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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Leticia Lofiego Sanchez Chrispi
“Por trás da janela”: alguns determinantes sociais do abandono de
recém-nascidos
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Leticia Lofiego Sanchez Chrispi
“Por trás da janela”: alguns determinantes sociais do abandono de
recém-nascidos
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Mestre em Serviço Social sob a orientação
da Profa. Doutora Myrian Veras Baptista
São Paulo
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2007
Banca Examinadora
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, em quem tenho tanta fé, esperança, e que sempre está ao meu
lado.
Ao meu grande amor, Fernando, há tantos anos me acompanhando e apoiando
em minha caminhada.
Aos meus pais, Armando e Edileusa, pelo suporte incondicional, em toda a minha
vida.
Aos meus irmãos, Leandro e Léo, sempre tão amigos .... ligação especial entre o
meu presente e a minha história.
A Myrian Veras Baptista que muito mais que orientadora, com sua sabedoria além
da academia, e sua sensibilidade, passa tantas experiências que serão levadas
para sempre.
Ao Evaldo Amaro Vieira, mestre em tantos momentos, essencial em minha
formação.
À equipe do Fórum de Rio das Pedras e do Fórum de Piracicaba pelo apoio e
compreensão.
Às mães e às crianças que motivaram a busca pelo conhecimento de suas
realidades! Especialmente a vocês dedico este trabalho.
RESUMO
“Por trás da janela”: alguns determinantes sociais do abandono de recém-nascidos
Leticia Lofiego Sanchez Chrispi
A presente pesquisa sobre determinantes sociais que levam mães a
abandonarem seus filhos recém-nascidos, colocando-os em situação de risco de
vida, traduz uma preocupação acerca da realidade vivenciada atualmente por
inúmeras mulheres e recém-nascidos em nosso país.
Para melhor aproximação da realidade concreta vivenciada por estas
mulheres e entendimento do que permeia seu ato, foram utilizados depoimentos
dos sujeitos - essas mães - tendo como metodologia a história oral. Mesmo com
toda dificuldade que envolve esta pesquisa por se tratar de uma área
caracterizada pelo silêncio, já que o desejo de não identificação se faz fortemente
presente na vida dessas mães que abandonaram seu filho em situação de risco, a
apreensão desta realidade só se tornou possível ao ser direcionado o olhar a
essas mulheres.
A identidade atribuída à mulher, social e historicamente, no que se refere à
pressão social relacionada à maternidade / maternagem e o medo e a vergonha
de desafiar o mito do amor materno inato, constituem determinantes fundamentais
para a realidade aqui pesquisada. O preconceito sofrido pelas mães que entregam
seus filhos, a falta da rede de apoio (familiar / comunitária) e as políticas sociais
restritivas à família e à mulher também são importantes determinações, que se
imbricam em alguns momentos.
Palavras-chave: Abandono de recém-nascidos; amor materno inato;
determinações sociais.
ABSTRACT
“Behind the window”: some social determinants of newborn babies abandoning
Leticia Lofiego Sanchez Chrispi
This research on the social determinants that lead mothers to abandon
newborns putting them at risk of life, reflects a concern about the situation
experienced nowadays by many women and newborn babies in our country.
For a better approach of the reality experienced by these women and
understanding of what permeates their act, has been used as a feature
testimonials of the individuals -these mothers- and as methodology the oral story.
Even with all problems involving this research because it is a field characterized by
silence, where the desire for non-identification is firmly present in the reality of
mothers who have abandoned their children at risk, the attainment of this reality
only became possible when the focus was on these women.
The identity given to the woman, socially and historically, in terms of peer
pressure related to motherhood / maternal and the fear and shame of challenging
the myth of innate maternal love, establish essential determinants to the reality
here searched. The discrimination that mothers who give away their children bear,
the lack of a support network (family/community) and the social policies restricting
family and the woman are also important resolutions which, sometimes, imbricate
with each other.
Keywords: newborn babies abandoning; innate maternal love; social resolutions.
SUMÁRIO
PÁGINAS
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 08
CAPÍTULO I - O LUGAR DA MULHER: CONQUISTAS E DESAFIOS ......... 21
1. Relações de gênero .................................................................. 21
2. O mito do amor materno inato .................................................. 33
3. Assistência Social e relações de gênero: O SUAS e as mães que
abandonam seu filho recém-nascido ....................................... 38
CAPÍTULO II - ENTREGA DE UM FILHO ....................................................... 46
1. Alguns determinantes sociais para a entrega de um filho .............. 49
2. Perfil das mães que entregaram seu filho ....................................... 57
CAPÍTULO III - ABANDONO DE CRIANÇAS: uma história contemporânea ....... 62
1. A Roda dos Expostos ................................................................... 62
2. Bebês abandonados em situação de risco de vida no período de
dezembro de 2005 até maio de 2006: uma fotografia “in” visível ..... 72
3. O que elas têm para dizer .............................................................. 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 90
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa sobre determinantes sociais que levam mães a
abandonarem seus filhos recém-nascidos, colocando-os em situação de risco de
vida, traduz uma preocupação acerca da realidade vivenciada atualmente por
inúmeras mulheres e recém-nascidos.
O olhar para a mãe biológica no tripé
1
da adoção esteve sempre presente
em nossa trajetória acadêmica e profissional. Desde a graduação em Serviço
Social, pesquisamos sobre as políticas sociais voltadas às mães que entregam
seus filhos em adoção, sendo este o tema do Trabalho de Conclusão de Curso.
Portanto, é uma área de interesse amadurecida durante um importante período.
Na oportunidade de dar continuidade ao estudo já iniciado na graduação,
com a presente dissertação de mestrado, passamos a refletir o porquê, nos dias
atuais, tantas mulheres têm abandonado seus filhos recém-nascidos, colocando-
os em risco de vida, em detrimento de entregá-los aos cuidados de alguém. O
conhecimento do porquê tantos bebês atualmente são deixados em caixas de
sapato, cemitérios, latões de lixo, sacos plásticos, lagoas, portões de casas
aleatoriamente, metrôs ou tantos outros locais, passou a ter uma maior dimensão.
A busca por uma resposta, além de ser importante, pessoalmente, se
justifica como pesquisa científica pela relevância do tema para a sociedade em
geral, que também tem se perguntado sobre essa questão. Mas a relevância
principal é para os sujeitos mobilizadores da pesquisa, os bebês, que estão
sofrendo risco de vida – os que já foram expostos e tantos outros que ainda
1
Chamo de tripé da adoção os envolvidos no processo: família biológica, criança ou adolescente adotando e a
família adotante.
2
poderão ser -; e as mães, como sujeitos efetivos, que permanecem “invisíveis” no
processo ou são vistas de forma negativa e agressiva pela grande maioria da
sociedade.
Entendemos que o abandono de um bebê é a ponta de um “iceberg”. Antes
desse ato se concretizar, existem importantes determinações que fazem com que
essa mãe chegue a abandonar seu filho recém-nascido. A identidade atribuída à
mulher, social e historicamente, no que se refere à pressão social relacionada à
maternidade / maternagem e o medo e a vergonha de desafiar o mito do amor
materno inato, constituem determinantes fundamentais para a situação aqui
pesquisada. O preconceito sofrido pelas mães que entregam seus filhos, a falta da
rede de apoio (familiar / comunitária) e as políticas sociais restritivas à família e à
mulher, também são importantes determinações, porém não são únicas, podem
estar aliadas às outras.
Como se trata de uma realidade social, dinâmica e contraditória, numa
mesma situação é possível serem apontados diversos motivos para o abandono,
que pode significar o momento em que algumas dessas determinações imbricam-
se. Há também determinantes situacionais que variam de sujeito para sujeito.
Sendo assim, além dos determinantes sociais, relacionados à conjuntura sócio-
histórica, há possibilidade da depressão pós-parto se constituir importante fator na
entrega ou no abandono de um filho recém-nascido. Isso pode também estar
relacionado à realidade social, vivenciada pela mãe e pela família, mas pode ser
uma questão, predominantemente biológica ou psicológica, decorrente das
mudanças físicas e emocionais da mulher na gestação e após o parto. A proposta
da pesquisa não é aprofundar esse tema, porém é necessário apresentá-lo como
uma das possibilidades para o abandono ao qual o trabalho se refere.
Diante disso, entendendo que esses diversos determinantes estão
relacionados ao tipo de abandono aqui pesquisado. O presente trabalho parte de
um eixo norteador que faz toda a diferença entre a entrega do bebê aos cuidados
de alguém e o abandono de recém-nascido, colocando-o em situação de risco de
vida. A pressão social acerca do amor materno, relacionada à divisão de papéis
3
sociais no que se refere à questão de gênero, é a principal determinação tomada
como ponto de partida neste trabalho.
Além de levantar e analisar alguns determinantes sociais para o abandono
de bebês, colocando-os em risco de vida, busca-se, também, compreender a
“linha tênue” que separa a entrega (ao judiciário, ao abrigo, ou a outros) e o
abandono (colocando em risco a vida do bebê), além de apreender, entre algumas
determinações sociais que levam as mães a exporem a vida de seus filhos, quais
as que prevalecem. Com isso, objetiva-se contribuir para o rompimento de alguns
mitos e preconceitos acerca do amor materno inato, bem como com a coletividade
representada pelos sujeitos motivadores ou efetivos da pesquisa, que já passaram
ou poderão se deparar com a situação apresentada.
Considerando esse eixo norteador, foi priorizada, no primeiro capítulo, a
discussão referente às relações de gênero, ao mito do amor materno inato e à
dificuldade acerca das políticas sociais voltadas à família, conseqüentemente às
mulheres, principais usuárias dos serviços.
Esta dissertação, elaborada por uma assistente social, não poderia deixar
de enfatizar a importância das políticas sociais e suas limitações diante da
realidade estudada. Entende-se também que esta pesquisa poderá contribuir para
o Serviço Social que atua tanto no judiciário - diretamente com adoção e com
acolhimento familiar e comunitário, crianças e adolescentes em situação de risco,
entre outros, com o olhar para as expressões da “questão social”
2
que permeiam
essa realidade -, quanto na Proteção Social Básica e Especial (PNAS, 2005).
O assistente social, como definido em seu Projeto Ético-Político, trabalha
com as expressões da “questão social” de forma a realizar a leitura crítica da
realidade vivenciada, reconhecendo a autonomia e o protagonismo, respeitando a
auto-determinação dos sujeitos. A defesa intransigente dos direitos humanos deve
ser norteadora de sua ação. Precisa ainda ser um profissional que tenha uma
formação que lhe possibilite, a partir da análise crítica de conjuntura, atuar junto
2
Utilizo o termo “questão social” entre aspas por concordar com Netto (2001) na análise acerca do tema, que
defende que as expressões da “questão social” são intrínsecas ao sistema econômico vigente, são expressões
da exploração sofrida pela classe trabalhadora atendendo interesses da classe dominante, ou seja, das
contradições entre acumulação do capital e o trabalho.
4
ao usuário de forma a defender a efetivação de direitos garantidos e também
buscar a legitimação de outros direitos ainda não reconhecidos.
Portanto, o Serviço Social, mesmo diante das contradições que permeiam
sua ação, tem importante papel na busca da efetivação de direitos, já que tem seu
projeto profissional “associado às forças sociais comprometidas com a
democratização da vida em sociedade” Iamamoto (2005, p. 206), além de ser
fundamental campo de pesquisa.
Conhecer uma dada realidade é imprescindível para buscar mudanças.
Entender o que permeia a atitude dessas mães é o ponto de partida para
elaboração de políticas, programas e ações, voltadas para essa realidade, no
sentido de garantir a proteção tanto da família quanto dos bebês.
Nesse sentido, é possível identificar a relevância desta pesquisa, também
na possibilidade de levantar elementos norteadores para a definição de políticas
sociais voltadas a essa população. Essas ações devem definir a que serviço /
esfera de governo / judiciário ou executivo, cabe, o atendimento, em duas
situações: para viabilizar as condições necessárias para assegurar a permanência
com o filho ou para situações nas quais a adoção emerge como alternativa mais
segura, como define Gueiros (2005).
Historicamente no Brasil, a proteção às crianças, que por algum motivo não
permanecem com a família de origem, é feita através do acolhimento por outras
famílias ou por instituições.
Acerca dessas formas de acolhimento, existem diversas pesquisas, mas os
sujeitos priorizados são as crianças e os adolescentes, as famílias adotantes e as
instituições acolhedoras. As famílias biológicas majoritariamente ficam na
invisibilidade, o que pode apontar para o preconceito em relação a elas.
Recentemente, algumas pesquisas foram realizadas sobre as mães que entregam
seu filho em adoção, o que já é um avanço. De acordo com Freston (2001) e
Gueiros (2005), o perfil dessas mães majoritariamente corresponde ao da
população espoliada, sem acesso a condições dignas de trabalho, habitação,
saúde e não são inseridas em programas sociais de apoio à família.
5
Anteriormente, Fernandes (1989) desenvolveu uma pesquisa, apresentada
como dissertação de mestrado, sobre o processo do Serviço Social e adoção de
recém-nascidos, na qual traz a discussão da entrega, tendo o olhar para as mães
biológicas.
Ainda sobre estudos na área, Fávero (2001), pesquisando sobre destituição
de pátrio poder, hoje poder familiar, aponta que as pessoas que são destituídas
têm um histórico marcado pela pobreza e dificuldade ou ausência de acesso a
direitos humanos e sociais. Sustenta ainda, que mesmo que o pai faça parte do
processo de destituição, a mulher, mãe, é a principal responsabilizada social e
judicialmente.
Essas pesquisas, entre algumas outras, que são apresentadas no segundo
capítulo, estão diretamente relacionadas ao tema do presente estudo e contribuem
para o desenvolvimento deste trabalho, já que não se tem informação sobre
estudos voltados especificamente para a questão do abandono de recém-nascidos
colocados em situação de risco, o que se constitui numa justificativa de relevância
e inovação do tema proposto.
Diante da situação a ser estudada, a pesquisa realizada tem caráter
qualitativo por estar permeada por relações sociais, de sujeitos e suas
experiências.
O tema da pesquisa propõe trazer a discussão sobre a família / a
convivência familiar, as condições oferecidas pelas políticas sociais, a história / a
cultura da família e o viés das relações de gênero.
A análise dessas questões é a sustentação da pesquisa, considerando a
complexidade que envolve o objeto desse projeto, que são determinantes para o
abandono de bebês pelas suas mães de forma a colocá-los em risco de vida.
Devido à escassez de trabalhos nesta área específica, é essencial o estudo de
temas relacionados para vislumbrar um panorama acerca da realidade vivenciada.
Importantes fontes de informações foram jornais e revistas com publicações a
respeito do tema específico, considerando que atualmente a mídia tem dado
destaque a essas situações.
6
No terceiro capítulo, é realizado um resgate histórico do abandono de
crianças, enfocando a Roda dos Expostos, por se tratar de abandono sem
identificação. Em seguida, são apresentados os dados do abandono de recém-
nascidos, na atualidade, e o que as mães que tiveram essa atitude dizem a
respeito da situação apresentada.
A escolha desse fato social, e não de outro, se deu por ter-se feito
necessário ver qual situação expressa melhor o que se busca ver, ou seja, o que
se quer conhecer com a presente pesquisa. Diante disso, entendemos que a partir
das mães que abandonaram seus filhos recém-nascidos, colocando-os em risco
de vida, poderiam ser desveladas diferentes situações.
Estudando sobre a metodologia e os instrumentais, foi avaliada a história
oral, na modalidade de depoimento, como o instrumental que poderia contribuir
para o trabalho. A história oral é utilizada como metodologia de pesquisa em
diversas áreas das Ciências Sociais, de variadas maneiras e a partir de diferentes
linhas teóricas.
Nesta pesquisa optou-se, por utilizá-la devido às particularidades e às
singularidades da realidade a ser conhecida. Por se tratar de uma realidade em
que, majoritariamente, os sujeitos não são encontrados, é imprescindível que os
que forem, possam trazer ao público, por meio de depoimentos, mantendo sigilo
de sua identidade, determinantes sociais para seu ato, explicitando de que
maneira as contradições da relação de produção e reprodução têm determinado
sua realidade concreta.
Por meio da história oral, foi possível o resgate desses elementos
fundamentais no cotidiano dos sujeitos da presente pesquisa. Essa metodologia é
entendida, neste estudo, como um meio para trazer as condições materiais
concretas que foram e são vivenciadas pelos sujeitos e que estão diretamente
relacionadas ao ato praticado. É possível, dessa forma, dar voz aos próprios
sujeitos.
As histórias são também individuais, que expressam totalidade, são partes
constituintes, que também compõem o coletivo que, por sua vez, produz
7
manifestações individuais. Sendo assim, a partir de sua “reconstrução” por meio
do narrador, situações coletivas, amplas, são levantadas e analisadas. Como
afirma Goldmann (1967, p.18) “O sujeito da ação é um grupo, um “Nós”...”,
reforçando que esse sujeito não está isolado, e sim expressa uma coletividade.
Nenhum sujeito é um sujeito isolado, e sim é a expressão de um coletivo.
Esse sujeito é expressão do grupo ao qual faz parte. Por isso o tipo da análise
aqui assumida não é realizada do fato ao indivíduo, e sim do fato ao grupo social
ao qual este pertence. Cada um expressa de uma maneira, pois tem também sua
individualidade, mas ao avançar é possível perceber que expressa principalmente
um grupo social. Na particularidade, os fatos se tornam significativos, pois,
integram o conjunto de fatos que configuram as questões de classe e de gênero,
pois é a mãe que abandonou. O fato que é denunciado é o relacionado à mulher
pobre, por isso configurando também uma questão de classe. O sujeito estudado
é coerente com os demais sujeitos que realizam este fato: são mulheres, pobres,
que sofrem preconceitos tanto por parte da sociedade quanto pela família, sem
apoio. É uma pessoa que expressa o sujeito coletivo.
Para definição do universo e dos sujeitos, esta pesquisa foi iniciada através
de consultas a jornais e internet, no período de seis meses em dois estados, São
Paulo e Minas Gerais, para localização de notícias sobre bebês que tivessem sido
encontrados abandonados. Nesse período, ocorreram onze situações de
abandono de recém-nascidos em situação de risco de vida, em três delas as
mães foram identificadas. Estudamos duas realidades as quais as mães foram
encontradas. Os processos estão em andamento e os bebês em família
substituta.
Sempre tivemos como direcionamento, que a escuta dessas mães é
essencial para a pesquisa. Porém, também sempre tivemos clareza quanto à
dificuldade que significa pesquisar o tema proposto, primeiramente pela escassez
de trabalhos científicos acerca do objeto e do sujeito da pesquisa e,
principalmente, por ser uma área caracterizada pelo silêncio.
8
Vale ressaltar que a escassez de materiais nessa área não inviabiliza o seu
estudo. Diversas estratégias metodológicas são utilizadas para que seja possível
dar conta de um tema tão complexo e de difícil acesso.
Quanto ao silêncio que impera nas situações estudadas, a maioria das
mães que abandonam nessas condições, por um lado, não são identificadas, além
disso, quando são identificadas, há o segredo de justiça nos processos judiciais
relacionados a essa realidade. Por outro lado, o silêncio também pode ser desejo
dessa mãe que, quando possível, se nega a falar sobre a questão.
Diante disso, no trabalho de campo, algumas dificuldades, foram
enfrentadas, considerando que a área pesquisada além de ser caracterizada pelo
silêncio dos sujeitos, nela é também observado o silêncio de alguns profissionais
das instituições pelas quais os mesmos passam, na hipótese desses sujeitos
serem localizados. Essa fase da pesquisa foi iniciada na Vara da Infância e
Juventude em dois municípios onde, recentemente, ocorreram abandonos de
recém-nascidos e as mães foram identificadas.
Os municípios onde as situações ocorreram são de médio porte - um deles
pertence a uma região metropolitana - e fazem parte da realidade da maioria das
cidades brasileiras no que se refere à falta de políticas públicas, principalmente
sociais, desemprego, regiões periféricas crescentes, sem acompanhamento de
infra-estrutura, falta de planejamento, entre outros.
No início da pesquisa de campo, foram encontradas algumas dificuldades
de contato nos órgãos de referência para localização dos sujeitos da pesquisa.
Nesse primeiro contato, os profissionais demonstraram resistência à pesquisa,
talvez, por ter como sujeito as mães que abandonaram seus filhos recém-
nascidos.
Os técnicos responsáveis pelos processos deixaram claro que sua atuação
fora determinada apenas para colocação dos bebês em família substituta e que
essa era a sua real preocupação, chegando um deles a se referir à mãe biológica
– quando questionado pela pesquisadora – e à própria pesquisadora, de forma
negativa, verbalizando que sobre as mães nada sabia, pois não era isso o
importante.
9
Essa observação vem ao encontro do estudo realizado sobre o tema,
fundamentando a aproximação sujeito e objeto. Uma das categorias analíticas, ou
melhor, a principal categoria que se constituiu eixo norteador do presente trabalho,
é a relação de gênero mediada pelo mito do amor materno inato que permeia a
situação vivenciada por essas mães e as ações decorrentes na sociedade,
inclusive na área profissional na qual se trabalha diretamente com as expressões
da “questão social”. Uma análise descolada da conjuntura/estrutura e de um
estudo das singularidades das motivações, bem como das particularidades que
mediam a realidade, pode desencadear um processo de culpabilização dessa
mulher. Entende-se que ela tem que ser responsabilizada pelo ato de haver
colocado a criança em risco, no entanto, considera-se que precisam ser
apreendidos os diversos determinantes desse fato para que se possa ter uma
leitura crítica da realidade. Encontrar um responsável pela situação, ainda mais se
estiver em dificuldades, desconsiderando tudo o que o levou a tal atitude, pode
indicar o caminho mais fácil, o qual pode não ser o mais justo e completo.
Um dos técnicos chegou a verbalizar que evitaria o contato com a mãe,
inclusive que a entrevista relacionada à pesquisa com esta mulher poderia
“mexer” e fazer com que ela viesse a requerer a guarda do bebê, demonstrando a
resistência ao possível encontro da pesquisadora com o sujeito da pesquisa. Com
essa postura do profissional, é possível elucidar também a grande distância
existente entre os aparelhos do Estado e a população a que estes deveriam se
destinar. Isso não ocorre apenas no judiciário; no executivo, as políticas sociais
restritivas também tornam distante o espaço entre estas e as pessoas que a elas
recorrem.
A pesquisa não objetiva buscar culpados ou intervir diretamente na
processualidade da situação. O que, de fato, é relevante neste estudo, por se
tratar de uma realidade tão complexa e contraditória, é a leitura crítica relacionada
ao sujeito e ao objeto, é o conhecimento dos determinantes sociais da atitude
dessas mães, e, finalmente, é a interpretação e a busca da explicação desses
elementos. A partir disso, acreditamos na possibilidade de construção de um
subsídio para o desvelamento da questão por parte da sociedade e,
10
principalmente, para a proposta de ações que transformem essa realidade que
expõe a vida de bebês e também, de alguma forma, das mães. Além disso, que
permita rever alguns conceitos arraigados em relação à condição subalterna da
mulher.
Para melhor aproximação da realidade concreta, vivenciada por essas
mulheres e entendimento do que permeia seu ato, foram utilizados como recurso
depoimentos dos sujeitos, tendo como metodologia a história oral. No entanto,
diante da dificuldade encontrada para entrevista de um dos sujeitos, um desses
depoimentos foi feito diretamente à pesquisadora e o outro foi acessado a partir
de depoimentos prestados pela mãe à Delegacia de Polícia e à Vara da Infância e
Juventude que constavam no processo.
Diante desse contexto, enquanto não foi garantida entrevista pelo menos
com um sujeito, não foi dada continuidade ao trabalho. Ou seja, se buscou garantir
a viabilidade do estudo a partir deste indicativo de acesso a, pelo menos, um
sujeito por meio de entrevista.
A perspectiva assumida, neste trabalho, é que o depoimento do sujeito não
expressa apenas uma situação individual, mas sim a realidade de um coletivo de
mulheres em situação semelhante, que assumem esse tipo de ação como via
para solução de seu problema. Por isso o estudo caminha numa perspectiva da
expressão da particularidade da situação social.
A estratégia para o acesso às fontes secundárias, por meio dos processos,
foi apontar aos magistrados responsáveis a relevância do tema que está
diretamente relacionado ao judiciário. Essas situações correm em segredo de
justiça, o que não contribui para a realização de pesquisas. Isso se traduz num
limitador de conhecimento na área, considerando a importância das questões que
chegam ao judiciário, já que é lócus privilegiado para se refletir e propor ações e
trabalhos voltados, principalmente, às crianças e aos adolescentes e famílias em
situação de risco. Vale ressaltar que há também o segredo institucional quando
uma questão vem abalar alguns valores arraigados.
11
O segredo de justiça, bem como o institucional, além do respeito a
situações sigilosas, podem também tornar algo “intocável”, mesmo que o
conhecimento de determinada situação tenha o objetivo de contribuir para a
compreensão da realidade vivenciada pelos sujeitos.
Em um dos municípios, o acesso ao processo foi autorizado pelo juiz da
Vara da Infância e Juventude, sendo possível o seu estudo, porém a entrevista
não foi realizada, mesmo com inúmeras tentativas, possivelmente por resistência
implícita do sujeito. Ao mesmo tempo que este sujeito da pesquisa verbalizava
interesse em ser entrevistado, inclusive agradecendo por ter sido lembrado, nos
momentos e locais em que seria concretizada, esquivava-se da entrevista de
diversas maneiras. Sendo assim, o estudo realizado, foi baseado, principalmente,
nos dois depoimentos desta mãe, um à Delegacia de Polícia e o outro à Vara da
Infância e Juventude, além de outros dados contidos no processo.
Por outro lado, em outro município não houve a autorização judicial. A
justificativa foi fundamentada a partir do segredo de justiça a que o processo está
submetido, sendo autorizado acesso apenas às partes envolvidas e aos seus
representantes legais. Esse fato não impossibilitou a pesquisa neste município, já
que o acesso à mãe que abandonou o bebê foi garantido por meio da identificação
de seu advogado, o qual se mostrou disposto a colaborar com a pesquisa e
estabeleceu o contato entre o sujeito do estudo e a pesquisadora.
Vale ressaltar a grande importância da compreensão e da explicação da
realidade, a partir dos dados levantados, que por si só a expressam. A leitura
atenta dos elementos trazidos a partir dos sujeitos, com uma interpretação crítica -
fazendo constantemente o contraponto, percebendo as contradições da realidade
e entendendo que não há verdade absoluta -, são direcionamentos fundamentais
para uma análise de totalidade. Isso é possível com a análise dialética,
relacionada à construção histórica e material da situação apresentada. Dessa
forma, que não é apenas uma postura ideológica, torna-se possível uma análise
mais profunda de fenômenos históricos, privilegiando a contradição e o conflito, a
transição e a mudança, o movimento histórico, a totalidade e a unidade dos
contrários.
12
A partir do conhecimento das condições concretas de vida daquelas
mulheres, foram levantadas as categorias de análise nas quais as manifestações
das contradições dos valores estabelecidos socialmente, acerca do papel da
mulher, deram a direção. Além disso, o conhecimento de dada realidade
possibilita conhecer de que maneira as contradições entre as forças produtivas e
os detentores dos meios de produção determinam a vida dos sujeitos, no que se
refere, além da situação econômica, às relações de gênero, sociais, de educação
e de saúde.
Os determinantes sócio-históricos são, então, apresentados a partir da
análise da realidade do país e das expressões da "questão social", seja pelo
desemprego, pelas desigualdades, dentre tantas outras expressões.
No entanto, é através do depoimento sobre as condições situacionais que
essa mulher pode apresentar dados concretos sobre ela e sua realidade. Esses
dados são também relacionados ao contexto histórico e social e expressam as
singularidades da vida do sujeito da pesquisa, as quais são determinadas no
imediato. Essas mães podem ser o elo para o conhecimento dessa realidade
vivenciada por diversas delas, mas que não chegam ao público, já que em sua
maioria não são encontradas por dificuldade de acesso. O que está, por trás
desse ato, e outras perguntas relacionadas às condições situacionais podem ser
respondidas de forma aprofundada por elas próprias. É uma forma de conhecer a
história da protagonista de uma difícil realidade, mas que não é protagonista
sozinha, traz diversos determinantes sociais que têm direta influência sobre sua
vida e sobre seu ato. É uma forma de trazer elementos fundamentais para a
análise dessa vivência e com isso das expressões da “questão social” que a
permeiam.
Novas formas de práticas e novas propostas de políticas requerem novos
estudos. Pensar em ruptura e em transformação exige inovação frente às
demandas. As demandas postas socialmente, pela realidade concreta, devem
nortear novas políticas e novas práticas que exigem a produção de novos
conhecimentos, os quais, por sua vez, são alcançados por meio de pesquisas.
13
Está aí a marca da pesquisa. Está aí sua importância fundamental na busca de
mudanças e transformações. O pesquisador precisa não perder de vista esse real
sentido para que as pesquisas sejam, de fato direcionadas à melhoria da
qualidade de vida dos seres humanos, pois sem eles, nenhuma pesquisa, seja ela
na área de humanas, exatas ou biológicas, faz sentido algum.
14
CAPÍTULO I - O LUGAR DA MULHER: CONQUISTAS E
DESAFIOS
“Basta que nos mostrem
o que fizemos delas,
para que conheçamos
o que fizemos de nós”
Jean-Paul Sartre
Considerando a amplitude do tema a ser aqui debatido e o fato do
conhecimento ser algo inesgotável, não temos a pretensão de analisarmos de
forma a esgotar as questões referentes ao gênero, mas pesquisá-las e conhecê-
las de forma a conseguir estabelecer suas relações com o tema central da
pesquisa, e, ainda, analisarmos o problema levantado a partir delas. A relevância
da reflexão sobre assuntos relacionados ao gênero se faz presente, já que se
constitui na principal categoria analítica do estudo proposto.
1. Relações de Gênero
Ao serem analisadas as relações de gênero, entendemos que são as
relações estabelecidas socialmente entre mulheres e homens, construídas ao
longo da história, no cotidiano da vida, ligadas às questões econômicas, culturais
15
e étnicas. Por isso, inclusive, a opção pelo termo gênero em detrimento de sexo.
Como Oliveira (1999, p. 68-69) bem define:
O uso do termo gênero é aqui utilizado muito além do
significado puramente gramatical, para tornar-se explicativo dos
atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino e ao
feminino, a partir do lugar social e cultural construído
hierarquicamente como uma relação de poder entre os sexos. O
termo sexo reporta a um significado biológico, ao passo que
gênero é utilizado na perspectiva das relações e representa uma
elaboração cultural sobre o sexo.
A identidade feminina e masculina é construída histórica e socialmente,
além de ser perpassada pelas tramas relacionadas à cultura do grupo conforme o
momento e a realidade vivenciada. Recorrendo à riqueza que a história pode
trazer para análise das relações de gênero na contemporaneidade, encontramo-
nos diante de uma tela pintada por diferentes mãos, com caminhos que avançam,
retrocedem e são reinventados. Porém, esses caminhos são traçados pelas
pessoas que protagonizam a época e sofrem influência direta dos interesses de
classe e da conjuntura sócio-econômica.
De acordo com Badinter (1986), em toda coletividade humana sempre
existiram tarefas destinadas a um sexo e proibidas a outro. A complementaridade
entre o sexo, com o tempo, foi acentuada, como condição necessária à
sobrevivência. Em períodos longínquos da história da humanidade, não há um
poder tirano do homem sobre a mulher, nem vice-versa. A autora traz como
exemplo o período Paleolítico, sugerindo a idéia de que o controle e o poder
puderam ser exercidos, ao mesmo tempo, por homens e mulheres. Período em
que a maternidade e a morte não eram puros fatos biológicos, mas também
místicos, sendo que as mulheres é que dispunham desse poder, enquanto ao
homem cabia o poder político e social. Porém a autora avalia que o equilíbrio entre
os protagonistas sempre foi precário, estando à mercê de uma descoberta técnica
ou científica, ou ainda de uma mudança ideológica.
A filósofa e pesquisadora, Vera Kude, analisando os papéis sociais
atribuídos às mulheres e aos homens, afirma que:
16
Ao longo da história tem havido muitos arranjos diferentes
para atender e criar as crianças. Nas sociedades em que
predominavam a caça e a colheita, as mulheres, após o parto,
voltavam ao trabalho de colher alimentos e as crianças eram
entregues aos cuidados de grupos em que haviam pessoas de
ambos os sexos. (KUDE, apud, CARDOSO, 1994, p. 125)
A respeito do patriarcado, Badinter (1986) analisa que este modelo não
designa apenas uma forma de família baseada no parentesco masculino e no
poder paterno. Designa também toda estrutura social, a partir de um poder do pai.
Uma característica marcante é o controle estrito da sexualidade feminina.
Na idade média, como ainda no século XVIII, o pai tem
plenos poderes sobre os filhos, que ele casa segundo sua vontade
ou impede de contrair a união. Mas a autoridade do pai sobre a
filha é incomparavelmente mais pesada do que a que exerce sobre
o filho. O direito romano, que imperava numa grande parte da
França da Idade Média, considerava a mulher uma eterna menor
(BADINTER, 1986, p. 125)
Badinter (1986, p.125), referindo-se à sociedade patriarcal, aponta que:
“Para o marido, a mulher tem, triplamente, o status de objeto. Ao mesmo tempo, é
um instrumento de promoção social eventualmente um objeto de distração, e um
ventre do qual se toma posse”.
De uma forma ou de outra as mulheres eram consideradas objetos de seu
marido ou de seus pais quando se trocava dote pelo casamento, ou quando eram
formadas para o casamento sendo proibidas de estudar, de sair de casa com
objetivos pessoais ou almejar uma vida que não fosse essa. Durante muito tempo,
a mulher ficou excluída de atividades da vida civil, tanto na participação enquanto
eleitora, quanto como representante com cargo de poder. Mulheres proibidas de
pensar, sentir, manifestar e agir, como seres inferiores em relação ao homem.
Existiram momentos em que a mulher era responsável pelo sustento da
família, outros em que ela ficava cuidando dos filhos e da casa para os homens
poderem sair à busca de alimento. No século XVII, na Europa, comumente,
mulheres deixavam seus filhos com amas de leite, em seguida, em colégios
17
internos, se distanciando da formação de seus filhos até o final da segunda
infância.
Foi por meio das transformações econômicas, para atender ao sistema
econômico baseado no capital, que a família passou para o âmbito privado e a
mulher assumiu uma centralidade nessa família, como apoio para o marido
trabalhador e cuidadora dos filhos, os quais eram então considerados, futuras
mãos-de-obra e assim “riqueza” para a nação.
Os papéis atribuídos aos homens e às mulheres, por serem construídos
socialmente, condicionam muitas vezes a identidade social de cada um. Essa
construção é intrínseca à questão racial e de classe social. Saffioti (1987) resume
numa tríade a relação de dominação imposta pela classe dominante, a serviço da
exploração e da acumulação: patriarcado – racismo – capitalismo. Três categorias
que devem ser analisadas conjuntamente, já que uma depende da outra. Ao
aceitarem que a mulher tenha uma condição de complementar à renda da família,
tanto o homem quanto a mulher aceitam também, que ela deva receber menores
salários, o que beneficia os lucros, portanto a acumulação de capital. Da mesma
forma, isso acontece quando a sociedade naturaliza que o negro tenha sempre
cargos inferiores e receba salários mais baixos. Assim sendo, a manutenção do
preconceito interessa aos que pagam baixos salários, que oferecem condições
desumanas de trabalho, ou que aderem a qualquer tipo de exploração. Pela
necessidade de sobrevivência, milhares de pessoas se sujeitam a tal situação.
Dependendo da condição social, a vida da mulher fica mais ou menos difícil, mas
a identidade básica referente ao domínio privado permanece.
As políticas de assistência à criança e ao adolescente abandonados na
época da Casa dos Expostos
3
reproduzem os valores e interesses da elite para
manter a dominação da mulher. A educação e a formação das crianças e
adolescentes atendidos nessas instituições era fragmentada de acordo com o
gênero, ou seja, determinadas tarefas e cursos eram atribuídos aos meninos e
outros às meninas. Para fins de ilustração, serão utilizadas descrições de Marcílio
(1998), autora que destaca o referido tema e, reconstruindo a história da criança e
18
do adolescente abandonados, mostra a divisão das atribuições de meninas e
meninos, detalhando:
Assistência às meninas sem família até meados do séc XIX:
Considerava-se que não era conveniente dar uma educação
cultivada, uma “cultura de espírito superior à sua posição social”,
pois ela poderia despertar aspirações difíceis de serem realizadas.
Educação dualista (ilustrada para filhos de elite e técnico
profissionalizante para as categorias populares). “As meninas
deveriam ser preparadas para o mundo do trabalho que as
esperava. Portanto, já havia dois sistemas bem distintos de ensino:
o das elites, que visava o preparo das meninas para serem
mulheres ilustradas, mães de família bem preparadas e com o
domínio das boas maneiras adotadas pela burguesia; e o ensino
popular, que procurava tornar as meninas “úteis a si e à
sociedade”, boas donas-de-casa ou aias e criadas bem treinadas,
além de serem dóceis e disciplinadas para o mundo do trabalho.
(MARCÍLIO, 1998, p. 177)
Marcílio (1998, p. 190) ainda continua:
A formação dos meninos, filhos da Roda: “Enfim, para os
meninos que acabavam tendo que permanecer nas Casas das
Rodas depois de completar os doze anos, a Santa Casa procurava
encontrar lares de artesãos ou outros profissionais que pudessem
aceitá-los na qualidade de aprendizes. Passada a fase de
aprendizagem, esses menores poderiam trabalhar a soldada
com salários – em fábricas ou casas comerciais, em casas de
artesãos ou em casas de família, para os serviços domésticos.
Além da separação da educação por gênero, fica clara a diferença entre a
educação para a elite e para a população desprovida, ilustrando a relação tênue
entre gênero e divisão de classes.
Com muitas lutas, revoltas e mobilizações sociais é que as mulheres
conseguiram escuta, após séculos de opressão. Badinter (1986) analisa que, num
passado não muito distante, final da Segunda Guerra Mundial, o combate pela
igualdade dos sexos ainda era só um sucesso mediano. Apesar das mulheres
passarem a ter os mesmos direitos dos homens, a prática e os costumes lhes
reservavam um lugar à parte. “O destino feminino continua a ser inscrito no lar,
pelo intermédio da maternidade. Uma mulher não é “respeitável”, “realizada” ou
3
Assunto que será abordado no capítulo III desta dissertação,
19
“desabrochada” senão em função de seu status de mãe e doméstica” (Badinter,
1986, p. 187)
Aos poucos, a relação homem e mulher passa a ser transformada,
principalmente no que se refere a “permissão” da mulher a passar ao mundo
externo. O trabalho feminino, que até então era considerado fracasso social e
econômico, ou proibido, passa a significar emancipação e autonomia feminina.
Vale ressaltar que essa condição não foi homogeneamente aceita. Em diferentes
períodos sempre houve mulheres dispostas a lutar por seus direitos, seja em seu
cotidiano individualmente, seja coletivamente.
A década de 70 é marcada por movimentos emancipatórios femininos. A
contracepção também é uma grande conquista nessa luta. Situações que vêm
alterar significativamente a vida das mulheres. Mas apesar de física e
biologicamente a mulher ter como optar pela maternidade, socialmente, muitas
vezes, ainda lhe é imposto o papel de mãe.
Legalmente, essas mudanças são indiscutíveis, a igualdade entre homens e
mulheres é garantida, mas o direito institucionalizado não garante o acesso de fato
ao mesmo. A transformação de valores em sua totalidade, ainda está longe de ser
alcançada. Em muitas situações, a lógica da supremacia masculina ainda impera
nos costumes e na moral social.
De acordo com Saffioti (1987) “a inferioridade feminina é exclusivamente
social”, desde a 1
a
. Constituição republicana – 24/02/1891 “Todos são iguais
perante a lei” (parág. 2
o
. art. 72). A autora aponta ainda que na Constituição de
1934, essa igualdade passou a ser especificada minuciosamente e reiterada na de
1969.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 garante legalmente a igualdade a
todos. São conquistas importantes, que é uma forma das minorias poderem cobrar
seus direitos, mas não transformam estruturas de dominação se não forem de fato
efetivadas.
Na direção do estudo de Sarti (2004), desde a Revolução Industrial, muitas
alterações tecnológicas ocorreram e a família está envolvida nessas
transformações. A partir de 1960, no Brasil e no mundo, a pílula anticoncepcional
20
muda profundamente relações familiares no tocante à reprodução, separando esta
da sexualidade. Apesar disso, a família, bem como a mulher, é vista ainda
associada à natureza biológica e não enquanto construção social.
Com o advento do reconhecimento da paternidade pelo exame de DNA, um
caminho diferente é aberto. Com isso, alterações ocorrem também no âmbito
jurídico, na luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes a terem
paternidade reconhecida, bem como a luta das mulheres frente a essa questão.
Não podemos deixar de nos atentarmos para as mediações desse
processo. Sabemos que avançamos nesse sentido, mas que ainda estamos longe
de alcançarmos a efetivação de fato desse direito para a grande maioria. O direito
ao reconhecimento de paternidade tem como conseqüência o direito à pensão
alimentícia. Este direito está vinculado à possibilidade do outro, ou seja, do valor a
ser pago de pensão alimentícia pelo responsável, ou até mesmo da possibilidade
ou não deste pagamento. É possível observar, na experiência como assistente
social na Vara da Família, que vários homens alegam falta de condições para o
pagamento de pensão alimentícia. Diante do contexto sócio-econômico, sabemos
que o desemprego e o subemprego estão fortemente presentes na vida da
população, mas muitos utilizam esse argumento como estratégias para se
esquivar de sua responsabilidade em oferecer parte das condições materiais a seu
filho. Referindo-nos à responsabilidade nos cuidados cotidianos ao seu filho, pode
ser observada omissão em uma significativa parcela de pais, que ainda têm
arraigado o papel atribuído à mulher em relação à responsabilidade com filhos.
Diante disso, os processos são “arrastados” durante longo período, o que
representa anos de uma infância ou de uma adolescência.
Sarti (2004) analisa ainda que apesar dos métodos contraceptivos, do
exame de DNA, essas mudanças chegam a cada família de forma diferente,
dependendo da realidade vivenciada e do significado que se tem de maternidade
e paternidade. Além disso, “o acesso a recursos é desigual numa sociedade de
classes” (Sarti, 2004, p. 26). Ao estudar famílias pobres no Brasil, a autora
ressalta sua configuração em rede, devido à necessidade, diante da instabilidade
vivenciada principalmente pela precariedade de condições de trabalho, de renda e
21
de moradia. O que é agravado ainda pela visão de que o homem é o provedor da
família. Diante das transformações no mundo do trabalho, esta expectativa muitas
vezes não é alcançada. A autora avalia ainda que as mulheres já estão
acostumadas a trabalhar e que um dos grandes problemas sentidos, nessa
realidade, não é apenas o da falta do provedor e sim o da falta do respeito que é
conferido à família em função da presença masculina.
Quando uma mulher pensa em criar seus filhos sozinha, essa dimensão do
respeito e da autoridade está presente na subjetividade e no cotidiano dessa mãe,
que muitas vezes teme não conseguir educá-los, já que lhe foi inculcado
socialmente que o homem é quem tem a autoridade e o respeito, mesmo isso não
condizendo com a realidade, mas é o idealizado.
A luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas historicamente
discriminadas, exploradas, vistas como seres inferiores e passíveis de dominação,
tem sido constante, principalmente no que se refere ao reconhecimento jurídico.
Idosos, negros, portadores de necessidades especiais, crianças e adolescentes,
nas últimas décadas têm conquistado leis específicas em relação a seus direitos.
Em Agosto de 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha, nº. 11.341 de 07,
que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
contribuindo, assim, para a luta contra essa violência. Algo que deveria ser óbvio –
igualdade de gênero – por não ser colocada em prática, precisa ser reafirmada
todo momento, requerendo uma lei específica.
Inclusive na referida lei, estão previstas, além de medidas imediatas,
medidas preventivas, que são imprescindíveis para a mudança da cultura da
violência doméstica e da inferiorização feminina, baseadas no padrão de
dominação do homem “ser superior” e da mulher em seu papel de “obediência”. A
partir do trabalho efetivo nessa área, mudanças de fato poderão acontecer, pois
apenas a punição – reservada principalmente aos pobres como acontece no Brasil
– não erradicará a questão.
Se isso de fato não ocorrer, recorrendo à história das conquistas de direitos
em legislações, será mais uma lei com “letras mortas”, porque de nada valem
palavras escritas em detrimento de ações nas vidas dos seres humanos. De
22
qualquer forma, se constitui numa conquista, mas é apenas uma etapa de um
processo a ser desenvolvido diariamente na luta pela igualdade de gênero.
Art 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça,
etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e
religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades
para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (Lei nº 11.340 de 07
de agosto de 2006)
Mas o que se vê ainda é um cenário injusto. Mulheres, após longo período
de cerceamento em relação ao trabalho fora de casa, quando finalmente
conquistam esse direito, ainda são discriminadas com baixos salários, realizando
a mesma atividade que um homem. As possibilidades de assumirem cargos de
comando são dificultadas, além da existência da discriminação sofrida ao
procurarem trabalho por estarem em idade fértil, ou terem crianças pequenas, ou
por serem negras. Aí recorremos à questão étnica por entendermos que as
mulheres negras são duplamente discriminadas, apesar de tantas pessoas
dizerem o contrário, essa é uma questão ainda não superada. Surge então o
questionamento: um direito? Se o for, ainda incompleto.
Essa igualdade ainda se refere a uma vertente liberal, na qual é
imprescindível que as pessoas sejam livres e consideradas iguais para poderem
comprar ou vender sua força de trabalho. Igualdade baseada na igualdade de
oportunidade, na meritocracia, culpabilizando aquele que não adquire êxito
econômico. Mas que oportunidades são oferecidas às classes subalternas
4
, que
muitas vezes mal têm acesso à alimentação básica, quanto mais a um trabalho
que respeite as necessidades e as condições humanas.
Na atuação como assistente social, trabalhando diariamente com mulheres
– principais usuárias da Política de Assistência Social – inúmeras vezes, nos
deparamos, por meio de trabalhos em grupos, com mulheres se identificando
umas com as outras por essas razões – discriminação no mercado de trabalho – e
4
Nos referimos às classes subalternas como a população que vive do trabalho, e que vivencia profundamente
as expressões da “questão social”. Sobre o assunto ver Yasbek (1996).
23
também por estarem fora do “padrão” estético, por serem negras e até mesmo
obesas. Situações do cotidiano de milhares de mulheres, que, diante da retórica
de igualdade entre raça e gênero se deparam com formas cruéis de exclusão
social. Isso reforça ainda mais a culpa desta, que ouve constantemente em
discursos disseminados pela classe dominante que há oportunidades iguais, que a
legislação as considera iguais enquanto seres humanos, mas não é isso que
vivenciam diariamente.
Badinter (1986), concluindo sua análise sobre papéis atribuídos a homens e
mulheres em diferentes períodos históricos, afirma que o século XX pôs fim ao
princípio de desigualdade entre homem e mulher. Ainda afirma que, a mulher não
constrói mais sua existência em função de sua progenitura, mas força esta última
a se adaptar ao seu projeto de vida pessoal.
Porém, a partir das manifestações cotidianas das relações de gênero, não é
possível afirmar categoricamente esse fato. As conquistas e as mudanças
importantes não podem ser desprezadas, mas não se pode perder de vista a
realidade de inúmeras mulheres que ainda acumulam triplas jornadas de trabalho,
discriminadas e pressionadas diariamente, mesmo indiretamente, a exercerem a
maternidade de forma brilhante. Ao mesmo tempo lhe é dito que tem que ter
projetos pessoais, cuidar de seu corpo, da auto-estima, entre outras cobranças da
mulher “moderna”. Diante dessa realidade, um sentimento contraditório lhe toma
implacavelmente: busca essa “mulher idealizada” dentro de si, mas, é pressionada
pelas suas condições concretas de vida.
São papéis atribuídos historicamente de forma contraditória e que ainda
hoje são reproduzidos tão fortemente. As mulheres, ao mesmo tempo, em que
conquistaram diversos direitos, por meio de muitas lutas por longo tempo, são
colocadas em situações que contradizem essa condição de sujeito de direito.
Muitos homens ficam perplexos diante dessas mudanças, muitos, mesmo não
admitindo, sentem-se inseguros no que se refere à relação com a mulher. Essas
mudanças não foram assimiladas como igualdade de direitos enquanto seres
humanos, tanto por mulheres quanto por homens, portanto chega-se a uma
conquista com uma enorme cisão. Enquanto as pessoas não se reconhecerem
24
como iguais enquanto pessoas, independente de gênero, etnia, idade ou classe,
as relações continuarão desiguais, trazendo conseqüências negativas para ambos
os lados, mas principalmente para o lado mais subalternizado ao longo da história.
Retomando, entendemos que esta subalternização imposta à mulher é real, mas
ao mesmo tempo, a força das mulheres, e a luta diária por justiça também é
presente nessa realidade. Portanto, não nos referimos às mulheres como vítimas,
mas sim enquanto sujeito de direitos.
Com ranços de uma sociedade patriarcal, ainda hoje é imposto à mulher o
“instinto” materno, a obrigação de ser mãe. Por biologicamente ter a possibilidade
de ser mãe, não significa que emocional e socialmente toda mulher tenha o desejo
da maternidade ou se veja em condições para isso. Com o objetivo de trazer a
discussão para o cotidiano, como explicar que mulheres impossibilitadas de terem
filhos biologicamente venham a adotar uma criança e estabelecem uma
maternagem
5
que, não raro, é semelhante a relações estabelecidas entre mães e
filhos biológicos? Por outro lado, portanto, uma mulher que vivencia a maternidade
não implica necessariamente que estabelecerá a maternagem, isso por inúmeros
motivos, quais sejam: sociais, econômicos, culturais, temporais e de espaço.
Compreendendo que o amor materno é uma conquista e não um instinto, é
possível entender que a maternidade não garante o desejo ou a possibilidade da
maternagem.
Desde o ventre, as relações de gênero já permeiam a existência do bebê,
quando os pais, os amigos e os familiares desejam que seja menina por ser mais
“companheira, mais meiga, mais delicada ...”. Ou quando se deseja um menino,
pela suposta força que ele representa, e ainda em seu nascimento, é possível
observar diversas falas reforçando a masculinidade. Comumente também pode
ser observado que, durante a criação do menino, este é incentivado a não
expressar sua sensibilidade. Nas brincadeiras que envolvem as crianças, essa
dicotomia também pode ser claramente percebida. Para os meninos são
5
Segundo o dicionário a maternidade é o estado ou a qualidade de mãe, relação de parentesco, é o que liga a
mãe ao seu filho. A maternidade é relativa à gravidez, à reprodução biológica, diz respeito à procriação
(Santos, 2000, p. 103). Já a maternagem é a relação que se estabelecerá na criação do filho. Maternar é criar,
cuidar, educar, dar afeto, é toda a relação no âmbito sócio-afetivo.
25
oferecidas e valorizadas brincadeiras com carrinhos, com aviões, relacionadas à
caça, e com tudo que tem a ver com aventura e com contato com o mundo
externo. Para as meninas resta o incentivo a brincadeiras com bonecas,
“panelinhas”, “casinha”, ou seja, restrita ao âmbito doméstico e à reprodução do
papel de mãe. As meninas são ensinadas no serviço doméstico desde crianças,
se co-responsabilizando pelas tarefas de casa.
Atualmente muitos conceitos em relação ao papel social da mulher foram
alterados, mas há valores de uma sociedade patriarcal que ainda estão fortemente
presentes nas relações. Um claro exemplo disso está no cotidiano das mulheres:
quantas ainda não acumulam tarefas domésticas com profissionais? As que
dividem a vida com um companheiro, mesmo trabalhando mais do que ele, é
responsabilizada pelo funcionamento da casa, pelo cuidado com os filhos,
restando esporadicamente uma “ajuda” deste companheiro e não um compartilhar.
Pesquisas mostram que, nesses casos, o tempo utilizado pelas mulheres nos
cuidados domésticos é muito maior do que o dos homens. Quantas mulheres não
deixam sua carreira para mudar-se com o marido, já que ele conseguiu um
trabalho em outra cidade ou até mesmo em outro país? O contrário já é bem mais
raro, quer seja pelas melhores oportunidades oferecidas ao homem, quer seja
pela condição de elevada importância que tem o trabalho masculino, ao qual ainda
hoje é atribuído o papel de principal mantenedor. Esse quadro, apesar de não ser
total, prevalece ainda no cotidiano das famílias.
Diante de todas essas informações que são passadas às mulheres no
decorrer de sua vida, no sentido de pertencimento, acabam pressionadas a
satisfazer às expectativas sociais em relação ao que devem suprir. Corre-se o
grande risco de haver uma crise da identidade construída socialmente, onde
questionamentos como - será que sou assim? ou será que quero ser assim? ou
será que me fizeram assim? – podem ser freqüentes.
As dificuldades e as questões que envolvem a maternidade não estão
isentas de todas essas contradições e são agravadas pela condição real de vida a
que muitas mulheres estão submetidas (baixos salários, desemprego, condições
precárias de moradia, falta de vaga em escola infantil de período integral ou até
26
mesmo um período, desresponsabilização paterna, fortalecida pelo modelo
patriarcal de sociedade, falta de acesso às políticas sociais, fragilidade da rede de
apoio familiar e comunitária). Vale reforçar que as políticas sociais, mais
especificamente, a política de assistência social está voltada principalmente às
mulheres. A matricialidade familiar preconizada no Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) vem reforçar o movimento dos serviços com o olhar para a família.
Porém, o que se observa ainda, é a responsabilização sobre a mulher, e essas
políticas voltadas para a mulher-mãe e não direcionada pela relação de gênero e
suas múltiplas facetas.
Inserem-se, nesse contexto, as mães que entregam seu filho em adoção e
a invisibilidade social que as acompanha. Quando se refere às mães que
abandonam em situação de risco, a condição de rechaço a essa mulher é ainda
maior. Para não correr o risco da realização de uma análise focalizada e
fragmentada diante dessa complexa situação vivenciada por essas mulheres, é
necessário se considerar a totalidade da vida dessas mães, a partir de suas
relações sociais, culturais, econômicas, não perdendo de vista sua condição de
ser humano repleto de subjetividade e de concretude.
Procurando ultrapassar barreiras de um tema pouco explorado, avaliamos
necessário um item referente ao mito do amor materno inato.
2. O Mito do Amor Materno Inato
Essa discussão se faz pertinente e necessária para entendimento da
amplitude da realidade a ser pesquisada. Aqui entendemos apropriada a utilização
do termo mito para evidenciar a naturalização pela qual passam os papéis
femininos acerca da maternidade e maternagem, entendendo a historicidade que
está mediando essa naturalização e as inúmeras facetas as quais envolvem a
realidade da mulher nesse contexto.
27
Para isso, recorremos à pesquisadora Badinter (1985), que em sua obra: “O
amor conquistado: o mito do amor materno inato” – dedica-se ao tema.
Analisando a relação das mães com seus filhos nos séculos XVII e XVIII,
Badinter (1985), além de constatar que crianças passavam grande parte de sua
infância com amas de leite e colégios internos, observou que a morte de um filho
não era vivenciada com dor nem sofrimento, pois outro filho poderia substituí-lo. A
morte de crianças chegava a ser banalizada. A criança não era vista como pessoa
em desenvolvimento, dotada de direitos.
Só o desinteresse e a indiferença podem explicar tal atitude,
que até um período avançado do século XVIII não era realmente
condenada pela ideologia moral ou social. Esse último ponto é
capital, pois parece demonstrar que, se não sofre nenhuma
pressão desse gênero, a mãe age segundo sua própria natureza,
que é egoísta, e não impelida
por um instinto que a faria se
sacrificar ao filho que acaba de por no mundo. (BADINTER,1985,
p. 143)
Badinter (1985) analisa as determinações culturais. Compreendemos essas
determinações como fundamentais no estudo da realidade, mas não são as
únicas. As relações nas suas singularidades também precisam ser consideradas,
além das particularidades culturais. Por isso entendemos que não devemos
generalizar, pois em suas singularidades, existiam mães que poderiam demonstrar
seu amor, afeto e carinho ao filho, apesar desse sentimento não ser valorizado
moral e socialmente na época estudada pela autora.
Assim como os papéis atribuídos aos homens e às mulheres, os
comportamentos das mulheres em relação a serem mães também variam
conforme a cultura e a ideologia da época e do espaço em que vivem. É
contrastante a maneira que a mulher “deve” agir para ser mãe, hoje, e como agia
nos séculos XVII e XVIII. Um exemplo claro disso é o fato de hoje a morte de um
filho ser sofrida intensamente pela mãe, é uma marca que dificilmente se apaga
ou diminui, ao contrário do que já ocorreu em outra época.
Portanto, esta autora defende que o amor materno não é inato às mulheres,
ele depende das condições históricas, sociais e econômicas, para sua construção.
Faz referência ao amor paterno que não é instituído como natural. O papel do
28
homem, que também é construído social, econômica e historicamente, é
direcionado ao mundo “externo” e não aos cuidados domésticos. Mesmo com
todas as mudanças na configuração familiar e no mundo do trabalho, o pai ainda é
visto, majoritariamente, como provedor.
Acompanhando as transformações sócio-econômico-culturais, a família
volta-se para a intimidade, torna-se privada e a mãe assume uma importância que
nunca havia tido; essa é a família “moderna”, família burguesa. Inclusive, como
afirma Fernandes (1974), ao analisar a revolução Burguesa no Brasil, a revolução
aconteceu primeiramente no sentido cultural, incorporando um modelo ocidental
moderno. Nesse ponto, pode-se acrescentar a inclusão de valores relacionados à
família. A mãe passa a ser responsável pela criação e educação dos filhos e pelo
cuidado da casa. Com isso a mulher burguesa torna-se o eixo da família, nela
passa a ser depositada toda a responsabilidade pela felicidade ou infelicidade,
sucesso ou insucesso do filho. Esta maneira de pensar e de agir foi instituída
como natural, inata à mulher. Ao mesmo tempo em que muitas mulheres
passaram a ter orgulho e alegria na maternidade, outras que talvez não tivessem
essa vontade, sentiam-se culpadas, frustradas e obrigadas a ser mãe. Com isso, a
função do pai é minimizada, passa a se limitar ao enfrentamento da subsistência
econômica, sendo visto apenas como provedor.
Badinter (1985) traz em sua obra depoimentos autênticos de mulheres que
falam do seu desencanto, do esgotamento, e da renúncia que ser mãe provoca
em suas vidas. Sendo assim, a autora questiona:
Que vem a ser esse instinto que se manifesta em certas
mulheres e não em outras? Em vez de instinto, não seria melhor
falar de uma fabulosa pressão social para que a mulher só possa
se realizar na maternidade? Como saber se o desejo legítimo da
maternidade não é um desejo em parte alienado, uma resposta às
coerções sociais? Como ter certeza de que esse desejo de
maternidade não seja compensação de frustrações diversas?
(BADINTER, 1985, p. 353-4)
São muito comuns campanhas publicitárias que recorrerem à imagem de um
bebê e sua mãe amorosa para vender fraldas ou amaciantes, ou então de mães
29
nos comerciais de produtos de cozinha e de limpeza, sempre felizes por estarem
cuidando da casa e dos filhos. Porém, quando os intervalos comerciais terminam,
volta o telejornal, acompanham-se notícias de violência doméstica de mulheres
contra seus filhos ou abandono de crianças em cesto de lixo, entre outros. Em
geral, essas mães são classificadas como desnaturadas, exceções à regra. As
pessoas passam a se questionar sobre como isso pode ocorrer se, de acordo com
a cultura atual, toda mulher tem instinto materno, o que jamais permitiria essas
atitudes.
A americana Sarah Blaffer Hrdy, sócio-bióloga da Universidade da Califórnia,
reunindo materiais sobre a maternidade nas mais variadas espécies e culturas,
pesquisando sobre o assunto, conclui que as mulheres não amam instintivamente
seus filhos, como as outras fêmeas do reino animal que não se afeiçoam de
maneira automática a cada filho que nasce. Afirma que não existe o instinto
materno como uma determinação genética inevitável, nem o amor incondicional de
mãe para filho é baseado numa exigência biológica. As pesquisas mostram que a
genética apenas predispôs as fêmeas a gerar seus filhos e não presenteou a
espécie humana com um chip especial, instalado em cada cérebro materno,
ordenando que toda mãe viva em função dos filhos (apud Vomero, 2001, p. 76-
79).
A questão do amor materno inato, hoje, é uma ideologia dominante na
cultura, a sociedade acredita nisso intensamente. É colocado para as mulheres
que se não forem mães ou não tiverem condições de criarem seus filhos serão
incompetentes, frustradas e egoístas.
O abandono de um filho pela sua mãe, além de ser uma violência para a
criança, pode representar uma violência também para a própria mãe. Essa
afirmação pode ser contestada veementemente pela visão majoritária sobre
maternidade, mas pode ser uma realidade concreta. Além da pressão ideológica
sofrida pelas mulheres, a mesma sociedade não relaciona essa questão às
condições conjunturais-estruturais de nossa sociedade.
A permanência de uma mãe abandonada por amigos, parentes, sem
emprego, sem acesso às políticas públicas, com seu filho ao seu lado, é
30
dificultada diante desse quadro. Seus direitos (alimentação, moradia, saúde, lazer,
educação e outros) não sendo garantidos, podem impossibilitá-la a garantir o
necessário para que uma criança se desenvolva conforme seus próprios direitos
previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Podemos acrescentar
que a mulher, por sua vez, é mais atingida pela pobreza do que o homem -
feminização da pobreza.
Como as relações de gênero e o mito do amor materno instintivo, a adoção
de crianças e adolescentes também reflete valores e padrões construídos
socialmente. Há mitos e preconceitos que precisam ser desvendados para que os
processos de adoção alcancem maior sucesso. Um dos mitos é exatamente a
questão da mãe biológica, que muitas vezes é estigmatizada, julgada pela própria
família adotante, talvez por certa insegurança e temor desta família, que sempre
acredita que um dia a criança terá interesse de conhecer a mãe biológica. O não
desvendamento desses mitos e preconceitos gera, no interior das famílias
adotantes, o constrangimento e a incerteza, podendo produzir vários problemas
entre pais e filhos adotivos.
A sociedade investe muito na naturalização desse processo, atribuindo
identidade de caráter doméstico à mulher, reforçando sua capacidade de ser mãe.
Naturaliza então que toda mulher conceba, dê a luz, dedique-se aos afazeres
domésticos e à criação dos filhos.
Assim, esta função natural sofreu uma elaboração social,
como aliás, ocorre com todos os fenômenos naturais. Até mesmo
o metabolismo das pessoas é socialmente condicionado. Pessoas
que não foram habituadas a comer determinados alimentos, não
raro não conseguem fazê-lo quando se encontram em sociedades
que adotaram este tipo de alimentação. Se, porventura, forem
obrigadas a ingeri-los não conseguem metabolizá-los, dado o asco
por eles provocado.(SAFFIOTI, 1987, p. 10)
31
3. Assistência Social e relações de gênero: O SUAS e as mães que
abandonam seu filho recém-nascido
Inicialmente cabe uma observação acerca do termo utilizado: abandono.
Em uma pesquisa realizada em 2001, decidimos pelo uso do termo entrega como
mais propício para a situação pesquisada. Porém, era uma realidade diferente, a
pesquisa foi sobre políticas sociais voltadas às mães que entregam seu filho por
meio do judiciário, portanto, aos cuidados de alguém. Na preocupação de não
culpabilizar essa mulher, e sim compreender a realidade vivenciada e os
determinantes para a entrega em situação de risco, ficamos resistentes à
utilização do termo abandono. Mas ao analisarmos o significado de cada palavra,
nos deparamos com a contradição. De acordo com o conteúdo do dicionário
(MICHAELIS, 1998, p. 6), “abandono é ação ou efeito de abandonar; desamparo,
desprezo; desistência, renúncia; imobilidade, indolência, moleza”. Neste mesmo
dicionário, encontramos a indicação do termo entrega, que significa “passar às
mãos de outrem, por em poder de alguém. Confiar-se à guarda ou proteção de
alguém” (MICHAELIS, 1998, p. 823).
O termo entrega não poderia ser utilizado nesta realidade a ser pesquisada,
na qual os bebês são deixados em locais que os colocam em risco de vida.
Intencionalmente ou não, não há uma entrega do bebê à guarda ou aos cuidados
de outra pessoa.
Por outro lado, a palavra abandono, a mais próxima da realidade
pesquisada mas não ideal, será empregada, no sentido de abandono, desamparo,
desistência, renúncia, mas não entendendo como desprezo ou moleza como
definido pelo dicionário citado.
Analisando um dos determinantes para o abandono – a falta de política
social para as mulheres que não contam com rede de apoio familiar e comunitária,
com renda insuficiente ou inexistente-, é necessário recorrer à análise da política
de assistência social. Não podemos perder de vista que a política de assistência
social isolada de outras políticas não é suficiente para uma alteração significativa
32
na realidade da população que a ela recorre, principalmente no que diz respeito ao
desemprego que se caracteriza como uma questão estrutural, resultado da
contraditória relação capital e trabalho.
Além da política de assistência social e de trabalho, as políticas de saúde,
habitação, educação, cultura são também de fundamental importância na
realidade pesquisada e compõem o que deveria garantir a proteção da mulher,
bem como da família. A falta de vaga em escolas de educação infantil, a
ineficiência da política da área da saúde reprodutiva e do planejamento familiar, a
falta de acesso à cultura de qualidade e a grande dificuldade de habitação são
alguns determinantes diretamente relacionados aos sujeitos do presente estudo.
Outro ponto importante é o caráter “apaziguador” das políticas sociais como
estratégias de governo. Ao mesmo tempo, que, significam conquistas de direitos,
podem traduzir o interesse dominante para reprodução do sistema econômico
vigente.
As políticas sociais foram constituídas historicamente como compensatórias
e com exigência de contrapartida, utilizadas muitas vezes como estratégias de
governos e não na ótica do direito da população como sustenta Vieira (1994). Isso
faz com que essas políticas se traduzam conforme o interesse do grande capital.
“Reproduzem, portanto a exploração, a dominação e a resistência, num processo
contraditório em que se acumulam riqueza e pobreza” (YASBEK, 2000, p. 22).
No que tange à política de assistência social, importante ator na proposta
de atendimento às expressões das “questões sociais”, esta é legitimada como
política de direito pela Constituição Federal de 1988. Em dezembro de 1993, com
a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), essa política passa a ser
regulamentada e a compor a Seguridade Social, reforçando a responsabilidade do
Estado. Objetivando a permanência e o caráter constante da política de
assistência social, independente de governo, em 2004, é aprovada a Política
Nacional de Assistência Social (PNAS), baseada nos princípios e diretrizes da
LOAS, estabelecendo um Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Esse
sistema vem legitimar a discussão contemporânea a respeito da não
fragmentação do atendimento (idoso, criança e adolescente, pessoa portadora de
33
necessidades especiais, entre outros) à família, sendo assim, traz como diretriz do
atendimento da Política de Assistência Social a matricialidade familiar, que
segundo Yazbek (2005)
6
constituí uma das principais inovações do SUAS. A partir
desse olhar é que o atendimento deve ser planejado e efetivado, considerando a
trajetória da família e os novos arranjos familiares.
Nesse sentido a Política de Assistência Social marca sua
especificidade no campo das políticas sociais, pois configura
responsabilidades de Estado próprias a serem asseguradas aos
cidadãos brasileiros (PNAS, 2004).
O resgate histórico, a partir das vivências concretas das famílias e de suas
diversas configurações diante de sua trajetória, é essencial para compreensão da
atual realidade dessas, dos novos arranjos familiares e principalmente da
identidade atribuída às mulheres. Ariés (1981) e Badinter (1985), por meio do
estudo da história das relações familiares, atribuem, principalmente, às
transformações sócio-econômicas e culturais, os condicionantes para a mudança
nas relações e valores familiares. Também diversos autores brasileiros,
apresentam a realidade de nosso país relacionada aos rearranjos familiares e à
mudança de papéis.
Com essas mudanças, cresce o número de mulheres que passam a ter a
responsabilidade pelo cuidado e sustento de família, com tripla jornada de
trabalho. No mercado de trabalho, continua ocupando posições inferiores em
relação aos homens. Mesmo quando têm a mesma função, recebem salários mais
baixos. O trabalho doméstico, na maioria das vezes, sem vínculo empregatício e
mal remunerado, se constitui expressivo campo de trabalho. Aliado a isso, a
ausência da responsabilidade paterna, tanto no sustento dos filhos quanto nos
cuidados destes, se torna cada vez mais comum. Essa sobrecarga e as
dificuldades de manter sozinha a família, ou até mesmo o desemprego tão
crescente no sistema econômico vigente, configuram terreno fértil para a
impossibilidade de manter-se com seus filhos.
6
Minicurso ministrado pela Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek “A construção do conhecimento e o SUAS”
34
(...) são as famílias monoparentais chefiadas por mulheres negras
aquelas que representam a parcela com menores condições de
oferecer cuidados básicos para seus filhos. Estabelece-se assim
uma outra relação: monoparentalidade e etnia. (...) associação
maciça de monoparentalidade e pobreza - e os dados do Censo
2000 confirmam, em especial quando distribuída por regiões do
país – acaba por fortalecer-se muito mais a adjetivação dessas
famílias como vulneráveis ou de risco...” (VITALE, 2002, p. 51)
Como apontam Motta (2001) e Gueiros (2005), a vulnerabilidade sócio-
econômica, a impossibilidade de dividir responsabilidades com o companheiro
e/ou pai da criança, podem agravar as dificuldades pelas quais passam essas
mulheres, muitas vezes sem apoio da rede social.
O resultado da pesquisa realizada por Sanchez (2001) sobre Políticas
Sociais voltadas para mães que entregam seu filho em adoção, mostrou que não
há evidência de um olhar para essas mulheres tanto da sociedade, quanto de
profissionais que trabalham com essa população. Foi observada a inexistência de
políticas sociais voltadas a essas mães, seja antes, seja após a entrega. Motta
(2001, p. 151) também chama a atenção para essa realidade:
A carência de apoio social em nosso meio evidencia-se na
falta de programas de atendimento a essas mulheres em
quaisquer das fases do processo de decisão e entrega, na
escassez de locais para acolhimento da mãe com seu filho, na
ineficiência ou inexistência de programas de educação sexual à
adolescente, assim como a prevenção à natalidade para mulheres
de modo geral.
O Estatuto da Criança e do Adolescente promulgado em 1990, representa
importante marco legal dos direitos das crianças e adolescentes. Prevê o direito à
convivência familiar e comunitária, a proteção da criança e do adolescente pela
família, pela sociedade e pelo Estado. Mas, apesar dos avanços, tem-se muito a
percorrer na efetivação desses direitos, no cotidiano, na vivência das crianças e
adolescentes e suas famílias, as quais são cobradas, muitas vezes, sem terem as
condições básicas de sobrevivência garantidas. Essa efetivação de direitos está
diretamente relacionada ao caráter contraditório das políticas sociais,
– VI Seminário de Pesquisa na área de Serviço Social da PUC-Campinas e UNICAMP, Campinas, Out/2005.
35
principalmente no que tange à política de assistência social que é posta ao mesmo
tempo, para atender os interesses da classe dominante, reproduzindo a
desigualdade, porém, por meio dela também há “possibilidade de reconhecimento
público da legitimidade das demandas dos subalternos e espaço de ampliação de
seu protagonismo como sujeito” (YASBEK, 2000, p. 55).
De qualquer forma, neste trabalho, nos direcionamos para a política de
assistência social, entendendo essas mães como sujeitos que em determinado
período de suas vidas precisam de proteção social especial. Além disso,
buscamos contribuir para a discussão desta política, já que a prática como
assistente social nos faz “compreender contraditoriamente” a sua importância e a
sua dimensão, não perdendo de vista a grande dificuldade de efetivação dos
direitos humanos, principalmente os referentes à população espoliada pelas
expressões da “questão social”.
Quando se pensa em proteção social, conforme definido no SUAS, busca-
se a garantia da segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de
acolhida e de convívio ou vivência familiar. Independente de limitações para o
trabalho ou do desemprego, todos têm direito a ter garantida sua sobrevivência
por meio de uma forma monetária. Porém, existe um grande fosso entre o que é
garantido em lei no Brasil e o que realmente é efetivado atendendo interesses das
maiorias de poder.
No levantamento realizado por meio dos trabalhos já existentes sobre mães
que entregam seus filhos em adoção, um dos principais motivos apontados para a
entrega é a falta de renda ou de condições financeiras para criar uma criança, ou
mais de uma criança. Por aí já se pode analisar que o direito à segurança de
sobrevivência não é garantido historicamente na vida cotidiana dos brasileiros,
especialmente na vida das mulheres, que são discriminadas pelo simples fato de
serem mulheres.
A segurança à acolhida é prevista no SUAS às pessoas em situações de
separação da família ou da parentela por diversas determinações (como violência
familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado, criminalidade,
desastre ou acidentes naturais, destituição e abandono) objetivando a provisão
36
das necessidades humanas, orientada pela conquista de autonomia. A segurança
da vivência familiar ou a segurança do convívio, ressaltando a dimensão
multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, compõe a segurança
à acolhida.
A garantia dessas seguranças vem ao encontro do que se vê
cotidianamente na vida da população quanto a não efetivação de direitos sociais.
Basta olhar nas ruas, diariamente, estão expostas situações que ferem os direitos
fundamentais da pessoa humana. Portanto, são estratégias pensadas para o
enfrentamento da miserabilidade e da vulnerabilidade a que grande parte da
população está submetida.
No que diz respeito à política de assistência social, o SUAS –
fundamentado na LOAS -, traz como diretrizes: descentralização político-
administrativa, participação popular, primazia da responsabilidade do Estado e
centralidade na família. Essa visão da política de assistência social reconhecida
oficialmente indica importante avanço. Porém, considerando o contexto político-
econômico-social direcionado pelo grande capital, sob os auspícios do
neoliberalismo, prevendo o Estado mínimo, com cortes brutais em investimentos
em políticas públicas, tendo o mercado como regulador inclusive das relações
sociais que se tornam cada vez mais individualistas e competitivas, essa política
enfrenta um grande desafio.
Não perdendo de vista a análise da situação estrutural e a necessidade de
uma transformação societária para que as desigualdades sejam realmente
enfrentadas, já que estas são inerentes ao capitalismo, propositivamente este
trabalho tem também como objetivo pensar as políticas de assistência social para
essas mães e suas possíveis e mais evidentes mediações. Essas mães passam
por realidades concretas, sendo algumas delas possíveis de ser identificadas na
pesquisa. É possível elencar algumas situações enfrentadas por elas: mães que
tentam ficar com a criança e não conseguem, enfrentado diversos obstáculos de
maneiras diferentes; outras que não querem ver a criança ou sofrem a pressão de
uma família repressiva; em outras situações os “companheiros” dessas mulheres
37
são ausentes ou ainda também pressionam para que elas não retornem com o
bebê da maternidade.
Considerando a proteção social básica e especial de média ou alta
complexidade, previstas no SUAS, a primeira proteção se refere a trabalhos
preventivos, por meio de desenvolvimento de potencialidades, fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários. Voltado à população em vulnerabilidade social
em decorrência da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso
aos serviços públicos), fragilização de vínculos relacionais e de pertencimento
social (discriminações etárias, étnicas, de gênero, por deficiência). Ou seja,
diversos dos determinantes sociais para o abandono se encontram nesse nível de
trabalho, o que traduz a necessidade de ações preventivas – não apenas pela
política de assistência social, mas envolvendo política de saúde, trabalho,
educação, cultura, habitação -, entendendo que o ser humano tem que ser
considerado em sua totalidade. Diversas situações poderiam ser abordadas de
forma flexível em diferentes espaços da vida cotidiana das mulheres e de suas
famílias e comunidades, desde reflexão sobre relações de gênero, até programas
de incentivo à geração de trabalho e renda.
Quando os direitos da família e do indivíduo foram violados, a proteção que
deve ser destinada é considerada especial. Esta é a situação da mãe que
abandona seu filho recém-nascido, com vínculos rompidos. Portanto é uma
“etapa” posterior a (des)proteção social básica.
No entanto, é imprescindível um olhar crítico sobre a Política Nacional de
Assistência Social quando traz conceitos de referências morais, reestruturação
familiar, vínculos afetivos, matricialidade familiar, para não correr o risco de cair
numa ação conservadora, culpabilizando a família pela realidade em que está
inserida, desconsiderando a situação estrutural e conjuntural. Além disso, traz a
violação de direito no âmbito familiar (com ou sem rompimento de vínculos), não
considerando a vulnerabilidade, a fome, a pobreza, a dificuldade de acesso a
serviços públicos como violação de direitos. Isso pode dar margem para uma
38
interpretação responsabilizante da família pela situação de violação de direitos e
não responsabilização do Estado pelas expressões da “questão social”
7
.
Conhecer as pessoas e seus territórios, não ficar voltado para os limites e
vulnerabilidades e sim identificar as potencialidades e possibilidades, respeitando
a autodeterminação e estimulando a autonomia, são valores e estratégias
preconizados no SUAS para a implantação da política de assistência social.
Reconhecer a dinâmica do cotidiano das pessoas e ouvi-las é fundamental
ao se pensar trabalhos diretamente com essas famílias e suas comunidades.
O SUAS prevê que, por meio dos territórios – além dos objetivos fim que são
voltados à qualidade de vida da população em risco-, que se constitui em
importante objetivo operacional, busca-se tornar visível os setores da sociedade
brasileira tidos como excluídos das estatísticas como: população em situação de
rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoa
com deficiência. Trazendo para a realidade das mães as quais esta pesquisa se
dedica, é possível constatar que elas também são invisíveis diante das estatísticas
e diante dos serviços. Para pensar políticas de atendimentos a essas mulheres é
preciso conhecê-las, conhecer seu mundo, seu cotidiano, suas expectativas, sua
história e, acima de tudo, suas condições reais de vida, não a idealizada
socialmente.
Finalizando, de acordo com a Constituição Federal de 1988 e a LOAS, o
SUAS apresenta como eixo fundamental as novas bases para a relação entre
Estado e a Sociedade Civil, ou seja, a participação da sociedade civil na
formulação e no controle das ações em todos os níveis. A partir da realidade
vivenciada pelas mães na sociedade atual, pelas mulheres no que tange à
maternidade e pelos valores que regem as relações de gênero, é possível avaliar
que, dificilmente, ações que trabalhem de forma ampla e transformadora tais
valores, serão priorizadas. Portanto, um desvelamento sobre as questões de
gênero pode ser o início de uma mudança. Mexer com valores não é uma tarefa
fácil, mas é essencial para que existam alterações profundas.
7
Reflexão proposta pela Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek no Minicurso “A construção do conhecimento
e o SUAS” – VI Seminário de Pesquisa na área de Serviço Social da PUC-Campinas e UNICAMP,
Campinas, Out/2005.
39
CAPÍTULO II – A ENTREGA DE UM FILHO
Acreditando ser tênue a linha que separa a entrega e o abandono de
recém-nascidos, nos referimos neste trabalho às pesquisas e aos estudos
relacionados à entrega, entendendo que pode ser subsídio para a análise do
abandono em situação de risco.
No Brasil, a entrega pode ser realizada a qualquer momento após o
nascimento do bebê, sem um prazo ou tempo para que essa atitude seja pensada
ou refletida.
A experiência de outros países revela que existem diferentes formas de
trabalhar essa realidade. Aqui apresentamos, com base no Primeiro Guia de
Adoção (2000), algumas experiências, objetivando o conhecimento de diversas
formas de atuação frente à entrega de bebês, mas entendendo que são situações
inseridas em outra realidade, em outro contexto político-econômico-social-cultural,
profundamente diferentes do vivenciado em nosso país.
Na Suíça, uma mãe que assina o termo de renúncia tem três meses de
prazo para voltar atrás e revogar a decisão. Enquanto isso, a criança é colocada
em família substituta. A maioria das crianças adotáveis tem como pais biológicos
estrangeiros, pelo menos mãe, já que na Suíça as mulheres têm mais acesso a
métodos anticoncepcionais e aquelas que decidem ser mães, independente da
responsabilização paterna, o fazem por opção e são aceitas pela sociedade, além
de receberem auxílio do Estado.
Na França, a lei garante o parto em segredo. A mulher pode pedir que seja
preservada sua identidade na maternidade, ficando a criança sob a guarda do
Estado. Nesse país a mãe biológica só pode consentir a adoção após seis
semanas do parto. Antes desse tempo, a adoção é considerada antecipada e
40
inválida. Após o consentimento, a adoção será efetivada, transcorridos doze
meses, podendo os pais biológicos reaverem o filho dentro desse prazo.
Na Espanha, também é dado um prazo para a mãe, esta não pode dar
consentimento de adoção até trinta dias após o parto.
O período puerperal pode ser acompanhado de alterações físicas e
psicológicas e por isso deve ser respeitado. Do ponto de vista social, também se
faz necessária a atenção por meio de apoio e orientação. Mas, na realidade dos
países de capitalismo tardio, não é essa forma de olhar para essas mães que
prevalece.
Conforme análise de Giberti (1997) – autora argentina que se dedica ao
tema das mães que entregam seu filho para adoção – o modelo social de
maternidade é incorporado pelo pensamento dominante e a impossibilidade de
cumprir com ele pode gerar a culpa acompanhada de frustração. Não apenas a
miséria, mas também as políticas patriarcais e as diferenças de gênero, são
importantes determinantes para a entrega. A autora continua avaliando que há
uma contradição entre ser boa mãe, saber que um bebê precisa de alimento,
abrigo e medicação, e perceber que não poderá cumprir às exigências da
maternidade segundo esse modelo.
Este é o principal ponto em que é preciso voltar atenção no presente
estudo. As exigências sociais relacionadas à maternidade influem diretamente na
identidade da mulher que se vê pressionada por um modelo estabelecido. Ao
mesmo tempo essa sociedade, brutalmente excludente, não lhe propicia as
condições básicas nem de sobrevivência, nem de garantia de uma vida digna.
Como pode essa mãe proteger uma criança se não é protegida?
Giberti (1997) chama a atenção para a falta de estatísticas de avaliação
acerca dessas mulheres. É possível supor que a escassez de referência sobre o
infanticídio e o abandono não seja alheia à necessidade de manter na penumbra
as práticas cuja existência põe em risco a tese do instinto materno.
A falta de dados existentes acerca das mães biológicas pode ser analisada
como ponto importante da invisibilidade destas no processo de adoção. Quanto
antes elas “saírem de cena”, mais tranqüila e facilmente as adoções serão
41
efetivadas. Portanto, esse não olhar para essas mulheres, inicia desde os
profissionais que trabalham diretamente com a questão, passando pelas famílias
adotantes, refletindo também na forma como são vistas pela sociedade em geral e
vice-versa. Trata-se de um processo dinâmico e contraditório. Ao mesmo tempo
em que a visão dominante influencia no trabalho com essas mães, a falta do olhar
para elas impede que seja pensado algo para mudança dessa realidade. Estamos
diante de outro significativo determinante para o abandono que é a imposição da
idéia do amor materno como algo inato a toda mulher.
Ao pesquisarmos sobre as mães que abandonam seu filho recém-nascido,
percebemos que elas podem ser responsabilizadas pelo ato de ter colocado em
risco de vida seu bebê, porém não são as únicas responsáveis pela situação.
Essa questão é a expressão de diversos fatores que culmina, muitas vezes, numa
ação extrema e que pode traduzir uma atitude de desespero.
O objetivo da pesquisa é apreender, interpretar, compreender e explicar os
determinantes sociais. Por isso faz-se necessário realizar uma análise estrutural-
conjuntural-histórica do processo de desenvolvimento das relações sociais,
familiares e comunitárias no que se refere à maternidade. Essas relações estão
historicamente determinadas por questões econômicas nas diferentes
sociedades.
Trazendo para a realidade atual, é imprescindível levar em consideração as
contradições existentes nas relações sociais baseadas no acúmulo de capital e na
exploração do trabalho, refletindo diretamente no aumento desenfreado da
pobreza, da miséria, se constituindo importante determinante na situação
pesquisada.
Outro fator de relevância no processo do abandono é a
desresponsabilização paterna que, muitas vezes, não é levada em consideração
ou precariamente analisada. Enquanto isso a mulher é responsabilizada pela
maternidade, pela sua sexualidade, havendo em decorrência, uma culpabilização
centrada na mulher pelo seu corpo, pelo seu prazer e pela sua possibilidade de
ser mãe.
42
No presente trabalho temos por hipótese que o abandono, colocando o
recém-nascido em situação de risco, tem uma característica mais forte, mais
marcante do que a entrega. Essa principal marca é a presença do mito do amor
materno inato, trazendo toda a discriminação acerca do papel da mulher – mãe-, e
o temor da discriminação caso a sociedade venha a saber que entregou seu filho.
Podemos destacar também nesta hipótese que o medo desta mãe procurar o
judiciário se dá pela distância estabelecida entre essa instituição e a população
em geral. No limite, a mulher acredita que poderá evitar a acusação e a
incompreensão pelo seu ato, escondendo sua realidade, no possível objetivo de
evitar publicizar a sua imagem de “vilã”
8
.
Em relação à divulgação da entrega de um filho, Giberti (1997) avalia que
só se ressalta a monstruosidade que significa abandonar uma criança sobretudo
se a expõe à morte. O papel da mídia é apelativo, reforçando a discriminação
sofrida pelas mães, seguindo a direção do senso comum que ao mesmo tempo
alimenta tal prática e é alimentado por ela, numa relação dinâmica e contraditória
entre mídia e sociedade.
1. Alguns determinantes sociais para a entrega de um filho
Giberti (1997) em sua pesquisa, informa que quando teve acesso às
respostas de algumas mães que abandonam recém-nascidos, detidas pela polícia,
quase sempre se centram na impossibilidade de manter economicamente o filho.
Este é o principal determinante social apontado pela autora, a qual refere-se a
essa situação como “abandono forçado”, considerando a impossibilidade
econômica por parte da mãe, que não dispõe de dinheiro nem de condições para
os cuidados e manutenção de seu filho.
8
Como definida recentemente por uma apresentadora de programas “informativos” de televisão, que é
portanto formadora de opinião.
43
Objetivando refletir acerca dessa realidade, podemos apresentar alguns
questionamentos. Como proteger a criança se a mãe também está sofrendo pela
falta de acesso aos seus direitos básicos de sobrevivência? Considerando que
esta, muitas vezes, não tem um local decente para dormir, não tem alimento
suficiente, não tem vestuário básico para viver, não conta com rede de serviços
essenciais de qualidade, não conta com apoio familiar e comunitário?
La decisión de separarse del niño para entregarlo a quienes
podrán hacerse cargo de él, significa aceptar la impossibilidad para
criarlo, o su rechazo a la criatura, o la frustación de su amor y
deseo maternante. Cualquiera de estas possibilidades, jaquea la
tradicional descripción de mujer que abandona, como equivalente
de “mala madre”. Esta discripción-evaluación es producto de una
concepción patriarcal decimonónica del género mujer, evaluando
como reproductor y único responsable por la crianza de los niños
(GIBERTI, 1997, p. 45-46).
As respostas das mulheres pesquisadas por Giberti (1997) dizem respeito,
também, ao abandono do companheiro quando estavam grávidas. Este é um outro
determinante social no que se refere à entrega e ao abandono. Socialmente ainda
apenas a mulher é responsabilizada quando uma gravidez não é assumida pelo
homem. É comum por parte dos genitores, além de não assumirem a paternidade
realizarem a proposta do aborto como resolução da situação, inclusive
abandonando a mulher caso não concorde. A partir daí, ela se vê só,
responsabilizada pela gravidez “fora de uma relação estável” e pela criação do
bebê, mesmo sem reunir condições no momento.
Muitas mulheres são levadas a sustentar a família, sendo discriminadas
pelo mercado de trabalho, por meio de salários mais baixos em relação aos dos
homens, exercendo as mesmas funções e ainda com maior dificuldade de arrumar
trabalho quando em período fértil. Isso é agravado quando essas mulheres se
deparam com a falta de uma rede de proteção social para poder deixar seus filhos
para trabalhar. Não cumprindo o papel de “boa mãe”, a mulher é taxada como
desnaturada, ou, se opta por não ser mãe, é cobrada constantemente, sendo
vítima de piadas preconceituosas e de constantes pressões.
44
A pesquisa de Fávero (2000) e (2001) sobre os condicionantes sócio-
econômicos e familiares na destituição do pátrio poder
9
pode auxiliar na presente
análise, mesmo se referindo a sujeitos diferentes - mães e pais que perderam o
poder familiar quer seja por negligência, abandono, violência doméstica contra
criança e adolescente, quer seja por carência sócio-econômica. Esta última se
constitui o principal motivo levantado na análise de 201 processos de destituição
de poder familiar, geralmente apontando também a falta de apoio do outro genitor
e de familiares. Sendo assim, entende-se a proximidade com a realidade das
mães que abandonam em situação de risco, que segundo Giberti (1997), são
também esses os principais condicionantes. São motivos semelhantes de
situações em estágios diferentes. São perdas diferentes, mas que possivelmente
tenham as mesmas determinações.
Na análise dos processos, Fávero (2000) identifica que sobre o pai pouco
ou nada se fala ou se cobra. As poucas informações, na maioria das vezes, ficam
em torno da mãe. Por isso a pesquisa sobre as mães que abandonam seus filhos
recém-nascidos está voltada para esses sujeitos. Mas é importante não se perder
de vista a possibilidade do envolvimento paterno, mas numa pequena dimensão,
considerando a desresponsabilização do genitor um importante determinante para
o abandono e para a entrega.
No estudo de Fávero (2000) das 201 sentenças, 76,6% se referem às
destituições de mães. Apenas 23,4% se referem a pais, não havendo nenhum
caso de criança registrada apenas pelo pai. Um dado interessante que foi
levantado pela pesquisadora é o local de nascimento dos pais destituídos do
poder familiar. 30% das mães e 23,4% dos pais são do Nordeste. Estes e outros
pais oriundos de estados diferentes, muitas vezes, estão sozinhos em São Paulo,
passando por desemprego ou com baixa remuneração. A autora entende que as
dificuldades em conseguir apoio para os cuidados da criança, em creches ou
outros programas sociais, com familiares e conhecidos, podem motivar a busca
9
A partir da aprovação do Novo Código Civil brasileiro, fica extinto o termo “pátrio poder”, sendo
substituído pelo termo “poder familiar”. Ora, nada mais justo já que pátrio poder – apesar de pelo ECA estar
explicitado que é função do pai e da mãe – o termo vem de uma época em que o poder familiar era dado,
legalmente, ao pai. Essa idéia é injusta do ponto de vista da igualdade de gênero e é mais absurda se pensada
pelo seguinte prisma: “pátrio poder”, mas quem é responsabilizada socialmente pela entrega é a mãe.
45
por melhores condições de vida para a criança. Além disso, de acordo com os
poucos dados levantados devido à falta de registro dessa questão, a escolaridade
desses pais é baixa. De 10 pais, 2 são analfabetos, 2 tem ensino fundamental
incompleto e 6 “sabem ler e escrever”. De 53 mães, 9 são analfabetas, 20 têm
ensino fundamental incompleto, 20 “sabem ler e escrever” e apenas 1 completou o
ensino médio. 19,5% das mães e 12,7% dos pais estão desempregados, além
dessas, 10,4% das mulheres se identificam como “do lar” o que leva a pressupor
que não tenham rendimentos. As pessoas que trabalham estão em ocupações
que oferecem baixo rendimento como o serviço doméstico, responsável pela
ocupação de 20,1% das mulheres. Segundo Fávero (2000, p. 59) “(...)a carência
sócioeconômica apareceu de forma predominante entre os sujeitos”.
Alguns assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, que atuam nas Varas da Infância e Juventude e da Família e
Sucessões, participam de grupos de estudos relacionados à prática profissional
(Mendes, 2004). Em 2000, o tema “Adoção” foi estudado, com a proposta de
normatizar os procedimentos referentes aos processos. Uma das etapas foi o
estudo sobre a mãe biológica que entrega seu filho em adoção. A partir do relato
dos técnicos, constatou-se que existem diferentes formas de atendimentos a estas
mães nas Varas da Infância e Juventude. Em algumas Varas, as mães são
ouvidas pelos Setores Técnicos em outras não. Há locais em que o atendimento é
feito em cartório. Além disso, a intervenção varia de acordo com o técnico e sua
visão de mundo.
Além dos aspectos de natureza objetiva, identificamos
também interferência de fatores subjetivos, relativos à postura dos
profissionais como um todo, a partir dos seus valores e crenças
pessoais.
Assim, a tendência de todos os profissionais envolvidos na
adoção é minimizar a participação da mãe neste processo, na
tentativa de agilizar os procedimentos legais (MENDES, 2004, p.
11)
A partir de um levantamento realizado pelos participantes do referido grupo
de estudo sobre a motivação para a entrega, mais uma vez é possível perceber a
falta de apoio familiar e do genitor e a falta de condições sócio-econômicas e
46
emocionais para permanecerem com o filho, como principais determinantes na
entrega deste em adoção.
Desde o abandono na Roda dos Expostos, passando pela entrega em
adoção, até os determinantes para a perda do poder familiar, a carência sócio-
econômica aparece como principal motivo.
Giberti (1997) analisa que o abandono encobre a violência de toda a
situação, em diferentes níveis: violências sociais (por falta de recursos para a
mulher se manter ou pela exclusão de que pode ser vítima); violência psicológica
(que recai sobre a mulher ao saber de uma gravidez não desejada, além da
indiferença do companheiro, assim como a oposição familiar a respeito da
gravidez); violência simbólica (que pode se tornar física, de acordo com normas
patriarcais que autorizam o homem a dispor do corpo da mulher). As mulheres que
entregam seus filhos em adoção estão sujeitas a uma violência invisível derivada
da interpretação que numerosos setores da sociedade fazem de seu estilo de
vida. Conclui, ainda, que sua existência desenha uma paisagem de violências de
toda forma, que geralmente não se encontram descritas nas análises de violências
contra as mulheres.
O fato dessas mães não serem reconhecidas também como pessoas que
estão passando por dificuldades, pelo contrário, a única dificuldade considerada
da história é a do bebê, faz com que a violência sofrida por ele seja reforçada,
constantemente, realizando a segmentação entre vítima e culpada, paralisando o
acontecimento, desconectando-o da realidade sócio-histórica-econômico-cultural,
resultando numa análise pontual e fragmentada.
Além da repressão em torno da maternidade, muitas vezes a sexualidade
da mulher é permeada por distintas regras alheias a suas necessidades. Essas
regras podem estabelecer a dominação da mulher pelo gênero masculino, o que
propicia a naturalização de tal situação.
As violências diversas sofridas pelo gênero feminino são uma constante no
cotidiano das mulheres, expressando-se em diferentes áreas. A falta de estudos e
categorização nos trabalhos relacionados a gênero, das mulheres que entregam
ou abandonam, se constituem um reflexo da invisibilidade dessas mães.
47
A pesquisa de Giberti (1997) constatou ainda que se conhece pouco sobre
essas mulheres e suas famílias, principalmente porque as escutam pouco e lhes
perguntam mal. Muitas vezes a pergunta é um juízo negativo antecipado.
Portanto, há uma ruptura de todo vínculo histórico com a origem dessa mulher e
seu bebê, o que suprime inclusive o direito da criança de defesa de sua identidade
que depende do conhecimento da sua origem. Seu destino seria apenas
desaparecer. Essa ideologia imperante no trabalho com adoção bloqueou, durante
décadas, pensar programas alternativos de cuidado familiar.
A pressa no processo de adoção ganha uma proporção inadequada. Não
se pensa, na maioria das vezes, no direito da criança ao conhecimento de sua
origem. Algumas pessoas depois de adultas, podem buscar informações sobre
sua origem, porém poderá se deparar com a inviabilidade desse conhecimento.
No tripé da adoção, as mães biológicas são esquecidas e, algumas vezes, vistas
apenas como reprodutoras.
A ideologia dominante acerca do papel da mulher e da maternidade, as
políticas públicas restritivas e a desproteção da família constituem-se principais
determinantes sociais para a entrega.
Fávero (2000) apontou que 22% dos pais e mães destituídos do poder
familiar não têm acesso a programas de auxílio, presumindo que esses programas
poderiam possibilitar a permanência dos filhos em seu convívio. Identificou ainda,
a escassez de recursos disponíveis para alternativas de assistência, trabalho e
renda, para os pais e mães, e creche ou outras formas de programas sociais para
as crianças.
Em sua pesquisa, Giberti (1997) identificou que a população jovem e
adolescente compõe a maioria das mães que entregaram seus filhos e, muitas
vezes, essa entrega ocorrem devido à influência da família, explicitando falta de
apoio familiar.
Em relação ao vínculo, o permanecer da mãe com o bebê é algo que não
pode ser forçado, pois pode ter como desdobramento uma adoção “ilegal”, uma
adoção direta, um abandono ou até mesmo o estabelecimento de uma relação
entre mãe e filho permeada por violência doméstica.
48
Tanto el cuerpo profissional cuanto las otras madres
internadas posparto frecuentemente critican a la mujer que há
tomado esa decisión, la aíslan, o el personal profisional intenta
convencerlas para que lo mantegam com ellas. De este modo se
generan situaciones tensas o se organiza una cerimonia
institucional (Giberti, 1995). Gestión que inevitablemente finaliza
en un fracaso, ya que la lactancia sólo puede postergar la decisión
de entrega, que en lugar de llevarse a cabo en el hospital, se
realiza de outro modo, a veces ilegal. (GIBERTI, 1997, p. 119)
Várias mulheres entrevistadas por Giberti (1997) temem o julgamento de
quem as atende ou do juiz, o que vem ao encontro da hipótese levantada sobre o
determinante relacionado à vergonha versus o papel da mulher na sociedade. Na
direção do poder institucional e da intimidação das mulheres, podemos observar
por meio da pesquisa de Fernandes (1989) que o hospital / maternidade pode
representar um obstáculo para a entrega, podendo então ocasionar o abandono.
Realizada numa maternidade em Portugal, essa pesquisa levanta o preconceito
sofrido pelas mães que entregam seus filhos, reforçando principalmente a atitude
dos profissionais do hospital diante dessa situação. Observou que esses
profissionais demonstravam sua convicção em seus valores relacionados à
evidência do instinto materno, o que era transmitido às mães, especialmente as
que decidiam por entregar seu filho. Por mais que diariamente o contrário era
expresso pelas mulheres de diferentes maneiras, a pressão institucional no
sentido de reforçar esses valores ficou evidente na pesquisa.
Elas [as mães que entregam] são reduzidas apenas ao seu
ato: este não é entendido como um aspecto parcial de um ser
humano vivo e inteiro, que por sua vez é parte de um grupo social
de uma classe. Perante a fotografia que é aquele ato, o mediador
permite-se tirar conclusões sobre o filme inteiro e, até, o direito a
modificar o argumento a meio da filmagem. (FERNANDES, 1989,
p. 118)
A identidade da mulher acerca da maternidade, construída social e
historicamente, pode ser apropriada por algumas mulheres como não identidade.
Mesmo diante das mudanças nas relações e configurações familiares, essa
identidade pode se expressar nas mulheres através do medo ou da vergonha de
49
assumir o não desejo de maternagem ou a falta de condições (seja ela emocional,
social, econômica) para cuidar de seu filho, podendo ainda se concretizar em
atitudes “obscuras” ou de desespero, colocando a vida de um bebê em risco. A
vergonha pode traduzir um sentimento de não atendimento da moral social
estabelecida em determinado local e tempo, ou seja, a vergonha de não ser aceita
devido à moral social de referência de seu grupo.
Como afirma Vitale (1994), a vergonha está enraizada na moralidade social
e nasce, portanto, sob o olhar do outro. Ela pode se revelar quando não
correspondemos às exigências e idealizações.
Todos conhecemos a realidade retratada por Santos (1998)
quando diz que a vergonha e o medo de desafiar o mito do amor
materno têm levado muitas mulheres a preferir abandonar
sorrateiramente suas crianças em portas alheias, em latas de lixo
e em locais os mais variados a fim de não terem de abrir mão
voluntariamente do pátrio poder, tornando assim pública a sua
ausência de condição material e/ou afetiva para exercer a
maternagem. Tal comportamento tem dificultado a colocação
dessas crianças em família substituta mediante adoção, na
medida em que a ausência da genitora, seu paradeiro ignorado e
a falta de informações sobre outros familiares retardam esse tipo
de processo, sendo comum nesses casos o abrigamento da
criança até que o juiz da Infância e Juventude conclua por sua
colocação em lar substituto. (MOTTA, 2001, p. 71)
O medo e a vergonha são fatos e expressam, pois, uma agressividade
social real direcionada às mães que entregam seus filhos. O medo de não
conseguir sustentá-lo também é real e concreto.
A moral social existe a partir de costumes arraigados, ela objetiva transmitir
esses costumes e assim reproduzir o controle social. Ela está relacionada à
moralidade, a qual não se refere à ética, pois é trazida socialmente como
instrumento de controle, transmitindo valores de uma minoria dominante na
sociedade de classes. Impõe valores que, em sua maioria, são distantes da
realidade vivenciada pela maior parte da população. Portanto são costumes que
fazem sofrer, que aprisionam, que culpabilizam. Quem ousa sair desses padrões é
taxado socialmente e, ainda, para alguns pode significar admitir que não é capaz.
A moral não se confunde com a política – no sentido real da palavra e não ao que
50
presenciamos, relacionado à política partidária -, pois é uma moralidade, está
vinculada a preconceitos.
2. Perfil das mães que entregaram seu filho
Reforçando a realidade apresentada pelas pesquisadoras já citadas,
podemos recorrer a outras pesquisas sobre o perfil de mães que entregaram seu
filho em adoção.
Segundo Bardavid (1980), dessas mães 74,51% têm menos de 25 anos;
87,75% são solteiras; 54,41% são analfabetas ou com escolaridade muito baixa;
60,78% não têm segurança ao que se refere à moradia; 22,55% têm condições
precárias de moradia; 62,26% têm renda mensal baixa; 68,14% tiveram a gravidez
não planejada, ocasional; 67,16% não tentaram aborto nessa gestação; 46,08%
não se submeteram ao pré-natal.
Em 45,10% dos casos estudados pela pesquisadora, o namorado é o pai, e,
em 30%, o pai é desconhecido; em 66,18% dos casos, o parceiro tem
conhecimento da paternidade e destes, 47,06% não a aceitam; em 41,17% dos
casos, a família não sabe sobre a gravidez, e, em 31%, a família rejeita.
De acordo com Bardavid (1980), as mães sem companheiro, que não têm
onde morar ou moram em casa cedida, que possuem renda familiar baixa ou nula,
que não têm a aprovação do companheiro, dos pais ou do patrão em relação à
gravidez, têm maior probabilidade de entregar seu filho. A maioria das mães que
entregou seu filho não tentou aborto, ficou grávida através de relação ocasional, a
família não aceitou a criança, o pai da criança a abandonou e tem dificuldade de
encontrar trabalho. De um lado a falta de amparo, de outro, a rejeição por parte
das pessoas com as quais convive.
Conforme pesquisou Freston (2000), geralmente as mães que entregam
seu filho para adoção são solteiras - em relação ao aspecto legal do estado civil,
não implicando que não haja outro arranjo conjugal -, com idade superior a 20
51
anos, migrantes das regiões mais carentes do país, possuidoras de educação
primária incompleta, trabalhando eventual e informalmente como empregadas
domésticas, sem contar com outras fontes de sustento.
Em relação à gravidez, continua a autora, 20% ocorreu na fase do namoro,
7% em casos de estupro, 7% dentro de relações conjugais não legalizadas, 6%
em episódios de incesto e 4% em casamentos convencionais.
A pesquisa de Freston (2000) mostra que 9% das mulheres entrevistadas
tentaram o aborto. Mais da metade das mães, mesmo decididas a entregar seu
filho desde o início da gravidez, chegam a cumprir quatro consultas de pré-natal, o
que equivale a 50% do número de acompanhamentos recomendados. Isso mostra
que, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, essas mães se preocupam
com a criança.
Nas 56 situações pesquisadas, foi possível observar que 4% se referem às
mulheres que sobrevivem da prostituição.
O maior problema levantado pela pesquisadora é o desemprego e/ou a
precária sobrevivência no mercado informal. Esse fato é a principal causa da
entrega, representando 30% do total.
A maioria das mulheres que nos comunica a intenção de
doar o filho logo após o nascimento alega falta de condições
econômicas para sustentá-lo. Mas três entre quatro delas acabam
revelando que esse fator preponderante está vinculado a outros
contextos, como o seu próprio abandono pelo parceiro, que é o pai
da criança, ou a falta de respaldo familiar. Sem contar que essas
mulheres também são abandonadas no plano institucional, pela
falta de respaldo dos órgãos públicos e de programas da iniciativa
privada.(FRESTON, 2001, p. 9)
A perda sofrida pela mãe é imensa, passa a ter grande vazio físico e
interior.
Acusada de desnaturada, ela muitas vezes é a primeira
abandonada. E, depois de doar o bebê, some tristemente de
cena.” (...) A situação é tão traumática, que elas têm dificuldades
em distinguir a dor física do parto da dor da alma. (FRESTON, 3ª
Jornada Interdisciplinar de Adoção, 2000).
Para Motta (2001), as mães que entregam seu filho para adoção são,
52
geralmente, mulheres cujas condições psíquicas e morais estão extremamente
frágeis. Essa fragilidade, por vezes condenada, é fruto de sua própria criação
ocorrida freqüentemente dentro de circunstâncias econômicas e sociais muito
desfavoráveis. Estas mulheres são facilmente capturadas em um círculo vicioso
negativo, uma vez que, sua fragilidade é freqüentemente exacerbada pelo
sentimento de culpa e pela baixa auto-estima, por não conseguirem corresponder
ao modelo esperado de mulher como mãe.
Acredita ainda que, a mãe que entrega seu filho para adoção luta por tentar
“enquadrar-se” sem, porém, obter resultados. Oculta a gravidez para proteger-se
do preconceito quanto às relações “ilegítimas”, por exemplo. Muitas mães
entregam o filho na expectativa de reintegrar-se e são ainda mais excluídas, pois,
afrontam o mito do amor materno instintivo. Quando desistem da entrega são
criticadas, pois não são capazes de proporcionar ao filho as condições mínimas
para o seu desenvolvimento saudável. Assim, elas se tornam prisioneiras de um
ciclo.
De acordo com o levantamento realizado por Giberti (1997), os principais
motivos da entrega, em porcentagem, são: 17,3% das mulheres não tiveram apoio
familiar; 16,3% foram abandonadas pelo companheiro; 16,3% não se sentiam
responsáveis para criar o filho e 14,4% expressaram repulsão ao filho (este
provavelmente produza maior desassossego entre os defensores do amor
materno instintivo).
Os técnicos do Tribunal de Justiça de São Paulo, participantes do Grupo de
Estudos do Serviço Social e Psicologia também realizaram um levantamento
(Mendes, 2004), a partir de uma amostra do perfil dessas mães. Foi observado
que a maioria das mães é proveniente da Grande São Paulo e das Regiões Norte
e Nordeste do Brasil, é solteira, depende da família e da comunidade, não tem
moradia fixa e tem baixa escolaridade. No que se refere ao trabalho, a maior parte
das mães não tem qualificação profissional ou está desempregada. Em relação à
gestação, o pré-natal, quando realizado, ocorre de forma irregular e incompleta.
Não houve referência de tentativa de aborto e os bebês das situações estudadas
nasceram saudáveis. A maioria dessas mães possui mais de 4 filhos, os quais
53
estão sob seus cuidados, de familiares ou em famílias substitutas, sendo esses
filhos de pais diferentes.
Comparando os resultados das pesquisas apresentadas anteriormente, fica
claro que o determinante relacionado à dificuldade sócio-econômica é o principal
na tomada de decisão das mães. A baixa renda mensal, o desemprego, a
ausência da responsabilidade paterna, a não aceitação e a falta de apoio da
família, constituem um quadro propício para a entrega.
Estas situações apresentadas causam insegurança e incerteza nas
mulheres. Muitas ficam sem perspectiva de futuro, até mesmo de presente.
Passam a acreditar que a entrega é o melhor caminho para seu filho e que ela
sozinha não conseguirá garantir boas condições para o seu desenvolvimento.
Como se observou com as pesquisas, muitas mães que entregam seu filho
para adoção não convivem com sua família de origem, nem com uma possível
família constituída, pois foram abandonadas. Se a família não protege, outra
instância de proteção social é rara. O Estado se esquiva de suas
responsabilidades, não oferecendo possibilidades a uma mãe que necessita de
políticas sociais para que possa viver dignamente ao lado de seu filho. Hoje, a
minimização do Estado, fundamento básico do modelo neoliberal que impera na
atual fase do capitalismo, é agravante na condição dessas mulheres.
A espoliação urbana, a precarização da mão-de-obra, a diminuição dos
postos de trabalho, o desemprego, os enormes cortes em políticas sociais em
áreas fundamentais para a população - tais como: saúde, educação, trabalho,
previdência, habitação, cultura e assistência social - e, em conseqüência, o
crescimento da miséria, são fatores estreitamente relacionados à questão da
entrega. São determinantes, conforme constatados pelas pesquisas, na grande
maioria das entregas.
É possível concluir que o padrão estabelecido socialmente, a respeito do
amor materno inato e instintivo na mulher, é algo direcionado por valores de uma
classe dominante, que tem como objetivo garantir a reprodução do atual modelo
econômico-cultural baseado na exploração da classe trabalhadora. Padrão este
que não considera as condições sócio-econômicas determinantes e passa por
54
cima de qualquer decisão ou necessidade da mulher. Para essa manutenção ser
garantida, a minimização do Estado frente às políticas públicas, o enriquecimento
de poucos frente ao empobrecimento crescente da maioria, compõem juntamente
com os valores referentes à relação de gênero e à maternidade, os determinantes
para a entrega e também para o abandono.
Enquanto não se voltar o olhar para os determinantes de tal ato, não se
avançará na proteção desses recém chegados ao mundo que pulsam e pedem
acolhimento.
Quando uma mãe pobre, em pleno puerpério,
entrega seu bebê para salvá-lo da fome,
o discurso do senso comum diz que ela deu sua criança.
Nunca se ouve dizer que ela perdeu seu filho.
Cenise Vicente
55
CAPÍTULO III - ABANDONO DE CRIANÇAS: uma história
contemporânea
Contextualizar o abandono se faz imprescindível para compreensão das
expressões da “questão social” a ele relacionado, principalmente quando o mesmo
se dá em situação de risco. Essa situação só pode ser compreendida hoje, se sua
história e suas principais “marcas” forem apreendidas. Neste capítulo o foco está
no abandono de crianças e adolescentes. Não será priorizado o abandono
vivenciado pela mãe ou pela família biológica, apesar de se ter claro que ele
exista. Por isso esse tema já foi abordado neste trabalho quando analisadas
questões entendidas como expressões de abandono dessas mães e famílias:
minimização do Estado frente às políticas sociais, preconceito vivenciado pelas
mulheres, condições precárias de vida de muitas delas e o mito do amor materno
inato.
1. A roda dos expostos
Com um olhar voltado para o abandono, majoritariamente sem identificação
dos genitores, entendemos que o conhecimento sobre a roda dos expostos - que
será introduzida na história do abandono de bebês no século XVIII -, pode
56
contribuir nessa construção de referencial para análise da questão proposta, por
isso é o ponto de maior ênfase neste item.
O abandono de bebês e de crianças, sempre percorreu a história, porém,
dependendo do momento, era ou não condenado pela sociedade. Uma importante
pesquisa realizada pela historiadora Marcílio (1998) sobre a história social da
criança abandonada, pode ser subsídio para análise a respeito dessa questão.
A autora constata que desde sua origem até a Idade Média, a Igreja sempre
tratou com grande condescendência a pobreza extrema, inclusive os padres não
condenavam o abandono realizado por pais pobres. Porém, não eram apenas pais
pobres que deixavam seus filhos. Bebês eram abandonados por terem alguma
deficiência, ou por serem fruto de relacionamentos fora do casamento, entre
outros.
Vale observar que os brancos introduziram na América a prática do
abandono dos filhos. A situação de miséria, a exploração e a marginalização
levaram os indígenas, e depois os africanos e mestiços, a seguirem o exemplo de
descendentes de espanhóis ou de portugueses.
Os hospitais que atendiam as crianças abandonadas, na Europa do século
XV, passaram a contar com um instrumento em que os bebês eram abandonados
sem que o responsável pela entrega fosse identificado. Esse instrumento ficou
conhecido como “roda dos expostos”, que é um
... dispositivo de madeira onde se deposita o bebê. De
forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse dispositivo era
fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da
parte externa, o expositor colocava a criancinha que ejeitava,
girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à
vigilante – ou Rodeira – que um bebê acabara de ser abandonado,
retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido
(MARCÍLIO,1998, p. 57).
A origem desses cilindros rotatórios está ligada a um instrumento
semelhante ao utilizado nos átrios ou vestíbulos de mosteiros e de conventos
medievais com outros objetivos, como o de evitar o contato dos religiosos com o
mundo exterior.
57
Os principais motivos do abandono de bebês nas Rodas apontados pela
historiadora foram: pobreza - principal motivo em todas as épocas-; falta de leite
da mãe - em uma época em que a amamentação artificial era raramente utilizada-;
enfermidades graves e/ou as deficiências dos bebês; socorro temporário para os
pobres, migrantes, desempregados, doentes, mendigos, etc.; desavença entre
casais, adultério, alcoolismo ou psicopatias. A morte de bebês também se
constituía motivo para o abandono nas Rodas, ou seja, bebês eram deixados
nesses locais já sem vida, com o objetivo do batismo ou enterro digno. A
preservação da honra da mulher e da família, e manter no anonimato uma
gravidez fora do casamento, também motivavam este tipo de abandono. Este valor
social tinha forte penetração, particularmente nas famílias da classe dominante.
O historiador Venâncio (1999) coloca como temática central de sua
pesquisa as normas, as leis e as práticas assistenciais – desde os séculos XVIII e
XIX - que além de estigmatizarem as famílias pobres em relação ao seu
comportamento com sua prole, originou uma perversidade institucional, na qual
essas famílias encontravam apoio público para a criação de seus filhos através do
abandono. O autor ainda ressalta que isso permanece até os dias atuais.
Nas primeiras décadas do século XX, novos fatores interagem favorecendo
a exposição de recém-nascidos, tais como: a urbanização crescente, as
migrações das zonas rurais para as urbanas, a entrada da mulher pobre na força
de trabalho como operária ou, sobretudo, como doméstica. Porém, a prevalência
sempre foi a proveniência de lares muito pobres e de pais não casados. Os
recém-nascidos eram maioria em todo período que se manteve o anonimato
(Marcílio, 1998).
Como neste país, tanto o abandono quanto a forma de atender às crianças
abandonadas tiveram forte influência dos colonizadores, a Roda foi aderida pelas
instituições que recebiam os abandonados. Inclusive a legislação sobre os
cuidados com crianças e adolescentes vigente na época no Brasil, era a de
Portugal. As primeiras Rodas foram criadas no Brasil, no século XVIII, em
Salvador, Rio de Janeiro e Recife. Depois da Independência outras foram criadas,
58
sendo que o total foram 13 Rodas no país. Os modelos dessas Rodas provieram
de Portugal.
Em seu estudo sobre as famílias de crianças de camadas populares no Rio
de Janeiro e em Salvador nos séculos XVIII e XIX, as quais chama de famílias
abandonadas, Venâncio (1999) mostra que essas famílias não viam o recurso à
assistência – que se referia a crianças então abandonas – como forma de
desamor pela criança. Pelo contrário, a busca pela instituição era motivada quase
sempre pela situação de pobreza principalmente em momentos de maiores
“crises”
10
com objetivo de proteger essas crianças do infanticídio. Sobre isso
Venâncio (1999: 34) reforça “não deixa de ser trágico reconhecer que toda e
qualquer criança pobre, para ser socorrida, era obrigada a entrar no circuito do
abandono”. Venâncio (1999, p. 51) ainda continua “o auxílio a meninos e meninas
implicava que fossem assimilados à condição de expostos”.
Ao analisar a principal forma de assistência a essas crianças na época –
Roda dos Expostos – o autor apresenta o que estava por trás dos abandonos dos
enjeitados ou expostos como eram chamadas as crianças em situação de
abandono. A visão dominante difundia a idéia de que essas crianças eram filhos
de péssimos pais, com “má índole”. Mesmo havendo opiniões no sentido de
entender que o envio de uma criança para uma instituição que cobria os gastos
com roupas, medicamentos e amas-de-leite, sinalizava uma preocupação paterna
ou materna em relação ao destino de seus filhos, outras opiniões reforçavam que
“as mães das crianças da Roda eram comparadas aos hereges ou então aos
animais selvagens” (VENÂNCIO, 1999, 21), essas mães eram ainda consideradas
por funcionários das instituições e por alguns médicos como desonestas, imorais e
sem amor.
O mesmo autor ainda aponta que ao contrário do que os letrados
afirmavam, os pobres relutavam em abandonar seus filhos e preocupavam-se com
o destino destes.
10
O autor considera que pode ser pouco apropriada a utilização da categoria crise, pois aparentemente as
famílias vivenciavam uma constante crise. Mas por outro lado ele sublinha a existência de crises diferenciadas
no mundo da pobreza.
59
Ao longo do tempo, certa tolerância passou a ser difundida devido ao
grande número de infanticídios, e a Roda foi aos poucos vista como uma forma de
salvaguardar a vida das crianças, mas a culpabilização dos pais ainda permanecia
arraigada.
Objetivando entender os motivos que levavam as famílias deixarem suas
crianças na Roda, o autor analisou bilhetes deixados com elas:
Nos bilhetinhos, os familiares da criança expunham os
motivos que os levaram a procurar o hospital; neles, o abandono é
apresentado como um paradoxal gesto de amor, uma maneira de
proteger o menino ou a menina que corria risco de vida.
(VENÂNCIO, 1999, p. 14)
Nos bilhetes, os pais pediam pelo bom tratamento dos filhos, tentavam
protegê-los da escravidão, mencionando que a criança era branca ou, para os
negros e mestiços, que eram forras – libertas de todo cativeiro. Alguns se
preocupavam em informar que a criança já havia sido vacinada contra a varíola.
Mencionavam também alguns motivos como nascimento de gêmeos ou doença da
criança.
Nos bilhetes, fica claro que os pais estavam mais preocupados em proteger
a criança que justificar sua própria atitude. Alguns indicavam o nome da criança.
“Os escritos guardam as angústias e os sofrimentos dos corações daqueles que
eram obrigados a recorrer à casa da Roda” (VENÂNCIO, 1999, p. 78-79). As
dificuldades de alugar amas negras também faziam aumentar o número de
enjeitados. Havia situações decorrentes de acontecimentos que faziam com que a
família recorresse a Roda com objetivo de tornar essa medida provisória.
Enfim, os textos dos bilhetes mostram de forma exaustiva o
quanto o recurso à Casa da Roda foi, ao longo do tempo,
incorporado às diversas estratégias de sobrevivência das camadas
populares das antigas cidades brasileiras. Só um julgamento
anacrônico e moralista assimilaria o gesto ao desamor das mães
(...) Talvez os melhores exemplos do abandono como uma forma
de amor sejam os de escravas que enjeitavam o próprio filho, na
esperança de que ele fosse considerado livre (VENÂNCIO, 1999,
p. 82).
60
Venâncio (1999) afirma que no Brasil o abandono dizia respeito ao pobre,
mas não a todos indiscriminadamente. Muitos resistiam ao envio dos filhos. A
morte de alguém da família, principalmente, ocasionava que a Roda aparecesse
como única opção possível naquele momento de fragilidade e instabilidade. Os
juristas, os médicos e os funcionários, raríssimas vezes perceberam essa
importante função do socorro aos expostos. Diante disso, o autor faz uma
importante consideração, entendendo que esse lado que escapou à sensibilidade
da elite instruída foi sentido pelo povo, quando a Casa da Roda em Salvador foi
popularmente conhecida como Pupileira, ou Casa do Pupilo (Casa do Órfão),
numa alusão ao papel tutorial da instituição.
Ainda com base nas análises dos bilhetes deixados com as crianças,
Venâncio (1999) constata que mulheres justificavam o enjeitamento de bebês
brancos devido à falta de recursos econômicos. O mesmo autor pondera que isso,
ao contrário de certas tendências historiográficas, mostra que o mundo dos
brancos no período escravista não se restringiu a um idílico modelo patriarcal
quando a pobreza estava ausente. Sugere ainda que os pais de mestiços
recorreram cada vez mais a Roda durante o século XIX. Já havia um pequeno
número de crianças expostas negras, apontando que os senhores de escravos
pouco recorriam ao auxílio da Misericórdia.
Durante várias décadas foram mantidos percentuais semelhantes de bebês
deixados na Roda, o que aponta que não era acontecimento excepcional, mas sim
“uma prática inscrita nas estruturas das cidades coloniais” (VENÂNCIO, 1999, p.
46). Segundo este autor, alguns elementos apoiam a ligação entre miséria e
aumento de crianças expostas. Em Salvador, o período em que aumentaram
essas ocorrências coincide com a grande subida de preços dos bens de
subsistência.
A principal justificativa para a criação desse mecanismo era conter o aborto
e o infanticídio. O número de bebês que morriam quando deixados nas ruas, em
frente a casas, igrejas, conventos, devorados por animais ou mortos de fome e
sede, foi o principal argumento para a colocação das Rodas.
61
Esse mecanismo foi uma estratégia, uma alternativa ao abandono de bebês
em locais de risco e ao infanticídio, porém gerou outros problemas não previstos
pelos seus então defensores, como o elevado índice de mortalidade infantil de
crianças expostas na Roda e o aumento das taxas de abandono.
Porém, com o tempo, foi percebido que, mesmo com a criação das Rodas,
houve a continuidade de uma altíssima taxa de mortalidade infantil. Com a
constatação da perda de milhares e milhares de bebês e crianças vítimas da falta
de condições saudáveis de criação nas instituições que mantinham as Rodas ou
aos cuidados das amas-de-leite, inicialmente, a medicina (relacionada ao
higienismo / positivismo / iluminismo), passa a realizar pesquisas e campanhas
contra a Roda e a favor da vida, época de valorização do ser humano como
riqueza para a nação.
Os números apresentados por Marcílio (1998) mostram uma realidade cruel
quanto à mortalidade infantil na roda dos expostos. Um terço ou menos das
crianças expostas chegavam a completar 7 anos. Até o séc XIX - século em que a
mortalidade infantil passou a ser considerada problema social, demográfico e
político-, de todas as categorias, a dos expostos foi a que apresentou maiores
índices de mortalidade infantil e de mortalidade geral. Era comum a perda de 30%
ou mais de bebês só no primeiro mês de vida. Mais da metade, antes de
completar o primeiro ano. Apenas 20 a 30% chegaram à idade adulta. “Esse
verdadeiro holocausto de inocentes só veio a preocupar as autoridades
responsáveis pela instituição tardiamente” (MARCÍLIO, 1998, p. 236). Diante da
situação denunciada, essa “estratégia” foi superada.
Em momentos tão distantes da história, é possível observar que a
resistência à identificação na entrega de uma criança foi e ainda é presente.
Essas famílias, mais especificamente essas mães que abandonam seus
filhos, podem não desejar sua identificação com objetivo de manter a moral que
diz respeito aos padrões sociais relativos à maternidade, de conservar o
desconhecimento da família ou da comunidade a respeito da gravidez, ou até de
manter seu trabalho, entre outros tantos motivos que podem permear tal decisão.
62
O que permanece ainda hoje, é o fato de muitas mulheres que se tornam
mães e que, por diferentes motivos, abandonam seu filho, queiram manter no
anonimato seu ato, sem precisar falar disso, sem ser identificada por uma pessoa
sequer, sem obrigar-se a encarar olhares punitivos, ou sem ser julgada pela sua
atitude. Como se a situação ficando velada, talvez não viesse tomar uma
concretude em sua vida.
A tendência a ocultar fatos, que não são socialmente aceitos ou que saiam
dos padrões estabelecidos, não ocorre apenas na área estudada. A título de
ilustração, podemos recorrer às adoções que também são veladas por significativa
parte dos adotantes, seja pelo temor do julgamento social aos adotandos ou pelo
temor de não aceitação pelo fato de serem adotados. Esse tema fundamenta-se
no excessivo valor aos laços sanguíneos, valor esse dominante na sociedade
brasileira. Como analisa Fonseca (2002) em sua pesquisa sobre circulação de
crianças
11
, a comunidade pesquisada tinha a realidade dessa circulação, como
uma cultura do acolhimento de crianças muito fortalecida, no entanto, ainda
verbalizava como essencial os vínculos consanguíneos.
No Brasil, uma das principais formas de atender crianças abandonadas,
tem sido a criação por outras famílias que assumem a responsabilidade, havendo,
assim, uma melhor sobrevivência do que nas instituições. O filho de criação é uma
instituição trazida ao Brasil também pelos portugueses. Garantia às crianças órfãs
ou abandonadas um teto, porém estas eram vistas com inferioridade face aos
filhos biológicos, não tendo os mesmos direitos. De acordo com o Primeiro Guia
de Adoção (2000), ao longo dos tempos, o filho de criação tem sido um misto de
serviçal e agregado. Os dois principais motivos para essa prática eram a crença
religiosa e a obtenção de mão de obra gratuita. Marcílio (1998) defende que antes
da adoção plena em 1979, era muito ambígua a condição das crianças criadas por
família substituta, e que essa foi a forma mais difundida culturalmente de
assistência às crianças e adolescentes em situação de abandono, em todas as
épocas no Brasil.
11
A autora utiliza essa expressão referindo-se a crianças que passam a maior parte da infância ou juventude
sendo cuidadas por famílias diferentes de sua família de origem, sem haver, no entanto, caráter oficial /
jurídico.
63
A legitimação da adoção, no Brasil, ocorreu com o Código Civil de 1916, o
qual estabelecia diferenças claras entre filhos biológicos e adotivos,
principalmente em relação à herança. A adoção era vista de forma fragmentada,
incompleta e preconceituosa. Com o tempo, essa lei foi modificada, dispensando o
prazo de cinco anos de casamento, deixando de exigir que as adoções fossem
realizadas apenas por casais sem filhos. Além disso, os filhos naturais e adotivos
passaram a ter igualdade jurídica em relação à herança. Essas modificações e
outras foram complementadas pelo Código de Menores de 1979, passando a
haver adoção plena e adoção simples. A primeira referia-se à adoção irrevogável,
equiparando os filhos adotados aos biológicos, com os mesmos direitos e deveres.
Atribuiu a situação de filho ao adotado, desligando-o de vínculos com a família
biológica. Já a adoção simples dizia respeito a um vínculo “fictício” de paternidade
e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento da família
biológica.
A Lei nº. 6.697, 10 de outubro de 1979 que instituiu o Código de Menores,
foi revogada com a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o ECA, já
que a Constituição Federal de 1988 imprimiu ao Estado o dever de proteção à
família e assistência integral à infância e à juventude.
No âmbito da adoção, o ECA traz um novo olhar, preconizando o bem estar
da criança e do adolescente. Ao contrário do que se pensava antes do Estatuto, a
preocupação principal passou a ser encontrar uma família que garantisse os
direitos e o bom desenvolvimento da criança e do adolescente e não mais
encontrar uma criança e um adolescente conforme os desejos dos pais adotivos.
Apesar dessa mudança no conceito da adoção, ainda grande parcela da
sociedade não incorporou essa nova idéia de atenção à infância e juventude.
Com o ECA, a adoção passou a ser sempre plena, irrevogável e efetivada
com a assistência do poder público. Esta lei atribui ao adotado, condição de filho
com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o da família
natural, salvo os impedimentos matrimoniais.
Vale ressaltar que há um movimento em alguns países, em que se retoma a
discussão do retorno de um mecanismo que permita a entrega de um bebê sem
64
nenhum contato com a mãe biológica. Na Itália, foi iniciado recentemente o
processo de instalação de um equipamento em hospitais – um berço ligado ao
lado externo do hospital – onde o bebê é colocado sem necessidade de qualquer
contato entre funcionários do hospital e a pessoa que entrega o recém-nascido. A
Alemanha, a Áustria e a Suíça também aderiram à nova versão da roda dos
expostos.
12
O crescente abandono de recém-nascidos, colocando-os em situação de
risco de vida, assusta a sociedade que procura, muitas vezes, maneiras de
“solucionar o problema” por meio de ações pontuais, desconsiderando muitas
vezes as expressões da “questão social” que estão por trás do ato do abandono.
Portanto, após essa exposição, fica claro que não é um instrumento para
facilitar ou ocultar a entrega que está em questão. Ao contrário, o que se propõe
nesse trabalho é o questionamento de costumes e valores acerca do papel social
atribuído à mulher, do mito do amor materno inato, da responsabilização principal
dirigida à mulher, do acesso desta aos serviços públicos preventivos, da
possibilidade de desfrutar de sua sexualidade com segurança e sem estigmas, de
ser-lhe oferecidas condições dignas e justas de trabalho e rede de apoio pública.
Com isso, que sejam pensadas estratégias de enfrentamento a essa realidade,
garantindo proteção a tantas crianças que estão correndo risco de vida.
A proteção à família é prioritária ao se lutar pela concretização dos direitos
das crianças e dos adolescentes, pessoas em desenvolvimento que precisam
também da articulação da sociedade. O ECA não deve ser apenas mais uma lei,
mas um instrumento de realizações.
12
Sobre o tema ler reportagem de Anna Paula Buchalla “Salvos pela “roda”” na Revista Veja, Editora
ABRIL, Edição 1998 – ano 40 – no. 9, 7 de março de 2007.
65
2. Bebês abandonados em situação de risco de vida no período de dez / 2005
até maio de 2006: uma fotografia “in” visível
“Vidas deixadas ao risco,
mãos que agem no desespero?
Quem está do lado de lá?
Quase sempre invisível?
Quem é esse bebê que está do lado de cá?
Quem socorrerá essa vida?
E o invisível, quem verá?”
Realizamos um levantamento a partir de notícias de jornais e da Internet,
objetivando embasamento para o desvendamento do cenário das entregas em
situação de risco. Apesar de poucas informações, já que, na maioria as mães e /
ou os pais biológicos não são identificados, é possível a visualização da gravidade
dessa realidade.
Observamos que é significativo o número de recém-nascidos colocados em
risco de vida, considerando que esse levantamento se refere a apenas 6 meses,
tendo ocorrido em 2 estados nos período de dezembro de 2005 a maio de 2006.
As cidades não serão informadas para evitarmos a possibilidade de identificação
das mulheres sujeitos, da presente pesquisa.
Apresentamos a seguir algumas frases que informam de forma breve os
abandonos ocorridos no período já referido, a partir dos meses do acontecimento
e a forma que os bebês foram abandonados:
66
Dezembro: Encontrado bebê em um saco de lixo num matagal.
Janeiro: Recém-nascida de 2 meses foi deixada num saco plástico em uma lagoa.
Fevereiro: Menina com menos de 2 semanas de vida foi deixada na porta de uma
casa.
Fevereiro: Criança encontrada em frente à residência de um bairro de “classe
média”.
Março: Recém-nascida deixada numa caixa de sapato no cemitério.
Abril: Recém – nascida encontrada enrolada num cobertor dentro de uma caixa de
sapatos.
Abril: Recém – nascido encontrado enrolado num xale e cobertor no banheiro do
terminal de metrô / trem.
Abril: Recém – nascido encontrado enrolado em um cobertor num matagal.
Abril: Recém-nascida encontrada em suporte de lixo.
67
Maio: Recém-nascida foi deixada num terreno, enrolada numa toalha dentro de
um saco plástico.
Maio: Gêmeas prematuras foram deixadas num saco numa lixeira, uma delas foi a
óbito.
Foram 11 situações identificadas, havendo 12 bebês envolvidos já que um
dos abandonos diz respeito a gêmeos. Destes recém-nascidos, 2 são meninos, 8
são meninas e em duas situações não houve informação a esse respeito nas
notícias de jornal.
Quanto à identificação das mães, em três situações elas foram identificadas
e localizadas. Destas, duas são sujeitos da presente pesquisa, compondo uma
etapa fundamental deste trabalho.
O critério utilizado para a escolha dos sujeitos foi o fato da ocorrência do
abandono de recém nascido em situação de risco. Esse é o determinante para a
escolha desses sujeitos.
“As Rodas que levam sonhos, dores, mortes ...
As caixas de sapatos que escondem vidas, lágrimas ...
As ruas frias que guardam desamparo, incertezas ...
As latas de lixo que contam histórias de sofrimento ...
Lenços, sacolas, cobertores que transferem angústia e esperança ...
Lágrimas! Sonhos! Incertezas! Desamparo! Esperanças! Mortes! e Vidas!!!”
68
3. O que elas têm para dizer....
13
Buscamos, partindo do resgate histórico das situações concretas / materiais
até então realizadas, apreender a realidade pesquisada em sua totalidade,
procurando trazer, da história das relações sociais, elementos de análise da
vivência concreta na atualidade.
Embora a prática seja vista como o critério da verdade, existem situações
nas quais a experiência não basta, o real muitas vezes encobre o que é
importante. Para que se apreenda a realidade em sua concretude, é necessário
analisar as suas determinações. Para que esse real / concreto expresse o coletivo,
as mediações são imprescindíveis do individual para o particular e daí para o
universal, visando à totalidade, a partir da qual se tem o caráter explicativo do
movimento contraditório da história
14
. Trazendo para a realidade concreta
pesquisada, a mesma sociedade que impõe à mulher que ela seja mãe, uma
maravilhosa mãe, cria situações adversas a esse apego, principalmente em
relação às condições materiais e às atribuições impositivas e desiguais de papéis
sociais relacionados ao gênero. Nesse sentido, a situação daquela mãe, quando
abandona seu filho em risco, pode ser ponto de partida para o desvelamento das
condições sociais e de gênero.
É com esse embasamento que nos propomos, nesse momento, a
apreender, a partir da fala dos sujeitos da pesquisa e da análise de determinantes
sociais já apontados, a realidade acerca do tema pesquisado.
Como já nos referimos anteriormente, foi realizada entrevista com uma das
mães localizadas – Aline- que abandonou seu filho recém–nascido em situação de
risco. A realidade da segunda mãe identificada –Sandra- foi analisada com base
no processo estudado, principalmente através de seus depoimentos prestados
tanto na delegacia quanto no judiciário e pelas informações colhidas por contato
telefônico.
13
Os nomes utilizados são fictícios, inclusive das crianças citadas, escolhidos aleatoriamente.
14
Reflexão desenvolvida pelo Prof. Dr. Evaldo Amaro Vieira na disciplina Política Social, PUC-São Paulo,
2006.
69
Portanto, a realidade de Aline é o eixo da pesquisa e a experiência
enfrentada por Sandra fará o contraponto no presente estudo, evidenciando, por
meio de duas realidades, alguns determinantes sociais acerca do tema
pesquisado.
Explicar e compreender as particularidades da situação, apreendendo suas
mediações, nas vidas das mulheres sujeitos da pesquisa, desde sua realidade até
o acontecimento em torno do abandono, é o que move a presente pesquisa.
Algumas determinações acerca do abandono de recém nascidos passam a ser
apresentadas a partir da realidade concreta da vida desses sujeitos e do
desvelamento das relações de gênero e suas implicações diante da moral social
imposta às mulheres e da dificuldade de acesso às políticas sociais voltadas à
família. Na imbricação de alguns determinantes é que o abandono se torna
concreto.
Ao nível das situações particulares estudadas, para que a discussão possa
ser propositiva e fundamentada, as análises precisam ser explicitadas, de forma a
esclarecer questões que fortemente estão envolvidas com a realidade a ser
conhecida ou, pelo menos, com parte dela.
Nos sujeitos pesquisados, o fato da paternidade não ser assumida, da
mulher sentir-se sozinha e única responsável pelos cuidados do bebê e por ter
outros filhos pelos quais já se responsabiliza, evidencia o forte traço da relação de
gênero, no sentido de ficar centralizada na mulher a responsabilidade pelos
cuidados dos filhos. A mulher, na sociedade contemporânea brasileira, como
ocorreu na história e em outros locais do mundo, ainda é a principal responsável
pela criação de seus filhos, sendo a paternidade colocada em 2
º
plano.
(...) Eu já não vivia mais com o pai dos meus filhos,
que é o pai dela também, (...) ele já não me ajudava nem
com o Bruno e nem com a Laura, aí não ajudava em nada,
não dava pensão (...) (ALINE)
70
Nesse momento, Aline expressa com muita clareza que anteriormente já
não tinha respaldo do pai no cuidado de seus outros filhos, passando pelas
diversas dificuldades para criar duas crianças sem apoio deste, quer seja
financeiro, quer seja emocional. Suas palavras e expressões demonstram que o
fato de imaginar-se responsável por mais uma criança, sem a referência paterna,
provocava um desespero capaz de lhe impedir de dividir, com quem quer que
fosse, seus sentimentos relacionados a sua gravidez, guardando-os para si e
levando a gestação sozinha.
A autoridade moral da família, ainda centralizada no homem, traduz o lento
processo vivido na luta pela igualdade entre homem e mulher. Na realidade vivida
por Sandra, esta enfrentou ficar viúva, que é socialmente aceito. Porém, o fato de
não ter o pai biológico para apresentar à sociedade, à família, por ocasião de uma
nova gravidez, fruto de um relacionamento eventual, significou não ter forças,
naquele momento, para enfrentar o socialmente instituído, temendo a sua não
aceitação. Além da maior dificuldade econômica que representa criar um filho sem
o apoio do pai e sem uma infra-estrutura institucional para cuidados diários que
permita sua liberação para o trabalho, diante das questões postas pela
desigualdade de classe e as diversas expressões da “questão social” que assolam
nosso país, com isso, grande parte das famílias brasileiras.
A feminização da pobreza é um fenômeno presente na realidade brasileira,
na qual as mulheres em sua maioria trabalham em cargos menos reconhecidos e
com remuneração menor que a do homem, mesmo quando exerce a mesma
função. As atividades qualificadas como femininas são menos reconhecidas, tanto
em prestígio quanto financeiramente. Portanto, são as mulheres pobres que mais
sofrem com o descaso paterno e com a (des)aprovação social da maternidade
sem responsabilização paterna, sendo responsabilizada sozinha pela criação dos
filhos, ouvindo ainda comentários culpabilizadores.
Ela saiu à procura do pai biológico e não localizando
ficou desesperada pois não tem condições financeiras de
71
cuidar da criança. (Registro feito pelo escrevente do
depoimento de SANDRA à Vara da Infância e Juventude)
Em seu estudo sobre famílias, Sarti (2004) analisa que principalmente as
chefiadas por mulheres dependem da mobilização da rede familiar e que a família
consanguínea da mulher é sobretudo, quem tem mais participação no apoio.
Na situação vivenciada por Aline, já havia a transferência de cuidados de
seus filhos para os avós maternos. Ela temeu não mais poder contar com essa
rede, por sua gravidez ter ocorrido fora do casamento, o que configurou uma
reação à pressão social imposta que valoriza a gravidez vinculada a um
relacionamento estável. Para ela, estava significando uma “transgressão” ao
modelo social vigente em relação à maternidade.
A gravidez não planejada, resultante de relacionamentos fora do,
socialmente valorizado, casamento ou união estável, representou para Aline uma
forte pressão, impedindo-a de assumir publicamente sua gestação. O medo de
assumir diante da família e da sociedade, e o fato de outros filhos já não terem a
paternidade ativa do genitor, além das dificuldades financeiras para
responsabilizar-se sozinha pela casa e pelos cuidados com os filhos, foram alguns
determinantes que se encontraram e puderam compor um terreno fértil para o
referido abandono.
(...) a roupa da Laura eu fui guardando tudo. Eu falei:
pelo menos roupinha eu vou ter, vai servir. Aí eu fui
guardando e eu pensava ... eu tinha medo de não conseguir
sustentar, porque eu já passava dificuldade com o Bruno e
com a Laura. (ALINE)
Bem como Aline, Sandra viu-se sem apoio paterno, quando se deparou
com a realidade de que o pai biológico não assumiria a paternidade. Recebendo a
negativa deste, no caminho de volta à sua casa, deixou seu bebê:
72
Em razão disso resolveu deixar o bebê na estação
para que outra pessoa o encontrasse e pudesse dar-lhe uma
vida melhor. Apesar de arrependida concorda que o bebê
seja adotado por terceiros pois não tem condições de criá-lo.
Chorou bastante durante seu depoimento e foi advertida das
conseqüências jurídicas de seu ato. Confirmou concordar
com a adoção apesar de ter muita dor no coração.
(Registro feito pelo escrevente do depoimento de SANDRA à
Vara da Infância e Juventude)
No cotidiano das famílias brasileiras, está presente a figura da família de
origem materna como apoio, como rede, principalmente quando nos referimos a
famílias em dificuldades materiais/econômicas e com a ausência paterna.
Estamos diante de uma realidade em que a mãe precisa sair para trabalhar, para
sustentar-se e aos filhos. Porém, esbarra na enorme dificuldade de acesso à rede
de apoio institucional, seja para vaga em creche ou escola infantil, seja para
programas sociais que atendam crianças.
Muitas mulheres ainda são vítimas de preconceito inclusive por parte de
funcionários de escolas infantis e até mesmo de vizinhos que a culpam por não
trabalhar e buscar vaga, verbalizando - como uma diretora de escola municipal
infantil - que, se quisesse mesmo trabalhar deixaria as crianças com vizinhos, ou
conhecidos e que a creche é um direito dos filhos de mães que trabalham.
Mesmo que a mulher não tenha nenhuma atividade fora de casa, o direito à
escola infantil é um direito da criança. Pesquisas recentes apontam que a criança
que frequenta escola infantil tem melhor desenvolvimento na escola fundamental,
média e superior
15
.
É imprescindível que haja apoio à mulher que amamenta, principalmente de
família monoparental, com políticas públicas de resguardo a essas mulheres.
73
Além disso, precisamos considerar que o trabalho em casa é importantíssimo,
social e também economicamente, principalmente naquelas famílias nas quais
existem crianças pequenas. Mas este tipo de trabalho não é assim reconhecido,
pelo contrário, é desqualificado na maioria das vezes. Como esse trabalho no
âmbito privado diz respeito majoritariamente às mulheres, são elas as principais
atingidas com tal visão. Ainda estamos longe de alcançarmos essa garantia de
direito, tanto pela visão baseada num senso comum, quanto pela falta de
prioridade dadas às políticas sociais no sistema econômico vigente, que tem como
seu regulador o mercado, e como diretriz a minimização do Estado.
Nesse momento, a figura da avó, ou avô, ou tios se torna imprescindível. A
educação infantil que é um direito da criança garantido constitucionalmente, em
sua realidade, muitas vezes, tem como critério atender crianças cujas mães
trabalham fora de casa e, mesmo para os filhos destas mulheres, é insuficiente o
número de vagas. Um ciclo é, então, fechado: as mulheres que não têm com
quem deixar seus filhos não têm condições nem para procurar emprego. Na
hipótese de decidirem deixar a criança com uma vizinha, ou até mesmo sozinha,
ou com outra criança, podem ser acusadas de negligentes. São acontecimentos
que permeiam o cotidiano de muitas mulheres brasileiras.
Então eu fiquei com medo. Quem ajudava mais era
meu pai e minha mãe, na medida do possível. E era só o que
eu tinha com o trabalho. Daí eu fiquei com medo de contar
para eles e eles ficarem bravos, se oporem, então eu fui...
falei..., eu vou levando, vou escondendo, a hora que nascer
eles vão ver, porque daí não vai ter mais jeito. A Laura era
bebê ainda (...) (ALINE)
Analisar o abandono apenas pelo acontecimento, no imediato, é a forma
decorrente nessas situações. A violência ressaltada constantemente, é a
15
Sobre o tema ver reportagem “Quanto menor melhor”. Ana Aranha. Revista Época No. 460. 12 de Março
de 2007.
74
“estampada” nos jornais, no sentido de “julgar e punir” a mãe, sem
questionamentos das determinações sociais que a levaram a tomar tal atitude.
Este é um ponto primordial do presente estudo. Ao analisarmos as situações a
partir da visão de quem praticou o abandono, é possível ter uma maior clareza dos
determinantes fundamentais deste abandono e não simplesmente ficarmos no
imediatismo que pode representar este ato. Como bem analisa Fávero (2001, p.
40):
A violência visível, decorrente da ausência de condições
dignas de vida da família – que esconde o sistema de opressão e
exploração político-econômico – é traduzida, por vezes, na entrega
ou no abandono da criança, o qual dá visibilidade ao ato em si,
mas não à sua construção.
Na situação pesquisada, Aline parcialmente podia contar com seus pais no
auxílio aos cuidados de seus dois filhos. Mas essa situação era reconhecida
socialmente, pois seus filhos são frutos de um casamento, que acabou, mas que
foi reconhecido. Em seu depoimento demonstra que, pensando nas dificuldades
também enfrentadas pelos seus pais e principalmente na condição em que sua
gravidez foi concebida, percebeu-se impedida a contar com eles novamente nos
cuidados de seu terceiro bebê. A rede de apoio familiar conta com limites, porque
também tem outras demandas cotidianas envolvidas.
Mais um determinante pode estar nas entrelinhas do depoimento de Aline
no momento em que ela relata que “não era eu que estava ali”, referindo-se ao dia
do abandono, e continua dizendo que não sabe o que aconteceu. Expressa uma
profunda dor diante dos nove meses que gestou uma criança sem apoio, seja de
amigos, conhecidos ou parentes, aliado a todas as outras determinações
levantadas.
Há, inclusive, a possibilidade de ter sido desenvolvida uma depressão pós-
parto, mas sem acompanhamento quer seja antes, quer seja após o parto, Aline
não saberia se realmente passou por isso. Muitas vezes, se a mulher está
assistida, consegue enfrentar esta depressão, porém quando esse apoio inexiste e
a rede de proteção encontra-se frágil, passar por esse processo associado a
75
outros determinantes, pode significar uma atitude de desespero como a relatada
por ela.
E tudo isso veio acumulando, acumulando, eu fui
ficando mal, fui ficando mal, eu não tinha coragem de contar
para ninguém. (ALINE)
(...) É como se não fizesse parte de mim isso, porque
meus filhos, são a razão da minha vida. (ALINE)
O cuidado também é avaliado nas situações estudadas. Podemos observar
que para essas mães, o fato de deixar seus filhos recém-nascidos nas situações
relatadas, não significou colocá-los em risco de vida. Sandra deixou seu bebê
acreditando que, por ser um local onde várias pessoas transitam com grande
freqüência, logo a criança seria encontrada e então teria uma vida melhor, a qual
ela não poderia oferecer naquele momento.
(...) resolveu deixar o bebê na estação para que outra
pessoa o encontrasse e pudesse dar-lhe uma vida melhor.
Refere não ter tido coragem de abortar, nem de matar
quando nascesse, decidindo abandoná-lo em local público
onde pessoas poderiam socorrê-lo. (Registro feito pelo
escrevente do depoimento de SANDRA à Vara da Infância e
Juventude)
Para Aline, o local onde abandonou seu bebê era também um local
“familiar” a ela, onde passava diariamente e via diversas pessoas circulando. Para
ela, deixar sua filha em uma caixa de sapato furada e cobertor, não representava
risco de vida.
76
(...) dei leite para ela (amamentou), duas vezes eu dei
leite para ela e saí assim, saí... fui andando. Foi a hora em
que eu olhei no cemitério e aí eu coloquei ela lá, é como se
fosse assim uma coisa que não fosse eu. (...) Eu pegava o
ônibus lá todo dia para ir trabalhar. . (ALINE)
Não podemos deixar de considerar que a referência de cuidado altera-se de
famílias para famílias.
Observamos pessoas que muitas vezes não tiveram referências de
cuidados, como as avaliadas como necessárias à proteção de crianças. Nos casos
estudados, aparentemente a emoção do momento e o desespero pela falta de
apoio do pai da criança não permitiram avaliar que realmente poderiam ter
colocado em risco a vida daqueles bebês.
Outras situações recentes, reais, podem marcar o risco de vida
propriamente dito. Uma mãe que joga pela janela do carro em movimento seu
bebê, ou coloca-o numa sacola e o atira em uma lagoa, ou enterra-o vivo no seu
quintal, ou ainda deixa-o dentro de um bueiro, são formas de abandono que
podem caracterizar essa intenção. A partir disso, as situações podem ser
diferenciadas. Fazendo um paralelo, na ciência do Direito, há a diferença entre
dolo e culpa, trazendo para a realidade estudada, o primeiro tem a intenção de
tirar a vida do bebê, no segundo há o risco de morte do recém-nascido, ou seja,
agiu de forma que colocou em risco a vida do bebê, mas sem essa intenção. Esse
diferencial precisa estar claro para uma avaliação desvelada de pré-julgamentos.
Esse fato, do risco de vida não desejado, não foi critério para a escolha dos
sujeitos, mas concretamente está presente nas realidades pesquisadas.
A criança estava vestida, enrolada em um xale e em um
cobertor e foi acomodada em cima de uma sacola. Havia
acabado de ser amamentada. (Registro feito pelo escrevente
do depoimento de SANDRA à Vara da Infância e Juventude)
77
A pressão exercida pela “moral social” é fortemente expressa pelos sujeitos
desta pesquisa, principalmente em relação a assumir um filho sem o apoio paterno
e também a enfrentar os “olhares” da sociedade ao decidir entregar um filho.
Desafiar o mito do amor materno inato pode representar a impossibilidade
de entrega, e então num momento em que a mulher sente a impossibilidade de
continuar com seu filho, o abandono aparece como solução momentânea daquela
situação. Sandra verbaliza o medo de enfrentar o julgamento, no qual a morte do
filho seria aceita pelos seus familiares, mas a negação da maternagem não seria
admitida.
Disse a sua mãe que o filho havia falecido. Ninguém
sabe que ela havia abandonado, pois ninguém a perdoaria.
(Registro feito pelo escrevente do depoimento de SANDRA à
Vara da Infância e Juventude)
Vale ressaltar que durante a entrevista com Aline, ela se encontrava muito
emotiva, chorou diversas vezes, mas em nenhum momento quis desistir da
entrevista. Os momentos em que mais se emocionava, eram aqueles em que
verbalizava que queria o bebê ao seu lado, demonstrando forte desejo de tê-lo
novamente em sua companhia e ainda arrependimento de seu ato.
Já Sandra, verbalizou arrepender-se da maneira que abandonou seu filho,
mas continuou decidida quanto ao destino da criança no que se referia à adoção,
reforçando sua falta de condições de permanecer com o bebê.
Um outro aspecto relevante com o qual nos deparamos na pesquisa de
campo foi o fato de Sandra sempre verbalizar, à pesquisadora, sua disposição em
participar da entrevista e sua satisfação por ter sido lembrada, chegando a
agradecer por isso. Durante os diversos contatos telefônicos nunca verbalizou que
não gostaria de participar da pesquisa, mesmo quando lhe foi oferecida
possibilidade de desistir, reforçando sua autonomia frente a essa participação.
Porém, nas oportunidades desta entrevista ser realizada, esquivava-se de
78
diversas maneiras, demonstrando resistência, mas não admitindo que, por alguma
razão, não poderia participar.
Foram meses de trabalho árduo na busca do contato com essa mãe.
Iniciamos com grande dificuldade com o advogado de Sandra que nos passou
diversas informações desencontradas, seja por telefone, seja pessoalmente,
inclusive informando dados de localização não condizentes com a realidade. Ao
mesmo tempo, ele verbalizava interesse no tema da pesquisa, nos dizendo que
havia feito contato com Sandra, marcando encontro para entrevista, mas nada
estava conectado à realidade, havendo várias contradições em seu discurso, nas
suas atitudes e nas diversas tentativas de entrevista.
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo constituiu-se num grande desafio, considerando as
dificuldades de pesquisar um tema pouco explorado, e principalmente por se tratar
de uma área caracterizada pelo silêncio, na qual o desejo de não identificação se
faz fortemente presente na realidade das mães que abandonaram seu filho em
situação de risco.
A não identificação da maioria delas e o desejo que seu ato permaneça
desconhecido são fatos, fazem parte dessa realidade pesquisada, que em muito
dificultam o estudo acerca do tema. Por outro lado, isso já indica uma dura
realidade vivenciada por essas mães.
Escolha, opção, decisão? Quem pode afirmar alguma dessas expressões
nesse ato?
Desafiar o mito do amor materno inato pode representar, para algumas
mulheres, a impossibilidade de entrega. Entrega essa que pode tornar concreto e
público o desafio deste amor materno inato às mulheres, mas nem todas se
sentem preparadas para os olhares a que estarão expostas, ou para enfrentar as
pessoas e os profissionais nos procedimentos legais que uma entrega exige. E
então, nesse cenário, o abandono aparece como solução momentânea daquela
situação.
Momento em que diversos determinantes sociais encontram-se. Momento
em que diversas expressões das “questões sociais” são manifestadas na vida
daquelas mulheres.
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As desigualdades de classe e de gênero, a minimização do Estado frente
às políticas sociais, a fragilidade da rede de proteção social, a possibilidade de
uma depressão pós-parto, as diferentes referências em relação aos cuidados e a
pressão exercida pela moral social, são as principais expressões que puderam ser
levantadas a partir dos depoimentos dos sujeitos. Situações essas que revelam a
condição a qual essas mães estavam sujeitas, levando-as ao ato do abandono
aqui pesquisado.
Como pudemos observar no decorrer deste estudo, a entrega de um filho
aos cuidados de alguém também se assemelha nas determinações sociais, mas o
que caracteriza o abandono ao qual nos referimos, de forma mais acentuada, é o
mito do amor materno inato.
Portanto, o que ficou latente em nosso estudo, é que essa forma de
abandono expressa uma forte pressão social sofrida pelas mulheres, decorrente
de uma relação desigual de gênero que ainda impera socialmente. Essa
desigualdade pode ser percebida no dia-a-dia das mulheres. No que diz respeito
especificamente a esse abandono, foi possível perceber que ele pode emergir
como uma forma de velar a negação da maternidade e da maternagem daquele
filho, em decorrência aos diversos determinantes sociais já avaliados neste
trabalho. A imposição do papel de mãe às mulheres e dos cuidados decorrentes
deste papel que elas devem exercer com o filho, admite a omissão paterna, mas
não admite que uma mãe decida por não querer ficar com o bebê.
A desresponsabilização paterna também expressa essa pressão, a qual as
mulheres estão submetidas. Para os sujeitos pesquisados, a omissão paterna fez
toda a diferença, recaindo sobre essas mães a responsabilidade pelos cuidados
desse filho e dos outros que já cuidavam com as diversas dificuldades já
enfrentadas anteriormente.
O que levou essas mães a deixarem seus bebês dessa maneira, é o que a
sociedade tem se perguntado e foi o que motivou este estudo. A partir dos estudos
realizados sobre o tema e sobre assuntos relacionados a ele, das análises dos
depoimentos dos sujeitos, da pesquisa das notícias veiculadas na mídia e do
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estudo do processo, podemos apontar que a desigualdade de gênero,
especificamente a que se refere à imposição do amor materno inato a todas as
mulheres, traduz o principal determinante para essa forma de abandono. Essa
determinação se evidencia ainda mais acrescida ao referencial teórico à visão de
mundo que nos orienta, seja nas pesquisas, seja na prática profissional.
Entendemos que a desigualdade de gênero é a grande diferença que
separa a entrega do abandono. Novamente reforçamos que não podemos
descontextualizar e sim considerar que essa determinação social pode ser a
principal expressão nesse abandono, mas não está sozinha. Os outros
determinantes sociais já apontados compõem essa trama de relações e de
acontecimentos sociais que se imbricam e, num dado momento, levam essas
mães a abandonarem seu bebê em risco de vida.
O risco de vida, nas situações estudadas, não apareceu como intencional
nesses abandonos. Essa é uma realidade apreendida no estudo dos depoimentos,
que se apresentou a nós como uma surpresa. Surpresa, no sentido de não termos
levantado, como hipótese, que para essas mulheres estava mais do que claro e
resolvido, que a maneira que abandonariam seu bebê não os colariam em risco de
vida. Seus depoimentos trouxeram argumentos concretos para explicitar essa
maneira de avaliação de seus atos.
Mas o fato é que a culpabilização destas mulheres é real, é concreta, e
majoritariamente não se considera em que condições elas deixaram seus bebês,
ou o que estava por trás desse ato.
Lembramos que não é a responsabilização pelo ato dessas mães que
estamos questionando, mas o que quisemos trazer com esta pesquisa é todo o
contexto social, político, econômico e cultural em que elas estão inseridas e a
forma que, para cada uma delas, as expressões da “questão social” são sentidas
em sua vida concreta.
O que socialmente precisa ser feito é dar a possibilidade, com condições
dignas, para que a mulher opte inclusive por gestar ou não – sem culpa de não
querer ser mãe – e, se optar por ser mãe e estabelecer a maternagem, que ela
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tenha condições de vida dignas para isso, podendo assim oferecer proteção à sua
criança. Se optar por não ser mãe, que também tenha condições objetivas de vida,
sendo respeitada em suas decisões.
Condições objetivas de vida significam também, rede de apoio social,
investimento do Estado em seres humanos, através de políticas públicas, com
orientação para uma sociedade justa e igualitária, livre de opressão, exploração e
dessa profunda desigualdade a que estamos submetidos.
Avaliamos, ainda que uma mudança cultural no que se refere às relações
de gênero também é fundamental, e é apenas um ponto inicial a ser desenvolvido
no cotidiano da vida de homens e de mulheres.
Para isso, é imprescindível que não esqueçamos que fazemos parte de
uma sociedade na qual a desigualdade e a exploração são inerentes à sua
estrutura.
No entanto, o que não podemos realmente perder de vista é que a mesma
sociedade que cria tais condições precárias de vida para a maioria da população,
que explora, que domina, é a que tem a possibilidade de criar, em algum
momento, forças manifestadoras da não aceitação da situação estabelecida, de
forma a transformar profundamente a realidade.
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