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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IGNÊS TEREZA PEIXOTO DE PAIVA
CLIMA ORGANIZACIONAL E CULTURA ESCOLAR:
Uma Análise na
Escola Estadual Almirante Tamandaré – Comunidade Indígena Umariaçu II
- Município de Tabatinga
MANAUS
2006
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IGNÊS TEREZA PEIXOTO DE PAIVA
CLIMA ORGANIZACIONAL E CULTURA ESCOLAR:
Uma Análise na
Escola Estadual Almirante Tamandaré – Comunidade Indígena Umariaçu II
- Município de Tabatinga
Dissertação apresentada à Comissão
Examinadora da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Amazonas, como
requisito parcial à obtenção do Título de
Mestre em Educação, sob a orientação da
Professora Doutora Valéria Augusta de
Medeiros Weigel.
MANAUS
2006
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FOLHA DE APROVAÇÃO
IGNÊS TEREZA PEIXOTO DE PAIVA
CLIMA ORGANIZACIONAL E CULTURA ESCOLAR:
Uma Análise na
Escola Estadual Almirante Tamandaré – Comunidade Indígena Umariaçu II -
Município de Tabatinga
Dissertação apresentada à Comissão Examinadora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação, sob a
orientação da Professora Doutora Valéria Augusta de Medeiros Weigel.
________________________________
Valéria Augusta de Medeiros Weigel.
Professora Doutora
Orientadora
________________________________
Examinador (a)
________________________________
Examinador (a)
Manaus
2006
12
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai Oswaldo
Antonio de Paiva, a minha Mãe (in memoriam)
Maria Constança Peixoto de Paiva e a minha
filha Laura Carolina Peixoto de Paiva, pelo
apoio moral que me dedicaram.
13
AGRADECIMENTO
Muito obrigada a todas as pessoas que estiveram comigo
neste período, participando na construção deste trabalho;
A minha mãe, que me ensinou a ver beleza nas pequenas
coisas. Aprendi a olhar a vida de frente, a lutar pelos meus
ideais. O que sou hoje devo a você, que foi uma grande
mulher;
Ao meu pai, que é o meu grande tesouro, homem da minha
vida, pela seriedade, pelo incentivo e apoio nesse momento;
A minha adorada filha Laura, minha cria, tão amada e tão
querida, que apesar de tudo me incentivou muito;
A minha orientadora, Profa Dra. Valéria Augusta de Medeiros
Weigel, pelas portas que abriu, pela generosidade e,
principalmente, por construir comigo este trabalho;
A Daniele minha irmã, que segurou a barra na minha
ausência;
A minha adorada comadre Cristiana, que na minha ausência
me ajudou a superar as dificuldades;
A minha turma de mestrado, amigos que exploraram comigo
este universo de conceitos. Agradeço, em especial, a Eunice
e Camilo, por amar o que fazem e por srem, como eu, à procura
de novos conhecimentos.
Ao Sr. Pimentel, sempre disponível nas manhãs e tardes,
atendendo meu chamado para as idas e vindas à
Universidade.
Aos meus alunos do Centro de Estudos Superiores de
Tabatinga UEA, pela paciência e o carinho no momento de
14
construção da dissertação.
Aos queridos amigos da Comunidade Indígena Umariaçu II,
em especial Nilson, Sr. Moura, Sr Pedro, Maria, pelo
aprendizado recebido.
Ao corpo docente e discente da Escola Estadual Almirante
Tamandaré, em especial Prof. Raimundo e Profa Marlene, e
Dona Melita, pela realização dessa pesquisa.
Ao meu colaborador Sr. Walmir, sertanista da FUNAI, por
todas as trocas de informações sobre a história do povo
Ticuna.
As pessoas que estiveram no meu dia a dia e, através de seu
companheirismo e amizade, contribuíram para a realização
dessa dissertação.
Enfim, ao ser superior, Deus o grande responsável por todo
universo.
15
“Há muito tempo que eu saí de casa, muito tempo que eu caí na
estrada.
muito tempo que eu estou na vida, foi assim que eu quis assim
eu sou feliz.
Principalmente por poder voltar a todos os lugares onde já passei
pois deixei um prato de comida, um abraço amigo, um canto pra
dormir e sonhar.
E aprendi que se depende sempre de tanta, muita diferente gente
toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras
tantas pessoas.”
Gonzaguinha
16
RESUMO
Este estudo buscou analisar a Escola Estadual Almirante Tamandaré Comunidade
Indígena Umariaçu II, com a intenção de investigar os limites e as possibilidades de
reinvenções da escola na comunidade indígena. É o imprescindível perfazer o caminho
para uma relação intercultural, que se constitui no espaço organizacional, através das inter-
relações humanas, culturais, sociais, profissionais e pedagógicas, provenientes do estilo de
liderança, do clima e da cultura gerada, considerando as diversidades apresentadas pelos
grupos, numa perspectiva de inovação e mudança. Esta dissertação foi elaborada a partir
das seguintes inquietações: Como as relações humanas, sociais, culturais, profissionais e
pedagógicas criam condições de interação na escola? Como se apresenta a
interculturalidade no cotidiano da escola indígena? Como a eficácia da escola indígena e o
sucesso dos alunos são afetados pela cultura e o clima organizacional? De que forma a
gestão da escola indígena condiciona as inovações e mudanças na cultura e no clima
organizacional? Formula também uma compreensão escola a partir de uma perspectiva da
interculturalidade que é fundamental para vincular o processo educacional com a dimensão
étnico-cultural dos alunos. A interculturalidade nos leva a tomar à escola como um espaço
compartilhado e determinado pela convivência, compreendendo suas dimensões culturais
e sociais. Isso se comprovou nas falas dos sujeitos da pesquisa que são trazidas para que
possamos pensar a educação intercultural para além da concepção de que seja um espaço
de invasão de uma cultura sobre outra, ou apenas uma possibilidade de reinvenção da
escolarização tradicional por parte destes povos, mas como um próprio espaço de trânsito,
um espaço fronteiriço que aproxima duas ou mais culturas, onde uma é influenciada pela
outra, num caminho de duas mãos. Outro ponto é a importância do papel da gestão escolar
representado pelo líder como uma das variáveis freqüentemente associadas à existência
de um clima positivo ou negativo, procurando identificar as qualidades de liderança
organizacional da escola mais fortemente relacionadas com a promoção de inovações e
mudanças.
Palavras-chave: Clima organizacional; cultura escolar; educação indígena; estilo de
liderança.
17
ABSTRACT
This study Admiral Tamandaré searched to analyze the State School Aboriginal Community
Umariaçu II, with the intention to investigate the limits and the possibilities of renitence’s of
the school in the aboriginal community. It is the essential one to prefacer the way for an
intercultural relation, that if constitutes in the organizational space, through the Inter-
relations human beings, cultural, social, professional and pedagogical, proceeding from the
style of leadership, the climate and the generated culture, considering the diversities
presented for the groups, in a perspective of innovation and change. This dissertação was
elaborated from the following fidgets: How the relations social, cultural, professional and
pedagogical human beings, create conditions of interaction in the school? How is presented
the interculturalidade in the daily one of the aboriginal school? How the effectiveness of the
aboriginal school and the success of the pupils are affected by the culture and the
organizational climate? Of that it forms the management of the aboriginal school conditions
the innovations and changes in the culture and the organizational climate? It also
formulates an understanding school from a perspective of the interculturalidade that is basic
to tie the educational process with the ethnic-cultural dimension of the pupils. The
interculturalidade in takes them to take to the school as a space shared and determined for
the connivance, understanding its cultural and social dimensions. This if proved in says
them of the citizens of the research that are brought so that let us can think the intercultural
education for beyond the conception of that is a space of invasion of a culture on another
one, or only one possibility of reinvenção of the traditional escolarização on the part of
these peoples, but as a proper space of transit, a bordering space that approaches two or
more cultures, where one is influenced by the other, in a way of two hands. Another point is
the importance of the paper of the pertaining to school management represented by the
leader as one of the 0 variable frequently associates to the existence of a positive or
negative climate, looking for to identify the qualities of organizational leadership of the
school more strong related with the promotion of innovations and changes.
Word-key: Organizational climate; pertaining to school culture; aboriginal education;
leadership style.
18
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO I
1. O CULTURAL E O SIMBÓLICO NA DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO
ESCOLAR 24
1.1. Cultura e Identidade 24
1.2. Escola e Diversidade Cultural 33
1.3. Escola Como Espaço Simbólico 36
1.4. Clima Organizacional, Estilo de Liderança e Cultura da
Organização Escolar. 39
1.5. Gestão Escolar Numa Perspectiva Cultural 49
1.6. Organização Escolar Indígena 58
CAPÍTULO II
2. CULTURA E CLIMA ESCOLAR NO CONTEXTO DA ESCOLA INDÍGENA
ALMIRANTE TAMANDARÉ
66
2.1. Elementos da História Ticuna 66
2.2. Interculturalidade e Diversidade Cultural na Escola Estadual
Indígena Almirante Tamandaré.
77
2.3. Cultura Escolar e Clima Organizacional no Contexto da Escola
Estadual Indígena Almirante Tamandaré. 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS: INOVAÇÕES E MUDANÇAS 106
REFERÊNCIAS 114
ANEXOS 119
19
INTRODUÇÃO
Este trabalho teve a proposta de fazer uma análise da escola enquanto
contexto organizacional e local de desenvolvimento pessoal e social, não para
os alunos, como também para os profissionais que a constitui, através do tipo de
inter-relações humanas, sociais, profissionais e pedagógicas promovidas; das
formas de liderança exercidas, do clima organizacional e da cultura escolar
geradas.
Nunca é demais afirmar que o desenvolvimento pode ser considerado
como a finalidade da educação. Esta idéia de desenvolvimento encerra a noção de
uma permanente construção, quer daquilo que a pessoa vai conhecendo, quer
daquilo que vai sabendo fazer, quer mesmo daquilo em que a pessoa vai se
tornando; concepção válida para todos que habitam o espaço escolar, membros de
uma comunidade educativa.
O objetivo deste estudo esteve centrado na compreensão da escola
indígena enquanto espaço organizacional, que se constitui através das inter-
relações humanas, sociais, profissionais e pedagógicas, provenientes do perfil de
gestão escolar, do clima e da cultura gerados, considerando as diversidades
apresentadas pelos grupos que estão inseridos na escola, numa perspectiva de
inovação e mudança, procurando explorar as características do clima de escola
valorizadas pelos professores, que influenciam nas inovações e mudanças.
Também destaca a importância do papel do líder como uma das variáveis, mais
freqüentemente associada à existência de um clima positivo ou negativo,
procurando identificar as qualidades de liderança organizacional da escola, mais
fortemente relacionadas com a promoção de inovações e mudanças.
20
A temática, Clima Organizacional e a Cultura Escolar, partiu de uma análise
na Escola Estadual Almirante Tamanda estabelecendo relações de
reconhecimento do papel da pesquisa, levando em consideração os contextos
educativos e suas múltiplas referências, significando as várias abordagens da
realidade que podem ser verdadeiras, e possíveis, a qualquer tipo de
conhecimento, cultura, senso comum, etc., sendo tão válidos como o científico. Isso
significou não aprofundar as dicotomias existentes, mas, a partir do
reconhecimento das diferenças, visou construir um novo conhecimento na práxis
social, além da investigação do contexto educativo da escola indígena que implicou
considerar os sujeitos-aprendizes como enraizados numa realidade sócio-cultural
heterogênea, com sua intersubjetividade, visto que implica as diferenças, como o
princípio para o processo de construção do conhecimento.
A temática selecionada prende-se ao clima e à cultura, que o conceitos
bastante próximos. Do mesmo modo que a cultura, o clima inclui comportamentos
repetidos, normas, valores dominantes, regras do jogo. Mas, enquanto a cultura
insiste no que é comum na organização, o clima descreve igualmente o que é
diferente ou contraditório.
O papel da escola nas sociedades indígenas é de proporcionar uma
educação que considere os aspectos humanos, sociais, culturais, profissionais e
pedagógicos que fazem interface com a sociedade envolvente, tendo como maior
desafio o de educar e trabalhar com a cultura, mas sem perder de vista a relação
que se tem com a sociedade envolvente. A escola indígena, pensada em conjunto
com os sujeitos envolvidos, professores, alunos e comunidade, pode possibilitar a
relação entre educação escolar e a vida em sua dinâmica histórica na medida em
que puder trabalhar com os conhecimentos provenientes da própria comunidade,
relacionados aos conhecimentos oriundos da sociedade na qual a comunidade se
insere.
A temática construída nessa dissertação fundamentou-se em um referencial
teórico que articula conceitos de cultura, identidade, clima organizacional e cultura
escolar, educação indígena, gestão escolar e estilo de liderança e na análise do
clima organizacional e da cultura escolar vivenciado no contexto da Escola
Estadual Almirante Tamandaré, localizada à margem esquerda do Rio Solimões, na
21
Comunidade Indígena Umariaçu II, no Município de Tabatinga. Como sujeitos: 32
professores, sendo 15 professores indígenas e 17 não-indígenas; 02
administrativos, 01 indígena e 01 o indígena; 07 auxiliares de serviços gerais, 05
indígenas e 02 não indígenas; 1.160 alunos distribuídos nos turnos Matutino,
Vespertino e Noturno, distribuídos nos níveis de Ensino Fundamental de a 8ª,
Ensino Médio e na modalidade da Educação de Jovens e Adultos; pais e
comunidade onde se desenvolveu a pesquisa, com base em uma análise crítica
sobre o modelo organizacional da escola indígena, a partir de uma perspectiva
sócio-antropológica do cotidiano educacional, e de suas inter-relações humanas,
sociais, culturais, profissionais e pedagógicas provenientes da cultura, do clima e
da gestão escolar, mediante as diversidades apresentadas pelos grupos que estão
inseridos na escola e a situação de interculturalidade.
O que se apresenta na realidade da Escola Estadual Almirante Tamandaré
são situações de distanciamento entre o instrumento legal, que determina uma
proposta de escola indígena que deva ser intercultural, que promova o intercâmbio
e a troca de conhecimentos, propondo um espaço em que se oportunize pôr em
contato diferentes concepções culturais, destacando as práticas formais e informais
realizadas no cotidiano da escola, que negam o desempenho das dimensões
pedagógicas administrativas e de relacionamento com a comunidade, seguindo as
normas do Sistema Público de Ensino Estadual. Tal situação vem negando as
peculiaridades da escola indígena, tornando-se uma escola de branco em maloca
de índio (WEIGEL, 2000)
Com este trabalho, empreendeu-se um estudo com a finalidade de investigar
como se constrói o clima organizacional, a cultura escolar e o estilo de gestão
escolar, mediante as relações humanas, sociais, culturais, profissionais e
pedagógicas no interior da Escola Estadual Almirante Tamandaré na Comunidade
Indígena Umariaçu II, a partir das seguintes indagações sobre a problemática:
1 - Quais as formas de vivência da diversidade cultural na escola indígena?
2 - De que forma a gestão da escola indígena condiciona as inovações e
mudanças na cultura e no clima organizacional escolar?
3 - Como as relações humanas, sociais, culturais, profissionais e
22
pedagógicas criam condições de interação na escola?
4 - Como a eficácia da escola indígena e o sucesso dos alunos são afetados
pela cultura e o clima organizacional?
5 - Como se apresenta a interculturalidade no cotidiano da escola indígena?
6 - Como a cultura e o clima da organização escolar condicionam a produção
das inovações e mudanças no ambiente escolar, a partir das relações humanas,
sociais, culturais, profissionais e pedagógicas?
O clima organizacional e a cultura escolar são fatores decisivos no
funcionamento da escola, que podem ser definidos como pressupostos básicos,
inventados, descobertos ou desenvolvidos por um grupo, à medida que aprendeu a
lidar com os seus problemas de adaptação externa e de integração interna, que
funcionou bem o suficiente para ser considerado válido. Sua composição se por
inúmeras variáveis relacionadas entre si e modeladas com o somatório das
cognições e vivências técnicas, administrativas, políticas, estratégias e
psicossociais, que justapõem fatores humanos individuais, relacionamentos
grupais, interpessoais, formais e informais. Considera-se que o clima
organizacional e a cultura escolar devem distinguir cada organização das restantes
e agregar os membros das instituições em torno de uma identidade partilhada,
facilitando a sua adesão aos objetivos gerais da organização. Remete, portanto,
para a idéia de identidade, de distinção, ou seja, daqueles caracteres que torna
particular e distinguem uma organização da outra.
Nesse sentido, a dimensão cultural na formação do clima resulta das
interações dos indivíduos que formam a partir do nada uma estrutura de referência
comum, sendo condicionados nas interações pelos profundos e anteriores
significados veiculados pela cultura organizacional, a qual se expressa sob a forma
de valores, normas e mitos. Resulta que o clima é criado pela interação de um
grupo de indivíduos, que partilham uma cultura organizacional, a qual influencia na
percepção das características organizacionais.
O estudo proposto surgiu, portanto, da inquietação e da necessidade de
compreender sobre o referencial da cultura e o clima organizacional da escola
23
indígena, como instrumento para análise de inovações e mudanças que se
processam no interior da escola, a partir de uma abordagem qualitativa para a
visualização de uma organização escolar indígena voltada para uma proposta de
que a escola diferenciada deve permitir acesso a conhecimentos necessários a um
novo tipo de interlocução com o mundo de fora da aldeia, valorizando e
sistematizando conhecimentos tradicionais, e servindo de instrumento para a
construção de projetos autônomos de futuro para essas comunidades. Envolveu
uma multiplicidade de atores e diferentes aspectos da prática cotidiana da escola, a
partir da compreensão das inter-relações que nela são estabelecidas, e que
definem a construção e reconstrução permanente de sua cultura.
Esse interesse pelo estudo em causa, vem se constituindo ao longo dos
nossos anos de vida acadêmica, iniciando como aluna do Curso de Pedagogia,
com habilitação em Administração Escolar, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Amazonas; como aluna do Curso de Especialização em
Educação de Jovens e Adultos; e também da prática como professora do ensino
Médio da rede estadual de ensino; bem como pedagoga, atuando em escolas do
Ensino Médio na rede blica de ensino; da experiência como técnica do
Departamento de Políticas e Programas Educacionais da Secretaria de Estado da
Educação - SEDUC; e como professora substituta da Universidade Federal do
Amazonas e do Programa Especial de Formação Docente - PEFD.
A experiência tanto como professora do Ensino Médio, da rede estadual
quanto de pedagoga, oportunizou vivenciar o descaso do sistema educacional com
a escola pública. As práticas que eram desenvolvidas com os alunos do ensino
médio noturno, sem considerar o seu contexto no qual estão inseridos, enaltecendo
a cultura da reprovação presente no próprio contexto escolar, contribuindo para os
elevados índices de reprovação, assim como o descaso com a organização do
trabalho pedagógico, que não proporciona práticas participativas, a inter-relações
humanas, profissionais e pedagógicas no interior da organização escolar.
Como técnica do Departamento de Políticas e Programas Educacionais-
DEPPE, da Secretaria de Estado da Educação do Amazonas - SEDUC, foi possível
percebemos a inexistência de iniciativas, com o propósito de organizar a escola a
partir de uma visão emancipátoria, e se pôde, também, constatar o uso de práticas
24
vinculadas à organização empresarial, não levando em consideração uma
perspectiva cultural de organização escolar, prevalecendo a perspectiva de
administração da qualidade total.
Através da experiência como professora universitária, ministrando as
disciplinas Estágio Supervisionado e Organização do Trabalho Pedagógico e
Gestão Escolar, foi possível acompanhar o cotidiano da escola, e verificar como as
relações pessoais, profissionais e pedagógicas estão sendo desenvolvidas no
interior da organização escolar, colaborando para a existência de um clima e de
uma cultura escolar fechado, não levando em consideração a perspectiva cultural
de educação.
A partir de leituras e análises realizadas no Mestrado, surgiu o interesse de
investigar a cultura e o clima da escola indígena, sobretudo da vontade de
contribuir com a reflexão dessa experiência educacional, pretendendo desvelar as
relações existentes no interior do cotidiano escolar, e as práticas de gestão escolar,
voltada para uma relação verticalizada no ambiente escolar.
Ao vivenciar o cotidiano escolar das Escolas Estaduais do Município de
Tabatinga, enquanto professora da Universidade do Estado do Amazonas e
pedagoga do Sistema Estadual de Ensino, verificamos na Escola Estadual
Almirante Tamandaré, situada na Comunidade Indígena Umariaçu II, o interesse
em investigar a organização da escola, considerando os distanciamentos nas
dimensões pedagógicas, administrativas, e de relacionamento com a comunidade.
O estudo da escola indígena como organização cultural exigiu que se
procurasse compreender o uso que se tem feito desse referencial teórico, na
compreensão de outros tipos de organizações econômicas e sociais produtivas. No
entanto, torna-se necessário fazer considerações relacionadas à educação,
buscando recriar esse referencial teórico e mostrando suas implicações a partir da
transposição do âmbito de estudos sobre comunidades e sociedades mais amplas
para o circuito das organizações escolares.
A partir dos estudos e pesquisas realizadas sobre a Organização da Escola
Estadual Almirante Tamandaré, localizada na Comunidade Indígena Umariaçu II,
no município de Tabatinga, será possível afirmar que os efeitos do clima
25
organizacional e da cultura escolar são múltiplos e importantes, o que irá refletir e
condicionar o êxito das políticas e das estratégias de desenvolvimento quando se
planificam projetos de intervenção e inovação na escola. A eficácia da escola e o
sucesso dos alunos são afetados pelo clima organizacional e pela cultura da
escola, o que torna a organização escolar uma entidade com personalidade própria,
considerando as diversidades apresentadas pelos grupos relevantes no processo
de construção da cultura escolar. Nesse sentido, a análise do clima organizacional
e da cultura escolar pode se tornar instrumento de diagnóstico da vida interna da
escola, possibilitando desenvolver estratégias de inovação contextualizadas,
adequadas e exeqüíveis.
Uma administração da educação que não aceite ficar reduzida ao mero
gerenciamento de recursos humanos e materiais deve criar condições propícias ao
ensino e à aprendizagem. A mudança da cultura na escola precisa começar com a
adoção de novos comportamentos, na busca de respostas mais efetivas às
demandas apresentadas pelo contexto social e a instituição escolar no momento
histórico em que vivemos.
A organização da escola em terras indígenas pode contribuir para que os
povos indígenas encontrem um lugar digno no mundo contemporâneo, mantendo
suas línguas e tradições, e repassando-as às novas gerações. Isso sepossível
na medida em que eles puderem decidir seus próprios caminhos, a partir de
relações mais equilibradas com o mundo de fora da aldeia, assentadas, sobretudo,
no respeito às suas concepções nativas. Edificar escolas indígenas poderá,
também, contribuir para esse processo de autonomia cultural fazendo, sem dúvida,
parte dos diferentes projetos de futuro dos povos indígenas no Brasil.
Para que o estudo fosse realizado, tornou-se necessário a seleção de
objetivos que norteassem a pesquisa sobre o clima organizacional e a cultura
escolar da Escola Estadual Almirante Tamandaré na Comunidade Indígena
Umariaçu II. Os objetivos utilizados na pesquisa visam Compreender a escola
indígena enquanto espaço organizacional, que se constitui através das inter-
relações humanas, sociais, culturais, profissionais e pedagógicas, proveniente da
cultura, do clima e da gestão escolar, considerando as diversidades apresentadas
pelos grupos que estão inseridos na escola, e a situação de interculturalidade.
26
Para atingir de maneira mais específica a investigação na Escola Estadual
Almirante Tamandaré, a pesquisa teve como base a identificação dos traços
culturais que constituem a diversidade existente na escola e a interculturalidade
presente no cotidiano da escola indígena, analisando a cultura e o clima
organizacional da escola indígena, descrevendo as formas de atendimento
oferecidas pela instituição escolar, tanto nos aspectos didático-pedagógicos quanto
no aspecto social e as perspectivas de gestão escolar, relacionadas com a
promoção e dinamização de inovações e mudanças e como a eficácia da escola
indígena e o sucesso dos alunos são afetados pela cultura e o clima organizacional
escolar.
Mediante a utilização desses objetivos, que fundamentam o estudo em
causa, foram enquadrados, essencialmente, num paradigma qualitativo, embora
possuam técnicas de coleta de dados do modelo qualitativo e quantitativo. Sendo
orientada por objetivos de natureza descritiva, a pesquisa inseriu-se numa
abordagem na medida em que se restringe a uma unidade organizacional.
A metodologia qualitativa prende-se, sobretudo, a duas razões. Em primeiro
lugar, e enquadrado no contexto teórico apresentado, está a concepção de que a
realidade humana, social e organizacional é um fenômeno complexo, em
permanente mudança, em desenvolvimento, que pode ser coerentemente
investigado se considerarmos, na pesquisa, toda sua complexidade e o contexto
social que o envolve numa dada situação. Parece-nos, neste sentido, que o
paradigma positivista que suporta o modelo quantitativo, não é suficiente para
interpretar e explicar o jogo de inter-relações dos fatores que influenciam as
situações humanas.
O modelo qualitativo, porém, está dentro do paradigma fenomenológico e
tem como principal objetivo compreender o significado e o sentido das situações e
experiências. Enquanto o modelo quantitativo procura explicar os problemas,
isolando-os do seu contexto, e decompondo-o em partes.
Todavia, sabemos que abordagem qualitativa não substitui a quantitativa,
mas, pelo contrário, a primeira pode ser complementada com a utilização de
instrumentos típicos da segunda, e vice-versa. Devemos reconhecer que ambos os
27
paradigmas têm as suas limitações e as suas vantagens.
A segunda razão que determinou a utilização da metodologia qualitativa
refere-se à natureza do problema de investigação em causa. Pensamos que a
análise do clima organizacional e da cultura de uma escola, e do papel do seu líder
na promoção da criatividade necessária ao desenvolvimento da inovação não pode
ser feita, exclusivamente, com base nos resultados estatísticos de um questionário.
Necessita, também, de uma análise que valorize mais o aspecto subjetivo das
relações dos professores com a organização escolar, e da função da liderança,
tanto sob o ponto de vista formal como informal. A utilização de outros
procedimentos como a observação naturalista e as entrevistas tornou-se então
fundamental.
Neste sentido, a pesquisa foi desenvolvida através da observação
naturalista, que de acordo com Bogdan e Biklen (1994), é também chamada de
trabalho de campo, em que o investigador encontra os sujeitos da pesquisa no
próprio território deles, passando muito tempo juntos. O objetivo do investigador é
aumentar o nível de vontade dos sujeitos, encorajando-os a falar sobre aquilo de
que costumam falar e fazer, sobre as suas práticas cotidianas. O estudo de caso
consistiu, assim, na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma
única fonte de documentos ou de um acontecimento específico.
Assim, o desenvolvimento deste estudo envolveu três principais
componentes:
- observação da escola selecionada, atendendo à sua rotina diária, desde
as salas de aula, passando pelo recreio, pelos corredores, sala de reuniões de
professores e direção, secretaria e cozinha;
- entrevistas semi-estruturadas com professores e membros da direção,
para a avaliação da cultura e do clima organizacional da escola.
O local da pesquisa onde o trabalho foi realizado é a Escola Estadual
Almirante Tamandaré, na Comunidade Indígena Umariaçu II no município de
Tabatinga. Tendo como objeto de pesquisa os sujeitos de todos os segmentos da
referida escola, professores, alunos, comunidade, pessoal de apoio e corpo
28
técnico-administrativo.
Partindo da perspectiva que cabe ao investigador discutir seus significados
a partir das observações de campo, todas as organizações que envolvem grupos
de cultura estão em processo constante de reinterpretação do mundo pelos atores,
cujas interpretações envolvem situações que determinam ações mediante aos
valores, papéis sociais, normas e metas que estão estabelecidas no interior da
organização escolar.
Para esta proposta, optou-se pela observação participante, através da qual
o observador é membro normal do grupo, uma vez que este toma parte
intimamente da vida do grupo. Como método de investigação analítico, a
observação participante dependerá do registro de notas de campo: completas,
precisas e detalhadas das ações dos sujeitos inseridos no campo de pesquisa,
fazendo uma ampla análise das possibilidades e condicionantes que o investigador
qualitativo deve pesquisar.
Quanto aos instrumentos utilizados, com a finalidade de recolher dados
relativos às percepções do clima organizacional e da cultura escolar, foram
elaboradas entrevistas semi-estruturadas, com o propósito de obter novos
elementos de análise acerca das qualidades do der, na promoção de inovações.
Estas intenções foram particularizadas através da formulação das entrevistas.
As entrevistas foram pautadas nas seguintes temáticas: escola indígena,
clima organizacional, cultura escolar, gestão escolar, inovação e mudanças
aplicadas nos membros da coordenação pedagógica, direção, professores, alunos
e membros da comunidade. O tratamento dado às entrevistas ocorreu a partir da
transcrição completa dos registros, originando os relatórios individuais e suas
respectivas análises de conteúdo.
Construir um caminho no campo da pesquisa em educação indica uma
nova questão, relacionada ao processo de investigação científica, na maneira de
olhar o outro, enquanto sujeito maior. Estamos discorrendo também sobre nós
mesmos: pesquisadores e pesquisadoras desse campo, que colocar o outro no
nosso campo visual tem o significado de uma auto-reflexão sobre a nossa imagem,
a partir daquela construída pelo outro. Esse aspecto precisa ser evidenciado
29
melhor. No interior desse processo de identificação, não existe a separação sujeito-
objeto, que é fundamental para alicerçar novas perspectivas na construção do
conhecimento.
Diante desse contexto, foram trabalhadas na investigação categorias de
análise que descreveram a leitura dos conteúdos, ou seja, as palavras que foram
lidas a partir do que os sujeitos disseram, levando em consideração os símbolos e
a análise do conteúdo no qual os sujeitos estão inseridos.
As categorias de análise em que se pautou a pesquisa são as seguintes:
Escola indígena - deve estar a serviço da comunidade indígena,
respondendo a seus anseios e atendendo às suas demandas, formando as
crianças e os jovens de acordo com os seus ideais e padrões culturais. Ela não se
confunde com os processos tradicionais de socialização presentes em todos os
povos indígenas, mas não lhes pode ser de todo estranha. Nos dias atuais, a
escola veio somar-se a esses processos tradicionais e, para que isso ocorra de
forma a respeitar os valores e a visão de mundo desses povos, essa escola deve
ser diferente das demais do sistema de ensino, e ao mesmo tempo ser específica a
cada povo indígena.
Clima organizacional - engloba todas as características psicossociais da
organização, que são apreendidas pelos seus membros e a quem influenciam o
comportamento. O clima organizacional é, então, a resultante de todas as forças
que interagem no sistema psicossocial, os comportamentos e motivações dos
indivíduos, os seus papéis, a dinâmica dos grupos, os sistemas de influência e a
forma de exercício e de autoridade.
Cultura da escola - a escola é um sistema sociocultural constituído por
grupos relacionais que vivenciam códigos e sistemas de ação; é constituída por
vários elementos que condicionam sua configuração interna e integram aspectos de
ordem histórica, ideológica, sociológica e psicológica.
Gestão Escolar Gestão significa dar direção ao processo de organização
e funcionamento da escola, comprometida com a formação do cidadão. Não
qualquer formação, mas justamente aquela apontada anteriormente no
30
referencial que apresenta a orientação em âmbito mais geral de um processo:
direção de mudanças a serem efetuadas.
Inovação e mudança - Inovações e mudanças organizacionais estão
relacionadas com a introdução de novas formas de planejar, aplicação de estilos de
liderança para o fortalecimento e mudança de comportamento na organização
escolar. Portanto, não há nenhuma mudança significante na organização, a menos
que haja uma mudança significante nas pessoas que vivem naquela organização.
Transformação organizacional está unida diretamente à transformação pessoal.
Portanto, a etnografia como uma abordagem de investigação científica é
explorada, nesse texto, para demonstrar como esta abordagem de análise da
pesquisa traz algumas contribuições importantes ao campo das pesquisas
qualitativas, especialmente aquelas que se interessam pelos estudos da cultura
escolar e do clima organizacional da escola indígena. Introduz o conceito e
desenvolve aspectos que envolvem o trabalho etnográfico, informando que fazer a
etnografia implica em: 1) preocupar-se com uma análise holística ou dialética da
cultura entendida: 2) introduzir os atores sociais com uma participação ativa e
dinâmica e modificadora das estruturas sociais; 3) preocupar-se em revelar as
relações e interações significativas de modo a desenvolver a reflexividade sobre a
ação e construção das inovações e mudanças no cotidiano da escola. Os cuidados
no decorrer da pesquisa servem de orientação ao pesquisador, que é a proposta de
pesquisa, o período despendido no campo, a descrição densa e minuciosa dos
dados e finalmente, a ética na pesquisa.
Para Geertz (1989), praticar etnografia não é somente estabelecer
relações, selecionar informantes transcrever textos, levantar genealogias, mapear
campos, manter um diário “o que define é o tipo de esforço intelectual que ele
representa: um risco elaborado para uma “descrição densa” (GEERTZ, 1989, p.
15)”.
Nesse contexto, a maior preocupação com o objeto da pesquisa foi a de
obter uma descrição densa, a mais completa possível, sobre o que um grupo
particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que eles têm
do que eles fazem; esta descrição é sempre escrita com a comparação etnológica
31
em mente. O objeto de análise da pesquisa realizada é o conjunto de significantes
em termos dos quais os fatos, ações, e contextos, são produzidos, percebidos e
interpretados, e sem os quais não existem como categorial cultural. Esses
conjuntos de significantes nos apresentam como estruturas inter-relacionadas, em
múltiplos níveis de interpretação.
Este estudo está organizado em dois capítulos:
O primeiro capítulo situa o referencial teórico explicitando a concepção de
clima organizacional e cultura escolar, educação indígena e a perspectiva de uma
gestão escolar voltada para uma visão sócio-antropológica do cotidiano escolar.
No segundo capítulo, será feita a análise da pesquisa de campo, levando
em consideração os fatores que constituem o clima organizacional e cultura da
escola indígena, enfatizando os modos de apropriação e recriação do espaço
escolar pela ação da comunidade, levando em consideração a diversidade e o
diálogo intercultural produzido no contexto escolar, no qual esses eixos serão
trabalhados e articulados com os fundamentos teóricos.
Nas considerações finais com base nos resultados da pesquisa,
apresentam-se conclusões e sugestões quanto promoção e dinamização de
inovações e mudanças dentro do contexto escolar a partir de uma perspectiva de
gestão cultural, levando em consideração os fatores simbólicos, representados pelo
clima organizacional e pela cultura escolar.
A seguir, discute-se a análise teórica da dinâmica no interior da
organização escolar, a partir do cultural e do simbólico, discutindo a diversidade
cultural e o diálogo intercultural que permeia a o contexto da Escola Estadual
Almirante Tamandaré.
32
CAPÍTULO I
1. O CULTURAL E O SIMBÓLICO NA DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
O presente capítulo situa o referencial teórico, explicitando a concepção de
educação que orienta essa dissertação. Para tanto, efetua-se uma releitura dos
conceitos de cultura e identidade, clima organizacional e cultura escolar, e gestão
escolar voltada para uma visão cultural sócio-antropológica do cotidiano e o traçado
de novas perspectivas de análise da educação indígena.
A abordagem teórica mais adequada para interpretar os dados obtidos
nesta pesquisa é a que analisa a cultura e a identidade, o clima organizacional e a
cultura escolar, considerando os conflitos e as relações de poder, presentes no
cotidiano da Escola Estadual Almirante Tamandaré.
Nesta linha, os modos de viver e pensar a vida, a identidade, a educação
são contextualizados e dinamizados. A cultura é entendida como processo social
que circula, se produz se movimenta, se altera no dinamismo próprio da sociedade.
No caso desta pesquisa, considera-se a cultura Ticuna no processo de inserção no
sistema capitalista, que é analisada as transformações daí decorrentes no processo
educacional.
A análise proposta no referencial teórico, aqui assumido, contempla aportes
particularmente nos autores, Canclini, Hall, Santos, Bourdieu, Freire e Nóvoa. A
cultura é relacionada ao processo de construção da hegemonia. Considera-se não
a dimensão reprodutivista das relações sociais, mas também os processos de
reelaboração do processo educacional a partir das experiências e vivências da
33
sociedade Ticuna no embate com a sociedade hegemônica que impõem normas e
valores a serem seguidos no contexto da escola indígena.
Nesse sentido, verifica-se que na atualidade um crescente interesse
pelos estudos culturais no campo da educação. Na busca de entendimento das
práticas socais próprias da complexidade da vida escolar, distingue-se como
fundamental o estudo das relações que permeiam o social e o simbólico, e
produzem significados que dão sentido às ações pedagógicas. Hall (1997) alertou
para a centralidade desses estudos no momento em que se observa, por um lado,
a tendência à homogeneização cultural e, por outro, a emergência ou a maior
visibilidade que ocorre por contraste de particularismos e regionalismos que
convivem e entram em conflito com os padrões estabelecidos. Identidades locais,
minorias étnicas, religiosas e tantas outras diferenças culturais constroem suas
próprias subjetividades e identidades nos espaços multidimensionais do mundo
contemporâneo que são, também, espaços multiculturais, organizados pela lógica
da diferença, que determina não tanto a riqueza de convivência no pluralismo de
perspectivas, mas, antes, diferenças de posições sociais.
Para o entendimento da complexidade da Escola Estadual Almirante
Tamandaré cabe discutir o processo que permeia a construção da cultura e da
identidade no interior da organização escolar e o simbólico que é construído no seu
contexto.
1.1. CULTURA E IDENTIDADE
A cultura faz parte da realidade na qual buscamos, através dela, as
mudanças que se constituem em um aspecto fundamental a realidade humana. O
homem, como bem menciona Ulmann (1991), não vive predeterminado pelo
instinto, vive aprendendo a viver, adotando comportamentos, atitudes e identidades
diferentes. Isso é cultura, impossível de ser discutida sem que se discuta o próprio
processo social concreto. Impossível tratá-la como algo com começo, meio e fim,
como algo estanque, isolado de um contexto global. Daí a intenção de se discutir
sobre a identidade cultural; questão que toma ênfase nos debates e na teoria
social, servindo de base teórica para o estudo e a análise realizada na Escola
34
Estadual Almirante Tamandaré. Se associarmos ao processo de globalização
podemos, inclusive, levantar os seguintes questionamentos: Quais as
conseqüências desse fenômeno sobre as identidades culturais? E que identidades
são estas? Tais questões tornam viável a discussão em torno dos conceitos
referente à cultura e identidade para o entendimento da dinâmica no contexto da
organização escolar.
No primeiro momento, cabe analisar a abordagem sobre cultura, tendo
como base teórica Hall (1999) sendo entendida como o domínio do simbólico,
constituído por crenças, concepções, valores, ritos e artefatos, historicamente
constituídos através de um processo dinâmico de construção e reconstrução, em
que os seres humanos estabelecem bases de sua existência, estabelecendo elos
que une sistemas simbólicos, códigos, normas e as práticas simbólicas cotidianas,
que interagem pela reapropriação e reinterpretação daquilo que constituem a
memória social. A cultura, não importa qual ela seja, irá delinear o caráter da
organização.
Nesse sentido, o conceito de cultura está sempre presente nas elaborações
teóricas e nas reflexões cotidianas menos refinadas. Podemos afirmar que cultura é
palavra polissêmica, ela tem sido usada com os mais variados significados e lhe
são imputados vários atributos, tais como: popular, erudita, nacional. O fato é que
por cultura se entende muita coisa, a multiplicidade de significados assumida pelo
conceito lhe é marcante.
Cultura é uma palavra de origem latina e seu significado original está ligado
às atividades agrícolas (SANTOS, 1994). Vem do verbo latino colere, que quer
dizer cultivar. Foram os romanos antigos que ampliaram esse significado inicial do
termo, passando a significar refinamento pessoal. Comumente se faz esse uso do
termo cultura até hoje. Santos, (1994) apresenta-nos duas concepções básicas de
cultura.
A primeira dessas concepções preocupa-se com todos os aspectos de uma
realidade social. Dessa forma, cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a
existência social de um povo ou nação. Esse é o significado moderno do conceito
que passa a ser assumido notadamente no culo XIX, atrelado ao
35
desenvolvimento de teorias científicas sobre a vida e a sociedade, e trata da
totalidade das características de uma realidade social.
A segunda concepção refere-se ao conhecimento, às idéias e crenças de
um povo, assim como as maneiras como eles existem na vida social. A cultura,
assim, diz respeito a uma esfera, a um domínio da vida social.
É o mesmo autor que ressalta um importante fato: as duas concepções nos
levam a entender a cultura como uma realidade estanque, parada, negando-lhe sua
essência que é a dinamicidade. Sobre isso, nos diz:
se a cultura não mudasse, não
haveria o que fazer senão aceitar como naturais as suas características e estariam
justificadas, assim, as suas relações de poder” (SANTOS, 1994, p. 83).
Ulmann (1991) também atribui à cultura dois sentidos: Em sentido amplo,
cultura designa o modus vivendi que os homens desenvolveram e desenvolvem
reunidos em sociedade. Em sentido restrito, cultura significa o modus vivendi global
de que participa determinado povo. Ele define cultura como sendo, “a superação
daquilo que é dado pela natureza. Logo, é aquilo que o homem transforma” (1991,
p. 84).
Tendo como matriz produtora a natureza, a cultura vai além daquela. Não é
dada naturalmente, não é decorrência de leis físicas ou biológicas, mas constitui-se
numa construção histórica, um produto coletivo da vida humana e, assim sendo,
assume um caráter eminentemente libertador, transformador, podendo também se
colocar como fator restringidor, visto que, “a cultura ao mesmo tempo liberta e
restringe, promove e coíbe, desvencilha e impõe freios” (ULMANN, 1991, p. 89).
A cultura não permite apenas que se descreva e compreenda uma
realidade, mas aponta caminhos para sua modificação. Ela nos leva a entender o
processo histórico que produz a sociedade e a própria cultura as relações de
poder e o confronto de interesses dentro da sociedade.
Os estudos da cultura contribuem sobremaneira para o combate, e até
mesmo eliminação do preconceito. Contribui para o entendimento dos processos de
transformação pelos quais passam as sociedades contemporâneas, ajudando-nos
a pensar a nossa própria realidade social e o processo de construção de nossas
36
identidades culturais.
Quanto à construção da identidade cultural, seu estabelecimento ocorre no
contexto, exercendo importante papel na formação da identidade que está presente
no nosso imaginário e é transmitida, fundamentalmente, por meio da cultura. A
identidade é o que nos diferencia dos outros, o que nos caracteriza como pessoa
ou como grupo social. Ela é definida pelo conjunto de papéis que desempenhamos
e é determinada pelas condições sociais decorrentes da produção da vida material.
Quando nos referimos à identidade cultural, referimo-nos ao sentimento de
pertencimento a uma cultura nacional, ou seja, àquela cultura em que nascemos e
que absorvemos ao longo de nossas vidas. Ressaltamos aqui, que esta identidade
não é uma identidade natural, geneticamente herdada, ela é construída. Hall (1999,
p.50) assim a define: “uma cultura nacional é um discurso um modo de construir
sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações, quanto a concepção que
temos de nós mesmos”.
Para este mesmo teórico, a identidade muda de acordo com a forma como
o sujeito é interpelado ou representado, ela o é automática. Ele apresenta-nos
três concepções de sujeito e suas respectivas identidades: o sujeito do iluminismo,
o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno.
O sujeito do iluminismo baseava-se na concepção da pessoa humana
como totalmente centrada, unificada. Correspondia a uma concepção
individualizada e o centro essencial do EU correspondia à sua identidade. Tal
concepção é reforçada por Descartes, quando estabeleceu a concepção do sujeito
racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento; o chamado
sujeito cartesiano.
À medida que o mundo moderno se tornava mais complexo, emergia a
consciência de que a essência interior do sujeito que determinava sua identidade
inexistia. O sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas formado com outras
pessoas que lhe mediam os valores e símbolos a cultura. Assumia-se o
entendimento de que a identidade é formada na interação entre o sujeito e a
sociedade. Esta é a concepção sociológica do sujeito.
37
Como as sociedades modernas caracterizam-se, fundamentalmente, por
serem sociedades de mudanças constantes e rápidas, o modelo sociológico
interativo, que é produto da primeira metade do século XX, começa a ser
perturbado por mudanças estruturais e institucionais. A noção de um sujeito como
tendo uma identidade unificada e estável é superada. Esta passa a ser definida
historicamente e não biologicamente. O sujeito passa a assumir identidades
diferentes, em diferentes momentos.
uma espécie de perda de um sentido de si, que Hall denomina de crise
de identidade. Esta é vista como parte de um processo mais amplo de mudança,
que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas,
e abalando os quadros de referência, que davam aos indivíduos uma ancoragem
estável no mundo social. Sobre isso, ele diz:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia. Ao invés disso, à media em que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somo confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,
com cada uma das quais poderíamos nos identificar (HALL, 1999, p
13).
O posicionamento de Hall é de que um descentramento do sujeito nas
sociedades modernas e, conseqüentemente, das identidades, e que este
descentramento foi favorecido por cinco grandes avanços na teoria social. Os
descentramentos são os seguintes:
A retomada e reinterpretação da obra de Karl Marx, cuja afirmação incide
no princípio de que o homem faz história, mas a faz sob condições históricas
criadas por outros homens, desloca qualquer noção de agência individual. Ele
coloca as relações sociais, e não uma noção abstrata de homem, no centro de seu
sistema teórico.
O segundo descentramento vem da descoberta do inconsciente por Freud.
A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de
nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do
inconsciente, arrasa o conceito do sujeito cartesiano. A identidade é formada ao
38
longo do tempo, através de processos inconscientes. A grande questão que é
colocada sobre o trabalho de Freud é que os processos inconscientes não podem
ser facilmente vistos ou examinados.
O terceiro descentramento está associado ao trabalho do lingüista
estrutural Ferdinand de Saussure, cuja argumentação partia do princípio de que
nós não somos, em nenhum sentido, os autores das afirmações que nós fazemos,
ou dos significados que expressamos na língua. A língua é um sistema social e não
um sistema individual. Ela preexiste a nós. O falante individual não pode, nunca,
fixar o significado de uma forma final, incluindo o significado de sua identidade.
Existem sempre significados sobre os quais não temos controle e estes estão
sempre provocando desconstruções nas nossas mais sólidas construções, como
conforme Derrida.
O quarto descentramento apresentado por Hall ocorre no trabalho de
Foucault, que produz uma espécie de genealogia do sujeito moderno, destacando
um novo tipo de poder que ele chama de poder disciplinador, que se desdobra ao
longo do século XIX, chegando ao seu desenvolvimento máximo no início do século
XX.
O poder disciplinador está preocupado com a regulação, a vigilância e o
governo da espécie humana. Seus locais são aquelas novas instituições, que se
desenvolveram ao longo do século XIX, e que policiam e disciplinam as populações
modernas: os quartéis, as escolas, os hospitais, prisões...
O objetivo do poder disciplinador é manter as vidas, as atividades, o
trabalho, os prazeres do indivíduo, sob astuto controle e disciplina, com base nos
regimes administrativos.
Por fim, o quinto descentramento corresponde ao impacto do movimento
feminista, tanto como uma crítica teórica, quanto como um movimento social. Este
se configurou num movimento de contestação e oposição, principalmente, à política
liberal capitalista e às formas burocráticas de organização.
O movimento feminista teve relação direta com o descentramento conceitual
do sujeito cartesiano e sociológico, ao questionar a clássica distinção entre o
39
dentro/ fora, o privado/ público; ao trazer à tona questões como família,
sexualidade, trabalho doméstico; ao enfatizar o tema da forma como somos
formados e produzidos como sujeitos generificados; e, ainda, ao politizar a
subjetividade, a identidade e o processo de identificação.
O fato é que a sociedade, conforme pode ser visto nos argumentos
apresentados por Hall, não é um todo unificado e bem delimitado. Ela está
constantemente descentrando-se, sendo deslocada por forças fora de si mesma.
Notadamente, é o que se pode observar nas sociedades da modernidade tardia,
que o atravessadas por diferenças e antagonismos sociais que produzem uma
verdadeira variedade de identidades.
Esse fenômeno, chamado por Hall de descentramento / deslocamento, tem
características positivas. Segundo esse teórico, ele desarticula as identidades
estáveis do passado, mas abre possibilidades de que novas identidades sejam
criadas, produzindo novos sujeitos, não mais com identidades fixas e estáveis, mas
sujeitos fragmentados, com identidades abertas, contraditórias, inacabadas,
sempre em processo; assim como a própria história desses sujeitos.
Considerando-se a globalização como palavra de ordem do atual momento
histórico, não a enfocamos aqui sob o ponto de vista econômico, ou seja, como
dinâmica de produção de bens que molda e conduz as economias mundiais. Não o
fazemos dada a complexidade da temática sob tal prisma, o que exigiria todo um
redirecionamento da análise aqui proposta. A globalização a que nos referimos
assume-se como paradigma que engloba o econômico, o ideológico e o cultural e
que ameaça partes inteiras dos edifícios culturais e sociais. É um processo
impositivo e impessoal que atravessa a sociedade contemporânea rompe fronteiras
nacionais, integrando e conectando comunidades, transformando o mundo numa
verdadeira aldeia global, num mundo de iguais. Essa é a globalização de que
falamos. E as identidades? Onde elas ficam? Se toda identidade se define em
relação a algo que lhe é exterior, se ela é uma diferença, como ficamos?
Estabelece-se, assim, mais uma crise. Uma verdadeira crise de identidades
colocando à humanidade mais um desafio: como manter sua identidade, que não é
uma, que o é igual, aberta ao outro exigindo o global sem se arriscar a perdê-la
40
ou destruí-la, sendo vital para um povo ou para uma cultura construir, consumir e
manter sua própria imagem.
Evidentemente, devemos ter em mente as formas pelas quais as culturas
nacionais também contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade.
Sobre isso trata Hall, acrescentando ainda que estas identidades nacionais também
estejam sendo deslocadas pela globalização.
O fenômeno da globalização contribui para o deslocamento das identidades
culturais desintegrando-as, homogeneizando-as e, conseqüentemente,
enfraquecendo-as. Sobre isso afirma Hall,
À medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a
influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas
ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do
bombardeamento e da infiltração cultural (HALL, 1999 p. 74).
O confronto com uma verdadeira gama de identidades culturais nacionais é
traço marcante da contemporaneidade, e quando ele ocorre, por certo há um
enriquecimento, uma troca cultural. No entanto, é praticamente impossível
vislumbrar tudo isso sem negar a tensão entre o global e o local que,
ideologicamente, é permeada por interesse outros. Afinal, a globalização é um
processo desigual e tem sua própria geometria de poder. Ela, inegavelmente, tem
um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de
possibilidades e novas posições de identificação, tornando as identidades menos
fixas e unificadas.
Argumenta-se que este é um processo irreversível. Caso o seja, somos
desafiados a abrir nossas fronteiras, permitir que o novo chegue-se a nós sem, no
entanto, abrir mão de nossa cultura nacional, de nosso legado cultural.
Evidentemente isto não é fácil, pela força hegemônica dos que invadem os espaços
subalternos. O processo evidencia uma agressiva desigualdade entre globalizador
e globalizado, como o próprio processo histórico nos permite verificar, nada é
imutável. Somos os atores sociais responsáveis pelo desenrolar do grande enredo
que é a História.
41
É fato que a sociedade moderna caracteriza-se pelas de mudanças. Elas
que marcam, na verdade, a história do próprio homem, que é o grande agente e
paciente das mudanças.
Um quadro perturbador marca a contemporaneidade, dada à velocidade e
força com que as mudanças ocorrem. Isso se evidencia na questão cultural e,
sobretudo, na questão das identidades culturais, que mudam de acordo com a
forma como o sujeito é conceitualizado, conforme visto em Hall, e que sofrem o
impacto dos fenômenos políticos e ideológicos da época; a dos efeitos da
globalização, por exemplo, causa a perda de um sentido de si, conseqüência das
mudanças profundas que marcam as sociedades modernas e s-modernas
abalando referências que proporcionavam aos indivíduos certa estabilidade e
segurança.
Outro fato é que não podemos discutir cultura e identidade ignorando as
relações de poder estabelecidas nas sociedades, em que o conflito entre o global e
o nacional toma mais ênfase nos debates e reflexões, estando presente em esfera
menor, ou seja, uma tentativa de se homogeneizar as culturas nacionais,
marcadas por traços peculiares e que impossibilitam qualquer tentativa de se
estabelecer uma única identidade cultural. Afinal, cultura e identidade é, sobretudo,
diversidade.
Mediante o exposto, cabe uma discussão em torno da escola e sua
diversidade cultural, procurando entendê-la como um espaço cultural, onde
professores precisam investigar os antecedentes culturais de seus alunos, para
dessa forma, compreender o papel da linguagem e da cultura no processo de
aprendizagem, a perspectiva de interculturalidade passa a ser vista como um
horizonte promissor na busca do reconhecimento e valorização das diferentes
culturas que constituem a sociedade.
1.2. ESCOLA E DIVERSIDADE CULTURAL
Discutir a escola e a diversidade cultural significa compreender a primeira,
a partir da ótica da segunda, sob um olhar mais denso, na dimensão do dinamismo,
42
do fazer-se cotidiano levado, com efeito, por homens e mulheres, trabalhadores e
trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e
professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na
história, atores na história. O que implicará na ressignificação do papel dos sujeitos
na trama social que legitima a escola, enquanto instituição.
Os processos de intensificação das trocas e circulação de pessoas e bens
culturais, acelerados pelas transformações no âmbito das novas tecnologias, têm
permitido que cada vez mais as distâncias culturais sejam reduzidas. O contato das
populações com diferentes manifestações, tradições e costumes culturais nessas
últimas décadas, tem desencadeado um movimento de reelaboração e
ressignificação dos sentidos historicamente atribuídos às práticas cotidianas das
diferentes populações. Da mesma forma, os processos de mobilidade de pessoas
de diferentes lugares, principalmente dos chamados países em desenvolvimento
para os países desenvolvidos, têm obrigado os poderes blicos a se
reorganizarem para atender às demandas apresentadas pelos novos contingentes
populacionais. Inseridos nesse universo, os desafios que essa realidade traz para a
educação são latentes e extremamente potencializadores de novas formas de
compreender e fazer a educação.
Enquanto contexto organizacional, a escola é local de desenvolvimento
pessoal e social, não para os alunos, como também para os profissionais que a
constituem através do tipo de inter-relações humanas, sociais, culturais,
profissionais e pedagógicas promovidas, das formas de liderança exercidas, do
clima organizacional e da cultura geradas.
A educação o existe por si só; é uma ação conjunta entre as pessoas
que cooperam e comunicam-se dos mesmos saberes. Por isso, não educar não é
um ato ingênuo, indefinido, imprevisível, mas um ato histórico (tempo), cultural
(valores), social (relação), psicológico (inteligente, afetivo), existencial (concreto) e,
acima de tudo, político, pois em uma sociedade de classe, nenhuma ação é
simplesmente neutra de seus propósitos.
Vivemos uma época em que a consciência de que o mundo passa por
transformações profundas é cada dia mais forte. Esta realidade provoca, em muitas
43
pessoas e grupos, sentimentos, sensações e desejos contraditórios. Ao mesmo
tempo insegurança e medo, como também novidade e esperança, mobilizadores
das melhores energias e criatividade para a construção de um mundo diferente,
mais humano e solidário.
Com isso, a globalização, o multiculturalismo, a pós-modernidade, questões
de gênero e de raça, novas formas de comunicação, informatização, manifestações
culturais dos adolescentes e jovens, expressões de diferentes classes sociais,
movimentos culturais e religiosos, diversas formas de violência e exclusão social,
configuram novos e diferenciados cenários sociais, políticos e culturais. São
fenômenos que se interpenetram em processos contínuos de hibridização.
A escola não pode ignorar esta realidade. O impacto destes processos no
cotidiano escolar é cada vez maior. A problemática atual das nossas escolas, onde
se multiplicam uma série de tensões e conflitos, não pode ser reduzida aos
aspectos relativos à estruturação interna do clima organizacional e da cultura
escolar, necessitando ser repensada para incorporar na sua própria estruturação
questões novas das realidades sociais e culturais.
Os professores manifestam perplexidade e insegurança diante da
problemática atual do cotidiano escolar. A instituição escolar está construída sobre
a afirmação da igualdade, enfatizando a base comum a todos os cidadãos e
cidadãs. Como articular a igualdade com a diferença, a base comum com as
expressões da pluralidade social e cultural, constitui um grande desafio. É a
discussão sobre estas questões, articuladas com a reflexão sobre os processos de
mudança cultural e social, permitirá a reconstrução do papel da escola, do clima
organizacional e da cultura da escolar.
Com a aceitação em quase todos os países do mundo da escolarização
universalizada como um valor e uma necessidade, a escola passou a receber uma
diversidade muito grande de estudantes com variadas culturas, valores, crenças e
costumes, gerando uma abertura para a respectiva multiplicidade cultural. Embora
ainda seja bastante comum uma abordagem autoritária dessas diferenças, na
tentativa de homogeneizar e negar a diversidade, cada vez mais o
reconhecimento da via democrática como forma mais adequada e desejável não
44
de resolução dos conflitos, mas também, da organização da vivência escolar.
Portanto, se condensa o desafio de promover reflexão sobre uma educação
intercultural no interior da escola indígena, pois esta vivência acabará com
processos complexos de transformação, multidimensionais, profundos e
contraditórios. Hoje, urge ampliar este enfoque e considerar a educação
intercultural como um princípio orientador, teórica e praticamente, dos sistemas
educacionais na sua globalidade, em que o clima organizacional e a cultura escolar
fazem parte da organização da escola, que tem como objetivo formar educar e
promover a cultura.
1.3. ESCOLA COMO ESPO SIMBÓLICO
O que se faz pertinente no momento é a constatação empírica de que a
organização escolar é desigualmente distribuída entre as classes e os grupos
sociais, muito embora haja, e reconheça-se sua significação moral e sua eficácia
política, todo um longo discurso sobre a igualdade de oportunidades escolares.
A partir dessa verificação da distribuição desigual do conhecimento escolar,
observa-se que a escola se encaixa, com uma circulação quase perfeita, na lei de
retorno do capital simbólico em que o capital simbólico retorna às mãos dos que
o possuem (BOURDIEU, XXXX).
O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e
sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada
sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma. O
poder simbólico se expressa na imposição legítima e dissimulada, com a
interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do
trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, que não se percebe como
vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e
inevitável.
A função da escola no sistema de produção e circulação de bens
simbólicos é adotar agentes de esquemas de percepção, de pensamento e de
ação, capazes de torná-los, objetiva e subjetivamente, aptos e dispostos a decifrar
45
os produtos culturais produzidos nas instâncias de produção de bens na sociedade.
Esses produtos são acessíveis apenas aos detentores do manejo prático ou teórico
de um código refinado. Ou seja, a escola cumpre a função de produção e
consagração através do diploma a formação de consumidores e, eventualmente,
dos produtores culturais mais adequados que são aqueles dotados de disposições
e aptidões necessárias à apreensão da cultura culta.
A escola ocupa um lugar nas instâncias de reprodução e consagração do
campo cultural. Na escola não se produz conhecimento nenhum, a escola produz
consumidores de bens culturais e, eventualmente, produtores de conhecimentos,
na escola não se inventa nada, ou melhor, inventa-se o inventado, pensa-se o
pensado. A cultura propriamente escolar é uma cultura segunda, dedicada
inteiramente aos imperativos da transposição didática.
Bourdieu (1989) afirma que deve-se observar, primeiramente, que o que é
reproduzido no campo cultural é a estrutura das relações que todas as classes e
todos os grupos sociais mantêm com a cultura dominante. Nessas relações atuam
os mecanismos da reprodução cultural. Uma posição de força material inicial,
determinada pela posse diferencial de capital econômico, permite que a cultura das
classes e dos grupos dominantes. O capital simbólico, geralmente chamado
prestígio, reputação, fama é a forma percebida e reconhecida como legítima das
diferentes espécies de capital. Os possuidores de capital simbólico são dotados de
poder simbólico, espécie de poder quase natural e incessantemente naturalizado,
que confere aos seus detentores a legitimidade pela enunciação legítima da
palavra. Os indivíduos passam a ser classificados em função da posse ou do déficit
de capital simbólico. O capital simbólico, por sua vez, dissimula as relações de
força materiais.
Tem-se, portanto, uma força simbólica, reproduzida no campo simbólico,
mas nascida de uma força material que é determinada pelo diferencial de capital
econômico, dissimulando e contribuindo para manter, pela dissimulação, a posse
desigual de capital econômico.
Na educação, no entanto, o indivíduo pode se tornar capaz de distinguir
quando está sendo vítima da violência simbólica e se tornar um ator social que
46
contra a sua legitimação. Devido à realidade sócio-econômica presente, os pais
vêm se distanciando cada vez mais do papel de educar seus filhos, reduzindo
significativamente a idade que vão para a escola. A escola se configura como o
principal agente educacional da sociedade pós-moderna. E, lamentavelmente, ao
invés do que se espera a escola não vem educando para formar cidadãos e sim
para legitimar o poder simbólico da classe dominante.
Tomando como foco principal a escola pública brasileira, esta ignora a
origem de seus alunos, transmitindo-lhes o ensino padrão, cujos alunos não
reconhecem seus professores como uma autoridade, mas também legitimam a
mensagem que por eles são transmitidas, recebendo e interiorizando as
informações. Isto garante uma reprodução cultural e social da classe dominante,
uma vez que os professores reproduzem a cultura hegemônica. Como foi dito, a
violência simbólica é estabelecida a partir do momento em que se hierarquizam os
cargos na escola, pois,assim como a mensagem transmitida não é natural, esta
relação hierárquica de poder também é arbitrária.
O conteúdo transmitido nas escolas é aquele que interessa à perpetuação
da hegemonia, cuja cultura à realidade do branco, urbano e bem sucedido é
passada como exemplo natural de sucesso; as peculiaridades das culturas
regionais são transmitidas a título de curiosidade; quanto às culturas do índio,
indissociáveis do que poderíamos chamar de cultura brasileira, o transmitidas
como algo à parte da cultura dominante, tornando-nos alienados quanto à sua
presença no nosso cotidiano.
Portanto, escola se organiza e se constrói a partir de modelos nos quais se
baseia desde o seu agir pedagógico até seus procedimentos rotineiros
caracterizando a cultura da instituição.
Os valores, as crenças, a história, a forma de lidar com seu ambiente
interno e externo representam a cultura de uma organização, é o que define a
escola como espaço simbólico. O grau de interação entre os membros de uma
organização fortalece sua cultura e lhe imprime identidade. A cultura organizacional
se apresenta em três diferentes níveis: artefatos visíveis, valores que governam o
comportamento das pessoas e os pressupostos inconscientes. Os fundadores de
47
uma organização incutem os valores e crenças aos quais os novos membros vão
se integrando através do processo de assimilação. Para conhecer a cultura de uma
organização é necessário identificar seus valores, do que é explícito e visível ao
oculto, e entender de que forma seus recursos humanos se adaptam a eles. A
cultura de uma organização pode ser mudada, adequando-se a novos paradigmas
e, neste processo, o gestor tem fundamental papel. Também as organizações
escolares possuem uma cultura construída ao longo de sua história, com valores e
crenças que nem sempre condizem com as propostas definidas em seu projeto
pedagógico. O gestor educacional tem um papel importante a desempenhar na
condução dos processos de mudanças no interior da instituição escolar para que
esta cumpra sua função de geradora e socializadora do conhecimento.
A partir das discussões acima suscitadas, cabe um estudo sobre o clima
organizacional e a cultura escolar, que se consubstancia nas relações simbólicas
realizadas no interior da escola, indicando uma perspectiva cultural na sua forma de
gestão.
1.4. O CLIMA ORGANIZACIONAL, O ESTILO DE LIDERANÇA E A CULTURA
DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR.
Os últimos vinte anos de investigação educacional marcaram a análise e
compreensão da escola enquanto organização, através da emergência de uma
sociologia das organizações escolares e de uma perspectiva de análise entre a
abordagem micro (a sala de aula) e abordagem macro (o sistema de ensino), um
nível médio de compreensão e de intervenção (NÓVOA, 1995). É neste nível que
se situa o próprio espaço organizacional da escola, o cenário onde a ação
pedagógica acontece com todos os seus intervenientes: alunos, professores, pais
(mesmo que um pouco mais distantes), diretores, funcionários e comunidades, com
todos os seus universos psicológicos e sociais.
A este propósito Apple (1995) diz o seguinte:
Nas duas últimas décadas fizeram-se grandes progressos na
explicitação das relações entre os currículos, a pedagogia e a avaliação
48
nas escolas básicas e secundárias e as estruturas desiguais da
sociedade em geral.Todavia, faltou um elemento central em muitos
estudos sobre o papel cultural, político e econômico das instituições
formais de educação. Refiro-me à tendência para ignorar, ou para tratar
como epifenômeno, o trabalho interno das escolas como organização
(apud NÒVOA, p. 18).
É dentro desta nova perspectiva que a escola passa a ser como um tipo
específico de organização, com finalidades, valores, normas, comportamentos,
percepções e sentimentos próprios, com um território espacial, psicológico, social e
cultural específicos. Não podemos, no entanto, nos esquecer que se por um lado a
compreensão da especificidade da escola enquanto organização significou um
passo à frente nos estudos sobre as escolas, por outro lado, o seu desenvolvimento
também tem sido influenciado pelos conhecimentos e saberes das teorias da
organização e gestão. E segundo Nóvoa (1995, p. 16), mais do que nunca, os
processos de mudança e de inovação educacional passam pela compreensão das
instituições escolares em toda a sua complexidade cnica, científica e humana (p.
16).
Uma outra perspectiva se insere no âmbito do conceito da escola como
organização, destacando-se um personagem por inerência da sua função: o líder.
Pensamos que a própria História da Humanidade, através dos diferentes líderes
que a protagonizaram, evidencia e justifica a importância da análise do conceito e
do papel de liderança, da qual alguns aspectos nos parecem mais marcantes. O
primeiro deles é com o fato de que um dos atributos definidores de qualquer
organização é o conjunto de pessoas que a compõe, do qual o líder é, também, um
elemento integrante. Nesta condição, o líder, isoladamente, não é o único ou mais
importante membro, mas alguém que, por possuir um conjunto de conhecimentos e
capacidades específicas, ocupa um lugar de especial relevo no contexto
organizacional. Mais ainda, fica patente nos estudos e teorias mais recentes que o
líder nada pode e nada faz, sem olhar à sua volta, e considerar significativamente
cada qual dos outros membros que integram todo o conjunto. Dito de outro modo, o
líder sozinho não é líder. Enquanto membro funcional, o líder tem a
responsabilidade de manter a coesão do grupo em torno de princípios e valores
morais que caracterizam a liderança democrática. A liderança é a força que une as
pessoas de modo a formarem um todo em movimento.
49
Um segundo aspecto que merece destaque é a capacidade do líder de
pensar de forma estratégica e forma não convencional, mas audaciosa. Uma boa
estratégia permite a quem a definiu enfrentar, com sucesso, um obstáculo, ou
superar dificuldades e adversários. Ao longo dos tempos, o êxito do vencedor ou o
sucesso do líder estiveram sempre associados à sua capacidade de alcançar eficaz
e eficientemente os objetivos pretendidos, de acordo com a missão da organização,
procurando ver mais além do que a realidade aparente podia mostrar,
transformando os momentos de crise em oportunidades vantajosas, sendo ao
mesmo tempo realista e visionário; sensível e exigente; inovador e prático.
Pensar de forma estratégica exige esforço e treino persistente no
desenvolvimento das capacidades específicas. É, por vezes, um processo
doloroso, mas recompensador, porque permite aprendizagens duradouras e
significativas, exigindo a associação permanente entre ação e reflexão. Um terceiro
aspecto relevante é o papel que a cultura e o clima escolar exercem no
desenvolvimento organizacional e na excelência das escolas. A importância destes
dois elementos diz respeito ao fato evidente de que as pessoas existem na escola,
mas podem ser consideradas, exclusivamente, meros instrumentos para atingir
objetivos organizacionais como, por exemplo, cumprir o calendário e o horário
escolar, os programas curriculares, ou as normas do Ministério da Educação; ou,
também, tornarem-se, enquanto pessoas, parte dos objetivos organizacionais a
atingir. Neste último caso, o único que consideramos viável, os sentimentos,
percepções, necessidades, direitos, valores e ideologias de professores, alunos,
funcionários e pais assumem cada qual em seu nível, um papel central na criação e
desenvolvimento da escola.
De fato a cultura e o clima sempre estiveram presentes onde quer que um
grupo de pessoas esteja reunido em torno de idéias comuns. Famílias,
organizações e nações possuem e sempre possuíram culturas e climas internos.
Mas, durante muito tempo, a cultura e o clima não foram concebidos, de forma
consciente, como instrumentos para melhorar o funcionamento das instituições.
Os estudos mais recentes, porém, vieram mostrar que a definição de
estratégias e a sua implementação produzirão bons resultados, caso estejam
devidamente articuladas com a cultura existente e com um clima favorável. Será,
50
assim, bastante difícil pensar, definir e implementar a mudança numa instituição
estagnada, onde as pessoas valorizam a continuidade, a estabilidade e o
conformismo em detrimento do novo, do diferente e do risco. O clima de escola tem
uma relação importante com a eficácia da escola e o seu desenvolvimento, quando
articulado com a liderança escolar.
Quanto à importância da cultura de escola, suas implicações num maior
compromisso e melhor desempenho no trabalho desenvolvido pelas pessoas
chama a atenção para o fato de que a cultura escolar possui, implicitamente, um
lado negativo quando se torna demasiado forte, fechada e rígida.
Na mesma perspectiva, Schein (1985 apud Fleury, 1996) afirma que uma
cultura mais madura e dominante, que preserva as glórias do passado, torna-se
mais importante para alimentar a auto-estima e o sentido de defesa da
organização, do que para servir aos objetivos e finalidades próprios. Uma cultura
demasiado arraigada e impenetrável pode transformar-se numa limitação à
inovação e à criatividade, servindo como um instrumento conservador de
adaptação interna e externa.
O desenvolvimento da excelência, da inovação e a implementação da
mudança dependem da capacidade do líder de pensar e definir estratégias, de
acordo com uma visão claramente definida, e ao alcance de todos os que
trabalham na escola, inclusive os alunos, construindo uma cultura lida, que lhe
serve de base e fundamento, fomentando um clima de confiança mútua, de
consideração, de igualdade, de reciprocidade, de justiça e de liberdade.
A liderança em democracia necessita fortemente de promover um ambiente
caloroso e estimulante, onde as pessoas sintam que podem partilhar com os outros
os seus saberes e as suas capacidades, que podem aprender e desenvolver mais
as suas habilidades e, sobretudo, que as pessoas sintam que a escola precisa
muito mais de cada uma delas do que aquilo que o espaço restrito de uma aula de
50 minutos, tradicionalmente, requer. Este sentimento deve ser o reflexo de uma
filosofia educacional baseada em princípios morais bem definidos e verdadeiros,
através do qual o gestor promove a construção da cultura da escola, e a reforça
todos os dias.
51
Quando nos referimos à organização escolar, não podemos ficar alheios do
fato de que é sua função primordial educar, formar, promover as culturas. No
quadro deste serviço da escola que nos parece caber toda esta reflexão sobre a
liderança democrática, na busca incessante de uma qualidade social da educação,
que é o papel da gestão escolar, e não se voltar para o puro cumprimento de
burocracias administrativas, cabendo também, uma gestão da educação voltada
para uma perspectiva sócio-antropológica do cotidiano de muitas crianças e jovens
que a povoam a organização escolar.
Resta-nos saber, para além da questão teórica, para que serve a escola, o
que de fato queremos fazer com a escola: mantê-la como espaço de ensino, de
transmissão de conhecimentos, ou transformá-la num espaço multifacetado de
oportunidades de aprendizagem? Proclamar a interdisciplinaridade, mantendo a
organização curricular rígida de aulas isoladas e fechadas em horários
superlotados, onde um mar de conhecimentos é fragmentado, cortado em
pedacinhos que dificilmente se conseguem voltar a unir na cabeça de qualquer
aluno, ou aceitar o desafio de mostrar aos nossos aprendizes as tênues fronteiras
que cercam as diferentes áreas do conhecimento? Pretendemos educar para
valores, ou com valores? Sobretudo, que valores?
Se teoricamente as respostas são ceis, o cotidiano escolar da
generalidade dos alunos e professores não as confirmam. Quase diariamente
ouvimos professores dos diferentes níveis de ensino se queixarem de que os
alunos de hoje sabem muito pouco, que apresentam uma grande falta de interesse
pelos conhecimentos em geral e pela cultura, e uma enorme falta de curiosidade.
No entanto, as condições que a escola tem vindo a apresentar para atingir os
objetivos da educação básica, parecem mais propiciadoras do desinteresse, do que
de motivação para a aprendizagem e fascinação pelo saber. Segundo Perrenoud
(1995), a escola apresenta mais dificuldades que estímulos ao desenvolvimento
das aprendizagens dos alunos, e chama atenção para o fato através das seguintes
questões:
Qual o aluno que poderá interessar-se profundamente pelo seu trabalho
quando este é tão fragmentado, desconexo, caótico, ao sabor das
mudanças de atividades e de disciplinas, do ritmo das campainhas e de
outros toques, da contínua troca de professores e dos respectivos
52
temperamentos, das pressas e dos tempos mortos?
Qual o aluno que poderá, por imposição, tornar-se ativo ou passivo e
escutar ou concentrar-se, falar ou escrever, questionar ou responder
porque recebeu a ordem do professor, no momento determinado que
este julga oportuno? (...) Qual o aluno que poderá aprender por
tentativas e erros, expor as suas questões e as suas dúvidas, quando
"tudo aquilo que possa dizer pode ser utilizado contra si", lugar a
apreciações, a sacarmos, a comentários anotados na caderneta?
(PERRENOUD, 1995, p. 18).
Com efeito, os professores queixam-se de que os alunos só trabalham para
a nota, estudam quando se aproxima à data dos exames, e normalmente ficam
felizes quando o professor/a falta às aulas. No entanto, e como afirma Perrenoud
(1995), esta relação utilitarista com o saber é conseqüência do modo de operar a
escola:
O que é que fazem as crianças de 3 ou 4 anos, ainda sem passado de
alunos, quando os convidam para brincarem aos professores e alunos?
Uma das crianças assume o poder, põe os outros em fila e, de
imediato, ralha-lhes porque eles o trabalham o suficiente e pune-os
com uma má nota... (PERRENOUD, 1995,p. 18).
Segundo este autor, o que falta essencialmente na escola, é uma cultura do
trabalho escolar, no qual os professores valorizem o aluno como sujeito da
construção do saber, e não simplesmente um arquivo de depósitos. Esta crítica à
escola tradicional é velha. Inúmeros foram os defensores de uma pedagogia
moderna, aberta, ativa, diferenciada, individualizada, centrada no aluno, de projeto
etc.Contudo, a anunciada mudança pedagógica o se operou na realidade, como
afirma Perrenoud (1995),
(...) senão a uma escala muito reduzida: na maior parte das escolas,
hoje como ontem, a pedagogia não é diferenciada, os métodos não são
ativos, não se trabalha por projetos, não se negocia grande coisa com
os alunos. A autogestão e a escola nova permanecem, em boa parte,
senão como sonhos, pelo menos como realidades isoladas
(PERRENOUD, 1995, p. 19).
Parece, então, que a mudança e a inovação não se traduzem por um
investimento em dispositivos didáticos mais ou menos sofisticados, ou por
alterações dos programas curriculares. A inovação requer uma mudança bem mais
53
profunda no contexto organizacional da escola, articulada com a realidade social e
cultural do seu meio envolvente, pois que é um conceito intrinsecamente
relacionado com a criatividade, com a capacidade de produzir, de originar, de dar
existência. Significa inventar, criar a partir de um contexto social e cultural
existente, orientando-se para a mudança, preparando e antecipando o futuro. A
inovação refere-se, assim, à capacidade de produzir a eficácia e a excelência,
tendo a coragem de por em causa estruturas e práticas tradicionais. Inovar e criar
pressupõem, ao ser humano, ser capaz de enfrentar a realidade humana e social
complexa, indeterminada, imprevisível, em permanente mutação. A inovação é uma
necessidade para todos os intervenientes em educação, porque estes são um
grupo em permanente evolução, inseridos numa sociedade que, ela própria, se
modifica e se transforma.
Assim, para a UNESCO (1980) inovar é sempre entrar, mais ou menos, em
conflito com o sistema existente, é entrar em choque com as estruturas, os hábitos,
os preconceitos, a pura e simples inércia. Uma inovação, por modesta que seja,
rompe um equilíbrio, cria um estado de crise: estado de crise entre as várias
componentes do sistema e estado entre pessoas (UNESCO, 1980, p. 276-278).
A inovação nunca é um percurso pacífico, de amadurecimento individual ou
coletivo, mas, sim, um processo de ruptura com o antigo, com o habitual, com o
pré-estabelecido, com o previsível. No entanto, esta ruptura não significa negar ou
esquecer o passado e a tradição. Pelo contrário, é, muitas vezes, conhecendo bem
a tradição que se torna possível inovar realmente, como um processo dinâmico
gerador de equilíbrios e desequilíbrios, de movimentos e de resistências, de tensão
entre o antigo e o novo, entre o conhecido e o desconhecido, dividido entre as
convicções de uns e as visões prospectivas de outros. Este processo, e de resto
como qualquer outro, precisa de ser impulsionado, estimulado, motivado e apoiado
pelo líder da organização ou do contexto onde se desenvolve. Assim, entre as
várias condições que devem ser criadas nas organizações escolares para que as
inovações se desenvolvam, parece-nos que o clima organizacional e a cultura
escolar revelam um papel de suporte, de base, um sistema de apoio sócio-afetivo;
essencial para reduzir o medo, a insegurança e a resistência à mudança.
González (1988), referindo-se à inovação centrada na escola, afirma que:
54
(...) a organização escolar tem um papel crucial na criação de um clima
de mudança, na resposta às propostas de inovação e na capacidade de
auto-renovação. De pouco servirão os esforços isolados dos indivíduos
para mudar as suas práticas, se realizarem à margem da dinâmica
própria da escola (apud NÓVOA, 1995, p. 41).
O clima organizacional e a cultura escolar perpetuam-se e se reproduzem
através da socialização dos novos membros que entram no grupo. Apesar do
objetivo da socialização ser a perpetuação da cultura, o processo não tem efeitos
uniformes. Os indivíduos respondem diferenciadamente ao mesmo tratamento e
podem possuir diferentes combinações de estratégias de socialização para
produzirem diferentes resultados na organização.
Sendo o clima organizacional e a cultura escolar frutos de uma rede de
relações que os indivíduos estabelecem enquanto sistema social, os contextos
organizacionais são criados pelos sujeitos organizacionais nas suas inter-relações,
ao mesmo tempo em que os papeis, projetos pessoais, necessidades, valores e
entendimentos de cada um, do grupo e da sua própria organização, são limitados e
reformulados nesses mesmos contextos de interação.
Um clima caracterizado pelo apoio à mudança nas práticas profissionais
tem um papel fundamental no empenhamento dos membros de uma escola em
atividades formativas. Da mesma forma que um clima permite às pessoas
expandirem-se e desenvolverem-se, é mais suscetível de produzir uma visão
positiva da instituição. Por outro lado, sabemos também que não há inovação sem
aprendizagem, sem investigação, sem criatividade. Portanto, sem um clima aberto
e estimulante, e uma cultura que valorize e apóie estas iniciativas, o envolvimento
dos profissionais torna-se mais difícil.
Como afirma Brunet (apud NÓVOA, 1992):
O aperfeiçoamento ou a formação só se torna eficazes se o participante
tiver a noção de que vai poder utilizar os novos conhecimentos e de
que o clima lhe proporcionará os complementos e os apoios
necessários (p. 132).
A aprendizagem, a investigação e a criatividade têm como finalidade
promover mudanças desejáveis e estáveis nos indivíduos; mudanças que
favoreçam o desenvolvimento integral do Homem e da sociedade. Ora, não
havendo uma aprendizagem que não esteja imersa na cultura e, particularmente,
no momento histórico em que se situa não se podem conceber experiências
pedagógicas e metodologias organizativas, promotoras dessas modificações, de
modo desculturalizado. A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural e são as
55
próprias reformas educativas que refletem as ideologias impressas no contexto
social e político macro. Portanto, a inovação ocorre com uma dimensão cultural
articulada à formação de um clima organizacional e de uma cultura escolar
favorável, visando à participação de todos os envolvidos no contexto da
organização escolar.
Nesse sentido, o conhecimento torna-se necessário na medida em que
possa haver um clima favorável entre os participantes da organização escolar,
mediante a percepção de participação e implicação na tomada de decisões
relativas aos problemas da vida escolar e do reconhecimento e consideração pelo
trabalho desenvolvido, gera um maior grau de satisfação que por sua vez, também
influencia a própria percepção positiva do clima da escola, e o empenho dos
profissionais na vida escolar.
Com isso, a criação, nas escolas, de um clima organizacional e de uma
cultura escolar, gera um clima de criatividade e mudança, e de uma cultura de
inovação, encontrando precisamente no líder elemento fundamental de estímulo e
dinamização. O líder deve ser o pivô deste processo, questionando e
problematizando as situações, estimulando e criando oportunidades para que os
professores inovem, implicando-os num processo reflexivo e autocrítico, sobre as
suas práticas e os seus valores.
Assim entendida, a inovação deve estar enraizada na filosofia educacional
da escola, onde a democracia, a justiça, a liberdade, a cooperação e a
interdependência são os valores reinantes na construção de uma comunidade
moral. Através do seu estilo próprio, cabe ao líder fomentar a iniciativa de todos os
que integram a organização escolar, promovendo a consideração e um clima de
grande confiança entre os professores, desenvolvendo estruturas facilitadoras de
criatividade, comunicação e interação entre os que trabalham na escola.
Portanto, os fenômenos simbólicos culturais constituem como tema de
discussão centrado nos estudos organizacionais e da organização escolar,
cabendo a cultura escolar e o clima organizacional indicarem perspectivas para a
administração escolar, sendo pesquisados sob vários enfoques, constituindo-se por
fatos e fatores revelados no e pelo clima da escola consubstanciados, através das
56
estruturas de autoridade, definição de objetivos, relações com o processo ensino e
aprendizagem, conflitos, motivações e inter-relações pessoais, profissionais e
pedagógicas que possibilitam o clima da cultura da escola, como organização.
O clima da escola define a cultura da organização escolar e é definido por
ela, revelando-se numa ambiência epistemológica, ou seja, local de realização da
construção do conhecimento, como fator de mudança, depende das articulações
elaboradas pelo estilo de liderança, levando em consideração as diversidades
apresentadas pelos grupos significativos que estão inseridos na escola.
O clima organizacional e a cultura da escola dependem de como serão
concebidas as formas das mudanças educacionais, fazendo centrar na escola e
nos atores educativos o processo de descentralização das ações, pois as
mudanças são concretizadas pela forma do estilo de liderança, considerando as
intervenções pessoais que determinam o clima da escola, as ações e os valores
dos professores e do diretor da escola são importantes para a constituição do
clima que está presente nas relações do ambiente de trabalho e de todos que
integram e formam a comunidade escolar.
Portanto, o estudo da escola como organização cultural exige que se
procure compreender o uso que se tem feito desse referencial teórico na
compreensão de outros tipos de organizações econômicas e sociais produtivas. No
entanto, torna-se necessário fazer considerações relacionadas à cultura, buscando
tornarem mais claras as implicações de sua transposição do âmbito de estudos
sobre comunidades e sociedades mais amplas para o circuito das organizações.
A cultura da escola é um sistema sociocultural construído por grupos
relacionais que vivenciam digos e sistemas de ação, é constituída por vários
elementos que condicionam sua configuração interna e integram aspectos de
ordem histórica, ideológica, sociológica e psicológica, consolidando em espaço
onde se realizam as trocas simbólicas, difusão de mensagens, codificação e
decodificação de gestos e linguagens, de encontros, desencontros e comunicação.
Nesse contexto, formula-se uma análise da cultura da escola, refletindo
sobre um paradigma de gestão escolar mediante uma perspectiva cultural em que o
clima e a cultura da escola dependem, de como serão concebidos as formas das
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mudanças educacionais, fazendo centrar na escola e nos atores educativos o
processo de descentralização das ações, pois as mudanças são concretizadas pela
forma de administração escolar.
1.5. GESTÃO ESCOLAR NUMA PERSPECTIVA CULTURAL
O conceito de gestão está associado ao fortalecimento da democratização
do processo pedagógico, à participação responsável de todos nas decisões
necessárias e na sua efetivação mediante um compromisso coletivo com
resultados no processo educativo cada vez mais efetivo e significativos.
A escola é o fator básico de transformação social é ela, o palco principal
para os acontecimentos, apesar de ser um aparelho repressor e controlador da
ideologia dominante, cabendo aos profissionais da educação: gestor, professor,
pedagogo apresentar e representar de forma concreta e sutil essas mudanças.
Todos são responsáveis por essa transformação e, para tanto, uma
necessidade de uma formação básica sólida em educação, compreendendo o
domínio das ciências que lhe dão fundamentação, contemplando todos os níveis:
social, econômico, afetivo e cultural.
O comportamento do gestor educacional pode estabelecer diferentes meios
ambientes na sua organização. Por exemplo, pode estabelecer um ambiente em
que os professores, alunos, funcionários e pais, façam pleno uso de suas
qualidades, para atingir os objetivos da instituição de uma forma saudável,
expressando, abertamente, as suas idéias ou sentimentos; ou pode também,
estabelecer um meio ambiente em que as pessoas se sintam insatisfeitas com a
organização, com a realidade de suas tarefas sociais.
Outro dado significativo é de que o gestor escolar precisa estar atento às
peculiaridades que caracterizam a organização escolar, onde trabalham pessoas
de diferentes realidades.
Ao buscar uma reflexão sobre a gestão escolar e o clima organizacional,
procuraremos apresentar o que é a gestão da educação, concepções e vivências;
58
em seguida, discutiremos a importância da gestão escolar no clima organizacional
e a influência da gestão democrática sobre o clima da escola.
A educação o existe por si só; é uma ação conjunta entre as pessoas
que cooperam, se comunicam e comungam do mesmo saber. Por isso, não educar
não é um ato ingênuo, indefinido, imprevisível, mas um ato histórico (tempo),
cultural (valores), social (relação), psicológico (inteligente, afetivo), existencial
(concreto) e, acima de tudo, político, pois em uma sociedade de classe, nenhuma
ação é simplesmente neutra, sem consciência de seus propósitos.
As concepções e vivências da gestão democrática inicia-se no final dos
anos 70 e ao longo dos anos 80, as lutas sociais e os movimentos políticos e
cívicos pelo retorno à institucionalidade democrática colocavam a gestão
democrática no sistema educacional como um ponto central, em contraposição à
pratica associada à ditadura em nosso país. Não era mais aceitável, por grandes
contingentes da população brasileira de então, que uns poucos, e de forma
autoritária e repressiva, determinassem à sociedade verdades, normas, valores e
concepções de mundo, de educação, vida e de felicidade.
O conteúdo dessa nova educação e os métodos de sua efetivação às
práticas e às relações educativas, deveria ser democrático e envolver toda a
sociedade, principalmente, os educadores, pais, alunos e comunidades escolares.
Estas proposições partiam de produções teóricas elaboradas desde o exílio, como
por exemplo, Paulo Freire (1987), defensor de que tal processo deveria basear-se
no diálogo. A radicalidade da defesa dos oprimidos e dos perseguidos, em
contraposição à ditadura militar com sua repressão, devia estar associada ao firme
contraponto às práticas autoritárias e excludentes ao longo da história brasileira por
parte das elites e presente nas escolas e nos sistemas de ensino, como nos
alertava Florestan Fernandes (FLORESTAN; 1991). Ambos lutavam contra e pelo
fim da ditadura como passo inicial, e a partir dessa conquista para o movimento de
democratização da sociedade e da educação.
Olhando para aquele tempo, verificamos que avançamos bastante em
alguns aspectos da democratização da sociedade e muito pouco noutros. Os
processos eleitorais, a destituição de um presidente "corrupto", a realização de
59
plebiscito, bem como outros exemplos de participação popular, como o Orçamento
Participativo, etc., são exemplos de fatos vivenciados nas últimas décadas, dentre
as conquistas em favor da cultura democrática.
No que se refere à democratização da educação ou aos instrumentos de
participação, gestão e decisão dos rumos da educação, portanto, acabou-se
focalizando o espaço escolar de forma privilegiada. Aspectos da democratização
mais ampla, que relaciona a democratização da educação com a democratização
da sociedade e aos processos históricos e sociais em nosso país, foram
gradualmente sendo relegados a segundo plano ou sendo esquecidos. Mesmo
antes de a ditadura terminar, nas eleições para governadores em 1982, nos diz
Cunha (1988, 1991), que muitos dos oposicionistas eleitos arrefeceram suas
proposições de democratização da educação.
A proposta de gestão democrática na educação, que hoje encontra um
contexto histórico bastante favorável para sua implementação e fomento, sendo
defendida atualmente em praticamente todas as reformas educacionais,
desenvolveu-se ao longo da história do pensamento pedagógico, motivada por
fatores internos e externos ao campo educacional, que se entrelaçam firmemente
na produção dessa nova forma de gerir e gerar a educação.
Com a aceitação em quase todos os países do mundo da escolarização
universalizada como um valor e uma necessidade, a escola pública passou a
receber uma diversidade muito grande de estudantes, com variadas culturas,
valores, crenças e costumes, o que impõe à escola uma abertura para o convívio
dessa multiplicidade cultural. Muito embora ainda seja bastante comum uma
abordagem autoritária dessas diferenças, buscando homogeneizar e negar a
diversidade, cada vez mais o reconhecimento da via democrática como forma
mais adequada e desejável não de resolução dos conflitos, mas também da
organização da vivência escolar.
A democratização da educação é movimentada também por elementos fora
dela, presentes no contexto social, político e econômico mais amplo, no qual a
educação está inserida. Por exemplo: a tendência atual de descentralização das
obrigações dos Estados nacionais, encarregando a sociedade das políticas sociais,
60
se reflete na educação através do repasse de responsabilidades para as
comunidades locais. Esse processo pode significar mais autonomia para a escola e
para os sistemas estaduais e municipais, ou a desresponsabilização do Estado
nacional para com a educação, caso não haja a garantia de recursos públicos na
manutenção das escolas.
Após a Constituição Federal (1988), ao estabelecer a gestão democrática
do ensino público como princípio, a educação sofreu uma reformulação das suas
legislações específicas, desde a LDB até os regimentos escolares, incorporando
este princípio. O estabelecimento dos três entes federados - União, Estados e
Municípios - e a proposição de regime de colaboração entre eles abriu
possibilidades para os sistemas municipais de ensino. Também outras legislações,
como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), ampliam as
possibilidades de participação e controle da sociedade na educação.
É a partir do entrelaçamento desses e de outros muitos fatores internos e
externos, que surge a idéia de gestão democrática, na qual todos os atores sociais
envolvidos podem participar desde o planejamento, a execução e avaliação de
políticas e práticas educacionais. Os municípios podem, a partir da LDB (Lei n.
9.394/96), organizar sistemas de ensino locais, nos quais o desejável é que existam
mecanismos de participação de toda a sociedade na elaboração das políticas
educacionais, através de Conselhos, Congressos, Conferências, enfim, fóruns de
caráter consultivo, deliberativo e fiscalizador, que acompanhem as ações do órgão
administrativo do sistema.
Além desses mecanismos formais, cada escola pode e deve buscar ações
concretas para construir e difundir uma cultura democrática, através da participação
de todos os envolvidos no processo educacional na gestão da escola. Conselhos
de classe participativos, Escola de pais, grupos culturais, Assembléias da
comunidade, construção participativa do Projeto político-pedagógico, e assim
outras idéias que fomentem a participação, mas que não devem ser confundidas
com o chamamento da comunidade para prestação de serviços voluntários. A
gestão democrática exige a participação ativa nas deliberações pedagógicas da
escola.
61
Muito embora a gestão democrática esteja, atualmente, bastante presente
nos discursos, ela exige de todos nós uma afirmação concreta, exercitada
quotidianamente nas relações dentro e fora da escola. A cultura democrática está
longe de ser uma realidade consolidada, e necessita do trabalho de todos nós, em
especial no espaço educacional, ponto de encontro de gerações tanto na
conservação de nossa história e produção de conhecimentos, quanto na inovação e
transformação cultural.
A gestão escolar democrática tem como representação a figura do Gestor,
através de sua liderança, é a pessoa que tem uma grande influência na definição
do clima organizacional. Tudo aquilo que o administrador faz ou deixa de fazer
afeta, de alguma forma, o clima organizacional, determinando o modelo de gestão a
ser adotado, e o desempenho das mudanças a serem desenvolvidas dentro das
organizações escolares, na construção de um clima organizacional e de uma
cultura escolar desprovida de valores centrados em paradigmas
predominantemente tradicionais que impedem a execução de projetos pedagógicos
inovadores.
Carvalho (1992) define Clima de Escola numa dupla asserção:
a) enquanto realidade objetiva, no sentido em que constitui um campo
de forças, que se exerce globalmente sobre todos os elementos da
organização escolar, confirmada pela existência de maiores diferenças
inter-organizacionais que intra-organizacionais, nas medidas das
percepções de membros de organizações diversas;
b) dependente da estrutura subjetiva, na medida em que é percebido
por cada indivíduo, através das interações no decurso das práticas
organizacionais (p.36).
O clima de uma escola é o conjunto de efeitos subjetivos percebidos pelas
pessoas, quando interagem com a estrutura formal, bem como o estilo dos
administradores escolares, influenciando nas atitudes, crenças, valores e motivação
dos professores, alunos e funcionários, exercendo uma influência no
comportamento e nos sentimentos dos professores em relação à organização
escolar, influenciando o seu desempenho.
O clima da escola na visão de Sergiovanni e Carver (1976),
62
Na verdade, a melhora do clima de ensino depende da melhora do
clima organizacional da escola. O atrito interpessoal excessivo entre
professores e administradores, a moral baixa, um sentimento de
fraqueza por parte dos professores e uma estratégia de submissão
coercitiva, não podem ser removidos, apenas fechando a porta. Eles
têm efeitos poderosos sobre o que os professores fazem, na maneira
como os professores se relacionam. entre si, como sobre a realização
do estudante e suas aquisições efetivas ( p.108).
Dessa forma, o clima organizacional torna-se um elo entre a estrutura
organizacional da escola, a liderança exercida pelos gestores escolares e o
comportamento e a atitude dos professores, reflete a história dos tipos de pessoas
que a organização atrai, dos seus processos de trabalho, das modalidades de
comunicação e também reflete a história de quem exerce a autoridade dentro do
sistema, sendo o reflexo das motivações dos comportamentos e relações
estabelecidas entre os agentes organizacionais além de ser um fator que influencia
estas mesmas variáveis.
Suponhamos uma escola onde a participação dos professores,
funcionários, pais e alunos, no processo decisório, sejam permanentes. O nível de
participação das pessoas nas decisões que lhes dizem respeito é um dos fatores
mais importantes na determinação de um clima favorável à consecução dos
objetivos organizacionais e individuais. Em contrapartida, numa outra escola, onde
a administração resolve promover uma atividade inovadora, não envolvendo
professores e alunos na sua organização, provavelmente poderá atingir
negativamente o corpo docente, que se sentirá desprestigiado e desconsiderado.
Essa atitude do administrador provocará, sem dúvida, alterações no clima,
podendo, ainda, desarticular as relações entre professores e alunos, na medida em
que os professores, desinteressando-se dos resultados e das atividades
inovadoras, não se empenharão no envolvimento dos alunos. Os alunos, por sua
vez, sentindo o desinteresse dos professores, também não se esforçarão na
realização de trabalhos e atividades desejáveis para o evento. A conseqüência final
poderá vir sob a forma de atritos crescentes entre professores e alunos, com
visíveis prejuízos para os resultados finais da organização escolar.
Assim, por clima organizacional poderíamos dizer que é uma forma
constante, no qual as pessoas, à luz de suas próprias características, experiências
63
e expectativas, percebem e reagem às características organizacionais. O processo
de formação do clima organizacional torna-o, obviamente, uma variável
organizacional dependente. Mas, na medida em que o clima está caracterizado e
passa a influenciar as pessoas, transforma-se numa variável independente,
constituindo-se um fator impulsionador de novos comportamentos. O clima
organizacional é dependente, na medida em que se forma em função de outras
variáveis, tais como os processos de tomada de decisão, de comunicação ou de
controle, e é independente, na medida em que pode influenciar outras variáveis,
sendo o reflexo da cultura da organização, ou melhor, dizendo, o reflexo dos efeitos
dessa cultura na organização como um todo. Portanto, na organização escolar o
clima organizacional depende de como serão concebidos as formas das mudanças
educacionais, fazendo centrar na escola e nos atores educativos o processo de
descentralização das ões, pois as mudanças são concretizadas pela forma de
administração escolar.
Em cada decisão tomada ou comunicação expedida, em cada norma
traçada ou reunião realizada entre dirigentes e dirigidos, o clima organizacional está
num processo de permanente formação. Mas em cada uma dessas situações
existe um clima presente nas atividades, a influenciar positiva ou negativamente as
ações de dirigentes e dirigidos.
A implicação de fundamental importância para os gestores, nesse aspecto,
é que ele deve estar atento, não ao processo de formação, como também, ao
clima já existente.
A participação favorece a experiência coletiva, ao efetivar a socialização de
divisões e a divisão de responsabilidades. Ela afasta o perigo das soluções
centralizadas, efetivando-se como processo de co-gestão, e proporcionando um
melhor clima na organização.
A Gestão Participativa educacional pressupõe mudanças na estrutura
organizacional e novas formas de administração, tanto no micro como no macro
sistema escolar.
A organização escolar não permite uma transformação abrupta na sua
concepção pedagógica, administrativa e financeira. Nenhuma mudança
64
organizacional introduz-se como se fosse um corpo estranho, que viesse a
desalojar as condições anteriores, e ocupar plenamente o seu lugar. Por isso, por
mais convencidos que estejamos da necessidade de democratização das relações
no interior da escola, é preciso estar consciente de que elas devem partir da
administração escolar, hoje.
A participação deve ser entendida como a possibilidade e a capacidade de
interagir e, assim, influir nos problemas e soluções considerados numa coletividade,
bem como nos meios ou modos de decidir a respeito de levar ao cabo as decisões
tomadas. A prática na tomada de decisões naturalmente cria a consciência de
participação e o envolvimento nas relações que dizem respeito à escola e ao seu
clima organizacional.
O processo para encaminhar uma administração da escola, mais
amplamente da educação, numa direção mais democrática, possibilitando um
melhor clima na organização, depende da possibilidade e da orientação contrapor-
se à gestão tecnocrática. Esta contraposição poderia acontecer nas dimensões
interna e externa da administração escolar. A dimensão interna diz respeito à
organização da escola em si, e a dimensão externa, à sua incorporação ao Estado
e à sua inserção no contexto de uma sociedade capitalista.
Cabe, a análise sobre o processo de constituição da gestão escolar, a partir
de uma perspectiva democrática, estabelecida dentro do contexto da LDB 9394/96,
estabelecendo a democratização da gestão escolar. Esta gestão busca a
apropriação coletiva das salas de aula pelos pais, professores, funcionários e
alunos, que possuem liberdade tomada de decisão no processo educacional, para
melhorar a qualidade social do ensino.
A democratização da escola é algo que deve ser conquistado, através da
participação articulada e organizada dos diferentes elementos que direta ou
indiretamente a compõem. É necessário que haja abertura e estímulo à
participação, criando mecanismos de atuação dos segmentos envolvidos no
processo escolar.
Nesses termos, é importante ressaltar a afirmação de Freire,
65
É preciso e até urgente que a escola se tornando um espaço
acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos como o de
ouvir os outros, não por favor, mas por dever, o de respeitá-los, o da
tolerância, o do acatamento às decisões tomadas pela maioria a que
não falte contudo o direito de quem diverge de exprimir a sua
contrariedade. O gosto da pergunta, da crítica, do debate. O gosto do
respeito à coisa pública, que entre nós vem sendo tratada como coisa
privada, mas como coisa privada que se despreza. (p.89):
Para a escola ter um clima acolhedor e se tornar um espaço democrático é
preciso que seja realizado um trabalho de democratização escolar e que seja
estimulada a vivência associativa. E que, os pais sejam chamados, não apenas
para ouvirem sobre o desempenho escolar de seus filhos, ou para contribuírem nas
festas e campanhas. É importante a participação, que leva à reflexão e à tomada
de decisão conjunta. Este avanço vai depender do grau de consciência política dos
diferentes segmentos e dos interesses envolvidos na vida da escola.
A realidade escolar é uma estrutura social e, que não se pode estabelecer
unicamente sobre os aspectos pedagógicos. Como em toda parte, existem conflitos
que requer negociação de todos para administrá-los. Pois, o conflito e a
complexidade existente no processo educativo dependem, para seu
desenvolvimento e aperfeiçoamento, de uma ação coletiva, de espírito de equipe,
sendo este o grande desafio da gestão escolar.
Na perspectiva de uma participação dos diversos grupos na administração
da escola, parece que não se trata de ignorar ou minimizar a importância dos
conflitos, mas de levar em conta a sua existência, bem como as suas causas e as
suas implicações, na busca da democratização da gestão escolar, como condição
necessária para um melhor clima organizacional, e uma efetiva oferta de ensino de
boa qualidade para a população.
Sendo assim, o que falta para a promoção de qualidade da educação é
uma visão global do estabelecimento de ensino como instituição social, capaz de
promover a dinamicidade pedagógica, conduzida pela equipe de gestão da escola,
sob a liderança de seu diretor, voltada para a dinamização e coordenação do
processo co-participativo, para atender às demandas educacionais da sociedade
dinâmica e centrada na tecnologia e conhecimentos.
66
Preocupados com o clima da organização escolar, os administradores
devem estar, acima de tudo, interessados em ajudar os indivíduos a aceitarem-se
mutuamente, porque sabem que, quando as pessoas se valorizam umas às outras,
crescem através da interação, e oferecem um clima emocional melhor para o
crescimento do aluno. Um aspecto importante do trabalho da direção é oferecer as
circunstâncias, o ambiente e o clima para a liderança. Neste sentido, a gestão deve
criar condições sob as quais as pessoas possam trabalhar de boa vontade e
voluntariamente, em prol dos objetivos da organização, porque, gostando do seu
trabalho, terão maior possibilidade de sentir a importância de realizá-lo bem.
Deve também os gestores estar conscientes de que a gestão democrática e
participativa é um dos fatores fundamentais na organização escolar, e que
possibilita uma melhoria do clima da escola. Neste contexto, é evidente a
necessidade de se conhecer cientificamente a satisfação do trabalho apresentado
pelos que atuam no cenário educacional, para que possa o administrador escolar,
no seu papel de líder com uma equipe multidisciplinar, aproveitar melhor os
recursos humanos existentes, e desenvolver um trabalho cuja base seja a
satisfação no trabalho, para o alcance das metas desejadas.
Nesse sentido, cabe analisar a gestão escolar e o clima organizacional
presente na organização da educação escolar indígena, a partir das relações que
se interagem no interior do contexto educacional, levando em consideração a
diversidade, a interculturalidade, visando a satisfação e os interesses da
comunidade indígena em que a escola esta inserida.
1.6. ORGANIZAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
A implantação de projetos escolares para populações indígenas é quase
tão antiga quanto o estabelecimento dos primeiros agentes coloniais no Brasil. A
submissão política das populações nativas, a invasão de suas áreas tradicionais, a
pilhagem e a destruição de suas riquezas, etc. têm sido, desde o século XVI, o
resultado de práticas que sempre souberam aliar métodos de controle político a
algum tipo de atividade escolar civilizatória. Tais atividades escolares se
desenvolveram de forma sistemática e planejada: os missionários, que foram os
67
primeiros encarregados desta tarefa, dedicaram a ela muita reflexão, tenacidade e
esforço. O colonialismo, a educação para os índios e o proselitismo religioso são
práticas que têm, no Brasil, a mesma origem e mais ou menos a mesma idade.
As culturas e línguas indígenas são os resultados das experiências
históricas e sociais diversificadas, de elaborados saberes e criações, de arte, de
música, de conhecimento, de filosofias originais, construídos ao longo de milênios
pela pesquisa, reflexão, criatividade e sensibilidade dos povos indígenas.
Fazendo uma retrospectiva da política educacional implantada no país,
relativa aos povos indígenas desde o início do período colonial, pode-se constatar
que o modelo educacional foi sempre impositivo e aplicado geralmente com
extrema violência, como nos casos dos internatos, para onde as crianças indígenas
eram, muitas vezes, levadas. Esse modelo estava de acordo com os objetivos da
Coroa portuguesa, que tinha o interesse em amansar os índios a fim de torná-los
mão de obra escrava.
A educação escolar indígena assume, no decorrer da história, uma
perspectiva intregacionista, isto é, ser veículo de integração gradativa dos índios à
sociedade nacional e ao mercado de trabalho anulando esses povos,enquanto
sociedades distintas.
Na década dos anos setenta, o cenário passa por uma mudança, quando o
movimento indígena começa a se articular no país, e as assembléias começam a
ser expressivas; e diversos povos se reúnem para discutir seus problemas e pensar
em soluções. Começam a reivindicar os seus direitos ao território, à saúde, à
educação e auto-sustentação, entre outros.
Nesse contexto, surge à preocupação por uma escola que atendesse aos
interesses dos povos indígenas, processo que gerou, principalmente nos últimos
anos, mudanças na concepção e na prática da educação escolar indígena. Em
contraposição às práticas e retóricas implantadas pelo Estado e por diversas
missões religiosas, entidades organizadas passaram a trabalhar junto aos povos
indígenas, buscando alternativas para superar a opressão cometida contra estes
povos, garantindo seus territórios e estabelecendo outras bases de relacionamento
e convivência entre estas populações e outros segmentos da sociedade nacional. A
68
escola entre os povos indígenas um novo significado, e tornou-se um meio para
garantir acesso a conhecimentos gerais, sem precisar negar as especificidades
culturais e a identidade dos povos. Diferentes experiências surgiram em várias
regiões do Brasil, a partir de projetos educacionais específicos à realidade
sociocultural e histórica de determinados povos indígenas, praticando a
interculturalidade e o bilingüismo.
É fundamental ressaltar a diferença entre educação indígena e educação
escolar indígena, quer dizer, educação não é o mesmo que escola. Para
entendermos a educação entre os povos indígenas, partimos de um pressuposto
básico de que os povos indígenas possuem pedagogias próprias e que todas são
de grande valor para nortear e ou orientar os trabalhos escolares.
Os todos próprios de aprendizagem dos povos indígenas devem nortear
a educação escolar, como um novo espaço educativo. A escola, porém, não é o
único espaço. Cada povo tem sua forma própria de educar seus filhos. É um
processo que envolve aspectos como tempo, ngua, forma de organização social,
lugar específico, entre outros. Os povos indígenas mantêm vivas as suas formas de
educação tradicional, transmitindo para os seus filhos o que aprenderam com seus
antepassados; isto é ação pedagógica. Essas pedagogias tradicionais, sem dúvida,
podem e devem contribuir na formação de uma política e prática educacional
adequadas, capazes de atenderem aos interesses, anseios e necessidades dos
povos indígenas, que hoje assumem e reivindicam o processo escolar como um
espaço que colabora nas lutas e projetos próprios.
Entre os muitos desafios que estão postos para a construção de uma
escola indígena que possibilite acesso aos conhecimentos universais, e que
valorize as práticas e saberes tradicionais desses povos está o da preparação dos
professores indígenas; grande parte em exercício para a atuação no magistério
intercultural. Isto, sem vida, requer muita atenção dos órgãos governamentais
responsáveis pela escolarização nas áreas indígenas. A proposta de uma escola
indígena específica, diferenciada, bilíngüe, intercultural e de qualidade repousa,
fundamentalmente, será viável se os próprios índios e membros de suas
respectivas comunidades, estiverem à frente do processo, enquanto docentes e
gestores da prática escolar. Para que esta escola seja autônoma e contribua para o
69
processo de autodeterminação dos povos indígenas, e esteja afinada aos seus
projetos de futuro, é fundamental a criação de novas práticas de formação que
permitam aos professores indígenas atuarem, de forma crítica, consciente e
responsável, nos contextos interculturais e sociolingüísticos nos quais as escolas
indígenas estão inseridas.
Nos últimos anos, a implantação de escolas em terras indígenas deixou de
ser uma imposição, e tornou-se uma reivindicação das comunidades indígenas,
interessadas em construir novas formas de relacionamento com os demais
segmentos da sociedade brasileira. Essa reivindicação não se traduz em qualquer
tipo de escola, consiste num projeto definido de acesso a determinados
conhecimentos acumulados pela humanidade e de valorização de práticas
tradicionais, para o qual o fundamentais o envolvimento da comunidade, o uso
das línguas nativas e de metodologias de ensino e aprendizagem, calendários
diferenciados e materiais didáticos específicos na nova prática escolar.
Nesse contexto, a formação dos professores indígenas assume um papel
crucial, na medida em que esse profissional passa a desempenhar um novo papel
social, respondendo, em muitas situações, pela mediação e interlocução de suas
comunidades com o mundo de fora de suas aldeias. O perfil deste novo
profissional, o professor indígena, será construído de forma diferente em cada
comunidade; expressão de suas particularidades culturais, sua história de contato,
seus modelos de organização e seus projetos de futuro. Ao sistema de ensino,
responsável legal pela oferta de programas de formação, caberá o incentivo à
construção de novas práticas de atuação profissional, que permitam a consolidação
de um perfil para o professor indígena, respondendo tanto aos anseios das
comunidades indígenas, quanto às exigências da legislação vigente.
A escola indígena, pensada em conjunto com os sujeitos envolvidos -
professores, alunos e comunidade - pode possibilitar a relação entre educação
escolar e a vida em sua dinâmica histórica, na medida em que puder trabalhar com
os conhecimentos provenientes da comunidade, articulados aos conhecimentos
oriundos da sociedade na qual a comunidade se insere.
A escola tem sido, ao longo da história, um lugar privilegiado para ruptura
70
com o modo-de-ser tradicional. Quando a escola é incorporada de acordo com
parâmetros exclusivamente não-indígenas, causa profundas rachaduras no alicerce
cultural. Foi isso o que aconteceu com os povos indígenas no país, conforme
modelo de escola estabelecido pelo poder dominante, com os objetivos de
incorporar, assimilar e integrar os índios à sociedade nacional.
Apesar das mudanças ocorridas nos últimos anos quanto às políticas
públicas para educação escolar indígena, postulando uma escola mais pluralista,
valorizando as culturas e respeitando as diferenças, alguns índios ainda
permanecem com a concepção dos antigos modelos, nos quais a escola era vista
no sentido de alcançar o mesmo status social e econômico dos não-índios, de
conseguir emprego, de melhorar de vida, de “ser alguém”, à custa da ruptura com
os valores culturais de sua sociedade. Mas essa função da escola já começou a ser
questionada, devido à sua quase inutilidade frente a um mercado limitado de vagas
e por uma nova mentalidade crítica crescente, da qual emerge um novo conceito de
escola, uma mudança de paradigma e de rumos, de uma perspectiva
individualizadora para uma perspectiva de instrumento coletivo de luta e de análise
da realidade.
Os dispositivos legais que tratam a educação escolar indígena, como a
Constituição Federal de 1988 que assegurou aos índios no Brasil o direito de
permanecerem índios, isto é, de permanecerem eles mesmos, com suas línguas,
culturas e tradições. Ao reconhecer que os índios poderiam utilizar suas línguas
maternas e seus processos de aprendizagem na educação escolar, instituiu-se a
possibilidade de a escola indígena contribuir para o processo de afirmação étnica e
cultural desses povos, deixando de ser um dos principais veículos de assimilação e
integração.
Desde então, as leis subseqüentes à Constituição que tratam da educação,
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de
Educação, têm abordado o direito dos povos indígenas a uma educação
diferenciada, pautada pelo uso das nguas indígenas, pela valorização dos
conhecimentos e saberes milenares desses povos e pela formação dos próprios
índios para atuarem como docentes em suas comunidades. Comparativamente
algumas décadas atrás, trata-se de uma verdadeira transformação em curso, que
71
tem gerado novas práticas a partir do desenho de uma nova função social para a
escola em terras indígenas.
Sabemos que, em nosso país, a conquista de leis nem sempre é a garantia
de superação de obstáculos e contradições. A discriminação ainda se faz presente
porque o que se quer superar pela lei não é necessariamente superado pelo
comportamento social e político. Ou, em sentido oposto, manifesta-se entre s
outro tipo de preconceito: se o indivíduo indígena está isolado, assim deve
permanecer para manter sua integridade física e sua pureza original. Tal visão
condena os povos indígenas a não serem vistos como tais a partir do momento que
se apresentam diante de nós usando relógio e roupa, vestindo tênis e ouvindo
gravador ou instalando antenas parabólicas no pátio central da aldeia para assistir
a programas de televisão.
A educação escolar indígena passa a ser protagonista desse debate, pois,
tanto na sociedade não-indígena como nas sociedades indígenas, torna-se
instrumento de disputa, seja porque existe, seja porque não foi instalada,
independentemente de estar ou não adequada ao modelo diferenciado.
Não fica difícil imaginar a complexidade na concepção, criação e
estabelecimento de uma escola indígena. Em nossa sociedade, podemos escolher
modalidades consideravelmente limitadas de ensino escola pública ou privada, com
qualquer orientação pedagógica, com opção de oferta do ensino bilíngüe que não
passa, salvo raras exceções, de inglês, francês, espanhol ou alemão. Esse é um
procedimento usual do mecanismo de oferta e procura por um produto, produzido
por um conjunto de profissionais e especialistas que, apenas em casos muito raros,
criaram essas escolas com a participação da clientela a ser atendida.
A escola indígena, ao contrário, não existe em modelo passível de ser
selecionado à escolha do cliente, por estar sendo construída pela comunidade que
dela vai se servir, sob a regência de professores indígenas nem sempre formados
pelo magistério convencional, e poucas vezes mediante assessoria de
especialistas. Esses profissionais são movidos pela vontade de dominar o
instrumento da dominação – a palavra escrita – e pelo desafio intelectual que
aceitaram enfrentar diante da falta de oportunidade apresentada para usufruir os
72
serviços da educação escolar. Para o corpo docente e suas comunidades, a lei da
oferta e da procura não está em jogo, a menos nos casos em que alguns membros
da comunidade optam por freqüentar escolas públicas nas cidades, para onde se
deslocam indivíduos indígenas quando pais e mães dispõem de meios para
acompanhar suas crianças em cidades ou escolas instaladas pelas missões
religiosas, em centros missionários próximos às aldeias. Vista de maneira
convencional, a conclusão aparente indica que essa é uma fragilidade da escola
indígena. Pelo contrário, está seu trunfo em relação às escolas da sociedade
não-indígena. Um dos grandes apoios para a especificidade dessa escola é o
espaço que se criou para a invenção de um modelo. Cada povo envolvido no
processo de inventar e construir seu próprio modelo tem que, obrigatoriamente,
refletir sobre seus projetos de futuro. O grande trunfo da escola indígena é
justamente não ter uma institucionalidade em si. O público que dela vai se servir
dará os pesos e as medidas para moldar o que será um “serviço públicocapaz de
responder a demandas pontuais baseadas em projetos e ambições específicas
daquele povo.
A construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) de qualquer escola é o
ponto de partida para a elaboração da organização do trabalho administrativo e
pedagógico, e a mesma coisa ocorre na escola indígena. Não será um espanto se
uma etnia optar por uma escola radicalmente avessa ao uso do português durante
os primeiros oito anos de contato com o ensino escolar, e outra optar por uma
escola eminentemente técnica, voltada para a formação de indivíduos indígenas
aptos a atuar com a mesma desenvoltura dentro e fora de suas comunidades, por
meio dos instrumentos de conhecimento da sociedade majoritária O desafio maior
não é construir o PPP, mas fazer com que seja reconhecido legalmente pelos
poderes competentes. Uma escola indígena tem a mesma legitimidade da escola
não-indígena e pode optar por revisar paradigmas, questionar nones da
institucionalização do ensino ou simplesmente adotar os modelos mais
convencionais sem precisar abdicar de funcionar em terra indígena. O mais
importante é cada povo saber por que razão quer uma escola e como se servirá
dela. Até agora, o que existe de mais sistematizado em práticas e discussões
teóricas mais gerais sobre educação escolar indígena ainda é o documento
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, divulgado em 1998. A
73
ele se somam os relatos ou artigos sobre as poucas experiências-piloto espalhadas
pelo país,
geralmente desenvolvidas por organizações de cidadania ativa que
enfrentam os percalços da sustentabilidade. Essa dificuldade ocorre porque a maior
parte dessas organizações depende de recursos humanos e financeiros cedidos
por fundações e instituições privadas nacionais e internacionais.
Nesse contexto, é importante a análise da cultura escolar e do clima
organizacional da escola indígena, verificando como está disposta nos dispositivos
legais e na realidade em que a escola está inserida.
74
CAPÍTULO II
2. CULTURA E CLIMA ESCOLAR NO CONTEXTO DA ESCOLA INDÍGENA
ALMIRANTE TAMANDARÉ
A forma de vivência presente no cotidiano da Escola Estadual Indígena
Almirante Tamandaré se apresenta a partir da descrição do contexto histórico em
que ela está inserida, retratando os aspectos culturais e educacionais que
envolvem o povo Ticuna da comunidade indígena Umariaçu II.
2.1. ELEMENTOS DA HISTÓRIA TICUNA
Segundo Cardoso (1996), os Ticuna ou Tucuna foram estudados por Curt
Nimuendaju que retratou a história do povo. Era alemão de origem, nascido em
Lena, em 1883 e naturalizado brasileiro. Segundo Nimuendaju, os Ticuna
ocupavam o trato da selva dos tributários da margem do rio Solimões, entre a Ilha
Parauté e o baixo curso dos rios da margem oposta da linha divisória do rio
Putumaio ou á. Eles evitavam as margens do Amazonas-Solimões, temendo os
índios Omágua e Cambeba, seus tradicionais inimigos e dominadores, ocupantes
das principais ilhas.
Quando estes últimos desapareceram, os Ticuna se espalharam pelas ilhas
e margens do Solimões até o Paraná Auati.
Este ambiente era mais favorável à vida dos Ticuna. Grande quantidade de
pescado e caça era encontrada nessa região e suas atividades se desdobravam,
periodicamente, na coleta de frutos, de ovos de aves e de quelônios, de larvas de
insetos, de batráquios e de moluscos, que, além dos produtos de suas roças e
vazantes, lhes entravam na dieta adotada à base da experiência e da tradição
75
sócio-religiosa da tribo.
Os Ticuna constituem hoje, uma das maiores nações indígenas do Brasil
com aproximadamente 32.000 pessoas. Eles são encontrados também na
Colômbia e no Peru.
No Brasil, estão localizados no estado do Amazonas, ao longo do rio
Solimões em terras dos municípios de Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de
Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Fonte Boa, Anamã e Beruri.
Segundo Cardoso (1996), alguns fatores contribuíram para o
estabelecimento do povo Ticuna na região onde hoje está localizada a cidade de
Tabatinga, sendo um dos principais motivos à saída dos omágua e a chegada dos
missionários jesuítas. Até o século XVI o povo omágua, considerados inimigos dos
ticuna, vivia nesta região e os ticuna habitavam a terra firme, porém, no século XVII
chegam os jesuítas que formam a missão de São Francisco Xavier de Tabatinga,
os atraem e estes passam a viver na missão jesuítica.
Mais tarde, no final dos anos 30, por causa do conflito entre Colômbia e
Peru, o governo brasileiro decidiu enviar um grupo de militares com o propósito de
resguardar o território do Brasil. Desta forma, implantou-se o primeiro posto militar,
denominado Pelotão de Fronteira de Tabatinga, localizado entre a floresta e a
extremidade do barranco, na margem esquerda do rio Solimões, a 200 metros da
cerca divisória do município colombiano de Letícia, em uma área de
aproximadamente 1.500m². Com isso, houve a necessidade de deslocar os Ticuna
para uma zona mais distante da fronteira, pois nesta área existiam confrontos
militares. Por esta razão, a instituição responsável pelos assuntos indígenas SPI
(Serviço de Proteção ao Índio), viu-se obrigada a mudar as famílias Ticuna para as
terras em que hoje estão localizadas as comunidades de Umariaçu I e II.
De acordo com os relatórios da FUNAI, em 1971, com a chegada do
movimento de cunho salvacionista liderado por irmão José Francisco da Cruz,
denominado Movimento da Santa Cruz, ocorreu à divisão do povo Ticuna, que vivia
na área determinada pela SPI, em duas comunidades: Umariaçu I e Umariaçu II,
também chamado pelos Ticuna de Nova Palestina. O principal motivo da divisão foi
religioso, já que os membros de Umariaçu I seguiram com a religião católica
76
introduzida pelos missionários jesuítas, enquanto que os de Umariaçu II adotaram
como religião o Movimento da Santa Cruz.
A origem do nome Ticuna descritos nos Livros das Árvores (1997) se deu
devido os Ticuna fabricarem um veneno poderosíssimo, de efeito mortífero,
fulminante. Por isso, eram respeitados pelos seus vizinhos.
A história se repete, até hoje, com as nações que possuem mais poderio de
armamentos, sendo as mais temidas.
Ao "curare", deram os tapuias o nome de "ticuna", nome este que passou a
designar toda a tribo, do mesmo modo que o pau-brasil deu nome ao país em que
vivemos.
Quando a língua falada e organização social os Ticuna falam uma língua
considerada isolada, que não mantém semelhança com nenhuma outra língua
indígena. Sua característica principal é o uso de diferentes alturas na voz,
peculiaridade que a classifica como uma língua tonal. Os Ticuna estão organizados
em clãs, ou "nações", agrupados em metades, que regulam os casamentos.
Membros de uma metade devem casar-se com pessoas da metade oposta, e seus
filhos herdam o clã do pai. Numa das metades agrupam-se os clãs com nomes de
aves, chamadas nações de pena como: mutum, maguari, arara, japó ou galinha. Na
outra metade estão os clãs que possuem nomes de plantas e de animais, como o
buriti, jenipapo, avaí, onça, saúva.
O mito de origem dos Ticuna, relatado por Curt Nimuendaju, quando em
1945 foi nomeado pelo Serviço de Proteção ao Índio como Delegado dos Índios do
Alto Solimões, começa quando o Grande chefe NGUTAPÁ da origem ao povo.
Um dia Ngutapá foi ferrado no joelho direito por uma caba miudinha. Onde
a caba ferrou apareceu um tumor.
O grande chefe mandou ver o que era e se havia bicho. E viram ali dois
meninos e duas meninas fazendo zarabatanas, flechas e estojos para as mesmas,
venenos e muitas outras coisas, boas e más.
Ngutapá tirou aqueles dois meninos de dentro do tumor. E chamou os
77
meninos de YO’I e IPI, e as meninas de MOWATCHA e AICÜNA.
DJÓI fabricou então zarabatana e o curare. IPI fabricou o arco e a flecha.
AUCANA fabricou o cesto e a bolsa. MOVACA fabricou a maqueira e a peneira.
Foram eles que inventaram todos os objetos que os Ticuna usam até hoje. Os
dois meninos fizeram-se homens e viviam em companhia de Ngutapá.
Um dia, todos os três foram pelos matos, procurando comida. Djói e Ipi iam
à frente; o velho Ngutapá, não os podendo acompanhar, foi ficando para trás.
Assim, ao transpor um igarapé, sobre o qual uma árvore servia de ponte, o velho foi
comido por uma onça, porque o sítio era freqüentado por todos os animais.
Dando por falta do velho, os dois irmãos voltaram ao lugar da travessia.
Mas não o encontraram e nem a onça. Djói e Ipi saíram no rastro do bicho, mas
não o encontraram naquele dia. Voltaram então para a travessia. Alisaram o tronco,
estendido sobre o igarapé, com gosma de peixe e de frutas. E, enquanto
esperavam, foram fazendo piranhas: pretas, vermelhas, brancas, apontando-lhes
os dentes como haviam apontado os próprios.
A onça veio fazer a travessia por cima do tronco, escorregou e caiu na
água, onde as piranhas a mataram. Djói e Ipi, depressa, secaram o igarapé, tiraram
o couro da onça e recolheram do seu bucho os ossos de Ngutapá, levando-os para
casa. Ali fizeram o velho ressuscitar. "Nós, Ticuna, descendemos do velho
NGUTAPÁ".
Em relação à origem das pessoas descrito nos Livros das Arvores (1997)
existe o mito do Jenipapo que começa, quando Tetchi arü Ngu’i era mulher de Yo’i,
mas ficou gestante de Ipi. Yo’i não gostou e resolveu castigar o irmão. Assim que a
criança nasceu, Yo’i mandou Ipi buscar Jenipapo para pintar o menino. Quando ipi
subiu na árvore ela começou a crescer, crescer, quase alcançando o céu. Ipi sofreu
muito, mas por fim conseguiu apanhar uma fruta. Desceu da árvore transformada
em tucandeira, trazendo o jenipapo na boca. Yo’i mandou Ipi ralar a fruta sem
parar. Ele ralou, ralou, até que ralou o seu próprio corpo.
Tetchi aru Ngu’i pegou o sumo do jenipapo e pintou o filho. Depois jogou a
borra no igarapé do Eware. A borra do jenipapo desceu pela água e foi parar num
78
lugar com muito ouro. Depois tornou a subir, transformada em peixinhos, numa
grande piracema. Quando a piracema passou, Yo’i fez um caniço e foi pescar,
usando o caroço de tucumã maduro. Mas os peixes quando caíam na terra,
viravam animais: queixada, anta, veado, caititu e muitos outros. Aí Yo’i usou isca de
macaxeira, e com essa isca os peixinhos se transformaram em gente. Yo’i
aproveitou e pescou muita gente. Mas seu irmão não estava entre essas pessoas.
Yo’i, então, entregou o caniço para Tetchi aNgu’i e ela conseguiram fisgar um
peixinho que tinha uma mancha de ouro na testa. Era Ipi. Ipi saltou em terra, pegou
o caniço e pescou os peruanos e outros povos. Esse pessoal foi embora com Ipi
para o lado onde o sol se põe. Da gente pescada por Yo’i descende o povo Ticuna,
e também outros povos que rumaram para o lado onde o sol nasce inclusive os
brancos e os negros.
Outro momento importante para os Ticuna é a Festa da Moça Nova, ou
seja, da menina que se torna mulher (após primeira menstruação), é o "Baile de
Debutante Indígena” descrita por Cardoso (1996).
Os Ticuna consideram a puberdade um período muito perigoso, onde os
jovens, se não forem bem orientados, podem ser influenciados por espíritos
maléficos. Este ritual tem a finalidade de iniciar a menina-moça à vida adulta.
A partir da primeira menstruação, toda a menina é conduzida para um local
reservado, construído para este fim com esteiras ou cortinados, onde permanecerá,
como se estivesse em um casulo, durante três meses. Longe dos olhos do mundo
e em total silêncio, a jovem estabelecerá contato apenas com a mãe e com a tia
paterna e sairá raramente. Durante este período, a indiazinha deverá dedicar-se ao
aprendizado dos afazeres femininos, como a fiação do algodão e o preparo de
cestas, redes e esteiras.
O casulo é uma referência à borboleta em crisálida. A jovem, como a
borboleta, quando sair de sua reclusão após três meses, será reintegrada na
comunidade como "moça-nova", ou seja, uma mulher adulta, que estará apta para
casar e tornar-se um membro ativo da comunidade.
Este ritual de passagem é realizado anualmente e os preparativos para tão
grandiosa festa, demora vários dias. Preparam-se trombetas, tambores, várias
79
máscaras que representam macacos e enfeites para a menina-virgem.
A mandioca e o peixe o preparados com antecedência, assim como a
bebida "Pajauarú" (fermentado alcoólico da mandioca).
Um dos principais personagens desta festa é um monstro que vive na água.
Tem mais de 2 metros de altura. É representado por uma máscara que tem a cara
de uma serpente e a boca sem dentes. Dizem que este monstro comeu, há tempos,
muitos Ticuna. Foi morto quando o encontraram em um buraco. Queimaram muita
pimenta e a fumaça o sufocou.
Ao iniciar-se o ritual, os pais da moça-nova oferecem comida e bebida para
os convidados. Os participantes dançam ao ritmo dos tambores, flautas e cantos
rituais, todos adornados com pintura facial, corporal e máscaras.
Depois de uma determinada hora, alguém anuncia que da mata vem um
demônio. Tal ser é um mascarado de macaco, que salta no meio dos presentes,
fazendo gestos obscenos. Os índios riem muito, comem e bebem.
Aparece então outro macaco que ronda o cubículo da jovem virgem,
batendo com o bastão no chão. Mas a virgem é protegida pelos vigias.
Após três dias e três noites de festa, danças, bebedeiras, os pais da moça-
nova retiram-na da reclusão. Quando aparece publicamente, estará com os olhos
vendados por uma coroa de penas. O xamã lhe entregará um tição aceso e ela o
atirará com força contra uma árvore que simboliza o mal, tornando-se, deste modo,
imune a espíritos malignos.
Em seguida, os tios paternos aproximam-se da moça e arrancam-lhe tufos
de cabelos. Ela senta sobre um tapete de entrecasca e outras mulheres a depilam.
Esta é a fase mais importante do ritual, pois simboliza a morte da menina para o
renascimento da mulher adulta. É renovada a sua pintura corporal e recolocada a
coroa de penas, mas agora sem vendar seus olhos.
Ocorre uma última aparição das máscaras e os tios aproximam-se da
moça-nova para dar-lhe últimos conselhos. Em seguida, todos despem suas
máscaras e as entregam para o pai da moça.
80
Continuam a dança, mas agora em procissão para jogarem-se e banharem-
se no rio.
Na arte e na literatura os Ticuna, de modo geral demonstram um
excepcional talento e sensibilidade. Essa particularidade se apresenta de maneira
rica e criativa principalmente nas suas produções matérias na construção do seu
artesanato, e na música.
Como vemos, a educação do índio é compartilhada não com seus pais,
mas também com todos os membros do clã. Os jovens adolescentes, não são
considerados um problema, como no mundo dos brancos. Justamente o contrário,
todos os jovens são muito respeitados e cercados de todo o cuidado, pois são eles
que darão continuidade às tradições da tribo.
O índio desde que nasce é amparado e educado para viver em grupo e em
comunidade. Como a cultura não é obtida por herança biológica, e sim como
produto da interação social, os artefatos culturais então, se revestem da maior
importância. Ninguém nasce sabendo, aprende-se por treinamento.
A vida comunitária, entretanto, não irá reprimir sua liberdade individual e
sua espontaneidade.
Com o acelerado crescimento urbano, muitas aldeias dos Ticuna foram
favorecidas com o conforto que a tecnologia oferece. Sendo assim, através do
benefício da luz elétrica, foram provocadas grandes alterações no estilo de vida de
nossos indígenas. Com a incidência maciça dos meios de comunicação ocidentais,
como televisão e rádio, as aldeias se tornaram quase cidades. Mas estas
transformações são consideradas demasiadamente rápidas e ao mesmo tempo
muito frustrantes.
Os índios, com esta nova visão do mundo, passaram a almejar também um
novo estilo de vida, mas a sociedade brasileira não correspondeu às suas novas
exigências. O resultado disso tudo, foi que nosso índio, acabou sem expectativas.
E, desorientado culturalmente, atirou-se ao alcoolismo, às drogas e ao suicídio. A
degradação social e familiar, também é conseqüência, desta falta de coesão
cultural.
81
As tecnologias de futuro tornaram o presente "piorado" para os índios
Ticuna.
Como uma luz no fim do túnel, em 1987 surgiu o Conselho Geral da Tribo
dos Ticuna, um organismo criado para pressionar o governo brasileiro em defesa
da população Ticuna, que tem conseguido notáveis êxitos, principalmente no que
se refere as reivindicações da demarcação de suas terras.
Habitando uma região de fronteira, o povo Ticuna sempre foi assediado por
uma diversidade de forças e interesses. No passado, foram os missionários jesuítas
os primeiros a impor o contato dos povos indígenas da região com o homem
branco. Atualmente, a pressão sobre os ticuna é intensa e a Igreja Católica divide
com inúmeras seitas protestantes a influência sobre as comunidades. O grande
contingente populacional dos Ticuna desperta também o interesse das oligarquias
locais, que controlam governos municipais e que buscam influenciar o destino das
comunidades, assim como as ONGs, os organismos governamentais e os
missionários. A influência desses grupos fragiliza a unidade interna do povo Ticuna,
provocando divisões políticas no seio das comunidades.
No aspecto educacional retratado nos relatórios da FUNAI, a instituição
escolar na comunidade Ticuna começa com a chegada do Marechal Cândido da
Silva Rondon, e a fundação do Forte São Francisco, que se localizava no Bairro da
Comara/Tabatinga. Com isso, fundou-se a primeira escola do Umariaçu, feita de
paxiúba e coberta de palha. Atuava como professora, a esposa do 1º chefe do
Posto do Umariaçu, o senhor Tocantins, trazido pelo Marechal Rondon, no tempo
da SPI (Serviço de Proteção ao Índio). Nessa época, os caciques eram
comandados pelo exército, recebiam uniforme militar com o título de capitão. O
primeiro capitão de Umariaçu foi o Ticuna Antonio Irineu comandado pelo Marechal
Rondon. Após o primeiro chefe do posto da FUNAI, foram chegando os demais
chefes como o Ticuna Manelão, que foi o terceiro chefe, transferindo a aldeia que
era na Comarca para a várzea, logo após faleceu na aldeia. A escola foi transferida
para o novo local, foi construída em madeira de lei cawiche. Uma nova escola de
alvenaria foi construída com o apoio da Marinha através da Capitania dos Portos
recebendo o nome de Almirante Tamandaré. Na atual escola, atuaram como
professores brancos: Flora, Bernardino, Adrenalina e a esposa do chefe Andrade.
82
Como primeiros professores Ticuna lecionaram: Abel Julião Ferreira, Aderico
Ignácio Bento, Alírio Mendes, Romualdo Fortes, Osvaldo Fernandes, Irancy e
Davina. Nessa época, estava como Capitão da aldeia o Ticuna José Araújo
conhecido como Nuatchi (CLÃ DE MANGUARI). A aldeia teve nesse período vários
capitães e chefes de postos da FUNAI.
Em 1970, Através do convênio CMA/SEDUC/DESU, foi iniciada uma nova
construção em alvenaria, localizada mais afastada da margem do rio devido às
terras caídas. No ano seguinte, os moradores começaram a migrar para terra firme,
fugindo da enchente. Com a escola não foi diferente, através de um Convênio
FUNAI/Prefeitura Municipal de Tabatinga em 1990 foi iniciada uma nova construção
em terra firme no centro da comunidade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, Umariaçu foi
demarcada pela Portaria do Ministério da Justiça 1.112, de 12 de novembro de
1997, numa extensão de 4.900 equitares, sendo uma das menores áreas da região
do Alto Solimões.
A Escola Estadual Almirante Tamandaré recebe seu ato de criação pelo
decreto do Governo Estadual 6969 em 07 de novembro de 1983, ficando
localizada a margem esquerda do rio Solimões na Comunidade Indígena Umariaçu
II, Zona Rural do Município de Tabatinga, com uma distância de aproximadamente
cinco quilômetros da sede do município.
Atualmente, com os recursos do Programa Calha Norte a escola recebeu
ampliações, com a construção de laboratórios de informática, refeitório, mais sete
salas de aula, instalações sanitárias, muro gradeado, quadra em cimento, pintura,
instalações elétricas, poço artesiano.
Na dimensão administrativa, a Escola Estadual Almirante Tamandaré, está
sob a coordenação da Secretaria Estadual de Educação SEDUC, tendo como
gestor o professor não-indígena Raimundo da Silva Carvalho, 01 secretário, 01
assistente administrativo, 01 auxiliar administrativo, 04 merendeiras, 02 vigias, 06
auxiliares de serviços gerais. O corpo docente é formado por 38 professores, sendo
20 indígenas e dezoito não-indígena.
83
Os discentes matriculados na escola são 1.199, matriculados nos turnos,
matutino, vespertino e noturno. No Ensino Fundamental de a série estão
matriculados 699 alunos, no Ensino Médio série, série e 3ª série, 443 alunos.
Como anexo da Escola Almirante Tamandaré, funciona na Comunidade Belém do
Solimões turmas de ensino Médio, nos turnos Matutino e Noturno, com 203 alunos.
A escola se encontra vinculada às orientações da Secretaria Estadual de
Educação SEDUC tanto no aspecto administrativo como pedagógico, nas
determinações quanto: ao processo seletivo dos professores, distribuição da carga
horária, calendário escolar, proposta curricular, cursos, pareceres, resoluções,
normas pedagógicas e administrativas que regularizam a ação na escola.
A dimensão pedagógica que orienta os professores na sua prática
pedagógica para construção do processo ensino e aprendizagem, encontra-se
dividida entre Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), com os professores de
a série do Ensino Fundamental e Organização dos Professores Ticuna
Bilíngües (OGPTB), com os professores de série a série do Ensino
Fundamental, e Ensino Médio.
A educação escolar indígena do povo Ticuna é atendida pelo Projeto
Educação Ticuna, que começou a ser implementada em 1993, pela Organização
dos Professores Ticuna Bilíngües (OGPTB), junto aos professores Ticuna que
atuam em 93 escolas indígenas, distribuídas nas aldeias Ticuna situadas na Região
do Alto Solimões, Estado do Amazonas, nos municípios de Tabatinga, Benjamin
Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá.
Trata-se de um conjunto de ações cuja principal meta é a formação, em
magistério, dos professores Ticuna. Na década de 80, as prefeituras pagavam
professores não-índios para atuarem nas escolas indígenas. A partir da criação da
entidade, em 1986, as comunidades passaram a escolher os professores entre os
próprios moradores. Assim, grande parte dos professores que iniciaram, em 1993,
o curso de formação foi escolhida pela comunidade, nivelando todos os
professores, independentemente da escolaridade de cada um.
Na primeira fase do Projeto foi realizado o “Curso de Formação de
Professores Ticuna Habilitação Para o Magistério”, que transcorreu de 1993 a
84
1997, com uma carga horária de 3.640 horas-aulas, focalizando professores do
Grau. Ao rmino da primeira fase, 212 professores receberam certificados
expedidos pela OGPTB, com base em autorização prevista pela Resolução nº/97
do Conselho Estadual de Educação do Amazonas, que reconheceu os estudos
ministrados pela OGPTB, no período correspondente a 1993/1994, em nível de
primeiro grau (ensino fundamental), com habilitação para o Magistério. A Resolução
também autorizou a OGPTB a expedir os certificados de conclusão do referido
curso.
. Após essa primeira fase, teve início uma segunda destinada à formação de
professores para o ensino médio.
O curso se realiza em etapas, durante o peodo das férias escolares (em
média 35 dias), no Centro de Formação de Professores Ticuna, localizado na aldeia
Filadélfia, a cerca de 12 quilômetros da sede do município de Benjamin Constant e
aproximadamente 1.100 quilômetros de Manaus. Durante cada etapa, os
participantes planejam a etapa subseqüente, assim como o calendário de outras
atividades, tais como a produção e a distribuição de material didático.
A Organização dos Professores Ticuna Bilíngües é a entidade e executora
do projeto. A Organização é uma entidade eminentemente indígena, criada em
1986 por iniciativa de professores Ticuna, como um meio de se articularem e se
fortalecerem como movimento organizado para tratar da educação escolar indígena
diferenciada nas comunidades ticuna. A OGPTB possui uma estrutura política
constituída por um presidente, um vice-presidente e um conselho administrativo. A
escolha do presidente do Conselho Administrativo ocorre em assembléia geral da
entidade, realizada a cada dois anos.
O Projeto de Formação de Professores Ticuna, por sua vez, tem uma
estrutura administrativa formada por uma coordenadora pedagógica, dois auxiliares
de escritório e um motorista.
Os maiores problemas que permeiam a concretização do Projeto Educação
Ticuna, segundo os professores Ticuna, estão relacionados à resistência ao uso da
língua Ticuna e à falta de reconhecimento das Escolas Ticuna construídas pelas
comunidades. Tanto o funcionamento de tais escolas como o uso da língua Ticuna
85
enfrenta resistência por parte do poder público em alguns municípios, inviabilizando
a concretização de uma escola indígena voltada para o atendimento às diferenças
e à construção de um diálogo que favoreça uma relação com o diferente, com o
outro.
A resistência ao uso da língua Ticuna também é manifestada pelos
professores não-índios. Isso ocorre o na Escola Estadual Almirante
Tamandaré como em escolas situadas dentro das comunidades Ticuna, onde
atuam tanto professores indígenas como não-indígenas. “É muito difícil para os
professores não-índios, porque não conseguem comunicar suficientemente o
conteúdo”, explica uma professora da escola.
Apesar desses problemas, moradores das comunidades e lideranças
indígenas demonstram sua convicção de que o Projeto de Formação de
Professores Ticuna é uma conquista política que representa um instrumento para o
fortalecimento da cultura e das aspirações do povo Ticuna.
A seguir, a reflexão se concentra nas situações de interculturalidade e a
diversidade cultural presente cotidiano da Escola Estadual Almirante Tamandaré, a
partir das relações pessoais, profissionais, pedagógicas e culturais analisadas nos
relatos dos entrevistados.
2.2. INTERCULTURALIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL NA ESCOLA
ESTADUAL INDÍGENA ALMIRANTE TAMANDA
Para a questão da interculturalidade e da diversidade cultural presentes no
cotidiano da escola, cabe a análise investigativa das formas de vivência e de como
as relações humanas, sociais, culturais, profissionais e pedagógicas criam
condições de interação na Escola Estadual Almirante Tamandaré, colocando em
pauta a eficácia da escola indígena e o sucesso dos alunos, a partir da organização
do espaço organizacional, que é proveniente do clima organizacional e da cultura
escolar gerada, levando em consideração as diversidades apresentadas pelos
grupos que estão inseridos na escola.
A Escola Estadual Almirante Tamandaré, situa-se na área da Comunidade
86
Indígena Umariaçu II, localizada na zona rural distante cinco quilômetros da sede
do município de Tabatinga, com um total de cinco mil habitantes.
Com a intenção de discutir os limites e as possibilidades de reinvenções da
escola na comunidade indígena, é imprescindível perfazer o caminho da relação
intercultural. Neste caminho, podemos nos deparar com os próprios limites oriundos
do ser estrangeiro e, provavelmente, com a necessidade vital de nos reinventarmos
neste processo.
No decorrer das entrevistas realizadas, começaram a descoberta de um
novo mundo, de uma nova cultura e a trabalhar os preconceitos mascarados por
visão ocidentalizada
e de paradigmas científicos que primam por uma
perspectiva e explicação de mundo. Embora haja a compreensão da complexidade
da vida, e entendendo a riqueza e aceitação das diferenças, verificá-las na prática
nos põe à prova por que os julgamentos prepotentes nascem instantaneamente.
Fala-se disso, porque a crítica que foi movida, inicialmente nesta pesquisa, foi
sacudida, ao descobrir que este era o olhar sobre a realidade, a possibilidade de
um olhar do 'branco' sobre a escola indígena.
Ao ouvir os entrevistados, depara-se com a complexidade do universo
encontrado, onde simplesmente não se poderia chegar e pesquisar somente a
situação da escola. Outras questões como a sobrevivência das pessoas, a
existência de idéias diferentes no interior da comunidade, as tristezas e as alegrias
estão entrelaçadas. E mais, começara uma relação que, por sua natureza, se
estabelece de forma diferente entre diferentes, de uma pessoa branca que
entrevista e que ouve, e do Ticuna, um tanto desconfiado que fala, que conta. Uma
dúvida sempre pairava será que estamos nos entendendo? Ignorar as diferenças
seria a única forma de nos aproximarmos e entendermos o outro, transformando-o,
assim num semelhante, em um nós. Alerta Lévi-Strauss (1981, p.369), que
corremos o risco de um etnocentrismo da anexação que converte o outro em mim
mesmo (p.24).
Torna-se importante pensar em um espaço de comunicação como um
espaço singular de interpenetração. Trazendo questões referentes à escola e aos
respectivos dados significativos dos sujeitos da pesquisa, revelando a existência de
87
uma zona fronteiriça e de relações de poder que se estabelece entre os sujeitos
no cotidiano da Escola Estadual Almirante Tamandaré.
A escola investigada é bilíngüe, onde atuam professores Ticuna e
professores que não-indígenas. O diretor da escola e alguns funcionários também
não são indígenas. A presença de professores não indígenas é reforçada pelo
pedido da comunidade Ticuna, que segundo o relato de um entrevistado: “os
próprios Ticuna fazem questão de um o professor branco, acreditam que a forma
que é ensinada possibilita um relacionamento melhor na cidade”. Conforme o relato
pode-se identificar a busca, por parte da comunidade, de uma relação de interação
mais plena com o "mundo do branco" através da escola, tendo como mediadores
políticas, os professores e o diretor não-indígenas.
Quando se indagava acerca dos procedimentos didático-pedagógicos
utilizados no cotidiano escolar, foi mencionado pelos entrevistados que uma
exigência da comunidade que preservem os costumes, mas que também tenham a
mesma orientação que o branco, porque eles querem que os alunos saiam daqui
não deixando nunca os costumes Ticuna, mas que saibam conviver com os outros
[brancos]. Que tenham as duas iguais: tanto trabalham com uma, como com a
outra. é que sentimos muita dificuldade que é ter o cuidado de trabalhar os
conteúdos, não uma preparação anterior de como trabalhar com a educação
indígena.”
Não é difícil constatar a extrema desigualdade presente nessa situação de
confronto entre as duas sociedades, entre as duas culturas. O planejamento de um
projeto educacional não poderia ignorar essa situação. Se a escola quisesse
atender às expectativas dos Ticuna, ela não poderia simplesmente repetir o modelo
assimilacionista, a educação bancária no dizer de Paulo Freire, na qual se um
simples repasse de conhecimentos tidos como prontos e acabados para o aluno,
considerado como um mero receptor passivo. No caso das escolas indígenas,
ainda o agravante de tratar-se de culturas diferentes, ou seja, estamos lidando
com conhecimentos produzidos por sociedades diferentes, em situações históricas
específicas. Se os conhecimentos da cultura majoritária forem valorizados,
continuaremos a considerar os povos indígenas como incapazes de produzir
conhecimentos.
88
Os aportes teóricos colocados por Freire, que não concebia a educação
como algo isolado de um movimento pela transformação das condições de vida dos
trabalhadores, serviriam de referenciais para o trabalho pedagógico a ser
desenvolvido entre os Ticuna. Um dos postulados básicos de Freire (1985) é o de
que o educando deve ser considerado como sujeito de seu próprio processo de
aprendizagem, partindo de sua própria palavra, sua língua, sua cultura, sua
situação histórica, fazendo uma leitura do mundo e não apenas uma decodificação
de sinais gráficos, desligados da vida das pessoas. Num movimento dialético afirma
Freire.
A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
desta implica a continuidade da leitura daquele (...) a leitura da palavra
não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa
forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo
através de nossa prática consciente. (FREIRE, p. 22)
A proposta curricular diferenciada para a Educação Indígena aponta à
aquisição dos conhecimentos através de um processo educativo que visa à
transformação do aluno, do professor e da própria comunidade, na busca da
afirmação étnica e da melhoria de qualidade de vida. A educação escolar indígena
na Escola Estadual Almirante Tamandaré, apresenta uma construção curricular que
se move revelando um caminho contratidório e conflituoso, quanto aos aspectos
metodológicos dos currículos no quais os conhecimentos dos Ticuna estão
ausentes do cotidiano escolar. O currículo da escola apresenta-se dividido no que
se refere à prática aplicada nas séries iniciais do Ensino Fundamental, voltada ao
atendimento de um currículo diferenciado, e o que se aplica nas séries finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio, a forma assimilacionista e bancária,
ocasionando um clima desfavorável e conflituoso nas relações pedagógicas e
profissionais entre os professores indígenas que trabalham nas séries inicias e os
não-indígenas, a reprovação, o abandono escolar, que determinam na exclusão do
aluno no processo educacional. Os relatos dos entrevistados confirmam o dilema
presenciado.
- os alunos estão chegando à 5ª série e não sabem ler, escrever, e nem as
quatro operações, tenho que parar tudo não sei o que está acontecendo.
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(professor)
- o grande problema aqui na escola é que nós trabalhamos de um jeito
diferente do deles, não uma continuação da forma do ensino da série em
diante, ficam nos culpando que não sabemos planejar e nem dar os conteúdos.
(professor)
- o professor não-indígena não tem uma preparação para trabalhar na
escola, dificuldades em passar os conteúdos de acordo com a realidade deles
tenho muita força de vontade, faço o que posso. (professor)
- muitas vezes fico triste, porque explico tanto e meus alunos não
conseguem me entender, difícil trabalhar aqui, os mais antigos estão
acostumados. (professor)
- muitas barreiras nos enfrentam, mas um dia nós indígenas vamos ser
maioria na escola, e esses problemas vão acabar. .(professor)
- quando estudava lá, muitas vezes ouvi professores não-indígenas dizendo
que iriam dar somente alguns conteúdos, porque não precisávamos de muita coisa.
(ex-aluno)
- os professores indígenas e os professores o-indígenas não estão se
entendo na Almirante (aluno).
- os professores não-indígenas não estão ensinando a valorização da
nossa cultura, dão aula que nem nas escolas de Tabatinga. (membro da
comunidade)
- os professores devem trabalhar junto com a comunidade, procurando
fazer contato com os mais velhos que conhecem a cultura. (pai de aluno)
- os professores têm que mostrar o valor que o povo Ticuna tem. (pai de
aluno)
No decorrer das observações realizadas em sala de aula, analisando o
dia-a-dia dos alunos, foi constatada a dificuldade de compreensão dos conteúdos, a
partir da explicação do professor não-indígena, os alunos não compreendiam por
90
não possuirem o domínio da língua portuguesa. Assim, a cada questionamento da
professora os alunos respondiam afirmativamente com a cabeça, aparentando
concordar, mas era perceptível que a compreensão não tinha sido realizada, pois
suas feições revelavam um significado contrário, do não entendimento relacionado
aos conteúdos expostos. O comportamento dos alunos, em sala de aula, era de
silêncio; em alguns momentos, ouviam-se falas na Língua Ticuna, e logo eram
chamados atenção. Olhavam-se, riam baixinho, aceitavam o que estava sendo
imposto sem questionar, perguntar, pois eram meros copiadores das tarefas
solicitadas e, assim, se dava continuidade ao ritual de construção do processo
ensino e a aprendizagem.
Percebeu-se que a Escola Almirante Tamandaré coexistia junto ao sistema
educacional tradicional, possuindo o papel de desnudar a cultura do Ticuna,
inclusive servindo como um laboratório que irá preparar a continuidade dos seus
estudos na cidade. Por isso, deve funcionar com horários bem definidos e
conteúdos comuns às escolas tradicionais. Jamais ela deverá interferir na formação
do verdadeiro Ticuna, da complacência com a duração da vida escolar do aluno.
Ademais, evasão e repetência não configuram desmerecimento ou fracasso do
indivíduo. Simplesmente, ele quis assim ou como dizem alguns professores,
"cansou da escola, enjoou, quis parar".
Embora alimentem o desejo de possuir seus próprios enfermeiros, técnicos
agrícolas, médicos, etc., sabem que o caminho da aldeia até os bancos da
universidade é longo e árduo. Ocupando um lugar social que existe na fronteira
entre as duas culturas, está o professor sujeito à uma pressão muito forte quanto
ao cumprimento de suas funções. Dele se espera assiduidade (ainda que com a
admirável tolerância às ausências do mesmo), e absoluto respeito pelo aluno, não
sendo admitido os maus tratos.
Os professores encontram-se na incômoda situação de ter que dar
resposta às expectativas do órgão público que mantém a Escola Estadual Almirante
Tamandaré e paga seus salários, enquanto seus alunos e eles próprios vivem a
dinâmica da aldeia de forma tradicional. Ainda que os professores queiram a escola
como um espaço democrático de transmissão do saber, nela residem latentes as
divergências grupais. E, de repente, as toleradas ausências do professor podem se
91
tornar fortes argumentos contra a eficiência do mesmo, resultando na sua saída ou
no abandono da escola pelo aluno.
Frente à exigência de resultados expressos em notas, freqüência, registro
em diários, transferências de alunos e encurralados pelas formalidades que o
sistema vigente exige, os professores indígenas da Escola Estadual Almirante
Tamandaré, diferente de muitos não indígenas se vêem impotentes, desmotivados,
incapazes eles próprios de perceber o paradoxo em que vivem e sua difícil tarefa
de construir um espaço de intercâmbio entre uma cultura indígena resistente aos
séculos e um sistema cultural dominante que se espraia inexorável em sua volta.
Refletindo sobre estas contradições, temos aqui alguns elementos que nos
levam a suspeitar que essa escola fuja a um referencial pré-concebido, pois inclui
elementos aparentemente contraditórios, como a comunidade alijar a valorização
da cultura Ticuna, mas, ao mesmo tempo, deseja uma escola nos moldes da
sociedade branca, embora existam discordâncias quanto às práticas pedagógicas,
como os posicionamentos de professores relatados. Ao mesmo tempo, os
profissionais não indígenas, podem passam por um processo de mudança e de
questionamento da sua própria cultura.
A Escola Estadual Almirante Tamandaré acaba sendo um lugar de
fronteira, de encontro e confluência de culturas, por isso mesmo um lugar de
angústias, incertezas, mas também de oportunidades e de criatividade. A escola é
um espaço de encontro entre dois mundos, entre duas ou mais formas de
conhecimento sistematizado através da sua história: a tradição ocidental e as
tradições indígenas.
Podemos pensar a educação intercultural para além da concepção de que
seja um espaço de invasão cultural de uma cultura sobre outra, ou apenas uma
possibilidade de reinvenção da escolarização tradicional por parte destes povos,
mas como um próprio espaço de trânsito, um espaço fronteiriço que aproxima duas
ou mais culturas, onde uma é influenciada pela outra, num caminho de duas mãos.
Neste processo crescente de exclusão verificada na Escola Estadual
Almirante Tamandaré, que assume novas caras e dimensões, os mais afetados são
os outros (alunos), os diferentes, os que não dominam os códigos da modernidade,
92
não têm acesso ao processo de globalização em suas diferentes dimensões, estão
configurados por culturas que se resiste a colocar no centro a competitividade e o
consumo como valores fundamentais da vida, pertencem a etnias historicamente
subjugadas e silenciadas, questionam os estereótipos de gênero presentes nas
nossas sociedades, lutam diariamente pela sobrevivência e pelos direitos humanos
básicos que lhe são negados.
Mediante as proposições colocadas, é importante considerar a pluralidade
cultural a partir da diversidade existente nos grupos, dentro das suas dimensões
históricas, sociais e econômicas se possível transcender ao multiculturalismo e se
posicionar na lógica intercultural, considerando não os elementos a serem
excluídos dos processos identitários, mas as formas criadoras das identidades
culturais.
A interculturalidade se fortalece a partir do discurso sobre as culturas, se
realizando em nível dos sujeitos históricos, concretos e coletivos, pressupondo a
valorização dos elementos das diferentes culturas em presença, sendo uma
ferramenta de negociação.
Essa postura permite a fixação de uma educação intercultural, alicerçada
no paradigma da diferença, baseada em um princípio ético que alteridade como
uma forma de existência, não contemplativa, mas relacional, onde o outro poderá
se tornar um itinerário plural e criativo sem predefinições e (pré) conceitos
inibidores da criação de outro elemento.
Vivendo num meio de diferentes culturas, certamente a Escola Almirante
Tamandaré precisa ter uma educação para a diversidade. Uma sociedade
multicultural deve educar o ser humano multicultural, capaz de ouvir, de prestar
atenção ao diferente e de respeitá-lo.
No campo educacional, a questão da pluralidade cultural foi sempre
colocada como um problema em virtude de os esquemas de representação da
sociedade não se apresentarem como plurais, mas alicerçado sob uma perspectiva
monocultural construída a partir de referenciais etnocêntricos.
Mas, sendo a referida escola, um espaço onde transitam experiências,
93
valores e diferentes culturas, não pode ser considerada apenas mais um lugar em
que os prejuízos e as tensões étnicas são repetidos, mas, ao contrário, é o lugar
chave para o encaminhamento de uma dinâmica intercultural, indispensável na
produção da cultura como elemento distintivo que entra em jogo com as relações
étnicas.
Assim, a Escola Estadual Almirante Tamandaré deve ser espaço onde se
trabalhe a diversidade para além dos conteúdos, ela deve expressar, através de
seu currículo, conteúdos com perspectivas reais de todas as culturas inseridas no
grupo. E, assim, deixar de ser um espaço onde negligenciem os fatos e as culturas
que circundam o meio social e escolar.
Nessa perspectiva intercultural, muitas vezes entendida como a relação em
que duas ou mais culturas se relacionam de alguma forma se encontra a educação
escolar indígena que se instala na Escola Estadual Almirante Tamandaré,
Comunidade indígena Umariaçu II, que muitas vezes a pedido desta, ou à custa de
ações marcadas por imposições colonialistas, ainda presentes em nossos dias, traz
no seu cerne a problemática de uma escola excludente devido a sua criação
baseada no modelo característico das sociedades ocidentais.
A dimensão da interculturalidade está hoje colocada como um dos aspectos
desejáveis para uma escola indígena, tida mesmo como uma das condições
necessárias para que seja respeitada a especificidade da educação escolar
indígena, como transparece nitidamente numa das metas elaboradas recentemente
para o Plano Nacional de Educação: “Criar, dentro de um ano, a categoria oficial de
‘escola bilíngüe’, para que a especificidade do modelo de educação intercultural e
bilíngüe seja assegurada.
O binômio intercultural e bilíngüe é considerado como constitutivo da
categoria escola indígena. Essa preocupação em afirmar os currículos
educacionais indígenas como interculturais nasce de uma situação existente de
fato. Ou seja, antes de a Escola Estadual Almirante Tamandaré procurar ser
intercultural, as sociedades indígenas estão se relacionando com a sociedade
não-indígena, desde o momento do contato. E o modo como ocorrem essas
relações se reflete no cotidiano da escola. Não é outra a razão de só recentemente
94
esse adjetivo aparecer qualificando a escola indígena, coincidindo com a época em
que o modelo de educação integradora, implantado desde o início da colonização
em nosso país, começou a ser questionado pelas comunidades indígenas e seus
aliados. Nesse modelo, as questões que diziam respeito às culturas indígenas não
se colocavam, pois se a intenção era a assimilação dos índios à comunhão
nacional, conseqüentemente a escola deveria ser um dos instrumentos dessa
integração, e essa perspectiva estaria, inevitavelmente, presente nos currículos,
transplantados dos modelos aplicados nas escolas da sociedade majoritária.
A interculturalidade, quando pensada no cotidiano de uma escola indígena,
está intrinsecamente ligada à questão dos conhecimentos. Não se propõe, por
exemplo, que para garantir o caráter intercultural deva haver necessariamente
professores não-índios e indígenas trabalhando lado a lado na sala de aula. Ou que
o prédio da escola deva conter características arquitetônicas indígenas e
ocidentais, ao mesmo tempo.
A escola, no modelo assimilacionista, lidava com os conhecimentos
adequados às suas finalidades eram os trazidos pelos europeus. Os povos
indígenas foram considerados como incapacitados, em conseqüência, teriam de
receber tudo dos que chegavam, com uma visão marcadamente etnocentrista.
Assim se inicia um longo período em que a educação foi planejada para os
índios, seguindo um modelo transplantado de outro povo, de outro mundo, sem
considerar a realidade dos povos indígenas, seus conhecimentos, suas
cosmovisões. A idéia era de que os nativos estavam num estado, fácil de ser
moldado e, para essa tarefa tão simples, não havia necessidade de mestres muito
competentes.
A Escola Estadual Almirante Tamandaré defronta-se com a tensão
decorrente de um projeto geral, único, para o conjunto das sociedades indígenas e
uma diversidade de práticas particulares, entre a multiplicidade das condições
locais e um projeto único referente ao conjunto das sociedades indígenas. Esta
tensão se localiza num eixo temporal onde o conflito está entre a urgência da
resposta ao hoje e a necessária construção do futuro.
O que acontece na referida escola não está desvinculado do que está
95
acontecendo na vida da comunidade e, se acreditarmos que a educação indígena
continua existindo como processos pedagógicos capazes de fomentar a identidade
étnica de um povo, infere-se que o que está ocorrendo é uma verdadeira
apropriação da escola, integrando-a no dinamismo próprio dos sistemas
educativos, como propõe Melià:
Em vez de Educação Escolar Indígena, por que não pensamos
Educação Indígena na Escola? Há duas maneiras de se pensar a
escola: levar a escola à área indígena e, eventualmente, adapta-la”. A
escola entra na comunidade indígena. A outra maneira traz uma
proposta radicalmente diferente: é pensar como a educação indígena
entra na escola! vamos ter educação bilíngüe de fato. Fazer isso
não é enfraquecer a escola, é o contrário. É o único jeito de a escola
ser indígena. (MELIÀ, 1997)
Portanto, a mudança de perspectiva: em vez de a Escola Estadual
Almirante Tamandaré ser uma escola em área indígena, tornar-se uma escola
indígena de fato, pois uma escola inserida na comunidade educativa própria de
cada povo traz novas dimensões para a discussão acerca da interculturalidade.
Interculturalidade que está presente na escola indígena porque as relações entre as
duas sociedades estão, efetivamente, permeando a vida de qualquer grupo
indígena na situação pós-contato.
A própria existência da Escola Estadual Almirante Tamandaré
exemplifica esse fato. Entretanto, como essas relações estão marcadas pelo
conflito, urge ter presente que a autonomia desses povos nas decisões dos projetos
educacionais que lhes dizem respeito constitui um ponto essencial se almejamos
estabelecer relações menos assimétricas numa situação intercultural.
Nessa perspectiva, é fundamental a utilização do diálogo intercultural no
contexto da Escola estadual Almirante Tamandaré, pois isso possibilitará pensar o
ser humano na sua diversidade de modos de vida e características biológicas. A
perspectiva intercultural nos sugere uma nova estratégia educativa. Nesse sentido,
a escola seria estruturada dentro de um projeto político e cultural formado por um
ideal democrático com a participação de todos. É preciso que, os professores
possibilitem aos alunos a construção de bases dialógicas, na qual o professor
96
desempenha o papel de animador das atividades de pesquisa e investigação,
identificadas no processo de aprendizagem, permitindo ao aluno a construção de
conceitos e o reconhecimento de seus valores e práticas cotidianas e as suas
experiências sociais e culturais.
Outro aspecto a ser ressaltado é a análise da Escola Estadual Almirante
Tamandaré, como espaço sociocultural, constituído por uma complexa trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos,
imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de
acordos, dando formação a cultura escolar e o clima organizacional.
2.3. CULTURA ESCOLAR E CLIMA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DA
ESCOLA INDÍGENA ALMIRANTE TAMANDA
Analisar a Escola Estadual Almirante Tamandaré como espaço
sociocultural significa compreendê-la na ótica da cultura, e de que forma a gestão
da escolar condiciona as inovações e mudanças na cultura e no clima
organizacional escolar, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do
dinamismo, do fazer-se cotidiano levado, com efeito, por indígenas e não-
indígernas, homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos,
adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos,
sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história. Falar da
escola como espaço sociocultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos na
trama social que a constitui, enquanto instituição.
A escola, como espaço sociocultural, é entendida, portanto, como um
espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um
conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus
sujeitos. E cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os
sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de normas e
estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo de
apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que
dão forma à vida escolar. Fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição,
esse processo, como tal, é heterogêneo. Nessa perspectiva, a realidade escolar
97
aparece mediada, no cotidiano, pela apropriação, elaboração, reelaboração ou
repulsa expressas pelos sujeitos sociais.
Desta forma, o processo educativo escolar recoloca a cada instante a
reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos lados
pode antecipar uma vitória completa e definitiva. Esta abordagem permite ampliar a
análise educacional, na medida em que busca apreender os processos reais,
cotidianos, que ocorrem no interior da escola, ao mesmo tempo em que resgata o
papel ativo dos sujeitos, na vida social e escolar.
O clima organizacional e a cultura escolar gerada no interior da Escola
Estadual Almirante Tamandaré é determinada a partir de questionamentos como:
Quem são os jovens Ticunas? O que vão buscar na escola? O que significa para
eles a instituição escolar? Qual o significado das experiências vivenciadas neste
espaço?
Para alguns professores, perguntas como estas não têm sentido, pois a
resposta é óbvia: são alunos. E é essa categoria que vai informar seu olhar e as
relações que mantém com os jovens, a compreensão das suas atitudes e
expectativas. Assim, independente do sexo, da idade, da origem social, das
experiências vivenciadas, todos são considerados igualmente alunos, procuram a
escola com as mesmas expectativas e necessidades. Para esses professores, a
instituição escolar deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a mesma
organização do trabalho escolar, mesma grade e currículo. À homogeneização dos
atores como alunos corresponde à homogeneização da instituição escolar,
compreendida como universal.
Quando se trata de analisar as perspectivas dos alunos em relação à
escola, verifica-se que os relatos comprovam a homogeneidade de uma proposta
de escola que desconsidera a realidade dos sujeitos e se volta para um ensino
assimilacionista, conteudista e excludente, demonstrando a visão de uma escola
homogênea. As afirmações estão comprovadas nos seguintes resultados:
- o ensino da escola é dado de forma superficial, tem que haver uma
preocupação com os alunos, e com a sua cultura. (professor)
98
- gosto de minha escola, sei que os nossos professores se preocupam com
a gente fora, se formos para as escolas de Tabatinga não vamos fazer vergonha
(aluno).
- sabe, em terra de sapo de cócoras com ele (pai de aluno).
- escola indígena diferenciada... Aqui na escola temos as mesmas regras e
normas de outras escolas de Tabatinga, na forma da avaliação, nos conteúdos, em
todos os sentidos. (professor da escola)
- me preocupo muito com os meus alunos, procuro passar a realidade do
nosso povo, criando situações para que eles não fiquem querendo ser diferente e
não se aceitar como um Ticuna (professor).
- na escola a professora perguntou a minha filha: Porque você quer ser
índia? E, ao chegar em casa, triste, me perguntou: por que o Sr. é índio pai? Ë bom
ou ruim ser índio? (pai de aluno).
Nesta perspectiva, a Escola Estadual Almirante Tamanda é vista como
uma instituição única, com os mesmos sentidos e objetivos, tendo como função
garantir a todos, acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente acumulados
pela sociedade. Tais conhecimentos, porém, são reduzidos a produtos, resultados
e conclusões, sem se levar em conta o valor determinante dos processos.
Materializando nos programas e livros didáticos, o conhecimento escolar que se
torna objeto, coisa a ser transmitida.
O processo de ensino e aprendizagem realizado na Escola Estadual
Almirante Tamandaré se torna transmitir o conhecimento acumulado e aprender se
torna assimilá-lo. Como a ênfase é centrada nos resultados da aprendizagem, o
que é valorizado de maneira geral na escola em análise são as provas e as notas e
a finalidade da escola se reduz ao passar de ano. Nessa lógica, não faz sentido
estabelecer relações entre o vivenciado pelos alunos Ticuna e o conhecimento
escolar, entre o escolar e o extra-escolar, justificando-se a desarticulação existente
entre o cotidiano escolar, o conhecimento e a vida dos alunos.
Dessa forma, o processo de ensino e aprendizagem ocorre na Escola
Estadual Almirante Tamandaré numa homogeneidade de ritmos, estratégias e
99
propostas educativas para todos independentes da origem social, da idade, das
experiências vivenciadas. É comum de acordo com as observações realizadas na
referida escola e aparentemente óbvio alguns professores ministrarem uma aula
com os mesmos conteúdos, mesmos recursos e ritmos para turmas da mesma
série. Como exemplo: o professor X realiza a mesma rotina no sentido de executar
tarefas como: cópia, ditado, e leitura de textos sem uma nenhuma articulação com
o contexto dos alunos, ou o professor Y resolve problemas matemáticos utilizando
a forma tradicional de extensas operações matemáticas.
A diversidade real dos alunos nessa escola é reduzida às diferenças
apreendidas na ótica da cognição (bom ou mau aluno, esforçado ou preguiçoso,
etc.) ou na do comportamento (bom ou mau aluno, obediente ou rebelde,
disciplinado ou indisciplinado, etc...). A prática escolar realizada nessa gica
desconsidera a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos - alunos,
professores e funcionários - que dela participam.
Sob o discurso da democratização da escola, da educação para a
cidadania ou mesmo da escola única, essa perspectiva homogeneizante expressa
um determinado construto, socialmente produzido, ligado à idéia do Estado-Nação.
Nela, domina a ideologia do universalismo antidiferencialista, que nega os
particularismos das especificidades culturais em nome de uma cidadania universal.
Na Escola Estadual Almirante Tamandaré se traduz numa forma de
conceber a educação, o ser humano e seus processos formativos, ou seja, não se
traduz em um projeto político - pedagógico a organização do trabalho pedagógico e
administrativo, concebendo a escola como espaço privilegiado de formação do
futuro cidadão que vai informar o conjunto das ações educativas, que ocorrem no
seu interior. Esse fato é comprovado quando participamos de reuniões pedagógicas
para a elaboração do PPP, com o corpo docente desmotivado e incrédulo quanto
as possíveis mudanças que possam ocorrer na escola, isso se revela na fala do
professor K: isso é mais uma invenção, estou quase vinte anos lecionando e é
sempre assim, no final nada muda, isso é uma perca de tempo”. O presente
discurso, contamina os outros membros do corpo docente, pois a cada reunião eles
não comparecem para a elaboração do PPP, mesmo tendo professores que
vislumbrem a possibilidade de organização do trabalho pedagógico e administrativo
100
na escola, mas a resistência a qualquer forma de mudança é maior, levantando
uma relação conflituosa entre os sujeitos da organização escolar, gerando um clima
e uma cultura organizacional desfavorável e inadequado à realização de práticas
pedagógicas e administrativas voltadas para a construção do processo ensino e
aprendizagem
No cotidiano da Escola Almirante Tamandaré se evidencia essencialmente
em um espaço coletivo, de relações grupais. O pátio, os corredores e a sala de aula
materializam a convivência rotineira de pessoas. No momento em que os alunos
cruzam o muro, ocorre um rito de passagem, pois passam a assumir um papel
específico, diferente daquele desempenhado em casa, tanto quanto no trabalho, ou
mesmo no bairro, entre amigos.
Neste sentido, os comportamentos dos sujeitos, no cotidiano escolar
observado, são formados por concepções geradas pelo diálogo entre suas
experiências, sua cultura, as demandas individuais e as expectativas com a
tradição ou a cultura da escolar, que o as suas características próprias de vida,
seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seu regime peculiar de
produção e gestão de símbolos, que se efetivam de fato usando os alunos, que se
apropriam desse imaginário e o reelaboram no seu cotidiano. É isto que faz da
escola, e em cada turno uma experiência peculiar. Esse comportamento é
demonstrado na relação entre os professores indígenas, alunos e administrativos
indígenas; o companheirismo, a autodefesa de preservar suas características
peculiares que se inserem na busca da preservação de suas raízes culturais e na
defesa de um processo ensino e aprendizagem voltada para o atendimento de sua
realidade, pois em certos momentos ficam sempre juntos, calados, esperam
oportunidades de fazer inferências sobre as discriminações que sofrem. O
professor indígena L em uma reunião se levanta e faz a seguinte ponderação se
defendendo das críticas que foram proferidas de que o fracasso escolar dos alunos
na a série do Ensino Fundamental era a falta de saber planejar: Sabemos
planejar sim, se somos acusados que não sabermos, então vocês deveriam nos
ensinar a maneira certa, sentar conosco; o que falta é o diálogo entre nós indígenas
e não-indígenas, estamos cansados de sermos acusados que não sabemos dar
aula, mas o que é dar aula para vocês mesmo?”
101
Podemos dizer que a Escola Estadual Almirante Tamandaré se constitui
em um conjunto de tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, uma
dimensão simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhadas de
sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão pedagógica,
administrativa, na maioria das vezes implícita, independente da intencionalidade ou
dos objetivos explícitos da escola. Os diferentes comportamentos dos alunos, a
relação com os professores, a semana de provas são exemplos desses rituais
escolares.
O interior dessa organização escolar se caracteriza pela existência de uma
cultura escolar e de um clima organizacional conflituoso, que se constitui de modos
de viver, de agir e de dar sentido às ações, a cultura da escola compõe-se de
traços característicos de sua presença na sociedade. Estudos sobre a história da
escola, evidenciam que esses traços se expressam em normas e práticas, relações
de poder, modos de organizar tempos, espaços e relações de ensino e
aprendizagem. São traços marcantes que identificam a presença da instituição
escolar na comunidade e que também, internamente, organizam e formatam os
saberes, as ações e relações entre as pessoas.
Entende-se que a Escola Estadual Almirante Tamandaré expressa a cultura
do gerencialismo, historicamente constituída desde a sua criação. No entanto, na
escola essa cultura se assume com características específicas. Seus tempos, seus
ritmos, suas práticas são fruto de percursos singulares, tecidos nas relações de
seus profissionais com seus alunos, e nas relações da escola com os
determinantes sociais que atravessam o seu cotidiano.
A organização do trabalho pedagógico e administrativo dessa escola é o
espelho de seu processo de tomada de decisão (ou vice-versa). Processos
altamente centralizadores refletem uma organização igualmente centralizadora. Ao
contrário de uma organização democrática que possibilitam um razoável grau de
participação e intervenção de seus membros nos processos decisórios.
É possível, portanto, classificar que o clima e a cultura organizacional da
Escola Estadual Almirante Tamandaré, de acordo com seus processos decisórios,
em democráticas, mais ou menos autoritárias, centralizadoras, burocráticas etc.
102
Supõe-se, igualmente, que o estilo de liderança, direção ou autoridade
acompanhem o modelo característico de tomada de decisão, embora alguns
estudos em teoria organizacional, tenham demonstrado que isto não é tão rigoroso,
havendo escalas ou níveis de democracia, de centralismo ou de autoritarismo,
conforme o problema a ser enfrentado que condicionaria o tipo de decisão a ser
praticado.
Estas questões nos remetem a analisar a liderança da Escola Estadual
Almirante Tamandaré, onde vislumbramos características de cumprimento
burocrático de regras sem o devido entendimento de seus princípios e valores
inerentes. Queremos dizer com isto que a política administrativa e educacional
adotada, generaliza a organização escolar, na medida em que se conforma como
uma estrutura social na qual a direção das atividades coletivas fica a cargo de um
aparelho impessoal hierarquicamente organizado, que age conforme métodos
impessoais, sem considerar a especificidade da comunidade em que a escola esta
inserida. Essa questão esta presente nos depoimentos a seguir:
- a nossa escola é dominada pela ideologia dominante. (professor)
- s, Ticuna, não participamos do planejamento da escola; tudo é de cima
para baixo como: planejamento das atividades, escolha dos professores, currículo,
e até na construção do projeto político-pedagógico, que a escola ainda não fez.
(membro da comunidade)
- em minha opinião quem vai fazer acontecer tudo na escola é o gestor,
que é o líder. Ele tem que ter iniciativa para ter autonomia de colocar as coisas em
prática. (professor)
Em outro momento, em uma reunião pedagógica, vislumbra-se uma
característica burocrática impregnada na seguinte fala:
- o aluno quando vem para escola é um aluno, quando esta fora é outro;
nós não temos que ter responsabilidade com filho de ninguém.
- do portão para fora não é de responsabilidade da escola,
responsabilidade da escola é do portão para dentro, aqui sim é de nossa
responsabilidade.
103
- se acontece alguma coisa na comunidade, pensa-se logo que é de
responsabilidade da escola, isso está errado; vocês, professores, têm a obrigação
de defender a escola.
- a culpa de não fazermos muitas coisas não é nossa, é do sistema; se diz
como deve ser e temos que obedecer; se o sistema obriga, temos que obedecer.
- temos que ter o nosso perfil e a comunidade pede apoio da escola para
dar orientações para seus filhos; nós, como professores, temos uma liderança, e a
comunidade espera essa liderança do professor.
O estudo que realizamos analisa a organização escolar a partir da
dimensão antagônica em que a democracia se realiza, ou seja, focamos o conflito
entre aquilo que chamamos de direção democrática e a construção democrática
legítima. Nestes termos, apresentamos algumas referências que tomamos como
base de análise:
A primeira delas é a que entende que o suposto consenso democrático
ocorra como reflexo e com implicações morais e políticas de relações de poder.
Uma segunda referência é a de que compreendemos que a política educacional
adotada não reconhece as desigualdades sociais existentes nem as relacionam aos
fatores econômicos, sociais e culturais que as diferenciam. A terceira referência diz
respeito à compreensão de que a dinâmica instituída reduz a organização escolar a
padrões comportamentais, ou seja, determina um conjunto de normas que não
conduz a referida escola à formulação de um projeto filosófico-pedagógico próprio.
A organização escolar, portanto, não é apenas reprodutora das orientações
normativas determinadas a partir do centro do sistema educacional, mas também é
articuladora, como centro de decisão política e de autocontrole, ainda que nem
sempre de forma estável e homogênea. Portanto, não é apenas o sistema
educacional que determina as escolas, mas estas, ao serem assumidas como
centros de ação educativa concreta, por atores concretos, confirmam e reinventam
a existência do centro.
A tensão permanente entre a centralidade da escola e o caráter periférico
que lhe é atribuído, no sentido da direção democrática, faz com que os atores em
104
interação disponham de margens de autonomia relativa para a utilização das regras
existentes ou para a criação de novas regras, formais ou informais, seja através de
ações políticas organizadas, seja através da resistência ou da clandestinidade.
Estas questões nos remetem a análise realizada na Escola Almirante
Tamandaré, onde vislumbramos características de cumprimento burocrático de
regras sem o devido entendimento de seus princípios e valores inerentes.
Queremos dizer, com isto, que a política educacional adotada generaliza a
organização escolar, na medida em que se conforma como uma estrutura social, na
qual a direção das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal
hierarquicamente organizado, que age conforme métodos impessoais.
De acordo com as ponderações teóricas de Nóvoa (1995), observamos que
o clima e a cultura escolar da Escola Estadual Almirante Tamandaré, valorizam a
hierarquia que sustenta o trabalho da escola, racionalidade burocrática ao mesmo
tempo em que há quebra de hierarquia nas relações de poder. Conseqüentemente,
não garantia quanto à adesão ao valor democrático como opção de modo de
vida: as instituições sociais comportam valores tradicionais que podem ser
conflitantes com os valores de um determinado contexto/moralidade. A
aprendizagem coletiva organizacional reflete o conflito interno e as diversas táticas
de mobilização que espelham lógicas diferentes e éticas diferentes.
Compreendemos, portanto, que cada indivíduo é a instância última para a
avaliação daquilo que é realmente de seu interesse e o seu interesse integra uma
tradição cultural do grupo; o que varia o os limites entre os interesses individuais
e grupais que se delineiam na organização escolar. A revisão de valores
pertinentes à escolha das necessidades prioritárias na organização se desenvolve
dialogicamente: os valores culturais são revistos na medida em que discutidos
coletivamente, podendo dar vez a novas normas, como princípios ou padrões de
conduta. Assim, os indivíduos ou grupos são motivados a criarem novas regras de
convivência social como diversos centros de poder, via consenso obtido
coletivamente.
uma liderança ou núcleo motor que desempenha papel de preservação
do saber local e mobilização para a construção crescente da autonomia,
105
respeitando os sentidos atribuídos, integrando o mundo da vida e o mundo
sistêmico. Ela contribui para que a participação seja abordada em função da
diversidade cultural e moral, e adotada como um valor atribuído coletivamente via
argumentação substantiva: relação entre competência comunicativa e
competência política.
Nestes termos, o perfil da gestão e organização da Escola Almirante
Tamandaré assume um formato misto entre uma direção racional e controladora e
a coordenação de um trabalho coletivo, perfil este atribuído via gicas diversas e
conflituosas subjacentes à escola, o que inclui a transgressão de regras ou
infidelidade normativa. Assim, as ações e as regras para a ação, incluem critérios
de validação das ações e instituições, o que não é arbitrário, mas, ao contrário,
mostra-nos a concretização de uma determinada moralidade, mescla da moral
institucional e organizacional, aqui compreendida como uma perspectiva que é
ética e argumentada.
Nesse contexto, a prática da gestão escolar se preocupa mais com os
aspectos cnicos processuais da organização e da transmissão de saberes, do
que com os seus aspectos substantivos, formativos e institucionais, justamente o
que dá sentido e justifica socialmente a organização e a educação em sentido
amplo como um espaço importante da sociedade, o espaço da educação.
Como situação conflituosa, o processo de organização do trabalho
pedagógico e administrativo da Escola Estadual Almirante Tamandaré, precisa ser
compreendido sob uma ótica do pensamento da complexidade, processo que
envolve ida e volta entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o
separável e o inseparável. Na ausência de políticas públicas consistentes e
objetivadas em termos de mudanças na situação marginalizadora, parece-nos que
a construção de uma gestão emancipatória se apresenta como um dos
instrumentos importantes para as mudanças básicas. Para garantir uma escola
inovadora aos desafios históricos, o conjunto das diversidades deve ser
contemplado e incorporado na organização e nas práticas escolares, por intermédio
de projetos político-pedagógicos, construídos com vontade política, competência e
compromisso dos sujeitos envolvidos.
106
Desse modo, fazer com que a Escola Almirante Tamandaré viabilize a
reconstrução da comunidade indígena para ser uma sociedade representativa de
sua diversidade, apresenta um desafio que precisa de soluções mais urgentes. É
um problema complexo especialmente num mundo que desfaz fronteiras culturais,
abala hegemonias culturais e possibilita a construção de novos modos de ver, ser e
viver o social.
Esta idéia nos permite admitir que, nos processos de socialização Ticuna,
um espaço propício para uma gestão baseada numa perspectiva cultural de
entendimento dos processos simbólicos que estão inseridos no interior da
organização escolar. Isso quer dizer que existe uma necessidade de trabalhar com
uma gestão escolar de tal forma que se contemplem e integrem as diferenças
culturais, as diferentes visões do mundo e as experiências históricas que ajudam na
construção de valores sociais. Nesta perspectiva, as diferenças são entendidas
como importantes e não como ameaças.
Aqui, cabe analisar os aspectos do clima e da cultura que são geradas
mediante ao estilo de liderança, no interior da Escola Almirante Tamandaré, que se
configura na maneira de como o gestor escolar organiza o trabalho pedagógico e
administrativo da escola. O estilo de liderança deve ser permeado de valores
éticos, e sua administração deve a se voltar para uma perspectiva cio-
antropológica do cotidiano, levando em consideração a diversidade cultural
existente na escola.
As comunidades da escola analisada, interna e externa, acumulam erros e
frustrações por causa de decisões impulsivas e da ânsia de chegar a resultados na
educação do aluno. A postura reativa, combinada com o peso das rotinas e de
condições muitas vezes inadequadas, impostas pelo contexto em que operam,
gerou a cultura da exclusão, da discriminação, da repetência, da evasão, do
desperdício de tempo e de oportunidades; uma cultura que tem sido incapaz de
acompanhar e aproveitar as transformações positivas que acontecem na
comunidade.
As frustrações sofridas na escola resultam, em grande parte, do fato de se
adotar soluções apressadas para problemas que precisam ser mais bem
107
compreendidos e que têm soluções de médio e longo prazo. Por isso, a escola
precisa buscar uma cultura de melhoria contínua e rever os seus valores.
Para a escola obter resultados satisfatórios de melhoria da qualidade de
suas ações educativas, é preciso rever velhos hábitos e direcionar o clima e a
cultura organizacional para o estímulo ao compromisso e à iniciativa de todos em
favor da melhoria da qualidade do ensino e da vida escolar.
O clima e a cultura organizacional observados na Escola Estadual
Almirante Tamandaré expressam as verdades da escola, quando demonstram as
relações conflituosas existentes entre o corpo docente, pais e gestão escolar. A
escola tem sua identidade e quando ela for nítida e compartilhada pelo corpo
docente e administrativo, pelos alunos e pais, é que será possível consolidar o
clima institucional adequado às organizações proativas e inteligentes, que agem
com consistência e miram em resultados importantes, que são de médios e longos
prazos.
A qualidade da referida escola formada pelo clima e a cultura
organizacional é vista de uma forma global, devido à interdependência dos
indivíduos e grupos que influenciam o seu funcionamento. Fenômenos humanos e
sociais repercutem e se refletem dinamicamente, uns nos outros, direta ou
indiretamente. Qualidade da educação é um resultado multi-determinado, que
depende, em grande medida do clima e da cultura organizacional gerados, do
modo como às famílias vêem a escola e vice-versa, como os professores vêem
seus alunos e famílias e vice-versa, etc. Ela permeia todos os aspectos e as
dimensões da vida escolar e, em especial, o ato educativo.
O fundamental, então, para que a Escola Almirante Tamandaré possa
promover melhorias de qualidade do ensino, não são os modelos e as estratégias,
em si mesmos, mas sim as pessoas e o clima e a cultura organizacional da escola.
Melhorias podem ser pequenas e pontuais; não necessidade de grandes planos
e projetos para se começar a respirar o novo clima. A organização que aprende
melhora nos menores detalhes. O que a distingue das outras é, exatamente, a
cultura de melhoria contínua.
No decorrer da análise realizada Escola Estadual Almirante Tamandaré, foi
108
observada a prioridade na infra-estrutura e na aquisição de equipamentos, sendo
foco de maior preocupação dos que participam do processo de gestão.
Preocupações como estas que estão relacionadas aos aspectos de infra-estrutura
merecem prioridade quando os componentes humanos, equipes e alunos,
estiverem preparados para desfrutarem plenamente das instalações e
equipamentos em favor da educação. Nas observações realizadas, foi percebido
que as paredes e os móveis recém-pintados, equipamentos ou livros recém-
adquiridos estão sendo desperdiçados por falta de apreço, seja na forma de
vandalismo ou de mero desleixo.
A prioridade é integrar os diversos setores da escola, administrativos e
pedagógicos, porque qualidade não é alcançável setorial ou individualmente. Não
se trata de integração formal, mas de cooperação informal, cotidiana e concreta. A
qualidade se alcança nas menores coisas, mas ela transcende o esforço individual,
pois depende da apropriação coletiva dos ganhos que traz.
inúmeras definições de qualidade e todas são relevantes no sentido, de
admitir que qualidade de uma escola seja afetada pela qualidade de vida das
pessoas envolvidas com a escola, com a qualidade do clima institucional e do modo
como se faz a escola funcionar. É também fácil entender que a concretização de
uma cultura de melhoria contínua dependa de requisitos como: um clima aberto,
alimentado por interações constantes entre as pessoas, e a busca de renovação,
procurando-se acompanhar e interagir com a comunidade o Município e o Estado,
tanto institucionalmente, quanto individualmente.
Na busca pela melhoria da qualidade na educação, cabe ao gestor escolar
buscar uma liderança integrada, pois líderes emergem onde abertura para a
iniciativa e para mudanças, onde perguntas sem respostas, problemas sem
soluções, desafios e dilemas. Na escola Estadual Almirante Tamandaré, o estilo de
liderança se apresenta de maneira conflituosa quando são tomadas atitudes que
descaracterizam a prática docente dos professores indígenas, havendo uma
exaltação à prática dos professores não indígenas. O problema apresentado como
de maior relevância está centrado na aprovação dos alunos para o enfrentamento
com a sociedade não indígena, ou seja, a aprovação dos alunos nas escolas de
Tabatinga. O importante é demonstrar um processo de ensino e aprendizagem de
109
acordo com os padrões determinados pela estrutura assimilacionista, conteudista e
homogeneizante. Outro fator observado na forma de liderança está relacionado à
boa convivência com os indígenas, proporcionando situações festivas como jogos,
comemorações, festas dançantes, que é uma maneira de se criar vínculos para que
ocorram as negociações administrativas e pedagógicas no interior da instituição
escolar.
De acordo com Brunet (1992 apud Nóvoa), líderes extremamente
sensíveis, capazes de ouvir e simpatizar com o ponto de vista e a vivência dos
outros, de arredondar arestas e aproximar as pessoas, consolidando vínculos entre
elas. líderes que arquitetam e antecipam resultados. Eles formulam visões de
futuro que contagiam e alavancam a confiança e motivação de todos. líderes
que dominam a linguagem e advogam a causa de seu grupo para instâncias
externas, inferiores ou superiores. São capazes de desobstruir gargalos e traduzir
pontos de vista em propostas negociáveis. Outros trazem as informações
relevantes, ajudam a definir a pauta, argumentam e negociam as diferenças,
conseguindo criar novos consensos.
Há líderes que motivam para a ação com seu entusiasmo e visão prática do
que fazer e como. Ainda aqueles que têm a coragem de se indignar e engajar
outras pessoas na solução de problemas intratáveis. Em qualquer organização
inteligente, lugar para todos esses perfis, mesmo porque é humanamente
impossível reunir, em uma pessoa, todo o elenco de qualidades que definem
liderança.
Ninguém reúne tantos traços de personalidade e, por outro lado, a
organização tem a ganhar se conseguir que diferentes perfis de líderes
trabalhem em equipe. Além disso, cada vez menos se atribui a um indivíduo
isolado, a responsabilidade por resultados que dependem de muitos fatores, de
muitas pessoas e competências.
A imersão na realidade da escola investigada, levou-nos a perceber que a
gestão democrática, enquanto espaço plural de negociação de acordos e conflitos e
partilha de poderes, é bastante incipiente. O fortalecimento de relações
democráticas entre escola-comunidade, gestor escolar e segmentos escolares,
110
através da descentralização de poderes e decisões, está apenas no plano das
intenções. Os mecanismos democráticos constituídos para essa vivência, não têm
assumido a função política que se expressaria num projeto de escola construído e
implementado coletivamente.
Por uma parte, os dados revelaram uma forte preocupação com a melhoria
dos indicadores de evasão e aprovação, ressaltadas em todas as reuniões
pedagógicas realizadas na escola, o que nos remete ao perfil da Escola Estadual
Almirante Tamandaré que valoriza, sobretudo, o estabelecimento da ordem, através
de rotinas padronizadas. Seu histórico, construído em torno da expressão diferente
no que faz, reforça a busca constante, por parte da direção em manter o padrão da
excelência, ou seja, rendimentos satisfatórios de desempenho escolar, usando para
isso vários mecanismos, desde palavras de incentivo à equipe docente para
alcançar as metas, até propiciar um ambiente de trabalho ordeiro etc.
Com o auxílio do Programa Gestão da Qualidade Total implantado nas
escolas estaduais pela Secretaria do Estado de Educação (SEDUC), a escola
investigada usa diferentes formas criativas e flexíveis para que os discentes
alcancem os resultados esperados, tais como: acréscimo de pontos em disciplinas,
através da realização de determinadas tarefas escolares.
No entanto, na Escola Estadual Almirante Tamandaré essa situação é
permeada, também, por um ambiente acolhedor, onde o gestor escolar está
sempre disponível a ouvir muito mais do que discutir, para receber sugestões e
também proporcionar a mesma a disponibilidade da escola para eventos e
atividades diversas. Tal prática parece manter a satisfação de todos, pois a escola
mostra-se interessada por cada membro e sensível às suas necessidades. Isso
significa uma aparente compreensão aos anseios da maioria, como uma escola
participativa, bem relacionada e articulada com a sua comunidade.
Tudo isso caracteriza fortes indícios de elementos de uma gestão gerencial,
pautada na ênfase da competitividade e exaltação à diferenciação, a exemplo das
atividades promovidas por essa escola. Os conflitos e divergências são abafados e
tratados com superficialidade, numa aparente harmonia, para que resulte num
maior controle, sob o encaminhamento do produto final. A descentralização das
111
ações e a participação colaborativa e consensual dos sujeitos funcionam como
ferramentas para legitimar as deliberações assumidas pela gerência da unidade
escolar.
Os questionamentos dos sujeitos estão silenciados diante do aparente bom
funcionamento da referida escola. Ao sinal de críticas e resistências, usam-se
estratégias, convencimento e elogios, o que, por sua vez resulta por parte dos
atores escolares, sobretudo de professores e alunos, na resignação de que é
melhor permanecer com o processo sob controle, pois ao menos a escola está
fazendo acontecer, do que mudar o rumo da situação, uma vez que isto
representaria muito trabalho e incertezas de ordem interna e externa, diante das
justificativas dos sujeitos de que a clientela é numerosa, e falta preparo cultural.
Portanto, constata-se que na escola pesquisada, o redirecionamento ou
resignificação, conforme observamos, evidenciou as seguintes características: a
gestão democrática é percebida como sinônimo de consenso no sentido de
aceitação do que determina o gestor, as exigências de uma gestão gerencial,
impostas pela SEDUC, mesclam-se com o estilo autoritário e mesmo de liderança
do diretor, o que se coaduna com a cultura da aceitação legítima da prática do
mandonismo, como expressou a maior parte dos dados analisados. No exercício da
gestão, foi identificada a marca do centralismo das decisões, distanciando-a de
uma gestão democratizante, enquanto processo.
A gestão democrática, enquanto espaço plural de negociação de
acordos/conflitos, ainda não amadureceu na prática social da referida escola. O
fortalecimento dela, através de um espaço de vivência democrática, com a
descentralização de poderes, está apenas no plano das intenções proclamadas. Os
poucos mecanismos democráticos constituídos para essa vivência, vêm assumindo
um fim em si mesmo, sem visibilidade quanto à função política, que é voltada para
um projeto coletivo de escola.
O que poderia está sendo consubstanciado através do exercício da
cidadania, voltado para a construção do sujeito coletivo, portanto crítico, mobilizado
e capaz de lutar por seus direitos, tem, na prática, se concentrado na minimização
da democracia liberal, exaltando o cidadão individualista, competitivo, provocando a
112
nítida separação entre representação e participação política, o que, por
conseguinte, tem distanciado a escola de uma prática ampliada de democracia.
Quase sem distinção, os sujeitos pesquisados na Escola Estadual Almirante
Tamandaré, ao tratarem da ampliação da democracia escolar, contraditoriamente,
alegam que todos devem se envolver, mas alegam, também, a falta de preparo
cultural ou mesmo de cultura de sua clientela para, de fato, deliberarem ou
participarem das decisões escolares. Assim, tendem a repetir o discurso dominante
sobre a incapacidade de tomar decisões por grande parte dos brasileiros. Neste
sentido, desconhecem que a participação é uma aprendizagem que, para tanto,
requer o efetivo exercício da mesma, e que compete à escola desenvolver essa
aprendizagem cívico-cultural, por meio de sua função social, capaz de
instrumentalizar e possibilitar condições para a formação e o exercício crítico da
participação política, assumindo erros, acertos, atropelos e riscos.
Não é possível negar que as práticas da vivência democrática e da
participação são ainda muito incipientes na sociedade brasileira, o que se manifesta
nessa instituição escolar. Desse modo, um redirecionamento das medidas de
políticas pautadas pelo gerencialismo ainda se mostra difícil de acontecer, muito
embora a existência, neste quadro, de instrumentos democratizantes abre
perspectivas para que um processo de democratização substantiva possa vir a se
instalar. Mas, para que isto ocorra, como mencionamos, seria necessário
também, que a escola estivesse atenta à sua função social de formação para a
cidadania e para a solidariedade, funções que se atritam com os princípios da
gestão gerencial, conforme procuramos demonstrar ao longo da pesquisa.
Portanto, as diretrizes de desenvolvimento criadas no interior da
organização escolar devem ser a partir de ampla e profunda discussão entre todos
da comunidade escolar, interna e externa consolidadas de modo que possam ser
referência para a construção do projeto político-pedagógico
,
que possa visar à
organização do trabalho pedagógico e administrativo em que a gestão da escola
indígena possa condicionar mudanças e inovações na cultura escolar e no clima
organizacional.
Com base nos resultados da pesquisa, a seguir, apresentam-se conclusões
113
e sugestões quanto à promoção e dinamização de inovações e mudanças dentro
do contexto escolar levando em consideração os fatores simbólicos, representados
pelo clima organizacional e pela cultura escolar.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS: INOVAÇÕES E MUDANÇAS
A Escola Estadual Almirante Tamandaré têm gerado inquietações e
resistências entre professores e alunos, pois afeta a vida das pessoas, implicam em
novas formas de se ver e ver a sociedade.
Desvencilhar-se das concepções incutidas durante décadas, representa
mudança de paradigmas, o que não ocorre com atos administrativos adotados pela
gestão da referida escola, como as mudanças provenientes na legislação. O
processo de mudança é lento, resistências a serem quebradas, valores a serem
resgatados, posturas a serem revistas.
Os indivíduos têm grande dificuldade em operar mudanças na escola
analisada, seja nas pequenas coisas do dia-a-dia, na organização administrativa e
pedagógica, o modo de falar em questões mais complexas, que m a ver com o
modo de ver e viver a vida, nas crenças e concepções. A resistência às mudanças,
muitas vezes, impedem os indivíduos de enxergar a realidade e de acompanhar as
transformações sociais, mas a resistência a qualquer forma de mudança é maior,
levantando uma relação conflituosa entre os sujeitos da Escola Estadual Almirante
Tamandaré, gerando um clima e uma cultura organizacional desfavorável e
inadequado a realização de práticas pedagógicas e administrativas voltadas para a
construção do processo ensino e aprendizagem.
Na crise que atinge a Escola Estadual Almirante Tamandaré, encontramos
profissionais com dificuldade de enfrentar e superar as mudanças, em nível, talvez
maior, que nas demais organizações. Resistências que podem ser sentidas em
todas as instâncias, do modelo de gestão em nível macro à sala de aula.
115
A Escola Estadual Almirante Tamandaré encontra dificuldades tanto na
elaboração do projeto político-pedagógico como foi exemplificado anteriormente,
quanto em promover reestruturações internas que as tornem mais ágeis. Quebrar
resistências, afugentar o medo do novo, é um desafio que está colocado para a
instituição escolar, em especialmente para uma escola indígena, que têm como
objetivo construir um território a partir de representações e identidades que
consolidam práticas educacionais voltadas para a interculturalidade e a diversidade
existente no contexto da escola indígena.
Nesse sentido, é que o gestor da referida escola tem importante papel a
desempenhar nas mudanças a serem desenvolvidas dentro da organização
escolar, na construção de uma nova cultura e de um clima organizacional
desvestida de valores centrados em paradigmas predominantemente tradicionais,
que impedem a execução de projetos pedagógicos inovadores. Os profissionais
que atuam na escola, devem ter clareza de seu papel de construtores da cultura e
do clima da organização escolar que devem estar alicerçados em valores e crenças
fundamentadas na responsabilidade social, na ética e na cidadania.
Por outro lado, políticas públicas elaboradas pelo órgão gestor estadual
(SEDUC) devem estar voltadas à descentralização devendo favorecer o surgimento
de um novo modelo organizacional no qual estejam nessa direção, iniciativas
voltadas à formação de gestores que devem tornar-se mais freqüentes e
sistemáticas, na agenda desse sistema público, como forma de instrumentar não só
a introdução de inovações, mas mudanças substantivas.
É preciso considerar a intencionalidade declarada pela Escola Estadual
Almirante Tamandaré e, simultaneamente, trabalhar com o pensamento divergente
dos diversos grupos e segmentos, em ritmos de trabalho diversos, e em sintonia,
na maioria das vezes. Interpretar esses movimentos, estabelecer alianças, construir
um nexo para a dinâmica de trabalho, estabelecer patamares sobre os quais se
edificarão novos avanços não será resultado de ações passageiras, mas de ações
planejadas e integradas, num processo contínuo de negociações e implementação.
Nesse contexto, as abordagens antropológicas e sociológicas podem trazer
contribuições importantes na interpretação das resistências de educadores e
116
gestores escolares, cujas ações determinam as faces da administração e da gestão
escolar. É possível que, diante desses estudos, outras formas de leitura e
compreensão de comportamentos individuais e coletivos, no contexto das
organizações escolares públicas, tragam caminhos para a eficácia da escola e para
a qualidade educativa.
É importante afirmar que a introdução de uma proposta educacional
articulada às necessidades da comunidade indígena, na qual pertence à referida
escola, suscita de exigências que não se satisfazem com posturas ideológicas. A
questão essencial é que se precisa de concepções sobre como opera uma
mudança na educação e quantos processos devemos integrar para assegurar uma
reforma efetiva e favorável à população envolvida. Até o momento o que se
observou na escola analisada é que se tem abusado de plataformas sociopolíticas
e descritivas para corroborar com a necessidade de transformar o sistema, os
modelos acadêmicos e as práticas escolares em relação à diversidade. Mas talvez
o melhor passo seja abrir ou democratizar a gestão da educação multicultural plural
para atrair o compromisso e a criatividade demonstrados por muitos envolvidos no
processo educacional.
Muitas vezes, tenta-se encontrar soluções mágicas para uma melhor
administração das organizações, mas na verdade não há. Todas as propostas de
gestão devem estar embasadas em um conhecimento e compreensão mais
profundos da organização a intervir. Deve ficar claro que quando se fala em
organizações, as mudanças significativas não ocorreram em curto prazo. Isto
acontece devido à dificuldade natural de não mudar a cultura vigente como
conseguir administrar as forças e influências externas à organização Portanto,
refletir sobre clima organizacional e cultura escolar da Escola Almirante Tamandaré
significa rever vários fatores internos e externos que influenciam diretamente no
desenvolvimento da organização. E, por isso, volta-se a afirmar que é inviável
adotar um modelo de gestão, medidas em relação às políticas de recursos
humanos ou promover qualquer mudança organizacional se o gestor não tiver
conhecimento de que todo o investimento pode ser em vão se essa premissa não
for considerada.
Portanto, justifica-se novamente a impossibilidade de se adotar um modelo
117
de gestão pronto, como esses pacotes importados, sem considerar a complexidade
das organizações e o contexto sócio-político-economico e cultural em que elas
estão inseridas.
Quanto às inovações e mudanças realizadas no cotidiano da Escola
Estadual Almirante Tamandaré, cabe introduzir novas formas de planejar, aplicação
de novo estilo de liderança para o fortalecimento e mudança de comportamento na
organização escolar. Portanto, não nenhuma mudança significante na
organização, a menos que haja uma mudança significante nas pessoas que vivem
naquela organização. Transformação organizacional está unida diretamente à
transformação pessoal, para que possa haver um clima organizacional e umas
culturas escolares identificada com os interesses dos que estão inseridos no
cotidiano da escola.
Por outro lado para que a Escola Almirante Tamandaré possa pensar a
educação escolar indígena, enquanto um projeto propriamente indígena, é pensar
nos problemas e questões que se colocam para esta sociedade, além das suas
relações mais imediatas com a nossa sociedade. É preciso considerar as
conseqüências internas a estas sociedades em que o novo contato implica. Para
construir um projeto próprio de escola e alcançar sua autonomia, além de negociar
com órgão gestor estadual de educação o seu próprio currículo e calendário, os
conteúdos específicos da sua cultura e sua pedagogia própria. É Preciso construir,
também, um projeto de escola que tenham significado dentro da dimensão
simbólica da sua própria cultura. Este é o desafio da sociedade indígena e que
deve se melhor compreendido pelos órgãos gestores educacionais.
O reconhecimento da autonomia pela escola indígena passa por uma
negação do modelo assimilacionista de educação implementado desde a época
colonial que, como vimos, tinha como pressuposto subjacente a suposta
incapacidade dos índios. Infelizmente, essa concepção permanece até os dias
atuais, quando ainda se planejam ações para as escolas indígenas, mantendo-os
assim numa posição de tutelados, ignorando o direito à alteridade, garantido na
Constituição de 1988. O etnocentrismo de nossa sociedade permanece através dos
séculos, apesar de que, se nos dedicarmos à análise de como os povos indígenas
interagem conosco, veremos que eles desenvolvem mecanismos seletivos para se
118
apropriarem de instituições como a escola, ressignificando-as segundo suas
necessidades.
Com a ajuda da Escola Estadual Almirante Tamandaré, realizando uma
educação que realmente responda às necessidades da comunidade indígena
Umariaçu II, precisando reconquistar a autonomia socioeconômica e cultural e
serem reconhecidos como cidadãos etnicamente diferentes. O que não se quer é
que a escola analisada sirva para desestruturar a cultura e o jeito de viver da
comunidade indígena; que não se passe mais para as crianças a idéia de que elas
são inferiores e que, por isso, precisa-se seguir o modelo dos brancos para sermos
respeitados.
Assim, torna-se necessário que a Escola Almirante Tamandaré se volte
para a utilização de um diálogo que permeie as interações ente o global e o local,
pois a interculturalidade não está num modelo que prioriza ora os conhecimentos
acumulados pela sociedade ocidental, ora os conhecimentos produzidos pelas
sociedades indígenas, mas na garantia de a escola poder ser um espaço que reflita
a vida dos povos indígenas hoje, com as contradições presentes nas relações entre
as diferentes sociedades, com a possibilidade de ser integrada nos processos
educativos de cada povo e, assim, ser administrada segundo os parâmetros
específicos desses processos,
É necessário, pois, que a Escola Estadual Almirante Tamandaré rompa
com o fechamento em relação às minorias culturais que habitam o seu interior, de
olhar para os vários significados e sentidos atuantes no seu cotidiano e se
beneficiar dessa riqueza. A escola precisa se equipar para acolher os muitos e
diferentes saberes que circulam nas salas de aula, nos recreios, nas conversas
entre os/as alunos/as e os/as professores/as ou que tentam forçar sua entrada
nesse ambiente sócio-cultural. Ou seja, acolher o diferente, o outro, como sujeito
educativo que pode e deve participar da construção de uma nova, uma outra
cultura escolar.
As mudanças culturais e organizacionais dependem, basicamente, da
mudança de paradigmas. Apesar de esta tarefa não ser fácil, jamais se deve
pensar que é impossível, pois as organizações são constituídas de seres humanos
119
que estão em constante desenvolvimento e que interagem entre si. E, ao mesmo
tempo em que trazem sua própria cultura às organizações, assimilam a cultura
vigente. Essa inter-relação cultural pode transformar-se em uma nova cultura e por
que não, em mudanças de paradigmas.
Fica evidente que, abordar a Escola Estadual Almirante Tamandaré pelo
prisma do cotidiano permite vislumbrar a dimensão educativa presente no conjunto
das relações sociais que ocorrem no seu interior. Independente dos objetivos
explícitos de cada escola vem ocorrendo, aí, uma multiplicidade de situações e
conteúdos educativos, que podem e devem ser potencializadas.
Vista por esse ângulo, a Escola Estadual Almirante Tamandaré deve ser se
tornar um espaço de encontro entre iguais, possibilitando a convivência com a
diferença, de uma forma qualitativamente distinta da família e, principalmente, do
trabalho. Possibilitando lidar com a subjetividade, havendo oportunidade para os
alunos falarem de si, trocarem idéias, sentimentos. Potencialmente, permitir a
aprendizagem de viver em grupo, lidar com a diferença, com o conflito. De uma
forma mais restrita ou mais ampla, permitir o acesso aos códigos culturais
dominantes, necessários para se disputar um espaço no mercado de trabalho. É
fundamental que os profissionais da escola reflitam mais a respeito dos conteúdos
e significados da forma como a escola se organiza e funciona no cotidiano.
A escola observada, pode e deve ser um espaço de formação ampla do
aluno, que aprofunde o seu processo de humanização, aprimorando as dimensões
e habilidades que nos tornam humanos. O acesso ao conhecimento, às relações
sociais, às experiências culturais diversas podem contribuir assim como suporte no
desenvolvimento singular do aluno como sujeito sócio-cultural, e no aprimoramento
de sua vida social.
As sugestões para a promoção e dinamização dentro do contexto da
Escola Estadual Almirante Tamandaré, ainda que seja notória à inadequação da
proposta curricular da escola em relação ao seu padrão cultural, é preciso
considerar o contexto sócio-econômico da região. Cercado pelo mais moderno
capitalismo, o povo Ticuna não pode prescindir de uma urgente preparação do seu
povo para convivência com esta realidade. Dessa forma, é plenamente
120
compreensível a sua opção por uma escola cujo olhar esteja voltado para o mundo
externo, sem desconsiderar suas características culturais.
Mesmo sabendo que o atual modelo resulta no baixo rendimento dos
alunos, verificado através dos índices de reprovação nas disciplina Língua
Portuguesa e Matemática, acreditam numa paulatina adequação da cultura à
escola. Em outras palavras, esperam que as alterações colocadas pela situação
material promovam o ajustamento entre escola e cultura.
Contudo, infere-se que a melhoria do rendimento escolar na Escola
Estadual Almirante Tamandaré pode ser alcançada com algumas providências
imediatas a começar pela capacitação dos professores. Outra providência poderia
envolver uma proposta curricular que, possa atender a realidade e privilegiasse o
resgate dos conhecimentos tradicionais. Também, uma proposta para o ensino
médio que proporcione a integração dos conteúdos levando em consideração a
interdisciplinaridade, a contextualização e aprendizagem por conhecimentos e
saberes, para que possa trazer melhorias no desempenho do aluno. Importante
também privilegiar a construção de uma proposta curricular intercultural e bilíngüe.
Quanto ao calendário exclusivo ou princípios etnocientíficos, a referida
escola deve inserir em seu projeto político-pedagógico, uma proposta que se faça
adequada às suas necessidades e que exista a partir do seio da cultura tradicional,
para que possa escapar das imposições geridas pelo órgão gestor estadual.
Difícil será a situação se órgão gestor estadual (SEDUC) se pouco a pouco
não encontrar medidas que deverão buscar mecanismos para absorver na sua
estrutura administrativa as diferenças da escola indígena. Pois, ainda que seja sua
a responsabilidade pela escola, não podem ignorar a autonomia de um povo na
condução do seu próprio destino.
Finalmente, desponta a necessidade de continuar buscando modelos de
escola adequados a cada realidade, a partir das experiências em andamento, que
privilegiem a contribuição de cada povo e que preservem o espaço da saudável
contestação à escola formal. Sobretudo, os professores, como conjunto,
descolados do Estado, possam pensar a educação indígena a partir das
perspectivas de seus próprios povos, cabendo a grande missão de reverter o
121
processo. Pois, enquanto os professores indígenas e não indígenas não se
instrumentalizarem com a qualificação profissional voltada para a educação
indígena, com capacitação técnica e uma proposta pedagógica alicerçada numa
política de educação que os capacite a entender os processos inerentes à situação
vivida pela sua comunidade, essa situação não poderá ser modificada.
Diante do exposto, a melhoria das relações poderá ocorrer mediante um
trabalho de reflexão coletiva no interior da Escola Estadual Almirante Tamandaré;
pois, os problemas sobre o clima e a cultura organizacional levantados, a partir do
cotidiano, revelam o processo de construção distanciado dos referenciais
democráticos da sociedade plural, considerando que os termos autonomia e
autodeterminação constituem o novo discurso da diferença porque todos
reconhecem o direito à diferença, mas o Estado e a maioria dos aliados dos povos
indígenas fazem projetos e procuram estabelecer políticas públicas e indigenistas
que visam unificar tais povos, homogeneizando-os ao modo de ser e agir da
sociedade não índia, integrando-os ao modelo de modernidade, desenvolvimento e
progresso vigentes na sociedade envolvente.
122
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São Paulo, Editora da UNICAMP, 1996.
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_______________. A pedagogia na escola das diferenças: fragmentos de uma
sociologia do fracasso. Artmed, 2001.
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Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2000.
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BRASIL/MEC/INEP. Plano Decenal de Educação para todos. Brasília, Inep,
1993
Diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena. Brasília, MEC,
1994
Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais - Convívio social e Ética - Pluralidade
Cultural, Versão preliminar, julho/1996.
Ministério da Educação e do Desporto/ Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, Brasília, MEC/SEF,
1998.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.
BRASIL/ MEC/ INEP. Plano Nacional de Educação. Brasília, Inep, 1998.
RESOLUÇÃO CEB Nº 3, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1999
(*)
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA RELATORES: Kuno Paulo Rhoden, S.J. (Pe.) PROCESSO: 23001-
000197/98-03 e 23001-000263/98-28 PARECER 14/99, APROVADO EM:
14.09.99.
Arquivo Pessoal do Sertanista Valmir Torres
Arquivo da FUNAI – Município de Tabatinga
127
ANEXOS
128
Roteiro das entrevistas realizadas com os professores, pais alunos, e
membros da Escola Estadual Almirante Tamandaré.
1. Quais as formas de vivência e a diversidade cultural apresentada na
Escola Estadual Almirante Tamandaré.
. Cotidiano escolar
. Vivência e diversidade
2. Como as relações humanas, sociais, culturais, profissionais e
pedagógicas criam condições de interação na escola.
. Relações de interação no espaço escolar
3. Como se apresenta a interculturalidade no cotidiano da Escola Estadual
Almirante Tamandaré.
. Diálogo e interelação entre as diferentes culturas
4. Como a eficácia da Escola Estadual Almirante Tamandaré e o sucesso dos
alunos são afetados pelo clima e cultura organizacional.
. Qualidade social da escola
. Influências do clima e da cultura organizacional
5. Como o clima e a cultura organizacional da Escola Estadual Almirante
Tamandaré condicionam a produção das inovações e mudanças no ambiente
escolar, a partir das relações humanas, sociais, culturais, profissionais e
pedagógicas.
. Relações, inovações e mudanças no ambiente escolar.
129
Entrevista com o Gestor da Escola Estadual Almirante Tamandaré
1 A Escola tem estabelecido parcerias com Universidades para realizar:
( ) Estudos e pesquisas ( ) Publicação ( ) Produção de material
didático-pedagógico
2 - O Órgão Gestor Estadual (SEDUC) oferece aos professores indígenas
cursos de:
( ) Formação ( ) Qualificação ( ) Outros
3Essa formação e/ou qualificação atende que porcentagem de clientela?
( ) 10% ( ) 20% ( ) 50% ( ) 80% ( ) Outros
4O Órgão Gestor Estadual tem recebido reinvidicação para criação de:
- Categoria de professores índios ( ) Sim ( ) Não
- Plano de Cargo e Carreira ( ) Sim ( ) Não
5O Órgão Gestor Estadual tem promovido discussões para criação de:
- Categoria de professores índios ( ) Sim ( ) Não
- Plano de Cargo e Carreira ( ) Sim ( ) Não
6 A Escola tem realizado ações para sensibilizar e conscientizar a
população sobre as sociedades e culturas indígenas
( ) Sim ( ) Não
7A Escola realiza campanhas bimestrais para:
- motivar os pais a acompanhar o processo educativo de seus filhos
130
( ) Sim ( ) Não
-sensibilizar e conscientizar a comunidade para a necessidade de
erradicação do analfabetismo:
( ) Sim ( ) Não
- prevenir o uso indevido de drogas:
( ) Sim ( ) Não
8A Escola tem desenvolvido ações que assegurem o cumprimento da
legislação de amparo aos povos indígenas, sua fiscalização e seu
cumprimento, por meio de:
( ) Reuniões com a comunidade ( ) Seminários
( ) Palestras informativas ( ) Outros
9 - O Órgão Gestor Estadual (SEDUC) tem assegurado, de acordo com a
legislação da educação escolar indígena, recursos financeiros para:
( ) Construção de escola indígena;
( ) Construção de biblioteca;
( ) Construção de laboratório de informática;
( ) reforma de escola indígena
( ) ampliação de escola indígena
( ) quadra de esporte
( ) Outros
10 A Escola possui órgão colegiado, com autonomia para gerir recursos
financeiros para:
- manutenção da escola pública que oferece educação escolar para os povos
indígenas e da escola indígena:
131
( ) Sim ( ) Não
- aquisição de merenda escolar:
( ) Sim ( ) Não
11 A Escola tem desenvolvido parcerias com as instituições de Ensino
Superior para realização de pesquisas por meio de:
- oferta de ações de extensão:
( ) Sim ( ) Não
- atendimento de programas voltados à produção para auto-sustentação e
comercialização:
( ) Sim ( ) Não
12 O Órgão Gestor Estadual (SEDUC) tem garantido a participação dos
povos indígenas em eventos educacionais através de:
( ) Recurso financeiro assegurado;
( ) Intercâmbio com instituição afim;
( ) Garantia de conteúdo e subsídio para a efetiva participação;
( ) Outros.
13 O Órgão Gestor Estadual (SEDUC) tem contribuído para a capacitação
dos recursos humanos das etnias para atuarem na própria comunidade?
( ) Sim ( ) Não
14 - O Órgão Gestor Estadual garante a participação das instituições
indígenas organizadas nas discussões e encaminhamentos?
( ) Sim ( ) Não
15 O Órgão Gestor Estadual (SEDUC) oferece autonomia às escolas
indígenas para desenvolverem atividades sócio-culturais de suas etnias, no
132
Calendário Escolar?
( ) Sim ( ) Não
16 - Ocorre na Escola o desenvolvimento de projetos, elaborados em parceria
com as comunidades indígenas, orientando a utilização de recursos naturais,
com vistas ao ecoturismo:
( ) Sim ( ) Não
17 - Visando a melhoria da gestão escolar, tem sido implantado o sistema de
acompanhamento e avaliação institucional, interna e externa, da escola:
( ) Sim ( ) Não
Observações a serem feitas relativas às questões.
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