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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CERES PIZZATO FAVIEIRO
CONSELHOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUAS
TRANSFORMAÇÕES, A PARTIR DA NOVA CONSTITUIÇÃO:
UM ESTUDO COMPARADO ENTRE OS CONSELHOS DE
FARMÁCIA, DE ENFERMAGEM E DE MEDICINA
Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues
Orientador
Porto Alegre
2007
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CERES PIZZATO FAVIEIRO
CONSELHOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUAS
TRANSFORMAÇÕES, A PARTIR DA NOVA CONSTITUIÇÃO: UM
ESTUDO COMPARADO ENTRE OS CONSELHOS DE FARMÁCIA, DE
ENFERMAGEM E DE MEDICINA
Dissertação apresentada como requisito à
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais, pelo Programa de Mestrado em Ciências
Sociais Organização e Sociedade, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues.
Porto Alegre
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecário Responsável
Ednei de Freitas Silveira
CRB 10/1262
F274c Favieiro, Ceres Pizzato
Conselhos profissionais de saúde e suas transformações, a partir
da nova constituição : um estudo comparado entre os Conselhos de
Farmácia, de Enfermagem e de Medicina / Ceres Pizzato Favieiro –
Porto Alegre, 2007.
169 f.
Diss. (mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Programa de Pós-Graduação Ciências Sociais. Mestrado em Ciências
Sociais. PUCRS, 2007.
Orientação: Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues.
1. Conselhos Profissionais. 2. Políticas Públicas. 3. Saúde
Aspectos Sociais. 4. Política de Saúde. I. Título.
CDD 361.8
CERES PIZZATO FAVIEIRO
CONSELHOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUAS
TRANSFORMAÇÕES, A PARTIR DA NOVA CONSTITUIÇÃO: UM
ESTUDO COMPARADO ENTRE OS CONSELHOS DE FARMÁCIA, DE
ENFERMAGEM E DE MEDICINA
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais, pelo Programa de Mestrado em
Ciências Sociais Organização e Sociedade, da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Aprovada em_____de__________________de_________.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues – PUCRS
_______________________________________
Prof. Dr.Daniel de Mendonça – UFPEL
________________________________________
Prof. Drª Ivonilda Mello Hansen– PUCRS
_________________________________________
Prof. Dr. Emil Albert Sobottka – PUCRS
Dedico este trabalho
a meus pais, Domingos Favieiro e Hayde Pizzato Favieiro (in memorium),
pela educação que me foi dada, por me ensinarem a perseverar,mesmo
nas dificuldades, pelos valores que me transmitiram, pelo exemplo que
foram para mim e por me fazerem acreditar que com esforço, tudo é
possível e a ter fé.
a meus filhos Diego e Virginia,
meus maiores tesouros e alegria de viver, meus companheiros de
todas as horas; e
ao meu netinho Renan
luz da minha vida.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Agradeço ao meu querido, orientador e amigo,
Professor Doutor Léo Peixoto Rodrigues.
Agradeço,
pela confiança e pelo estímulo;
pelos ensinamentos transmitidos;
pela dedicação que tem ao Saber;
pela sua exigência, que fez de mim melhor aprendiz;
e pela sua bondade que me fez
melhor do que sou.
Obrigada!
Por todo apoio dado,
pela companhia sempre estimulante e agradável;
pelo conhecimento, que tão generosamente compartilhado com todos.
Um Mestre.
Um Amigo.
Inesquecível!
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
à Deus pela vida e por tudo o que me deu;
à minha querida colega e amiga Enfermeira e Mestre Fátima Florentino, pelo auxilio,
pelo companheirismo e incentivo;
à amiga e colega, Mestre Cibele Cheron, pela ajuda e amizade;
aos amigos, pelo apoio dado nesse percurso;
à minha tia Sheila Pizzato Perrot, pelas palavras amigas e pelo incentivo;
aos professores Drª. Ivonilda Hansen, Dr. Daniel de Mendonça e Dr. Emil Sobottka
que aceitaram o convite para participar da Banca Examinadora desta
dissertação.
RESUMO
A área da Saúde, reconhecidamente uma área problemática e de difícil solução no
Brasil, apresentou uma grande transformação a partir da Constituição de 1988, que
instituiu como direito social a universalidade, a igualdade e a eqüidade dos serviços
de Saúde. Surge um novo momento, corolário de uma mudança paradigmática
quanto ao significado do que é Saúde, aliada à participação política da Sociedade
Civil e ao exercício da cidadania.
A Constituição Brasileira de 1988, ao reconhecer a Saúde como um direito de todos
os cidadãos e dever do Estado, estabelece a universalidade, a integralidade, a
descentralização e a gratuidade, bem como a participação da sociedade na
formulação das políticas públicas. A questão do direito à Saúde para todos abre um
campo de lutas políticas e ideológicas. Tais mudanças provocaram uma
reconfiguração do campo da Saúde, remodelando, igualmente, as práticas dos
Conselhos Profissionais de Saúde, que são os reguladores do exercício profissional,
no caso desta pesquisa, especificamente: os Conselhos Profissionais de Farmácia,
de Enfermagem e de Medicina. A presente pesquisa buscou expor as novas
relações constituídas entre estes Conselhos, seus profissionais, a Sociedade Civil e
o Estado, à luz das Ciências Sociais. As ações dos Conselhos são pautadas por
diretrizes de cunho social, como: identidade, disputa de poder, proteção e
manutenção do campo profissional, possibilitadas pela legitimação do conhecimento
adquirido. Através de uma perspectiva qualitativa realizada com profissionais
farmacêuticos, profissionais enfermeiros e profissionais médicos, em Porto Alegre,
foram obtidos dados que, uma vez analisados, permitiram conhecer quais são os
interesses que modulam as relações entre os diversos atores sociais da área da
Saúde, com cada um dos Conselhos Profissionais pesquisados, ao possibilitar o
conhecimento de como estes Conselhos Profissionais interagem com os diversos
atores sociais inseridos em um determinado tempo e espaço social.
Palavras-chave: Conselhos Profissionais. Farmacêuticos. Enfermeiros. Médicos.
Redemocratização. Sociedade Civil. Cidadania. Disputas. Saúde.
ABSTRACT
Heath care in Brazil, an admittedly troubled area with no easy solution in sight,
experienced considerable transformation since the implementation, in the 1988
Constitution, of social rights such as universality, equity and equality of health
services. This was the beginning of a new phase that resulted from a pragmatic
change in the definition of Health along with society's political participation and
exercise of citizenship. As the 1998 Constitution recognizes the rights of its citizens
and the duties of the State, it establishes the universality, wholly, decentralization
and gratuity as well as the civil participation in public policy creation. The question
regarding universal heath rights opens the field of political and ideological debates.
Such changes caused the reconfiguration of the health care system as well as the
impact on practices adopted by professional health organizations and committees
who are responsible for professional oversight in the health care area. This research
attempted to expose, under the social sciences light, new relationships built between
these committees, its associated professionals, society in general and the State. The
actions of these committees follow the socially driven directives such as identity,
control over power, protection and maintenance of the professional field. These same
actions were made possible through the legitimacy of the acquired knowledge. It was
possible, through analysis performed on data obtained from the qualitative research
of pharmaceutical, nurses and medical professionals in Porto Alegre (RS), to define
which were the interests that shaped the relationships between social actors in the
health care system such as the professional committees, and their interactions within
a specific social scope and time.
Keywords: professional committees, pharmaceuticals, nurses, doctors, re-
democratization, civil society, citizenship, disputes, health
LISTA DE SIGLAS
ABI — Associação Brasileira de Imprensa
ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas
AI-5 — Ato Institucional número 5
AIDS — Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AMB — Associação Médica Brasileira
ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARENA — Aliança Renovadora Nacional
CFF — Conselho Federal de Farmácia
CRF — Conselho Regional de Farmácia
CFM — Conselho Federal de Medicina
CNS — Conselho Nacional de Saúde
CONASEMS — Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
CONASS — Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
EC 29 — Emenda Constitucional Nº. 29
COREN — Conselho Regional de Enfermagem
EUA — Estados Unidos da América
FARMAG — Farmácia Magistral
FIOCRUZ — Fundação Oswaldo Cruz
INCQS — Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde
LACENS — Laboratórios Centrais de Saúde Pública
MDB — Movimento Democrático Brasileiro
MP — Ministério Público
MS — Ministério da Saúde
OAB — Ordem dos Advogados do Brasil
OIT — Organização Internacional do Trabalho
OMS — Organização Mundial da Saúde
ONG(s) — Organização Não-Governamental(is)
ONU — Organização das Nações Unidas
RT — Responsável Técnico
PUCRS — Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PFL — Partido da Frente Liberal
PL — Projeto de Lei
PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSF — Programa de Saúde da Família
RTME — Revolução da Transformação Microeletrônica
SC — Santa Catarina
SNVS — Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
SUS — Sistema Único de Saúde
UNE — União Nacional dos Estudantes
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................13
2 . O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 80: DA
REDEMOCRATIZAÇÃO E MUDANÇAS SOCIAIS NA ERA DA
INFORMAÇÃO.................................................................................................23
2.1 INTRODUÇÃO...................................................................................................23
2.2 A DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA............................................................24
2.2.1 A Passagem do Regime Autoritário para a Redemocratização: breve
retrospectiva.................................................................................................24
2.2.2 A Nova Constituição e a Efetiva Ampliação dos Direitos Sociais.............30
2.3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS A PARTIR DO PROCESSO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO...................................................................................33
2.4 O SOLO FÉRTIL PARA AS CONSEGUINTES MUDANÇAS NA SAÚDE........36
2.4.1 A Cidadania.....................................................................................................36
2.4.2 A Descentralização da Saúde........................................................................39
2.5 A SOCIOLOGIA DA INFORMAÇÃO E SUA REPERCUSSÃO NA ÁREA DA
SAÚDE..............................................................................................................42
2.5.1 O impacto da Tecnologia Informacional na Saúde.....................................45
2.6 CONSIDERAÇÕES...........................................................................................47
3 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE CIIVILCONTEMPORÂNEA: AS
DISPUTAS QUE ESTÃO EM JOGO................................................................49
3.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................49
3.2 A QUESTÃO DA ORDEM SOCIAL: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONFLITO
E A TEORIA DA COERÇÃO.............................................................................50
3.3 O PAPEL DO ESTADO NA ATUAL ORDEM DEMOCRÁTICA E AS DISPUTAS
PELO PODER...................................................................................................55
3.4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A SAÚDE DENTRO DO PROCESSO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO...................................................................................60
3.5 CONSIDERAÇÕES...........................................................................................67
4. AS DISPUTAS AGÔNICAS NO CAMPO DA SAÚDE, A PARTICIPAÇÃO DOS
CONSELHOS PROFISSIONAIS: LEGITIMAÇÃO, CONSERVAÇÃO E
AMPLIAÇÃO DO PODER.................................................................................69
4.1 INTRODUÇÃO....................................................................................................69
4.2 ATORES SOCIAIS: A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS E DAS CONFERÊNCIAS
DA SAÚDE: A PRESENÇA DO SUS E DA ANVISA.........................................70
4.3 O CAMPO DA SAÚDE COMO ESPAÇO SOCIAL DE DISPUTAS
PROFISSIONAIS................................................................................................75
4.3.1 A Constituição do Saber das Profissões de Farmácia, de Enfermagem
e de Medicina..................................................................................................77
4.3.2 Aspectos da gênese das profissões de Farmácia, de Enfermagem
e de Medicina..................................................................................................81
4.3.3 Os Conselhos Profissionais de Saúde...........................................................87
4.4 CONSIDERAÇÕES............................................................................................96
5. OS CONSELHOS PROFISSIONAIS DE FARMÁCIA, ENFERMAGEM E
MEDICINA: COMPARÃO E ANÁLISE DE CONTEÚDO COMO
PERCURSO METODOLÓGICO.........................................................................98
5.1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................98
5.1.1 O delineamento da pesquisa...........................................................................98
5.1.2 Dimensão empírica e coleta de dados .........................................................100
5.1.3 Tratamento dos dados....................................................................................102
5.2 CONHECENDO OS NOVOS CONSELHOS PROFISSIONAIS DE FARMÁCIA, DE
ENFERMAGEM E DE MEDICINA: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS
DISCURSIVAS...................................................................................................102
5.2.1 A visibilidade dos Conselhos Regionais (farmacêutico, enfermeiro e médico)
na percepção dos seus profissionais: as diferentes conquistas e
remunerações econômicas.............................................................................104
5.2.2 Ações fiscalizadoras dos Conselhos e controle social...............................109
5.2.3 A influência da legitimação do saber de cada profissão nas diferentes
posturas assumidas pelos Conselhos em relação aos seus
profissionais.....................................................................................................120
5.2.4 Representação política dos Conselhos com o Estado e com a
sociedade civil...............................................................................................124
5.2.5 Fatores que favorecem a supremacia de um Conselho em relação
aos outros dois Conselhos investigados...................................................127
5.2.6 Fatores que predispõem às disputas pelas fronteiras na
dimensão corporativa ..................................................................................135
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................142
REFERÊNCIAS..........................................................................................................155
ANEXOS....................................................................................................................160
ANEXO A – Lei do Ato Médico...................................................................................161
APÊNDICES...............................................................................................................163
APÊNDICE A – Solicitação da Pesquisa....................................................................164
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..................................165
APÊNDICE C – Roteiro de Entrevista........................................................................168
13
1 INTRODUÇÃO
A Nova Constituição, promulgada em 1988, que contemplou de maneira
particular os direitos sociais, dentre eles, de forma especial, o direito à saúde,
provocou uma reordenação e inovação nas diretrizes políticas aplicadas nessa área
até então. Uma disposição necessária, sem dúvida alguma, já que a Saúde ainda é
um dos maiores problemas sociais a serem enfrentados pelo Brasil. Todavia, o
amplo alcance das mudanças, implementadas na Saúde, implicou em uma
reorganização de diferentes setores e instituições que compunham este campo.
Os movimentos sociais que surgiram no Brasil, ao final da Ditadura Militar,
tiveram um papel importante, tanto no processo de construção de uma nova
democracia do País quanto na contemplação dos direitos sociais como um todo. A
Constituição Cidadã, conforme ficou conhecida, previu a participação da sociedade,
através dos seus representantes, nos conselhos de gestão pública. Com a
ampliação do espaço político de participação social e do exercício da cidadania,
previsto pela Constituição de 1988, instaura-se um novo momento sociopolítico
brasileiro. A abertura política, ocorrida no Brasil nesse período, e os movimentos
sociais realizados pela população, que trouxeram como conseqüência a reforma
sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), possibilitaram o exercício
da cidadania plena, concretizada pela nova Constituição Brasileira. A partir de então,
importantes modificações foram introduzidas nas políticas de Saúde, reconfigurando
o cenário da Saúde no País.
A ampliação dos direitos à Saúde, como dever do Estado e um direito
extensivo a toda população de forma igualitária e gratuita – garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visavam à redução do risco de doenças e à
busca pela prevenção e voltadas para a promoção, proteção e recuperação da
Saúde –, respondeu aos anseios da sociedade brasileira que, já no período pré-
constituinte, lutava para a redemocratização do País e pelo pleno exercício da
cidadania.
Os movimentos sociais organizados e a emergência de novos atores sociais
— organizações não governamentais (ONG’s), associações comunitárias, conselhos
de controle social, entidades representativas dos profissionais de saúde —
resultaram em uma nova postura do Estado frente às demandas sociais. As políticas
14
na área da saúde, que decorreram do processo de redemocratização,
corresponderam a uma das etapas da conquista da cidadania.
A Constituição de 1988 criou o Sistema único de Saúde (SUS),
regulamentado pelas Leis nº. 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº. 8.142/90, com
a finalidade de universalização da assistência à Saúde da população, e em 1999,
dentro do projeto de descentralização da Saúde, é criada a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) que tem por finalidade institucional promover a
proteção da saúde da comunidade por intermédio do controle sanitário da produção
e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. O
SUS e a ANVISA são as principais instituições, ligadas ao Ministério da Saúde, tanto
de execução quanto de autoridade para implementar e fiscalizar as políticas de
saúde no Brasil. A concepção dessas duas instituições foi moldada segundo o
padrão vigente dos preceitos estabelecidos pela Constituição de 1988.
A nova ordem social brasileira determinou uma reconfiguração no campo da
Saúde, tanto pelas mudanças na concepção e conceito do significado de Saúde —
proferido pela VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual, pela primeira
vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da sociedade civil
discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil — quanto pela inserção de novos
atores sociais na sua gestão. É um novo momento na construção de uma “nova
sociedade civil brasileira”, mais amadurecida e consciente quanto aos seus direitos e
ao exercício de cidadania.
As transformações, ocasionadas pela redemocratização do Brasil e pela
Constituição de 1988, repercutiram nos fazeres dos atores sociais que integram o
conjunto entendido como “área da Saúde”. Nesse grupo estão incluídos os
Conselhos Profissionais de Saúde, que tiveram igualmente suas práticas alteradas
pelas mudanças ocorridas nessa área, como todos os outros atores da Saúde.
Foram destacados três Conselhos da área da Saúde como recorte da pesquisa, a
saber: o Conselho Regional de Farmácia, o Conselho Regional de Enfermagem e o
Conselho Regional de Medicina, todos do Rio Grande do Sul, para conhecer e
compreender, à luz das Ciências Sociais, como têm se dado, até os dias de hoje, as
relações desses Conselhos de práticas remodeladas com seus profissionais, com o
Estado e com a sociedade.
A participação de uma sociedade mais informada e consciente de seu poder
de reivindicação, e até mesmo de pressão, através do voto direto e da livre opinião
15
pública, tem repercutido nos fazeres dos Conselhos Profissionais de Farmácia,
Enfermagem e Medicina. Órgãos, esses, que regulamentam, habilitam e fiscalizam
as profissões de farmacêutico, de enfermeiro e de médico no âmbito ético,
respectivamente, atuando diretamente na área da Saúde e em todo universo que a
compõe, juntamente com o Estado, através da formulação de leis, regras e normas
de políticas de saúde formando uma teia de relações em que convivem interesses
distintos.
Neste ambiente em que coexistem vários interesses, os Conselhos
Profissionais relacionam-se, por um lado, com os profissionais que são partes
integrantes dos mesmos e que demandam questões sociais, tais como: a
empregabilidade, a autonomia da profissão — limites e fronteiras — e a sua
manutenção; e, por outro lado, com os governos, Federal, Estadual e Municipal —
cuja finalidade é legislar sobre as políticas públicas de governabilidade que pautam
as ações dos Conselhos — e a sociedade civil para a qual essas políticas são
dirigidas. Os Conselhos ocupam-se, tanto com questões como: universalidade e
eqüidade da Saúde, ética e segurança quanto com aspectos econômicos; isto é,
como garantir o campo e a continuidade da profissão em um universo cada vez mais
diversificado e concorrido, potencializado pelo surgimento de novas profissões e
especialidades na área biomédica. Esses atores constituem, assim, uma malha de
relações em que se produzem disputas em uma arena ampliada por novos atores
sociais — ONG’s, sindicatos, federações, a mídia e associações comunitárias e
profissionais —, representando segmentos específicos da sociedade.
Em vista do exposto anteriormente, faz-se necessário o (re)conhecimento de
como cada um desses Conselhos está lidando frente às novas demandas da Saúde,
com o Estado e com a Sociedade civil, que se configuraram em uma nova forma de
relacionamento ainda não inteiramente conhecida, entre esses novos atores — dado
o advento da Constituição de 1988.
Buscou-se, assim, representar esquematicamente na figura a seguir (Fig.1), o
campo agônico formado pelas inter-relações entre os atores descritos anteriormente,
que disputam por legitimidade e reconhecimento:
16
Figura 1 — Esquema: o campo de disputas agônicas formado pelas relações entre a
Sociedade Civil, o Governo e os Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e
Medicina.
Um novo momento político-social, vivido a partir da Constituição, coloca no
cenário desses “novos” Conselhos três atores coletivos; a saber: os próprios
Conselhos e suas gestões políticas; o Estado, através da formulação de leis, regras
e normas de políticas de saúde; e, por fim, os profissionais vinculados a esses
Conselhos.
A partir da problemática anteriormente apresentada, esta pesquisa teve, como
hipótese geral, a suposição de que, apesar desses três Conselhos profissionais
estarem sujeitos às mesmas leis do País, de serem os três órgãos fiscalizadores,
responsáveis por três profissões que são igualmente profissões da Saúde e de
possuírem códigos de ética semelhantes, a sua dinâmica na condução e execução
da fiscalização dos seus profissionais é diferente; como também são distintas as
formas como lidam com as demandas produzidas pela sociedade civil e pelo Estado.
CONSELHOS PROFISSIONAIS PROFISSIONAIS ESTADO-LEIS
17
As hipóteses secundárias, a guisa de explicar os motivos dessas diferenças,
estão baseadas no fato de que: 1) houve efetivamente uma reconfiguração nas
práticas desses Conselhos e essa foi causada pela redemocratização e pela Nova
Constituição; 2) os interesses dos Conselhos não se encontram restritos apenas ao
seguimento das normas ditadas pelo Ministério da saúde, porém preocupam-se, da
mesma forma, com as pressões exercidas pela sociedade e pela mídia; 3 )
respondem também às expectativas relacionadas à profissão, como: perda de poder
e hegemonia, conquista, articulação e intermediação de interesses através da
participação nas políticas públicas, favoráveis corporativamente; e, 4) essas
diferenças estão vinculadas, em parte, ao processo sócio-histórico-cultural através
do qual foi formatada e construída a respectiva profissão. Essas diferenças têm seu
alicerce fundado no contexto histórico em que se originou cada uma dessas
profissões.
De acordo com as hipóteses levantadas, a pesquisa teve como objetivo expor
a arena formada por esta rede de relações constituídas pelos atores sociais
descritos, em busca de conhecer e compreender, através de um estudo no âmbito
das Ciências Sociais, quais são os interesses que têm pautado as ações dos
Conselhos Profissionais na área da saúde — especialmente frente às diversas
modificações que vem sofrendo este campo após a promulgação da Constituição de
1988 — e suas relações com seus respectivos profissionais, com a sociedade civil e
com o Poder Público.
Conhecer e compreender as relações entre os Conselhos de Farmácia,
Enfermagem e Medicina, com os novos atores sociais que emergiram após a
Constituição de 1988, seus profissionais técnico-científicos e o Estado constituiu-se
no objetivo central desta dissertação.
Essas relações fazem parte de uma base existencial numa posição social
construída ao longo do tempo e que determina os fazeres de cada um desses
Conselhos nas suas interfaces com a Sociedade Civil, o Governo e os profissionais
neles inscritos. O próprio Conselho firma-se como um lugar de produção identitária e
sua dinâmica política não se restringe apenas em respostas às imposições e
limitações de seus ambientes, ela engloba, também, uma construção de atores que
integram os constrangimentos externos como elementos de suas estratégias.
Para que se pudesse alcançar o objetivo indicado, dadas as diferentes
dimensões do objeto de pesquisa, usou-se uma combinação de métodos e técnicas
18
que se constatou complementares. A pesquisa empírica foi realizada através de uma
abordagem qualitativa, na qual foram utilizados, como tratamento dos dados obtidos,
a análise de conteúdo e o método comparativo, os quais foram considerados
apropriados a fim de compreender o “objeto” pesquisado.
Primeiramente, procedeu-se à coleta de dados através de entrevistas semi-
estruturadas, feitas com profissionais farmacêuticos, profissionais enfermeiros e
profissionais médicos, de diferentes instituições (hospitais, pronto-socorros, clínicas
e instituições representativas de órgãos de classe) de Porto Alegre. Os dados
coletados foram processados através da análise de conteúdo, de forma que fossem
extraídos os elementos essenciais de significação. As unidades de significado foram
classificadas em categorias, a fim de que estas informações categorizadas fossem
passíveis de comparação. Finalmente, os elementos, referentes a cada Conselho
Profissional, foram comparados. Cada especificidade, de cada Conselho, foi
comparada, com as especificidades dos outros dois Conselhos investigados, de
forma que se pudesse então, efetivamente, perceber as diferenças e as
semelhanças entre eles, e chegar-se ao resultado da análise.
A pesquisa envolveu aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais que
permearam as transformações ocorridas no âmbito da Saúde brasileira nas últimas
duas décadas focadas para o cenário da Saúde em Porto Alegre, no momento
presente, especificamente sob a ótica dos Conselhos Profissionais de Farmácia,
Enfermagem e Medicina.
Assim, de forma a contextualizar e fundamentar as mudanças na Saúde, que
tiveram reflexos nos Conselhos Profissionais, contemplando as questões políticas,
econômicas e sociais responsáveis pelo contexto histórico destas mudanças, na
primeira parte da fundamentação teórica da dissertação, O CONTEXTO
SOCIOPOLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 80: REDEMOCRATIZAÇÃO E
MUDANÇAS SOCIAIS NA ERA DA INFORMAÇÃO, tem a finalidade de demonstrar
como o momento político, que precedeu, na década de 80, a redemocratização do
País, foi favorável às mudanças políticas e sociais ocorridas nos anos seguintes. A
sociedade mobilizou-se, participando de passeatas e movimentos em diversos
engajamentos como, por exemplo, em prol do movimento das “Diretas Já” e a
participação na Assembléia Constituinte. Diversas organizações articulam-se nesse
período, representando segmentos da sociedade: movimentos feministas, de
estudantes, dos empresários, etc. Com a abertura política e econômica que se
19
sucedeu no Brasil foi possível a entrada das novas tecnologias da informação no
País, que instrumentalizaram a sociedade e foram responsáveis pelo maior acesso à
informação e à conscientização, tornando efetiva a possibilidade do pleno exercício
da democracia. A conjugação desses eventos, a partir da década de 80, tornou mais
intensas e aceleradas, notadamente no Brasil, as mudanças sucedidas na Saúde,
contribuindo para as alterações que viriam a seguir nesse campo. Este capítulo
constitui-se em um “substrato” em que emergem as transformações ulteriormente
apontadas.
Na segunda parte, A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
CONTEMPORÂNEA: AS DISPUTAS QUE ESTÃO EM JOGO, mostra-se a
emergência de uma nova sociedade civil, decorrente do processo de
redemocratização do Brasil. A inserção de novos atores sociais na gestão das
políticas públicas trouxe para a agenda política novos temas e diferentes
perspectivas de discussão. As Conferências e Conselhos de Saúde consolidam-se
como um espaço democrático de exercício e decisão política. São apresentadas
algumas noções de coerção, disputa e conflito dentro de uma sociedade, a fim de
identificar os mecanismos pelos quais atuam.
Também mostra o recrudescimento nas disputas da Saúde, a competitividade
pelo campo de trabalho, pelas novas exigências provocadas pelo exercício da
cidadania, de uma sociedade mais informada e consciente do seu poder de pressão.
A Saúde, que sempre foi uma área problemática, torna-se mais do que nunca, palco
para disputas e conflitos. As novas profissões querem firmar-se, legitimar seu saber
na sociedade, as antigas não querem perder um poder que já tinham aquinhoado,
não querem retroceder em suas fronteiras já conquistadas, abrir espaço para outras
profissões (novas ou já existentes), há um sentido de ameaça, de perda de
hegemonia. A questão do trabalho em equipes pluridisciplinares para atendimento
da população torna-se objeto de disputa. Pertencer ou não à equipe é mote para os
Conselhos Profissionais fazerem “lobby” no Senado, lutando por leis que garantam
poder às profissões que representam.
O Estado, nesse contexto, também teve que redimensionar seu papel.
Diminuindo sua ação como executor e prestador de serviços, atuando mais como
controlador e gerenciador, tornando efetivo o processo da descentralização fiscal,
política e administrativa. São trazidas, também neste capítulo, questões referentes à
formulação das políticas públicas sociaiscomo são feitas e por quem,
20
apontando a influência de fatores externos nos interesses sociais, como, por
exemplo, os interesses econômicos entre outros, trazendo especialmente aquelas
discussões que são pertinentes à área da Saúde, dentro do espírito democrático e
as suas limitações. O capítulo também busca demonstrar como os Conselhos
Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina atuam ao lidar com essas
variáveis que mudaram a arena da Saúde, considerando que buscam contemplarem
seus interesses.
Na terceira parte, AS DISPUTAS AGÔNICAS NO CAMPO DA SAÚDE, A
PARTICIPAÇÃO DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS: LEGITIMAÇÃO,
CONSERVAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO PODER, é feita uma reflexão sobre quem são
os múltiplos atores sociais da pesquisa, que constituem o campo da Saúde onde
ocorrem as disputas profissionais. Essa reflexão tem por objetivo apontar as
mudanças ocasionadas pela participação da sociedade civil, bem como descrever os
novos atores sociais nesta esfera. São apresentadas as instituições SUS e ANVISA,
que são os dois órgãos do Ministério da Saúde que, basicamente, representam o
Estado e que determinam, legalmente, as leis a serem cumpridas, as regras que
deverão ser seguidas, trazendo os elementos que limitam as ações nesta área. São
esses órgãos que balizam a área da saúde, determinando quais as profissões que
farão parte da equipe de algum programa do Governo, como por exemplo, do PSF
(Programa da Saúde da Família).
Também sentiu-se a necessidade, dada as dimensões culturais que estão
implicadas, de fazer um breve histórico sobre a constituição das profissões de
Farmácia, de Enfermagem e de Medicina e as lutas ao longo da história para
legitimarem seu conhecimento e persistirem no mundo, demonstrando o campo da
Saúde como uma arena favorável para disputas sociais, um palco efervescente, em
que novas profissões emergentes amiúde se legitimam, com fronteiras não
nitidamente marcadas, que se interpenetram e se desdobram em uma multiplicidade
de saberes.
Por último, são postos a descoberto alguns aspectos dos desafios a serem
enfrentados pelos agentes deste campo de luta, frente às novas tecnologias
informacionais e a complexidade do mundo contemporâneo. Para, então, finalmente,
ser contextualizado o campo agônico formado pelo entrelaçamento das relações
entre as profissões de Farmacêutico, de Enfermeiro e de Médico e seus respectivos
21
Conselhos Profissionais, com o Estado, e suas políticas públicas e leis, e com a
sociedade civil.
Os interesses que têm pautado as disputas enfrentadas hoje pelos Conselhos
Profissionais de farmacêutico, de enfermeiro e de médico podem ser conhecidos,
sob a perspectiva das Ciências Sociais, examinando-se o contexto histórico em que
surgiram estas profissões e, quais são os desafios que elas têm enfrentado
atualmente. A análise procurou buscar novos olhares, em um esforço para romper
preconceitos e predisposições.
A pesquisa realizada à luz das Ciências Sociais, ao invés da área de
formação da pesquisadora que é Farmacêutica, constituiu-se um importante desafio
teórico-epistemológico ao tentar enxergar de uma forma mais ampla (e estranhada)
questões que não são facilmente perceptíveis pelos profissionais da ciência
biomédica. Transitar por “dois mundos” de conhecimento configurou-se prodigioso,
uma vez que amiúde foi necessário transcender o conhecimento, para em um
esforço, buscar ver aquilo que “não era visto”. As subjetividades existentes nos
discursos, as rupturas e as incongruências. Afastar-se da formação de origem, de
seus saberes e de suas verdades, auxiliou o distanciamento necessário para que
fosse possível perceber algumas semelhanças (nem tantas) e algumas diferenças
(em maior número) entre os Conselhos de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina,
e apreender a complexidade que existe nas intrincadas relações estabelecidas entre
os atores do campo da Saúde, de maneira a aproximar-se, para conhecer alguns
fatos que dão origem aos fazeres em saúde. Ousa-se afirmar que a técnica e o
conhecimento científico da profissão, embora fundamentais e necessários, são
apenas uma parte do conhecimento, e não, todo ele.
A contínua presença de notícias na mídia sobre as questões atinentes à área
da saúde, nos últimos anos, leva a acreditar que a saúde brasileira ainda é um
aspecto central na ordem social do País e tem merecido atenção especial dos mais
diversos setores da sociedade: academia, organizações não governamentais
(ONGs), imprensa e diferentes poderes governamentais.
A promoção da Saúde, como direito social extensivo a toda população
brasileira de forma igualitária, conforme proclama a Constituição Brasileira de 1988,
está longe de ser uma realidade nacional, apesar das diversas políticas públicas
implementadas nesta área a partir da Nova Constituição com profundas redefinições
no campo da saúde.
22
O papel dos Conselhos Profissionais de Saúde, especificamente o Conselho
de Farmácia, o Conselho de Enfermagem e o Conselho de Medicina e suas relações
com os diversos atores sociais tais como: os governos federal, estadual e municipal,
os profissionais de saúde e a sociedade civil envolvem mecanismos complexos, que
muitas vezes são conflitantes devido aos diferentes interesses desses atores, e que
podem abranger aspectos sociais, políticos e econômico-financeiros.
As práticas em saúde realizadas pelos profissionais e suas entidades
estabelecem relações sociais de saber-poder, em que as desigualdades sociais,
existentes na área da Saúde brasileira, possibilitam um terreno fértil para disputas e
jogos de poder entre os variados atores. São espaços sociais em que se encontram
diversas profissões, muitas delas com fronteiras não bem definidas, e que
concorrem entre si em busca de legitimação por parte da sociedade. Também as
profissões de saúde, tais como as profissões de farmacêuticos, de enfermeiros e de
médicos, disputam esse espaço gerando conflitos de interesses.
Tanto pela importância que as ações em saúde possuem, por seu
incomensurável alcance e por suas múltiplas interfaces com o poder público que
produzem impacto na vida cotidiana de milhões de brasileiros, quanto pela
inexistência de pesquisa semelhante nas Ciências Sociais, feita principalmente a
partir de 1988, julga-se relevante a realização de um estudo neste sentido sob o
olhar desta Ciência.
Acredita-se que uma análise feita a partir das Ciências Sociais permitirá
iluminar, explicar, especialmente no período pós-constituinte, as relações de saber-
poder entre os Conselhos Profissionais dos Farmacêuticos, dos Enfermeiros e dos
Médicos, seus respectivos profissionais, o Governo e a Sociedade Civil e que possa
contribuir para a reformulação de políticas públicas e diretrizes na área da Saúde do
País.
O modo como se percebe o mundo define o significado que é conferido a um
evento naquele exato instante.
23
2 O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 80:
REDEMOCRATIZÃO E MUDANÇAS SOCIAIS NA ERA DA INFORMÃO
2.1 INTRODUÇÃO
Para que se possa realizar uma análise das mudanças que incidiram sobre a
área da Saúde brasileira nas últimas duas décadas, e que acabaram por desenhá-la
tal como se apresenta contemporaneamente, é imprescindível conhecer o momento
político anterior a esse período, o qual serviu de substrato para que se tornasse
possível a ocorrência dessas transformações.
Conhecer as circunstâncias presentes no País, que antecederam ao período
de redimensionamento da Saúde, faz-se necessário, uma vez que, tanto a
redemocratização, com a conseqüente abertura para a participação da sociedade
civil na formulação das políticas públicas de Saúde através do exercício da
cidadania plena, quanto a revolução da microeletrônica, contribuíram de forma
fundamental para que acontecessem essas transformações.
A conjugação desses eventos, a partir da década de 80, tornou mais intensas
e aceleradas, notadamente no País, as mudanças sucedidas nessa área, alterando
de forma indelével a história do desenvolvimento dos serviços de Saúde no Brasil.
Embora a revolução da microeletrônica tivesse iniciado nos Estados Unidos,
no início dos anos 70, ela só chega ao Brasil na década de 80, após a abertura
política e econômica ocorrida com o término da ditadura militar. A partir de então,
com a redemocratização do País e o acesso ao conhecimento facilitado pela
tecnologia informacional, a população brasileira torna-se mais crítica e
questionadora quanto aos seus direitos sociais, passando a exigir que o Estado
cumpra, minimamente, seu papel como provedor das condições sanitárias
necessárias à manutenção da saúde para toda população. É uma postura inovadora
da sociedade brasileira que está mais informada, inclusive, nas questões a cerca de
suas próprias enfermidades e dos meios disponíveis para tratá-las. É uma mudança
paradigmática, uma nova sociedade que reivindica a satisfação dos seus direitos de
cidadania e que participa ativamente da esfera governamental atuando, por
24
exemplo, em conselhos de gestão para a formulação de políticas públicas, como, no
caso, dos Conselhos de Saúde.
Para tanto, neste capítulo são destacados dois aspectos que, segundo o
ponto de vista do pesquisador, possibilitaram a nova configuração da Saúde; são
eles: as transformações políticas, com a transição do autoritarismo rumo à
redemocratização do País, e as transformações tecnológicas que impactaram, tanto
na expansão e na velocidade, com a qual é feita a comunicação humana no mundo,
quanto nas práticas técnico-científicas propriamente ditas dos procedimentos em
saúde.
Na primeira parte, é contextualizada a redemocratização do Brasil a partir da
crise que levou ao término a Ditadura Militar, passando pela formulação e
estabelecimento da Constituição de 1988, demonstrando a importância dos
movimentos sociais como instrumentos de mudança nesses processos ainda
incipientes, e, a seguir, são abordados alguns aspectos sobre os principais pontos
do desenvolvimento da chamada Revolução da Transformação Microeletrônica
(RTME) no mundo e suas conseqüências na área da Saúde.
Essas transformações alteraram de forma peremptória a configuração
existente nas relações entre os diversos atores sociais partícipes desse cenário;
como é o caso dos Conselhos Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de
Medicina. As novas relações entre esses atores aconteceram tanto pela a adição de
novos atores sociais no cenário da Saúde quanto pelo novo momento político-
econômico vivido pelo País. Devido a essas marcantes modificações, as relações
entre os múltiplos atores sociais pertencentes à área da Saúde são reconfiguradas.
Novas posições de poder são estabelecidas, e o espaço social formado pela área da
Saúde torna-se um lugar propício para disputas por arranjos mais vantajosos, com
maior autonomia e poder de decisão entre seus vários atores.
2.2. A DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA
2.2.1 A passagem do Regime Autoritário para a Redemocratização: breve
retrospectiva
Após 21 anos de ditadura militar, que foi instaurada no País através da
manobra política que ficou conhecida como o “golpe de 64”, havia um evidente
25
descontentamento por parte da população com o Governo. O País estava
endividado, a inflação era alta e a recessão também. Ao longo da ditadura, em
diferentes momentos, identificam-se indícios desse desagrado.
A insatisfação da população revelou-se através de diversas greves e
manifestações públicas disseminadas pelo País. Castro (2006) cita, como exemplo
dessas contrariedades, as greves ocorridas nesse período (dos metalúrgicos, dos
mineiros) e a Passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, em 1968, que se constituiu
numa das maiores manifestações populares da época, mobilizando toda sociedade
civil contra a ditadura militar.
Diante da ameaça de perda de poder devido à instabilidade política, houve,
em dezembro de 1968, uma reação dos militares: uma emenda à Constituição de
1967, chamada de Ato Institucional número 5 (AI-5). O objetivo do AI-5 era o de
justificar os atos de exceção que se seguiram no governo, conferindo poder
discricionário ao presidente da República que, como tal, poderia punir
arbitrariamente os que se opusessem ao regime militar, ou assim considerados.
Esse ato institucional, quando invocado, permitia que parlamentares fossem
cassados sem opção de defesa; que juízes fossem demitidos ou removidos; que
cidadãos tivessem seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e
militares fossem demitidos ou aposentados. Segundo Mendonça (2004), uma das
conseqüências negativas do regime autoritário, especialmente no que diz respeito
ao Estado Democrático de Direito, foi, justamente, a sobreposição do poder
executivo aos demais poderes (legislativo e judiciário) do qual o AI-5 é o exemplo
mais significativo. No tempo em que vigorou o autoritarismo do AI-5, foram
restringidas as liberdades civis, individuais e políticas, retardando o caminho
democrático da Nação.
Pela ausência de legitimidade, os atos institucionais, decretos-lei,
regulamentos executivos e outros instrumentos autoritários prejudicaram as
atividades, tanto do poder judiciário quanto dos advogados. Os atos despóticos,
produzidos pelo governo militar, geraram protestos diversos de diferentes
instituições sociais: da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI); de uma boa parcela da intelectualidade e produtores
da cultura, bem como da população brasileira de forma geral. O uso desses
expedientes governamentais provocava lutas pelos direitos humanos e pelas
liberdades individuais por serem ilegítimos embora legais (FORGET, 1994).
26
Os problemas apontados anteriormente, haviam iniciado com a crise mundial
do petróleo em 1973, quando o Brasil passou a enfrentar crescentes dificuldades
econômicas, abalando a credibilidade do modelo econômico adotado até então pelo
governo, e que constituía um importante elemento de legitimação do regime militar.
Nessa situação, em que o regime autoritário perdia legitimidade para
governar, era necessário buscar novos mecanismos de recuperação do apoio
perdido, tanto político quanto social. Para tanto, é empreendida uma proposta de
abertura política no governo do general Ernesto Geisel (1974 a 1979), que deveria
ocorrer de forma “lenta, gradual e segura”. Para ganhar maior credibilidade junto à
população, o governo militar estabelece um projeto de liberalização política, o qual
culminou com a extinção do Ato Institucional Número 5, em dezembro de 1978. Essa
manobra política, que acabou por encorajar os movimentos sociais, foi o início do
processo de transição política do autoritarismo à democracia. Para Mendonça (2004)
e Diniz (1985), o primeiro passo da “abertura” tinha por objetivo a institucionalização
do autoritarismo, segundo as próprias palavras do então presidente Geisel. Havia
consenso quanto ao desejo de ver a desagregação da ditadura sem rupturas e sem
conflitos profundos no seio da própria burguesia. Prudência necessária, de acordo
com os militares, para que a sua supremacia não fosse colocada em risco, caso em
que seria aberto espaço para que as classes menos favorecidas lutassem por
melhorias significativas e almejassem tomar o poder.
No governo do presidente João Figueiredo (1979-1984), sucessor do
presidente Ernesto Geisel, seguem-se novas medidas de abertura política: a Lei da
Anistia e as eleições diretas para os governos dos estados; com isso é restabelecido
o pluripartidarismo. Enquanto isso, a oposição ganha terreno com o surgimento de
novos partidos e com o fortalecimento dos sindicatos. Figueiredo teve a tarefa de
garantir a passagem de um governo ditatorial para uma democracia.
Segundo Diniz (1985), o motivo preponderante do ”processo de abertura” foi o
rompimento da burguesia com a tecnoburocracia estatal, aliado a outros elementos,
como as divisões internas no Governo provocadas por grupos militares de extrema
direita, as greves de trabalhadores e as pressões populares. A burguesia nacional
empresariado, banqueiros, Igreja Católica, profissionais liberais — a mesma que
havia apoiado os militares no golpe de 64, deixa de chancelar a ditadura militar. A
perda da aliança com a burguesia fragiliza ainda mais o governo, uma vez que ele
depende da solidez desta união para uma melhor governabilidade. Acha-se sensível
27
às pressões populares também quanto ao arbitrarismo do AI-5 — auge da ditadura
militar. Torna-se evidente o desgosto da população, rompe-se definitivamente a
legalidade ditatorial.
Mendonça (2004) divide o período da passagem da ditadura para a volta à
democracia no Brasil em três etapas: na primeira fase, o processo de abertura do
País, entre 1974 e 1978, a disputa está restrita aos partidos políticos — de situação
(ARENA) e de oposição (MDB) — com esse último acumulando tanto o apoio da
população quanto o apoio parlamentar ao longo de todo período de transição. A
partir de 1978, na segunda etapa, o processo passa a envolver também os
“movimentos sociais”. O ano de 1979 foi de intensa mobilização: greves operárias
lideradas por um movimento sindical revigorado; a participação da União Nacional
dos Estudantes (UNE), com a adesão, inclusive, das entidades civis organizadas, a
OAB, por exemplo, e da Igreja Católica. Mais de três milhões de trabalhadores de
diferentes sindicatos, distribuídos por todo País, entraram em greve em 1979
(metalúrgicos do ABC paulista, da construção civil em Porto Alegre e Belo Horizonte,
dos trabalhadores rurais em Pernambuco).
O aumento da população nas cidades, e a diminuição da população
camponesa, não acompanhada de recursos suficientes e planejamento urbano, nos
serviços de transporte, justiça, educação, saneamento básico e saúde, aliado a um
período de recessão econômica enfrentado pelo País no início da década de 1980,
que eleva os níveis de desemprego com conseqüente aumento da clivagem social,
conforme aponta Mendonça (2004), tornaram-se temas de reivindicações dos
movimentos sociais urbanos da época. De alguma forma, o apelo exercido pela
possibilidade do indivíduo de eleger seu próprio presidente encontrou, no interior do
movimento alcunhado de “Diretas Já”, um espaço para a voz do descontentamento
da sociedade com o Governo Militar.
As primeiras eleições, ocorridas em 1982 e resultado da aprovação do
pluripartidarismo de 1979, tornou-se um marco importante no processo de
redemocratização. Segundo Mendonça (2004), essas eleições reuniram o maior
número de identidades civis na defesa das candidaturas de oposição desde o início
da abertura política. Participaram em uma grande mobilização o movimento sindical,
das mulheres, das classes médias e dos populares, engajando-se em uma disputa
eleitoral extremamente competitiva. Esse movimento de importante oposição ao
regime autoritário foi o último antes da campanha das “Diretas Já”. Com a vitória da
28
oposição, o governo perdeu o monopólio no Congresso, tendo como conseqüência a
sua desestabilização, o que, em 1984, possibilitou a concretização de tão grande
manifestação como a que foi conhecida como “Diretas Já”.
O movimento das “Diretas Já” nasceu em 1984, em decorrência da proposta
da emenda constitucional feita pelo Deputado Federal Dante de Oliveira, e alcançou
abrangência nacional. Foi liderado pelos partidos de oposição ao governo autoritário.
Considerou-se, nas palavras de Mendonça (2004, p. 52), o movimento “(...) que
obteve o maior apoio popular já registrado na história republicana brasileira”.
A intensa mobilização da sociedade civil contou com inúmeras entidades
como as do movimento estudantil, as sindicais e as representativas dos profissionais
liberais, artistas, jogadores de futebol e milhões de brasileiros. Todavia, o Brasil só
teve eleição direta para presidente em 1990, com Fernando Collor de Mello, pois o
projeto de emenda constitucional do deputado Dante não foi aprovado, ainda que
por uma mínima margem de votos contra, apesar da pressão nacional exercida pela
sociedade, jamais vista antes no País.
Por outro lado, concomitantemente ao processo de redemocratização do
Brasil, o mundo estava passando por uma nova ordem internacional. Na década de
80 e no princípio da de 90, houve uma profunda mudança na configuração política-
econômica mundial. Segundo assevera Boaventura Santos (2000), essa década
parecia encerrar definitivamente o marxismo; e o capitalismo consolida-se como um
sistema de economia multinacional. A lógica econômica-capitalista começa a
vigorar; primeiramente, nos paises ocidentais da América do Norte e da Europa, e,
depois, rapidamente passa a adquirir um caráter hegemônico, influindo nas
transações comerciais e de produção de praticamente a totalidade dos países do
mundo:
(...) com a conseqüente apologia do mercado, da livre iniciativa, do
Estado mínimo, e da mercantilização das relações sociais; o
fortalecimento sem precedentes da cultura de massas e a celebração
nela de estilos de vida e de imaginários sociais individualistas,
privatistas e consumistas, militantemente relapsos a pensar a
possibilidade de uma sociedade alternativa ao capitalismo ou sequer a
exercitar a solidariedade, a compaixão ou a revolta perante a injustiça
social (SANTOS, 2000, p.29).
29
Quase todos os regimes autoritários na América Latina terminaram, e
também, a desintegração, quase completa, do chamado “bloco socialista” do Leste
europeu.
O atraso econômico e a tensão nas repúblicas soviéticas acabaram por
acelerar a crise do socialismo no final da década de 1980. Era o fim de um período
de embates políticos, ideológicos e militares e o início da preeminência do mundo
capitalista que, aos poucos, iria se estender até os países socialistas. Terminava a
guerra fria, que havia iniciado após a Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela
disputa entre duas grandes potências econômicas mundiais dessa época — Estados
Unidos (sistema democrático) e Rússia (sistema socialista/comunista).
Iniciava-se a hegemonia do capitalismo, que iria se instalar gradativamente
por toda a civilização ocidental nos anos subseqüentes e que acabaria por
impregnar os discursos político-econômicos emitidos pelos sujeitos do mundo
ocidental. Nessa época, crescia no imaginário popular o ideal de liberdade,
representado pela eleição do governante máximo do País, através do voto direto e
igualitário, que pretendia expressar a vontade da maioria dos cidadãos através de
uma democracia.
Na sociedade democrática, conforme Touraine (1996), todos são iguais
perante a Lei, todos os cidadãos têm os mesmos direitos sobre todas as coisas e
possuem livre escolha: seja ela pela liberdade religiosa, sexual, ou pela livre
manifestação da opinião pública, nas artes, na imprensa, enfim, respeito, espaço e
liberdade pelo seu modus vivendi. Do mesmo modo, essa sociedade elege seus
governantes, que representam as aspirações da maioria; escolhas que são
igualmente acessíveis e compartilhadas por todos e expressas sob a forma de
votação direta.
O espírito democrático, segundo Touraine (1996), deve buscar a conciliação
das diversidades integrando a liberdade com a unidade. O poder das maiorias aliado
aos direitos da minoria, de maneira tal que os preceitos constitucionais comuns
possam estar em harmonia com os diferentes interesses e culturas. A democracia
busca garantir os direitos fundamentais dos indivíduos de forma a serem igualmente
reconhecidos pela sociedade, submetidos às leis capazes de afiançar a proteção
dos direitos de todos, e que possa, ao mesmo tempo, agregar a heterogeneidade
das diversas culturas componentes de uma sociedade.
30
Nesse ambiente grassa na população um sentimento em comum: o desprezo
da censura de qualquer tipo (principalmente política, artística e escrita), da ditadura
e da forma autocrática de governar, embora ainda não esteja claro o papel que o
Estado deve exercer nessa nova ordem.
Ao mesmo tempo, a Nova República elege Tancredo Neves, que veio a
falecer em seguida, e, depois, José Sarney, seu vice-presidente, ambos civis,
embora eleitos ainda de forma indireta. Está finda a ditadura militar brasileira que
perdurou até 1984. É o esgotamento de um modelo de desenvolvimento apoiado na
figura do Estado fortemente interventor.
Tancredo Neves foi o primeiro presidente civil eleito após 21 anos de ditadura
militar. Em 10 de maio de 1985, uma Emenda Constitucional restabeleceu as
eleições diretas para as prefeituras das cidades consideradas pelo Regime Militar
como áreas de segurança nacional. A emenda também concedeu o direito de voto
aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos, além de extinguir a fidelidade
partidária e abrandar as exigências para registro de novos partidos. Isso permitiu o
surgimento de um grande número de pequenas agremiações. A mais importante
medida dessa emenda, todavia, foi a convocação de uma Nova Constituinte, que
viria a publicar a Constituição de 1988.
Somente em 1990, com Fernando Collor de Mello, o Brasil teria finalmente
eleição direta para presidente; elegendo seu primeiro governo civil brasileiro através
do voto direto desde 1960. Foi também o primeiro escolhido dentro das regras da
Constituição de 1988, com plena liberdade partidária e eleição em dois turnos.
2.2.2 A Nova Constituição e a Efetiva Ampliação dos Direitos Sociais
A Constituição Brasileira, que foi promulgada em 1988, talvez seja a que mais
reflita a preocupação da sociedade com os direitos sociais. Pela primeira vez, é
concedida, na Constituição, uma sessão própria para tratar das questões referentes
à Saúde, por exemplo, merecendo destaque especial, uma vez que sabidamente é
uma das áreas mais problemáticas do País (OJEDA, 2004). No Brasil, somente com
a Constituição de 1988 é possibilitado o ensejo das modificações na área da Saúde,
conforme os preceitos promulgados logo após a Segunda Guerra Mundial, pela
OMS (Organização Mundial de Saúde) e pela Declaração dos Direitos Humanos da
ONU (Organização das Nações Unidas).
31
Após o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, as grandes potências
mundiais, chamadas de “Primeiro Mundo”, sofreram uma mudança paradigmática
quanto aos temas relacionados ao destino da humanidade e do planeta como um
todo. Se, por um lado, o mundo moderno trouxe mais comodidade ao homem —
através de avançadas tecnologias e inúmeras descobertas científicas, trazendo
desenvolvimento econômico e o aumento da expectativa da vida humana, através
de melhores condições médico-sanitárias, da cura e da prevenção de diversas
doenças —, por outro lado, a modernidade trouxe, do mesmo modo, a bomba
atômica, a poluição e a possibilidade do esgotamento dos recursos naturais do
planeta. Desde o advento da Segunda Guerra Mundial, houve a percepção de que
os conflitos entre países e as guerras poderiam atingir uma dimensão tal que os
países, que dominassem essas novas tecnologias, teriam também o poder de
dizimar a raça humana e a vida na Terra. Essa possibilidade real despertou no
mundo uma nova mentalidade humanitária na busca pela paz e pela estabilidade
social. A preocupação quanto ao destino da humanidade e do planeta foi traduzida
pela assinatura da Carta das Nações Unidas, que constituiu uma nova ordem na
busca da preservação, do progresso social e de melhores condições de vida das
futuras gerações. Em 1948, com a criação da OMS — Organização Mundial da
Saúde —, é estabelecido o conceito de que a “saúde é o completo bem-estar físico,
mental e social; e não somente a ausência de afecções ou enfermidades” e que “o
gozo do grau máximo de saúde, que se pode alcançar, é um dos direitos
fundamentais de todo ser humano” (OMS, 1948).
Aqui no Brasil, somente após o início da década de 80 — com o movimento
da reforma sanitária e, depois, com a abertura política, a Nova Constituição e as
mudanças sociais, dentre elas as questões referentes à Saúde — seriam
perseguidos os direitos sociais; em harmonia com o que havia sido definido pelos
novos parâmetros sociais ditados pelas organizações internacionais como a
Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização Mundial de Saúde (OMS) e a OIT (Organização Internacional do
Trabalho).
José Sarney, que assume a presidência do Brasil (1985-1990) após a morte
de Tancredo Neves, tem a tarefa de prosseguir em direção à redemocratização do
País e à criação de uma nova Constituição. Já no final de 1985, iniciaram-se as
32
discussões sobre a convocação de uma Assembléia Constituinte com o objetivo de
fazer a nova Constituição Brasileira, o que ocorreu efetivamente em 1988. O
processo da constituinte foi assessorado por Ulisses Guimarães, parlamentar que
presidiu a Assembléia Nacional Constituinte juntamente com o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). A constituinte contou também, em todo o Brasil,
com um grande esforço de participação popular, não apenas antes e durante a
elaboração da Constituição Federal, como também antes e durante o processo de
votação das Constituições estaduais. Devido à grande participação popular, os
períodos pré-constituinte e constituinte foram fundamentais para o crescimento da
consciência política do povo brasileiro. A Constituição de 1988, também chamada de
"Constituição Cidadã" em decorrência da consagração dos direitos sociais e
princípios libertários, contemplou benefícios trabalhistas, culturais e sociais,
designando-lhes cláusulas pétreas (que somente poderão ser alteradas por uma
nova Constituição), além da defesa da federação e do voto direto.
Os direitos do trabalhador foram tratados como direitos fundamentais, foi
garantida a autonomia dos sindicatos, o direito à greve, o sindicalismo público, a
sustentação financeira das entidades trabalhistas. O processo de abertura política
do País originou um espaço público de reivindicações da sociedade civil, diferente
do espaço Estatal e é nesse espaço que passam a florescer os novos movimentos
sociais na busca pela concretização da igualdade social em todos os níveis, seja
pela luta contra a discriminação por ideologia, por sexo ou por cor, seja por melhores
condições de trabalho ou pela gratuidade e eqüidade dos serviços de saúde.
A década de 80 ficará caracterizada pelo fim da ditadura militar, pelo processo
de redemocratização e pela constitucionalização do País. O Brasil inicia uma nova
fase a partir de 1985, após anos de repressão e autoritarismo. O País e seus
cidadãos encaminham-se para a abertura política, para a redemocratização. Os
sindicatos se consolidam, as associações de bairro e movimentos ecológicos
crescem. A ditadura fica para trás, definitivamente encerrada.
As mudanças concernentes especificamente ao direito à saúde foram
profundas e aconteceram tanto na forma como se estrutura a área da Saúde quanto
no seu significado. O próprio conceito do que é “ter saúde” foi ampliado pela oitava
Conferência de Saúde, em 1986, e passou a compreender, não apenas a ausência
de doença como também as condições de vida do indivíduo e do meio que o
33
cercava. Nessa nova acepção de saúde estavam inclusas a qualidade do meio
ambiente, da segurança, do trabalho, do transporte, lazer e moradia.
A nova proposta da Saúde exigiu que o Governo enfrentasse demandas que
abrangessem toda sociedade civil, as instituições e as leis que dela decorriam.
Houve uma reestruturação dessa área, processo que ainda encontrava-se em
andamento, ao envolver e conjugar soluções complexas para sua efetivação que
pretendia dar conta dos diversos aspectos da existência humana.
2.3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS A PARTIR DO PROCESSO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO
Os movimentos sociais surgiram com a Revolução Francesa em 1789 e foram
protagonistas no ataque à Bastilha. Eles surgiram com métodos próprios a partir do
século XIX, a fim de provocarem mudanças institucionais. Utilizavam formas de
organização e atuação não-convencionais, como passeatas, atos de violência,
protestos, manifestações públicas. Seu nascimento está associado a revoluções e
ações agressivas. Ao longo do tempo, os movimentos sociais perderam essas
características para adaptarem-se à sociedade moderna. Cresceram com a
emergência da sociedade industrial e a formação das cidades.
Os movimentos sociais são ações coletivas (Gohn, 1995), cujos atores sociais
estão comprometidos com um projeto em comum, seja ele de caráter político, social,
de gênero, de identidade. Seu objetivo é chamar a atenção do Estado e da
sociedade para suas reivindicações, sensibilizando-os para a obtenção de algum
tipo de reação.
Esses atores sociais estão unidos por uma identidade coletiva, uma mesma
causa partilhada, que não está relacionada a uma determinada classe ou camada
social; sua adesão ao movimento está assegurada segundo objetivos em comum,
frutos de uma mesma aspiração. De acordo com Sobottka (1998), a identidade
desses atores sociais como grupo, unidos pela luta por inclusão social, es
construída em uma base de valores culturais e políticos compartilhados por todos. A
união de forças é estruturada a partir de demandas criadas sobre temas e
problemas em situações de conflitos, litígios e disputas, que passam a produzir um
campo político de pressão social na sociedade civil pela inclusão dos direitos do
grupo, pelos quais o movimento reivindica.
34
Atualmente, os movimentos sociais configuram-se de forma completamente
diferente àquela da Revolução Francesa. Os “novos” movimentos sociais, conforme
Sobottka (1998), passaram a defender grupos sociais discriminados pela sociedade,
como mulheres, negros ou “gays” e etc., e a levantar causas em favor de toda a
sociedade, como a defesa da paz, o combate à fome, a preservação ecológica e a
justiça social para as minorias. Eles não possuem o caráter classista que caracteriza
as greves operárias, nem estão associados aos movimentos sindicais; mas, sim,
relacionam-se a direitos humanos legítimos, ou seja, àqueles que,
reconhecidamente, são objetos de injustiças sociais de todos os tipos. Os
movimentos sociais, assim constituídos em determinadas circunstâncias históricas,
podem contrapor-se ao sistema econômico-social vigente.
Na visão de Alain Touraine (1989), os movimentos sociais representam uma
luta de interesses conjugada à organização social, cuja mobilização está dirigida a
um opositor que a antagoniza com o intuito de estabelecer um novo equilíbrio de
forças entre o Estado e a sociedade civil e está intimamente relacionada à existência
da democracia.
Para Touraine, o que diferencia os movimentos sociais dos movimentos
apenas coletivos é que os primeiros atendem a questões culturalmente
reconhecidas pela sociedade, como “causas nobres” e apelando para princípios
gerais — os da ecologia, o das mulheres — ao mesmo tempo em que atende aos
interesses particulares do grupo. Portanto, Touraine afirma que o movimento social
deve ter um programa político.
Em um país como o Brasil, em que as desigualdades sociais são históricas,
esses atores sociais adquirem o direito legítimo da reivindicação, por tratar-se de
interesses coletivos. A emergência, no Brasil, de “novos movimentos sociais”,
segundo Sobottka (2002), foi encorajada no final da década de 1970, devido à
liberalização praticada pelo governo Geisel na busca de legitimação política do
Estado junto à população.
Na época da Ditadura Militar, os movimentos sociais estiveram associados ao
grau de insatisfação provocado pelos atos arbitrários de repreensão e perseguição
política exercida pelo governo militar. Ao longo do tempo, essa inconformidade,
manifestada pelas organizações autônomas da sociedade civil (sindical, estudantis,
religiosas), aumentou a ponto de eclodir com a estratégia de abertura do governo. O
descontentamento com o despotismo dos militares foi demonstrado através dos
35
movimentos populares, que eram contra a censura e a favor da liberdade política e
de expressão. Os movimentos sociais tiveram papel importante no processo de
transição política brasileira do autoritarismo para a democracia como um
componente adicional de “pressões sociais”, apesar desse processo ter sido liderado
pelas elites políticas brasileiras, que contribuíram junto com os sindicatos na
contestação e deslegitimação do regime autoritário.
A mobilização das diversas entidades da sociedade civil à emenda de Dante
de Oliveira e suas participações no movimento alcunhado de “Diretas Já” foi de
extrema importância, uma vez que esse movimento retirou do âmbito meramente
legislativo o monopólio dessa discussão política. Discussão da qual participaram
amplos setores da sociedade brasileira em uma esfera que, conforme esclarece
Sobottka (2006), geralmente fica restrita aos profissionais da política. Grupos de
indivíduos, que normalmente estão fora da disputa política, não apenas
acompanharam com interesse a trajetória da emenda, como também fiscalizaram os
atos legislativos concernentes a ela. O movimento das “Diretas Já” encontrou forte
apoio da sociedade brasileira, amplamente demonstrado através da presença
maciça da população na manifestação. Esse movimento permitiu que o povo
brasileiro pudesse dar vazão à vontade latente de pôr fim a um regime autoritário,
que havia iniciado vinte anos antes.
Depois do término da ditadura, em um aprendizado gradual, a sociedade civil
passou a ter maior participação nos assuntos relacionados aos seus direitos sociais
e a exigir que tais assuntos passassem a ser discutidos mais amplamente no País.
Os movimentos sociais organizados da sociedade civil, segundo Sobottka (1998),
asseguraram sua participação nos processos decisórios, através de seus
representantes na esfera pública, dos direitos trabalhistas, da saúde, da educação.
A sociedade que recém brotava, após vinte anos de coibição política, agora podia
expressar-se. Há um progressivo amadurecimento por parte da população com
relação ao exercício da cidadania. A percepção de que o poder público deveria
garantir um mínimo de renda a todos os cidadãos e proporcionar o acesso igualitário
a bens coletivos, como saúde, educação e previdência, como um dever do Estado e
um direito do cidadão, eram concepções ainda novas na sociedade brasileira.
No processo de reabertura política do País, tiveram importância, como
instrumento de exercício de cidadania, os movimentos sociais. Os movimentos
sociais contribuíram como grupos de pressão quando da formação da Assembléia
36
Nacional Constituinte e possibilitaram que a Saúde recebesse o espaço que
efetivamente recebeu na Constituição de 1988. Como conquista da sociedade
brasileira organizada do Movimento da Reforma Sanitária, e através da 8ª
Conferência Nacional de Saúde — que forneceu subsídios para que a Assembléia
Nacional Constituinte, instalada em 1987, legitimasse a Saúde na esfera legal —
concretiza-se, na Constituição Federal de 1988, o reconhecimento do direito à saúde
como direito de todos e dever do Estado.
O engajamento da população em movimentos sociais e que trouxeram, como
conseqüência, a reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
possibilitaram o exercício da cidadania plena concretizada pela nova Constituição
Brasileira.
Nos anos 90, tem-se uma sociedade civil possuidora de uma nova
mentalidade sobre a coisa pública, uma nova cultura política. Nesse momento, pode-
se constatar o surgimento de um outro cenário brasileiro de lutas sociais, diferente
da década anterior.
Os movimentos sociais organizados, destaca Sobottka (2002), e a eminência
de novos atores sociais — organizações não governamentais (ONGS), associações
comunitárias, conselhos de controle social, entidades representativas dos
profissionais de saúde — resultaram em uma nova postura do Estado frente às
demandas sociais. As manifestações da coletividade tornaram-se grupos de pressão
— especificamente no caso da Saúde — desencadeando um forte movimento social
pelo reconhecimento da Saúde como direito universal e obrigação do Estado.
Direito, este, que foi regulamentado em 1990 com as Leis nº. 8080/90 e nº. 8.142/90.
2.4 O SOLO FÉRTIL PARA AS CONSEGUINTES MUDANÇAS NA SAÚDE
2.4.1 A Cidadania
Com o processo de redemocratização do Brasil, começa um novo período de
aprendizado e maturidade do povo brasileiro na dimensão política. A realização da
8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, tornou-se um marco histórico
importante desse processo pelo grau de conscientização dos participantes que
37
atingiu, tornando-se um espaço apropriado e respeitado para a ampliação e
consolidação de um novo conceito de saúde.
Através da mobilização e organização dos diversos segmentos da sociedade
civil, é garantida por lei constitucional a participação dos cidadãos nos conselhos de
gestão nacional nas áreas de saúde, previdência, educação e trabalho,
concretizando os direitos de cidadania. O exercício da cidadania plena — entendida
como o completo exercício dos direitos políticos e sociais – só é viável na sociedade
democrática, onde os indivíduos têm seus direitos políticos e sociais reconhecidos,
tendo como característica primeira a adoção do sufrágio universal.
A etapa inicial do desenvolvimento da cidadania corresponde a três
elementos constitutivos: o civil, o político e o social; de acordo com Marshall
(1967apud SANTOS, 2000), os direitos cívicos. Apoiados nas instituições e no
sistema judicial que os aplica, correspondem às liberdades individuais de ir e vir, de
expressão, de pensamento, de opção religiosa, de propriedade e de justiça que
afirme esses direitos; o político, que seria o direito à participação no exercício do
poder político como membro de um organismo investido de autoridade política ou
como membro eleitor de componentes de tal organismo; e o social que englobaria
desde o direito a ter um mínimo bem estar econômico, de segurança e de saúde, ao
direito de participar de uma vida digna segundo os padrões que prevalecem na
sociedade na qual vive. Conforme assegura Boaventura Santos (p. 242, 2000), os
avanços da cidadania em uma sociedade caracterizam-se;
(...) pela passagem da cidadania cívica e política para o que foi
designado por “cidadania social”, isto é, a conquista de significativos
direitos sociais, no domínio das relações de trabalho, de segurança
social, da saúde, da educação e da habitação por parte das classes
trabalhadoras (...).
Segundo Santos (2000), em uma sociedade liberal os indiduos não são
cidadãos se não podem participar politicamente na atividade do Estado; no entanto,
cada sociedade possui suas próprias particularidades. Conforme afirma Santos (p.
244, 2000), sobre as especificidades de uma determinada sociedade, “(...) a
cidadania é constituída por diferentes tipos de direitos e instituições; é produto de
histórias sociais diferenciadas, protagonizadas por grupos sociais diferentes”.
Portanto, no Brasil, essa trajetória tem um caminho próprio e só tem azo na década
final do século passado.
38
Com o término da ditadura no final dos anos 80, é possibilitada a participação
social. Até o fim da ditadura, não se falava em controle social
1
por uma razão óbvia:
autoritarismo e participação popular são termos antagônicos. Somente com o início
do processo de redemocratização do país, a partir do fim do governo militar na
década de 80 é que a expressão “controle social” passou a surgir no vocabulário da
sociedade.
O controle social pressupõe um avanço na construção de uma sociedade
democrática e que determina alterações profundas nas formas de relação do
aparelho de Estado com o cidadão. Através da reforma e modernização do aparelho
do Estado, é possível se criar mecanismos capazes de viabilizarem a integração dos
cidadãos no processo de definição, implementação e avaliação da ação pública.
Com os movimentos sociais, que já vinham acontecendo durante esse
processo de abertura política e fortalecidos ainda mais pelo surgimento das
Organizações Não-Governamentais e dos Agentes Comunitários de Saúde, a
sociedade começa a cobrar o direito de exercer o controle social na saúde. Assim, a
Reforma do Estado trará o fortalecimento gradativo de mecanismos que privilegiem
a participação popular tanto na formulação quanto na avaliação de políticas públicas,
viabilizando o controle social das mesmas.
Essas transformações acontecidas, tanto em nível político quanto social,
tornaram a década de 80 — no campo da saúde, em particular — decisiva para que
se desse início à mudança paradigmática da saúde brasileira. Segundo Teixeira
(1995, p.17), “a introdução da concepção histórico-cultural à área de saúde inaugura
um novo paradigma no conhecimento da relação entre medicina e sociedade e
consequentemente do papel do Estado nessa relação”.
Pela primeira vez, há controle social, por parte da sociedade, da gestão e
direcionamento das políticas sociais pela participação direta da sociedade em
Conselhos e Conferências de Saúde, ao se entender as políticas de saúde como
parte do processo de legitimação do poder Estatal.
Como conseqüência da inclusão no cenário político brasileiro desses novos
atores sociais — grupos organizados da sociedade civil envolvidos na formulação
das políticas públicas sociais —, emergem importantes modificações nessas áreas.
1
O termo controle social é entendido aqui como um elemento do exercício de cidadania, quando a sociedade
civil passou a controlar, através de conselhos de gestão, os atos do Estado.
39
Os avanços da cidadania dependem, além da divisão igualitária das riquezas
do país, também da luta e das reivindicações por parte da sociedade civil e da ação
concreta dos indivíduos organizados. Como reafirma a 12ª Conferencia Nacional de
Saúde, realizada em 2004, o conceito de cidadania, que a Constituição assegura,
deve ser materializado em condições concretas de vida e de participação social da
população (MS, 2004).
2.4.2 A Descentralização da Saúde
A partir dos anos 80, observa-se um quadro de significativas mudanças
políticas no Brasil. O final da ditadura militar e o início do processo de abertura
política possibilitaram o surgimento de novas organizações da sociedade civil e da
sociedade política. A população foi mobilizada a participar dos diferentes planos e
destinos do Estado. É nesse contexto que, nos anos 80, surgem novos atores no
cenário político e social através de organização de sindicatos, associações
científicas e comunitárias, novos partidos políticos e organizações não
governamentais, que começavam a desenvolver ações que não eram assumidas
pelo Estado.
O Governo abandona as estratégias nacionais desenvolvimentistas e passa a
uma liberalização, durante a década de 1990, que apostou no fim das fronteiras
nacionais e no nascimento de uma nova sociedade civil e política internacional ou
global de integração do Governo Brasileiro. Neste novo contexto — político-
econômico-social — impõe-se a modernização e a reforma do Estado. Com o
término do modelo econômico desenvolvimentista e a redemocratização, a
descentralização é conseqüência como parte do processo de abertura.
A tradição histórica do governo brasileiro está ligada a um padrão
centralizador administrativo e financeiro, em que aqueles que estão fora do núcleo
central, ou em outras palavras, distantes do Governo Federal, quase não têm
participação social no processo decisório. O controle social, que foi estabelecido
após a Constituição de 1988, pressupõe, igualmente, que haja descentralização do
Estado outorgando algum poder à sociedade, ou seja, a participação da população
na gestão pública e a possibilidade do cidadão de controlar instituições e
organizações governamentais para verificar o bom andamento das decisões
tomadas em seu nome. As experiências de participação política nos espaços
40
institucionais da sociedade civil subentendem certa apreensão do que usualmente é
denominado como controle social. O controle social deve pressupor uma forma de
governar onde os cidadãos possam atuar como sujeitos políticos, capazes de
orientar e fiscalizar a ação do Estado de uma forma interativa e não apenas como
mecanismo de acompanhamento e fiscalização das ações estatais. A nova
Constituição, que permitiu a descentralização fiscal e política dos governos
municipais, garantiu que os últimos passassem a ter, desde então, o mesmo “status”
constitucional dos estados. A partir da Constituição de 1988, ao longo do tempo,
houve significativa descentralização de recursos financeiros e da prestação de
serviços, transferidos do Governo Federal para os estados e os municípios como
parte da redemocratização do País.
Conforme coloca Falleti (2006), a descentralização é a transferência de
recursos, de responsabilidades e de autoridade do governo de uma condição
superior; como é, por exemplo, o Governo Federal para outro de nível inferior, como
é o caso dos Governos Municipais. As políticas descentralizadoras acontecem em
três níveis segundo a classificação do autor: no patamar administrativo, no fiscal e
no político.
O processo de reforma de descentralização administrativa trata da
desburocratização da máquina pública, deslocando para os governos locais a
administração e serviços sociais nas áreas da saúde, moradia, educação e
assistência social, promovendo meios para que a Administração possa prestar
serviços mais dinâmicos de maior e melhor qualidade.
A descentralização fiscal está relacionada ao conjunto de políticas destinadas
para aumentar receitas (criando novos impostos), ou passando a autoridade para
cobrança de impostos aos governos periféricos onde antes eram realizados pelo
governo central.
A descentralização política refere-se a tudo aquilo que diz respeito ao
conjunto de emendas constitucionais e de reformas eleitorais que tratem de ampliar
o espaço de representação das sociedades subnacionais. A descentralização
acontece por etapas, no ritmo da sustentação e vontade política que possam
suportar nas negociações, uma vez que tais forças políticas dependem de acordos
feitos entre os atores. De acordo com Falleti (2006, p.81), a descentralização
obedece aos seguintes estágios:
41
(...) um processo descentralizador que começa com a
descentralização política, continua com a descentralização fiscal e
termina com a descentralização administrativa, dá poderes aos
governos subnacionais. (...) são as características do processo, isto é,
que interesses territoriais dominam em cada instância de negociação
das políticas descentralizadoras e o “timing” das reformas, que
explicam o grau de mudança do equilíbrio intergovernamental do
poder entre governos nacionais e subnacionais.
A descentralização administrativa brasileira, conforme Falleti (2006), começou
pelo setor da saúde, incentivada por um grupo ativista influente formado por
participantes do movimento sanitarista. Esse grupo era composto por profissionais
da saúde, autoridades sanitárias locais e especialistas em saúde, e defendia a
municipalização da Saúde. Os profissionais e burocratas da saúde, ao entrarem em
contato com a sociedade organizada, também lutaram pela desconcentração do
poder. O Estado, por sua vez, tomou parte nesse processo dando ênfase no local e
delegando funções aos municípios.
Contudo, a implementação da política de saúde do SUS foi marcada por
procedimentos clientelísticos, patrimonialistas, associados ao tráfico de influências
no exercício da política pública e muito arraigada na cultura política e institucional e
que influenciam ainda agora nos resultados da política de descentralização
originando resistências. A implantação do SUS, conforme se constatou na realidade,
tornou-se a arena de novas lutas sociais, segundo Ojeda (2004), pois confrontou
interesses divergentes entre a sociedade e os grupos cuja hegemonia perpetuava-se
no sistema de Saúde até aquele momento. Para promover as mudanças
indispensáveis e para que pudesse implantar efetivamente políticas públicas
descentralizadas voltadas para o desenvolvimento das ações na área social e que
privilegiassem o exercício da cidadania, foi necessário que o SUS se organizasse
através de diversos sistemas de gestão, dentre eles a ANVISA (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) criada pela Lei n° 9.782, de 1999 e vinculada ao Ministério da
Saúde (MS, 1999).
A ANVISA possui como objetivo não só o de descentralizar o controle
sanitário no país, como também garantir, através do Governo Federal, a busca da
qualidade dos serviços de saúde prestados à sociedade articulada nacionalmente
com as outras instâncias da administração pública, além do Ministério da Saúde.
Porém, existem forças políticas que têm atuado contra a descentralização da
saúde pública no Brasil: a própria estrutura do Estado pós-desenvolvimentista dos
42
anos 90 e os interesses de privatização, que, conforme informa Barros (2004),
concretizam-se, atualmente, na figura dos grandes laboratórios farmacêuticos, das
corporações médico-hospitalares, dos seguros de saúde, dentre outros. A
descentralização ainda não está plenamente concluída no País, ainda há muitos
desafios a serem enfrentados nas suas diferentes instâncias de implantação.
2.5 A SOCIOLOGIA DA INFORMAÇÃO E SUA A REPERCUSSÃO NA ÁREA DA
SAÚDE
Concomitantemente à redemocratização no Brasil, estava ocorrendo no
mundo uma revolução tecnológica, com base em tecnologias informacionais, que
havia iniciado na década de 70, nos EUA. Essa tecnologia chegou ao Brasil dez
anos depois, justamente no período de abertura econômica e política do País.
A Revolução Tecnológica mundial, iniciada nos anos 70, mais notadamente a
partir de 1975, com o desenvolvimento da microeletrônica, cresceu de forma
extraordinária, a princípio nos países mais desenvolvidos, mas difundindo-se
rapidamente pelo mundo. O uso da microeletrônica foi tão intenso e de tanta
aplicabilidade que, atualmente, não se concebe as sociedades contemporâneas sem
tal recurso. Hoje a microeletrônica está presente em quase todos os bens e serviços
da vida diária, alterando sobremaneira o modo de comunicação entre os indivíduos e
as suas práticas cotidianas. A Revolução da Tecnologia da Informação transformou,
para sempre, o modus vivendi do mundo moderno. Inegavelmente um novo marco
na história humana.
As novas tecnologias informacionais, segundo Castells (1999), englobam a
microeletrônica, a ciência da computação (“Hard” e “Software”) e as
telecomunicações (radiodifusão, fibra ótica e laser). Pela importância que teve (e
ainda tem) no conjunto do desenvolvimento da engenharia genética (decodificação,
manipulação e conseqüente reprogramação dos códigos genéticos da matéria viva),
Castells inclui a engenharia genética na Revolução da Informação. Em um primeiro
momento, a microeletrônica teve aplicação direta nas áreas da eletrônica, da
informática e da biologia, porém logo se expandiu a todas as outras ciências. A
Tecnologia da Informação possui interação específica com a economia, com a
cultura e com a sociedade, trazendo um novo modo de se ver o mundo, uma nova
perspectiva. A Tecnologia Informacional, conforme apontado por Castells (1999),
43
desenvolveu-se a partir, principalmente, dos EUA, produziu uma interação com a
economia global e com a geopolítica mundial, concretizou um novo estilo de
produção, de comunicação, de gerenciamento e de vida constituindo-se em um novo
paradigma.
O desenvolvimento das novas tecnologias da informação, feito inicialmente
para fins militares nos EUA, rapidamente estendeu-se pelo restante do globo, sendo
elas apropriadas por diferentes países, culturas, organizações e com diferentes
objetivos, eclodindo em inúmeros tipos de aplicações e usos. Pelo seu caráter
paradigmático e pela penetrabilidade que obteve em todas as facetas do convívio
social, tornou-se corolário das mais diversas mudanças sociais, ainda não
totalmente conhecidas de forma inexorável. Economias, por todo mundo, passam a
manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a
economia, o Estado e a sociedade. O capitalismo adquire maior flexibilidade de
gerenciamento: descentralização das empresas e a sua organização em formato de
redes — interna e externa, com outras empresas — agilização dos negócios e
comunicação muito rápida, como também o aumento da concorrência econômica
global, com a abertura de novos mercados possibilitados pela facilidade em
comprar, anunciar e vender produtos.
A comunicação em rede — alcunhada de Internet — acabou resultando em
um poderoso instrumento de comunicação instantânea, que permitiu o recebimento
célere de notícias dos diversos países no mundo e que está distribuída por todo
planeta individualmente. A arquitetura de rede é composta por milhares de redes de
computadores autônomos, inclusive domésticos, com inúmeras maneiras de
conexão, de fácil acesso em crescimento exponencial, democratizando, sem
distinção, uma forma de comunicação e de troca de informações que se tornou
acessível a praticamente todas as camadas da população.
A rede de informações permite interconectar os indivíduos, de tal sorte que as
distâncias geográficas já não têm grande importância, pois as pessoas podem se
comunicar instantaneamente. Castells (1999) conceitua rede como sendo um
conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto (ou a posição social) no qual uma
curvatura se entrecorta. Os nós seriam específicos de uma determinada rede, por
exemplo: todo sistema de mídia e a comunicação que constrói a opinião pública, ou
condiciona a determinado assunto, dá relevância a um tema, em detrimento de
outro; como é o caso dos sistemas de televisão, estúdios de entretenimento, meios
44
de comunicação gráfica, equipes para cobertura jornalística, e equipamentos móveis
gerando, transmitindo e recebendo sinais na rede global da nova mídia, no âmago
da expressão cultural e da opinião pública na era da informação.
A microeletrônica contribuiu, também, para impulsionar o desenvolvimento da
engenharia genética, que se tornou outro marco na história da humanidade, uma vez
que abre um campo extremamente diversificado de possibilidades: na área médica,
o tratamento de doenças hereditárias, o desenvolvimento de tecidos compatíveis
para enxertos e de órgãos para transplantes; na área farmacêutica, desenvolvendo
novos medicamentos, dentre uma infinidade de outras aplicações, que só se
tornaram possível graças aos progressos da informática. Segundo Castells (1999
p.66) a espécie humana tornou-se “capaz não apenas de controlar algumas
doenças, mas identificar predisposições biológicas e nelas intervir, portanto
alterando potencialmente o destino genético”.
A engenharia genética torna viável a realidade de — a médio e longo prazo —
segundo Barros (2004), interferir em diversos mecanismos fisiológicos, ou corrigir
defeitos congênitos de funcionamento do corpo humano, ou ainda, desenvolver
melhores recursos diagnósticos, vacinas ou agentes terapêuticos. Além da Medicina
e da área farmacêutica, a biotecnologia também tem aplicação. Segundo Castells
(1999) ela é aplicada na agroindústria, no aperfeiçoamento da produção de
alimentos — os transgênicos — e na microbiologia.
Essas duas importantes tecnologias — a tecnologia informacional e a
engenharia genética — tiveram um impacto profundo no curso da sociedade
contemporânea. A participação do Estado no advento das novas tecnologias, que
são absorvidas nos quotidianos sociais, tem uma relevância fundamental; uma vez
que, de acordo com Castells (1999), é através do incentivo, ou não, das políticas
estatais que é regulada, interrompida, acelerada ou atrasada a entrada das novas
tecnologias informacionais em um país, na medida em que ele é o organizador
central que expressa e estabelece a dimensão de sua implantação em um espaço e
período histórico determinados.
Na economia capitalista, que está baseada na inovação, globalização e
concentração descentralizada para o trabalho, onde os trabalhadores e as empresas
são voltados para a flexibilidade e a adaptabilidade — em uma cultura de
desconstrução e reconstrução contínuas —, as redes revelaram-se instrumentos de
eficácia adequada.
45
Os sistemas políticos encontram-se, atualmente, em uma crise cultural de
legitimidade, dependentes da mídia e cada vez mais distanciados dos cidadãos. Os
movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais e passageiros
fundamentados em uma questão única, brilhando na mídia por instantes. Esse
período histórico está caracterizado pela desestruturação das organizações,
deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais
e expressões culturais efêmeras. Conforme define Castells (1999 p.23),
(...) Nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas
tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas,
étnicas, territoriais, nacionais. A busca por uma identidade, individual
ou coletiva, tornou-se, uma fonte de significado pessoal
. (...) As
pessoas se agrupam não mais pelo que fazem, mas pelas idéias que
compartilham, e as redes globais podem conectá-las e desconecta-las
a outros indivíduos, grupos, regiões e países conforme sua pertinência
em um fluxo contínuo de decisões estratégicas. Segundo, nossas
sociedades estão cada vez mais estruturadas em uma posição bipolar
entre a Rede e o Ser.
O que caracteriza a atual revolução tecnológica, que vem ocorrendo desde as
duas últimas décadas do século XX, é a aplicação de conhecimentos e informação
para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação
da informação, em um ciclo de realimentação, cumulativo entre a inovação e seu
uso. Nesse sistema, a principal fonte de produtividade é o conhecimento, a mente
humana passa a ser a própria força da produção, em uma ação reflexa sobre os
seus próprios conhecimentos, em um novo paradigma tecnológico. Os
computadores, os sistemas de comunicação, a decodificação e a programação
genética tornam-se amplificadores e uma extensão da mente humana. Castells
(1999, p. 67) afirma que:
O que pensamos e como pensamos acabam se expressando em
bens e serviços como a saúde, moradia, educação, alterando
fundamentalmente o modo pelo qual nascemos, vivemos,
aprendemos, trabalhamos ou morremos.
2.5.1. O impacto da Tecnologia Informacional na Saúde
O impacto causado pela Revolução da Microeletrônica na área da Saúde
produziu importantes alterações; podemos destacar, de maneira geral, dois
46
aspectos: o primeiro relativo à velocidade e a facilidade da comunicação e o
segundo atingindo diretamente as práticas de Saúde com a utilização de
equipamentos mais precisos e sofisticados que possibilitaram novas descobertas e
novos conhecimentos. Para Castells (1999), é necessário localizar o processo de
transformação tecnológica dentro do contexto social em que ocorre. Desnudar a
forma através da qual esse processo está sendo forjado, pois é nesse ponto que
acontece o entrelaçamento das características da tecnologia com as relações
sociais.
As novas tecnologias microeletrônicas, auxiliadas pela rapidez de transmissão
das informações, transformaram as práticas de atendimento à saúde, tornando-as
cada vez mais complexas. Essas tecnologias permitiram o aperfeiçoamento dos
equipamentos aplicados nas diferentes áreas médicas — cirúrgica, protética,
diagnóstica, produtiva de medicamentos — e a precisão dos exames laboratoriais,
com recursos como os ultra-sons, as tomografias computadorizadas, as
cintilografias, a possibilidade de visualização de estruturas microscópicas como as
utilizadas na análise dos microorganismos, das citopatologias, da genética, das
cirurgias, pelo uso da fibra ótica para a realização de videolaparoscopias, aplicações
com raios laser e inúmeros outros procedimentos.
A Tecnologia Informacional ampliou os direitos da cidadania, uma vez que
tornou possível ao indivíduo leigo o acesso a informações, através da internet, sobre
seu corpo, sua doença e as alternativas de tratamento existentes. As pessoas estão
mais informadas, mais cultas. Atualmente, são encontradas na mídia notícias de
pacientes que pesquisam sua doença, até mesmo antes da consulta médica. O
consultando assume uma nova postura: deixa de ser apenas um ouvinte, um mero
expectador resignado, trazendo questionamentos e argüindo o médico sobre suas
dúvidas, em uma postura crítica. O acesso à informação garante ao paciente um
aporte de informações que possibilitam sua participação no tratamento, tornando-o
mais consciente, inclusive dos seus direitos como cidadão. Já são perceptíveis os
avanços que a tecnologia informacional promoveu na questão da informação ao
paciente dos seus direitos, A Revolução tecnológica remodelou a sociedade, com a
ampliação dos direitos da cidadania, também aqui no Brasil.
A revolução da tecnologia de informação possui penetrabilidade em todas as
esferas da atividade humana e influencia na complexidade da economia, na
sociedade e cultura em formação. O novo paradigma informacional fornece a base
47
material para sua expansão em toda a estrutura social. A rede é atualmente a nova
morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica, de
forma substancial, a operação e os resultados dos processos produtivos e de
experiência, poder e cultura. A presença na rede ou a ausência dela, bem como a
dinâmica de cada rede em relação às outras, são fontes cruciais de dominação e
transformação da sociedade. O capitalismo global só alcançou a hegemonia que
alcançou, e as tentativas de descentralização da Saúde só são possíveis mediante a
nova tecnologia da informação. Somente através da atual tecnologia, é possível ser
concebida a descentralização na área da saúde, com uma abrangência necessária a
todo País.
A transmissão das informações foi indiscutivelmente facilitada pelas redes de
microcomputadores. Através das redes é possível interconectar os diversos
Conselhos Profissionais, em todo território nacional, entre si e com as esferas
institucionais necessárias, bem como realizar o cadastramento dos usuários e a as
trocas de informações técnico-científicas. O impacto, que essa tecnologia causou na
cidadania em seus novos conhecimentos, refletiu também nos fazeres dos
Conselhos Profissionais de saúde, dentre eles os Conselhos profissionais de
Farmácia, Enfermagem e Medicina – objetos desta pesquisa – uma vez que conferiu
visibilidade, acompanhamento e crítica das posturas assumidas por esses
Conselhos, ao utilizar a tecnologia como instrumento de saber-poder. A tecnologia
de informação é, também, uma fonte de importante reorganização das relações de
poder. As redes, na constatação de Castells (1999), remodelaram a sociedade,
conduzindo-a a uma nova morfologia social. As mudanças sociais são tão drásticas,
quanto os processos de transformação tecnológica e econômica.
2.6 CONSIDERAÇÕES
Com a redemocratização do Brasil, a partir da crise que levou ao término a
Ditadura Militar, passando pela formulação e estabelecimento da Constituição de
1988, foi possibilitado um novo momento político-histórico-social da sociedade
brasileira. A presença dos movimentos sociais nesses processos, juntamente com o
desenvolvimento do exercício da cidadania, produziram uma nova ordem na
prestação dos serviços de saúde pelo governo do País, mas não apenas nisso; os
desafios da globalização trouxeram uma nova forma de se pensar e se fazer saúde.
48
As modificações que aconteceram na área da Saúde brasileira, nos últimos
anos, foram decorrentes das mudanças sociais que ocorreram, de forma geral, em
todo mundo ocidental, tendo a revolução informacional como seu principal agente. A
dimensão tecnológica teve uma importância fundamental na Saúde no Brasil.
Em parte, essas transformações são frutos do apequenamento do globo,
originado pelo desenvolvimento extraordinário da microeletrônica que reduziu as
distâncias e o tempo de recebimento das informações geradas no mundo. O planeta
passa a ser percebido como um todo, único e interdependente. Como bem mostram
as questões ambientais.
Os países não se encontram isolados uns dos outros, mas formam um único
conjunto, cujos eventos têm conseqüência direta para todos os outros, graças às
novas tecnologias que aceleraram não só os meios de comunicação, como também
facilitaram os meios de locomoção de, se uma nova doença infecto-contagiosa surge
em determinado local do mundo, logo ela poderá se fazer sentir do outro lado do
globo, disseminando-se e transformando-se em epidemia, caso não seja contida e
controlada a tempo no seu foco de origem.
A presente percepção de que os problemas de uma região não ficarão
restritos apenas ao seu local geográfico, produz no homem a consciência de que os
problemas de um acabam sendo o problema de todos. As novas formas de pensar
as questões humanitárias trouxeram como conseqüência mudanças que se
estenderam a, praticamente, todas as sociedades contemporâneas, incluindo o
Brasil.
Se o Brasil está sofrendo, por um lado, a força da Revolução Informacional
que acelera a velocidade da transmissão das comunicações e o põe em contato com
o resto do mundo, através das informações que recebe (pela mídia, pela internet),
por outro lado, — após as transformações políticas que o levaram a uma nova
ordem democrática, e que possibilitaram de forma efetiva pela Nova Constituição a
participação da sociedade brasileira nas políticas de Saúde — desponta um novo
momento de amadurecimento da sociedade civil brasileira de apropriação dos seus
direitos e do exercício de cidadania.
49
3. A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL CONTEMPORÂNEA: AS DISPUTAS
QUE ESTÃO EM JOGO
3.1 INTRODUÇÃO
Ao observarmos a forma como aconteceu o processo de redemocratização
brasileira, podemos constatar que a passagem do regime autoritário para o regime
democrático aconteceu às “custas” de conflitos e disputas políticas; de
reivindicações feitas pela sociedade civil e do exercício da cidadania que possibilitou
a entrada em cena de novos atores sociais. Esses atores sociais, ao exerceram
pressões no governo militar, provocaram instabilidades com decorrente perda de
legitimidade, o que gerou um clima favorável para a condução do País rumo à ordem
democrática.
A democracia está referida não apenas à democratização da esfera política,
mas também diz respeito à própria vida social. Os sujeitos políticos, que se
constituíram durante o processo de redemocratização do Brasil, trouxeram para a
agenda política temas que nunca estiveram antes na discussão pública brasileira,
ou, pelo menos, não com o vigor com que foram então apresentados.
A intenção deste capítulo é examinar os aspectos, políticos e sociais no
período originado após a Constituição Brasileira de 1988 que, entre outras tantas
modificações, possibilitaram a construção de um novo modelo de Saúde no Brasil,
envolvendo de maneira distinta da anterior os diferentes atores. A partir da Nova
Constituição, abre-se um espaço de participação da sociedade civil na gestão da
Saúde através dos seus representantes. As Conferências e Conselhos de Saúde
consolidam-se como um espaço democrático de exercício e decisão política.
A questão dos serviços de saúde é matéria de reivindicação permanente da
sociedade civil e tem constado na agenda dos sucessivos governos. Trata-se, ainda,
de um problema a ser resolvido, objeto de disputa política e de lutas variadas, que
aparecem seguidamente com destaque na mídia, e que interessa sobremodo à
população, uma vez que as questões de saúde têm um impacto direto na vida dos
indivíduos. Nessas disputas, estão presentes as profissões da área biomédica e os
seus Conselhos profissionais.
50
Um grande número de profissões de curso superior tem surgido desde a
promulgação da Constituição de 1988. As profissões tradicionais que já estão
estabelecidas e reconhecidas desde a década de 30, como é o caso das profissões
de Medicina, Farmácia e Enfermagem, passam agora a ter que dividir o espaço que
antes era ocupado quase que exclusivamente por elas. A convivência entre as
profissões, que dividem o mesmo espaço profissional, acaba resultando em disputas
e conflitos por não estarem seus limites de atuação claramente definidos. No
cotidiano profissional, as atividades se interpõem originando conflitos de interesses
que podem ser percebidos através da ação dos seus Conselhos Profissionais.
Para tanto, na primeira seção deste capítulo, são abordadas noções de
coerção, disputa e conflito dentro de uma sociedade, de maneira que se possa
identificar os mecanismos pelos quais atuam.
A seguir, serão tecidas algumas considerações sobre a necessidade de se
repensar o papel que cabe ao Estado exercer neste novo momento vivido pelo País,
após as transformações ocasionadas pela Nova Constituição e a questão do poder
político. Na terceira parte, são abordadas as questões referentes à formulação das
políticas públicas sociais, apontando a influência de fatores externos nos interesses
sociais, como, por exemplo, os interesses econômicos entre outros, trazendo
especialmente aquelas discussões que são pertinentes à área da Saúde, dentro do
espírito democrático e as suas limitações. E buscando demonstrar como os
Conselhos Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina atuam ao lidar
com essas variáveis que mudaram a arena da Saúde, considerando que buscam
contemplarem interesses diversos.
3.2 A QUESTÃO DA ORDEM SOCIAL: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONFLITO E
A TEORIA DA COERÇÃO
Para que se possa entender o cenário agônico da saúde pós-constituinte,
formado pela inclusão de um maior número de atores sociais aos benefícios de
Saúde, bem como pelo advento de novas profissões nessa área, além das pressões
políticas ocasionadas pelo exercício da cidadania, refletidas em uma maior cobrança
aos profissionais, e que, por conseqüência, repercutem também nos seus
respectivos Conselhos Profissionais, é necessário buscar a compreensão através de
teorias.
51
Nas Ciências Sociais, busca-se entender a realidade social, as relações, as
disputas, os problemas da sociedade. A produção de toda a ciência é, em última
análise, a conseqüência do desejo de explicar o mundo que nos cerca as teorias
tem a função de construir modelos explicativos que ajudem a entender um
determinado fenômeno social. As teorias podem ser de pequeno, médio ou longo
alcance (micro e macro teorias), objetivando dar conta e auxiliarem na compreensão
dos eventos sociais, percebidos no mundo fenomênico. A respeito disto, diz Cohen
(1970, p. 31):
Explicar alguma coisa é mostrar que uma afirmação que a descreve
pode ser deduzida, por processos lógicos e válidos, de outras
afirmações. Uma regra fundamental da Lógica é que toda explicação
científica deve possuir pelo menos uma premissa que seja uma
proposição universal. Quando uma proposição universal é empírica e
causal, ela recebe o nome de teoria cientifica.
A realidade social é constituída por relações dinâmicas, mutantes e
conflituosas, em uma intrincada trama que é, na maioria das vezes, de difícil
compreensão. Diversas teorias, ao longo da história das Ciências Sociais, têm sido
elaboradas na tentativa de explicar os fenômenos sociais. Na opinião de Cohen
(1970), um dos problemas centrais da sociologia é o da ordem social. Através da
investigação do problema da ordem, pode-se, também, esclarecer algumas
questões relacionadas à desordem, situação que produz mudanças nas sociedades.
O problema da ordem social pode abrigar, em seu conceito, diversos
significados inter-relacionados, e, entre eles, Cohen (1970) destaca alguns que
considera serem os principais. O primeiro sentido refere-se ao controle da violência
e diz respeito à inibição dos instintos; o segundo, está relacionado à interação social
entre um indivíduo e o outro: a ação feita pelo ator não ocorre ao acaso, ela
responde ou integra a ação do outro; trata-se da qualidade de reciprocidade ou
complementaridade das condutas sociais. O terceiro, é o elemento que fala da
previsibilidade das ações, ou seja, as pessoas só podem agir socialmente se
souberem o que esperar do outro, e para que isso ocorra, é necessário que essas
formas perdurem no tempo, ou seja, a persistência acha-se implícita na expectativa
da ação e na previsibilidade da conduta.
A teoria da coerção pode ser usada para iluminar alguns aspectos da ordem
social relativa ao controle dos instintos e da violência. Essa teoria, segundo Giddens
52
(1989), procura explicar os motivos pelos quais as normas de uma sociedade são
aceitas e seguidas. A obediência às regras deve-se ao temor de represálias, através
da punição pela força física ou moral, ou pela recompensa, percepção feita pelo
indivíduo de que o seguimento das leis prescritas lhe trará algum tipo de vantagem,
como, por exemplo, a segurança e um certo controle dos impulsos de violência. A
aceitação das normas é de congruência mútua e possibilita a convivência social de
forma estável, assegurando a permanência e segurança do indivíduo. Essas regras,
que norteiam o comportamento dos indivíduos em uma sociedade, incluindo aí os
seus direitos e deveres na comunidade a que pertencem, possuem caráter cultural e
são aprendidas durante o processo de socialização.
Contudo, continua Giddens (1989), para cada um desses significados da
ordem social, há um equivalente de sentido oposto. Se, por um lado, os atos
instintivos são freqüentemente inibidos por força do pacto da vida social, sua
expressão é, por outras vezes, permitida e liberada. O mesmo acontece com relação
às noções de reciprocidade e de cooperação, onde também encontramos elementos
de oposição e conflito no convívio em sociedade. Em todas as sociedades, existe
sempre uma área de incerteza, de imprevisibilidade, de contradição; apesar de ser a
mudança uma característica da vida social, assim como a persistência e a ordem.
Por serem as sociedades compostas por ações e reações, que respondem aos
papéis assumidos e desempenhados pelos diversos atores, individuais ou coletivos,
elas não permanecem no tempo de forma estática e imutável e cada sociedade não
muda da mesma maneira e nem na mesma direção; elas variam de acordo com as
circunstâncias em que ocorrem em um constante processo de transformação.
A realidade social é produzida pelos homens em uma interação entre o que
pensam e o que desejam; suas intenções, mas não apenas isto, conforme Giddens
(1989, p.12):
(...) podemos expressar a dualidade de estruturas nas relações de
poder da seguinte maneira. Os recursos (focalizados via significação
e legitimação) são propriedades estruturadas de sistemas sociais,
definidos e reproduzidos por agentes dotados de capacidade
cognoscitiva no decorrer da interação. (...) o uso do poder não
caracteriza tipos específicos de conduta, mas toda ação, e o poder
não é em si mesmo um recurso. Os recursos são veículos através
dos quais o poder é exercido, como um elemento rotineiro da
exemplificação da conduta na reprodução social.
53
Ao deparar-se, em uma sociedade, com disputas oriundas dessa
interatividade, o cientista social busca modelos que possam explicar quais são os
elementos e as variáveis que produzem essas situações de conflito.
Dentre elas, o poder é, seguramente, um dos elementos que está mais
fortemente associado às disputas nas sociedades. Foucault (2000) afirma que o
poder pode ser encontrado em todas as coletividades humanas. Todos nós, em uma
relação, estamos exercendo ou sendo objetos de poder. O poder emerge justamente
da assimetria existente nas múltiplas e diferentes relações.
A dimensão contingente da realidade social, responsável pela existência de
espaço de indeterminação e incerteza, sobretudo no campo político, desestabiliza
posições e provoca alternância e dinamicidade nas relações de poder.
Onde há poder, há também uma força que a ele se contrapõe dentro da rede
social a que pertence. A todo poder, opõe-se uma resistência. O conflito está
justamente baseado na disputa por esse poder. O ator que se encontra em uma
posição de menor poder luta para galgar uma posição melhor, no sentido de ver
contemplado seus interesses, quase sempre contrários aos interesses daqueles que
ocupam uma posição mais poderosa, e esse último reage, tentando conservar a sua
posição. Conforme define Machado (1982, p.192), o poder: “é luta, afrontamento,
relação de força, situação estratégica”. A demonstração de fraqueza, por parte de
um, estimula a luta do outro para assumir a posição de maior poder, como uma
espécie de jogo. O poder se desloca de um sujeito para outro, ele não está
vinculado ao individuo, mas à relação.
A coerção é um dos mecanismos usados na disputa pela obtenção de poder.
As pressões exercidas pelas mobilizações da sociedade pretendem atingir este
objetivo: a desestabilização da autoridade através de mecanismos como a coerção,
originando o enfraquecimento de seu poder. A disputa, ao gerar conflito, torna
instável o grupo dominante (aquele que detém mais poder) e pode provocar perda
de legitimidade. São tipos de estratégias usadas para derrubar um governo ou
desacreditar uma determinada hegemonia (profissional ou econômica), por exemplo.
A coerção é necessária para a ordem social, embora apenas ela não seja
suficiente para mantê-la, uma vez que há interesse entre os homens de manter um
acordo de cooperação e ajuda mútua para poderem atingir seus objetivos, sejam
eles de subsistência, proteção de catástrofes naturais ou mesmo a união para
54
enfrentarem inimigos em comum. Porém, conforme adverte Cohen (1970, p 41), é
indispensável que haja:
(...) algum agente que seja capaz de aplicar sanções quando a
influência moral ou simbólica é negligenciada, ignorada ou resistida e
têm de haver também alguns agentes coatores, tais como os
anciãos, que supervisionam a aprendizagem dos padrões morais e a
internalização dos significados simbólicos. (...) Parece razoável
concluir que a maior parte das provas apóia a opinião de que o
enfraquecimento de qualquer forma do poder coercitivo contribui de
modo significativo para a desordem e a mudança sociais.
Para que seja mantida essa confiança recíproca, é necessário que os direitos
e obrigações de cada parte estejam previamente estabelecidos, buscando o maior
equilíbrio possível, sem que aja o prevalecimento de um lado sobre o outro. Em
última análise, trata-se de garantir benefícios mútuos. Toda vez que acontecem
circunstâncias, que não estejam previstas pelas regras sociais existentes,
acontecem desordens e conflitos até que, com o passar do tempo, novas regras
voltem a vigorar (COHEN, 1970).
Sempre que a coerção falha, ou excede certos limites, como foi o caso no
Brasil, por ocasião do regime militar, onde foram cometidos atos arbitrários, que
feriram profundamente os direitos humanos, é produzida uma reação contrária,
destinada a abolir essa coerção, gerando mudanças. Nos períodos de conflito,
acontece o que Cohen (1970) chama de desordens. As desordens, quando não
impedidas por alguém que possa defender as normas, liberam os instintos e os
impulsos, resultando na violência e no caos. As mudanças sociais podem ocorrer
nesses momentos de crise, em que a estrutura organizada da sociedade
desorganiza-se, conduzindo a uma nova forma (mudança); embora desordens
planejadas possam resultar em menor ou maior repressão (como efeito colateral
indesejável), como foi o caso do Ato Institucional número 5 (AI-5), durante a ditadura
militar no Brasil, em um processo que, entre outros fatores, conduziu mais tarde à
abertura política, culminando com a Nova Constituição e com a votação direta para a
presidência da república.
55
3.3 O PAPEL DO ESTADO NA ATUAL ORDEM DEMOCRÁTICA E AS DISPUTAS
PELO PODER
As sociedades, ao longo da história, sofreram grandes transformações até
chegarem a sua atual conformação. As mudanças foram sentidas em todos os
aspectos das sociedades: na área econômica, nos meios de produção, no campo
cultural, etc., como também nas esferas correspondentes à política e ao Estado.
Essas mudanças tornaram-se mais aceleradas, a partir da segunda metade do
século XX, com a revolução da informação, o advento de novas tecnologias e a
contínua necessidade de adequação das sociedades perante a conseqüente
complexidade dos problemas emergentes a serem enfrentados no mundo moderno,
tais como: o crescimento descontrolado das cidades e da população mundial, a
desigualdade na distribuição das riquezas, o aumento da violência, do desemprego;
a poluição do ar e da água e a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais
imprescindíveis à subsistência humana. E são apenas alguns desses problemas,
dando-nos a dimensão dos desafios a serem transpostos pelo homem
contemporâneo.
Na modernidade política, existe um pensamento recorrente entre duas
afirmações que, segundo Touraine (1996), são inseparáveis: a primeira está
relacionada à convicção de que a democracia deve respeitar os direitos
fundamentais do homem e as liberdades individuais e coletivas, em toda sua
diversidade cultural, através das instituições sociais; a segunda diz respeito à
representatividade dos governantes e a submissão dos mesmos ao julgamento e às
leis. Só assim um Estado de direito, legalmente constituído e aceito pela maioria
através de uma democracia, terá a força necessária para enfrentar, através das suas
instituições, os desafios que têm surgido ao longo dos últimos anos.
Neste contexto é necessário que o Estado esteja em compasso com as
dificuldades a serem enfrentadas pela sociedade. O Estado atual, ao mesmo tempo
em que deve ser forte, legitimado e de direito reconhecido pela sociedade, também
deverá ser descentralizado para que haja distribuição do poder. A descentralização
desejada é aquela que seja capaz de estabelecer uma relação de equilíbrio entre as
dimensões administrativas, econômicas e políticas. À medida que o espírito
democrático se desenvolve, torna-se difícil um Estado que seja o principal
organizador e agente central da regulação social a partir de suas políticas sociais,
56
econômicas e fiscais, frente às complexidades da sociedade contemporânea.
Conforme argumenta Dias Neto (2005), essa impossibilidade é, em grande parte,
devido ao desenvolvimento da economia em termos mundiais; mas também é pelos
avanços da democracia, da participação política e do exercício da cidadania pela
sociedade civil, ou seja, do reconhecimento de que os indivíduos possuem direitos e
deveres comuns, conscientes de seu papel no Estado e de que pertencem a uma
única nação.
A descentralização ocorre, tanto ao outorgar poder aos processos decisórios
do governo local quanto ao democratizar a distribuição dos recursos, concedendo
maior autonomia aos municípios e conferindo maior flexibilidade e agilidade nas
ações para solução de problemas locais. Para isso, são necessários ajustes, tanto
no papel que cabe ao Estado exercer quanto ao modo de se fazer a regulação
social. O redimensionamento do papel do Estado deverá priorizar funções como às
de planejamento, regulamentação e controle, separando as atividades
governamentais das empresariais, o público do privado (DIAS NETO, 2005).
Conforme Giddens (2005), no Estado moderno, é feita a distinção entre esfera
privada e esfera pública, a dissociação entre o poderio político e o econômico, e a
separação entre sociedade civil, as funções administrativas e políticas. Na área
jurídica, esse Estado está caracterizado por uma separação entre direito público e
direito privado; no campo financeiro, pela separação entre bens e recursos estatais,
rendas e patrimônio privado dos governantes e funcionários. Sua autoridade está
amparada por um sistema legal que se estende por determinado território de
fronteiras claramente marcadas. No plano administrativo, revela-se através da
constituição de uma burocracia racional e a capacidade de utilizar as forças militares
para a implantação de suas políticas e aplicação das leis.
A primeira observação a ser feita é a de que na América Latina, segundo
Touraine (1996), o desenvolvimento da democracia não se deu da mesma forma
como a ocorrida na Europa dos países pós-comunista e nos Estados Unidos auto-
sustentáveis, por possuírem diferentes realidades históricas.
O Brasil, um país que só no final da década de 80 retoma o processo
democrático e recém saído de uma longa ditadura militar, necessita amadurecer o
exercício de cidadania e dos seus direitos civis. É um país relativamente jovem e
inexperiente em termos políticos e sociais, onde a sociedade não está habituada a
reivindicar, a pressionar, a fazer valer amplamente seus direitos como cidadãos. O
57
conceito de cidadania é algo novo e, para que seja exercido em sua plenitude,
necessita de tempo para que possa ser aprendido totalmente. Além do mais, o Brasil
é um País de território extenso, com enormes diferenças sociais e de péssima
distribuição de renda e, conforme Touraine (1996), com uma modernização que não
é auto-sustentada. O País possui características que lhe são peculiares, portanto o
seu desenvolvimento democrático deverá ser dirigido para um desenvolvimento
auto-sustentável e, segundo Touraine (1996, p.248), “antes de tudo, que o Estado
possua uma capacidade de decisão suficientemente grande”.
A existência do Estado está condicionada à presença de mecanismos
políticos de governo, representados pelas suas instituições como, por exemplo, o
parlamento ou o congresso que, juntamente com os servidores públicos, formam o
conjunto que detecta e caracteriza a máquina estatal em uma sociedade.
A construção da soberania nacional brasileira foi marcada por um longo
processo de concentração e centralização do poder como forma de domínio.
Primeiramente, antes mesmo da implantação de um processo democrático, um
Estado precisa constituir-se como um Governo único, central, representando um
caráter de unidade e identificação do país; com uma mesma língua, de mesmas leis,
emanadas de um único centro de poder. Um poder, para ser soberano, terá de se
impor primeiramente através da força física; contudo, ao mesmo tempo, deverá ser
aceito e reconhecido, através de um discurso de legitimação, mantendo seu domínio
através de um poder central. Para que um governo tenha condições de
governabilidade, é necessário que haja um consenso minimamente aceitável por
todos. Esse consenso é produzido pelo espaço político, pela aplicação da política
(SANTOS, 2005).
A política encontra-se diluída em toda prática quotidiana, e os fenômenos
políticos perpassam a complexa realidade social e tendem a apresentar um caráter
autônomo. A política não pode ser dissociada do poder; fazer política é, na sua
essência, uma forma de ampliar os meios e as possibilidades de aquisição de poder.
A política é utilizada para agregar mais poder, produzindo influências, favorecendo
interesses e gerando mais poder, e, assim, sucessivamente. É através do jogo
político que o ator fortalecerá sua posição, construindo alianças e concretizando
objetivos. O poder é inerente a toda organização e ação social.
58
As interações dos atores estratégicos não ocorrem ao acaso, mas, atendem a
interesses individuais. Segundo Friedberg (1993), na ação social coletiva
conjugação de interesses, formando um conjunto articulado:
(...) são jogos cujas regras e mecanismos de regulação estruturam
os processos de interação, quer dizer de troca e de negociação,
através dos quais os atores respectivos regulam e gerem as
dependências mútuas que deram nascimento à sua cooperação, ao
mesmo tempo em que são mantidas por elas (FRIEDBERG, 1993p.
113).
As lógicas de ação dos atores funcionam dentro de um sistema que integra
cooperação e conflito, em que são formuladas estratégias de acordo com seus
interesses. As estratégias podem considerar fatores diversos, como de origem,
política, social, ambiental, dentre outras (FRIEDBERG, 1993).
Fazem parte deste jogo de poder: conhecer a definição das regras, a
delimitação das arenas, os tipos de organização de interesses, as estratégias de
cooperação e confronto e os recursos dos atores políticos e sociais.
Nos confrontos, são estabelecidas relações de forças que intentam obter êxito
na união de seus interesses, a partir de então, uma nova configuração dessas
relações se forma entre os atores envolvidos. Segundo Friedberg (1993), as
instituições são criadas por atores sociais envolvidos em luta pelo poder político.
Sendo assim, para que possamos compreender o impacto causado nas relações
para obtenção de poder, é preciso analisar os incentivos, as oportunidades e as
restrições que se oferecem aos atores envolvidos na disputa.
Para Touraine (1996), a reconstrução do espaço público e o retorno ao
debate político fazem parte da ordem democrática. A democracia pressupõe o
reconhecimento do outro, como sujeito, e das diversidades que compõem o universo
social. Cabe à cultura democrática reconhecer as instituições políticas como
principal espaço desse reconhecimento.
Sendo assim, de acordo com Touraine (1996), um sistema político-
democrático deve fazer distinção das diversidades, que são inerentes a todas as
sociedades, sendo capaz de conciliar a igualdade de direitos com as diferentes
convicções e modos de vida dos indivíduos, e de, nelas, reconhecer a existência de
valores e conflitos que são insuperáveis. Touraine (1996, p.148) afirma que: “A
Democracia apenas existe quando os problemas sociais são reconhecidos como a
59
expressão das relações sociais que podem ser transformadas por uma intervenção
voluntária de governos livremente eleitos”. Somente a democracia permite
reconhecer o processo político apropriado para conferir o peso relativo de cada
elemento que compõe o processo de uma decisão política e atribuir-lhe a devida
importância.
Embora o Estado tenha o peso e a responsabilidade política de tomar tais
decisões, em uma democracia, o poder do Estado deve ser limitado, não existindo
democracia em que isso não ocorra. Sempre haverá uma parte do poder político em
que terá uma parcela de decisão arbitrária, nunca totalmente suprimida. Qualquer
detentor de poder, seja chefe de Estado ou diretor de uma empresa, está apenas
parcialmente engajado em um sistema de negociações sociais e políticas; ele
também age sobre o mercado ou em relação a outros Estados.
Diversos cientistas da área social e da economia têm se dedicado a entender
as profundas mudanças tecnológicas, econômicas, políticas e sociais por que tem
passado o capitalismo. Percebe-se que há, inclusive, mudanças das estruturas
ideológicas, que desejam a retirada do Estado da economia, ou um Estado de
mínima intervenção. A soberania de uma nação encontra-se diminuída em seu
alcance, não é mais aquele Estado que tudo faz e que tudo pode, seu espaço está
constrito pela mundialização.
Conforme apontam Giddens e Pierson (2000, p.20): “nenhum modo
costumeiro de ação pode servir de base para se viver nas complexas e mutáveis
circunstâncias do presente”. O mercado hoje é o grande financiador e gerenciador
dos recursos. A opinião pública é rapidamente influenciada pela mídia; as novas
tecnologias da microeletrônica tornaram a disseminação das informações mais
rápida; a sociedade tornou-se mais exigente ao ter acesso, quase instantâneo, às
informações e mais consciente de seus direitos.
O que está em questão no Brasil é o modelo de administração pública,
realizado por um Estado burocrático implantado no início do século XX. Conforme
observa Dias Neto (2005, p.45),
O modelo está fundamentado na centralização e hierarquização das
estruturas decisórias e na regulamentação capilar dos sistemas
estatais de prestação de serviços, como garantia de qualidade e
consistência da ação governamental e de neutralização dos riscos de
manipulação administrativa por interesses econômicos, corporativos
ou eleitorais.
60
Os altos índices de corrupção e a incapacidade do Estado de resolver
problemas graves, como a violência crescente, a precariedade do atendimento dos
serviços de saúde, a desigualdade na redistribuição de renda à população e o
desemprego, têm provocado reações dos vários segmentos da sociedade. No Brasil,
a arrecadação dos impostos é centralizada, o governo federal possui recursos à sua
disposição, os quais são muito superiores aos recursos das outras esferas da
federação (estados e municípios), porém tal fato não garante mais uma soberania
irrestrita da nação na sociedade moderna. Um modelo de Estado centralizado, como
é o do País hoje, não consegue solucionar os problemas sociais que surgiram nos
últimos anos. Conforme as palavras do cientista político Paulo Bonavides (2002,
p.385), “As taras, vícios e imperfeições de nossa origem colonial, um complexo de
retardamentos políticos e sociais, marcam fundo a face das instituições brasileiras”.
É necessário que o Estado possa ser capaz de fortalecer a autonomia das
instituições da sociedade civil e o poder da instância local. Pode-se dizer que hoje
existe uma nova mentalidade sobre a coisa pública; há uma nova cultura política
gerada, com um novo papel a ser exercido pelo Estado.
3.4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A SAÚDE DENTRO DO PROCESSO DE
REDEMOCRATIZAÇÃO
O Conselho Nacional de Saúde entende que a construção de políticas de
saúde seja capaz de atender à população, reduzir as desigualdades sociais e
promover o fortalecimento da democracia; para tanto, faz-se necessária a
participação cidadã.
As políticas sociais visam diminuir as desigualdades e, até mesmo, garantir
alguma redistribuição de renda na sociedade, cobrando maiores impostos de quem
tem mais e auxiliando aqueles que têm menos, como, por exemplo, as subvenções
feitas na área da educação e ensino, e também a seguridade social para a Saúde.
Porém, o que se observa hoje, segundo Lopes (2004), é a existência de um hiato
entre o conjunto de carências e a emergência de novo papel da sociedade civil no
campo das políticas sociais no Brasil, segundo ele,
(...) expor reflexões sobre a gestão das políticas sociais não é tão
simples quanto se pensa, mesmo para aqueles que se dedicam ao
61
exercício da investigação sobre a questão social ou ao exercício das
ações de governo (LOPES, 2004 p 58).
A partir da segunda metade da década de 80, os movimentos sociais
começaram a cobrar o direito de exercer o controle social na Saúde. Esse processo
foi fortalecido, ainda, pelo surgimento das Organizações Não-Governamentais e dos
Agentes Comunitários de Saúde nos anos 90. Os profissionais e burocratas da
saúde, quando entraram em contato com a sociedade organizada, também lutaram
pela desconcentração do poder. O Estado, por sua vez, tomou parte nesse processo
dando ênfase no local e delegando funções aos municípios.
Os anos 80, portanto, consistiram na formulação de propostas de organização
institucional do setor, tendo seu modelo pilar — resumidamente, o do Sistema Único
de Saúde (SUS) — sido sacramentado pela Oitava Conferência Nacional de Saúde
(1986) e instituído oficialmente a partir da Constituição de 1988 que levou ao
reconhecimento da Saúde como um direito de todos e como um dever do Estado. A
Oitava Conferencia Nacional de Saúde, de 1986, forneceu subsídios necessários
para a Assembléia Constituinte legitimar a Saúde na esfera legal.
A Constituição de 1988, que contempla os direitos da Saúde, também cria o
Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pelas Leis n.º 8.080/90 (Lei
Orgânica da Saúde) e nº. 8.142/90, e que tem por finalidade a universalização da
assistência à Saúde, dispõe, no seu art. 196, título VIII, sobre a saúde (Brasil, 1988):
(...) a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Os princípios filosóficos e operacionais do SUS podem ser divididos em três
principais, conforme nos aponta Ojeda (2004): o primeiro é relativo à ampliação do
significado da Saúde, foi proferido pela 8ª Conferência Nacional de Saúde e conferiu
à saúde uma condição que integra harmonicamente todos os aspectos da vida
humana. O foco das ações de Saúde passa a ser de manutenção da saúde, através
da prática da medicina preventiva. Dentro dessa nova proposição, todas as ações na
área da Saúde estão dirigidas para a qualidade de vida do indivíduo e de seu
entorno; a preservação dos recursos naturais, como a água e o ar; a educação e
desenvolvimento de bons hábitos de higiene e alimentação (prática de exercícios
62
físicos, alimentação saudável, supressão do fumo, moderação no consumo de
bebidas alcoólicas, diminuição da gordura e do sal no preparo dos alimentos),
reduzindo os fatores de risco que predispõem à doença. O segundo princípio diz
respeito à universalidade, igualdade e eqüidade da prestação e acesso dos serviços
de saúde, um direito garantido ao cidadão, extensivo a toda população, sem
discriminação de qualquer tipo (trabalhador ou não, contribuinte ou não, pobre ou
rico, de qualquer etnia, gênero, credo ou profissão), como dever do Estado. O
terceiro refere-se à descentralização do SUS, construído através de uma rede
hierarquizada, municipalizada e sob o controle do usuário.
A Constituição, ao reconhecer o direito à saúde como direito de todos e dever
do Estado — um direito cuja concepção já havia sido ampliada pela Oitava
Conferência Nacional de Saúde, em 1986, fruto do processo de transformação e
abertura política que aconteceu no País e que culminou com o término da Ditadura
Militar —, trouxe importantes modificações, as quais foram introduzidas nas políticas
econômicas e sociais brasileiras, transformando o cenário da Saúde e produzindo
uma reorganização no modelo assistencial.
A Nova Constituição Brasileira abre espaço para a inclusão de novos atores
na formulação e implementação das políticas públicas em um terreno que pertencia
unicamente ao Estado. Segundo Santos (2005), a inserção desses atores não-
estatais traz para a agenda questões que antes não existiam como, por exemplo, a
questão da legitimidade. Com o amadurecimento da redemocratização no Brasil,
amplia-se gradativamente o espaço político democrático, que passa a contar com a
participação de novos atores sociais. Tais atores não prestam contas diretamente a
ninguém, a não ser, talvez, para suas entidades mantenedoras como, por exemplo,
as ONGS (organizações não governamentais). Contudo, segundo Lopes (2004), é
necessária a compreensão de que as demandas sociais da população e as ações de
governo em resposta, geralmente, são mediadas por procedimentos que possuem
significados desconhecidos ou inconscientes para muitas pessoas, a começar pelo
que se entende como público e política social.
No que diz respeito à esfera política, essa democratização é colocada em
vários planos e tem como exigência primeira o reconhecimento dos vários sujeitos e
a defesa de suas causas. O princípio de gestão e a construção da esfera pública das
políticas sociais só existem, dessa forma, em sociedades que reconhecem as
desigualdades geradas pelo seu modelo de desenvolvimento e só são implantadas
63
por governos comprometidos (ou pressionados pela população) com a diminuição ou
com a superação dessas desigualdades. “Política social, assim identificada, integra
um complexo político-institucional denominado seguridade social” (PEREIRA, 1998,
p. 61).
A partir de então, importantes modificações são introduzidas nas políticas
econômicas e sociais brasileiras, reconfigurando o cenário da Saúde no País. Os
sucessivos movimentos organizados pela sociedade civil, do ponto de vista da
participação social, juntamente com o processo de abertura política brasileira,
possibilitaram a presença da população, através de seus representantes, nos
conselhos de gestão pública — áreas de saúde, previdência, educação, trabalho.
O movimento de construção e reconhecimento dos direitos à saúde, em
particular, não está isolado dos demais movimentos sociais que marcaram o período
de redemocratização e o estabelecimento da nova Carta Constitucional. Nesse
conjunto das reordenações institucionais, os temas referentes à Saúde são
fundamentais e interessam, sobremaneira, a toda sociedade.
O movimento de reforma sanitária, realizado na Saúde, a partir da década de
80, contribuiu tanto para fortalecer os princípios democráticos na vida social do País
como, também, apontou reorientações para a construção de um novo modelo de
atenção à Saúde.
É o Estado, portanto, o responsável por garantir o direito à Saúde,
disponibilizando o acesso aos recursos científicos, tecnológicos e humanos a todos
os cidadãos. Embora seja reconhecido que apesar de ser atribuído ao Estado o
compromisso de garantir as condições necessárias para que sejam cumpridos os
preceitos da saúde outorgados pela Constituição de 1988, na prática, sua
legitimidade precisa ser conquistada e concretizada através de lutas sociais.
Em qualquer sociedade sempre existem conflitos sociais insuperáveis, diz
Touraine (1996), devido às diversidades e especificidades que as compõem, que
deverão ser paulatinamente enfrentados e trazidos para a agenda do governo. A
sociedade civil, através das pressões exercidas dentro do espírito democrático,
como, por exemplo, dos movimentos sociais, da imprensa, das organizações não
governamentais e de tantas outras instituições, pressionam o governo a fim de
obterem respostas aos seus interesses mais gerais. Sobre este assunto diz Held
(1996, apud Giddens 2005, p.343),
64
(...) a democracia é geralmente vista como uma forma de regime
político mais capaz para assegurar a igualdade política, de proteger
os direitos e a liberdade, de defender o interesse comum, de
satisfazer às necessidades do cidadão comum, de promover o
autodesenvolvimento moral e de permitir uma tomada de decisão
mais eficaz que leve em consideração o direito de todos. Porém o
que se configura como regime democrático pode ser visto de formas
diferentes em cada sociedade, dependendo como cada sociedade
interpreta esse conceito. Em algumas ela se restringe ao ambiente
político, em outras é estendida, englobando a vida social.
Os crescentes desafios da sociedade moderna não podem mais ser
atendidos apenas pelo governo e pelo mercado; é nesse sentido que o
fortalecimento da sociedade civil (entidades, como associações de bairros,
agremiações, grupos de voluntários), com a conseqüente participação possibilitada
pela democracia, contribui sobremaneira na formulação e controle das políticas
sociais.
Ao considerar a Saúde no seu sentido mais amplo, promovendo o
atendimento a todos os elementos que constituem o homem inserido em seu habitat,
a Nova Constituição abre um leque de complexidades, uma vez que, ao se tratar do
problema saúde, estará inevitavelmente atingindo diversas esferas da vida social
que impactam diretamente a Saúde em sua forma mais extensa.
O sistema de Saúde no Brasil, incluindo tudo aquilo que o compõe, deverá
entender esse processo e definir uma agenda que responda aos novos tempos.
Agregar uma nova agenda significa inovar, criar meios e possibilidades, considerar
as questões tecnológicas e o novo cidadão que emerge nesse mundo.
Conforme Santos (2005), as políticas públicas podem ser o produto do longo
percurso na tomada de decisão, envolvendo interesses e escolhas elencadas, em
detrimento de outras tantas alternativas, manifestadas como um jogo de poder na
construção de sua agenda. Há consenso de que a formação e desenvolvimento das
políticas públicas envolvem fases como: construção da agenda, formulação,
implementação e avaliação. Com a interferência no meio social e político dos atores
participantes, das agências implementadoras e da natureza das políticas,
demonstra-se que o ato de se fazer políticas públicas envolve relações entre atores
governamentais e não-governamentais, em um processo contínuo de interação em
todas as suas fases.
65
A tomada de uma decisão significa superar um conflito. Existem três modos
(tipos ideais abstratos) de se obter uma decisão coletiva: a primeira, através do voto
(não de eleição, mas em um parlamento, na câmara, ou em um referendo), em que
a maioria vence, a decisão é tomada pela maioria de votos, chamada democracia
majoritária. A segunda, a decisão é tomada através de uma negociação, não tem
quem ganha ou quem perde, as duas partes chegam a um acordo que é feito
através de um consenso, por unanimidade, chamada democracia consensual; e a
terceira, através de argumentação/deliberação. Para a aplicação da tomada de
decisão, sobre determinado assunto de interesse da sociedade, pode-se usar três
vias de inclusão na tentativa de satisfazer a maioria dentro do espírito democrático:
através da chamada porta aberta (orçamento participativo), da reunião dos diversos
pontos de vista sobre o assunto em questão, ou, então, através de uma amostra
casual da população em que é efetuado um sorteio de pessoas comuns, excluindo
daí os publicamente ativistas e militantes (Informação verbal)
2
.
Com relação ao processo de construção da decisão na administração pública
brasileira, constata-se que praticamente inexiste a formulação de políticas no nível
local, pois a descentralização político-administrativa, conquistada em 1988, vem
sendo regida, através dos anos, pela lógica do financiamento. Nesse sentido, o
estatuto do município, como ente federado instituído pela Constituição, não vem
sendo assumido pela maioria dos municípios, entre outras razões, porque isso exige
a autonomia financeira como pré-condição para seu autogoverno. (COHN,
WESTPHAL, ELIAS, 2005).
A questão do direito à saúde, da Constituição de 1988, abre um campo de
luta política e ideológica. Conforme argumenta Barros (2004), as mudanças,
ocorridas nas últimas décadas no cenário político-econômico internacional, — como
a composição de um mercado global estabelecido pela organização mundial do
comércio e as reformas de teor neoliberal implementadas —, repercutiram, como
não poderia deixar de ser, nos serviços de saúde e no acesso aos mesmos.
Segundo informações do Conselho Federal de Farmácia (CFF, 2004), nos EUA, as
indústrias farmacêuticas gastam cerca de 200 milhões de dólares, entre lobby e
contribuições diversas em períodos eleitorais, como forma de promover estratégias
que garantam (ou facilitem) o acesso ao governo com vistas a influenciar nas
2
Comunicação recebida por palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica do RS (PUC)
realizada em 15 de junho de 2006 por Luigi Bobbio.
66
decisões políticas e garantir um mercado interno para seus produtos. Por conta
disso, há um dissenso entre as relações do setor público com o setor privado, que
assumem papéis conflitantes com conseqüências para a saúde de toda população.
Barros (2004, p.13) aponta que as principais divergências decorrem do fato de que,
cada vez mais,
(...) decisões de caráter normativo que afeta a toda sociedade são
tomadas por entidades supranacionais, em grande medida, que
adotam estratégias inacessíveis para a maioria. As implicações das
mudanças apontadas no setor industrial farmacêutico são múltiplas e
com impacto inevitável no acesso aos medicamentos para grandes
contingentes da população, em especial de países da áfrica e da
América latina.
São profundas as mudanças operadas no cenário mundial dos últimos vinte
anos, que também afetaram os assuntos referentes à Saúde. É nesse quesito que,
uma vez mais, importa destacar o papel do Estado na salvaguarda dos interesses da
saúde da sociedade, rediscutindo o papel do setor público.
As relações, entre o setor público e o privado, assumem novas e conflitantes
conotações quanto aos aspectos econômicos globais e suas conseqüências. Entre
estas caberia ressaltar as decisões de caráter normativo, que afetam toda a
sociedade, realizadas pelo Estado.
As políticas públicas, segundo Barros (2004), têm paulatinamente sofrido
influências das grandes corporações internacionais, produtoras de medicamentos,
afetando as decisões de governos e parlamentos. Os interesses de indústrias
supranacionais, por se tratarem de interesses econômicos, vão de encontro aos da
saúde pública na maioria das vezes.
A natureza das ações de saúde e os riscos inerentes a elas necessitam
normas que defendam a saúde pública e que resguardem minimamente a
população, protegendo-a de interesses econômicos diversos. É nessa proposição
que se torna importante eleger, como objeto de reflexão, a participação da
sociedade, conforme os preceitos instituídos pela Constituição Nacional de 1988,
representada através das profissões e dos Conselhos Profissionais de Saúde,
possibilitando o controle social das políticas públicas que são formuladas pelo
Estado nessa área.
67
O Estado de Direito está associado à concepção moderna de política e
cidadania que separa os limites entre a esfera pública do Estado e a esfera privada
da sociedade civil, delimitando as fronteiras de uma e de outra. Nesta nova
mentalidade o indivíduo possui opções livres para o estabelecimento de suas
relações econômicas, culturais, profissionais, familiares.
Conforme Dias Neto (2004), as escolhas de uma sociedade têm caráter
político, e a ela cabe fazê-las de forma consciente e responsável. Trata-se da
capacidade da sociedade civil organizada de intervir nos processos decisórios dos
organismos reguladores, de neles estar representada de forma efetiva e com poder
deliberativo. É essa participação consciente que configurará legitimidade e
credibilidade a um sistema governamental democrático, promovendo a
universalização dos serviços públicos em condições socialmente aceitáveis.
3.5 CONSIDERAÇÕES
As rápidas mudanças, pelas quais passa a sociedade moderna, em um
mundo globalizado de crescentes desafios econômicos e sociais, apontam para o
fato de que é árdua a tarefa de somente o Estado ter que dar conta das demandas
sociais geradas por esta sociedade. Faz-se necessário que o Estado cumpra seu
papel, que disponha de políticas muito precisas, voltadas para uma administração e
captação de recursos, muito bem estruturados, para que possa realmente viabilizar
o atendimento às exigências do mundo contemporâneo, todavia, é necessário que
esta ação seja compartilhada. O poder estatal deve ser dividido, descentralizando o
poder de decisão entre as diversas instâncias governamentais e a sociedade civil de
uma maneira responsável e compromissada.
Embora já tenha havido avanços no longo caminho a ser percorrido na busca
por atender as disposições da Constituição de 1988, ainda é perceptível que — de
todo o processo de reformulação que vem sofrendo a área crítica, como é a da
saúde brasileira — o papel do Estado, como gestor desse processo, tem importância
fundamental.
Também as profissões, junto com os seus Conselhos Profissionais que
participam como atores sociais em união com a sociedade civil, necessitam
remodelarem seus fazeres, rompendo com antigos paradigmas na Saúde. A
identidade das profissões, cujas raízes estão fincadas na forma como se originaram,
68
já não tem lugar no momento atual. Os limites de atuação e os atos próprios de cada
profissão, que as identificavam minimamente com o seu fazer, já não estão tão
nítidos. As atividades profissionais se sobrepõem e se interpõem; o profissional não
trabalha só, mas em equipe em uma complementaridade de saberes.
Os problemas da Saúde não são de fácil solução, diga-se, pois, embora o
Estado garanta a universalidade, a igualdade e a eqüidade da Saúde para todos os
cidadãos brasileiros, ele enfrenta dificuldades de toda ordem; na maioria das vezes,
os recursos são mal administrados, falta investimento no treinamento de
funcionários, verbas são desviadas, apenas para citar alguns dos problemas
enfrentados. O fato incontestável, apontado continuamente pela mídia e observado
na prática, é que existem graves problemas nos serviços de Saúde, há conflitos,
tensões e crise nesta área, que acaba se tornando palco de disputas.
69
4. AS DISPUTAS AGÔNICAS NO CAMPO DA SAÚDE, A PARTICIPAÇÃO DOS
CONSELHOS PROFISSIONAIS: LEGITIMAÇÃO, CONSERVAÇÃO E
AMPLIAÇÃO DO PODER
4.1 INTRODUÇÃO
Com a Nova Constituição, são previstas várias mudanças na área da Saúde.
Dentre elas, pode-se destacar a participação da sociedade civil na regulação da
Saúde e a criação do Sistema Único de Saúde com o objetivo de promover a
descentralização, transferindo recursos do Governo Federal para os estados e os
municípios. Essas modificações e outras mais implicaram em uma mudança nas
relações entre os múltiplos atores sociais da Saúde. Entre esses variados atores
encontram-se os Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e Medicina —
objetos desta pesquisa —, os profissionais farmacêuticos, enfermeiros e médicos, o
Estado e a Sociedade Civil, os quais usam distintos mecanismos para contemplar os
seus diferentes interesses.
Os interesses, que têm pautado as disputas enfrentadas hoje pelas profissões
de farmacêutico, de enfermeiro e de médico, e das quais participam ativamente seus
Conselhos Profissionais, podem ser conhecidos, sob a perspectiva das Ciências
Sociais, examinando-se o contexto histórico em que surgiram essas profissões e
quais são os desafios que elas têm enfrentado atualmente, como, também,
compreender de que maneira é constituída a relação entre o seu conhecimento,
através de suas práticas, e a população para qual são dedicados os seus saberes.
Na primeira parte deste capítulo, são apresentados os novos atores sociais na
Saúde a partir da Constituição Brasileira de 1988. Ocasião em que são feitas
algumas reflexões sobre a função das Conferências e Conselhos de Saúde,
objetivando apontar as mudanças ocasionadas pela participação da sociedade civil
como um novo ator social nessa esfera.
A seguir, é feito um breve histórico sobre a constituição das profissões de
Farmácia, de Enfermagem e de Medicina e as lutas ao longo da história para
legitimarem seu conhecimento e persistirem no mundo.
Após, é realizada uma abordagem sobre a composição do campo profissional
formado pelos profissionais da área da Saúde, seu desenvolvimento e inserção na
70
sociedade atual; demonstrando o campo da Saúde como uma arena favorável para
disputas sociais, um palco efervescente, em que novas profissões emergentes
amiúde se legitimam, com fronteiras não nitidamente marcadas, que se
interpenetram e se desdobram em uma multiplicidade de saberes.
Por último, são postos a descoberto alguns aspectos dos desafios a serem
enfrentados pelos agentes, desse campo de luta, frente às novas tecnologias
informacionais e a complexidade do mundo contemporâneo. Para, então, finalmente,
ser contextualizado o campo agônico formado pelo entrelaçamento das relações
entre as profissões de Farmacêutico, de Enfermeiro e de Médico, e seus respectivos
Conselhos Profissionais, com o Estado e suas políticas públicas e leis, e com a
sociedade civil.
4.2 ATORES SOCIAIS: A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS E DAS CONFERÊNCIAS
DE SAÚDE: A PRESENÇA DO SUS E DA ANVISA
Criado em 1937, pelo então Ministério da Educação e Saúde, através da Lei
378, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) tinha como função assessorar o
Ministério, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação. Em 1970, após mais
de 30 anos de funcionamento inexpressivo, o Conselho Nacional de Saúde passa
por uma segunda etapa, quando o Decreto 67300/70 lhe atribui objetivos, funções e
estrutura mais definidas, procurando compatibilizá-lo com o processo de
modernização conservadora em andamento no País. Durante muito tempo seu papel
foi apenas consultivo e técnico, e seus componentes eram indicados pelas
instituições públicas, trabalhando com questões internas do Ministério da Saúde sem
participação da sociedade. Ao longo de sua história, este primeiro Conselho
Nacional de Saúde (CNS) caracterizou-se como um colegiado formado por
especialistas em assuntos de saúde pública, com caráter consultivo e normativo, ou
seja, estabelecia normas e diretrizes técnicas, bem como emitia pareceres sempre
que convocado. Assim permaneceu com algumas modificações até 1990, quando foi
criado o novo Conselho Nacional de Saúde, com base nos princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde (CNS, 2006).
Em 1988, a Constituição Brasileira criou o Sistema Único de Saúde (SUS)
que busca o cumprimento das suas diretrizes básicas legais dentro dos princípios da
universalidade, da integralidade, da eqüidade da Saúde; a participação popular, ao
71
lado da descentralização das ações e políticas de saúde, passou a ser valorizada e
percebida como de fundamental importância para a construção de um novo modelo
público de saúde. As Leis Orgânicas da Saúde (n° 8080/90 e n° 8142/90), aprovadas
pelo Congresso Nacional em 1990, regulamentaram esses princípios, reafirmando a
Saúde como direito universal e fundamental do ser humano, e decidiram sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS, através das Conferências e
Conselhos de Saúde, que passaram a atuar como instrumentos do controle social,
com a participação dos diversos segmentos da sociedade, ao lado do governo, no
acompanhamento e na definição de políticas públicas de saúde. Conforme já foi
discorrido anteriormente, em agosto de 1990, quando o Decreto 99438/90 criou o
novo Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho anterior praticamente já não
atuava da mesma forma como o papel para o qual fora concebido, já não tinha lugar
na nova conjuntura. Portanto, os atuais Conselhos de Saúde pouco têm a ver com o
CNS da época anterior, guardando com ele uma linha mais de ruptura do que de
continuidade. Assim sendo, o processo histórico por que passou o Conselho, e o
fortalecimento do controle social no País, consolidou-se como peça importante do
planejamento estratégico e na implementação de políticas de saúde no Brasil. Além
de congregar diversos segmentos da sociedade, este novo Conselho Nacional de
Saúde possui caráter deliberativo: pode analisar e deliberar sobre assuntos de
saúde pública, através de resoluções que devem ser adotadas pelo Ministério da
Saúde.
A história construída pelos movimentos sociais consolidou-se de forma
irreversível na área da Saúde e tem uma característica inédita: a participação
popular na deliberação das políticas públicas de saúde, com o direito de discutir e
fiscalizar o governo nos três âmbitos (nacional, estadual e municipal) por meio dos
Conselhos e Conferências de saúde, espaços que foram conquistados pela
sociedade civil organizada.
As Conferências e os Conselhos de Saúde são instâncias colegiadas do SUS
em cada esfera do governo (Federal, Estadual e Municipal). O caráter permanente e
deliberativo dessas instâncias está definido em Lei pelo Ministério da Saúde (1990)
e confere ao SUS seu perfil democrático, abrindo espaço para a participação da
sociedade na definição de seus rumos.
Os Conselhos de Saúde atualmente, são uma realidade e estão constituídos
em quase todos os municípios e em todos os estados do País, atuam na formulação
72
e no controle da execução das políticas de saúde, acompanhando seu desempenho
na instância correspondente, aprovando as diretrizes que devem pautar as ações
dos governos no âmbito Nacional. Eles são compostos por variados atores –
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e
usuários – de atuação quotidiana. São eles que aprovam a celebração de contratos,
firmam convênios e fiscalizam essas ações em saúde, inclusive os aspectos
econômicos e financeiros, em toda sua magnitude, no domínio dos setores público
ou privado.
O Conselho Nacional de Saúde é formado por 48 conselheiros titulares e seus
respectivos suplentes, representantes de entidades e movimentos sociais de
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), entidades de profissionais de saúde,
incluída a comunidade científica, entidades de prestadores de serviço, entidades
empresariais da área da Saúde e entidades e instituições do governo, de acordo
com o decreto presidencial número 5839/2006. A composição dos Conselhos de
Saúde é feita de forma equilibrada, de maneira que possa representar efetivamente
os diversos interesses envolvidos. Conforme reza a Resolução n° 333/2003 do CNS,
a distribuição das vagas é paritária, ou seja; 50% de usuários, 25% de trabalhadores
e 25% de prestadores de serviço e gestores.
Fazem parte das atribuições e competências dos Conselhos de Saúde
deliberar sobre a formulação de estratégia e controle da execução da política
nacional de saúde em âmbito federal. Os critérios para a definição de padrões e
parâmetros assistenciais incluem: manifestar-se sobre a Política Nacional de Saúde
e decidir sobre planos estaduais de saúde, quando solicitado pelos Conselhos
Estaduais; dirimir divergências levantadas pelos Conselhos Estaduais e Municipais
de Saúde, bem como por órgãos de representação na área da Saúde; credenciar
instituições de Saúde que se candidatem a realizar pesquisa em seres humanos;
opinar sobre a criação de novos cursos superiores na área de Saúde, em articulação
com o Ministério da Educação e do Desporto; estabelecer diretrizes a serem
observadas na elaboração dos planos de saúde em função das características
epidemiológicas e da organização dos serviços; acompanhar a execução do
cronograma de transferência de recursos financeiros, consignados ao SUS, aos
estados, municípios e Distrito Federal; aprovar os critérios e valores para a
remuneração dos serviços e os parâmetros de cobertura assistencial; acompanhar e
controlar as atividades das instituições privadas de saúde, credenciadas mediante
73
contrato, ajuste ou convênio; acompanhar o processo de desenvolvimento e
incorporação científica e tecnológica na área de Saúde, para a observância de
padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sociocultural do país; e, por fim,
propor a convocação e organizar a Conferência Nacional de Saúde, ordinariamente
a cada quatro anos e, extraordinariamente, quando o Conselho assim deliberar, de
acordo com a lei 8.142, e definir as diretrizes gerais das políticas de saúde
(CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2006).
Para cumprir com eficiência essas atribuições, os conselheiros recebem
capacitação, entendida como processo de construção e troca de conhecimentos,
com o objetivo de ampliar a visão em relação às políticas de saúde, além de
promover a compreensão da estrutura e funcionamento do Sistema Único de Saúde
(SUS) e do processo de construção do modelo de atenção adequado a seus
princípios e diretrizes. O exercício do controle social exige que o conselheiro de
saúde tenha acesso às informações essenciais para definição das políticas de
saúde. Nesse sentido, é fundamental o desencadeamento de processos de
educação permanente para o controle social que envolva a sociedade.
Nos 14 anos de existência do SUS (a partir da publicação da Lei Orgânica da
Saúde), o controle social tem sido responsável pelo processo de construção de
novas relações na Saúde e do fortalecimento do SUS. Vale lembrar os aspectos
positivos na implementação dos Conselhos de Saúde e as lutas travadas na
perspectiva de efetivação do SUS, a mobilização contra a privatização através da
participação social, o financiamento do SUS garantido pelo Senado, na EC 29
(Emenda Constitucional Nº. 29, 2000), que destina recursos financeiros ao SUS
provenientes da arrecadação dos impostos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, aplicados, anualmente, em ações e serviços públicos de
saúde.
É importante ser destacado, também, o papel desempenhado na área da
Saúde pela agência reguladora da saúde, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária), criada pela Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que está fortemente
presente na prática diária de todos profissionais, órgãos, instituições, empresas de
todos os tipos (públicas, privadas, filantrópicas), distribuidoras, importadoras,
prestadoras de serviços (como hospitais, clínicas, laboratórios, entre outros) que
porventura entrem em contato, negociem, vendam, armazenem, manipulem ou
administrem produtos, ou pratiquem ações que estejam minimamente ligadas à
74
saúde em sua forma mais abrangente. Estão incluídas, nessa categoria, as
fiscalizações de todos os produtos que possam afetar o meio ambiente – o
tratamento de água e esgoto, os poluentes industriais e os produtos tóxicos – e a
vistoria das condições de produção de alimentos, de medicamentos, de produtos
saneantes, de cosméticos, de agrotóxicos, de derivados do tabaco, entre outros;
bem como, inspecionar as áreas de portos, aeroportos e fronteiras, monitorar
propagandas e exercer ações de farmacovigilância. A ANVISA (1999) tem como
missão e como visão:
Proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança
sanitária de produtos e serviços e participando da construção de seu
acesso. (...) Ser agente da transformação do sistema descentralizado
de vigilância sanitária em uma rede, ocupando um espaço
diferenciado e legitimado pela população, como reguladora e
promotora do bem-estar social (ANVISA, 1999).
As principais unidades federais, estaduais e municipais que compõem o
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) são: o Ministério da Saúde, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Conselho Nacional de
Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (CONASEMS), os Centros de Vigilância Sanitária Estaduais,
do Distrito Federal e Municipais, os Laboratórios Centrais de Saúde Pública
(LACENS), o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), a
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), e os Conselhos Estaduais, Distrital e
Municipais de Saúde, em relação às ações de vigilância sanitária (ANVISA, 1999).
Os Conselhos de Saúde englobando a sociedade civil, o governo
(representado por suas agências reguladoras e Leis) em conjunto com as
Conferências de Saúde tornam-se locus privilegiado com papel formalmente
constituído, de decisão e exercício político, em uma ação direta no controle e
deliberação das políticas públicas do País, muito embora, a falta de experiência
participativa da população na implementação dos direitos sociais ainda produza
embates e conflitos, dando margem a práticas seletivas e patrimonialistas. Esse
processo vem sendo discutido ao longo dos encontros e fóruns da Saúde na busca
de instrumentos para o fortalecimento do controle social e deliberação das políticas
de saúde.
75
4.3 O CAMPO DA SAÚDE COMO ESPAÇO SOCIAL DE DISPUTAS
PROFISSIONAIS
Conforme demonstra a história brasileira das últimas duas décadas, quando
um grupo organizado luta, como atores sociais politicamente engajados, para que o
governo e a sociedade reconheçam seus direitos, tornam-se grupos de pressão cuja
voz se faz ouvir, ao falarem de um direito que é de todos. Em um país, como o
Brasil, onde as desigualdades sociais são históricas, esses atores sociais adquirem
o direito legítimo de reivindicação, pois lutam por interesses coletivos.
As novas concepções ligadas a direitos, identidades e o reconhecimento das
diversidades do homem, possibilitadas por uma abertura social e política do País, ao
longo dos últimos vinte anos, conforme já foi discutido mais amplamente nos
capítulos anteriores, produziram especificamente na área da Saúde, mudanças que
estão relacionadas a uma nova visão de mundo. O autor Martin O’Brien (1991) ao
citar Giddens, aborda questões sobre a modernidade do mundo, em que o
desenvolvimento tecnológico conjugado à revolução causada nos meios de
comunicação humana, tem provocado mudanças aceleradas e totalmente
imprevisíveis na história do Homem. É impossível, hoje em dia, falar-se sobre
qualquer assunto sem levar em consideração essas circunstâncias, que perpassam
todas as sociedades contemporâneas, implicando no modo como são concretizadas
todas as ações da humanidade. Conforme O’Brien (1991, p 21),
(...) Os modernos métodos científicos e burocráticos deram-nos ao
mesmo tempo o aquecimento central e o aquecimento global, as
refeições preparadas em dois minutos no microondas e o mal de
Kreutzfeldt-Jakob, com incubação de 10 anos. As maravilhas do
mundo vão sendo pouco a pouco igualadas pelos horrores do mundo
em todas as esferas da vida, desde a ingestão de alimentos
potencialmente nocivos até banhos nas águas ensolaradas de mares
poluídos.
O homem contemporâneo necessita estar continuamente reajustando-se a um
mundo que está em permanente movimento, que muda a todo instante como se
fosse um caleidoscópio, em que a cada momento são criadas novas figuras, novas
paisagens. Um mundo que se tornou extremamente competitivo, onde as fronteiras
entre um limite de atuação profissional e outro não se encontram claramente
definidas, e os limites não são conhecidos.
76
É nesse cenário que surge, após a redemocratização brasileira, uma nova
configuração entre os atores da Saúde; o campo da Saúde se estabelece como um
campo de disputa formado pelo inter-relacionamento entre esses atores sociais,
cujas disputas estão acontecendo em todas as esferas do social: institucional,
política, econômica.
A partir da Constituição de 1988 e da implantação do SUS importantes
reformas foram produzidas na esfera da Saúde, e ao confrontarem-se interesses
divergentes entre a sociedade e grupos hegemônicos, os quais se perpetuavam no
sistema de Saúde até aquele momento, conforme aponta Ojeda (2004), abre-se um
espaço para novas lutas sociais entre os Conselhos Profissionais da biomedicina
nesta área, representando as lutas de cada profissão às quais pertencem.
Novas profissões e novos saberes, novas tecnologias, juntamente com uma
nova postura da sociedade referente aos questionamentos quanto ao seu direito à
saúde, como também, a mudança de paradigma em relação à verdade absoluta do
positivismo sempre muito caro às ciências “naturais”, que conduzem à perda da
hegemonia médica, cujo discurso “assujeitava” todas as outras disciplinas da Saúde.
Houve um deslocamento do saber e do poder, para uma posição menos
centralizadora, que conduziu a uma reconfiguração social do conhecimento científico
no qual são integrados outros saberes, até então considerados não-científicos,
repercutindo em todas as instâncias dos atores sociais que atuam no campo da
Saúde (OJEDA, 2004).
Para que se possa conhecer os desafios e as disputas que estão se dando na
Saúde, particularmente nas profissões de farmacêutico, de enfermeiro e de médico,
e como se configuram essas profissões no momento atual, faz-se necessário
abordar dois problemas maiores à luz das Ciências Sociais. O primeiro problema
trata de entender a relação do conhecimento e dos procedimentos profissionais com
a organização profissional e, como tal, com o “mundo leigo”. O segundo problema
traz aspectos pertinentes à sociologia das profissões, em que se busca
compreender qual é o contexto histórico que propicia o nascimento de uma
profissão; como essa profissão se organiza, como ela se desenvolve e de que
maneira sustenta sua autonomia e independência. O primeiro, é um problema da
sociologia do conhecimento; o segundo, um problema de organização político-social,
(FREIDSON, 1978).
77
4.3.1 A Constituição do Saber das Profissões de Farmácia, de Enfermagem e
de Medicina
A sociologia do trabalho define profissão como qualquer atividade econômica
especializada e institucionalizada legalmente, em que os papéis sociais exercidos
por seus atores podem sofrer modificações (mudanças culturais) ao longo do tempo
e do espaço e que conferem nítida superioridade ao profissional em relação à sua
clientela (PIRES, 1989). Esta superioridade relativa decorre da vantagem que o
profissional leva em matéria de conhecimento e cuja autoridade está legitimada
publicamente em relação ao leigo. O caráter de cientificidade — fornecido pelos
seus saberes especializados e legitimados pela sociedade — confere-lhe uma
posição de domínio como sujeito “que sabe” sobre o cliente, “aquele que não sabe”.
No caso dos profissionais de saúde, que têm como objetivo a prevenção,
promoção, conservação e recuperação da saúde, esta superioridade relativa ao
saber da cura ou do tratamento da doença parece encontrar-se mais acentuada em
virtude da própria fragilidade da situação em que o paciente está: dor, medo,
insegurança, ameaça ao próprio bem-estar, à sua integridade estrutural ou funcional
ou, até mesmo, à vida. O paciente vê ampliada essa desigualdade frente ao agente
de saúde porque está vivendo uma situação de maior ou menor vulnerabilidade; ou
seja: o profissional de saúde é aquele que tem o domínio do conhecimento acerca
das doenças e das novas tecnologias que estão em contínuo desenvolvimento e que
são destinadas ao tratamento e ao diagnóstico das patologias. Este conhecimento
que os profissionais de saúde detêm lhes confere-lhes um status que se produz em
fonte de poder.
Os saberes são elementos de estratégia política utilizados em relações de
poder, alguns saberes emergem e são legitimados pela sociedade em detrimento de
outros. Para Foucault (1997), o poder é uma relação tática de dominação e
resistência, ao processo de libertação, tendo a busca de verdade através de uma
epistemologia do saber, do conhecimento.
Foucault (1997), ao estudar a formação dos saberes, levou em conta todos os
saberes sobre temas específicos em diferentes épocas. Ele buscou identificar a
lente, através da qual — sem se ater a nenhuma disciplina específica, através do
78
método da arqueologia e da genealogia do saber — foi propiciada a produção de
determinadas concepções. Um exemplo disso foi o seu estudo sobre as diferentes
acepções e discursos emitidos sobre a loucura; juntamente com as mudanças que
ocorreram neste conceito ao longo do tempo; e que acabaram por possibilitar a
constituição da psiquiatria. A análise feita por ele pretendeu demonstrar a relação
estabelecida entre todos os saberes, em uma mesma época ou em épocas
diferentes, e a forma como esses saberes atravessam os discursos e as práticas
produzidas por eles; sobre os quais germinaram determinadas ciências.
As práticas discursivas impõem limites e coações da mesma forma que
permitem que verdades aflorem, emergindo de um “solo fértil” em detrimento de
outras verdades: a isso, Foucault (1997) cunhou de epistémê. A análise da
epistémê, conforme argumenta Foucault, possibilita a identificação da visão de
mundo, que é compartilhada por todos em um mesmo período histórico. Essa visão
de mundo determina os postulados e as regras que constituem todo conhecimento,
científico ou não, de uma mesma época, aprisionados em uma mesma forma
estrutural de pensamento, da qual os homens não podem escapar. É possível,
através da pesquisa histórica, analisar como e por que estes saberes se constituem
e se transformam (arqueologia e genealogia do saber, respectivamente) através das
práticas produzidas pelo discurso, ou seja: quais são suas condições de
possibilidade.
A formatação das diversas profissões é resultado das práticas sociais que
formam e posicionam o sujeito do conhecimento, por meio das regras discursivas do
saber indispensáveis à constituição de uma ciência. Esse saber é utilizado como
uma forma de poder cujo exercício produz mais saber que será empregado nas
relações de poder e assim sucessivamente.
Os saberes estão presentes nas relações em que há disputa por poder. Essa
dinâmica das relações se constitui em um jogo de verdades. Essas verdades estão
estabelecidas por princípios inconscientes, paradigmas que determinam nossa visão
de mundo. Segundo Morin (1991, p. 13):
Todo conhecimento opera por seleção de dados significativos e
rejeição de dados não significativos: separa (distingue ou desune) e
une (associa, identifica): hierarquiza (o principal, o secundário) e
centraliza (em função de um núcleo de noções mestras).
79
No mundo ocidental, as ciências da saúde têm essas verdades constituídas
dentro do modelo biomédico, em uma concepção mecanicista da vida – de causa e
efeito – sustentadas por uma “biologização” do sujeito humano e do conhecimento
cientifico. A supremacia do modelo biomédico como visão de mundo nas ciências da
saúde impregna, ainda hoje, todas as ações e, pesquisas nesta área (CAPRA,
1999). A ênfase, dada ao modelo biomédico, no qual a base científica está fundada
na biologia, é afirmada por Capra (1999), que ignora, exclui e reduz o homem a um
mecanismo; desconsiderando todas as suas múltiplas facetas e características
peculiares, sobretudo aquelas atinentes a sua dimensão cultural, simbológica e
subjetivista, e que dificultam a compreensão dos médicos em diagnosticar a causa
de muitas doenças da atualidade. As relações interativas do sistema nervoso do
organismo vivo com o meio ambiente, ainda estão longe de serem entendidas, e são
precisamente estas, as funções fundamentais da saúde e que interessam
sobremaneira à medicina.
Como a medicina ocidental adotou a abordagem reducionista da
biologia moderna, aderindo à divisão cartesiana e negligenciando o
tratamento do paciente como uma pessoa total, os médicos acham-
se hoje incapazes de entender, ou de curar, muitas das mais
importantes doenças atuais (Capra, 1999, p.98).
Os profissionais de saúde são levados a transitar por fronteiras de um saber
complexo que por vezes é impreditível, como é o caso dos saberes que lidam
diretamente com as questões do homem, em relação a sua subsistência e as suas
moléstias, postas no mundo fático.
O conhecimento adquirido e transmitido pela humanidade, desde então,
segue a metodologia cartesiana de separar o todo em partes, e partir do simples,
para entender o mais complexo. Na instituição universitária são produzidos e
reproduzidos, saberes e verdades, estabelecendo padrões e seguindo o método da
análise para a apreensão do conhecimento.
Com relação à instituição do saber universitário, é importante destacar o papel
das universidades na formação do conhecimento legitimado. Conforme o autor Ben-
David (1974), a institucionalização da ciência e a afirmação da universidade como
instituição social implicou em que ela fosse aceita pela sociedade como atividade
valorizada e reconhecida, com função social relevante, que possuísse normas e
80
regulamentação em determinado campo de atividade e que tivesse autonomia diante
das outras atividades e estivesse adaptada às normas sociais em outros campos de
atividade.
Foi somente no século XIX, com a revolução industrial, o crescimento das
cidades e das populações, que a universidade tornou-se o centro da produção de
conhecimento cientifico institucionalizado, disciplinarizado e profissionalizado. A
idéia do mundo europeu, e mais largamente do mundo ocidental, era de que toda a
razão, sabedoria e verdade, estavam concentradas na civilização ocidental, no
interior das universidades.
As universidades permanecem até o presente momento como formadoras e
disciplinadoras do saber e do conhecimento. Segundo Morin, a separação entre a
cultura científica e a cultura humana iniciada no século XIX e agravada no século XX
provocou uma fragmentação do conhecimento sobre a noção de homem entre as
ciências biológicas e as ciências humanas. O autor argumenta (2000, p.113):
As ciências humanas se ocupam do homem; mas este é não apenas
um ser físico e cultural, como também um ser biológico, e as ciências
humanas, de certa maneira, devem ter raízes nas ciências biológicas
que devem ter raízes nas ciências físicas — nenhuma dessas
ciências, evidentemente, é redutível uma à outra.
Segundo o autor, é necessário olhar o homem na sua totalidade e
complexidade, integrando todos os elementos que o compõem, bem como o
ambiente e a natureza na qual está inserido e que dela faz parte.
O desafio está em encontrar a “via” de comunicação entre os saberes e
caminhar em direção a compreensão da totalidade, embora se saiba como nos diz
Morin (1991, p. 9), que: “o conhecimento completo é impossível”.
Hoje, é observada a busca por uma saúde holística, integralizadora que seja
capaz de compreender o homem como um todo; e não, seccionado em partes,
exigindo que no exercício da profissão de saúde sejam também consideradas as
questões éticas da vida humana e do meio ambiente.
Dentre as diversas mudanças que têm ocorrido na área da Saúde, observa-se
a emergência de um novo ator social/profissional pertencente a uma equipe
multidisciplinar que não está mais isolado em seu saber, mas em permanente
81
contato com a equipe, com o usuário dos serviços de saúde e com o meio no qual
está inserido.
4.3.2 Aspectos da gênese das profissões de Farmácia, de Enfermagem e de
Medicina
As profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina, objeto central desta
pesquisa, também sofreram uma reformulação dos seus fazeres (como todos os
outros profissionais da Saúde) devido às profundas mudanças ocorridas no cenário
brasileiro pela promulgação das novas diretrizes da área da Saúde, a partir da
Constituição de 1988.
A inclusão de novas profissões em um mercado de trabalho, extremamente
competitivo e exigente, conduz os atores a disputas pelo espaço social de
valorização e de reconhecimento profissional feito pela sociedade.
As profissões nascem de necessidades sociais históricas, respondendo a
determinadas circunstâncias que justificam sua existência, e o que é considerado
como conhecimento médico em uma determinada época, por exemplo, no período
medievo, não possui o mesmo significado no mundo contemporâneo. O conceito do
que é considerado conhecimento está ligado às bases epistemológicas de um
determinado período e muda de acordo com a história humana. Conforme
argumenta Santos (1999), para entender o tempo presente e a crise pela qual
passam as profissões de saúde, é necessário entender a conjuntura histórica
através da qual os conflitos presentes surgiram.
À luz do contexto histórico em que surgiram e se desenvolveram as profissões
de Farmácia, Enfermagem e Medicina, podemos perceber, tanto as disputas que
estão em jogo e que podem auxiliar na compreensão das relações que seus
respectivos Conselhos Profissionais estabeleceram com a sociedade civil e com o
Governo, quanto à identificação dos paradigmas que permeiam o conhecimento
adquirido por estas profissões e que as configuram tal como se apresentam hoje.
A primeira profissão da área de Saúde conhecida desde o início dos tempos
foi a Medicina. A Medicina é, em um conceito mais generalizante, uma ocupação
82
cujos membros se comprometem a diagnosticar e tratar das enfermidades daqueles
que os consultam para tal assistência (FREIDSON, 1978).
Desde quando surgiu, a Medicina teve como seu objeto inicial o doente e suas
moléstias, fossem estas objetivas ou subjetivas. Na busca para curar suas
enfermidades, o homem utilizou recursos diversificados, tanto da natureza quanto
das crenças mágico-religiosas. Ritos pagãos através dos xamãs, dos feiticeiros, dos
curandeiros e dos sacerdotes eram usados para resolver os problemas de saúde
dos indivíduos em uma relação mística. Este período corresponde à fase de
“empiricismo” das crenças irracionais e do apelo ao sobrenatural (SANTOS, 1999).
Com o surgimento da medicina hipocrática na Grécia, que ocorre por volta do
século V a.C, a mesma foi separada da religião e das crenças. Hipócrates propôs
uma nova concepção em saúde, dissociando a arte de curar dos preceitos místicos
e sacerdotais, através da utilização do método indutivo, da inspeção e da
observação (Capra, 1999). Assim como a Medicina, a Farmácia teve sua origem
como uma arte baseada numa mescla de crenças.
O começo da terapêutica — meios utilizados para curar e tratar doenças — é
atribuído a Galeno, médico grego (130 d. C.) cuja contribuição mais relevante diz
respeito à anatomia e à fisiologia. Realizou as primeiras tentativas para entender os
efeitos da interação medicamentosa e o primeiro a fazer referência sobre a dose
adequada a ser utilizada de um medicamento diferenciando a dose útil de uma dose
tóxica.
Uma avaliação histórica mais recente nos mostra que até o Renascimento
existiam exclusivamente duas profissões de saúde: a Medicina e a Farmácia,
embora as práticas de saúde instintivas tenham sido as primeiras formas de
prestação de assistência e que houvesse indivíduos, principalmente de ordens
religiosas como as Irmãs de Caridade das Santas Casas de Misericórdia, que
dispensavam cuidados aos enfermos os quais, posteriormente viriam constituir a
profissão de Enfermagem.
As primeiras formas de prestação de assistência aos doentes como atividade
leiga, no período medieval compreendido entre os séculos V e XIII, são consideradas
como o início das práticas em Enfermagem. Nessa, época o cuidado aos enfermos
era prestado por familiares, principalmente pelas mulheres, e por religiosos. A idade
83
média era marcada por concepções religiosas e os hospitais não tinham a idéia de
cura, mas de “salvação da alma”, tanto a alma do pobre desvalido moribundo quanto
à salvação do pessoal hospitalar que assistia o doente (FLORENTINO, 2006).
Essas práticas deixaram como legado uma série de valores que, com o passar
dos tempos, foram aos poucos legitimados e aceitos pela sociedade como
características inerentes à profissão de Enfermagem. Portanto, historicamente, a
profissão de enfermeiro está fundada, desde seu princípio, no cuidado humano em
um contexto sócio-cultural marcado por um “espírito” de abnegação quase
sacerdotal; trazendo como identidade a questão do desvelo, do alívio da dor, do
conforto, e da dedicação, bem como, a humildade e a submissão, peculiar aos
religiosos.
Dessa forma, evidencia-se que a enfermagem era tanto uma vocação como
uma profissão. Estava associada a uma ocupação feminina devido a sua experiência
em cuidados com as parturientes e crianças e, também, por estar associada às
atividades domésticas (preparo de alimentos e higiene). O trabalho das enfermeiras
era considerado subalterno, manual e pouco valorizado socialmente, tanto quanto a
própria posição social da mulher nesta época. As práticas de enfermagem possuíam
ausência de conhecimento abstrato e eram, na sua totalidade, atividades
exclusivamente manuais (FLORENTINO, 2006).
A partir da Guerra da Criméia, no século XIX, a Enfermagem é constituída
como profissão. É fundada, na Inglaterra em 1860 por Florence Nightingale, a
primeira escola de enfermagem, movida pela necessidade de organizar e melhorar o
funcionamento nos hospitais. O corpo como unidade biológica passa a ser
valorizado devido sua importância, tanto para a produção econômica ocasionada
pela revolução industrial e o capitalismo, quanto pelas guerras, gerando uma nova
concepção do objeto de saúde da Enfermagem. Essas mudanças atingiram os
objetivos a serem alcançados pelas práticas em saúde alterando a posição social de
seus agentes, as suas condições de trabalho e seus instrumentos. O conceito de
doença passa a ser visto como elemento perturbador da ordem, indesejável para o
exército e para a indústria (MARTINS et. al.,2003).
A Enfermagem moldou-se em uma profissão cuja identidade estava
relacionada à caridade e à devoção, de sexo predominantemente feminino, em uma
saúde voltada aos interesses do País, possuindo como objetivo tanto o cuidado
84
físico e espiritual do paciente como também a limpeza e ordem no interior dos
hospitais. No final do século XIX, surge a enfermeira moderna com uma nova visão
de seu objeto de cuidado — o corpo humano — e constituída sua estruturação
institucionalizada, ou seja: essa profissão estabelece-se com base na disciplina,
hierarquia e organização. (FLORENTINO, 2006).
Essas práticas da enfermagem deixaram como legado uma série de valores
que, com o passar dos tempos, foram aos poucos legitimados e aceitos pela
sociedade como característica inerentes à profissão de Enfermagem. Portanto,
historicamente, a profissão de enfermeiro está fundada, desde seu princípio, no
cuidado humano em um contexto sócio-cultural marcados por um “espírito” de
abnegação quase sacerdotal; trazendo como identidade a questão do desvelo, do
alívio da dor, do conforto, e da dedicação, bem como, a humildade e a submissão,
peculiar aos religiosos. (FLORENTINO, 2006).
A separação legal entre a Medicina a Farmácia e a Enfermagem como
profissões independentes se processou gradualmente, até a idade moderna quando
se sucedeu um período de grandes transformações, não só no âmbito do trabalho,
como também da saúde e da educação. Conforme resume Santos, citando Garcia,
sobre as mudanças nas concepções ocorridas na medicina através da história:
A transformação da medicina secular da antiguidade em clerical,
para logo voltar a ser secular; a separação do ensino e do trabalho,
com a criação da universidade; o aparecimento dos hospitais como
centros de cuidados; o surgimento de vários profissionais no
exercício médico e a mudança do conceito de doença e de saúde
(Santos, 1999 p.53).
Com a diversificação do conhecimento feito no interior das universidades na
Europa, a sociedade passou a fazer distinção entre trabalho intelectual e
conhecimento teórico — valorizado — e o trabalho manual desvalorizado
socialmente. A Medicina converteu-se entre todos em uma “profissão erudita” —
uma profissão de estudo mais do que de prática. Foi somente após esse período
que a Medicina obteve o reconhecimento oficial através do aprendizado universitário
que passou a ser a fonte principal dos critérios que habilitam a um homem exercer o
cuidado médico. E apenas no século XX consolidou sua posição como uma
85
profissão de base científica, reconhecida pela sociedade que passou a consultar e
buscar seus serviços. (SANTOS, 1999).
A Medicina iniciou-se no Brasil, na época da colonização, através de médicos
provenientes da Europa e que aqui eram chamados de “físicos” e tidos, em sua
maioria, como novos cristãos, ou seja, judeus recém convertidos ao catolicismo para
fugir da Inquisição. Os “físicos” competiam com os nativos iniciados como
aprendizes que após alguma prática eram examinados por estes médicos e
recebiam a carta que os habilitava ao exercício da profissão. Os nativos iniciados
como aprendizes tratavam fraturas, luxações e feridas; faziam sangrias, aplicavam
ventosas e sanguessugas e extraíam dentes (SANTOS, 1999).
Como não havia ainda cursos de Farmácia, os boticários aprendiam o ofício e
preparavam poções para sanar ou aliviar os males que afligiam a população. Nas
próprias boticas (como eram chamadas as primeiras farmácias) criadas pelos
Jesuítas, prestavam exame perante o físico-mor e recebiam carta de habilitação. Na
ausência de médico, a medicação era prescrita pelo boticário (PIRES, 1989).
O trabalho designado como enfermagem na sociedade brasileira começa a se
configurar, institucionalmente, a partir do século XVIII quando a profissão surge
como uma simples prestação de cuidados aos doentes, realizada por um grupo
constituído, na sua maioria, por escravos, que trabalhavam nas casas de seus
proprietários e por religiosos pertencentes às Casas de Misericórdia e vai até o final
do século XIX, quando a Enfermagem organiza-se como profissão no Brasil.
A partir do século XIX, iniciaram-se os processos de profissionalização. O
repentino crescimento populacional decorrente da vinda da corte portuguesa para
Brasil, em 1808, somado à ausência de infra-estrutura básica e de legislação
específica com relação à saúde agravaram significativamente os problemas
resultantes das precárias condições sanitárias observadas nos centros urbanos do
Brasil colonial. Modificaram-se, nessa época tanto o papel das cidades, como
também, surgem novos discursos legitimados sobre a produção de doenças, agora
relacionadas às condições sociais, pobreza e ambientais de estrutura e saneamento
básico. É nessa época que se verificam importantes modificações nas políticas
públicas ao equacionamento dos problemas relacionados à saúde pública que, com
o passar do tempo, transformou-se em uma questão do Estado (SANTOS, 1999).
86
No campo da saúde ocorrem mudanças marcantes: vacinações contra
doenças endêmicas, medidas de cuidados sanitários e formação de médicos,
cirurgiões e farmacêuticos brasileiros pela fundação de duas escolas médico-
cirúrgicas, uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro, os quais, aos poucos foram
assumindo o exercício da medicina e da farmácia em concorrência com os nativos,
os curandeiros e os boticários iniciando o processo de profissionalização dos atores
em saúde.
Até então, era esse o cenário da saúde, no Brasil, à época de sua
colonização, cujos saberes e práticas em saúde eram muito primitivos, quase sem
embasamento científico em que os jesuítas e os boticários tiveram um papel
relevante no atendimento médico à população, tanto indígena quanto de escravos e
colonizadores (SANTOS, 1999).
A Enfermagem moderna, no Brasil teve seu início, em 1921, com a fundação
do curso superior Escola Ana Néri. Nas primeiras escolas de enfermagem as aulas
eram ministradas pelos médicos e cabiam a eles designar quais as funções que
seriam exercidas pelos enfermeiros. A esses incumbia executar as tarefas
delegadas pelos médicos — o cuidado aos pacientes —, àqueles cabia o
diagnóstico, a terapêutica e a busca pela cura. Esta relação se configurou
subordinada ao poder médico em uma perspectiva do modelo biologicista
(FLORENTINO, 2006).
Já no século XX, a enfermeira moderna aparece com ênfase no
conhecimento intelectual, no saber, e não mais pelo fazer manual dos decênios
anteriores. O desenvolvimento técnico aliado a implicações de natureza social
subdividiu os agentes encarregados do cuidado direto ao paciente em outras
categorias: auxiliares, técnicos e atendentes, destituídos dos domínios do saber e
subordinados à enfermeira que passa a adotar posições de liderança assumindo o
controle, a supervisão e a disciplina dessa prática cabendo às outras categorias o
trabalho considerado não intelectual (trabalho manual) reproduzindo a dominação da
classe.
No Brasil, em 1931, o governo do Presidente Getulio Vargas, aprova a
regulamentação do exercício da profissão farmacêutica, pelo decreto 20.377.
Permanece, porém, até o presente momento, a profissão médica sem
regulamentação legal. Em 1957, pela Lei 3.268, é criado no governo do Presidente
87
Juscelino Kubitschek o Conselho de Medicina, Federal e Regionais quem também
cria em 1960, através da Lei 3.820, o Conselho Federal de Farmácia. Em 1973, são
criados, através da Lei 5.905, os Conselhos Federais e os Conselhos Regionais de
Enfermagem, constituindo em seu conjunto Autarquias Federais vinculadas ao
Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Essas três profissões, Farmácia, Medicina e Enfermagem, que labutam em
uma área comum, a área biomédica, cuja dinâmica vem alterando-se rapidamente,
em proporção cada vez mais acelerada. São notáveis as transformações do mundo
nos últimos 100 anos, uma descoberta científica, alavanca outra em um ritmo veloz
e progressivo.
As profissões de Farmácia, de Medicina e de Enfermagem já não são as
mesmas profissões de quando foram instituídas e regulamentadas aqui, no País.
Estas modificações são conseqüências, não só das descobertas tecnológicas e
científicas e da criação de novas especializações e novas profissões surgidas na
área biomédica, como também, são o resultado de novas concepções, novas visões
de mundo que atualmente norteiam a sociedade. São modificações profundas,
paradigmáticas, que exigiram uma adaptação das profissões e um reajuste do papel
que cabe aos Conselhos Profissionais dessas profissões, exercer.
Todas as mudanças que foram promovidas na área da Saúde corolário da
abertura política da Constituição de 1988 e do pleno exercício da cidadania da
sociedade repercutiram nos fazeres dos Conselhos Profissionais. Maior número de
leis, maior rigor nas fiscalizações e maior cobrança da população, da mídia e de
entidades não governamentais têm exercido pressão em todas as categorias
profissionais da área da Saúde desde então, consequentemente também nos seus
Conselhos Profissionais, que são os órgãos oficiais que regulam essas profissões.
4.3.3 Os Conselhos Profissionais de Saúde
A partir da redemocratização brasileira, com a constituição das Conferências
e dos Conselhos de Saúde, a participação da sociedade — representada através
das profissões e dos Conselhos Profissionais de Saúde — tornou-se uma
possibilidade real de controle social das políticas públicas formuladas pelo Estado
88
nessa área. No Estado democrático de direito os Conselhos Profissionais, além do
seu dever de fiscalizar as profissões e o exercício profissional, assumem também, a
função de contribuir para o fortalecimento dos mecanismos de controle social e
democratização das políticas públicas, na medida em que vincula o projeto ético-
político profissional a um projeto social mais amplo, colocando-se como um sujeito
importante na construção e consolidação de uma sociedade democrática. Nessa
perspectiva de verificação da aplicação das leis e a regulação do exercício
profissional ético, a ação dos Conselhos Profissionais é redimensionada, voltando-
se para além do seu aspecto normativo e fiscalizador, para o movimento da
sociedade na defesa dos direitos fundamentais do homem.
O disciplinamento das profissões é uma exigência do próprio processo
societário, na perspectiva de assegurar a preservação dos interesses da sociedade
em geral, não se restringindo, portanto, aos interesses meramente corporativos. Sob
esse aspecto, o exercício profissional assume caráter público, tornado-se objeto de
fiscalização do Estado, função atribuída aos Conselhos Profissionais, entidades de
natureza federativa e jurídica, dotadas de autonomia administrativa e financeira e
mantidas por contribuições de cada profissional inscrito, quando de sua habilitação
para o exercício profissional.
Segundo o sociólogo José Pastore (1999) anteriormente os Conselhos
Profissionais eram vinculados ao Ministério do Trabalho, porém a partir de 1998,
com a Lei 9.649/98 os Conselhos Profissionais passaram a ser entidades de direito
privado não havendo mais necessidade de prestar contas ao Tribunal de Contas da
União. Desde então, os Conselhos estão desvinculados do Poder Público, embora
continuem a ter as prerrogativas que tinham anteriormente — como as isenções de
tributos — e mantenham o poder de fiscalização e de policiamento, que são poderes
próprios dos órgãos públicos. Os Conselhos atualmente são registrados como
entidades sem fins lucrativos e possuem imunidade tributária. Hoje, os Conselhos
Profissionais, apesar de arrecadarem uma grande soma em dinheiro dos
profissionais, praticamente não estão submetidos a nenhum controle externo,
conforme informa Pastore (1999) sobre o controle de suas atividades financeiras, de
acordo com o artigo 58, parágrafo 5° da Lei 9.649/98:
89
(...) o controle das atividades financeiras dos conselhos será
realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos
regionais prestar contas aos federais, e estes, aos regionais. (...), ou
seja, os conselhos profissionais, apesar de serem órgãos privados,
impõem a todos os integrantes da profissão, um pagamento
compulsório de anuidades, cassa o registro de quem não paga, estão
isentos impostos e prestam contas a si mesmos.
Toda a atividade profissional exercida tanto por Farmacêuticos, quanto por
Enfermeiros e Médicos, no Brasil, está sob a jurisdição do Conselho Federal de
Farmácia, de Enfermagem e de Medicina, respectivamente, que regulamentam e
disciplinam o seu exercício. Em cada Estado existe um Conselho Regional
correspondente a cada uma dessas profissões, os quais estão subordinados ao seu
respectivo Conselho federal.
Pela representação de trabalhadores de diferentes áreas os Conselhos
Profissionais são partes integrantes dos conselhos de direitos, conselhos de
políticas, grupos de trabalho ministeriais, fóruns de entidades da sociedade civil e
organização de seminários, conferências e similares participando, portanto,
ativamente dos processos de transformação da sociedade na reconfiguração do
cenário político. Assim sendo, os Conselhos Profissionais, a saber: os Conselhos de
Medicina, de Farmácia e de Enfermagem — objetos desta dissertação — juntamente
com seus profissionais integrantes, tornam-se sujeitos históricos indispensáveis no
processo de construção das diretrizes que pautam as relações do atendimento em
saúde a toda população brasileira e das instituições que dela tomam parte.
O papel dos Conselhos Profissionais é norteado pelo seguimento das
entidades de trabalhadores da área de Saúde que labutam objetivando alcançar os
preceitos de saúde definidos pela Constituição. Em sua função pública os Conselhos
são criados com o objetivo de, por um lado, defender e disciplinar o exercício
profissional, representando, em juízo e fora dele, os interesses gerais e individuais
dos profissionais e dos cidadãos e, por outro lado, assegurar a qualidade dos
serviços prestados à sociedade consoante com a legislação vigente no país.
Através do olhar das Ciências Sociais, buscamos observar o campo agônico
formado pelas profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina e seus Conselhos
profissionais, que foi modificado pela Constituição de 1988, principalmente com
relação ao papel desempenhado por estes Conselhos Profissionais nas questões
concernentes às disputas pelo espaço e autonomia profissionais dentro da equipe
90
multidisciplinar de Saúde, seus mecanismos de controle profissional e sua própria
regulação.
A partir do século XX, diversas profissões surgiram na área da Saúde
brasileira e passaram a disputar o espaço de atuação profissional, ocupado
anteriormente apenas pelas profissões de Farmácia, de Medicina e de Enfermagem.
Quase todas desempenhando atividades que, anteriormente, eram realizadas
exclusivamente pela Medicina, tais como a Fisioterapia, a Fonoaudiologia, a
Nutrição, e a Biomedicina.
Essas novas profissões foram desmembradas do corpo da Medicina e se
tornaram independentes por força da legislação e, todas elas possuem de alguma
maneira, interface com a Medicina, gozando de maior ou de menor autonomia de
ação em sua área de trabalho, na dependência da legislação e da regulamentação
em vigor.
A trajetória dos Conselhos e Ordens no Brasil, mais particularmente a partir
da década de 80, vem sendo marcada pela sua participação nas diferentes lutas da
sociedade, operando como agente ativo na construção coletiva de espaços públicos
de defesa das políticas sociais, contribuindo para a institucionalização dos princípios
democráticos da Constituição de 1988. Desde então, os diversos Conselhos têm
priorizado ações voltadas para maior qualificação dos trabalhadores, melhores
condições de trabalho, democratização das relações profissionais, participação nos
espaços de controle social, universalização das políticas sociais, garantia do direito
ao acesso humanizado dos serviços públicos e estímulo à participação popular,
todos em articulação com os vários segmentos da sociedade.
A participação dos Conselhos Profissionais nos mecanismos de controle
social, instituídos e instituidor, vincula os interesses mais amplos da sociedade aos
interesses individuais de cada profissional. Os profissionais de saúde, assim como
as instituições de saúde, são partes integrantes de um grupo social, exercendo o
papel que lhes cabem através de normas pré-estabelecidas, e que executam
diariamente suas funções voltadas para a sociedade. Essas ações repercutem e são
repercutidas em todos os segmentos da área da saúde; inclusive nos seus
respectivos Conselhos Profissionais, que agem através das mesmas.
Nas últimas décadas outras profissões de nível superior criadas na área
biomédica têm dificuldades de regulamentação legal. Tais dificuldades estão
relacionadas tanto aos direitos, atribuições, deveres e limitações dos seus
91
profissionais nos seus respectivos espaços de atuação, quanto nas suas relações
com as profissões correlatas, em especial com a profissão médica. As relações entre
esses profissionais, que muitas vezes executam ações superpostas ou
complementares no seu cotidiano, acabam por ocasionar práticas concorrentes e
originar disputas por fronteiras — espaços-limite de atuação profissional.
As posturas assumidas pelos Conselhos Profissionais, talvez possam ser
explicadas, em parte, pelas preocupações relacionadas a outras questões sociais,
tais como: as que dizem respeito à empregabilidade, à autonomia da profissão —
limites e fronteiras — e sua subsistência e legitimidade na sociedade.
A continuidade da profissão, em um universo cada vez mais diversificado e
concorrido, potencializado pelo surgimento de novas profissões e especialidades na
área biomédica, bem como pelo desemprego, que tornou-se um problema a nível
mundial, constituiu-se em um desafio — tanto para os Conselhos quanto para seus
profissionais — que precisam buscar novas formas e sentidos para seu fazer, em
uma época marcada pela competição, pela supervalorização do capital e pelo uso
das tecnologias avançadas.
Presentemente essas profissões, tanto como as demais profissões da área da
Saúde, encontram-se em uma crise identitária; provocada tanto pelas demandas
advindas da sociedade mais informada e consciente de seus direitos de cidadania,
quanto pela necessidade de reacomodação de saberes. As raízes dos problemas
atuais estendem-se para trás no tempo e denotam interesses econômicos e políticos
e sociais.
Os aspectos técnicos, políticos, econômicos, históricos e sociais que
envolvem as relações profissionais entre os atores da área da saúde produzem uma
maior ou menor aceitação e credibilidade por parte da sociedade; sugerindo uma
hierarquização deste saber relacionada à sua proveniência histórico-cultural.
A Medicina já não ocupa mais o lugar de autoridade sobre as outras
profissões que ocupou em épocas passadas. Por um lado, suas afirmações são
questionadas por novas ciências e suas verdades relativizadas, por outro lado, ela
também não conserva mais o prestígio de outrora junto à população, conforme
documenta Blendon citado por HOEFLER, (2004, p. 63).
O declínio na confiança pública na profissão médica, fato que resulta
do crescente mercantilismo nos cuidados a saúde ou um
92
distanciamento da medicina daquele altruísmo tradicional, que era
característico.
Na equipe multidisciplinar de saúde, há mais de uma dezena de profissionais,
todas essas profissões, com exceção da dos médicos, já contam com um elenco de
leis que define suas atribuições.
Com relação às disputas do espaço profissional e participação política dos
Conselhos Profissionais nessa área podemos citar um exemplo recente: a questão
do Projeto de Lei do Ato Médico que pretende estabelecer ações privativas do
Médico e submeter às outras profissões de saúde à sua subordinação.
O Conselho Federal de Medicina (2005) conceitua o ato profissional como
(...) toda ação, procedimento ou atividade que a legislação
regulamentadora de uma profissão atribua aos agentes de uma dada
categoria profissional praticado por pessoa adequadamente
preparada, devidamente habilitada e que esteja exercendo
legalmente sua profissão, de acordo com a legislação vigente.
Segundo o Conselho de Medicina (CFM, 2005), a execução do ato médico é,
portanto, função privativa de quem é formado em Medicina em estabelecimento
educacional oficial, legalmente capacitado e registrado no Conselho Regional de
Medicina de seu estado e no organismo competente de vigilância sanitária do
sistema de saúde a que estiver vinculado.
Com o argumento histórico de que até os anos 60 existiam praticamente
apenas cinco profissões — a Medicina, a Farmácia, a Enfermagem, a Veterinária e a
Odontologia — as quais se encontravam em equilíbrio, compartilhando o espaço e o
mercado dos serviços de saúde, e por considerar que o campo de trabalho médico
tornou-se muito concorrido pela entrada de novos agentes oriundos de outras
profissões cujos limites de atuação interprofissionais nem sempre estão bem
definidos por lei e por ser a Medicina a única profissão no campo da saúde a não ter
suas atividades regulamentadas por lei, e que na Constituição Federal são
inexistentes leis que definam seus papéis e seus atos privativos, O Conselho
Federal de Medicina (CFM) resolveu apoiar o Projeto de Lei que tramita no Senado
Federal de autoria do ex-senador Geraldo Althoff (PFL/SC) e chamado de Projeto de
93
Lei do Ato Médico (PL 25/2002). O projeto chamado de Lei do Ato Médico define o
Ato Médico e condiciona à autorização do médico o acesso aos serviços de saúde
pelas outras profissões. O Ato Médico estabelece uma hierarquia entre a Medicina e
as demais profissões da área da saúde tornando privativos da classe médica todos
os procedimentos diagnósticos e indicações terapêuticas relacionados ao paciente,
como também, as atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria,
supervisão e ensino dos procedimentos médicos (CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA, 2005).
Os médicos buscam recuperar um espaço perdido com a proliferação das
carreiras paramédicas e estas tentam preservar e consolidar suas conquistas. O
certame não é sem interesse para a população geral porque a definição do ato
médico, na forma como está proposta, deve gerar conseqüências.
O texto do Projeto estabelece que o acesso a qualquer serviço de saúde
precisa de autorização do médico. No caso do farmacêutico, o Ato Médico iria inibir
as ações farmacêuticas nos campos da atenção primária à saúde e da prevenção a
doenças. O Presidente do Conselho Federal de Farmácia, Jaldo de Souza Santos
argumenta que inferiorizar as outras profissões, inclusive a Farmácia causaria
prejuízos a população e oneraria os cofres públicos, por internações desnecessárias
decorrentes do não cumprimento do tratamento e (ou) do uso inadequado do
medicamento.
É o Conselho Federal de Medicina (CFM) organização que representa os
médicos de todo o Brasil o principal responsável pelo Ato Médico, e que, juntamente
com a Associação, a Federação, o Sindicato, e outras instituições médicas estão
mobilizados politicamente para que seja aprovado o Projeto de Lei do Ato Médico.
O CFM posiciona-se contra algumas características do SUS (Sistema Único
de Saúde), que teria trazido diversos prejuízos ao atendimento da população, na
visão da entidade. O SUS é criticado pelo CFM principalmente por ter gerado um
grande número de demissões de médicos. Na verdade, as crises identitárias, não
raramente, vinculam-se às mudanças estruturais (ciência, tecnologia, conhecimento,
mundo do trabalho) pelas quais passam as sociedades contemporâneas; na
perspectiva da Sociologia do Conhecimento e da Ciência, tais crises advêm de uma
mudança na “base existencial da sociedade”. Na qual há um posicionamento da
representação hegemônica de sua profissão, excluindo e isolando outras profissões.
94
Hoje, são outros os tempos, as práticas no campo da saúde mudaram, seguem a
nova diretriz curricular que envolve a interdisciplinaridade na saúde, não havendo
mais espaço para que uma única profissão — cuja autoridade pode estar calcada
mais na tradição que propriamente no saber técnico —– domine o campo da Saúde.
Vive-se hoje uma situação em que diversas profissões da área da Saúde
tentam definir seu campo de atuação. A atual sobreposição de atividades
profissionais, oriunda da fragmentação cada vez mais intensa do conhecimento e,
sobretudo, do conhecimento especializado, tem feito com que, por um lado, emerjam
novas profissões e, por outro, as já existentes, reconfigurem-se, reacomodem-se,
remodelem-se e disputem espaços de aplicabilidades.
Compreender o campo agônico existente atualmente no exercício das
profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina, suas ações e reações, buscando
manter, ampliar, pertencer, estar na agenda; vinculando seu exercício com as
expectativas da sociedade e dessa forma possibilitar sua legitimização perante os
cidadãos e, ao mesmo tempo, obter a justa retribuição e importância parecem ser os
desafios de hoje dos Conselhos Profissionais. O significado de campo agônico é
compreendido aqui, não como um campo de contendas entre inimigos, mas de
labutas entre competidores legitimados que lutam por posições e espaços
conquistados através de disputas reconhecidas. Conforme explica Mendonça
(2003):
O ponto fundamental da noção filosófica de agonismo — que a
diferencia radicalmente da de antagonismo — não é a competição,
ou a disputa (que o antagonismo apropriado pela Teoria Política
também supõe), mas a existência de regras que fazem com que os
adversários partam para sua luta de um ponto comum, de modo que
a disputa não ocorra com o fim de destruir o oponente, mas pela
legitimidade de um discurso em detrimento de outro. Era um espaço
competitivo, político, no qual se buscava reconhecimento e
diferenciação da futilidade da esfera privada.
As relações de forças agônicas almejam unir esforços, para que seus
interesses sejam contemplados, configurando-se em uma nova forma de
relacionamento entre os atores envolvidos.
Há consenso de que ao Conselho cabe promover encontros e debates que
busquem não só as discussões de questões de ordem técnica, como também, as
discussões que se referem às políticas que envolvem as atividades farmacêuticas,
95
médicas e de enfermagem, discutindo a inserção do farmacêutico, do enfermeiro e
do médico nos serviços públicos de saúde, como também no SUS e a preocupação
destes com os assuntos políticos. Cabendo-lhe também a obtenção do
reconhecimento do profissional de saúde por parte da sociedade e pelos gestores
públicos, como figura de vital importância no desenvolvimento de políticas publicas
consistentes, que possam garantir melhores condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde; facilitando o acesso da população aos serviços de saúde, ao
tratamento e ao medicamento com qualidade e segurança. E para que o setor
público atinja essa situação, significa promover a racionalização e descentralização
dos recursos aplicados e a redução de perdas.
Esse conjunto de relações ampliado pela inclusão de novos atores — atores
que são condutores de organismos estatais — que participam na formulação e
implementação de políticas públicas, que impactam diretamente nos fazeres de cada
um desses atores sociais acabam por se tornar produto de uma disputa de forças
com vistas a obter a colaboração através de interesses articulados e que produzem
novos problemas que anteriormente não existiam, como por exemplo, a questão da
legitimidade, de estabelecimento de fronteiras e de identidades gerando situações
de instabilidades em que devem adaptar-se, abandonando certezas, dividindo o
poder, abrindo-se para novos saberes oriundos de esferas distintas da sociedade.
Se por um lado este momento histórico-cultural traz benefícios e esperanças
para as pessoas, por outro lado, traz consigo conseqüências danosas ao processo
de envolvimento pessoal e suscita dilemas éticos até então não sentidos. Toda
instituição é produto das ações dos indivíduos, resultantes da forma como pensam o
mundo, suas crenças, suas concepções e valores. A partir desse pressuposto, pode-
se dizer com Kirschner (2002), que as instituições são uma construção social e
podem ser analisadas como objetos das Ciências Sociais. Através da lente
sociológica põem ser colocados à descoberto elementos existentes nas instituições
que não seriam prontamente perceptíveis de outro modo.
Como os Conselhos Profissionais são espaços onde ocorre o exercício do
poder, presente em cada interação social, gerando regras e estruturando relações, e
disputas por esse poder, conforme salienta Foucault (1977), se faz indispensável,
para uma análise explicativa ampliada dessas organizações, atribuir a devida
importância às relações que elas possuem.
96
Não há dúvida sobre as mudanças que vêm ocorrendo no setor de Saúde no
país, tanto nos caminhos percorridos pelas profissões, quanto nas relações
estabelecidas por essas e suas instituições representativas — como é o caso dos
Conselhos Profissionais — o Governo e a sociedade.
A preocupação sobre o rumo das profissões da saúde tem sido, inclusive,
tema de eventos internacionais como foi o caso do “Simpósio da Liderança da
Aliança Mundial das Profissões da Saúde” realizada pela Aliança em 2004, em
Genebra, Suíça em que participou o Ministro da Saúde no Brasil, Humberto Costa,
que discutiu entre outras, a questão dos avanços das pesquisas em genética e a
preocupação da disseminação da AIDS, principalmente na África. O evento mostrou
que mudanças profundas vão ocorrer com as profissões da saúde com a genética
apontando como agente detonador dessas mudanças. As profissões terão que
abrigar mais conhecimentos e uma apurada visão social (CFF, 2004).
4.4 CONSIDERAÇÕES
O advento da Nova Constituição que incluiu pela primeira vez a participação
da sociedade descobriu o tamanho dos problemas a serem superados. A crise na
área da Saúde, na verdade, nunca encontrou solução. Mas ao ser inserida uma
maior participação dos diversos setores da sociedade civil, e a proposta de
descentralização dos recursos, trazendo maior autonomia aos municípios na tomada
de decisões, foi transposto um degrau acima na direção de sua efetiva
concretização.
Se por um lado essas melhorias são desejáveis, por outro lado, aumentam o
abismo social, brasileiro já existente somando-se como mais um elemento causador
da clivagem social existente e distanciando a contemplação dos propósitos da
Constituição de 1988 referentes a uma Saúde igualitária e extensiva a toda
população.
A sociedade civil ao exigir políticas públicas mais eficientes, tornou-se um
elemento de pressão, o que acabou por refletir-se tanto nas leis produzidas pelo
Estado, quanto no cotidiano dos profissionais que trabalham na Saúde e nos seus
respectivos Conselhos Profissionais, formando um campo agônico na Saúde,
97
composto pelo conjunto destas relações que se integram umas com as outras e
interagem entre si.
Para que se possa conhecer a complexidade do mundo real é indispensável
alargar os horizontes do conhecimento, libertando amarras, sem restringir-se a um
único saber possível. Permanece o desafio de mudança de paradigma do
profissional de saúde, com formação focada em uma base epistemológica analítica,
que conduziu o profissional a uma postura de distanciamento do seu objeto e um
desvinculamento da realidade social em que se insere como ator — cidadão e
profissional — da saúde.
Ao ser exposta a configuração atual do cenário da Saúde brasileira,
apontando como se dão, através dos processos históricos de construção e
desenvolvimento das identidades profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de
Medicina; é possível a percepção das disputas pela legitimação e pelas fronteiras de
atuação dessas profissões, através de jogos de poder, das quais participam seus
respectivos Conselhos Profissionais.
Percebe-se que coexistem objetivos e interesses encobertos pela manta legal
dos Conselhos Profissionais, motivações ainda não bem conhecidas, mas com
alguns pressupostos como: ampliação do poder político, hegemonia e domínio
corporativista.
98
5 OS CONSELHOS PROFISSIONAIS DE FARMÁCIA, ENFERMAGEM E
MEDICINA: COMPARAÇÃO E ANÁLISE DE CONTEÚDO COMO PERCURSO
METODOLÓGICO
5.1 INTRODUÇÃO
5.1.1 O delineamento da pesquisa
Neste capítulo são descritos os métodos e as técnicas empregados na
pesquisa para a obtenção de dados empíricos e um efetivo conhecimento da atual
realidade dos Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e Medicina. A
pesquisa utilizou o método comparativo e descritivo através de uma abordagem
qualitativa, aplicando como técnica de tratamento e interpretação de tais dados, a
análise de conteúdo.
A pesquisa teve como objetivo principal conhecer e compreender como estão
se dando presentemente as relações entre os três Conselhos, citados no parágrafo
anterior, e os demais atores sociais da Saúde (especificamente a sociedade civil, o
Estado e os profissionais Farmacêuticos, Enfermeiros e Médicos que são vinculados
a estes Conselhos respectivamente), após a mudança paradigmática ocorrida na
área da Saúde, devido à instituição da Nova Constituição Brasileira, em 1988.
A Constituição de 1988 tornou-se um marco na Saúde, devido ao grau de
importância das mudanças implantadas nesta área, causando uma remodelação das
relações estabelecidas entre os Conselhos, os profissionais, a sociedade civil e o
Estado, que ainda, não são suficientemente conhecidas. As transformações
ocasionadas pela Nova Constituição, produziram e ainda produzem um ambiente de
equilíbrio delicado, onde os atores sociais convivem com interesses diversos,
originando disputas dentro do campo agônico da Saúde. Ao ser considerado que
cada um destes Conselhos (de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina) deve, por
um lado, cumprir as exigências legais determinadas pelo Governo e atender às
expectativas da sociedade civil no que concerne à Saúde e, por outro lado,
necessita, também, lidar com as questões advindas dos profissionais ligados a cada
um destes Conselhos; torna-se importante desvendar como acontecem, na prática,
estas relações. Os Conselhos Profissionais, de algum modo, formam um elo entre a
sociedade, os profissionais técnico-científicos que executam, na prática, as ações de
99
atendimento à saúde da população e o Estado; produzindo uma teia de relações que
interliga e faz interagir estes atores sociais que nem sempre possuem os mesmos
objetivos. Conhecer constituir estes “Novos Conselhos” de práticas reconfiguradas,
compôs o objeto de pesquisa desta dissertação. A hipótese da pesquisa parte da
suposição de que estes três Conselhos possuem dinâmicas diferentes na forma
como conduzem, e executam a fiscalização dos profissionais pertencentes a eles, e
que também, atuam de forma distinta na maneira como lidam com as demandas
produzidas pela sociedade civil e pelo Estado.
A pesquisa empírica foi realizada com profissionais ativos das áreas dos
Conselhos Profissionais investigados, ou seja; com profissionais Farmacêuticos,
profissionais Enfermeiros e profissionais Médicos, em Porto Alegre, no Rio Grande
do Sul. A escolha dos profissionais entrevistados seguiu alguns critérios previamente
estabelecidos pelo pesquisador; descritos mais adiante neste capítulo.
Dada as diferentes dimensões do objeto de pesquisa — os três Conselhos
vinculados à área da Saúde — optou-se por uma combinação de métodos e
técnicas, os quais acreditou-se serem complementares, no sentido de atender aos
objetivos da pesquisa. Este conjunto de métodos teve por finalidade tanto coletar
dados empíricos, quanto de possibilitar a compreensão e interpretação dos dados
provenientes da empiria, extraindo deles ulteriores explicações que contribuíssem
para o conhecimento proposto por esta dissertação. Na pesquisa, foram utilizados
os seguintes métodos e técnicas que deram sustentação à pesquisa: entrevistas
semi-estruturadas, análise de conteúdo, e método comparativo através de uma
abordagem qualitativa.
O viés qualitativo possibilita analisar a natureza de um fenômeno social
complexo em maior profundidade, colocando em descoberta a interação de certas
variáveis, para que seja possível a compreensão dos processos dinâmicos vividos
por grupos sociais ou instituições sociais, como são no caso, as relações descritas
anteriormente entre os Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e
Medicina, seus profissionais, a sociedade e o Estado.
Devido ao caráter intrínseco do objeto de análise das Ciências Sociais ser
diferente das outras ciências — tais como a biologia e a química que lidam com
elementos externos e objetivados — é necessário também, lidar com emoções,
valores e subjetividades em função da diferença fundamental entre seus objetos de
análise. Uma pesquisa em Ciências Sociais necessita, portanto, o uso de um
100
método que seja capaz de abranger as subjetividades do sujeito pesquisado; quer
sejam elas conscientes ou inconscientes; declaradas ou não, e que possa ao
mesmo tempo, garantir o rigor necessário à uma pesquisa cientifica
(GOLDENBERG, 2003}.
5.1.2 Dimensão empírica e coleta de dados
Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas com
profissionais farmacêuticos, enfermeiros e médicos, sem distinção de gênero, de
Porto Alegre, pertencentes a diferentes instituições — públicas ou privadas — com
tempo de atividade superior a dez anos de exercício profissional, de forma que
houvesse uma certa maturidade política adquirida através da experiência
profissional e pessoal do indivíduo envolvido na pesquisa. Os sujeitos,
obrigatoriamente deveriam pertencer a dois grupos arbitrariamente separados. A
escolha foi focada em dois grupos distintos: o primeiro formado por aqueles
profissionais que têm exercido funções eminentemente técnicas, em hospitais,
emergências, postos de prestação de serviços assistenciais direcionados a
população em geral, sem vinculação política especialmente dirigida para a categoria
profissional como atividade fim, não possuindo experiência de participação prévia ou
concomitante em órgãos de classe; e o segundo grupo, composto por profissionais
ligados (atualmente ou no passado) a órgãos de classe produtores e executores de
atividade política — como conselho, sindicato, federação ou associação profissional,
ou seja, profissionais vinculados a instituições que possuíssem algum caráter
representativo de classe profissional. A estes dois grupos denominou-se
respectivamente — apenas para efeito de análise desta pesquisa — grupo técnico e
grupo político, doravante assim designados na pesquisa.
Foram entrevistados quatro profissionais de cada uma das três profissões
(farmacêuticos, enfermeiros e médicos), sendo dois pertencentes ao grupo político e
dois ao grupo técnico conforme a classificação feita acima.
Os profissionais que participaram da pesquisa assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido
3
(Apêndice B), que foi lido, explicado, e assinado
3
Conforme norma do Conselho Nacional de Saúde (1996), o respeito devido à dignidade humana exige que toda
pesquisa se processe após Consentimento Livre e Esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou
grupos que por si
e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa
http://conselho.saude.gov.br/deliberacoes/reso_96.htm.
101
pelos mesmos e pelo pesquisador, permanecendo uma cópia com o participante e
outra com o pesquisador.
O grupo político foi representado pelas letras em maiúsculo OC (órgão de
classe) seguidas pela letra da profissão e um número. O grupo técnico foi designado
pela letra maiúscula correspondente à sua profissão e seguido por um número.
Ficaram assim denominados: FOC1; FOC2; EOC1; EOC2; MOC1; MOC2,
representando o grupo político — farmacêuticos, enfermeiros e médicos de órgãos
de classe — e, F1; F2; E1; E2; M1; M2, representando os farmacêuticos, os
enfermeiros e os médicos que não pertencem a órgãos de classe. Os profissionais
entrevistados foram em número suficiente até o momento em que foi identificada a
ocorrência da repetição das informações — ponto de saturação da amostra —
indicativo de que foi atingido o conhecimento necessário para a realização da
análise. Foram entrevistados doze profissionais, sendo que destes, seis
participantes eram mulheres e seis eram homens, com idades que variaram entre 30
a 65 anos.
Criou-se um roteiro de entrevistas individuais semi-estruturadas como
instrumento de coleta de dados (as perguntas formuladas estão disponíveis no
Apêndice C, conforme consta no roteiro de entrevista), o qual foi aplicado aos
profissionais Farmacêuticos, Enfermeiros e Médicos que atuam em Porto alegre, no
Estado do Rio Grande do Sul. Este roteiro de entrevistas foi elaborado com vistas a
atender os objetivos da dissertação, bem como testar a hipótese da pesquisa.
As perguntas foram separadas em três blocos de macro-temáticas: bloco A
com questões relativas à situação geral da profissão com um todo no Rio Grande do
Sul atualmente, tendo como marco histórico a Nova Constituição Brasileira; bloco B
questões atinentes ao poder, tanto dos profissionais individualmente, quanto aquele
exercido pelas corporações — órgãos de classe — buscando identificar sua
dimensão e representatividade política junto ao Governo e o terceiro bloco, chamado
bloco C, com questões respectivas a convivência com as outras profissões de
Saúde: disputas corporativas, confrontos com profissões afins, demarcações de
fronteiras e a realização de trabalhos multidisciplinares dentro das instituições ou
dirigidos à comunidade, em geral.
102
5.1.3 Tratamento dos dados
Os dados — objetivos e subjetivos — obtidos das falas emitidas nas
entrevistas semi-estruturadas da pesquisa empírica foram reinterpretados, seus
elementos identificados e destacados, resultando em unidades de significados.
As unidades de significados foram classificadas em categorias conforme as
questões abordadas pelos profissionais e de acordo com os objetivos da pesquisa.
As categorias extraídas das unidades de significados foram preparadas e
processadas, para que depois fossem analisadas de maneira a auxiliar a
compreensão, a explicação e a inferência a que aspira a análise de conteúdo. Os
dados categorizados foram então, comparados uns com os outros, revelando as
particularidades, disparidades e subjetividades de cada um dos Conselhos
Profissionais pesquisados (farmácia, Enfermagem e Medicina).
O método comparativo, segundo Lakatos e Marconi (1995) permite analisar o
dado concreto, previamente categorizado, deduzindo a partir dele os elementos
constantes, abstratos e gerais a fim de atingir o grau de compreensão do fenômeno
social que a pesquisa objetivou alcançar.
5.2 CONHECENDO OS NOVOS CONSELHOS PROFISSIONAIS DE FARMÁCIA,
DE ENFERMAGEM E DE MEDICINA: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS
DISCURSIVAS
Conforme já foi mencionado na introdução do capítulo, as categorias que
emergiram dos dados processados, permitiram visualizar — na percepção dos
profissionais entrevistados — a postura de cada um dos Conselhos Profissionais,
que compuseram o objeto empírico da pesquisa, frente às demandas dos seus
próprios integrantes, da sociedade civil e do Estado.
Na análise, realizou-se um esforço no sentido de harmonizar a dimensão
teórica com a dimensão empírica, comparando-se os dados categorizados de cada
Conselho com os dados dos outros dois Conselhos investigados. Os dados
categorizados, ao serem cotejados, tornaram possível o conhecimento da visão de
cada Conselho Profissional referido, colocando a descoberto os comportamentos, os
discursos, as peculiaridades, as dessemelhanças e as idiossincrasias de cada um
dos três Conselhos. A comparação, assim feita, permitiu a percepção das diferenças
103
e das semelhanças contidas nas práticas discursivas de um, em relação aos outros
dois, possibilitando ao pesquisador assumir uma postura crítica diante dos
resultados encontrados.
A análise foi norteada pelas seguintes categorias dispostas no Quadro1, nas
quais foram destacados alguns temas pertinentes:
QUADRO 1 – Categorização dos dados e seus temas
Categorias Tema
1-A visibilidade dos Conselhos Regionais
(Farmácia, Enfermagem e Medicina), na
percepção dos seus profissionais - as
diferentes conquistas e remunerações
econômicas
Valorização
Prestígio e “Status”
2-Ações fiscalizadoras dos Conselhos e
Controle social
Percepções dos profissionais
3-Influência da legitimização do saber de
cada profissão, nas diferentes posturas
assumidas pelos Conselhos, em relação
aos seus profissionais
Relações de saber-poder
4-Representação política dos Conselhos
com o Estado e a sociedade civil
Poder X Fazer
5-Fatores que favorecem a supremacia de
um Conselho em relação aos outros dois
Conselhos investigados
Credibilidade
Autoridade
Visibilidade,
6- Fatores que predispõem às disputas
pelas fronteiras na dimensão corporativa
Coerção
Conflito
104
5.2.1 A Visibilidade dos Conselhos Regionais (Farmácia, Enfermagem e
Medicina), na percepção dos seus profissionais: as diferentes
conquistas e remunerações econômicas.
A categoria da visibilidade dos Conselhos trouxe para discussão aquelas
questões que falam da auto-estima profissional. Tanto o valor que o profissional
atribui à sua própria profissão, quanto ao reconhecimento que é feito pela sociedade
de uma forma geral. Os assuntos abordados pelos sujeitos dentro dessa categoria
foram: valorização, autonomia profissional, reconhecimento profissional,
disponibilidade de tempo, valorização econômica, conhecimento técnico.
Tomando-se as falas separadas por profissão, aparece uma clara distinção
entre os pronunciamentos feitos pelos profissionais vinculados aos órgãos de classe
profissional e os dos agentes técnicos; bem como as diferenças entre o que cada
profissão considera como valor profissional.
Observa-se nas falas de F1 e E1:
(...) continuam existindo os cursos de pós-graduação vão formar o
profissional especialista. Então, dentro da área de farmácia hospitalar,
tem curso de especialização em oncologia e alimentos, por exemplo.
(...) depois de ter sua formação generalista, o profissional vai buscar
uma especialidade dentro de sua área de atuação (F1).
A enfermagem vem lutando, lutando muito para conseguir um espaço
enquanto profissão de conhecimento, enquanto profissão científica
(E1).
Tanto F1 quanto E1 colocam o conhecimento científico como um valor
profissional. A especialização profissional em cursos de pós-graduação, como
formas de legitimação do saber tornam-se uma fonte de valor atribuído a cada
profissão.
Foi possível perceber nessa categoria de análise, elementos de diferenciação
na visibilidade dos Conselhos. O tema que diz respeito à valorização profissional
passou a tornar-se um aspecto importante a ser considerado nas profissões com o
exercício da cidadania, porque a sociedade passou a ser mais questionadora. Deste
modo, então quanto mais avançado e especializado o conhecimento na área da
Saúde e tido como verdadeiro nessa sociedade, maior será o valor dado àquela
profissão.
105
MOC1 reforça a questão do conhecimento como uma qualidade profissional:
A gente constata no dia a dia que a profissão médica está bem. Com
nível alto de conhecimento, tem boa de execução do seu trabalho,
em que pesam as limitações havidas em ambulatórios da periferia e
coisas do tipo. Mas acredito de uma maneira geral que a qualidade e
as possibilidades do exercício profissional são boas (MOC1).
Já na fala de E2, percebe-se outro tipo de valorização: a questão corporativa
da Enfermagem, da sua solidez, como profissão:
Acho que a enfermagem no Rio Grande do Sul conseguiu ganhar
espaço, de entrar, na prática, muito mais do que em outros lugares.
Acho que a enfermagem aqui, realmente conseguiu conquistar
espaço e está valorizada. (E2)
Com a redemocratização os sindicatos são fortalecidos, recrudescem os
movimentos sociais, proliferam as ONGs, e demais organizações voltadas para as
questões dos direitos humanos, nos quais se inclui o direito a saúde. Abre-se um
novo espaço político, um espaço que é público, mas fora do âmbito Estatal.
Nesta categoria, também foi abordada a desvalorização econômica,
recorrente nas três profissões pesquisadas, conforme diz F1:
(...) A parte financeira não está lá muito gratificante, porque esse é um
momento de nivelamento no nosso País, as pessoas estão trabalhando
muito e ganhando pouco. (...) o farmacêutico, o enfermeiro, o médico, o
nutricionista, o assistente social, hoje, por exemplo, estão na faixa
salarial entre R$800,00 a R$1.200,00 que é a faixa e paga o mercado
(F1).
Há uma permanente disputa pelo mercado de trabalho. As sociedades
modernas do sistema capitalista tornaram-se extremamente competitivas. Há
concorrência, no cenário agônico da saúde pós-constituinte, formado pela inclusão
de um maior número de atores sociais aos benefícios de Saúde, bem como pelo
advento de novas profissões nesta área, e novas tecnologias, além das pressões
políticas ocasionadas pelo exercício da cidadania, e que se refletem em uma maior
cobrança aos profissionais.
FOC1 relaciona o fator de imprescindibilidade e de especificidade do ato
profissional técnico com o valor de remuneração econômica. Desta forma, observa-
106
se que, quanto mais imprescindível e específica à ação do profissional, tanto maior
será o seu poder de barganha e a remuneração percebida em conseqüência:
(...) na farmácia hospitalar, se o farmacêutico não está para fazer a
distribuição, a dispensação para cada leito não é feita; porque o
enfermeiro não tem essa obrigação. No laboratório, se o
farmacêutico não está, não sai o exame, se na indústria de
medicamento (que é o maior piso salarial da categoria que é de R$
2.540) se ele não está; a produção pára. Onde o farmacêutico é
imprescindível; é reconhecido o piso e pagam até muito mais que o
piso (FOC1).
Constata-se, aqui também, a influência do mercado nas remunerações dos
profissionais, portanto, a competitividade vincula-se diretamente ao saber
especializado, que é uma forma do profissional colocar-se com alguma vantagem na
disputa pelo mercado.
(...) Então vou cumprir minhas horas, desempenhar meu
conhecimento: cuidar dos armários, da entrada e da saída dos
medicamentos, do esclarecimento, do uso correto do medicamento
junto á população. Vou fazer campanha de farmacovigilância, fazer
um muralzinho, falar sobre verminoses, “n” atividades farmacêuticas
que existem para quem quer trabalhar e quer mostrar seu
conhecimento (FOC1).
A fala expressa por FOC1 tem um teor discursivo idealístico, desvinculado
das práticas cotidianas dos estabelecimentos comerciais farmacêuticos, nos quais a
principal meta é o lucro obtido da venda indiscriminada de medicamentos, onde o
profissional farmacêutico é visto, na maioria dos casos, como um entrave, já que na
quase totalidade das empresas (farmácias, drogarias, revendedoras, distribuidoras)
raramente o proprietário é um farmacêutico. São estabelecimentos comerciais que
visam o lucro e o proprietário é um comerciante e quer retorno do capital investido.
Os empresários não estão identificados como profissionais da Saúde, sua identidade
está ligada ao comércio, não a saúde. Neste caso, para o comerciante, o
conhecimento técnico só é valorizado na medida em que possa vender mais, o que
é diretamente incompatível com a formação e a ética farmacêutica.
O aspecto econômico também aparece na fala de E1 e E2:
(...) havia uma instituição que pagava para um enfermeiro há três
anos atrás, R$ 2.500 e hoje, paga R$1500 por 40hs para o
enfermeiro. Mas têm outras que pagam melhor, como a prefeitura, o
município. Nos hospitais é uma lei de mercado. (E1)
107
(...) a parte da valorização profissional; o RS é um Estado que
remunera relativamente bem, em comparação com outros Estados
do Brasil. (E2)
O sistema de economia industrial-capitalista e a globalização; tornou o mundo
mais competitivo e o campo de trabalho mais disputado. Somados ao fato
incontestável que têm aumentado as taxas de desemprego no mundo todo como
fruto dessas mudanças, socioeconômicas e políticas. São questões que refletem a
ordem econômica contemporânea e servem como pano de fundo da sociedade
moderna global. Essa questão aparece na fala de M1:
(...) A grande maioria, principalmente os recém formados estão
sofrendo enormes dificuldades para conseguir se inserir no mercado
de trabalho e levar uma vida profissional digna e justa. Houve uma
desvalorização na parte econômica (M1)
Um maior número de pessoas com um menor número de empregos
ofertados; o mercado de trabalho está mais concorrido e exigente e o salário está
menor suscita a necessidade de uma maior especialização, como um recurso
diferencial na competição, através da capacitação. Constata-se que algumas
profissões na Saúde são melhor remuneradas do que outras, embora ambas
possuam o mesmo grau de certificação técnica. Pode-se dizer que tal incongruência
está associada ao valor que a sociedade dá a um determinado ofício e a
remuneração representa o valor social atribuído àquela profissão. Em uma
sociedade capitalista onde todo sistema econômico sustenta-se através do lucro, os
bens materiais são enaltecidos e valorizados, sendo relacionados ao sucesso e a
competência profissional.
Na fala de M2 é abordada a questão da competitividade, a disputa no
mercado de trabalho:
No ponto de vista financeiro é uma coisa bem clara que a nossa
profissão está muito difícil, pois a desvalorização econômica está
sendo muito grande. E acho que isso tem vários motivos; um deles é
que a nossa profissão, aqui no Rio Grande do Sul, tem muitos
profissionais, muito mais do que se precisa e, além disto, muito mal
distribuídos no Estado. Como tem muitos se torna competitivo, com
muita concorrência.
(...) As instituições pagam o que querem porque,
se alguém não quiser trabalhar, outro vai querer pela metade do
valor. Nosso Conselho tem lutado muito nesse sentido, eu vejo isso!
Mas acho que tinha que ser uma luta mais ferrenha porque na
realidade é uma luta que há todo um aspecto econômico e o
Conselho terá que se impor (M2).
108
Com a popularização das universidades e o aumento de profissionais de grau
superior, dentre eles o médico, o campo de trabalho tornou-se muito mais
concorrido, M2 preocupa-se com a desvalorização do médico revelada pela questão
econômica.
FOC1 destaca outro ponto de visibilidade da profissão, devido ao maior tempo
disponível do farmacêutico quando comparado com o do médico. E, ao mesmo
tempo, valoriza o seu conhecimento específico do medicamento como vantagens à
população:
(...) O atendimento é tão corrido na rede pública que o médico muitas
vezes não fica 2 minutos com o paciente. Quem tem esse espaço
maior pra conversar, para esclarecer todo o uso correto do
medicamento é o farmacêutico, ele está muito mais ligado ao
medicamento (...) Estão comprando os medicamentos corretos que
são extremamente necessários para o município e que atendam a
comunidade local, isto é importante. Isso tudo em cima do
conhecimento do medicamento, do uso correto. Porque um leigo não
vai saber, não vai explicar deixar o paciente do SUS esclarecido.
Muitas vezes o médico não tem esse tempo (FOC1).
Já na fala de (F2), em contraponto ao anterior aparece todo
descontentamento e insatisfação com os rumos que estão tomando a profissão de
farmacêutico:
Eu tenho uma visão ambivalente, no meu ponto de vista; a profissão
farmacêutica por um lado, está bem valorizada porque nos hospitais
os farmacêuticos são requisitados, nas equipes de saúde são
requisitados, abriu um espaço muito grande profissional, nas clínicas,
farmacêuticos clínicos. Profissionalmente estão supervalorizados,
mas socialmente, monetariamente a gente ganha menos que
faxineira, a gente não tem piso decente, a gente não tem
representatividade (F2).
F2 demonstra um paradoxo, pois que ao mesmo tempo surgem novos
campos de atuação farmacêutica, o que denota valorização do seu saber, há uma
desvalorização econômica da classe farmacêutica.
A profissão de farmacêutico não possui o mesmo prestígio que as outras
profissões na saúde para a sociedade e isto se reflete na remuneração econômica
inferior a das profissões de médico e de enfermeiro. Ou seja, o conhecimento
científico do farmacêutico, dependendo da área de atuação não tem o mesmo
“status” das outras duas profissões.
109
Mesmo dentro da profissão farmacêutica existem ramificações mais
especializadas, como a biotecnologia e as áreas de pesquisa científica e industrial.
Nestas áreas a profissão está bem valorizada e remunerada, porém são poucos os
espaços nestas condições.
Na profissão médica, em que se observa que o sentido de valor é
complemente diferente do relatado por F2, a preocupação está mais relacionada
com a proteção.
Diz MOC1:
(...) O código da ética médica, como popularmente se diz, ele tem
antes uma parte que é a parte de diciologia, que são as partes
relativamente aos direitos dos médicos, também. Nós temos que ter
consciência dos direitos e dos deveres, nós não temos só deveres,
temos direitos também. Nós temos o direito de nos negarmos a
atentar contra a vida humana, por exemplo. Nós temos o direito de
nos negarmos a participar, como ato médico, da tortura, por exemplo.
Isso é um direito, nós somos preservados por isso (MOC1).
Percebe-se pela fala de MOC1 que a estima profissional do médico é boa. O
foco de suas preocupações dirige-se, não para o reconhecimento de suas
qualidades técnicas, mas para a garantia das condições de trabalho adequadas.
Salienta-se o fato de que as três profissões pesquisadas, respondem de
maneira semelhante à questão de desvalorização econômica, existem insatisfações
relacionadas a esta questão, porém há indícios de que elas não estejam ocorrendo
pelas mesmas causas.
5.2.2 Ações fiscalizadoras dos Conselhos e controle social
Essa categoria reporta-se ao poder fiscalizatório dos Conselhos Profissionais
e ao Controle Social realizado pela sociedade civil, através dos Conselhos e
Conferências de Saúde. É analisada a maneira como cada Conselho conduz e
aplica as penalidades aos seus profissionais e as instituições nos quais os eles
trabalham quando são encontradas irregularidades. O teor desta categoria de
análise, aponta um importante elemento de diferenciação entre os Conselhos de
Farmácia, Enfermagem e Medicina. Nesta categoria foram abordadas questões
como: Controle Social, Papel de Fiscalizador do Conselho, Fiscalização,
Instrumentos de Fiscalização, Inspeção, Autuação, Punição, Contrato de Trabalho,
110
Ação Conjunta de Fiscalização e proteção das condições de trabalho; trazidas pela
percepção dos profissionais vinculados a cada Conselho Profissional.
Em sua função pública, os Conselhos Profissionais devem regular e fiscalizar
o exercício profissional, realizado dentro dos padrões éticos, conforme o código de
deontologia profissional e o conjunto de leis do País. A fiscalização do exercício
profissional é uma atribuição indelegável dos Conselhos Profissionais e o poder
fiscalizatório que estes Conselhos dispõem suscita questões que precisam ser
habilmente conduzidas, por que ele é frequentemente associado a abusos, e sempre
existe o risco de, muito facilmente, ultrapassar a tênue linha que separa o educador
do tirano, podendo prestar-se a caprichos, perseguições e diferenças pessoais. A
história brasileira demonstra bem isto, no período que antecedeu a
redemocratização do País.
A coerção é um dos mecanismos usados na disputa pela obtenção de poder.
A obediência às regras deve-se, a um consenso, são de acordo mútuos porque
garantem segurança a sociedade e permitem a convivência em sociedade. A
obediência às regras deve-se ao temor de represálias, através da punição pela força
física ou moral, ou pela recompensa.
O seguimento das leis prescritas traz algum tipo de vantagem à sociedade,
como por exemplo, a segurança do exercício da profissão. Toda a atividade
profissional exercida tanto por Farmacêuticos, quanto por Enfermeiros e Médicos, no
Brasil, está sob a jurisdição do Conselho Federal de Farmácia, de Enfermagem e de
Medicina, respectivamente, que regulamentam e disciplinam o seu exercício.
Contudo, cada fiscalização é exercida de maneira diferente, de acordo com o
Conselho em questão:
Conforme pode ser percebida nas falas de FOC1; FOC2; F1:
(...) A gente vê tudo, agente vê se tem medicamentos vencidos, a
gente confere se tem medicamentos expostos nas prateleiras que
estão proibidos para a venda pela Vigilância Sanitária.
Principalmente se tem ou não farmacêutico e se tem farmacêutico a
gente fiscaliza se ele está prestando assistência ou não, a ação
farmacêutica, pois a soma destas ações é a atenção farmacêutica.
(...)a gente faz uma média de treze inspeções por ano. São
fiscalizadas as atividades, todas, drogaria, farmácia, laboratórios,
indústrias, todas as atividades (FOC1).
111
(...) nossa fiscalização se dá em empresas que deveriam ter registro
no Conselho de Farmácia, mas não tem, então em função desta
irregularidade são autuadas. Também as empresas que estão sem
Responsável Técnico (RT) ou sem o RT substituto para cumprir todo
horário de assistência farmacêutica e também as empresas que
estão regulares. Vai-se exatamente para ver o exercício profissional.
(...) Temos também inspeções para ver especificamente a
assistência, então é fiscalizado basicamente, a documentação, a
presença e a ausência do farmacêutico. Nós temos, por praxe,
levantar a situação na inspeção, de acordo com o que se encontra,
tem uma rotina já de encaminhar essas situações tanto para
Vigilância Sanitária como para o Ministério Público ou para Polícia
Federal, principalmente se envolve uma questão de controlados
(FOC2).
(...) Além de verificar a presença do farmacêutico, é feita também a
orientação, em função da Vigilância Sanitária não fazer visita, só faz
mediante denúncia ou para fechar o estabelecimento, então o
Conselho ainda orienta o farmacêutico sobre o que deve ser feito
dentro da legislação. (...) então em relação a estas coisas o
Conselho extrapola (F1).
As falas acima denotam, claramente, que a fiscalização exercida pelo
Conselho de Farmácia é presente, intensa, rigorosa e meticulosa.
Com relação aos limites impostos às profissões de forma a contemplar os
direitos relacionados à cidadania:
(...) hoje temos o TAC (termo de ajustamento de conduta) que prevê
12 horas no mínimo de assistência e a partir do ano que vem (2007)
todo horário de funcionamento contará com atividades farmacêuticas
(FOC1).
Pode-se perceber que FOC1 relaciona a aplicação da Lei 5991 de 1973,
através do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), à valorização profissional.
A Lei 5991 de 1973, até 1998, nunca foi cumprida. Em 1998, através de
denúncia ao Ministério Público, foram firmadas entre os Ministérios Público Federal e
Estadual, as secretarias estadual e municipal da Saúde, o Conselho Regional de
Farmácia, o Sindicato dos Farmacêuticos e o Sindicato dos Proprietários de
Farmácias, o primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao se constatar que
a grande maioria das farmácias e drogarias não contavam com a presença do
farmacêutico no número de horas exigido pela Lei 5991/73 e, portanto estavam
ilegais. O Termo de Ajustamento de Conduta foi instituído por etapas, uma por ano,
em que houve um aumento progressivo do número de horas do farmacêutico na
farmácia. Tanto
FOC1, quanto FOC2 e F1 salientam a importância da Lei que impõe a
112
presença do farmacêutico em tempo integral. Consideram essa questão como uma
vitória da profissão, como um fator de inclusão e de prestígio à profissão de
farmacêutico:
(...) Não é uma coisa isolada. E essa briga já vem há muito tempo pelo
reconhecimento. O TAC é uma vitória. (FOC1).
(...) isso em função do termo de ajustamento de conduta quando se
começou a exigir que o farmacêutico trabalhasse principalmente nas
farmácias e drogarias por um determinado período. 1998 foi um
marco dentro da caminhada dos farmacêuticos do estado do RS
quando foi então firmado o termo de ajustamento de conduta pelo
Ministério Publico do Estado, Vigilância Sanitária, Conselho Regional
de Farmácia, Sindicato dos Farmacêuticos, Vigilância Sanitária de
Porto Alegre (FOC2).
(...) e tem toda uma legislação em cima disto, a Vigilância Sanitária
Estadual, Municipal e Federal exigindo a presença do farmacêutico, e
isso não vai mudar (F1).
Julga-se por isto que o valor atribuído ao maior número de horas da presença
do farmacêutico na farmácia, seja um valor que o próprio Conselho considera
fundamental à profissão de farmacêutico.
Na Enfermagem, as falas se dividem entre as preocupações com as
condições de trabalho oferecidas pelas instituições, e com a ausência do Conselho,
como se constata em EOC1; E1; E2:
(...) Eu acho que o Conselho deixou muito colocado na mão do
sindicato. Por exemplo: sobrecarga de trabalho. Tem que fiscalizar o
enfermeiro, tem que fiscalizar a instituição. Ele não pode permitir que
um enfermeiro tome conta de 80 pacientes. Aí o enfermeiro não é
científico, ele “apaga incêndio” ele não consegue avaliar um doente.
Tocar no doente, avaliar o doente. O quê que o enfermeiro faz?Fica
“rodopiando” (desculpa o termo) dentro de um posto de enfermagem
atendendo tudo, menos o doente. Por quê? Porque faltam
profissionais. O quê que o Conselho faz a respeito disso? Às vezes
vai à instituição, passa três, quatro fiscais, olham uma escala de
trabalho; acho que está faltando isto, fiscalizar a instituição e não
permitir a sobrecarga de trabalho (E1).
(...) O trabalho da fiscalização são as visitas de rotina. (...) E existe a
parte de denúncias e para isso fica um enfermeiro fiscal só
atendendo essa parte, por telefone ou por e-mail (...)
Então ele vai
atrás dessa denúncia. (...) Busca-se uma parceria com a Vigilância
Sanitária do município e Estado, (...) passou a ser critério da
Vigilância Sanitária, principalmente a questão da presença do
enfermeiro (EOC1).
113
Eu acho que essa fiscalização poderia ser um pouco mais atuante
(...) a gente recebe uma visita anual do Conselho. (...) Fiscalizam o
ambiente em si, vêem as condições de trabalho que a gente
proporciona aos profissionais. Dificilmente eles detectam alguma
irregularidade, mas a gente sabe que têm profissionais trabalhando
em sub-condições de trabalho e não existe fiscalização(...) Falta de
material, falta de qualidade de ambiente de trabalho, as pessoas
trabalham às vezes com jornadas dobradas, superiores ao permitido
ou um grande número de pacientes por profissional. Ou pouco
profissional para o número de paciente existente, existe uma regra
aplicada para este cálculo. (E2)
Na Medicina, podem-se encontrar outras percepções; como é o caso das
falas de M1e M2 que consideram o Conselho bom; e nos pronunciamentos de
MOC1; MOC2, que vinculam o Conselho à proteção profissional.
Porém, todos os médicos entrevistados possuem uma imagem positiva do
seu Conselho que, se por um lado, poderia atuar melhor em algumas áreas, por
outro lado, não interfere na autonomia do profissional, não obstaculiza o exercício
profissional no seu andamento normal. Todos os profissionais vêem o Conselho de
Medicina como um órgão a favor do médico.
A fiscalização do Conselho Regional se exerce fundamentalmente
sobre o médico. Agora existe um mecanismo, inclusive em nome do
bem público, em que eles interditam a possibilidade do exercício
profissional em determinados locais onde realmente não há
condições de trabalho médico.
(...) O próprio Conselho interdita o
hospital por falta de condições básicas para o exercício médico. Isso
é feito por denúncia (MOC1).
(...) O CREMERS é um órgão essencial na vida política do médico
porque é um. Órgão fiscalizador que teoricamente estaria do lado do
médico, teoricamente tem um respaldo porque na prática nunca
precisei, nunca fui fiscalizado. Só tive contato com o Conselho
quando fiz meu registro na hora atuar (M1).
Como todos os Conselhos, o CREMERS age por denúncias, por
informações recebidas – não necessariamente denúncias – por
visitas periódicas que são feitas às instituições e pela interação que
existe entre o Conselho e as suas comissões de ética que existem
dentro do hospital, que na verdade é o Conselho dentro do hospital
(MOC2).
Eu acho que o Conselho faz ações muito boas. É um Conselho bom,
tem muitas coisas positivas, investe muito em várias áreas (...) O que
eu não vejo no Conselho, e acho que o Conselho poderia atuar mais,
é na questão de como os hospitais estão lidando com as condições
de trabalho do profissional médico. Principalmente na grande Porto
Alegre, no interior do Estado (M2).
114
Pode-se observar as diferenças do sentido dado à fiscalização em cada
Conselho. Percebe-se claramente na fala de E2, como também, nas falas de MOC1
e
MOC2 a preocupação com as condições adequadas ao trabalho profissional no
sentido de proteção ao profissional, o que não acontece no Conselho de Farmácia,
segundo as falas de F2, F1, FOC1, FOC2.
Destaca-se que MOC1 quando fala em denúncia, está se referindo ao próprio
médico que avisa o seu Conselho, ou seja: existe uma relação de confiança e
cumplicidade entre o profissional e o Conselho.
As falas de MOC1 e de MOC2 a seguir, denotam um grau de independência
profissional, proporcionada pelo seu Conselho, quanto aos aspectos éticos
atribuídos ao exercício da profissão médica dentro das instituições, conferindo
proteção à atuação dos profissionais e condições apropriadas de trabalho:
(...) O CREMERS em âmbito de Estado do RS tem as delegacias do
Conselho, me parecem que são 26 delegacias. Em cada local onde
tenha mais de cinco médicos exercendo a profissão, existem as
comissões de ética médica. (...) A comissão é eleita pelos médicos
que trabalham naquele local. Essa comissão de ética Médica é
diretamente subordinada ao Conselho de Medicina, não deve
nenhuma explicação ao diretor da instituição, ao presidente do
hospital, é totalmente independente. Essa comissão é o braço
avançado do Conselho nos locais de trabalho. (...) De uma maneira
geral o Conselho não tem que apoiar ou punir pelo simples fato do
exercício profissional, ele tem é que observar as condições de
trabalho das pessoas e ver se o comportamento do profissional do
médico está de acordo com os postulados que regem a profissão
(MOC1).
(...) todos os problemas, os fatos inerentes do exercício da medicina
que ocorram no hospital, quando existe alguma distorção, são
relatados a comissão de ética. E a comissão de ética se reporta ao
Conselho Regional (...) A partir destas distorções são acionados os
mecanismos de fiscalização, de sindicância, como autarquia que
defende a comunidade e o bom médico (MOC2).
Também na fala de EOC1 e observa-se a questão de preservar a autonomia
profissional:
(...) Existe uma resolução que fala sobre o dimensionamento de
pessoal e essa resolução é o nosso parâmetro, mas é óbvio que o
enfermeiro fiscal ele tem aquele bom senso de saber o porte da
instituição, o tipo de paciente que recebe, o qual o grau de
dependência. O enfermeiro tem sempre certa autonomia (EOC1).
115
O excessivo disciplinamento aplicado pela fiscalização do Conselho
Farmacêutico mostra situações de constrangimento profissional de acordo com
FOC1e F2. F1 fala da restrição dos contratos impostos pelo Conselho, interferindo
na liberdade da profissão:
(...) Semana passada foi feita uma visita com o MP a um município,
foram 42 drogarias visitadas, uma prisão e sete interdições, porque o
Conselho não interdita, quem interdita é a Vigilância Sanitária, e a
prisão é feita pelo Ministério Público. O proprietário saiu algemado da
empresa. Era leigo, não tinha farmacêutico. Havia tráfico de
entorpecentes na drogaria. Tinham dois armários de controlados,
sem Nota Fiscal, provavelmente oriundos de carga roubada com
medicamentos entorpecentes. (FOC1).
A fiscalização, feita pelo Conselho, pelo menos comigo, foi uma
verdadeira catástrofe. (...) Era assim que o Conselho, na gestão
anterior, atuava: nós éramos cinco farmacêuticas, as cinco estavam
presentes. eu era a Responsável Técnica e o hospital foi autuado
porque eu não estava dentro da farmácia. Eu estava no hospital,
dentro da sala de quimioterapia, que é uma sala limpa, que exige
todo um procedimento para que sejam evitadas contaminações, eu
estava toda paramentada e não podia interromper. Eu estava
presente no hospital, eu e mais quatro farmacêuticas. Fiquei furiosa
não fiz justificativa nenhuma e dirigi as reclamações para a
Presidente do Conselho daquela época, perguntando se ela achava
que eu estava brincando de “farmacinha”. Eu fico pensando se o
farmacêutico tem que ficar sentado na farmácia esperando o fiscal do
conselho chegar. Não sei o que o Conselho pensa que a gente tem
que fazer. Eu sei o que o farmacêutico faz; agora o Conselho é que
não sabe (F2).
(...) O farmacêutico faz prestação de serviços, pode fazer contrato de
quatro, de seis ou de 8hs, são esses contratos que podem existir
(F1).
Ressalva-se que somente no Conselho Farmacêutico houve este tipo de
reclamação quanto ao excesso de rigor, chegando mesmo, ao abuso de poder.
Também, apenas neste Conselho foram abordadas as questões relativas ao
contrato de trabalho e carga horária.
Quanto à forma de aplicação das penalidades, igualmente são distintas, tanto
na intensidade, quanto na freqüência, de acordo com cada Conselho.
Expressas nas falas de FOC1; FOC2; EOC1; E1; EOC2; MOC1:
(...) As punições dependem do número de ausências, hoje três
ausências consecutivas num prazo de 24 meses pode se instaurar
um processo ético-profissional para aquele farmacêutico que tem três
ausências não justificadas, não precisam ser consecutivas, segundo
116
a resolução 417 de 2004 no artigo 26
4
que é clara nesse ponto. (...)
Então a gente está aceitando atestado, mesmo sabendo que pode
ser uma maneira do farmacêutico mentir no atestado, mas agente
não pode falar isso (...) Então esse profissional tem sim que ir para a
ética e pode hoje levar no mínimo três meses e no máximo um ano
de suspensão (FOC1).
(...) Trabalhamos em conjunto com a Vigilância Sanitária. (...) A gente
já fez muitas inspeções cujo objetivo era interditar o estabelecimento.
(...) A gente tem pastas onde é colocada toda a vida do profissional
tanto as inspeções positivas como as negativas, a gente não tem
aquelas onde foi encontrado um problema, mas todas as visitas
relacionadas aquele profissional ficam arquivadas. A gente chama de
pasta HP (histórico profissional) a empresa também tem sua pasta,
forma um perfil do profissional e um perfil da empresa. (...) Ações
programadas com a Vigilância, com a Polícia Federal então, nos
casos de prisão. Inclusive muitas vezes é solicitada a participação do
Conselho pelo delegado de polícia ou pelo promotor pedindo fiscais
do Conselho para acompanhar uma ação (FOC2).
(...) a notificação é feita em cima das irregularidades encontradas, no
caso como, por exemplo, o exercício ilegal de profissão, realizando
atividades que não seria da competência em que ainda muitas vezes
– agora menos – são encontrados leigos na função. (...) Nós temos a
questão bem complicada do auxiliar de enfermagem, ainda em
muitos locais do interior, fazendo parto, coisas que não podem. (...)
Então todo local que tiver profissional de enfermagem e ações de
enfermagem, o Conselho fiscaliza. (...) Ocorre algum processo ético
(EOC1).
(...) Para mim é um órgão fiscalizador, para ver se “os caras” estão
legais e quando faz uma fiscalização, é muito ínfima. Também atua
no processo ético. Não fiscaliza se o enfermeiro está presente. (...)
Há uma exigência legal de ter enfermeiro, mas não estabelece
quantos enfermeiros tem que ter, nem controla horário. Não temos
nada. Quem tem que controlar isso aí, ou pelo menos é entregue na
mão, é o sindicato. (E1)
.
Na prática não tem intervenção do Conselho. Vieram aqui um dia
fazer uma palestra, mas não fiscalizam mas não tem nenhuma
intervenção do COREN aqui no Hospital. (...) Não multam, não
aparecem. (EOC2).
(...) Os Conselhos só se movem mediante denúncia (...). O Conselho
por si mesmo provocado por denúncia ele vai fiscaliza o local que
tem denúncias e proíbe o exercício profissional naquele local. Eu
acredito que o Conselho é muito seguro nisso (MOC1)
A coerção é uma das formas de exercício de poder, ela torna-se um
instrumento utilizado para dirimir conflitos, através da imposição da autoridade de
4
Resolução do Código de Ética Farmacêutica, n°417 de 2004 no artigo 26 do Conselho Federal de
Farmácia.
117
um grupo dominante sobre o outro. No Brasil, por ocasião do regime militar, onde
foram cometidos atos arbitrários, que feriram profundamente os direitos humanos,
pode-se constatar isto, contudo, toda vez que essa coerção é excessiva, ou abusiva,
procede-se uma reação contrária, de maneira que fosse abolida, gerando
mudanças.
A coerção imposta de forma exagerada, exercida pelo Conselho de Farmácia,
como mostra a fala de (F2) provoca uma reação de oposição, uma força contrária,
que opõe resistência:
O CRF do RS esteve muitos anos, nas mãos de um segmento muito
esquerdista, muito radical, ortodoxo, muito ligado à política radical
esquerdista. Foi uma perseguição total ao farmacêutico. Porque a
palavra perseguição? Um farmacêutico, foi fazer um exame em um
hospital de Porto Alegre, tinha requisição do exame, tinha
comprovante. A Fiscalização foi na farmácia e autuou porque ele no
estava, pois não podia estar no hospital e na farmácia ao mesmo
tempo. O Conselho não aceitou a justificativa e o profissional foi
chamado na polícia federal por crime de falsidade ideológica. Ele
justificou a sua ausência com a requisição médica, com os exames,
ecografia, tomografia, essas coisas assim. Mesmo assim o Conselho
não aceitou justificativa e ele foi parar na polícia federal que até se
escandalizou quando ele contou. Isso foi há quatro anos. (F2).
Conforme o exemplo relatado por F2, o autoritarismo de uma ação, pode ter
um efeito completamente ao contrário do desejado. O excesso de autoridade pode
produzir em um momento imediato uma aparente submissão, mas logo adiante,
certamente produzirá rebelião, indignação e revolta. Principalmente se ferir o sujeito
no que tem de mais precioso, ou seja, na sua autonomia e nos seus direitos como
cidadão.
Também a indiferença e o descaso, podem conduzir a uma desobediência às
regras impostas conforme diz E1:
(...) muitas pessoas não pagam à anuidade porque acham que o
Conselho não atua. Então há uma confusão de Conselho e de
Sindicato (...) Agora, que ele poderia fazer mais, acho que sim,
fiscalizar mais, acho que sim (E1).
Com a redemocratização do País, se pressupõe também a participação
política, o exercício da cidadania pela sociedade civil e uma descentralização do
poder político do estado. O processo de descentralização da Saúde, só se tornou
possível no Brasil com o desenvolvimento da tecnologia informacional, chegada no
118
País, tardiamente após a pela abertura econômica. A descentralização almejada é
aquela que seja capaz de estabelecer uma relação de equilíbrio entre as dimensões
administrativas, econômicas e políticas. O controle social realizado pela sociedade
civil, sobre o Estado é comentado por EOC2:
(...) Acho que avançou muito a saúde após 88, por força do controle
social, participação da comunidade, direito de decidir. (...) Todo
financiamento da saúde tem que passar pelo Conselho de Saúde
Municipal. Isso é uma coisa que avançou bastante porque tem
mostrar que está aplicando o dinheiro para que possa receber o
dinheiro. Há uma prestação de contas (EOC2).
Normatizar condutas é uma das funções mais importantes da sociedade, e
com a Constituição de 1988 este controle passou a ser possível. O exercício da
cidadania provocou um movimento gradativo de participação, controle e pressão
sobre os Conselhos, ao exigir que seus direitos sejam efetivamente cumpridos:
(...) A gente recebe também várias denúncias elas vêm tanto, por e-
mail, através do nosso site onde há um espaço para isto, quanto por
telefone, ou a pessoa vem aqui ou são feitas denúncias nas próprias
inspeções. Neste caso, então fazemos uma inspeção um pouco mais
detalhada (FOC2).
Como todos os Conselhos, o CREMERS age por denúncias, por
informações recebidas – não necessariamente denúncias – por
visitas periódicas que são feitas às instituições e pela interação que
existe entre o Conselho e as suas comissões de ética que existem
dentro do hospital, que na verdade é o Conselho dentro do hospital
(...) Encontrada alguma distorção são acionados os mecanismos de
fiscalização, de sindicância, como autarquia que defende a
comunidade e o bom médico (MOC2).
Os movimentos sociais contribuíram como grupos de pressão quando da
formação da Assembléia Nacional Constituinte e possibilitaram que a Saúde
recebesse o espaço que efetivamente recebeu na Constituição de 1988, quando,
pela primeira vez, foi prevista a participação da sociedade nos Conselhos e
Conferências de Saúde. A participação da sociedade nas políticas públicas
pressupõe um avanço na construção de uma sociedade democrática e determina
alterações na relação que passa a ter o cidadão com o Estado. Como se pode
constatar na fala de MOC1:
119
(...) Agora com a reforma da saúde, na Constituição de 88 algumas
coisas ficaram bem constituídas na Comissão Municipal de Saúde o
Conselho tem assento, na comissão estadual de saúde o Conselho
tem assento; assim como tem nas outras comunidades, não só na
comunidade médica, mas também na comunidade local. (MOC1).
Pode-se considerar que a atuação do COREN é apática e ausente. A análise
das relações do CRF pelo olhar dos seus profissionais; apresenta inconsistências
sobre o que entendem como fiscalização e vigilância profissional. A percepção desta
fiscalização é experimentada diferentemente por sujeitos da área ligada aos órgãos
de classe dos sujeitos da área técnica. Os profissionais pertencentes aos órgãos de
classe vêem o tipo de fiscalização exercida pelo Conselho como correta e
competente, adequada aos pressupostos da profissão, e os membros técnicos, a
percebem como autoritária e excessiva restringindo a liberdade e autonomia
profissional. A discordância está presente na forma como são feitas as fiscalizações
e como são aplicadas as penalidades. Isso revela a existência de um conflito entre
as áreas de fiscalização e as áreas técnicas propriamente ditas. O Conselho de
Farmácia dirige suas ações para a fiscalização do profissional e do estabelecimento.
Em nenhum momento ao longo de toda a pesquisa, apareceu a preocupação do
CRF com as condições de trabalho oferecidas ao profissional farmacêutico. Por
outro lado o farmacêutico não sente sua atividade como sendo imprescindível para o
funcionamento da instituição da qual faz parte.
Constata-se pela análise das falas dos profissionais que pertencem à classe
dos farmacêuticos, dos enfermeiros e dos médicos, de que o comportamento dos
Conselhos Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina
respectivamente, não agem da mesma maneira no modo como fiscalizam seus
profissionais; confirmando a hipótese desta pesquisa.
Percebeu-se que a trajetória dos Conselhos Profissionais, moldada segundo
um padrão autoritário, lhes confere excessiva formalidade e distanciamento das
práticas diárias dos profissionais de saúde. Os problemas e as suas soluções são
tratados de forma linear e conservadora, não levando em conta a complexidade
existente na sociedade moderna.
120
5.2.3 A influência da legitimização do saber de cada profissão, nas diferentes
posturas assumidas pelos Conselhos, em relação aos seus
profissionais.
Nesta categoria são discutidas as questões que estão diretamente vinculadas
com a posição que cada um dos Conselhos — de Farmácia, de Enfermagem e de
Medicina — ocupa na sociedade, e de que forma eles participam para fortalecer ou
não essa posição; seja enaltecendo o saber técnico, específico de cada profissão;
seja atuando como protetor das condições do trabalho, salvaguardando as boas
práticas e os interesses dos seus profissionais de agentes capazes de causar danos
à qualidade dos serviços prestados. As sociedades estão em contínua mudança,
são produtos das interações entre os atores. Os Conselhos Profissionais são
instituições sociais que respondem aos papéis assumidos e desempenhados pelos
diversos atores, individuais ou coletivos, renovando-se a cada instante, em um
constante processo de transmutação, moldando-se de acordo com as oportunidades
e constrangimento, porém sempre buscando seus interesses.
Esta categoria diz respeito à participação do Conselho Profissional quanto
aos aspectos corporativistas na construção do saber e do poder da profissão a qual
se vincula. As temáticas surgidas nesta categoria foram: Legitimação do Saber,
Proteção ao Profissional, Atuação do Conselho, Campo de Atuação, Espaço
profissional, Doutrinamento, Formação Profissional e Comissões Éticas.
Os Conselhos Profissionais da biomedicina atuam como atores sociais
coletivos e são partes integrantes da sociedade, que respondem às suas
pendências, às políticas estatais e ao mercado, em um processo dinâmico composto
por ações, reações e estratégias. Nestas ações estão embutidos vários elementos
que compõem o esquema relacional dos Conselhos, dentre eles o poder. As
subjetividades presentes no poder disciplinar e fiscalizatório dos Conselhos, (ou na
sua ausência) revelam os discursos produzidos, bem como, expõem os aspectos
que dizem da sua penetração e influência junto às políticas governamentais.
Os Conselhos Profissionais participam na construção do espaço social das
profissões; promovendo, divulgando na sociedade a imagem da profissão, nas
ações voltadas para a comunidade local onde o respectivo Conselho está inserido;
através de palestras, declarações, entrevistas nos jornais, na televisão. Participando
121
de debates sobre temas polêmicos que interessam à população; como a gravidez na
adolescência, os cuidados na prevenção de doenças degenerativas, campanhas
contra o fumo. Organizando ações de Saúde em eventos junto a sociedade, como
por exemplo, a operação verão promovida pelo Conselho Regional de Enfermagem,
produzindo um agir discursivo foucaultiano. Os discursos estão muito vinculados ao
saber-poder.
Observa-se na fala de F1 e FOC1 a constituição de novos espaços de saber e
na divulgação do Conselho:
(...) Posso falar da FENAFAR (Federação Nacional dos
Farmacêuticos) que ela foi uma das pioneiras e puxou essa briga
para cobrar o farmacêutico na atenção básica(...) e conseguiram
essa conquista hoje da portaria 698 de 2006
5
(FOC1)
(...) A partir dessa visão de formação do profissional generalista,
abre-se um campo de trabalho em todas as áreas de trabalho do
profissional farmacêutico sejam análises clínicas, indústria, atenção
farmacêutica, alimentos. Então há uma perspectiva, um aumento de
novas possibilidades. Nos países adiantados da Europa e o EUA
nenhuma farmácia funciona sem a presença do farmacêutico e na
verdade há um estimulo para o profissional ser o dono da farmácia.
(...) Então o que o Conselho está fazendo? Ele está publicando seus
informes via internet, informativos, jornal dizendo quais são as
funções do Conselho e qual é a contrapartida do profissional, que
tem a obrigação de cumprir sua profissão (F1).
Nas relações de saber-poder constatam-se elementos de verdades que são
concebidas em um momento particular, não podem ter a pretensão de abarcar toda
a verdade. Porém, se ela funcionar o suficiente para o saber a que se aplica, ou
seja: enquanto cumprir a exigência do seu poder, ela continuará sendo aceita. O
poder de falar verdadeiramente acerca de um determinado conhecimento, de um
saber autorizado, está relacionado à visão de mundo que se tem em uma
determinada época. São os saberes reconhecidos pela sociedade que moldam as
diversas profissões de Saúde, dentro do modelo biomédico e do discurso
epistemológico que molda os saberes indispensáveis à constituição da ciência,
como diz E1, E2 e EOC1:
5
Portaria 698 de 30 de março de 2006, da ANVISA sobre a inclusão da assistência farmacêutica na
atenção básica à população.
122
(...) A medicina fica com a terapêutica com o diagnóstico e a
enfermagem fica como objeto de trabalho o cuidado científico (E1).
E quando se trata de Saúde pública tu tens muito enfermeiro
atuando. O enfermeiro ganhou um espaço muito grande em Saúde
pública aqui no Rio Grande do Sul. Têm melhorado, eles tem nos
últimos anos promovido eventos, de treinamento palestras cursos e
divulgam entre os hospitais
(E2).
A enfermagem, eu diria, é desde 96 pra cá, 10 anos para cá, uma
profissão emergente. Abriu um grande número de faculdades de
enfermagem no Estado Rio Grande do Sul, hoje já são 30, fora as
escolas técnicas e ainda existe mercado de trabalho justamente em
função das novas políticas de saúde a partir da criação do Sistema
Único de Saúde (EOC1).
Com Oitava Conferência Nacional de Saúde, em1986 há uma redefinição
sobre o que significa “ter saúde”, que passa a abranger, não somente a ausência de
doença, como também, a qualidade de vida do indivíduo em tudo que o cerca. São
considerados aqui os aspectos que se referem a emprego, moradia, transporte, meio
ambiente, lazer. É um conceito integralizador e includente, e o Sistema de Saúde e
as Políticas de Saúde deverão como tal considerá-la.
Inicia-se um novo momento na Saúde em que se encontram subjacentes as
questões da legitimidade, de estabelecimento de fronteiras e das identidades
profissionais. Os saberes são elementos de estratégia política utilizados em relações
de poder, alguns saberes emergem e são legitimados pela sociedade em detrimento
de outros que desenvolvem determinados comportamentos como partes de um
discurso creditado. Os Conselhos Profissionais buscam legitimar o conhecimento
conferido a profissão especifica a qual pertencem, tal discurso acaba tornando-se
um mecanismo de hierarquização profissional ao considerar um saber mais
importante (ou prioritário) do que outro. Estes saberes, ao terem seus discursos
legitimados na Saúde, geram elementos de diferenciação de valor os quais são
atribuídos às profissões. Consta-se aqui que este posicionamento com relação à
questão das atribuições passou a ser incorporado a partir da Constituição de 1988,
dadas as pressões que passaram a ser exercidas pela participação da sociedade
civil na gestão das políticas públicas de saúde, cobrando uma maior eficiência dos
serviços prestados.
(...) E, além disso, o Conselho de Medicina tem suas câmeras
técnicas, que são médicos de determinadas especialidades que
123
constituem a câmara técnica. Se você quer saber alguma coisa a
respeito da possibilidade de determinados atos, você pode consultar
a câmara técnica que vai dizer se aquilo é possível, se não é
possível quais são as implicações do ponto de vista ético-profissional
(MOC1).
Os Conselhos Profissionais colaboram para legitimar o saber das profissões
as quais representam, nisso estão presentes todos os instrumentos possíveis, dos
quais os Conselhos se apropriam para proteger e amparar tecnicamente as
profissões, conforme constatado por MOC1; MOC2 e M2:
(...) As pessoas são eleitas pela categoria médica e sendo órgão
colegiado existe uma quantidade de opiniões, uma quantidade
diversa de atitudes em relação a determinados e dali saem um
consenso do que é melhor (MOC1).
(...) Sabe-se que todos os problemas, os fatos inerentes do exercício
da medicina que ocorram no hospital, quando existe alguma
distorção, é relatado a comissão de ética. E a comissão de ética se
reporta ao Conselho Regional (MOC2).
(...) O que eu não vejo no Conselho, e acho que o Conselho poderia
atuar mais, é na questão de como os hospitais estão lidando com as
condições de trabalho do profissional médico. Principalmente na
grande Porto Alegre, no interior do Estado (M2).
Porém o modo de agir dos Conselhos são diferentes uns dos outros,
conforme as falas de F2; E2, EOC2; MOC1; M2 nas quais se podem constatar suas
posturas singulares:
O Conselho deveria ser um órgão de defesa (de defesa não, que é o
sindicato), mas deveria ser um órgão aglutinador, de fiscalização,
não de perseguição, de retaliação (F2).
(...) fiquei sabendo pela minha chefia que eu estava em débito com o
COREN, uma multa eleitoral. Estão me cobrando várias multas
inclusive dos anos que votei, sem saber que eu estava inadimplente
porque nunca veio ninguém, nenhuma carta. Esse foi o contato
que tive com meu Conselho. (EOC2).
(...) Então o COREN vem mais como uma forma de cobrança, de
colocar as questões do que de participação (E2).
(...) o Conselho de Medicina é muito austero, é um órgão colegiado,
é uma autarquia do governo, mas não é uma autarquia cujas
pessoas não são nomeadas por influências. (...) Eu acredito que o
124
Conselho de Medicina é muito bem estruturado e fornece muita
segurança ao exercício profissional. (MOC1)
.
(...) Acho uma falha muito grande do Conselho, se fechar. Precisa ter
pessoas que tenham essa visão porque na maioria, principalmente
na área médica a visão é muito fechada, não se abre muito, é uma
característica e isso se reflete no nosso Conselho. O Conselho é
muito conservador neste sentido (M2).
Nota-se que os discursos estruturados pelos Conselhos, não são iguais. As
características de cada Conselho segundo a relação que ele possui com seus
profissionais e a sociedade de uma forma geral, contribuem para formatar as
características sociais de cada profissão. Elas mostram-se de uma forma
predominante em quatro tipos: protecionista/apoio; autoritária/impositiva;
flexível/tolerante e ausente/indiferente. As características podem estar igualmente
combinadas, conforme a posição ocupada pelo profissional entrevistado, se do
grupo político ou do grupo técnico.
5.2.4 Representação política dos Conselhos com o Estado e com a sociedade
civil
Nesta categoria são trazidos aqueles aspectos que dizem sobre as relações
mais específicas estabelecidas entre os Conselhos e o Estado, o acesso dos
mesmos às esferas governamentais; como também sua relação com as outras
profissões, tratam–se de questões que estão relacionadas ao poder-fazer dos
Conselhos. Observam-se nessa categoria ações de divulgação, comunicação e
poder, bem como, críticas feitas pelos profissionais quanto à atuação do SUS e as
dificuldades, encontradas, na prática, do processo de descentralização da Saúde.
Dirigindo-se o olhar para as questões políticas, são encontrados os seguintes
assuntos trazidos pelos profissionais entrevistados; representação política,
cidadania, regulamentação, SUS, ações conjuntas com os outros Conselhos,
influência política e comunicação. A inserção política dos Conselhos pode ser
constatada de acordo com os depoimentos de FOC1, FOC2, EOC2, MOC2 e M2:
(...) Nós não temos uma força política no congresso, no legislativo,
no executivo e até mesmo no judiciário para criar uma lei como tem
125
hoje em Portugal, onde só é permitido abrir uma farmácia quem é
farmacêutico, leigo não pode ser proprietário. (FOC1).
(...) A composição legal do Conselho Municipal de Saúde não exige
que seja farmacêutico, tem que ser profissional de nível superior que
trabalhe no município. Existe a composição do usuário (que
representa a sociedade civil) e um representante de nível técnico, vai
desde pessoas de associação de moradores, ou pessoas que
participam de um grupo de diabéticos, de hipertensos, são aqueles
usuários do sistema de saúde.
(FOC2).
O Conselho investe muito em várias áreas; na área política, até nos
aspectos das faculdades, das universidades, da remuneração; o
Conselho tem se envolvido nessas áreas, ele se posiciona. Existem
coisas maiores do que o Conselho, que é o poder econômico, mas
ele se posiciona e luta (M2).
(...) A questão da política é muito subjetiva porque hoje não temos no
Senado, por exemplo, e na Câmara Legislativa, farmacêuticos como
deputados federais. Então nos temos um projeto que está tramitando
há anos no Congresso Nacional que é para cobrarmos o registro de
uma drogaria de uma farmácia, que é o carro chefe, de ser só do
farmacêutico não ter leigos no nosso ramo de profissão (...) E está lá
tramitando, e a gente não tem essa força política a nível nacional
porque a maioria da bancada da Câmara Legislativa é ruralista e
médico. Então por que hoje o médico tem o Ato Médico? A briga com
todos os outros profissionais da área da saúde e eles tentando
defender os direitos deles? Eles conseguem isso porque têm uma
força, uma força política em nível do Brasil, em nível nacional.
(FOC1)
(...) Através da Associação dos Farmacêuticos e Sindicato de
Farmacêuticos do RS, obtivemos uma vitória em 2006 que foi a
aprovação federal da inserção do profissional farmacêutico na PSF
(Programa de Saúde da Família) que obrigatoriamente deve fazer
parte da equipe; mostrando o papel do farmacêutico como essencial
pelo CFF. O grande problema está exatamente na importância que
as prefeituras dão ou não ao farmacêutico
(FOC2)
(...)
Tem representante do Sindicato dos Enfermeiros e tem
representante do Conselho de Medicina e de Farmácia também.
Sempre tem profissional médico, profissionais farmacêuticos e
enfermeiros participando do Conselho de Saúde Municipal e também
técnicos (...) Os Conselhos Profissionais participam na comissão de
fiscalização dos hospitais no Conselho Municipal de Saúde (EOC2).
Os preceitos igualitários do SUS, da universalidade, da integralidade e da
eqüidade da Saúde não estão conseguindo serem atendidos em sua totalidade; e a
Saúde segue com sua problematização histórica, palco de diferenças sociais, de
acordo com a declaração de M1; M2; MOC2:
126
Quem puder pagar tem uma assistência melhor no sentido de ter
melhores equipamentos, melhores condições e quem depender do
subsídio do governo padece mais porque não há o repasse
adequado de verbas. É exatamente isso (M1).
O valor pago pelo SUS ao médico é muito pequeno, da consulta, da
cirurgia, o valor é mínimo. E hoje em dia todo mundo tem direito.
Quem tem dinheiro, quem não tem dinheiro, quem tem convênio,
quem não tem convênio. Se der qualquer complicação na cirurgia, o
que acontece no interior? Tem que ficar com o paciente 4, 5 dias
ganhando o mesmo valor pago pela cirurgia. Os médicos não
querem atender paciente do SUS e eu não tiro a razão deles,
independente de todo aspecto social, porque é a profissão deles é
que está em jogo (M2).
(...) Pelo governo e, pelo SUS não possuir hospitais no RS, e não
existir regulamentada uma profissão de médico no Estado RS, um
plano de cargos e salários, um plano de carreira no RS, então as
coisas são feitas de forma amadorística e todas elas improvisadas.
(...) Não existe, olhando do ponto de vista médico, uma profissão de
médico instituída. (...) Não existe um concurso para médico, não
existe um plano de cargos e salários. (...) Na prática não existe
dinheiro, não existe fundamentalmente políticas de saúde no País
que possam determinar a realização, ou a execução deste SUS
como fala a Constituição (MOC2).
Como se pode constatar nas falas M2; e MOC2, não foram previstas todas as
complexidades que a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) deveria atender
no cumprimento das suas diretrizes básicas legais. Sobre a imagem do SUS é
possível perceber outras dificuldades:
(...) Até 1988 existia o contribuinte dos sistemas previdenciários
públicos, a partir de 88 foi estendida a toda população a assistência
médica como direito de todos e dever do Estado. Porém, nunca
houve uma complementação, ou uma reposição dessa verba porque
existia uma massa laboral no País, ao redor de 16 milhões de
habitantes, naquela ocasião que contribuíam para os institutos. E de
repente, esta massa, que trabalhava passou a assumir o encargo de
toda assistência médica no País porque o Governo não colocou a
sua parte, deveriam ter redimensionado recursos (MOC2).
(...). Eu trabalho em um hospital particular, credenciado pelo SUS e
todo dia, TODO DIA, chegam camionetes e ônibus do interior, lá é
ambulatório, são procedimentos mais eletivos. Para se ter uma idéia;
às vezes as pessoas chegam com hérnia inguinal que poderiam ter
sido operadas no interior, às vezes chegam com sinais de pele, as
pessoas vêm de muito longe para serem atendidas porque no seu
local de origem não tem infra-estrutura nenhuma para o profissional
de saúde atender (...) É muito mais fácil as prefeituras que recebem
verba do Governo Federal, do Governo Estadual para investir,
investirem em comprar ambulâncias para trazer o paciente para
127
Porto Alegre. Então, é todo um conjunto de coisas que dificulta muito
a área da saúde em termos de SUS (M2).
A descentralização financeira e administrativa do SUS, de acordo com MOC2
e M2, não tem funcionado como deveria. Os médicos relacionam as dificuldades às
causas políticas e estruturais.
Nessa categoria foram trazidas as questões de âmbito político; o poder de
conseguir determinadas posições, o poder de fazer, de decidir, de opinar e intervir
no curso da confecção de uma determinada política, como também, as dificuldades
encontradas na sua implantação, por exemplo, as dificuldades enfrentadas pelo
SUS.
5.2.5 Fatores que favorecem a supremacia de um Conselho em relação aos
outros dois Conselhos investigados
Esta categoria reporta-se à gênese das profissões; que explica em parte a
hierarquização feita pela sociedade na visibilidade das diferentes profissões de
saúde. Os assuntos abordados pelos sujeitos da pesquisa nessa categoria, foram:
supremacia, desvalorização, desconhecimento, afastamento, retraimento, ausência,
soberba, constrangimento e hegemonia.
Os Conselhos profissionais participam na formação da identidade profissional
e, ao mesmo tempo, estão identificadas com elas. Neste quesito, buscou-se
identificar a presença ou a ausência de ações dirigidas ao profissional e/ou à
comunidade por parte do Conselho Profissional que tivessem por objetivo a
integração e o fortalecimento da identidade profissional que se encontra colada à
própria identidade dos Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e
Medicina.
A qualificação das profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina, como
disciplinas científicas foram construídas socialmente através de um largo período de
tempo. Gradualmente, ao longo dos anos e das transformações porque passava o
mundo, os saberes foram estabelecendo-se como discursos autorizados, porém não
ao mesmo tempo e nem na mesma hierarquia de valoração.
128
Tanto a Enfermagem, quanto a Farmácia continuam na luta pelo
reconhecimento dos seus saberes, ao depararem-se nas suas práticas diárias com o
papel de supremacia exercido pela Medicina, conferido historicamente pela
sociedade. Sua certificação passou pela legitimação dos seus discursos dentro de
uma “epistémê” de hegemonia médica. A indefinição quanto aos seus limites de
atuação torna-se fonte de disputas por autoridade, autonomia e espaço profissionais
provocadas por questões identitárias. Sobre o discurso legitimado, como destaca
FCO1; F1e F2:
(...) O próprio Ministério Público (MP) reconheceu integralmente que
é fundamental a presença do farmacêutico (FOC1).
(...) Ah, paciente do médico! A nutrição hoje quem faz é a
nutricionista, a orientação farmacológica é o farmacêutico, a
enfermagem é a enfermeira, são todos profissionais (F1).
(...) A FENAFAR junto com algumas outras instituições em nível
nacional, junto com o Conselho Federal de Farmácia, foram que
puxaram essa briga junto ao Ministério Público em Brasília, As
entidades farmacêuticas: os sindicatos, Farmag, a associação, o
Conselho Regional, o Conselho Federal. Todo mundo (FOC1).
(...)
é uma profissão difícil, é uma faculdade difícil é uma profissão
nobre, foi a primeira faculdade no Rio Grande do Sul. (F2)
.
A visão de mundo que impera nas ciências da saúde está construída no
modelo biomédico. O modelo biomédico está fundamentado em uma ótica
mecanicista, funcionando na perfeita interação entre as partes, tal e qual uma
engrenagem. Sobre isto diz M1:
(...) Eu acho que o médico não está acima dos outros profissionais.
Acho que o médico faz parte de uma engrenagem que para funcionar
adequadamente ela tem que estar muito bem encaixada isso sempre
com um objetivo comum que é o bem estar do paciente (M1).
A configuração atual do cenário da Saúde brasileira aponta para uma nova
forma de se fazer saúde. É necessário, entender como se dão, através dos
processos históricos de construção e desenvolvimento das identidades das
profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina; as disputas pela legitimação e as
fronteiras de atuação dessas profissões, através de jogos de poder, das quais
129
participam seus respectivos Conselhos Profissionais e estão vinculadas a fatores
que se referem à credibilidade dos mesmos.
Sabe-se que o nascimento da enfermagem ocorreu em uma época de
hegemonia masculina, em que as mulheres eram socialmente subordinadas aos
homens, quando não possuíam, nem mesmo a totalidade dos seus direitos civis. Ao
trabalharem com os médicos (homens) colocavam a si próprias em uma posição
inferior, correspondendo ao papel de submissão e abnegação próprias da vida
religiosa. Assim durante muitos anos a enfermeira trabalhou, lado a lado, com o
médico que representava duas figuras hegemônicas: Masculino e Médico.
A fala de E1 e EOC1 contém a preocupação de reafirmar a Enfermagem
como profissão científica, distanciando-se da época histórica do início da profissão
quando os cuidados aos enfermos eram prestados pelas irmãs de ordens religiosas,
atividade que posteriormente viria a se constituir como a profissão de Enfermagem.
A Enfermagem ainda busca atualmente o reconhecimento do seu saber
científico e a valorização profissional. Procurando libertar-se do estigma de
subordinação e do caráter feminino que permanecem colados desde os primórdios
da sua formação profissional.
Sobre essa questão diz E1 e EOC1:
(...) não é mais o cuidado por cuidar, é um cuidado científico,
humanizado sim, enxergando a pessoa como um todo, mas com
muito conhecimento (E1).
Havia muito aquele mito em torno do ato médico e toda aquela
questão que o Conselho Federal de Medicina inclusive alegava que o
enfermeiro não poderia prescrever o enfermeiro não poderia solicitar
exames. (EOC1)
O estigma da submissão se tornaria, mais adiante, um obstáculo ao
reconhecimento e a legitimação do saber científico da profissão de enfermeiro,
induzindo até o presente à idéia da enfermagem subordinada ao médico, incapaz de
independência profissional e de um saber legítimo, gerando conflitos nas equipes
multidisciplinares de Saúde na sua busca pela definição das fronteiras de atuação.
Como coloca E2:
O Rio Grande do Sul é um Estado onde tem projetos envolvendo a
enfermagem, têm enfermeiras em funções que antes era visto só por
médicos, aqui é diferente (E2).
130
Quanto à profissão médica pode-se contatar que o desenvolvimento da
profissão médica aconteceu por caminho diverso. A profissão médica foi a primeira
profissão reconhecida, a mais antiga e a que serviu de molde para todas as
profissões na área da saúde. Todas elas, de alguma maneira derivadas da Medicina.
Este motivo somado ao fato de que foram os médicos os professores que formaram
os primeiros farmacêuticos, os primeiros enfermeiros, os primeiros odontólogos;
foram determinantes para a preeminência da profissão médica, O médico era o
referencial, logicamente uma posição socialmente concedida de superioridade e
distinção.
Os médicos, desde então, permanecem como se deles dependessem todas
as outras profissões e a sociedade. O detentor do “verdadeiro” conhecimento e dos
critérios que devam ser estabelecidos na organização do trabalho em saúde.
Com relação à autoridade da medicina observa-se que ao longo da história,
desde o seu principio, a Medicina pertence à classe dos discursos oficiais
autorizados pelo Estado. É ele, o Estado, quem certifica o certificado médico. A
Medicina possui um poder institucionalizado que, por muito tempo contribuiu para a
hegemonia médica e a acepção no imaginário comum, de um poder mágico,
sobrenatural, envolto por uma “aura mística” e infalível.
Contudo, na fala de M1 observa-se que a profissão de Médico já não possui a
proeminência de outrora. Muito embora existam disparidades conforme a instituição
e a especialidade escolhida, dentro da Medicina, para trabalhar. Sobre isto diz M1
ao se deparar com a perda de parte de um poder que até então a profissão gozava:
Na média geral a profissão de médico está muito mal valorizada. Em
péssimas condições de trabalho, mas isso depende de cada
especialidade. Na minha especialidade – anestesia – ainda se
consegue um bom padrão de vida para quem trabalha por livre
iniciativa em hospitais de primeira, mas nas outras não. (M1)
A proposta da emenda constitucional 25 relativa ao Ato Médico (Lei do Ato
Médico PL 25/2002) denota exatamente isso, uma reação à perda do poder, do qual
a medicina sempre foi depositária, observa-se na fala de E1:
O Ato Médico nada mais é do que uma profissão, chamada medicina,
dominando as outras profissões, ou tentando dominar (E1).
(...) Na realidade o Ato Médico é uma coisa do médico. Não é querer
discriminar as outras profissões, ou tirar funções de outras
131
profissões, ou achar que as outras profissões estão entrando na área
do médico. Nisso eu vejo uma falha do Conselho (M2).
Na fala de M2 estão subjacentes às questões que motivaram o Projeto de Lei
chamado de Ato Médico (discriminação de outras profissões e defesa dos limites da
profissão médica). Como também MOC1, que deixa implícito nas entrelinhas que o
médico “deveria” ter um lugar privilegiado de poder.
Diz MOC1:
O Conselho de Medicina deveria ter mais assento nas políticas
públicas nos órgãos colegiados como têm os advogados. Os
advogados têm um quinto constitucional. Ou seja, em todos os
órgãos colegiados, a OAB tem direito por lei a um quinto de
indicação de advogados. Isso é que é verdadeira corporação de
ofício. (...) O Conselho de Medicina pode participar das reuniões dos
colegiados, não que seja uma coisa obrigatória, muitas vezes até não
é nem convidado. São órgãos de governo, mas como uma autarquia
o Conselho Federal de Medicina está bem junto do poder público, em
Brasília. O Conselho Federal tem assento nisso aí, ele tem acesso,
mas uma participação mais efetiva moldes da OAB, não. (MOC1).
Embora outras profissões sejam reconhecidas atualmente, ainda é a Medicina
que ocupa o topo da pirâmide na hierarquia social quando se trata de representar as
posições oficiais nas políticas referentes aos assuntos em saúde. A Medicina detêm
ainda a autoridade para definir e tratar a saúde e a doença e seu juízo, acerca
destas questões, é intensamente valorizado pela opinião pública.
Nas falas que se seguem, observa-se a questão econômica e associada ao
prestígio e ao “status” desfrutado por uma profissão na sociedade. Percebe-se,
em MOC2 que o reduzido valor pago pelo SUS ao procedimento médico realizado é
visto como uma depreciação à profissão, e aparentemente, um descaso com a
Saúde em um sentido mais amplo:
(...) O médico trabalha em condições subumanas, em que ele atende
pessoas e recebe honorários do sistema público da saúde com 6
meses a 10 meses de atraso, um valor que é ridículo. Por exemplo;
um médico que faz uma dissecção de veia em um recém nascido
recebe R$ 7, 50, uma consulta ao sistema público de saúde
remunera o médico R$ 2,55 e assim por diante (MOC2).
Os baixos valores pagos pelo SUS pelos procedimentos médicos são
percebidos pelo profissional como uma desvalorização do seu trabalho e do seu
saber. Destaca-se o fato de que apenas os profissionais médicos reclamaram da
remuneração feita pelo SUS, portanto depreende-se que esta profissão recebia
132
anteriormente salários superiores às outras, e que, agora, se ressente ao ver-se no
mesmo plano hierárquico das outras profissões, ou seja: no entendimento do
profissional de medicina encontra-se desvalorizado já que se considerava como
hierarquicamente superior às demais profissões de saúde. Este fato reflete
diretamente na posição ocupada pelo Conselho de Medicina, constando-se que há
efetivamente um princípio de perda na hegemonia médica. Até a alguns anos atrás,
observava-se que o salário do médico era muito superior ao dos outros profissionais
de Saúde. Atualmente, com a gradativa implantação do SUS, há uma tendência ao
nivelamento de salários para todos os técnicos de nível superior do Sistema de
Saúde.
A principal característica da Medicina, ainda hoje, é sua preeminência.
Embora possa se observar que lentamente suas bases começam a enfraquecer, o
prestígio de seus discursos legitimados continua a demonstrar uma autoridade
quase absoluta nos assuntos relacionados à saúde, valorizado pela opinião pública
e pelo Estado. De fato, constata-se que a Medicina já não ocupa o mesmo lugar de
domínio sobre as outras profissões, que ocupou em épocas passadas.
MOC2 relaciona a perda da hegemonia médica aos preceitos igualitários
contemplados pela Nova Constituição Brasileira:
Bem, a profissão de médico no Estado RS sempre, e principalmente
após a constituição brasileira de 1988 dita cidadã, que estendeu a
saúde para todos como um direito e um dever do Estado continua de
forma precária (MOC2).
As forças hegemônicas que se perpetuam no campo da saúde e
institucionalizam o conhecimento, têm a participação do Estado, o que explica a
geração e a subsistência dessas relações de poder. O Estado através das leis de
Saúde Pública institui as normas, os regulamentos, os certificados, contribuindo para
validar o discurso médico hegemônico. Como exemplo recente para mostrar como
essa institucionalização acontece, pode-se citar o projeto de lei chamado Ato
Médico, em que o Conselho de Medicina busca domínio, através da política, da lei
sobre as demais profissões de saúde, conforme a fala de F1:
(...) A questão do Ato Médico é a parte política da história, estão
desde 2002 tentando passar o projeto, já passou por várias
comissões, então vocês vêem o poderio da coisa, mas será uma lei
133
para não ser cumprida, porque todos nós; farmacêuticos,
nutricionistas, enfermeiros temos a nossa legislação. (F1)
Os discursos aparecem não só nas práticas profissionais, como também nas
leis que as regulamentam, nas suas declarações, nos seus conceitos; e o seu
conjunto forma todo saber de um certo tempo. Um saber de base epistemológica
cartesiana, apoiado no modelo biomédico.
Em relação à profissão farmacêutica, pode-se observar também, outros
fatores que interferem na visibilidade de uma profissão e que contribuem para uma
hierarquização do saber técnico, colocada por F1 e F2:
(...) Hoje já há uma tendência para 40h. Nós estamos buscando 30h,
é uma luta das profissões da saúde, alguns já conseguiram como o
médico, e o odontólogo. Essa seria uma valorização, e uma redução
da carga horária (F1).
Os farmacêuticos têm que sujeitar a tirar pó no balcão, chegam a
colocar nos jornais “com prática em vendas”. O Conselho poderia
ajudar, valorizando a profissão (F2).
A fala de F2 sobre o desconhecimento por parte da sociedade do papel a ser
realizado pelo farmacêutico, é devido, em parte, pela descaracterização da profissão
farmacêutica ocorrida entre as décadas de 50 e 60 quando, segundo Santos (1999),
chegaram ao Brasil grandes laboratórios internacionais da indústria farmacêutica. A
alta tecnologia destes laboratórios suplantou a indústria nacional em que existia uma
dependência cientifica e tecnológica neste setor. Este fato passou a tornar
insignificante a produção artesanal de medicamentos existente no País até então.
A figura do farmacêutico como o profissional tecnicamente qualificado tornou-
se descaracterizada, sem nenhuma outra função a realizar em uma farmácia, senão
a de um mero vendedor de produtos — os medicamentos. A farmácia passou a
assumir, então as funções de drogaria — um estabelecimento tipicamente comercial
de produtos industrializados. Distanciando-se cada vez mais, do trabalho através do
qual a profissão farmacêutica construiu sua identidade social. A dispensação de
medicamentos descaracterizada como prática profissional transformou-se em um
simples ato comercial de venda sem nenhuma necessidade do saber científico
aplicado. O farmacêutico encontra-se em um dilema: de um lado, as pressões
produzidas por um sistema econômico capitalista de comércio caracterizado pela
134
grande voracidade pelo lucro pressionado pelo apelo ao lucro, traduzido em vendas
e, do outro lado, sem apoio para prestar assistência farmacêutica de uma forma
ética e responsável.
O espaço de atuação do farmacêutico, nessa farmácia, ficou reduzido, e seu
saber desqualificado, restringiu-se à Responsabilidade Técnica, função privativa da
profissão, assumida como responsabilidade formal, não real, emprestando o
farmacêutico o seu nome, para satisfação da exigência legal. Como mostra F1:
(...) Hoje existe todo um movimento para resgatar o profissional
farmacêutico para fazer o processo de atenção farmacêutica, não é
vender o medicamento no balcão, é ter o consultório, é orientar para
o uso correto do medicamento (F1).
Quanto à contribuição dos Conselhos frente ao objetivo de integração e
fortalecimento da identidade do Conselho e dos profissionais é colocada a
perspectiva expressa por E1:
Não existe um trabalho de união. Sinto o Conselho afastado das
ações de saúde, afastados das universidades completamente (E1).
Segundo EOC2, o Conselho desenvolve algumas ações junto a comunidade,
mas o Conselho de medicina conforme MOC1, não realiza esse tipo de ação,
embora MOC2 informe que existam palestras promovidas pelo Conselho:
O Conselho tem feito feiras na semana da enfermagem para a
comunidade. No ano passado foi feita uma feira de cuidados gerais
da saúde na semana de enfermagem, em feiras de artesanato.
(EOC2)
(...) não são previstas ações junto à comunidade. Então, na verdade,
essas ações na comunidade são mais feitas pela Associação Médica
do RS. (MOC1)
A gente recebe as comunicações do Conselho Regional de Medicina
convidando para encontros com a comunidade. (...) Encontros
abertos em que participam o Conselho de Farmácia, o Conselho de
Enfermagem em ações de saúde (MOC2).
O Conselho Medicina ao estabelecer as câmaras técnicas tem mais a
preocupação de informar ao médico, no sentido de proteção e controlar as
instituições para que forneçam as condições adequadas de trabalho para os
profissionais, do que propriamente fiscalizar o profissional em si.
135
O Conselho de Enfermagem preocupa-se mais com a questão de
participação, informação, treinamento e as condições de trabalho dos profissionais.
5.2.6 Fatores que predispõem às disputas pelas fronteiras na dimensão
corporativa
Essa categoria remete para os seguintes assuntos abordados nas entrevistas:
coerção através da política e das leis, hegemonia, perda de poder, cooperação
profissional, resistência, conservadorismo, discriminação, multidisciplinaridade,
reciprocidade e complementaridade.
Com a Constituição de 1988 e as Conferências de Saúde, abre-se a
possibilidade de participação de outros profissionais de saúde, em um espaço de
controle social que, até então, era de domínio único dos médicos. A participação de
outros profissionais nessa esfera gera uma situação de instabilidade, sentida pelos
profissionais médicos como uma ameaça à sua hegemonia. Eles precisam adaptar-
se a essa nova ordem, abandonar certezas, dividir o poder e abrir-se para novos
saberes que são oriundos de esferas distintas da sociedade.
As relações entre esses profissionais, que muitas vezes executam ações
superpostas ou complementares no seu cotidiano, acabam por ocasionar práticas
concorrentes e originando disputas corporativas. O profissional atuando dentro da
equipe multidisciplinar não está mais isolado em seu saber, mas em permanente
contato com a equipe, com o usuário dos serviços de saúde e com o meio no qual
está inserido.
A seguir são transcritas as concepções dos próprios profissionais, e as suas
experiências quanto ao trabalho em conjunto realizado em equipe na Saúde:
Acredito que é um ganho para a população e para os profissionais, a
inserção da equipe multidisciplinar porque é uma
complementaridade, a gente discute, um complementa o trabalho do
outro e consegue ver o todo do paciente em relação à prevenção, em
relação a paciente já com a doença instalada, em todos os termos é
só ganho (EOC2).
(...) na Inglaterra onde estudei há muitos anos atrás, havia uma
senhora, paciente do médico, meu professor, que tinha angina. E por
morar no terceiro andar e o marido ser paralítico (e ela tinha que sair
para fazer todas as coisas e tinha que subir dois ou três lances de
escadas) quando ela subia as escadas sentia dor anginosa. Ela
136
pedia ao médico que ele mandasse uma carta para a prefeitura local
para que ela pudesse morar num lugar plano, no térreo Passou uns 4
ou 5 meses e o médico perguntou se ela tinha conseguido a casa,
ela respondeu que sim, que agora estava tudo bem: “estou morando
num lugar térreo, não tenho mais angina, a casa fica em um lugar
próximo da farmácia, a farmacêutica já sabe as coisas que tenho que
fazer, a enfermeira vai de vez em quando, assistente social me
acomodou bem, inclusive meu marido pode sair, eu o levo na cadeira
de rodas até a praça. Este é um exemplo de atitude poliprofissional.
Nós temos várias áreas de ação e podemos interagir e trabalhar uns
com os outros (MOC1).
Por um lado, há interesse entre os Conselhos Profissionais em manter um
acordo de cooperação e ajuda mútua, para poderem atingir seus objetivos mais
facilmente, sejam eles de subsistência ou proteção de si próprios ou da profissão na
sociedade, porém, por outro lado, querem manter sua autonomia e poder.
Sobre o conflito com o Médico diz F2 e EOC1:
Nós já tivemos alguns problemas sérios, tanto com o Sindicato
Médico quanto com o Conselho de Medicina. Graças a Deus eles
foram superados. Hoje em dia nós temos uma parceria muito boa
com o CREMERS. Tanto o parto, como os exames, como a consulta
de enfermagem, a prescrição de enfermagem, elas estão garantidas
por uma lei federal, que é a lei que regulamenta a nossa profissão.
Eles não têm como fugir disso. O Conselho de Medicina, a profissão
de medicina, ela não é regulamentada por lei, por isso se criou tanto
essa fantasia do ato médico. Eu acho que é um direito deles, eles.
Desde que eles não invadam a seara alheia. Eu acho que tem lugar
para todo mundo. A confusão é devido ao limite, só que hoje em dia
todas as profissões trabalham em equipe, em equipe
multiprofissional, multidisciplinar, e as coisas não têm o porquê de
serem assim. Essas profissões só se criaram porque existia um
vácuo. (EOC1).
(...) Há dois, três anos atrás quando uma grande rede de farmácias,
aqui em Porto Alegre, fez um programa de farmacêutico clinico, o
Sindicato ou o Conselho dos Médicos foi lá e puf, boicotou o
programa, puxou o tapete e acabou com o programa. (...) O
programa era no sentido de orientar, esclarecer a população no
sentido de fazer a intercambialidade entre o medicamento genérico e
o de marca. E daí os farmacêuticos foram proibidos de fazer esta
orientação na rede, porque a entidade médica disse que o
farmacêutico não podia. (F2)
.
A Medicina sente-se ameaçada, visualizando indícios da perda da sua
posição de domínio perante as outras profissões.
137
A busca pela identidade de cada uma destas profissões e também pelo de
terem seus fazeres muito próximos no dia a dia, uma das outras, disputam
posicionar-se em áreas que não têm seus limites claramente definidos. Criando um
estado de permanente conflito.
Os atritos entre as áreas dos profissionais de Saúde são vivenciados no seu
cotidiano, e assumidos pelos seus Conselhos, foram agravados pelo fato da
Constituição de 1988 ter previsto a equipe multidisciplinar do SUS.
Na equipe multidisciplinar de saúde, do SUS, há mais de uma dezena de
profissionais, todas elas profissões, com exceção da profissão médica, já contam
com um elenco de leis que define suas atribuições, o que acabou sendo usado para
apresentação de um Projeto de Lei no Senado, chamado de “Ato Médico”.
Quanto à atuação em equipes multidisciplinares previstas pelo SUS, diz E2:
(...) Minha opinião é respeitada como enfermeira e quando não é
acatada tem muito mais a ver com o perfil pessoal do médico, do que
da classe. Porque a gente tem médicos que vem, dividem as
dificuldades que eles têm, acatam sugestões e tem médicos que “eu
sou o dono do paciente, eu sei, eu faço, eu aconteço” e pronto. Essa
diferença pessoal está vinculada à própria experiência que ele já teve
com outros profissionais e tem muito a ver com a escola, com a
formação dele. Ele vem de uma formação de que ele é onipotente,
ele é o que vai indicar todo o tratamento e, muitas vezes não aceita,
não se abre para mudança. Acho que isso é a nível nacional, uma
cultura geral, não especifica do Rio Grande do Sul (E2).
Novas profissões e novos saberes, novas tecnologias, juntamente com uma
nova postura da sociedade referente aos questionamentos quanto ao seu direito à
saúde, como também, um novo conceito de Saúde, que conduzem à perda da
hegemonia médica. São mudanças com bases epistemológicas, que não acontecem
sem a presença de conflitos e disputas. Trata-se de um jogo político, de disputa pelo
poder, em que as novas posições, ocupadas por outros atores provocam reações. A
perda de poder não é aceita passivamente, existem resistências, conforme é
expresso por EOC2:
(...) Várias enfermeiras, que eram gerentes, coordenadores de
postos de saúde
não só enfermagem, mas também sociólogos,
assistentes sociais, farmacêuticos, odontólogos, foram tirados dos
cargos de gerência dos postos de saúde. Depois que assumiu o
governo atual tiraram as gerências dos profissionais não-médicos e
138
colocaram médicos; por acharem que eram os profissionais
adequados para administrar os postos (EOC2).
Tal evento pode trazer significados que estão ocultos, ou encobertos a
primeira vista, só perceptíveis através de um exame mais minucioso.
Aparecem confrontos com as outras profissões afins, que competem pelo
mesmo território, por demarcações de fronteiras e pelos trabalhos multidisciplinares
dentro das instituições que são dirigidos à comunidade.
A implantação do SUS, com suas novas propostas de organização na área da
Saúde, conforme constatou-se na realidade, tornou-se uma arena para novas lutas
sociais, pois, confrontou interesses divergentes entre a sociedade e os grupos
hegemônicos, que há muito tempo perpetuavam-se no sistema de Saúde até então.
Todavia, se existe, de um lado, a disputa pelo espaço profissional, por outro
lado, também existe uma questão maior, que é a luta pela área da Saúde como um
todo, de uma forma mais ampla. Nesse caso, as profissões da Saúde unem-se na
reivindicação de melhores condições de trabalho, de melhores remunerações e em
defesa de uma maior aplicação de investimentos do Governo, nessa área. Existe aí
um trabalho de cooperação, uma união destas profissões como um todo.
Também quando a questão da visibilidade da Saúde, na mídia e na sociedade
em geral; existe essa união. Em última análise, unem-se para garantir benefícios
mútuos. São exemplos deste tipo de atitude de cooperação, como argumenta F1:
Nunca consegui trabalhar desvinculado das outras profissões, não
posso trabalhar sem o apoio de uma enfermeira montando o sistema
de distribuição, não posso trabalhar se eu não tiver o médico
fazendo a prescrição do produto padronizado. Dentro do hospital se
a equipe de saúde não funciona as coisas não andam para o
paciente (F1).
(...) e isso que era uma coisa de muita resistência por parte do
médico, ele começou a sair fora e foi ver os congressos, as pessoas
não são cegas, e os profissionais vêem que em qualquer hospital de
grande porte, qualquer congresso se fala em equipe multiprofissional
(F1).
(...) são pessoas que detêm o poder. Têm médicos que se acham os
donos do paciente, isso está mudando muito, mas ainda há ranços
(F2).
139
O projeto chamado de Lei do Ato Médico define o Ato Médico e condiciona à
autorização do médico o acesso aos serviços de saúde pelas outras profissões. O
Ato Médico estabelece uma hierarquia entre a Medicina e as demais profissões da
área da saúde, tornando privativos da classe médica todos os procedimentos
diagnósticos e indicações terapêuticas relacionados ao paciente, como também, as
atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão e ensino
dos procedimentos médicos. (PL 25/2002). Este projeto de lei suscitou reações
contrárias das outras profissões de saúde. De acordo com F1; FOC2 e E1:
(...) Dentro do hospital fala-se de prontuário médico, quê prontuário
médico? O prontuário é do paciente e dentro deste prontuário tu tens
o atendimento médico, de enfermagem, de nutrição. (...) Ah a
nutrição! A nutrição hoje quem faz é a nutricionista, a orientação
farmacológica é o farmacêutico, a enfermagem é a enfermeira, são
todos profissionais (...) hoje tem mestres, doutores em enfermagem,
em nutrição, em farmácia; não têm por que ser uma área exclusiva
do médico. O médico, hoje, faz parte de uma equipe de saúde onde
a função dele é prescrever, e tem que prescrever certo senão o
farmacêutico vai dizer que está errado. Porque o paciente é da
equipe multidisciplinar, não é do médico (F1).
(...) O Ato Médico que reivindica ao médico que o médico pode fazer
todos os procedimentos, da prescrição, da anamnese do paciente e é
considerado pelo CREMERS que esse ato é realizado por outros
profissionais como a enfermagem, o CRF é contra o Ato Médico
(FOC2).
Multidisciplinar! Quer dizer vários profissionais atuando. Mas o que
se luta hoje é o interdisciplinar. Porque multidisciplinar o quê que é:
és tu farmacêutica, é o enfermeiro, é o psicólogo, é o fisioterapeuta,
é o médico cada um fazendo sua parte, sem ligação. O que se quer
hoje, e isso incomoda porque aí é tu atuando, passando por todas as
disciplinas fazendo uma interface, uma ligação, é uma
interdisciplinaridade, isso é que tem que ser lutado (E1).
A qualificação de outras profissões como disciplinas científicas no campo da
saúde, assim como a busca pelo reconhecimento de seus saberes, embora ainda
dentro de uma epistémê de hegemonia médica; concomitante com a indefinição da
sua identidade junto às demais profissões dentro do campo biomédico, produz uma
arena de conflitos entre as profissões, cujos limites encontram-se borrados e
imprecisos. O exercício diário das práticas profissionais se interpõe e se
complementa às atividades uns dos outros, dentro na equipe multidisciplinar de
140
saúde, principalmente à dos médicos. Essa situação acaba gerando uma
competição pela legitimidade e autonomia dos saberes no campo da saúde.
Surgem espaços de diálogo e negociação, em que são definidos de forma
mais ampla, as posições e os limites de cada profissão: o farmacêutico, como o
profissional do medicamento, o enfermeiro como o responsável pelos cuidados ao
paciente e a execução do tratamento e o médico como diagnosticador da patologia,
prescritor do tratamento e cirurgião quando for necessário, embora essa divisão
ainda não possua completa aceitação de todos.
Atualmente o pessoal discute muito, briga muito, mas acho que isso
é uma questão de espaço, porque estamos começando a
amadurecer, mas no momento que isso ficar maduro vamos usar
bem os nossos espaços e vamos interagir perfeitamente bem e
poder oferecer para o paciente e aproveitar tudo que o outro pode
dar para o paciente. (MOC1)
As equipes multidisciplinares são fundamentais, respeitadas as áreas
de atuação de cada um quer dizer; não é certo o médico fazer o que
não lhe compete assim como não é certo, também outras pessoas
fazerem o que não lhes compete dentro dos seus limites definidos
em lei. Como existem as leis que regulamentam todas as profissões
e os seus próprios Conselhos que delimitam e balizam essas
atuações. (MOC2)
De uma forma ou de outra todas as profissões de Saúde são derivadas do
braço da Medicina, e no seu exercício fazem interface com ela, gozando de maior ou
menor autonomia de ação em sua área de trabalho, na dependência da legislação e
regulamentação vigentes. Em todas as discussões que tem havido em torno das
equipes multidisciplinares; de quem pode e, de quem não pode fazer o quê; a
inclusão ou não de uma profissão nas equipes de atendimento à população, do SUS
como a PSF (Programa da Saúde da Família), são frutos da mesma busca pela
identidade profissional e a necessidade de definir as fronteiras corporativas, que
possuem as profissões.
A configuração atual do cenário da Saúde brasileira aponta para uma nova
forma de se fazer saúde. É necessário, para que se tenha a compreensão dos
processos históricos de construção e desenvolvimento das identidades das
profissões de Farmácia, Enfermagem e Medicina; as lutas pela legitimação e as
141
fronteiras de atuação dessas profissões, para que possa compreender as disputas
que estão em jogo.
É importante salientar que os Conselhos de Saúde são atores sociais
coletivos que participam ativamente na legitimação dos saberes farmacêuticos,
enfermeiros e médicos bem como, atuam no sentido dado as políticas publicas,
relevando alguns aspectos em detrimento de outros, que influenciam através dos
seus discursos a mídia e a opinião pública e, finalmente que possuem um papel
fundamental na visibilidade da profissão que fiscalizam.
142
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo conhecer e compreender, pela perspectiva
das Ciências Sociais, como estão se dando atualmente as relações dos Conselhos
Profissionais de Farmácia, Enfermagem e Medicina, com o Estado, com a sociedade
civil e com os profissionais (farmacêuticos, enfermeiros e médicos, respectivamente)
que pertencem a esses Conselhos, após as alterações provocadas na área da
Saúde pela Constituição de 1988.
Com a Constituição de 1988, realizada como parte do processo de
redemocratização brasileira, importantes mudanças são instituídas na área da
Saúde. Por ser a Saúde, uma das áreas de maior demanda social no Brasil, as
pressões advindas das instituições sociais — diferentes órgãos estatais,
organizações não governamentais e a sociedade civil em suas múltiplas formas de
organização — são intensas. Os Conselhos Profissionais que representam as
inúmeras profissões de saúde são instituições que integram, junto com outros atores
sociais, o campo da Saúde.
Após a redemocratização do Brasil e a mudança paradigmática ocorrida na
Saúde, a partir do final da década de 80, o País vivencia um novo ambiente político-
econômico-social, reconfigurando o campo da Saúde, do qual foram destacados,
como recorte desta pesquisa, três Conselhos Profissionais dessa área, a saber: o
Conselho Regional de Farmácia, o Conselho Regional de Enfermagem e o Conselho
Regional de Medicina, todos situados em Porto Alegre. Esses Conselhos, bem como
todos os outros atores sociais que estão vinculados à Saúde, foram diretamente
afetados pelas políticas públicas, resultante da inclusão de maior número de atores
sociais nos benefícios de Saúde, garantidos pela Constituição de 1988. Assim, os
Conselhos de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina tiveram que reajustarem-se
a esse novo momento do País, remodelando suas práticas, na busca por contemplar
as exigências e expectativas dos novos atores sociais envolvidos no campo da
Saúde. A pesquisa foi impulsionada pelos questionamentos que surgiram, tendo em
vista que os Conselhos Profissionais da área da Saúde necessitam lidar, por um
lado, com o Estado, através da formulação de leis, regras e normas de políticas de
saúde; com a sociedade civil, mais informada e consciente quanto aos seus direitos
143
de cidadania e; por fim, com os profissionais vinculados a esses Conselhos, que
também possuem necessidades específicas, como a preservação do espaço
corporativo, a empregabilidade e a subsistência da profissão.
As mudanças na Saúde, ocorridas a partir da Constituição de 1988, tiveram
efeitos que perduram até o presente momento. Todos os atores que estão ligados à
Saúde, de alguma forma, tornaram-se atores sociais em uma arena de disputas,
conflitos e confrontos, que obrigaram os diversos atores sociais da Saúde — dentre
eles os Conselhos Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina — a
reajustarem-se às novas condições que decorreram, de alguma maneira, do novo
estado de ordem que foi imposto pela Nova Constituição e que fez aflorar a
conscientização e os direitos da cidadania.
Os atuais Conselhos são diferentes de quando foram criados, no Brasil, há
mais de 30 anos. Hoje, com o País, redemocratizado, com uma nova Constituição
que amplia de forma contundente os direitos sociais, um novo momento político-
social é vivido pela sociedade civil.
Por ser a Saúde uma área complicada e de grandes diferenças sociais,
porém, de grande importância para a população, a Saúde brasileira ainda é um
aspecto central e prioritário na ordem social do País. A área da Saúde tem merecido
atenção especial dos mais diversos setores da sociedade: organizações civis,
universidades, a mídia e os sucessivos governos. Seguidamente, observam-se
notícias na mídia (reportagens, entrevistas, palestras, seminários e, etc.) sobre as
questões de Saúde, sempre com grande repercussão. Dado justamente ao fato da
Saúde ser problemática e de tanta importância para o cidadão, cujas políticas de
saúde repercutem intensamente na vida cotidiana de milhões de brasileiros, julgou-
se relevante que aí fossem verificadas diversas constatações interessantes
originárias das disputas e da reacomodação dos fazeres dos Conselhos
Profissionais.
Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar uma dificuldade apresentada
logo no início da pesquisa, e que se reporta à identificação de uma postura
reacionária dos Conselhos de Medicina e de Enfermagem em desacordo com o
espírito democrático que vem buscando o País, em sua trajetória histórica de lutas e
movimentos sociais realizados pelos diversos segmentos da sociedade civil, em
busca da abertura política na década de 80 e, que acabou por resultar na
redemocratização e em uma Nova Constituição no Brasil, em 1988; cuja principal
144
característica, foi justamente a contemplação dos direitos humanos, da liberdade
política, da participação da sociedade, da abertura e descentralização dos poderes.
A pesquisa a priori pretendia entrevistar somente profissionais e profissionais
membros dos Conselhos profissionais, a fim de que se obtivessem duas
percepções, conforme fosse a posição de onde falava o sujeito: uma com
perspectiva vista pelo profissional de “dentro para fora”, do interior do Conselho para
a sociedade (representando o Conselho olhando seus profissionais) e, a outra, que
faria a direção inversa; de “fora para dentro” (representando o olhar do profissional
em direção ao seu Conselho). Essa idéia inicial teve que ser reajustada em virtude
do indeferimento do Conselho Regional de Medicina da Solicitação de Pesquisa
(documento que foi entregue a fim de se obter a autorização para a realização da
pesquisa com seus membros). Como também foi indeferida a solicitação para a
emissão de um documento comprobatório oficial do Conselho Regional de Medicina,
para que constasse como anexo da dissertação, da recusa em permitir a
participação dos médicos, membros do Conselho, na pesquisa. Embora, junto com a
Solicitação de Pesquisa estivesse anexada a carta de apresentação com a
aprovação oficial do projeto emitida pela Instituição Universitária na qual a
pesquisadora está vinculada.
Essa postura inicial do Conselho Regional de Medicina, de indeferimento à
solicitação para a realização da pesquisa no interior da instituição, acabou por se
confirmar no decorrer da pesquisa como um atributo peculiar dessa instituição. De
fato, a pesquisa trouxe como conclusão que o Conselho Regional de Medicina tem
como característica ser um Conselho isolado da comunidade, fechado às outras
profissões, austero e conservador, embora seguro e protetor quanto ao profissional
médico, representando uma postura que está implícita na tradição do Conselho
Regional de Medicina.
Também o Conselho Regional de Enfermagem, em um primeiro momento
permitiu a pesquisa, e chegou-se mesmo a entrevistar um dos membros do
Conselho, para logo em seguida, ser comunicado por telefone, pela direção do
Conselho Regional de Enfermagem, que estava vedada a pesquisa no interior
daquela instituição. No caso do Conselho de Enfermagem o indeferimento está
muito mais relacionado com a omissão e o distanciamento que esse Conselho
possui, também nas relações estabelecidas com seus profissionais, comprovando
145
uma dificuldade em impor-se e assumir posições, conforme se constatou através da
pesquisa.
O indeferimento da Solicitação de Pesquisa, por parte do Conselho Regional
de Medicina, bem como o indeferimento parcial do Conselho Regional de
Enfermagem, foram contornados, substituindo-se o profissional membro do
Conselho Profissional, por profissionais que tivessem tido (no passado) ou que ainda
possuem uma posição “política”, ou seja: experiência em instituições que
abrangessem como finalidade, atividades dirigidas à classe profissional específica
(Sindicatos, Associações, Conselhos, Federações). Entretanto, esses profissionais
não foram considerados como porta-vozes da instituição a que pertencem (ou
pertenceram). Eles falaram unicamente como cidadãos profissionais que são dentro
de um País democrático que possui liberdade de expressão.
Na realização da pesquisa, os dados obtidos e analisados permitiram
comparar os diferentes Conselhos, e classificá-los conforme os tipos de relações
que estabelecem com seus profissionais, com o Estado e com a sociedade civil. A
pesquisa trouxe à tona as diferentes formas usadas, pelos Conselhos, para lidarem,
com os outros atores sociais desse campo, observados no modo como eles
fiscalizam seus próprios profissionais, como interferem na esfera governamental,
como promovem a interlocução com a sociedade civil e como satisfazem sua
dimensão político-corporativista. São atuações políticas, peculiares a cada um dos
três Conselhos pesquisados, usadas como estratégias para obter vantagens no
contexto atual da Saúde. Pode-se afirmar que os tipos de posições assumidas pelos
Conselhos, refletem as principais disputas enfrentadas pelas profissões de
Farmácia, de Enfermagem e de Medicina e estão referidas às questões que se
relacionam com os limites e a identidade profissional, e que, continuamente são
empregadas para garantir o poder conquistado pela profissão, sua permanência na
sociedade e seu espaço corporativo.
Verificou-se, através da pesquisa, que a fiscalização e as sanções impostas
aos profissionais na dimensão ética mostram evidências de maior ou menor
flexibilidade de acordo com cada Conselho. Na qual foi possível confirmar também,
a existência ou não, de atitudes protecionistas próprias de cada categoria
profissional.
Constatou-se na análise que cada Conselho possui uma maneira diferente
um do outro, no modo como executa as ações pertinentes à regulação profissional,
146
verificou-se que o diferente agir de cada Conselho está diretamente relacionado à
identidade da profissão que representa, assim afirma-se que o maior prestígio
conferido pela sociedade à profissão médica é a mesma deferência que possui o
Conselho de Medicina. Essa valorização transparece nas suas ações, na forma
como se posiciona, nas atitudes que são tomadas por ele em relação aos seus
profissionais, à sociedade e ao Estado. As diferenças entre os Conselhos devem-se
à forma como cada profissão se constituiu ao longo da história e que obedeceu a
uma hierarquia que foi socialmente construída.
A pesquisa mostrou que no campo agônico das diversas profissões de Saúde;
no caso, de Farmácia, Enfermagem e Medicina especificamente, por intermédio de
seus respectivos Conselhos Profissionais, lutam por validar seu conhecimento,
ocupar uma determinada posição, pertencer a um espaço corporativo, que seja
considerado privativo da profissão e ter seu saber legitimado, reconhecido pelos
seus pares e pela sociedade na qual atua. A análise dos dados comprovou que os
Conselhos Profissionais de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina preocupam-se
tanto com a definição das regras, dos interesses e da ampliação dos espaços
ocupados pelas profissões e pelas entidades institucionais que representam e da
qual pertencem; quanto com o estabelecimento de estratégias de cooperação no
campo da Saúde como um todo.
Constatou-se que a profissão médica é a que possui maior prestígio, apesar
de ter se confirmado uma certa perda hegemônica, demonstrada pela tendência ao
nivelamento, tanto salarial quanto de cargos de coordenação no SUS, às outras
profissões de mesmo grau de formação técnica (embora ainda existam diferenças
entre as profissões) e pela nomeação de outras profissões para a chefia de postos
de saúde; cargo que antes era ocupado unicamente por médicos. Nas instituições
privadas, ainda é o médico que ocupa cargos mais altos, como por exemplo, na
direção técnica de hospitais, provando que a Medicina ainda é a profissão de saúde
mais valorizada pela sociedade. Também na esfera estatal, a Medicina goza de
maior força política, tem maior número de médicos, do que as outras profissões de
saúde, ocupando cargos eletivos nas diversas esferas governamentais; no âmbito
municipal, estadual e federal, ocupando lugares políticos privilegiados como
secretários de saúde, ministros da saúde, senadores e etc., que oportunizam uma
ação direta sobre as políticas a serem aplicadas no município, no Estado e no País,
respectivamente.
147
A fiscalização exercida pelo Conselho de Medicina aos médicos é
praticamente inexistente, o “objeto” principal de fiscalização do Conselho de
Medicina são as instituições onde o médico atua, e não o médico em si. Essa
fiscalização focaliza prioritariamente as condições oferecidas pela instituição de
forma a garantir que os médicos tenham condições adequadas ao seu trabalho. De
uma forma geral, constatou-se que o Conselho Médico age de modo protecionista,
de apoio, em relação ao médico.
No Conselho de Enfermagem confirma-se outro tipo de posicionamento que
oscila entre uma atuação ausente em alguns aspectos e/ou deficiente. Constatou-se
que, em certos posicionamentos, ainda são encontrados resquícios do estigma de
subordinação à Medicina, oriundos do contexto histórico da gênese dessa profissão,
e que possui, do mesmo modo que o Conselho de Medicina uma preocupação com
as questões corporativas. Verificou-se que o Conselho de Enfermagem fiscaliza,
principalmente em relação aos limites profissionais, se os atos considerados
privativos dos enfermeiros estão sendo efetuados por outros profissionais, como
técnicos e auxiliares de enfermagem, ou até mesmo por leigos. A importância dada
à proteção dos atos privativos da Enfermagem, também está vinculada à história da
constituição da Enfermagem como profissão; tal é a relevância dada à divisão das
atividades, que se encontram distribuídas em categorias onde estão descritas
pormenorizadamente. Na descrição das atividades dos enfermeiros é detalhada,
quem pode ou não pode realizar determinada prática. As autuações feitas às
instituições onde trabalham os enfermeiros, por fiscalização ou por denúncia, pelo
Conselho de Enfermagem são em sua maioria vinculadas às questões referentes
aos procedimentos executados por outro profissional, que não o enfermeiro, de
forma corporativa.
O Conselho de Enfermagem não verifica se o Enfermeiro está ou não
presente no momento da fiscalização, mas sim se os seus atos estão sendo
executados por outros que não estão autorizados a fazê-lo. A queixa dos
enfermeiros é que o Conselho não cuida como deveria do número excessivo de
pacientes para cada enfermeiro, não cobra da instituição este limite, como também
não se impõe frente à instituição, em defesa do enfermeiro. Constata-se aqui uma
menor segurança para impor sua autoridade, em um hospital, por exemplo, do que o
Conselho de Medicina.
148
O Conselho de Farmácia fiscaliza de forma completamente diferente da
fiscalização procedida pelos Conselhos de Medicina e de Enfermagem. O ponto
relevante, na fiscalização realizada pelo Conselho Farmacêutico, está relacionado
com o seu “objeto” de fiscalização. Enquanto o Conselho de Medicina tem como
foco a instituição onde o médico trabalha e as condições de trabalho
proporcionadas, e, no Conselho de Enfermagem, o alvo é evitar que as atividades
privativas do Enfermeiro sejam realizadas por outros profissionais, em uma clara
visão corporativista; no Conselho de Farmácia, o objetivo é fiscalizar o próprio
profissional, principalmente sua presença física no número de horas determinado,
cuja declaração é enviada anualmente, por ocasião da renovação do alvará da
empresa em que o farmacêutico trabalha. Todo início de ano, para que as empresas
(instituições hospitalares, laboratórios de análises clínicas, indústrias de
medicamentos, os diferentes estabelecimentos comerciais farmacêuticos e etc.)
possam renovar seu alvará na prefeitura, é necessário que o Conselho Regional de
Farmácia emita o Certificado de Regularidade do farmacêutico, informando à
Vigilância Sanitária que o referido estabelecimento possui um farmacêutico
responsável técnico e, que o mesmo, cumpre o horário estipulado. Esse documento
é obrigatório, e o farmacêutico deverá enviar seus dados anualmente para o
Conselho, mesmo que não haja nenhuma alteração no cadastro.
Outro ponto que se sobressaiu sobre a fiscalização do Conselho de Farmácia
foi relacionado à resistência encontrada ao cumprimento da Lei 5991 de 1973. Pelo
fato dessa lei nunca ter sido cumprida integralmente, desde sua criação, foi
resgatada, em 1998, — através de uma denúncia ao Ministério Público — e
estabelecido um prazo para que tal situação fosse regularizada. O cumprimento a
essa lei tem sido alvo de constantes discórdias e altercações entre os profissionais
farmacêuticos, o Conselho e as instituições em que os profissionais trabalham,
criando um conflito entre os mesmos e os empresários leigos que são os
proprietários dos estabelecimentos farmacêuticos (que também devem se adequar à
lei). O problema, já constatado pelo Conselho, é tratado por esse de forma linear,
não levando em conta a complexidade das questões existentes no conflito. O
Conselho age de forma rigorosa, processa, cassa, interdita e prende, mas não
resolve, porque não considera os elementos subjetivos que não são perceptíveis na
forma linear como é olhada a questão.
149
Por conta do excessivo rigor com que é aplicada à fiscalização, o Conselho
Farmacêutico tem sofrido um grande desgaste nas suas relações com os
profissionais. A coerção que tem sido aplicada a essa questão tem tornado o
ambiente de trabalho do farmacêutico um palco de tensões e combates diários, uma
vez que existem vários interesse envolvidos; de ordem legal, econômica e social.
A postura do Conselho Farmacêutico é evidenciada através dos depoimentos
dos profissionais como tendo um caráter maniqueísta, rígido, autoritário, rigoroso ao
extremo, e que não são levados em consideração que o profissional farmacêutico é
um cidadão com direitos garantidos pela Constituição, é um profissional da saúde,
especializado, regularmente registrado e habilitado por esse mesmo Conselho a
exercer a profissão. A contínua resistência, ao longo de anos, ao cumprimento da
Lei 5991/73 denota causas não facilmente perceptíveis, relacionadas à própria
gênese e contexto histórico-social da formação do profissional farmacêutico. Que
teve seu saber descaracterizado, pela entrada, no Brasil, de grandes indústrias
internacionais produtoras de medicamentos que deixaram à margem as fábricas
brasileiras de tecnologia atrasada. Houve a desvalorização social do profissional
farmacêutico e perda de identidade na trajetória da formação da profissão. Nessa
época, a profissão farmacêutica é desarticulada do seu saber, tornando-se, tão
somente um balconista vendedor de medicamentos. Tal problema seria merecedor
de uma análise mais profunda, não se restringindo a um olhar superficial, linear,
porém a uma investigação que levasse em conta toda complexidade dos fatores
envolvidos. Indagados sobre o assunto, tanto os profissionais, quanto os membros
de órgãos de classe não conseguem encontrar um denominador comum para
esclarecer as causas da origem do problema.
Constatou-se que a fiscalização exercida pelo Conselho de Farmácia é
rigorosa, muito presente e altamente autoritária e que não houve, em momento
algum preocupações quanto às condições de trabalho oferecidas pela instituição
onde o profissional farmacêutico trabalha.
A hipótese geral da pesquisa foi baseada no fato de que apesar dos
Conselhos de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina pertencerem, os três, à área
da saúde, e estarem sujeitos às mesmas leis do País, com códigos de ética
semelhantes, eles agem diferentemente na forma como conduzem, executam e
fiscalizam os profissionais pertencentes a eles, e também atuam de forma distinta na
maneira como lidam com as demandas produzidas pela sociedade civil e pelo
150
Estado. Essa hipótese foi confirmada; de acordo com a pesquisa, percebeu-se que
as formas como os Conselhos de Farmácia, de Enfermagem e de Medicina
elaboram e executam suas práticas no cotidiano não são iguais. Os motivos que
levariam a essa diferente forma de agir dos Conselhos constituíram-se nas
hipóteses secundárias da pesquisa. A primeira hipótese secundária era de que
essas diferentes atitudes dos Conselhos estariam vinculadas, em parte, ao processo
sócio-histórico-cultural através do qual foi formatada e construída a respectiva
profissão, o que foi constatado como verdadeiro. Foi comprovado que cada
Conselho Profissional reage diferentemente a um mesmo estímulo — das leis, do
mercado, das pressões da sociedade, do surgimento de profissões afins, das
disputas por quinhões do campo de atuação da Saúde — e que esta resposta está
vinculada, de certa forma, ao processo sócio-histórico-cultural através do qual foi
formatada e construída a respectiva profissão. Essas diferenças têm seu alicerce
fundado no contexto histórico em que se originaram as profissões de Farmácia, de
Enfermagem e de Medicina e que se refletem na forma como é edificada a relação
entre os seus Conselhos, os profissionais, o Governo e a sociedade nos diversos
campos profissionais específicos dessa área. Os Conselhos refletem a própria
identidade da profissão e ao conduzirem suas políticas, suas estratégias, não só
reproduzem, como moldam a identidade profissional. Neste aspecto eles tornam-se
um referencial para os profissionais que se reconhecem (e são reconhecidos, na
sociedade) pelos discursos produzidos pelos seus Conselhos, que englobam na sua
dinâmica política, a construção social da profissão que representam.
São exemplos que corroboram a hipótese mencionada no parágrafo acima: a
questão da descaracterização do farmacêutico pelas indústrias multinacionais e sua
conseqüente desvalorização, a existência de uma Lei que torna obrigatória a
manutenção de um profissional farmacêutico nos estabelecimentos farmacêuticos
durante todo período de realização das atividades do dito estabelecimento, discutida
anteriormente, bem como a questão da preocupação do Conselho de Enfermagem
em diferenciar o saber científico da Enfermagem das outras profissões e a postura
de subordinação ao médico, que ainda pode ser constada em alguns momentos, na
Enfermagem; e, por último, o prestígio, a autoridade e a preeminência desfrutados
pelo Conselho de Medicina, da mesma forma que seu distanciamento da sociedade,
demonstrando um comportamento de inacessível, de superioridade em relação aos
outros dois Conselhos pesquisados.
151
Conforme as exposições feitas anteriormente, concluiu-se o que foi
efetivamente confirmado pela pesquisa: os três Conselhos pesquisados possuem
uma dimensão corporativista, buscam reservar e ampliar os espaços profissionais,
garantir a inclusão da profissão nas equipes do SUS e através de diversas
estratégias, como a realização de campanhas e palestras, estão continuamente
firmando a posição da profissão na sociedade e legitimando o conhecimento
específico da profissão. Essa questão responde a segunda hipótese formulada por
esta pesquisa, em que se acreditava que os Conselhos Profissionais reagiriam
frente aos constrangimentos e às expectativas relacionadas à profissão, como:
perda de poder e hegemonia, buscando conquistar, articular e intermediar interesses
e garantir o espaço profissional, fortalecendo-se corporativamente através da sua
legitimação na sociedade. A terceira hipótese da pesquisa referia-se à dimensão
política dos Conselhos, sugerindo que seus interesses não se encontram restritos à
regulação e à fiscalização das profissões que tutelam, e no seguimento das normas
ditadas pelo Ministério da saúde, mas que também, almejariam favorecer seus
interesses através da participação nas políticas públicas. Essa hipótese também foi
confirmada pela pesquisa, conforme foi verificado. Os Conselhos estão presentes
junto às atividades do Governo Federal, Estadual e Municipal, participando de
conselhos técnicos, das Conferências Nacionais de Saúde, dos Conselhos de Saúde
e outras atividades de assessoramento, de forma a obter a participação da profissão
nas equipes de saúde, nas campanhas e nos programas do Governo, assim como
conseguir que sejam aprovadas leis que favoreçam as profissões as quais
representam.
A influência da mudança paradigmática da Saúde, após o advento da
Constituição de 1988, na remodelação dos Conselhos, corresponde à confirmação
da quarta hipótese da pesquisa. Essa hipótese atribuía à redemocratização, à Nova
Constituição e ao pleno exercício da cidadania como causa da reconfiguração do
campo da saúde e da remodelação dos fazeres dos Conselhos Profissionais de
Farmácia, Enfermagem e Medicina. Essa hipótese foi efetivamente comprovada:
todos os profissionais entrevistados fizeram a mesma constatação de que houve
mudanças nas profissões e na área da Saúde a partir da segunda década de 80 e
que esta reconfiguração dos Conselhos foi devida ao fato da necessidade de haver
um reacomodamento dos papéis e fazeres dos Conselhos, de forma a contemplar as
mudanças e as expectativas corolários destes eventos.
152
A sociedade, de plena posse dos seus direitos de cidadania, passou a
participar ativamente nos rumos da Saúde. Os cidadãos junto com as entidades que
os representam estão mais conscientes, mais informados, mais atuantes, não estão
passivamente à mercê de decisões impostas pelo Estado, ou pelo mercado, mas
amadureceram como cidadãos, no sentido de participar, acompanhar e interferir nas
decisões governamentais. Acompanham as notícias da Saúde pela mídia, opinam,
exercem pressão, através do voto e da opinião pública e através do controle social,
fiscalizam o Governo na execução das políticas aplicadas nessa área.
Percebe-se que os três Conselhos pesquisados possuem traços
corporativistas, fechados quanto às outras profissões e a sociedade de uma forma
geral. Observou-se que essa postura está muito ligada às características tradicionais
das instituições brasileiras.
São esses paradoxos que ainda podem ser encontrados aqui. A democracia
apregoada, os preceitos igualitários do SUS, brandidos como bandeiras — sendo
este um órgão que é diretamente subordinado ao Ministério da Saúde e ao
Presidente do País —, porém possuidores de instituições obsoletas, conservadoras,
enrijecidas e distantes da sociedade. Conforme foi constatado, os Conselhos
Profissionais pesquisados, não são democráticos, não se aproximam
suficientemente dos seus profissionais, são poucos (ou não existem) encontros de
integração entre os membros do Conselho e os seus profissionais, são pouco
flexíveis em suas posturas e possuem resistência ao trabalho conjunto com as
outras profissões da saúde. Encontram-se, de certa forma, cristalizados em um
autoritarismo da qual a sociedade lutou tão intensamente para se desvencilhar.
O indeferimento do Conselho Regional de Medicina, bem como, a negativa
parcial do Conselho Regional de Enfermagem (comunicação apenas verbal, para
constar, mas não gerar prova) foram tratados como dados e submetidos à análise,
uma vez que as práticas dos atores sociais são discursos e que igualmente
comunicam. Os referidos documentos encontram-se disponíveis nos Apêndices A
(Solicitação de Pesquisa) e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Apêndice B).
Feitas essas ressalvas, pode-se concluir que com relação às diferentes
posturas adotadas pelos Conselhos, as constatações obtidas pela pesquisa
realizada, tanto pelo exame das informações através de uma análise de conteúdo,
quanto pela comparação das semelhanças e das diferenças contidas nas “práticas
153
discursivas” dos Conselhos Profissionais de Farmácia, Enfermagem e Medicina e
através dos depoimentos realizados pelos seus profissionais, a pesquisa possibilitou
a verificação e a confirmação das hipóteses da dissertação, colaborando para o
conhecimento de como esses Conselhos Profissionais interagem com os diversos
atores sociais, inseridos em um determinado momento e espaço social. São essas
as constatações possibilitadas pela pesquisa, embora se tenha ciência da influência
na pesquisadora das suas próprias subjetividades e que a atenção é dirigida apenas
para certos aspectos do problema, os que pareceram de maior relevância para a
pesquisadora em função de suas pressuposições.
Para concluir, constatou-se que a expectativa quanto ao Conselho
Profissional, dos profissionais de saúde e de suas organizações de forma geral, é
que sejam capazes de acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade após a
redemocratização e os avanços do exercício da cidadania. Adaptar-se aos novos
tempos, no exercício profissional e na Saúde, mudando paradigmas.
A fiscalização do exercício profissional — atribuição dos Conselhos — não
pode ser um fator de desestímulo ao profissional, mas antes um motivador. Os
Conselhos Profissionais de Saúde têm uma importante missão qual seja:
estabelecer uma política que leve em conta a complexidade da sociedade moderna,
voltada para a orientação e prevenção da Saúde, em que possa prosperar um
Conselho identificado com o seu profissional, abrindo-se as mudanças da sociedade
moderna e capaz de interagir com os diversos saberes pluridisciplinares.
Foi identificado que os Conselhos Profissionais analisados apresentam ainda
“traços” da ditadura, colados a eles, que permanecem em uma atitude conservadora,
distante e autoritária. O mundo mudou. As mudanças, hoje, acontecem rapidamente,
já não há espaço para arrogâncias, ideologias e posturas cristalizadas. Afirma-se
que os desafios a serem transpostos pelos Conselhos Profissionais, de acordo com
as expectativas dos seus profissionais e da sociedade, pertencem à ordem de
questões que se acham vinculadas a aspectos que digam respeito a uma maior
aproximação do Conselho junto aos seus profissionais e à população, deixando-se
conhecer, trabalhando em parceria com seus profissionais e com as outras
profissões, não como extremos oponentes de um mesmo caminho, mas
flexibilizando-se, acompanhando agilmente as transformações, adaptando-se a elas,
conhecendo a profissão em todos seus aspectos, não atendo-se apenas ao
conhecimento técnico, porém vislumbrando a profissão em um contexto
154
transdisciplinar, de vários saberes possíveis e complementares, democratizando e
rejuvenescendo a Saúde, também através das ações dos seus Conselhos.
O que se pode considerar atualmente, segundo o que foi constatado pela
pesquisa e que é comum aos Conselhos Profissionais investigados, é que eles
buscam, em última análise, estabelecer e guardar fronteiras, delimitando a profissão
e buscando, se possível, ampliar seu poder e campo de atuação. Isto porque o
campo da saúde tornou-se extremamente competitivo nas últimas duas décadas,
outras profissões de saúde de nível superior têm sido criadas e disputam a
legitimação do seu saber. Elas possuem dificuldades para sua regulamentação, que
estão relacionadas aos direitos, às atribuições, deveres e limitações dos seus
profissionais nos respectivos espaços de atuação, bem como há existência de
conflitos com as outras profissões da Saúde, especialmente com a profissão médica.
155
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de legitimação nos últimos dois governos federais. Rev.Civitas, Porto alegre,
v.6, n.1, p. 79-93, jan. - jun. 2006.
_________________ Organizações civis: Buscando uma definição para além de
ONGs e "terceiro setor".Rev.Civitas, Porto alegre, v.2, n.1, . p. 81-95, 2002.
_________________Movimentos sociais e cidadania no Brasil hoje. Rev. Véritas
Porto Alegre, v.43, n.172, p. 193-203, 1998.
STEIN, Ernildo. Epistemologia crítica da modernidade. 3. ed.Ijuí: UNIJUI, 2001.
107p.
TAKI, Edson . Políticas públicas de saúde: uma breve reflexão. Pharmacia
Brasileira. Brasília-DF, v. 40 p. 20-21, nov/dez 2003 – jan. 2004.
TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996. 286p.
160
ANEXOS
161
ANEXO A
LEI DO ATO MÉDICO
Projeto de Lei do Senado Nº 25 de 2002
Define o ato médico e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - Ato médico é todo procedimento técnico-profissional praticado por médico
habilitado e dirigido para:
I. a promoção primária, definida como a promoção da saúde e a prevenção da
ocorrência de enfermidades ou profilaxia:
II. a prevenção secundária, definida como a prevenção da evolução das
enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos:
III. a prevenção terciária, definida como a prevenção da invalidez ou reabilitação dos
enfermos.
Parágrafo único - As atividades de prevenção de que trata este artigo, que envolvam
procedimentos diagnósticos de enfermidades ou impliquem indicação terapêutica,
são atos privativos do profissional médico.
Art. 2º - Compete ao Conselho Federal de Medicina, na qualidade de órgão
normatizador e fiscalizador do exercício da medicina no País, nos termos do artigo
anterior:
I. fixar a extensão e natureza dos procedimentos próprios dos profissionais
médicos, determinando, quando necessário, o campo privativo de atuação
desses;
II. definir, por meio de resolução normativa devidamente fundamentada, os
procedimentos médicos experimentais, os aceitos e os vedados para utilização
pelos profissionais médicos.
Art. 3º - As atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão
e ensino dos procedimentos médicos devem ser unicamente exercidos por médicos.
162
Art. 4º - A infração aos dispositivos desta lei configura crime de exercício ilegal da
Medicina, nos termos do Código Penal Brasileiro
Art. 5º - O disposto nesta lei não se aplica ao exercício da Odontologia e da
Medicina Veterinária, nem a outras profissões de saúde regulamentadas por lei,
ressalvados os limites de atuação de cada uma delas.
Art. 6º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A Medicina é uma profissão conhecida desde a Antigüidade, cujos registros
remontam ao início dos tempos históricos. Até o Renascimento, existiam,
unicamente, duas profissões de saúde: a Medicina e a Farmácia. Passado algum
tempo, surgiu a Odontologia. No século XIX, a Enfermagem. No século XX, surgiram
diversas profissões na área da saúde, tais como a Fisioterapia, a Fonoaudiologia, a
Biomedicina, e outras, quase todas atuando em atividades que, no passado, eram
exclusivamente médicas.
A proliferação dessas profissões vem gerando a necessidade de as instâncias
responsáveis pela normatização e fiscalizão do exercício da medicina recorrerem
ao conceito e à extensão do ato médico, entendido como o procedimento específico
do exercício dessa atividade, como forma de delimitar o campo de atuação do
profissional médico.
Por este motivo, torna-se necessário estabelecer uma clara categorização legal dos
procedimentos médicos, permitindo a identificação precisa dos atores participantes
de tão nobre atividade profissional, no que concerne às suas responsabilidades para
com o indiduo e com a sociedade.
Nesse sentido, o escopo deste projeto tem por base a diretriz estabelecida pelo
Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução CFM nº 1.627/2001. Pelo
inatacável mérito do projeto que ora submetemos à apreciação do Senado Federal,
cujo objetivo é exatamente a caracterização legal dos procedimentos médicos,
conclamamos nossos pares a aprová-lo.
Sala das Sessões, 27 de fevereiro de 2002 - Geraldo Althoff.
163
APÊNDICES
164
APÊNDICE A
Ao Ilmo.
Presidente do Conselho Regional de Medicina
Sr.
SOLICITAÇÃO DE PESQUISA
Venho por meio deste ofício, solicitar autorização do Senhor Presidente do
CREMERS, com o intuito de realizar entrevistas com membros deste Conselho,
profissionais médicos, necessárias para conclusão de meu Mestrado, conforme
projeto anexo.
Juntamente a esta, deixo a carta de declaração da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul na qual obtive a qualificação do referido projeto.
Agradeço a atenção, e coloco-me a inteira disposição para maiores
esclarecimentos.
Porto Alegre, 29 novembro 2006.
_________________________
Ceres Pizzato Favieiro
mestranda
Fones: 33432192
99596363
E-mail: cerespfaviero@terra.com.br
165
APÊNDICE B:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Como aluna do curso de pós-graduação do Mestrado em Ciências Sociais
Organização e Sociedade, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Programa
de Pós-Graduação em Ciências Humanas - da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, estou realizando a pesquisa: CONSELHOS PROFISSIONAIS DE
SAÚDE E SUAS TRANSFORMAÇÕES, A PARTIR DA NOVA CONSTITUIÇÃO,
QUE REMODELOU O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL: UM ESTUDO
COMPARADO ENTRE OS CONSELHOS DE FARMÁCIA, DE ENFERMAGEM E DE
MEDICINA.
Informamos que os dados coletados serão utilizados para a elaboração do
Relatório cnico para a conclusão do Curso de Mestrado e, posteriormente, para
publicações científicas.
Temos como objetivo conhecer e compreender, através de um estudo no
âmbito das Ciências Sociais quais são os interesses que têm pautado as ações dos
Conselhos Profissionais na área da saúde — especialmente frente às diversas
modificações que vem sofrendo este campo após a promulgação da Constituição de
1988 — e suas relações com seus respectivos profissionais, com a sociedade civil e
com o governo.
Quanto aos procedimentos metodológicos para coleta de dados, optamos por
realizar entrevista gravada, que após a transcrição dos dados e a defesa do
Relatório Técnico, será totalmente apagada no prazo de cinco anos. Os dados de
identificação pessoal do entrevistado, especialmente seu nome serão
166
descaracterizados, de maneira a manter o modo confidencial e anônimo,
respeitando os princípios éticos. Para tanto, solicitamos seu consentimento,
autorizando-nos a entrevistá-lo. Colocamo-nos à disposição para esclarecimento de
eventuais dúvidas através do telefone 33432192.
Salientamos que os participantes do estudo manifestarão, previamente, sua
anuência à participação na pesquisa através da assinatura do Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme o que se segue:
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente Consentimento Livre e Esclarecido, declaro que fui orientado,
de forma clara, detalhada e livre de qualquer constrangimento e coerção, a respeito
dos objetivos, da justificativa e dos procedimentos aos quais serei submetido para a
realização do presente Projeto de Pesquisa. Fui igualmente informado quanto à
garantia de receber respostas a qualquer pergunta e/ou esclarecimento de qualquer
dúvida acerca dos assuntos relacionados com a pesquisa; quanto à liberdade de
retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo,
sem que isto traga prejuízo à minha pessoa; quanto à segurança de que não serei
identificado e que será mantido o caráter confidencial das informações que dizem
respeito à minha privacidade. Afirmo, também, que fui esclarecido de que receberei
uma cópia da transcrição da entrevista para conferir os dados; de que haverá
destruição posterior da fita utilizada para registrar a minha entrevista e, também, de
que os dados recolhidos servirão apenas para estudo e divulgação com fins
científicos. Declaro, ainda, que assinei este Consentimento Livre e Esclarecido em
duas vias e que recebi uma cópia do documento.
167
Eu___________________________, abaixo assinado, autorizo a utilização
dos dados para elaboração e a divulgação do estudo proposto.
Porto Alegre, ___/___/___
Nome do participante: ____________________________
Assinatura do participante: _________________________
Nome da pesquisadora: ___________________________
Assinatura da pesquisadora:___________________________
168
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS
Dados de identificação:
Profissional: _________________________________________________________
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Faixa Etária: 25-35 ( ) 36-45 ( ) 45-55 ( ) 56 em diante ( )
Profissão: __________________________________________________________
Tempo de Profissão: __________________________________________________
Local de trabalho: Instituição de Órgão de Classe ( ) Farmacêutico ( )
Enfermagem ( ) Medicina ( ) Outro
Cargo: _____________________________________________________________
Tempo de atuação na área______________________________________________
169
INSTRUMENTO DE PESQUISA
Público alvo A (profissionais do grupo político)
Público alvo B (profissionais do grupo técnico)
Grupo AElementos Gerais
1. No seu ponto de vista como se encontra a profissão de Farmacêutico (ou
Enfermeiro, Ou Médico), especificamente no Estado do Rio Grande do Sul? (Em
face das mudanças produzidas na saúde provocadas pelas novas leis da
Constituição Brasileira de 1988 e a prática da cidadania).
Grupo BPoder dos Conselhos
2. Dê sua opinião sobre como são feitas, na prática, as ações de fiscalização do
Conselho de Farmácia (Enfermagem, Medicina) previstas em lei?
3. Existe algum tipo de avaliação quanto ao desempenho dos Conselhos que seja
direcionada aos seus respectivos profissionais? A população conhece de uma
forma geral as atividades realizadas pelos Conselhos?
4. Você tem conhecimento como seu Conselho Profissional lida com o governo, eles
possuem uma via de comunicação? Como fazem quando precisam alguma coisa,
algum esclarecimento sobre as leis, quando tem alguma dificuldade ou mesmo para
fornecer alguma sugestão?
Grupo CSUS e Equipe Multidisciplinar
5. Existe algum Projeto em comum com seus profissionais, entre o Conselho e seus
profissionais e/ou com profissionais de outra área, fora aqueles pertinentes às
obrigações legais?Como, por exemplo: ações de saúde para a comunidade,
campanhas de vacinação?
6. Qual sua opinião sobre a equipe multidisciplinar, da qual também fala o SUS?
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