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UNIVERSIDADE PAULISTA
A Rádio Nacional e a
Produção de Radioteatro
JORGE MARCOS HENRIQUES
FERNANDES
SÃO PAULO
2007
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2
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
A RÁDIO NACIONAL E A
PRODUÇÃO DE RADIOTEATRO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Comunicação da Universidade Paulista – Unip,
como requisito parcial para obtenção do título de
mestre em Comunicação, sob orientação do Prof.
Dr. Antonio Adami.
JORGE MARCOS HENRIQUES FERNANDES
SÃO PAULO
2007
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3
AGRADECIMENTOS:
Ao prof. Dr. Antonio Adami, pela amizade e orientação durante a elaboração ao
longo destes anos.
À profª Drª Malena Segura Contrera pelas sugestões efervescidas na
Qualificação.
À profª Drª Jerusa Pires Ferreira pelas sugestões oferecidas quando da minha
Qualificação.
Ao pessoal da Secretaria pela atenção dada durante os estudos.
Dedicatória
À minha família e à Carla Ilkiu
4
RESUMO
O propósito desta Dissertação é estudar a Rádio Nacional como pioneira na produção do
radioteatro brasileiro. Capítulo I analisa a origem e o desenvolvimento do rádio no Brasil, sob
aspectos históricos. Parte da premissa de que os caminhos do rádio se inter-relacionam com os
caminhos político-econômicos e sócio-culturais do Brasil. Baseando-se na obra La radio por
dentro y por fuera, de Jimmy Garcia Camargo, o autor enfatiza a descoberta da eletricidade
como fator que proporcionou a invenção do aparelho capaz de transmitir sinais através de ondas
eletromagnéticas, dispensando a conexão por meio de fios. As invenções do telégrafo e do
telefone constituem a base da radiodifusão. Esses equipamentos permitiam a transmissão de
sinais, com o uso de fios. Os militares foram os pioneiros a utilizarem a teleradiodifusão pelo fato
de ser um instrumento que facilitava comunicação entre os navios de uma frota. A paternidade
do invento do rádio foi atribuída a Guilherme Marconi, graças aos interesses e apoio da
Inglaterra. Porém, no Brasil, a figura do padre Landell de Moura que inventou construiu
equipamentos para a radiodifusão sonora, começa ser apontado como precursor de Marconi.
Contudo, não obteve apoio do governo brasileiro, apesar de ter suas invenções patenteadas nos
Estados Unidos, como acentua Antonio Costella. A radiodifusão é implantada no Brasil, após a
Primeira Guerra Mundial, em 1922. Nesse ano festejava-se o Centenário da Independência.
Duas importantes indústrias de produtos eletrônicos, a Westinghouse e a General Electric,
colaboraram nas instalações da primeira emissora brasileira que foi denominada mais tarde de
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro por iniciativa de Roquette Pinto e Henrique Moritze. Após
destacar os fatos que marcaram o início da radiodifusão brasileira, incluindo as fases em que
surgem as primeiras modificações da programação chega-se à conclusão, de que o Capítulo I
enfatiza que o rádio tem uma importância fundamental graças ao seu alcance geográfico e a
função de informar, formar, orientar, educar e entreter o seu público-alvo. O capítulo II enfatiza o
radiodrama como veia artística da radiodifusão sonora.
Sinaliza que existem poucos autores que tratam do gênero. No Brasil, Antonio Adami escreveu
sobre o tema em livros e revistas. Para a redação deste texto recorreu-se a Fernando Curado
Ribeiro (de Portugal) e à coletânea organizada por George Bernard SPERBER, (da Alemanha).
A produção do radiodrama tem sua origem quase concomitante ao surgimento do próprio rádio.
As primeiras peças surgiram na Europa, a partir de 1924, como assinala Fernando Curado
Ribeiro. Para esse autor, a primeira peça que marca definitivamente foi francesa e era
denominada de Maremoto, datada de maio de 1924. O texto do radiodrama possui
peculiaridades em relação aos demais gêneros radiofônicos. Ribeiro indica uma estrutura para
sua produção. Esse autor classifica as etapas de uma produção radiofônica, identifica os códigos
da linguagem radiofônica aplicados ao radiodrama. De falar de “imagens sonoras”, o autor
ensina que “ruídos e trucagens” fazem parte da arte da dramaturgia no rádio. Os “elementos da
peça radiofônica” são apresentados por Wemer Klippert, na coletânea de Sperber, destaca a
função do microfone e da fita magnética na edição de peças. Tratava-se de uma tecnologia que
colocava no ostracismo a apresentação ao vivo, como acontecia nos primeiros tempos do rádio.
Depois de focalizar o rádio como instrumento de difusão da cultura popular, este capítulo traça
um perfil da Era Vargas, em que o controle do Estado se fazia presente em toda programação
nacional, com o objetivo de manipular a opinião pública para a manutenção do “status quo” do
sistema vigente no Brasil. No capítulo III aborda-se a Raio Nacional como fenômeno de
vanguarda em se tratando da radiodifusão sonora no Rio de Janeiro e no Brasil. Analisa as fases
pelas quais a emissora passou desde sua fundação, em 1936. Enfatiza seu papel no
desenvolvimento da programação popular, principalmente na difusão de gêneros de produção de
radioteatro. A Rádio Nacional deixou uma marca na história da radiodifusão sonora, mormente
em se tratando de produções de radionovelas, antes do advento da Televisão, em 1950. A nova
mídia fez com que o rádio buscasse novas alternativas de linguagens. A isso se deve o
surgimento das emissoras de Freqüência Modulada (FM). As programações iniciais constavam
mais de músicas dirigidas aos jovens. As emissoras em AM, conhecidas como Onda Média,
diante da Televisão, também se adequaram à nova dimensão da cultura midiática no Brasil.
Ressalte-se que a Rádio Nacional destacou-se, sobretudo, pela produção do radioteatro. Sua
capacidade administrativa, descobriu que o radioteatro trazia para a emissora uma grande
5
audiência. O radioteatro começou na Rádio Nacional três meses após a sua inauguração, com a
transmissão de diálogos humorísticos ou não, intercalando números musicais. Isso foi em
dezembro de 1936. Mas só a agosto de 1937 é que estreou o "Teatro em Casa", com a
irradiação de peças completas. A novela em capítulos teve início dia 5 de junho de 1941, às 10 e
meia da manhã,com produção de "Em busca da felicidade". Às 20 horas da noite de 8 de janeiro
de 1951 entrava no ar, pela pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o primeiro capítulo de "O
direito de nascer", do cubano Félix Caignet. A mais famosa novela da história do rádio brasileiro
ficou em cartaz até setembro de 1952, perfazendo um total de 260 capítulos. No ano seguinte, a
Nacional inaugurava um novo estúdio de radioteatro, com recursos tais que foi considerado na
época o melhor do mundo. Sob o patrocínio de Melhoral e do Leite de Magnésia de Philips,
também em 1953 estreou a série "Jerônimo, o herói do sertão", de Moysés Weltman, que ficaria
no ar até 1967. Portanto, essa produção de radioteatro ficou no ar durante 14 anos. Foi
retransmitida em centenas de emissoras em todo o território nacional. Durante toda a a década
de 1950 as dramatizações eram componentes-chaves da programação das principais emissoras
do país Do cast da Rádio Nacional faziam parte os artistas mais famosos, campeoníssimos dos
concursos de "Melhores do Rádio", realizados periodicamente pelas revistas especializadas,
como a Revista do Rádio e a Radiolândia. Até meados da década de 1950, o Radioteatro
Nacional produziu e foram irradias 861 novelas, as mais ouvidas do rádio brasileiro, segundo as
mais seguras pesquisas de audiência.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Rádio Nacional; Produção; Radioteatro; Audiência
ABSTRACT
6
The intention of this Dissertação is to study the National Radio as pioneering in the production of
the Brazilian radio theater. Chapter I analyzes the origin and the development of the radio in
Brazil, under historical aspects. Part of the premise of that the ways of the radio if interrelate with
the politician-economic and partner-cultural ways of Brazil. Being based on the La workmanship
radio on the inside y for fuera, of Jimmy Garci'a Camargo, the author emphasizes the discovery
of the electricity as factor that provided the invention of the device capable to transmit signals
through electromagnetic waves, excusing the connection by means of wires. The inventions of
the telegraph and the telephone constitute the base of the broadcasting. These equipment
allowed the transmission of signals, with the wire use. The military had been the pioneers to use
the teleradiodifusão for the fact of being an instrument that facilitated communication enters the
ships of a fleet. The paternity of I invent it of the radio was attributed to Guillermo Marconi, thanks
to the interests and support of England. However, in Brazil, the figure of the Landell priest de
Moura who invented constructed equipment for the sonorous broadcasting, starts to be pointed
as precursory of Marconi. However, it did not get support of the Brazilian government, although to
have its inventions patented in the United States, as it accents Antonio Costella. The
broadcasting is implanted in Brazil, after the World War I, in 1922. In this year the Centenarian of
Independence festejava itself. Two important industries of electronic products, the Westinghouse
and General Electric, had collaborated in the installations of the first Brazilian sender who was
later called of Radio Society of Rio De Janeiro for initiative of Roquette Pinto and Enrique
Moritze. After to detach the facts that had marked the beginning of the Brazilian broadcasting,
including the phases where the first modifications appear of the programming arrives it the
conclusion, of that Chapter I emphasizes that the radio has a basic importance thanks to its
geographic reach and the function to inform, to form, to guide, to educate and to entertain its
public-target. Chapter II it emphasizes radiodrama as artistic vein of the sonorous broadcasting.
He signals that few authors exist who deal with the sort. In Brazil, Antonio Adami wrote on the
subject in books and magazines. For the writing of this text Cured Fernando appealed itself to it
Ribeiro (of Portugal) and to the coletânea organized for George Bernard SPERBER, (of
Germany). The production of radiodrama has its almost concomitant origin to the sprouting of the
proper radio. The first parts had appeared in the Europe, from 1924, as it designates Cured
Fernando Ribeiro. For this author, the first part that it marks definitively she was French and she
was called of Tidal wave, dated of May of 1924. The text of radiodrama possesss peculiarities in
relation to the too much radiofônicos sorts. Ribeiro indicates a structure for its production. This
author classifies the stages of a radiofônica production, identifies the applied codes of the
radiofônica language radiodrama. Of speaking of “sonorous images”, the author teaches that
“noises and trucagens” are part of the art of the dramaturgia in the radio. The “elements of the
radiofônica part” are presented by Wemer Klippert, in the coletânea of Sperber, detach the
function of the microphone and the magnetic ribbon in the edition of parts. One was about a
technology that placed in the ostracism the presentation to the living creature, as it happened in
the first times of the radio. After After focusing the radio as instrument of diffusion of the popular
culture, this chapter traces a profile of the Age Vargas, where the control of the State if made
present in all national programming, with the objective to manipulate the public opinion for the
maintenance of the “status quo” of the effective system in Brazil. In chapter III it is approached
National Ray as phenomenon of vanguard in if treating to the sonorous broadcasting in Rio De
Janeiro and Brazil. It analyzes the phases for which the sender passed since its foundation, in
1936. It emphasizes its paper in the development of the popular programming, mainly in the
diffusion of sorts of radio theater production. The National Radio left a mark in the history of the
sonorous broadcasting, mainly in if treating to productions of radionovelas, before the advent the
Television, in 1950. The new media made with that the radio searched new alternatives of
languages. To this if it must the sprouting of the senders of Freqüência Modulada (FM). The initial
programmings more than consisted musics directed to the young. The senders in AM, known as
7
as Average Wave, ahead of the Television, had also adjusted themselves to the new dimension
of the midiática culture in Brazil. She standes out myself that the National Radio was
distinguished, over all, for the production of the radio theater. Its administrative capacity,
discovered that the radio theater brought for the sender a great hearing. The radio theater after
started in the National Radio three months its inauguration, with the transmission of humorísticos
dialogues or not, intercalating musical numbers. This was in December of 1936. But the August of
1937 only is that the “Theater in House” estreou, with the irradiation of complete parts. The novel
in chapters had beginning day 5 of June of 1941, to the 10 and stocking of the morning, with
production of “In search of the happiness”. To the 20 hours of the night of 8 of January of 1951 it
entered in air, for the one for the National Radio of Rio De Janeiro, the first chapter of “the right of
being born”, of the Cuban Félix Caignet. The most famous novel of the history of the Brazilian
radio was in poster until September of 1952, perfazendo a total of 260 chapters. In the following
year, the National one inaugurated a new studio of radio theater, with resources such that were
considered at the time optimum of the world. Under the sponsorship of Melhoral and the
Magnesia Milk of Philips, also in 1953 “Hieronymite, the hero of the hinterland” estreou the series,
of Moysés Weltman, that would be in air up to 1967. Therefore, this production of radio theater
was in air during 14 years. It was relayed in hundreds of senders in all the domestic territory.
During all to the decade of 1950 the dramatizações were component-keys of the programming of
the main senders of the country Of cast of the National Radio the artists were part most famous,
campeoníssimos of the competitions of “Better of the Radio”, carried through periodically for the
specialized magazines, as the Magazine of the Radio and the Radiolândia. Until middle of the
decade of 1950, the National Radio theater produced and had been radiates 861 novels, the
most heard of the Brazilian radio, according to safer research of hearing.
KEYWORDS: Communication; National radio; Production; Radio theater; Hearing
8
SUMÁRIO
Introdução 7
Capítulo I
Origem e desenvolvimento do
rádio brasileiro 11
Capítulo II
Radioteatro e Cultura popular 41
Capítulo III
Rádio Nacional: a vanguarda da
radionovela brasileira 67
Considerações finais 82
Referências Bibliográficas 89
9
Introdução
Sete de setembro de 1922, além de ser a data referente ao primeiro
centenário da Independência, é também simbólica para os meios de
comunicação. Em especial, para a radiodifusão sonora brasileira. Foi neste dia
que o público carioca ouviu, via rádio, o discurso do presidente Epitácio Pessoa.
Entretanto, muitos pesquisadores da área consideram que este fato fora
somente uma demonstração porque não houvera a intenção de continuidade. De
fato, terminada a exposição do centenário da independência, encerraram-se as
transmissões. Desse modo, portanto, considera-se o dia 20 de abril de 1923
como o marco histórico no qual instala-se definitivamente o rádio no Brasil.
Foi nesse dia que os entusiastas e empreendedores Edgard Roquette
Pinto e Henry Moritze criaram a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A primeira
emissora brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, adota como slogan a
síntese dos objetivos de seu idealizador: “Trabalhar pela cultura dos que vivem
em nossa terra e pelo progresso do Brasil”. A partir de então, houve uma
evolução gradativa do rádio, principalmente até a chegada da televisão, em 18
de setembro de 1950.
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro (PRE-8), fundada em 12 de setembro
de 1936
1
, considerada um marco na história do rádio brasileiro. torna-se a mais
importante emissora brasileira. Constitui-se de um gigantesco complexo, com
um esquema comercial que lhe assegura respaldo econômico. Em 1940,
juntamente com a empresa “A Noite”, a Rádio Nacional incorpora-se ao
patrimônio da União. Cria-se o radioteatro.
1
Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. Frase proferida pelo locutor Celso
Guimarães às 21 horas deste dia, dando início à transmissão da Rádio Nacional.
10
A relevância da Rádio Nacional não se restringe tão-somente ao contexto
criador de programas musicais de auditório, mas também aí se insere o rádio-
teatro. Inova, sobremaneira, a linguagem do jornalismo radiofônico. O
informativo “Repórter Esso”, inaugurado em 28 de agosto de 1941, atrai a
atenção dos radiouvintes do território nacional.
Na década de 40, as empresas multinacionais passam a ter no rádio um
aliado para sua entrada no mercado brasileiro - como já vinha ocorrendo em
outros países das Américas. Em 1941, era lançada na Rádio Nacional a primeira
radionovela no Brasil: Em busca da Felicidade, que foi ao ar durante cerca de
três anos, pela PRE-8.
Segundo Renato Ortiz
2
, as radionovelas eram utilizadas nos Estados
Unidos e em alguns países da América Latina como estratégia para o aumento
na venda de produtos de higiene e de limpeza.
Em busca da felicidade era um original cubano de Leandro Blanco
adaptado por Gilberto Martins a pedido da Standart Propaganda, que além de
patrocinar o programa escolheu o horário matinal para seu lançamento. A
experiência parecia ousada. O horário escolhido era de baixa audiência.
Entretanto o patrocinador criou uma estratégia para avaliar a receptividade do
novo gênero oferecendo um brinde a cada ouvinte que enviasse um rótulo do
creme dental Colgate.
Logo no primeiro mês de promoção chegaram 48.000 pedidos
comprovando a eficácia comercial da nova programação. Com o sucesso do
gênero logo surgem novas radionovelas em outras faixas de horários. A
Nacional se transformou em uma verdadeira fábrica de ilusões, pois, suas
novelas marcaram época, forjaram hábitos e atitudes, despertaram polêmicas e
fizeram muito sucesso junto ao público ouvinte. As mudanças de estilo na
linguagem do radiojornalismo ocorrem após 1940, quando o rádio brasileiro vive
2
(Renato Ortiz. A moderna tradição brasileira - Cultura Brasileira e Indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1988, p. 44 e 45).
11
seu apogeu como espetáculo. Período este que se estende por quinze anos, de
1940 a 1955.
É dentro desse cenário espetacular de produção radiofônica que é
transmitida a primeira radionovela brasileira Em busca da felicidade. Esse fato
marca o início do gênero radioteatro no Brasil.
Durante esse período, o núcleo de radiodramaturgia foi a coqueluche de
então. Porém, a área carece de um estudo histórico que destaque a importância
desse tipo de programação no cenário dos meios de comunicação de massa no
Brasil. Porém, para obter esse êxito, a radiodramartugia deve seguir um roteiro,
minuciosamente, elaborado
3
. Depender somente de meios auditivos, dentro de
uma aldeia global em que prevalece meio visual, requer apreço.
Esse gênero de radiodifusão sonora também é capaz de adaptar obras
literárias ao cerne da comunicação oral, o que para Alceu Amoroso Lima é de
compreensão imediata. Para o jornalista, “a palavra impressa não tem a
repercussão imediata que tem a palavra oral” (LIMA, 1990, p.23). Sobre esse
prisma, Adami observa que:
O rádio e a literatura têm proporcionado momentos de extrema beleza
história afora, inclusive sendo cúmplices um do outro. É esta
cumplicidade e ‘invasão’ de uma linguagem na outra – a transmutação
de linguagem –, uma reinterpretação dos enunciados literários como
enunciados radiofônicos, as fraturas e fragmentações deste processo,
que dão importância científica e necessidades de pesquisas
aprofundadas ao tema (ADAMI, 2002, p. 89).
Para a implementação deste Projeto, é imprescindível a realização de
uma pesquisa que contemple as fontes existentes desde o início da
Radiodifusão no Brasil (1923) sem perder de vista a Rádio Nacional.
É bom salientar que a Rádio Difusora de São Paulo (PRF-3 inaugurada
em 24 de novembro de 1924 no bairro do Sumaré, em São Paulo) teve um papel
3
Para Antônio Adami, a edição da radiodramartugia deve focar, entre outros aspectos: interpretação dos
autores e processos de produção respeitando as especificidades do veículo. (p. 164-165).
12
importante na radiodramaturgia. Em 30 de agosto de 1943, Assis
Chateaubriand, dono dos Diários Associados, comprou a emissora e a
transformou numa estação especializada na produção de radionovelas.
Oduvaldo Viana era responsável pela direção desse departamento. De lá
surgiram nomes como Ivani Ribeiro, Lucília Freire, Gessy Fonseca, Isaura
Marques, Iara Aguiar, Diva Camargo, Darcio Ferreira, Rui Lemos, Armando
Peixoto, Geraldo Blota, Wilson Roberto, Walter Durst, Bruno Sobrinho, Lauro
D’Avila.
Não obstante, o presente trabalho está delimitado à Rádio Nacional, como
criadora, produtora e promovedora do gênero radiofônico identificado como
radioteatro.
13
Capítulo I
Origens e
desenvolvimento
do rádio brasileiro
14
A dissertação será estruturada sobre a história do radioteatro na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, conseqüentemente, descobrir-se-á o significado do
gênero em uma das mais importantes emissoras do país. Também destacar o
modo como a emissora chegou a obter tamanho êxito com este tipo de produção
midiática. Ou seja, esta pesquisa tem como objetivo principal o estudo
exploratório do tema. Desse modo, os objetivos e objeto de estudo dessa
pesquisa servirão para identificar a importância do radioteatro e sua repercussão
no contexto da comunicação social.
Em resumo, podem ser definidos os seguintes objetivos:
1) Objetivo geral – Elaborar um estudo exploratório da gênese do
radioteatro na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nos seus aspectos
qualitativos de produção e emissão.
2) Objetivos específicos
a) Analisar o significado do gênero radioteatro no Brasil;
b) Compreender o modo como a Rádio Nacional chegou à
obtenção do grande êxito nesse tipo de produção midiática.
No presente trabalho há também uma preocupação no sentido de
compreender as transformações impostas pela evolução tecnológica na estética
radiofônica. Por essa razão, ao mesmo tempo em que se buscará retratar a
historiografia do rádio brasileiro, procurar-se-á descrever os avanços
tecnológicos de cada uma das seis fases – segundo Luiz Artur Ferraretto – do
mais versátil meio de comunicação de massa, o rádio. Ou seja, explicar quais os
mecanismos e ferramentas de que dispunham os produtores de peças
radiofônicas para atrair e prender a atenção dos ouvintes? Que gênero
radiofônico foi esse capaz de transportar o(s) ouvinte(s) para um universo de
fantasias e imaginações mediante imagens sonoras?
A história da radiodifusão sonora do Brasil é equivalente em riqueza e em
detalhes à própria natureza brasileira em si. Além disso, os caminhos do rádio
15
entrelaçam-se com os caminhos político-econômicos e socioculturais do Brasil.
Cada período radiofônico, em suas seis fases, conforme aponta Luiz Artur
Ferraretto, em seu livro Rádio – o veículo, a história e a técnica (FERRARETTO,
2001), estão atrelados ao cotidiano do povo brasileiro.
Por tal importância na historiografia do país, considera-se importante
dissertar, idiossincraticamente, acerca da trajetória da radiodifusão sonora no
Brasil. Apesar de não ser o norte desta dissertação, a história do rádio é
focalizada em território nacional e internacional.
O ser humano é um desafiador de limitações. Sempre buscou, busca e
sempre buscará, romper as próprias barreiras baseando-se e acreditando,
principalmente, em objetivos. Os séculos XVIII, XIX e XX configuram-se como a
fase embrionária da radiodifusão sonora, de acordo com o livro La radio por
dentro y por fuera, de Jimmy Garcia Camargo que sustenta o entusiasmo como
fator primordial de descobertas e pesquisas. “El espíritu investigativo, la
paciencia y el tezón por lograr una meta, han sido los ingredientes que le han
dado a la humanidad los grandes inventos y descubrimientos. Como en todos
los campos de la ciencia, son muchas las personas que han puesto su “granito
de arena” para el logro de los mayores éxitos” (CAMARGO, 1980, p.11).
De fato, o surgimento da transmissão e recepção de ondas radiofônicas,
não se concretizou de maneira abrupta e fortuita. Para Camargo, uma
miscelânea de fatores convergiu para consolidar o processo da difusão
radiofônica. “El descobrimento de la energía de naturaleza eléctrica y que la
tierra estaba cubierta por una capa que es portadora de esa energía, permitío el
de la propagación, a través del espacio, de las ondas portadoras de señales
eléctricas” (CAMARGO, 1980, p.11).
Além dessas descobertas que alicerçaram e consolidaram o sistema de
radiodifusão, o crescimento da telegrafia com fio e da telegrafia sem fio, a partir
da segunda metade do século XIX, proporcionaram o que Maria Elvira Bonavita
16
Federico caracteriza como “iniciativas da institucionalização da invenção do
rádio”
4
.
Portanto, sob essa perspectiva, sustenta-se o argumento de Camargo,
exposto no parágrafo anterior, acerca da relação intrínseca dessa descoberta
com o processo e difusão de mass media. Evidencia-se, portanto, a miscelânea
de descobrimentos e aperfeiçoamentos que construíram e pavimentaram a
estrada, que conduz à invenção do aparelho radiofônico tal qual se conhece,
popularmente, hoje.
No estudo a respeito da história da comunicação, contido no livro
Comunicação – do grito ao satélite, Antonio F. Costella adverte os
pesquisadores da disciplina de comunicação social que, para entender e argüir o
processo de troca de mensagens, precisa, en passant, compreender a essência
da eletricidade. “Hoje, o historiador da comunicação está obrigado a estudar a
história da eletricidade ou, mais exatamente, a história do conhecimento humano
a respeito da eletricidade” para que “saiba destacar, relacionar, tirar
conseqüências [...] de algumas conquistas fundamentais do mundo científico”
(COSTELLA, 2001, p.94).
É também interessante atentar-se, dentro do contexto historiográfico da
radiodifusão sonora, como também para outros mídia eletrônicos, para o enorme
poder simbólico circunscrito, ao se perscrutar o recôndito dos sentidos da
eletricidade. A eletricidade, desse modo, é um ponto importante, um divisor de
águas, da literatura das mídias eletrônicas.
Também conhecida como “a voz dos deuses”, dentro do contexto
mitológico grego, a eletricidade conduz, intrinsecamente, o sentido de
credibilidade e também, conforme aponta Junito de Souza Brandão
5
, uma arma,
no caso o raio, utilizada por Zeus. Afinal, advinda dos deuses, essas duas
4
Ver FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. História da Comunicação: Rádio e TV no Brasil. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1982, p 14.
5
Estudioso da mitologia grega e autor, dentre outros, do Dicionário Mítico-Etimológico da mitologia
grega. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
17
palavras – eletricidade e credibilidade – encontram-se no cerne do ambiente
comunicacional.
É salutar, portanto, o que escreve Norval Baitello Júnior
6
a respeito do
poder simbólico atrelado à eletricidade. À mídia eletrônica – ou terciária para o
coordenador do CISC –, a eletricidade proporciona dimensão inimaginável, até
então, para a comunicação. Além disso, Norval Baitello Júnior afirma, em seu
artigo Comunicação, Mídia e Cultura
7
, que a “a eletricidade possibilita
nascimento da mídia terciária” (Perspectiva, p.13).
Antes, porém, de reportar o papel de Benjamin Franklin (1706-1790),
Samuel Finley Breese Morse (1791-1872), Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894),
Guglielmo Marconi (1874-1937) e Roberto Landell de Moura (1861-1928) como
antecessores da eletricidade e, conseqüentemente, como percursores da
radiodifusão, faz-se necessário perscrutar a relação homem/eletricidade.
Essa relação, para Costella, está intrínseca aos homens primitivos a partir
do momento em que eles assistiram à execução de um fenômeno natural
conhecido como raio. O autor de Comunicação – do grito ao satélite, porém,
esclarece que o período crucial da relação homem/eletricidade dá-se a partir do
instante em que o primeiro produz o segundo. Portanto, de acordo com o
referido autor, o registro reporta-se ao século VI a.C. Mais precisamente,
remete-se à cidade de Mileto, localizada na Ásia Menor, e a um dos mais
expoentes filósofos daquele período: Tales (624-548 a.C.). Eis o relato de
Costella a respeito da façanha de Tales de Mileto:
Ora, a acreditar-se nos relatos disponíveis, foi Tales de Mileto quem
por primeiro provocou artificialmente um fenômeno elétrico. Trata-se
da célebre experiência com o âmbar amarelo, uma resina fóssil
freqüente no litoral do mar Báltico, e com a qual se faziam objetos
de adorno. Tales demonstrou que essa substância, quando
6
Norval Baitello Júnior é coordenador do Centro Interdiciplinar de Pesquisas em Semiótica da Cultura e da
Mídia (CISC) da PUC-SP.
7
Artigo publicado na revista Perspectiva – volume 12/nº4.
18
friccionada, adquiria a estranha propriedade de atrair pequeninos
fragmentos de palha ou fios de lã. (É a mesma experiência que os
escolares de hoje realizam, usualmente, ao friccionar uma régua de
plástico, para com ela atrair pedacinhos de papel.) Tales estava
provocando o surgimento de eletricidade estática, uma vez que, pela
fricção, os átomos do âmbar perdiam alguns elétrons mais externos,
ficando carregados positivamente. Mas esse primeiro e rudimentar
“eletricista” ainda não sabia dar esta explicação, e acabou dando
outra, bastante ingênua, para o fenômeno. Tales simplesmente
afirmou: “– As coisas estão cheias de deuses.” A explicação de
Tales não foi nem pior, nem melhor do que todas as outras teorias
apresentadas na Antigüidade e na Idade Média com relação à
eletricidade e ao seu primo-irmão, o magnetismo, com o qual ela
andou confundida durante séculos (COSTELLA, 2001, p.95).
Cabe notar, desse modo, que a experiência de Tales de Mileto pode ser
caracterizada como uma fase pré-embrionária a qual filósofos e cientistas
flertavam de forma simplista com a eletricidade. Coube à pesquisa empírica a
primazia de identificar o fenômeno elétrico e também o fenômeno magnético, já
que ambos andavam de mãos dadas de acordo com os pesquisadores de
outrora, como observa Costella. Desse modo, o autor de Comunicação – do grito
ao satélite, afirma que William Gilbert (1544-1603) fora o responsável pela
dissociação da eletricidade do magnetismo quando publicou, em Londres, o livro
De Magnete (1600).
Gilbert concebeu o globo terrestre como um gigantesco imã,
revelando assim o campo magnético da Terra e dando explicação
teórica para o funcionamento da bússola. Por outro lado,
demonstrou que a propriedade encontrada por Tales no âmbar não
era exclusividade deste. Outros materiais, como o vidro, o enxofre,
certas resinas, também se mostravam aptas a produzir o mesmo
efeito atrativo sobre pequenos corpos, quando friccionados. Esta
constatação foi de importância fundamental pois, daí para frente, a
eletricidade passou a ser encarada como um fenômeno geral, e não
mais como propriedade exclusiva do âmbar. Embora não sabendo
explicá-la do modo como hoje o fazemos – agora sabemos que a
19
corrente elétrica é um fluxo de elétrons –, Gilbert conseguiu
perceber que a eletricidade penetrava e percorria certos corpos. Em
sua linguagem: ela era um “effluvium”. E, “effluvium” é o nome que
se dava, em latim, a fluxo (COSTELLA, 2001, p.98)
A partir da experimentação empírica, diversos cientistas fascinaram-se
pelo fenômeno da eletricidade e não faltaram entusiastas na busca de produção
de energia elétrica em quantidades satisfatórias. Até então, a produção de
eletricidade ocorria em doses miúdas e efêmeras. Porém, pesquisas em
laboratórios aceleram essa necessidade a partir do século XVII, período no qual
foram produzidas as primeiras máquinas geradoras de eletricidade.
Destacam-se, desse intervalo de tempo, nomes como Otto von Guericke
(1602-1686), que construiu uma circunferência de enxofre transposta por um
eixo que se sustentava em quício. O ato de girar o globo e colocar a mão de
maneira a fazer atrito em relação ao objeto de enxofre, gerava eletricidade.
Outros inventores aproveitaram-se da máquina que produzia energia elétrica e
aperfeiçoaram o instrumento, como foi o caso de Petrus van Mussechenbroek
8
(1692-1761), segundo Costella.
Uma lacuna, porém, ainda instigava a mente de muitos homens. O
problema não mais se centrava na produção de máquinas capazes de gerar
energia elétrica. A interrogação, agora, focou-se em como conduzir a mesma
eletricidade produzida, mediante uso de máquinas, de um lugar para outro.
Encontrar um material que fizesse o transporte de energia elétrica era a saída. A
solução foi equacionada por Stephen Gray (1670-1736) que, em 1729,
estendeu, por uma distância de 292 metros, uma corda orvalhada, envolveu-a
mediante laços de seda, que serviram como um isolante. Por fim, prendeu-a em
uma máquina capaz de produzir eletricidade.
8
Em 1746, Petrus van Musschenbroek inventa o primeiro condensador: a garrafa de Leyden. Descreve o
primeiro choque elétrico que sofreu. http://www.ufpel.tche.br/ifm/histfis/cron-el.htm
20
Dessa feita, o invento de Gray possibilitou a condução de energia elétrica
a partir de um determinado ponto para um outro. Surgiu o fio elétrico. O
aperfeiçoamento do fio elétrico não tardou a ocorrer e logo apareceu um
maquinário capaz de conduzir letras do alfabeto, devidamente codificadas,
mediante corrente elétrica de um sítio a outro: o telégrafo elétrico.
Ora, a própria etimologia da palavra telégrafo traduz a dimensão do
invento. “Tele”, do grego (τηλε), significa “longe” e “grafo”, também do alfabeto
grego (γραφώ), refere-se ao verbo “escrever”. Logo, por telégrafo (τηλεγραφοξ)
entende-se “escrever de longe”, o que, por sua vez, é comunicação a distância.
Conforme observa Antonio F. Costella: “Eis-nos chegados, portanto, ao ponto de
confluência do torrencial rio da História das Comunicações, com seu novo e
vigoroso afluente, o da eletricidade” (COSTELLA, 2001, p.102).
Faz-se necessário esse preâmbulo para, justamente, fortalecer os fios
que entrelaçam o tecido da origem da radiodifusão sonora tanto nacional quanto
internacional. Para isso, portanto, cada ponta do novelo deve ser reportado e
costurado para que não haja incoerências em tópicos posteriores e também para
que não ocorra a prerrogativa de que o surgimento do rádio deu-se como um
passe de mágica.
A partir dessa introdução sobre o fascínio do fenômeno de energia
elétrica e o controle pelo qual homens exercem, pelo menos nos últimos três ou
quatro séculos, perante o modo de gerar e transmitir eletricidade, configura-se a
fase embrionária e não mais pré-embrionária do rádio, como qualifica Jimmy
Garcia Camargo.
Destaca-se, desse modo, a invenção e o desenvolvimento do telégrafo
como característica peculiar a este momento histórico da radiografia do
surgimento do rádio. É a partir de então que, de acordo com Maria Elvira
Bonavita Federico, aprimora-se o advento da radiodifusão no mundo.
21
Para a autora de História da Comunicação – Rádio e TV no Brasil, o ano
de 1896
9
marca o desenvolvimento geral da radiocomunicação. “A rapidez com
que chegou a alcances cada vez maiores na recepção do sinal demonstra que
os esforços despendidos e recursos empregados tiveram respostas em curto
espaço de tempo. Enquanto o telefone levou cerca de oitenta anos para se
desenvolver plenamente, o rádio o fez em menos de vinte e cinco anos”
(FEDERICO, 1982, p.11), completa a pesquisadora.
Com base no aperfeiçoamento da teoria das ondas eletromagnéticas,
dão-se os primeiros passos rumo à invenção dos primeiros aparelhos de
radiocomunicação. É dentro deste contexto que o rádio apresenta, em sua
história, nomes como os de Benjamin Franklin, Morse, Hertz, Marconi e Pe.
Landell de Moura. Em artigo publicado no livro, coordenado por Giovanni
Giovannini, Evolução na Comunicação – Do Sílex ao Silício, Carlo Sartori
reconhece a importância da pesquisa do escocês Maxwell. Entretanto, salienta
que a contribuição do alemão Hertz configura-se como essencial ao progresso
da comunicação a distância.
A mesma importância é reconhecida por Jimmy Garcia Camargo, quando
situa o nome de Hertz como importante para a historiografia da radiodifusão
sonora. De acordo com Camargo, o cientista alemão compreende, em 1888,
princípios da descarga elétrica e que essa mesma energia irradia-se pelo
espaço.
Camargo afirma, também, que as chamadas ondas hertzianas são assim
denominadas em homenagem a seu descobridor. Ao dar continuidade aos
cientistas que tornaram o rádio uma invenção possível e real, Carmargo
menciona a contribuição do italiano Guglielmo Marconi – considerado por muitos
como o “pai” do rádio –, que realiza, mesmo que à distância de 60 metros, a
primeira transmissão. A experiência de Pontecchio, empreendida por Marconi, é
assim descrita por Sartori:
9
Período da primeira transmissão sem fio no mundo.
22
Quando o renomado cientista italiano conseguiu captar, através de
uma antena receptora por ele criada, os sinais do alfabeto Morse
provenientes de um transmissor rudimentar localizado a algumas
centenas de metros de distância: era a prova de que a perturbação
eletromagnética das ondas hertzianas podia ser captada sob a
forma de sinais, amplificada e retransmitida a distância como sinal
análogo (...). Após as primeiras experiências e aplicações realizadas
por Marconi, multiplicaram-se, em todo o mundo civilizado da época,
as tentativas de melhorar a radiotransmissão a distância
(GIOVANNINI, 1987, p.217-218)
Com base nas recentes descobertas, o ianque Lee de Forest, junto com o
inglês John Fleming, produz as válvulas de electrodos (DIODO e TRIODO), que
permitem uma melhora significativa, para a época, na recepção radiofônica.
Benjamin Franklin entra para a história da comunicação a distância em razão de
sua invenção do pára-raios.
Camargo, no seu livro La radio por dentro y por fuera, avalia que as
origens da radiodifusão sonora são intrínsecas a estes nomes. “Con Hertz,
Marconi, Fleming y Lee de Forest se logró la propagación de las ondas y su
transmisión, convirtiendo la energía en impulsos que se traducen en señales
audibles” (CAMARGO, 1980, p.14).
Acontece, porém, que entusiasmos não são suficientes para consolidar o
aperfeiçoamento da transmissão e dos aparelhos radiofônicos. Maria Elvira
Bonavita Federico considera que a Revolução Industrial possibilita “aceleração
no processo, não só do desenvolvimento científico e tecnológico, como na
aceitação de aparelhos [...] Não foi em penetração e abrangência do sinal que a
radiocomunicação evoluiu” (FEDERICO, 1982, p.11).
O historiador Eric Hobsbawn retrata esse intervalo como um período de
“extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que
provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que
qualquer outro período de brevidade comparável” (HOBSBAWN, 1995, p.15).
23
Ao largo dos holofotes mundiais, um padre brasileiro desenvolve ensaios,
quiçá superiores aos experimentos estrangeiros, nos idos de 1893 e 1894. Seu
nome: Roberto Landell de Moura, o padre Landell de Moura.
O sacerdote gaúcho recorre aos financiamentos estrangeiros para
aprofundar seus experimentos. Entretanto, por pendências estratégicas
militares, segundo afirma Fernando Cauduro, há nuvens que acobertam o
empreendimento do padre Roberto Landell de Moura. Luiz Artur Ferraretto,
acrescenta que:
A radiotelegrafia e a radiotelefonia eram um interesse militar
estratégico por facilitarem as comunicações militares entre os navios
de uma frota. A Grã-Bretanha ainda dominava os mares e era a
principal potência mundial, embora os Estados Unidos já
começassem a despontar no cenário internacional. Desde 1896,
quando reconheceram oficialmente a validade da telegrafia sem fio,
concedendo o registro a Marconi, os britânicos analisavam as
possibilidades militares e estratégicas dos, então, novos meios de
comunicação (FERRARETTO, 2001, p.85).
Antônio F. Costella endossa a posição de Ferrareto. Para Costella, o
italiano Marconi, que patenteia sua descoberta em 1896, teve a bênção da coroa
inglesa. Desse modo, o religioso brasileiro fora fechado em copas. “Ao Império
Britânico cabia o papel de produtor de História, o maior da época, e Marconi
tornou-se um dos capítulos” (COSTELLA, 2001, p. 162), ressalta o autor de
Comunicação – do grito ao satélite. Restou apenas incompreensão ao padre
Roberto Landell de Moura, munido somente por sonhos e esperanças.
Para Costella, “entende-se bem o porquê de Ernani Fornari
10
, tendo
conhecido pessoalmente o inventor, ter dele deixado esta descrição: ‘vendo-,
uma só vez que fosse, era-se obrigado a pensar ‘aí vai um homem que viveu,
por certo, um romance, ou sofreu uma tragédia, ou carrega consigo o cadáver
de um sonho” (COSTELLA, 2001, p. 163).
10
Autor do livro O incrível padre Landell de Moura: a história triste de um inventor brasileiro.
24
Apesar da frustração do reconhecimento internacional da contribuição do
Padre Landell de Moura para a historiografia da radiodifusão sonora
11
, o mais
adaptável das mídias eletrônicas – o rádio – segue seu percurso. Em virtude do
empreendorismo de Marconi, o italiano funda a sociedade Marconi Company,
considerada a primeira empresa multinacional do setor de telecomunicação
como afirma Carlo Sartori.
Dentro dessa aceleração no ritmo de produção de aparelhos radiofônicos,
ocorre um efeito colateral ao sistema de comunicação a distância, segundo
Maria Elvira Bonavita Federico. Para ela, o constante progresso na fabricação
desses equipamentos necessário para gerar grandes públicos impediu uma
legislação correta para o processo de difusão radiofônico.
Tem-se início a comunicação de massa. Tornar-se, portanto, necessário
gerar grandes públicos para os grandes investimentos midiáticos. Um ciclo
rotativo em que cada parte se alimenta da outra.
Os primeiros sintomas, ainda de acordo com a pesquisadora, refletem-se
em um “processo de interferências, prejudicando as comunicações entre as
estações de amadores, entre as grandes empresas comerciais e também entre
as estações costeiras e comunicações entre a costa e navios para as quais era
imprescindível a privacidade” (FEDERICO, 1982, p.12).
Após a fase embrionária, caracterizada por Jimmy Garcia Camargo, o
sistema radiofônico entra em sua fase de nascimento. Dessa maneira, o primeiro
decênio do século XX configura-se como o período em que se logra a
transmissão da voz humana a enormes distâncias mediante um único aparelho.
As transmissões de caráter público, porém, concretizam-se somente na
próxima década do século XX. E é, justamente, dentro desse intervalo que se
11
Em seu artigo O rádio, um veículo para todas as ocasiões, Carlo Sartori retrata, com desdém, as
“tentativas quase artesanais por parte de inventores entusiastas” (GIOVANNINI, 1987, p.218), além de
sequer registrar o nome do Pe. Landell de Moura dentre esses “inventores entusiastas”.
25
realiza aperfeiçoamento gigantesco na radiodifusão sonora mundial em virtude
da eclosão da primeira Grande Guerra, que irrompe em 1914, após o
assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustri-Hungria, em
Sarajevo.
Apesar de rotular o período da eclosão da Primeira Guerra a Segunda
como Era de Catástrofe, o historiador Eric Hobsbawn reconhece que seguiram-
se cerca de 25 anos ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e
transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais
profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade
comparável” (HOBSBAWN, 1995, p.15).
A Primeira Guerra Mundial mobiliza, desse modo, uma intensificação na
pesquisa do campo radiofônico. Sob auspícios de ordem bélica, governos
empenham-se na produção de aparelhagens receptoras-transmissoras como
também passam a fiscalizar o direito da radiocomunicação entre civis e a
controlar a utilização das ondas hertzianas e as experiências com radiotelefonia
com fins militares, haja vista que outro conflito coexiste junto à Primeira Guerra
Mundial: a guerra das patentes
12
.
Em meio à conflagração, avanços de ordem científica e tecnológica
convivem harmoniosamente. Isso possibilita significativos avanços na midia
rádio.
De acordo com a pesquisa de Maria Elvira Bonavita Federico, pós-
Primeira Guerra Mundial, a Westinghouse é a protagonista dentre as novas
indústrias eletroeletrônicas, que tem a General Eletric como coadjuvante. O uso
bélico da radiodifusão sofre um armistício. Com isso, o rádio passar a operar,
cada vez mais, no mercado comercial da comunicação de massa.
12
Outras informações a respeito da guerra das patentes travadas nos bastidores da Primeira Guerra Mundial
pode ser encontrada no livro Evolução na Comunicação – Do Sílex ao Silício, p.220.
26
A larga produção em ritmo cada vez mais frenético e industrial de
aparelhos radiofônicos, em tempos de guerra, encontra uma válvula de escape
na trincheira consumidora. A circulação de dinheiro e verbas para esse setor
contribui para a consolidação do mercado da comunicação de massa. O
investimento não é somente realizado na produção de aparelhos como também
no aprimoramento e desenvolvimento de novos programas de entretenimento e
jornalísticos. O confronto acontece, agora, tendo como cenário bélico o mercado
publicitário-consumidor. E conclui que:
A Westinghouse foi a pioneira sendo seguida de perto pela General
Eletric, tendo ambas instituído laboratórios especialmente instalados
para a contratação de inventores e técnicos, os quais, trabalhando
em conjunto, formaram o que se convencionou chamar pesquisa e
desenvolvimento de produtos. A capacidade alcançada pela
Westinghouse não decorreu apenas dessa conjunção de esforços,
mas também da capacidade econômico-financeira do montante de
conhecimentos acumulados por uma equipe especializada e
principalmente da capacidade ociosa de produção de suas
instalações e equipamentos, verificada com o fim da guerra. A
produção de aparelhos receptores de rádio para uso doméstico se
constituiu em diversificação muito próximas dos produtos e
atividades industriais anteriores” (FEDERICO, 1982, p.13)
Com poderio da produção e comercialização de aparelhos radiofônicos e
alicerçada pelo sistema capitalista, a Westinghouse inicia uma estratégia de
venda visando novos mercados. E, em setembro de 1922, a indústria
estadunidense de radiodifusão sonora envia duas estações transmissoras de
500 watts ao Brasil como parte dessa estratégia, sob o prefixo SPC.
Instaladas, com auxílio da Light e da Cia. Telefônica Brasileira, no alto do
Corcovado, cidade do Rio de Janeiro, dão-se, assim, as primeiras transmissões
experimentais do rádio em solo brasileiro, aos sete dias de setembro de 1992,
data do centenário da Intendência. É interessante constatar que a década de 20
27
do século passado é marcada por transmissões, como a realizada no Brasil, em
diversos países.
Na comemoração do primeiro centenário da independência brasileira,
além das duas estações transmissoras, 80 aparelhos receptores importados são
distribuídos, estrategicamente, em pontos da exposição e da cidade.
O pronunciamento do então presidente da república Epitácio Pessoa
inaugura a festividade. Posteriormente, um trecho da obra O Guarani, de Carlos
Gomes, é irradiada pelos transmissores da empresa Westinghouse.
Entretanto, autores como Antonio F. Costella e Maria Elvira Bonavita
Federico não consideram a transmissão de 7 de setembro de 1922 como sendo
o início efetivo da radiodifusão sonora no país. Pelo contrário. Caracterizam-na
meramente como uma demonstração pública, um “mero evento de uma feira de
amostras, faltou-lhe a intenção da continuidade”, que “terminada a exposição,
encerraram-se as transmissões” (COSTELLA, 2001, p. 177), afirma o autor de
Comunicação – do grito ao satélite.
De fato, a implantação e a consolidação da primeira emissora regular de
rádio em solo brasileiro concretiza-se sete meses após as festivas transmissões
do primeiro centenário da independência. Aos 23 dias de abril de 1923, ocorre a
gênese da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, capitaneada pelos
empreendedores, os professores Edgard Roquette Pinto e Henrique Moritze.
De acordo com Mário Ferraz Sampaio, pioneiro do estudo da radiodifusão
sonora no país e autor de História do Rádio e da Televisão no Brasil e no
Mundo, começam¸ a partir de então, as formações das primeiras sociedades de
rádio no país.
Este período de implantação do rádio no Brasil, que se estende de 1919 a
1932, personifica a primeira das seis fases como classifica Luiz Artur Ferraretto.
É interessante frisar que o surgimento do rádio em outros países, como a
28
Espanha, a França, a Alemanha e a Inglaterra, ocorre concomitantemente com a
brasileira.
Entretanto, o período de implantação radiofônica no Brasil não significa
glórias. Sob o ideal de “trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e
pelo progresso do Brasil”, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro “nasce de
maneira precária
13
”, de acordo com Luiz Artur Ferraretto.
Esclarece ainda o autor que “em seus primeiros meses de funcionamento
a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro operou sem uma programação definida e
com emissões esporádicas (FERRARETTO, 2001, p.96).”
As dificuldades financeiras e operacionais do rádio surgidas a partir dos
anos 1920 no país são conseqüência da ausência de legislação específica que
regulamentasse as diretrizes do novo meio de comunicação a distância.
De acordo com Maria Elvira Bonavita Federico, várias foram as
conferências internacionais que visaram à estruturação de uma legislação dos
sistemas de radiodifusão.
Entretanto, as divergências acentuaram o controle estatal dos serviços de
radiocomunicação, como rádiotelegrafia e radiotelefonia. Os fundamentos legais
que regem o sistema brasileiro de telecomunicações datam da metade final do
século XIX em virtude da implantação da telegrafia
14
, e sofrem alterações
periodicamente.
Segundo Maria Elvira Bonavito Federico, o entrave à radiodifusão sonora
relativo à regulamentação e à legislação foi fruto do constante avanço que o
novo meio de comunicação a distância proporcionou. Além disso, era incipiente
o conhecimento que Estados dispunham do poder que o rádio oferecia. Somava-
13
Rádio – o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2001. p 96.
14
O Decreto Imperial 2.614 de 1860, considerado como o primeiro ato de regulamentação da telegrafia,
dispunha as taxas cobradas pela utilização bem como as finalidades do serviço. Mais informações,
consultar o livro História da Comunicação – Rádio e TV no Brasil, de Maria Elvira Bonavita Federico.
29
se a isso, o empreendorismo privado que, mais tarde, foi suplantado pelas
empresas de maior poder financeiro.
Essa convergência de fatores acarretou, de início, como enfatiza Maria
Elvira Bonavito Federico, problemas de ordem técnica entre as emissoras de
rádio a tal ponto que afetou “estações costeiras e comunicações entre a costa e
navios para as quais era imprescindível a privacidade (FEDERICO, 1983:12)”.
Estudiosos da historiografia dos meios de comunicação de massa, em
especial da radiodifusão sonora brasileira, divergem acerca do fim do primeiro
período do rádio no país. Entretanto, para esta dissertação, tem-se como
amparo as divisões estabelecidas por Luiz Artur Ferraretto.
Para ele, o ciclo inicial da radiodifusão sonora, que começa em 1919,
finda-se treze anos depois, em 1932. Por conseguinte, a essa nova temporada
(1932-40), o autor a classifica como “estruturação”. Dois fatores são
fundamentais para a “estruturação” do rádio em solo brasileiro.
O primeiro é o Decreto nº 21.111 de 1º de março de 1932 que
regulamenta o uso da publicidade. Os comerciais passam a ocupar 10% da
grade das emissoras e, conseqüentemente, o lucro obtido, mediante os
anunciantes, são revertidos na programação.
As emissoras operam, desse modo, como empresas capitalistas voltadas
à audiência. Quando iniciar sua programação em 1936, a Rádio Nacional do Rio
de Janeiro passará a usufruir, como poucos, desse escopo que regulamentou o
uso da publicidade.
O segundo é a Revolução Constitucionalista, que se inicia em julho de
1932, constituído em um fator essencial para a “estruturação” radiofônica no
Brasil. O rádio ganha novas dimensões ao ser configurado em arma político-
ideológica. “A partir daí”, esclarece Ferraretto, “a sociedade toma consciência
das possibilidades econômicas e políticas do rádio” (FERRARETTO, 2001: 103).
30
Quando irrompe a Revolução Constitucionalista de 1932, o rádio
desempenha papel político bem definido, sobretudo no contexto da Rádio
Record, de São Paulo. Nomes como Nicolau Tuma e César Ladeira, recém-
formados em Direito pela Faculdade São Francisco, transmitem, ao povo
paulista, os apelos revolucionários e a descrição dos desfechos do conflito.
O governo federal, por sua vez, controla todas as demais emissoras do
país para impedir a divulgação de notícias referentes à conflagração no estado
de São Paulo. César Ladeira, proclamado de “locutor da revolução”, chega a ser
preso por desempenhar função contrária às prerrogativas impostas pelo governo
Vargas à Record, de São Paulo. Com efeito, a audiência da emissora paulistana
alcança outros Estados, inclusive a capital federal de então, o Rio de Janeiro.
Sonia Virgínia Moreira e Luiz Carlos Saroldi
15
apontam que, a partir da
Revolução, fica evidente que não se pode pensar em rádio educativo nos
moldes de emissoras populares. Ambos reconhecem o poder de penetração do
rádio. Porém, descartam que à época houvesse uma estrutura jurídica que
concretizasse o desejo de pessoas como Roquette-Pinto.
Um ponto a favor dos representantes da revolução de 1930 foi
perceber que a filosofia do rádio educativo não era compatível com
os objetivos de uma emissora popular, que visasse a integração
nacional. (..) O rádio tinha condições de ser o instrumento adequado
para chegar a todos os pontos do país e às mais diversas camadas
da população, ainda levando-se em conta a alta taxa de
analfabetismo no país. A tarefa requeria uma estrutura jurídica que
desse à emissora oficial a liberdade de competir no mercado
publicitário, a fim de reinvestir os lucros na manutenção,
reequipamento e permanente expansão do veículo (SAROLDI e
MOREIRA, 2005, p 49-50).
Ferraretto cita a professora Gisela Swetlana Ortriwano para esclarecer
que a Rádio Record, de São Paulo, não se resume somente à tangente da
15
Autores do livro Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro: ZAHAR Editor. 2005.
31
Revolução Constitucionalista. Com a regulamentação da publicidade na mídia
radiofônica, a Record é protagonista das principais transformações advindas do
capital privado para o fortalecimento da indústria de entretenimento.
O encantamento da indústria de entretenimento fica cada vez mais
irresistível. Os anunciantes, cientes do poder de sedução, colocam seus
produtos nos programas mais assistidos e comentados. Como poucos, a Rádio
Nacional saberá utilizar desse encantamento mercadológico, como no programa
Um milhão de melodias, que foi ao ar em 6 de janeiro de 1943.
O programa, que veiculava músicas nacionais e internacionais com uma
nova roupagem tecida pelo maestro Radamés Gnattali, era patrocinado pela
Coca-Cola, que estava lançando seu refrigerante no Brasil. Segundo Saroldi e
Moreira, Um milhão de melodias lançou aos ouvidos do público o talento de
Haroldo Barbosa, um dos responsáveis pela seleção musical, que era
encarregado de adaptar as letras das musicas estrangeiras para o português.
De acordo com Ortriwano, estas mudanças despertam nas concorrentes
o mesmo ensejo de busca de cast profissional exclusivo, com subsídios
mensais. Segundo o professor Antonio F. Costella, o próprio César Ladeira, em
seu livro Acabaram de ouvir, retrata esta mudança:
O ambiente era de teia-de-aranha. Necessitava-se higiene, ar, luz.
Muita coisa nova que havia passado despercebida à mentalidade de
casaca que dirigia as ‘broadcasting’existentes. Finalmente, pouco a
pouco, modificaram-se as coisas. Os colarinhos duros protestaram,
mas os ouvintes começaram a gostar. E os aparelhos começaram a
ser vendidos em maior escala (...) lançando coisas novas,
interessando os rádio-ouvintes pela vida dos estúdios, criando
artistas e conjuntos especializados, iniciando um gênero
desconhecido de programação, repartindo-o em quartos-de-hora,
apresentando ‘speaker’que não falava com pose e anunciava de
maneira diferente um tango e uma notícia de falecimento (in
COSTELLA, 2001, p.182)
32
Quatro anos depois do início da segunda fase, é fundada aquela que,
dentro em breve, será a mais representativa emissora radiofônica brasileira. Em
12 de setembro de 1936
16
, começa a operar a Rádio Nacional, do Rio de
Janeiro já sob a caracterização de empresas privadas-capitalitas, em que a
maioria absoluta da renda financeira dá-se mediante a inclusão de publicidade.
Destacam-se, entretanto, outras emissoras fundamentais que colaboram
para fase de “estruturação” do rádio no Brasil. São elas: Rádio São Paulo (SP),
Rádio Bandeirantes (SP), Rádio Pan-Americana (SP), Rádio Tupi (SP), a já
mencionada Rádio Record (SP) e Rádio Difusora (SP).
Acontece, porém, que o empreendorismo da Rádio Nacional oferece à
emissora tentáculos que a transformam como a mais expoente empresa
radiofônica de então. Sua programação, centrada em notícias, apresentações de
artistas ao vivo e radioteatro, chega a atingir grandes índices de audiência. Em
1952, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, alcança 50,2%
17
de público/ouvinte.
É, portanto, nesse canal de transmissão à distância que se dá a maior
penetração de produção radiofônica fortalecendo a musculatura da indústria do
entretenimento. A estrutura operacional da Rádio Nacional constitui-se de um
gigantesco complexo empresarial que, por conseguinte, assegura-lhe respaldo
econômico. Os números impressionam, de acordo com Antonio F. Costella:
Sob as ordens de um diretor-geral, 8 divisões especializadas
formavam um conselho de administração e se esfalfavam na
produção de programas aptos a atrair o grande público. Para
tanto, a organização valia-se de 10 maestros, 124 músicos, 33
locutores, 55 radioa-tores, 39 radio-atrizes, 52 cantores, 44
cantoras, 18 produtores, 13 repórteres, 24 redatores, 4
secretários de redação e cerca de 240 funcionários
administrativos. Com 6 estúdios, inclusive um auditório de 500
lugares, e transmissores de 25 kw e 50 kw, para ondas
16
Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. Frase proferida pelo locutor Celso
Guimarães às 21 horas deste dia dando início a transmissão da Rádio Nacional.
17
Por trás das ondas da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1981.
33
médias, e dois de 50 kw, para ondas curtas, a Rádio Nacional
cobria o Brasil e alcançava a América do Norte, a Europa, e a
África. Com todo esse poder, a Rádio Nacional passou a
capitanear a popularização do rádio e serviu de inspiração,
dentre outras, para a Rádio Tupi (1935) e a Rádio
Bandeirantes (1938), de São Paulo; para a Rádio Tupi (1936),
do Rio de Janeiro; e um pouco mais tarde para a Rádio
Difusora (1943), de São Paulo (COSTELLA, 2001, p.185)
A Rádio Nacional também é pioneira na inovação de programas como,
por exemplo, Curiosidades musicais
18
, apresentado por Henrique Foreis
Domingues, o popular “Almirante”. Em depoimento dado a Jairo Severino
19
em
1977 e reproduzido no livro Rádio Nacional: O Brasil em sintonia, Almirante
conta como teve a idéia de lançar Curiosidades Musicais.
Além de cantar, ele ainda agregou ao programa curiosidades musicais.
Almirante era o responsável por todas as etapas do programa desde a seleção
das musicais, passando pela produção e, por fim, execução. O programa teve
patrocínio dos produtos Eucanol, vendido à radio mediante agência de
publicidade, segundo Saroldi e Moreira.
Além disso, coube à Nacional modificar o estilo da linguagem do
radiojornalismo ao implantar o “lead” nas notícias mediante a transmissão do
programa jornalístico “Repórter Esso”, inaugurado em 28 de agosto de 1941,
que, por conseguinte, atrai a atenção dos radio-ouvintes do território nacional.
Três anos depois de sua estréia, em 1944, o “Repórter Esso” adquire uma
nova versão e o programa passa a ser ancorado com a voz famosa de Heron
Domingues, que cria um padrão de estilo e uma linguagem característica. Tanto
assim que, ao ser irradiado pela Tupi do Rio de Janeiro, mais tarde, o “Repórter
Esso” mantém a mesma morfologia.
18
O programa Curiosidades Musicais estréia em abril de 1938. A pesquisa não conseguiu encontrar o
período em que ficou no ar o programa comandado por Almirante.
19
Ver Rádio Nacional: o Brasil em Sintonia, 2005, p. 46-47.
34
As mudanças de estilo na linguagem do radiojornalismo ocorrem após
1940 quando, segundo Ferraretto, o rádio brasileiro situa-se em sua terceira
fase, que ele a denomina como “o apogeu do rádio espetáculo”. Período este
que se estende por quinze anos, de 1940 a 1955.
É dentro desse cenário de produção radiofônica que é transmitida, em
1941, a primeira rádionovela brasileira Em busca da felicidade
20
, pela Rádio
Nacional, do Rio de Janeiro. Essa peça fica no ar por, aproximadamente, dois
anos, consolidando o gênero radioteatro.
Getúlio Vargas aproveita o caldeirão político daqueles tempos para
“encampação da Rádio Nacional”. Desta feita, o governo Vagas passa a
controlar “a principal rádio no país”
21
. O aporte financeiro estatal contribui para a
consolidação estrutural e financeira da Rádio Nacional. O carro-chefe desse
período é a radionovela, cujo embrião é fecundado, nos idos de 1930, em rádios
paulistas (Record) e cariocas (Mayrink Veiga e Nacional).
A esses tempos, Maria Elvira Bonavita Federico adita a predominância do
popular e da comunicação de massa. Nas palavras dela, “o popular está
presente nesta (...) fase da evolução do rádio (...), juntamente com o conceito de
comunicação de massa”.
E conclui que “a música e a programação passaram a expressar o estilo
de vida urbano, agora em ascensão acelerada, a vida do morro do operário e
sua luta por uma vida melhor, o populismo que começava a vigir” (FEDERICO,
1983:57-58).
Apesar de Em busca da felicidade ser a primeira radionovela transmitida
pelas ondas brasileiras, o sucesso definitivo desse estilo radiofônico sonoro
20
-Senhoras e senhoristas, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, apresenta Em busca da felicidade,
emocionante novela de Leandro Blanco (Rádio – o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora
Sagra Luzzatto, 2001. p 119).
21
Rádio – o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2001. p 113.
35
consagra-se dez anos depois da estréia da primeira radionovela da Rádio
Nacional.
Entre 8 de janeiro de 1951 a 17 de setembro de 1952, é apresentado em
260 capítulos O direito de nascer, do cubano Félix Caignet, tradução de Eurico
Silva. De acordo com Reynaldo Tavares, autor de Histórias que a rádio não
contou, a radionovela transforma o cotidiano carioca:
Quando da apresentação dos capítulos de O direito de
nascer, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, era absoluta em
termos de audiência e, naquele horário, os cinemas, os
teatros e os outros meios de entretenimento ficavam vazios,
as ruas como por encanto silenciavam e ninguém
perambulava por elas... Era um horário religioso, uma imensa
reunião emudecida e atenta que comungava, junto aos
receptores, todas aquelas emoções vividas por Albertinho
Limonta e os demais personagens inventados por Félix
Caignet (FERRARETTO, 2001:120)
Mesmo com a liderança de audiência da Rádio Nacional, acirra-se o
embate entre as emissoras, principalmente no prisma publicitário. Para Maria
Elvira Bonavita Federico, impera a “farsa promocional (FEDERICO, 1983:59)”,
mecanismo segundo o qual apela-se para obter grandes índices de audiência.
A pesquisadora credita a essa nova modalidade a adjetivação e o uso de
superlativos. Segundo a autora de de História da Comunicação – Rádio e TV no
Brasil, “essa prática se transformou em verdadeira obsessão, saturando, em
todas as emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro, com ‘O maior’, ‘A melhor’,
etc” (FEDERICO, 1983:59).
Durante a terceira fase da radiodifusão sonora do Brasil, destacam-se,
além das radionovelas, os programas de auditório como também os
humorísticos. Ainda que nesse intervalo, surgem os departamentos de
36
jornalismo, essas três modalidades de programação dominam o cenário
radiofônico.
Com a crise do período seguinte, decorrência da implantação da
televisão, denominado Decadência, por Luiz Artur Ferrareto, o radiojornalismo
restaurará a mídia rádio como um aparelho importante dentro desse nicho –
jornalismo. Se entre 1940-55, o rádio vive quinze anos de fastígio, o mesmo não
se pode dizer do período entre 1955 a 1970. Inicia-se, por conseguinte, a quarta
fase.
Paulatinamente, a televisão contrata profissionais do rádio e, como
conseqüência desse processo, todo prestígio de uma mídia (rádio) transfere-se
a outra (televisão). Entre a primeira transmissão televisiva
22
e 1955, as duas
mídias disputam o pote de ouro dos anunciantes.
Ferraretto busca a análise de Octavio Augusto Vampré, autor de Raízes e
evolução do rádio e da televisão, para identificar emulação entre as duas mídias.
“A Nacional e a TV Tupi detinham nesta época contratos de exclusividade com a
maioria dos grandes artistas da época, o que, de um lado, demonstra a força do
rádio, mas, de outro, expõe, com clareza, o crescimento da televisão”
(FERRARETTO, 2001:135).
Porém, depois de meados da década de 1950, a televisão passa a ditar
as regras do mercado e aglutina a maioria esmagadora das verbas publicitárias
assim como os talentos profissionais.
Ferraretto busca outras posições que avaliam o final do período grandioso
do rádio. Em Música popular, do gramofone ao rádio e TV, José Ramos
Tinhorão – citado por Ferraretto – aponta a invasão de disc-jockeys e hits
estrangeiros como os responsáveis diretos pelo crepúsculo dos programas de
auditório:
22
TV Tupi-Difusora, de Francisco de Assis Chateaubrind Bandeira de Melo, inicia suas transmissões em
18 de setembro de 1950.
37
A partir desses meados dos anos 50, os programas com
público presente começaram a sofrer a concorrência dos
horários de disc-jockeys e seus hit paredes (...) e esse próprio
acúmulo de nomes estrangeiros mostrava que uma nova
realidade estava se impondo: o rádio passava pouco a pouco
de teatro do povo para veículo sonoro de expectativas de
ascensão social de novas camadas da classe média
emergente, mais ligadas às subliminares mensagens
econômicas-culturais da nova era de integração no universo
do consumo internacional do que na pobre realidade
brasileira (in FERRARETTO, 2001: 136)
Conscientes do crescimento da televisão, diretores da Rádio Nacional
querem também parte dessa fatia promissora do mercado. Para isso, pleiteiam
junto ao governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, eleito presidente do Brasil
em 3 de outubro de 1955, concessão de uma emissora de televisão.
O magnata da mídia brasileira, Assis Chateaubrind, dono da TV Tupi e
inúmeros jornais, persuade e intimida o então presidente JK a não outorgar a
concessão à Nacional
23
. Os anos seguintes pesam sobre a poderosa emissora,
que sem amparo econômico começa a minguar.
Valendo-se do transistor
24
, que amplia sinais elétricos, a radiodifusão
sonora brasileira encontra um refúgio seguro a partir da década de 1960 –
período em que o Brasil começa a importar massivamente os rádios
transistorizados.
Com este componente, os ouvintes carregam os novos aparelhos para
qualquer lugar. Um exemplo ilustrativo desse feito, são os famosos “radinhos de
pilha” dos estádios de futebol. De acordo com Ferraretto, a deferência à
Nacional desloca-se para a Emissora Continental, do Rio de Janeiro, fundada
em 1948.
23
Ver Rádio – o veículo, a história e a técnica, de Luiz Artur Ferraretto, p 136.
24
Componente eletrônico desenvolvido por cientistas da Bell Telephone Laboratories, empresa norte-
americana.
38
Com a tríplice estrutura música-esporte-notícia, a Continental impulsa,
mesmo em um período de decadência, o radiojornalismo moderno. Para
Ferrareto, na Continental “a reportagem ganha espaço e se desenvolve na
radiofonia brasileira” (FERRARETTO, 2001:139).
Deve-se frisar, entretanto, que o período Decadência – denominado por
Ferraretto – está ligado estritamente ao fato da decaída do rádio como
espetáculo e não como mera decadência dessa mídia. Na verdade, a quarta
fase radiofônica do país deve ser capitulada como sendo um período de “novos
horizontes”.
É, pois, nesse período que o rádio busca novas maneiras de sobreviver
sem perder a retidão de tempos passados. Sua importância continua sendo a
artéria aorta da política/cultural brasileira.
Em 1961, por exemplo, com a renúnica presidencial de Jânio Quadros,
em 25 de agosto, o rádio serve de elo entre as correntes políticas. No Rio
Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, o governador gaúcho, lidera a “Cadeia
da Liberdade”, em emissoras ouvidas em todo o território nacional.
Outro exemplo ocorre três anos depois, em 1964, com o Golpe Militar.
Cria-se, na ocasião, uma cadeia de radiodifusão denominada de “Rede da
Democracia”, onde Carlos Lacerda, Adauto Cardoso e Aliomar Baleiero
instituem sua tribuna em defesa do movimento militar.
A implantação de transmissões em freqüência modulada (FM) em 1970
põe fim à quarta fase do rádio brasileiro e passa, então, ao período de
reestruturação – que se estende até 1983. Mesmo tendo sido inventada em
1933, as rádios de freqüência modulada começam a ganhar força e espaço
quase quatro décadas depois. A invenção do norte-americano Edwin Howard
Armstrong de um novo sistema de difusão radiofônico possui a capacidade de
irradiação de sinais de grande qualidade.
39
A primeira rádio em freqüência modulada no Brasil é a Rádio Difusora
FM, inaugurada em São Paulo. Porém, Luiz Artur Ferraretto esclarece que
outros estudiosos da radiodifusão sonora brasileira, como Fernando Veiga,
classificam a Rádio Imprensa, do Rio de Janeiro, como pioneira na difusão em
freqüência modulada.
A informação e mobilidade ficam estritamente relacionadas entre si. A
possibilidade de gerar entretenimento e notícias ao mesmo tempo em que é
capaz de recepcioná-las transforma a sociedade contemporânea. Em
conseqüência surge a idéia de desconstrução de células de identidade.
Se antes, a sala de estar ou outra dependência da casa que tivesse um
rádio ou televisor ligado era o cenário desse identidade público-mídia, com a
evolução técnica de aparelhos midiaticos, qualquer lugar torna-se um lugar em
potencial para essa identidade desde que o público-consumidor tenha à
disposição um aparelho capaz de captar e reproduzir tal conteúdo.
O avanço da tecnologia na televisão não limitou a capacidade do rádio.
Pelo contrário. Os empresários e donos de emissoras radiofônicas aproveitaram
cada segmento do mercado para adaptar a mídia rádio não somente em termos
de programação como também de vendas.
O avanço da indústria automobilística, principalmente entre as décadas
de 1970/80, proporcionou aumento no comércio de rádios para carros. Desse
modo, o rádio torna-se grande prestador de serviço, ajudando os motoristas a se
livrarem do trânsito (Repórter das Estradas, Rádio Bandeirantes), saberem
sobre as condições climáticas (Narcísio Vernizzi, Rádio Jovem Pan) e/ou relaxar
ouvindo música.
Coube à rádio Panamericana
25
(Jovem Pan) um papel fundamental.
Augusto César de Carvalho o “Tutinha” – filho de Paulo Machado de Carvalho, o
25
O livro Rádio, o veículo, a história e a técnica, de Luiz Artur Ferraretto oferece mais informações na p.
161.
40
marechal da vitória da Seleção Brasileira de Futebol em 1958 –, contrata
Fernando Vieira de Mello, diretor de jornalismo da Jovem Pan até 1992.
Fernando Vieira de Melo é o profissional que lançou na Jovem Pan serviços aos
ouvintes e consolidou o Jornal da Manhã, da Jovem Pan, como um dos maiores
e mais respeitados jornais do rádio no Brasil.
Este estilo faz escola e outras rádios seguem o mesmo caminho,
priorizando sempre a informação. Surge a CBN, rádio-jornalismo em AM e FM,
com uma programação jornalística 24 horas por dia e mais atualmente a Band
News FM, emissora que vem brigar diretamente com a CBN no jornalismo 24
horas.
De 1983 em diante, Ferrareto classifica a sexta fase do rádio brasileiro
como “segmentação e as redes via satélite”. As FMs dão novo alento às
emissoras. Na verdade, a partir da década de 1980, as rádios FMs saem dos
escritórios e consultórios para cair no gosto popular com uma programação
menos elitista.
Antes, porém, a virada nas FMs ocorre em virtude da Portaria nº 333, de
27 de abril de 1970. Na ditadura militar, a expansão das FMs era prioridade do
governo imposto pelos militares como atesta Nélia Rodrigues del Bianco, no
estudo FM no Brasil 1970-79: crescimento incentivado pelo regime militar. A
autora assinala que:
Como parte da estratégia governamental de interiorização da
radiodifusão, a FM, apesar do alcance reduzido de suas
ondas, servia à meta de dotar as cidades de uma estação.
Desta forma, o governo esperava cobrir, em parte, as áreas
de silêncio não atingidas pelas AM que possuíam potência de
1 quilowatt. A expansão das FMs também atendia a objetivos
políticos: ‘Integrar e desenvolver o país’ e ‘resguardar o
território nacional e os valores culturais’, combatendo a
penetração de emissoras estrangeiras (In Ferraretto, 2001,
p.158)
41
As FMs operam em freqüências que variam de 87,5 a 108MHz. Seu
alcance, no entanto, é limitado a um raio máximo de 150Km (FERRARETTO,
2001, p.67)”. Além disso, visam público jovem, seguindo uma programação
estadunidense, o que proporciona uma invasão de músicas estrangeiras. O que
chama a atenção dos ouvintes é a qualidade de som que se obtém. Locutores e
programas juvenis surgem sucessivamente nas FMs, enquanto que coube às
rádios AMs a participação do ouvinte.
Por uma década, as rádios FMs encantaram seus ouvintes pela qualidade
sonora. Um som sem ruídos e uma programação selecionada cria o fenômeno
chamado “efeemeização” das rádios AMs acerca do comportamento da seleção
musical.
Depois da popularização, acontece o fenômeno inverso à “aemeização” –
as emissoras de FM começam a identificar os nichos de mercado e segmentar.
Tocar música somente não cativa mais o público. É preciso mais. Criar
programas, promoções, concursos, estimular a participação dos ouvintes. Achar
o público-alvo e se comunicar com esse ouvinte. Interatividade que começa a
ganhar força a partir dos anos de 1990.
O mesmo não ocorre com a rádio por satélite. Mesmo estando incipiente
para a maioria esmagadora da população brasileira, “atualmente, mais de 5,4
milhões de assinantes pagam os US$ 12,95 por mês para receber o serviço da
XM ou da Sirius, os provedores de rádio por satélite e concorrentes entre si”, de
acordo o artigo Música celestial na palma da mão, de Steven Ashley, publicado
na edição nº 40 - setembro de 2005 da revista Scientific American Brasil. Ashley
acredita que:
a rádio por satélite pode levar as pessoas a desenvolver um
desejo insaciável por todos os tipos de música e entrevistas
42
incomuns, tal como o rádio de ondas curtas abriu novos
mundos para os ouvintes no passado
26
A importância do rádio é fundamental em virtude de sua dimensão
nacional. Graças a esse instrumento midiático, houve uma difusão e
popularização da música brasileira, por exemplo. No campo publicitário, o rádio
foi responsável pela criação de mercado a curto prazo para muitos produtos.
No campo educativo, também o rádio tem o seu papel preponderante.
Pode-se até mesmo qualificar de “educação conseqüente” a exercida pelos
responsáveis por essa tarefa de cunho sócio-cultural. Embora moldado em
sistemas norte-americanos comercias, o rádio brasileiro é o precursor da
regionalização da cultura brasileira.
As emissoras locais e regionais prestam grande serviço, sobretudo,
quando dirigidas por equipes comprometidas com a realidade do país. Na sua
função de informar, formar, educar e entreter, o rádio, nesses anos de mudança,
merece grande prestígio pelo seu alcance e pela variedade de sua
programação, que vai desde a música popular e erudita, até às crônicas policiais
e aos programas eminentemente culturais.
Atualmente, observa-se o surgimento de emissoras que se utilizam da
Internet para sua transmissão. Essas rádios – Am e/ou FM – transcendem o
local, o regional para se tornarem planetárias.
26
Scientific American Brasil, edição nº40.
43
Capítulo II
Radioteatro e
Cultura popular
44
As atividades de radioteatro, desenvolvidas dentro dos estúdios da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, são de fundamental importância para o cenário
radiofônico brasileiro, pois, este gênero colaborou para a consolidação da mídia
rádio como um meio de comunicação social abrangente, justamente, por estar à
disposição e ao alcance de todos os níveis sociais. Entre os anos 20 e os 60 do
século XX o rádio foi o principal veículo de comunicação de massa do Brasil.
Ao preservar a história do radioteatro da Rádio Nacional, durante seu
período de maior sucesso – década de 1950 –, a investigação permitirá avanços
teóricos no que tange ao campo da peça radiofônica e tentará apontar novas
perspectivas para este campo de estudo.
Por conter uma etapa de pesquisa histórica, uma das contribuições que
este projeto promoverá será a de tornar disponível uma abordagem do radiotetro
desde sua gênese, no início da década de 1920, até o apogeu desse gênero na
Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
O projeto se justifica, por outro lado, pela escassez de pesquisas e
publicações acerca do objeto de estudo, ou seja, a radioteatro. Falta um
panorama descritivo e explicativo da trajetória histórica do radioteatro e da
antevisão de uma nova estética no processo de produção desse segmento da
radiodifusão sonora e dessa modalidade de estudo.
A pesquisa e a organização da parca abordagem existente, os
conhecimentos que, decorrentes desta pesquisa, a ela serão somados, as
opções para atualizar grupos de estudo específicos sobre vertentes e tendências
do radioteatro, são outro flanco significativo das contribuições na produção
permanente do conhecimento.
Para a realização do presente trabalho, a pesquisa se fundamenta no
referencial teórico, em que se buscou autores que estudaram as radionovelas da
Rádio Nacional como Lia Calabre de Azevedo. Na sintonia do tempo: Um leitura
do cotidiano através da produção ficcional radiofônica. Niterói, Dissertação de
45
Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1996. Especificamente sobre a
Rádio Nacional há pesquisadores como Luiz Carlos Saroldi e Sônia Virgínia
Moreira. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1984.
Ainda sobre a relação Estado/Rádio ver: Lia Calabre de Azevedo. "O Estado na
onda: reflexões sobre o rádio e o poder nas décadas de 30 e 40". In: Cadernos
de Memória Cultural. Vol. 1. N. 2. Rio de Janeiro: Museu da República.
No que tange ao gênero, destacam-se autores como Antonio Adami, com
seu artigo A literatura: som e imagem, publicado na Revista Ciências Humanas
Unitau, v. 8 nº 2 de 2002. Também sua contribuição aos estudos de
radiodramaturgia no XXIV Congresso da Intercom, 2001: “O livro, a imagem e o
som”. E ainda do mesmo autor:. Radioconto, radiorromance, radiopoesia: o rádio
educativo. Revista USP, São Paulo, n. 56, p. 86-91, dezembro/fevereiro 2002-
2003.
A dissertação, dessa maneira, não vai restringir-se apenas a uma
explanação do assunto e, sim, à elucidação de uma proposição a respeito do
radioteatro brasileira. Para esclarecer essas questões, proceder-se-á buscar
respostas em pesquisas bibliográficas, nas obras de pesquisadores de meios de
comunicação de massa. Outras importantes fontes de informação serão
constituídas por depoimentos de pessoas que, de certa maneira, compõem a
história da radioteatro da Rádio Nacional.
A dissertação, uma vez implementada, resultará em contribuição para o
aprofundamento dos estudos históricos da radiodifusão sonora brasileira. Além
disso, preencherá a lacuna existente nessa área ao contextualizar a gênese e a
consolidação do desenvolvimento da radioteatro no Brasil.
Esta dissertação organizar-se-á respeitando as exigências da
metodologia científica, segundo a qual, de forma linear, os capítulos serão
dispostos. Tal estruturação permitirá uma leitura seqüencial e hierárquica dos
46
resultados da pesquisa. Preservar a história do radioteatro, durante os anos de
1950, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, é o que se propõe com este estudo.
O direcionamento exploratório envolverá a pesquisa bibliográfica por via
impressa e eletrônica dos conhecimentos e documentos disponíveis. Destarte, a
análise da produção da Rádio Nacional do Rio de Janeiro procurará respostas
efetivas sobre as tendências desse gênero radiofônico.
Para a realização desta pesquisa, em primeiro lugar, levantar-se-á a
literatura pertinente para, desse modo, identificar as obras referentes ao gênero
radioteatro. Esse levantamento será executado mediante uma pesquisa
bibliográfica. Também, utilizar-se-á de análise de arquivos e de documentos,
bem como entrevistas com personagens da área. Ou seja, há também o contato
direto a realizar-se com outros pesquisadores, ao vivo, por telefone e/ou correio
eletrônico. A busca dessa forma de apoio será fundamental para o
desenvolvimento da pesquisa, haja vista o fato de a bibliografia específica ser
escassa, especialmente em língua portuguesa.
A fundamentação teórica que dará sustentação às análises será obtida
em obras específicas que versem sobre estética, produção e teoria do
radioteatro. Alguns títulos serão norteadores para o desenvolvimento da
dissertação, dentre elas El lenguaje radiofonico, de Armand BALSEBRE,
estudioso espanhol de radiodifusão sonora. Nesta obra, o pensador espanhol
pontifica que deve existir uma integração harmônica entre as imagens sonoras –
palavra, músicas e ruídos – e o silêncio. E será a partir dessa concepção
estética de radioteatro que essa dissertação estará fundamentada, apta para ser
elaborada.
O rádio chegava ao final dos anos 50 e início dos 60, consolidado em sua
posição de meio de comunicação de massa, como um elemento fundamental na
formação de hábitos na sociedade brasileira.
47
Pode-se inferir que dos anos 30 aos 60, o rádio foi o meio através do
quais as novidades tecnológicas, os modismos culturais, as mudanças políticas,
as informações e o entretenimento chegavam ao mesmo tempo aos mais
distantes lugares do país, permitindo uma intensa troca entre a modernidade e a
tradição.
O rádio ajudou a criar novas práticas culturais e de consumo por toda a
sociedade brasileira, inclusive quando permitiu a transcodificação de obras
literárias em radioteatro.
O radioteatro é a veia artística da radiodifusão sonora. Por ela, passam
nutrientes que enriquecem a qualidade estética do mais popular meio eletrônico
de comunicação de massa. É mediante a propagação de som e silêncio que a
peça radiofônica consegue prender a atenção dos ouvintes em meio às teias da
cultura popular. Entretanto, para que se obtenha êxito necessário para tal grau
de concentração de ouvintes em potencial, é necessário, pois, rigorosa
qualidade estética ao programa radiofônico.
E é justamente essa questão central que o capítulo Radioteatro e cultura
popular procura responder. Ou seja, quais os mecanismos e ferramentas de que
dispõem os produtores de peças radiofônicas para atrair e prender a atenção
dos ouvintes? Que gênero radiofônico é esse capaz de transportar o(s)
ouvinte(s) para um universo de fantasias e imaginações mediante imagens
sonoras? Como a cultura popular contribui para a formação e formatação dos
programas?
Antes de iniciar propriamente a redação desse segundo capítulo, faz-se
necessário esclarecer os procedimentos metodológicos aplicados à construção
do trabalho acadêmico. Por meio de uma pesquisa exploratória inicial, constata-
se uma lacuna bibliográfica entre os pesquisadores brasileiros voltados à área
de radioteatro.
48
Salvo poucos pesquisadores, como Antonio Adami, que possui artigos
publicados em livros e revistas concernentes ao tema, não há nomes de relevo.
Felizmente, o mesmo obstáculo não se encontra entre pesquisadores
estrangeiros. Por isso, o presente tópico terá como arcabouço principal os
estudos de Fernando Curado Ribeiro e a coletânea organizada por George
Bernard Sperber no que tange ao formato radioteatro.
O radioteatro, como peça radiofônica, tem sua origem concomitantemente
à origem do próprio rádio. Ou seja, esse gênero é tão velho quanto à própria
mídia rádio. As primeiras peças ocorrem no continente europeu, a partir de 1924
com a transmissão de Através das estepes do inverno (Inglaterra) e Maremoto
(França).
Para Fernando Curado Ribeiro, autor de Rádio – produção, realização e
estética, a peça da radiodramaturgia francesa marca, definitivamente, o início do
gênero radiodrama como um novo estilo de arte. Maremoto, um texto de Pierre
Cusi e Gabriel Germinet, ganha o concurso promovido pelo jornal Impartial
Français.
A este concurso, realizado em maio de 1924, qualquer texto redigido em
francês e que, oralmente, não exceda a 15 minutos, pode concorrer. E muitos
autores audaciosos se inscrevem. Tamanha é a dificuldade de se chegar a um
veredicto final, que o resultado somente é divulgado um mês depois, em 21 de
junho.
É interessante destacar que o júri, composto por 12 membros, decide
pelo texto de Cusi e Germinet, após a “experiência da leitura ao microfone”. Ao
sufrágio, a obra “não tem verdadeiramente toda a sua significação senão ouvida
pela altifalante ou pelos auscultadores” e pontificam que, “neste trabalho, tudo é
calculado para a transmissão por antena” (sic) (1964, p 100-101).
Nessas mais de oito décadas, a receita básica para se produzir uma peça
de radioteatro continua, praticamente, similar às de sua gênese. Na verdade, a
49
mudança ocorre no espectro tecnológico, já que a emissão e recepção de ondas
radiofônicas evoluíram sobremaneira daqueles tempos para cá. Para Fernando
Curado Ribeiro, a estrutura básica para a realização desse gênero encontra-se
dividida em duas vertentes: preparação e execução.
A primeira engloba três etapas, a saber: texto, montagem e realização. Já
a execução compreende sete passos, ainda de acordo com o mesmo autor. São
eles: ensaios, ambientes, relevo sonoro, ruídos e trucagem, música,
interpretação e montagem final.
O texto de radioteatro possui peculiaridades em relação aos demais
gêneros de textos. Desse modo, segundo pontua Fernando Curado Ribeiro, o
produtor deve esmiuçar todos os detalhes que irão compor a peça radiofônica.
Para que ocorra essa pormenorização do texto, faz-se necessário redigi-lo em
um script em que “a música, sonorização, planos sonoros, ‘travellings’, efeitos
especiais, etc., serão inscritos à esquerda do guião [script], estabelecido em
duas colunas, a qual a da direita é reservada ao texto propriamente dito”
(RIBEIRO, 1964, p:77).
A montagem, segunda etapa no processo de preparação, compõe-se de
insertos musicais. Segundo o autor de Rádio – produção, realização, estética, na
escolha da trilha sonora não se exige uma regra específica que dite quais e que
tipos de melodias devem ser selecionadas. A montagem, entretanto, não se
produz de qualquer maneira, sem qualquer caráter relevante à peça. O mesmo
autor acentua que a função da montagem é “ilustrar esta ou aquela situação ou
estabelecer entre duas cenas uma ligação ou uma separação” (RIBEIRO, 1964,
p:78).
Desse modo, o produtor deve escolher com acuidade a trilha sonora,
sempre buscando conciliar, de forma harmoniosa, a montagem com uma cena
específica, por exemplo. O autor recomenda ainda que, para evitar mais
despesas, o texto falado e a música podem ser gravados separadamente.
50
Não obstante o caráter financeiro, a gravação, em etapas não
concomitantes, de texto e de inserto musical, contribui, justamente, na exatidão
e fluidez da peça radiofônica. Todos os elementos detalhados no script facilitam,
pois, a montagem final da obra.
Por fim, a última etapa da preparação, de acordo com Fernando Curado
Ribeiro, é a realização, que consiste, propriamente, na direção da peça
radiofônica. O realizador pode ser comparado – para facilitar sua compreensão e
valor – a um diretor cinematográfico. Cabe ao realizador conduzir as gravações
e arquitetar a concepção estética geral de toda a peça de radioteatro. Para
Fernando Curado Ribeiro “qualquer obra radiofônica dependerá sempre da
clareza das intenções do seu realizador” (RIBEIRO, 1964, p: 81).
Após concretizar as três etapas da preparação, o diretor/produtor poderá,
por conseguinte, iniciar a fase de execução da obra, primeiramente, com
ensaios, que consiste em uma leitura e encenação literária da peça a ser exibida
futuramente com todo o elenco em conjunto com a direção.
O passo seguinte, conforme observa Fernando Curado Ribeiro, é a
estruturação de ambientes. Nessa etapa, o diretor/produtor, mediante imagens
sonoras, deve instigar a imaginação do auditor. “Os locais onde se passam as
cenas devem ter uma expressão sonora ou implicar no ouvinte a sua sugestão
exata” (RIBEIRO, 1964, p:84), esclarece.
Assim como no cinema, a peça de radioteatro pode usufruir de tipos
diferentes de planos: próximo (ou grande plano), médio (ou plano americano) e
afastado (ou plano de conjunto). Na verdade, o que determinará o plano são as
perspectivas sonoras, que se evidenciam quanto à profundidade do som. A isso,
Fernando Curado Ribeiro chama como paisagens sonoras, que tem a função de
“tradução das impressões de profundidade e de distância” (RIBEIRO, 1964, p:
89).
51
Ruídos e trucagem, a próxima fase de execução de uma peça
radiofônica, tem como função criar ilusões e sensações, levando o ouvinte a
interagir com a ação mediante suas reações e imaginações. Sua utilização
requer percepção distinta do diretor/produtor, já que ruídos e trucagem não
devem ser inseridos sem nenhum tipo de contribuição à peça, e sim, quando
“acrescenta uma atmosfera particular à cena” (RIBEIRO, 1964, p: 89).
Outro complemento ao radioteatro de importância é, sobremaneira, a
música, que, para, Fernando Curado Ribeiro, “ilustra um texto como, num livro, a
gravura; a música é, pois, a servidora do texto que deve ilustrar” (RIBEIRO,
1964, p: 89).
Já a interpretação será resultado, única e exclusivamente, da voz do
rádio-ator e, por esta razão, ele deve concentrar suas ações à voz. De acordo
com o autor de Rádio – produção, realização, estética, o produtor da peça
radiofônica tem que ter em mente que uma boa interpretação requer, no
radioteatro, interações com o microfone porque o resultado da voz não terá,
necessariamente, auxílio de gestos, mas, apenas dos sons que o microfone
captar. Mesmo não sendo necessário decorar os textos, os radioatores devem
estudá-los, para melhor modelagem estética da voz.
A última operação do radioteatro é a montagem final, ou a edição final. É
nessa etapa que o diretor/produtor coordena a ordem de transmissão de todos
os elementos que compuseram à peça. Fernando Curado Ribeiro acentua que
“o som em movimento constitui um meio de expressão que se consegue tendo
em linha de conta noções várias de ritmo, de estética, etc., e que são elementos
dos quais se pode dispor na operação da montagem radiofônica” (RIBEIRO,
1964, p: 97).
Há, além desses dois processos de montagem da peça de radioteatro
orquestrados por Fernando Curado Ribeiro, outros elementos técnicos que
também a compõem. Elementos esses indispensáveis à qualificação estética
52
daquilo que será construído, pelo ouvinte, mediante as paisagens sonoras. De
fato, pode-se destacar como elementos técnicos da obra radiofônica o
microfone, a fita magnética e a mesa de mixagem.
De maneira específica e concreta, o microfone é um aparelho capaz de
transformar energia sonora – a voz humana, por exemplo –, em energia elétrica.
Esta definição, contudo, não abrange o papel fundamental do microfone junto à
peça radiofônica. Werner Klippert, no texto Elementos da peça radiofônica,
publicado na coletânea de George Bernard Sperber, sublinha que, com o uso do
microfone, “obtém-se, assim, um novo estado de aglomeração, o qual, do ponto
de vista estético e dramatúrgico, possibilita a organização de um nível criativo
inteiramente novo” (SPERBER, 1980, p: 13).
Para produzir as devidas perspectivas artísticas que correspondem,
exatamente, com a idéia, ou o cenário arquitetado pelo diretor/produtor, faz-se
necessário conhecer as configurações direcionais do microfone que, como
muitos aparelhos eletrônicos, possui modelos distintos.
Klippert divide as diferentes categorias de microfones em cinco; a saber:
microfone de carvão (mediante o controle de resistências), microfone de cristal e
cerâmica (princípios da piezeletricidade
27
), microfone magnético (princípios do
eletromagnetismo, microfone de bobina móvel (princípios da eletrodinâmica),
microfone de condensador (princípios da eletrostática).
Desse modo, Klippert acentua que:
A partir da escolha e da colocação dos microfones dentro do
espaço podem ser obtidos efeitos acústicos que vão desde o
estrito isolamento de uma voz até um conjunto difuso, uma
mistura de vozes, barulho e som, efeitos estes que misturam
27
Piezeletricidade é a habilidade de certos materiais cristalinos de desenvolver uma carga elétrica
proporcional a um stress mecânico. Os materiais com esta propriedade, mostram também a inversa, que é
erroneamente chamada também piezeletricidade, isto é, uma deformação geométrica proporcional a uma
voltagem aplicada. É esta última a propriedade usada nos microscópios de SPM para realizar diversas
funções. http://www.cbpf.br/~nanos/Apostila/06ref.html
53
nos diferentes trechos da gravação tonalidades de fundo que
podem se diferenciar nitidamente uma das outras ou mudar
de forma fluida e sem cortes (SPERBER, 1980, p: 15-16).
A fita magnética, por sua vez, é um marco importante na história da
produção de peças radiofônicas, pois, além de se constituir em um armazém de
sons, contribui também para a esfera criativa da radioteatro. Esta técnica,
mesmo preferida pelos mais tradicionais, que prezavam a peça encenada “ao
vivo”, a fez mais independente da casualidade.
Apesar disso, a fita magnética não blindou, ou conduziu as transmissões
“ao vivo” ao ostracismo. Quando necessário e justificado, pode-se,
perfeitamente, usufruir das peças “ao vivo”.
De acordo com a posição de Klippert, se existe uma perda com a
utilização da fita magnética, ela se restringe à relação de simultaneidade entre
produção e transmissão. Desse modo, na aritmética referente ao uso de fita
magnética, soma-se mais vantagens do que, propriamente, desvantagens.
Klippert credita a essa técnica, que permite a gravação em fita, a possibilidade
de utilização de sons originais com exatidão na peça radiofônica.
Esta parte inicial do capítulo, contudo, permaneceria incompleto, caso
não apresentasse as contribuições de âmbito educacional que são transmitidas
no radioteatro. Tal qual um excelente contador de histórias, a peça radiofônica
desempenha, utilizando em caráter cultural, papel de mentor literário ao instigar
seus ouvintes a aprofundar seus conhecimentos – algo similar ao pupilo que
pretende superar seu preceptor.
Nesse sentido, é importante reconhecer que o radioteatro cumpre seu
papel idealizado por Edgard Roquette-Pinto, que assegurava que o rádio era um
instrumento de difusão de cultura. Antonio Adami, em seu artigo Radioconto,
radiorromance, radiopoesia: o rádio educativo, salienta que “o radiodrama, na
educação, pode ser uma ferramenta extremamente importante para passar
54
conhecimento, cultura e entretenimento, inclusive a deficientes visuais [...] O
radiodrama pode ser uma mola mestra no processo educativo e não apenas em
rádios comerciais, mas principalmente em rádios com preocupação com a
educação e a cultura” (ADAMI, 2002-2003, p: 91).
A importância do rádio é fundamental em virtude de sua dimensão
nacional. Graças a ele, houve uma difusão e popularização da cultura brasileira.
No campo educativo, também o rádio tem o seu papel preponderante. Pode-se
até mesmo qualificar de “educação conseqüente” a exercida pelos responsáveis
por essa tarefa de cunho sócio-cultural. Embora moldado em sistemas norte-
americanos comercias, o rádio brasileiro é o precursor da regionalização da
cultura brasileira.
As emissoras locais e regionais prestam grande serviço, sobretudo,
quando dirigidas por equipes comprometidas com a realidade do país. Na sua
função de informar, formar, educar e entreter, o rádio, nestes anos de mudança,
merece grande elogio pelo seu alcance e pela variedade de sua programação,
que vai desde a música popular e erudita, até às crônicas policiais e aos
programas culturais, como o radioteatro.
O papel do gênero radioteatro no cenário radiofônico sonoro não se
restringe apenas à vértice tecnológica das transmissões – encenadas, ou não –,
como também apresenta contribuições para a esfera estética da radiodifusão
sonora.
Com a consolidação do radioteatro como gênero artístico, o salto de
qualidade e a preocupação minuciosa com o que se transmite, garantiu ao rádio
espaço privilegiado no cenário cultural. Seria ignorância omitir, por exemplo, a
migração tanto de profissionais, de empresários e de artistas do rádio brasileiro
para a televisão, a partir dos anos de 1950.
Como todo meio de comunicação de massa, o rádio está carregado de
propaganda ideológica e interesse seja por parte do Estado ou de empresas
55
particulares. Essa influência exerce um papel decisivo e, às vezes cáustico, na
programação radiofônica. O enredo para converter o rádio em instrumento
ideológico dá-se mediante ações de censura na difusão de informações e nas
formas simbólicas, como comportamento, expressões lingüísticas, entre outras.
Carece, a considerar a radiodifusão sonora, dentro dessa tangente, como
aparelho ideológico, de uma indagação: o que se entende por ideologia? Para
tentar esclarecer esse questionamento, utiliza o conceito proposto por John B.
Thompson.
Autor do livro Ideologia e Cultura Moderna, Thompson considera que o
termo ideologia hauriu definições errôneas ao longo dos anos, desde que foi
empregado pela primeira vez, há quase dois séculos, na França. É preciso, para
conceituar esse termo, livrar-lhe da conotação negativa e esmiuçar a sua real
concepção.
Desse modo, Thompson define ideologia como a ciência do sentido a
serviço do poder. Nas palavras do próprio autor, “o conceito de ideologia pode
ser usado para se referir às maneiras como o sentido (significado) serve, em
circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que
são sistematicamente assimétricas”
28
.
Para a construção e implementação do caráter ideológico nas formas
simbólicas – um espectro que engloba imagens sonoras e visuais –, Thompson
aponta cinco modos pelos quais opera o processo ideológico.
A saber: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e
retificação. É importante frisar que os modos de operação da ideologia não se
aplicam a essa meia dezena de conceitos, ou que ocorram, pura e simplesmente
nessa ordem. De acordo com Thompson, “esses modos podem sobrepor-se e
28
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa, 1995, p.16.
56
reforçar-se mutuamente e a ideologia pode, em circunstâncias particulares,
operar de outras maneiras”
29
.
John B. Thompson apropria-se do pensamento de Max Weber para definir
legitimação, que alicerçada em fundamentos racionais, tradicionais e/ou
carismáticos faz com que as relações de dominação sejam representadas por
ações de caráter legítimo.
Desse modo, segundo Thompson, a legitimação rege a construção
simbólica mediante três estratégias. São elas: racionalização, universalização e
narrativização. Por racionalização, entende-se que as formas simbólicas estão
fomentadas por uma cadeia de raciocínio que visa justificar, ou defender ações
e, a partir desse elo, persuadir o público-alvo.
A universalização, por sua vez, procura montar a forma simbólica por
meio de acordos que, visando um alvo restrito, é entendido como uma premissa
que engloba o interesse de todos e que nesse todo, qualquer um tem
oportunidade de ser bem sucedido. A última estratégia da legitimação, a
narrativização, compreende que, ao contar histórias antigas, sejam elas
inventadas, ou não, justificam-se as ações presentes.
A dissimulação, como modo de operação ideológica, consiste em ocultar
ações para que, assim, aconteça a relação de dominação. Essa estratégia usa,
conforme sinaliza Thompson, o deslocamento, a eufemização e o tropo (figuras
de linguagens como metonímia, sinédoque e metáfora) como suas três
estratégias.
Enquanto que o deslocamento consiste em referir-se a uma determinada
pessoa, por exemplo, com conceitos empregados em outro e, com isso, as
atribuições positivas ou negativas deslocam-se de um indivíduo a outro, a
eufemização funda-se em caracterizar ações, objetos ou pessoas dando
29
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa, 1995, p.81
57
atributos eloqüentes. O uso das figuras de linguagem, muitas vezes, é restrito à
literatura e basea-se em ações para dissimular relações de poder.
Um terceiro modo de operação ideológica proposto por Thompson é a
unificação. De acordo com o autor de Ideologia e Cultura Moderna, a unificação
consiste em criar, no nível simbólico, estruturas e unidades que congregam
todos os indivíduos diferentes dentro de uma identidade coletiva. Essa estratégia
dá-se mediante a padronização e a simbolização da unidade.
Na primeira, as formas simbólicas estão adaptadas em um referencial
padrão, enquanto que na segunda estratégia de unificação, a construção
simbólica nasce em virtude de uma junção de símbolos de unidade.
A ideologia pode operar também mediante o oposto da unificação, ou
seja, em vez de unificar, fragmentar. Desse modo, a fragmentação segrega
indivíduos que, unidos, possam vir a romper a conduta regida pelos grupos
dominantes. A segregação é aplicada pela diferenciação, à ênfase nas
distinções entre grupos, ou pelo expurgo do outro, que cria um inimigo a ser
combatido.
O quinto modus operandi da ideologia, para Thompson, configura-se
como reificação nas quais “relações de dominação podem ser estabelecidas e
sustentadas pela retratação de uma situação transitória
30
”, que pode ser
expressa mediante a naturalização, a eternalização e a
nominalização/passivização. Este último consiste na concentração do público
em determinados assuntos em detrimentos de outros.
Já na naturalização tudo é visto e explicado como fato natural enquanto
que na eternalização, acontecimentos são reportados, meramente, como
corriqueiros em que se configura a eternidade.
30
THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna – teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa, 1995, p.87.
58
As estratégias típicas de construção simbólica por meio de operações
ideológicas criam e sustentam relações de dominação. E, dentro desse contexto,
o rádio protagonizou uma personagem capaz de encenar, praticamente, todos
os modos gerais de operação da ideologia, apontados por John B. Thompson.
Os grupos dominantes regeram as classes conforme a situação se
apresentava. Mediante essas estratégias, moldaram gostos, costumes, tradições
e (re)formaram a sociedade.
Para a dissertação, porém, as cinco modalidades de operação ideológica
propostas por Thompson são suficientes para traçar mapeamento de como o
rádio serviu como uma extensão midiática para os interesses do Estado e de
empresas particulares. Pode-se considerar, em particular, que a Rádio Nacional
do Rio de Janeiro, a PRE-8, utiliza em alguns programas a modalidade de
legitimação.
Ao ser incorporada ao patrimônio da União, em 8 de março de 1940
31
, a
Nacional, apesar de ganhar em qualidade profissional e estética em sua
programação, fica à mercê do governo Vargas. Entretanto, ao público-ouvinte,
as verbas governamentais injetadas na Rádio Nacional servem para dar mais
entretenimento. A PRE-8 começa um período de ascensão consolidando-se
como a principal emissora do país.
Para que a operação legitimação desse resultado, faz-se necessário,
segundo a administração de Gilberto Goulart de Andrade, o homem escolhido a
dedo pela União para gerenciar a Rádio Nacional, sistematizar toda a
programação. A saída encontrada é a criação da Seção de Estatística da
Nacional.
Nesse departamento, a grade de programação junto com números e
gráficos referentes a cada programa é colocada no papel. “Pelo mesmo setor,
ficamos sabendo que, no começo dos anos 40, a Rádio Nacional recebia uma
31
Decreto-lei n° 2.073.
59
média mensal de 26.291 cartas de várias regiões do país. Era o início de um
encantamento que se multiplicaria várias vezes” (SAROLDI e MOREIRA, 2005,
p. 56).
O caráter cada vez mais carismático e popular da Rádio Nacional cai nos
braços dos ouvintes e a ajuda financeira do governo federal recheia a
programação da emissora com novas atrações e programas. Para comemorar o
aniversário de quatro anos, os dirigentes da Nacional elaboram uma festa de
pompa.
A comemoração é marcada para o dia 15 de setembro de 1940 e dura 14
horas na grade de programação da emissora. Saroldi e Moreira afirmam que “o
evento mereceu nada menos do que 14 horas de programação especial,
devidamente patrocinadas, numa afirmação da nova filosofia da emissora”
(SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 59).
Para encerar a comemoração, a direção da Nacional deixa para o final
um trunfo musical. A responsabilidade fica sob a tutela de Alcir Pires Vermelho,
João de Barro e Alberto Ribeiro, que criam uma música em perfeita simetria com
a legitimação de John B. Thompson.
Quando os primeiros acordes de “Onde o céu azul é mais azul” fizeram-
se propagar, a festa estava completa. O clima é de Estado-Novo e nada melhor
do que um samba exaltando as qualidades tropicais brasileiras para retratar
esse período.
Outro programa criado que se encaixa no processo de legitimação é Um
milhão de melodias, que vai ao ar no dia 6 de janeiro de 1943. Esse é o
programa escolhido pela empresa norte-americana de refrigerantes, Coca-Cola,
para lançar seu produto no mercado brasileiro. “O objetivo era nacionalista: dar à
60
música brasileira um tratamento orquestral semelhante ao dispensado às
composições estrangeiras
32
”, escrevem Saroldi e Moreira.
De modo mais acentuado, há dois períodos no Brasil que ilustram de
modo indubitável a relação tênue entre o rádio e a avidez governamental e
particular. Gilberto de Andrade, homem forte da Rádio Nacional, segundo o
maestro Radamés Gnattali, falava pelos corredores da emissora a seguinte
frase: “Vocês fazem agora o que quiserem: gastem o dinheiro que tiver aí, não
precisa guardar” (ap. SAROLDI e MOREIRA, 2005, p, 59).
Nos anos de 1930, encontrava-se o rádio em idade tenra e, nem por isso,
a didatura Vargas deixou de absorver as vantajosas peculiaridades que o novo
meio de comunicação a distância oferecia.
Outro uso do emprego ideológico, nas ondas de transmissão radiofônicas,
aconteceu a partir da segunda metade do século XX, naquela que se tornara,
até então, a maior emissora comercial do país, a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro.
O rádio, como meio de comunicação de massa, serve como instrumento
de monitoramento e fiscalização do Estado. No Brasil, o auge desse mecanismo
de dominação, por parte do governo, ocorreu durante a didatura Vargas.
A União, dessa maneira, tinha controle das emissoras radiofônicas
mediante a publicação de decretos e/ou concessões. Getúlio Vargas soube, com
primazia, utilizar-se do rádio como principal instrumento na manutenção de
poder ditatorial.
Entretanto, o uso do rádio como aparelho ideológico do Estado não é
privilégio do governo Vargas. Na Espanha, por exemplo, o rádio também foi
utilizado pelo regime franquista como uma arma política.
32
Detalhes no livro Rádio Nacional: o Brasil em sintonia (2005, p. 61).
61
No Brasil, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, o rádio não foi
apenas um significativo meio de divulgar informações. Foi, sim, um aparelho
pelo qual o governo utilizara para “orientar” a sociedade mediante a difusão de
pseudo-informações, termo cunhado por Edgar Morin
33
para definir as
informações camufladas de propaganda ideológica, por exemplo.
A didatura Vargas controlava as emissoras e as obrigava, por meio de
decretos, à divulgação dos triunfos do Estado, proibindo qualquer referência aos
insurgentes. Apenas uma rádio, a Rádio Record de São Paulo, posicionou-se
contra a didatura de Vargas. Ao fim e ao cabo do levante paulista, acabou
conhecida como a Voz da Revolução.
Dentro da esfera radiofônica, o governo Vargas soube aproveitar as
vantagens políticas que o novo meio de comunicação de massa oferecia. No
caso específico daquele período, o Estado brasileiro, por meio de estratégias
ideológicas de construção simbólica, fornecia os indivíduos com ideais pró-
governo. Vargas usufruiu da publicação de decretos como modo de operação
ideológica, que consistia na aplicação da legitimação, conforme assinala John B.
Thompson.
A partir de 1930, o governo Vargas cria vários dispositivos legais para
controlar a radiodifusão, como por exemplo o Departamento Oficial de
Propaganda – DOP, que antecede à “Hora do Brasil”. Em 1934, ainda na
vigência do governo provisório, cria-se o Departamento de Propaganda e
Difusão Cultural, em substituição ao DOP.
Nesse período, institui-se a “Voz do Brasil”. Em 1939, com o Decreto nº
1915, de 27 de dezembro, cria-se o Departamento de Imprensa e Propaganda –
DIP. Órgão este ligado diretamente à presidência da República, em substituição
ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural.
33
A expressão pseudo-informações é discutida de forma ampla no livro Para sair do século XX.
62
Não obstante, o controle do Estado não é exercido somente por meio da
publicação de decretos e de censura. A influência de órgãos estatais, ou ainda,
de instituições privadas no aparato radiofônico é corroborado diariamente pela
programação das emissoras.
Nos anos de 1950, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro consolida-se
como a principal emissora do país, com uma programação ora conservadora ora
liberal, segundo a socióloga Miriam Goldfeder, autora de Por trás das ondas da
Rádio Nacional. É nesse canal de transmissão radiofônica que se dá a maior
penetração de produção radiofônica. Em 1952, a Rádio Nacional alcança
poderosos índices de 50,2% de audiência.
O pensador marxista Loius Althusser adverte que não existe produção
sem que se tenha possibilidade de reprodução da produção. E é dentro desse
princípio que a Rádio Nacional torna-se permeável aos mecanismos de um
aparelho ideológico do Estado.
Pertencente ao patrimônio do Estado, a Rádio Nacional difundia formas
de comportamento e modos de ser e pensar mediante ídolos construídos para
atender às classes sociais e, dessa maneira, contribuir para a manutenção da
ordem social. De maneira que a Rádio Nacional exibia seu conteúdo em duas
vertentes: a liberal e a conservadora.
A moral conservadora era refletida na cantora Emilinha Borba, sua
principal referência. Para Miriam Goldfeder, “a cantora vai constituir, na década
de 50, a imagem tipificadora, a nível individual, do quadro de valores morais
conservadores e reprodutores das relações sociais dominantes” (GOLDFEDER,
1983).
Oriunda do subúrbio carioca, Emilinha Borba detinha princípios de
identificação com sua classe natal, que aspirava ao sucesso de sua concidadã.
O controle ideológico da moral conservadora é construído por meio da índole da
cantora.
63
Emilinha Borba era vista como um arquétipo de integridade moral. De
acordo com Miriam Goldfeder, “seu modelo de comportamento seria incapaz de
portar desvios de qualquer ordem. Ela deveria simbolizar evidentemente, a
possibilidade de realização individual plena no plano das instituições sociais,
basicamente aquelas que circundavam o universo familiar tais como casamento,
virgindade, maternidade, etc”. Sua sensualidade natural era revestida por um
manto conservador que ela mesma impunha em suas posturas.
A autora de Por trás das ondas da Rádio Nacional, narra um fato
interessante no qual foi estruturada uma saída honrosa para a principal
representante da moral conservadora. Emilinha Borba, apesar de empunhar a
bandeira da exaltação familiar, não cumpriu à risca o que propagava. A cantora
vira “mãe-solteira” e se casaria com o provável pai da criança, três anos depois
do nascimento do filho.
Com a imagem arranhada pela maternidade incompatível com a moral
conservadora, criou-se uma explicação aceita pela sociedade. Emilinha Borba
não era “mãe-solteira”. Pelo contrário. Tinha ela apenas adotado uma criança.
Parece que a explanação deu resultado e ela voltou a erguer a bandeira
conservadora. Passou, então, a exibir e a explorar o ideal de maternidade.
Esse exemplo de como a Rádio Nacional articulou, junto à Revista do
Rádio, uma resposta ao caso Emilinha Borba, reporta como se constrói
mecanismos de dominação mediante o uso de aparelhos ideológicos do Estado
– neste caso, a mídia. A criação no plano imaginário, pois, qualifica um modelo
exemplar da conduta feminina à época gloriosa de Emilinha Borba. Há eficácia
do mito propagado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro em conjunto com a
Revista do Rádio.
De acordo com Miriam Goldfeder, a cantora Marlene era o contraponto de
Emilinha Borba, pois uma postura liberal atrelava-se à sua imagem mais ousada
e sensual. Cabe mencionar que é a Rádio Nacional o cenário de Marlene e de
64
Emilinha Borba e, com essas duas vertentes, a emissora abrangia diferentes
camadas da sociedade com suas diferentes visões de mundo.
Com isso, o pensamento de Loius Athusser de que não existe produção
sem que se tenha possibilidade de reprodução da produção, serve como
parâmetro para a ideologia propagada pelas emissões da Rádio Nacional por
meio das cantoras Emilinha Borba e Marlene.
Dentro desses dois exemplos diferentes, mas ao mesmo tempo similares
entre si, mencionados pela socióloga Miriam Goldfeder, o modo de operação
ideológica configura-se na aplicação da unificação. No caso específico de
Emilinha Borba, a Rádio Nacional aproveita-se na identificação da cantora com o
subúrbio carioca para, justamente, criar um elo entre a musa e a classe menos
abastada financeiramente.
Em muitos casos, o rádio comercial goza de preceitos da oficial. A
publicidade comercial começou a ocupar espaço nas transmissões radiofônicas
a partir da terceira década do século XX. Transformada em negócio rentoso, o
produtor cede lugar ao agente publicitário, cujo patrocínio é a principal fonte de
renda.
Com isso, a própria programação radiofônica sofre interferências
centradas nos interesses particulares dos anunciantes. Configura-se, desse
modo, que a mídia rádio serve de suporte ideológico não somente ao Estado
como poder público, mas também a particulares, representando pujança
particular.
Os modos de operação da ideologia, proposto pelo cientista social John
B. Thompson, não se realizam maquinalmente e, sim, ocorrem devido à
estrutura articulada pelo Estado como também por empresas particulares. Dá-se
isso pura e simplesmente para centrar o poder mercadológico – no caso de
particulares –, ou reforçar tentáculos governamentais.
65
Seja mediante legitimação, ou não, as estratégias de dominação e
apaziguamento ideológicos centram-se nos desejos criados para a sociedade.
Como em uma ferida aberta, os modos de operação da ideologia, travestidos de
imaculação, limpam o machucado. As cicatrizes, porém, permanecem como
forma intríseca de exibir reflexos nas estratégias de operação ideológica.
A conduta mercadológica enraizada na Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
nas cantoras Emilinha Borba e Marlene, retrata a incipiente formatação musical
da cultura de massa tipicamente tropical. Elas podem ser consideradas como as
precursoras da indústria fonográfica articulada pela radiodifusão sonora –
principal meio de comunicação de massa no Brasil, à época. Por conseguinte,
essas estratégias da Rádio Nacional convergiram em formatações amplamente
industriais com o lançamento de novos cantores.
Já a censura da didatura Vargas à mídia rádio difundiu pseudo-
informações aos ouvintes. A liberdade de expressão foi cerceada mediante a
publicação de decretos e/ou concessão de novas emissoras. Esse quadro,
porém, não se modificou em quase nada daqueles tempos até nossos dias.
Durante o regime militar brasileiro (1964-1985), censurou-se não só a
informações como também se castrou o cenário musical do período. É
interessante salientar que a proliferação de cantores populares, principalmente
da década de 1970, dominou o mercado fonográfico e, por conseguinte, a
seleção musical de emissoras.
Outro fator norteador no universo radiofônico é sua íntima ligação com a
cultura popular. Não importa, neste caso, quais as interpretações da cultura
estão sendo utilizados para dimensionar e teorizar a performance radiofônica. É
sabido que, independentemente da ótica em que se analisa o rádio, essa mídia
junto com o cinema, forma os primeiros meios de comunicação de massa
tipicamente modernos.
66
Dominic Strinati, autor de Cultura popular – uma introdução atribui ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento das mídias durante as décadas de 1920 e
1930 papel decisivo “para o estudo e a avaliação da cultura popular (STRINATI,
1999, p: 21).
Com esta afirmação do pesquisador da Universidade de Leicester, torna-
se indispensável para a dissertação perscrutar, sob a lupa da cultura popular,
como está centrado a elaboração e a exibição de peças de radiodrama na Rádio
Nacional. Por conseguinte, faz-se necessário ao projeto de mestrado uma
introdução a respeito dos tecidos da cultura popular.
Afinal, como afirma Dominic Strinati, “a influência crescente da cultura
popular veiculada pelos meios de comunicação de massa modernos assume
maior importância sobre a vida das pessoas das sociedades capitalistas
ocidentais” (STRINATI, 1999, p: 13).
A efervescência do cenário carioca na primeira metade do século XX dita
as regras da sociedade brasileira. Enquanto São Paulo inicia seus primeiros
passos rumo à industrialização, a então capital do país, Rio de Janeiro, é o
ambiente ideal das transformações culturais e artísticas brasileira. Em outros
termos, pode-se afirmar que, à época, o Brasil era o Rio de Janeiro.
E é neste cenário que se constrói a identidade nacional dos brasileiros
alicerçada e fundamentada pelos jornais impressos e pelas rádios. Destarte, os
produtores radiofônicos, conhecedores das necessidades do público, investem
em programação popular. A partir do período áureo do rádio, os ouvintes
começam a receber mais e maior influência da popular mídia eletrônica.
Segundo a teoria que rege e explica a sociedade de massa, as pessoas
possuem como principal instrumento de relacionamento os programas
oferecidos pelos avanços tecnológicos e industriais. Aos teóricos desta linha de
pensamento, a sociedade de massa pode ser resumida como átomos que se
67
entrelaçam mediante processos eletrônicos. Sob esse aspecto, Dominic Strinati
afirma:
Sem organizações mediadoras, os indivíduos tornam-se
vulneráveis, manipulados e explorados pelos meios de
comunicação e pela cultura de massa, não havendo
nenhuma ordem moral para impedir que isso ocorra. As
convicções religiosas e o senso comum dão lugar ao
individualismo racional e à ano mia secular, associados
ao crescimento do consumo de massa e da cultura –
placebos morais da sociedade. (STRINATI, 1991, p:24)
Desse ponto de vista, a mídia rádio, em especial durante o período de
predominância do radiodrama da Nacional, assegura aos ouvintes curiosidade e
interesse pela história. Antonio Adami enfatiza que, ao oferecer
transcodificações de obras literárias para a mídia rádio, o ouvinte em potencial
procure ler determinado livro. Mesmo assim, a cultura popular vinda do rádio é
caracterizada e divulgada como simples, medíocre e, às vezes, vulgar.
De acordo com Strinati, se existe um responsável para essa avaliação,
este responsável é a própria sociedade de massa. Para ele, “a falta de gosto e
de discernimento da massa fez com que a cultura passasse a ser vista como
algo sujeito à vulgarização e à banalização. Para satisfazer seu gosto, tudo deve
ser reduzido ao mínimo denominador comum” (STRINATI, 1999, p: 25).
O autor de Cultura popular – uma introdução explica ainda os motivos que
levam a este processo que reflete o gosto da massa. Segundo Dominic Strinati,
os gostos e costumes da sociedade de massa são ditados e escolhidos pelas
“instituições centrais da sociedade”. É nesse período que se molda a indústria
do consumo e do entretenimento, cabendo ao público consumidor somente a
forma de pagamento como escolha.
68
Strinati é explícito ao definir essa teia que prende a aldeia global. “Os que
controlam as instituições de poder adulam o gosto da massa para controlá-la”
(STRINATI, 1999, p: 25).
Nos anos 1940, algumas produções de radioteatro foram adaptadas à
televisão, com sucesso. Muitas emissoras radiofônicas das grandes capitais e,
principalmente, do interior continuaram a transmitir programas em formato de
radiodrama. Entre elas, destaca-se o “Capitão Rodrigo”. A Rádio Nove de Julho
e Rádio América, ambas de São Paulo, incluíram esse gênero radiofônico em
sua programação até a década de 1970.
Em muitos programas, vinculados na Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
era comum o chamado radioteatro. Tratava-se de uma arte e cultura popular por
meio da mídia radiofônica. A história registrou os trabalhos em radioteatro que
reuniram nomes como Otávio Gabus Mendes, José Medina, Sebastião Arruda,
Manoel Durães, Walter Durst de São Paulo; Olavo de Barros, Plácido Ferreira,
Vitor Costa, Cleson Guimarães, do Rio de Janeiro; e Luis Maranhão, Poliana e
Vicente Cunha de Pernambuco.
Esses autores faziam adequação dos textos dramáticos ao meio
radiofônico e chegaram a transcodificar obras literárias para a linguagem
radiofônica. Eram encenadas e transmitidas a partir dos estúdios das próprias
emissoras. Atualmente, algumas rádios de cunho religioso, como Rádio
Aparecida, Canção Nova e outras trabalham ainda com encenação de
radiodramas, cujos temas são constituídos de episódios bíblicos, ou de vida de
santos.
Pode-se afirmar que a mídia rádio, desde sua invenção até nossos dias,
tem sido instrumento de transmissão de cultura. É sabido que nos regimes
ditatoriais ou autoritários, o rádio está a serviço do Estado. Sua programação
tem a função de manipular a opinião pública para a manutenção do “status quo”.
69
Capítulo III
Rádio Nacional: a vanguarda da
radionovela brasileira
70
No vigésimo segundo andar do edifício do jornal A Noite, localizado na
região central da então capital da República – praça Mauá, nº 7, – nasce aquela
que se tornaria a mais importante rádio do cenário latino americano e uma das
cinco melhores rádios do mundo: a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
É 12 de setembro de 1936. Em um pequeno auditório, os presentes
testemunham as primeiras frases transmitidas por Celso Guimarães: “Alô, alô
Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!”.
Nesse ato é acompanhado de perto pelo presidente do senado brasileiro
à época, Medeiros Neto – representando o presidente da República, Getúlio
Dornelles Vargas, – e Armando Langoni, presidente da emissora e responsável
pela parte técnica da instalação da PRE-8 (prefixo da Rádio Nacional). Celso
Guimarães dá vida a emissora que, dentro de pouco tempo, irá transformar o
cenário artístico, jornalístico e cultural do país por cerca de 20 anos.
O fator principal que consolida a Rádio Nacional como a mais importante
emissora na esfera latina americana é sua capacidade de aglutinar
conhecimento, cultural, inovação a programas transmitidos. Mas, para que essa
consolidação aconteça, deve-se preservar a memória daqueles que
“construíram” e “moldaram” a PRE-8 ao longo de 20 anos de sucesso absoluto.
São pessoas que souberam conduzir a programação da Nacional
durante, por exemplo, o boom das emissoras brasileiras e também pelo período
ditatorial imposto pelo gaúcho Getúlio Vargas – que chegou inclusive a
encampar a rádio na década seguinte à sua criação. Ou seja, são os anos de
1940 que fortalecem a tradição cultural da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
A professora e jornalista Sônia Virgínia Ribeiro, uma entusiasta do rádio,
junto com o também professor e jornalista Luiz Carlos Saroldi escreveram o livro
Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Na primeira parte deste capítulo, o livro, de
aproximadamente 225 páginas, servirá como guia-mestre para reescrever
71
brevemente a trajetória da Rádio Nacional durante seu período áureo, que se
estende por duas décadas de sucesso junto ao público e à crítica especializada.
Como escrevem os autores: “a Rádio Nacional foi o canal exclusivo de
informação e formação cultural do povo brasileiro, fazendo deste vasto paraíso
tropical a primeira aldeia global dos tempos modernos” (SAROLDI e MOREIRA,
2005, p. -).
Meses antes da primeira transmissão da Nacional, a semente da futura
emissora radiofônica nasce, segundo os autores, da iniciativa dos diretores e
dos sócios do jornal A Noite. Em assembléia, datada de 24 de maio de 1936,
estatutos da empresa são alterados e novos investimentos financeiros são
injetados.
Com isso, a diretoria passa a contar com aporte financeiro para “adquirir
uma estação de radiodifusão de 20kW” (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p33.).
Entretanto, esta mesma semente fora plantada três anos antes. Em 18 de maio
de 1933, o corpo diretor d’A Noite percebendo a potencialidade do cenário
radiofônico criam a primeira versão da Nacional, isto é, a Sociedade de Civil
Brasileira Rádio Nacional.
Homens de visão circulam pelos corredores da Nacional. Homens que
dão à emissora toda a condição para revolucionar os meios radiofônicos e fazer
escola, que futuramente será empregada em programas televisivos a partir de
1950. Entretanto, antes de mencionar as pessoas que trabalham para afirmar as
condições inovadoras da Nacional, deve-se destacar a figura de Ademar Casé
como importante personalidade para o desenvolvimento do rádio no país.
Casé inicia suas atividades no meio radiofônico como vendedor de
aparelhos receptores. A partir daí, dá-se uma reviravolta. Casé passa, sem
experiência como cantor ou locutor, a inovar a programação do rádio com o
Programa Casé, que consiste em apresentar, todos os domingos, programas
durante quatro horas seguidas.
72
Passam por esse programa nomes como Antônio Nássara, Cristóvão de
Alencar, Sadi Cabral e Henrique Pongetti. Nássara tornar-se responsável pela
implementação do primeiro jingle
34
do rádio brasileiro.
Entretanto, como destaca os autores de Rádio Nacional: o Brasil em
sintonia, a idéia de anunicar produtos e serviços em forma musical também
ronda a criatividade de membros do grupo de Vila Isabel, Bando de Tangarás.
Deste grupo, faz parte uma figura ímpar para a Rádio Nacional: Henrique
Foreis Domingues – que será conhecido do público-ouvinte como Almirante.
Além disso, outro membro que fará parte do imaginário boêmico da época, Noel
Rosa
35
, também figura entre a banda. Rosa irá escrever composições para o
Programa Casé, como “De Babado”.
Esperto e atento aos novos talentos que surgem, Ademar Casé logo
percebe potencial no trabalho de Almirante. Por sua “voz poderosa e dicção
perfeita”, conforme observam Sônia Virgína Moreira e Luiz Carlos Saroldi¸
Almirante, aos poucos, participa como locutor e assistente de Casé em seu
programa dominical.
Os autores relatam uma passagem interessante dessa fase de Almirante
no Programa Casé e atribuem ao ex-membro da Banda de Tangarás “o primeiro
programa produzido ou montado do nosso rádio: Curiosidades Musicais”
(SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 38).
Segundo os autores, para atrair a atenção da clientela e, principalmente,
para não perder um anunciante, Almirante:
34
Ó padeiro desta rua/ tenha sempre na lembrança/ não me traga outro pão/ que não seja o pão Bragança
– o jingle fora criado para valorizar a ótima qualidade da Padaria Bragança, que estivera localizada no
entroncamento das ruas Voluntários da Pátria com a Real Grandeza, no bairro do Botafogo.
35
Para mais informações sobre a participação do compositor Noel Rosa no Programa Case, ler o livro de
Rafael Case, Programa Case – o rádio começou aqui, p. 51.
73
Prometeu fazer algo diferente no programa seguinte,
desobrigando-o do pagamento do patrocínio caso não
gostasse. Assim nasceu o que pode ser considerado o
primeiro programa produzido ou montado do nosso
rádio: Curiosidades Musicais. Escolhido o tema,
Almirante desenvolveu durante 15 minutos uma narrativa
entremeada de intervenções musicais, ele mesmo
interpretando diversos personagens. O português
[anunciante] aplaudiu: “Aquilo que é programa de rádio!”
No domingo seguinte passou o patrocínio para 30
minutos (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 38).
Além desses inovações na programação radiofônica da época, Programa
Casé também é apontado como um dos pioneiros no radioteatro. Moreira e
Saroldi afirmam que os primeiros radioteatros são montados e estruturados a
partir de “adaptações de livros famosos, depois explorando o filão das histórias
policiais (...) ou a dramatização de fatos reais” (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p.
38).
O processo de criação de radioteatro é produzido na própria Rádio
Nacional. É interessante observar que o radioteatro segue uma trilha similar ao
do cinema. A base de histórias são similares e similares são também o
encantamento do público-ouvinte. A Rádio Nacional, sabedora da capacidade de
comoção de peças radiofônicas e atenta aos anunciantes e suas verbas, oferece
mais espaço a essa programação.
Desse modo, o nome de Almirante figura como uma importante
personagem da Rádio Nacional. Porém, não só dele sobrevive a PRE-8. Outros
nomes de destaque também trabalham na inovação da performance da Rádio
Nacional. Nomes como os de César Ladeira (ex-Rádio Record), José Mauro e
Radamés Gnattali.
74
Este último, um talentoso maestro. Gnattali regia, além dos músicos que
compunham a orquestra da Rádio Nacional, a estrutura harmoniosa dos
programas da PRE-8. É ele também o responsável pela defesa da música
brasileira na esfera radiofônica. Qualquer ritmo estrangeiro, segundo Moreira e
Saroldi, era adaptado a então tradição sonora do Rio de Janeiro.
Conforme descrito no capítulo anterior, o zelo do maestro Gnattali senão
é com o poder de identificação com a sociedade brasileira é, ao menos, com a
sonoridade musical de melodias estrangeiras. Com isso, os laços entre Rádio
Nacional e pública ficam estreitos e mais duradouros.
Assim como o maestro Radamés Gnattali está presente nas partituras da
história da Rádio Nacional, José Mauro é outra personalidade que não deve
permanecer fora do compasso.
De acordo com o registro histórico contido no livro Rádio Nacional: o
Brasil em sintonia, José Mauro, como diretor artístico da PRE-8, é indispensável
para aglutinar a programação inovadora com novos talentos. Os nutrientes
básicos para conduzir uma rádio são, segundo os autores: sensibilidade
musical, bom gosto, senso de equilíbrio e capacidade de liderança (SAROLDI e
MOREIRA, 2005, p. 44).
Atenta ao universo empresarial, o corpo diretor da Rádio Nacional deixa
ao largo estruturas baseadas em laços paternais. A emissora abre espaço para
uma administração arrojada capitalista em que privilegia a qualidade da
programação e a quantidade de anunciantes.
No outuno de 1940, o governo Vargas, por meio do Decreto-Lei n° 2.073,
encampa a Rádio Nacional, até então emissora privada. A política de Getúlio
Vargas, entretanto, esboça um pequeno namoro com a capacidade ideológica
do rádio, meses antes do surgimento da PRE-8.
75
Sonia Virgína Ribeiro e Luiz Carlos Saroldi conseguem recuperar uma
declaração interessante feita por Jayme Távora, jornalista e estudioso do
cenário radiofônico, a Lourival Fontes, que à época comanda o Departamento de
Propaganda e Difusão Cultural, uma espécie de pré-DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda).
Vale transcrever parte da entrevista em que Fontes ressalta o papel da
mídia rádio como instrumento ideológico:
Dos paises de grande extensão territorial, o Brasil é o único
que não tem uma estação de rádio “oficial”. Todos os demais
têm estações que cobrem todo o seu território. Essas
estações atuam como elemento de unidade nacional. Uma
estação de grande potência torna o receptor barato e,
portanto, o generaliza...
Não podemos desestimar a obra de propaganda e de cultura
realizada pelo rádio e, principalmente, a sua ação extra-
escolar; basta dizer que o rádio chega até onde não chegam a
escola e a imprensa, isto é, aos pontos mais longínquos do
país e, até, à compreensão do analfabeto. (Lourival Fontes,
Voz do Rádio, 20 fev 1936) (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p.
27).
É em 1945, porém, que o elo da Nacional com a radioteatro irá se
estreitar com a veiculação de “O Direito de Nascer”. É do cubano Felix Caignet a
autoria do texto. Outras emissoras radiofônicas, segundo Zenilda Poci Banks
76
Belli
36
(p.73), já apresentavam em sua programação radionovelas como “Em
busca da felicidade”, em 1942.
Antes dessa data, ainda veiculavam radioteatros – peças de “dramas e
comédias em três atos” (p.72). Até encontrar seu próprio caminho com tendência
e identidade brasileira, as radionovelas exibidas pelas emissoras do Brasil se
apoiavam em textos estrangeiros, em especial o mexicano e o cubano. Para
Zenilda Belli:
A radionovela, em um país como o nosso, exerce considerável
atração porque o seu tema tem origem no cotidiano, no
romancesco, nas coisas comuns aos indivíduos de classe
média, valorizada pela interpretação artística, pela inflexão e
entonação dos atores, assessorada grandemente pela
sonoplastia (p. 69 – 1980)
Para atraiar a atenção do ouvinte em potencial, a radionovela aproveita-
se de apenas um dos cincos sentidos humano: a audição. Por isso, é chamada
de teatro de uma dimensão.
Zenilda Belli afirma que “a radionovela é recebido por um ouvinte solitário
ou em estado de solidão, implicando a concentração interior” (p. 70 – 1980). No
Brasil, ainda não há um consenso definitivo sobre qual seja a primeira
radionovela exibida.
Ainda existe divergência entre os especialistas se é a “Prestedinada” ou a
“Em busca da felicidade”. Controvérsia ao largo, fato é que a novela carioca fez
mais sucesso do que a paulista, segundo Zenilda Belli em sua dissertação
36
Autora da dissertação Radionovela: análise comparativa na radiodifusão na década de 40 através de
registros de audiência em São Paulo. Mestrado defendido na Escolas de Comunicações e Artes (ECA) da
Universidade de São (USP), em 1980
77
defendida nos anos 1980 na Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo.
“Em busca da felicidade” foi idealizada pela iniciativa de Amaral Gurgel.
Gurgel conta que foi taxado de louco por propor tal iniciativa. Mesmo assim, com
toda a crítica a sua sugestão, ele resolveu ir em frente. Começou a ler histórias
seriadas e a idéia ganhou respaldo com o apoio de Gilberto Martins, homem
forte do cenário radiofônico de então, que trabalhava na Standard Propaganda.
Com o sucesso imediato, Martins sugeriu que se passasse a veicular o
folhetim de grande repercussão positiva: “Em busca da felicidade” – que ficou no
ar por dois anos. “A partir dessa novela é que sentiram o quanto poderiam
irradiar histórias seriadas”(p. 72 – 1980), afirma Zenilda Belli.
Com a acolhida do público-ouvinte, os produtores de cultura da Rádio
Nacional tiveram toda uma estrada longa e lucrativa para percorrer. Ao exibirem
“O Direito de Nascer”, em 1942, como Paulo Gracindo como Albertinho Limonta,
Saint-Clair Lopes como Dom Rafael de Juncal, a programação radiofônica nunca
mais foi a mesma.
Um novo nicho comercial e cultural foi descoberto e iria ser explorado
exaustivamente até a chegada de outra mídia impactante: a televisão. “A Rádio
Nacional do Rio de Janeiro foi a emissora mais frequente no gênero radionovela.
Era considerada a emissora noveleira e a audiência dessas novelas era total,
chegando a encobrir os demais gêneros do rádio” (1980, - p. 74), afirma Zenilda
Belli.
A pesquisa exploratória realizada na dissertação de Zenilda Belli contribiu
para entender melhor a história e os caminhos traçados pelo radioteatro
brasileiro, em especial na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
O radioteatro tem por objetivo conduzir o ouvinte por uma narração,
mediante uso de paisagens sonoras, que dependerá do grau de sua criatividade.
78
Para Zenilda, essas paisagens sonoras “tem a finalidade de comunicar coisas
através de mensagens fixadas a um código que deverá ser comum tanto ao
emissor quanto ao receptor” (1980, p.68).
A Rádio Nacional, como descrito anteriormente, teve papel fundamental
nesse cenário da radionovela brasileira. O apogeu dessa participação acontece
com a transmissão de O Direito de Nascer. O sucesso estrondoso é tanto que,
com a chegada da televisão no Brasil a partir da década de 1950, os produtores
televisivos não perderam tempo.
O Direto de Nascer, que fez sucesso nacional no rádio, não iria fazer feio
na televisão mesmo queo intervalo de exibição entre as duas mídias fosse
relativamente pequeno para a época. Desse modo, O Direito de Nascer
aproveitou o grande índice no rádio para marcar época e conquistar mais
telespectadores para a televisão.
Um dos grandes desafios da pesquisa foi, justamente, encontrar material
de qualidade que reportasse à época do radioteatro. Um retrato peculiar feito por
pessoas daquele período com uma visão crítica era raro.
Para equacionar o problema, foi recomendado estudar a Revista do
Rádio, um semanário que trazia reportagens exclusivas acerca de
personalidades de sucesso radiofônico. Mais tarde, com o crescimento televiso o
hebdomadário também publicou em suas páginas matérias com estrelas da
tevê.
E foi em uma de suas edições que se pôde estudar a contribuição do
radioteatro, em especial a veiculação de O Direito de Nascer, no cenário artístico
midiático daquele tempo como também a repercussão que teve em épocas
futuras.
A Revista do Rádio de 11 de setembro de 1965 (Ano XVIII, n° 834) traz
um editorial assinado por seu diretor, Anselmo Domingos. Nele, Domingos
79
enaltece o papel desempenhado pelo rádio na transmissão de O Direito de
Nascer.
Para esta dissertação, optou-se em transcrever o editorial por partes.
Desse modo, cada detalhe do texto de Anselmo Domingos não passará
despercebido e receberá, por conseguinte, uma reflexão acerca das
potencialidades das ondas radiofônicas.
De quebra, o diretor do semanário assume posição sobre em qual dos
dois midia, ou seja, rádio e televisão, O Direito de Nascer obteve maior êxito
junto à crítica especializada e ao público ouvinte. Um detalhe não pode ser
descartado. O editorial data de 1965. O Direito de Nascer fora transmitido no
final dos anos 1940.
O recente sucesso da novela “O Direito de Nascer”, na
Televisão, cotejado com o êxito da mesma estória seriada há
doze anos, no Rádio, fica em desvantagem. Porque a
repercussão do trabalho de Felix Caignet no Rádio foi muito
maior, apesar de naquela época não estar vulgarizado o rádio
de transmissores. Diga-se, aliás, que o sucesso de “O Direito
de Nascer” naquela oportunidade não foi apenas regional,
como agora. Foi de âmbito nacional, empolgando ouvintes de
todas as áreas. Suscitando comentários, causando polêmicas,
modificando hábitos. E o drama de Soor Maira Helena da
Caridade foi muito mais sentido e o feudal Don Rafael de
Juncal foi muito mais odiado do que agora (REVISTA DO
RÁDIO, ano XVIII, n°834, de 11 de setembro de 1965).
80
Ora, se pensar o rádio tal qual foi abordado por Betrold Brecht em seu
estudo Teoria do Rádio
37
nota-se uma diferença fundamental com a televisão
daquela época. O rádio conseguiu passar de meio de distribuição para um mais
elavado: um meio de comunicação. O poder de penetração das ondas
radiofônicas era infinitamente mais forte e impactante do que as transmissões
televisivas. Por isso, não causa estranheza a afirmação de Anselmo Domingos
no editorial publicado na Revista do Rádio.
Anselmo Domingos reconhece, entretanto, as qualidades da transmissão
televisiva e as coloca em um prisma que, anos depois, será estudado com maior
afinco e seriedade em universidades brasileiras. Para o diretor da Revista do
Rádio, o sucesso da novela na tevê é fruto daquilo que Edgar Morin classifica
como cultura de massa.
Nessa esfera, a embalagem vale muito mais do que o conteúdo. Anselmo
Domingos ainda destaca, fugindo um pouco do que é regra na cultura de massa,
que novelas podem contribuir para o desenvolvimento cultural do país.
Assim, esse trecho corrobora a linha de raciocínio de Antonio Adami, que
acredita que a qualidade do radioteatro pode despertar nos ouvintes o interesse
pela literatura e, conseqüentemente, pela cultura. Segue outro trecho do editorial
assinado por Anselmo Domingos:
O êxito de “O Direito de Nascer” na TV é, principalmente, a
vitória definitiva da novela sobre o enlatado. Ela prova que os
nossos artistas e técnicos têm categoria, talento e habilidade
para realizarem trabalhos capazes de se ombrearem com os
melhores filmes importados. Além disso, abre novas
perspectivas, como gênero literário. Porque através da novela
pode ser encetada uma campanha capaz de colaborar
decisivamente para a melhoria do índice cultural do nosso
37
Texto publicado em 1932. Para esta dissertação foi utilizado a edição em espanhol disponibilizada no site
www.cisc.org.br
81
povo. Resta apenas que autores, artistas e técnicos se
empenhem, como têm feito até aqui, para que o padrão de
qualidade de seus trabalhos seja o mesmo – ou melhor – que
aquele a que a Televisão já se habitou a oferecer (REVISTA
DO RÁDIO, ano XVIII, n°834, de 11 de setembro de 1965).
Na última parte do editorial, Anselmo Domingos rasga elogios à eficiência
e à qualidade do O Direito de Nascer no rádio sobre a televisão. Segundo o
diretor da Revista do Rádio, o sucesso produzido na rádio foi a força motriz para
que se repetisse o êxito na televisão, sobretudo quanto às festas promocionais
feitas para a divulgação do O Direito de Nascer em território televisivo.
Apesar do fortalecimento da tevê naqueles tempos, foi o rádio quem deu
musculatura para o sucesso da novela. Foi ele, o rádio, responsável pela
incursão, em um novo território, da cultura de massa no Brasil.
Anselmo Domingos percebeu a vanguarda do radioteatro e afirmou,
categoricamente, que os produtores da tevê, conhecedores do sucesso de O
Direito de Nascer no rádio, apenas repetiram a receita. Se o resultado teve outro
gosto do que aquele radiofônico, foi em virtude de outros condimentos usados
na preparação da novela.
Ainda com referência ao sucesso de “O Direito de Nascer” no
Rádio, pode-se dizer que ele só não superou em muito o êxito
da mesma estória seriada na Televisão, porque agora se fez
monumental promoção em torno do trabalho de Felix Caignet.
Em São Paulo, por exemplo, “O Direito de Nascer” teve festa
de encerramento no ginásio do Ibirapuera, enquanto no Rio
ganhou comemoração no Maracanãzinho. Outra prova a favor
do Rádio até agora sendo transmitida pela Rádio Tupi, com
altos índices de audiência. E dúvida houvesse de que o
sucesso dessa estória seriada foi mesmo espetacular no
82
Rádio, bastaria citar que a TV foi revivê-la na certeza de que
alcançaria grande êxito (REVISTA DO RÁDIO, ano XVIII,
n°834, de 11 de setembro de 1965).
Sobre esse prisma, Zenilda Belli tem uma avaliação precisa sobre como
foi a trajetória do radioteatro no país. Para ela, não foi algo conquistado da noite
para o dia, assim como num estralar de dedos ou um passe de mágica. Pelo
contrário, foi uma vitória paulatina e discreta:.
“A radionovela iniciou-se com discrição para depois tomar corpo e
ponto de tornar-se durante anos o gênero mais preferido pelos
ouvintes. O êxito verdadeiramente sensacional chegou ao máximo
tendo sido colocadas as radionovelas na vanguarda dos programas
radiofônicos” (1980, p. 72).
A radionovela na Rádio Nacional, em especial, fez escola. Foi nesse
ambiente de altíssimo nível profissional e inovador, que muitos dos profissionais
que migrariam para a televisão anos depois, aprenderam as técnicas e
formataram as histórias para o cotidiano brasileiro.
O Direito de Nascer, mesmo sendo um texto cubano, serviu de espelho
para que outras radionovelas desenhassem a imaginação do leitor. A
formatação dos programas da Rádio Nacional vira tendência e escola para os
programas posteriores da PRE-8 e até das concorrentes em potencial.
Muniz Sodré, em artigo publicado no livro do também acadêmico Dênis
de Moraes Por uma outra comunicação – mídia, mundialização cultural e poder,
afirma que programas de vanguarda e com respaldo do público estabelecem
uma nova linguagem.
“Todo fenômeno social de largo alcance gera linguagem própria ou, pelo
menos, uma prática discursiva pela qual se montam e se difundem as
significações necessárias à aceitação generalizada do fenômeno” (MORAES
(org.) 2005, p. 21).
83
Desse modo, a linguagem do radioteatro brasileiro nos corredores e
programas da Rádio Nacional passa a criar uma nova forma de percepção da
mídia com o cenário do país e, não, um reflexo desse cenário.
84
Considerações finais
85
Esta dissertação pretende identificar não somente um caminho a ser
percorrido no entendimento e na pesquisa do radioteatro nas ondas da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, em seu período de maior sucesso de crítica e de
público, mas pelo contrário, contribuir com pesquisa cujo objetivo é a discussão
de outra vias a serem traçadas. Na verdade, trata-se de um assunto ainda
pouco explorado que deve sair do âmbito das estantes e mostrar novos
estudos com novas perspectivas científicas.
Essa premissa é importante e serve para salientar que, assim como uma
mesma peça de radioteatro pode ser encenada e transmitida de várias formas e
privilegiando uma idéia ao invés de outra, a dissertação busca, justamente,
lançar luz em um assunto pouco iluminado nos estudos realizados no Brasil. Ao
iluminar, um fato torna-se concreto: há muitas coisas a serem vistas, estudas e
examinadas.
O sobrevôo histórico e crítico no radioteatro da Rádio Nacional em uma
época em que essa emissora transmitia o Brasil Rio-São Paulo aos rincões de
um outro Brasil concretiza uma das principais virtudes do homem – aquela que o
escritor russo Fiódor Dostoievski escreve no livro Recordações da Casa dos
Mortos: “O homem é a criatura que pode se acostumar a tudo, e creio que essa
é talvez a melhor definição para ele” (DOSTOIEVSKI, 2006, P.19).
De que maneira, então, explicar como uma simples peça de radioteatro
transmitida pela Rádio Nacional alcance tamanha repercussão e sucesso não
somente no eixo Rio-São Paulo? A presença marcante e sólida de aparelhos
receptores, claro, contribui na força de penetração do rádio. Mas, seria uma
resposta muita vaga a um problema tão complexo.
O corpo diretor, técnico e artístico da Rádio Nacional dos anos 1940-50,
cientes da poderosa arma que tem em mãos, quebram a cabeça e criam uma
linha de raciocínio para equacionar a questão. Uma linha de pensamento não-
linear e não-exata. Uma linha, porém, capaz de se adaptar às mais diversas
86
formas de entretenimento cultural, artístico e também jornalístico. A Rádio
Nacional não se restringe apenas ao radioteatro, afinal. Ela também é
responsável pela vanguarda da linguagem jornalística.
A injeção de dinheiro vindo de patrocinadores, além do aporte técnico e
financeiro do governo Vargas quando encampa a Rádio Nacional, servem como
uma fonte praticamente inesgotável de “inspiração”. Esse é uma parte que não
deve ser negligenciada. Deve ser levada, isto sim, em consideração ao
destrinchar o poderio da Rádio Nacional das décadas de 1940 a 50. amansa
A preocupação com a área administrativa da Rádio Nacional é
preponderante em sua consolidação como a principal emissora radiofônica da
América Latina daquela época. A contratação de artistas, produtores e técnicos
não pode ser compreendida de outra forma senão com a acuidade
administrativa de grandes empresas capitalistas. Todos esses ingredientes
fazem parte da receita que o público-ouvinte da primeira metade do século XX
saboreia e aprova.
Para obter êxito como protagonista do radioteatro no Brasil, a Rádio
Nacional deve ser compreendida como uma empresa de entretenimento que se
centra na irradiação de cultura de massa. Com isso, não está se afirmando que
os programas da Rádio Nacional, principalmente do radioteatro, não têm
qualidade e que somente se interessam pela embalagem.
O patrimônio artístico-cultural do radioteatro é tão rico e diversificado que,
com os trabalhos televisivos que surgem a partir da década de 1950, muitos
desses profissionais da Rádio Nacional são contratados para trabalhar na
televisão. Pelo estudo realizado para a dissertação, pode-se deduzir que as
emissoras televisivas daquela década produzem seus programas a partir das
experiências de sucesso das emissoras radiofônicas e tendo a Rádio Nacional
como a estrela-guia.
87
De certa forma, então, uns dos objetivos do estudo está alcançado com o
preenchimento de lacunas acerca do radioteatro nacional. Porém, ainda é uma
iniciativa que tem outras metas que estão sendo atingidas. Uma delas diz
respeito aos artifícios de linguagem despendidos para uma peça ser encenada e
transmitida em território nacional.
Tais artifícios como entonação, direção, legitimação, unificação, dentre
outras, serem como mecanismos de recepção e, ao mesmo tempo, de atração.
E isso pode ser traduzido pelo número de público-ouvinte que sintonizam a
emissora PRE-8 como também no volume de correspondência que chega à
rádio. Esse tópico está abordado com maior profundidade no segundo capítulo.
A missão cumprida referente a esse objetivo visa preparar, futuramente,
outras encenações de radioteatro, considerando que, tal programação serve
como excelente armar para difundir cultura e lançar educação àquelas pessoas
menos favorecidas. Claro, que tal trabalho deve ser realizado após discussões e
tendo em sua programação a obtenção de resultados a médio e longo prazo.
É preocupante imaginar que uma vasta gama de possibilidades pode ser
explorada dentro do radioteatro e observar a forma quase vegetal que a área
vem sendo conduzida no país. O assunto, entretanto, foge do alcance da
dissertação e deve ser pesquisado em estudos posteriores.
Outro objetivo atingido é em referência à abordagem do radioteatro pelos
homens que estão por atrás do sucesso conquistado. O editorial de Anselmo
Domingos reflete como, naquela época, é compreendido a potencia do
radioteatro. Uma consideração final possível, dentro dessa visão, é a de que o
sucesso na televisão da novela O Direito de Nascer é uma reverberação da
peça transmitida pelas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Dificilmente, o sucesso na televisão seria o mesmo caso O Direito de
Nascer fracasse no rádio. Surpresas poderiam surgir, evidentemente. Mas se for
pensar sob o aspecto tecnológico, a televisão e o rádio apresentam poucas
88
diferenças naquela época. Outro ponto está centrado na força de penetração de
cada emissora. Sob a perspectiva daquele período, aparelhos receptores de
rádio encontram-se amplamente difundidos em todo o território nacional
enquanto que os televisores ficam restritos a uma quantidade potencialmente
menor de casas.
O papel protagonizado pelo radioteatro na Rádio Nacional ainda alcança
outro objetivo. Mostra que tal programação encontra eco além da emissora
radiofônica. As paixões, dramas, comédias e suspenses encenados na PRE-8
moldam o gosto por esse tipo de programação na sociedade brasileira. O reflexo
dessa preferência midiática continua presente nos lares de famílias do país.
Apesar de o suporte ser outro, no caso, a televisão, a dramaturgia
midiatizada continua sendo uma verdadeira paixão nacional. E, assim como na
época de 1940-50 em que o rádio é a principal válvula de escape de
entretenimento e de informação, hoje o horário nobre da televisão brasileira
está, predominantemente, reservado às novelas, que obtêm os maiores índices
de audiência.
É partir do radioteatro da Rádio Nacional que o público-ouvinte
transforma-se, paulatinamente, em consumidor de cultura de massa. A
preocupação em agradar, cada vez mais, a crescente ala consumista vira a
prioridade da direção da Nacional. E, isso, não fica restringido ao radioteatro.
Outros programas da emissora são afetados, ou numa visão mais capitalista,
são imunizados para não desagradar o respeitável público-ouvinte-consumidor.
O sucesso de cantoras radiofônicas, como Ermelinha Borba e Marlene,
para com seus respectivos setores da sociedade, principalmente, a carioca, é
um reflexo dessa preocupação. Uma outra maneira de conquistar ainda mais a
atenção dos consumidores surge com a publicação da Revista do Rádio
lançada em 1948. Nela, os programas e os artistas radiofônicos são retratados
de forma a instigar mais a curiosidade dos ouvintes.
89
Por essas e outras vias, a importância do radioteatro apresenta um mérito vital
ao crescimento e à penetração da cultura de massa no Brasil. É por esse
instrumento de informação e comunicação que se espelha a televisão e a
publicidade no país. Esse cenário torna-se possível em virtude, principalmente,
da programação e da administração que existe na Rádio Nacional em seu
período mais ilustre, que está atenta às exigências do público-ouvinte.
Respondendo as discussões apresentadas ao longo dessa dissertação
acerca do papel desempenhado pela Rádio Nacional, é possível sinalizar a
profunda importância que ela teve para os estudos do radioteatro no Brasil.
Sob essa perspectiva, os estudos fundamentados em pesquisas
exploratórias, procuram responder os objetivos e concluir que:
- A história do Rádio compreende diferentes fases com características
peculiares a cada uma;
- Na sua gênese, Roquete Pinto entrevia na nova mídia um instrumento
para a difusão da cultura brasileira;
- A fase do desenvolvimento deu-se no governo Vargas, quando autorizou
através de decreto, a inserção de publicidade na programação
radiofônica, fortalecendo o rádio como veículo de propaganda e ao
mesmo tempo como empresa de capital;
- Vargas descobriu o poder da mídia rádio e a utilizou como aparelho
ideológico do Estado, controlando a opinião pública, como a censura do
DIP e outros;
- Foi nesse cenário que foi fundada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Esse foi o início do chamado de “fase áurea do rádio”. A emissora já
nasceu gigantesca para a época. Era a mais poderosa e potência e
alcance geográfico, cobrindo mas suas ondas curtas o território nacional;
- Nesse cenário político e econômico, surge o radioteatro. Os programas
de auditório com a presença de nomes famosos como Emilinha Borba,
Case e outros. Havia um ambiente favorável à produção e apresentação
do radioteatro, que mais tarde passou a ser denominado de radionovela;
90
- Destaca-se, nesse período, o “Direito de Nascer”, do cubano Félix
Cagnet;
- A partir de 1950, tanto a Rádio Nacional como as demais emissoras
sofrem o impacto da televisão que é implantada no Brasil por Assis
Chateaubriand;
- A presença da televisão vem causar uma verdadeira revolução na mídia
rádio. As peças teatrais que eram transmitidas por rádio, passam para a
televisão adaptando-se à linguagem audiovisual;
- As emissoras de rádio buscam um tipo de compensação adequando-se à
nova tecnologia da freqüência modulada, a FM. A nova programação em
FM tem uma linguagem própria. Inicialmente restringia-se a musicais.
Assim, as programações começam a mudar. O radioteatro continua nas
emissoras AM da Rádio Nacional e das demais emissoras do Brasil;
- Algumas das peças de radioteatro são trasncodificadas para a linguagem
televisiva.
Em resumo, com a experiência auferida deste estudo a respeito da
abordagem do radioteatro na Rádio Nacional, espera-se que venha proporcionar
condições favoráveis ao aprofundamento da pesquisa em radioteatro, uma vez
que a bibliografia inerente ainda é muito escassa. Com exceção de poucos
autores, como Antonio Dami, Fernando Curado Ribeiro, George Bernard
Sperber e Luiz Ferraretto, os demais tratam da história do rádio e não do
radioteatro propriamente dito.
91
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