanas”,
35
apresentando uma
discussão superficial sobre o movimento punk, omitindo sua diversidade. A
imprensa, no seu fazer-se, “constitui um campo de disputa extremamente dinâmico
de diferentes projetos sociais”.
36
E o movimento punk não condizia com o projeto
hegemônico de sociedade que a grande imprensa defendia.
Os fanzines, escritos e distribuídos pelos próprios punks, utilizando um de
seus lemas, o “do it yourself” (faça você mesmo), é uma das formas que os punks
tinham para divulgar suas idéias, contrariando e desmascarando a falsa imagem que
a chamada grande imprensa e os meios de massa faziam deles. Tais fanzines eram
datilografados, escritos à mão ou eram recortadas e coladas matérias de outros
fanzines, jornais ou revistas. Tudo era confeccionado de forma criativa e artesanal,
geralmente em folhas de papel sulfite. Quando prontos, eram copiados
clandestinamente nas máquinas copiadoras das empresas onde os punks
trabalhavam, ou os exemplares eram vendidos a preço de custo para cobrir as
despesas.
Nosso trabalho com história oral tem como base teórica os estudos de
Alessandro Portelli, autor que, no artigo “O momento da minha vida: funções do
35
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo: EDUC;
FAPESP; Arquivo do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial-SP, 2000. p 165.
20
tempo na história oral”,
37
reconhece as dificuldades do historiador em manter a
conformidade ou encaixar em um padrão de discurso histórico as narrativas orais,
sem perder suas formas e sentidos. Para Portelli, devemos reconhecer esses fatos e
trabalhar com eles “no nível de nossa escrita, na qual as palavras dos narradores são
apropriadas no texto do historiador e se tornam parte do nosso discurso”.
38
Ainda
para o autor, “o problema não pode ser encarado em termos de pureza – de salvar a
‘autenticidade’ das fontes da ‘infecção’ trazida pelo contato com o historiador”.
39
Portelli defende que:
Essa fusão de discursos e estilos de narrativa não é conseguida simplesmente pela citação das
fontes. É, antes disso, uma questão de modificar nosso procedimento narrativo, nosso próprio modo de
administrar o tempo e o ponto de vista. Que nossa história seja autêntica, lógica, confiável e documentada
como deveria ser um livro de história. Mas que contenha também a história dialógica da sua formação e a
experiência daqueles que a fazem. Que demonstre como os próprios historiadores crescem, mudam e
tropeçam através da pesquisa e no encontro com os sujeitos. Falar sobre o ‘outro’ como sujeito está longe de
ser suficiente, se não nos enxergarmos entre outros e se não colocarmos o tempo em nós mesmos e nós
mesmos no tempo”.
40
36
Idem. Ibidem. p.165.
37
PORTELLI, Alessandro. O momento de minha vida: funções do tempo na história oral. In: ALMEIDA, Paulo
Roberto de; FENELON, Déa Ribeiro; KHOURY, Yara aun; MACIEL, Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias,
outras histórias. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2005, p. 313.
38
Idem. Ibidem.
39
Idem. ibidem. p. 4.
40
Idem. Ibidem.
21
Realizamos três entrevistas, espontâneas e abertas, no trabalho com história
oral. A primeira foi realizada em 20/07/2006 com Antonio Carlos de Oliveira,
morador da Zona Leste de São Paulo, no Bairro Parque São Rafael. Antonio Carlos
mora no referido bairro desde seu envolvimento com o movimento punk na década
de 1980. Era editor de fanzine e, durante o início desta pesquisa, em janeiro de
2005, tomamos conhecimento de sua atuação no movimento, por parte de ex-punks
e de amigos pesquisadores, sobre seu o arquivo punk. A partir daí, tentamos
localizá-lo.
No segundo semestre de 2005, analisando o acervo sobre o movimento punk
no “CEDIC/PUC/SP”,
41
encontramos vários documentos em que apareciam
menções sobre Antonio Carlos. Em um desses documentos, conseguimos localizar
seu endereço. Fiquei surpreso ao perceber que o conhecia, pois morávamos no
mesmo bairro na década de 80. Descobri também que a documentação a qual
estava pesquisando tinha sido doada por ele para o CEDIC. Com os dados em
mãos, entrei em contato e marcamos a entrevista.
Durante o seu depoimento, relembramos, em mais de duas horas de diálogo,
um pouco de nossas experiências no cotidiano do bairro, da história do movimento
punk e do anarquismo. Depois dessa conversa, registrada e transcrita, tivemos
41
CEDIC/PUC-SP – Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho”. Localizado
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Monte Alegre, 984 (sala SB 02). Perdizes – São Paulo.
22
outras não gravadas e trocas de informações complementares sobre o movimento
por e-mail.
A segunda entrevista foi concedida pelo punk Orlando Saltini no dia
19/08/2006. Conheci o Orlando quando fui ao CCS (Centro de Cultura Social) que,
na época, localizava-se na Rua Inácio de Araújo, 191 (sobreloja), próximo à
estação Bresser do metrô (Zona Leste de São Paulo). O CCS estava fechado. Então,
me dirigi até o bar ao lado para pedir informações, foi quando vi Orlando Saltini
com uma camiseta preta da banda punk Ramones. Perguntei se ainda curtia o
movimento punk. Ele respondeu que sim e, assim, estabelecemos contato para uma
possível entrevista.
Entrevistei o Orlando Saltini em janeiro de 2005, em uma calçada da rua ao
lado do bar onde nos encontramos, mas não foi possível transcrever a gravação
devido a problemas no áudio. Desse modo, estabelecemos contato por telefone e
agendamos uma nova entrevista.
Em uma segunda oportunidade, o depoimento ficou mais espontâneo, o
gravador não causou constrangimento, e as informações cedidas pelo depoente
foram de fundamental importância para a realização da pesquisa.
A terceira entrevista foi realizada no dia 16/01/2007 com Fábio, dono da loja
denominada Punk Rock, localizada na Galeria 24 de maio, na região central de São
23
Paulo. A loja era referência para os punks na década de 1980 e ainda continua
sendo até hoje. É local de encontros e compras de produtos punks desde de CDs,
DVDs, até fanzines e camisetas com nomes de bandas punks.
Fábio nos concedeu entrevista em sua loja. Seu depoimento começou um
pouco tímido, talvez pelo motivo de não nos conhecermos, mas deixamos o
gravador discretamente gravando e a conversa foi fluindo, sendo, às vezes,
interrompida por clientes.
Os critérios de escolha dos depoentes tiveram relação com o fato dos
mesmos terem participado do movimento punk na década de 1980 e, também, pela
disponibilidade de tempo para realização das entrevistas. Estabeleci contato com
muitos punks e ex-punks, mas não foi possível conciliar horário e locais para a
coleta dos depoimentos.
No decorrer da pesquisa, tentei preservar a estrutura da oralidade das
entrevistas considerando legítima a norma não culta da expressão oral. Utilizo
também informações de conversas informais - não gravadas, e algumas questões da
minha própria vivência e experiência com o movimento punk.
O campo da memória aqui será abordado de forma a dar visibilidade aos
punks enquanto sujeitos sociais que interagem uns com os outros e com a sociedade
como um todo. Compreendemos que essas interações estão permeadas de lutas,
24
resistências e interferências. Suas narrativas serão confrontadas com outras fontes:
revistas, jornais, cartas e fanzines.
Com relação às outras fontes, é importante citar que, no início da pesquisa
(fevereiro de 2005), tivemos muita dificuldade em garimpá-las, pois era difícil
localizar fanzines e cartas. E uma parcela considerável da grande imprensa que, em
matérias de jornais e revistas, defendia interesses da sociedade hegemônica,
geralmente retratava os punks como marginais, violentos, desordeiros, imundos e
vagabundos, como poderemos constatar no decorrer do trabalho.
Chegamos a pensar em trabalhar apenas com os relatos orais dos
remanescentes punks. Mas, em novembro de 2005, tivemos contato com uma vasta
documentação sobre o movimento punk no CEDIC/PUC-SP. Documentação esta,
organizada, catalogada e doada ao CEDIC por “Antonio Carlos de Oliveira”.
42
Desde então, nossos esforços se concentraram em vasculhar as mais de
quarenta caixas contendo milhares de documentos tais como: fanzines,
informativos, manifestos, cartas e matérias produzidas pela imprensa. Nosso
processo de seleção do material foi pautado em critérios que possibilitassem
reflexões e análises sobre o anarquismo no movimento punk na década de 1980.
As possibilidades de pesquisa no acervo de documentos sobre o movimento
punk no CEDIC foram de fundamental importância para a realização desta
25
pesquisa. Tais possibilidades apontavam também alguns limites, como nos diz
Antonio Carlos de Oliveira, organizador do arquivo punk:
“O mérito por ajuntar esse material não é meu, é de muitas pessoas, [...] de muitos punks em todo o Brasil e
alguns do exterior com quem mantive intensa correspondência. Foram todos esses punks com quem me
correspondi durante muito tempo e troquei muito material que forneceram a maior parte do material do
arquivo. Infelizmente joguei fora caixas cheias de correspondências, do Brasil e do exterior, principalmente
por desconhecer a sua importância. [...] Muitas reportagens ou mesmo alguns fanzines estão sem algum
item importante para sua identificação. Ocorria na maioria das vezes quando ia recortar o artigo de um
jornal ou revista, simplesmente recortava o que queria, negligenciando a identificação, por isso em alguns
documentos faltam datas, locais de origem e às vezes até título”.
43
Por esses motivos, alguns documentos utilizados na dissertação apresentam
dificuldades de identificação, seja por falta de títulos, de datas e locais de origem e
até por ausência de autoria. Apesar das dificuldades e algumas defasagens de
ordem técnica, Antonio Carlos contribuiu e está contribuindo para a preservação da
memória punk em São Paulo.
Estamos analisando aqui um movimento histórico em que os sujeitos sociais,
no caso os punks, com suas semelhanças e diferenças, articulam práticas sociais
que geram tensões, mudanças e transformações, que por sua vez, constituem outros
42
Antonio Carlos de Oliveira é graduado em História pela PUC/SP e nos concedeu entrevista (dia 20/07/2006).
43
Documento de Antonio Carlos de Oliveira referente à Relação do Material do Arquivo Punk. CEDIC/PUC-SP.
26
sujeitos sociais. Nossas fontes são a expressão desses sujeitos em suas relações e
articulações com o presente, o passado e o futuro.
As buscas de compreensão das práticas sociais de diferentes sujeitos nos
remetem à incorporação de novas fontes. A cultura é concebida como uma forma
de luta e modos de vida prática dos vários agentes sociais. Nesse sentido, busca-se
realizar uma história sócio-cultural, das tensões, distensões, práticas, ações,
reações, construções sociais e culturais do movimento punk na Cidade de São
Paulo (1980 – 1990) e suas relações com o anarquismo. Interessa-nos, portanto, as
análises e reflexões sobre os punks que se consideravam anarquistas.
Ressaltamos a contribuição de Stuart Hall para os estudos culturais onde, em
1964, participou da fundação do “Centre for Contemporary Cultural Studies”
(CCCS). “Foi no período sob a direção de Stuart Hall, de 1968 a 1979, que se
consolidaram os Estudos Culturais a partir de uma preocupação política e do
projeto de colocar em bases teóricas mais sólidas as leituras de ‘textos’ da cultura,
que incluíam”, entre outras temáticas, “as subculturas” (contraculturas)
44
“juvenis
britânicas (leia-se teds, mods, skinheads, rastas) às vésperas do movimento punk”.
45
44
Quando falamos em contracultura estamos nos referindo “a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo
espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente de caráter profundamente radical
e bastante estranho às formas mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica
anárquica.” In: PEREIRA, Carlos Messeder. O que é contracultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983.
45
HALL, Stuart. Da diáspora – identidades e mediações culturais. Liv Sovik (Org.). Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2003. p. 11.
27
A produção cultural dos punks na década de 1980 em São Paulo emerge dos
testemunhos escritos (fanzines, cartas, letras musicais) e testemunhos orais
impressos nas entrevistas. Os punks estabeleciam territórios e formas de
sociabilidade em espaços públicos da cidade, resignificando seus usos,
experienciando “relações de solidariedade e práticas de resistências: ao transformar
os espaços, as pessoas transformavam-se pelo estabelecimento de novos códigos de
existência social e de comportamento, isto é, novas formas de vida”.
46
Era dessa maneira que os punks se reuniam na “Galeria 24 de Maio” (Rua 24
de Maio, nº 36) e no “Metrô São Bento”, ambos no centro da Cidade de São Paulo.
Reuniam-se também em diversos outros lugares da “periferia da cidade”,
47
principalmente em salões das “associações de moradores” como na Sociedade
amigos do Bairro Parque São Rafael na Zona Leste, no Salão Construção
(Sociedade Amigos do Bairro Vila Masei) Zona Oeste e no Salão denominado
Templo (Associação de Surdos e Mudos) na Vila Carolina, Freguesia do Ó, Zona
Norte e em “escolas públicas” como a ETAL (E.E. Tarciso Álvares Sobo) também
na Vila Carolina.
46
AZEVEDO, Amailton Magno. No ritmo do rap: cotidiano e sociabilidade negra – São Paulo (1980-1997).
Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 2000.
47
Refletimos e analisamos a Cidade de São Paulo como um todo, um lugar da pluralidade e da diferença, rompendo
com a idéia de dicotomia (cidade/periferia). Compreendendo essa dicotomia enquanto divisão política e cultural onde
os bairros mais distantes do centro da cidade (periferia) apresentam defasagens e carências de infra-estrutura material
urbana. Nesse sentido, a cidade será compreendida como lugar onde as transformações ocorrem, como fruto de
relações sociais que se estabelecem entre os mais variados segmentos sociais, fazendo emergir as múltiplas
contradições que se encontram presentes no urbano.
28
Nesses espaços públicos, eram realizados e organizados eventos musicais,
reuniões e encontros ocasionais, proporcionando a troca de idéias, experiências e
socialização de materiais, tais como panfletos de outros eventos punks na cidade,
fanzines e manifestos. Dessa forma, eram estabelecidas redes de comunicação e
estratégias práticas de resistência e mobilização do movimento punk na cidade.
A delimitação espaço/tempo tem relação com a explosão punk que toma
conta de São Paulo por volta de 1977, e que teve seu auge e efervescência na
década de 1980. Como diz Bivar, “por ser a maior cidade do país, [...] é nela que se
tem acesso a um número maior de informações e”, por ter uma vida urbana mais
acentuada, iremos ter as condições adequadas para a eclosão de “um movimento de
rebeldia jovem urbana, como é o caso do punk”.
48
“Destrua o sistema, antes que ele o destrua. Liberdade – criatividade – anarquia – isto me lembra a
‘juventude’ em luta para a conquista de um país sem Estado, no qual as pessoas se auto-governam, e essa
juventude rebelde que luta para obter esse objetivo, que a maioria da população não apóia, são os:
PUNKS”.
49
As palavras desta carta expressam o engajamento de jovens, que se
autodenominavam rebeldes, com as idéias de anarquia e com uma proposta de
48
BIVAR, Antonio. O que é punk. 1º ed. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982.
29
autogestão. Expressam também o estabelecimento de relações entre diferentes
sujeitos nas diferentes regiões da Cidade de São Paulo, ou seja, Creonice, moradora
do Butantã, na Zona Oeste, remeteu a carta para o “Núcleo de Consciência Punk”-
espaço de discussões e difusão do movimento punk - na região do Itaim Paulista,
Zona Leste. Analisar e discutir as relações estabelecidas entre os punks das diversas
regiões da cidade e o seu engajamento com as idéias anarquistas faz parte de
minhas preocupações com a delimitação espacial da pesquisa.
No primeiro capítulo, intitulado: “Um novo grito de rebeldia: nasciam os
punks” – iremos refletir sobre a idéia de diversidade juvenil no decorrer da história,
principalmente no século XX, tentando sempre elucidar a condição dos
movimentos de contracultura, até a eclosão do movimento punk e seus ideais
anarquistas, no final da década de 1970 na cidade de São Paulo.
“Práticas do Movimento Punk na Cidade de São Paulo” é o título do segundo
capítulo. Nele, refletiremos sobre onde e como o movimento surgiu, quais seus
protagonistas, culminando com as vivências, experiências e práticas sociais e
anarquistas dos punks na cidade e suas relações com outros sujeitos e a sociedade.
Seguindo nossa dissertação, no terceiro capítulo – “Anarquia e Movimento
Punk”, discutiremos e aprofundaremos a temática do anarquismo no movimento
49
Carta de Creonice, moradora do bairro de São Domingos – Butantã/SP, para o “Núcleo de Consciência Punk”
(liderado pelo punk Gurgel): uma organização que discutia e disseminava os ideais do movimento punk localizada
30
punk, utilizando principalmente os conteúdos dos fanzines produzidos pelos punks,
os depoimentos orais e as cartas que eles trocavam uns com os outros.
As fontes, então, são trabalhadas como expressão da ação de sujeitos, numa
rede de acontecimentos e relações permeadas de valores e tensões. Indagaremos
então sobre as condições históricas de produção das fontes.
A partir da sondagem das fontes, acervos e bibliografia proposta,
acreditamos ser possível realizar as ponderações a seguir, que incluem, também,
nossas problematizações específicas. Entretanto, o que segue não são conclusões e
sim sondagens de caminhos que interagem uns com os outros.
no Jd. Das Oliveiras – Itaim Paulista/SP. Documento disponível no CEDIC-PUC/SP.
31
BIOGRAFIA DOS DEPOENTES
(HISTÓRIA ORAL)
Antonio Carlos de Oliveira: É formado em História pela PUC-SP, ex-participante
do movimento punk, onde era editor dos fanzines “Anti-Sistema” e “Aborto
Imediato para o Renascer de um Novo Espermatozóide”. Desde a década de 1980,
quando atuou no movimento punk, mora no Parque São Rafael – São Mateus, Zona
Leste da Cidade de São Paulo. Atualmente, declara-se anarquista e é Professor
Coordenador na Rede Estadual de Ensino de São Paulo. Foi organizador e doador
do arquivo sobre o movimento punk para o CEDIC/PUC-SP, e nos forneceu um
vasto material e reflexões sobre os punks e o anarquismo. Publicou, entre outros, o
livro - “Os fanzines contam uma história sobre os punks”. Rio de Janeiro: Editora
Achiamé, 2006.
Orlando Saltini: Atualmente é bancário, morador do bairro Bresser na Zona Leste
da Cidade de São Paulo. Considera-se punk desde 1977. Quando nos concedeu
entrevista em 19/08/2006, tinha 47 anos de idade e faz questão de dizer que é punk
até hoje.
32
Fábio R. Sampaio: Atualmente é dono de uma das lojas de produtos punks mais
importantes para o movimento punk em São Paulo, localizada na rua 24 de maio na
região central da cidade. Organizou vários eventos punks e é integrante da banda
punk “Olho Seco”.
33
I – UM NOVO GRITO DE REBELDIA: NASCIAM OS PUNKS
“Nós estamos aqui para revolucionar a música popular
brasileira: para pintar de negro a asa branca. Atrasar o trem das
onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da
Amélia uma mulher qualquer.”
(Manifesto de Clemente, integrante da banda punk Inocentes)
50
Abordaremos as noções de juventude com o entendimento de que são
constituídas e construídas historicamente, e que variam de cultura para cultura.
51
Falar em juventude implica considerar que não há uma homogeneidade capaz de
dar conta do social como um todo e que ela expressa uma pluralidade de expressões
e de experiências sociais.
Paulo Sérgio do Carmo destaca que “as reflexões sobre o jovem e suas
manifestações específicas intensificaram-se na década de 50 do século XX. Tal
destaque deve-se à sua relativa autonomia com relação aos pais, ao alongamento do
50
Revista Planeta – nº 128 – Maio de 1983.
51
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora Flaksman. Rio de janeiro: Ed.
Guanabara, 1984.
34
período escolar e ao adiamento da entrada para a vida adulta e o mundo do
emprego”.
52
Porém, quando falamos da autonomia em relação aos pais, do alongamento
do período escolar e adiamento da entrada no mundo do emprego, estamos nos
referindo a uma juventude privilegiada, cujas condições econômicas assim o
permitiam. A maioria dos jovens punks da cidade de São Paulo, no período
abordado, lutava para sobreviver, tendo muitas vezes que encurtar a permanência
nos bancos escolares em função do trabalho. “[...] historicamente, trabalho, para
esses jovens, significava exploração, inutilidade, subserviência”.
53
Vejamos o que
disse “Falcão”
54
em palestra sobre o movimento punk proferida em dezembro de
1987:
“Teve uma época que era melhor ficar desempregado do que ganhar 3 ou 4 mil cruzados,
trabalhando 8 horas por dia, para não ter compensação nenhuma, preferia ficar desempregado. [...] Outro
problema é que muitos punks abandonam a escola muito cedo, com 10 ou 12 anos tem que trabalhar, o pai e
a mãe não conseguem dar uma alimentação adequada ou comprar caderno, então ele para de estudar”.
55
52
CARMO, Paulo Sérgio do. Cultura da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Senac, 2001.
53
LEITE, Ligia Costa. A razão dos invencíveis: meninos de rua – o rompimento da ordem (1554-1994). Rio de
Janeiro: Editora UFRJ/IPUB,1998. p.51.
54
Marcos Falcão era estudante de história na USP (década de 80) e integrante da banda punk “Excomungados”.
55
Palestra proferida (em 05/12/1987) no CCS (Centro de Cultura Social), uma casa de cultura, de orientação anarco-
sindicalista, fundada em 1933 por trabalhadores, e que, teve que interromper suas atividades no decorrer das
inúmeras ditaduras que assolaram o Brasil. O CCS foi refundado em Abril de 1985, sendo um espaço de discussões
libertárias. Essa palestra foi organizada por punks e militantes da CCS.
35
Apesar do palestrante não citar a época em que esses jovens brasileiros
ficavam na condição de sair da “escola”
56
por causa das dificuldades econômicas,
tendo muitas vezes que se submeter a empregos degradantes e mal remunerados
para ajudarem na economia doméstica, ou melhor, para não passar fome, podemos
supor que Falcão está se referindo aos jovens pobres moradores das periferias da
cidade de São Paulo (Zonas Norte, Sul, Leste e Oeste) na década de 1980, pois esse
é o período por ele abordado na palestra. Outra questão, levantada por Marcos
Falcão, é o fato de muitos jovens preferirem o desemprego a ganhar salários
miseráveis. Nesses casos, o jovem ficava sem emprego e sem escola. Muitos desses
jovens aderiram ao movimento punk.
“Não sou nem eu que to te dizendo não, se você for ler nos fanzines, na literatura, é essa a resposta,
n/é?! ‘O que te atraiu no movimento punk?’ Aí assim, quando a gente fala de exclusão, a exclusão diz
respeito à uma forma de vestir, a essa coisa do dançar, aos espaços que você freqüenta, ao tipo de pessoa
que você é, ao tipo de família que você tem, a maioria dos punks com quem eu convivi tinha um alcoólatra
em casa, o número de famílias desestruturadas ou em vias de se desestruturar era muito grande, então, não é
a família bonitinha, tranqüila, legalzinha, não era , n/é meu? [...] Mas acho que pra nós a coisa pegava mais
ainda por essa questão tanto do alcoolismo, da violência, da exclusão, de não conseguir se enquadra naquele
esquema que tava ali, tanto é que antes do movimento punk eu gostava de samba e gostava de soul, não
56
Em 1980, a população brasileira em idade escolar (de 7 a 14 anos) era de 22 968 515, da qual 7 540 451 não
freqüentavam escola (cerca de um terço). Na área rural este índice de exclusão aumenta para metade (4 816 806 em
um total de 9 229 511). (Dados do Censo de 1980, FIBGE).
36
gostava de discoteca, porque eu me identificava mais com a coisa do negro do que com, pô, chega ali e ficar
rebolando no salão, naquela coisa assim muito, não tinha muito a ver comigo...”.
57
O depoente Antonio Carlos atribui a atração dos jovens para o movimento
punk a fatores múltiplos: problemas familiares, alcoolismo dos pais, violência, falta
de espaços e opções de lazer e desilusões com as perspectivas de futuro, sem
possibilidades de estudos e sem trabalho digno. Ele fala de um lugar, que define
como o lugar de exclusão, referindo-se ao bairro Parque São Rafael, local onde
mora, caracterizado pela exclusão social, cultural e econômica.
Vejamos como foi o ingresso do punk “Orlando Saltini”
58
no movimento:
“Algumas pessoas começaram por influência de outros jovens, da turma deles. No meu caso e, da
maioria das pessoas que conheço, que estão na minha faixa de idade, 47 anos, que completo agora em
novembro, foi um pouco diferente... Então é assim, eu vim de uma família problemática, brigas quase todos
os dias e tive muitos problemas de saúde quando era pequeno, curtia muito rock, ‘Black Sabbah’, ‘Led
Zeppelin’, ‘Uriah Heep’, ‘Rolling Stones’, ‘Kiss’, curtia tudo isso, mas, em paralelo, sempre gostei de
coisas estranhas e sempre me senti um alienado nesse mundo idiota, ou seja, sempre gostei de ‘Stooges’,
‘MC5’ e outra bandas que não me recordo o nome”.
59
57
Entrevista concedida ao autor, por Antonio Carlos, em julho de 2006. Doc. disponibilizado no CEDIC-PUC/SP.
58
Orlando Saltini nos concedeu entrevista em 19/08/2006. Atualmente é bancário e curte o movimento punk desde a
década de 70.
59
Entrevista concedida ao autor, por Orlando Saltini, em agosto de 2006. Em todas as entrevistas tentei preservar a
estrutura da oralidade. Considero legítima a norma não culta. Doc. Disponibilizado no CEDIC/PUC-SP.
37
A influência de outros jovens, denotando certa identificação com o grupo,
juntamente com problemas familiares e desilusão com a falta de perspectivas em
relação ao mundo em que vivem foram fatores preponderantes para o ingresso dos
jovens no movimento punk.
Podemos dizer que o termo juventude se aplica a diferentes grupos, frutos da
própria divisão e exclusão social, tornando-se inadequado traçar tipologias. A idéia
de grupo ou “grupismo”, segundo Michel Maffesoli, “tem o mérito de sublinhar a
força desse processo de identificação, que possibilita o devotamento graças ao qual
se reforça aquilo que é comum a todos”.
60
A juventude punk, para o mesmo autor, é
fruto do aprofundamento das diferenças de classe, da repressão no âmbito político,
cultural e social. O que era comum aos jovens punks estava relacionado à sua
própria condição de exclusão social, a falta de perspectivas de futuro e a negação
das formas de dominação política, econômica e social vigentes.
Uma jovem punk, chamada Creonice, enviou uma carta ao “Núcleo de
Consciência Punk”,
61
defendendo que o punk “destrua o sistema antes que ele o
destrua”, e segue dizendo que é essa juventude punk que está “em luta para a
60
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: O declínio do individualismo na Sociedade de massas. Tradução de
Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
61
O Núcleo de Consciência Punk era um espaço de discussões e difusão do movimento punk. Localizado na Rua
Nicanor Nogueira, nº 252 – Jd. Das Oliveiras – Itaim Paulista – SP. Punks de todo o Brasil trocavam cartas e
informações com o núcleo.
38
conquista de um país sem Estado, no qual as pessoas se auto-governam”.
62
A
perspectiva do movimento punk para ela é que os jovens excluídos lutem em defesa
de uma nova sociedade, nos ideais anarquistas, sem governo e sem Estado.
Philippe Ariès, em sua obra – “História Social da Criança e da Família”
63
reflete sobre a história da juventude burguesa européia durante a Idade Média e
Moderna, onde, segundo ele, “as idades da vida não correspondiam apenas a etapas
biológicas, mas a funções sociais; sabemos que havia homens da lei muito jovens,
mas, consoante a imagem popular, o estudo era uma ocupação dos velhos”.
64
Não
existiam, então, espaços definidos, recortados, separando a família e o convívio em
sociedade. Os jovens se preparavam para o mundo adulto, relacionando-se e
trocando experiências com outras pessoas de seu convívio social.
Ainda segundo Ariès, no espaço intermediário entre família e sociedade, a
escola terá papel preponderante. O advento e ascensão da burguesia e do mundo
industrial, principalmente com o aprofundamento das diferenciações entre classes
sociais e a inauguração da escola primária e posteriormente secundária, permitirá
ao jovem um espaço de socialização de idéias e vivências com outros jovens, longe
da vigilância e dos cuidados da família, mas sob o olhar disciplinador dos mestres.
62
Carta de Creonice (década de 80), moradora do bairro de São Domingos – Butantã/SP, para o Núcleo de
Consciência Punk. Documento disponível no CEDIC/PUC-SP.
63
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara,1984.
64
Idem, ibidem. p. 40.
39
A escola, então, aparece como esse espaço privilegiado, vigiado e controlado de
intermediação entre a família e a vida social adulta. O ideal de família e sociedade
estará na contra-mão das perspectivas dos jovens punks paulistanos, pois muitos
estavam fora da escola e faziam parte de famílias desestruturadas.
A partir do século XVIII, a chamada família nuclear burguesa, composta por
pai, mãe e filhos contribuirá para a criação de dois mundos antes inexistentes: de
um lado os adultos, utilizando-se de métodos autoritários e repressivos para educar,
havendo restrições, interdições, exclusões e castigos no universo dos jovens e, de
outro, a juventude vista como incapaz, ineficiente, necessitando de correção e
orientação. Essa nova família vem em oposição à família anterior, mais ampliada,
com um convívio educacional mais comunitário, envolvendo parentes, vizinhos e
outros jovens, possibilitando uma situação de autonomia do jovem e da criança no
mundo adulto, estabelecendo-se limites físicos e não político.
De acordo com Ariès, foi entre meados do século XVII e o início do XX que
moralistas, educadores e políticos começaram a se preocupar seriamente com o que
pensava a juventude. Preocupação motivada pelo desenvolvimento do capitalismo
industrial, havendo a necessidade de adaptar a juventude ao mundo do trabalho,
controlando suas mentes e comportamentos para que pudessem servir ao sistema
imposto pelas elites capitalistas emergentes.
40
Para o mesmo autor, após a Primeira Guerra Mundial:
“A juventude apareceu como depositária de valores novos, capazes de reavivar uma sociedade velha e
esclerosada. Havia-se experimentado um sentimento semelhante no período romântico, mas sem uma
referência tão precisa a uma classe de idade. Sobretudo, esse sentimento romântico se limitava à literatura e
àqueles que a liam. Ao contrário, a consciência da juventude tornou-se um fenômeno geral e banal após a
guerra de 1914, em que os combatentes da frente de batalha se opuseram em massa às velhas gerações da
retaguarda”.
65
Eisenstadt, em seu estudo - “De geração em geração” – traça uma explicação
teórica e funcionalista sobre as condições de existência da juventude como
categoria social. Explicita um quadro dos tipos de sociedade em que esses
fenômenos ocorrem, havendo uma delimitação de faixas etárias, etapas do ciclo
vital (crescimento e envelhecimento) onde cada sociedade define tais etapas,
podendo não haver grupos homogeneamente etários. Eisenstadt aponta também
critérios universalistas, diferentes daqueles que regem o âmbito familiar, em que a
passagem do universo infantil (família de orientação) para o adulto (família de
procriação) necessita de um outro grupo de socialização. Os grupos etários
65
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara, 1984. P. 46 e 47.
41
interagem com a família, com outros grupos institucionalizados e com sua estrutura
interna, e suas funções variam de sociedade para sociedade.
66
Nas sociedades modernas, a segmentação dos espaços, a elaboração de
identidades e as relações solidárias para a transição etária aparecem como função
atribuída à escola, atrasando o amadurecimento e aprofundando a segregação do
mundo adulto. Este fenômeno, porém, não é universalizado, varia de sociedade
para sociedade, pois de um lado temos grupos etários, populações que, em função
de uma condição sócio-econômica, se dedicam exclusivamente aos estudos,
enquanto que outros grupos sociais acabam por entrar na vida adulta muito cedo,
tendo que trabalhar para contribuir no orçamento e sobrevivência do grupo
familiar.
O mundo industrial, o acesso à escola, o crescimento das metrópoles, a
desorganização social e o desenvolvimento tecnológico do século XX
possibilitaram que o jovem se elevasse à “categoria social de juventude”,
67
ocupando praças, bares, salões, organizando-se em movimentos como os Beat,
termo que significava não só beatitude, mas também a batida do jazz, o improviso,
manifestando também a saturação frente a sociedade do pós-guerra dos Estados
66
EISENSTADT, S. N. De geração em geração. Tradução de Sérgio P. O. Pomerancblum. São Paulo: Perspectiva,
1968.
67
MORIN, Edgard. Cultura de Massas no Século XX: o espírito do tempo. Vol.I Neurose.2º Ed. Tradução de Maura
Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forense, 1969.
42
Unidos. Foi um movimento juvenil de literatura e poesia que também influenciou o
nome da banda de rock “The Beatles”, uma fusão das palavras beat e beetles
(besouro). Ao rejeitarem os valores burgueses, a juventude beat dos Estados Unidos
reinventava “um jeito diferente de viver o mito do vagabundo”,
68
buscando viver
emoções fortes através da literatura, do jazz, das estradas e caronas, das drogas,
sexo e festas. A imprensa norte-americana, na tentativa de descaracterizar o
movimento beat, cunhou o termo “beatnik, fusão de beat mais nik, terminação da
palavra Sputnik”,
69
o primeiro satélite russo lançado no espaço em 1957, fazendo
alusão à provável simpatia desses jovens americanos por ideais revolucionários de
esquerda.
Segundo “Carmo”,
70
esse movimento recluso nos bares e estradas nos anos
50 irá influenciar as manifestações de contracultura dos anos 60, como os grandes
festivais de música, as mobilizações contra a guerra no Vietnã e o pacifismo
antinuclear. E então, “quando a crise juvenil se combina com a crise social, a
juventude emerge como uma categoria social, produzindo uma revolta que
questiona a ordem”.
71
68
CARMO, 2001.
69
Idem. Ibidem.
70
Idem. Ibidem..
71
FORACCHI, Marialice Mencarini. A juventude na sociedade moderna. São Paulo. Pioneira/Edusp, 1972.
43
Nos Estados Unidos (anos 20 e 30), período entre guerras, temos um dos
primeiros e importantes trabalhos sociológicos conduzidos pela chamada Escola de
Chicago, pesquisando grupos de jovens delinqüentes ou ligados à criminalidade nos
subúrbios dos Estados Unidos. A questão da delinqüência, por um lado, e da
revolta, por outro, será a chave das problematizações da juventude ao longo de todo
o século XX, com possibilidades de descontinuidade e ruptura das regras sociais.
Enquanto o movimento beat era protagonizado por jovens americanos de
classe média, na Inglaterra dos anos 50 podemos citar os Teddy Boys, onde jovens
pobres, através do rock e por meio de suas roupas, debochavam e criticavam a
aristocracia inglesa. Foi também nos anos 50 que o rock’n’roll, união de duas
gírias: rock (sacudir) e roll (rolar), irá se espalhar pelo mundo, expressando o
descontentamento e a revolta juvenil.
Na década de 50, a classe média brasileira, juntamente com sua juventude,
vai transformando, aos poucos, através de seus hábitos e costumes, o cenário
urbano brasileiro: aparecem cadillacs, lambretas, jaquetas de couro e topete nos
cabelos, imitando o roqueiro Elvis Presley. Isso foi possível devido ao crescente
contingente urbano que se desenvolvia no nosso país e também ao desenvolvimento
dos meios de comunicação (rádio, jornais e televisão), possibilitando a circulação
de novos hábitos e valores.
44
Essas transformações não são parte inerente da sociedade, mas são
produzidas historicamente. A adoção de novos padrões de consumo e
comportamento expressava os interesses da expansão capitalista daqueles anos. No
caso dos veículos – cadillac, lambreta – tem relação com a indústria automobilística
que se instalava no país.
Sobre a influencia do rock no comportamento do jovem brasileiro, vejamos o
depoimento do cantor e compositor Raul Seixas:
“O que me pegou foi tudo, não só a música. Foi todo o comportamento rock. Eu era o próprio
rock, o teddy boy da esquina, eu e minha turma. Porque antes a garotada não era garotada, seguia o padrão
do adulto, aquela imitação do homenzinho, sem identidade”.
72
O rock despertou Raul Seixas para a sua condição de jovem, diferente dos
adultos. Sobre a expressão que se refere ao jovem como “imitação do homenzinho”
vale comentar, refletir e citar alguns trechos de Ariès onde, discutindo os trajes de
crianças e jovens medievais na Europa, ele diz que “nada, no traje medieval,
separava a criança do adulto”. Agora, comentando o traje de um garoto de dez anos
(século XVIII) Ariès diz que “já se veste como um homenzinho [...] na aparência,
pertence ao mundo dos adultos” e, ainda no século XVIII, o autor comenta que as
72
RAUL SEIXAS, Raul Seixas por ele mesmo (São Paulo: Martin Claret, 1990), p. 14.
45
crianças das famílias nobres ou burguesas não eram mais vestidas como adultos,
elas tinham trajes reservados para sua idade, porém, “as crianças do povo, os filhos
dos camponeses e dos artesãos [...] continuaram a usar o mesmo traje dos
adultos”.
73
Vestir a criança de forma diferente do adulto significou que os adultos
estavam construindo o lugar da criança na sociedade, e a roupa, juntamente com
outros elementos, fazia parte desse processo. A partir da concepção de criança que
estava sendo proposta, é que os educadores e os pais criavam roupas adequadas à
nova situação da criança e do jovem. Isso ocorre a partir do século XVIII. Nesse
sentido, para Ariès, vestir a criança diferente tinha relação com repressão e
restrição.
O traje e a indumentária usada pelos punks, ou seja, o seu visual, é
trabalhado em nossa pesquisa como um fator de diferenciação, expressão de
sentimentos e de pertença, sendo expressões importantes na construção de
referências identitárias e protesto social. Os punks usavam “bottons, jaquetas de
couro com arrebites, coturno, calça rasgada, camiseta de pano também rasgada,
cabelo todo colorido”,
74
espetado ou em forma de moicano. Quando não tinham gel
para espetar o cabelo, utilizavam sabão de pedra. “E as mulheres pintando o olho
73
ARIÈS, 1984. op. cit., p.70 e 81.
74
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006.
46
assim, formando aquelas coisas saindo do olho aqui, umas figuras saindo do olho
entendeu? Aquelas meias de odalisca, [...] isso tudo para chocar o povo”.
75
Muitos,
porém, adotaram esse modo de se vestir “como uma maneira de vida, eu não creio
que o cara queria fazer isso pra chocar os outros, eu acho que as pessoas se sentiam
e ainda se sentem bem assim”.
76
No entanto, se “você pegar toda a literatura que
existe, todos os depoimentos que existam, é pra chocar”,
77
demonstrar, através da
indumentária, “das nossas roupas, das nossas palavras, do nosso som, [...] o quanto
doente estava a sociedade”.
78
As referências identitárias se constroem também na
participação, nas experiências do social e do político, na formulação e criação de
suas realidades, seus símbolos, na constituição do punk enquanto movimento que
se constrói nas práticas cotidianas.
79
O processo de desenvolvimento das comunicações permitirá a troca de
informações entre os acontecimentos e movimentos juvenis dos principais centros
mundiais. Os jovens que tinham acesso às informações veiculadas pelo rádio,
jornais e, posteriormente, pela televisão, serão vistos pelas indústrias do
entretenimento, da moda e automobilística como um grande potencial de consumo
75
Idem. Ibidem.
76
Idem ibidem.
77
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos em 20/07/2006.
78
Depoimento de Ariel da banda punk “Restos de Nada” – Vídeo documentário – “Botinadas: a origem do punk no
Brasil” – de Gastão Moreira, 2006.
79
VELHO, G. Subjetividade e sociedade: uma experiência de geração. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
47
de mercadorias. A grande imprensa será veículo de imposição de modas e
comportamentos no processo de desenvolvimento consumista capitalista.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a desilusão com a grande
quantidade de jovens mortos nas batalhas, parcela da juventude dos países
capitalistas ocidentais, intensifica as mobilizações contra as decisões políticas e
militares que são tomadas nos bastidores do poder institucional e que interferem
nos processos sociais e culturais. Esses jovens expressam novos desejos, anseios e
esperanças por meio da produção de sua própria cultura ou a chamada
“contracultura”.
80
“Em meados dos anos 50, percebe-se a emergência de uma cultura jovem,
dentro e fora dos Estados Unidos, ligada ao lazer e ao tempo livre; esta pode ser
vista como expressão da expansão capitalista”,
81
onde os meios de comunicação
têm um papel preponderante na difusão e conquista de novos mercados
80
“O termo ‘contracultura’ foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de
manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países,
especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina. Na verdade, é um
termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à
cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades do ocidente.
Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial”. Por Luís Carlos Maciel. Revista
Careta, ano LIII, Nº 2736 de 20/07/1981, p.19. in: PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é Contracultura. São
Paulo. Editora Brasiliense, 1983.
81
PEDERIVA, Ana Bárbara Aparecida. Jovem Guarda: Cronistas sentimentais da juventude. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 2000. p. 17.
48
consumidores. “Essa cultura jovem abarcou padrões de comportamento,
produzindo conflitos com normas e instituições”.
82
A compreensão do significado de ser jovem para os punks, no entanto, não se
configura como um embate contra os mais velhos e os adultos, mas contra o que
esses adultos significavam, como se comportavam, se vestiam e se relacionavam,
manifestando autoritariamente que caminhos deveriam seguir.
Marcos Falcão, integrante da banda punk “Excomungados” na década de
1980, diz que:
Sobre a idade, não há limite, tem punk com 14 anos, como tem com 30 ou 32, é uma questão da pessoa ter
dentro de si essa revolta e estar identificado com a causa que gira em torno da música e do comportamento.
Quanto a esses que dizem ‘já fui punk e depois parei de ser’, posso dizer que não esteve imbuído no
movimento; punk não é como jogador de futebol que joga durante 15 anos e para, punk não é isso, (...).
Antes de 77, punk era prostituta, trombadinhas, cheirador de cola, mendigos, aleijados; a partir de 77, esse
pessoal que estava sendo marginalizado e querendo mudar a situação se uniu em torno desse movimento
que se espalhou pelo mundo. (...) Um punk de 27 anos e outro de 14 conversam a mesma coisa sobre o
imperialismo, desemprego, miséria, fome, violência, guerra, a garotada vai trocando essas idéias e levando
isso pra frente”.
83
Nesse depoimento, aparece claramente a idéia de mudança norteando a
prática cultural dos jovens punks, pois eles estavam sofrendo um processo de
exclusão social, conversavam sobre diversos assuntos de ordem econômica, política
82
Idem. Ibidem. p. 17.
49
e social – imperialismo, desemprego, miséria, fome, violência, guerra - e, através
de suas próprias práticas, iam “trocando essas idéias e levando isso pra frente”, isto
é, a idéia de mudança da sociedade. Nesse sentido, o ser punk se configura como
um movimento de contracultura, na medida em que adota como prática a análise e a
crítica da cultura dominante de inspiração capitalista, que produzia a exclusão
social.
O ser jovem para o punk não é uma questão etária, é uma atitude de protesto,
de práticas sociais próprias e de repúdio contra as instituições políticas, os governos
e um modo de vida fabricado e excludente. A causa que propiciava a união e a
identificação de jovens na cidade paulistana era a idéia de transformação da
sociedade na perspectiva da superação das desigualdades sociais e culturais.
Sobre essa temática da contracultura juvenil vejamos o que diz Terry
Eagleton:
“...
por volta de 1965 a 1980[...]é que a teoria cultural apareceu no único período, desde a Segunda
Guerra Mundial, no qual a extrema esquerda política desfrutou breve proeminência, antes de afundar até
quase desaparecer de vista. As novas idéias culturais tinham suas raízes profundamente fincadas na era dos
direitos civis e das rebeliões estudantis, das frentes de libertação nacional, das campanhas antiguerra e
antinuclear, do surgimento do movimento das mulheres e do apogeu da liberação cultural. Foi uma época na
qual a sociedade de consumo estava sendo lançada com fanfarras; na qual a mídia, a cultura popular, as
83
Marcos Falcão, em palestra no “Centro de Cultura Social” (CCS) em 05/12/1987.
50
subculturas (contraculturas) e o culto da juventude surgiram pela primeira vez como forças sociais a serem
levadas em conta”.
84
A categoria juventude constituída historicamente no bojo das transformações
políticas, econômicas e sociais ocorridas entre os anos de 1965 a 1980, firma-se
como uma força social que se opunha aos valores da sociedade de consumo. No
entanto, para ser punk, “não há limite, são jovens de 14 a 38 anos, é uma questão da
pessoa ter dentro de si essa revolta e estar identificado com a causa”,
85
que é a
transformação da sociedade com a superação das desigualdades econômicas,
sociais, políticas e culturais. Concebendo a cultura enquanto espaço onde a luta de
classes se expressa.
As desilusões com a política institucionalizada e autoritária, a “guerra fria”,
86
a morte de “Che Guevara”,
87
a “guerra do Vietnã”
88
e, no Brasil, a ditadura militar
(pós 1964) contribuirá para que grande parte da juventude dos centros urbanos
capitalistas, se organize em movimentos juvenis. Na década de 1960, em quase
todo o mundo capitalista, temos a eclosão dos movimentos estudantis, que se
84
EAGLETON, 2005. Op. cit., p. 44.
85
Fala de “Falcão” (Banda Excomungados). Transcrição de palestra proferida em dez. de 1987 no Centro de Cultura
Social (CCS-organização anarquista).
86
A guerra fria foi caracterizada, após a segunda guerra mundial, pela disputa entre o bloco socialista representado
pela Ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, por outro lado, o bloco capitalista liderado pelos Estados
Unidos da América, pela hegemonia política, econômica, social, cultural e ideológica em relação aos outros países.
87
Ernesto Che Guevara foi um dos líderes da revolução cubana de 1959. Che Guevara será exemplo de luta para
jovens revolucionários, principalmente após a sua morte (1967) em batalha no território boliviano.
51
destacaram contestando a política, a sociedade, o sistema escolar e universitário,
colocando em questão a cultura em seus aspectos sexuais, morais, estéticos e de
costumes.
“Na França e na Itália a agitação estudantil ajudou [...] os maiores protestos
[...] da classe trabalhadora do período pós-guerra”.
89
Os jovens militantes do
movimento estudantil francês “não faziam questão de se integrar de imediato na
vida adulta e profissional. Antes, representavam a contestação radical ao princípio
de seleção competitiva e de hierarquia do poder. Contestavam uma educação
voltada para a formação de quadros a ser ajustado à máquina social e
empresarial”.
90
Em 1968, “o Brasil tinha pouco mais de 270 mil universitários,
correspondente a apenas 0,3% da população”,
91
jovens oriundos da classe média
urbana. Boa parte desses universitários envolvidos com o movimento estudantil
“tornaram-se porta-vozes do descontentamento contra a ditadura militar”.
92
No
entanto, “com a decretação do AI-5, o regime brasileiro intensificou a repressão e
os estudantes foram varridos das ruas. Fechadas todas as vias de participação
88
Guerra travada pelos Estados Unidos da América e o Vietnã no bojo da guerra fria. Apesar de ter se libertado do
domínio colonial francês, o Vietnã era um país dividido entre Vietnã do Norte (comunista) e Vietnã do Sul
(capitalista). Os EUA enviam suas tropas para o Vietnã em 1965 e a guerra prossegue até 1973.
89
EAGLETON, 2005. Op. cit., p. 46
90
CARMO, 2002.
91
Idem. Ibidem.
92
Idem. Ibidem.
52
política, muitos aderiram às organizações de guerrilha e viveram na
clandestinidade”.
93
No Brasil da década de 60, temos também uma intensa mobilização cultural
contra a influência estrangeira, principalmente na música brasileira. Os estudantes
se mobilizam através do “Centro Popular de Cultura (CPC)”
94
da União Nacional
dos Estudantes (UNE); o objetivo desse grupo era conscientizar os trabalhadores,
por meio da música, do teatro, do cinema e da literatura, sobre a necessidade da
consciência revolucionária. As atuações do CPC foram prejudicadas pela ditadura
militar instaurada no Brasil em 1964, pois a partir daí, a UNE começa a atuar na
clandestinidade, havendo uma forte repressão aos movimentos estudantis.
Já na segunda metade da década de 60, o “Movimento Tropicalista”
95
utilizava guitarras em suas músicas, tendo a intenção de romper com as divisões
simples da época entre arte engajada versus arte alienada ou cultura nacional versus
internacional. Sobre essas discussões, vejamos a opinião de José Ramos Tinhorão,
membro da velha guarda comunista e pesquisador da música brasileira:
93
Idem. Ibidem.
94
Criado em 1961, no Rio de Janeiro, o CPC era ligado à UNE, buscavam definir estratégias para a construção de
uma cultura nacional, popular e democrática. Defendiam a opção pela arte revolucionária, definida como instrumento
a serviço da revolução social. Encenavam peças em portas de fábricas, favelas e sindicatos; publicavam cadernos de
poesias vendidos a preços populares e iniciavam a realização pioneira de filmes autofinanciados. In: HOLLANDA,
Heloisa Buarque.Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.
95
O Tropicalismo foi um movimento de “renovação da canção popular” (1967/68) propondo uma “revisão do
nacionalismo e da idealização populista da ‘pureza’ popular, em favor da idéia de uma cultura brasileira ‘moderna’,
capaz de elaborar criticamente a diversidade das informações – inclusive as de origem internacional – atualizadas
pela nova dinâmica da dependência.” In: HOLLANDA, 1982. p. 52.
53
“Os jovens realmente cultos gostavam de bossa nova, jazz e tal. Aí o Caetano entra, correndo por
fora, e atrai esses jovens para a guitarra. Portanto, ele estava dentro do conceito econômico dos militares de
64 [...] proposta desnacionalizante da economia [...] eu cito o papel hediondo do Roberto Carlos [...] é
aquele rapazinho que todas as mães de famílias militares gostariam que fosse o namorado da filha. Por quê?
Enquanto havia outros rapazes revoltados, que andavam fazendo músicas pregando a revolução social, indo
explodir bombas e seqüestrar embaixadores, ele, com aquele cabelo tão bonito, cantava coisas de
consumo”.
96
Nessa entrevista, concedida à Folha de São Paulo, Tinhorão cita Geraldo
Vandré como o autor da “única música de protesto no Brasil”, pois sua música “Pra
não dizer que não falei das flores” foi proibida e “música de protesto que passa na
censura não é música de protesto”,
97
segundo sua opinião.
Em outra perspectiva, ao discutir o tropicalismo, Heloisa Buarque de
Holanda coloca este movimento como um catalisador das inquietações e impasses
da situação pós-64, culminando com um movimento de renovação da canção
popular, sendo que, praticamente a totalidade da produção dita ‘revolucionária’ que
se engendrou no Brasil nesse período vincula-se à emergência da classe média.
“‘Sei que a arte que eu faço agora não pode pertencer verdadeiramente ao povo. Sei também que a arte não
salva nada nem ninguém, mas que é uma de nossas faces’, diria em 1966, Caetano Veloso. Uma concepção
96
Entrevista a Pedro Alexandre Sanches, Folha de São Paulo, Ilustrada, 14 de fevereiro de 1998, p.4.
97
Idem, Ibidem. p. 4.
54
bastante diversa daquelas que na fase Goulart povoavam manifestos e discussões, quando se pretendia estar
elaborando um projeto cultural capaz de decidir um processo de transformação da estrutura social. Essa
distância que os tropicalistas irão experimentar em relação ao projeto revolucionário pré-64 estará implicada
com a revisão do nacionalismo e da idealização populista da ‘pureza’ popular, em favor da idéia de uma
cultura brasileira ‘moderna’, capaz de elaborar criticamente a diversidade das informações – inclusive as de
origem internacional – atualizadas pela nova dinâmica da dependência”.
98
Diferentemente de Tinhorão, Heloisa Buarque de Holanda concebe os
movimentos culturais juvenis da década de 60, inclusive o movimento hippie, como
conseqüências da diversidade de conflitos e contradições presentes na sociedade
moderna, “soprava um vento libertário, um desejo de responsabilidade existencial
contra um sistema de vida fechado e controlado por elites, onde o destino surgia
como imposição exterior”.
99
Após 1968, “as sugestões da revolução individual que
estiveram presentes no tropicalismo, encontram um solo fértil. A descrença em
relação às alternativas do sistema e à política das esquerdas dá lugar ao
florescimento, em áreas da juventude, de uma postura contracultural”.
100
Salientamos que o movimento punk concebe a música enquanto um
instrumento de divulgação de suas idéias, de resistência e luta contra o sistema,
representado pelas instituições políticas, econômicas, sociais e culturais do
capitalismo que imprimem desigualdades e exclusão social, ou seja, o Estado, suas
98
HOLANDA, Heloisa Buarque. Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p.52.
55
instituições e as representações de poder impostas pelas elites paulistanas. “O
pessoal costuma dizer que enquanto tiver uma banda punk tocando em garagem,
vai existir o movimento punk, pois este grupo[...]não foi assimilado, está ali
discutindo, contestando, não quer fazer parte desse jogo podre”, diz Antonio
Carlos, referindo-se a uma das práticas de contestação punk, em palestra proferida
no CCS sobre o movimento
101
. “As letras das músicas falam do ‘sistema que quer
acabar com a gente’; de situações cotidianas: ‘Se alguém me encontrar por aí a
vadiar e vier me assaltar, não vai ter o que roubar’; de política: ‘Dou meu grito a
favor dos guerrilheiros de El Salvador’”.
102
As bandas punks, além de serem
núcleos organizadores de eventos musicais que permitiam o encontro, a troca de
idéias e experiência entre os punks, também eram disseminadoras dos ideais do
movimento.
Ainda refletindo sobre os movimentos juvenis do Brasil na década de 60,
vejamos a opinião de Renato Russo (1960-1996), integrante da extinta banda de
rock “Legião Urbana”, que se destacou no cenário musical principalmente na
década de 80. Renato Russo também iniciou sua carreira musical com uma banda
punk chamada “Aborto Elétrico”:
99
Idem. Ibidem. P. 70.
100
Idem. Ibidem. P. 95.
101
Palestra proferida em 1987 no Centro de Cultura Social (CCS).
102
Revista Visão – caderno comportamento – 24/01/1983.
56
“Se você prestar bastante atenção no discurso punk, você percebe que eles falavam a mesma coisa que o
pessoal dos 60. [...] Isso eu sei por que o Legião Urbana usou o mesmo discurso punk no início. Uma coisa
totalmente niilista, destrutiva e anarquista, mas que no fundo estava falando que queria paz e harmonia no
mundo. Aconteceu que, na nossa cabeça, as pessoas dos 60 tinham falado disso da maneira mais claro
possível, através de flores e de amor. Não deu certo, então vamos falar de outra maneira, mais dura”.
103
Para Renato Russo, o movimento hippie e o movimento punk possuem
afinidades discursivas, no sentido de rompimento com as formas de exploração e
injustiças sociais do mundo capitalista. No entanto, suas ações e práticas
diferenciavam-se. Enquanto os hippies pregavam a paz e o amor, os punks
defendiam a destruição do sistema capitalista e a implantação dos ideais
anarquistas. “Os hippies pecaram por isso, eram violentados e respondiam paz e
amor”.
104
Segundo o punk Carlos, o movimento hippie se desdobrou em um
movimento musical, “negando a sociedade, porém, não objetivando transformá-la
de fato”
105
, enquanto que “o punk é o único movimento de contracultura que
pregou a necessidade da destruição da sociedade capitalista e a criação de uma
nova ordem social em seu lugar”.
106
A dificuldade do movimento punk em colocar
em prática esse novo modelo de sociedade com alicerces no anarquismo será o
103
Renato Russo, Conversações com Renato Russo (Campo Grande: Revista Letra Livre, 1996), p.78.
104
Entrevista cedida por Hugo Von Drago ao fanzine “Lixo Cultural” (em junho de 1983).
57
gerador de conflitos, contradições e tensões no decorrer da história do movimento,
pois havia várias tendências no interior do punk, aqueles que gostavam somente da
música, outros da indumentária e do comportamento, e a ala que lutava para manter
o viés contestador e anárquico, objetivando transformações reais na sociedade.
“Paulo Sergio do Carmo”
107
sugere que o punk é a ressaca hippie, quer dizer,
uma forma mais agressiva, rude e escrachada de dizer não à sociedade vigente,
dirigida e governada por uma Ditadura Militar desde o golpe de 1964 até as
eleições indiretas de 1985.
Segundo Rafael Lopes de Sousa:
Em meados dos anos 70 o jovem subitamente se vê órfão de idéias e perde poder de ação. Seus
ídolos, os que não morreram de overdose, estavam enclausurados em castelos na Suíça, e não cantavam
mais a sua realidade cotidiana; quando tudo parecia estar acabado, ecoou na Inglaterra um novo grito de
rebeldia: nascia os punks. Os punks são, pois, filhos da desilusão expressa por John Lennon (O sonho
acabou) no fim dos anos 60 e da falta de perspectiva que a juventude vivia em meados dos anos 70.
A nova luz de análise sobre o fenômeno juvenil brasileiro aparece em início dos anos 80, quando os
pesquisadores preocupados com o crescente contingente de excluídos sociais, percebem nestes uma
proposta inteiramente inédita de enfrentar as adversidades da vida cotidiana [...] o início dos anos 80
105
Carta remetida de Carlos (São Mateus) para o Núcleo de Consciência Punk, dezembro de 87. Doc. disponível no
CEDIC-PUC/SP.
106
Ibidem.
107
CARMO, Paulo Sérgio do. Cultura da Rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Senac, 2001.
58
transformam-se, assim, no marco da mudança de fulcro nas análises sobre o comportamento social da
juventude brasileira”.
108
Esta posição de Rafael Lopes de Souza sugere uma reflexão sobre a
importância dos estudos culturais no tocante à valorização das temáticas juvenis,
compreendendo-as enquanto manifestações políticas e sociais, reconhecendo o
jovem como uma categoria social que vivencia e constrói suas experiências
historicamente em contato com o todo social.
Ainda analisando a citação de “Sousa”, ele se refere de forma vaga, “à nova
luz de análise sobre o fenômeno juvenil brasileiro” na década de 1980, fala sobre a
preocupação dos “pesquisadores” com “o crescente contingente de excluídos”.
Mais uma vez, os estudos culturais, no caso da história, têm papel preponderante
nas análises dos movimentos juvenis, pois como diz Terry Eagleton: “os estudos
culturais fizeram um trabalho vital, ao resgatar o que a cultura ortodoxa empurrou
para as margens”.
109
Na década de 1970, na Inglaterra, os jovens pobres, filhos de operários
ingleses dos arredores de Londres estavam revoltados por ficarem “de fora da
participação econômica do país, sem opção, já que o rock se transformou numa
108
SOUSA, Rafael Lopes de. Punk: cultura e protesto, as mutações ideológicas de uma comunidade juvenil
subversiva. São Paulo: Edições Pulsar, 2002.
109
EAGLETON, 2005. p. 28.
59
coisa [...] multinacional e milionária”,
110
grandes bandas e astros do rock começam
a surgir. Paralelamente, “no interior dos subúrbios da Inglaterra”,
111
surgiram
“bandas que repetem o que faziam os primeiros roqueiros da década de 60, [...] a
moçada conseguia uma guitarra, um baixo, duas cordas em cada era suficiente, uma
bateria e um microfone, cada um começa a fazer sua forma de tocar o instrumento,
daí surgindo um som super agressivo”.
112
Era a prática “Do it Yourself” (faça você
mesmo), você pode montar sua banda, fazer o seu som, compor suas letras e suas
próprias músicas.
“Essa garotada, filhos de operários, para quem não tem emprego, começa a
ser mal vista [...] começa a provocar uma reação por parte da burguesia que vai
utilizar justamente a palavra punk para designá-los como os imprestáveis que
invadem a cidade, os quebrados, os vagabundos [...] filhos dos carvoeiros, que
estão enfeando Londres”.
113
Repetindo ainda a citação anterior de Rafael Lopes de
Sousa: “ecoou na Inglaterra um novo grito de rebeldia: nasciam os punks”.
Os grupos punks chamavam atenção pela agressividade real e simbólica do
seu comportamento: “o punk é violento no visual, porque é um movimento de
contestação, e contesta até visualmente, [...] um bando de caras de preto pode
110
Palestra proferida por Marcos Falcão (Banda Excomungados) no Centro de Cultura Social (CCS) em 1987.
111
Idem. Ibidem.
112
Idem. Ibidem.
113
Idem. Ibidem.
60
chocar o policial, então ele já entra dando porrada, quem começou não foi o punk
que estava na dele”.
114
“Usamos aquele visual sujo e agressivo pra mostrar o quanto
à fome e a miséria é violenta”.
115
A violência era produzida e reproduzida pela
exclusão social. O visual, a indumentária dos punks era uma forma de protesto
contra as injustiças sociais e motivo de agressões por parte da polícia.
Os punks também chamavam atenção pela negatividade de suas
representações do presente e do futuro:
“Olho pra um lado só vejo miséria, mendigos, moleques te trombando, outros correndo da polícia.
Olho pro outro lado vejo pião ganhando merda de salário, favelas, vida-merda, políticos roubando. Olho pra
traz só vejo milhões de coitados mortos pela fome, pela polícia, pelo sistema. Olho pra frente e dô de cara
com o futuro do Brasil: + miséria, + fome, + desemprego, + ladrões de paletó em Brasília, + povo otário.
Vâmo cair na real! Vâmo nos juntar e mostrar pra esses políticos filhos-da-puta o caminho do cemitério.
Revolução anarquista! A única capaz de destruir esses parasitas do poder, a única capaz de libertar nossas
mentes dessa alienação miserável. Mostremos pra eles que somos pobres mais não otários. Acorda
proletário! Foda-se capitalismo! O anarquismo é o futuro!”.
116
Para os editores do Movimento Punk/Alternativo (MPA), sistema é o
conjunto de instituições políticas, militares, sociais, econômicas e culturais do
capitalismo burguês, juntamente com suas regras e normas. Segundo o MPA, as
114
Entrevista concedida por Antônio Carlos para o autor em 20/07/2006.
115
Manifesto M.P.A. (Movimento Punk/Alternativo). Nº 1. Nov. 1989. Sem autoria.
116
Idem. Ibidem. (Tanto neste documento, como em outros pesquisados procurei manter a escrita grafada).
61
representações do presente, do passado e do futuro são pessimistas e negativas, pois
são produzidas e reproduzidas pelo sistema capitalista. Acreditam que todas as
instituições são ruins e que o povo é vítima delas. Defendem que a única saída seria
a união dos proletários para a destruição do capitalismo e a consolidação da
revolução anarquista.
As questões colocadas neste manifesto são imagens, expressões da vivência e
experiência de punks no ano de 1989. As temáticas políticas e sociais emergem em
forma de protesto e apontam o anarquismo enquanto arma para a luta libertária.
A repressão imposta pela “ditadura militar” sobre os movimentos sociais,
políticos, estudantis e culturais pós 1964, caracterizados por um contexto histórico
marcado por anos de perseguições a qualquer tipo de expressão crítica ou
organizações que questionassem a sociedade vigente, serão fatores preponderantes
para a revolta e o protesto punk. “A gente vivia numa ditadura pura, a gente não
podia se agrupar em 3 ou 4 pessoas que a gente era parado pela polícia”
117
e mesmo
assim, “em plena ditadura militar nós rompemos com tudo, rompemos com uma
estética visual, rompemos com uma estética musical, rompemos com uma estética
comportamental”.
118
117
Depoimento de Tina (Punk SP) – Vídeo documentário – “Botinadas: a origem do punk no Brasil” – De Gastão
Moreira, 2006.
118
Depoimento de Zorro da banda punk M 19 – Vídeo documentário – “Botinadas: a origem do punk no Brasil” –
De Gastão Moreira, 2006.
62
Interessa-nos, portanto, discutir, refletir e aprofundar os estudos sobre o
anarquismo no movimento punk, devido o seu caráter de protesto e contestação,
analisando seu papel enquanto agente propositor de transformações, como sujeitos
históricos capazes de introduzir mudanças reais na sociedade. Compreendendo que
o movimento punk não é homogêneo e não apresenta uma única direção, sendo
forjado por diferentes sujeitos em luta, daremos ênfase ao estudo sobre os punks
que se identificam com as idéias anarquistas.
63
II – PRÁTICAS DO MOVIMENTO PUNK
NA CIDADE DE SÃO PAULO
Se punk é o lixo, a miséria e a violência, então não
precisamos importá-lo da Europa, pois já somos a vanguarda
do punk em todo o mundo.”
(Chico Buarque de Holanda)
119
Segundo Craig O’Hara, “a data e o local de nascimento do movimento punk
são discutíveis. Ou a cena de Nova York do final dos anos 60/início dos 70 ou os
punks ingleses de 1975-76 podem receber as honras”.
120
Para o propósito de nossa
pesquisa, “nenhum deles merece uma longa investigação, pois a política específica
e a formação genuína do movimento só se deram no final dos anos 70”.
121
Para
O’Hara, “em geral, pensa-se que foram os nova-iorquinos que inventaram o estilo
119
Chico Buarque de Holanda, cantor e compositor da Música Popular Brasileira (MPB) – Video documentário
“Botinadas – a origem do punk no Brasil” – de Gastão Moreira, 2006.
120
O’HARA, Craig. A filosofia punk: mais do que barulho; tradução – Paulo Gonçalves. São Paulo: Radical Livros,
2005.
121
Idem. Ibidem.
64
musical, enquanto os ingleses popularizaram a atitude política e o visual
colorido”.
122
Neste momento, priorizaremos a história do movimento punk na Inglaterra,
década de 1970, pois apresenta um viés político e contestador acentuado. Nesse
período, a Grã-Bretanha atravessava fortes impactos sociais e políticos, resultantes
dos abalos econômicos que experimentava. A mesma base social de jovens –
marginais, desajustados, anárquicos, filhos de operários pobres – do (antes) austero
reino britânico iria protagonizar o movimento punk.
Em 1971, foi lançado o filme “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick,
retratando o cotidiano de gangues cruéis e violentas numa Inglaterra do futuro. Este
filme se tornaria o favorito dos punks. Em 1975, também na Inglaterra, foi fundada
aquela que é considerada uma das primeiras bandas punks, os “Sex Pistols”, com
um som cru, anárquico e agressivo, opondo-se aos sonhos de paz e amor dos
“Beatles” nos anos 60. Essa situação de rebeldia e falta de perspectivas do início
dos anos 80, redundou no movimento punk, de caráter libertário, contestador,
anárquico e internacionalista. No fim dos anos 70, o movimento se espalha pelo
mundo, incluindo o Brasil.
123
122
Idem. Ibidem.
123
SALEM, Helena. As tribos do mal: o neonazismo no Brasil e no mundo; coordenação Emir Sader. São Paulo:
Atual, 1995.
65
Paulo Sérgio do Carmo aponta 1977 como o ano de explosão do punk, onde
“com sua fúria e desencanto, jovens ingleses lançaram seu grito de revolta e de
inconformismo na crítica à sociedade estagnada. Viviam num país em recessão e
vieram fazer coro à raiva, ao tédio e à frustração da falta de perspectivas”.
124
Segundo Carmo, “punk é uma palavra da língua inglesa que significa madeira
podre, mas também pode designar algo sem valor ou pessoas desqualificadas.
Punk: inepto, podre, sujo e insano”.
125
Punk também era o termo que os policiais da
TV, como “Cojak”,
126
usavam para chamar os bandidos insignificantes, ou os
professores para ralhar com os alunos considerados imprestáveis. Tudo que o senso
comum considerava errado era punk. Ainda na língua inglesa, a palavra remonta a
Shakespeare, com o significado igualmente negativo: prostituta.
Por volta de 1977, as informações sobre o movimento punk chegam ao
Brasil vindas da Inglaterra, principalmente por meios de comunicação alheios ao
movimento e destinados ao grande público. Em sua maioria, as matérias eram
publicadas nos cadernos culturais dos jornais e em revistas especializadas do ramo
cultural e musical. A “Revista Pop”,
127
ainda em 1977, publicou uma matéria
124
CARMO, 2001.
125
Idem. Ibidem.
126
Personagem representando um policial, estereotipado como símbolo do bem (mocinho), no seriado “Cojak” dos
EUA, 1970/80.
127
A “Revista Pop” era lançada pela editora “Abril” e tinha circulação nacional, sendo encontrada com facilidade
principalmente nas bancas de jornais. Era destinada ao público jovem trazendo variedades, dicas de moda e
comportamento. Foi através dessa revista que vários jovens estabeleceram os primeiros contatos com o punk rock no
Brasil.
66
intitulada: “A Revista Pop apresenta o punk rock”. A revista, além de informações
sobre o movimento punk no exterior, trazia também um encarte com músicas
punks: o punk rock. Através dessas informações iniciais, o movimento é
reelaborado, reinterpretado de acordo com as particularidades e singularidades do
contexto brasileiro. Considerando essas questões, trabalharemos as referências
estrangeiras enquanto releituras.
Para Mao, integrante da banda punk “Garotos Podres”, duas portas de
entrada favoreceram o surgimento do movimento punk no Brasil:
“Estas informações sobre o punk rock nos chegam de que forma? Em primeiro lugar, através da imprensa,
de vez em quando saía alguma revista tipo a revista Pop, ou mesmo algum jornal, Som 3, às vezes sempre
saía alguma coisinha, isso já no fim dos anos 70 eu já acompanhava isso. Neste período, tem duas fontes de
informações que são fundamentais para o Punk Rock aqui no Brasil: a primeira é uma loja que havia, aliás
que agora voltou, é nas grandes galerias que era Punk Rock do Fabião que toca no Olho Seco. Então, era
através da Punk Rock, era praticamente o único canal que vinha material de fora, das bandas que vinham de
fora. Se não fosse pelo Fabião, provavelmente, muita gente conheceria pouco mais do que Ramones, Splash
e Pistols que era a única coisa que tinha saído na época aqui no Brasil, lançado aqui. Então, a primeira fonte
de informação, a janela por onde entrava isso daí era a loja do Fabião e uma segunda janela era um
programa que é da antiga rádio Excelsior que era capitaneado pelo Kid Vinil, que todo mundo conhece.
Esse programa, hoje, falando assim, dá a impressão, puxa, qual a influência de um programinha de rádio,
uma lojinha e tal. Eu vou dar um exemplo pra ilustrar bem isso daí. Eu estava conversando com um colega
meu e comentando: Puxa! Naquela época, porque o programa do Kid Vinil mudou de horário e dia várias
vezes, teve época que era no sábado, teve época que era quarta-feira, etc e tal. Tinha um colega meu, esse
67
colega meu, que na época, o programa acho que era de quarta-feira à noite, o cara pulava o muro da escola
pra ir pra casa pra gravar o programa do Kid Vinil. E era muito engraçado, que as pessoas não só ouviam o
programa, como gravavam o programa. Tinha, por exemplo, eu lembro que eu namorava com uma menina
que há poucos anos atrás, no começo dos anos 90, ela ainda tinha fita gravada de 10 anos antes, aquela Basf
cor de abóbora ainda, preta e cor de abóbora, fita com mais de 10 anos de idade que o pessoal gravava e
essa era a principal fonte de informação que a gente tinha, tanto é que o pessoal gravava e trocava fita, um
emprestava fita pro outro, fita do Kid Vinil. É através desse programa que as pessoas começam a saber da
existência de bandas como Exploited e assim por diante. Então, essas duas portas possibilitaram o
surgimento do movimento Punk aqui no Brasil ou, pelo menos, foram fundamentais para esse
surgimento”.
128
Segundo Mao, as duas portas que favoreceram o surgimento do movimento
punk no Brasil foram a loja Punk Rock e o programa radiofônico comandado por
Kid Vinil, transmitido pela antiga Rádio Excelsior. Esses eram espaços de
veiculação e de divulgação de informações acerca de bandas e de músicas punks.
Jovens simpatizantes do punk cultivavam o hábito de ouvir e de gravar o referido
programa radiofônico, assim como, o de trocar entre si suas gravações,
possibilitando a propagação das idéias punks. Essas práticas foram fundamentais
para o surgimento do movimento punk, segundo a avaliação de Mao.
As práticas, experiências e vivências dos punks estão repletas de lutas
improvisadas, criativas e cooperativas. Através dos eventos musicais, dos encontros
128
Trecho extraído de palestra de Mao (ex-integrante da banda Garotos Podres), feita em 9 de dez. 2002 no núcleo de
Estudos do Cotidiano e da Cultura Urbana, da PUC-SP. In: Sociabilidade juvenil e cultura urbana. Orgs. Márcia
68
em pontos estratégicos da cidade, da socialização das gravações de programas de
rádio e da produção de fanzines. Os punks articulavam redes de comunicação,
possibilitando a organização e disseminação do movimento na cidade de São Paulo.
Orlando Saltini é punk desde a década de 1970 e nos concedeu entrevista
afirmando que:
“O primeiro som que eu ouvi assim categorizado como punk foi em LP da ‘Revista Pop’. È bom lembrar
que punk já existia na época do ‘Igg Pop’, ‘MC5’ e essas coisas todas já eram meio punk assim, eles não
tinham rótulos de punk, mas eram, porque o ‘Igg Pop’ se rolava em caco de vidro, cuspia, vomitava, quer
dizer, isso não era considerado atitude ‘normal’ no rock n/é? Na verdade, rock nunca foi algo normal.
Então, voltando ao assunto, no Brasil, a ‘Revista Pop’ lança um disco chamado punk rock, não me lembro
se o nome era mesmo punk rock, só sei que era da ‘Revista Pop’ dos anos 70. Olha rapaz, depois que eu
ouvi isso aí, nossa, eu falei é isso mesmo que a gente tem que ouvir, é isso que eu quero. [...] Foi indo e eu
fiquei fissurado pelo negócio e sou fissurado até hoje e serei fissurado até morrer. [...] Em São Paulo, o
negócio chegou lá por 78/77, na Inglaterra já havia aquela predisposição e nos Estados Unidos já havia
‘Ramones’, ‘Patty Smith’, ‘Television’ e todas aquelas coisas, teve ‘New York Dolls, que tamm foi uma
puta influência e na Inglaterra começa com ‘Damner’, ‘Sex Pistols’ e tudo isso foi se espalhando, pô, foi um
sabe, uma ‘praga’ que se espalhou aí pelo mundo e hoje você tem punk na China, na Groelândia, você tem
punk em tudo quanto é lugar”.
129
Saltini traça aqui a trajetória do movimento punk que no início tinha uma
característica musical, “porque o punk veio resgatar o rock que tinha morrido e
Regina da costa e Elizabeth Murilho da Silva. São Paulo: Educ, 2006. p. 25.
129
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006.
69
virado orquestra sinfônica”.
130
Várias bandas punks e precursoras do punk no
exterior são elencadas no depoimento. O disco denominado punk rock da ‘Revista
Pop’ é citado como importante disseminador da música punk. Foi a partir da
música que o depoente e muitos outros futuros punks começam a ter contato com o
movimento. No final do depoimento, Saltini ressalta a idéia de internacionalismo
dos punks. O entrevistado segue dizendo:
“São Paulo foi dividido assim por facções mesmo sabe? Por grupos e esses grupos, especialmente por causa
de mulheres, começaram a se rivalizar. Então o que aconteceu? Aconteceu que, por exemplo, havia os
‘carecas do subúrbio’, os ‘carecas do ABC’, os ‘punks do centro’, os punks de São Miguel Paulista (os
‘punkid’s’ – que também tinham integrantes em São Mateus, Parque São Rafael – Zona Leste da cidade de
São Paulo) e havia também na Zona Sul que agora eu não me recordo o nome. O berço do punk aqui em
São Paulo foi a Zona Norte. [...] Vila Carolina (Z/N) foi onde tudo começou aqui no Brasil. Porque os
primeiros punks foram daqui de São Paulo, depois começou no Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina, tal,
tal, tal, n/é? Mas basicamente eram pessoas que ganhavam mal, eram pessoas que não viam oportunidades,
mas isso tudo foi fruto da época n/é? A gente estava ainda no regime militar, que foi 1977/78,79, n/é? Até o
general Figueiredo sair e, havia repressão, não como aquela de 71/72, mas tinha repressão, você não podia
ficar falando o que você queria n/é? Tanto que teve shows aqui em São Paulo que a gente foi preso”.
131
O depoente, ao enumerar os diversos grupos punks da cidade de São Paulo,
demonstra a vitalidade e abrangência do movimento. Em quase todos os pontos da
cidade temos os punks sendo representados. Por outro lado, o movimento inicia-se
130
Idem. Ibidem.
70
já com suas contradições e divisões internas, que serão suas características no
decorrer da história. As desavenças e rivalidades entre os grupos, segundo o
depoente, têm relação com as disputas por causa das mulheres, isso pelo fato do
“número de mulheres ser menor, provocando umas brigas entre os rapazes punks.
Muitas vezes ficam enciumados, esses princípios de comportamento acabou
gerando umas facções”.
132
Outras rivalidades tinham relação com a própria
localidade do bairro, se era do centro, da periferia ou da região da grande São
Paulo. Por morarem em bairros periféricos e estarem em situação de exclusão, os
punks da periferia consideravam-se mais legítimos.
O movimento inicia-se principalmente nas periferias da Cidade de São Paulo
e na região industrial do “Grande ABC”,
133
regiões caracterizadas por uma base
social proletária. Os jovens pobres sentiam na pele e no bolso a condição de
exclusão social e a falta de perspectivas de futuro num país ainda mergulhado em
uma ditadura militar.
Segundo Antonio Bivar, “a cidade de São Paulo é considerada o berço do
movimento punk no Brasil”.
134
Mas, de acordo com Clemente, da Banda Inocentes,
“no começo o punk rock não era movimento para salvar o mundo, era uma gangue
131
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006.
132
Palestra de Falcão (Banda Excomungados) no ciclo: Cultura, contra cultura e cultura alternativa, realizada no
Centro de Cultura Social (CCS) em 05/12/1987.
133
Região do Grande ABC corresponde às Cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano. Em menor número
o movimento também se disseminou nas Cidades de Diadema e Mauá, também na Grande São Paulo.
71
que era contra tudo, desde o sistema, até o cara do outro bairro” e Clemente segue
dizendo que “por isso que não existia movimento até 1979, n/é? O movimento
nasceu em 1980, porque as gangues começaram a conviver pacificamente, isso em
São Paulo”.
135
E foi “dentro das gangues” que sairam “os primeiros sons e as
primeiras bandas”
136
e, a partir das gangues e bandas, começaram a ser produzidos,
em 1981, os primeiros fanzines punks na cidade.
“Os fanzines visam socializar e divulgar informações que, num primeiro momento, são principalmente de
bandas. Apesar de feitos por punks, vão progressivamente tentando atingir um público cada vez mais amplo
e diversificado.
Os fanzines são publicações geralmente feitas em xerox, de pequenas tiragens, vendidos em lojas e
distribuidoras especializadas e também pelos editores. Circulavam principalmente pelo correio. Muitos,
porém, podiam ser encontrados em shows, salões e pontos de encontro. Divulgavam-se mutuamente, uma
vez que em quase todos estão presentes vários endereços de outros fanzines, inclusive de outros estados e
países”.
137
“O fanzine, ele demonstra e divulga o movimento de uma forma que todo mundo possa ter acesso. Tem
fanzine que é de graça, tem fanzine que custa 0.50 centavos, tem fanzine que custa um real, você vai lá na
loja, nas lojas de punk, pelo menos na loja que eu freqüento, lá do Fabião do “Olho Seco” (Banda Punk),
tem fanzine. [...] eles não podem lançar livros, eles não podem, ééé... publicar nada em revista [...] então,
134
BIVAR, Antonio. O que é punk. 4º ed. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1998.
135
Entrevista concedida por Clemente da Banda Inocentes para o documentário “Botinadas – a origem do punk no
Brasil” de Gastão Moreira, 2006.
136
Entrevista concedida por Zorro integrante da Banda M19 para o documentário “Botinadas – a origem do punk no
Brasil” de Gastão Moreira, 2006.
137
OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Os fanzines contam uma história sobre punks. Rio de Janeiro: Editora Achiamé,
2006. p. 15.
72
eles lançam aquilo lá pra quê? Pra eles se manifestarem sobre a sociedade, [...] é um veículo de
comunicação dos punks”.
138
Produzidos e distribuídos por alguns punks, feitos para os punks, mas
podendo também ser destinado a outros públicos, os fanzines eram instrumentos de
informação, instrução e produção da contracultura punk. Neles, encontramos
informações sobre bandas, shows, pontos de encontros, além de reflexões sobre a
conjuntura política, econômica, social e cultural do Brasil e do mundo.
Os fanzines “possibilitavam aos punks estarem ‘ligados’ aos principais
acontecimentos de sua época”,
139
sendo, assim, um “veículo de socialização de
idéias, espaço de debates e instrumento de organização do movimento”.
140
Havia
uma preocupação de estarem informados para opinar, desmontar e criticar o
sistema e o senso comum criado sobre eles através da grande imprensa e dos meios
de massa.
O fanzine poderia ser escrito manualmente, datilografado, desenhado ou por
meio de colagem de letra, textos, fotos ou charges de outros veículos de
comunicação, dependia da condição econômica do editor e também de sua
criatividade. A idéia era reproduzir o máximo de exemplares possíveis e distribui-
138
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006. Este depoimento estará disponibilizado no
CEDIC/PUC-SP.
139
OLIVEIRA, 2006. P. 11.
140
Idem. Ibidem.
73
los de graça, quando se conseguia, às escondidas, copiar no escritório do próprio
trabalho ou de um amigo, ou eram vendidos a preço de custo. Dessa forma, eles
constituíam o seu próprio veículo de comunicação, à margem dos grandes meios de
comunicação. Os jovens encontram no movimento um lugar onde possam atuar
como sujeitos valorizados.
“[...] então você tem lá uma aparelhagem, mas você tem um cara que é seu camarada, seu irmão, seu primo,
um amigo do bairro, que também quer uma banda e não tem, ele às vezes tem um instrumento, mas falta
outro, então você abre espaço pra ele ir lá com você, vai ensaiar lá em casa pá, aí então, começa, quer
dizer, já não um, mas três ou quatro, já são seis, oito, o maluco tem uma namorada, a namorada tem uma
amiga, amiga tem um amigo, já quando tem um ensaio então, às vezes, você tem um grupinho reunido,
então isso vai aglutinar, por isso assim, primeiro surgem as bandas, depois vão surgir os fanzines, você tem
banda lá desde o final, desde 78 por aí já tem banda punk, mas o primeiro fanzine vai ser publicado em
1981 que é o ‘Factor Zero’, então aí, [...] só lá no meio da década de 80, é que esses fanzines que surgiram
em 1981, são fortes o suficiente pra começar a distribuir outros fanzines e a constituir gravadoras, que é
uma experiência. Por exemplo, o Redson começa a fazer uma música que ele chama de punk, que o Fábio
do ‘Olho Seco’ (banda punk) diz que não é punk, aí surge o ‘Cólera’ (banda punk), no Cólera o Redson faz
um fanzine chamado ‘Vix Punk’, lá na frente ele vai criar os ‘Estúdios Vermelhos’ distribuidora e
gravadora, a mesma coisa o Renato do ‘Alerta Punk’ (fanzine) vai criar a distribuidora ‘Alerta Punk’ lá na
frente, os dois se fundem e criam o ‘Ataque Frontal’ e lançam o LP ‘Ataque Sonoro’, que é uma gravadora,
distribuidora, produtora, esses baratos aí”.
141
141
Entrevista concedida ao autor, em 20/07/2006, por Antonio Carlos de Oliveira editor do fanzine “Anti-Sistema”
da década de 1980.
74
Antonio Carlos, editor do fanzine Anti-Sistema da década de 1980, diz como
agregavam e ampliavam o movimento, havendo possibilidades de ser e viver de
acordo com outros valores e abrir novos caminhos. Segue pontuando algumas
características dos fanzines e também das práticas de jovens punks. De acordo com
o depoente, a confecção de fanzine está associada ao surgimento das bandas punks,
que resultaram da prática de se reunirem para a realização de ensaios. Os ensaios
eram realizados nos bairros, nas casas dos próprios punks, sendo que nem todos
possuíam instrumentos. Ainda assim, os ensaios aconteciam - improvisando-se
bateria com latas, pedestais com vassouras e microfones com aparelhos de telefone
- e serviam de motivo para reunir e aglutinar grupos de jovens, pelas mais diversas
formas de afinidades: música, namoro, amizade, por exemplo.
Segundo Antonio Carlos, a produção de fanzines, que surgiram no início dos
anos de 1980, ganharam força e dimensão social a ponto de, inclusive, chegarem a
constituir gravadora, distribuidora e produtora de LP’s.
O movimento punk então vai se fazendo no cotidiano e experiências de
jovens que vivenciam seu tempo e sua história. Os grupos e bandas vão se
articulando de acordo com afinidades, proximidades, num fazer-se histórico e na
busca de novas experiências e referências identitárias. Dessa forma, os punks vão
se organizando, ocupando os espaços da cidade, produzindo e distribuindo suas
75
músicas e fanzines, disseminando suas idéias e uma cultura punk de protesto e
denúncia, principalmente da condição excludente e sem perspectivas de futuro em
que se encontrava a maior parte dos jovens dos bairros distantes do centro da
cidade.
Na medida em que a “grande imprensa e os meios de massa”,
142
descompromissados com o movimento, vão apresentando o punk para o grande
público, tinha-se a impressão de que seria mais uma moda pobre, suja e passageira.
Como podemos constatar no fanzine “SP Punk”
143
de 1983, analisando uma
reportagem veiculada no programa Fantástico da Rede Globo de televisão:
“Conseguiram [...] ridicularizar o movimento ao máximo mostrando e comparando os punks com a água
podre que corria pelo chão imundo, dizendo que os punks se identificam com o lixo e o sujo, [...] Se o punk
gostasse de tudo isso não exigiria melhores condições de vida [...]. Na situação em que o país se encontra,
onde prevalece o desespero, a descrença nos dirigentes do país e a falta de perspectivas para o futuro. É
melhor para o sistema enganar o povo ao invés de resolver. [...] No Fantástico onde uma repórter mentirosa
fez um detestável e falso perfil dos punks paulistas levando para milhares de lares uma falsa imagem [...] a
repórter generalizou [...] isso nos prejudicou”.
144
142
Utilizamos o temo “grande imprensa como um jornal ou uma revista de grande circulação. ‘Meios de massa’ são
representados principalmente pela televisão que tem uma grande penetração, um grande alcance sobre a população”.
IN: SODRÉ, 2007.
143
SP Punk – mar/ab/83 – nº 2. In: BRITO, Mônica A.; MACIEL, Eduardo; OLIVEIRA, Clodoaldo R. de;
SANTOS, Ana Paula C. dos; SILVA, Getúlio P.. O movimento punk na cena paulistana – década de 80. São Paulo:
Biblioteca da Unicastelo (TCC), 2005. Xerografado.
144
Idem. Ibidem.
76
Segundo os editores do fanzine SP Punk, a Rede Globo “é uma grande
agente do sistema e meio de alienação em massa” na medida em que defende os
interesses do sistema capitalista, de preservação de seus anunciantes e defesa de seu
capital, mantendo o controle da comunicação. No caso da reportagem sobre os
punks, a informação é disseminada, privilegiando-se aspectos sensacionalistas do
movimento em detrimento do seu caráter de contestação e luta por melhores
condições de vida.
O que se vê, são várias reportagens descaracterizando o movimento punk,
em sua maioria associando eles a gangues marginais e violentas. “A extrema
relevância do fanzine está em transmitir informações que interessavam aos punks,
mas não aos grandes jornais e revistas”.
145
A grande imprensa – como, por
exemplo, a Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo – são jornais de circulação
nacional, com periodicidade diária, vendidos avulso e por assinatura, destinados ao
grande público e, especialmente, ao público letrado. Transmitiam informações
parciais, “tendendo a supervalorizar determinados aspectos em detrimento de
outros”.
146
Uma dessas reportagens é assinada por Luiz Fernando Emediato,
publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, com o representativo título: “A
geração Abandonada”:
145
OLIVEIRA, 2006.p. 16.
146
Idem. Ibidem.
77
“Eles gostam de bater, só isso (...) foi ainda nos anos 70 que surgiu mais uma tentativa de rebeldia contra
uma sociedade que negava ao jovem a possibilidade de realizar-se como pessoa: o punkismo gerado no
ventre do proletariado inglês, no caldo do desemprego e da crise do Reino Unido, o horror visual, a
violência e muito pessimismo dos antigos beatniks. Avessos a política, sujos, segregacionista (...)”.
147
Neste caso, observamos uma das formas mais características de abordagens
da temática juvenil. Geralmente, os produtos dirigidos para esse público contém
temas relacionados a comportamento, cultura, violência, agressividade, esporte e
lazer ou formas de se combater problemas juvenis. “Parece estar presente na maior
parte da abordagem relativa aos jovens, tanto no plano da sua tematização como
ações a ela dirigidas, uma grande dificuldade de considerar efetivamente os jovens
como sujeitos, mesmo quando é esta a intenção, salvo raras exceções; uma
dificuldade de ir além e de colocá-los como capazes de formular questões
significativas”.
148
Em outubro de 1983, o fanzine “Lixo Cultural”
149
fala sobre a música – punk
da periferia – de Gilberto Gil:
147
Jornal “ O Estado de São Paulo”. 05/05/82, p.19.
148
ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. In:
Juventude/contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Nº 5 e 6. São Paulo:ANPED, 1997.
149
Fanzine Lixo Cultural – out/1983.
78
“[...] acho mesmo que o Sr. Gil não faça nem mesmo a ligeira idéia do que seja ou considera o movimento
punk. Seus versos não têm nada a ver com o punk, e são absurdos, ‘curto porcaria e saber que entraremos
pelo cano não satisfaz,’ não creio que algum de nós possa sentir-se satisfeito sabendo que vai se dar mal
[...]. Sobre curtir porcaria [...] nenhum de nós jamais curtiu alguma música do Sr. Gil [...]. Pode parecer
engraçado, mas trata-se de uma nova tentativa do sistema nos abocanhar”.
150
O videoclipe dessa música também foi veiculado pelo programa Fantástico
(1983). Os punks foram mostrados como jovens maltrapilhos vagando por um ferro
velho de automóveis, ruas e becos sujos, como se fossem jovens que simplesmente
gostavam de coisas podres e imundas.
Ainda, no dia 30 de Janeiro de 1983, foi lançado um filme pornográfico no
Cine Marabá com o sugestivo nome de: “Punks, os filhos da noite”. Um filme
“com cenas de sexo muito ruins e que só ficou em cartaz durante uma semana”.
151
Os punks serão também representados no último capítulo da novela – Eu Prometo -
da Rede Globo (1984), em cena que a atriz Fernanda Torres é cercada por punks,
mostrando-os “como arruaceiros”.
152
Em 1984 também aparecem jornais dando dicas e sugestões de como se
vestir e ter um comportamento punk. O Jornal Folha de São Paulo apresenta duas
150
Idem. Ibidem.
151
Fanzine Lixo Cultural – mar/1984 – nº4 (com recorte do Jornal da Tarde sobre o filme). In: BRITO, MACIEL,
OLIVEIRA, SANTOS, SILVA, 2005.
152
Idem. Ibidem.
79
versões: “Rica pra quem pode pagar perto de 300 mil cruzeiros por uma roupa de
couro e pobre pra quem anda de jeans sujos e camisetas furadas. [...] Adorne tudo
com correntes, alfinetes, [..] seja violento, arrote alto e fale palavrões, [...] você não
terá ponto, vagará em gangs pela cidade como um errante”.
153
Tínhamos também, na década de 1980, um personagem do programa - Viva
o Gordo - na Rede Globo, onde o humorista Jô Soares representava um punk que
usava o seguinte jargão: “Oi tudo é lindo, se você viver cuspindo, e vou
cuspindo...”, dando a mesma idéia de outro personagem dos cartuns da Folha de
São Paulo, o Bob Cuspe, a única preocupação desses personagens era cuspir em
tudo e em todos.
Segundo os editores do fanzine Lixo Cultural, “a solução para se evitar essas
deturpações era trocar mais idéias, intensificar nossos contatos, brigar menos entre
nós mesmos e mais contra eles, lançando mais fanzines, fitas, shows e
conquistando mais espaços”.
154
E o nosso trabalho vem colocar à tona essas
questões, vem demonstrar que os punks são sujeitos históricos que interferem,
interagem e participam da vida política e social, manifestando suas práticas e
experiências através da música, dos fanzines e de seu comportamento punk e
anarquista de crítica e protesto diante da sociedade vigente.
153
Jornal Folha de São Paulo, 15 de julho de 1984 - reportagem: “O fim de semana está chegando, produza seu tipo
inesquecivel – dicas para quem quer se produzir para o final de semana”, por Junia Nogueira de Sá.
80
No entanto, condições históricas, tais como, a falência do milagre econômico
e a repressão política, cultural e social imposta pela ditadura militar no Brasil (pós
64) foram fatores preponderantes para a explosão do protesto punk, pois deixaram
perspectivas sombrias para os jovens pobres.
O movimento punk no Brazil: não é sindicato, partido, comportamento, instituição, nem moda e
nem a salvação para o mundo, é simplesmente um estilo de vida sob protesto. O punk se
preocupa e luta contra as injustiças que ocorre com o ser humano e a natureza. Usamos aquele visual sujo e
agressivo prá mostrar o quanto a fome e a miséria é violenta. Queremos também agredir essa sociedade
burguesa, a não ter vergonha de sua própria desgraça. Precisamos acabar com a fome, com a miséria e
esconder ela não é a solução, esperar pelo governo tamm não é. A implementação da ANARQUIA não é
tarefa só dos punks e anarquistas, é uma tarefa de todo ser humano que quer viver livre. ‘O punk não quer o
poder , o punk quer destruí-lo, o punk não quer o governo, quer extingui-lo’, o punk está querendo
conscientizar e preparar o povão pra esta sociedade anarquista. Por isso, quando você ver a televisão ou o
jornal colocar o punk como vagabundo, marginal, desordeiro, animal, não acredite! A imprensa fala isso dos
punks porque ela também está do lado do sistema. Ela junto com o sistema sabe do perigo dos punks. Hoje
o povo vê os punks como uma imagem negativa, mas futuramente verá os punks como sinônimo de revolta,
luta, protesto. Punk é sinônimo de anti-governo, mas por que de anti-governo!? Porque o governo domina a
vida das pessoas, quer dar leis, ordens, porém jamais ser criticado ou desobedecido, o ser humano não
precisa de governo, ele é auto-suficiente e capaz de viver livre e em harmonia sem ser governado por
ninguém”.
155
154
Fanzine Lixo Cultural – out/1983. In: BRITO, MACIEL, OLIVEIRA, SANTOS, SILVA, 2005.
155
Fanzine “Alerta Brasil”, 1989 – Acervo do CEDIC-PUC/SP.
81
O estilo de vida punk é de luta contra as injustiças, pregando uma sociedade
sem governo através da conscientização de todos os excluídos com o objetivo de
implementação da anarquia. Segundo o pensamento punk, eles usam um visual sujo
como forma de denunciar as injustiças e arbitrariedades do próprio sistema
capitalista e representam um perigo para o sistema e por esse motivo são agredidos.
Os editores do fanzine apresentam uma perspectiva positiva de futuro, que é o
reconhecimento do movimento como contestador e precursor de uma nova
sociedade, a sociedade anarquista.
É interessante refletir também sobre a escrita de Brasil com a letra “z”, será
por descuido, ironia, falta de conhecimento ou proposital, no sentido de demonstrar
o internacionalismo do movimento? Vale ressaltar que no nome do fanzine (Alerta
Brasil) a grafia de Brasil está correta. No fanzine Alerta Brasil, os editores
retratam a indignação punk expressa em palavras de protesto contra todas as formas
de poder e de governo, contra, também, o sistema (político, econômico, social e
cultural) que, para eles controla e dirige a vida das pessoas, utilizando-se de uma de
suas ferramentas que é a imprensa (escrita e televisiva). Os punks defendem, então,
que podem ser auto-suficiente e capaz de viverem livre e em harmonia, sem ser
governado por ninguém.
82
Este fanzine, “Alerta Punk”, foi escrito em 1989, período considerado por
nós como um segundo momento da trajetória do movimento punk (pós-1985), onde
os grupos punks estão mais articulados, havendo uma separação mais nítida entre
os que gostavam somente da música punk, do visual, do comportamento ou da
atitude explicitamente política.
O movimento punk, no decorrer de sua existência, está sempre buscando se
rearticular, procurando fugir dos estigmas da violência e do modismo
desarticulado, havendo uma preocupação crescente com certa conscientização e
politização do movimento, abrindo “espaço para a emergência de novos
referenciais de contestação mais participativos e menos segregacionistas”.
156
“Eu admiro o movimento punk, mas o autentico movimento punk, não alguns embalistas que eu já
vi em SP., que nem sabem as origens do movimento, nem o que ele defende e acham que é só fazer um
determinado corte de cabelo e pronto, mas continuam reproduzindo toda a burrice e atitude do sistema.
Agindo com violência indiscriminadamente, agredindo todo mundo que não tem uma aparência igual a sua,
não participando de outros movimentos que não sejam exclusivamente punks. [...] Seria legal se todos os
marginalizados e os discriminados se unissem para efetivar uma ação direta de destruição de toda a
opressão, sem nenhum direcionamento dogmático. [...] Sobre dar uma força em selos ou mesmo em grana,
(in) felizmente tô desempregado e sem grana. Mas vou dar uma dica que acho que pode ajudar. Dá pra botar
156
SOUSA, 2002.
83
os selos usados num pouco d’água algumas horas e o carimbo sai passando a mão sobre o selo, aí ele fica
novo”.
157
Havia um esforço por parte dos punks em manter o “autêntico movimento”,
denunciando os “embalistas” que ingressavam no movimento por modismo,
“reproduzindo toda a burrice e atitude do sistema”. Outro fator significativo nas
análises das cartas é que a maioria dos remetentes estavam desempregados, sem
dinheiro para compra de selos e a alternativa utilizada por eles era a reutilização
dos selos através da retirada do carimbo utilizando água sanitária. Isso demonstra o
esforço e criatividade do movimento para driblar os problemas econômicos e
manter uma das redes de comunicação dos punks, que eram as cartas, onde a
circulação de idéias e informações era disseminada e articulada.
Ainda refletindo sobre a diversidade de correntes, pensamentos e grupos
punks, é importante analisarmos a idéia defendida por Antonio Carlos de Oliveira
em sua obra intitulada – “Os fanzines contam uma história sobre punks”.
158
Nesse
trabalho, o autor discute as diferenças de atitudes e comportamentos punks,
argumentando que todos os grupos, com suas divergências ou convergências,
fazem parte do movimento, vejamos:
157
Carta enviada por Ivo, da Casa Verde Alta/S.P., para o Núcleo de Consciência Punk, localizado no Itaim
Paulista/S.P.(O N.C.P. era uma organização punk responsável por difundir os ideais punks). Este doc. está disponível
no CEDIC-PUC/SP.
158
OLIVEIRA, 2006.
84
“Uma coisa interessante no conteúdo é a ferrenha crítica que os editores fazem aos ‘falsos punks’, porém
estes estão presentes no movimento. Essa posição extremamente desfavorável na verdade é a do ‘verdadeiro
punk’ que faz o fanzine e expressa sua posição em relação a outros. Nessa história, fica clara uma relação de
poder dos que fazem os fanzines sobre os que não fazem, como é o caso dos ‘falsos punks’.
Se o ‘falso punk’ exerce seu poder de forma violenta, o verdadeiro punk (se assim o podemos chamar) o faz
através da circulação de informações, em que prevalece o seu ponto de vista, uma vez que o outro está
praticamente ausente. [...] as posições dos ‘falsos punks’ fazem parte do movimento, inclusive sobre os
temas que os próprios fanzines abordam, essas posições não estão documentadas nos fanzines que são feitos
pelos ‘verdadeiros punks’. Existe aí uma censura e um movimento de exclusão característico daqueles que
se julgam os ‘verdadeiros’”.
159
Essa idéia de punks falsos e punks verdadeiros expressa uma disputa de
poder existente entre os grupos. Tais disputas parecem estar ligadas à visão de
anarquismo de cada um dos grupos, bem como ao modo que exercem o poder,
interagem e interferem na sociedade. Por um lado, há grupos punks que fazem
disputas de idéias e opiniões através da edição de fanzines; vale dizer que fazem a
disputa ideológica na sociedade; por outro lado, o grupo que não edita fanzines
exerce seu poder de forma espontânea e muitas vezes violenta, isto é, através da
ação direta, que é uma outra forma de expressão do pensamento anarquista.
159
Idem. Ibidem. p. 15/16.
85
O esforço, principalmente dos produtores de fanzines e dos integrantes das
bandas punks, era justamente manter o viés político, contestador e anárquico do
movimento, numa luta constante e desigual com a grande imprensa que apresentava
os punks como rebeldes sem causa, uma moda passageira que logo seria absorvida
pelo mercado de consumo. É nessa perspectiva que analisamos o embate entre os
diversos grupos punks.
Através da paulatina troca de idéias e experiências entre os punks,
possibilitadas principalmente pelas cartas, pelos fanzines, pelos eventos musicais e
pelos pontos de encontro, eles começaram a se apropriar dos espaços da cidade de
São Paulo. Possibilitando “mediações simbólicas através das quais tempo e espaço
participam da estruturação da experiência social”.
160
“Em 1977/78 reúnem-se na sociedade amigos de Bairro da Vila Masei –
Zona Norte da cidade paulistana - no salão denominado Construção. Já por volta de
1981/82, o ponto de encontro dos punks era no salão conhecido como
‘Templo’(Associação de Surdos e Mudos) que, segundo Clemente da Banda
Inocentes, o som só era permitido porque os associados não ouviam o barulho”.
161
160
ARANTES NETO, Antonio Augusto. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas, S.P.:
Editora da UNICAMP; São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. p. 88.
161
Vídeo documentário -“Botinada – a origem do punk no Brasil” de Gastão Moreira, São Paulo, 2006.
86
“...no Templo tinha lá, era um lugar que o pessoal ia, geralmente tinha sexta, sábado, e às vezes de domingo,
tinha lá um show de fita, n/é? Depôs às vezes tinha até show de banda, era um lugar, mas daí tinha a
repressão, n/é? Quer dizer, junta aquele mundaréu de cara, som alto, sempre sai uma briga, bebedeira, pá,
vem repressão, ééé...”.
162
Esses salões onde se realizavam os eventos eram locais onde punks de toda a
região metropolitana se encontravam, trocavam idéias e experiências, como, por
exemplo, o show de bandas punks realizado no dia 13 de Março de 1982, em um
salão localizado na Rua Rafael Proença, nº 433, em Santo Amaro (Zona Sul). No
panfleto de divulgação desse evento havia a seguinte informação: “[...] não destrua
os ônibus, eles serão úteis nos próximos shows. Paz entre os punks. Não esqueçam
os documentos”,
163
demonstrando que alguns punks cometiam vandalismo e que as
brigas faziam parte do cotidiano punk juntamente com a repressão policial.
Em todos os bairros da cidade de São Paulo, onde o movimento atuava, os
punks iriam criar os seus pontos de encontro, geralmente eram Sociedades Amigos
de Bairro, do local onde moravam e conheciam a comunidade e essa proximidade
permitia o contato e mobilização do espaço para realização de eventos.
Outro local de encontro dos punks era a Galeria 24 de Maio (Rua 24 de maio,
nº36), local de lojas com produtos punks, localizada na região central da cidade,
162
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos de Oliveira em 20/07/2006.
163
Fanzine Vix Punk – Maio de 1982. In: BRITO; MACIEL; OLIVEIRA; SANTOS; SILVA, 2005.
87
entre a Praça Ramos de Azevedo e a Praça da República. Fábio, dono de uma das
lojas conhecida como Punk Rock , nos deu entrevista dizendo que:
“[...] Depois que eu abri a loja (1979) que o pessoal começou n/é, porque eu mesmo nem sabia que existia
punk aqui, aí a molecada começou vir, aparecer na loja, [...] se encontrar em frente à loja, assim de sábado
n/é, e virou um ponto mesmo. [...] Uma rapa de banda foi formada na loja praticamente n/é, quer dizer, o
pessoal vinha, se encontrava e, resolvia, tava procurando alguém, acho que baixo, guitarra, sei lá, bateria, e
aí formava a banda”.
164
Na galeria os punks estabeleciam contato, trocavam informações com outros
grupos e com a sociedade em geral, pois o espaço era público. Experienciavam
diferentes formas de sociabilidade, de solidariedade e práticas de resistências
estabelecendo novas formas de vida. Na galeria podíamos encontrar fanzines,
discos e fitas de bandas punks, acessórios, roupas e vários punks circulando,
geralmente em grupos, o que era característico do movimento, já que eram
constantes os confrontos com outros grupos, com os seguranças da galeria ou então
com a repressão policial.
Para Fábio, não foi fácil estabelecer seu comércio na galeria e os punks
também resistiram pelo direito do local de encontro.
88
“[...] Aí aconteceu um monte de problema, aí em 84 por aí..., porque imagina só, aqui só tinha crente,
alfaiate [...], crente, crente, bar n/é, [...] só tinha três lojas: Baratos Afins, Music House e eu aqui. Aí
imagina só, um monte de moleque, jaqueta preta, cabelo arrepiado, o que o síndico fez? Rua n/é,
expulsando a molecada. [...] Aí, de sábado, ele punha a segurança em todas as entradas da galeria e não
deixava roqueiro subir, sabe, porque ele não sabia o que era punk e o que era roqueiro certo. [...] Aí fizeram
três abaixo assinado pra me tirar daqui. Na região central os punks se encontravam aqui ou na São
Bento”.
165
Os punks conquistavam seus territórios na cidade com luta, resistência e
criatividade. Em muitos locais foram rejeitados, não os conheciam, confundiam-
nos com roqueiros, baderneiros, desocupados, eram julgados pela roupa que
usavam ou pelo corte de cabelo, eram esteriotipados de forma pejorativa.
Mas a estação São Bento do Metrô (Região Central), que “era um lugar
também tradicional em que o pessoal se encontrava, também rolava repressão”.
166
“É’, então, a estação de metrô, reunia muito office-boy, n/é, que trabalhava no comércio em São
Paulo, eu era office-boy nessa época, acho que aqui do bairro a gente era seis ou sete office-boys da mesma
região, a gente ia e voltava junto praticamente todo dia meu, então a gente tinha essa relação de
proximidade e por isso ficava mais fácil pra gente também, mas até chegar , por exemplo: você sair da
periferia e chegar em um lugar desse, você chega devagarzinho n/é, a primeira vez que a gente foi, e
passamos pela São Bento, tava eu e um cara que já morreu o ‘OBD Negro’ (Neguinha), a gente passa e os
malucos vem, enquadra: ‘da onde vocês são ?! De onde vocês são ?! São de São Caetano?!’ O pessoal da
164
Depoimento concedido ao autor por Fábio R. Sampaio (dono da loja Punk Rock – Galeria 24 de Maio), em
19/01/2007.
165
Idem.
89
Cidade tava com uma treta com o pessoal de São Caetano, aí nós falamos: ‘somos do Parque São Rafael,
Zona Leste’. A Zona Leste tudo bem, mas pá, fica aquele clima n/é, e não é um, você está passando e vem
vinte, trinta cara em cima de você e quer saber e, de repente, você é um maluco desavisado, e fala: ‘eu sou
de São Caetano’, um moleque bobo lá vai, acabou de comprar uma camisetinha, arrumar uma calça jeans e
saiu de rolê, e tomou um pau, porra, não tem nada ver com nada, mas tomou um pau. Então, essa coisa do
espaço, também tinha quem dominava o espaço, quem controlava a idéia ali”.
167
Muitos jovens punks que conseguiam emprego eram office-boys, moradores
das regiões distantes do centro. Percorriam as longas distâncias de ônibus ou de
trem, de casa para o trabalho e vice-versa, as atividades de office-boy permitiam
um trânsito por vários espaços da cidade. Mas a estação São Bento do Metrô era o
espaço de vivência, onde os punks, office-boys ou não, se encontravam,
demarcavam fronteiras invisíveis e simbólicas, onde quem chegava era checado,
“os malucos vem, enquadra”,
168
havendo uma disputa pelo domínio do espaço. Essa
estação permitia o acesso prático aos punks de todas às regiões da cidade.
A demarcação desses lugares na cidade não é fruto do acaso, são espaços
“simbolicamente necessários que, além de propiciarem visibilidade pública às
atuações e a seus atores, carregam significações contemporâneas e memórias”.
169
Os lugares demarcados na cidade pelos diferentes grupos conferiam suas
166
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos de Oliveira em 20/07/2006.
167
Idem. Ibidem.
168
Idem. Ibidem.
169
ARANTES NETO, 2000. p. 102.
90
referências identitárias, seu modo de viver e de agir estão configurados nos eventos
dos quais participaram, onde o conflito e as tensões estão expressos no interior e no
exterior dos grupos, e dessa forma, as suas vivências e experiências na cidade criam
essa possibilidade de contatos.
Ouvimos o grito de rebeldia anárquica punk, verificamos práticas anarquistas
do movimento na cidade de São Paulo e a conquista de territórios. Aprofundaremos
agora uma análise sobre o anarquismo no movimento punk.
III – ANARQUIA E MOVIMENTO PUNK
“O que é anarquismo era o livro de cabeceira de muitos
daqueles punks, junto com obras de clássicos anarquistas
como Proudhon e Mikhail Bakunin”.
170
Inicialmente faremos alguns apontamentos sobre as diversas manifestações e
organizações do anarquismo no decorrer da História. O mutualismo do francês
91
Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) defendia a não abstenção do voto e
influenciou as organizações de orientação cooperativa; eram conhecidos pelo seu
ferrenho anticlericalismo e contrários a qualquer atividade clandestina, propuseram
também um banco comum de crédito gratuito. O coletivismo de Michail Bakunin
(1814-1876): para os coletivistas a revolução seria feita pela ação espontânea das
massas, eram favoráveis às vastas organizações operárias. O anarco-comunismo de
P. Kropotkin (1842-1921): defendia a necessidade de organização de grupos
formados somente por propagandistas da causa libertária, sem nenhum centro de
poder, cada pessoa seria juiz de suas próprias ações e exigências. O individualismo
anarquista inspirado por Max Stirner (1806-1859): segundo o qual nenhum
indivíduo deverá exercer poder sobre o outro, cada ser é único e todos deveriam
combater o Estado com os meios disponíveis. Posteriormente o individualismo
anarquista se articulará em torno da violência de cunho político. E, finalmente, o
anarco-sindicalismo que se espalhou pela Europa e nas Américas, inclusive no
Brasil, e que teve uma atuação marcante, principalmente no final do século XIX e
início do século XX, quando uma parcela considerável de imigrantes espanhóis e
italianos, imbuídos dos ideais anarquistas, contribuiram para as lutas sindicais e
170
ESSINGER, Silvia. Punk – Anarquia planetária e a cena brasileira. São Paulo: Editora 34, 1999.
92
operárias brasileiras. Para os anarco-sindicalistas a greve geral seria o supremo
instrumento estratégico revolucionário.
171
O conjunto de experiências anarquistas no Brasil apresenta diferenças
internas entre os grupos e sua trajetória brasileira no decorrer do século XX será
permeada por lutas, perseguições, fluxos e refluxos. Citamos essas diversas
correntes anarquistas acreditando que elas influenciaram os ideais anarquistas dos
punks na cidade de São Paulo.
Através das leituras e releituras “dos anarquismos”, o movimento punk
idealizou suas próprias formas e práticas anarquistas. Haviam punks a favor do
voto, os que pregavam o voto nulo, aqueles que defendiam a violência de cunho
político (destruir para reconstruir com dignidade), muitos eram anticlericais,
antimilitaristas, pacifistas e outros defendiam o meio ambiente.
O depoimento do punk Orlando Saltini expressa essa diversidade de formas
de ações e entendimentos do anarquismo:
“Sempre houve muitos, muitos punks, principalmente americanos e ingleses, que liam bastante sobre a
filosofia anarquista da França e acharam que aquilo tinha muito a ver com o punk, tanto que o símbolo é um
“A”, cortado com um traço, que é aquele, anarquia, n/é?! Mas o que eu quero dizer pra você é que anarquia
não se restringe a selvageria, n/é?! Eu acho que pra você ser punk, você não precisa ser marginal, você tem
de ser rebelde, falar o que você quer, mas eu acho que você não precisa destruir as coisas e sim a forma
171
Sobre as diversas correntes anarquistas ver: WOODCOCK, 1983 e COSTA, 1985.
93
como as pessoas aceitam e enxergam esse mundo. Infelizmente, aqui no Brasil, o pessoal confunde anarquia
com selvageria, entendeu?! Eu acho, acho que não é por aí, não é por aí. Muitas pessoas (anarquistas) foram
mortas na França, mas eles não destruíam nada, eram os ideais que pregavam que os condenavam, n/é?!
Então houve o ideal anarquista nos EUA quando, quando daquela imigração no início do século XX, n/é?!
Estou falando de 1905, 1906, porra, os italianos que chegaram lá eram todos anarquistas. A Itália é uma
anarquia, n/é cara?! Mas aí começou uma perseguição e muitos foram condenados à morte. È bem verdade
que esses anarquistas italianos mataram muita gente com bombas e eles gritavam: viva a anarquia! Mas a
anarquia, não é aquilo, não sei, ao meu ver, anarquia não é isso. Anarquia é você expressar o que você quer
a qualquer hora, sem nenhum tipo de censura, entendeu? Pra mim é isso. E o punk, claro, por ter essa
conexão, sempre vai estar ligado ao anarquismo e aqui muita gente lê, sabe, muita gente lê sobre anarquia,
muitos punks gostam de anarquia, eu também já li muito sobre anarquia, enciclopédias, e acho que tem
muito a ver”.
172
Segundo Orlando Saltini, ser punk significa ser rebelde, falar o que quer e
destruir a forma como as pessoas enxergam esse mundo; daí haver uma
proximidade com o anarquismo, pois para ele a anarquia é você expressar o que
quer a qualquer hora, sem nenhum tipo de censura. Saltini ressalta ainda a
identificação de alguns punks com o anarquismo e a necessidade de compreensão
dos seus significados teóricos e práticos.
Segundo Antonio Carlos, editor do fanzine Anti-Sistema, havia muita
confusão em torno do significado da anarquia. Diante disso, muitos fanzines
172
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006.
94
reproduziam, faziam resenhas e resumos de livros e jornais anarquistas. Para
Antonio Carlos:
“As pessoas têm mania de dizer que anarquia é desordem, bagunça, algazarra sem nenhum propósito.
Anarquia quer dizer sem autoridade, sem governo, sem superiores, as autoridades superiores são os mais
corruptos, os que se aproveitam do falso poder que tem para oprimir e fazer sucumbir às classes pobres. A
anarquia é uma forma de vida em que o indivíduo não deve ser nem mais nem menos que ninguém, não
existem superiores porque não existem inferiores, cada um fará o que é capaz de fazer, não se exigindo o
impossível como nessa sociedade, receberíamos o que nos seria justo, não haveria racismo, pobreza, fome e
muito menos riqueza e ambição”.
173
Definições como essa de anarquia circulavam nos fanzines punks em toda a
cidade, ajudando na constituição dos ideais anarquistas dentro do movimento, na
busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Para muitos punks o movimento
era uma forma de luta prática visando à transformação social.
Identificamos na fala de Antonio Carlos alguns pontos em comum com o
depoimento de Saltini: ambos citam a idéia do senso comum de que anarquia é
desordem e bagunça e ambos relatam idéias sobre o que é anarquia. Porém,
enquanto Saltini apresenta uma definição mais particular e superficial, Antonio
Carlos explicita um viés mais social e político quando relaciona corrupção e o
poder como geradores de desigualdades sociais, defendendo, através do
173
Fanzine Anti-Sistema – jul/1984 – n°1.
95
anarquismo, uma sociedade onde “não haveria racismo, pobreza, fome e muito
menos riqueza e ambição”.
No dia 21 de Agosto de 1989, o jornal Metrô News,
174
que não tem
características de grande imprensa, pois é distribuído gratuitamente nas estações do
Metropolitano de São Paulo (Metrô/SP), onde circulam pessoas de toda a cidade,
publicou, no caderno de política, uma matéria intitulada: “Se há governo eles são
contra”. Logo no início da reportagem apareciam duas fotos. A primeira com dois
anarquistas: “Afonso Schimidt”
175
e “Edgard Leuenrotth”.
176
A segunda, ao lado
da primeira, com dois jovens punks (não identificados). Embaixo dessas fotos está
escrito - “dois antigos anarquistas [...]: ao lado, dois jovens anarquistas – punks”.
“A matéria”
177
segue dizendo da eterna procura do homem pela liberdade e
de “alguns homens persistentes que atravessaram a história da humanidade com
suas idéias libertárias - são os anarquistas”. Em seguida, o jornal fala sobre “Jaime
Cuberos, do Centro de Cultura Social (CCS), um centro de estudos libertários,
fundado em 1933”. Este militante anarquista, teve os primeiros contatos com o
174
O Metrô News, propiedade da Empresa Jornalística Folha Metropolitana S/A, tinha tiragem em 1989, de 250 mil
exemplares.
175
Afonso Schimidt (1890-1964), escritor brasileiro, escreveu entre outros os romances – “Colônia Cecília” e “A
Marcha”. Colaborou na publicação de periódicos, entre eles os de tendência anarquista “A lanterna”, “A Plebe” e “A
Vanguarda”. Participou nos periódicos “A Voz do Povo” e “Folha da Noite. Na grande imprensa teve atuação no “O
Commércio de São Paulo” e “O Estado de São Paulo” onde publicou grande parte de seus trabalhos compostos por
mais de 40 obras e inúmeros artigos.
176
Edgard Leuenrotth nasceu em Mogi Mirin em 1881, durante sua vivência, teve intensa participação no movimento
anarquista, fundou periódicos e colaborou para o debate das idéias libertárias durante o século XX. Trabalhou como
96
anarquismo aos 15 anos e na época da reportagem (1989) tinha 62 anos de idade. O
Metrô News segue sua reportagem citando um depoimento de Jaime Cuberos
defendendo que: “Ser anarquista é antes de tudo ter uma atitude ética sobre as
injustiças”. Para o entrevistado, “as idéias anarquistas estão sendo levantadas por
grandes multidões, principalmente no sentido ecológico e contra as explosões
nucleares, porque esses problemas nascem do Estado” e, segundo a reportagem, “os
anarquistas querem a destruição do Estado (a palavra anarquia deriva do grego,
significa ‘sem governo’), pois consideram que ele é o mal em si, com poderes de
ditar regras e punir os desobedientes”. Cubero prossegue na matéria jornalística
defendendo que os anarquistas são a favor da organização. Ele diz: [...] “nós
defendemos que cada grupo se una conforme suas idéias e condições semelhantes –
o que chamamos de livre associação, sem imposição nenhuma, exatamente para
organizar uma nova sociedade”. Essa organização, relata o jornal, “será em forma
de autogestão, isto é, com distribuição de funções, nunca de cargos hierárquicos”.
“A reportagem”
178
também cita que os anarquistas defendem a “ação direta,
ou seja, partir para a ‘revolução já’ nos pequenos e grandes problemas do cotidiano
ou contra as mais simples proibições da sociedade”. Cubero refere-se também à
tipógrafo e colecionou rico acervo sobre o movimento operário que hoje está disponibilizado na Unicamp, em
arquivo que leva o seu nome.
177
Jornal Metrô News, 21 de Agosto de 1989.
178
Idem. Ibidem.
97
“autogestão pedagógica, que é a educação voltada para o cotidiano”, método
pedagógico utilizado nas atividades do Centro de Cultura Social.
Na seqüência, “o jornal”
179
faz referência às práticas anarquistas dos punks
dizendo que “no último dia 06 de Agosto, punks e anarquistas protestaram contra a
bomba atômica lançada em Hiroshima há 44 anos e, na Estação da Luz, em São
Paulo, ergueram faixas pregando o voto nulo nas próximas eleições presidenciais”.
“A reportagem”
180
ainda faz referências à passagem do século XIX para o
XX, período em que “as idéias anarquistas imigraram para o Brasil, junto com os
italianos e espanhóis”. Sobre algumas experiências do anarquismo no Brasil o
jornal cita o exemplo da Colônia Cecília, conduzida pelo agrônomo Giovani Rossi
no Estado do Paraná. “A organização de cerca de 300 pessoas era cooperativa e
anarquista, na qual não existia hierarquia, numa autêntica e pioneira experiência
autogestionária”. Segundo o jornal, o fim da Colônia Cecília deve-se
principalmente à intervenção “de tropas republicanas, que destruíram a
comunidade”. Muitos moradores da colônia foram, então, para as cidades, agindo
como protagonistas das lutas operárias, ajudando a fundar os princípios do anarco-
sindicalismo no Brasil.
179
Idem Ibidem.
180
Idem Ibidem.
98
A participação dos anarquistas no Primeiro Congresso Operário Brasileiro
em 1906 no Rio de Janeiro também foi citada “na reportagem”
181
, expressando a
participação dos anarquistas, “forçando a criação da Confederação Operária
Brasileira (COB). [..] Já com as idéias anarquistas de propor formas de luta, como a
greve, o boicote, atos de sabotagem e manifestações públicas ao governo e
indústrias”. No final da matéria do Metrô News, é colocado que [...] “as lutas anti-
militaristas, a rebeldia contra as leis, o governo e a sociedade, aproximam os punks
brasileiros das lutas anarquistas”.
A reportagem, que acabamos de relatar, será contestada em carta enviada por
militantes anarquistas, integrantes do Conselho Gestão da UGT-SP (União Geral
dos Trabalhadores), COB (Confederação Operária Brasileira) e AIT (Associação
Internacional dos Trabalhadores) e publicada pelo jornal Metrô News no dia
31/08/1989. Citamos algumas questões relatadas na carta:
“[...] o trabalho ecológico que vem sendo desenvolvido dentro do Movimento Anarquista, está sendo feito
pela UGT (União Geral dos Trabalhadores), federação paulista da COB (Confederação Operária Brasileira),
secção brasileira da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores) com sede na Alemanha; através da
Comissão de Defesa Ecológica, Cultural e Social, que busca a emancipação total de todas as formas –
política, econômica e religiosa de exploração e escravidão.
181
Idem. Ibidem.
99
E o trabalho desenvolvido no CCS (Centro de Cultura Social) do Sr. Jaime Cuberos, não tem identidade
nenhuma com este tipo de trabalho, ou mesmo com relação a UGT-SP, a COB ou mesmo a AIT. [...]
Quanto ao movimento PUNK, nós da UGT-SP e da COB temos a dizer o seguinte: trabalhamos com os
indivíduos PUNKS que tem afinidades com os ideais anarquistas. Anarquistas e PUNKS formam
movimentos distintos, que se unem em pontos de afinidades ideológicas e práticas”.
182
Essas duas reportagens do jornal Metrô News nos fornecem algumas pistas
sobre as idéias e práticas anarquistas no Brasil e suas relações com o movimento
punk. Protestos e manifestações públicas contra o Estado, os governos, as
explosões nucleares e o voto nulo, são práticas e experiências que aproximam os
punks paulistanos das lutas anarquistas.
Diferente de uma atuação mais prática e contestadora do início do século
XX, os anarquistas da COB tentavam na década de 1980, reestruturar suas bases de
luta sindical e operária em São Paulo tendo uma atuação mais doutrinária, com
pouca representatividade. Dessa forma irão tecer críticas à postura do CCS que
atuava no sentido de atrair novos adeptos para o ideal anarquista. A divergência,
segundo Antonio Carlos, “teve início em uma assembléia (1986) entre punks,
estudantes e representantes da COB e CCS. Como muitos estudantes e punks não
trabalhavam, então não serviam para os ideais de luta operária da COB, não
182
Jornal Metrô News – Matéria intitulada “Anarquismo” – São Paulo, 31 de Agosto de 1989.
100
podendo ser filiados a sua agremiação”.
183
No entanto, a parcela dos punks que se
identificavam com as idéias anarquistas, atuavam tanto com os anarquistas da
UGT-SP e da COB, quanto com os do CCS. Apesar dos movimentos terem suas
especificidades, o que une uma grande parte dos punks paulistanos aos movimentos
anarquistas são as afinidades práticas e anárquicas de protesto e contestação a toda
forma de poder, injustiças sociais e repressão às liberdades.
A experiência anarquista punk está permeada pela leitura de resenhas de
livros anarquistas, como relata Antonio Carlos: “se eu não tivesse participado - do
movimento punk - eu não tinha lido é... resenhas dos livros que eu li, por exemplo,
é... resenha do livro ‘O que é anarquia’ n/é, que na época era o livro que todo
mundo lia”.
184
Na medida em que o movimento punk era difundido na cidade de
São Paulo, o anarquismo acompanhava essa difusão. Era a vertente politizada do
movimento que montava bandas punks – Inocentes, Olho Seco, entre outras,
produzia fanzines – Anti-Sistema, Lixo Cultural, entre outros - e participava das
manifestações políticas de protestos contra o serviço militar, as armas nucleares, o
imperialismo, o desemprego e a exclusão social.
183
Depoimento de Antonio Carlos, não gravado ao autor, no dia 25/07/2007.
184
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos em 20/07/2006.
101
A anarquia no movimento punk também é relatada por Marcos Falcão da
banda punk “Excomungados” em palestra proferida no “Centro de Cultura Social”
(CCS):
“... sobre a anarquia, a banda Sex Pistols gravou o histórico ‘Never Mind the Bollocks, here’s The
Sex Pistols’, gravaram uma música chamada ‘Anarquia no Reino Unido’. Essa música é muito importante
em termos de formação da mentalidade punk. Quando um garoto escuta essa música, se tiver um pouco de
curiosidade, primeiro vai querer saber o que significa anarquia vai procurar com alguém. Vão explicar, ou
ele vai procurar o significado da palavra, que é ausência de governo, de liderança que direciona as pessoas.
Depois procura saber o que é UK, descobre que é Reino Unido; aí começa a pensar ‘Anarquia no Reino
Unido, isso é na Inglaterra’, começa a ter uma visão política da coisa. Se a Inglaterra é um país imperialista,
que domina outros países do mundo através da exploração econômica e militar, outros punks vão surgir em
outras regiões querendo fazer anarquia no Reino Unido, esse se tornará inimigo comum dos punks e foi
nesse ponto que disse que o punk carrega a anarquia dentro dele, onde estiver indo estará levando a
anarquia. [...] Antes de 77, punk era prostituta, trombadinhas, cheirador de cola, mendigos, aleijados; a
partir de 77, esse pessoal que estava sendo marginalizado e querendo mudar a situação se uniu em torno
desse movimento que se espalhou pelo mundo.[...] Os punks também estão na anarquia, porém não tem a
base que tem um anarquista com 40 anos de trabalho”.
185
Para Falcão, que era integrante de uma banda punk na época que proferiu a
palestra, as idéias anarquistas estão presentes no movimento punk desde a
185
Fala de “Falcão”(Banda Excomungados).Transcrição de palestra proferida em dez. de 1987 no Centro de Cultura
Social ( CCS-organização anarquista). Também participaram da mesa: “Gurgel” do Núcleo de Consciência Punk,
“Carlão”, editor dos fanzines Anti-Sistema e Aborto Imediato, “Carlo Aldeghieri”, ex combatente da Revolução
Espanhola e sobrevivente de um campo de extermínio na Alemanha e “Jaime Cubero” então secretário da CCS. Doc.
disponível no CEDIC-PUC/SP.
102
Inglaterra, atribuindo à Banda “Sex Pistols
186
um papel importante na tarefa de
divulgação inicial da idéia de anarquia. O comportamento da banda e suas letras,
que proclamavam a destruição do sistema político, econômico, social e cultural na
Inglaterra e a luta contra o imperialismo, atraía cada vez mais adeptos para o
movimento punk.
E a juventude do Brasil que, por volta de 1977/78, foi tomando contato com
o movimento punk, também foi assimilando esse ideal político da anarquia,
principalmente os jovens pobres, moradores dos bairros distantes do centro da
cidade de São Paulo, filhos de operários, que estavam sentindo na pele os
resquícios de uma malfadada ditadura militar, com o fantasma da repressão, da
crise econômica e do desemprego rondando sua porta. “A gente vivia numa
ditadura pura, a gente não podia se agrupar em 3 ou 4 pessoas que a gente era
parado pela polícia”.
187
É “esse pessoal que estava sendo marginalizado e querendo
mudar a situação”
188
que se uniu em torno do movimento punk em São Paulo.
“Tudo o que um punk quer é ser livre das garras do capitalismo, livre dos conceitos
pré-determinados e livre das regras e das autoridades” diz o punk Sérgio Ricardo
186
“Sex Pistols”(1977/78), uma das primeiras bandas punks inglesa e uma das responsáveis pela explosão punk
musical pelo mundo.
187
Vídeo documentário – “Botinadas – a origem do punk no Brasil” de Gastão Moreira. Depoimento de “Tina”-Punk
SP, 2006.
188
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos de Oliveira em 20/07/2006.
103
Esteves em entrevista ao jornal “Metrô News”,
189
Sérgio conclui dizendo acreditar
que a sociedade ideal é a anarquista.
De início a experiência punk anarquista no Brasil tem uma conotação
musical, “o punk ele não veio só como uma maneira de protesto contra um sistema
e sim um protesto contra a música, pra mudar porque depois do punk rock a música
mudou completamente”.
190
A disseminação da música punk em São Paulo é
atribuída principalmente à “Revista Pop” que, em 1977, publicou uma matéria
intitulada “A Revista Pop apresenta o punk rock”. Orlando Saltini, um punk da
época, diz: “o primeiro som que eu ouvi assim, categorizado com punk foi em um
LP da Revista Pop. É bom lembrar que punk já existia na época do Iggy Pop, MC5
e essas coisas”.
191
O punk rock também era divulgado no programa da “Rádio
Excelsior”, em 1979, e o locutor do programa, conhecido como Kid Vinil, trazia as
novidades das bandas punks do exterior. Mao (ex-integrante da banda Garotos
Podres) relata: “Tinha um colega meu, esse colega meu, que na época, o programa
acho que era de quarta-feira à noite, o cara pulava o muro da escola pra ir pra casa
189
Jornal Metrô News – São Paulo, 21 de Agosto de 1989. Caderno de Política – Matéria intitulada: “Se há governo
eles são contra” – fazem uma discussão sobre os velhos anarquistas (Afonso Schimidt e Edgard Leuenrotth) e os
novos anarquistas punks. Por ser distribuído gratuitamente no metrô da cidade paulistana, atingindo públicos
diversos, não consideramos esse jornal enquanto grande imprensa.
190
Vídeo documentário “Botinadas – a origem do movimento punk no Brasil”, 2006 – Depoimento de Pierre da
banda punk “Cólera”.
191
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006. “Iggy Pop” e “MC5” eram bandas consideradas
punks, por muitos, antes de 1977.
104
gravar o programa do Kid Vinil”.
192
Esse material gravado “era a principal fonte de
informação que a gente tinha, tanto é que o pessoal gravava e trocava fita, um
emprestava fita pro outro, fita do Kid Vinil”.
193
Juntamente com os LPs que, na
maioria das vezes, “você não tinha dinheiro pra comprar o vinil, mas a fita K7 você
tinha e muitas vezes alguém comprava ou conseguia algum vinil e todo mundo
gravava o vinil do cara”.
194
Com essas fitas gravadas e os poucos LPs conseguidos
aconteciam os sons punks em alguns salões da cidade de São Paulo, como o
“Construção” (1977/78) na “Sociedade Amigos de Bairro da Vila Masei” e o
Templo (1981/82) “Associação de Surdos e Mudos”, e em outros pontos da cidade.
Nos sons, os punks se encontravam e trocavam experiências, foram espaços de
sociabilidade, que permitiram a formação das primeiras bandas punks e os
primeiros fanzines na cidade de São Paulo. E foi dessa forma que a idéia de
anarquia foi sendo paulatinamente disseminada no movimento punk com a
proposta do “faça você mesmo” (Do it yourself), faça o seu fanzine, monte sua
banda, se autogoverne, destrua o sistema. Essas redes improvisadas de
comunicação foram estratégias de lutas e resistências dos punks na cidade.
192
Trecho extraído de palestra de Mao feita em 09 de dez. 2002 no núcleo de Estudos do Cotidiano e da Cultura
Urbana, da PUC-SP. In Sociabilidade juvenil e cultura urbana. Orgs. Marcia Regina da Costa e Elizabeth Murilho da
Silva. São Paulo: Educ, 2006. p. 25.
193
Ibidem.
194
Ibidem. p. 26.
105
Sobre essa temática citarei na íntegra um trecho da entrevista concedida por
Antonio Carlos de Oliveira:
“Tem uma palestra ali que uma vez em..., acho que foi a primeira vez que eu falei no Centro de Cultura, eu
falei para o público, me convidaram, esse cara, o Gurgel me indicou para fazer parte de uma mesa para
discutir o movimento punk e anarquismo, aí eu pô, vinte anos de idade, no auge de minha ignorância, da
minha arrogância, eu chego no Centro de Cultura, sento, aí chega um velhinho todo curvado, cara, era o
Aldegheri, senta do meu lado, tava bem cedo e ele pergunta assim: ‘é, mas o que vocês querem?!’ Há, a
gente quer destruir o sistema. ‘Há, ta bom, destruir o sistema é fácil, e o que vocês vão fazer depois que
vocês destruírem o sistema?!’ Acabou, meu amigo, acabou, acabou, não tem resposta nenhuma pra dar,
você começa a gaguejar, falar um monte de abobrinha, mas consistência nenhuma, nenhuma, falando de
1985, e essa época eu já tinha escrito acho que dois ou três exemplares do fanzine chamado ‘Anti-Sistema’,
então eu não era uma pessoa tão sem informação assim, recebia correspondência de vários lugares do
Brasil, de vários lugares do mundo, então eu não era uma pessoa tão desinformada”.
195
A palestra a que se refere Antonio Carlos ocorreu em dezembro de 1987, no
Centro de Cultura Social (CCS: uma associação de orientação anarquista fundada
na primeira metade do século XX), durante o ciclo “Cultura, Contra Cultura e
Cultura Alternativa”, onde o tema da palestra era “O movimento punk”. Nesse
depoimento, Antonio Carlos expressa a idéia de imediatismo e imaturidade dos
jovens punks em relação à compreensão e dimensão da proposta anarquista. A
pergunta de Carlo Aldeghieri, anarquista, ex-combatente da “Revolução
195
Entrevista concedida ao autor por Antonio Carlos de Oliveira em 20/07/2006.
106
Espanhola” e sobrevivente de um campo de extermínio na Alemanha nazista sobre
o que fazer depois de destruir o sistema, deixou o entrevistado sem resposta. De um
lado o jovem anarquista com um ideal, de outro o velho anarquista com uma
indagação de ação prática: o que fazer depois que destruir?
No entanto, esse contato entre “velhos” militantes anarquistas e os punks é
de fundamental importância para despertar reflexões e análises sobre a atuação
prática e política do movimento punk. Essa convivência propicia a percepção da
existência de contradições no interior do movimento. Antonio Carlos recorda-se de
outra pergunta feita por Aldeghieri nos seguintes termos:
“[...] ‘você não acha que o símbolo que você usa ao invés de você contestar você fortalece porque o usa e o
reproduz? [...] Você não é contra o sistema, contra as forças armadas, contra não sei o que, como é que você
usa um símbolo que você tanto critica, você entendeu assim?’ Eu acho que esses primeiros anos eles são
fundamentais porque sem eles não teria o resto, aí então, esses anos eles são os anos de gestação da cultura
punk, não existe cultura punk no Brasil, se você pegar na década de 80, se a gente for analisar com
seriedade mesmo, o rock na década de 80 é uma coisa de branco classe média, o punk é que transforma, o
punk rock transforma o rock na década de 80 como algo periférico, porque até então não era, e eu vou dizer
mais, periférico, mas majoritariamente branco, porque também não era com tanta presença de negro no
movimento não, e predominantemente masculino, entendeu, então assim, no mínimo essas coisas têm que
demonstrar que, se a gente era anarquista, a gente era um anarquista muito ruim, porque não conseguia
perceber essa contradição gritante que existia dentro do próprio movimento”.
196
107
As discussões acerca das contradições em relação à postura anarquista dos
punks foram avaliadas pelo integrante do movimento como fundamentais para “a
gestação da cultura punk.” Outro aspecto importante apontado foi o papel
desempenhado pelo “punk rock” que permitiu aos jovens dos bairros distantes do
centro da cidade tocarem e experienciarem o rock, montando suas próprias bandas
sem recursos e/ou sem saber tocar. Segundo o depoente, essa inclusão, porém, era
parcial, majoritariamente branca e masculina, contradição não percebida no
movimento punk.
Quando perguntado a Antonio Carlos sobre a sua trajetória do movimento
punk para o anarquista que ele é hoje, obtivemos as seguintes indagações:
“Contribuiu, é lógico, se eu não tivesse participado eu não tinha lido é, resenhas dos livros que eu li, por
exemplo, é... resenha do livro ‘O que é anarquismo’ n/é? Que na época era o livro que todo mundo lia, então
se você não tivesse lido a resenha ali, você não ia saber que aquilo existia. [...] Quando você entra em
contato com o movimento anarquista organizado você vê que tudo que você leu é insignificante diante
daquilo que é o movimento anarquista, é que a sua leitura é muito limitada, a sua concepção de história, de
mundo, de pessoa é muito limitada, aí quando você entra em contato com eles aí o seu universo se abre, no
Centro de Cultura social em 1985, tinha ex-combatente o Aldegheri, o cara era um italiano, que luta contra
o fascismo, vai preso, para o campo de Aushwitz, sobrevive porque é um bom sapateiro, foge, volta para
ajudar libertar seus amigos
[...] Vai preso na Guerra Civil Espanhola [...] ele foge para a França e vai parar
na Alemanha. Agora você imagina, sentar com um maluco desse e trocar idéias, você está trocando idéias
com a história viva, n/é cara, não é o que você leu. [...] O Pedro Rueda, o cara foi tenente ou capitão
196
Idem. Ibidem.
108
durante a Guerra Civil Espanhola, [...] todos homens com mais de 60/70 anos de idade, a experiência que
eles te colocam naquele momento , pô bicho, não tem curso de história que te dê isso [...], porque ali, o que
acontecia, todo sábado você tinha uma palestra diferente, então eu assisti [..] Maurício Tratemberg quando
ele ainda tinha cabelo comprido. [...] Você pegar um cara com vinte e poucos anos de idade com
possibilidade de convivência cultural dessa, porra, potencializa pra caramba aquilo que você pode aprender,
que o movimento punk jamais poderia me dar, jamais, mas ele foi a ponte pra isso. [...] Isso é uma coisa que
eu acho que vai levar alguns anos para poder sentar, digerir e entender essa relação inicial entre o
movimento punk e anarquista. È uma relação extremamente rica, extremamente confusa e contraditória”.
197
O movimento punk influenciou o jovem Antonio Carlos a buscar leituras e
informações sobre o movimento anarquista e sobre o próprio significado da
anarquia, como todos os punks da época, que tinham interesse pelo anarquismo, o
primeiro passo eram leituras de resenhas de livros sobre o tema, entre eles “O que é
anarquismo”.
198
Essa identificação com a temática anarquista permitirá a
aproximação e o contato do movimento punk com o movimento anarquista,
ampliando o universo de concepções de vida, de história e de sociedade para os
jovens punks. Isso, segundo Antonio Carlos, devido às atividades culturais
propiciadas pelo Centro de Cultura Social (CCS), onde a “possibilidade de
convivência cultural” e troca de experiências dos anarquistas com os punks foram
fatores preponderantes para o aprimoramento e busca de entendimento do que seria
um punk anarquista. Para Antonio Carlos, o movimento punk propiciou para que
197
Idem. Ibidem.
109
tudo isso acontecesse e para que ele percebesse que a relação, entre punk e
anarquismo, é confusa e contraditória.
As ligações e contatos dos punks com o Centro de Cultura Social são
atribuídas ao punk Gurgel, do Núcleo de Consciência Punk, que também atuava no
CCS desde sua refundação, em 1985, ao Antonio Carlos, e ao próprio projeto e
proposta do CCS, de somar, aglutinar e atrair os jovens para o ideal anarquista.
Essas ligações e contatos foram também registrados em jornais como o “Diário
Popular”
199
no qual aparece o depoimento de Jaime Cubero, ex-sapateiro e ex-
jornalista, “um velho militante do anarquismo do Brás, secretário do Centro de
Cultura Social ( uma reminiscência do forte movimento anarquista que o bairro
viveu no início do século XX)”,
200
Jaime afirma que “alguns punks podem ser os
futuros anarquistas” e durante os seminários e cursos do centro, “Cubero vê um
potencial muito grande nos punks que não é compreendido ou bem canalizado”.
De acordo com Antonio Carlos, que também era punk e atuava no CCS, o
Gurgel tinha a função de atrair, trazer os punks simpatizantes do anarquismo para o
Centro de Cultura Social. Gurgel também fundou o Núcleo de Consciência Punk
(NCP) no Itaim Paulista, Zona Leste da cidade. Através do núcleo ele recebia e
198
COSTA, Caio Túlio. O que é anarquismo. São Paulo. Ed. Abril Cultural: Brasiliense, 1985.
199
Jornal “Diário Popular” – p.6 – Política – Matéria: Anarquistas comemoram os 30% de votos nulos – São Paulo,
30/12/1986.
200
Idem. Ibidem.
110
respondia cartas de punks de diversas regiões do Brasil e do mundo, sempre
preocupado com a temática da atuação anarquista do movimento punk.
Numa reportagem publicada pelo “Jornal do Brasil” em 07/12/1987, escrita
pelo jornalista Fernando Granato e intitulada: “Anarquistas e ‘punks’ reúnem-se
contra imperialismo em São Paulo – de gerações diferentes, velhos anarquistas e
jovens punks encontram afinidades”,
201
aparece um tipo de argumento que era
comum a anarquistas e integrantes do movimento punk:
“Aparentemente de gerações tão distintas, Carlo Aldegheri, 85 anos, sapateiro aposentado e anarquista
convicto, e Marcos Falcão, 23, estudante de história da USP (Universidade de São Paulo) e participante do
movimento punk (uma legião de jovens da periferia de São Paulo), têm um interesse em comum: ambos se
dizem ‘contra o imperialismo burguês’. Essa afinidade foi suficiente para que arrastassem grupos de adeptos
para lotar, no fim de semana, o pequeno auditório do Centro de Cultura Social (CCS) – uma associação
cultural anarquista localizada no bairro do Brás, onde no início do século se concentravam os militantes do
anarquismo de São Paulo.
‘Temos a cabeça erguida contra o sistema capitalista’, afirmou Carlo, que revelou ter lutado pessoalmente
‘contra o imperialismo, em 1936, na guerra civil espanhola’, do lado republicano contra as tropas de
Francisco Franco. Sentados a uma mesa diante de uma parede onde se destacava os símbolos punk e a
conhecida frase em espanhol ‘hay gobierno soy contra’, os velhos anarquistas herdeiros do movimento e os
jovens punks dos anos 80 produziram cinco horas de debates para atentas 50 pessoas”.
202
201
“Jornal do Brasil” – 1º caderno – 07/12/87.
202
Idem. Ibidem.
111
O posicionamento comum de serem “contra o imperialismo burguês”
permitiu uma aproximação e um convívio de troca de experiências entre velhos
anarquistas e jovens punks. Nesse sentido, destacamos a prática do Centro de
Cultura Social de realizar atividades culturais como forma de divulgar as idéias
anarquistas através de suas próprias práticas. Além de Marcos Falcão e Carlo
Aldeghieri, também participaram da mesa dessa palestra com o tema: “Movimento
Punk”, nas atividades do ciclo – “Cultura, Contra Cultura e Cultura Alternativa” do
Centro de Cultura Social (CCS), o Gurgel do “Núcleo de Consciência Punk”, do
Itaim Paulista (Zona Leste de São Paulo), Antonio Carlos editor dos fanzines
“Anti-Sistema” e “Aborto Imediato para o Renascer de Um Novo
Espermatozóide”, de São Mateus, também na Zona Leste e Jaime Cubero,
secretário do Centro de Cultura Social.
203
Nessa palestra, Marcos falcão inicia falando dos aspectos gerais do
movimento “que é internacional, existem jovens e bandas de comportamento punk
em todas as regiões industrializadas”, e segue fazendo referência à deflagração do
movimento na cidade de São Paulo e de como os jovens dos bairros afastados do
centro da cidade paulistana, paulatinamente, foram se envolvendo com o
movimento, da repressão policial, da participação das “punkas” no movimento, que
são em número menor que os punks, mas que “a garotada trata muito bem as
203
A transcrição dessa palestra esta disponível no CEDIC/PUC-SP.
112
garotas sempre de uma forma aberta e sem frescura”, fala também das rivalidades
entre as gangues e que no mundo todo os jovens punks trocam cartas uns com os
outros.
Em seguida Antonio Carlos fala do sensacionalismo que a “imprensa
burguesa” faz sobre a violência no movimento punk, e diz que “o fato de termos
pessoas dentro dessa sala ouvindo os punks já é um grande avanço, porque quando
o movimento surgiu durante muitos anos foi marginalizado por todos; é um
movimento de contracultura” de jovens contestando a sociedade. Aldeghieri faz a
seguinte colocação: “meu ponto de vista sobre os punks, a burguesia pode viver mil
anos ainda que vocês não vão resolver o problema dessa sociedade podre. Resolve
o problema social quem tem uma organização [...] e se necessário alguma vez
violência”.
Jaime Cubero, na palestra, fala da imaturidade e da importância das
manifestações punks e critica as rivalidades dentro do movimento e Marcos Falcão
responde que “os punks surgiram dentro da idéia da anarquia, porém sem a base
histórica dos anarquistas que atravessam o século XX e participam de revoluções e
lutas”. Praxedes, um punk da platéia, diz que “os punks têm uma forma de
organização que são as bandas, a música serve como ponto de encontro, se trocam
idéias, etc. As gangues são formas de autodefesa, porém falta essa base, falta na
113
teoria e organização” e Antonio Carlos conclui que “falta direcionamento, mas
ninguém vai direcionar, que porra somos nós? Vamos dirigir a coisa? Tem que
surgir espontaneamente, não de um ou outro indivíduo, ou grupo que vai fazer esse
tipo de coisa”.
Essa palestra expressa uma preocupação premente, tanto dos “velhos
anarquistas” quanto dos punks, em compreender o comportamento, as ações e
atitudes do movimento punk e suas contradições externas e internas na tentativa de
experiências e práticas anarquistas. Portanto, o fato dos punks participarem de
eventos políticos com Jaime Cubero e com ex-combatentes da Revolução
Espanhola em uma palestra significa a produção de espaços de luta e resistência
política. Numa postura de somar e integrar experiências de práticas e vivências
anarquistas no decorrer da história.
Apesar das contradições, o anarquismo integra o movimento punk na
perspectiva de uma teoria que atenda suas expectativas práticas de alterações
substanciais nas estruturas políticas, econômicas e sociais da sociedade vigente.
Nesse sentido, faz-se necessário apontarmos e discutirmos um pouco do que se
convencionou chamar de anarquia, tanto no movimento punk, quanto nos usos e
origens da palavra.
114
Em documento escrito pelo “movimento punk do subúrbio” analisamos
algumas reflexões sobre o significado da anarquia para os punks:
“Não precisamos de ninguém para governar nossas mentes, sabe o que isso significa? ‘Anarquia’; as
correntes de pensamento do século passado de rebeldia e luta contra as forças repressoras do império, na
antiga Grécia surge a palavra ‘anarchos’ que significaria – desordem na falta de um governo ou quando não
existe a necessidade dele, sem governo, sem autoridade, sem superiores”.
204
O conceito de anarquia aqui é resgatado da Grécia Antiga, demonstrando que
havia uma preocupação premente de uma ala mais politizada do movimento punk –
os que escreviam fanzines, tocavam em bandas e participavam de passeatas e
protestos - em aprofundar os estudos sobre o anarquismo. Orlando Saltini chegou a
afirmar que “Sócrates (o filósofo grego) era punk, porque ele pregava a
liberdade”.
205
O conceito de anarquia foi generalizado para abranger toda a
resistência à tirania e luta pela liberdade.
O anarquista Edgar Leuenrotth, que teve atuação marcante, no início do
século XX, nos movimentos operários do Brasil, contava uma história interessante
sobre como surgiu a palavra anarquia:
204
Manifesto do Movimento Punk do Subúrbio, 1989. Doc. disponível no CEDIC-PUC/SP.
205
Entrevista concedida por Orlando Saltini em agosto de 2006, ele curtiu punk desde a década de 70 e continua
curtindo até hoje. Doc. disponível no CEDIC-PUC/SP.
115
“Na Grécia, por volta de 478 a.c., existiu, em Tebas, certo tipo que, dispondo de poder, viveu a escravizar o
povo e a praticar barbaridades. Contra suas brutalidades formou-se um movimento de protesto. Arquias era
o nome desse tirano. An-Arquias eram designados aqueles que contra ele reagiam. O tirano sucumbiu
assassinado em meio às orgias de um festim. Contra os Arquias de hoje continuam combatendo os
anarquistas”.
206
De acordo com Leuenrotth e Saltini a idéia de liberdade e resistência à
tirania prevalece desde a Grécia antiga com os tebanos e Sócrates, até a
contemporaneidade com os anarquistas clássicos (séc. XIX e XX) e os novos
anarquistas, entre eles, membros do movimento punk. O informativo a seguir
ilustra os ideais anarquistas no movimento punk:
“Os punks tem como ideologia de vida a anarquia, que não é bagunça nem confusão. Anarquia é liberdade
de ação e expressão consciente, anarquia é negação ao princípio de governo, autoridade e patrão, é o auto-
governo consciente de cada cidadão para formar uma comunidade digna e honesta”.
207
Em entrevista para a revista “Planeta”, Clemente, integrante da banda punk
Inocentes”, diz por que os punks se declaram anarquistas: “Nós rejeitamos o
Estado. O Estado é o maior inimigo do homem. E onde há autoridade, não há
liberdade. Nós queremos uma sociedade sem Estado, sem líderes. A autogestão é
206
Revista Planeta – nº 126 – Março de 1983.
207
“Informativo de conscientização”. Sem autoria, 1988. Doc. disponível no CEDIC-PUC/SP.
116
possível, então vamos nos autogerir”.
208
Em outra edição da revista “Planeta” o
redator Carlos Tavares escreve que “o que une os anarquistas é o ódio ao Estado
enquanto máquina de opressão e de exploração do homem pelo homem”.
209
Em documento intitulado “A.B.C. da anarquia”, datado de 1989, são
apresentadas, em ordem alfabética, uma série de expressões com seus respectivos
significados dentro do pensamento anarquista.
“Anarquia: talvez seja uma utopia, mas não paramos de lutar pela sua instalação.
Biko: líder negro do Apartheid.
Capitalistas: raça podre que predomina no Brasil. Um bando de culhões.
Divida externa: sua autoria é de porcos governantes.
Enganadores: homens que estão no poder e que se dizem amigos da população.
Fascismo: sistema político nacionalista antiliberal, imperialista e antidemocrático.
Guerra: procedente de ambição dos homens. Por causa dela, milhares morrem, apenas para deixar alguns
líderes felizes.
Hitler: O maior filho da puta que a terra já teve notícia. Foi o culpado pela 2º guerra e matou milhares com
seu exército. O senhor do nazismo e, segundo Nostradamus, o segundo anti-cristo.
Igreja: instituição podre que finge ser carente e suga até o último tostão dos que nela crêem.
Jovens: pessoas que podem (se começarem a agir) mudar a situação caótica em que o país se encontra.
Karl Marx: autor de teorias do socialismo.
Liberdade: coisa que não tem preço e alguns tiranos tentam tomar-nos a todo instante (se é que já não
tomaram).
208
Revista Planeta – nº 128, maio de 1983.
209
Idem – nº 126 – março de 1983.
117
Militares: em geral uma raça de porcos, fascistas, escória humana que tem sede de sangue, violência e
poder. ‘Porem há suas exceções’.
Natureza: coisa belíssima, escassa no mundo de hoje.
Opressão: tirania exercida contra outras pessoas, antítese de anarquia.
Paz: algo pelo que se luta. Se você quiser saber melhor , ouça o LP ‘Pela paz em todo o mundo’, do
‘Cólera’.
Revolta: sentimento que temos quando abrimos os olhos e vemos o que fizeram com as nossas vidas.
Sex Pistols: autores da canção ‘Anarchy in the UK’. Considerado o principal conjunto a dar iniciativa à
explosão punk.
T.V.: 90% da programação é pura lavagem cerebral. Evite: novelas, seriados americanos e os jaspions da
vida.
Usina Nuclear: uma passagem para o inferno.
Xacota: define o governo do domínio Zé Sarney.”
210
A idéia de vitalidade e potencial revolucionário dos jovens é expressada, no
sentido de colocar em prática os ideais anarquistas de luta contra a opressão e as
formas de tirania que ameaçam algo que para os anarquistas não tem preço: a
liberdade. Como diz Orlando Saltini, “[...] é você expressar o que você quer a
qualquer hora, sem nenhum tipo de censura”.
211
Manifestos e informativos eram distribuídos nos pontos de encontro e nos
eventos musicais, muitos também eram publicados em fanzines punks. Esses
documentos eram fundamentais para a sobrevivência do movimento, pois
210
“A.B.C. da anarquia”. Sem autores, 1989. Doc. disponível no CEDIC-PUC/SP.
211
Entrevista concedida ao autor por Orlando Saltini em 19/08/2006.
118
apresentavam uma variedade de temas e suas definições de acordo com o ponto de
vista do punk, apresentando uma proposta de unidade de posturas e discursos no
seio do movimento. As temáticas abordadas pelos punks eram preocupações
vivenciadas por eles no decorrer dos anos 80, a questão nuclear, o apartheid na
África do Sul, a dívida externa brasileira, a postura da igreja, dos governantes, o
dilema juvenil e a luta pela utopia anarquista (se há luta é porque acreditam na
possibilidade), entre outras questões apontadas no “A.B.C. da anarquia”. Essas
questões faziam parte de um presente doloroso e perverso, que deveria ser
interrompido e transformado principalmente pelos jovens, “pessoas que podem
mudar a situação caótica em que se encontra o país”.
No Fanzine do “Movimento SP Punk”, continuam contestando todas as
formas de totalitarismos, assumindo uma postura teórica: “Nós punks negamos o
nazismo, o neo-nazismo e qualquer outro tipo de tendência fascista, pelo simples
fato de sermos anarquistas”.
212
A década de 1980 marcou o movimento punk, pois foi nesse período que se
intensificou uma busca de referências identitárias, onde a experiência e a vivência
dos sujeitos sociais ajudaram a forjar o ideal e uma base teórica anarquista. Nesse
processo, as concepções de música, de política, de cultura e do social, foram se
212
Manifesto“Ação e Anarquia” – Movimento SP Punk (sem autoria) – 1º de maio, 1990. Doc. disponível no
CEDIC-PUC/SP.
119
firmando em uma idéia de movimento que se expressava em suas manifestações e
representações tanto do passado, quanto do presente e do futuro. O movimento
punk então começa a consolidar uma atitude de luta política contra o inimigo
declarado que era o sistema capitalista, o governo e toda forma de repressão às
liberdades individuais e coletivas.
O ideal político punk irá permear todas suas ações, tanto na organização das
bandas punks e seus eventos musicais, quanto no seu visual e comportamento. No
entanto, será nos fanzines que poderemos identificar essa preocupação com a
informação e organização dos punks, numa busca de mobilização em torno de
ações concretas amparadas pela idéia de anarquismo, como podemos observar
nesse texto extraído do fanzine punk intitulado “Lixo Cultural”:
“[...] Quando se fala de ideologia já se pensa em termos políticos, quando se rotula direita, esquerda, centro,
centro-esquerda, centro-direita, uma posição mais ou menos clara [...] enquanto que o PUNK prima por
ficar fora de qualquer rótulo que não serve pra gente, a hierarquia é sempre organizada de cima pra baixo, e
a gente fica embaixo [...] nós rejeitamos qualquer forma de autoridade [...] o princípio de anarquia é uma
coisa bem velha, que a gente tá tentando reviver...ausência absoluta de líderes, de autoridade, de
policiamento, de governo, seja de direita, esquerda, centro, de onde vier, nenhuma política serve pra gente,
cada um pode pensar pela sua própria cabeça e se responsabilizar pelos seus atos, qualquer pessoa
consciente é capaz de fazer isso, não precisa nem ser PUNK [...] qualquer ordem dada não será obedecida,
venha de onde vier, da sociedade, da família, cada ser humano tem ou deve ter autonomia suficiente[...]”.
213
213
Fanzine “Lixo Cultural”, junho de 1983.
120
Há uma contradição no texto quando se refere à anarquia enquanto
movimento apolítico, sugerindo que os problemas de autoridade, de hierarquia e
rotulações estão relacionados à política. Em 1983 (ano de produção do referido
fanzine) vínhamos de um período de sucessivos governos militares, impondo um
regime político autoritário e repressivo, e esses jovens punks, marcados pela
ditadura, ansiavam por liberdade nos âmbitos político, social e cultural.
Os Punks também não consideram o movimento como algo localizado ou
nacionalista. O movimento é internacionalista, havendo um intenso intercâmbio
entre punks de todo o mundo através de cartas e, principalmente, de fanzines, meio
de comunicação por excelência do movimento punk no mundo inteiro, devido à sua
praticidade.
Em uma sessão de cartas enviadas por leitores, intitulada “A cidade é sua” do
jornal “Folha da Tarde”, a leitora Cecília de Mendonça Goda reclama da falta de
notícias na imprensa sobre a passeata que o movimento punk fez no dia 07 de
setembro na praça da Sé, no centro de São Paulo, e que foi duramente reprimida
pela polícia. Cecília afirma que:
“Fizemos uma passeata totalmente pacífica saindo da praça da Sé e fomos reprimidos a cacetadas quando
atravessamos o viaduto do Chá. Encontraríamos outros punks na estação Armênia do metrô na zona norte,
121
mas eles foram presos quando desceram do trem. Estávamos desarmados e apanhamos, levamos cacetadas
na cabeça, no pescoço, braços e pernas, como se estivéssemos nus. Fomos presos. Éramos cerca de cem
punks, entre os quais havia menores, que foram igualmente agredidos como animais. Ficamos detidos nas
delegacias de polícia de números um, dois e cinco”.
214
A prática de participação em passeatas sempre foi uma constante no
movimento punk, bem como a truculência policial. Podemos constatar punks nos
atos realizados por sindicatos no primeiro de maio (dia do trabalho), nos comícios
pela realização das eleições diretas (Diretas já, 1984) e em protestos como o
realizado (dia 06/08/1989) no Parque da Luz, lembrando as mortes causadas pela
bomba atômica, lançada pelos norte-americanos em Hiroshima (Japão) e
denunciando a corrida armamentista iniciada há cem anos pelas grandes potências
mundiais. O protesto do Parque da Luz foi organizado por “cerca de 50
manifestantes de movimentos punks, unidos à Confederação Operária Brasileira
(COB) e à Associação Internacional de Trabalhadores (AIT), entidades de filosofia
anarquista”.
215
A truculência policial está relacionada aos estereótipos e
preconceitos veiculados na “grande imprensa e meios de massa”,
216
em que os
punks eram expostos como vândalos, marginais e baderneiros.
214
Jornal Folha da Tarde – década de 80. No documento do arquivo punk do CEDIC/PUC-SP, não foi possível
localizar a data.
215
Jornal Folha da Tarde – 07/08/1989.
216
Nelson Werneck Sodré diz que os “meios de massa” são representados principalmente pela televisão que tem uma
grande penetração, um grande alcance sobre a população. Enquanto que a “grande imprensa” é um meio de não uso
122
Observamos em quase todos os fanzines reflexões sobre os conceitos de
anarquia, revolução, capitalismo, socialismo, onde leituras sobre o movimento
anarquista e seus precursores eram primordiais para o ingresso e atuação no
movimento punk. Neste sentido, Antonio Carlos de Oliveira em seu livro – “Os
fanzines contam uma história sobre punks” – escreve que:
“Vários textos punks buscam mostrar ao brasileiro: ‘o que vem a ser anarquismo’. Entre esses há um texto
no fanzine ‘Os Explorados’, de 15 páginas, com os seguintes subtítulos: ‘Antecedentes do Anarquismo’,
‘Godwin e os princípios de justiça política’, ‘A grande época revolucionária’ sobre a Revolução Francesa,
‘A Revolução Industrial’ que fala também de Marx e Proudhon, ‘Bakunin e a internacional’, ‘A propaganda
pela ação’, em que é citado James Joll; ‘A Revolução Bolchevique e a Guerra Civil Espanhola’ e termina ‘A
tradição anarquista continua a condimentar reações como a de Maio de 68 na França, bem como muitos
agrupamentos pacíficos de contracultura’”.
217
A prática anarquista punk nos fanzines consistia em informar, divulgar e
refletir sobre a anarquia, as revoluções e seus desdobramentos estabelecendo
estratégias de lutas e mobilizações. Dessa forma, os fanzines contribuíam também
para a formação intelectual dos punks, valorizando a informação enquanto método
de enfrentamento contra a hegemonia cultural capitalista.
habitual em parcela numerosa de nosso povo. Nossas abordagens, sobre meios de comunicação, irão ao encontro
dessas análises de Sodré. In: SODRÉ, História da imprensa no Brasil. 4º Edição. São Paulo: Ed. Mauad, 2007.
217
OLIVEIRA, Antonio Carlos de. Os fanzines contam uma história sobre punks. Rio de Janeiro: Ed. Achiamé,
2006. p. 54.
123
No prólogo do livro – “História das idéias e movimentos anarquistas” – de
George Woodcok, encontramos as seguintes reflexões: “Poucas doutrinas ou
movimentos foram tão mal entendidos pela opinião pública e poucos deram tantos
motivos para confusão pela própria variedade de formas de abordagens e ações”.
Woodcok refere-se aqui à doutrina anarquista e segue dizendo que, “do ponto de
vista histórico, o anarquismo é a doutrina que propõe uma crítica à sociedade
vigente; uma visão da sociedade ideal do futuro e os meios de passar de uma para
outra”.
218
Woodcock coloca, brevemente, reflexões sobre o anarquismo e apresenta
análises de como o anarquismo foi mal interpretado pela opinião pública, a
preocupação histórica do anarquismo com o homem e suas relações com a
sociedade e, principalmente, o ponto em comum em quase todos os anarquistas que
é a contestação à autoridade.
O movimento punk também se considerou mal interpretado pela grande
imprensa e pelos meios de massa, como podemos observar na entrevista cedida por
Hugo Von Drago ao fanzine “Lixo Cultural”:
“A bronca que o punk tem com a grande imprensa é o fato de passar uma idéia errada que tem uma grande
penetração na massa. Não procuram se informar, ou quando tem a informação põe de lado, falam o que
218
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentos anarquistas – V.1: A idéia. Porto Alegre: L&PM, 2002.
124
querem, e estão a serviço de um sistema que não é muito simpático ao punk. (...) A maneira absurda factual
que é passada na grande imprensa não contribuiu em nada para ajudar o punk, entre muitos garotos que
vêem essa coisa, acham que o punk é violento, então ‘eu to reprimindo, vou ser punk’, bota uma jaqueta
preta e sai por aí quebrando e a gente acaba levando a culpa. Quem está fora olhando o punk ou o suposto
punk vai pensar uma outra coisa, e vira confusão total, aliás esse é o objetivo do sistema, quando surge uma
coisa para contestar, é o que aconteceu com o movimento Hippie que o sistema incorporou, fez virar moda.
Hoje você não se choca mais vendo um cara cabeludo na rua, gente nua, puxar fumo ta virando uma coisa
comum, os Hippies faziam isso com uma certa intenção, mas a confusão foi tanta, o sistema jogou tanta
informação, confundiu tudo, criaram uma imagem errada, e uma parte dela foi digerida pela sociedade e
outra foi esquecida”.
219
Nesta entrevista, Hugo Von Drago trata a grande imprensa e os meios de
massa como representantes e defensores do sistema capitalista, servindo-se de sua
grande difusão sobre a população. “Os meios de comunicação são uma indústria (a
indústria cultural) regida pelos imperativos do capital”.
220
Os punks são contra o
sistema, logo, a grande imprensa e os meios de massa serão contra o movimento
punk e publicarão reportagens contra eles.
“Minha mãe acha que punk é bobagem. Bobagem pode ser para ela para mim
não é”,
221
diz Érica, em carta encaminhada para o “Núcleo de Consciência Punk”.
“Minha avó gostava de punk. [...] ela dizia: ‘os punks são legais, eles têm que
protestar mesmo. Só não acho que podem quebrar as coisas’. Minha avó era meio
219
Entrevista concedida por Hugo Von Drago, punk, 21 anos, ao fanzine “Lixo Cultural”, junho de 1983.
220
CHAUI, Marilena. Simulacro e poder. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006. p. 73.
125
anarquista”.
222
Estes depoimentos nos dão um pouco da dimensão da imagem que a
sociedade tinha do movimento punk. A maior parte da população, que conhecia o
movimento punk pela mídia, não via os punks com bons olhos. Para muitos tudo
aquilo era uma “bobagem”, coisa da juventude e que logo vai passar.
Enquanto método de contestação social e protesto podemos citar o manifesto
do movimento punk/alternativo intitulado – “Boicote às Multinacionais”,
distribuído em encontros e eventos punks:
“Este manifesto se dirige à todos os punks, anarquistas e conscientes do BRASIL, já que devemos
realmente partir para a prática e não ficar somente no papo, ou seja, na teoria.
Se trata de um apelo para um boicote às MULTINACIONAIS, às dispensáveis, ou seja, aquelas que não
fazem falta, que podem ser substituídas. É claro que o ideal seria um boicote geral, a todas aquelas que nos
prejudica, mas infelizmente não podemos fazer isto, pois pararíamos de comer e andaríamos nus, já que
quase tudo hoje em dia no BRASIL, ou vem de fora, ou é feito com capital estrangeiro.
Mas porquê esse boicote? Pelo simples fato de multinacionais como a COCA-COLA, HOLLYWOOD,
SHELL, além de sugar o dinheiro e a matéria prima do BRASIL e muitas outras merdas mais. Há toda uma
máfia por trás. Muitas coisas que um simples consumidor jamais imaginaria.
Para fazer, é simples, basta querer e ter força de vontade para, por exemplo, pedir um copo de suco ou água
ao invés de uma COCA-COLA que ainda por cima estragará seu organismo, o exemplo serve às outra
multis de diferentes formas. Sabemos que isso não iria solucionar o caso, mas serviria de exemplo para
221
Carta enviada por Érica, Butantã/S.P., para o Núcleo de Consciência Punk, Itaim Paulista/S.P. (núcleo organizado
por punks para difusão de seus ideais). Doc. disponível no CEDIC-PUC/SP.
222
Entrevista concedida por Orlando Saltini em 19/08/2006, ativista punk desde a década de 1970. Doc. disponível
no CEDIC-PUC/SP.
126
outras pessoas verem que não aceitamos isso. Seria uma forma de rejeição e de protesto, do mesmo jeito
que punks e alternativos na Europa, destroem postos de gasolinas da SHELL pelo mesmo motivo.
LEMBRE-SE: não adianta criticar o racismo e o imperialismo colaborando com o mesmo. Vamos provar
que somos inteligentes e fortes. Se tudo isso não adiantou para convence-lo, pelo menos pense em quantos
negros ou nicaraguenses você não ajuda a matar, comprando uma COCA-COLA ou um cigarro
HOLLYWOOD”.
223
O manifesto do M.P.A. invoca punks, anarquistas e conscientes a partirem
para a prática, demonstrando que o movimento punk não é segregacionista e
simplesmente teórico. Pregam um boicote a algumas empresas multinacionais,
demonstram sua preocupação com o Brasil e com problemas relacionados ao
“racismo na África do Sul” e “à miséria na América Latina”, apontando também
para uma característica internacionalista do movimento punk.
Outros métodos de revolta social e protesto podem ser verificados no jornal
“Folha de São Paulo” em reportagem intitulada – Punks pedem voto nulo - do
jornalista Sérgio Tomisaki:
“Alguns membros da ‘Juventude Libertária’, movimento anarquista e ‘punk’, fizeram ontem um protesto
em frente à Folha, defendendo o voto nulo nas eleições municipais de 15 de novembro. Os manifestantes
223
Manifesto M.P.A. (Movimento Punk/Alternativo). Sem autoria, nº 1, novembro de 1989 (Arquivo – CEDIC-
PUC/SP).
127
protestaram contra a ‘sem-vergonhice dos partidos’ e também reclamaram da ‘imprensa burguesa’, que,
segundo eles, não respeita o movimento anarquista”.
224
O empenho e a defesa do voto nulo pelo movimento punk entoava o seguinte
lema: “Vote nulo! Não sustente parasita. Povo organizado, não precisa de governo
nem de estado”.
225
O protesto punk pelo voto nulo também é mencionado na
reportagem – “Anarquistas comemoram os 30% de votos nulos” – do caderno de
política do jornal “Diário Popular”: “Se os 30% de votos brancos e nulos para o
Congresso Constituinte assustaram os políticos e parte da sociedade civil, os
anarquistas de São Paulo comemoram o possível protesto dos eleitores. (...) Os
velhos militantes do socialismo libertário vêem nas bandas de rock e nos jovens
punks os principais responsáveis pela revitalização do protesto político”.
226
Outra questão importante de se observar são os protestos em conjunto entre o
movimento punk e os movimentos anarquistas, como podemos assinalar nas
reportagens do “Jornal do Brasil” – “Anarquistas e ‘punks’ reúnem-se contra
imperialismo em São Paulo”
227
– onde, o jornalista Fernando Granato, responsável
pela matéria, aponta a luta contra o imperialismo burguês como um interesse
224
Jornal “Folha de São Paulo” – 09/10/1988.
225
Manifesto Alerta Brasil – autoria desconhecida (doc. disponibilizado no CEDIC-PUC/SP).
226
Jornal “Diário Popular” – Pág. 6 – Política – terça-feira, 30/12/1986.
227
“Jornal do Brasil” – Pág. 4, 1º caderno – segunda-feira, 07/12/87.
128
comum para punks e anarquistas. Nesse sentido, podemos citar também a
reportagem intitulada: “Punks e anarquistas protestam contra o serviço militar”
(Jornal do Estado)
228
. Os punks, nesta reportagem, denunciam a obrigatoriedade do
serviço militar e também do voto nas eleições, protestando contra qualquer forma
de autoridade e imposição, lembram também do papel dos militares durante o golpe
militar de 1964.
Costa, em sua obra – “O que é anarquismo” – analisa as diversas correntes
anarquistas do século XIX ao XX, nos trazendo a reflexão de que “não existe
somente um anarquismo, abstrato e definido, conceitualmente manejável e
concretamente perceptível. Existem vários anarquismos. A tentativa é detectá-los
historicamente para compreendê-los um pouco antes que nos obriguem a esquecê-
los”.
229
Portanto, quando se trata de escolher uma teoria política, os punks são antes
de tudo anarquistas. Existem poucos que promovem a continuidade de qualquer
forma de capitalismo ou comunismo. Isso não quer dizer que todos os punks sejam
versados em história e teoria do anarquismo, mas a maioria partilha da crença,
formada em torno dos princípios anarquistas, de não ter governo oficial, ou
governante, e de valorizar a liberdade e responsabilidade individual. Muitos punks
228
“Jornal do Estado”, 02/01/1989.
229
COSTA, Caio Túlio. O que é anarquismo. São Paulo, Ed. Abril Cultural: Brasiliense, 1985.
129
se voltaram para o anarquismo como alternativa para os sistemas existentes no
mundo; a natureza dos governos e hierarquias em geral envolve a opressão e a
exploração das pessoas que vivem ou são afetadas por eles. Diferentemente de
outras contraculturas juvenis ou burguesas, os punks anarquistas rejeitam o
comunismo e a esquerda de governos democráticos tradicionais, assim como o
capitalismo. Acreditam que reformas são outorgadas para apaziguar, e não para
libertar as pessoas envolvidas.
O ideal de muitos punks de uma sociedade anarquista, onde não haja nenhum
tipo de dominação e exploração, onde as pessoas possam existir numa vivência
cooperativa, libertária e fraterna ainda persiste na postura e atitude de vários grupos
denominados anarco-punks que continuam seu protesto nas ruas e praças da cidade
de São Paulo.
130
FONTES:
I. Fanzines
- Alerta Brasil, 1989.
- Lixo Cultural, junho e outubro de 1983 e março de 1984-nº4.
- SP Punk, nº 2 - março/abril de 1983.
- VIX Punk - maio de 1982.
- Anti-Sistema – nº1. Julho de 1984.
II. Manifestos
- Manifesto Ação e Anarquia – Movimento SP Punk, 1° de Maio, 1990.
- Manifesto do MPA (Movimento Punk/Alternativo) nº 1. Novembro, 1989.
- Manifesto Alerta Brasil.
- Informativo de Conscientização, 1988.
- ABC da Anarquia, 1989.
III. Jornais
- O Estado de São Paulo, 05/05/1982.
- Folha de São Paulo, 15/07/1984 - 30/12/1986 - 09/10/1988 e 14/02/1998.
131
- Jornal do Brasil, p.4 - 1º caderno, 07/12/1987.
- Jornal do Estado, 02/01/1989.
- Folha da Tarde, 07/08/1989.
- Metrô News, 21/08/1989 e 31/08/1989.
- Diário Popular, p. 6 – 30/12/1986.
IV. Revistas
- Revista Kaprikórnio Vintetrês, 1985.
- Revista Planeta, números 126 – março e 128 – maio de 1983.
- Revista Visão, caderno comportamento – 24/01/1983.
- Revista Pop, 1977.
V. Vídeo
- Vídeo documentário – “Botinada - a origem do punk no Brasil. De Gastão Moreira, 2006.
Depoimentos de Tina (Punk SP), Pierre (banda Cólera), Zorro (banda M19), Valson
(banda AI-5), Ariel (banda Restos de Nada) e Clemente (banda Inocentes).
VI. História Oral – Depoentes e data da entrevista:
- Antonio Carlos de Oliveira, 20/07/2006.
- Orlando Saltini, 19/08/2006.
- Fábio R. Sampaio, 19/01/2007.
VII. Cartas endereçadas (década de 1980) ao NCP – Núcleo de Consciência Punk:
132
- Remetente: Ivo – Casa Verde Alta – SP.
- Remetente: Érica – Butantã – SP.
- Remetente: Creonice – São Domingos/Butantã – SP.
- Remetente: Carlos – São Mateus – SP, dez.1987.
ACERVOS:
- CEDIC-PUC/SP – Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos
Reis Filho”.
- Biblioteca Mário de Andrade.
- Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri – PUC/SP.
- Anuário Estatístico do Brasil, 1980, FIBGE.
- Dicionário Eletrônico Aurélio – Século XXI.
- CCS – Centro de Cultura Social, caderno nº1 e transcrição de palestra proferida em
05/12/1987.
133
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