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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marina Aparecida dos Santos
A AUTOCORREÇÃO COMO PRESERVAÇÃO DA FACE DO FALANTE
CULTO DO PROJETO NURC/SP
Mestrado em Língua Portuguesa
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marina Aparecida dos Santos
A AUTOCORREÇÃO COMO PRESERVAÇÃO DA FACE DO FALANTE
CULTO DO PROJETO NURC/SP
Mestrado em Língua Portuguesa
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Língua Portuguesa,
sob orientação do Prof. Dr. Dino Preti.
São Paulo
2007
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___________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente ao meu bondoso e glorioso Jesus e sua Mãe Santíssima
Nossa Senhora da Salette, a quem devo a realização de mais essa etapa na minha
vida.
Às minhas irmãs Helena, Maria de Lourdes e Neuza pelo apoio e ajuda para a
conclusão deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Dino Preti, querido mestre, que fez parte da minha formação
acadêmica, pelo incentivo e paciência no decorrer do trabalho.
Ao Prof. Dr. Hudinilson Urbano, querido mestre, que também fez parte da minha
formação acadêmica, pelos conselhos e ajuda na confecção deste trabalho.
À Prof. Dra. Ana Rosa Ferreira Dias, pela participação na minha vida acadêmica na
PUC, ministrando cursos que me foram valiosos.
Aos amigos que cultivei durante o curso Amália, Maria Aparecida e Nilma, pela
ajuda nas horas mais difíceis.
5
Dedico às minhas irmãs Helena, Maria de Lourdes e Neuza,
ao meu irmão João, pelo apoio, paciência e incentivo. In
memoriam aos meus pais João e Maria Benedita.
6
RESUMO
A AUTOCORREÇÃO COMO PRESERVAÇÃO DA FACE DO FALANTE
CULTO DO PROJETO NURC/SP
Com este estudo temos a intenção de demonstrar como o falante culto do
Projeto NURC/SP preserva sua face com o uso da autocorreção auto-iniciada.
Com base nas teorias da Análise da Conversação, enfocando o Sistema de
Correção, da Preservação da Face ressaltando a polidez lingüística, analisamos 42
(quarenta e dois) exemplos que foram selecionados nos inquéritos do Projeto
NURC/SP, com base em quatro fatores encontrados, que caracterizam a preservação
da face, ou seja, a clareza, a hesitação, a adequação gramatical e a repetição como
ênfase de argumentação.
Para isso buscamos parte da história do Projeto, descrevemos as teorias de
E. Goffman, P. Brown e S. Levinson, assim como os vários estudos já efetuados
por outros autores nesse campo.
Selecionamos os inquéritos e nesses os exemplos, e procedemos à análise
dos mesmos, sempre com base nas teorias já mencionadas, chegando à análise
quantitativa dos dados colhidos nos exemplos.
Concluímos que o falante culto parece ser o mais preocupado com o
desempenho lingüístico em sociedade e por isso preserva sua face, principalmente
quando faz uso da autocorreção.
Marina Aparecida dos Santos
7
ABSTRACT
This study demonstrates how educated speakers of NURC Project always
maintain their face by using the self-correction.
This academic work is grounded on the Analysis of Conversation theories
and focuses Correction and Face Protection System which highlights the linguistic
politeness. The face protection, which is characterized by clearness, hesitation,
grammatical correction and repetition emphasizing the argument, was examined in
42 (forty two) examples that were selected in the inquiries of NURC Project.
Part of the history of the Project is described as well as Goffman and Brown
and Levinson’s theories, with the purpose to clarify the contents of these and other
studies that have been developed in academic area, regarding to this issue.
Supported by these theories, a quantitative analysis of data collection in the 42
selected inquiries was done.
The conclusion is that the educated speaker seems to be more worried with
this linguistic performance in society. Thus, the speaker usually protects his face,
especially when uses the self-correction.
8
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................... 11
Capítulo 1 - Corpus
1.1. Histórico do Projeto NURC ........................................................................ 15
1.2. Inquéritos que compõem o trabalho............................................................. 24
Capítulo 2 - Referencial Teórico
2.1. A origem da análise da conversação ............................................................ 31
2.2. A organização conversacional ..................................................................... 33
2.3. O sistema de correção .................................................................................. 38
2.3.1. Autocorreção e heterocorreção – quem corrige ................................. 41
2.3.2. Correção e turno – quando se corrige ................................................ 42
2.3.3. Como acontecem as correções - o que é corrigido ........................... 44
2.3.4. A dimensão das correções – quanto é corrigido................................ 47
2.3.5. Marcadores de correção – como é corrigido .................................... 50
2.3.6. Funções da correção – para que se corrige ....................................... 56
2.4. A preservação da face
2.4.1. O conceito de face ............................................................................ 50
2.4.2. Estratégias de polidez lingüística ..................................................... 63
2.4.2.1. Estratégia de polidez positiva ........................................................ 66
2.4.2.2. Estratégia de polidez negativa ....................................................... 67
2.4.2.3. Estratégia de polidez indireta ........................................................ 67
2.4.2.4. Marcadores de rejeição................................................................... 69
2.4.2.5. Marcadores de opinião ................................................................... 71
2.4.2.6. “Hedges” ........................................................................................ 72
9
2.4.2.7. Polifonia e paráfrase ...................................................................... 74
2.5. Interação ...................................................................................................... 75
Capítulo 3 – Análise dos exemplos que demonstram as ocorrênicas de
autocorreções como preservação da face do falante culto do Projeto NURC, bem
0como dos dados colhidos ................................................................................. 79
3.1. Preservação da face na clareza .................................................................... 81
3.2. Preservação da face na hesitação ................................................................ 98
3.3. Preservação da face na adequação gramatical ............................................ 115
3.4. Preservação da face na repetição como ênfase de argumentação .............. 122
3.5. Análise dos dados colhidos nos exemplos ................................................. 129
Considerações Finais ........................................................................................ 137
Referências Bibliográficas ................................................................................ 139
10
INTRODUÇÃO
11
A análise da fala nas interações sociais tem sido objeto de estudo sob várias
perspectivas teóricas, pelas quais busca-se compreender, não apenas os fenômenos
de um enfoque mais específico, voltado para descrever suas estruturas e o modo de
organização da linguagem, mas também verificar como se dá a cooperação entre os
falantes envolvidos nos processos interacionais, e quais as estratégias
conversacionais desempenhadas pelos indivíduos no seu cotidiano.
Nesse contexto de análise, de influência preponderantemente pragmática e
sociointeracionista, que compreende a fala como processo de comunicação entre
indivíduos, é possível observar que a cooperação entre os falantes constitui-se de
várias estratégias discursivas sendo, algumas delas usadas como modo de preservar-
se, ou seja, os falantes cooperam na construção do texto oral, mas procuram de
muitas formas, não se exporem demais, pois ambos se avaliam constantemente
durante o processo conversacional.
Esse modo de o falante, no desenvolvimento da conversação, preservar-se
perante o outro, está fundamentado na teoria da preservação da face desenvolvida
pelo sociólogo Erwing Goffman, aperfeiçoada por Brown & Levinson, a qual
servirá de base para este trabalho, juntamente com os estudos já efetuados pela
análise da conversação.
Para se proceder à análise da perspectiva apontada, recorreu-se ao Projeto
NURC/SP, por este já ser um corpus constituído de uma pesquisa empírica,
contendo conversações induzidas ente falantes cultos, o que possibilitou a coleta de
dados para a pesquisa aqui proposta.
Como se sabe o Projeto NURC tinha como objetivo descrever a variante
culta por meio de gravações de entrevistas que geraram o diálogo entre
12
documentador e informante (DID), diálogos entre dois informantes (D2), bem como
aulas universitárias (EF), elocuções formais, em um total de 300 horas que foram
transcritas.
Dessa produção realizada pelo referido projeto, selecionaram-se 15
inquéritos, pertencentes aos três tipos de gravações, que são uma amostragem das
18 horas e 30 minutos que foram publicadas, para efetuar a pesquisa ora proposta,
uma vez que entre as diversas estratégias discursivas próprias das interações
humanas, a correção, mais precisamente a autocorreção, aparece no corpus
selecionado reiteradas vezes. Em muitas situações de fala essa estratégia encontra-se
diretamente relacionada aos aspectos da preservação da face, fato que possibilita
uma análise consistente do fenômeno.
Com a intenção de se estabelecer um recorte, elaboraram-se duas perguntas
de pesquisa: como os falantes cultos usaram a correção lingüística nos vários modos
encontrados para preservar a face? Há alguma influência com relação à faixa etária
e ao sexo do falante na preservação da face?
A pesquisa se desenvolveu baseando-se nos falantes cultos, os quais são os
que mais se preocupam, com o bom desempenho lingüístico, bem como em
preservar a sua face em uma interação.
Para tanto estudamos as ocorrências de autocorreções e encontramos quatro
fatores que caracterizam a preservação da face, ou seja: a clareza, a hesitação, a
adequação gramatical e a repetição, que abrangeu o sexo e as faixas etárias. O
trabalho será organizado em quatro capítulos.
O primeiro capítulo é destinado ao histórico do Projeto NURC, como surgiu
e se desenvolveu no Brasil, mais precisamente em São Paulo, inclusive as últimas
13
publicações. Apresentamos neste capítulo também, os 15 (quinze) inquéritos que
compõem a pesquisa, e que pertencem à parte publicada, além das normas de
transcrição utilizadas.
No segundo capítulo, abordaremos as teorias que fundamentaram a
pesquisa, a da Análise da Conversação, principalmente o sistema de correção
lingüística, bem como a da Preservação da Face, seus conceitos e os vários estudos
já efetuados nesse campo.
No terceiro capítulo, procederemos à análise dos inquéritos, dos quais foram
colhidos os exemplos, demonstrando como ocorrem as autocorreções com
preservação da face, produzidas pelos falantes, retomando conceitos mencionados
no referencial teórico.
No quarto capítulo, analisaremos de forma quantitativa os dados colhidos
nos exemplos, bem como suas ocorrências nas várias faixas etárias e sexo, que
demonstrarão como foram distribuídas as autocorreções.
Portanto, a pesquisa não abarcará o projeto como um todo, mas sim uma
parte, em um total de 42 exemplos, que julgamos comprovam o que nos propomos.
14
1. CORPUS
15
A proposta deste trabalho tem como objeto de análise os inquéritos do Projeto
NURC/SP, que constituem o corpus. Por essa razão, considerou-se importante trazer
à tona parte da história desse projeto que muito tem contribuído para a realização
de pesquisas em língua portuguesa.
1.1. Histórico do Projeto NURC
O “Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta do Brasil” (Projeto
NURC), teve sua origem em uma proposta do Professor Juan Lope Blanch, da
Universidade Nacional Autônoma do México, de organizar um grande projeto
coletivo, com a finalidade de descrever a norma culta no espanhol falado na
América, que veio a ser implantado nas capitais de países hispano-americanos.
Essa proposta foi apresentada à Comissão de Lingüística e Dialetologia Ibero-
Americana do “Programa Interamericano de Lingüística e Ensino de Idiomas”
(PILEI) no seu II Simpósio, em agosto de 1964, em Bloomington, nos Estados
Unidos da América, dando origem ao “Proyeto de Estudio Coordinado de la Norma
Lingüística Culta de las Principales Ciudades de Iberoamérica y de Península
Ibérica”.
O Professor Nelson Rossi da Universidade Federal da Bahia foi convidado a
participar do evento, representando o Brasil, oportunidade em que propôs a
extensão do “Proyeto” às comunidades de língua portuguesa.(cf. Silva, 2005)
Com esse objetivo, em janeiro de l968, o Professor Nelson Rossi apresentou,
por ocasião do IV Simpósio do PILEI no México, “O Projeto de Estudo da Fala
Culta e sua execução no domínio da Língua Portuguesa”, um estudo da variante
culta do português americano, que permitiu a integração do Brasil à pesquisa em
16
andamento no “Proyeto de Estudo del Habla Culta de las Principales Ciudades de
Hispanoamérica”.
O Professor Nelson Rossi ressaltou que, diferentemente dos países de língua
espanhola, no Brasil, o “Proyeto” não poderia se limitar à capital do Brasil ou ao
Rio de Janeiro, pois seria insuficiente para se contemplar a imagem do Português
do Brasil. Sugeriu que o trabalho se estendesse às cinco principais capitais com
mais de um milhão de habitantes, ou seja: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre.
Os pesquisadores da área, após alguns entendimentos, decidiram realizar em
São Paulo, em janeiro de 1969, o III Instituto Interamericano de Lingüística,
promovido pelo PILEI. Durante a realização desse evento o Professor Nelson Rossi
convocou uma reunião para dar início aos trabalhos do “Proyeto” no Brasil.
Nascia então, o Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta do Brasil -
PROJETO NURC.
Para o desenvolvimento desse projeto haveria necessidade de se escolherem
responsáveis em cada uma das cinco capitais, o que foi feito para que os trabalhos
pudessem ser iniciados. Para esta fase, foi usada uma adaptação do questionário-
guia do “proyeto” nas gravações da fala urbana brasileira.
Esse questionário-guia proposto pela equipe hispânica restringia-se aos aspectos
da língua escrita, por isso a equipe de São Paulo se posicionou contra a sua
utilização, o que motivou o estabelecimento de novos rumos para a análise dos
dados lingüísticos do Projeto NURC.
17
As gravações do Projeto NURC foram feitas nos anos 70, mas somente uma
década depois foi providenciada a transcrição do material sonoro, etapa
indispensável para a análise lingüística.
Estavam previstas três etapas para o projeto: gravação, transcrição e análise do
corpus, que seria composto de 400 horas de gravações, envolvendo 600
informantes (300 do sexo masculino e 300 do sexo feminino) com nível superior de
escolaridade, nascidos na cidade selecionada para o estudo ou nela residentes desde
os cinco anos de idade, filhos de nativos de língua portuguesa, de preferência
nascidos na cidade sob pesquisa.(cf. Silva, 2005).
Os informantes foram distribuídos em três faixas etárias:
a primeira faixa de 25 a 35 anos de idade (30%);
a segunda faixa de 36 a 55 anos de idade (45%);
a terceira faixa de 56 anos de idade em diante (25%). (Cf. Silva,
2005).
As gravações foram divididas em quatro tipos :
gravações secretas de um diálogo espontâneo (GS), com a duração de
40 horas (10%);
diálogo entre dois informantes (D2), com a duração de 160 horas (40%);
diálogo entre informante e documentador (DID), também com duração
de 160 horas (40%);
elocuções formais (EF), com duração de 40 horas (10%). (cf. Silva, 2005).
Como havia dois coordenadores em São Paulo - Prof. Dino Preti (USP) e Prof.
Ataliba Teixeira de Castilho (UNICAMP) - o Projeto NURC/SP ficou com
18
praticamente duas sedes, uma na Universidade de São Paulo e outra na Universidade
Estadual de Campinas.
Várias reuniões foram realizadas com o objetivo de implementar as normas para
transcrição das conversações, mas foi somente em l984, em um Seminário realizado
na UNICAMP, com a participação do Prof. Luiz Antonio Marcuschi, recém chegado
da Alemanha, que foram aprovadas as normas para transcrição do corpus do Projeto
NURC, tendo em vista novas perspectivas de análise voltadas principalmente para a
língua falada.
Todo o material, inclusive o arquivo sonoro do Projeto NURC esteve guardado
no CRUSP (Conjunto Residencial da USP), até o início de l984. Nesse ano ocorreu
a invasão do conjunto pelos alunos, mas tudo foi salvo graças à ágil atuação do
Prof. Dino Preti. Após a construção do prédio da Faculdade de Letras, o Projeto
NURC passou a ocupar uma de suas salas.
Durante a XIII Reunião Nacional do Projeto NURC, realizada em Campinas,
em 1985, ficou decidida a criação de um corpus compartilhado, composto de 18
(dezoito) entrevistas pertencentes ao acervo das cidades participantes do projeto,
que fizeram um intercâmbio desse material, para facilitar as análises.
O Prof. Dino Preti constituiu um grupo permanente de pesquisadores que se
encarregou de transcrever o material do Projeto NURC/SP para análise e posterior
publicação.
Parte do material transcrito foi publicado em três volumes sendo que os dois
primeiros foram organizados pelos professores Ataliba Teixeira de Castilho e Dino
Preti e o terceiro pelos professores Dino Preti e Hudinilson Urbano:
19
A Língua Falada Culta na Cidade de São Paulo. Materiais para seu Estudo. São
Paulo: T.A. Queirós/Fapesp, 1986, v. I, Elocuções Formais (EF).
A Língua Falada Culta na Cidade de São Paulo. Materiais para seu Estudo. São
Paulo: T.A. Queirós/Fapesp, 1987, v.II, Diálogo entre dois informantes (D2).
A Língua Falada Culta na Cidade de São Paulo. Materiais para seu Estudo. São
Paulo: T.A. Queirós/Fapesp, 1988, v. III, Diálogo entre Informante e
Documentador (DID).
Em 2002 esse material foi reunido em um CD-ROM, sob o título Documentação
Eletrônica Organizada pelo Projeto NURC/SP - Núcleo USP (Preti; Leite; Urbano,
2002), e distribuído a pesquisadores da área de língua portuguesa.
Um quarto volume foi publicado em 1990, organizado pelos professores Dino
Preti e Hudinilson Urbano, intitulado:
A Linguagem Falada Culta na cidade de São Paulo. Estudos. São Paulo: T.A..
Queirós/ Fapesp, 1990, v. IV.
Esse último volume contém estudos voltados para área da Análise da
Conversação e foi o marco inicial das pesquisas com o material transcrito do Projeto
NURC.
O grupo permanente constituído pelo Prof. Dino Preti para trabalhar com o
material do NURC/SP, deu origem à “Série Projetos Paralelos” que, hoje, conta com
a publicação de oito volumes:
20
Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 1993. v. I
O Discurso oral culto. São Paulo: Humanitas, 1997. v. II
Estudos de língua falada: variações e confrontos. São Paulo:
Humanitas, 1998. v. III
Fala e escrita em questão. São Paulo: Humanitas, 2000. v. IV
Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2002. v. V
Léxico na língua oral e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2003. v. VI
Diálogos na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2005. v. VII
Oralidade em diferentes discursos. São Paulo: Humanitas, 2006. V.
VIII
21
As normas estabelecidas para a transcrição dos dados do Projeto NURC/SP
são as seguintes:
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Incompreensão de
Palavras ou ( ) no nível de renda ... ( )
Segmentos nível de renda nominal ...
Hipótese do que
se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento
(havendo
Homografia,
usa-se acento / e comé/ e reinicia
Indicativo da
Tônica e/ou
Timbre)
Entoação
Enfática maiúsculas porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento :: podendo
de vogal e aumentar
Consoante para :::: ou ao emprestarem os ... éh::: ... o dinheiro
(como s,r) mais
Silabação _ por motivo tran-as-ção
Interrogação ? e o Banco ... Central ... certo?
Qualquer pausa ... são três motivos ... ou três razões ... que fazem
com que se retenha moeda ... existe uma ...
Retenção
Comentários
Descritivos do
Transcritor ((minúsculas)) ((tossiu))
22
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Comentários
que quebram
a seqüência
Temática da -- -- -- ... a demanda de moeda
Exposição; vamos dar essa notação -
Desvio temático demanda de moeda por motivo
A. na casa da sua irmã
Superposição, ligando [
Simultaneidade as B. sexta-feira?
de vozes linhas A. fizeram LÁ ...
[
B. Cozinharam lá?
Indicação de
que a fala foi
Tomada ou
Interrompida em (...) (...) nós vimos que existem ...
Determinado
Ponto. Não no
seu início, por
Exemplo
Citações literais
ou leituras de “ ” Pedro Lima ... ah escreve na ocasião...
Textos, durante “O cinema falado em língua estrangeira não
a gravação precisa de nenhuma baRREira entre nós” ...
(Reproduzido de Preti-Urbano (Orgs.), l990:7-8)
OBSERVAÇÕES
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.)
2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está
brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
23
4. Números: por extenso
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa)
6. Não se anota o cadenciamento da frase
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:: ... (alongamento e
pausa)
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como
ponto-e-vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam
qualquer tipo de pausa, conforme referido na Introdução.
24
1.2. Inquéritos que compõem o trabalho
O projeto NURC constitui um corpus representativo que possui uma gama de
informantes enquadrados nas variáveis: sexo, faixa etária, nível de escolaridade,
que discorreram sobre temas variados.
Entre os vários inquéritos que fazem parte do projeto, compuseram o nosso
corpus os abaixo citados:
Diálogos entre dois informantes
INQUÉRITO Nº 343 - BOBINA Nº 130 - INFS. Nº 441 e 442
Tipo de Inquérito: diálogo entre dois informantes (D2)
Duração: 80 minutos.
Data do registro: 15/03/76
Tema: A cidade, o comércio
Locutor 1: Homem, 26 anos, solteiro,, engenheiro, paulistano, pais
paulistanos, 1ª faixa etária. (Inf. nº 442)
Locutor 2: Mulher, 25 anos, solteira, psicóloga, paulistana, pais
paulistanos, 1ª faixa etária. (Inf. nº 441)
INQUÉRITO Nº 62 - BOBINA Nº 20 - INFS. Nº 69 e 70
Tipo de Inquérito: diálogo entre dois informantes (D2)
Duração: 87 minutos.
Data do registro: 05/08/72.
Tema: Tempo cronológico, instituições, ensino, profissões.
Locutor 1: Homem, 26 anos, solteiro, vendedor, paulistano, pais
paulistanos, 1ª faixa etária. (Inf. nº 70)
25
Locutor 2: Homem, 26 anos, solteiro, estatístico, paulistano, pais
paulistanos, 1ª faixa etária. (Inf. nº 69)
INQUÉRITO Nº 360 - BOBINA Nº 137 - INFS Nº 472 e 473
Tipo de Inquérito: diálogo entre dois informantes (D2).
Duração: 66 minutos.
Data do registro: 23/08/76
Tema: Tempo cronológico, profissões e ofícios.
Locutor 1: Mulher, 37 anos, casada, pedagoga, paulistana, pais
paulistas, 2ª faixa etária. (Inf. nº 473)
Locutor 2: Mulher, 36 anos, casada, advogada, paulistana, pais
paulistas, 2ª faixa etária. (Inf. nº 472)
INQUÉRITO Nº 396 - BOBINA Nº 145 - INFS. Nº 502 3 503
Tipo de Inquérito: diálogo entre dois informantes (D2)
Duração: 75 minutos.
Data do registro: 19/11/76
Tema: Vestuário e diversões
Locutor 1: Homem, 81 anos, viúvo, dentista, natural de Jundiaí - SP
(veio para São Paulo com três anos), pai paulista, mãe paulistana, 3ª
faixa etária. (Inf. nº 502)
Locutor 2: Mulher, 85 anos, viúva, professora, natural de Sorocaba -
SP (veio para São Paulo com 5 anos) pai paulista e mãe paulistana, 3ª
faixa etária. (Inf. nº 503)
INQUÉRITO Nº 333 - BOBINA Nº 124 - INFS Nº 419 e 420
Tipo de Inquérito: diálogo entre dois informantes (D2)
26
Duração: 57 minutos.
Data do registro: 07/04/76.
Tema: Cinema, televisão, rádio e teatro.
Locutor 1: Mulher, 60 anos, viúva, jornalista, paulistana, pais
paulistanos, 3ª faixa etária. (Inf. nº 419).
Locutor 2: Mulher, 60 anos, viúva, escritora, paulistana, pais
paulistanos, 3ª faixa etária. (Inf. nº 420).
Diálogos entre informante e documentador
INQUÉRITO Nº 18 - BOBINA Nº 07 - INF. Nº
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID)
Duração: 45 minutos.
Data do registro: 01/12/71.
Tema: A casa, o terreno, vegetais, agricultura, animais, gado.
Informante: Homem, 31 anos, solteiro, advogado, natural de São
Paulo, pais paulistanos, lª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 161 - BOBINA Nº 56 - INF. Nº 186
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 65 minutos.
Data do registro: 05/01/74.
Tema: Teatro, televisão, rádio cinema, vestuário.
Informante: Homem, 25 anos, solteiro, publicitário, natural de São
Paulo, pais paulistanos, 1ª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 251 - BOBINA Nº 90 - INF. Nº 288
27
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 40 minutos.
Data do registro: 08/11/74
Tema: Profissão e ofícios.
Informante: Mulher, 34 anos, solteira, professora primária, paulistana,
pai nascido em Boa Esperança (SP), mãe nascida em São Paulo (SP), 1ª
faixa etária.
INQUÉRITO Nº 208 - BOBINA Nº 79 - INF. Nº 252
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 40 minutos.
Data do registro: 21/09/74.
Tema: Família, saúde.
Informante: Homem, 46 anos, casado, economista, natural de São
Paulo, pai paulista e mãe paulistana, 2ª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 234 - BOBINA Nº 88 - INF.Nº 281
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID)
Duração: 40 minutos
Data do registro: 18/10/1974
Tema: Cinema, rádio e teatro
Informante: Mulher, 44 anos, desquitada, nutricionista, natual de São
Paulo, pai nascido em Itu (SP) e mãe nascida em São Paulo, 2ª faixa
etária.
INQUÉRITO Nº 235 - BOBINA Nº 88 - INF. Nº 282
28
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 40 minutos.
Data do registro: 21/10/74
Tema: Alimentação
Informante: Mulher, 38 anos, solteira, professora primária, natural de
São Paulo, pais paulistas, 2ª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 242 - BOBINA Nº 92 - INF. Nº 295
Tipo de Inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 40 minutos.
Data do registro: 18/10/74.
Tema: Instituições: o ensino, a igreja.
Informante: Mulher, 60 anos, solteira, bibliotecária, natural de São
Paulo, pais nascidos em Itu (SP), 3ª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 250 - BOBINA Nº 90 - INF. Nº 287
Tipo de inquérito: diálogo entre informante e documentador (DID).
Duração: 40 minutos.
Data do registro: 08/11/74.
Tema: Dinheiro, banco, finanças, bolsa.
Informante: Homem. 69 anos, casado, professor universitário, natural
de São Paulo, pais paulistanos, 3ª faixa etária
Elocuções Formais
29
INQUÉRITO Nº 338 - BOBINA Nº 141 - INF. Nº 488
Tipo de inquérito: elocução formal (EF).
Duração: 45 minutos.
Data do registro: 26/10/76.
Tema: A demanda de moeda (aula universitária).
Informante: homem, 31 anos, casado, professor universitário,
paulistano, pai nascido em São João da Boa Vista (SP), mãe nascida
em São Paulo (SP). lª faixa etária.
INQUÉRITO Nº 377 - BOBINA Nº 123 - INF. Nº 416
Tipo de entrevista: elocução formal (EF)
Duração: 32 minutos.
Data do Registro: 08/10/1976.
Tema: Os instrumentos da vida intelectual (aula universitária).
Informante: mulher, 32 anos, solteira, professora universitária,
paulistana, pai nascido em Santos (SP) e mãe em São Paulo (SP). 1ª
faixa etária.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
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Como vimos foram selecionados vários inquéritos do Projeto NURC/SP, para
compor o corpus desta pesquisa. Sendo assim, neste trabalho o objetivo principal é
apontar a preservação da face do falante culto quando este se autocorrige, ao
reformular o que havia dito, na clareza, na hesitação, na adequação gramatical e na
repetição como ênfase de argumentação, fundamentando-se nos pressupostos da
Análise da Conversação.
2.1. A origem da Análise da Conversação
A Análise da Conversação, de linha etnometodológica, iniciou-se na década
de 60. O sociólogo Harold Garfinkel, seu fundador, preocupava-se com as ações
diárias das pessoas, mesmo as mais simples. Assim, por meio da Etnometodologia,
Garfinkel observou aquilo que os membros de uma sociedade realizam nas suas
atividades cotidianas e o que sabem e pensam a respeito dessa realização:
“A Etnometodologia, fundada por Garfinkel no início dos anos 60, é ligada à
Sociologia da Comunicação e à Antropologia Cognitiva e se preocupa com as
ações humanas diárias nas mais diversas culturas. Trata da constituição da
realidade no mundo do dia-a-dia e investiga a forma de as pessoas se
apropriarem do conhecimento social e das ações (daí o uso do radical etno); diz
respeito à forma metódica de como os membros de uma sociedade aplicam
aquele seu saber sociocultural (daí o radical metodologia)” (Marcuschi, 2001:7-
8).
A Etnometodologia busca abordar as atividades e as circunstâncias práticas,
desenvolvidas pelos indivíduos em seu cotidiano. Ela considera também que a
realidade social é construída, na interação, portanto não é um dado pré-existente.
Essa corrente lingüística entende que a linguagem desenvolvida pelos indivíduos
comuns, nas suas ações diárias, por ser a base das relações sociais, fornece a chave
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para o entendimento do sentido dessas ações, motivo que induz suas pesquisas a
partirem de dados empíricos.
Os primeiros estudos sobre a Análise da Conversação foram feitos por Harvey
Sacks, Emanuel A. Schegloff, Gail Jefferson e Jim Schenkein (1974). O interesse
desses estudiosos era primordialmente sociológico e não lingüístico, mas em razão de
seu objeto de estudos, criaram os fundamentos da corrente lingüística da
Etnometodologia.
Paralelo a essas pesquisas, surgiram também os estudos do sociólogo
americano Erving Goffman (l974), que atribuíram peso significativo à interação
social.
No Brasil, o primeiro a se dedicar ao estudo das teorias de Sacks, Schegloff e
Jefferson, foi Luiz Antonio Marcuschi, cuja obra serviu também, de fundamentação
teórica para este estudo.
Partindo da Etnometodologia pode-se afirmar com Mascuschi que a
conversação é uma atividade lingüística básica. Ela integra as atividades diárias de
qualquer cidadão, independentemente de seu nível sócio-cultural:
“A conversação é a primeira das formas de linguagem a que estamos expostos
e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora. Em suma,
além de matriz para a aquisição da linguagem, a conversação é o gênero básico
da interação humana” (Marcuschi 2001:14
).
A conversação é uma “interação verbal centrada, que se desenvolve durante o
tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção visual e cognitiva para
uma tarefa comum” (Dittmann, 1979, apud Marcuschi 2001:15), isto é, duas ou mais
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pessoas se alternam, discorrendo livremente sobre determinado tópico conversacional,
ficando sujeitas ao princípio geral de cooperação (interação). Deve haver pelo menos
uma troca de turnos, em ações coordenadas, não sendo necessário conversar face a
face, como ocorre em interações telefônicas, mas devem coincidir no eixo temporal.
A necessidade da participação de pelo menos duas pessoas na conversação,
demonstra o caráter dialógico da linguagem. Durante a conversação, o mais comum
é que o assunto transcorra por meio de perguntas e respostas ou asserções e réplicas,
permitindo a interação dos participantes.
Quando duas ou mais pessoas conversam, tem início uma interação e para
que esta se desenvolva, as pessoas devem compartilhar um mínimo de
conhecimentos comuns. São também observados os recursos paralingüísticos como
gestos, olhares, sorrisos e movimentos.
2.2. A Organização Conversacional
A Análise da Conversação tem como princípio básico demonstrar que toda
conversação é uma atividade lingüística estruturalmente organizada e “sempre
situada em alguma circunstância ou contexto em que os interlocutores estejam
engajados”. (Marcuschi 2001:17)
A conversação por apresentar vários níveis de organização poderá ser
analisada com base em um de seus elementos, os quais se manifestam de várias
formas, tais como as tomadas de turno, a organização tópica discursiva, as
repetições e as correções.
Isso já foi mostrado em um estudo feito por H. Sachs, G. Jefferson e E.
Schegloff (1974), sobre o funcionamento de troca de turnos, tendo sido sugerido
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“um sistema válido para interações espontâneas, informais, casuais, sem hierarquia
de falantes”, onde esse sistema poderia:
“ser livre de contexto e capaz de uma extraordinária sensibilidade pelo
contexto”. (H. Sachs, G. Jefferson e E. Schegloff, 1974)
Ainda, quanto a essa organização conversacional, ressalte-se a importância
da troca de turnos na conversação, por ser um segmento produzido por um falante
com direito à voz, podendo se constituir de uma única palavra ou até de murmúrios
de concordância:
“A organização de troca de turnos para se expressar é fundamental à
conversação, bem como a outros sistemas de troca de fala.” (H.Sachs, E.
Schegloff , G. Jefferson, 1974)
Fica evidente que a troca de turno é uma operação fundamental da
conversação, e o turno um dos componentes centrais do modelo, uma vez que as
conversações são produzidas no decorrer desses turnos conversacionais.
Verifica-se, ainda, que o turno conversacional é essencialmente uma prática
social que pode ter uma expressão lingüística ou não, pois pode constituir um turno
não conversacional, a passagem de duas ou mais pessoas por um corredor, o
cruzamento de veículos no trânsito, a participação em jogos e debates, enfim todas
as circunstâncias em que estejam envolvidos dois ou mais parceiros
A regra básica é falar um de cada vez. Essa regra é observada nas
conversações formais, porém é constantemente desrespeitada nas conversações
espontâneas. A troca de locutores deve ocorrer nos limites do turno, ou seja, no
lugar considerado relevante para transição LRT. Segundo Sacks, Schegloff e
Jefferson (1974) algumas técnicas devem ser seguidas:
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- O falante que tem a posse do turno, escolhe o próximo falante, e este toma a
palavra iniciando o próximo turno;
- O falante que detém o turno, pára e o próximo falante obtém o turno pela auto-
escolha.
Existem outras regras a serem respeitadas e o lugar relevante para transição
pode ser representado, pela conclusão de um enunciado, baixa entonação, olhar fixo
por alguns instantes, pausa, hesitação, todos são marcadores relevantes, mas não
absolutos (Marcuschi, 2001:22)
Quando as regras básicas não são seguidas, principalmente nas conversações
espontâneas, pode ocorrer o assalto ao turno, isto é, um falante toma a palavra sem
que ela lhe tenha sido passada por aquele que detém o turno, ou sem que tenha
ocorrido um lugar relevante de transição, ocasionando eventuais sobreposições de
vozes, compreendidas como momentos caóticos na organização conversacional.
Ainda com relação à regra básica, a troca de turnos deve ser feita de forma
simétrica, com a participação de cada um dos interlocutores. Quando isso não
acontece e um locutor fica a maior parte do tempo direcionando a conversa para si,
ocorre uma assimetria conversacional.
É importante, também, a organização tópica da conversação. O tópico pode
ser entendido como “assunto” ou “tema” tratado na conversação desenvolvida pelos
interlocutores ou “aquilo acerca do que se está falando” (Brown e Yule l983:73
apud Fávero 2001:38), podendo ser dividido em subtópicos. Ele distribui-se em
segmentos sucessivos pelo falante, que procede dessa forma para cooperar com seu
interlocutor no estabelecimento de um elo interativo.
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Percebe-se que o tópico é uma importante unidade discursiva utilizada pelo
falante, pois, por meio dele, instala-se efetivamente uma conversa entre os
interlocutores que vão interagir cooperativamente.
A repetição e a paráfrase que fazem parte da reelaboração textual,
acontecem também com freqüência na língua falada.
Tanto a paráfrase quanto a correção tratam da reformulação do que foi dito.
Na correção, por considerarem inadequado, os interlocutores apagam o “erro”,
palavra ou sintagma usado e o substituem por outro reformulador. Já na paráfrase,
reformulam o que foi dito mantendo com ele, uma relação semântica. A propósito
disso, Hilgert explica:
“Paráfrase é, portanto, um enunciado que reformula um enunciado anterior,
mantendo com este uma relação de equivalência semântica” (Hilgert, 2001-111)
E Hilgert explica também sobre a correção:
“Na correção, ao contrário, a relação entre enunciado de origem e enunciado
reformulador é de contraste semântico, uma vez que este anula total ou
parcialmente a verdade daquele.” (Hilgert, 2001-114)
Distinguimos assim essas duas atividades de reformulação em seus traços
essenciais, mas em alguns casos a diferença entre paráfrase e correção é tão tênue,
que se torna difícil analisar de forma consistente, os fundamentos que as diferem.
A repetição é também um processo de reformulação textual muito presente
na oralidade e contribui para a organização discursiva, favorecendo a coesão, dando
continuidade à organização tópica que auxilia nas atividades de interação, definida
assim por Marcuschi:
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“repetição é a produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes
duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo.”
(Marcuschi: 2002 : 107).
As repetições são multifuncionais e ocorrem de várias maneiras: repetições
fonológicas, repetições de morfemas, repetições de itens lexicais, repetições de
construções suboracionais, repetições de orações.
Para o propósito deste trabalho analisaremos a repetição lexical, que
conforme Marcuschi (2002:112) “da uma noção de ênfase”, podendo também
sugerir continuidade, estabelecer um elo coesivo e caracterizar a constituição de um
tópico.
As repetições lexicais são na sua maioria de verbos e nomes, sendo raras as
ocorrências de repetições de adjetivos e advérbios. No entanto, no caso de o falante
querer dar ênfase ao seu argumento, esses são os mais usados.
A repetição dentro do plano discursivo possui várias funções, podendo atuar
também no plano de composição do texto no aspecto mais global. Mascuschi
explica:
“No plano da textualização, a repetição atua com as funções básicas de:
coesividade (seqüênciação, referenciação, correção, expansão, parentetização,
enquadramento). No plano discursivo, a repetição tem um número mais
expressivo de funções e colabora para: compreensão (intensificação,
esclarecimento); continuidade tópica (amarração, introdução,
reintrodução,delimitação); argumentatividade (reafirmação, contraste,
contestação); interatividade (monitoração da tomada de turno, ratificação do
papel de ouvinte, incoporação)”. (Marcuschi, 2001:117)
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A propósito da repetição Barros afirma:
“a repetição pode assumir tanto o papel de um recurso de produção que dá ao
falante o tempo necessário à formulação, quanto o de um procedimento de
ênfase na argumentação” (cf. Barros, l998:67)
Sendo assim, a repetição pode ter um funcionamento variável, ou seja,
funcionar como um procedimento de relações cooperativas, como um recurso de
produção que dá ao falante o tempo necessário à reformulação e, ainda, um
procedimento de ênfase da argumentação.
2.3. O Sistema de Correção
A correção lingüística ocorre na língua falada por coexistirem o
planejamento e a execução lingüísticos em tempo real. Nesse processo,
sistematicamente torna-se necessário voltar atrás para corrigir o que foi dito. O
sistema de correção é uma conseqüência dessa característica e implica eliminar os
erros de planejamento.
Uma reformulação textual tem como objetivo levar o interlocutor a
reconhecer a intenção do locutor de se expressar da maneira bastante clara e
garantir, dessa forma, a intercompreensão na conversação:
“A correção pode, assim, ser considerada como marca de elaboração própria da
oralidade ou como um incidente de produção. Na verdade são os “erros” a
serem corrigidos que resultam do modo de inscrição da conversação no eixo
temporal e que assinalam a concomitância entre elaboração e produção,
enquanto a correção deles deve ser concebida
como procedimento da
reelaboração do discurso.” (cf. Barros e Melo, 1990:14).
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A correção possui duas fases: a declaração do “erro” e sua negação
constituem a primeira fase; a afirmação do novo elemento, considerado correto, que
ocupará o lugar, do “erro”, compreende a segunda fase, muito embora a primeira
possa permanecer implícita ou pressuposta na maioria das vezes:
“Os atos de reformulação definem-se por conseguinte, como a reformulação de
um enunciado X (ou enunciado-fonte) por um enunciado Y (enunciado-
reformulador), com o objetivo principal de garantir a intercompreensão na
conversação. Entre o enunciado X (ou enunciado-fonte) e o enunciado Y (ou
enunciado reformulador) existe uma relação semântica. A relação XRY
caracteriza os atos de reformulação (Barros e Melo, 1990:15). Gulish e Kotschi
(l987) apud Barros e Melo, 1990:15 fazem questão de ressaltar que a
compreensão ou a intercompreensão é a função principal, mas não o único
objetivo da reformulação. (cf. Barros e Melo, 1990:15).
Urbano (l987) em estudo sobre corte de palavras, entendido como o
abandono de um vocábulo seguido ou não de sua repetição, observou que o falante
corta as palavras quando as articula erradamente, quando hesita no planejamento
sintático da sentença (por exemplo, quando substitui um verbo por outro), ou
quando falha no planejamento semântico: “por corte de palavras entenderemos o
fenômeno pelo qual o falante abandona ou interrompe, em geral, de maneira súbita,
a emissão de um vocábulo” (Urbano, 1987:459), e cita:
“... professora primária é ela e totalmente desvaloriZAda incu/ inclusive o nível
... o::nível cultural dela é considerado baixo”
Em muitos casos em que ocorrem os cortes de palavras não se configura uma
autocorreção, pois podem ser considerados como “um acidente de percurso sem
função ou valor lingüístico específicos”(Urbano, 1987:470).
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Quanto aos “erros” que são corrigidos na fala ou as reformulações, é possível
classificá-los como de natureza morfológica, fonético-fonológica e semântico-
pragmática (cf. Barros e Melo, 1990:23), conforme a situação nos diferentes níveis
de descrição lingüística.
Praticamente todas as correções têm objetivos interacionais ou seja,
empregam-se as correções para a obtenção de cooperação e de participação na
conversa para o estabelecimento de envolvimento pessoal: “corrigir é fazer passar
entre outras, uma metamensagem de envolvimento pessoal” (Tannen, 1986, apud
Barros e Melo, 1990:56).
Portanto, a correção é uma conseqüência da descontinuidade textual falada,
que implica eliminar os “erros” de planejamento, fazendo uma auto-edição
conversacional, tornando mais claro o modo de se expressar.
Para a organização do estudo sobre os mecanismos da correção é necessário
responder às seguintes perguntas:
“Quem corrige?
Quando se corrige?
O que é corrigido?
Quanto é corrigido
Como se corrige?
Para que se corrige?”. (cf. Barros e Melo, 1990:19).
Ao serem respondidas as perguntas acima, a correção estará sendo analisada
com maior profundidade em todas as suas manifestações lingüísticas.
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2.3.1. Autocorreção e heterocorreção - quem corrige
Os estudos mais conhecidos sobre as correções lingüísticas foram realizados
por Sacks, Jefferson e Schegloff (1977). Segundo eles, podemos estabelecer a
seguinte tipologia geral para os mecanismos da correção:
(a) autocorreção auto-iniciada - é a correção feita pelo
próprio falante logo após a falha;
(b) autocorreção iniciada pelo outro ou heterocorreção - é a
correção feita pelo falante, mas estimulada pelo seu parceiro
ou por outro;
(c) correção pelo outro e auto-iniciada - o falante inicia a
correção, mas quem a faz é o parceiro;
(d) correção pelo outro e iniciada pelo outro ou
heterocorreção - o falante comete a falha e quem a corrige é o
parceiro.
A mais comum e mais utilizada é a autocorreção auto-iniciada, uma vez que
o locutor quer evitar as conseqüências negativas do erro, quase sempre corrigido no
mesmo turno.
Nota: Os exemplos que serão apresentados neste trabalho foram citados por Barros e Melo, 1990.
As heterocorreções, como são feitas ou iniciadas pelo interlocutor, ocorrem
em menor número, uma vez que o locutor, principalmente nos inquéritos do Projeto
NURC, está sempre atento àquilo que está falando, não dando oportunidade para
que elas ocorram.
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Em estudos já realizados com o material do NURC, ficou constatado que as
autocorreções são mais freqüentes (84%) contra as heterocorreções (16%) (cf.
Barros e Melo, 1990:33), o que revela que, ao efetuarem mais autocorreções os
locutores demonstram um grau maior de reflexão sobre a produção lingüística
própria, e um cuidado especial com a imagem a ser preservada.
2.3.2. Correção e turno - quando se corrige
O turno conversacional faz parte da organização de uma conversação, isto é,
propicia aos interlocutores se comunicarem, falando um de cada vez, de acordo
com a posse do turno, considerando-se que este é a unidade da conversação:
“A organização de troca de turnos para se expressar é fundamental à
conversação, bem como a outros sistemas de troca de fala”. (cf. Sacks,
Jefferson e Schegloff, 1974:696)
Por ser tão importante na conversação, a troca de turno é igualmente
importante para a correção lingüística, pois esta depende daquela para sua
realização.
Existe uma estreita relação entre turno e correção:
As noções de oportunidade da correção e de temor das conseqüências do erro
relacionam os atos de correção à organização da conversação em sistema de
turnos e situam tais atos no quadro das interações. Dessa forma , muito embora
a correção propriamente dita, ao contrário da reparação, não se aplique
diretamente a infrações conversacionais, há estreita relação entre os
mecanismos de correção e de troca de turnos e, além disso, a correção
corresponde às necessidades interacionais dos participantes na conversação e
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tem função fundamental no estabelecimento de laços intersubjetivos” (cf.
Barros e Melo, 1990:23).
Na maioria das vezes, a autocorreção ocorre no mesmo turno, porém o
locutor deve estar atento, pois a troca de turno pode inviabilizar essa correção. Caso
não seja efetuada no mesmo turno, a correção poderá ocorrer nos turnos
subseqüentes, dependendo da permissão do interlocutor para a retomada da fala.
Quanto à posição das correções nos turnos, existem as seguintes :
“ (a) autocorreções auto-iniciadas:
1. o mais comum é que ocorram no mesmo turno em que
aparecem; geralmente ocorrem na mesma sentença em
que surge a falha, mas podem estar na seguinte;
2. ocorrem também no lugar de transição do turno, logo
antes da troca;
3. ocorrem às vezes no terceiro turno, após o parceiro ter
falado;
(b)autocorreções iniciadas pelo outro: realizam-se geralmente no
terceiro turno, ou seja, na retomada da palavra pelo falante que
cometeu a falha.
(c) correções pelo outro e iniciadas pelo outro: realizam-se no
turno subseqüente ao turno em que ocorreu a falha.” (cf. Sacks,
Jefferson e Schegloff, 1977: 366-7)
Uma ordem de preferência foi estabelecida pelo autores:
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“(
a) a preferência maior é pela autocorreção auto-iniciada; é a de
maior freqüência
(b) a segunda preferência é pela autocorreção iniciada pelo
outro;
(c) em terceiro lugar, menos freqüente, é a correção feita e
iniciada pelo outro.”
A explicação para a preferência pela autocorreção auto-iniciada está no
encadeamento da conversação, sendo que o que não for corrigido logo em seguida,
terá uma tendência a não ser retomado, pois o interlocutor ao tomar a posse do
turno, não aceitará a correção. Daí também decorre a menor incidência dos outros
tipos de correção.
2.3.3. Como acontecem as correções - o que é corrigido
Os mecanismos de correção decorrem de três tipos de “erros”, segundo os
níveis de descrição lingüística, ou seja: correção fonético-fonológica,
morfossintática e semântico-pragmática.
Quando o locutor se engana na pronúncia de alguma palavra por não
conhecê-la, ou por escolher o fonema errado na hora de falar, ocorre um erro
fonético-fonológico:
1) L1 - é da pe/ da prefeitura... e (...)
(INQ. 360, p. l49, 1.505).
No exemplo número 1, corrige-se o erro de pronúncia de “pe” para
prefeitura, por meio da interrupção da palavra mal articulada. (cf. Barros e
Melo:1990:23).
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Os erros morfossintáticos (erros de gramática normativa), normalmente
acontecem na concordância ou na regência verbal:
2) L1 - não hão há possibili/ (...)
(INQ. 360, p. l50, l.548).
No exemplo número 2, corrige-se o verbo que foi dito de forma
gramaticalmente errada. (cf. Barros e Melo:1990:23).
Os erros de origem semântico-pragmática são os que mais ocorrem e que
devem ser compreendidos, tanto como informações impróprias, como imprecisões
nas expressões de sentimentos e opiniões dos interlocutores e, por isso, são os que
mais prejudicam a intercompreensão, provocando a correção lexical ou substituição
de palavras:
3) L2 - tranqüi::las....que:: dificilmente... perdem a cal::ma perdem o
contro::lê...
(INQ.360, p. 139, 1.125-126)
O exemplo 3 é de uma correção lexical. Ocorreu a substituição de “calma”
por “controle”. “Nas correções lexicais acrescenta-se, em geral, sentido, mais do que
se corrige um erro” (cf. Barros e Melo,1990:24).
Dentro das correções semântico-pragmáticas ocorrem ainda as correções que
mudam o conteúdo da conversa, outras que mudam a direção e até mesmo a
correção de tópico:
4) L2 - é já expirou o prazo mas está havendo ainda... eles estão ...eles têm
uma esperança
(INQ. 360, p. 152, 1.626-627).
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No exemplo 4 aparecem correções de conteúdo que acarretam mudança de
direção de conversação: corrige-se “está havendo ainda” por “eles estão” e,
finalmente, por “eles têm uma esperança”. (cf. Barros e Melo:1990:24)
5) L2 - (...) então eles entraram com mandato de segurança... anulando aquela
lista de classificação... e então havia publicação de outras... e assim foi indo e::
a::... de acordo com o edital a validade é dois anos DA publicação... dos
resultados... da lista de aprovados (...)
(INQ. 360, p. 151, 1.596-601).
A reformulação de “e a validade é de...” por “ de acordo com o edital a
validade é de...” deve ser considerada como uma correção semântica de acréscimo
de elementos de conteúdo, a partir de uma mudança de planejamento da
conversação. (cf. Barros e Melo:1990: 24).
2.3.4. A dimensão das correções - quanto é corrigido
Quanto à dimensão do que é corrigido, pode ser uma frase, um sintagma, uma
palavra, qualquer unidade verbal, dependendo do que provocou o equívoco para o
locutor, mas não há uma noção de quantidade.
As correções podem ser classificadas em totais ou parciais. A correção total
possui as duas fases do mecanismo, a de negação do “erro” (elemento a ser
corrigido) e a de afirmação do “correto” (elemento corrigido). A segunda é uma
forma atenuada de correção, que restringe ou amplia o “erro”, sem contudo negá-lo:
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“A correção total ou por oposição define-se pelo modelo de relações,
operacionalizadas, já proposto: negação do elemento a ser corrigido e afirmação
do elemento corretor. A correção total, , sobretudo quando suas duas fases
estão explicitadas, é, sem dúvida, o mais forte dos modos de correção. A
correção parcial, por sua vez, é uma forma atenuada de correção, em que não
se nega nem explicita, nem implicitamente o elemento anterior. A correção
parcial visa à ampliação ou à restrição semântica do termo ‘corrigido’ e,
dessa forma, aproxima-se das outras atividades de reformulação,
principalmente da paráfrase, e com ela se confunde, muitas vezes” (cf. Barros e
Melo, 1990:26).
No que se refere às correções totais, estas são as que possuem as duas fases
da operação: a negação do elemento a ser corrigido e a afirmação do termo corretor
e, por possuírem essa característica oferecem várias possibilidades de realização na
conversação (cf. Barros e Melo, 1990:44):
a) as duas fases estão explicitamente manifestadas:
L2 - (...) em cidade grande o metrô é uma forma... de comunicação né? de levar e
trazer ...
L1 - transporte né?
L2 - pessoas e ...
L1 - não é bem comunicação é transporte.
(INQ. 343, p.27, 1.422-427)
No exemplo a) em que as duas fases estão explícitas, negou-se que o metrô
seja uma forma de comunicação, pelo menos em termos lingüísticos, afirmando
tratar-se de uma forma de transporte de pessoas.
Uma outra característica da correção total é que para explicitar as duas fases,
na maioria dos casos, ocorre a heterocorreção.
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b) só ocorre a primeira fase:
L2 - (...) o cara procura terapia ou digamos a cida:de... procurar uma
terapia porque chegou um ponto assim porque aí é :::.....
L1 - não não não não
L2 - é bem tribal né?
[
L1 - mas não em termos de terapia ... a terapia (...)
(INQ. 343, p. 22, 1.212-215).
No exemplo b) só aparece a primeira etapa da correção, ou seja, o erro é
apontado (não não não não), mas não é corrigido.
c) a segunda fase é manifestada e a primeira pressuposta.
L1 - (...) tem que ser subordi/ tem que se subor/ bordinar AO
Secretário da Justiça
(INQ. 360, p. 155, 1.771-772).
No exemplo c) apenas a correção é efetuada, não há a negação, ou seja,
acentua-se o elemento corretor e não a correção.
Há ainda os casos dentro da dimensão da correção em que o elemento a ser
corrigido pode ser totalmente verbalizado, parcialmente verbalizado ou apenas
projetado, porém não verbalizado.
Exemplo de correção com o elemento corrigido totalmente verbalizado:
L2 - (...) foi engano ... no no no fazer... na confecção da lista (...)
(INQ. 360, p. 151,1.591).
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Exemplo de correção com o elemento corrigido parcialmente verbalizado:
L1 - três es/ vão para o colégio e dois vão para uma... um cursinho... (...)
(INQ. 360, p. 139, l.l48-149).
Exemplo de correção de elemento apenas projetado, mas não verbalizado:
L1 - a criança tem uma psique o adulto tem outra psique num num num estágios
diferentes... de ...desenvolvimento (...)
(INQ. 343, p.24, l. 295-298)
No exemplo acima existe um “erro” de concordância (num estágios) que
ocorreu devido à mudança de planejamento que certamente pretendia dizer “num
estágio” ou “num momento”. (cf. Barros e Melo, 1990): “Esses “erros” de
concordância levam em geral, à reconstituição do elemento corrigido, que não
sendo nem mesmo parcialmente verbalizado, assinalam claramente a ocorrência de
uma correção”.
Quando se opta por uma correção total, completa em suas etapas, colabora-
se para a construção de sentido do discurso, assinalando fortemente o ato da
correção e o “erro” a ser corrigido.
2.3.5. Marcadores de correção - como é corrigido
Neste item, serão examinados os marcadores de correção, como são
chamados os procedimentos lingüísticos que muitas vezes iniciam a correção. Já se
observou que, para corrigir, nega-se o que foi dito, e para tal, usa-se o “não”,
advérbio de negação, mas pode-se usar também outros advérbios, conjunções e
interjeições, os quais servem para introduzir as correções.
50
Alguns autores da Análise da Conversação vêem marcas e padrões
específicos da correção na conversação, cada um sob um aspecto:
“G. Jefferson (1974) vê a correção como um fenômeno sistemático e propõe um
esquema geral de organização da correção: palavra 1 (erro) + hesitação +
palavra 2 (correção), Gülich e Kotschi (l987) definem a correção como um ato
de reformulação, em que o enunciado-fonte X mantém com o enunciado
corretor Y uma relação semântica de contraste ou de oposição. Para Marcuschi
(1986) uma das conseqüências da correção é que ela modifica a estrutura da
frase, truncando-a, criando redundâncias, repetições, encaixamentos, etc.”
(Barros e Melo, 1990:28).
Ainda de acordo com o pensamento desses autores:
"Os marcadores e a relação semântica complementam-se enquanto marcas do
falante e pistas para o ouvinte. Uma relação semântica de correção, facilmente
reconhecível como tal, combina-se em geral, com marcadores pouco específicos
ou pode mesmo ocorrer sem marcador. Por outro lado, são comuns as
combinações de relações semânticas fracamente perceptíveis com marcadores
bem determinados” (Gülich e Kotschi, 1987 apud Barros e Melo, 1990: 28).
Barros e Melo propõem alguns marcadores para o mecanismo de correção,
que em geral, são prosódicos:
“a) pausa
b) prolongamento de vogais
c) repetição
d) truncamento ou interrupção lexical
e) expressões verbais estereotipadas: não, etc.
f) mudança da curva entonacional
g) aceleração do ritmo.” (cf. Barros e Melo, 1990:29)
51
Com base nos estudos efetuados com esses marcadores as referidas autoras
puderam observar que o marcador mais usado é a pausa, mas os outros também
aparecem para realçar a ocorrência de uma correção.
1) Exemplo de pausa com interrupção sintática:
L2 - (...) ainda mais porque ela não é ... ela ela não entrou na carreira
por concurso (...)
(INQ. 360, p.156, l785-786)
2) Exemplo de pausa sem interrupção sintática:
L1 - (...) depois eu tive que deixar... fui obrigada a deixar dada a
dificuldades ... em casa.
(INQ. 360, p.147, l.438-439
Nota: Os exemplos enumerados de 1 a 12, foram colhidos de Barros e Melo.
3) Exemplo de pausa com marcador lexical:
L1 - eu fui:: quinta-feira...não foi terça-feira (...)
(INQ. 343, p.343, p.17, 1.17).
Um outro recurso prosódico que aparece freqüentemente na oralidade, é o
prolongamento combinado com a pausa:
4) Exemplo com prolongamento:
L1 - então...na :: nas assembléias (...)
(INQ. 360, p. 153, l.686)
52
5) Exemplo de prolongamento e pausa:
L1 - ou seja...na hora que o indivíduo vai procurar... um ::... uma terapia
(...)
(INQ. 343, p.23, 1.234-235
).
6) Exemplo de prolongamento e interrupção sintática:
L1 - (...) ela é:: tem um temperamento assim (...)
(INQ. 360, p.141, l.204-205).
A interrupção lexical de uma palavra introduz sozinha uma correção:
7) Exemplo de interrupção lexical:
L2 - (...) e as coisas de casa que a gente aten/ tem que atender (...)
(INQ. 360, p.148, l.489-490).
8) Exemplo de interrupção lexical e sintática:
L2 - (...) eu acho que o porque ele não a/ se não acredita acho que não
melhora né? (...)
(INQ. 343, p.36, 1.775-776)
9) Exemplo de interrupção lexical e pausa
L1 - os rapazes be::rram e berram porque to ... na sua maioria são pais de
família (...)
(INQ. 360, p.153, 1.689-690).
10) Exemplo de interrupção lexical e marcador verbal
53
L2 - (...) o:: lado... de ciências mais human/ ah de o lado humano o ou (...)
(INQ. 360, p. 152, l.652-653).
Aos procedimentos lingüísticos mencionados acrescentam-se também os
marcadores paralingüísticos não verbais, como gestos, meneios de cabeça, risos e
outros.
Alguns exemplos de marcadores verbais:
“Os marcadores verbais são expressões estereotipadas que, em alguns casos,
marcam especificamente a correção, tais como “não”, “em termos”, “mas”.
Outros porém , se confundem com os marcadores de paráfrases, como “quer
dizer”, “digamos”, “assim”, ou “então”, e assinalam apenas que houve
reformulação. Há também um grupo de marcadores ligados à modalização do
saber e que têm relações com o erro e sua correção, tais como “sabe” ou “sei lá”,
e um certo número de interjeições ou “ruídos diversos”, do tipo de “ah!” “ahn,
ahn”, etc., que, entre outras funções na conversação, introduzem correções.(cf.
Barros e Melo, 1990:49).
11) Exemplos de correções com marcadores verbais:
L2 - (...) não pode ser feito concurso porque não tem vagas ... (...) ah não não há
vinte vagas ainda (...)
(INQ. 360, p.150, l.548-554).
L2 - (...) primeiro que o número de COIsas assim objetos é muito mais
restrito (...)
(INQ. 343, p.33, l.651-652).
54
Uma outra forma de introduzir a correção, é com a repetição de palavras, que
é também um tipo de hesitação:
12) Exemplos de correções marcadas por repetição de palavras:
L2 - já tinha curso universitário já já tinha saído da faculdade (...)
(INQ. 360, p. 137, l.67-68)
L2 - porque eh eles ... lá lá em casa é tudo em função de horário ...
(INQ. 360, p.l43, 287-288).
L2 - (...) o:: concurso já faz ahn já::já caducou (...)
(INQ. 360, p.151, l.613-614).
Todos os recursos prosódicos (pausa, hesitação, prolongamento, interrupção
lexical) os recursos verbais (marcadores) e a repetição mostrados nos exemplos de
1 a 12, facilitam o reconhecimento da ocorrência de uma correção.
Barros(1998) estudou os procedimentos e os recursos utilizados na
conversação distinguindo um do outro “aos recursos cabem as funções cognitivas
que dizem respeito à produção e à interpretação da conversação e de
estabelecimento da interação entre sujeitos, isto é, as funções interacionais de
persuasão e argumentação e de envolvimento passional dos participantes da
conversação” (cf. Barros, 1998:64)
Esses estudos demonstraram que recursos como a pausa e a interrupção
lexical geram um processo de descontinuidade da fala, enquanto o prolongamento
de vogais apenas desacelera a fala faz com que ela dure mais tempo. Já a repetição
reitera o que se queria dizer ou enfatiza os argumentos
55
Fávero (1999) estudou a existência de problemas que podem ser
retrospectivos, no caso da correção e prospectivos como é o caso da hesitação: “no
caso da correção, como já disse essa formulação tem caráter retrospectivo (só posso
corrigir algo que já foi expresso) e no da hesitação, caráter prospectivo” (cf. Fávero,
1999:143).
Em virtude disso, a hesitação acontece quando há indícios de um problema a
ser solucionado, como uma interrupção no fluxo informacional. O falante pára para
pensar o que vai dizer. “Chafe também afirma que a hesitação constitui uma
evidência de que a fala não é matéria de regurgitação de materiais já estocados na
mente em forma lingüística, mas é um ato criativo relacionando dois meios,
pensamento e linguagem, que não são isomórficos, mas que requerem ajustes e
reajustes mútuos” ( Fávero, 1999:153).
2.3.6. Funções da correção na conversação - para que se corrige
A correção tem como principais objetivos solucionar inadequações e “erros”
cometidos pelo falante, bem como assegurar a boa compreensão entre os
participantes de uma conversa, pois a intercompreensão leva à interação.
As funções da correção estão organizadas em três blocos (cf. Barros e Mello,
1990:30):
a) funções cognitivo-informativas: a função referencial da correção
tem o objetivo de levar o interlocutor a bem compreender as
informações do locutor, enquanto que na precisão anafórica são
reparados os erros que aparecem durante a conversação.
56
1) Exemplo de função referencial:
L1 - não por enquanto não porque ...estão entrando na as mais velhas
estão entrando na adolescência e...
(INQ. 360, p. l37, 1.40-41)
No exemplo 1, o locutor por meio da função referencial, corrige explicando
que não são todas as filhas que estão entrando na adolescência, mas, sim, somente,
as mais velhas, deixando a informação mais clara.
2) Exemplo de precisão anafórica:
L2 - e daí o entusiasmo para NOve filhos
L1 - exatamente nove ou dez
(INQ. 360, p. 137, l.30-31).
No exemplo 2 o locutor 1 faz uma referência anafórica ao que fora dito pelo
locutor 2, corrigindo para “nove ou dez”.
b) funções pragmáticas ou enunciativas: a correção procura levar o
interlocutor a compreender o locutor, suas opiniões, sentimentos e
crenças e seu papel social, ou seja, o modo como faz uma adequação
do “falar bem”, de acordo com sua posição social.
3) Exemplo de opinião do locutor:
L2 - todos no no ...Alto Xingu eu acho Baixo não sei (...)
(INQ. 343, p.35, l.754-755).
57
No exemplo 3, o locutor corrige para dar a sua opinião de que não é Alto
Xingu, mas sim Baixo.
4) Exemplo de adequação à norma culta:
L1 - e:: seria ... olfativa
[
L2 - pelo chei/ olfativa
(INQ. 343, p.21,1.162).
No exemplo 4, o locutor faz uma adequação à norma culta, quando pretendia
dizer “pelo cheiro”, diz olfativa, isto é, substitui a expressão coloquial pelo culta.
c) funções interacionais: a correção tenciona fazer o interlocutor
reconhecer as intenções do locutor, quanto à cooperação na
conversação, bem como envolvê-lo emocionalmente.
5) Exemplo de cooperação na conversação:
L2 - (...) mas pelo pelo que chega à gente de terceiros parece que ela
(ao menos) tentou lutar tentou lutar e::
L1 - não: ::
L2 - não conseguiu... ela também está não sei
[
L1 - (insegurança né)
L2 - a impressão que tenho pelo menos ... ela também está meia::...
desiludida
L1 - não ela é entusiasta ela está ::... (...)
(INQ. 360, p.155, 1.738-745).
58
Como neste trabalho vamos tratar do falante culto usando a correção para
preservar a face, será apresentado a seguir um resumo da teoria que trata desse
assunto.
2.4. A preservação da face
A teoria da preservação da face de autoria do sociólogo americano Erving
Goffman (1970), foi assim chamada com base na expressão inglesa “to lose face”
que significa a perda da face, e foi aperfeiçoada posteriormente em l978, por
Penelope Brown & Stephen Levinson. Essa teoria servirá de base para se analisar
como certas estratégias sócio-interacionais de preservação das faces, aliadas a
estratégias conversacionais, por exemplo a correção lingüística, podem contribuir
para uma intercompreensão durante o processo de interação, bem como para a
preservação da face.
As correções efetuadas nos diálogos do corpus pelos falantes cultos foram
usadas como uma forma de preservação da face, ou seja, o falante culto é aquele que
se preocupa com o seu desempenho lingüístico, principalmente no caso do NURC,
em que os falantes sabiam que estavam sendo gravados e que a pesquisa tinha o
objetivo específico de avaliar a forma de se expressar de cada um.
Os estudos efetuados até então, com corpus do NURC, já haviam mostrado a
preocupação dos falantes com a preservação da imagem social:
“Entre os papéis sociais encontra-se, sem dúvida, o de “falante culto”, tal como
definido anteriormente, isto é, falante de prestígio, que conhece as regras da
conversação e da língua, que emprega adequadamente suas possibilidades de
variação, que tem a função de referendar os “bons usos” da linguagem.” (cf.
Barros, 1999:43)
59
Portanto, o fato de o falante culto efetuar autocorreções no decorrer dos
diálogos, reafirma o seu papel social, bem como a sua preocupação com uma
linguagem clara e precisa, isto é, preserva a sua imagem perante os pesquisadores e
a sociedade em geral.
2.4.1. O conceito de face
Os estudos da conversação já realizados tiveram por base o cotidiano das
pessoas, analisando aquilo de que nenhum de nós pode prescindir: a fala, a conversa,
que dá origem à interação entre os indivíduos em sociedade.
As pesquisas sobre a interação verbal face a face em diferentes contextos
sociointeracionais têm gerado estudo científicos em vários campos e, como a
comunicação verbal se estrutura na relação social e a preservação da face faz parte
da Sociologia, ambas participam do processo interacional..
Segundo Goffman, os seres humanos vivem em um universo de contatos
sociais, por isso todo indivíduo inicia uma interação com uma imagem positiva de si
próprio e de sua posição na interação/sociedade. Ainda conforme Goffman os
indivíduos seguem uma linha de comportamento ao que ele denomina: “um valor
social positivo, que a pessoa reclama para si, por meio da linha que os outros supõem
que ela seguiu, uma auto-imagem transcrita em termos de qualidades reconhecidas
socialmente” (cf. Goffman, l970:13).
Uma pessoa em uma interação quando apresenta a face adequada à situação,
ela age com confiança e segurança, permanecendo firme na linha de comportamento
que adotou, apresentando-se aos outros de forma aberta.
60
Por isso durante a interação, o indivíduo espera que os interlocutores
respeitem sua auto-imagem assim como ele respeita a deles. Para esse
comportamento, Goffman criou o conceito de “face”, o qual compreende os dois
aspectos complementares de respeito à própria imagem e de consideração pela auto-
imagem do outro:
“Assim como se espera de um membro de qualquer grupo que ele tenha respeito
próprio, assim também se espera que ele mantenha um padrão de consideração;
espera-se que ele se esforce por resguardar os sentimentos e a imagem dos outros
presentes. O efeito combinado da regra de auto-respeito e da regra de
consideração é que a pessoa tende a conduzir-se durante um encontro de modo a
sustentar tanto a sua imagem como a dos demais participantes, de acordo com a
linha escolhida. (cf. Goffman, 1970:14-15).
Goffman formulou a teoria da preservação da face, que consiste em
estratégias por meio das quais os interlocutores se representam uns diante dos
outros. O referido autor considera que todo indivíduo tem uma face externa
(positiva), ou seja, o modo como deseja ser visto pelos outros, e que gostaria de ver
preservada, e uma face interna (negativa) que é o seu território íntimo, que não
gostaria de ver invadido.
O uso de uma ou outra estratégia de preservação da face depende da situação
em que a pessoa se encontra, que a leva a agir de modo diferente, inclusive, ou
sobretudo, em termos de linguagem, isto porque, em uma interação, os participantes
estão constantemente preocupados em preservar a sua face, assim como a dos
demais.(cf. Goffman, 1970, 14-15)
Por isso a preservação da face está ligada à vida cotidiana dos indivíduos.
Cada um se apresenta à sociedade à sua maneira, dirigindo e regulando a impressão
61
que causa às pessoas, em um constante jogo de ameaça e de preservação das faces
dos participantes da interação.
Durante a interação, os indivíduos mantêm sua auto-imagem por meio de
representações:
“representar o que à vezes chamamos de linha, uma estratégia de comportamento
bem definida, um padrão de ações verbais e não verbais que exprimem seu
julgamento da situação a ser seguida e, por meio disso, sua avaliação dos
participantes principalmente dele próprio” ( cf. Goffmann, 1970:13).
A estratégia poderá ser seguida consciente ou inconscientemente, isto é, em
cada interação é adotada uma estratégia de acordo com a natureza da interação e o
status social dos participantes, na expectativa de que cada um mantenha um certo
nível de consideração pela face do outro com base em uma identificação espontânea
e voluntária para com os sentimentos dos demais
Essa aceitação mútua de comportamento tem um importante efeito
estabilizador nos encontros sociais, o que faz com que os participantes tenham uma
tendência a minimizar as situações que possam desestabilizar as interações, as quais
Goffmann descreve como “acontecimentos cujas implicações simbólicas efetivas
ameaçam a face” (cf. Goffman l970:18).
Gallembeck também preocupou-se com o fato da preservação da face nas
interações e deixa isso claro ao afirmar:
“nos diálogos e nas demais formas de interação face a face (entrevistas e
palestras) o falante acha-se em posição vulnerável, já que expõe publicamente
sua auto-imagem (face). Dessa forma, ele corre o risco de exibir o que deseja ver
resguardado e deixar de colocar em evidência o que tem a intenção de mostrar.
62
Por esse motivo, o falante adota procedimentos que lhe permitem controlar a
construção dessa auto-imagem” (cf. Gallembeck, 1999:173).
O mesmo autor estudou os vários procedimentos lingüísticos que levam os
falantes a não assumirem seus conceitos, distanciando-se deles, ou à vezes
assumindo, ainda que parcialmente, suas opiniões, com o intuito de preservar a sua
face.
Assim sendo, podemos notar que vários autores já estudaram a preservação
da face durante a interação, divergindo no modo como ela acontece. Goffman coloca
todo o embasamento no ser social, Brown & Levinson e Kerbrat-Orecchioni na
polidez manifestada e Gallembeck nos procedimentos lingüísticos adotados.
2.4.2. Estratégias de polidez lingüística
A definição de “estratégia” concentra a idéia de planejamento e execução de
movimentos e de ações lingüísticas, ou seja, é a melhor maneira de alcançar um
objetivo dentre as possibilidades de escolha ante as várias táticas, assim como a arte
de explorar quaisquer condições favoráveis com a finalidade de alcançar objetivos
específicos.
Para os lingüistas que estudam e procuram explicar os fenômenos lingüísticos,
a noção dos vários tipos de estratégias e as terminologias como: interativas,
discursivas, contextuais, processuais, de envolvimento, são vistas de forma um
pouco diferenciadas, o que pode estar relacionado à linha teórica e ou objeto de
estudo escolhido.
Para Goffman, as estratégias funcionam como uma série de procedimentos
adotados para se obter sucesso no jogo da interação. Para Brown & Levinson as
63
estratégias utilizadas são influenciadas por três fatores sociológicos: o poder do
falante sobre o ouvinte; a distância social entre eles e o grau de imposição envolvido
no ato de ameaça à face (cf. Brown & Levinson 1978:79).
Brown & Levinson (1978) retomaram e ampliaram a conceituação de face de
Goffmann (l970), até então considerada como o respeito a normas ou valores
consagrados de uma sociedade e como um conjunto de necessidades inerentes aos
seres humanos de qualquer sociedade. Assim, as duas regras básicas do conceito de
face de Goffman foram redefinidas como conceito de face positiva e negativa:
a) Face negativa - a necessidade de cada membro de uma sociedade de
que suas ações não sejam obstruídas pelos demais.
b) Face positiva - a necessidade de cada membro do grupo de que suas
necessidades sejam desejáveis ao menos para alguns outros.
(cf. Brown & Levinson l978:67)
Numa interação verbal, pressupõe-se existirem pelo menos dois falantes,
portanto quatro faces envolvidas, ou seja, a face positiva e a face negativa de cada
um.
Todo ato de fala ou enunciação pode representar ameaça para uma ou várias
dessas faces. Por exemplo, dar uma ordem desvaloriza a face positiva do
interlocutor, valorizando a face positiva do locutor, dirigir uma pergunta a quem mal
se conhece ameaça a face negativa do destinatário, pois é uma invasão ao seu
território, mas ameaça também a face positiva do locutor, que poderá ser visto como
uma pessoa indiscreta. Podemos então distinguir:
- atos que ameaçam a face positiva do locutor: admitir um erro, desculpar-se, etc;
64
- atos que ameaçam a face negativa do locutor: a promessa, por exemplo,
compromete o sujeito a realizar atos que demandarão tempo e energia, etc;
- atos ameaçadores à face positiva do destinatário: a crítica, o insulto, etc;
- atos que ameaçam a face negativa do destinatário: perguntas indiscretas,
conselhos não solicitados, ordens, etc.
Esses atos ameaçadores da face (FTA - face threatening acts) podem ser
feitos implícita ou explicitamente. O locutor pode fazê-los diretamente e sem ação
de compensação. Isto acontece quando o locutor está mais interessado em transmitir
a informação com o máximo de eficiência, do que em preservar as faces.
Pode também optar por fazer os atos acompanhados de uma ação de
compensação, de modo a deixar claro ao interlocutor que ele sabe que sua ação é um
FTA, mas que não deseja que a sua realização afete a interação ou o relacionamento
entre ambos. Essa ação de compensação pode basear-se na polidez positiva, que
procura alimentar a face positiva do interlocutor ou na polidez negativa, que enfatiza
o respeito à face negativa do interlocutor.
Por outro lado, o locutor pode se decidir a realizar o FTA de forma não
explícita, ou optar por desistir de realizar o FTA, em virtude de ele ameaçar de tal
modo a interação, que não haja atenuante suficiente para os seus efeitos negativos.
(cf. Brown e Levinson l978:74)
Em decorrência desses ataques às faces e para que haja um equilíbrio, o locutor
pode adotar procedimentos de faceworks que Goffman classificou como técnicas de
trabalho da face:
“os processos evasivos pelos quais temas e situações constrangedoras são evitadas
totalmente ou apresentadas de forma dissimulada ou indireta e os processos
corretivos nos quais comportamentos ritualísticos são adotados para compensar o
65
dano causado à Face de um ou mais participantes, sendo que a intensidade e
duração de tais correções correspondem à intensidade da ameaça.” (cf. Goffman
1970:25)
Como vimos, os processos evasivos e corretivos de Goffman foram
posteriormente ampliados e detalhados por Brown & Levinson, dando origem às
estratégias de polidez positiva, negativa e indireta. Elas funcionam como
procedimentos de atenuação dos atos ameaçadores à face, cuja finalidade é
assegurar a transmissão das informações, melhorando assim as relações sociais por
meio da preservação das faces dos interlocutores envolvidos na interação.
Cabe aqui estabelecer uma distinção entre polidez e atenuação. Enquanto a
atenuação implica a redução dos efeitos indesejáveis em resposta ao que foi dito ao
interlocutor, a polidez se refere a um fenômeno mais extenso, envolvendo a
adequação do que foi dito pelo locutor em determinado contexto. Atenuar, portanto,
significaria suavizar os efeitos de uma fala, como dar uma ordem, facilitar o anúncio
de más notícias ou fazer uma crítica de modo mais aceitável.
2.4.2.1. Estratégia de polidez positiva
A estratégia de polidez positiva visa a aproximar o locutor de seu
interlocutor, dando a impressão de que ambos são parte de um mesmo grupo, são
iguais em seus desejos e receios e que, assim sendo, atos que potencialmente
ameaçariam a face não precisam ser temidos, pois o locutor presumivelmente
“gosta” do interlocutor e quer apenas o seu bem, mesmo que, no momento, esteja
agindo de um modo que possa lhe parecer ameaçador. (cf. Brown & Levinson
1978:102). A seguir apresentam-se alguns exemplos de estratégias de polidez
positiva:
66
a) Manifeste atenção ao interlocutor
b) Exagere na aprovação e simpatia pelo interlocutor
c) Manifeste interesse pelo interlocutor
d) Mostre que você entende o que ele diz
e) Evite discordância
f) Dê ou peça razões, justifique-se
2.4.2.2. Estratégia de polidez negativa
A estratégia de polidez negativa procura respeitar a face negativa dos
interlocutores, ou seja, evitar ao máximo a intromissão de um participante no
espaço privado dos demais, dando-lhe o direito de ter opiniões e objetivos próprios,
ainda que diferente dos seus, visando assim a distanciar o falante de seu
interlocutor, por essa razão algumas estratégias foram selecionadas (cf. Brown &
Levinson 1978:110):
a) Seja convencionalmente indireto
b) Seja evasivo, não se comprometa
c) Seja pessimista
d) Mostre deferência
e) Peça desculpas
f) Impessoalize locutor e interlocutor para indicar que o
locutor não quer impingir algo ao interlocutor
g) Ofereça compensações
67
2.4.2.3. Estratégia de polidez indireta (off record)
A polidez indireta (off record) representa um ato comunicativo indireto, pois
quem enuncia deixa uma saída para si, implicando um número de interpretações
defensáveis. Essa estratégia permite ao locutor emitir atos ameaçadores da face,
evitando responsabilidades ou deixando a interpretação por conta do interlocutor.
No caso da polidez, as estratégias funcionam como uma série de procedimentos
adotados e têm sempre a função de minimizar ou atenuar algo desagradável, que
ocorre ou pode ocorrer durante uma interação. (cf. Brown & Levinson l978: 210)
Entre elas destacam-se
a) Forneça pistas e sugestões indiretas
b) Pressuponha
c) Minimize a expressão, não diga tudo
d) Exagere sua expressão (hipérbole)
e) Recorra à tautologia
f) Recorra a contradições
g) Seja irônico
h) Use metáforas
i) Use perguntas retóricas
j) Seja ambíguo
k) Seja vago
l) Generalize
As estratégias de polidez que impedem, anulam ou atenuam as ameaças às
faces recorrem a procedimentos que marcam o distanciamento dos locutores, pois
eles sabem que a manifestação direta de opiniões pode torná-los vulneráveis a
críticas e opiniões contrárias.
68
Por isso “é importante o apagamento das marcas de enunciação” (Rosa,
l992-40), no que concorda Galembeck, quando menciona os recursos de
impessoalidade (é possível que, parece que, é provável) e também da
indeterminação do sujeito (dizem, falam, diz-se) e continua “os locutores
sinalizam, de modo explícito, que as opiniões emitidas não são suas e que não há
propriamente um responsável por elas, já que o enunciador representa o senso
comum” (cf. Galembeck, 1999:176).
Nota: Os exemplos que demonstram as ocorrências foram colhidos do autor acima citado.
1) Exemplo de impessoalidade:
L1 - bom nós estávamos só só retomando::... você estava falando
sobre...sobre o problema do
Doc. (o ensino)
L2 - ah sobre o problema da:: dos métodos de ensino atualmente
entende?
L1 - uhn uhn
L2 - parece que ( ) está havendo agora uma maior participação do
aluno entende? está do aquele... de fato o trabalho em grupo porque... é
o que eu noto principalmente:: quando eu vejo aí... eu dou uma passada
aí na faculdade aí eu converso com a ... nossa colega aí que... que faz o
curso de História... ela me diz... os professores jogam os temas então...
eles têm cinco horas de aula sobre determinado tema então é preparar o
tema é discutir o tema levantar os problemas (...)
(NURC/SP, 062, 1.420-434)
2) Exemplo de inderteminação do sujeito:
69
L1 - dizem né ___ você vê ___ dentro da profissão do vendedor... a
coisa mais difícil é você manter realmente o indivíduo... éh Oito horas
em contato direto com os clientes... uma coisa realmente difícil...
(NURC/SP, 062, 1.231-234)
2.4.2.4. Marcadores de Rejeição
Os marcadores de rejeição são pequenos “prefácios de atenuação” que
costumam preceder possíveis atos ameaçadores da face como, críticas, proibições,
ordens ou qualquer tipo de enunciado considerado pelo falante como potencialmente
ameaçador à face do interlocutor ou à sua própria face.
Esses marcadores procuram afastar, por antecipação, a indisposição do
interlocutor com respeito ao enunciado subseqüente ou interpretações não
desejadas pelo locutor, para evitar assim, possíveis objeções.
Alguns exemplos desses marcadores: (que eu saiba, não sei se..., se não
estou enganado, eu posso estar enganado, quem sabe, sei lá, não sei se devo dizer,
sinceramente). Uma outra função desses marcadores é fazer com que o locutor não
se veja tão comprometido com os juízos emitidos, preservando assim, sua face.
Rosa (1992:51) considera a expressão “não sei”, como um marcador de
atenuação, que assinala a incerteza do locutor, com o que concorda Galembeck
(1999:184), quando afirma: “o informante manifesta falta de certeza ou convicção
mediante o emprego da expressão eu não tenho certeza para julgar.” O efeito de
dúvida ou incerteza é obtido com o emprego da expressão eu não sei....
70
3) Exemplos de marcadores de rejeição:
L2 - esse negócio de lei de zoneamento não está funcionando?
L1 - não que eu saiba não ::...não é tão ... não é tão... tão forte essa lei
não não consegue... moldar a cidade
(NURC/SP, 343, 1.82-84)
L1 - sinceramente::...não consegui... não consegui entender ... fui
sentei com a maior boa vontade para poder entender participar [da peça
“Rico amor selvagem”] ... mas não consegui... pelo contrário acho que
aquele dia fui até meio agredido lá (sabe) (...)
4) Exemplo de marcador de atenuação com incerteza:
L2 - o teu conhecimento especializado não dá para ...só atinge uma
área muito limitada e não dá... ah eu não sei... acho que: eu ...sabe ...
aí eu acho que o ... não mudou muita coisa ...se você pensar... assim
numa época em que ...por exemplo ...o trabalho era bem artesanal...
então você tinha o sapateiro ... o:: ((tosse)) (cocheiro) não sei quê não
sei quê né?... acho que a especialização veio com ... com a
diferenciação humana (...)
(NURC/SP, 343, 1.933-942)
2.4.2.5. Marcadores de Opinião
Na situação de interação, o locutor sente a necessidade de marcar a própria
presença, incorpora para isso conceitos que emite, assumindo as próprias opiniões
por meio dos marcadores de opinião, (acho, creio, suponho, vejo, noto) da polifonia
(citação do discurso alheio), dos “hedges” (assim, quer dizer, talvez, não sei) e das
paráfrases.
71
5) Exemplos de marcadores de opinião:
(L1 e L2 tratam da lei de zoneamento urbano de São Paulo e falam que,
devido à especulação imobiliária, ela está sendo desrespeitada)
L1 - (tem isso) porque envolve interesses econômicos muito FORtes
muito grandes... que dobram essa lei... certo? dum... dum... dum...
governo para o outro... muda a lei de zoneamento ... eu não vejo
funcionar... e mesmo assim seria uma restrição de ...
desenvolvimento... errado mas já está um montão de coisa errada
certo? ...muito bairro::... residencial com muita indústria dentro ...
principalmente bairro pobre né? ... para consertar isso ::: não dá ... a
lei teria que ser ... eh:: retroativa sei lá atuar sobre o que já existe
L2 - uhn uhn ...
L1 - (Né então ) eu acho que ela não está conseguindo nem atuar
sobre o que vai existir ... em termos ela vai resistir ... em termos ela
existe
[
L2 - EH::
L1 - ela está lá mas :: não funciona... porque
[
L2 eu vejo
L1 - acho que a economia é mais forte do que a lei... ainda ...
L2 - é meio incontrolável né? e acho que::... acho que esse negócio se
repete ou acaba se repetindo em qualquer cidade que... atinge um certo
tamanho (...)
(NURC/SP. 343, 1.87-106)
Os marcadores de opinião “acho que” mostram que os locutores
possuem plena convicção do que estão falando, isto é, que a lei de zoneamento
urbano em São Paulo não funciona devido a fortes interesses econômicos e pelo
tamanho da cidade que dificulta o controle e a aplicação da lei.
72
2.4.2.6. “Hedges”
Existem também os marcadores conhecidos como hedges, e conforme
definição proposta por Brown e Levinson (1978), “são aqueles que, de qualquer
forma, modificam o valor ilocutório de um enunciado”, isto é, funcionam como
modificadores de predicados ou delimitadores, pois podem restringir ou estender os
limites que os locutores utilizam na interação. Os hedges podem ser de
planejamento verbal (assim, quer dizer, digamos, vamos dizer), e os que denotam
incerteza (talvez, quem sabe, sei lá, não sei), que possuem o mesmo papel dos
marcadores de rejeição.
6) Exemplo de hedges de planejamento verbal:
L1 - (...) MESMO o pequeno empresário já Pode ...não diria em termos
de um computador grande mas ele pode ter um minicomputador... mas
tudo vai em virtude da da necessidade que ele vai sentir...
L2 - e:: haveria necessidade ... dentro digamos desse na manu/na::...no
funcionamento desse minicomputador... um elemento técnico ou
pe/precisaria ser um engenheiro?
(NURC/SP, 062, 1071-1079)
7) Exemplos de hedges que denotam incerteza:
L1 - (...) eu faço analogia como indivíduo... e::... o :::... o elemento que
forma cidade os vários seres humanos com:: sei lá parte do corpo do
indivíduo né? (...)
(NURC/SP, 343, 1.196-199)
L1 - (...) nós temos uma linha ... coitadinha não sei se dá para chamar
ela de metrô....
(NURC/SP, 343, 1.399-400)
73
No exemplo 7, o “hedge” “sei lá” diminuiu a força do enunciado deixando
uma idéia vaga sobre a analogia que fazia. O “não sei” funciona tanto como
“hedge” de incerteza, quanto como marcador de rejeição, que possui um papel
análogo.
2.4.2.7. Polifonia e Paráfrase
Ressaltamos também a polifonia (citação do discurso alheio), onde o falante
concebe como suas, as palavras de outras pessoas, e as emprega para obter
credibilidade. A paráfrase caracteriza-se por apresentar um enunciado-fonte e um
reformulador que mantém com o primeiro uma relação semântica.
8) Exemplo de citação do discurso alheio:
L2 - éh São Paulo acho assim uma vez o Franck sabe aquele que... que
é arquiteto?
L1 - uhn
L2 - ele estava falando que a topografia da cidade é muito bonita...e eu
inclusive gosto né? cheio de ... montes e:: né? colinas tal mas que é
muito mal aproveitado (...)
(NURC/SP, 343, l.65-70)
9) Exemplo de paráfrase:
L2 - (...) ele não eu pus em uma escola ele não gostou daquela... aí eu
achei que realmente a escola não preenchia tudo.. que eu gostaria (que)
preenchesse então eu tirei... aí eu procurei bastante escolhe/foi
74
escolhida a que eles estão... como sendo na opinião de muita gente uma
das melhores et cetera et cetera... tudo que tinha... peguei todos os
requisitos... fiz ((risos))... estudei bem fiz um estudo certinho para ver
qual era a melhor e foi determinado... foi visto que aquela era a
melhor... dizer não foi uma escolha...
L1 - sem::
L2 - assim sem base
L1 - ( )
L2 - foi bem pensada bem escolhida (...)
NURC/SP, 360, 1.389-403)
Portanto, nos vários contextos de interação social, os interactantes envolvidos
apresentam uns aos outros diferentes linhas de conduta (Goffman, 1970), que
deverão ser mantidas mediante estratégias sócio-interacionais que visam a evitar
rupturas e conflitos nas interações
Kerbrat-Orecchioni interessou-se pelo estudo da polidez nas interações e
assim se pronunciou sobre o assunto:
“a noção de ‘polidez’ é aqui entendida em sentido amplo, recobrindo todos os
aspectos do discurso que são regidos por regras, cuja função é preservar o caráter
harmonioso da relação interpessoal. Veremos que a polidez assim concebida
ultrapassa amplamente as famosas ‘fórmulas’ apreciadas pelos manuais de
convivência e etiqueta.” (cf. Kerbrat-Orecchioni, 2006:77)
A referida autora ainda divide os atos de fala em quatro categorias, ou seja,
atos que ameaçam a face positiva e negativa do emissor e atos que ameaçam a face
positiva e negativa do receptor, tece algumas críticas ao modelo de Brown &
Levinson e propõe atenuantes para os atos de fala.
75
2.5. Interação
A interação pode ser definida como uma situação na qual pelo menos dois
falantes trocam de turno, de modo cooperativo, na condição de locutor e
interlocutor:
“A interação é um componente do processo de comunicação, de
significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de
linguagem. É um fenômeno sociocultural, com características
lingüísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas,
analisadas e interpretadas” (Brait, 2001:194)
.
A interação pode ser face a face, porém esta não é uma condição específica,
uma vez que a conversa telefônica pode ser classificada como interação, pois
coincide no eixo temporal de realização.
Segundo Brait, (2001-206) “a interação acontece, necessariamente, entre
pelo menos dois falantes que se caracterizam como atores da interlocução e que vão
se relacionar enquanto parceiros”, ou seja, uma conversação será estabelecida entre
os participantes, para tratarem de um tema de aceitação mútua.
Os falantes, segundo a autora, “não somente trocam informações e
expressam idéias, mas também durante um diálogo, constroem juntos o texto,
desempenhando papéis que, exatamente como numa partida de um jogo qualquer,
visam a atuação de um sobre o outro” (Brait, 2001:195).
Para Goffman a interação está relacionada à vida cotidiana de cada um:
“Quando um indivíduo chega à presença de outros, estes geralmente,
procuram obter informação a seu respeito ou trazem à baila as que já
possuem. Estarão interessados na sua situação sócio-econômica geral,
76
no que pensa de si mesmo, na atitude a respeito deles, capacidade,
confiança que merece, etc.” (Goffman, 2004:11)
A interação pode também existir mesmo que não haja uma conversa,
conforme afirma Preti:
“De uma maneira geral, pode-se partir desde uma simples co-presença
em que dois indivíduos se cruzam na rua e que, mesmo sem se
conhecerem, se observam, guardam distância e desviam-se para não se
chocarem, o que já demonstra uma ação conjunta e socialmente
planejada...” (Preti, 2003:45)
Para ambos os tipos de interação, Goffman coloca uma classificação, isto é, a
interação face a face seria a “focalizada” e a pela simples co-presença “não
focalizada” (Preti, 2003:45).
.
Além da linguagem verbal, devem ser ressaltados os recursos
paralingüísticos, como gestos, olhares, risos e outros que contribuem para uma
interação eficiente, podendo ser interpretados também como mensagens ao
interlocutor.
Assim, o interlocutor deve ficar atento aos vários aspectos que interferem no
momento da comunicação, uma vez que a interação é uma forma de os falantes
utilizarem a língua e os recursos paralingüísticos para expressarem e exercerem
ação uns sobre os outros.
Os interlocutores nem sempre visam a cooperar um com o outro, apesar de a
interação ser uma atividade cooperativa. Conforme Brait, “a interação não implica
somente cumplicidade e solidariedade, mas também um certo tipo de embate, de
disputa, na medida em que os interlocutores são parceiros de um jogo: o jogo da
linguagem” (Brait, 2001-193).
77
A interação é, portanto, um fenômeno sociocultural e discursivo, ligada a
várias situações sociais:
“Eu definiria uma situação social como um ambiente que proporciona
possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um
indivíduo se encontre acessível aos sentidos dos outros que estão
“presentes”, e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma
semelhante. De acordo com essa definição uma situação social emerge a
qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se encontrem na
presença imediata um do outro e ela dura até que a última pessoa saia”.
(Goffman, 2002:17).
No desenvolvimento da interação, os interlocutores colocam em evidência
suas estratégias conversacionais, seus argumentos para convencer o outro de suas
idéias, sendo possível assim analisar no diálogo quais os problemas interacionais
que prejudicam o andamento da conversa.
Em razão disso por mais simples que pareça um diálogo, na interação está
em jogo defender idéias, convencer o outro sobre suas crenças, conquistar algo,
atingir com sucesso os objetivos estabelecidos. Para que isso aconteça, os falantes
utilizam suas competências comunicativas e suas estratégias conversacionais.
78
3. ANÁLISE DOS EXEMPLOS QUE DEMONSTRAM A
AUTOCORREÇÃO COMO PRESERVAÇÃO DA FACE DO FALANTE
CULTO DO PROJETO NURC, BEM COMO DOS DADOS COLHIDOS
79
Com base nas teorias mencionadas no capítulo 2, vamos demonstrar como a
autocorreção lingüística funciona na preservação da face dos locutores considerados
cultos, isto é, os que possuem escolaridade superior.
O falante culto efetua a autocorreção para preservar a sua face. Ela ocorre de
acordo com alguns fatores que a caracterizam:
a) na clareza
b) na hesitação
c) na adequação gramatical
d) na repetição como ênfase de argumentação
Embora não haja uma grande incidência de correções nos inquéritos do Projeto
NURC, as que aparecem, propiciam uma visão de como ocorrem e como os falantes
se utilizam delas para preservar sua imagem social.
Os inquéritos que compõem o corpus dessa pesquisa estão mencionados no
capítulo l.2, e fazem parte da amostragem publicada pelo Projeto NURC/SP,
mencionadas no capítulo 1.1. Cada um desses inquéritos possui características
próprias.
80
As elocuções formais (EF) são aulas expositivas, que se distinguem dos demais
inquéritos do NURC, por serem caracterizadas por atitudes marcadamente
didáticas, em uma situação formal, com um informante bastante fluente, que
domina o assunto fazendo uso de uma linguagem tensa e diálogo assimétrico, isto é,
como tem a posse da palavra o professor domina a interação.
Apesar disso quando o informante procura resolver problemas de
processamento ou linearização do discurso, ocorre a autocorreção.
Da parte publicada pelo Projeto NURC/SP (v. I), selecionamos 02 (dois)
exemplos que representarão ocorrências de autocorreções nas elocuções formais.
O diálogo entre dois informantes (D2), trata da interação entre dois locutores
que tem início um pouco tensa, devido à presença do documentador e do gravador,
mas com o seu desenvolvimento aproxima-se de uma conversação espontânea. Por
isso, os diálogos demonstram as várias ocorrências da fala natural.
Uma amostra dos diálogos (D2), publicados no volume II, foi selecionada entre
os vários inquéritos em um total de 19 (dezenove) exemplos, nos quais serão
demonstrados as ocorrências de autocorreções.
As entrevistas, que são um outro tipo de inquérito (DID), possuem três aspectos
principais: o número de participantes: entrevistado e entrevistador, entrevistado e
audiência e entrevistador e audência; o caráter assimétrico no qual o entrevistado
detém o turno e decide quando cedê-lo ao entrevistador e o planejamento
conversacional, ao menos da parte do entrevistador, que prepara uma pauta a ser
seguida.
81
No caso das entrevistas do NURC, elas possuem características próprias, uma
vez que participam apenas entrevistado e documentador, não existe uma audiência
um público interessado no momento da realização, pois são de cunho científico.
Em uma amostra dessas entrevistas, ou seja, as que foram publicadas (v.III),
que além de demonstrarem as suas características próprias, o informante
(entrevistado) conversa apenas com o documentador, coletamos um total de 21
(vinte e um) exemplos de autocorreções efetuadas com o intuito da preservação da
face.
3.1. Preservação da face na clareza
Ao analisarmos os inquéritos que compõem o Projeto NURC/SP, pudemos
observar que a preservação da face do falante culto caracteriza-se por vários fatores,
sendo a clareza no diálogo uma das mais constantes. O falante faz uso da função
referencial da correção esclarecendo muito bem a informação a ser passada, pois
estas estão vinculadas à sua face positiva, que poderia sofrer críticas posteriores.
Ex.01
Os informantes conversam sobre a construção do metrô em São Paulo:
L1 acho que isso é uma grande bobagem ... ou por um lado ter feito uma solução
errada ou segundo uma solução certa interromper ... mas eu senti que era ... tinha
mudança de governo no meio...
L2 sempre tem mudança de governo ((ri)) recomeça tudo
[
L1 ( )
L2 de no:::vo ... é ... malha malha o governo anterior e né?
82
[
L1 nós estamos com o metrô muito:: ... sei lá ... a gente está acostumado já de
ouvir falar de metrô porque está muito mas... não não temos metrô ainda
metrô tem que ser uma malha ... certo? nós temos uma linha ... coitadinha
não sei se dá para chamar ela de metrô...
(NURC/SP, D2, 343, l. 388-400)
Nesse exemplo L1 fala sobre o metrô: “sei lá ... a gente está acostumado já de
ouvir falar de metrô porque está muito mas ...” demonstrando uma incerteza com o
marcador “sei lá”, e logo em seguida efetuando uma autocorreção auto-iniciada total
com as duas fases explícitas: não não temos metrô ainda metrô tem que ser uma
malha ... certo? nós temos uma linha ... coitadinha não sei se dá para chamar ela de
metrô ...). Ao se autocorrigir, L1 faz uso da função referencial da correção, isto é,
corrige para deixar mais claro o porquê do nosso metrô (na época) não poder ainda
ser considerado como tal.
Com essa autocorreção o falante preserva sua face positiva demonstrando
conhecimento do assunto sobre o qual está falando, apagando a incerteza que
demonstrara no início, explicando que o metrô, naquela época, ainda não poderia ser
considerado como tal, pois possuía somente uma linha e não uma malha em
funcionamento.
Ex. 02
O tópico conversacional trata do trabalho da mulher fora do lar:
L2 não sei quê ... então está sendo::
L1 acarreta mais trabalho para vocês...
[
L2 acarreta ... mas muiTÍSSImo ... a gente trabalha ... eu:: lá eu já vi que (esse
período) período da manhã ... mas eu trago muito processo para casa e faço em
83
casa ... que para eu voltar lá à tarde cria muito problema com as crianças eu
ficar tempo to/ ...tempo todo fora de casa ... tempo integral fora de casa
realmente dá muito problema com eles ...então:: eu trabalho (no) horário que
eles estão na escola ... e o resto eu trago para casa ... ainda eu tenho essa
possibilidade
L1 (certo)
L2 de eu poder trazer para casa porque aí eu fico trabalhando em casa mas
tomando conta toda hora preciso interromper no meio de um negócio para:: ...
levar um ao banheiro para dar comida para outro:: ... e as coisas de casa que a
gente aten/tem que atender normalmente com crianças BRIgas que a gente tem
que repartir
[
L1 apartar
L2 tem que apartar:: isso toda hora ... mas:: aí
(NURC/SP, D2, 360, l.469-494)
No exemplo 02, as locutoras conversam sobre o trabalho da mulher fora do
lar e os problemas que isso causa àquelas com filhos pequenos. L2 efetua uma
autocorreção auto-iniciada, semântico-pragmática-lexical, quando diz: “tempo to/...
tempo todo fora de casa ... tempo integral fora de casa realmente”, com o uso de uma
palavra que faz parte do registro culto e que torna mais claro o que gostaria de
explicar, isto é, que uma mulher casada e com filhos não pode dedicar todo o seu
tempo ao trabalho fora do lar, mas sim dividir-se entre os dois.
Ela preserva sua face com essa correção, pois quer deixar claro que são
importantes os dois papéis sociais que desempenha, o de dona de casa e o fato de
trabalhar na procuradoria do Estado, dedicando para cada qual uma parte do seu
tempo.
Ex. 03
84
O documentador perguntou à informante sobre a profissão de procurador do
Estado:
Doc. ahn ... para ser procurador do Estado ... a profissão é específica não pode
ser outra profissão nem assessoria nada nada ...
L2 ah:: não tem ah toda a parte eh praticamente toda a parte jurídica
do Estado é feita ... não espera aí espera ((risos)) já estou exagerando não é
toda a parte jurídica do Estado ... mas todos::... mas a grande parte jurídica
do Estado como a de ... to/todo o ser/ todo serviço de advocacia do Estado... é
feita por procuradores do Estado...
(NURC/SP, 360, D2, l. 803-812)
Nesse exemplo L2 ao falar sobre a sua função na Procuradoria do Estado
efetua uma autocorreção semântico-pragmática lexical, total com as duas fases
explícitas, quando diz: “toda a parte eh praticamente toda a parte jurídica do Estado é
feita .... não espera aí espera ((risos)) já estou exagerando não é toda a parte jurídica
do Estado ... mas todos::... mas a grande parte jurídica do Estado ...”
L2 faz questão de efetuar a correção para preservar sua face, fazendo uso
também da função referencial da correção, ou seja, preocupa-se com a exatidão das
informações fornecidas, isto é, a procuradoria não é responsável por todo o trabalho
jurídico, mas por uma grande parte. A correção funcionou para preservar a face de
L2, bem como para esclarecer melhor a informação sobre os serviços jurídicos que
são feitos na procuradoria do Estado.
Uma outra forma de preservação da face na clareza, é o exemplo que se
segue:
Ex. 04
85
As informantes conversam sobre o início da televisão no Brasil:
L2 eu estava na Tupi trabalhando como::... funcionária da Tupi...da Rádio
Tupi... quando foi lançada a primeira ... (primeira) televisão... de modo que eu
vi nascer propriamente a a televisão...
[
L1 vinte e cinco anos né?
L2 é ( ) eu...eu vi nascer... eu estava lá... ah ... todo momento né? e::: uma
coisa que eu gostaria de::... lembrar a vcoê justamente a respeito da
linguagem... é o seguinte que eu noto... que muito paulista fica um pouco
chocado... com o linguajar carioca... com os esses e os erres do carioca...
L1 sibilados
(NURC/SP, 333, D2, l. 24-35)
L2 faz uma autocorreção auto-iniciada, quando fala do seu local de trabalho,
ou seja, ela era funcionária da Tupi. O termo Tupi, para outras pessoas, poderia não
se ligar à Rádio Tupi, daí a necessidade da correção de Tupi para Rádio Tupi..
Para compreender o que L2 havia dito, seria necessário conhecer e saber que
existia uma emissora de rádio chamada Tupi, o que implica em um conhecimento de
mundo partilhado pelos falantes.
Ao perceber que isso podia não acontecer, ela efetua a autocorreção
explicando que se trata da Rádio Tupi, o que esclarece mais a sua fala e facilita a
interação.
Trata-se, portanto, de uma autocorreção auto-iniciada, parcial, semântico-
pragmática lexical, que ocorreu no mesmo turno, sem um marcador específico,
tendo funcionado também, como precisão referencial, para imprimir maior clareza
ao se analisar o termo rádio.
86
Um outro aspecto dessa correção é que L2 ao enfatizar Rádio Tupi,
preservou a sua face positiva, ou seja, aquela que deseja apresentar às pessoas e à
sua interlocutora, uma vez que demonstrou o seu papel social assumido na
conversação, a sua importância por ter pertencido a uma emissora de rádio, e
principalmente àquela que deu início à televisão no Brasil.
Ex. 05
O tema das informantes é o funcionamento da televisão em outros países:
L1... há pouco tempo uma amiga minha esteve em Paris e disse ...
L2 mas no setor musical é maravilhoso
L1 que há (mas) dois canais em Paris ... num horário que nós chamamos
nobre ... num ... o Ministro da educação (e) Cultura fazia ... uma:: conferência
sobre Teilhard de Chardin ... mas aquilo sem ilustração sem coisíssina alguma
das pessoas todas no hotel do saguão do hotel dormiam ... todas ...
L2 porque é uma coisa
L1 absolutamente ... Antitelevisivo uma pessoa falando em fa/... em face das
câmeras sem ilustração sem nada ... não é? quer dizer era o ... era o era o:: a
conferência ... filmada assim era então ... foi uma coisa terrível e a outra
também era um Outro professor também dando uma aula não sei de quê ...
esporadicamente há concertos de grandes orquestras ... mas aqui nós não temos
os Concerto para a Juventude da Globo? ... e não temos boas orquestras
também ( ) ... inclusive na Tupi temos boas orquestras e temos no que tange a
nossa música popular eu acho que:: agora a televisão está abrindo as
portas ... para a nossa música popuLAR coisa que o rádio não faz porque o
rádio quando se ouve um rádio brasileiro ... tem-se a impressão que se está nos
Estados Unidos ... não é?
L2 é
L1 é o dia inteirinho música pop
87
(NURC/SP, 333, D2, l. 317-343)
L1 efetua uma autocorreção auto-iniciada para melhor precisar a informação,
e ela corrige usando a função referencial, ao afirmar: “das pessoas todas no hotel
para do saguão do hotel ... dormiam todas ...”. Com essa correção, L1 diz que não
são todas as pessoas que estão no hotel que dormem, mas sim aquelas que estão no
saguão do hotel, assistindo à televisão.
L1 compara Brasil e França em termos de televisão, dizendo que na França
os programas não conseguem prender a atenção dos telespectadores, principalmente
quando transmitem conferências. Por isso, segundo ela, a maioria dos
telespectadores dormia no saguão do hotel.
Em seguida, uma nova autocorreção auto-iniciada de mudança de direção da
conversação, passando a falar sobre a música popular brasileira: “e temos no que
tange a nossa música popular eu acho que ::”, ela corrige “temos” para “no que
tange”, realizando uma correção de precisão anafórica, que significa em sua opinião
o que realmente acontece, usando um marcador de opinião (acho que) para afirmar
com convicção e deixar clara a posição atual da música brasileira na televisão.
Uma outra autocorreção ocorre sendo essa de precisão referencial, quando a
informante diz: “porque o rádio quando se ouve um rádio brasileiro ...”, L1 faz
questão de deixar claro que se trata do rádio brasileiro, onde a música popular
brasileira não tem muitas oportunidades, principalmente, quando concorre com a
música pop.
Desse modo, L1 preserva sua face positiva, sempre corrigindo qualquer
engano e esclarecendo a respeito do assunto, auto-afirmando-se, como pessoa de
projeção na mídia.
88
Ainda sobre o problema da clareza, observamos este exemplo em que as
informantes conversam sobre a cantora Marília Medaglia:
Ex. 06
L1 aí a Marília então ... ahn ... eh cantou lindamente... e mais do que cantar eu acho que
a Marília tem uma força dramática muito grande o que faz (com) que se suponha nela
... uma atriz dramática que não foi aproveitada... e é tão raro ... que o ator nosso tenha
esses dois predicados ... saiba interpretar:: ... e tenha uma VOZ:: e conhecimentos musicais
... que eu:: disse a ela que ela ah ela ainda não se conhecia ainda não tinha se percorrido
porque ela ainda poderia ser ... a estrela de um grande musical ... por causa da força
interpretativa dela ... que não é comum ... não é? nós temos às vezes grandes cantores
popula::res ... mas que não Sabem interpretar às vezes não sabem sequer dizer:: ... as
palavras se perdem ... ((buzinas)) e ela não ela:: ... ela interpreta magnificamente...
L2 é família toda interessante inteligente ela o irmão ... o irmão é maestro né?
L1 (que) acho que não ...
[
L2 o irmão ela tem uma irmã que é poetisa que é muito
inteligente também (né)
[
L1 é mas eu acho que não I.
L2 jornalista e poetisa
L1 eu acho que o maestro Júlio Medaglia ele é Meda-gli-a e ela é Medalha
com L e H
[
L2 eu acho que ela modificou e ele é irmão dela ...
L1 não não ... ((clique)) parece que não ... eu não posso jurar sobre os
evangelhos mas me parece que ... ahn:: ela seria Medalha com L e H ...
[
L2 eu acho que ela modificou seu nome ...
ela ( ) nome
L1 e ele meDA-glia
L2 ( ) ... tenho impressão ...
89
L1 a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista ...
L2 poetisa
L1 poetisa...
(NURC/SP, 333, D2, l 588-62)
L1 está falando sobre Marília Medaglia como cantora e faz uma
autocorreção auto-iniciada semântico-pragmática quando diz: “mais do que cantar
eu acho que a Marília tem uma força dramática muito grande”, ela muda a direção
do que estava dizendo para deixar mais claro que além de cantar, Marília possuía
força dramática em sua interpretação.
Na continuidade da fala de L1, há outra autocorreção auto-iniciada, quando
afirma: “ela ainda não se conhecia ela ainda não tinha se percorrido”. Ela utiliza a
repetição como ênfase de argumento para apontar a falta de auto-conhecimento de
Marília, corrigindo para esclarecer que se soubesse melhor explorar os dotes que
possuía, poderia impressionar mais.
Um novo embate instala-se entre as locutoras, quanto ao sobrenome de
Marília, se seria Medaglia (com gl) ou Medalha (com lh), isto é, enquanto L2
sustenta que ela seria irmã do maestro Julio Medaglia, L1 defende que não, que
existe a diferença gráfica no nome e que eles não seriam irmãos. Ocorre então uma
autocorreção total, com as duas fases explícitas quando L1 diz: “não, não ... parece
que não ...” depois atenua sua correção dizendo: “eu não POsso jurar sobre os
evangelhos mas me parece que”, isto é, para não atacar a face de L2, ela faz uso de
um ato de polidez positiva, evitando a discordância entre as duas e, finalmente,
afirmando o que considera correto: “ela seria Medalha com L e H”.
L1 domina o diálogo e, por isso é quem mais faz uso da autocorreção,
sempre monitorando a própria fala, preservando assim a sua face positiva.
90
Ex. 07
O documentador pergunta sobre qual a preferência da informante para os
produtos do mar:
Doc. e em relação aos aos:: produtos do mar você gosta de alguns?
Inf. de::: falando em PEIxes assim ca/ prefiro... camarão... e:: em questão de
peixe....-aliás camarão não é peixe né? precisa explicar bem isso aí -
falando em peixes eu prefiro a pescada... pescadinha branca é é:: é a uma das
únicas qualidades de peixe que eu prefiro... o resto não faço questão os::tra::
maris::co... e esse negócio todo aí que não gosto não...
(NURC/SP, 235, DID, l. 161-169)
No exemplo 07, a informante comentou sobre carne bovina e de aves e falou
sobre peixes e sua preferência por camarão, quando diz: “prefiro... camarão... e:: em
questão de peixe...--- aliás camarão não é peixe né?”, efetuando assim uma
autocorreção semântico-pragmática, parcial, uma vez que está explícita somente a
primeira parte da correção, isto é, apontou o erro mas não o corrigiu, por ter dúvida
se camarão é peixe ou não.
Em seguida, ela preservou sua face quando disse: “precisa explicar bem isso
aí”, isto é, que camarão não seria peixe. Ela prossegue falando sobre a pescadinha
branca, e diz ser esta a sua única preferência em matéria de peixe, deixando claro
dessa forma, que camarão realmente não é peixe.
Ex. 08
91
No tópico conversacional a seguir, os informantes dsicorrem sobre a diferença
entre a juventude antiga e atual (na época da gravação):
Inf. A época de hoje... lógico que essa:: mocidade tem que ser diferente da
minha mocidade a dos meus avós... NÃO por ser mocidade mas sim por
devido à:: diferença da época em que se vive... hoje se aprende muito mais
rapidamente é o gravador é a televisão é o cinema....
no meu tempo de criança
na/ jamais houve cinema na escola... hoje qualquer classe eles fazem sessão de
cinema...
(NURC/SP, 208, DID, l. 364-372)
Pode-se observar nesse exemplo uma autocorreção semântico pragmática
auto-iniciada, total, na qual o informante fala sobre a mocidade da época, e afirma:
“lógico que essa:: mocidade tem que ser diferente da minha mocidade a dos meus
avós... NÃO por ser mocidade mas sim por devido à:: diferença da época em que se
vive...”, para explicar a diferença da mocidade entre uma época e outra e as
mudanças ocorridas principalmente em virtude da mídia moderna e do
desenvolvimento tecnológico..
O informante usa a correção para preservar sua face e deixar bem claro a
diferença entre a época da mocidade em que viveu e aquela em que viviam os jovens
na época da gravação, que aprendiam muito mais com a tecnologia moderna.
Ex. 09
O informante tratava da origem de sua família:
Inf. ... a minha família É originária do:: Vale do Paraíba... de maneira que todo..
Bicudo do Vale do Paraíba é parente meu... não conheço muitos ou:: são muito
afastados porque afinal das contas são quatrocentos anos mas... o tronco é um
92
só... minha avó que era Ana Rosa Pereira Bicudo casou-se diz com um primo
não:: não:: até hoje não consegui:: achar essa ligação... chamava-se Antero
Batista de Azevedo Chaves... meu pai nascido em Jacareí... achou que por
nome... Pereira Bicudo Batista de Azevedo Chaves numa pessoa só era
MUIta gente...
Doc. uhn uhn
Inf. muito nome perdão... era muito nome pra uma:: pessoa só então ela
assina exclusivamente Itagiba Chaves...
(NURC/SP, 208, DID, l. 554-566)
O informante ao comentar acerca de sua família, originária do Vale do
Paraíba os Pereira Bicudo, sendo que sua avó se casara com um Batista de Azevedo
Chaves. Ao explicar que sua avó ficaria com um nome muito comprido ao casar-se,
ele efetua uma autocorreção auto-iniciada, semântico-pragmática, parcial, quando
afirma: “meu pai nascido em Jacareí... achou que por nome... Pereira Bicudo Batista
de Azevedo Chaves numa só pessoa era MUIta gente... muito nome perdão...” e
esclarece que por essa razão ela assinava somente Itagiba Chaves.
Nesse caso houve a preservação da face do informante, pois o objetivo da
correção é a adequação informativa, a precisão referencial, uma vez que vinha
discorrendo claramente sobre sua família, tendo, contudo, feito confusão com a
profusão de nomes de sua avó, procurou levar o documentador a bem compreender
suas informações, corrigindo para deixar claro.
Ex. 10
No exemplo a seguir o informante falava sobre peças teatrais:
Doc. C.A. ... você estava dizendo pra gente sobre umas representações teatrais...
daria para você contar alguma coisa assim sobre essas representações que você
fez... que tipo de pe::ças e tal?
93
Inf. conto sim não tem problema... ((tossiu)) não tem segredo ((risos))... (o)
negócio é o seguinte... eu participei de um grupo de teatro... formado lá
no::Mackenzie... por alunos... éh::: alunos e alguns professores... dos diversos
cursos lá no Mackenzie... e:: chegamos a representar... oficialmente três peças...
uma delas::... fo::i O massacre de Manuel Rubens... uma peça muito bacana... só
que infelizmen::te ela fo::i:: proibida... pela Censura FedeRAL... por ser eh:: que
a julgou como de cunho político... então a peça... se bem que não tem nada que
ver com política Nossa não fala nada do nosso povo ela se passa na Venezuela no
século... entre o século XV e o século XVI... ou melhor do século XIV ao
século XV perdoe... não é XV e XVI mesmo está certo ((riu)) estou
antecipando a história...
(NURC/SP, 161, DID, l. 01-20)
O entrevistado tratava sobre peças que havia encenado com um grupo de
teatro da Faculdade Mackenzie. Ao mencionar O Massacre de Manuel Rubens e a
censura que recaiu sobre ela na época da ditadura, o informante explicava que a peça
não precisava ter sido proibida, pois não possuía cunho político e se passava na
Venezuela no século XV. Ao falar sobre o século ele se confundiu e disse: “entre o
século XV e o século XVI... ou melhor do século XIV ao século XV perdoe... não é
XV e XVI mesmo está certo...” isto é, efetuou uma autocorreção semântico-
pragmática, total, para tornar mais claro e exato o século em que o fato dramatizado
na peça havia ocorrido.
A correção foi o meio lingüístico usado para preservar sua face, uma vez que
a exatidão da informação era importante no momento, para justificar a censura sobre
a peça.
Ex. 11
94
No exemplo seguinte a informante ao falar sobre uma possível oportunidade
de trabalhar no Itamarati, usa a correção para deixar mais claro e preservar a sua
face:
L1 foram circunstâncias que não favoreceram...
L2 foi circunstâncias que não favoreceram que eu não::... não consegui no
Itamarati... ( ) não não consegui não nem cheguei a tentar... acrescido do
fato que que aí depois soube que para mulher era muito difícil que eles
quase não admitiam era dificílimo et cetera et cetera,,, e aí faltou ânimo para
tentar para valer... eu acho que aí se eu tivesse tentado teria conseguido mas
realmente faltou ânimo faltou interesse... ((risos)) os interesses começas... a se::
(NURC/SP 360, D2, l. 1550-1558)
Observamos no exemplo uma autocorreção auto-iniciada, semântico
pragmática, parcial, em que L2 falava da possível oportunidade que teria no
Itamarati dizendo: “não não consegui não nem cheguei a tentar...”. Após efetuar a
correção, afirmando que nem tentou ir para o Itamarati, ela esclarece que para as
mulheres a carreira era muito difícil.
L2 faz uso do marcador “eu acho” quando diz: “eu acho que aí se eu tivesse
tentado teria conseguido”, com a finalidade de preservar sua face positiva, dizendo-
se capaz de ingressar no Itamarati, caso tivesse tido ânimo.
Ex. 12
Neste exemplo o tópico conversacional era um curso de inglês:
95
Inf. agora em Mil novecentos... já nem me lembro mais... acho que foi antes de
eu casar em cinqüenta e nove acho acho que foi cinqüenta e sete princípio
de cinqüenta e sete mais ou menos... eu entrei na União Cultural... Brasil
ahn:: Brasil-Estados Unidos... onde vim a conhecer minha senhora que era... a::
Bibliotecária do período da noite... então... toda noite ia lá batia um papo mas
(NURC/SP, 208, DID, l. 204-210)
Observamos nesse exemplo que o informante efetua uma autocorreção auto-
iniciada, semântico-pragmática lexical, de precisão anafórica, parcial, para
esclarecer o ano em que ingressou na União Cultural Brasil-Estados Unidos, quando
também conheceu sua esposa.
O informante preserva sua face ao corrigir para esclarecer exatamente o ano,
preocupado com a informação transmitida e sua exatidão, apesar da incerteza
assinalada pelo marcador de opinião “acho” e as expressões “já nem me lembro
mais” e ainda “mais ou menos”, que funcionam também como uma estratégia de
polidez indireta.
Ex. 13
A informante falava sobre a realização de uma missa:
Doc. eu gostaria que a senhora... digamos o seguinte... que eu desconhecesse...
a senhora disse que existe missa né?... digamos que eu desconhecesse... o
assunto... o que é uma missa? ((longa pausa))
Inf. bem... a missa... eu... acho melhor não descrever.... porque naturalmente eu
teri/ gostaria de fazer se fosse uma coisa dessa... eu gostaria de fazer uma
coisa bem feita... como eu acabei de dizer a você... eu sou uma pessoa que
tenho preocupação de:: fazer descrições ou afirmações... de coisas que não
estou BEM... ah... ah... orienTAda para fazer não é? de maneira que eu... se eu
fosse responder isto exatamente... eu... teria que penSAR bem não seria assim
numa entrevista porque... como JUStamente eu não freqüento missa não é? eu
96
queria fazer éh... precisaria Reavivar a minha memória com todos os dados pra
poder dizer uma coisa certa... mas é que uma coisa que vai ficar gravada eu não
quero que fique sem ser correta...
(NURC/SP, 242, DID, l. 5536-554)
A informante realiza uma autocorreção auto-iniciada semântico-pragmática,
parcial, para esclarecer que não possui os conhecimentos suficientes para responder
à pergunta do documentador dizendo: “eu teri/ gostaria de fazer se fosse uma coisa
dessa... eu gostaria de fazer uma coisa bem feita”, quer dizer não poderia responder
porque não havia freqüentado missa e não poderia fazer uma descrição perfeita.
A pergunta do documentador funcionou como um ataque à face da
informante, que recorreu a uma estratégia de polidez negativa exprimindo um
pessimismo quanto à resposta, por não ter o conhecimento esperado e não querer
afirmar algo sem certeza.
Ela preserva sua face uma vez que não é conhecedora do assunto, ao dizer:
“... precisaria REavivar a minha memória com todos os dados pra poder dizer uma
coisa certa... mas é que uma coisa que vai ficar gravada... eu não quero que fique
sem ser correta...”, isto é, preocupou-se em falar sobre aquilo que não tinha
certeza, uma vez que isso seria gravado e lido por outras pessoas, evitando emitir
uma opinião frágil ou passível de dúvidas.
Ex. 14
Neste exemplo tratava-se dos problemas na educação:
Inf. que... o ensi::no so::fre... uma porção ... de... de influências más... nós vemos ...
uma... estamos atravessando uma::... era utilitarista... todo mundo está sem::pre
procurando obter o Máximo de rendimento... quer dizer é um defeito... que não... não
97
é do profeSSOR::...mas é de to::do o huma::no hoje não é? nós sentimos esse
problema em todos os ahn... em todas as atividades... de maneira que hoje... eu acho
que o ensino... im/... piorou... nesse sentido e... estamos vendo mesmo campanhas
para melhorar... opiniões de ministros de educação disucssão sobre... a situação do
ensino... quer dizer que isso... não podemos ahn... determinar que seja Este ou
aquele o defeito... mas é... a conseqüência de uma porção de fatores negativos...
(NURC/SP, 242, DID, l. 164-178)
Observamos nesse exemplo que a informante efetua uma autocorreção auto-
iniciada semântico pragmática para esclarecer o problema enfrentado pela educação
no nosso país, sendo que ela explica que são vários os fatores que contribuíram para
que a educação piorasse nos últimos anos, quando diz: “quer dizer que isso... não
podemos ahn... determinar que seja ESte ou aquele o defeito... mas é... a
conseqüência de uma porção de fatores negativos”, fazendo uso de marcadores
verbais para efetuar a correção.
Ela preserva sua face quando corrige, principalmente ao dizer que não
podemos determinar os defeitos, que são muitos, sem apontar para uma determinada
causa ou pessoa, e também quando faz uso do marcador de opinião “eu acho” para
afirmar com convicção que o ensino piorou nos últimos anos, isto é, na sua opinião
e segundo as atitudes e opiniões de pessoas da área da educação.
3.2. Preservação da face na hesitação
A hesitação no decorrer do discurso também é uma constante com a qual o
falante culto preserva sua face, pois dessa forma ele tenta solucionar um problema
prospectivo, com uma interrupção no fluxo informacional.
98
Ex. 15
A informante falava sobre testes psicológicos:
Inf. OU o teste pode estar... ahn:: falso ah::... dirigido mais para certos tipos de
conhecimento que ele não tem::... né? ... e:: então a pa/ o próprio limite do
instruMENto que é o teste... e o limite das condições do indivíduo que são
diFÍceis de se controlar... éh::... não possibilitam que a gente acredite assim
CEM por cento nos testes... percebem? ... não dá para a gente acreditar cem
por cento... a gente tem uma meDIDA...(recebe lá) uma medida certo? ...
MAS::: com muita cautela que a gente pode::... éh:: utilizar aquela medida
certo?
(NURC/SP, 377, EF, l. 41-51)
Notamos que a informante ao falar sobre os testes psicológicos aplicados nas
pessoas, explica que não há uma exatidão no resultado dos testes, pois esses
dependem de todo um contexto, ou seja, a pessoa pode estar impressionada, pode
não se sentir bem com o material do teste, pode não conhecer certas questões porque
nunca viu nada igual, ou ainda o teste pode estar falso, isto é dirigido para certos
tipos de conhecimento que ela ainda não tem.
Para explicar o resultado dos testes, a informante usa o prolongamento de
vogais, pausas, hesitando nos comentários, efetuando assim uma autocorreção auto-
iniciada , semântico-pragmática, parcial. Ela faz uso também de uma estratégia de
polidez positiva, justificando, apresentando razões para o fato de um teste não ser
aceito cem por cento, mas sim dentro de uma medida que é proposta pelos
orientadores, pois para um resultado mais eficaz, faz-se necessário a aplicação de
uma bateria de testes, na qual é verificada a constância dos traços do indivíduo.
99
Portanto, ela preserva sua face positiva apresentando razões para a aceitação
parcial dos testes, fazendo uso da autocorreção, bem como de estratégias de polidez.
Ex. 16
No exemplo abaixo o tópico é sobre compra de carro:
Doc. professor R. quando o senhor vai... quando o senhor compra um carro...
quais são as medidas que o senhor tem que tomar depois para a precaução deste?
Inf. olha... aqui eu também eu vou dar uma resposta:: que eu diria um pouco::
((riu)) aleatória...pela simples razão de que eu nunca tive carro... e:: não tenho a
experiência... não tenho a experiência::... desse caso...mas... aí também pode
ocorrer... podem ocorrer duas hipóteses....do pagamento à vista e a do pagamento
à prazo... o pagamento feito à vista eu creio que não deve oferecer nenhuma::
nenhuma dificuldade especial... é simplesmente ou::... que a::... a revendedora
ou a fábrica que me vende o carro.... me entregue a documentação
habitual... note/ perdão... nota de venda... ahn... ahn sei lá faturas... ou... ou
o que for... recibo quer dizer todos os documentos que comprovem o meu
pagamento... pronto... o carro está adquirido...
(NURC/SP, 250, DID, l. 575-588)
Observamos nesse exemplo que o entrevistado não conhecia o assunto que
lhe foi proposto pelo documentador, pois como nunca comprou um carro, não saberia
expor muito bem o que acontecia na hora da compra. A título de cooperação ele
começou a falar dos trâmites para a aquisição de um veículo, mas hesitou muito com
pausas e mesmo com dificuldade para expor seu pensamento.
No momento que fala sobre a documentação que a revendedora deve fornecer
no ato da compra ele diz: “a revendedora ou a fábrica que me vende o carro.... me
entregue a documentação habitual... note/ perdão nota de venda... ahn... ahn sei lá
faturas... ou... ou o que for... recibo quer dizer todos os documentos que comprovem
100
o meu pagamento.. pronto... o carro está adquirido”, e corrige pois engana-se quando
vai falar sobre a nota de venda, pedindo perdão pelo “erro” e colocando o termo
exato.
Com o uso de marcadores verbais ele efetua as autocorreções e preserva sua
face com o uso de estratégias de polidez positiva, quando manifesta interesse pelo
assunto proposto, o qual embora não conheça muito bem, procurou atender à
colocação do documentador com atenção.
Ex. 17
Nesse exemplo as informantes conversam sobre a pronúncia dos cariocas:
L2 que eram justamente um dos... um dos defeitos muito grandes do rádio ...
daquele tempo que era... quando::... um locutor ia fazer um teste... o::... o chefe
dizia a ele... “diga aí os ef/os esses e os erres”... esse era o teste...
L1 é
L2 para saber se ele tinha ... ah:: ... boa dicção para falar em rádio... não é? ...
então ele caprichava ... é isso que o Chico Anísio está ... ah ah ah ... caçoando
...
L1 é
L2 no programa dele
L1 no programa dele
L2 do Chico Anísio ... não é? ele ... ca/ eh ... eh... ele inSISte ... DORme em
cima dos esses e dos erres né?
L1 dos erres ... ahn
(NURC/SP. 333, D2, l. 36-50)
L2 distancia-se um pouco do tópico colocado pelo documentador, dando
início a um subtópico, sobre a linguagem carioca dos erres e esses sibilados.
101
Ao falar sobre a pronúncia dos cariocas, L2 hesita com pausas e
prolongamentos de vogais, e efetua um corte na palavra que iria dizer ef/, isto é
uma interrupção lexical, que introduziu uma correção, pois engana-se quando iria
dizer esses e erres, diz efes, efetuando aí uma autocorreção. Trata-se de uma
autocorreção auto-iniciada parcial, na qual L2 simplesmente trunca a palavra,
deixando implícita a primeira parte da correção, isto é a negação, corrigindo o que
havia dito.
Ao mencionar o teste realizado com os locutores para saber da boa dicção de
cada um, L2 afirma que eles caprichavam na pronúncia, e isso era motivo de
caçoadas por parte do Chico Anísio em seus programas humorísticos.
L2 ao falar ainda sobre o Chico Anísio iria repetir caprichava”, mas efetua
um corte truncando a palavra abandonando-a. Após hesitação com pausas e
marcadores verbais, dá início a uma explicação com outras palavras (ele inSISte...
DORme em cima dos esses e dos erres), para enfatizar que ele realmente usava os
esses e erres sibilados, como parte do humor em seus programas.
A razão de L2 ter truncado a palavra (ca/) que deduzimos pelo contexto seria
“caprichava”, certamente deve-se ao fato de que L2 mais uma vez preservou a sua
face positiva, pois já havia usado a mesma palavra um pouco antes, o que implicaria
numa repetição.
Ex. 18
O tópico conversacional é a poluição na cidade de São Paulo:
L1 então se joga esgoto em rios ...et ceteras ... que isso ainda eu considero grande
poluições né? Não tem controle aqui ... então na hora que São Paulo ficar pior
102
ainda ... porque (quando) eu vou para a ci/para o centro ...se eu vou de moto eu
choro ... sai lágrimas ((tossiu)) ... então inicialmente eu pensava bom é que eu
estou andando sem óculos ... tal ... então sai água ... aí eu reparei que quando eu
vou pra:: estrada vou para o interior de moto ... eu pego mais vento e não hora
nada então eu chego à conclusão que não é o vento que ... que faz sair lágrimas
e:: é a poluição arde o olho ...
L2 isso no geral é paliativo só né?
Doc. pena que se espere tanto né ? ... para tomar as medidas sérias ...
L1 bom é uma opinião particular minha (aí) não é que se espere ... é é o
funcionamento ... da massa humana né? você não consegue diz/ chegar assim
digamos você ... PROva que uma coisa é verdaDEira ... e por admitir que ela
é verdadeira você passa a atuar com a verdade...
(NURC/SP, 343, D2, l. 165-190)
L1 efetua autocorreções auto-iniciadas, semântico-pragmáticas, quando
reformula o enunciado dizendo “não é que se espere ... é é o funcionamento ... da
massa humana né?... e continua reformulando: “você não consegue diz/chegar
assim digamos você...PROva que uma coisa é verdaDEira ... e por admitir que ela é
verdadeira você passa a atuar com a verdade”
Trata-se de autocorreções, nas quais o locutor usa a correção parcial no
mesmo turno, usando também marcadores da correção como a pausa e a hesitação,
com uma única finalidade, isto é, explicar o que pensa sobre as medidas que
deveriam ser tomadas para diminuir a poluição na cidade.
O locutor preserva sua face, seguindo uma linha, quando diz “ é minha opinião
pessoal”. E também pelo uso das autocorreções, pois percebe a sua hesitação sobre
aquilo que está falando, por isso corrige para não titubear ainda mais na
expressão do seu pensamento sobre o assunto, que certamente é do seu
conhecimento.
A hesitação ocorre, também, no exemplo seguinte, cujo tema é a Idade
Média:
103
Ex. 19
L2 mas já que está aleatório ... quando você estava falando de ::... agora ser mais
fácil ...é::...porque os mecanismos assim são mais perigo::sos... mecanismos
assim ...que nem você falou entre carro e cavalo o ca/ o carro é mais perigoso ...
mas aí eu não sei eu estava pensando... um livro que eu li há pouco tempo ...
que é sobre ... pega toda a história da feitiçaria na Idade Média ... como
surgiu e tal ... e os nego assim sabe? Você vê altos magistra::dos ... em relatórios
... orgulhosos de terem queimado duas mil feiticeiras num dia ... quer dizer na
época aquilo tinha virado terror ... que era só dizer “olha fulana olhou::... tinha
um gato preto perto dela ... e ela olhou meio assim ... no dia seguinte beltrano
morreu” né? qualquer um ia para a fogueira mesmo né? ...
(NURC/SP, 343, D2, l. 1388-1401)
L2 efetua uma autocorreção auto-iniciada de mudança de direção da
conversação. O assunto entre os dois locutores parecia meio esgotado e, por isso, L2
procurava um novo tópico para continuar a conversa, pois o tempo necessário para o
Projeto de mais ou menos oitenta minutos, ainda não se havia esgotado. Ela inicia
falando de um livro que lera há pouco tempo e hesita quanto ao conteúdo do livro, só
depois reformula o enunciado: “pega toda a história da feitiçaria na Idade Média”.
Ao efetuar a autocorreção ela o faz principalmente para preservar sua face,
pois para Goffman “a perda da face é não estar com a face adequada”, o que seria o
caso de L2, que tentava iniciar o novo tópico conversacional, hesitando e sem a
segurança daquilo que estava falando, por isso muda a direção da conversação,
dando início a um novo assunto, agora sobre a Idade Média e a feitiçaria.
Ainda sobre a hesitação como preservação da face, o exemplo 20 nos mostra
a hesitação do locutor para expor sua opinião, preocupado com sua face.
104
Ex. 20
O tópico conversacional é a montagem de uma peça teatral:
L2 você vê o:: o:: o Altair Lima ele é ... arriscou está certo ... ele arriscou ele ...
pôs tudo:: segundo declaração dele não sei se são demagógicas ou não ele pôs ..
tudo que ele tinha na na montagem da peça Hair ... poderia chegar aqui ... não
vai mon/não vão ... a censura não deixa montar e está acabado ... que ele aplicou
ele vai para o ... saiu muito bem ... dizem que nessa que ele montou agora já não
está ... tendo a mesma aceitação que que teve o Hair ... Jesus Cristo Superstar
entende?
... então o que você vê? o indivíduo joga arrisca ... você vê é é mais fácil fechar
teatro que abrir ... hoje em dia fecha mais teatro do que abre ...
(NURC/SP, 62, D2, l. 1290-1301)
No exemplo 20 o que podemos perceber é que o locutor hesita várias vezes,
fazendo uso de prolongamento de vogais e pausas, efetuando a autocorreção auto-
iniciada para expressar o seu pensamento que não fica muito claro, porque, além de
hesitar, ele usa a citação do discurso alheio “segundo declaração dele não sei se são
demagógicas ou não e depois dizem que nessa que ele montou agora já não está ...”,
o que deixa claro que preserva sua face, com o uso do marcador de rejeição “não
sei”, que previne reações desfavoráveis, uma vez que eximi-se da responsabilidade
do que foi dito, e, também, indetermina o sujeito com o verbo “dizem”, para
confirmar a não autoria da afirmação de que a peça não vai bem.
Toda essa situação de hesitação e incerteza nos mostra também o uso da
estratégia de polidez negativa, isto é, o locutor tornou-se evasivo preservando sua
face, não se comprometendo com o que dizia, visando respeitar a face negativa da
pessoa sobre a qual ele falava, ou seja, o ator Altair Lima.
105
Ex. 21
O informante falava sobre os tipos de cheque que existem no mercado
financeiro:
Doc. gostaria que o senhor dissesse... quais os tipos de cheque que o senhor
conhece?
Inf. tipos de cheque? Eu... ((longo silêncio))...n/ não sei se vou responder
bem a sua pergunta mas::... o.. se você assina por exemplo um cheque... e
retira o dinheiro... você mesmo... ou dá a uma pessoa que vai ao banco e
retira diretamente....esse cheque é o cheque digamos comum... há um
emitente... e há uma pessoa que recebe... o cheque pode ser ao portador...
se:: o nome da pessoa que vai receber está indicado e pode ser... pode ser
nominal perdão se está indicado o nome da pessoa que vai receber... pode
ser ao portador se o lugar reservado ao nome está em branco...
(NURC/SP, 250, DID, l. 514-525)
Observamos que o informante não conhece o assunto sobre o qual foi
perguntado, por isso hesita com palavras e pausas. Ao falar sobre o cheque nominal
ele efetua uma autocorreção auto-iniciada semântico-pragmática lexical uma vez
que se engana e pede perdão continuando então a falar.
No início da explicação sobre os tipos de cheques que conhece ele preserva
sua face, pois não conhece o assunto e diz “não sei se vou responder bem a sua
pergunta” e discorre sobre o assunto sem contudo, transmitir uma segurança, mas
faz uso da estratégia de polidez positiva, pois manifesta interesse em cooperar com o
documentador
Ex. 22
106
O documentador pergunta à informante sobre o funcionamento de um jornal:
Doc. uhn uhn... éh:: dentro de um jornal que profissionais eu você conhece que
trabalham?
Inf. olha... está aí um negócio que eu não sei direito ((risos)) além do jornalista o
diretor do jornal... tem acho que de ter o tipógrafo eu não sei se... se ele... deve ser
né? ... olha
... eu não conheço realmente (que) o jornalista o que escreve o
que o red/ o que reDIge né?... aquele (que)... depois aquele que... passa no::... o
jornal no Rolo não sei se é assim que fala eu não sei o nome dele ((risos))... não sei
se eles têm rolo (ou) impressor sei lá... não conheço direito mesmo o jornal não
conheço nada quase... não sei não sei mais sobre jornal (não sei)
(NURC/SP, 251, DID, l. 412-424)
Nesse exemplo o que podemos notar é que a informante não conhece
realmente o assunto. Ao falar sobre os trabalhadores de um jornal ela utiliza uma
autocorreção auto-iniciada semântico-pragmática lexical, bem como várias pausas
ao afirmar: “olha... eu não conheço realmente... (que) o jornalista o que escreve o
que o red/ o que reDIge né?, e com isso demonstra seu total desconhecimento do
assunto.
Por não saber responder ao documentador a informante preserva sua face
logo no início quando diz “olha... está aí um negócio que eu não sei direito”, isto é,
faz uso de um marcador de rejeição “não sei”, várias vezes, para evitar possíveis
reações desfavoráveis ao que iria dizer, demonstrando incerteza, mas boa vontade
em cooperar, assim como usa a estratégia de polidez positiva manifestando atenção
para com o documentador.
Ex. 23
A informante falava sobre novas profissões no mercado de trabalho:
107
Doc. atualmente estão surgindo... campos novos né? na área de profissão...
profissionais você acha que:: estão se formando agora e que antes não teriam?
Inf. ... os que lidam com computação... os computadores eletrônicos era uma
profissão que até... é (ne) re::/é relativamente nova... uma outra profissão bem nova...
eu não lembro assim...uma profissão além dessa... só uhn::... que uhn:: esses
profissionais eu não saberia dizer o nome assim... corretamente mas que mexe
com essas coisas nucleares entende?
(NURC/SP, 251, DID, l. 319-325)
A informante efetua uma autocorreção auto-iniciada semântico-pragmática
lexical parcial, fazendo uso de ruídos que funcionam como marcadores verbais,
como “uhn”, prolongamentos de vogais, pausas e hesitações, ao afirmar o seu
desconhecimento de uma profissão nova, que esteja surgindo agora.
Ela preserva sua face ao afirmar “eu não me lembro assim...” e também com
as hesitações, isto é, deixa uma incerteza quanto ao que está falando, mas manifesta
interesse, por meio de uma estratégia de polidez positiva, evitando críticas e uma
interpretação desfavorável, por parte do documentador.
Ex. 24
A pergunta ao entrevistado versava sobre os cuidados na plantação do café:
Doc. tem um nome esse tipo de:: de ... plantação de ( )?
[
Inf. uhn::
não me lembro viu? ... não me lembro ... agora ... o:: também houve uma época
em que se costumava fazer ... plantar árvores que:: encobrissem o café ... então
era o:: o chamado café coberto ... plantar por exemplo::... ingá pra cobrir o café
porque diziam que o café sobreado ...era::... mais produtivo do que o não
sombreado
108
Doc. isso não se usa mais?
Inf. hoje parece que está:: também:: in::convenien/ acha/ chegaram à conclusão que
é inconveniente ... o café coberto
(NURC/SP, 18, DID, l. 134-146)
O entrevistado falava sobre a plantação de café e seus cuidados, mas não
dominava muito o assunto, por isso, hesita na transmissão das informações.
Observamos nesse exemplo uma autocorreção auto-iniciada, semântico pragmática,
parcial, na qual o informante hesita fazendo uso de prolongamento de vogais e
interrupções lexicais, para depois introduzir a reformulação, quando diz: “hoje
parece que está:: também:: in::conveniente/acha/chegaram à conclusão que é
inconveniente... o café coberto”
Ele preserva sua face com o uso do marcador de opinião “parece”, eximindo-
se de possíveis incompreensões quanto à afirmação feita, bem como usa a estratégia
de polidez positiva repondendo com atenção e interesse à pergunta do
documentador.
Ex. 25
O documentador continua a perguntar sobre a cultura do café:
Doc. e como é que se colhe... o café por exemplo o senhor se lembra?
Inf. bom... o:: era colhido tudo manualmente ... mas nessa época então:: de:: colheita ...até
as mulheres passavam a:: ajudar ... porque a colheita teria que ser feita dentro de uma certa
época ... então é preciso mais gente pra colher ... e::... é ... costumava-se colocar embaixo do
pé de café uma espécie de:: lona .... uma esteira ... e a::... e depois vai-se pa/ ... passando a
mão no galho .... e caindo os grãos... depois colhe-se tudo
[
Doc. sabe como é que se chama esse ato de passar a mão no galho?
[
109
Inf. esse não e ... tem
uma
palavra especial viu? ... é::... (em) derrear não é derrear... uma coisa assim
mas não me lembro bem... derrear o café eu acho
(NURC/SP, 18, DID, l. 147-162)
O informante faz uso de uma autocorreção auto-iniciada, total, semântico-
pragmática lexical, com prolongamento de vogal e pausas, hesitando na explicação
do sentido da palavra “derrear”. O entrevistado, para não perder sua face, usa a
correção na tentativa de preservá-la, porque não tem certeza da palavra que nomeia o
ato de passar a mão no galho do café.
Ele preserva sua face com o uso dos marcadores “não me lembro bem” e “eu
acho”, que denotam incerteza, por desconhecer a exata acepção da palavra.
Ex. 26
O tópico conversacional é sobre a ordenha da vaca na fazenda:
Doc. ah então conte ((risos)) ( ) sabe que é ótima
Inf. bom... e... para tirar o leite o leite é tirado... por um sujeito especializado
naquilo... que pega a teta da vaca... e aperta... o dedão... de um lado e os os quatro
dedos de outro... e puxa um pouco pra baixo e um pouco pra dentro também...
e::... antes... deve-se fazer a vaca descer o leite... como se diz... esse descer o
leite... é uma espécie de preparação... psíquica da vaca ((risos))... é... na qual em
geral a gente... usa o bezerro pra isso... quer dizer a vaca entra no curral pra... pra
ser ordenhada... e:: aí se solta o bezerro ela solta o leite... quer dizer ela desce o
leite... mas ah:: o homem então... frauda... (riu)) vamos dizer assim... a:: a
intenção da vaca porque ele prende o bezerro... nas patas da frente... então o
bezerro fica ali amarrado à mãe... e enquanto isso o homem tira o leite... que já
desceu... e:: ele não esgota todo o leite ... a até usa-se mesmo esse verbo
esgotar... quer dizer não não esgô/ não esgô/ o não esgotar todo o leite ...
significa que é tirado o leite mas se deixa um pouco... o que o:: o sujeito que
110
tirar o leite sabe por excelência... e ele deixa um pouco para o bezerro... que
então vai mamar... depois que foi tirado o leite... quer dizer ele é utilizado no
começo como uma espécie de:: chamarisco... depois se tira a maior parte do
leite... e se deixa um restinho... pra ele::.... mamar
(NUC/SP, 18, DID, l. 539-566)
Podemos observar uma autocorreção auto-iniciada, total, semântico-
pragmática, por meio de hesitação, pausas e interrupções lexicais, quando diz: “a até
usa-se mesmo esse verbo esgotar... quer dizer não não esgô/ não esgô/ o não esgotar
todo o leite...” reformula o que havia dito “... significa que é tirado o leite mas se
deixa um pouco...o que o:: o sujeito que tirar o leite sabe por excelência... e ele deixa
um pouco para o bezerro”, afastando assim a responsabilidade pela informação,
usando a estratégia de polidez positiva, para justificar o fato de não conseguir
esclarecer o funcionamento do ato da ordenha, com o objetivo de preservar sua face.
Ex. 27
O documentador pergunta sobre as peças já encenadas pelo informante:
Doc. C.A. voltando a:: falar nas peças que você:: das peças que você
participou... onde elas foram representa:das assim::em que tea::tros... em que
loca::is?... foi só em São Paulo ou:: vocês forma pro interior?
Inf. eu em particular viajei pouco...mas o teatro viajou:: um bocadinho... o:: a
primeira peça... O massacre... ela não teve tanta sorte porque ela foi apresentada
aqui em São Paulo e parece que em Santo André... se bem que:: dessa apre/::
dessa apresentação em Santo André eu não participei também... mas as outras
peças... tanto O banquete como O:: ( ) inspetor... foram apresentadas... em São
Caetano Santo André...se eu não me engano parece que foi em Jundiaí também...
eles excursionaram bastante (foram) pro exterior né? em:: Santos também e e...
o:: mais longe eu se foi foi para:: Campo Grande... em Mato Grosso... onde houve
uma festa parece que era aniversário da cidade... associada à inauguração::
111
se não me engano agora há pouco ainda me recordava...a inauguração de
estação de T.V. loca::l uma coisa assim... inclusive a foi retransmitida pela
estação de televisão fazendo parte do eh::: da organização das FEStas... do
roteiro da apresentação das FEStas de aniversário da cidade...
(NURC/SP, 161, DID, l.402-424)
O informante contava sobre as viagens realizadas com as peças do grupo de
teatro do Mackenzie, mencionando as várias cidades por que passaram e a
apresentação realizada em Campo Grande , Mato Grosso, quando efetua várias
autocorreções auto-iniciadas semântico-pragmáticas dizendo: “parece que era
aniversário da cidade... associada à inauguração: se não me engano agora há pouco
ainda me recordava...à inauguração da estação de TV loca::l uma coisa assim...” Ele
hesita quanto às informações, faz uso de pausas e prolongamento de vogais, porque
não está bem certo do que está falando, uma vez que já não se recordava mais do
fato.
O informante preserva sua face quando usa o marcador “parece”, denotando
incerteza, bem como “se não me engano”, pois não tem certeza da veracidade dos
fatos, mas quer cooperar, manifestando interesse ao documentador por meio de uma
estratégia de polidez positiva, embora não se lembrasse com exatidão.
Ex. 28
O documentador perguntou sobre leis que protegem o trabalhador, em caso de
insolvência da empresa:
112
Inf. ESta situação... a daqueles que trabalham na fábrica... não é? bem... aí é uma
pergunta::... difícil de responder... em em termos... éh... absolutos... quer dizer
haverá... mais de uma situação... a a fábrica... pelo fato de alegar... ah o motivo
de força maior... não deixa responder eventualmente por algumas obrigações em
relação aos seus trabalhadores... agora com referência.. aos ... aos interesses
pecuniários dos trabalhadores... eu tenho a impressão que o Fundo de Garantia...
se estiver em ordem não é? responde responde também também se a fábrica manteve
em dia os seus pagamentos... referentes a::... como é que se chama? Ao INPS... quer
dizer a::... assistência previdencial... quer dizer aposentadoria
(NURC/SP, 250, DID, l. 303-317)
Observamos que o informante efetua uma autocorreção semântico-pragmática
ao dizer: “em em termos... éh... absolutos... quer dizer haverá mais de uma situação”,
fazendo uso da hesitação com pausas e prolongamentos de vogais, uma vez que não
tem certeza do que ocorre com uma fábrica que não tem mais condições de
sobreviver financeiramente.
Ele ainda preserva sua face com a frase: “eu tenho a impressão”, quer dizer
mais uma vez denotamos que o informante não tem certeza do que está falando e
por isso preserva sua face, usando um marcador de opinião, assinalando tratar-se de
uma opinião pessoal.
Ex. 29
A pergunta do documentador era sobre o teatro amador e o profissional:
Doc. certo... e a senhora nota alguma diferença entre um teatro e outro? Por exemplo
quanto à parte em que o público fica parte estética a senhora acha que há diferença
entre um e outro ou todos são do esmo tipo?
Inf. não º.. eu tenho notado diferença por exemplo aquele teatro que tem lá na Rua
dos Ingleses... que passou essa peça essa comédia que nós comentamos eu tenho a
113
impressão que lá é mais assim ah não tem TANto preparo tanto éh:: tanta
encenação eu acho que o pessoal ah deve ser grupo de estudantes né? que faz
assim:: esse teatro então:: eles chamam teatro... como é que eles chamam?... eu
sei que não há preparação toda eu tenho a impressão que é :: é mais um grupo
que se reúne para fazer... eu não sei como é que eles chamam... agora... várias
peças que eu assisti eu achei diferente... eu acho que eles tem mais... éh mais preparo
mais... sei lá:: eles... devem::... dever ser de outro tipo de de de trabalho né?
(NURC/SP, 234, DID, l. 226-242)
No exemplo 29, a informante efetua uma autocorreção semântico-
pragmática parcial, para tentar esclarecer a diferença entre o teatro profissional e o
amador, fazendo uso de hesitações com pausas e prolongamento de vogais, quando
diz: “eu tenho a impressão que lá é mais assim ah não tem TANto preparo tanto
éh:: tanta encenação eu acho que o pessoal ah dever ser grupo de estudantes né? que
faz assim:: esse teatro então:: eles chamam teatro... como é que eles chamam?”
E ela continua hesitando o que demonstra não ter conhecimento pleno do
assunto, mas tenta explicar para preservar sua face. Com isso a informante faz uso de
vários marcadores de opinião, ou seja: “eu tenho notado” “eu tenho a impressão” e
ainda o marcador de rejeição “não sei” para não se comprometer com o que foi dito,
uma vez que quer ver preservada sua face.
Ex. 30
O documentador perguntou que tipo de doce tradicional a informante faria
para o Natal:
114
Inf. não é bem ( ) ((superposição de vozes)) não não:: não é:: não é sse aí é um::... é
mais ou menos grande assim:: fica feito uma:: uma rodela grande assim de
massa... trabalhadinha::... não sei explicar bem como é que fica viu?... e:: depois
por cima se põe mel...
Doc. ah:: então não é isso que eu conheço...
Inf. eu não sei bem o nome desse:: desse doce não eu sei que lá em casa sempre se
faz... mas eu não sei o nome e NEM a minha mãe sabe o nome ela sabe que o
doce é tradicional ((risos)) é tradicional no Natal né? então::... ((vozes superpostas))
a gente sempre faz... isso aí no Natal conversa a tradição da família...
(NURC/SP, 235, DID, l. 306-317)
Observamos nesse exemplo duas autocorreções auto-iniciadas, semântico-
pragmáticas totais, nas quais a informante ao falar sobre um doce tradicional do
natal, muito usado em sua casa, faz uso de hesitações, prolongamento de vogais,
pausas, pois encontra alguma dificuldade para explicar como é o doce e qual o seu
nome.
Ela faz uso de marcador de rejeição (não sei) para eximir-se da
responsabilidade de afirmar o nome do doce, retirando também a responsabilidade de
sua mãe quando diz: “eu não sei o nome e NEM a minha mãe sabe”. Com isso ela
preserva sua face pois previne possíveis reações contrárias.
3.3. Preservação da face na adequação gramatical
As adequações gramaticais não ocorrem em grande número, mas as que
aparecem são relevantes para serem apontadas como preservação da face do falante.
115
Ex. 31
As informantes conversam sobre televisão:
L2 H. você escreveu qualquer coisa muito interessante sobre a Marilia Medalha e
eu perdi essa sua:: ... o que foi que você disse sobre a Marília Medalha o ( )
me disse que era ... que
estava muito interessante este seu:: ... esta sua crônica
L1 é não o que eu disse é o seguinte
[
L2 o que você comentou?
L1 é é a tal coisa a televisão ahn:: ao mesmo tempo que proporciona às vezes
... surpresas FÚteis às vezes proporciona Ótimas não é? ... porque Marília
Medalha não costuma
... aparecer muito na televisão ... eh:: há quem diga que
a televisão compõe uma muralha de mediocridade ... que ela paga muito bem ...
então as pessoas que estão lá dentro não deixam as de fora entrar ... então
muitos artistas escritores ... ahn compositores gostariam de ... de ter acesso à
televisão mas ela se fecha ... na famosa muralha de mediocridade que agora é
um pouco discutível ... e não se abre mas:: nesse dia ... eu estava aqui na minha
sala ... sintonizei para o canal quatro ... um programa da:: ... Elizeth Cardoso
...Brasil Som Setenta e Seis - eu gosto muito da Elizeth Cardoso -- ... e daí a
pouco quem eu vejo Marília Medalha ... cantan::do ... umas músicas lin::das:: e
com uma presen::ça extraordinária ... eu acho ... a Marília Medalha uma das
nossas atrizes MAIS significativas ... e ela está se dedicando muito à música
popular e SEMpre - creio-sempre na carreira dela ela se dedicou à nossa música
...vocês devem estar lembrados dos sucessos ... ah da interpretação dela de
Ponteio ... que fo/ do:: daquele menino
(NURC/SP, 333, D2, l. 534-563)
Observamos duas autocorreções auto-iniciadas, uma de mudança de direção
da conversa ao dizer: “e eu perdi essa sua :: ... o que que foi que você disse sobre
Marília Medalha”. Pelo contexto deduz-se que iria dizer: “e perdi essa sua crônica”,
mas abandona o pronome possessivo “sua” para formular uma pergunta para L1
116
sobre Marília Medalha, mudando o rumo da conversa. A outra correção com a
substituição do verbo “era” de aspecto durativo por “estava”, mais pontual, que
pode ser considerada uma autocorreção morfossintática. No intuito de cooperação
com L1, L2 corrige-se novamente ao dizer : “este seu:: ..., usando hesitações e
pausas, quando pretendia dizer “esta sua crônica”.
Com as autocorreções verificadas acima, L2 além de conduzir a conversa em
busca de clareza e compreensão, estabelece ainda laços interacionais de
envolvimento emocional, à medida que menciona o trabalho de sua interlocutora,
como cronista.
L2 preserva sua face com as correções, principalmente com a correção
verbal que demonstra seu conhecimento da língua culta.
Ex. 32
Os informantes conversam sobre a mudança de clima e a invasão de São
Paulo:
L1 mudou completamente o clima de São Paulo ... e os hábitos também mudaram
porque houve então ... o que aconteceu ... houve a::... a inVASÃO:: de São
Paulo ... (por) ... por por pessoas::... não só de fora ... principalmente de
fora ... cresceu muito depois da guerra ... imigração ... e::... e do Norte
sobretudo do Norte ... então aí mudou mudaram-se os hábitos mudou ...
aquela:: ... eu por exemplo quando ia à cidade ... mo::ço e mesmo depois de
casado mesmo depois de ter filho da-aliás meu filho até está/ ... sempre deu/ ...
ch/ eh ch / ch/ me chamava atenção nisso--... mesmo quando eu vinha do interior
depois de ter morado no interior eu atravessava a cidade ... “T. como vai? ...
(NURC/SP, 396, D2, l. 619-631)
117
L1 referindo-se à mudança no clima da cidade de São Paulo, quando ocorre
uma autocorreção auto-iniciada, semântico-pragmática, parcial, que muda a direção
da conversa para a invasão da cidade de São Paulo e acentua que essa invasão é feita
principalmente pelo povo do Norte. Ele continua a falar sobre a mudança e então
realiza uma autocorreção auto-iniciada morfossintática ao dizer: “... então aí mudou
mudaram-se os hábitos” corrige o verbo no singular passando para o plural,
efetuando a concordância verbal.
L1 preserva sua face ao esclarecer as informações sobre as mudanças
ocorridas na cidade de São Paulo e, assim também, ao efetuar a autocorreção
morfossintática, demonstra ao interlocutor possuir conhecimentos sobre a língua
culta, razão pela qual, alterou “mudou” para “mudaram-se os hábitos”.
Ex. 33
As informantes conversam sobre o concurso para Procurador do Estado:
L2 mas então foi-se prorrogando a validade do concurso
L1 e daí você só ter sido chamada ...
L2 daí
[
L1 (há) questão de dois anos e meio
L2 é de dois anos e meio mas assim mesmo eu fui:: uma das últimas::...
a ser chamada ... agora não é?
L1 duração bem grande né?
L2 bem grande ... agora existe o:: concurso já faz ahn já:: já caducou não tem
mais validade ... mas ainda tem um número ... de acho que uns trinta umas
trinta pessoas mais ou menos ... que entraram com um novo mandado de
segurança
(NURC/SP, 360, D2, l. 606-617)
118
L2 fala sobre um concurso para procurador do Estado que já havia caducado,
sem que todos os aprovados tivessem sido convocados. Efetua uma autocorreção
auto-iniciada morfossintática quando muda o artigo indefinido “uns” para “umas”,
para passar uma informação precisa, fazendo uso da função referencial da correção e
com isso preservando sua face.
Ex. 34
O tópico conversacional tratado a seguir, diz respeito à televisão:
L1olha I... eu... como você sabe... u:ma pessoa um diretor lá da Folha...certa
feita me chamou... e me incumbiu de escrever sobre televisão...o que me parece é
que na ocasião...quando ele me incumbiu disso...ele pensou...que ele ia::...ficar
em face de uma recusa... e que eu ia esnobar ((ri))-agora vamos usar um
termo...que eu uso bastante que todo mundo usa muito -eu iria esnobar a
televisão ... como todo intelectual realmente esnoba...mas acontece...que eu já
tinha visto durante muito tempo televisão...porque::houve uma época na minha
vida que a literatura::me fazia prestar muita atenção...e eu queria era uma
fuga...então a minha fuga...era me deitar na cama...ligar o::receptor e ficar
vendo...ficar vendo...e:: aí eu vi...não só que já se fazia muita coisa boa e
também muita coisa ruim é claro...mas::vi também todas as possibilidades...que
aquele veículo...ensejava e que estavam ali laTENtes para serem
aproveitados...agora você...foi dos tempos heróicos...da mencionada luta.
(NURC/SP, 333, D2, l. 03-23 )
Na fala de L1 há duas correções, que podem ser classificadas como
autocorreções auto-iniciadas, ou seja, a locutora corrige a si mesma, no momento em
que explicava o acontecido, portanto no mesmo turno, colaborando para uma melhor
compreensão daquilo que desejava comunicar.
119
Primeiramente realçaremos o fato de L1 ter usado o pretérito imperfeito do
indicativo “ia esnobar”, que é muito comum na linguagem falada e que segundo
Bechara é uma ação futura ligada apenas a uma possibilidade, mudando depois para
o futuro do pretérito “iria esnobar” com a mesma idéia duvidosa, mas que revela
não apenas o domínio da língua culta, mas também uma certa preocupação em
demonstrar esse domínio. Efetua assim uma autocorreção morfossintática, mudando
o tempo verbal.
Trata-se de uma correção parcial , pois não possui a etapa da negação
daquilo que foi considerado inadequado, mas ficou implícito que o termo
considerado incorreto foi substituído, sem ser usado também um marcador de
correção.
Ainda no mesmo exemplo, L1 diz: que eu uso bastante que todo mundo usa
muito...”, ocasionando assim mais uma autocorreção morfossintática, uma vez que
substitui o pronome pessoal “eu” por uma expressão de terceira pessoa indefinida
“todo mundo” . Trata-se de uma correção parcial, em que a segunda fase é
manifestada (a correção) e a primeira (negação) apenas pressuposta.
Portanto, as autocorreções morfossintáticas nesse exemplo, demonstram a
preocupação de L1 em preservar a sua face, pois corrigiu para efetuar adequações
gramaticais.
Ex. 35
O assunto é a oferta de moeda no mercado financeiro:
Inf. (...) oferta de moeda... e nós vimos que existem dois tipos de oferta de
moeda... são... é o banco comercial isto é os bancos comerciais e o Banco...
120
Central... certo? o Banco Central de uma forma mais direta e os bancos
comerciais... através do mecanismo de multiplicação... ao emprestarem os...
éh:::... o dinheiro que os depositantes deixam no banco... bom hoje então agente
vai começar... demanda de... moeda... a gente quer saber agora... quais as razões
que faz... que fazem com que... ah ...-- (estou) meio preocupado (com o
gravador) ((risos)) --éh faz fazem... éh:::;;; ah quais as razões que levam as
pessoas a... demandarem moeda a procurarem moeda a guarDArem moeda... a
moeda como tal... o que...
(NURC/SP, 338, EF, l. 1-15)
Observamos nesse exemplo que o professor efetua duas autocorreções
parciais, morfossintáticas, quando diz: “são... é o banco comercial isto é os bancos
comerciais” e ainda “quais as razões que faz... que fazem com que”. Em ambos os
casos o professor corrige as pessoas dos verbos, sendo que no primeiro passa do
plural para o singular indeciso quanto à concordância e, no segundo, do singular para
o plural, fazendo a correta concordância verbal.
O professor preserva sua face quando diz: “estou meio preocupado com o
gravador”, quer dizer ele efetua as correções, porque está preocupado com a
gravação que está sendo feita.
Ex. 36
A informante falava sobre as profissões mais procuradas pelos jovens:
Inf. ... mas de uma forma geral eu acho que TOdo... todas as:: os ramos da
Medicina são têm... éh um há há um equilíbrio de procura ...do dos moços e das
moças que se formam em Medicina... acho que há um equilíbrio... pela
especialização... quer dizer (o meu) eu sou meia leiga pra falar nisdso mas eu acho...
pelo que a gente ouve falar eu acho que é assim... acho que há equilíbrio... agora
quanto a Dire::Ito... eu sou muito mais leiga do que eu sou em Medicina ((risos))
121
então mas ... eu acho... que acho que civil a criminal né::? que é são as duas...que
acho que mais eles procuram... tenho impressão... quer dizer que é só impressão isso
((risos))
(NURC/SP 251, DID, l. 254-265)
A informante realiza duas autocorreções auto-iniciadas morfossintáticas,
parciais quando corrige, na primeira, o verbo “ser” para “ter”(os ramos da medicina
são têm), e, ainda assim, percebendo a inadequação do uso do verbo ter, no sentido
de existir muda mais uma vez para haver (éh um há há um equilíbrio de procura).
Na segunda autocorreção auto-iniciada morfossintática, parcial, a informante
corrige o verbo ser novamente, que fora dito na primeira pessoa do singular (que é)
mudando para (são as) para concordar com os dois ramos preferidos na área de
direito, o civil, e o criminal.
Com o intuito de preservar sua face, a informante faz as autocorreções,
mostrando assim que se preocupou com a concordância verbal nas frases que
pronunciara. Ao deixar claro sua falta de conhecimento do assunto e o porquê de não
fornecer maiores detalhes, faz uso da estratégia de polidez positiva, justificando-se
para o documentador.
3.4. Preservação da face na repetição como ênfase de argumentação
Nos inquéritos do NURC, selecionados para esta pesquisa, a repetição
aparece nos exemplos a seguir, como um fator que caracteriza a preservação da face
do falante culto, uma vez que ao repetir certas palavras ou expressões, dá ênfase à
122
argumentação podendo ainda, fazer das repetições um meio de ganhar tempo para
reformular o que foi dito.
Ex. 37
As informantes conversam sobre a nova procuradora do Estado:
L1 na:: na administração ... causou uma certa:: um certo ciúme sabe? .. e ela teve dificuldade
no início mas parece-me que agora e porque ela queria SOZINHA fazer tudo ... sabe?
L2 ah é?
[
L1 houve isso
L2 sei
L1 é ela quis monopolizar o serviço ... os assessores ... nem sempre tinham
oportunidades agora não parece-me que ela compreendeu...a::... a
engrenagem da história... que ela ... tem que ser subordi/ tem que se
subor/bordinar AO Secretário da Justiça... ela não é autônoma... não é? Ela
tem que se subo/ bordinar ao Secretário da Justiça e tem que:: atender aos
seus ... assessores não é? ... ma::s ela é uma pessoa muito capaz...
L2 é eu soube
(NURC/SP, 360, D2, l. 761-777)
O que podemos observar nesse exemplo é que L1 efetua uma autocorreção
auto-iniciada semântico-pragmática, total, quando diz: “agora não parece-me que ela
compreendeu...a::... a engrenagem da história... que ela... tem que ser subordi/tem
que se subordinar AO Secretário da Justiça...ela não é autônoma... não é? Ela tem
que se subo/bordinar ao Secretário da Justiça” usando a repetição lexical como
ênfase de argumentação para falar que a nova Procuradora do Estado tem que
entender a sua subordinação ao Secretário da Justiça.
123
L1 preserva sua face com a autocorreção e com as repetições, uma vez que
deixa claro que a Procuradora havia monopolizado o serviço, esquecendo-se dos
assessores e de sua subordinação ao Secretário da Justiça.
Ex. 38
O tópico conversacional diz respeito ao excesso de trabalho na Procuradoria
do Estado:
L1 agora vai haver outro concurso...
L2 nós estamos esperan/
[
L1 não há data
L2 não há data
L1 prevista
[
L2 nós estamos esperando que haja... uma uma maior brevidade possível
L1 vocês precisam de pessoal né?
[
L2 nós estamos com mui::to trabalho ... muito trabalho MESmo ...
estou vendo toda essa campanha de arrecadação de ICM
L1 certo
[
L2 não sei quê... então está sendo::
L1 acarreta mais trabalho para vocês...
[
L2 acarreta... mas muiTÍSSImo... a gente trabalha... eu:: lá
eu já vi que (esse período) período da manhã... mas eu trago muito processo
para casa e faço em casa...
(NURC/SP, 360, D2, l. 468-472)
Observamos no exemplo 38, que a locutora 2 efetua uma autocorreção
semântico pragmática, parcial quando diz: “nós estamos com muito trabalho ... muito
124
trabalho MESmo ...”. Ela faz uso da repetição do advérbio “muito” para enfatizar o
argumento da grande quantidade de trabalho que possui na Procuradoria do Estado.
Ela preserva sua face de funcionária da procuradoria, com a ênfase nos
argumentos, pois devido a enorme quantidade de trabalho, uma parte dos processos
são levados para casa, a fim de que ela possa cumprir sua parte e suprir a falta de
funcionários.
Ex. 39
As informantes falam sobre carreira profissional:
L2 olha ah o ti/ o ti/ ah o especificamente o tipo de carreira ah eu acho que isso
seria qual/ qualquer uma ( ) quer dizer:: o o:: lado... de ciências mais human/ ah
de o lado humano o ou de::... ciências exatas como chamava-se no MEU tem::po
((risos)) [
L1 ( )
L2 né? quer dizer eu acho que isso in/independência da da ... variaria de acordo
com a com a::... com o dom de cada pessoa com o interesse de cada pessoa né?
mas eu acho o problema Para ... a mulher ... dona de casa a mulher-mãe a
mulher-esposa... é o problema de horários de adaptar a carreira ... com ...a a::
[
L1 a casa
L2 com a casa com a administração da casa
[
L1 do lar
(NURC/SP, 360, D2, l. 650-664)
Na autocorreção auto-iniciada efetuada por L2, quando diz: “Para ... a
mulher ... dona de casa a mulher-mãe e mulher-esposa ...” ela usa a repetição lexical
de adjetivos (dona de casa, mãe e esposa) com o intuito de enfatizar o argumento de
125
que para a mulher que deseja desempenhar vários papéis sociais, é difícil qualquer
carreira.
Com essa autocorreção por meio da repetição de argumentos, L2 preserva sua
face, uma vez que ela mesma vive o problema de ser dona de casa, mãe e esposa.
Ex. 40
As informantes conversam sobre a língua portuguesa no Brasil:
L1 mas olha a propó::sito da língua da terra jovem e da terra antiga da terra
de origem que no caso seria Portugal ... eu ... há muito anos quando eu já
estava acho que começando na minha carreira de jornalista ... eu:: ... tive uma
uma entrevista ... com uma senhora que era embaixatriz do :: ... do Canadá ...
em ... eh:: no Bra/ eh:: no Brasill ... Madame ( ) ... o marido dela o
embaixador era poeta ... é é era um embaixador poeta um embaixador
intelectual ...
(NURC/SP, 333, D2, l. 218-226 )
Observamos autocorreções auto-iniciadas semântico pragmáticas, parciais,
pelo uso de repetição como ênfase de argumentação, quando L1 afirma: “terra antiga
da terra de origem que no caso seria Portugal” ela repete para dar importância à
Portugal, nosso berço lingüístico e também, “embaixador era poeta... é é era um
embaixador poeta um embaixador intelectual”. L1 repete “embaixador” para
enfatizar a importância do cargo, bem como usa a repetição lexical de adjetivos para
enfatizar essa importância.
L1, ao fazer uso da repetição, preserva sua face positiva, pois faz uso da
repetição para enfatizar seus argumentose estabelecer um elo coesivo, o que é muito
importante para um falante que se preocupa com o desempenho lingüístico.
126
Ainda sobre a repetição como ênfase de argumentação o exemplo 41 deixa
mais claro esse tipo de procedimento.
Ex. 41
Inf. com exceção d’O inspetor... que nós colocamos propaganda em jornal... e::
e cartazes em:: esco::las em faculda::des em restauran:tes... esses cartazes
tradicionais de teatro... e tivemos... o:: algum apoio da Folha de São Paulo... e::
da:: Jovem Pan... naquela época tinha um programa chama/parece que Ginkana
da madrugada não me recordo... não me recordo também... Ingratamente não
me recordo do apresentador do programa que era o produtor também... éh::
José Carlos Romeu... se eu não me engano era o nome dele... então ele nos deu
muito apoio fazendo promoção propaganda da nossa peça inclusive fez uma
entrevista no programa dele uma noite com:: parte do:: da:: da:: equipe da do dos
artistas e da equipe da da peça...
(NURC/SP, 161, DID, l. 474-487)
O informante falava sobre as apresentações das peças do grupo de teatro e o
apoio recebido da Folha de S.Paulo e de um programa da época chamado “Ginkana
da madrugada”, quando diz: “não me recordo... não me recordo também...
Ingratamente não me recordo do apresentador do programa que era o produtor
também...”. Ao repetir, ele efetua um autocorreção auto-iniciada semântico-
pragmática, lexical, parcial, como ênfase para sua argumentação.
O informante preserva sua face com a repetição dos argumentos e com o uso
do marcador “parece” que denota incerteza em sua formulação, bem como com a
expressão “se não me engano” sobre o verdadeiro nome do produtor do programa.
Ele faz uso de uma estratégia de polidez positiva manifestando interesse em falar
sobre o assunto, apesar de ter sido traído pela memória.
127
Ex. 42
O informante falava sobre a montagem de uma peça de teatro:
Inf. ...e no final da peça todo mundo aplaudiu de PÉ... uma peça do Molière...
foi adapta::da... evidentemente... para atingir a:: um um público... não tão
culto... talvez né? não sei ... e:: fez um sucesso tremendo e não não não...
possuía cenário nenhum recurso técnicos nenhum nada nada nada a não
ser os artistas trabalhando... e uma roupagem exTREmamente simples..
que eles apresentavam extremamente simples realmente... e:: fez um sucesso
enorme...
(NURC/SP, 161, DID, l. 591-599)
Nesse exemplo o informante estrutura uma autocorreção auto-iniciada,
semântico-pragmática, total, quando afirma: “fez um sucesso tremendo e não não
não... possuía cenário nenhum nada nada nada a não ser os artistas trabalhando... e
uma roupagem exTREmamente simples...”.
O informante faz uso da repetição para explicar que a peça não dispunha de
grandes recursos técnicos, mas apesar disso, fizera sucesso. Dessa forma preserva
sua face, à medida que conseguiu fazer um bom trabalho, apesar de a peça ser
extremamente simples, repetindo o pronome indefinido (nada) para enfatizar esse
fato.
Como vimos os exemplos mencionados mostram como o falante culto do
Projeto NURC/SP, preserva sua face com o uso da correção lingüística, em várias
situações de interação.
128
3.4. Análise dos dados colhidos nos exemplos
O Projeto NURC publicou 21 inquéritos assim divididos: elocuções formais,
diálogo entre informante e documentador e diálogo entre dois informantes,
realizados com falantes do sexo masculino e feminino, pertencentes a três faixas
etárias: a primeira de 25 a 35 anos de idade (30%), a segunda de 36 a 55 anos de
idade (45%) e a terceira de 56 anos de idade em diante (25%). Dos inquéritos acima
citados, como já foi dito, selecionaram-se 42 exemplos para a análise aqui realizada.
Sendo assim, apresentamos abaixo, um quadro demonstrativo das
ocorrências de autocorreções auto-iniciadas – na clareza, na hesitação, na
adequação gramatical e na repetição –, por tipo de inquérito, distribuídas em quatro
situações de reformulação discursiva, com a finalidade de se preservar a face em
circunstâncias sociointerativas.
Quadro 01 - Número de exemplos
Inquéritos Clareza Hesitação Adequação Repetição
Gramatical
Diálogo entre informante
e documentador (DID) 07 11 01 02
Diálogo entre dois
Informantes (D2) 07 04 04 04
Elocução Formal (EF) -- 01 01 --
No quadro 01, podemos notar maior incidência das autocorreções na
clareza discursiva nos diálogos entre informante e documentador (DID) e nos
diálogos entre dois informantes D2, perfazendo um total de 14 ocorrências.
129
Na hesitação, um grande número de autocorreções também ocorre,
distribuídas entre os dois tipos de diálogos, sendo que o DID aparece com 11
ocorrências e o D2 com apenas 4. As elocuções formais aparecem com apenas 01
caso.
Ainda no quadro 01, observamos 6 ocorrências de adequações gramaticais,
que se dividem em 1 caso nos diálogos entre informante e documentador DID,
quatro nos diálogos entre dois informantes D2, e um nas elocuções formais EFs.
As ocorrências de repetição com ênfase de argumentação somam seis casos,
sendo, dois nos diálogos entre informante e documentador DID, e os outros quatro
nos diálogos entre dois informantes D2.
Nos exemplos analisados os falantes efetuaram essas autocorreções, no
momento da interação, pois ao se autocorrigirem, realçaram a necessidade de
preservar a face, caracterizados por vários fatores, sempre fazendo uso de um dos
meios de correção apontados no referencial teórico no capítulo 2.3., bem como de
uma estratégia lingüística apontada no capítulo 2.4.
Podemos observar que em todas as faixas etárias e no sexo masculino e
feminino ocorreram casos de autocorreções como estratégia discursiva para
preservação da face, uma vez que o falante considerado culto monitora o uso da
linguagem preocupando-se inclusive, em esclarecer muito bem as informações
transmitidas. Para tanto, se vale de estratégias como a hesitação, com pausas e
prolongamentos de vogais. Quando não consegue expor com clareza, reformula,
corrige enganos gramaticais e faz uso da repetição para enfatizar seus argumentos.
130
Os exemplos selecionados representaram também a porcentagem de
incidência de correção com preservação da face, por faixa etária e sexo, conforme
segue:
Quadro 02 - Elocução Formal - EF
Fator 1ª f. etária 1ª f. etária 2ª f. etária 2ª f. etária 3ª f. etária 3ª f. etária
M F M F M F
Clareza -- -- -- -- -- --
Hesitação -- 2,38% -- -- -- --
Adequação
Gramatical 2,38% -- -- -- -- --
Repetição -- -- -- -- -- --
No quadro 02, enfocamos os casos ocorridos nas elocuções formais, somente
dois, os quais demonstram que o tipo de interação não propicia diálogos e portanto,
não registra um número significativo de autocorreções como preservação da face,
pois o professor , até comete “erros”, mas não os corrige, pois não se faz necessário,
por se tratar de uma interação marcadamente educativa.
Observamos contudo, que os dois casos, sendo o primeiro de hesitação e o
segundo de adequação gramatical ocorreram, um no feminino e o outro no
masculino, ambos na primeira faixa etária. Com apenas esses dois exemplos
encontrados, julgamos que a preservação da face nas elocuções formais não
aparece em grande número, por tratar-se de uma interação assimétrica, onde há o
domínio de um único interactante.
131
Quadro 03 - Diálogo entre informante e documentador - DID
Fator 1ª f. etária lª f. etária 2ª f. etária 2ª f. etária 3ª f. etária 3ª f. etária
M F M F M F
Clareza 2,38% -- 7,14% 2,38% -- 4,76%
Hesitação 9,53% 4,76% -- 4,76% 7,14% --
Adequação
Gramatical -- 2,38% -- -- -- --
Repetição 4,76% -- -- -- -- --
Notamos que, no quadro 03, nos diálogos entre informante e documentador –
DID, há uma preocupação em preservar a face com o uso das autocorreções.
Predomina a clareza nas três faixas etárias, no sexo masculino e feminino. A
hesitação vem em segundo plano, mas também dominando nas três faixas etárias,
masculino e feminino. Quanto às adequações gramaticais e a repetição aparecem
com um caso cada uma nas primeiras faixas etárias, e sexo masculino e feminino.
Nos diálogos entre informante e documentador, caracterizados dentro do
Projeto NURC como entrevistas, diferente das elocuções formais marcadamente
didáticas, existe uma cooperação entre os participantes, e os informantes esforçam-
se por responder ao que é colocado pelo documentador e sobretudo para cooperar na
interação.
Nesse sentido é que acontecem as autocorreções, uma vez que os
informantes querem cooperar, mas também preservar a sua face como conhecedor e
falante culto.
132
Portanto, nesse quadro (DID) podemos notar que as ocorrências de
autocorreções estão distribuídas em todos os fatores e faixas etárias, sendo que em
alguns com maior incidência e outros com menor, mas todos preocupados em se
autocorrigir.
Quadro 04 - Diálogo entre dois informantes – D2
Modo 1ª f. etária lª f.etária 2ª f. etária 2ª f. etária 3ª f. etária 3ª f. etária
M F M F M F
Clareza 2,38% -- 7,14% -- 7,14%
Hesitação 7,14% -- -- -- 2,38%
Adequação
Gramatical -- -- 2,38% -- 7,14%
Repetição 7,14% -- -- -- 2,38%
O quadro 04 refere-se ao diálogo entre dois informantes D2, sendo que neste
tipo de inquérito, mais precisamente os de número 343 (primeira faixa etária) e 396
(terceira faixa etária) os informantes que participam da conversação pertencem ao
sexo masculino e feminino, por isso a primeira coluna do quadro não dintingue o
sexo. Notamos que a clareza predomina nas três faixas etárias, sendo que a
hesitação aparece na primeira e na terceira faixa etária; as adequações gramaticais
na segunda e terceira faixa etária; e a repetição na primeira e na terceira faixa etária,
variando bastante quanto às faixas etárias e quanto ao sexo.
Nesse quadro podemos notar que a preocupação maior com a preservação da
face nos quatro modos selecionados, encontra-se na terceira faixa etária. Nos
diálogos analisados da terceira faixa etária, observamos que os informantes estavam
133
preocupados com os papéis sociais desempenhados e em razão disso a preocupação
com o bom uso da linguagem era maior. Em razão disso aconteceu o maior número
de autocorreções efetuados pelos informantes.
A primeira faixa etária possui um grande número de autocorreções, por
causa do caráter mais interativo e polêmico dos diálogos, contudo as ocorrências
demonstram uma certa insegurança com o uso da hesitação e a repetição.
Na situação de interação do Projeto NURC/SP existe uma preocupação dos
falantes em preservar a face, pois o falante sabe que será gravado para projeto
universitário de estudo da linguagem culta, o que lhe confere responsabilidade e
policiamento da linguagem
Desse contexto decorrem as estratégias lingüísticas usadas para a
preservação da face e entre elas a correção, sendo a autocorreção auto-iniciada a que
mais aparece, o que poderia ser explicado pelo fato de o falante, ao corrigir-se,
procurar evitar as conseqüências, geralmente negativas, de seu “erro” e também
pela condição dos locutores de serem pessoas cultas.
Quanto aos tipos de “erros” encontrados podemos apontar que, excetuando-
se, algumas correções morfossintáticas, a maioria dos casos é de correções
semântico-pragmáticas, sendo esses erros os que prejudicam a boa compreensão de
conteúdos informativos ou argumentativos, o que reforça a idéia de que a
intercompreensão é o papel fundamental da correção.
Os resultados de análises do material que compõe o Projeto NURC/SP já
propiciaram conclusões de lingüistas (Barros, 1999), segundo os quais, as correções
ocorrem muito pouco, pois os falantes cultos “erram” menos. As que ocorrem,
assinalam a preocupação dos falantes cultos com os bons usos da linguagem.
134
Das correções encontradas nos inquéritos, foram selecionados 42 exemplos
(Quadro 01), retirados da amostragem publicada nos três volumes do Projeto
NURC que continham elocuções formais (EF) (vol. I), diálogo entre dois
informantes (D2) (vol. II) e diálogo entre informante e documentador (DID) (vol.
III).
Nessa amostragem de 21 inquéritos, levamos em conta a faixa etária e o
sexo dos informantes, sendo que nos diálogos entre informante e documentador
(DID), foram encontrados casos de autocorreção em 07 inquéritos, nos diálogos
entre dois informantes em 05 inquéritos, e nas elocuções formais em 02 inquéritos,
que abrangem a lª, 2ª e 3ª faixas etárias, e o sexo masculino e feminino.
Como já mencionamos foram encontradas quatro fatores que caracterizam os
falantes cultos na preservação da face, fazendo uso da autocorreção auto-iniciada,
ou seja: na clareza, na hesitação, na adequação gramatical e na repetição como
ênfase de argumentação.
Pela análise dos exemplos podemos concluir que a correção como
preservação da face ocorre em todas as faixas etárias com predominância nas
entrevistas e nos diálogos entre dois informantes, onde os falantes interagem
corrigindo para uma melhor intercompreensão. Nas elocuções formais ocorre o
menor número de autocorreções, pois o professor universitário, embora também
cometa “erros” não os corrige, continuando na sua exposiçao, uma vez que sua face
está preservada pelo seu papel social naquele momento.
Nos diálogos do NURC muitas vezes, se desenvolvem sentimentos de
familiaridade entre os interactantes e as correções colaboram nesse sentido. Como o
135
falante deseja cooperar e manter sua face positiva ele corrige para manifestar seu
saber e poder.
Quando quer preservar sua face de conhecedor procura corrigir para
esclarecer melhor o que quer dizer. Ao hesitar coloca sua dúvida quanto ao assunto,
mas não se expõe, para não perder a face.
Nas adequações gramaticais, ele preserva sua face, pois qualquer que seja
essa adequação, não é própria de um falante culto, conhecedor da norma padrão da
linguagem.
Nas repetições, com ênfase de argumentação, o falante preserva sua face,
pois não encontra palavras no momento e, se autocorrige, repetindo para enfatizar o
assunto sobre o qual está falando.
Como foi possível verificar até aqui, a preservação da face é uma constante
na vida cotidiana das pessoas, uma vez que a teoria da face positiva e negativa
encaixa-se perfeitamente nas interações humanas, embora os indivíduos não tenham
conhecimento e estejam sempre agindo inconscientemente.
Como o Projeto NURC/SP trata de falantes cultos, portanto com maior
preocupação lingüística a preservação da face faz parte desse contexto, onde o
indivíduo tem um “status” social a ser também preservado pela linguagem
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve por objetivo verificar como o falante culto preserva sua
face, pelo uso da correção lingüística ou reformulação textual, nos inquéritos do
136
Projeto NURC. Visamos principalmente a selecionar exemplos que demonstrassem
como ocorre o fato da preservação da face, por faixa etária e sexo.
A escolha do corpus recaiu sobre os inquéritos do Projeto NURC/SP, onde
os informantes efetivamente não prepararam as suas falas, apenas foi-lhes proposto
um tema, acerca do qual se desenvolveu livremente a conversação, tratando-se,
portanto, de uma orientação temática, mas sem nenhuma antecipação de esquema de
desenvolvimento conversacional
Como fato lingüístico a correção caracteriza-se por ser própria da oralidade e
por só poder ser analisada no seu contexto, que é um diálogo, uma conversação, em
que é possível distinguirem-se os “erros” e suas correções. No corpus muitas foram
as correções encontradas, mas os exemplos são de correções nas quais o falante
preserva sua face.
Com base nisso e nas teorias da preservação da face de Goffman e Brown &
Levinson é que selecionamos os 42 exemplos mencionados no capítulo 3, com os
quais demonstramos como ocorre a autocorreção com a preservação da face.
O falante ao fazer uso da autocorreção evidencia que se enganou com o que
disse e procura corrigir logo em seguida. Dessa auto-iniciativa podemos denotar a
preocupação da face, uma vez que poderia ser questionado pelo interlocutor o que
geraria uma heterocorreção, ou ainda a incompreensão daquilo que pretendia dizer.
Na maioria das vezes o falante se autocorrige no mesmo turno, logo em
seguida ao “erro”, para que não haja intromissão do interlocutor, bem como para
que aconteça uma intercompreensão.
137
Quanto às faixas etárias e o sexo masculino e feminino, observamos uma
preocupação de maneira geral em preservar a face. Em alguns inquéritos, notamos
que pela posição social dos informantes que eram pessoas que tinham projeção na
mídia e pertenciam à terceira faixa etária, portanto mais preocupados com a face,
houve uma ocorrência maior de correções nos quatro fatores, do que podemos
concluir como mais acentuadas as autocorreções nesse tipo de informante e nessa
faixa etária.
Na primeira faixa etária ocorreram muitos casos de autocorreções que nos
levaram a denotar uma insegurança dos falantes, uma vez que o maior número
concentrou-se na hesitação e na repetição.
Com base nos resultados obtidos com as análises, julgamos que a correção
lingüística aliada à preservação da face faz parte do cotidiano dos falantes,
principalmente os considerados cultos, pois são esses que mais se preocupam com o
uso da língua
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