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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
TICIANA SCHOSSLER
EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS DE PSICÓLOGAS
ORGANIZACIONAIS E DO TRABALHO EM SELEÇÃO DE PESSOAL
PORTO ALEGRE
2006
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL E
INSTITUCIONAL
TICIANA SCHOSSLER
EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS DE PSICÓLOGAS
ORGANIZACIONAIS E DO TRABALHO EM SELEÇÃO DE PESSOAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Psicologia Social e
Institucional.
Orientadora: Profª. Drª. Maria da Graça Corrêa Jacques.
PORTO ALEGRE
2006
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3
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Profª. Maria da Graça Jacques, pela confiança, acolhimento e
afeto nesta caminhada.
Às professoras Berenice Sica Lamas, Carmem Ligia Iochins Grisci e Jaqueline
Tittoni, por participarem da banca examinadora.
Às participantes que cordialmente se dispuseram a dar seus depoimentos.
Às amigas Patrícia Martins Goulart, Vanise Grassi, Ana Celina Albornoz, Melissa dos
Santos Alt e Cristina Amarilho, por sua amizade sincera, pela união e pelos
ensinamentos.
Ao Hassan, pelo companheirismo e incentivo, por completar minha vida.
A toda minha família, pelo apoio e carinho. Em especial, agradeço à minha mãe,
Irene, pelo exemplo de vida.
Agradeço, ainda, ao Programa de Pós-graduação em Psicologia Social do Instituto
de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que me possibilitou
realizar o mestrado. A todo seu corpo docente, minha sincera gratidão.
4
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................
08
INTRODUÇÃO......................................................................................................
16
1. SITUANDO O CENÁRIO: as transformações no mundo do trabalho...............
23
2. SITUANDO OS ATORES: as transformações no perfil dos trabalhadores......
34
3. SITUANDO A SELEÇÃO DE PESSOAL: o processo de ‘adequação’ dos
atores ao cenário..................................................................................................
42
3.1 A inserção da seleção de pessoal na psicologia brasileira....................
46
4. SITUANDO A PESQUISA: os pressupostos metodológicos............................
53
4.1 As participantes da pesquisa.................................................................
54
4.2 Levantamento das informações.............................................................
56
4.3 Procedimentos para a análise das informações....................................
57
5. EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS EM SELEÇÃO DE PESSOAL........................
62
5.1 Situando o cenário: o desemprego como emblema social.....................
63
5.2 Situando os atores: o perfil das selecionadoras e dos selecionáveis....
66
5.3 Situando a seleção de pessoal: a ‘adequação’ dos atores ao cenário..
78
5.4 Vivências em seleção de pessoal: prazer/sofrimento............................
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................
102
REFERÊNCIAS....................................................................................................
108
APÊNDICE............................................................................................................
114
5
RESUMO
Na atual fase do capitalismo, o quadro de desemprego ensejou maior oferta de mão-
de-obra, e os investimentos em tecnologia contribuíram para que essa mão-de-obra
se tornasse cada vez mais descartável, com repercussões na atividade de
selecionar pessoas para os postos de trabalho. Considerando a relação entre os
processos de seleção de pessoal e de exclusão do mercado de trabalho, e a
recorrência desta atividade no campo da psicologia organizacional e do trabalho,
este estudo se propôs a identificar as experiências e vivências de psicólogas que
realizam esta atividade no seu cotidiano de trabalho. Foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com dez psicólogas, submetidas à análise de conteúdo, buscando
uma compreensão à luz do referencial teórico norteador da pesquisa. Os resultados
apontam para uma diversidade de modalidades de seleção de pessoal, com
experiências e vivências também diferenciadas. Vivências positivas foram
associadas ao ideário humanista de ajuda ao próximo. Embora a responsabilização
do candidato pela sua exclusão no mercado seja um fato, também foram relatadas
vivências de sofrimento que tendem a diminuir com os anos de experiência na
atividade. Constatou-se, também, que, não obstante haja introdução de novos
métodos e técnicas de seleção de pessoal, a atividade mantém como objetivo prever
o grau de adaptação do indivíduo ao cargo e à organização, o que vai ao encontro
de alguns princípios norteadores da psicologia desde a sua constituição como
disciplina independente.
Palavras-chave: seleção de pessoal, experiências e vivências, psicologia
organizacional e do trabalho.
6
ABSTRACT
At the present stage of capitalism the unemployment rate increased labor force
supply, at the same time investments in technology contributed to make this labor
force dischargeable, thus having repercussions in the personnel selection activity.
Considering the relation between personnel selection and exclusion from the labor
market processes, and the recurrence of this activity in the field of work and
organizational psychology, this study aims at identifying experiences and practices of
psychologists who perform such activity in their daily work. Semi structured
interviews were conducted with ten female psychologists and analyzed by content
analysis, aiming an understanding based on the theoretical framework of this
research. Findings show that personnel selection modalities are diverse, with also
different experiences and practices. Positive experiences were linked to the humanist
concept of helping fellow men. Although it is understood that the applicant is
responsible for his/her exclusion from the labor market, feelings of anguish, that tend
to lessen with the time and experience in the task, were also mentioned. It was also
verified that although new methods and techniques are being applied to personnel
selection, the objective of the selection process is to foreknow the adaptation degree
of persons to position and organization, which is consonant with several guiding
principles of psychology since its establishment as an independent discipline.
Key words: personnel selection, practice and experiences, work and organizational
psychology.
7
APTIDÃO
Abre a porta. Entra o Senhor Pacheco.
- Bom dia, Senhor Pacheco. Sente-se,
por favor. Temos uma ótima notícia para
o senhor.
- Sim, senhor.
- Como o senhor deve saber, Senhor
Pacheco, contratamos uma firma de
psicomputocratas para fazer testes de
aptidão nos dez mil empregados desta
firma. Precisamos nos atualizar.
Acompanhar os tempos.
- Sim, senhor.
- Os dez mil testes foram submetidos a
um computador, há dois minutos, e os
resultados estão aqui. O senhor é o
primeiro a ser chamado porque o
computador nos forneceu os resultados
em rigorosa ordem alfabética.
- Mas o meu nome começa com P.
- Hum, sim, deixa eu ver. Pacheco. Sim,
sim. Deve ser por ordem alfabética do
primeiro nome, então. Este computador
é de quarta geração, nunca erra. Como é
o seu primeiro nome?
- Xisto.
- Bom, isso não tem importância.
Vamos adiante. Vejo aqui pela sua ficha
que o senhor está conosco há vinte e
oito anos, Seu Pacheco. Sempre na
seção de entorte de fresos. O senhor
nunca faltou ao serviço, nunca tirou
férias, e já recebeu nosso prêmio de
produção, o Alfinete de Alumínio,
dezessete vezes.
- Sim, senhor.
- O senhor começou na seção de
entorte de fresos como faxineiro, depois
passou a assistente de entortador, e hoje
é o chefe do entorte.
- Sim, senhor.
- Me diga uma coisa, Senhor Acheco...
- Pacheco.
- Senhor Pacheco. O senhor nunca se
sentiu atraído para outra função, além
do entorte de fresos? Nunca achou que
entortar não era bem sua vocação?
- Nunca, não, senhor.
- Pois veja só, Senhor Pacheco. O
computador nos revela que a sua
verdadeira vocação não é o entorte de
fresos e sim o bistoque de tronas!
- Sim, senhor.
- O senhor é um bistocador de tronas
nato, segundo o computador. Não é
fantástico? E ainda tem gente que
critica a tecnologia. O senhor era um
homem deslocado no entorte de fresos
e não sabia. Se não fosse o teste,
nunca ficaria sabendo. Claro que essa
situação vai ser corrigida. O senhor, a
partir deste minuto, deixa de entornar.
- Sim, senhor.
- Quanto o senhor ganha conosco,
Senhor Pacheco, depois de vinte e oito
anos? Um milhão, um milhão e
duzentos?
- Quinhentos, não contando os alfinetes.
- Pois, sim. E sabe quanto ganha um
iniciante no bistoque de tronas? Um
milhão e quinhentos! Não é fantástico?
- Sim, senhor.
- Só tem uma coisa, Senhor Pacheco.
Nossa firma não trabalha com tronas,
hoje em dia.
- Olha, tanto faz. Não é mesmo? Eu
estou perfeitamente satisfeito no
entorte, falta só vinte anos pra me
aposentar e...
- Senhor Pacheco, então a firma gasta
um dinheirão para descobrir a sua
verdadeira vocação e o senhor quer
jogá-la fora? Reconheço que o senhor
tem sido um chefe de tronas perfeito.
Aliás, o computador não descobriu
ninguém com aptidão para o entorte.
Vai ser um problema substituí-lo. Mas
não podemos contestar a tecnologia. O
senhor está despedido. Por favor,
mande entrar o seguinte, por ordem
alfabética, o Senhor Roque Lins. Passe
bem.
- Sim, senhor.
Sai o Senhor Pacheco. Fecha a porta.
Luis Fernando Veríssimo
8
APRESENTAÇÃO
No campo da psicologia organizacional e do trabalho, a seleção de pessoal
é uma das atividades mais recorrentes. É, também, a que suscita maiores
questionamentos, e o texto de Luis Fernando Veríssimo ilustra, de modo irônico, o
espaço de poder que desfruta no cenário organizacional. Ademais, o poder de
decisão atribuído aos encarregados de selecionar candidatos a empregos frente ao
crescente acirramento na disputa pelos postos de trabalho suscita uma reconstrução
de procedimentos e incita a uma reflexão sobre a contextualização desta prática no
conjunto social.
Apesar de o processo da construção de uma dissertação ser produzido por
muitas mãos e ser perpassado por muitos olhares (a orientação recebida, as trocas
com os colegas, o próprio campo de investigação, citando apenas alguns exemplos),
a singularidade como cada pesquisador vivencia este processo é moldada conforme
sua implicação com o objeto de estudo. Assim, na intenção de apresentar o percurso
que contribuiu para as formulações propostas nesta pesquisa, escrevo,
diferentemente dos demais capítulos, o presente texto na primeira pessoa.
9
O interesse pela atuação da psicologia no contexto do trabalho me
acompanha desde a graduação no curso de psicologia, quando o contato com
algumas disciplinas específicas instigou meus primeiros questionamentos acerca da
prática profissional. Tal inquietação me moveu para a realização do estágio em
psicologia organizacional e do trabalho, que considero ser a experiência
determinante para o rumo de minha trajetória profissional. Ao ingressar na carreira
profissional, realizei paralelamente um curso de formação em psicologia
organizacional e tive a oportunidade de me reaproximar da teoria e das discussões
com colegas e professores, facilitando o processo de amadurecimento da decisão de
seguir os estudos através do mestrado.
Percebo que muitas outras questões tomavam forma através do contato com
as leituras e com a minha prática diária. Entretanto, a experiência que considero
como o disparador para investigar os modos de vivenciar a atividade de seleção de
pessoal para postos de trabalho é a que pretendo compartilhar neste capítulo. Vou
chamá-la de Caso Sentinela, emprestando o qualificativo sentinela da área de
estudo da Epidemiologia, no sentido do alerta que determinado caso pode sinalizar,
representando necessidade imediata de resposta ou investigação.
O Caso Sentinela se refere à trajetória de Fátima
1
, a psicóloga que
trabalhava na Companhia X
2
, empresa para a qual eu trabalhava na prestação de
serviços de recrutamento e seleção. Acompanhar alguns anos de sua atuação
profissional nesta empresa e compartilhar alguns de seus dilemas marcou a minha
vivência na atividade de seleção de pessoal. O texto que segue foi composto a partir
1
Nome fictício.
2
Empresa pública do ramo de serviços.
10
das informações obtidas com Fátima no mês de março de 2005, em um reencontro
amistoso e repleto de emoção.
Caso Sentinela
Fátima ingressou na Companhia X como estagiária de psicologia
organizacional no ano de 1979, quando se encontrava no sétimo semestre da
graduação. Seu ingresso na empresa se deu através de processo seletivo. Realizou
um ano de estágio obrigatório e foi convidada a permanecer estagiando por mais um
ano, pois seu desempenho foi avaliado positivamente. Fátima aceitou este convite e
realizou mais um ano de estágio na Companhia X, que então teve caráter
extracurricular. No primeiro ano como estagiária, a atividade predominante era
seleção de pessoal. Havia muitas indicações políticas de candidatos, pois, de acordo
com Fátima, a empresa funcionava como “cabide de empregos”. Apesar das
indicações, os candidatos eram submetidos a avaliações psicológicas, tornando o
cotidiano de trabalho bastante repetitivo:
“(...) seleção que tu já tá até de saco cheio, porque vira uma mesmice, né,
só muda o candidato (risos), porque o resto tudo é igual.”
No segundo ano de estágio, outras atividades começaram a ser
desenvolvidas, ampliando seu âmbito de atuação. Após a formatura, Fátima foi
trabalhar realizando avaliações psicológicas de crianças em um consultório de
neurologia. Ficou pouco tempo nessa atividade, pois na metade do ano seguinte
recebeu a proposta para retornar à Companhia X, desta vez como psicóloga efetiva.
Fátima aceitou e confessa ter ficado surpresa com o convite.
11
Em 1982, Fátima iniciou sua carreira como psicóloga na Companhia X. A
empresa enquadrava-se na categoria de grande porte e, nesse período, possuía um
gabinete de psicologia estruturado com seis psicólogas e vinte estagiários. Durante
os sete anos seguintes, a empresa praticamente conservou seu quadro de pessoal,
o que tornou a seleção uma atividade ocasional. Novos programas, como grupos de
preparação para a aposentadoria e grupos de gestantes, foram sendo desenvolvidos
pelo setor de psicologia e, neste percurso, três das seis psicólogas se desligaram
por decisão pessoal, restando Fátima e mais duas colegas.
Na metade da década de 1990, a empresa abriu um grande número de
vagas e houve um processo seletivo através de concurso público. Fátima admite que
foi bastante expressivo o número de candidatos inscritos em relação ao número de
postos oferecidos, revelando uma crescente disputa no mercado de trabalho:
“(...) a questão, que eu acho, é dificuldade de trabalho, de desemprego.
Tanto que a exigência desse concurso era primeiro grau e, assim, destes
primeiros trezentos que a gente avaliou, um tinha só primeiro grau, todos os
outros segundo grau completo e, muitos, na época, a gente não fez uma
pesquisa, teria até os dados pra fazer, tá, pra ver os percentuais, mas
muitos com curso superior em andamento ou completo.”
Uma das etapas seletivas deste concurso era o chamado exame
psicotécnico, realizado por Fátima e suas duas colegas. Esta situação foi geradora
de constrangimentos, pois diversos candidatos contestaram na justiça o resultado da
avaliação, o que fez a direção da empresa abolir esta etapa e substituí-la pela
avaliação do desempenho dos candidatos no período de estágio probatório.
Pouco tempo depois, ainda enquanto a Companhia X era estatal, foi
implantado o primeiro Plano de Demissão Voluntária (PDV) na empresa, que contou
com a adesão de aproximadamente trinta por cento do quadro de funcionários,
12
inclusive uma psicóloga. Apesar de considerá-lo bastante atrativo, Fátima optou por
não aderir ao plano, justificando que era a responsável pelo sustento familiar. Nesse
momento, a empresa já possuía poucos estagiários de psicologia, pois as atividades
oferecidas eram relacionadas à “saúde ocupacional” e, conforme Fátima, as
universidades buscavam estágios que oferecessem atividades de recrutamento e
seleção, treinamento e acompanhamento funcional.
Neste mesmo ano, instaurou-se o processo de privatização da Companhia X
e, com isso, um inevitável enxugamento, ocasionando grandes e definitivas
mudanças. De acordo com Fátima, o grande número de demissões refletiu em um
ambiente de insegurança e o número de afastamentos por LER/DORT
3
, depressão e
risco de suicídio aumentou expressivamente. Mais tarde, com a troca do controle
acionário da empresa, introduziu-se um novo PDV. Este plano teve duração de um
ano e meio, sendo que cerca de cinqüenta por cento do quadro de funcionários foi
indicado à adesão, sem o caráter voluntário. A colega de Fátima foi uma das
indicadas, restando apenas ela como psicóloga na empresa.
Desativado o setor de psicologia, Fátima foi transferida para a central de
atendimento da área de recursos humanos
4
, com a proposta de auxiliar no processo
de demissão. A central de atendimento tinha como função receber as pessoas
demitidas e assessorá-las no desligamento, em conjunto com uma consultoria
especializada em questões administrativas e orientação de carreira. De acordo com
3
Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios Oesteomusculares Relacionados ao Trabalho.
4
De acordo com Goulart (2002), o termo recursos humanos advém da escola clássica da economia,
que divide os fatores administrativos em três grupos: recursos naturais, recursos físicos e recursos
humanos (incluídas aqui as funções de recrutamento e seleção, treinamento, avaliação de
desempenho, aconselhamento e outras). Este termo vem sendo gradativamente substituído por
gestão de pessoas com vistas a singularizar o ser humano e distingui-lo dos demais recursos. Apesar
de partilhar da opinião de que o termo não sustenta sua total dimensão, optou-se por utilizá-lo nesta
investigação por ser ainda muito difundido nos contextos de trabalho.
13
Fátima, nesse período, algumas áreas da empresa foram terceirizadas e outras
desapareceram, como foi o caso da área da saúde, à qual pertencia.
Fátima refere ter experienciado situações de muito sofrimento e, com a
intenção de se fortalecer para enfrentá-las, retornou ao tratamento psicoterápico. Ao
contrário do que imaginara, não foi designada para oferecer apoio psicológico aos
demitidos, mas exerceu atividades operacionais, orientando as pessoas desligadas
nas questões burocráticas do processo. Questionamentos acerca de sua posição na
organização eram constantes:
“Tive que lidar com esse paradoxo assim de... bom, eu tô aqui, eu podia tá
aí, meu grupo tá aqui... Que que eu fiz pra estar deste lado da mesa e não
do outro, nesse momento?”
Com o final do último plano de demissão se aproximando, Fátima passou a
ser responsável pelo Programa de Qualidade de Vida que então iniciava. Ao
constatar que toda a sua área desaparecera, buscou saber junto ao dirigente se
estavam com intenções de demiti-la, pois nesse caso, iria aderir ao PDV. Foi-lhe
assegurado que seus serviços ainda seriam necessários, principalmente no
momento em que a empresa começasse a admitir, pois já se previa a necessidade
de profissionais com novas qualificações, que pudessem atender à demanda de
modernização tecnológica, prevista no ramo de atividade da empresa em questão.
Suas atividades estavam restritas ao assessoramento dos processos de
seleção de pessoal e à implantação do Programa de Qualidade de Vida. No que se
refere à seleção, Fátima realizava apenas uma entrevista final com os candidatos
encaminhados pelas consultorias de recursos humanos contratadas, pois estas
realizavam o restante do processo. Refere que apenas dava um “vistaço” nos
14
candidatos e lhes apresentava a empresa. Aplicava um teste em formato de software
quando necessário, pois era padrão da empresa. Considerava esta uma atividade
“tranqüila”, referindo que “contratar era melhor do que demitir”. Já o Programa de
Qualidade de Vida era percebido por Fátima como uma atividade paradoxal, pois
este previa atividades de integração entre os funcionários, além do desenvolvimento
de “hábitos saudáveis” como cafés da manhã na empresa, caminhadas, ginástica
laboral, entre outras. No entanto, o clima que vigorava era de desgaste e de
incertezas, uma vez que as demissões ainda estavam acontecendo, mesmo que em
menor escala:
“E a gente até dizia, eles querem que a gente faça uma festa de Carnaval e
nós estamos trabalhando na UTI (...) Muita contradição, de ter que lidar com
aquelas coisas de chegar em casa e dizer, meu Deus, isso é pra inglês ver!
Isso de qualidade de vida, porque ela tá sacaneando com uma mão e tá
agradando com outra.”
Os últimos dois anos de Fátima como psicóloga da Companhia X foram
repletos de tensão:
“Agora, as pessoas com quem a gente lidava, pra quem a gente tava
oferecendo o Programa de Qualidade de Vida, o tempo todo nos
confrontavam com esta situação: escuta, mas o que que é que querem?
Tão demitindo todo mundo e tão dando café da manhã!? E aí tu tinha que
fazer de conta que tu não tinha ouvido nada (risos)... É a mesma empresa
que faz isso... é a tua mãe que tem o seio bom, que tem o seio mau (risos).”
Apesar dos questionamentos de Fátima, ela menciona que estava lutando
para permanecer na empresa, tanto porque tinha um salário muito compensador,
mas também porque se sentia capaz de realizar as atividades propostas. Todavia,
sabendo da possibilidade de ser demitida a qualquer momento, mantinha sempre as
contas organizadas, sem fazer dívidas, para que não fosse surpreendida. E
finalmente chegou a sua vez:
“Eu acho que a empresa continua muito política, muito estatal em alguns
aspectos, né, eu acho que estes foram alguns dos aspectos que eu tenha
15
me incompatibilizado com o diretor lá, e acho que pode ser por isto que eu
fui demitida, né... Por pensar um pouco.”
Embora descrita de forma sucinta, a trajetória de Fátima na Companhia X
retrata como as transformações no contexto de trabalho (privatização,
reestruturação, enxugamento de pessoal, terceirização de serviços) se refletiram na
atuação como psicóloga organizacional e do trabalho. Por ter partilhado com Fátima
uma série de eventos resultantes do processo implementado na empresa,
freqüentemente pude sentir o clima de apreensão que vigorava. O desligamento de
equipes inteiras que haviam ingressado na empresa através de processo seletivo
por nós elaborado, mobilizava-nos pelo confrontamento com a limitação de nossa
atuação.
Através da descrição do Caso Sentinela, compartilho um pouco de minha
própria história profissional e de minha vivência na área de seleção de pessoal, pois
desta relação emerge a leitura que resulta no corpo da pesquisa, refletindo o
investimento na sua elaboração e também as formas e a importância assumidas na
minha trajetória. Acredito que o pesquisador que se permite estranhar um tema
considerado de seu domínio, pode se surpreender com descobertas e com novos
modos de pensar antigos conceitos. Não atribuo a um ato de coragem a
investigação da própria prática, pois considero este desacomodamento como um
compromisso de todo o profissional que busca uma postura de interlocução crítica
com sua profissão, cabendo a cada um o questionamento brilhantemente formulado
por Paulo Freire: “Eu, com minha prática, estou fortalecendo o quê, estou produzindo
o quê?”
16
INTRODUÇÃO
A contratação de pessoal para um posto de trabalho em organizações
públicas ou privadas se faz através de algum processo de seleção que implica a
escolha, entre aqueles que se candidatam, dos que preenchem os requisitos
desejáveis para o cargo. O ideal de compatibilização entre os homens e suas
atividades já se encontra proposto por Platão, na República
5
, quando defende a
seleção dos homens de acordo com suas habilidades como forma de melhor adaptá-
los às tarefas e assim contribuir para o desenvolvimento social. Tal argumentação
justifica o processo de seleção, mesmo quando um único candidato disputa um
determinado posto de trabalho.
No cenário atual, o número de trabalhadores disponíveis, aliado à crescente
competição no mundo do trabalho, torna a seleção de pessoal um importante
produto de consumo no mercado. Uma ampla literatura com a promessa de
aumentar as chances de colocação profissional através da elucidação dos mistérios
que estão por trás da seleção pode ser facilmente encontrada nas prateleiras de
5
PLATÃO. A República. trad. C. A. Nunes, 3. ed. revisada, Belém: UFPA, 2000.
17
livrarias. Além disso, inúmeros especialistas realizam palestras e fornecem
entrevistas nos meios de comunicação sobre dicas para um desempenho satisfatório
nos processos seletivos, revelando estratégias de marketing pessoal e, também, o
que consideram os mitos e as verdades da seleção de pessoal. Notadamente, esta
temática está popularizada e sua legitimação não causa qualquer estranhamento.
No campo de atuação da psicologia, a seleção de pessoal para as atividades
laborais é uma demanda constante desde a consolidação do sistema taylorista
6
de
produção. O plano traçado por Taylor previa o emprego de trabalhadores com as
aptidões necessárias para o exercício eficaz de tarefas que lhe eram atribuídas,
buscando, através da fragmentação entre planejamento e execução, o controle do
trabalho pela gerência. Segundo Taylor
7
(citado por Braverman, 1987, p. 99), “a
seleção do homem não implica encontrar algum indivíduo extraordinário, mas,
simplesmente, apanhar um entre os tipos comuns que são especialmente apropriados
para esse tipo de trabalho”.
Heloani (2003) refere que as práticas de seleção, elaboradas como uma
extensão da cientificidade do departamento de planejamento, constituíram-se, para
Taylor, em uma de suas inovações mais significativas. A seleção científica do
trabalhador teria tanta importância, pois, por trás das metáforas da capacidade e da
opção do trabalhador aos novos métodos de gestão, ocultava-se a expectativa de
sua adesão aos princípios da administração científica.
6
Aspectos sobre a organização do trabalho no sistema taylorista são abordados no capítulo que
segue. Além disso, uma síntese teórica acerca dos princípios das teorias gerenciais formuladas por
Frederic W. Taylor (1856-1915) e Henry Ford (1863-1947) pode ser encontrada em CATTANI, A.D.
(Org). Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ufrgs,
2002.
7
TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1995.
18
Na atual fase do capitalismo, caracterizada pela competição na busca do
lucro, desemprego em larga escala, recessão e crescimento dos setores financeiros
da economia, o quadro de desemprego ensejou maior oferta de mão-de-obra e,
ainda, os investimentos em tecnologia contribuíram para que essa mão-de-obra se
tornasse cada vez mais descartável (CODO, 1994). O impacto destas
transformações nas relações de trabalho de profissionais com vínculo empregatício
é descrito por Bresciani (1999) como gerador de insegurança, sentimento de estar
sob pressão, isolamento, competição, angústia, submissão às exigências das
empresas e sensação de desvalorização e degradação, portanto, com implicações
na saúde psicológica.
Para um contingente expressivo da população brasileira, assumir um posto
de trabalho formal junto a uma organização pública ou privada ainda configura uma
meta a ser alcançada, visto o crescimento da informalidade que abarca mais da
metade da população economicamente ativa. As organizações constituem um porto
seguro, capazes de gerar benefícios emocionais, políticos, culturais e sociais, e a
informalidade e/ou desemprego trazem repercussões psicológicas e sociais
relevantes. Assim, a presente investigação se inscreve dentro desse cenário,
perpassado por aceleradas mudanças sociais que provocam inquietude nos
trabalhadores em geral, dentre os quais se integram os psicólogos.
Considerando-se que o processo de seleção de pessoal é concebido como a
porta de entrada dos trabalhadores nas organizações (correspondendo, também, à
porta de entrada dos próprios psicólogos, pois se trata da atividade que impulsiona a
carreira na área da psicologia organizacional e do trabalho), propõe-se, através da
construção desta dissertação, a investigar as experiências e vivências de
19
psicólogas
8
que realizam a atividade de seleção de pessoal em suas práticas de
trabalho. Os termos experiências e vivências foram emprestados da conceituação
proposta por Tittoni (1994), embasada em concepções de Dejours (1999)
9
e de
Thompson (1981)
10
acerca da expressão de formas de vivenciar as experiências
concretas no mundo do trabalho. Os termos procuram expressar as maneiras como
os trabalhadores vivenciam as experiências cotidianas de trabalho, considerando as
especificidades que as constituem.
A vivência correspondente à dimensão subjetiva da experiência, estando os
dois conceitos interrelacionados. O exemplo de Tittoni (1994) é ilustrativo desta
articulação, quando experiências semelhantes são vivenciadas diferentemente por
trabalhadores:
(...) condições que podem parecer a um técnico, em determinado aspecto
do processo produtivo, como adversas – contaminação por produtos
químicos, por exemplo – podem ser vivenciadas como uma possibilidade de
demonstração de vigor e coragem por parte de outros trabalhadores (p.33).
Segundo a autora, Thompson (1981) centra sua análise em como o sujeito
lida com sua experiência de inserção em determinado contexto cultural e a
experiência abrange aspectos que pressionam e partilham o processo social e
histórico. Nessa perspectiva, os valores, sentimentos e vontades estão presentes na
compreensão do processo, da mesma forma que as necessidades ou os interesses
peculiares estão relacionados aos grupos sociais.
Considerando-se que o local de trabalho é um espaço no qual processos
organizativos são conduzidos visando alcançar determinados fins, este espaço se
8
A expressão no gênero feminino se deve ao fato de todas as participantes da presente pesquisa
serem mulheres.
9
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
10
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria: ou um planetário de erros; uma crítica ao pensamento de
Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
20
molda pelas pessoas, papéis de trabalho, procedimentos técnicos, máquinas e
equipamentos, valores, ideologia, cultura, regras, interesses, estruturas de poder e
mecanismos de controle (SATO, 2003). Assim sendo, a vivência corresponde não só
ao que as pessoas pensam ou conhecem, mas ao que faz sentido para elas diante
deste contexto. Dejours (1999) compreende a vivência do trabalhador como a
questão central para o entendimento da sua condição e das formas como se
configuram as relações entre o sujeito e o trabalho. Para o autor, os trabalhadores
vivenciam afetivamente as situações de trabalho:
Afetivamente, isto é, sob a forma de uma emoção ou de um sentimento
que não é apenas um conteúdo de pensamento, mas sobretudo um
estado do corpo. A afetividade é o modo pelo qual o próprio corpo vivencia
seu contato com o mundo. A afetividade está na base da subjetividade. A
subjetividade é dada, acontece, não é uma criação. O essencial da
subjetividade é da categoria do invisível. O sofrimento não se vê.
Tampouco a dor. O prazer não é visível. Esses estados afetivos não são
mensuráveis. São vivenciados ‘de olhos fechados’. O fato de que a
afetividade não possa jamais ser medida nem avaliada quantitativamente,
de que ela pertença ao domínio das trevas, não justifica que se lhe negue
a realidade, nem que se despreze os que dela ousam falar de modo
obscurantista. Ninguém ignora o que sejam o sofrimento e o prazer, e
todos sabem que isso só se vivencia integralmente na intimidade da
experiência interior. Tudo quanto se possa mostrar do sofrimento e do
prazer não é senão sugerido. Negar ou desprezar a subjetividade e a
afetividade é nada menos que negar ou desprezar no homem o que é sua
humanidade, é negar a própria vida (p.29).
A importância de compreender experiências e vivências é apontada por
Porto (2005) como o grande desafio da ciência moderna: o de “enfrentar a
complexidade e os mistérios do viver, fornecendo sentido às ações humanas”
(p.834). Sato e Bernardo (2005) e Brito (2005) também se referem à importância a
ser conferida aos saberes oriundos das experiências de trabalho, das vivências
pessoais, singulares e compartilhadas.
Constatou-se uma escassa produção teórica nas bases de dados científicos
(CAPES, PsycINFO, IndexPsi) sobre as experiências e vivências daqueles que
exercem atividades de seleção de pessoal no âmbito da psicologia, apesar da
21
grande propagação desta atividade na área especializada da psicologia
organizacional e do trabalho. Presume-se, portanto, que caiba à própria área
assumir a responsabilidade por construir os aportes que molduram esta prática.
Dessa forma, as formulações desta investigação objetivam:
- Explicitar o modo como psicólogas organizacionais e do trabalho
desenvolvem as práticas em seleção de pessoal, como vivenciam esta atividade e
quais os significados que lhes são atribuídos;
- identificar, nas práticas de seleção de pessoal, os critérios utilizados, os
pressupostos fundantes, os objetivos e a inserção desta atividade nas políticas de
pessoal;
- analisar a atividade de seleção de pessoal sob a ótica da trajetória da
psicologia organizacional e do trabalho;
- identificar as justificativas arroladas pelas psicólogas para a prática da
seleção de pessoal e as possíveis relações que se estabelecem entre esta atividade
e o contexto atual de trabalho;
- examinar a importância atribuída à qualificação teórica e prática e à
perspectiva crítica no exercício das atividades de seleção de pessoal para as
profissionais que atuam em organizações;
- contribuir para um maior conhecimento sobre psicologia organizacional e
do trabalho e sua função no cenário contemporâneo.
A investigação inicia através de uma abordagem teórica acerca do cenário
de trabalho e dos atores do qual parte a análise investigativa. Empreende-se, a
22
seguir, uma revisão teórica sobre a inserção da psicologia nos espaços de trabalho,
com especial ênfase nas práticas de seleção de pessoal, juntamente com a
retomada histórica da instalação desta área no Brasil.
O capítulo que segue situa a metodologia da pesquisa, objetivando
aprofundar os pressupostos e as técnicas que nortearam a análise das informações.
Os resultados e contrapontos teóricos são apresentados no próximo capítulo, com
ênfase na compreensão das vivências da atividade de seleção de pessoal. Por fim,
nas considerações finais, empreendem-se possíveis significados e sentidos
construídos no transcorrer da pesquisa, realizando-se o fechamento da investigação.
23
1. SITUANDO O CENÁRIO: as transformações no mundo do trabalho
O atual cenário que configura o mundo do trabalho remonta a uma
sociedade altamente complexa e globalizada, caracterizada, dentre muitos fatores,
por rápidas mudanças econômicas e pelo avanço das tecnologias. Na esfera
produtiva, destacam-se como transformações emblemáticas das últimas décadas a
introdução da robotização e automação microeletrônica, a reestruturação produtiva,
a relocalização espaço-temporal e a adoção de novas formas gerenciais,
remodelando conceitos e impulsionando a legitimidade ideológica do capitalismo
neoliberal.
Ao discorrer sobre o fluxo histórico que tece estas transformações, Nardi
(2003) menciona que o atual panorama de trabalho iniciou seu curso na passagem
do feudalismo para o capitalismo, no século XIV, com o surgimento do capitalismo
mercantil. Nesse contexto, efetuou-se a transição de uma sociedade globalmente
holista e com relações de subordinação rígida para uma sociedade individualista,
cuja relação entre os homens era mediada pelas coisas. Segundo Figueiredo (2003),
o estabelecimento do sistema mercantil deu início a uma nova lógica social e
econômica, na qual a produção para a troca cedeu lugar ao princípio do lucro e os
24
interesses de cada produtor passaram a ser mais importantes do que os interesses
da sociedade. As comunidades produtivas deixaram de existir para se dar o
surgimento de indivíduos livres, que produziam ou vendiam sua força de trabalho a
proprietários privados, perdendo o apoio de sustentação.
Esse movimento molda os aportes para a constituição de um mercado de
trabalho que, conforme Galeazzi (2002), consolidou-se com a Primeira Revolução
Industrial, oportunizando ao trabalhador o livre trânsito entre um patrão e outro,
vendendo sua mão-de-obra sem a necessidade de meios próprios de produção. Por
outro lado, a plena solidificação do mercado de trabalho ocorreu apenas no século
XX, quando se estabeleceu a relação social de assalariamento como forma
hegemônica de vinculação laboral, consolidando o que Castel (1998) conceitua
como sociedade salarial
11
.
Segundo Antunes (1999), ao longo de praticamente todo o século XX,
principalmente a partir da segunda década, no período conhecido como o da grande
indústria, o sistema produtivo e seu respectivo processo de trabalho se calcavam na
produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma organização
bastante verticalizada. O padrão produtivo atendia ao modo de gestão tayloriano e
fordista, caracterizado por um trabalho semiqualificado e fragmentado, com a
decomposição das tarefas que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de
atividades. Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, tecendo
vínculos entre as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando
o ritmo e o tempo necessários para a realização das tarefas. Esse processo
11
De acordo com Castel (1998), a consolidação da sociedade salarial se deu somente na Europa do
pós-guerra, pela via da construção do Estado Social, tendo sido o trabalho sob a forma de emprego
estável que permitiu o surgimento da propriedade social, considerada como a forma de organização
social que estabelece um compromisso entre seus membros e que permite aos indivíduos o exercício
de fato de seus direitos de cidadão.
25
produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção em série fordista com
o cronômetro taylorista, além da vigência da separação nítida entre elaboração e
execução. Para Antunes (1999):
Esse processo produtivo transformou a produção industrial capitalista,
expandindo-se a princípio para toda a indústria automobilística dos Estados
Unidos, e depois para todo o processo industrial nos países capitalistas.
Ocorreu também sua expansão para a grande parte do setor de serviços.
Implantou-se uma sistemática baseada na acumulação intensiva, uma
produção em massa executada por operários predominantemente
semiqualificados, que possibilitou o desenvolvimento do operário-massa, o
trabalhador coletivo das grandes empresas verticalizadas e fortemente
hierarquizadas (p. 37).
Após o final da Segunda Guerra Mundial, as sociedades industrializadas
experienciaram um período de riqueza e prosperidade, caracterizado pela melhoria
nas condições de vida da população e emprego abundante e estável, especialmente
nas indústrias norte-americanas com sistemas tayloristas e fordistas de produção
(TOMEI, 1996). Entre outros fatores, estes sistemas se apoiaram no modo de
regulação de conflitos com larga institucionalização (legislação social, regras de
mercado, orçamento público). O período de consolidação do papel central do Estado
Social (1940-1950) ficou conhecido como a “Idade de Ouro do capitalismo”
(BORGES e IAMAMOTO, 2004).
A partir da década de 1970, a incapacidade de manter a dinâmica no
processo de acumulação da produção em escala mundial determinou o início de
uma progressiva substituição do padrão taylorista-fordista pelo padrão de
acumulação flexível (ANTUNES, 1999). De acordo com Harvey (2004), este modelo
introduz a flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados e dos produtos e
padrões de consumo. Ao reorganizar a produção frente às novas configurações
tecnológicas, comerciais e organizacionais emergentes, a acumulação flexível passa
a representar um novo paradigma econômico.
26
Conforme Antunes (1999), várias transformações foram deflagradas no
processo produtivo através da constituição das formas de acumulação flexível. A
gestão organizacional passou a organizar o trabalho em equipes, chamadas de
células de produção, times de trabalho, grupos semi-autônomos, ditando (ao menos
no plano discursivo) o “envolvimento participativo” dos trabalhadores. Dos modelos
alternativos ao binômio taylorismo/fordismo destaca-se, especialmente, o
toyotismo
12
, ou modelo japonês. Este modelo de acumulação flexível se fundamenta
num padrão produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, resultado da
introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias à introdução
ampliada dos computadores no processo produtivo e de serviços.
As principais diferenciações do toyotismo em relação ao fordismo podem
ser, resumidamente, caracterizadas pelos seguintes traços:
- produção vinculada à demanda, visando atender às exigências mais
individualizadas do mercado consumidor;
- fundamentação no trabalho operário em equipe, com multivariedade de
funções;
- produção estruturada num processo produtivo flexível, possibilitando ao
trabalhador operar simultaneamente várias máquinas;
- produção baseada no sistema just in time (atendendo apenas a demanda
do mercado, no momento e na quantidade solicitados) e sistema kanban (consiste
em uma senha de comando, uma ordem de requisição, que permite observar no
12
O toyotismo concerne à indústria japonesa de carros Toyota, onde se realizaram as primeiras
experiências relativas a uma forma de produção com descentralização dos processos produtivos. O
engenheiro Taiichi Ohno foi o responsável pela introdução destas experiências, que rapidamente se
propagaram para as grandes companhias daquele país (HELOANI, 2003).
27
quadro geral a situação do conjunto da produção e a posição de cada lote, puxando
a produção);
- empresas com estrutura horizontalizada e responsáveis por apenas 25%
da produção no interior da fábrica, ou seja, priorizando apenas o que é central em
sua especialidade e transferindo a terceiros o restante;
- organização de CCQs (Círculos de Controle de Qualidade), constituindo
grupos de trabalhadores que são instigados a discutir seu trabalho e desempenho,
com vistas a melhorar a produtividade das empresas (ANTUNES, 1999; HELOANI,
2003).
Conforme Pochmann (2001) e Antunes (1999), alguns autores reconhecem
que estas novas formas de organização do trabalho podem significar uma condição
mais favorável quando comparadas ao taylorismo/fordismo, pois, ao possibilitar a re-
qualificação do trabalho, promovem um rompimento com a matriz taylorista de
tarefas parciais e repetitivas. Dentre as repercussões positivas, estariam o advento
de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente e com
maior envolvimento com as metas e resultados da empresa. Além disso, um maior
interesse no desenvolvimento de postos de trabalho menos monótonos e sem
funções repetitivas, bem como de postos de trabalho mais preocupados com os
riscos de acidentes.
Aspectos como a redução de níveis hierárquicos e das funções de chefia,
introdução de sistemas participativos e abertos à decisão, com maior diálogo e
treinamento do pessoal e as tentativas de integração do trabalhador por meio da
motivação pessoal (participação nas tomadas de decisão e maior responsabilidade
com os resultados da empresa) e da auto-realização, com atividades fora do
28
contexto do trabalho (esporte, lazer e cultura), remetem a características inovadoras,
consideradas mais apropriadas a uma interação entre o capital e o trabalho.
Entretanto, Pochmann (2001) e Antunes (1999) defendem a perspectiva de que
estas novas técnicas de gestão da força de trabalho correspondem, na verdade, a
uma participação manipuladora e que preserva em sua essência as condições do
trabalho alienado.
Analisando as reconfigurações das sociedades industriais, Kumar (1997)
menciona que, na maioria das áreas, a tecnologia da informação acelerou processos
iniciados há algum tempo, facilitou a implementação de certas estratégias de
administração de empresas, mudou a natureza do trabalho no caso de numerosas
profissões e propôs certas tendências de lazer e consumo. No entanto, não produziu
mudança radical na maneira como estas sociedades são organizadas ou na direção
em que se movimentam, uma vez que os imperativos do lucro, poder e controle
parecem tão predominantes hoje como sempre foram na história do industrialismo
capitalista. Para o autor, a diferença reside na intensidade maior das aplicações
destes imperativos, tornados possíveis pela revolução nas comunicações, embora
sem qualquer mudança nos princípios em si.
Cabistani (2000) refere que os princípios da excelência deste novo modelo
econômico vêm utilizando como exigências fundamentais para a manutenção do
emprego o trabalho competente, ou seja, aquele que não conhece falhas e que deve
ser simplesmente perfeito. Santana (2002) aponta que flexibilidade, autonomia,
realização profissional, qualificação, criatividade, valorização do capital humano, são
preceitos que transmitem uma idéia de liberdade, maior felicidade, enfim, um novo
mundo do trabalho. A contraparte disso é que o grau elevado de exigência do
trabalhador que deverá atuar nessa ‘nova empresa’ é, na mesma proporção, o que é
29
exigido de uma organização para sobreviver nesse mesmo contexto. Assim sendo,
freqüentemente se estimula a concorrência e se estabelece uma guerra fratricida
entre estes trabalhadores, o que Todeschini (1999) denomina de guerra psicológica.
Para Castel (1998, p.519), “a empresa - fonte da riqueza nacional, escola do
sucesso, modelo da eficácia e de competitividade” - funciona também e,
aparentemente cada vez mais, como uma máquina de vulnerabilizar e até mesmo
como uma máquina de excluir. A corrida pela eficácia e competitividade acarreta a
desqualificação dos menos aptos, pois, na busca pela flexibilidade, a empresa
procura adaptar as qualificações dos trabalhadores às transformações tecnológicas,
e esta formação permanente dos trabalhadores em busca das qualificações pode
funcionar como uma seleção permanente.
Sennett (2004) menciona que para a incerteza e instabilidade sentidas na
atualidade frente ao universo do trabalho, não é necessária qualquer premência de
desastre histórico, ao contrário, esses sentimentos se tornaram normais. Segundo
Bauman (2001), todas essas incertezas no mundo do trabalho não são novidades,
pelo contrário, existem desde tempos imemoriais, porém, a incerteza de hoje é de
um tipo inteiramente novo, pois desobedece a qualquer lógica. Para o autor, a
incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora, que divide em vez de
unir:
Os medos, ansiedades e angústias contemporâneos são feitos para serem
sofridos em solidão, sugerindo uma estratégia de vida muito diferente da
que levou o estabelecimento das organizações militantes em defesa da
classe trabalhadora (BAUMAN, 2001, p.170).
No “individualismo de mercado, ou econômico”, os poderes passaram do
“sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida”, ou desceram
do nível “macro” para o nível “micro” do convívio social, nas palavras do autor. Com
30
isso, tem-se uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e o peso da
trama dos padrões e a responsabilidade pelo fracasso pesa principalmente sobre os
ombros dos indivíduos.
A individualização no trabalho revela um outro viés, abordado por Castel
(1998), quando refere que, nesta esfera, a individualização das tarefas permite a
alguns que escapem das sujeições coletivas e expressem melhor sua identidade
através de seu emprego. Mas o autor segue sinalizando que, para outros
trabalhadores, significa segmentação e fragmentação das tarefas, precariedade,
isolamento e perda das proteções. Assim, existe uma polarização entre os que
podem associar individualismo e independência, porque sua posição social está
assegurada, e os que carregam sua individualidade como uma cruz, porque significa
falta de vínculos e ausência de proteções.
Nesse sentido, Santana (2002) refere que a tecnologia e a flexibilização da
mão-de-obra contribuem consideravelmente para o aumento da precariedade e do
desemprego. Além disso, o ambiente organizacional passa a ser muitas vezes
competitivo, individualista e paradoxal aos discursos organizacionais de valorização
dos times ou equipes de trabalho. A lógica que prevalece é a de que não há
empregos para todos, só para os mais talentosos, os mais capazes, ou mais
espertos. Assim, o indivíduo precisa garantir e aumentar sua empregabilidade
demonstrando integral comprometimento e motivação à empresa, o que se traduz
em instabilidade emocional, tensão e insegurança.
Sennett (2004) aponta para um importante aspecto que tais exigências de
flexibilidade, juntamente com a fugacidade das relações trabalhistas acarretam para
a formulação do caráter humano ao mencionar sobre a destruição de valores
31
tradicionais como compromisso, confiança e lealdade. Na exigência de
trabalhadores ágeis, abertos a mudanças de curto prazo, que assumam riscos
continuamente e dependam cada vez menos das leis e procedimentos legais, os
laços de confiança e compromisso são afetados pela inexistência de longos prazos,
o que repercute em comportamentos individualistas e em vínculos frágeis de
emprego.
Castel (1998) reafirma tal perspectiva ao mencionar que a segmentação dos
empregos e o irreversível aumento dos serviços acarretam uma individualização dos
comportamentos no trabalho completamente distinta das regulações coletivas da
organização fordista, pois, para o autor, na organização flexível, não basta mais
saber trabalhar, é preciso saber vender e se vender, e os indivíduos são levados a
definir, eles próprios, sua identidade profissional, tentando fazer com que seja
reconhecida no mercado.
Dejours (1999) traz importantes contribuições para a análise das
conseqüências da precarização do trabalho na esfera social e na subjetividade dos
trabalhadores. Pontua que esta realidade reflete-se através do aumento do
sofrimento subjetivo e da neutralização da mobilização coletiva contra este
sofrimento e contra a sensação de dominação e de alienação. Além disso,
estabelece uma estratégia defensiva pautada no “silêncio”, “cegueira” e “surdez” dos
trabalhadores frente ao sofrimento. Segundo o autor, cada trabalhador deve, antes
de tudo, preocupar-se em resistir. Quanto ao sofrimento alheio, não só “não se pode
fazer nada”, como também sua própria percepção constitui um constrangimento ou
uma dificuldade subjetiva suplementar que prejudica os esforços de resistência. Para
resistir, portanto, convém “fechar os olhos e os ouvidos” ao sofrimento e à injustiça
infligidos a outrem, assumindo uma postura individualista.
32
Tais contingências se solidificam paralelamente a um sentimento próprio da
contemporaneidade de que ‘não se é nada e não se está em lugar nenhum’. Os
indivíduos ignoram que vivem em sociedade e afrouxam o senso de
responsabilidade para com as regras sociais, passando a perceber o outro como um
inimigo. Os efeitos do hiper-individualismo implícito nas novas formas de gestão do
trabalho forçam, muitas vezes, o sujeito a um eu vazio e solitário.
No entanto, o contexto de trabalho tem necessidade de ser pensado não só
na perspectiva do enfraquecimento dos laços sociais e do individualismo, mas
também incluindo formas de problematização da resistência como instâncias de
interferência em políticas sociais. Espaços coletivos representam possibilidades de
enfrentamento, incluindo sindicatos, associações de trabalhadores e órgãos de
controle social.
Aproximando estes preceitos do panorama de países de capitalismo tardio,
como o Brasil, Merlo (2000) constata uma realidade que denominou de “modelo
Frankenstein”, caracterizado pela convivência de processos de trabalho distintos,
desde os taylorizados tradicionais, juntamente com trabalho escravo e ainda as
inovações tecnológicas, com modos de gestão de excelência. Sato (2003) considera
este cenário de trabalho como um mosaico no qual o velho e o novo se mesclam.
Segundo a autora, linhas de montagem fordistas convivem com máquinas de última
geração, predominando o discurso da qualidade e do empowerment
13
, e buscando-
se a estruturação de times comprometidos e responsáveis.
13
Empowerment é um “vocábulo em língua inglesa cujo significado se aproxima de delegação de
poderes, ou seja, um estilo de administração, ou estilo de gestão no qual o poder encontra-se
descentralizado mediante delegação de poderes dos níveis hierárquicas mais elevados para os mais
baixos” (HELOANI, 2003, p.130).
33
Em estudo referente às transformações do código moral brasileiro na
atualidade, Nardi (2003) menciona a manifestação de uma série de conseqüências
ligadas ao aumento do individualismo. Segundo o autor, instaura-se uma frouxidão
do laço social, fomentada pela perspectiva de uma sociedade de incertezas, onde a
competição extremada e o desmantelamento das garantias de estabilidade
sedimentam a criação de uma cultura do narcisismo.
Apesar de estas tendências serem consideradas pelos autores como uma
realidade hegemônica no cenário de trabalho brasileiro, não devem ser vistas como
totalitárias. E, ainda, necessário se faz atentar às especificidades do cenário
brasileiro em que se agregam problemas de desigualdade social, baixa escolaridade
da população, trabalho infantil, trabalho forçado, entre outras questões sócio-
culturais.
34
2. SITUANDO OS ATORES: as transformações no perfil
14
dos
trabalhadores
Os esforços necessários para se ajustar e acompanhar os princípios de
flexibilidade, qualidade e rapidez do novo cenário de trabalho, inicialmente,
concentraram-se na aquisição de equipamentos e na exigência de uma
reorganização da produção. Entretanto, as tendências ditadas pela nova
organização da produção passaram a exigir, ainda, uma redefinição do perfil
profissional dos trabalhadores, reunindo um conjunto de competências e habilidades
14
Embora contemple aspectos imprecisos em sua definição, o termo perfil tornou-se popularizado,
sendo amplamente aplicado não só em ambientes empresariais, mas na sociedade como um todo.
Em dicionários da língua portuguesa (FERREIRA, 1989; AMORA, 2000), esta palavra é definida
como: contorno do rosto de pessoa vista de lado; representação de um objeto visto de um dos seus
lados; descrição de alguém em traços rápidos ou descrição dos traços característicos de alguém. Em
dicionários de psicologia (PIERON, 1975; STRATTON,1997), a expressão possui um enfoque que
remete a resultados obtidos a partir da aplicação de testes psicológicos, privilegiando uma
abordagem quantitativa. Para Stratton (1997), o termo “perfil de personalidade” compreende um
sistema para descrever o resultado de um teste de personalidade que avalia o indivíduo em termos
de traços pré-definidos, proporcionando mais do que simplesmente um escore único, pois fornece
uma imagem, geralmente apresentada graficamente, de como é dada a pontuação dos escores em
cada conjunto dado de traços. No senso-comum, a expressão se refere, principalmente, aos traços
do sujeito quanto às suas características, qualidades e competências profissionais. Neste sentido, o
termo perfil será utilizado na presente pesquisa, correspondendo, ainda, ao seu uso pelas
participantes do estudo.
35
cognitivas, atitudinais e técnicas (GONDIM, BRAIN E CHAVES, 2003). Segundo
Athayde (1999):
a gerência passa a se concentrar sobre os tempos das máquinas, passando
o trabalho humano a controlar, prevenir, consertar panes e otimizar o
processo produtivo (pois as novas técnicas de produção automatizadas
multiplicam tais perigos e defeitos, afetando o ritmo da fabricação) em
contrapartida à utopia (capitalista) da fábrica sem homens, a competência
humana é essencial para intervir a tempo e para prevenir e detectar falhas;
as competências dos homens para intervir e dominar as incertezas da
produção (na automação) deverá sempre crescer. Daí o sucesso das novas
tecnologias passa a estar na razão dita da política de gestão de pessoal e
de organização do trabalho (p.207).
Uma nova concepção de ser humano passa a fundamentar as políticas e
práticas de gestão: no modelo taylorista-fordista, considerado um ser econômico,
cuja motivação principal era o salário, passa a ser visto como um ser pensante, um
colaborador. É chamado a participar de decisões organizacionais, a inovar, a
agregar valor, despendendo sua energia criadora a favor da empresa. Para tanto,
este sujeito necessita estar devidamente qualificado para enfrentar os desafios do
novo paradigma produtivo que se impõe.
A discussão sobre qualificação é complexa e polêmica, principalmente,
devido à ausência de consenso quanto aos critérios a serem considerados em sua
definição e mensuração (LARANGEIRA, 2002). Este termo abarca, segundo Hirata
(1994, p.132), as noções de “qualificação do emprego”, definida pela empresa a
partir das exigências dos postos de trabalho, e “qualificação do trabalhador”, mais
ampla do que a primeira, por incorporar as qualificações sociais ou tácitas que a
noção de qualificação do emprego não considera. Ademais, esta noção de
qualificação do trabalhador pode ser decomposta, ainda, em qualificação real
(conjunto de competências e habilidades, técnicas profissionais, escolares, sociais) e
qualificação operatória (potencialidades empregadas por um operador para enfrentar
36
uma situação de trabalho, sempre cambiante, de uma correlação de forças capital-
trabalho).
Acerca do curso da qualificação ao longo das últimas décadas, Hirata (1994)
afirma que o desenvolvimento da produção no quadro do regime de acumulação
fordista, baseado na fabricação em massa de bens padronizados através do uso de
máquinas especializadas não flexíveis, estava apoiado na mão-de-obra de
trabalhadores semiqualificados, dos quais se exigia um cumprimento rigoroso de
normas operatórias, prescrição das tarefas e disciplina no seu cumprimento.
Atualmente, apesar deste sistema de produção não estar superado, pois coexiste
com sistemas modernos de acumulação flexível, as qualificações exigidas no interior
do novo modelo produtivo contrastam fortemente com aquelas relacionadas à lógica
taylorista e fordista de definição de postos de trabalho, de remuneração e de
competências.
A autora segue referindo que as características da organização do trabalho
da empresa japonesa, em ruptura com o taylorismo e o fordismo, são
essencialmente o trabalho cooperativo em equipe, a falta de demarcação das tarefas
a partir dos postos de trabalho e de tarefas prescritas a indivíduos, implicando um
funcionamento fundado sobre a polivalência e a rotação de tarefas. O trabalhador
precisa ser polivalente e multifuncional, com uma visão de conjunto do processo de
trabalho em que se inscreve. Tal visão de conjunto é necessária para julgar,
discernir, intervir, resolver problemas, propor soluções a problemas concretos que
surgem cotidianamente no interior do processo de trabalho.
Assim, as qualificações exigidas aos sujeitos que buscam postos de
trabalhos correspondem, de acordo com a autora, à capacidade de pensar, de
37
decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar e consertar, de administrar a
produção e a qualidade a partir da linha, isto é, ser simultaneamente operário de
produção e de manutenção, inspetor de qualidade e engenheiro. Conforme
Pochmann (2001), esses requisitos profissionais, indispensáveis ao ingresso e à
permanência no mercado de trabalho em transformação, serão passíveis de
atendimento somente por meio de um maior nível educacional dos trabalhadores. No
entanto, segundo o autor, o fato de o Brasil representar uma industrialização ainda
sem um pleno desenvolvimento, não favorece a absorção de ocupações
profissionais mais qualificadas. O que pode ocorrer, algumas vezes, é “a utilização
de trabalhadores qualificados em ocupações com menor grau de exigência
profissional, como fenômeno resultante do acirramento da competição no mercado
de trabalho, e a marginalização dos trabalhadores com baixa qualificação”
(POCHMANN, 2001, p.54).
Segundo Sato (2003), o atual aparelho produtivo exige trabalhadores
instruídos, capazes de compreender os princípios de sua ação e não apenas de
cumprir tarefas rotineiras; deverão ser capazes de iniciativas, não só aceitando, mas
desejando a mudança, aderindo voluntariamente a seu trabalho e interessando-se
por ele; também deverão ser capazes e desejosos de cooperar com os outros, não
apenas com os colegas permanentes, como nas antigas oficinas, mas de adaptação
rápida a equipes mutantes, e às forças-tarefa provisórias. No gerenciamento de
recursos humanos, reclama-se o trabalhador pró-ativo, colaborador, participativo e
com potencialidades para se desenvolver.
Frente a tantas responsabilidades, conhecimentos, habilidades e
competências, o mundo da gestão apregoa a necessidade de um novo perfil de
trabalhadores, relacionando-se a isto a proliferação de teorias e vocabulários
38
próprios ao discurso organizacional, que muitas vezes é representado por modelos
importados de países industrializados. O vocábulo competência, por exemplo, passa
cada vez mais a fazer parte do discurso organizacional.
Conforme Sarsur (2004), na ânsia por transformar a força de trabalho em
diferencial competitivo, muitas empresas passaram a definir um perfil de
competências para os cargos, focando os processos seletivos nas competências dos
candidatos. Segundo Hirata (1994), a competência é uma noção oriunda do discurso
empresarial nos anos oitenta, cuja noção é marcada política e ideologicamente e da
qual está totalmente ausente a idéia de relação social, que define o conceito de
qualificação. Diferentemente da acepção multidimensional da qualificação, o modelo
da competência corresponderia a um novo modelo de qualificação, pós-taylorista, de
organização do trabalho e da gestão da produção. Sua gênese estaria associada à
crise da noção de postos de trabalho e a um certo modelo de classificação das
relações profissionais.
Segundo Bitencourt e Barbosa (2004), o termo competência possui um
amplo panorama conceitual, de acordo com a ênfase aplicada. Para Rabaglio
(2001), o indivíduo ter competência significa ter conhecimentos, habilidades e
atitudes compatíveis com seu desempenho, sendo capaz de colocar esse potencial
em prática sempre que for necessário. Nessa perspectiva, as capacidades e
competências são definidas como qualidades individuais, potenciais humanos
individuais (ou se tem ou não se tem). É a qualidade de quem é capaz de apreciar e
resolver certo assunto, fazer determinada coisa. Relaciona-se ao saber fazer algo,
que, por sua vez, envolve uma série de habilidades. Segundo Bernardes (2004), tais
preceitos evidenciam uma sobrevalorização do indivíduo que, simultaneamente,
resgata e potencializa os ideais liberais.
39
O grande objetivo da gestão por competência é criar um modelo de
competências para cada função dentro da empresa, elaborando um mapeamento
das funções que fazem parte das estratégias de competitividade e diferenciação no
mercado de trabalho. A seleção de pessoal acompanha esta tendência, na exigência
de perfil de candidatos que prioriza aspectos da personalidade, como flexibilidade e
contato interpessoal, em detrimento da exclusividade do conhecimento técnico
(SARSUR, 2004).
Nesse sentido, as novas estratégias de gerenciamento dos recursos
humanos, segundo autores como Sato (2003) e Heloani (2003), são caracterizadas
pela forte presença de mecanismos de controle e de disciplinamento dos
trabalhadores. Para os autores, o controle de natureza simbólica, mais sutil do que
aqueles controles que atuam apenas física e externamente, exige a adesão dos
trabalhadores a realidades como os valores, a cultura e a ideologia organizacional.
Para Sato (2003), o controle no local de trabalho na atualidade é claramente
multifacetado. Inclui formas materiais de coerção e autoridade, bem como processos
sociais e simbólicos, cujos mecanismos se apresentam como estratégia gerencial
desde a década de vinte. A partir dos mecanismos simbólicos de controle, o ‘sujeito
competente’ é formado com identidades e interesses particulares que rotinizam e
normalizam seus sentimentos e os movimentos do corpo.
Por outro lado, Sato (2003) ressalta que, embora as estratégias de controle
gerencial sobre os trabalhadores constituam um intenso poder de disciplinamento,
isso não significa que estes se mantenham passivos frente a elas. Ao contrário, os
trabalhadores criam formas de resistência, tanto individuais como coletivas, para
evitar e diminuir as pressões advindas das estratégias de controle. Ao criarem sua
40
própria realidade materialmente palpável (tanto nos fazeres como no discurso), os
trabalhadores garantem o emprego, reproduzindo ironicamente as mudanças no
gerenciamento da produção. Conforme a autora, os trabalhadores reproduzem as
palavras de ordem como qualidade e empowerment, por exemplo, para escudar
interesses pessoais e de seu grupo de trabalho. Com isso, evitam a intensificação do
ritmo de trabalho e mudanças que venham a romper com as regras por eles criadas
informalmente.
Estas formas de resistência, conforme Dejours (1999), estão aliadas a
importantes mecanismos subjetivos desenvolvidos pelos trabalhadores. Segundo o
autor, estes acionam estratégias defensivas a fim de poder dar conta da realidade
cotidiana de ansiedade e angústias que se manifesta através de sofrimento
psíquico; portanto, as defesas dos trabalhadores são necessárias à preservação
da saúde mental contra os efeitos danosos do sofrimento. Entretanto, o autor alerta
que estas mesmas estratégias defensivas podem também funcionar como uma
armadilha que insensibiliza o sujeito contra aquilo que o faz sofrer.
Em síntese, as transformações no mundo do trabalho implicaram mudanças
no perfil dos trabalhadores e o processo de seleção de pessoal busca identificar as
características julgadas desejadas para cada organização em particular. A ênfase
recai em características comportamentais que apontem para um trabalhador flexível,
qualificado, capaz de se integrar totalmente às necessidades empresariais. Dias
(2001), ao se referir às tecnologias vocacionais, aponta que estas precisarão se
adequar aos tempos atuais caracterizados pela superfluidade. Estendendo as
reflexões da autora às tecnologias de seleção de pessoal, as técnicas de seleção
necessitam se afirmar como reveladoras da polivalência ocupacional dos sujeitos,
41
avaliando e inferindo performances que permitam o desenvolvimento de novas
habilidades em períodos de tempo cada vez mais curtos.
42
3. SITUANDO A SELEÇÃO DE PESSOAL: o processo de ‘adequação’
dos atores ao cenário
Chiavenato (1998), autor considerado uma referência na área de recursos
humanos no Brasil, conceitua a seleção de pessoal como “a escolha do homem
certo para o cargo certo”. Ao expandir a definição, segue referindo que é “a escolha,
entre os candidatos recrutados, daqueles mais adequados aos cargos existentes na
empresa, visando manter ou aumentar a eficiência e o desempenho pessoal” (p.
139). Representa, portanto, um processo de comparação entre os requisitos do
cargo a ser preenchido e o perfil dos candidatos que se apresentam.
A preocupação com a prognose sobre o desempenho laboral enquanto
objetivo da seleção de pessoal, e as demandas de aumento na produção,
favoreceram a aproximação com os métodos e técnicas de avaliação psicológica.
Tal aproximação coincide com o nascimento da chamada psicologia científica, no
final do século passado. Segundo Figueiredo (2003), a necessidade do Estado
prever e controlar os indivíduos, colocando-os a serviço de uma ordem social,
favoreceu a divisão e fragmentação das ciências humanas e sociais e a exaltação
43
das ciências físicas e naturais. É neste cenário que a psicologia se constitui como
disciplina autônoma, rompendo metodologicamente com seu passado filosófico e
apropriando-se do método das ciências físicas e naturais, na busca de status
científico. O autor menciona, ainda, que a consolidação do sistema mercantil-
capitalista de produção, com a propriedade dos meios de produção por parte dos
trabalhadores em detrimento da condição de servidão feudal, favoreceu que o
indivíduo fosse considerado um ser autônomo e livre, possibilitando sua
individualização e a compreensão da existência de um “sujeito psicológico”.
Uma psicologia fundamentada na “ideologia adaptacionista” (PATTO, 1984),
com a proposta de prever e controlar o comportamento humano através da sua
caracterização e classificação, obtidas por procedimentos emprestados das ciências
físicas e naturais, revela-se como uma área promissora para atender à crescente
demanda do setor produtivo pautado pelos princípios da Administração Científica.
Neste contexto, a psicologia adentra especialmente no campo industrial com o
objetivo de “escolher o homem certo para o lugar certo” (CODO, 1994).
A primeira obra de reconhecimento formal da psicologia, elegendo o trabalho
como campo de estudo e aplicação, corresponde ao livro de Hugo Münsterberg,
publicado em 1913. Segundo Zanelli e Bastos (2004), esta obra privilegia a seleção
de pessoal e o uso de testes psicológicos como temática. Dentre outras idéias,
menciona que a psicologia pode servir aos fins do comércio e da indústria sem a
preocupação com valores, representando uma separação entre a construção
experimental de uma base conceitual e a aplicação desta base a problemas
específicos (SPINK, 1996). Para o autor, este movimento revela que a psicologia
seguia um “caminho de uma mão só - do campo teórico legitimado cientificamente
44
para sua operacionalização num mundo que precisava ser organizado e melhorado”
(p.178).
Na perspectiva de subsidiar ações, intervindo no desenvolvimento
econômico e maximizando a produção, o instrumental tecnicista da psicologia
aplicado à seleção de pessoal se fez presente principalmente no âmbito das
indústrias, qualificando o psicólogo como psicólogo industrial. Além da seleção, há
registros históricos de outras incursões da psicologia neste período. Elton Mayo,
personagem considerado uma referência da Escola das Relações Humanas
15
,
deteve seu foco de investigação nas questões relacionadas à motivação dos sujeitos
para o trabalho (FURTADO, 2003).
Conforme Spink (1996), esta fase humanista da psicologia reconhecia a
perspectiva técnica como necessária e determinante da natureza dos postos de
trabalho e do perfil de seleção e treinamento, mas, por outro lado, avaliava que seus
exageros precisavam ser mantidos sob controle pelo respeito exigido ao lado
humano e aos processos de comunicação e liderança. Tal premissa transmitia a
idéia de uma suposta rivalidade entre os humanistas e os tecnicistas que, segundo o
autor, inexistia, pois a intervenção de Mayo junto aos trabalhadores visava satisfazer
suas necessidades de se sentirem úteis e não realmente a atender seus anseios.
Portanto, a perspectiva social de Mayo evidenciava o objetivo maior de aumento da
produção, o que propiciou que os dois campos coexistissem e compartilhassem
objetivos e finalidades.
15
A Escola das Relações Humanas advém da teoria formulada pelo psicólogo Elton Mayo (1880-
1949), a partir de seu famoso experimento em Hawthorne, que preconiza a importância dos vínculos
sociais estabelecidos no ambiente de trabalho para o desempenho e produtividade dos
trabalhadores. Segundo Spink (1996), na prática predominava o conteúdo manipulatório dos
comportamentos através de estudos sobre liderança, motivação, comunicação e comportamento
interpessoal com vistas aos ideais de cooptação, equilíbrio e adaptabilidade.
45
Já a partir das décadas de sessenta e setenta, com a “Escola Sistêmica”
16
,
acontece a substituição do chamado psicólogo industrial pelo psicólogo
organizacional, munido de novas ferramentas e técnicas de atuação (JACQUES,
1989). Conforme Blasco (2004) e Zanelli e Bastos (2004), a utilização de
instrumentos quantificáveis de medidas das aptidões psicológicas e das
características comportamentais é paulatinamente substituída por uma abordagem
com base no modelo clínico, vinculada a princípios mais organicistas e enfoques
humanistas.
Ao lado da seleção de pessoal, que continuava dividida entre abordagens
estatísticas e clínicas, trabalhos emergentes tratavam de desenvolvimento
organizacional e resolução de conflitos (ZANELLI e BASTOS, 2004). A inter-relação
com a administração de empresas tornou a prática da seleção de pessoal difundida
concomitantemente nas duas áreas, propiciando espaço de atuação para psicólogos
e administradores. No entanto, uma seleção pautada em critérios cognitivos e
comportamentais, com a utilização de métodos e técnicas psicológicas, constitui
função privativa do psicólogo
17
. A resolução do CFP nº 018/2000
18
, define seleção
como:
o processo pelo qual, por intermédio de Métodos e Técnicas Psicológicas,
objetiva-se diagnosticar e prognosticar as condições de ajustamento e
desempenho da pessoa a um cargo ou atividade profissional, visando a
alcançar eficácia organizacional e procurando atender às necessidades
comunitárias e sociais (p.112-113).
16
A Escola Sistêmica corresponde a um movimento que propõe a análise da organização como um
todo, enfatizando as interações com o ambiente. Aplicava às organizações o conceito extraído da
Biologia, na perspectiva de que estas recebem insumos da sociedade sob a forma de pessoas,
materiais, dinheiro, informação, e os transformam em saída de produtos, serviços e recompensas
(GOULART, 2002).
17
Lei nº 4.119, de 27-08-1962, que dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta
a profissão de psicólogo. Capítulo III, Artigo 13, parágrafo 1º: Constitui função privativa do psicólogo a
utilização de métodos e técnicas psicológicas com o seguintes fins: diagnóstico psicológico;
orientação e seleção profissional; orientação psicopedagógica; solução de problemas de ajustamento.
18
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Profissão psicólogo; legislação e resoluções para a
prática profissional. n.1. Brasília: CFP, 2003.
46
No âmbito da psicologia, a seleção de pessoal se caracteriza pela utilização
de técnicas, instrumentos e abordagens bastante variáveis. Para Chiavenato (1998),
as técnicas de seleção mais difundidas são: entrevistas, provas de conhecimento ou
capacidade, testes psicológicos e dinâmicas de grupo ou simulação. Os diversos
manuais técnicos sobre seleção de pessoal que circulam no mercado descrevem em
detalhes essas técnicas e seus objetivos (BUENO, 1995; RADOMILE, 1997;
CARVALHO E NASCIMENTO, 2002). Embora tais técnicas de seleção de pessoal
integrem o ferramental da psicologia e sejam amplamente difundidas nos espaços
organizacionais, alguns autores empreendem questionamentos sobre o seu valor
preditivo:
É possível admitir que testes psicológicos, técnicas de dinâmica de grupo e
testes situacionais, hoje bastante utilizados, não sejam suficientes para
garantir bons prognósticos futuros de desempenho no trabalho (GONDIN,
BRAIN E CHAVES, 2003, p.138).
3.1 A inserção da seleção de pessoal na psicologia brasileira
A atividade de seleção de pessoal é recorrente ao longo da trajetória
histórica dos psicólogos brasileiros em sua inserção nos espaços de trabalho. Em
geral, esta representa uma das primeiras atividades demandadas pelas
organizações quando da contratação de um psicólogo ou de uma consultoria em
psicologia organizacional e do trabalho. Segundo Zanelli e Bastos (2004), até as
décadas intermediárias do século XX, as atividades de grande parcela dos
profissionais de psicologia se restringiam ao recrutamento e seleção. Apesar de
haver uma paulatina ampliação no escopo de atuação dos psicólogos, segundo os
47
autores, ainda nos dias atuais se constata uma identificação de atuação profissional
voltada a esta atividade.
A psicologia aplicada ao trabalho implementa suas primeiras ações no Brasil
ainda na época da República Velha (1889-1930), quando começam a ser utilizados
conhecimentos e práticas considerados próprios da psicologia – com destaque para
os testes psicológicos (ESCH e JACÓ-VILELA, 2001). É a partir dos anos 1930,
principalmente após a Revolução de 1930, que o Brasil inicia seu processo de
industrialização e passa a incorporar, no campo trabalhista, algumas idéias centrais
da chamada organização científica do trabalho: otimização do trabalho e eficiência
no processo educacional. O sistema dominado pelo latifúndio rural cede espaço ao
desenvolvimento de um sistema de produção industrial, dando início aos primeiros
trabalhos de psicotécnica, período considerado fundamental para o desenvolvimento
industrial do país (BERNARDES, 2004).
Conforme Antunes (2001), a experiência pioneira na utilização de testes com
a finalidade de seleção ocorreu em 1924, em São Paulo, sob a coordenação do
engenheiro suíço Roberto Mange. O movimento dos testes se caracterizou pela
utilização de instrumentos, em sua maioria vindos de outros países, como meios
para orientação vocacional, mas, principalmente para seleção de pessoal.
Objetivava-se o melhor aproveitamento do “motor humano” ao trabalho, assim como
evitar o desperdício que uma “escolha mal feita” poderia gerar. Segundo Mange
(1926):
Pagamos preços elevados a indivíduos mal preparados e pouco aptos ao
ofício que desempenham, eternamente descontentes de suas funções e,
portanto, pouco estáveis, que não assumem responsabilidade de ofício, por
ser ele transitório ou ocasional, e, mais, facilmente acessíveis a tendências
sociais desorganizadoras. Ora, se nesse conjunto heterogêneo de
elementos que labutam a esmo, sem orientação, conseguíssemos canalizar
48
grupos de aptidões homogêneas, tendo cada um seu objetivo delineado,
surgiriam correntes determinadas para um dado ofício (p. 3).
Ademais, a autora cita Waclaw Radecki (1887-1953), psicólogo polonês,
como outra importante referência para a instauração da atividade de seleção de
pessoal. Radecki fundou o Laboratório de Psicologia, situado na Colônia de
Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde coordenou, dentre
diversos projetos, pesquisas sobre os processos de seleção de aviadores para a
aviação militar.
De acordo com Walther (1963), a seleção de pessoal se tornou uma
preocupação dos especialistas em administração quando estes perceberam que, ao
contrário da crença de que em um futuro breve a mão-de-obra humana seria
completamente substituída pela maquinaria, sempre haveria a necessidade de um
ser humano no controle dos processos produtivos, por mais tecnologia e automação
que tivesse. Este autor é considerado por Antunes (2001) uma grande influência
sobre o modelo de seleção adotado pelo empresariado brasileiro da década de
vinte, pois suas conferências sobre psicotécnica serviram de instrumental para a
materialização das finalidades enunciadas pela Administração Científica,
conquistando a aderência de um grupo de pesquisadores interessados na temática.
A solidificação da atividade de seleção de pessoal contou, também, com a
contribuição do neurologista e psiquiatra Ulysses Pernambuco, que criou o Instituto
de Psicologia de Pernambuco. A partir de 1929, este instituto passou a ser
denominado Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Pernambuco,
correspondendo a uma organização responsável pela produção de numerosas
pesquisas (ESCH e JACÓ-VILELA, 2001).
49
Zanelli e Bastos (2004) apontam a importância histórica do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT). Criado em 1930, o IDORT surgiu para
atender a uma expectativa de treinar profissionais para realizar exames
psicotécnicos (em geral, engenheiros dedicados aos problemas de ajustamento
humano no trabalho), passando a ter considerável penetração nas empresas. Ainda
conforme os autores, instituições como o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção de
Pessoal, o Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e Serviço Nacional do Comércio
(SENAC), dentre outras, são consideradas importantes referências para o
desenvolvimento da área. Em sua grande maioria, as demandas destas instituições
correspondiam a questões da adaptação do homem ao trabalho e a centros
psicotécnicos voltados à seleção de pessoal.
A partir de fins da década de quarenta, Mira y López, fundador e diretor do
Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas,
promoveu o definitivo impulso aos chamados psicotécnicos no Brasil (ESCH e
JACÓ-VILELA, 2001). Criado em 1947, o ISOP funcionava como laboratório, escola
e centro irradiador de produção psicológica, ampliando o espectro de aplicações e
de derivações tecnológicas da área. Auxiliava os profissionais de seleção de pessoal
a elaborarem soluções práticas, eficazes e úteis de ajustamento dos homens aos
problemas advindos de uma sociedade em vias de modernização.
De acordo com Bernardes (2004), a literatura sobre a história da psicologia é
repleta de informações sobre o ISOP, considerado um ícone no surgimento da
psicologia no Brasil. Esta instituição é representante da industrialização que se
aliava a mecanismos científicos (racionais-positivistas) para maior eficácia de
controle frente a organizações de trabalho, sendo descrita por Lourenço Filho da
seguinte forma:
50
O ISOP, que é a mais ampla organização até agora criada no Brasil no
domínio da orientação e seleção, possui duas dezenas de técnicos e
auxiliares (obviamente, à época em que redigiu seu texto eram duas
dezenas), entre médicos, psicologistas e estatísticos, e está aberto ao
público para exame de orientação educacional e profissional; realiza, à
requisição de empresas, serviços de seleção de pessoal, e vem-se
incumbindo dos exames psicotécnicos dos condutores de veículos do Rio
de Janeiro (LOURENÇO FILHO apud PENNA, 1999, p. 227).
Com o progresso industrial iniciado no governo Vargas (1930-1945), a
preocupação com o fator humano se intensifica, tanto no que diz respeito ao
desenvolvimento de aptidões, quanto ao aprimoramento técnico do indivíduo.
Identificar atributos e características individuais supostamente constitutivos de uma
certa individualidade, utilizando instrumentos psicométricos e, posteriormente,
técnicas relacionais – entrevistas e dinâmicas de grupos – configurava os
procedimentos capazes de correlacionar os traços psicológicos aos postos
industriais de trabalho (DIAS, 2001).
Nos espaços produtivos, a psicologia expande suas atividades
acompanhando as prerrogativas ditadas pelas escolas administrativas. A partir das
décadas de 1970, com base nos pressupostos da Escola Sistêmica, o então
chamado psicólogo organizacional passa a ocupar uma posição de maior destaque
junto ao staff organizacional. Será também neste período que o país recebe a
influência das formas modernas de administração trazidas pelas multinacionais, que
a partir da década de setenta dominam o cenário nacional (FURTADO, 2003).
Em meados da década de noventa, com a ênfase se deslocando do capital
financeiro para o capital intelectual na chamada “Era do Conhecimento”, segundo
Goulart (2002), emerge uma nova demanda para a administração de recursos
humanos: transformar o ser humano em recurso estratégico. A seleção de pessoal
direciona seu foco de análise para as competências interpessoais dos trabalhadores
(SARSUR, 2004). No atual contexto de trabalho brasileiro, as configurações que as
51
atividades de recrutamento e seleção vêm assumindo se caracterizam fortemente
pela terceirização por parte das empresas. Esta realidade acarreta um crescimento
bastante intenso no número de consultorias ou pequenas empresas prestadoras de
serviços que agregam psicólogos autônomos ou contratados (ZANELLI e BASTOS,
2004).
Diante das atuais exigências demandadas nos processos seletivos, Grisci e
Carvalho (2004) chamam a atenção para o fato de que estas podem afetar os estilos
de vida das sociedades. Na posição de candidatos, os trabalhadores são invadidos
pelas diversas informações sobre a melhor forma de comportamento quando
avaliados. Estes são levados a buscar, na imitação do comportamento do outro e na
autopublicidade, uma forma de controlar o impacto que causam nos outros através
do gerenciamento de impressões, objetivando uma maior chance de sobrevivência
diante das mudanças constantes e velozes. Entretanto, tal postura, fomentada pelas
leituras de auto-ajuda profissional consumidas e propagadas por estes profissionais
podem transformá-los em “sujeitos camaleônicos” e adaptáveis às demandas do
mercado.
Pesquisas de autores como Bastos e Galvão-Martins (1990) apontam que,
dentro da área da psicologia organizacional e do trabalho, uma posição de menor
valor é atribuída à atividade de seleção de pessoal. Ao investigar o modelo de
atuação do psicólogo organizacional e do trabalho no Brasil, estes autores
constataram que as atividades que representam instâncias decisórias e estratégicas
nas organizações são as que permitem contribuir para a produção teórica sobre o
comportamento humano no contexto organizacional e diagnosticar problemas
organizacionais relativos aos recursos humanos. A seleção de pessoal é
52
caracterizada como atividade relativa à área tático-operacional e não estratégica e,
portanto, goza de menor prestígio.
Tal questão suscita divergências nas posições de autores desta área de
estudo. Por um lado, afirma-se que a seleção de pessoal não corresponde à tomada
de decisão sobre a contratação de funcionários, pois apenas assessora e
recomenda, sendo a palavra final sempre da gerência requisitante da vaga. Por
outro lado, pode assumir um papel estratégico, uma vez que atua na cultura
organizacional e permite corrigir distorções, renovar valores e interferir na
produtividade, na eficácia e na saúde organizacional (ABRH-RS, 2004). No entanto,
aparenta ser consenso no universo corporativo o fato de que a seleção de pessoal é
uma das atividades reconhecidas e legitimadas como pertinente ao exercício da
prática psicológica e que pode ser uma ferramenta de apoio às organizações.
53
4. SITUANDO A PESQUISA: os pressupostos metodológicos
O método de pesquisa é considerado como um dos mais importantes fatores
que envolvem o percurso da construção do conhecimento. Além de representar as
questões teóricas e metodológicas que norteiam o pensamento do pesquisador, ele
evidencia, ainda, de que forma as preocupações sociais são expostas no estudo e
qual a perspectiva política frente à ciência e à sociedade. Segundo Frigotto (1989):
(...) o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de
vida em seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao
método. Este se constitui numa espécie de mediação no processo de
aprender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e a
transformação dos fenômenos sociais (p.77).
Dentre as diversas possibilidades existentes no campo das Ciências Sociais,
parte-se da premissa de que as sociedades humanas existem num certo tempo e
espaço e os grupos sociais que as constituem são mutáveis, portanto, tudo
(instituições, leis, visões de mundo) é provisório, passageiro, está em constante
dinamismo e é potencialmente transformável (MINAYO, 2004). Tal concepção
pressupõe que o ato de pesquisar implica a existência de uma gama de olhares
direcionados conforme a ótica do pesquisador. Conseqüentemente, este olhar trará
consigo componentes valorativos como interesses, ideais e crenças, contrariando
54
qualquer intenção de neutralidade e distanciamento do objeto de estudo. A produção
de conhecimento, nessa direção, é gerada num movimento compreendido como
afetivo, ético-político, simbólico e dialógico na relação com o pesquisar, pois, ao não
se distanciar o pesquisador do pesquisado, evita-se uma atitude de coisificação de
quem ou do que está sendo pesquisado. Assim sendo, esta dissertação pretende
empreender uma reflexão para além da constatação de uma realidade previamente
posta na naturalidade dos fatos; afinal, como bem refere Minayo (2004), os
pesquisadores são também dialeticamente autores e frutos do seu próprio tempo
histórico.
Ao problematizar as experiências e vivências que emergem de uma prática
legitimada dentro do campo de conhecimento da psicologia, como é o caso da
seleção de pessoal, adentra-se em um universo polissêmico e repleto de
tensionamentos, que invariavelmente estarão retratados ao longo da pesquisa. Para
tanto, adotou-se uma abordagem de pesquisa qualitativa, que tem como universo
investigativo os significados, os valores e as ações dos indivíduos, expressos
mediante relações que conformam uma dada sociedade.
4.1 As participantes da pesquisa
Na presente pesquisa, chegou-se a um total de dez participantes, constituído
por psicólogas organizacionais e do trabalho que realizam seleção de pessoal para
postos de trabalho, podendo ser esta a sua atividade exclusiva, ou corresponder a
apenas uma das funções que permeiam sua prática profissional. É importante
55
ressaltar que não houve, por parte da pesquisadora, qualquer restrição referente ao
gênero das participantes; no entanto, o recorte deste estudo caracterizou-se pela
predominância integral do sexo feminino. Tal fato confirma uma tendência da área
da psicologia, reconhecida como uma profissão essencialmente feminina. No estado
do Rio Grande do Sul, os dados fornecidos pelo Conselho Regional de Psicologia
(CRPRS) revelam que, no ano de 2005, um percentual de 91,54% dos 11.100
psicólogos ativos cadastrados no referido órgão, eram do sexo feminino.
Quanto à decisão de interrupção das entrevistas ao fim de dez depoimentos,
a referência baseou-se nos parâmetros apontados por Minayo (2004), que
considera, dentre outros fatores, que o número suficiente de entrevistas deve
permitir uma certa reincidência de informações (saturação), porém sem desprezar
informações ímpares; que o conjunto de informantes deve ser diversificado para
possibilitar a apreensão das semelhanças e diferenças e, por fim, que as
informações devem conter o conjunto de experiências e expressões que se pretende
objetivar no estudo.
Devido à facilidade de acesso entre pesquisadora e participantes, bem como
pela grande concentração de psicólogos gaúchos na região metropolitana de Porto
Alegre
19
, optou-se por este contexto como realidade social pesquisada. Considerou-
se, ainda, que nesta região há um maior agrupamento de empresas, aumentando as
possibilidades de encontrar psicólogos exercendo a atividade de seleção de pessoal.
56
4.2 Levantamento das informações
O primeiro passo na entrada em campo foi o estabelecimento de contato
com participantes em potencial, que foram inicialmente indicadas através da rede de
relacionamento da pesquisadora. O procedimento adotado para a captação das
participantes é conhecido como “bola-de-neve” (TURATO, 2003), onde o participante
indica um novo sujeito a pedido do pesquisador, até que se conclua o processo.
A partir de um contato telefônico, quando já eram estabelecidas as primeiras
apresentações e a proposta da pesquisa, marcava-se o encontro entre a participante
e a pesquisadora. Por solicitação das participantes, os encontros se deram,
predominantemente, em seus locais de trabalho.
A entrevista iniciava com a exposição dos objetivos e procedimentos,
seguida do pedido de autorização para a utilização de um gravador, a fim de
registrar o depoimento. A pesquisadora solicitava, ainda, a leitura e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE).
Na escolha da técnica de levantamento de informações, optou-se pela
entrevista semi-estruturada, conceituada por Minayo (2004, p.108) como aquela que
“combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de
discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições pré-fixadas pelo
pesquisador”. Compreende-se que esta forma de entrevista possibilita uma
conversação mais informal, proporcionando maior liberdade ao informante. A
19
Conforme informação disponível no site do CRPRS (http://www.crp07.org.br), atualizada até
20/11/2005, do total de psicólogos registrados neste Conselho, 46,82% residem na cidade de Porto
Alegre.
57
duração aproximada das entrevistas foi de quarenta e cinco a cento e vinte minutos,
abordando-se os seguintes tópicos:
- trajetória acadêmica e ingresso profissional;
- inserção da seleção de pessoal na carreira;
- critérios que pautam a seleção de pessoal;
- técnicas utilizadas na seleção de pessoal;
- justificativas para a prática da seleção de pessoal;
- vivências da atividade de selecionar pessoas.
Por fim, a pesquisadora enviou o material das entrevistas transcrito para o
correio eletrônico das informantes, a fim de que pudessem ter contato com seu
depoimento e fazer as alterações que considerassem necessárias.
4.3 Procedimentos para a análise das informações
O procedimento para a análise das informações envolveu a escuta das fitas
das entrevistas gravadas, transcrição e leitura do material. A leitura do material é
considerada como uma pré-análise, pois é quando se estabelece um primeiro
contato com o texto, deixando-se invadir por impressões e orientações (BARDIN,
1995).
Enquanto técnica de análise das informações, optou-se pela utilização da
análise de conteúdo. De acordo com Bardin (1995), a análise de conteúdo é definida
como um conjunto de instrumentos metodológicos em aperfeiçoamento, aplicáveis a
58
discursos diversificados que têm em comum uma hermenêutica controlada e baseada
na indução e na inferência. Para Gonzalez Rey (1997), dentre as diversas formas de
fazer análise de conteúdo, há uma perspectiva compreendida como crítica e
contextualizada, portanto, concebível dentro de uma perspectiva histórico-cultural.
Tal procedimento possibilita uma análise criteriosa, com rigor analítico pautado nos
objetivos da investigação, permitindo aprofundar os depoimentos construídos pelos
sujeitos, tanto em seus aspectos objetivos como subjetivos. O autor assinala que,
através desta análise de conteúdo, constitui-se a construção de identificadores e
unidades de sentido que possibilitam ao investigador compreender e analisar o
processo de construção do sujeito, bem como as significações e re-significações de
suas vivências e do contexto em que está inserido a partir das suas formas de
expressão.
Guiando-se em tais orientações, complementadas pela perspectiva de Turato
(2003), que considera a importância de elaborar uma discussão e inferência a partir
das informações trabalhadas, buscou-se avançar para além de um estágio
meramente descritivo, o que remeteu a pesquisadora a um percurso bastante
intuitivo e analítico. Para tanto, organizaram-se os dados provenientes dos
depoimentos, levando-se em consideração o fluxo de relações encadeadas entre si.
As narrativas foram divididas por temáticas consideradas relevantes no estudo,
realizando-se a identificação de unidades de registro conforme os temas e subtemas
que as abrangiam.
Esta fase consiste na classificação dos elementos constitutivos de um
conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento, pautando-se nos
critérios de repetição e de relevância (BARDIN, 1995). O critério de repetição é
definido como a atividade de distinguir e colocar em destaque as falas reincidentes,
59
considerando-se o todo das falas emergentes no depoimento da pessoa. O critério
da relevância trata de considerar em destaque um ponto falado sem que
necessariamente apresente certa repetição no conjunto do material, mas que na
ótica do pesquisador se constitua em uma fala significativa. A subtematização, por
sua vez, é entendida como o procedimento de pôr em destaque, dentro de um
grande tópico (o tema), outros tópicos particulares que merecem discussão em
relevo, porém, que guardam certa dependência temática em relação a um amplo
tópico categorizado.
Apesar de os depoimentos das participantes revelarem uma gama bastante
ampla de informações, os temas foram sintetizados a partir de um foco de análise
considerado coerente com os objetivos do estudo, conforme quadro a seguir:
TEMÁTICA
TEMAS
SUBTEMAS
Trajetória acadêmica e
profissional
Formação
Ingresso no mercado de trabalho
Atividades atuais
Perspectivas de futuro
Pós-graduação
Prática da seleção de
pessoal
Justificativas da seleção como atividade
da psicologia
Critérios de seleção
Modalidades de seleção
Critérios objetivos
20
Critérios “subjetivos”
Vivência em seleção de
pessoal
Prazer/sofrimento
Análise do contexto de trabalho
Em seguida, foram elaborados dez quadros referentes à análise dos
depoimentos de cada uma das participantes. Estes quadros foram posteriormente
20
Os vocábulos objetivos e subjetivos para qualificar os critérios de seleção foram empregados pelas
depoentes ao se referirem a aspectos como idade, escolaridade, estabilidade, aparência; ou aspectos
não visíveis, inferidos ou identificados através do feeling.
60
reunidos e organizados de acordo com os temas gerados, conforme exemplo a
seguir
21
:
TEMÁTICA: Prática da seleção de pessoal
TEMA: Critérios de seleção
SUBTEMA: Critérios objetivos
Ana: E... assim, eu pensei, ta, essa da fisioterapia, esquece, porque ela não ta na área dela. E o
que é que ela vai poder agregar de diferente pra nós? Só se alguém se machucar depois de um
jogo. A guria falava super bem, super inteligente, uma guria assim que dá vontade de ta junto, e tu
vê que a guria é esperta, mas ela não ia trazer coisas novas.
Beatriz: É, porque, vêm pessoas com nível de escolaridade baixa, com nível de formação baixa,
né, de experiência (...), então, a inclusão dessas pessoas nem sempre é possível, né, de acordo
com os critérios da instituição.
Cláudia: (...) busco sempre na entrevista, assim, saber um pouco das experiências anteriores, o
tempo que ficou, o quê que fazia, hierarquia, se trabalhava com outras pessoas ou não
trabalhava, em termos de relacionamento, último salário né, a faixa salarial da pessoa, por quê
que saiu, o motivo da saída, um pouco da estrutura familiar do candidato, se é casado, se não é,
se tem filhos, quantos anos, o quê que as pessoas fazem na família, aonde que mora, com quem
mora.
Débora: A gente faz uma avaliação baseada nesses critérios que eu te falei. Assim, na
experiência profissional dele, na atuação que ele teve como operador de máquinas, se tem algum
curso técnico, a estabilidade também é importante. Isso pra operador, no caso de auxiliar de
fábrica, que é um profissional que não precisa ter experiência, né, basta ele ter vontade,
motivação pra aprender, aí a gente costuma pegar pessoal que é mais jovem e que tem uma
tendência a identificação com o trabalho em metalúrgica.
Edith: Uma empresa ta abrindo um joint venture na China e por isso que tavam precisando de um
profissional, que precisaria ser da área de engenharia, pra fazer toda a análise de projetos que vai
ta sendo colocado lá. Mas pra isso ele vai precisar saber o mandarim, né. E porque ele vai ter que
trabalhar, né, China-Brasil, assim, fazer toda a questão desse negócio que ta sendo ampliado e
tal. E aí a gente tem que ir atrás dessa pessoa. Né, onde achar um chinês, engenheiro,
provavelmente vai ter que ser um chinês, porque brasileiro, daí a gente viu que pra aprender o
mandarim, não é assim, né!
Fabiana: Eu sinto uma necessidade muito grande hoje com relação à educação básica, pra
pessoas capazes de uma postura ou um comportamento, uma atitude adequada ao ambiente de
trabalho. Seja pela forma como se veste, pela forma como fala, como se porta, né, que são as
questões mais visíveis no processo, que é o teu primeiro contato com esse entrevistado.
Graziela: Nós temos um perfil na verdade que nos dá um amparo assim daquilo que a gente ta
buscando num candidato. Invariavelmente assim, são questões mais vinculadas à tarefa, né,
como que ele vai poder realizar melhor aquela atividade, então, são avaliados itens do tipo,
competências, né, como atenção, concentração, a memória visual daquele candidato, né, a forma
como ele, ãh, o raciocínio lógico que ele tenha né, pra alguma atividade numérica, dependendo da
função. E toda uma questão de habilidades comportamentais, digamos assim.
Helena: Normalmente, o meu critério, assim, pra não ser injusta, ou menos injusta possível,
normalmente o meu critério é pelas questões técnicas. Ta, eu pego assim, os melhores, o quê que
acontece? (...) Quando eu acho que ta muito equivalente, assim, ta muito parecido, e eu tenho
pessoas com perfis muito distintos, personalidades, eu coloco todos. Eu prefiro pecar pelo
excesso. Quando eu acho que as pessoas estão muito parelhas, assim, eu escolho, eu acabo
escolhendo, assim, identifico um ou outro, se eu acho que o gestor não bateu aí eu puxo de volta
quem eu não trouxe no primeiro momento (...)
21
Os nomes das participantes ilustrados no quadro são fictícios.
61
Ivone: (...) aí então se traça um perfil, se vê, se coisas, do meu ponto de vista, assim, acho que
se a pessoa já fez um concurso público, ela fez uma série de provas, ela vai ter um estágio pra
ver se ela vai poder, um estágio de treinamento pra ver assim se ela vai poder exercer a função,
então, a minha avaliação é que, se ela não tem nenhuma coisa que vá colocar em risco a vida
dela, por ta trabalhando na companhia, por exemplo, com eletricidade, que ela pode colocar ela
ou alguém em risco, que ela não tem nenhum indício de uma perturbação mental que em algum
momento possa trazer sérias dificuldades pra ela na equipe ou na execução (...)
Joana: O perfil da pessoa, né, quer dizer, potencialidade, né, quer dizer, daqui a pouco tu não
tem aquela habilidade ainda, mas tu tem potencial pra estar desenvolvendo ela, né. Por exemplo,
perfil comercial, onde a pessoa tem que ter habilidade de comunicação, né, isso é uma habilidade
de comunicação, uma habilidade, um jogo de cintura pra estar se relacionando com o público,
daqui a pouco, de uma classe mais inferior. E daí ta podendo fluir e poder também manter uma
postura pra ta atendendo um público de uma classe econômica mais superior, enfim, né.
Dependendo da exigência da vaga, assim (...)
Ressalta-se que a lista de temas categorizados extraídos do levantamento
qualitativo constitui um “achado mudo”, cabendo ao pesquisador fazer a discussão e
interpretação destes resultados (TURATO, 2003).
62
5. EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS EM SELEÇÃO DE PESSOAL
Segundo Furtado (2003, p.232), se de um lado existe a construção social da
realidade “como expressão das dimensões subjetivas dos sujeitos da cultura”, de
outro, tem-se as várias formas de apropriação e de intervenção do próprio sujeito
através das formas como cada um codifica o repertório cultural construído
coletivamente. O autor refere que:
o sentido pessoal constitui-se como relação dialética que reflete as
contradições e os ocultamentos impostos pela dimensão subjetiva da
realidade (fruto da forma concreta como se organiza materialmente a
sociedade) e representa a forma singular de apropriação do sujeito e
decodificação da realidade a partir de uma determinada referência social,
institucional e ideológica (FURTADO, 2003, p.232).
Nessa perspectiva, o presente capítulo expõe o sentido pessoal que
psicólogas organizacionais e do trabalho atribuem às suas experiências e vivências
na atividade de selecionar pessoas. Propõem-se compreensões acerca de como as
participantes avaliam o atual cenário de trabalho onde realizam suas práticas
profissionais, as trajetórias construídas na área da psicologia organizacional e do
trabalho, suas experiências e modalidades de seleção de pessoal e as vivências
advindas do exercício dessas atividades.
63
5.1 Situando o cenário: o desemprego como emblema social
As perspectivas das participantes acerca do atual cenário de trabalho
apontam para algumas regularidades. Todas compreendem que atualmente o
processo de seleção se faz em um contexto caracterizado pelo enxugamento nos
postos de trabalho e, conseqüentemente, pelo desemprego. Portanto, um número
elevado de candidatos disputa as vagas oferecidas no mercado. Muitas
selecionadoras avaliam que este fenômeno não atinge apenas uma parcela
específica da população, mas abrange todas as camadas sociais, denotando uma
problemática de âmbito estrutural no mundo e no Brasil em particular:
“Acho bem difícil. Porque não é só uma questão de qualificação hoje em
dia, no meu ponto de vista, desemprego é uma coisa que ta aí até pra gente
boa, sabe. A impressão que eu tenho é que não tem lugar mesmo. É uma
coisa que é difícil assim. É um mundo cão mesmo assim sabe. Acho que
não é só por falta de competência.” (Ana)
“Então, nós continuamos com a mesma procura de pessoas, mas o número
de vagas reduziu drasticamente.” (Beatriz)
“Até porque cada vez mais se seleciona menos pessoas, e surgem cada vez
mais candidatos, e as vagas cada vez diminuem mais. Isso é fato, né. E a
peneira é bem, cada vez mais seletiva, né.” (Débora)
Entretanto, o enxugamento nos postos de trabalho não é uma regra para
todos os segmentos produtivos. Fatores políticos e econômicos são avaliados como
determinantes das flutuações do desemprego de acordo com os diferentes ramos de
atuação:
“Acho que pra algumas empresas, alguns segmentos, a questão econômica,
questão política favoreceu, e elas estão ampliando, estão crescendo, e as
oportunidades estão acontecendo. Nem todos os segmentos tiveram essa
situação. Saúde sempre vai ser uma necessidade, independente da
situação política ou econômica.” (Fabiana)
“Se o dólar sobe, isso impacta terrivelmente, se a empresa vive do mercado
interno, ou vive do mercado externo também, isso tem um impacto muito
grande sobre as organizações...” (Helena)
64
Por outro lado, a responsabilidade pela manutenção do emprego é atribuída
em grande parte, a cada trabalhador:
“Na realidade, se manter numa empresa eu acho um processo de escolha.
Eu não acho que a empresa escolha a minha saída, salvo situações
financeiras, né que realmente não partem de mim. Mas se é uma situação
de desempenho, de performance, de comportamento, de comprometimento.
Quem escolhe sair sempre é o profissional. Ele de uma forma ou de outra
promove essa situação.” (Fabiana)
Embora o reconhecimento dos determinantes sociais, a responsabilização
do trabalhador, seja no processo de seleção, seja no processo de se manter no
emprego, revela o caráter individualizador presente na compreensão das
selecionadoras.
A informalidade é referida como uma das alternativas de sustento dos
sujeitos que não conseguem se inserir (ou se adaptar) nas organizações regidas por
contratos de trabalho:
“E eu vejo também muito trabalho informal, tipo como o meu, assim, que as
pessoas não têm garantias, não têm uma segurança, um, sabe, então acho
que isso é uma das coisas ruins também.” (Cláudia)
“Mas na empresa, o que acontece é uma realidade nua e crua né Ticiana,
se as pessoas não conseguem entrar nesse compasso, elas ficam
excluídas, o mercado exclui elas do processo do trabalho e elas vão para a
informalidade.” (Helena)
O ritmo das transformações do mundo do trabalho impõe uma necessidade
de constantes atualizações técnicas e comportamentais por parte dos profissionais.
No entanto, este nível de exigência pode ser inatingível para grande parte dos
trabalhadores. Além disso, ao se depararem com um mercado de trabalho incerto e
instável, muitos sujeitos não conseguem se ajustar ao ritmo e se tornam
especialmente susceptíveis ao desemprego:
“Porque se distanciaram muito desse processo, ou porque não tiveram
oportunidade para se qualificar, porque a qualificação é cara, o nosso
sistema social é injusto. E as pessoas não conseguem ter a qualificação
mínima, portanto ficam alijadas do processo. Ou porque tem um perfil
65
pessoal complicado, difícil, são mais duras, mais rígidas e não vêm as
oportunidades.” (Helena)
Uma outra característica do cenário atual em que se opera a seleção de
pessoal é a urgência e a velocidade na contratação e na adaptação do trabalhador
ao cargo. Tal característica demanda processos cada vez mais rápidos de seleção,
especialmente no nível operacional, bem como uma busca por candidatos que não
requeiram investimentos em qualificação:
“Como as empresas vivem um mercado muito turbulento, quer dizer, a
mudança ela é constante hoje. O quê hoje ta bem no mercado, amanhã não
ta. Então elas não têm muita tolerância, a gente vê isso, eu vivi em
diferentes empresas, de serviços, de manufatura, de TI, e só muda de
endereço. (...) e a salvação que se percebe é trazer alguém pronto, e esse
pronto não vem, também, né, ou vem numa escala muito menor do que
poderia.” (Helena)
As participantes compreendem, ainda, que as mudanças organizacionais em
ritmo acelerado repercutem numa superfluidade dos processos e numa imposição
deste mesmo ritmo aos trabalhadores. A necessidade de aderência à flexibilidade e
à velocidade das mudanças exige profissionais versáteis e que não demandem tanto
tempo de adaptação às organizações:
“É um click, já ta aqui pronto, né, essa velocidade com que as coisas estão
acontecendo. E as pessoas tão perdendo a noção de que são pessoas, de
que precisam tempo, as pessoas precisam se acostumar com a empresa,
com o ambiente, com a função, com a atividade e que isso leva um tempo.
E a exigência ta muito grande.” (Cláudia)
Diante de um contexto de trabalho de tantas incertezas, um dos fatores de
inclusão dos profissionais no mercado é atribuído à sorte:
“Acho que vem a questão sorte. Muito, assim. Principalmente se a gente ta
falando de níveis mais altos, de nível superior, de quem tu conhece, isso
determina sabe. Se tu é uma pessoa, bem nascida eu não digo, mas bem
relacionada, isso determina tudo. Não é só tu ser competente.” (Ana)
Reforça-se a crença de que a responsabilidade recai no indivíduo, seja
através de mecanismos que ele mesmo controla, ou mecanismos que fogem do seu
controle.
66
As participantes revelam a consciência de que a necessidade de manter a
subsistência faz com que os sujeitos busquem qualquer posto de trabalho, até
mesmo os que não condigam com sua qualificação ou seu plano de carreira:
“Que a realidade é essa, então a gente tem visto assim, as pessoas cada
vez mais profissionalizadas, com um grau de formação maior, mais
instrumentalizadas, se sujeitando a buscar vagas até de menor qualificação,
em função do desemprego.” (Graziela)
“Não sei se o meu olhar ta mais afinado pra isso e antes eu não me dava
conta, mas por essa relação de mercado, ‘eu tenho que conseguir um
emprego, eu tenho que conseguir uma remuneração’, e esquecendo de
tudo aquilo que as move pra estar bem numa relação de trabalho.” (Ivone)
Apesar das repercussões do desemprego e da competitividade exacerbada
no cenário de trabalho, a atividade de seleção de pessoal é compreendida como
uma importante forma de seguir auxiliando os processos organizacionais na busca
por maior coesão entre o profissional e a sua carreira, bem como entre a empresa e
os profissionais que constituem seu corpo de efetivos. Ao mesmo tempo em que
reconhecem a exigência de processos seletivos cada vez mais rápidos, também
avaliam que há uma conscientização por parte do mundo do trabalho da
necessidade de investir em processos seletivos qualificados, o que pode demandar
um tempo maior:
“Então cada vez mais as empresas estão investindo em qualificar os
processos seletivos, porque se sabe que a qualidade do processo seletivo
vai ter a conseqüência do resultado esperado que ele tinha naquele
processo. (...) Então cada vez mais as empresas se preocupam em fazer
processos mais longos, com maior qualidade, com o maior conjunto de
ferramentas possíveis, pra poder ter mais assertividade e poder ganhar
mais nas contratações.” (Helena)
5.2 Situando os atores: o perfil
22
das selecionadoras e dos selecionáveis
As participantes depoentes têm idades entre 27 e 37 anos, confirmando a
tendência revelada pela última pesquisa oficial
23
realizada sobre a classe de
67
psicólogos, que, embora traga informações da década de oitenta, ainda é
considerada uma referência sobre o perfil do psicólogo brasileiro. A estimativa é de
que 74,7% dos psicólogos gaúchos se encontrem na faixa etária de 22 a 39 anos.
De acordo com Rosas, Rosas e Xavier (1988), a psicologia é uma profissão jovem,
conduzida por profissionais jovens, o que lhe garante um contínuo processo de
renovação.
As participantes cursaram psicologia nas seguintes universidades: UFRGS -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UNISINOS - Universidade do Vale do
Rio dos Sinos, ULBRA - Universidade Luterana do Brasil e, a grande maioria, titulou-
se na PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Este dado
aponta para uma característica da formação em psicologia: seu caráter
predominantemente privado. Além disso, o enfoque curricular das instituições de
ensino particular quando comparado à proposta curricular da universidade pública
(UFRGS), prioriza temas como práticas de gestão em recursos humanos, incluindo
seleção de pessoal na formação. Apesar disso, todas as depoentes consideram a
formação recebida na área de psicologia organizacional e do trabalho como
insuficiente e sem priorizar a prática:
“Mas acho que falta isso assim, uma formação que nos dê uma formação
pra prática, uma formação para a atuação dentro das organizações. A gente
se distancia de como é que tu vai falar com o gerente, né, se tu não entende
o que ele ta falando, lá dos termos dele.” (Edith)
“A formação não prepara pra nada. A minha, o meu ponto de vista é esse. A
formação ela vai te dar o básico pra tu ir buscar, teoria é uma coisa, prática
é outra, é bem diferente assim.” (Joana)
A fim de complementar as lacunas da formação, as participantes recorrem a
diferentes cursos de pós-graduação. De uma forma geral, possuem cursos de
22
Embora a literatura faça referência a necessidades de substituir a noção de perfil pela noção de
competência, mantém-se o emprego do vocábulo perfil por ter sido empregado pelas depoentes.
68
aperfeiçoamento nas áreas de desenvolvimento de recursos humanos, psicologia
organizacional, dinâmica de grupo, MBA (Máster Business Administration) em
gestão de pessoas, e também formação na área clínica. Apenas uma participante
não possui nenhum tipo de pós-graduação. A recorrência a uma formação
complementar, conforme Langenbach e Negreiros (1988), é compreendida como
uma cultura incorporada pela classe dos psicólogos. Neste imaginário, a formação
complementar é percebida como indispensável desde os primeiros contatos do
estudante de psicologia com a profissão. Dentro dessa cultura, difunde-se, ainda,
que a formação do psicólogo é um processo em constante continuidade,
abrangendo necessariamente a perspectiva teórica, o tratamento pessoal e a
supervisão por um profissional mais experiente.
Referente à trajetória das participantes, constatou-se que, em sua maioria, o
início da atuação na psicologia organizacional e do trabalho acontece durante a
graduação, mais especificamente, antes mesmo do estágio obrigatório de final de
curso. Este vínculo possibilita obter uma remuneração em uma atividade relacionada
à psicologia, o que dificilmente acontece em outras áreas. Além disso, a
identificação com a área, considerada dinâmica e instigante, e o desejo de se
conhecer o “mundo do trabalho”, são também justificativas para o ingresso em
estágios extracurriculares:
“E daí eu comecei a fazer estágio, então... pra seleção, foi minha base.
Acho que foi super bom assim. Foi extracurricular, eu fazia de meio turno e
meio turno eu fazia faculdade.” (Cláudia)
“E meu primeiro contato real, concreto foi no terceiro, quarto semestre, que
eu resolvi fazer estágio voluntário pra conhecer um pouco do mundo do
trabalho.” (Helena)
23
Fonte: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo:
EDICON, 1988.
69
Em termos financeiros, esta é uma área considerada de retorno imediato.
Após o ingresso, as psicólogas não migraram para outras áreas, dando seguimento
a sua trajetória profissional na área de psicologia organizacional e do trabalho:
“E aí que eu vi que a possibilidade era maior de eu conseguir colocação
através da área organizacional. Aí, em seguida que eu me formei, uns dois
meses depois, comecei, consegui numa consultoria também, né? Fazendo a
área de seleção.” (Beatriz)
“Nessa empresa eu fiz meu estágio em organizacional, acadêmico, e ao
final eu fui efetivada e iniciei minha vida profissional. A minha vida
profissional teve um pouco de oportunidade, na realidade, pela escolha de
RH, né. Iniciei com recrutamento e seleção, fazia acompanhamento de
funcionários...” (Fabiana)
No que se refere à atividade atual das participantes, percebem-se diferenças
bastante significativas em relação à vinculação que mantêm com as empresas onde
atuam, conforme o quadro a seguir:
PARTICIPANTES
POR ORDEM DE
ENTREVISTA
a
EXPERIÊNCIA
EM SELEÇÃO
DE PESSOAL
b
VÍNCULO COM AS EMPRESAS
Ana 5 anos
Consultora
c
: mantém registro jurídico de consultoria. Atua no
local físico das empresas, onde mantém horários fixos de
atendimento durante a semana.
Beatriz 9 anos
Funcionária: possui vínculo empregatício (CLT)
d
em empresa
do ramo de serviços, onde trabalha em período integral.
Cláudia 5 anos
Consultora: trabalha como colaboradora em uma consultoria
de recursos humanos, sem vínculo empregatício, em período
integral.
Débora 8 anos
Consultora: mantém registro jurídico de consultoria. Atua no
local físico exclusivamente de uma indústria, onde mantém
horários fixos de atendimento durante a semana.
Edith 6 anos
Consultora: é sócia de uma consultoria de Headhunter (Caça
Talentos) que presta serviços para diversas empresas.
Fabiana 9 anos
Funcionária: possui vínculo empregatício (CLT) em empresa
do ramo de serviços, onde trabalha em período integral.
a
Os nomes seguem em ordem alfabética, conforme a seqüência das entrevistas.
b
Estimativa aproximada, que inclui como experiência a prática de seleção de pessoal realizada
também na condição de estagiária de psicologia.
c
Apesar de este termo suscitar divergências quanto à conceituação, optou-se por seu emprego com
a finalidade de manter fidelidade aos depoimentos das participantes no que se refere a sua forma de
vinculação profissional.
d
Consolidação das Leis do Trabalho.
70
Graziela 8 anos
Funcionária: possui vínculo empregatício (CLT) em empresa
pública do ramo de serviços, onde trabalha em período
integral.
Helena 16 anos
Funcionária: possui vínculo empregatício (CLT) em uma
indústria, onde trabalha durante período integral.
Ivone 7 anos
Consultora: mantém registro jurídico de consultoria. Possui
espaço físico próprio, mas também atua diretamente nos
espaços físicos das empresas. Realiza, ainda, exame
psicotécnico para concursos públicos.
Joana 1 ano
Funcionária: possui vínculo empregatício (CLT) em uma
consultoria de recursos humanos, onde trabalha em período
integral.
Ana, Débora e Ivone abriram registro de pessoa jurídica a fim de fornecer
recibo às empresas para as quais prestam serviços como consultoras de recursos
humanos. Para essas três psicólogas, a seleção de pessoal não é atividade
exclusiva, mas corresponde a uma parcela substancial da demanda de trabalho. Ana
e Ivone prestam serviços para diversas empresas, fazendo seleção tanto para
cargos mais operacionais como para cargos considerados intermediários. Paralelo a
isso, Ivone integra uma equipe de profissionais que realiza a etapa chamada de
“psicotécnico” em concursos públicos. Sem possuir vínculo com órgãos públicos,
Ivone realiza estes trabalhos quando convocada para algum processo por empresas
terceirizadas. Já Débora possui horários fixos exclusivamente em uma indústria,
onde permanece durante vinte horas semanais, realizando, entre outras atividades,
seleção para cargos majoritariamente operacionais, por ela nominados como “chão
de fábrica”.
Beatriz, Fabiana e Helena são psicólogas contratadas em empresas de
médio porte, possuindo registro na carteira de trabalho, salário e carga horária fixos,
cumprindo contrato conforme CLT. Caracterizam-se por possuírem uma demanda de
trabalho que não coloca a seleção de pessoal como atividade central, embora seja
cotidiana. As vagas dos processos seletivos variam entre cargos operacionais e
71
intermediários. Beatriz e Fabiana trabalham para empresas do ramo de serviços e
Helena para o ramo da indústria.
Cláudia é consultora em uma empresa de recursos humanos (ou agência de
empregos, conforme refere) que encaminha candidatos para as empresas
requisitantes. Estas empresas requisitantes são consideradas os clientes e são
responsáveis por pagar os processos seletivos. Cláudia não possui vínculo
empregatício, embora sua carga horária seja integral e a empresa lhe pague INSS,
salário mensal fixo, além de uma comissão. Para Cláudia, a seleção de pessoal
corresponde à atividade central de seu trabalho, sendo majoritariamente para cargos
intermediários, apesar de não excluir eventuais processos seletivos para cargos
operacionais.
Edith atua como consultora associada em uma consultoria especializada em
headhunter, ou seja, caça talentos. Esta empresa se propõe a selecionar candidatos
para cargos de alta gerência e executivos em nível de diretoria, considerados
estratégicos para as organizações. Conforme o relato de Edith, as seleções
realizadas por esta consultoria possuem um valor de mercado diferenciado, com um
percentual cobrado sobre a remuneração anual do cargo requisitado, o que
representa valores expressivos. Estas seleções possuem um tempo maior de
duração, podendo chegar a vários meses.
Graziela trabalha como funcionária em uma empresa pública do ramo de
serviços, onde coordena a área de desenvolvimento de pessoas, que absorve a área
de seleção e de treinamentos. As seleções que realiza possuem o formato de
concurso público, divulgadas através de editais oficiais.
72
Joana possui contrato de trabalho regido pela CLT, trabalhando em uma
consultoria que possui unidades em vários estados do país e no exterior. Esta
consultoria, chamada por Joana de agência de empregos, caracteriza-se pelo foco
em trabalho temporário e terceirização de mão-de-obra, atendendo à demanda de
seleções especialmente para cargos operacionais, possuindo uma padronização de
processos bastante característica. Diferentemente da empresa de headhunter,
privilegia a quantidade de processos seletivos, caracterizados por uma rapidez na
realização de todo o processo.
Constata-se, portanto, que todas têm a seleção de pessoal como atividade
cotidiana. Em alguns casos, é a única atividade exercida ou a atividade central.
Ademais, 50% das entrevistadas se apresentam como consultoras, o que é
ilustrativo de uma tendência da área no contexto atual.
A expectativa de futuro profissional das participantes inclui o projeto de
continuar atuando e se especializando na área de psicologia organizacional e do
trabalho. Em alguns casos, paralelamente a este plano há projetos de docência em
nível acadêmico. Entretanto, as psicólogas que possuem vínculo de consultoras
autônomas manifestam o desejo de obter uma colocação que lhes garanta os
direitos trabalhistas e uma maior estabilidade:
“Uma estabilidade maior, garantia de férias, fundo de garantia, décimo
terceiro, essas coisas assim, sabe? (...)
Mas é o que eu penso assim, uma
estrutura um pouco mais sólida, né, mais definida assim.” (Cláudia)
Apesar desta aspiração, justificam o atual modo de contratação
compreendendo que as empresas não possuem condições para manter uma
psicóloga no quadro de funcionários. Além disso, avaliam que tal posição lhes
permite uma possibilidade de melhores intervenções, uma vez que se mantém um
73
distanciamento dos processos internos da empresa, preservando uma suposta
neutralidade:
“É cada vez mais. Até porque as empresas têm dificuldade de absorver
como funcionário da empresa né. E eu acho que isso é bom pro profissional
também. Acho que trabalhar como consultora te dá uma liberdade maior,
né. Eu acho que o fato de tu não estar quarenta horas na empresa, tu não
ta institucionalizada. Tu pode sair e ter outras experiências, né.” (Débora)
A neutralidade foi uma característica fortemente vinculada à classificação da
psicologia como científica, na medida em que representa uma qualidade; também,
no caso da consultoria, tal neutralidade é um qualificativo para o trabalho realizado.
Graziela foi a única participante que manifestou o projeto de abandonar a
área de atuação em seleção de pessoal, chamando a atenção para o fato de ser
justamente a psicóloga que ocupa cargo público e possui certa estabilidade:
“Eu não sei se é o que eu quero ser, ta, eu acho que eu quero tomar um
outro rumo, como a gente conversou.” (Graziela)
Enfim, as participantes constituem um grupo de profissionais jovens, pós-
graduadas, que iniciaram a carreira em psicologia organizacional e do trabalho ainda
no período da graduação como forma de obter alguma remuneração em uma
atividade ligada à psicologia, e nunca abandonaram a área. Além disso, cinco
psicólogas possuem vínculo empregatício em seus locais de trabalho e as outras
cinco atuam como autônomas (ou consultoras) em organizações públicas e privadas.
Com relação ao perfil dos candidatos que se apresentam nos processos
seletivos, as participantes fazem algumas considerações sobre o que se poderia
denominar de perfil dos desempregados. Segundo seus depoimentos, alguns grupos
de pessoas são considerados potencialmente mais susceptíveis ao desemprego,
como os jovens, pela falta de experiência, e os mais velhos, por possuírem
74
experiências nas atividades inferiores da estrutura ocupacional das empresas e pela
desatualizarão frente às novas demandas de trabalho:
“Pessoas de mais idade, que são excluídas e não têm oportunidade, as
empresas não dão oportunidade. Muita gente jovem também, que por não
ter experiência, não tem oportunidade.” (Débora)
“Eu acho que tem dois grupos que tão sendo, nesse momento, essa
questão de emprego, tão sofrendo mais: os muito jovens, que não
conseguem ingressar pela falta de experiência, e esse grupo de mais idade
que também, de alguma forma, acaba perdendo às vezes dez, quinze anos
numa oportunidade no mercado e depois não conseguem se recolocar,
porque se entende que essa oportunidade é muito estanque, limitada.”
(Fabiana)
Sobre esta questão, Castel (1998) menciona que sua exclusão do mercado
de trabalho se inscreve em um “contexto da busca da flexibilidade interna”, onde a
empresa entende adaptar as qualificações dos trabalhadores às transformações
tecnológicas. Assim, o resultado é a invalidação dos trabalhadores que estão
envelhecendo, ou seja, demasiado idosos ou não suficientemente formados para
serem reciclados, mas jovens demais para se beneficiarem da aposentadoria.
Quanto aos jovens, a empresa falha igualmente em sua função integradora elevando
o nível de exigência de qualificação, desmonetarizando a força de trabalho destes
indivíduos antes mesmo que tenham começado a servir.
Também a desqualificação é considerada uma importante propulsora da
exclusão de profissionais do mercado de trabalho. Atribui-se essa problemática a
uma questão de desigualdade social, onde pessoas ficam segregadas a uma
realidade de poucas oportunidades de acesso à educação e integração na
sociedade:
“E os excluídos, cada vez mais, porque são excluídos, não têm isso. E eu
vejo que tem muitas pessoas sem qualificação, sabe, por falta de
oportunidade, por falta de estudo. E o mercado realmente ta fechado pra
isso, né, ta bem fechado assim.(...) E eu vejo que as pessoas tão querendo,
ta batalhado, assim, ta sofrido, assim, tão sem espaço. (...) Da falta de
qualificação, que eu acho que é pela falta de condição financeira, de não
poder fazer cursos, enfim. Isso existe, sabe.” (Cláudia)
75
“Mas assim o que eu vejo hoje, assim, cada vez mais, é um número cada
vez maior de pessoas buscando uma oportunidade, pessoas sem
qualificação e, muitas vezes, sem experiência específica pra aquela área,
né.” (Débora)
Uma participante pontua que a desqualificação é tamanha que impede os
sujeitos de ocuparem inclusive cargos considerados operacionais:
“Então, nessa faixa, né, desse tipo de atividade, assim, mais operacional, o
que eu vejo hoje: tenho vagas, simples, que a gente tem dificuldade de
fechar, porque eu vejo que a qualificação do pessoal ta muito baixa. Então
assim, às vezes, ‘ah não tem emprego, não tem emprego’, tem emprego!
Tem várias vagas abertas.” (Joana)
Para Castel (1998) é verdade que, estatisticamente falando, as baixas
qualificações fornecem os maiores contingentes de desempregados, no entanto,
esta correlação não implica uma associação direta e necessária entre qualificação e
emprego. As baixas qualificações correm o risco de estar sempre com “atraso de
uma guerra”, ou seja, sempre um passo atrás dos qualificados, pois o nível geral da
formação se elevou; no entanto, este imperativo não deve dissimular um novo e
grave problema: a possível não empregabilidade dos qualificados.
O aumento do desemprego e do acirramento na competição para ingressar
ou se manter no mercado de trabalho enseja um progressivo aumento na exigência
da qualificação dos trabalhadores. A contraparte disso é a contratação de
funcionários com qualificações acima das necessárias para os postos de trabalho:
“Eu vejo assim, ó: as empresas tão muito exigentes. Elas querem o top, do
top, do top. Só que não tem espaço pra esse top. Se tu for botar uma
pessoa muito, é uma coisa um pouco assim, ó, exigente demais, pra um
espaço que não exige tanto. Superqualificados pra uma atividade que não
precisa tanto, simples, sabe.” (Cláudia)
“Eu acho que há muito tempo a gente ta vivendo uma situação muito
complicada pro candidato e muito confortável pra empresa, né. Porque nós
temos um excesso de candidatos disputando uma vaga, então a empresa
tem opção de poder escolher e exigir cada vez mais, eu acho, né. Porque
na medida que tu tem mais opções de escolha, tu pode, o teu nível de
exigência se eleva.” (Graziela)
“Tu tem uma condição econômica desfavorável no país que permite uma
relação de barganha, vamos dizer assim, dos empresários, em relação à
76
contratação dos seus colaboradores. Os empresários cada vez mais
caminham pra vigência de uma qualificação muitas vezes, assim,
incompatível com a atividade que ele vai fazer, mas porque ele sabe que
tem psicólogo desempregado, que tem administrador desempregado, que
tem pessoas que estudaram e que tem uma maior qualificação, disponíveis
no mercado pra fazer um trabalho não necessariamente na sua área, mas
porque precisam sobreviver.” (Ivone)
Enquanto selecionadoras, tal realidade se reflete claramente em suas
práticas cotidianas de trabalho. Tanto as psicólogas que atuam como funcionárias
dentro das organizações como as que trabalham nas consultorias que encaminham
candidatos para as organizações, referem uma sensação de aderência a demandas
de perfis profissionais superqualificados:
“Tu olha três candidatos muito bons, um já tem mestrado, um tem uma
especialização e um recém se formou. Então tu não da nem chance
praquele que recém sem formou. Já tem um, com a mesma faixa salarial,
com a mesma pretensão, tu tens opções muito boas, né. (...) Tu vai e busca
aquela que tu entende que é mais qualificada.” (Fabiana)
“Então essa é uma situação bem complicada pra gente que faz seleção. Por
exemplo, tu vê um candidato que teve uma oportunidade legal, que estudou
em escola particular, que fez uma faculdade, que ta fazendo uma pós-
graduação, é super comum de acontecer isso, concorrendo pra uma vaga
de menor exigência. (...) Mas enquanto o outro, que não tem a oportunidade
e teria que ter esse espaço, ele acaba ficando abaixo em nível de
qualificação praquela vaga, né. Então se tu tiver que optar, obviamente a
empresa acaba optando pela pessoa que ta mais bem colocada.” (Graziela)
A exigência de superqualificação repercute especialmente na atividade das
psicólogas que encaminham candidatos para as organizações. Estas relatam uma
sensação de dificuldade de atender à exigência dos perfis solicitados pelos clientes
requisitantes:
“E as pessoas do RH, que tão dentro das empresas, muitas vezes tão muito
rígidas assim, no currículo, se não tem aquela palavrinha: ‘ai, eu não quero
conhecer’. Se a pessoa não disser aquilo, ou se a pessoa não se mostrou
um super homem, então não. Sabe, muito intolerantes assim, de apostar, de
acreditar.” (Cláudia)
Paradoxalmente a uma realidade de trabalho caracterizada pelo
desemprego, as depoentes avaliam que as políticas de recursos humanos
77
privilegiam a busca e a contratação de profissionais que se encontram empregados
em detrimento dos que estão desempregados:
“Porque a gente vê o quanto as pessoas estão desempregadas e cada vez
menos oferta, e aí ao mesmo tempo se dá prioridade aos que estão, às
vezes, empregados. É uma coisa, um paradoxo, assim, né. Tanta gente
desempregada, mas, ao mesmo tempo, só se busca aqueles que estão bem
e que estão colocados. Quem ta desempregado já não é nem muito bem
visto, né.” (Edith)
As participantes percebem que os critérios de seleção de pessoal são
fortemente influenciados por modismos gerenciais. A demanda por profissionais
polivalentes e qualificados imposta no cenário de trabalho acaba por determinar
alguns padrões recorrentes de exigência de determinados perfis nos processos
seletivos:
“E esses dias eu tava reparando assim ó, que a palavra da moda é pró-
atividade. Quando eu comecei a fazer seleção, era trabalho em grupo. É
impressionante! Sabe assim, hoje em dia todo mundo diz assim, ó, diz uma
característica boa que tu tem: ah, eu sou pró-ativo!” (Ana)
Acerca desta questão, Grisci e Carvalho (2004) empreendem a análise de
que muitos candidatos passam a utilizar estratégias de gerenciamento de
impressões para transmitir a idéia de um perfil atraente e competente. Em um
mercado de trabalho extremamente restrito, esta postura passa a ser adotada como
um recurso para aumentarem sua competitividade.
Para as autoras, os candidatos procuram se apropriar das tendências
ditadas pelos especialistas em gestão através do consumo de literaturas de auto-
ajuda e também na apropriação das informações sobre os modismos gerenciais. Na
perspectiva das autoras, estas receitas de sucesso, oferecidas pelas literaturas
difundidas nos mais diversos contextos, são compreendidas como “novas drogas
que entorpecem os sujeitos”. A postura de “gerente-herói” ou “super-homem” acaba
78
por aderir-se ao estilo de vida das pessoas de uma forma ampla e não apenas nas
competições por reconhecimento ou busca por trabalho.
As participantes compreendem a adoção de posturas específicas por parte
dos candidatos frente aos processos seletivos como uma necessidade de
ajustamento às exigências impostas por padrões ideais de candidatos. Dessa forma,
consideram que não se trata de uma postura condenável, mas sim de uma forma de
se sentirem competitivos:
“Eu acho que não é uma coisa consciente... ó, eu vou... não é uma mentira.
É uma coisa que tu abre qualquer jornal ta escrito: como conseguir o
emprego dos seus sonhos. Então, a pessoa ta num momento difícil, como é
que ela não vai fazer? Sabe? Eu também faria! Mas, não teria dúvida
nenhuma! A gente faz, todo mundo faz. Se tu quer alguma coisa tu vai se
portar de um jeito pra conseguir aquilo. Se ta dizendo no jornal que tu tem
que ser pró-ativo então tu vai ser.” (Ana)
Acerca dos candidatos que acorrem às vagas de emprego via processos
seletivos, as depoentes consideram que alguns grupos estão mais vulneráveis ao
desemprego, como o jovens e os mais velhos, sendo a desqualificação considerada
um agravante. Ademais, muitas vezes candidatos que se encontram empregados
são mais bem cotados na busca pelas vagas se comparados com os
desempregados. A responsabilização e individualização pelo desemprego se
mantêm agregadas a toda uma compreensão sobre a dificuldade do cenário
macrossocial.
5.3 Situando a seleção de pessoal: a ‘adequação’ dos atores ao cenário
Muitas foram as justificativas arroladas pelas participantes acerca da
importância da atividade de seleção de pessoal. Entretanto, observaram-se algumas
79
regularidades, como a alegação de que a tarefa de ajustar as pessoas aos postos de
trabalho é considerada uma função social imprescindível em um contexto de
trabalho marcado por vagas escassas e muita oferta de mão-de-obra. Para as
participantes, esta é a forma de filtrar e definir quem são as pessoas mais habilitadas
para os cargos que se apresentam, mantendo critérios e uma ordenação nos
processos:
“Porque, primeiro, uma questão social, né, enquanto tu tem uma oferta, e tu
tem um conjunto de pessoas precisando de trabalho muito maior do que as
ofertas que o mercado propõe, né. Como é que tu vai peneirar isso?”
(Helena)
Além disso, a seleção de pessoal é avaliada como uma ferramenta que
possibilita a mudança ou a manutenção de padrões de qualidade nas organizações:
“E porque daí a gente vê que o processo de seleção, ele é um processo
muito importante dentro da empresa, né. E quantas coisas, e quantos
indicadores, ou, até de diagnóstico que se tem, por exemplo, pra um
consultor no momento da escolha de um profissional. Já começa a
identificar muita coisa, né, na tomada de decisão.” (Edith)
“(...) porque a instituição, por ter a sua cultura, os seus vícios, as suas
necessidades, né, ela muitas vezes, pra manter o seu status quo, pra
manter a sua situação vigente, ela acaba incorporando, claro que isso não é
regra mas, ela acaba incorporando a sua, ao seu grupo enfim, pessoas que
só vão mantê-la naquele mesmo estado.” (Fabiana)
O futuro da seleção de pessoal é avaliado positivamente, acreditando-se que
o investimento nesta área é promissor e imprescindível para o aumento da
lucratividade das organizações:
“E cada vez mais as empresas querem qualificar os processos pra diminuir
índices de rotatividade, porque se sabe que rotatividade alta é perda de
dinheiro no caixa. As empresas não querem perder dinheiro, elas querem
ganhar. Então os processos hoje são mais lentos, mais complexos, porque
elas querem ter assertividade. Então o futuro da seleção é altíssimo.”
(Helena)
As participantes justificam a importância e o valor atribuídos à atividade de
seleção de pessoal, relacionando a prática às demandas de um mercado de trabalho
que impõe a necessidade de auxiliar as empresas e também os trabalhadores a se
80
ajustarem mutuamente. Além disso, não reconhecem outra forma de contratação de
profissionais que não seja através de um processo seletivo:
“Eu acho que se mantém, se mantém enquanto se mantiver empresas,
enquanto existir trabalho e empresa, existe seleção, porque não tem como
não ter seleção, não consigo imaginar isso. Até gostaria de tentar fazer esse
exercício assim de imaginar, né, mas não consigo ver.” (Helena)
Dessa forma, reproduzem-se as justificativas apresentadas para o emprego
instrumental da psicologia no contexto organizacional: aumento da lucratividade,
ajustamento mútuo, processo seletivo como algo dado e natural. A formação em
psicologia é reconhecida como um facilitador para o exercício da atividade de
seleção de pessoal e que permite qualificar o processo.
As justificativas das depoentes sobre a inserção da psicologia na atividade
de seleção de pessoal consideram que a formação nesta área amplia as formas de
análise das pessoas e das instituições. A atribuição ao ‘olhar’ da psicologia como
detentor de maior sensibilidade e alcance da ‘subjetividade’ das organizações é um
consenso entre as participantes:
“Eu acho que a psicologia me acrescentou uma outra visão, né, que eu não
tinha como administradora. É diferente porque a tua busca numa seleção
como administrador ela é muito mais objetiva, entende? Tu não tem esse
olhar assim, do ser humano, da sua complexidade, da sua subjetividade. A
gente não considera isso, né, tu considera a pessoa certa, no lugar certo, e
cada um com os seus problemas e eu não tenho nada a ver com isso. Era
mais ou menos assim. Na medida em que eu comecei a entender todo um
outro lado das pessoas, eu comecei a também fazer um trabalho, eu acho,
diferenciado, né.” (Graziela)
“Eu acho que isso é o diferencial de um profissional da psicologia num
processo de recrutamento e seleção, ou de capacitação, de avaliação
funcional, porque ele consegue acompanhar os movimentos subjetivos da
instituição.” (Fabiana)
“(...) porque hoje cada vez mais a gente precisa ter a capacidade de ler o
que não ta dito, de... sabe, trabalhar com o invisível, trabalhar com o
simbólico, cada vez mais a gente precisa ter essa sensibilidade, né, pra ta
vendo o movimento das pessoas. O que que isso ta significando, que que
isso ta querendo dizer, né, que tipo de reação é essa?” (Helena)
81
A formação em psicologia é percebida como fundamental para o
desenvolvimento da habilidade de estabelecer uma relação de proximidade com os
candidatos. Esta relação é avaliada como respeitosa, sem a demonstração de
superioridade ou abuso de poder:
“Não é só uma coisa de ficar tirando das pessoas na entrevista, tu tem que
dar. Sabe quando tu consegue ter essa relação assim de conversar com as
pessoas, não de ficar... ai, assim, numa posição hierárquica, superior. Que
daí eu acho que as pessoas também se envolvem mais.” (Ana)
“Eu acho que, dentro daquilo que eu te falei, da transparência, da ética, eu
não trato a seleção como uma relação de poder, porque, das coisas, dos
valores que eu tenho, eu acho que é um processo de escolha de ambos os
lados, né.” (Ivone)
Segundo as narrativas das entrevistadas, a psicologia contribui para um
entendimento mais humano dos processos organizacionais. Ao desenvolver a
habilidade de realizar leituras dos aspectos implícitos e latentes dos sujeitos e das
instituições, a psicologia propicia uma análise mais abrangente das complexidades
que permeiam as relações de trabalho. Esta perspectiva se relaciona, segundo as
psicólogas, à capacidade analítica desenvolvida pelo enfoque clínico da formação
em psicologia:
“Isso também interfere na empresa, né, é o meu olhar dentro da empresa,
de entender o funcionamento, as relações das pessoas, o padrão como se
constitui o gerenciamento da empresa, é entendido dessa forma
psicanalítica. E na seleção também.” (Débora)
“É, eu acho que, por nossa visão clínica que nas faculdades forçam tanto
assim, esse olhar clínico, eu acho que vem a ajudar na seleção, muito
assim. Isso que dá a diferença, né. Dessa sensibilidade maior.” (Cláudia)
Uma participante relacionou a capacidade de selecionar pessoas a questões
inatas, como algo já dado:
“Eu acho que, têm pessoas que não vão ter esse feeling, porque não são,
habilidades, enfim, e isso já é uma coisa que entra a coisa orgânica, eu
acho, né. Trabalham mais com o hemisfério direito, outros trabalham mais
com o hemisfério esquerdo, umas vão pras exatas, outras vão pras
humanas, tu entende?” (Joana)
82
Em síntese, a seleção de pessoal é concebida como necessária e se
fundamenta na noção de que os indivíduos devem se ajustar ao meio social como
algo dado e natural. A perspectiva adaptacionista própria à psicologia na perspectiva
de Patto (1984) é o fundamento do processo de seleção. A formação em psicologia
é avaliada positivamente, pois tal formação permite captar aspectos não explícitos
tanto dos candidatos como da organização, aspectos esses também essenciais no
processo de ajustamento.
Como critérios de seleção, a análise dos depoimentos permitiu identificar
que as psicólogas pautam as escolhas dos candidatos em critérios objetivos e em
critérios que podem ser classificados como subjetivos. Os critérios objetivos são
geralmente definidos pela empresa e, em um caso, verificou-se que foram definidos
através de pesquisas realizadas com os clientes da empresa.
Os critérios objetivos do perfil dos candidatos abarcam aspectos como
idade, sexo, escolaridade, experiência na função, entre outros itens:
“Mas a empresa tem alguns critérios, né que baseiam pra seleção de
funcionários, de operadores de máquina, né, no mínimo a quinta série, a
conclusão da quinta série, e alguma experiência em metalúrgica.” (Débora)
“(...) a experiência, porque a experiência é a parte que primeiro elimina, né?
Quer dizer, tem um perfil, tem que ter uma experiência de pedreiro de no
mínimo um ano, seis meses, em carteira, né. Aí é o primeiro fator, ta?”
(Joana)
Dentre os critérios objetivos, alguns implicam uma avaliação e requerem um
contato mais próximo com o candidato ou a utilização de testes psicológicos.
Aspectos como a aparência, a linguagem, a estabilidade nos empregos e a
capacidade de cognição integram esses critérios:
“Assim, essa questão de apresentação eu diria que é mais uma triagem que
acaba se fazendo, assim, até pra preservar esse indivíduo, que
naturalmente não se adaptaria nesse contexto né. Se sentiria de alguma
forma um estranho no ninho. Essa pessoa, que me ocorre, citando alguns
83
exemplos, assim, dentro da área médica, uma pessoa com piercing, uma
tatuagem expressiva, uma situação, com um corte de cabelo muito radical,
uma cor de cabelo muito diferente. São detalhes, mas que pra esse
ambiente isso é valorizado, né.” (Fabiana)
Já os critérios “subjetivos” partem de uma análise de aspectos não explícitos
e são considerados os mais importantes, pois permitem prever o grau de
adaptabilidade do candidato à cultura da empresa:
“Sabe, acho que as empresas estão cheias de subjetividade e é isso que vai
fazer alguém ficar ou não, entende? Ou como é que a empresa é, como é o
clima, a cultura, como que é o coordenador daquela pessoa, isso é tri
importante pra tu saber qual é o funcionário.(...) Às vezes só pelo jeito como
as pessoas andam. Assim, se é mais lento, se é mais devagar. Tu
consegue, quando começa a pensar pelo lado da empresa, identificar estes
fatores.” (Ana)
“É uma coisa muitas vezes até muito subjetiva, sabe. Que eu acho que é
muitas vezes o meu feeling. Tem vezes assim que, a pessoa tem
experiência, a pessoa tem a formação, mas eu não sei, é o jeito dela, é a
maneira dela se posicionar, a maneira como ela fala, é... Não são tão
palpáveis sabe assim. É o intangível. Não tem como mostrar muito.
(Cláudia)
A importância atribuída aos critérios “subjetivos” se pauta no poder preditivo
desses indicadores para o ajustamento do homem ao posto de trabalho. O objetivo
de buscar ajustamento e adaptação se mantém como princípio que rege o processo
seletivo e o instrumental da psicologia neste processo. É o que Patto (1984)
identificou como a matriz da psicologia que lhe concede uma homogeneidade na sua
heterogeneidade.
Conforme as participantes, a habilidade de identificar os critérios
“subjetivos”, chamada por algumas de feeling, é adquirida através da experiência
profissional, a partir de uma formação voltada para a apreensão da ‘subjetividade’
própria à psicologia. Alguns indicadores favorecem a compreensão de aspectos que
moldam a cultura das empresas, como por exemplo, um ambiente mais masculino
ou mais feminino. Além disso, pessoas mais discretas ou mais sensuais, mais
84
agressivas ou mais dóceis, entre outros, “encaixam-se” em ambientes específicos,
relacionados com o grupo de trabalho e também com a função a ser realizada:
“Na metalúrgica é diferente porque é um ambiente mais formal, um
ambiente essencialmente masculino. E na escola tinha mais a ver com a
sensibilidade porque é um ambiente feminino, escola infantil é um ambiente
de mulheres.” (Débora)
“Porque as outras duas moças que trabalham na área administrativa são
bem assim, mais formais, mais maduras, mais discretas e ela é um pouco
destoante. (...) Não. Eu acho que ela era... um perfil muito diferente das
outras. Como é que eu vou te falar assim, mais, mais guria assim. E as
outras mais maduras, mais discretas.” (Ana)
“Mais ríspidas, mais grosseiras, mais assim. Que tem que ser um
profissional que não pode ser tão sentimental assim tão frágil, tem que ser
um profissional que então se posicione mais. E isso assim eu já vi assim, eu
já trabalho há muito tempo, então eu já conheço o jeito daquele, e sei que
não adianta encaminhar uma guriazinha, um rapaz muito tímido, que ele vai
arrasar com a pessoa. Tem que ser uma pessoa mais comunicativa, falante,
extrovertida. É que eu já tive experiências anteriores que me fizeram
acreditar nisso e comprovar isso, sabe...” (Cláudia)
As modalidades de seleção de pessoal são variadas e se diferenciam umas
das outras pelo público-alvo, pela posição ocupada pela selecionadora e, ainda, pelo
formato que o processo assume na organização. No que se refere ao público-alvo,
as seleções focalizadas em cargos operacionais distinguem-se por uma população
de candidatos menos escolarizada e de classe social mais baixa. Os critérios de
perfil destes candidatos são predominantemente os chamados critérios objetivos.
Tal modalidade de seleção se caracteriza, também, por processos rápidos, o
que dificulta o estabelecimento de um vínculo com estes candidatos. Joana é uma
das participantes que atuam neste tipo de seleção. Seus depoimentos são
ilustrativos das formas assumidas nessa modalidade:
“São coisas simples, eu acho, porque a gente não tem tempo, é uma pré-
seleção, quer dizer, a pessoa, o que é que ela precisa pra trabalhar lá? Ela
precisa saber montar parede, entende? Fazer a massa, né? E esse tipo de
coisa... não vamos muito além disso.”
“Né, é claro que, pra vagas operacionais eu não preciso estender uma hora
de entrevista, porque é muito mais fácil de identificar se aquela pessoa tem
85
potencial pra ser repositor de supermercado do que se ela tem potencial pra
ser gerente de uma grande empresa.”
“Depende, depende da vaga, depende do cargo, mas, assim, quinze
minutos, dez minutos, né. Às vezes se faz grupos, não se faz entrevista
individual, né. Alguns perfis que são únicos, que a gente já sabe aquele
perfil decor e salteado. Por exemplo, tem uma empresa de confecção aqui
do lado, né, que a gente trabalha sempre o mesmo perfil, a gente já sabe o
que quer, a gente chama as pessoas pro grupo, vê, né, faz alguma
atividade de dinâmica rápida, assim, vê alguma habilidade que a gente acha
importante, ou alguma coisa que destoe, que a gente já vê que não vai ser
possível, enfim, e aí a gente já encaminha direto pra empresa.”
Edith teve uma experiência nesta modalidade de seleção num momento de
sua carreira. Sua narrativa denota a insatisfação com a experiência, considerada de
pouco aproveitamento das habilidades desenvolvidas na formação em psicologia:
“Eu vejo que realmente assim, né, não exigia tanta qualificação pra fazer um
trabalho que era só até ali, né, depois a gente tinha que ta oferecendo um
número de pessoas, uma amostra, pra que as empresas fizessem a
seleção, né. (...) Claro. Totalmente pouco aproveitada. Não exigia. Por que
uma psicóloga? Porque talvez pra ele fosse interessante vender essa
qualificação pras empresas, né. Que era, que a consultoria tinha uma
psicóloga... Mas na verdade não tinha necessidade realmente de ter uma
psicóloga lá dentro.”
Outras participantes também empreendem críticas a seleções focadas em
processos rápidos. Argumentam que, além de serem superficiais, revelam um
possível descaso com o profissional que busca emprego. Relacionam o tratamento
dado aos candidatos com a sua condição social menos privilegiada:
“Tipo, a pessoa vem, tu pega a carteira dela ‘ah, onde é que tu fez, por que
tu entrou, por que é que tu saiu, por que tu entrou, por que é que tu saiu,
por que tu entrou, por que é que tu saiu? Ta, pode ir’. Então em dez minutos
tu viu como ela entrou e por que é que ela saiu. E aí tu manda alguém pras
mais diversas áreas. É evidente que essas consultorias trabalham numa
área mais operacional, mas eu não acho que tu possa ter um tipo de
conduta diante da especialização do profissional que ta na tua frente. Ele é
um profissional!” (Ivone)
“E as empresas sabem que processo seletivo feito às pressas, sem
qualidade, é custo, porque isso implica uma rotatividade alta, porque tu não
mapeou direito, a pessoa talvez não tenha todas as qualificações que tu
precisa, ou talvez ela não se adeqúe à cultura da organização, porque a
gente fez um processo mal feito, não avaliou adequadamente a cultura
daquela pessoa, os valores dela, daqui a pouco são valores absolutamente
antagônicos aos da empresa.” (Helena)
86
Para Codo (1994), uma política que efetivamente se preocupe com a
qualidade da seleção e treinamento dos trabalhadores em suas funções repercute
numa valorização pela conquista do posto. Ao valorizar estes postos de trabalho,
dificulta a rápida substituição de um homem por outro e, ao mesmo tempo, aumenta
a segurança psicológica do trabalhador sobre sua própria capacidade. O autor avalia
que um processo elaborado de seleção pode contribuir no sentido de fortalecer o
trabalhador perante a organização, ao invés de enfraquecê-lo.
Embora a rapidez do processo seletivo seja em geral associada a sua menor
qualidade, é reconhecido que pode haver qualidade na rapidez:
“(...) bom, se tu consegue fazer um serviço qualificado, rapidamente, por
que não fazer, né? Então, assim, é o mínimo necessário, né. O ideal não é,
com certeza.” (Joana)
Em uma posição bastante diferente, destaca-se o processo de seleção
conhecido como headhunter, realizado por Edith. Este possui a configuração de
pesquisa (‘caça’) de profissionais no mercado, possuindo uma abrangência nacional,
ou seja, caso não encontre os profissionais na região de sua atuação, estes são
buscados em outros estados do país. Edith refere que sua modalidade de seleção é
focada apenas em cargos estratégicos de direção ou de executivos de alta gerência.
“Então aqui é um trabalho que muitas vezes exige um hunting, né, fazer
aquela etapa de hunting, de mapear o mercado mesmo, de ir atrás.”
Nessa forma de seleção o público-alvo é constituído, segundo Edith, por
profissionais pertencentes a uma classe social elitizada. Além disso, a grande
maioria não está desempregada e em busca de uma colocação, mas sim ocupa
cargos estratégicos em outras organizações:
“Não são profissionais que tão no mercado, assim, em termos de des... né,
tu encontra muito poucos desempregados. A maioria ta colocado e muito
bem colocado. E por isso que eles são já talentos e são já buscados pelas
empresas. Então é um mercado bem diferente, né, de executivo.”
87
Os critérios que pautam esta seleção incluem os conhecimentos técnicos,
experiência profissional e comportamento, entretanto, os mais determinantes são
basicamente os critérios “subjetivos” (cultura, ideologia, relacionamento). Há uma
forma bastante particular de tratativa com os candidatos, que são abordados através
de entrevistas atentas à privacidade e sigilo, revelando uma postura menos invasiva
para com ‘profissionais de prestígio’:
“Então é mais num tom de conversa, onde se conhece o perfil, tem que ser
uma entrevista né, talvez não tão formatadinha, porque é um... Daí tu tem
que ver qual é a postura, porque existem gerentes que já chegam né, com
aquela arrogância toda, então tu tem que ir abordando, né, pelos lados,
assim, eles vão te fornecendo informações do mercado, de como é que ta,
negócios. E é mais às vezes uma linguagem de negócios do que né, até tu
entrar mesmo, na questão mais pessoal, enfim.”
“A gente não tem como aqui, por exemplo, não usa toda uma, a
metodologia de ta, por exemplo, uma dinâmica de grupo não é feita, né,
com nível gerencial. Até porque é tratado sempre com muito sigilo, as
pessoas que vêm aqui não vão se expor. Eles não podem ta de repente
conhecendo, vendo os conhecidos num mesmo processo, né, tem todo um
cuidado.”
Conforme o depoimento de Edith, esta modalidade de seleção se diferencia,
ainda, por um período de maior duração para o encerramento, bem como pelos
valores financeiros investidos, considerados elevados:
“Mais tempo. Não é uma decisão de curto prazo, assim né, aquela coisa de
fazer correndo. É diferente da dinâmica, por exemplo, selecionar lá um
temporário, que tem lá, que precisa de um operador de máquina, e a
máquina não pode parar, porque... Né, então não, o cara tem que, de
repente, a gente tem posições que, até às vezes é meio, como que é, a
gente chama de, meio por feeling, assim...”
“É um valor mais alto, enfim, de mercado, é cobrado toda uma remuneração
anual dele, como base na remuneração anual. E porque é um trabalho
diferenciado também.”
Já os cargos reconhecidos como intermediários caracterizam-se por incluir,
em geral, a aplicação de testes psicológicos, dinâmicas de grupo e entrevistas:
“(...) então, em cima desses recursos que a gente tem que montar a
dinâmica, montar a entrevista coletiva, entrevista individual, pra poder
realmente contar com esses nossos recursos, e normalmente se baseando,
assim, as perguntas que a gente faz durante a entrevista, são perguntas
ligadas mais à ação do indivíduo que ele teve no passado, né. Pra ver a
88
experiência dele, o que que ele fez, né, em determinadas situações. Então a
gente não pergunta assim, se ele acha que tem iniciativa, se ele acha... mas
que ele possa trazer exemplos de situações em que ele acha que teve,
nesse sentido.” (Beatriz)
“O que eu gosto de fazer assim, quando a entrevista é grande, poder fazer
uma dinâmica. Mas não uma, uma dinâmica assim ah vamos... uma coisa
super elaborada, mais pra facilitar, as pessoas às vezes vão se sentir mais
à vontade, assim e dentro de um clima de respeito e também considerando
que aquilo é um momento de seleção, assim pra ver...” (Ana)
“Nessas situações eu me utilizo de testagem e entrevista. Testagens com
questões bem objetivas, né, psicométricas, né e a própria entrevista. Faço
também autobiografia. Me utilizo da autobiografia.” (Fabiana)
Dentro dos estilos de seleção para os cargos intermediários relatados, um
modelo denominado “modelo americano” se diferenciou pelo privilégio concedido às
habilidades técnicas em detrimento de qualquer fator avaliativo do candidato. Esta
premissa se fundamenta na intenção de afastar possibilidades de inferências
discriminatórias no processo. Tal abordagem é descrita por Helena, que teve a
oportunidade de experienciar esta modalidade de seleção quando atuava em uma
empresa regional de capital estadunidense:
“(...) porque ela tem um código de ética, porque o americano é muito
preocupado, né, com a questão ética. Porque nos Estados Unidos, tu
ultrapassar as fronteiras do público e do privado, é muito complicado,
porque lá gera processos civis bilionários, né. Então eles têm muito cuidado
com a questão do preconceito, da exclusão e tudo mais, porque isso pode
trazer problemas graves pras empresas. (...) Então a empresa tem uma
política interna de seleção que é a seguinte: como a empresa não
discrimina, ou tenta, né, não discriminar, não praticar nenhum tipo de
injustiça social no processo seletivo... Se ela pedir foto, ela ta discriminando,
porque não tem sentido tu saber do rosto do sujeito antes dele ir. Qual é o
sentido tu ter uma foto da pessoa antes da entrevista? Se o que te
movimenta pra chamar ela é a experiência dela? Só tem um sentido tu pedir
a foto, que é a exclusão: o feio, o gordo e o preto tu não chama, né.”
As duas participantes que realizam seleção psicológica em concursos
públicos referem peculiaridades deste processo pela sua formalidade legal:
“Então hoje aqui, a realidade ela é diferente no sentido assim de que não
somos nós que estamos chamando o candidato. Então, o candidato
concorre, né, em condições iguais, entre aspas, porque não é, né, mas
assim de uma forma bastante honesta e justa. Os critérios são iguais pra
todos, né.” (Graziela)
89
Acerca dos critérios propostos em concursos públicos, a diferença que mais
se sobressai em relação à iniciativa privada, segundo os relatos, é que os aspectos
mais subjetivos, como motivação e maturidade, não representam fatores de
exclusão:
“Nessa entrevista abordamos a trajetória de vida das pessoas, a motivação,
por que é que elas estão procurando um concurso público... E aí então, a
gente tem uma grande diferença da empresa privada: a motivação não pode
ser considerada uma variável pra eu indicar ou não indicar um profissional.”
(Ivone)
“(...) então, a minha avaliação é que, se ela não tem nenhuma coisa que vá
colocar em risco a vida dela, por ta trabalhando na companhia (...) que ela
pode colocar ela ou alguém em risco, que ela não tem nenhum indício de
uma perturbação mental que em algum momento possa trazer sérias
dificuldades pra ela na equipe ou na execução do trabalho.” (Ivone)
Além da natureza das organizações, as modalidades de seleção estão
relacionadas com o lugar do selecionador. Ao não atuarem dentro do espaço físico
das empresas, as participantes relatam que se torna mais difícil o processo de
seleção de pessoal, pois, dessa forma, não há suficiente clareza na percepção das
suas peculiaridades e, conseqüentemente, para o desenvolvimento do feeling:
“(...) uma separação muito profunda entre a empresa e a terceirizada. Então
tu não tinha assim noções da cultura, tu não tinha noções da própria política
de gestão, da ideologia que essas pessoas, que esses gestores tinham,
ficava uma coisa, passa o perfil, trabalha a vaga, né.” (Ivone)
Uma das soluções encontradas é ir até a empresa e buscar uma
aproximação:
“Até a gente procura sempre ir na empresa, conhecer um pouco o ambiente,
falar com a pessoa que é o gestor, que é a pessoa com quem o candidato
vai estar trabalhando. Porque daí tu consegue, sentir, assim.” (Cláudia)
Enfim, os depoimentos indicam uma variabilidade de modalidades de
seleção de pessoal, que remete a possibilidades de experiências tão diversas
quanto as formas de organização do trabalho. Ademais, os critérios de escolha dos
candidatos também são variados. Estes podem ser objetivos (idade, sexo,
90
escolaridade...), objetivos avaliativos (linguagem, postura, aparência,
conhecimentos...), sendo que o desafio da psicologia se insere nos critérios
classificados como subjetivos. Estes últimos se relacionam com a identificação da
cultura e ideologia das empresas, objetivando avaliar se estas “encaixam-se” com as
dos candidatos, sendo diretamente ligados à prognose de adaptação do candidato
não só ao cargo, mas à organização como um todo. Assim, algumas modalidades de
seleção de pessoal se pautam em âmbitos mais subjetivos (feeling), não se
restringindo apenas às questões objetivas.
Os relatos apontam ainda que, para que a psicóloga tenha maiores
condições de conhecer a cultura da organização, é sempre mais produtivo trabalhar
inserida nos contextos de trabalho onde seleciona os trabalhadores. Essa posição
permite compreender a organização do trabalho e as relações que se estabelecem
na instituição, facilitando o desenvolvimento do feeling. Nesse sentido, as psicólogas
que atuam em consultorias consideram mais difícil se apropriar dessa habilidade,
referindo um sentimento de que o trabalho fica ‘dissociado’. Entretanto, de uma
forma geral, as participantes consideram que a habilidade de desenvolver o feeling
para seleção de pessoal só se conquista com a experiência.
5.4 Vivências em seleção de pessoal: prazer/sofrimento
As vivências da seleção de pessoal pelas psicólogas organizacionais e do
trabalho se significam como de prazer e satisfação e também sentimentos que
denotam sofrimento, com desgaste físico e emocional. A expressão sofrimento,
91
todavia, não faz alusão a adoecimento, mas ao entendimento dejouriano de que o
sofrimento é uma perspectiva da normalidade e não da patologia.
Dentre as vivências positivas e prazerosas da prática em seleção de
pessoal, as participantes destacam a possibilidade de interagir e conhecer pessoas
e suas respectivas histórias de vida. São momentos considerados educativos:
“Ah... Tem uma coisa boa assim que eu sinto, por exemplo, quando eu vou
iniciar uma entrevista individual, uma coletiva, que é a possibilidade de ta
conhecendo outras pessoas. Sabe, de conversar com outras pessoas... Né,
de poder tu conhecer outras pessoas, entender como que é a dinâmica
delas...” (Beatriz)
“Adoro essa relação, eu acho que é uma troca fascinante, no dia a dia, tu ter
oportunidade de acessar a vida de alguém, a história da vida de alguém.
Partilhar com ela isso, acho que te agrega muito. São histórias de vida
muitas vezes educativas, né, pra ti, e ao mesmo tempo, eu acho que é uma
oportunidade que tu tem de mudar algo, em algum momento, pra ela e pra
empresa. De alguma forma, num contexto menor, pra sociedade.” (Fabiana)
Além disso, realizar o contato com os candidatos aprovados no processo
para a comunicação do resultado é considerado um momento bom e gratificante,
representando uma possibilidade de tornar a selecionadora uma figura de referência
dentro da organização:
“E, e uma satisfação assim, sabe, de, da pessoa, de eu ligar depois, olha tu
foi aprovado, parabéns! Isso é muito bom. Isso é muito bom, sabe.”
(Cláudia)
“Tu é a referência para essa pessoa, tu fica com a imagem, que tu é a
psicóloga. E ela vai te procurar, para falar, reclamar, sempre a referência vai
ser tu.” (Beatriz)
Sentir-se ajudando as pessoas a se inserirem no mercado de trabalho e
também ajudar as empresas a encontrar profissionais qualificados representa uma
vivência de prazer que a atividade proporciona:
“(...) e é gratificante no sentido que bom, então toda vez que tu consegue
fechar uma vaga é uma pessoa a mais que tu consegue botar no mercado
de trabalho, é uma empresa a mais que tu ajuda. Agregando valor àquela
empresa através de um potencial humano, assim. Então isso eu acho bem
importante, né, então isso é uma coisa que me gratifica e que eu gosto.”
(Joana)
92
Através de diálogos estabelecidos com os candidatos, as psicólogas buscam
formas de orientá-los sobre um melhor desempenho nos processos de seleção,
incluindo dicas práticas sobre como elaborar o currículo. Com isso, objetivam torná-
los mais competitivos, facilitando seu ingresso no mercado de trabalho. Consideram
esta uma atividade que lhes desperta contentamento e satisfação:
“Até ontem eu dei, um profissional que trabalhou vinte e dois anos numa
empresa, e daí ele assim, Cláudia, é a minha primeira entrevista. Sabe? Eu
nem sei se eu to agindo certo. Digo: não, acho que tu ta bem, pra vinte e
dois anos, uma pessoa, que tu nunca procurou, tu ta indo bem, acho que tu
deve ser assim, mostrar tranqüilidade, poder aos poucos ir respondendo as
perguntas do entrevistador, né, poder te posicionar verdadeiro, colocar as
tuas experiências, o teu jeito de ser." (Cláudia)
“Ou, muitas vezes até instrumentalizar uma pessoa, ‘olha, o teu currículo, é
impossível de tu conseguir, porque o que tu me trouxe em entrevista, não,
está muito além do que está descrito no teu currículo. Então, bom, vamos
refazer o teu currículo. Que informações tu me trouxe que tu acha que
deveria colocar aqui?’ E apresentação. Então essa entrevista de devolução
ela passa por trabalhar autoconceito, passa por instrumentalizar aonde ele
pode buscar emprego, de acordo com as preferências que ele tem, e passa
por instrumentalizar nas coisas mais operacionais, como fazer o currículo.”
(Ivone)
Outra consideração acerca de vivências de prazer é o reconhecimento da
seleção como um espaço para auxiliar os candidatos a refletir e tomar decisões
sobre o rumo de suas carreiras. Assim, a seleção é percebida também como um
momento de orientação às pessoas:
“É... e mais do que a gente faz, assim, é durante a entrevista já procurar dar
alguma orientação, conversar... E se tu ouvi-la, dar alguma orientação, por
mais que tu não vai poder encaminhá-la naquele momento, eu acho que já
são coisas positivas.” (Beatriz)
“Bom, eu no processo seletivo, eu sempre procuro ajudar as pessoas a
pensar sobre o seu processo de trabalho.” (Helena)
O incentivo a seguir buscando oportunidades de trabalho, transmitindo força
e entusiasmo aos candidatos, representa uma forma de compartilhar esperanças
quanto a um futuro de inclusão social através do emprego:
“E eu sempre procuro transmitir assim, quando eu faço seleção, que eles
não desistam, né, que é difícil, que se alguns não conseguirem ser
93
absorvidos na nossa empresa, não é porque não tenham capacidade, mas
é porque é poucas vagas. Isso é real, né, eu não to mentindo, to dizendo
realmente o fato. Eu procuro transmitir uma idéia otimista assim, positiva pra
eles.” (Débora)
As vivências de prazer que a atividade de seleção de pessoal proporciona
estão nitidamente relacionadas ao ideário do fazer psicológico pautado na ajuda ao
outro. Segundo Carvalho et al (1988), um dos mais fortes motivos pela escolha da
profissão dos psicólogos se fundamenta na preocupação com o ser humano e com
os outros indivíduos. Para os autores, a “disposição do psicólogo de se relacionar
com o outro, de fazer do exercício da profissão uma oportunidade de
relacionamento, de conhecimento e ajuda a outros indivíduos” (p.56) parece ser um
valor dominante na classe, explicitando o caráter assistencial e humanista atribuído
à psicologia.
Ajuda que também representa poder, pois despertar ‘gratidão’ e ser
reconhecido como uma ‘figura de referência’ pelos trabalhadores, revela a posição
de poder assumida pelas selecionadoras. Ainda conforme Carvalho et al (1988), a
preocupação com o indivíduo que vive uma situação problemática é um móvel
importante para o comportamento de buscar ajudá-lo. Nesse sentido, a situação de
estar desempregado é relacionada à situação problemática para a qual as
psicólogas se dispõem a ajudar através da seleção de pessoal. À medida que o
desemprego e a não-seleção são compreendidos como uma responsabilidade do
indivíduo, justifica-se a orientação como ajuda também individualizada.
As vivências de sofrimento fazem referências a lembranças da posição
enquanto candidatas em seleção:
“Ai, é muito ruim assim, sabe? Porque não é tu que ta no controle. Porque tu
ta te expondo e tem muita seleção mal feita. Todo mundo tem uma história
triste pra contar de seleção né? É impressionante. É, assim de exposição,
umas coisas assim. Mas não gostava. Claro, quem é que vai gostar de fazer
94
seleção? Porque é uma coisa que tu ta querendo e tem lá um monte de
gente, concorrendo, é ruim assim.” (Ana)
“No início da carreira era muito ansiogênico assim, né (risos). Tem uma
fantasia muito grande assim, báh, se eu piscar não vão gostar de mim, ai
porque se isso, ou se aquilo.” (Beatriz)
“(...) porque é horrível ta do outro lado. A gente fica nervosa, a gente sua.”
(Cláudia)
“É muito ruim (risos), né, muito ruim essa sensação. Acho que é um
momento muito ansiogênico, assim, né. (...) Aí tu é candidato, tu ta sendo
observado, né. Então, aquela ansiedade assim que às vezes a gente
controla, às vezes não, e às vezes é definitiva, né, no processo.” (Graziela)
“Que horror! Que difícil! É difícil ta do outro lado, assim, né, é muito difícil.”
(Joana)
Sentimentos de pena e compaixão por alguns candidatos que se encontram
na condição de muita necessidade de emprego são recorrentes e, em alguns casos,
há um desejo de encaminhá-los à vaga. A não efetivação desse desejo é explicada
como um bem maior, em que a situação de desajustado na empresa é mais negativa
do que ser considerado não indicado:
“E eu vejo as pessoas, hoje, os candidatos cada vez mais desesperados,
verbalizando o seu desespero, eu preciso dessa oportunidade, eu tenho
família, eu tenho filhos, eu preciso sustentar, eu preciso levar o leite pra
minha casa, né. E aí tu dizer que tu consegue ser tão racional, a ponto de
dizer, não, mas ele tem que estar dentro desses padrões, é difícil. É bem
complicado. E eu sou uma pessoa que sofro assim, quando faço seleção.”
(Débora)
“E assim, ó, às vezes eu choro junto com o candidato, porque tu vê que ele
diz pra mim ‘Graziela, não é justo, eu precisava tanto, eu, né, era minha
última esperança’, enfim, mas. Sabe. (...) Eu acho que é muito sofrido ser
essa porta de entrada. Bastante. Porque tem muito candidato assim que te
mobiliza pena, sabe, tu sente assim que tu, tu pensa assim ‘ai coitado, eu
queria tanto, sabe, poder empurrar essa pessoa pra entrar’.” (Graziela)
“Sofrido, é sofrido, né. A gente vê as pessoas, e vê a realidade. Vê que
cada um ali tem uma história, tem sua família, tem toda aquela carga de
emoção, assim. E muitas vezes de sofrimento mesmo.” (Edith)
“(...) ai, não, mas eu vou encaminhar o coitado, ta precisando! Mas eu acho
que isso não é bom nem pra ele, porque ele não vai adiante da vaga,
porque eu já to vendo que, pela qualificação, pela experiência, pelo jeito
dele, não vai se adaptar assim. E também por expor, também a consultoria,
não incluir uma pessoa fora do perfil só porque eu fiquei com pena, assim,
da pessoa.” (Cláudia)
95
Além de pena, uma sensação de desconforto frente ao candidato é relatada
pelas participantes. Este desconforto se refere ao fato da seleção representar um
momento de avaliação, colocando-as em uma posição de desigualdade em relação
ao candidato:
“Que ninguém ta confortável, não tem como ta né? Não é um momento
natural, só duma conversa...” (Ana)
“Porque, ai, é desconfortável pra mim também, sabe, ver a pessoa muito
nervosa, né, muito ansiosa. E eu acho que, claro, que isso é inerente, vai
sempre se estar nervoso, ta, só que têm pessoas que ficam muito mais.”
(Cláudia)
A relação de desigualdade estabelecida entre selecionadoras e candidatos é
associada a um exercício de poder, cabendo a elas a detenção de um veredicto que
determina os rumo profissionais dos sujeitos. Esta mesma posição de poder, que
gera gratidão e confere a posição de referência na organização, é mencionada pelas
participantes como geradora de um sentimento de onipotência. Este sentimento lhes
causa uma espécie de sobrecarga emocional, repercutindo em sentimentos de
frustração e de culpa:
“Fica uma coisa assim, meio Deus, ai tu pode, tu não pode, né, é uma coisa
até meio onipotente, de poder, sabe. E é ruim isso, assim. Eu acho que
todas as pessoas têm direito. A gente é um filtro né, do processo, sabe. E
nós temos a missão de encaminhar os mais próximos, né.” (Cláudia)
“Controle de quem ta nessa posição né, de escolha, assim, de alguém que
detém esse controle, né. Eu ligaria muito com poder, também. Não sei,
assim, me vem a questão do poder, né, uso de poder, nesse, nesse
processo todo, assim, de tomada de decisão.” (Edith)
“Então tu vê assim, que o que tu acha que é certo ou é errado, isso mobiliza
muito a gente, sabe. Às vezes tu diz, meu Deus, que carreira que eu fui
escolher! Será que é isso que eu quero fazer? Porque no fim a gente não é,
mas acaba sendo meio juiz assim duma situação. E eu acho que é um
pouco de onipotência assim do psicólogo né, de poder definir quem tem ou
não condições.” (Graziela)
Alguns acontecimentos da vida privada das psicólogas, como a situação de
desemprego de um familiar, interpelam-se em sua prática como selecionadoras.
96
Estas situações são avaliadas como dificultadoras perante as histórias de vida dos
candidatos:
“No início era muito difícil, até porque, eu tinha que fazer uma eximição
grande da minha própria história, vamos dizer assim. Meu pai teve um
período de desemprego, né, assim foi dois, três anos de, e ele teve
depressão. Então eu conhecia de perto o que que era a realidade de uma
pessoa, já no meio da vida, né, com, então eu tinha que fazer um grande...
Esse era meu primeiro grande exercício, minha contratransferência.” (Ivone)
“É complicado, assim, como eu disse, assim, muitas vezes tem que ficar um
pouco fria, assim, né, porque se tu for pensar, eu queria empregar todo
mundo. Eu tenho uma irmã que ta desempregada há dois anos, e eu
trabalho numa agência de emprego e, tu entende?” (Joana)
A situação de desconforto é intensificada nos momentos de devolução dos
resultados aos candidatos:
“(...) que às vezes é complicado administrar essa sensação que gera nas
pessoas, de não sou competente, não fui aprovado, né.” (Edith)
“Então, não é o processo que mais me apaixona. Porque essa coisa da
exclusão, de ter que dizer pras pessoas, olha, nesse momento não deu, e
tal.” (Helena)
“Mas é claro que é sempre muito, hoje eu faço isso com mais tranqüilidade,
mas não posso te dizer que isso é uma coisa que me deixa feliz, né, ter que
dizer não pra uma pessoa, né.” (Ivone)
Tendo em vista o grande número de candidatos em relação ao número de
vagas oferecidas, a convivência diária com a atividade de seleção repercute, muitas
vezes, em uma sensação de frustração:
“E eu sou uma pessoa que sofro, assim, quando faço seleção. Porque tu vê
assim que, né, tu tem que optar, tem um contingente de vinte, tu tem que
escolher um. E os outros dezenove, vão pra onde?” (Débora)
“Então, realmente é difícil, assim. Ir pra casa todos os dias e dizer ‘bom,
tantas vagas eu fechei hoje, mas e os outros? Né? Quer dizer, dez eu fechei
hoje, mas e os outros cem que passaram na minha sala e que não
conseguiram? (...) No início, eu tinha sonhos à noite, era horrível! Eu tinha
pesadelos, na verdade, não eram sonhos.” (Joana)
As participantes avaliam que o sofrimento que sentem se relaciona a algo
inerente à atividade de seleção de pessoal, pois remete à disputa e competição e,
portanto, à possibilidade de vencer ou de perder. Ademais, a psicologia é
97
compreendida como uma área de atuação sofrida por natureza, assim sendo, se a
atividade de seleção faz parte das atribuições da psicologia, deve-se estar
preparado para as conseqüências advindas desta prática:
“Eu acho, Ticiana, eu vejo isso assim, eu trabalho na organização, trabalho
na clínica e tive experiência na escola. Todas as três áreas, sempre teve um
lado de sofrimento. Por exemplo, na escola tu vê a situação daquela criança
que não consegue ser bem cuidada, né, negligência, maus tratos. Isso gera
sofrimento no profissional. Na empresa, nessa situação que eu te falei aí, de
tu querer ajudar e absorver os candidatos e não poder. E na clínica, tu
também vê sofrimento e mais ainda, potencializado. Eu acho que a gente
como profissional, como psicólogo, tem que aprender a manejar isso,
porque o sofrimento faz parte.” (Débora)
“A ansiedade vai ta presente, vai ta presente no sentido de ser uma
competição, é um momento de escolha, é um momento de exposição. De
competir, principalmente, que eu acho que nem todo mundo ta muito
preparado assim pra essa competição mais acirrada que a gente ta vivendo
hoje.” (Fabiana)
“E isso envolve sofrimento. Essa coisa de ser selecionado ou não ser, de
exclusão ou inclusão, isso é muito complicado, é muito difícil de fazer.
Então, pra mim sempre tem sofrimento assim, é sempre um processo muito
ansiogênico, né. Mas eu sigo, eu acho muito difícil não ter sofrimento,
mesmo no prazer.” (Helena)
A dúvida que a escolha pode ocasionar ao antecipar hipóteses sobre a
probabilidade de um trabalhador se ajustar ou não a determinado cargo é
considerada um fator gerador de ansiedade. Nesses momentos, a decisão final
torna-se uma tarefa penosa e solitária:
“Tem vezes que dá uma dúvida. Ai, mas será que a pessoa é aquela
pessoa, será que eu indico? Ãh, dá umas pulgas, assim, sabe. Atrás da
orelha, sabe assim? De dúvida, sabe. Tem pessoas que não, que quando
eu converso, eu já ah, é isso que eu to precisando, é esse jeito. Na hora,
assim. E tem pessoas que eu fico em dúvida, e quando eu fico em dúvida é
difícil dizer não, assim, dizer olha, tu não tem esse perfil.” (Cláudia)
“(...) não se tem um momento de parar e discutir as questões psicológicas
envolvidas na seleção, não tínhamos uma supervisão para discutir as
nossas impressões, sensações, é... que rumo as nossas decisões em
termos de seleção estavam levando a psicologia em termos de mercado,
né...” (Beatriz)
Outra questão mencionada pelas participantes é o ritmo intenso de trabalho,
o que pode repercutir negativamente na sua qualidade de vida:
98
“(...) existe um cansaço físico, né, porque assim, é uma rotina intensa de
atividade. (...) Muitas vezes eu to trabalhando e me dou conta que eu queria
ter ido no banheiro um tempo atrás e que eu não fui, entende. Eu me dou
conta que eu to com sede há muito tempo e não consegui parar pra ir tomar
um copo de água.” (Joana)
O ritmo intenso de trabalho, aliado a uma rotina de atividades bastante
homogêneas, ocasiona uma sensação de se tornar a ocupação robotizada, ou
mecanizada diante da prática e das pessoas:
“Eu acho que, aos poucos, até um dos meus medos trabalhar nessa área, é
de ficar muito robotizada, assim, sabe, muito... Por isso que eu sempre, eu
tenho um lado meu que gosta muito da clínica, sabe, e por isso que eu
nunca quero deixar de estudar, de ter esse lugar, porque senão tu fica muito
automatizada. Porque isso assim: tu não tem perfil, tu tem perfil, tu não tem
perfil, né...” (Cláudia)
“Eu chegava ao ponto assim que eu nem levantava mais um Zuliger, eu
olhava e já dava o perfil do candidato. Então aquilo me assustava um pouco
porque tinha se tornado um pouco mecânico.” (Graziela)
Reproduz-se no trabalho das psicólogas como selecionadoras as imposições
de rapidez demandadas pelo contexto atual, convivendo processos flexíveis
caracterizados por avanços tecnológicos, juntamente com trabalhos que remetem a
imagens da linha de montagem e de profissionais robotizados.
São empregadas estratégias frente ao sofrimento que o exercício da
atividade de seleção e pessoal impõe. Dentre essas, destacam-se os relatos de que
a prática da seleção lhes desenvolveu uma sensação de endurecimento e frieza
progressivos ao longo da atuação:
“E não sei assim, eu tava tentando relembrar a minha vida quando eu
comecei a fazer seleção e como é hoje pra mim. No início, eu acho que eu
fui me endurecendo, guria, é horrível dizer isso, mas eu acho que isso foi
acontecendo comigo.” (Ana)
“Talvez, até, porque essa própria prática de seleção endureça as pessoas,
né. Talvez o profissional tenha que utilizar uma maior rigidez, entende...”
(Débora)
“Olha, eu, assim, agora, eu acho que eu já to num momento assim cruel,
sabe, desse movimento... que chega um ponto que banaliza isso, na tua
vida. Isso se torna assim meio que habitual e tu não te mobiliza mais. Então,
é uma coisa assim até cruel da gente dizer, mas é essa a realidade, tu
99
convive com essa realidade tão forte todos os dias, que ela não te impacta
mais, não te choca mais.” (Graziela)
“Eu acho que é um trabalho que a gente acaba, depois de um certo tempo,
também ficando um pouco fria, assim, porque daqui a pouco é tanta gente
necessitada, tanta gente que precisa e ao mesmo tempo tu ta tendo que
atender um interesse, né, de uma empresa, e que tu acaba selecionando ou
não selecionando, que isso, às vezes tu te vê meio que no automático,
fazendo assim, né. Mas eu acho que se a gente para pra pensar, realmente
a realidade é muito triste.” (Joana)
Este endurecimento é qualificado, ainda, como um amadurecimento
profissional, também associado a uma melhor performance na atividade de
selecionar pessoas. É o endurecimento/amadurecimento que permite que as
profissionais se envolvam menos com as características dos candidatos que as
sensibilizam. Assim, com o endurecimento progressivo, sentem-se mais eficientes
na atividade:
“Não sei se era por imaturidade, o que que era assim que eu não, ou por
humanidade mesmo (risos), o que é que acontecia... Hoje eu não penso
assim. Hoje assim, se eu tenho que fazer uma seleção eu penso na
empresa. (...) Eu virei do lado, meu olhar. Antes eu me identificava mais
com as pessoas e com a vontade delas de trabalhar, hoje eu me identifico
com a empresa. E o jeito que eu faço seleção é muito mais eficiente pras
empresas. (...) Ah, eu acho que é uma maturidade profissional que vai
adquirindo. Eu não sei exatamente assim o que que faz. Mas tu vai
começando a conhecer, tu vai começando a ser mais profissional.” (Ana)
Aprender a controlar esta sensibilidade é considerada uma tarefa
inquestionável para o selecionador que busca seguir na carreira:
“Mas essa é a nossa realidade, né, como é que tu lida com isso, podendo
arbitrar quem pode e não pode entrar, entende? Então são coisas que
fazem parte do nosso dia a dia e que a gente tem que aprender a lidar.”
(Graziela)
“(...) passou da porta da empresa, tu vai ter que apagar ali, esquecer ali, e
tocar a tua vida. E hoje eu to conseguindo lidar bem com isso, assim. Eu
faço o que eu tenho que fazer, eu faço o meu possível, às vezes o
impossível, mas eu sei que, passou da porta, ‘bom, amanhã a gente vê’, né,
‘hoje acabou’.” (Joana)
Utilizar mecanismos de defesa é uma das formas reconhecidas para lidar
com o sofrimento:
100
“(...) apesar da gente trabalhar direto com isso, acaba criando também um
mecanismo de defesa de não, né. Porque se tu for pensar cada momento
que tu vai ter que dizer um não, não poderia ta trabalhando, né... Assim
como médico, talvez, que também cria esse mecanismo de defesa pra lidar
com a doença o tempo todo, com a morte dentro de um hospital, o psicólogo
também, quando ta ali no momento de seleção, ele, em determinados
momentos, ele tem que lidar com uma situação.” (Joana)
A fim de amenizar o difícil processo de escolha, a isenção do poder de
decisão a elas atribuído demonstrou-se uma alternativa para diluir o sofrimento.
Assim, entende-se que não é a psicóloga que enxerga ou não as potencialidades
dos candidatos e sim eles que as demonstram, ou não. Além disso, a justificativa de
que sua função se restringe a sugerir candidatos e não escolhê-los foi recorrente
nos depoimentos:
“Se bem que a gente sabe que as condições não somos nós que avaliamos,
mas é o próprio candidato que vai nos mostrar ou não.” (Graziela)
“Quem eu vou escolher? Assim quem eu vou sugerir! Porque eu não
escolho, quem escolhe são eles.” (Ana)
“Eu nunca decidi sobre as pessoas que iriam adiante num processo seletivo.
(...) Mas o processo de escolha eu nunca peguei pra mim, porque eu acho
que não é esse o nosso papel assim, né, o papel de escolher e de se
responsabilizar pelo processo é do gestor, ele é que tem que fazer isso (...)
Eu até tenho as minhas preferências, mas eu não trabalho elas com o
gestor. Eu deixo que ele identifique as suas preferências. A não ser que
seja pra minha área, né.” (Helena)
“Não gosto do termo ‘selecionar’, parece que pega o que é ruim e põe pra
um lado e o que é bom põe pra outro, e eu acho que não é isso né.” (Joana)
O tratamento pessoal através de psicoterapia é considerado uma importante
forma de amenizar os sentimentos advindos da prática da seleção. É avaliado como
uma ferramenta que as auxilia a evoluir enquanto pessoas e enquanto profissionais,
pois possibilita que possam distinguir suas questões pessoais dos sentimentos
despertados pelos candidatos. Reconhecendo suas limitações e investindo em suas
potencialidades através da psicoterapia, as psicólogas se sentem amadurecendo e
administrando melhor seus sentimentos:
“E eu acho também, que foi uma coisa que me auxiliou muito é fazer
terapia, né? Eu fiz análise, na verdade análise por anos, assim, e foi muito
101
bom. Porque aí tu tem um espaço pra discutir a tua individualidade, frente
às coisas que a instituição te provoca, né, às vezes os candidatos, os
colegas, porque muito eu acho que pode ser trabalhado no ambiente de
trabalho, algumas coisas tu tem que crescer por ti.” (Beatriz)
“Eu costumo manter o meu tratamento, né, eu acho que isso é muito
importante.” (Débora)
“Eu faço terapia. Importante. Isso eu aprendi com terapia. É, muito, porque
senão o que é que acontece, tu tem um poder ali de ta decidindo, e de
repente ta usando ali as tuas transferências, os teus sentimentos, pra tomar
uma decisão sobre... né. Excluir outros, incluir um.” (Edith)
“Eu acho muito importante, porque a gente vive etapas da vida em que a tua
autopercepção evolui, se altera, e enfim, acho que é algo fundamental...”
(Fabiana)
Ao culpabilizarem-se pela fraqueza de serem sensíveis perante o sofrimento
dos candidatos, as psicólogas procuram elas próprias encontrar uma solução para
essa questão. Assim, conforme Langenbach e Negreiros (1988), as psicoterapias
funcionam como uma promessa para uma inserção mais exitosa na profissão, pois o
fracasso do psicólogo é atribuído, muitas vezes, à dificuldade de caráter emocional,
já que é consensual que sua personalidade é o seu instrumento de trabalho.
As psicólogas percebem, de uma forma geral que, da mesma forma como
cada candidato deve ser responsável pela sua empregabilidade, elas também
necessitam procurar formas de amadurecer e administrar seus sentimentos diante
da atividade. Assim, a cultura do individualismo se faz notar, confirmando a proposta
de Bauman (2001) de que os medos, ansiedades e angústias contemporâneos são
feitos para serem sofridos em solidão.
Ao mesmo tempo a cultura do individualismo fundamenta a
responsabilização do candidato pelo resultado do processo seletivo, o que acaba
funcionando como um mecanismo de controle do sofrimento vivenciado no exercício
da atividade. Por sua vez, a responsabilização é atribuída também a si para que
esse sofrimento possa ser evitado.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações introduzidas nos contextos de trabalho nos últimos anos
repercutiram entre os trabalhadores através de processos de enxugamento de
pessoal e da reconfiguração das políticas e práticas de recursos humanos. O
trabalho do psicólogo nas organizações foi diretamente implicado neste processo e o
acompanhamento da trajetória profissional de uma psicóloga durante seus vinte e
cinco anos de trabalho serviu como estímulo investigativo para desvelar as
repercussões que as transformações no mundo do trabalho imprimem na mais
recorrente (e também uma das mais polêmicas) atividade da área – a seleção de
pessoal.
O Caso Sentinela é revelador do lugar do psicólogo no processo de
enxugamento das empresas, inclusive sua inclusão neste processo. A redução de
pessoal e conseqüente aumento do desemprego se reflete nas políticas e práticas
de seleção em um cenário de escassez de vagas de trabalho e abundância de mão-
de-obra excedente no mercado.
103
Por se tratar de experiências e vivências, portanto, de sentidos e significados
singulares aos sujeitos envolvidos na atividade de seleção de pessoal, esta
dissertação não se propôs a retratar verdades absolutas. As formulações foram
construídas a partir da interação entre pesquisadora/pesquisadas, fundamentadas
nos referenciais teóricos e contextualizadas no cenário sócio-histórico.
As psicólogas que realizam seleção de pessoal e que participaram do estudo
são mulheres jovens, com pós-graduação em psicologia ou administração de
empresas. Sua formação, tanto em nível de graduação como de pós-graduação se
fizeram em instituições de ensino privadas. São representativas de uma tendência
no universo da psicologia, de formação continuada (LANGENBACH; NEGREIROS,
1988) e da expansão do ensino superior predominantemente privado, especialmente
em relação à psicologia (BERNARDES, 2004).
Entre as participantes, 50% tem contrato de trabalho com vínculo
empregatício; a outra metade, por sua vez, atua como consultora ou prestadora de
serviço em psicologia, sem vínculo empregatício (mesmo quando exercendo
atividades uma organização e com carga horária semanal regular). Segundo Furtado
(2003), o Brasil tem uma economia informal com mais de 50% da população
economicamente ativa, quadro que também se verifica entre a categoria dos
psicólogos. No campo da psicologia organizacional e do trabalho, tal tendência se
consolidou com a prática recorrente de terceirização das atividades de recursos
humanos enquanto tendência aconselhada nos processos de reestruturação
produtiva, principalmente, a partir da década de noventa. Contata-se, também, que
os próprios psicólogos se submetem à violação das regras trabalhistas em situações
que caracterizam vínculo empregatício, prática disseminada na realidade brasileira.
104
A formação em psicologia é percebida como facilitadora para o
desenvolvimento da sensibilidade para perceber aspectos “invisíveis” que permeiam
as relações entre os indivíduos e as organizações. No entanto, é a prática e a
experiência que vão instrumentalizar esse feeling, o que é representado como um
amadurecimento profissional. Mais do que uma técnica de seleção, o feeling
corresponde à capacidade de compreender como os projetos ideológicos e culturais
da organização se aproximam, ou se ‘encaixam’; ou, pelo contrário, se distanciam
dos projetos dos sujeitos.
A matriz adaptativa é recorrente como critério fundante que pauta o ‘olhar’
da psicologia na atividade de selecionar pessoas. Matriz adaptativa reconhecida por
Patto (1984) como característica que dá homogeneidade às práticas em psicologia e
que, no campo da psicologia organizacional e do trabalho, vêm se mantendo como
uma regularidade desde as primeiras incursões na área. O ideal do ‘homem certo
para o lugar certo’ continua e se amplia para a ‘organização certa’ frente às novas
exigências de flexibilização nas tarefas e de trabalhadores polivalentes. Neste
processo, percebe-se uma não problematização do campo de atuação, expressando
uma dicotomia entre teoria (o lugar da reflexão) e a prática. Segundo Spink (1996), o
pressuposto da neutralidade no exercício prático da psicologia é recorrente desde as
suas primeiras aproximações com o mundo do trabalho:
Psicologia era para ser aplicada ao campo do trabalho e das organizações,
conseqüentemente assumia-se que a problematização da psicologia seria
feita onde se fazia a psicologia, não onde se aplicava. Os dois são instâncias
e lugares distintos. Ao agir dentro da ótica da separação entre teoria e
aplicação, caiu-se no terreno restritivo onde a preocupação social do
psicólogo enquanto ser-no-mundo poderia influenciar o tipo de problema que
queira resolver, mas a maneira de resolvê-lo permaneceria presa àquilo
disponível para aplicação. Portanto, o mundo do trabalho e das organizações
é um campo de atuação e não um fenômeno a ser compreendido, porque na
hierarquia implícita da ciência esse não é o papel do aplicador (p.182).
105
No que se refere às experiências em seleção de pessoal, as modalidades da
atividade abarcam técnicas, públicos e focos de análise diferenciados. Nesse
sentido, o nível do cargo selecionado é considerado como um fator determinante
para as variações nas modalidades de seleção. Este fator repercute principalmente
no tempo de seleção e no emprego de procedimentos mais ou menos invasivos. Não
cabe, todavia, classificar todas essas modalidades como unidade em relação aos
procedimentos empregados, mas uma unidade em relação ao princípio que lhes
fundamenta: a previsibilidade de adaptação do sujeito ao trabalho.
Há um reconhecimento de que o atual contexto social favorece o uso de
critérios mais exigentes na seleção de pessoal, principalmente em relação a
qualificação dos candidatos. Tal tendência é reconhecida como um agravante na
marginalização dos trabalhadores com baixa qualificação (POCHMANN, 2001;
CASTEL, 1998).
As vivências de satisfação relatadas pelas participantes estão associadas ao
sentimento de gratidão despertado nos profissionais selecionados e, ainda, ao fato
de se constituírem uma referência para esses trabalhadores na organização. Além
disso, a possibilidade de realizar uma orientação aos trabalhadores acerca de suas
escolhas na carreira profissional e repassar dicas para um melhor desempenho em
processos seletivos, são também consideradas fontes geradoras de prazer e de
satisfação. Tais sentimentos vêm ao encontro do ideário da profissão de ajudar os
outros, compreendido como um dos principais motivos de escolha pela área da
psicologia (Carvalho et al., 1988). Os autores reconhecem ainda, neste ideário, uma
expressão da necessidade de poder e de controle sobre o outro na medida em que
um conhece e o outro é conhecido.
106
As vivências de satisfação repercutem em uma avaliação positiva e
valorizada da atividade de selecionar pessoas. Esta é compreendida como uma
função essencial para o mundo do trabalho e, portanto, avaliada como passível de
investimentos promissores por parte das empresas.
Sentimentos de pena e compaixão despertados por candidatos
desempregados são reconhecidos e são representados como geradores de
sofrimento. As vivências de sofrimento se associam, ainda, à necessidade de
exclusão de trabalhadores avaliados como não indicados nos processos seletivos,
fatores percebidos como contrário ao legado humanista conferido à psicologia.
A fim de lidar com o sofrimento, há um progressivo endurecimento ou frieza
diante da situação diária de trabalho, qualificado como amadurecimento profissional.
Algumas estratégias são empregadas para aliviar este sofrimento: a busca por
psicoterapia, a convicção de que a seleção realizada não é uma escolha, mas uma
sugestão e a responsabilização do candidato pelo resultado obtido. Conforme
Santana (2002), na lógica de que não há empregos para todos, só para os mais
talentosos, mais capazes ou mais espertos, cabe ao indivíduo garantir e aumentar
sua empregabilidade, demonstrando integral comprometimento e motivação à
organização.
Tal lógica, segundo Bernardes (2004), é pautada em uma perspectiva
neoliberal de que o indivíduo corresponde à medida de todas as coisas, visto que
todos teriam as mesmas oportunidades. Nessa perspectiva, há toda uma
argumentação de causalidades para os que fracassam, centrada no próprio
indivíduo. As concepções sobre competências e habilidades, ao invés de serem lidas
como conceitos derivados de negociações sociais, são compreendidos como
107
elementos de uma natureza individual. Na versão individualizada da modernidade, a
responsabilidade pelo fracasso pesa principalmente sobre os ombros dos indivíduos
(BAUMAN, 2001).
Bernardes (2004), citando Ramos
24
, assinala que esta lógica assumida pela
psicologia serve aos interesses de uma sociedade neoliberal:
A pretensa neutralidade da psicologia - condição fundamental, para alguns,
da construção do conhecimento - serviu aos interesses da lógica liberal
capitalista, onde, por princípio, a liberdade de escolha e a igualdade de
oportunidades se constituem enquanto direitos de todos os cidadãos. Assim,
a justificativa para as diferenças sociais encontrasse na capacidade e esforço
de uns, o que leva ao sucesso, e na incapacidade ou pouco empenho de
outros, o que será o fracasso, seja ele escolar, profissional ou econômico
(Ramos et al., 1999, p.222).
Assim, a psicologia e neoliberalismo se tocam na concepção de ser humano
enquanto indivíduo (considerado livre, autônomo, independente e consciente de si).
A seleção de pessoal, ao assumir esses pressupostos, justifica-se e não se
contrapõe aos ideários humanistas da psicologia.
Ao expressar dimensões do processo histórico mais amplo, a psicologia
remete, necessariamente, a embates, tensões e conflitos, embora também partilhas
e interseções, cujos desfechos não estão dados a priori. Nesse sentido, parte-se da
concepção de que cabe à psicologia perceber-se como um fenômeno social,
pesquisando a si própria e refletindo sobre seus princípios e suas práticas.
24
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114
APÊNDICE
115
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
1. Título: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS DE PSICÓLOGAS ORGANIZACIONAIS E DO
TRABALHO EM SELEÇÃO DE PESSOAL.
Este estudo está sendo realizado por Ticiana Schossler (mestranda do PPG em
Psicologia Social e Institucional da UFRGS), orientada por Maria da Graça C. Jacques
(professora doutora do PPG em Psicologia Social e Institucional da UFRGS).
2. Objetivo:
Investigar os modos de experienciar e vivenciar a atividade de seleção de
pessoal na perspectiva de psicólogos organizacionais e do trabalho.
3. Procedimentos: Entrevistas com psicólogos organizacionais e do trabalho que exerçam
atividade de seleção de pessoal.
4. Garantias e direitos do participante: Os dados de pesquisa serão consultados somente
para fins acadêmicos, sempre em caráter reservado, com garantia de manutenção da
integridade do depoimento. Os dados de identificação do participante serão mantidos em
sigilo e apenas os resultados globais serão divulgados. Em qualquer etapa da pesquisa, o
voluntário poderá retirar seu consentimento, deixando de participar do estudo.
Eu, _____________________________________________________, concordo em
participar voluntariamente desta pesquisa. Estou ciente dos objetivos e dos procedimentos
do estudo. As minhas dúvidas sobre a pesquisa foram esclarecidas e questionamentos
futuros poderão ser respondidos através de contatos com a pesquisadora, pelo telefone (51)
3388 5279.
Porto Alegre, ____ de ________ de 2005.
________________________________
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