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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
VERA MARIA SPERANDIO RANGEL
A ORGANIZAÇÃO CULTURAL MUSEAL: OS DESAFIOS E VETORES
DOS PARADIGMAS TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO
Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues
Orientador
Porto Alegre
2007
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1
VERA MARIA SPERANDIO RANGEL
A ORGANIZAÇÃO CULTURAL MUSEAL: OS DESAFIOS E VETORES
DOS PARADIGMAS TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, pelo
Programa de Mestrado em Ciências Sociais Organização
e Sociedade, da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues.
Porto Alegre
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
R196o Rangel, Vera Maria Sperandio
A organização cultural museal : os desafios vetores dos
paradigmas tradicional e contemporâneo / Vera Maria
Sperandio Rangel. – Porto Alegre, 2007.
133 f.
Diss. (Mestrado em Ciências Sociais) – Fac. de Filosofia
e Ciências Humanas, PUCRS.
Orientação: Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues.
1. Museologia – Aspectos Sociais. 2. Museus –
Administração. 3. Cultura. 4. Museus – Brasil. 5. Museus – Rio
Grande do Sul. I. Rodrigues, Léo Peixoto.
CDD 069
.
Ficha Catalográfica elaborada por
Vanessa Pinent
CRB 10/1297
2
VERA MARIA SPERANDIO RANGEL
A ORGANIZAÇÃO CULTURAL MUSEAL: OS DESAFIOS E VETORES
DOS PARADIGMAS TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, pelo
Programa de Mestrado em Ciências Sociais Organização
e Sociedade, da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Aprovada em 29 de março de 2007.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________
Prof. Dr. Léo Peixoto Rodrigues – PUCRS
___________________________________________
Prof. Drª Julieta Beatriz Ramos Desaulniers – PUCRS
_______________________________
Prof. Drª Áurea Tomatis Petersen - PUCRS
3
À
Memória de Arlindo Sperandio e Clotilde Blaschke Sperandio.
A eles, além de agradecer a vida, agradeço a infância livre.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Léo Peixoto Rodrigues pela sua orientação e por ter
segurado o “fio de Ariadne”.
À Valéria Sperandio Rangel pelo apoio.
À Márcia Regina Bertotto pela disponibilidade.
Um brinde à vida de cada um!
5
Antes do compromisso,
há hesitação, a oportunidade de recuar,
uma ineficácia permanente.
Em todo ato de iniciativa (e de criação),
há uma verdade elementar
cujo desconhecimento destrói muitas idéias
e planos esplêndidos.
No momento em que nos comprometemos de fato, a
Providência também age.
Ocorre toda espécie de coisas para nos ajudar,
coisas que de outro modo nunca ocorreriam.
Toda uma cadeia de eventos emana da decisão,
Fazendo vir em nosso favor todo tipo
de encontros, de incidentes
e de apoio material imprevistos, que ninguém
poderia sonhar que surgiriam em seu caminho.
Começa tudo o que possas fazer,
ou que sonhas poder fazer.
A ousadia traz em si o gênio, o poder e a magia.
Goethe
“O museu é a caverna de Platão, o sol está lá fora”
Cézzane
6
RESUMO
Esta investigação objetiva compreender e explicitar os motivos que levam alguns
poucos museus a incorporarem em sua prática os preceitos da nova museologia em
um paradigma complexo, também visto como “pós-moderno”, quando comparado
com uma matriz moderna, e o que amarra os museus que não realizam essa
incorporação e permanecem com o paradigma tradicional, na sociedade complexa
do início do culo XXI. As idéias que vão formar o que seria o novo paradigma têm
preocupações de ordem científica, cultural, social e econômica. Reafirma os
recursos da museologia tradicional, que são: coleta, conservação, investigação
científica, restituição e difusão; porém, vão além, visam à democratização e estímulo
da produção, da criação e da difusão cultural. A UNESCO propôs uma assembléia
para debater a crise aguda dos museus, que de uma maneira geral não eram
visitados. A Mesa Redonda realizada no Chile, em 1972, traçou a fronteira entre a
museologia das coleções - paradigma tradicional - e a que percebe o museu como
instrumento de desenvolvimento social. O movimento para uma nova museologia
afirma a função social do museu e o caráter global das suas intervenções. A
proposta nova é um museu integrado para ser um instrumento de desenvolvimento
comunitário, com uma perspectiva dinâmica e aberta ao futuro. Esse museu seria
gerado em função do patrimônio coletivo de uma comunidade, não com um fim em si
mesmo, mas com um significado em razão do papel que possa ter ao servir essa
comunidade específica.
Palavras-chave: Museologia. Paradigma tradicional. Novas propostas.
7
ABSTRACT
The objective behind the present research was to understand and make explicit the
reasons that have led a few museums to embody the tenets of New Museology (also
thought of as “post-modern” when compared with a contemporary model) in their
operations within a more complex paradigm, and what holds those museums that did
not embody such precepts and remain loyal to the traditional paradigm, in the
complex society at the beginning of the 21st century. The ideas forming that which
would be this new paradigm are of scientific, cultural, social and economic concerns.
These ideas reassert resources of traditional museology, namely collection,
conservation, scientific investigation, restitution and dissemination, however they leap
further in that they aim at democratization and fostering of cultural production,
development and dissemination. UNESCO proposed a meeting to discuss the acute
crisis of museums that generally were not receiving visitors. The round table of 1972
in Chile outlined the boundary between collection museology the traditional
paradigm and that conception of museology that perceives museums as
instruments of social development. The movement for a new museology asserts the
social role of the museum and the global nature of its interventions. This new
approach translates as an integrated museum that is ready to become an instrument
of community development, within a dynamic perspective and set toward the future.
The birth of such a museum would be based in the cultural heritage of a given
community, not as an end in itself but bearing significance in terms of the role it
would have in serving this particular community.
Keywords: Museology. Traditional paradigm. New approaches.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Referências dos documentos para análise ............................................77
Quadro 2 – Formação dos OM – operadores museais pesquisados ........................78
Quadro 3 – Representação de categorias que irão tipificar o que chamamos de
museu tradicional, do paradigma tradicional............................................................. 79
Quadro 4 – Representação das categorias que irão tipificar o que esperamos
encontrar nos museus que adotam os preceitos do novo paradigma da museologia
contemporânea.......................................................................................................... 80
Quadro 5 – Sistema de Análise para a Sociologia do Conhecimento........................81
Quadro 6 – Categorização dos Dados e Seus Temas...............................................93
Quadro 7 – Quadro Tipológico Esquemático: Museus.............................................109
9
LISTA DE SIGLAS
MEC – Ministério da Educação
COREM - Conselho Regional de Museologia
ICOM - (sigla em inglês) – Conselho Internacional de Museus
FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul
FAMURS/CODIC Federação e Conselho dos Municípios do Rio Grande do Sul
FAMURS - Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul
CODIC – Conselho dos Dirigentes Municipais de Cultura
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura
OM - Operadores Museais ou de Museus
COFEM – Conselho Federal de Museologia
MINC – Ministério da Cultura
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP – Universidade de São Paulo
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
NEMU – Núcleo de Estudos Museológicos
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
FABICO – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação
IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
UNICAMP – Universidade de Campinas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura
MINOM – Movimento da Nova Museologia
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 13
2 UM PERCURSO MUSEAL E HISTÓRICO................................................ 20
2.1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 20
2.2 MUSEOLOGIA, TEORIAS PRÁTICAS....................................................... 21
2.2.1 Os Novos Rumos da Museologia .................................................... 24
2.2.2 O Museólogo Brasileiro e Sua Formação Acadêmica........................ 30
2.3 OS MUSEUS COMO ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ALÉM DE CULTURAL.. 34
2.3.1 Museu e Educação, Arte e Experimentais ........................................... 43
2.3.2 O Primeiro Museu do RS e a Constituição Positivista .................... 48
2.4 CONSIDERAÇÕES .................................................................................. 52
3 CARACTERIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO: E A
POSSIBILIDADE DE CONHECER O CONHECIMENTO MUSEOLÓGICO
..................................................................................................................... 53
3.1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 53
3.2 RAÍZES HISTÓRICAS E NOMES DOS NOSSOS DIAS........................ 54
3.3 DIFUSÃO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO............................. 62
3.3.1 Sociologia do Conhecimento e Novos Conceitos.......................... 65
3.4 CONSIDERAÇÕES............................................................................ 69
4 MÉTODOS UTILIZADOS PARA O CONHECIMENTO MUSEAL DO RS
........................................................................................................... 70
4.1 INTRODUÇÃO................................................................................... 70
4.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
E TIPOS DE ESTUDO............................................................................ 71
4.2.1 Análise de Conteúdo............................................................................ 73
4.2.2 Método Tipológico Ideal Weberiano................................................... 76
4.3 SITUAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DO PARADIGMA TRADICIONAL
NA CULTURA – MUSEUS – BRASILEIROS......................................... 78
4.4 AS CONTRIBUIÇÕES DOS OPERADORES MUSEAIS ENTREVISTADOS .89
4.4.1 Organização dos Dados Empíricos ..................................................... 90
11
4.4.2 Relação entre formação e o cargo ocupado no museu, qualificação ou
status político...................................................................................... 91
4.4.2.1 Acesso (à Instituição, concurso ou indicação política)........................ 92
4.4.2.2 Qualificação X Status Político X Crescimento Profissional................. 96
4.4.3 Formas ou Instrumento Profissional que o museu utiliza para cumprir
sua função, missão ou objetivos .................................................. 98
4.4.3.1 Instrumental Teórico e Técnico........................................................... 99
4.4.4 Relação entre planejamento, gestão e políticas culturais, sociais e
econômicas - dificuldades, obstáculos para mudanças práticas
necessárias para alçar ao futuro museu. Extroversão do museu,
espaço, falta planejamento, identidade, continuidade política de
direção ............................................................................................ 101
4.4.4.1 Relação Gestão, Planejamento e Rupturas, Mudanças.................... 101
4.4.5 Fatores ou condições externas que se refletem na eficácia ou eficiência
do papel que o museu deveria desempenhar .............................. 103
4.4.5.1 Desempenho e Eficiência ................................................................ 103
4.5 O MUSEU EFICIENTE PARA O SÉCULO XXI ............................... 105
4.6 MÉTODO TIPOLÓGICO ................................................................ 106
4.6.1 Análise do Quadro Tipológico ........................................................ 107
4.7 INTERPRETAÇÃO ......................................................................... 109
5 CONCLUSÕES .............................................................................. 115
REFERÊNCIAS............................................................................ 123
APÊNDICE A – Entrevista Textual............................................... 127
APENDICE B – Termo de Consentimento................................... 128
ANEXO A – Organograma Museu de Etnologia da USP............. 129
ANEXO B – Organograma Memorial do Imigrante...................... 130
12
ANEXO C – Organograma Museu de Comunicação Social Hipólito José da
Costa, 1989.. ...........................................................................................
131
ANEXO D Organograma Museu de Comunicação Hipólito José da Costa,
2007............................................................................................. 132
13
1 INTRODUÇÃO
O objeto da nossa investigação é o museu contemporâneo, o museu como
organização cultural e social. Se o nosso interesse estivesse em apontar a primeira
exposição ou o primeiro museu, poderíamos pensar na Arte Rupestre. No Brasil
temos o conjunto mais rico do mundo, o 25 mil desenhos, retratos da vida do
primeiro habitante da América, nas cavernas da Serra da Capivara, no Piauí.
Podemos deduzir dos registros da arte do homem pré-histórico que ele é o precursor
do museu, ele criou a primeira tipologia museológica. Conceitos pertinentes ao
museu atual, como a memória coletiva preservada, podem ser encontrados na ação
pré-histórica. Assim como os museus, o sítio arqueológico do Piauí é pouco
considerado, os profissionais e cá, enfrentam toda a sorte de dificuldades, um
paralelismo – patrimônios pré e históricos - no lado negativo.
O museu nasceu na Grécia Antiga e foi modificando-se pelo caminho.
Passou pelo enciclopedismo e pelas coleções: resultado de pilhagens, composto de
raridades, curiosidades e riquezas, chegando na era da informação, desafiado a
cumprir uma mediação comunicacional entre as referências patrimoniais e a
sociedade.
O conceito de museu vem sofrendo alterações e mudanças que variam entre
“instituição” e “processo”. Neste início de século, o museu como instituição, que foi
criada para estar a serviço da sociedade, deveria dispor de recursos humanos,
tecnológicos e de mercado, porém seus agentes devem construir de forma concreta
as condições objetivas para que isto aconteça.
Hoje, ao descrever o “Estado da Arte” dos museus, digamos, espera-se que
o museu produza conhecimento, a instituição existe para a salvaguarda da herança
cultural da sociedade, atua no sentido inverso à destruição. Deve planejar valores
humanitários e através de pesquisas gerar nova herança. O museu deveria ser
reconhecido como um lugar de aprendizagem, um privilegiado espaço de lazer,
sendo um verdadeiro ícone urbano. O museu, ao apresentar-se como um fórum de
14
debates, esparrama-se para dentro da sociedade e para fora dos seus muros, e é na
denominada extroversão do museu que se realiza o "Estado da Arte".
Não resgate da história, nos museus indicadores da memória,
porque temos fragmentos que contam partes da história, como exemplo, seja da
cidade, seja de um movimento social, ou de outros fatos, o museu reúne esses
indicadores, um fio condutor ideológico perpassando toda a cadeia operatória
entendida como o equilíbrio entre a salvaguarda e a comunicação, significando o
paradigma da gestão museológica.
O poder de quem chancela o que sepreservado e o que será relegado ao
esquecimento é uma seleção altamente ideológica e de grande responsabilidade
social; das inconseqüências de ações havidas em tais atos, a humanidade
ressente-se em vários momentos do processo histórico. Lembramos as grandes
estátuas gigantescas de Buda, destruídas com pretextos religiosos, no ano de 2001,
por extremistas Talebans no Afeganistão, e existem muitos outros exemplos. Ao
nosso lado, na época da II Guerra Mundial, as comunidades de imigrantes,
localizadas no Vale do Sinos, sofreram muitas perdas culturais, dentre essas a
crucial: não ter liberdade de usar a língua materna.
Para alguns museólogos, a Museologia é uma disciplina do conhecimento
científico em construção. É a base em que são gerados os conceitos para os
museus atuarem com qualidade e eficiência. O conhecimento desses postulados, ou
teorias, deveria ser requisito para a prática de todos que desempenham funções nas
organizações museais. A capacitação dos profissionais e a articulação entre eles
são fundamentais para o planejamento e construção dos caminhos museológicos
melhor ladrilhados.
A partir da pesquisa e da análise dos resultados desta dissertação, a própria
comunidade museológica porto-alegrense poderá se valer sobre questões
pertinentes à produção e geração dos serviços, para os quais os museus existem.
Tanto para a comunidade técnico-científica como para a academia, a presente
pesquisa adquire relevância por buscar analisar, com critérios científicos, uma
organização social – o museu – mais antiga do que o ensino superior no Brasil e que
passa por dificuldades de toda ordem. Parecem não encontrar o caminho para bem
15
atuar nos dias de hoje, estão em descompasso com a sociedade da informação e da
tecnologia.
vários trabalhos acadêmicos sobre as organizações museais nas áreas
da Comunicação, da Educação e na área da Informática, mas escassos trabalhos no
âmbito das Ciências Sociais, mais objetivamente da Sociologia das Organizações.
Após a análise dos dados empíricos, espera-se seja possível incluir os museus
brasileiros nessa generalização.
Esta dissertação pretende realizar, sob o olhar teórico da sociologia do
conhecimento, uma investigação no campo dos museus. Os museus, de maneira
geral, estão muito aquém de seu potencial como organização a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento; seja para comunicar, informar ou para
entreter, características, essas, que definem um verdadeiro museu contemporâneo.
Percebendo-se o museu com esse olhar, referido acima, com as várias
proposições voltadas para o social, vê-se um espaço de relações. A análise do
processo da organização dos museus na realidade cultural brasileira, e
especialmente na gaúcha, busca demonstrar que os museus permanecem como um
campo de possibilidades muito mais do que de ações.
Vivendo imersos no objeto, acreditamos estar capacitados para realizar a
investigação científica, essa idéia é uma presunção e um engano. O que temos em
nós são muitos preconceitos e senso comum. Até que consigamos separar as
noções das pré-noções, teremos percorrido um caminho de aprendizado,
compreendido porque necessitamos do orientador para conduzir a bom termo a
investigação.
O problema central de pesquisa constituiu-se no questionamento de qual
seria o motivo de não acontecer a ruptura no paradigma museológico tradicional; por
que não se estabelece o novo paradigma, compreender e explicitar os motivos que
levam alguns poucos museus a incorporarem em sua prática alguns preceitos da
museologia contemporânea em um paradigma complexo, também visto, por autores
contemporâneos, como “pós-moderno”; e quais as condições dos outros museus,
16
que não realizam essa quebra e persistem no paradigma tradicional, na sociedade
complexa do início do século XXI. A crise pré-paradigmática existe, a resposta à
crise seria a troca de paradigma. Esse tema também é objeto da investigação.
Nossos questionamentos, dentre outros, ao início da caminhada eram estes:
Como se a organização dos museus e instituições afins no que concerne ao
corpo diretivo e funcional? Existe plano diretor, ou estatuto, ou elaboração de
relatórios setoriais? A instituição trabalha com pesquisa no acervo instituído e no
captado a incorporar? Mostrando assim que valoriza o patrimônio como fonte de
informação e não como um fim em si mesmo. Existe pesquisa na captação de
acervo? Ou é aceito tudo o que aporta no museu, sem critério, sem observar a
política e a missão da organização? O Estado do Rio Grande do Sul, a União e o
municípios oferecem organogramas para as instituições que mantêm. Ou, ao invés
disso, cada uma age isoladamente. Os questionamentos iniciais apontam a posição
dos museus, quanto à inserção no paradigma contemporâneo ou no paradigma
tradicional.
Existem, dentro do conhecimento museológico, dois tipos de paradigmas.
Para definirmos o que chamamos de Paradigma Museológico Contemporâneo, que
contém o movimento da Nova Museologia, devemos pensar em processos e em
relações do Homem. O paradigma contemporâneo propõe um museu que seja um
instrumento para o desenvolvimento comunitário, a partir de uma base institucional,
mas construindo novos tipos de relações: aprendizagem, entretenimento,
comunicação, lazer e muitas outras, resultantes da interação com os anseios da
sociedade. Em contraposição ao outro paradigma museológico tradicional, que
corresponde ao paradigma científico tradicional em sua linearidade, de saber
cumulativo. O paradigma tradicional narra a história factual dos heróis e vencedores,
o museu tem as características de guarda e exposição permanente, com o objetivo
principal de educar escolares.
Também faz parte da nossa problemática e compõe os objetivos da nossa
investigação a necessidade de compreender e de explicar o fato de que não o
levados em consideração os paradigmas museológicos. Compreender e explicitar os
motivos que levam alguns poucos museus a incorporarem em sua prática os
17
preceitos da nova museologia em um paradigma complexo, também visto como
“pós-moderno”, quando comparado com uma matriz moderna, e o que amarra os
museus que não realizam esta incorporação e permanecem com o paradigma
tradicional, na sociedade complexa do início do século XXI.
Outros objetivos que elencamos, o: analisar a comunidade museológica
gaúcha e os grupos sociais que nela atuam no que concerne ao museu como
organização social. Explicar quais o os fatores que facilitam ou dificultam a
incorporação dos novos paradigmas. Verificar quais os museus que incorporam tais
paradigmas e por que o fizeram. Verificar sobre as pessoas que trabalham em
museus, em Porto Alegre, a qualificação com que atuam: com boa qualificação, com
baixa qualificação ou sem qualificação na área. Verificar igualmente quais as áreas
afins que estão representadas nas equipes, quais são estas áreas. Compreender as
conseqüências da falta de formação específica. Compreender os motivos por que
isto se dá: poucos cursos, estão localizados no centro do país, demanda, ou
não interesse pela formação. Averiguar se seria essa uma das causas
importantes, da não incorporação dos preceitos do Novo Paradigma nas suas
práticas profissionais.
A presente dissertação está organizada da seguinte maneira: está
constituída em cinco capítulos, sendo o primeiro este capítulo introdutório que busca
situar a organização deste trabalho.
No capítulo dois que denominamos “UM PERCURSO MUSEAL E
HISTÓRICO”, realizamos justamente uma caminhada através dos autores que nos
propiciaram o conhecimento do processo da museologia como ciência que está em
pleno desenvolvimento. Nos documentos buscamos compreender o discurso
científico, se está descolado do discurso e principalmente da ação dos operadores
museais. Objetivamos nos informar sobre as tendências que os intelectuais, que
atuam na museologia, estão imprimindo em seus últimos trabalhos: a busca da
cientificidade, a busca do alargamento dos horizontes, a compreensão de que a
sociedade, para o século XXI, é a sociedade da inclusão e vimos que é isso o que
apresenta o discurso da maioria desses teóricos. Examinamos a instituição da
problemática formação acadêmica da comunidade museológica brasileira, que deixa
18
a desejar, por falta de escolas em todos os níveis, da estrutura educacional
brasileira. Sobre as funções dos museus que nos dias atuais deveriam ser voltadas
diretamente para o social, ultrapassando o chamado público escolar, a grande
maioria dos gestores dos museus, deixa entrever que desconhece ou, desconsidera
a vocação pedagógica do museu para “ensinar” a todos os públicos. Através de
informação e da comunicação realizadas via exposições de seus acervos e de
divulgação de pesquisas ou ações inéditas e inovadoras, podem cumprir essa
vocação de maneira abrangente, incluindo várias idades e vários públicos. Vemos o
mais antigo museu - Júlio de Castilhos – nascido dentro do período positivista
gaúcho, uma particularidade da política do Rio Grande do Sul em relação aos outros
Estados federados. possibilidade de aprofundar a investigação para
compreender a “desescolarização” dos museus e a conseqüente explicação da
identidade da Escola e do Museu. A importância deste capítulo é conhecer a
museologia.
No capítulo terceiro que chamamos: “A CARACTERIZAÇÃO DA
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO: E A POSSIBILIDADE DE CONHECER O
CONHECIMENTO MUSEOLÓGICO” o foco foi verificar em que medida podíamos
nos apoiar na sociologia do conhecimento para construir nossos objetivos. A
sociologia do conhecimento, desde muitos anos, vem se estabelecendo como uma
teoria sociológica; por um período esteve esquecida, foi revigorada em dois
momentos, com teóricos inovadores como o norte-americano Robert Merton e com a
publicação do trabalho do físico Thomas Kuhn. Usamos as categorias sociológicas
de análise estabelecidas por Merton, para a sociologia do conhecimento, na
categorização, descrição e análise. Sobre a importância do capítulo: dele dependeu
a cientificidade da investigação, sem a lente da teoria sociológica nossa investigação
estaria comprometida, com viés de senso comum. O capítulo teórico é fundamental
em uma dissertação.
Ao quarto capítulo chamamos “MÉTODOS UTILIZADOS PARA O
CONHECIMENTO MUSEAL DO RS”, porque procuramos fazer uma combinação de
métodos para que obtivéssemos, na análise sociológica, maior consistência. A
técnica da análise de conteúdo mostrou-se uma técnica produtiva. A dimensão
empírica aliada à consciência crítica, forjada no processo pedagógico, embasa as
19
ações deste capítulo. No método tipológico weberiano, encontramos uma
interpretação segura. A análise vai ser feita em outro patamar, muito longe do senso
comum.
Dentre os novos temas de discussão na área da museologia, está a
Comunicação, que é hoje uma das principais e que vem ocorrendo entre os autores
museais contemporâneos. Comunicar para nós, com relação ao museu, significa
transversalmente, educar. O museu deve educar vários públicos, pois vivemos na
época da educação continuada. O papel do museu, nos dias de hoje, é agregar o
passado com uma perspectiva de futuro. As concepções de museu e de museologia,
que embasam o paradigma museológico contemporâneo, podem ser considerados
como “novos horizontes”.
20
2 UM PERCURSO MUSEAL E HISTÓRICO
2.1 INTRODUÇÃO
Apresentamos neste capítulo um panorama da Museologia e de como ela
vem se constituindo. Optamos por uma separação entre teoria, conceitos e práticas,
visando clareza e objetividade na leitura.
Examinaremos alguns dos documentos que são os principais marcos da
Museologia, optando por: Rio de Janeiro, 1958; Santiago do Chile, 1972; Quebec e
México, 1984; e Caracas, 1992. Esses são documentos que resultaram em cartas e
moções fundamentais na sistematização da Museologia.
O recorte temporal tem início na data da Revolução Francesa (1789), marco
histórico, com a formação dos Estados Nacionais. A criação dos grandes museus
nacionais, na forma como chegaram até hoje, pelo menos em essência, é fruto da
ideologia da revolução.
Examinamos a chegada da Família Real de Bragança (1807) porque, com
essa família, chegaram os, hoje chamados, “equipamentos culturais”: a imprensa, a
biblioteca, o Jardim Botânico e os museus. A História dos museus brasileiros tem
início com esse episódio. As experiências, com formas alternativas de organização
museal, têm início com o movimento que problematizou a questão tradicional x novo
na dimensão teórico-metodológica. Por fim, o mais antigo museu gaúcho e a sua
formação no período Republicano Positivista.
Os dois vetores para o exame dos paradigmas referentes a museologia,
abordados nesta dissertação - paradigma tradicional e paradigma contemporâneo -
são temas recorrentes dos profissionais da área. A originalidade e o ineditismo que
imprimimos nesta investigação está na análise sociológica amparada pela sociologia
do conhecimento.
21
2.2 MUSEOLOGIA, TEORIA E PRÁTICAS
Para alguns profissionais, a Museologia é uma disciplina científica, para
outros, uma ciência em construção. De qualquer forma, tanto como uma ou como
outra, é, por certo, uma área do conhecimento. Podemos afirmar que é a base em
que são gerados os conceitos para os museus atuarem com qualidade e eficiência.
A publicação de documentos em caráter regular desde 1978, por parte do
ICOFOM
1
, foi de total importância para que a Museologia, como um campo de
conhecimento, tivesse se estabelecido com definições, metodologia e sistema
determinado. A formulação desse sistema viria a legitimá-la como disciplina
universitária tendo sido um dos objetivos perseguido pelo ICOFOM, segundo Suely
Cerávolo
Paralelamente aos aspectos formativos havia a faceta propriamente
científica. Para fundamentá-la, Z. Z. Stránský buscou inspiração na Teoria
Geral dos Sistemas, (concebida pelo biólogo Ludwing von Bertalanfly),
procurando demonstrar as vantagens dessa aplicação - um modelo teórico
então contemporâneo da moderna ciência - aos museus. Os resultados
apontavam no seu entender, o traçado da Museologia como ciência
especial e independente, possibilitando observar os museus em relação
com o meio e não mais isolados em si mesmos, ou seja, a ‘realidade do
museu como um todo’ (CERÁVOLO, 2004, p.262).
A autora analisa a formação da teoria museológica cujos modelos inspirados
na ciência contemporânea poderão ter critérios próprios. Os estudos sobre a teoria
da Museologia, porém, não se restringem ao ICOFOM. As associações mais antigas,
como a britânica Museums Association (1889) e a norte-americana American
Association of Museum (1906), por sua vez, assim como o comitê ligado ao ICOM
2
e
à UNESCO, têm ultrapassado as fronteiras geográficas e demonstram preocupação
com aspectos profissionais de formação, e com o aspecto científico.
O Brasil recepciona e respeita as determinações internacionais através do
ICOM, divisão Brasil, sendo que o associado aceita respeitar o Código de Ética do
1
International Committee for Museology (Fórum internacional para o debate museológico).
2
International Council of Museums, criado em 1946, Organização Não Governamental ligada à
UNESCO, ONU.
22
profissional e a Deontologia deste organismo pode ser constituída por figura física
ou jurídica. No entanto, ressaltamos que é pequeno o número de técnicos das
instituições museais do Rio Grande do Sul que são associados a entidades da
categoria, mesmo que estejamos tratando de uma profissão regulamentada
3
.
Constata Peter van Mensch (1983), à época presidente do ICOFOM, que,
nos anos 80 do século XX, desenvolvia-se uma visão mais apropriada da
Museologia em vários locais, como: União Soviética, Tchecoslováquia e República
Democrática Alemã. A institucionalização do ICOFOM propicia a reunião e
sistematização da produção destes pensadores dispersos. Ressalta que, desde os
anos 1960, vinha acontecendo, em pontos distantes do mundo, um estoque de
teoria museológica com o objetivo de desenvolver e firmar a museologia como uma
disciplina científica. O principal objetivo para a criação do ICOFOM foi alcançado;
mas, mesmo assim, até que a museologia fosse aceita como ciência pelo ICOM,
passaram-se alguns anos. Depois de observarem muitos simpósios, seminários
nacionais e internacionais e publicações, em 1980, os membros do comitê
declararam que, “tendo por base a teoria da ciência, ela é uma disciplina científica
em estágio embrionário” (CERÁVOLO, 2004, p.250).
O grupo de estudos originalmente teve o objetivo de fazer do museu um
objeto de estudo e legitimá-lo como disciplina acadêmica. Acontece que esse objeto
de estudo deslocou-se de uma museologia de museus para uma “relação específica
do homem com a realidade”, concepção de Zbynek Z. Stranský e Ana Gregoravá.
Na presidência de Tomislav Sola, o comitê defendeu, em 1982 em reunião do
ICOFOM em Paris, uma abordagem ainda mais abrangente que a dos colegas: “a
Museologia abrange todo um complexo de teoria e práxis que envolve a
conservação e o uso da herança cultural e natural” (In, MOURA SANTOS, 1996, p.
92). Essa é uma definição bem clara e Moura Santos ressalta que Sola usa o
conceito de herança em um sentido amplo.
Antes do último quartel do século XX, dizia-se que a museologia era a
ciência de organizar os museus. Waldisa Rússio Camargo Guarnieri
4
, museóloga
3
Lei nº 7.287, de 1984, regulamenta a profissão de Museólogo (ver mais na p. 13).
4
Será citada, daqui em diante, como Waldisa Rússio, porque assim era conhecida.
23
brasileira desaparecida em 1991, definiu o objeto de estudo da museologia. Para
ela, o “fato museal” é o objeto da museologia e a relação que se estabelece entre o
homem (sujeito) e o objeto (bem cultural) num cenário denominado museu ou fora
dele. “O fato museológico é a relação profunda entre o homem conhecedor e o
objeto que é parte da realidade, a qual o homem pertence e sobre a qual ele age.
Essa relação compreende vários níveis de consciência [...]” (RÚSSIO, 1978, p.4).
Como uma “ciência no nascedouro”, com proposta interdisciplinar, a
Museologia tomou emprestadas as metodologias das ciências do homem e da
sociedade e ficou atrelada às Ciências Sociais e à Filosofia. Era necessário saber
seus limites e fronteiras para evidenciar as inter-relações com outras disciplinas,
entre elas a Filosofia do Conhecimento, a Antropologia Social e Cultural, a Ciência
do Ambiente, as Ciências Políticas e a Ciência da Informação (CERÁVOLO, 2004).
Nos relata Waldisa Rússio (1978) que, Ana Gregorová, museóloga russa,
referência entre os autores europeus que debatem e praticam a Museologia, através
de um raciocínio analógico, afirma que a medicina não é a ciência dos hospitais, a
educação não pensa a escola e a Museologia não é a ciência dos museus. Partindo
desta perspectiva, a autora defende a Museologia como a ciência que estuda a
relação específica entre o homem e a realidade. Scheiner, na mesma linha
argumentativa anterior, como membro do comitê do ICOFOM, define:
A museologia é a ciência dos processos complexos de coleção,
preservação, dedução, pesquisa, exposição etc. A comunicação dos objetos
móveis autênticos, os quais, como fonte primária, comprovam o
desenvolvimento da natureza e da sociedade, propicia também a pesquisa
e transmissão da investigação e do conhecimento desses objetivos, bem
como da experiência humana (SCHEINER, 1989, p.63).
Scheiner exclui, explicitamente, o patrimônio imóvel como objeto de estudo
da Museologia. Nós pensamos que o conhecimento mínimo dos postulados, ou
teorias deveria ser requisito para a prática de todos que desempenham funções nas
organizações museais.
Questões relativas às outras “funções” museais, como “a preservação, a
investigação e a comunicação dos testemunhos culturais e do meio ambiente,
24
interessam à Museologia, porque esses testemunhos são representações da
memória, o suportes de informações” (CHAGAS, 1996, p.181). Esse autor
trabalha ainda a questão da memória. Para ele, a memória no museu é uma
construção e, portanto, poderá ser usada para a libertação ou para a repressão. A
memória não é o passado, mas sim a sua representação, seleção e esquecimento. A
definição mais atual encontrada do que seja o museu é cunhada por Chagas (2005):
Na forma como hoje são compreendidos, os museus operam com três
funções básicas: a investigação, a preservação e a comunicação de bens
culturais (representações de memória). Estes bens culturais ao serem
submetidos a um processo de musealização de longa, média ou curta
duração, adquirem novos valores, passam a ter o poder de representar,
ganham uma dimensão simbólica. Transformados em documentos os bens
culturais musealizados ganham uma aura de autoridade e de autenticidade,
assumem o poder de testemunhar e em muitos casos o valor de cultura
passa a ser confundido com valor de culto (CHAGAS, 2005, p.16).
O valor de culto significa a sacralização dos objetos, podendo significar,
igualmente, elitização. A diversidade museal nos trinta últimos anos foi ampliada.
Reconhecer que essa ampliação contou com o aporte teórico e prático da nova
museologia é importante. No entanto, o que surgiu como avanço e como convite
para novos caminhos, também “se conformou e se viu prisioneiro de suas próprias
teias e armadilhas” (CHAGAS, 2005, p.17). Abordando o conceito de vanguarda,
geralmente associado às artes e bastante controverso, Chagas (2005) conclui que o
que era vanguarda, alguns anos, hoje está ao lado de todo o cabedal teórico e
prático tradicional dos museus.
2.2.1 Os novos rumos da museologia
Resultado de reflexão conjunta de profissionais da museologia, cinco dos
importantes documentos desta área foram produzidos no Continente Americano, no
século XX, e são eles: O Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa
dos Museus, realizado no Rio de Janeiro em 1958; a Mesa Redonda de Santiago do
Chile, em 1972; o Atelier Internacional da Nova Museologia, na cidade de Quebec,
no Canadá, em 1984; a Reunião de Oaxtepec, no México, em 1984; e a Reunião de
Caracas, na Venezuela, em 1992, todos elaborados em conjunto com o Conselho
25
Internacional de Museus - ICOM. Os principais documentos da área possibilitam-nos
avaliar o desenvolvimento das discussões.
O documento do Rio de Janeiro (1958), indicando que o museu deve ser
uma extensão da escola para a educação formal, foi um importante passo. Até
então, somente as coleções demandavam o fazer museológico. O seminário carioca
recomenda que o museu volte-se para fora, para educar. Mostra preocupação com a
exposição museológica e com os recursos didáticos usados. À época, levantou
problemas pertinentes. Depois de cinco décadas, com as transformações sociais
ocorridas, esse documento tornou-se obsoleto.
A UNESCO propôs uma assembléia para debater a crise aguda dos
museus, que, de uma maneira geral, não eram visitados. A Mesa Redonda realizada
no Chile, em 1972, traçou a fronteira entre a museologia das coleções, que
caracterizamos como um dos elementos do paradigma tradicional
5
, e a museologia
que percebe a instituição como instrumento de desenvolvimento social, local de
aprendizagens variadas e interdisciplinaridade, que caracterizamos como sendo de
um paradigma museológico contemporâneo.
Voltada para a discussão do papel do museu na sociedade, a Declaração de
Santiago (1972) resulta de uma reunião interdisciplinar pioneira e levanta a questão
da interdisciplinaridade no contexto museológico. Esse documento propõe que a
museologia passe a estudar a relação que o homem tem com o Patrimônio Cultural.
Introduz a idéia do museu-ação, instrumento de transformação social (PRIMO,
2002).
O documento de Santiago foi o que trouxe as maiores inovações conceituais
no contexto museológico. A noção de museu integral foi pensada para que esta
organização seja a ponte entre a comunidade e o patrimônio global. No ano de
1984, aconteceram dois eventos significativos, em Oaxtepec, no México, e a reunião
de Quebec, no Canadá. O documento ntese da reunião do México reafirma várias
das questões apontadas em Santiago. Ampliando-se a noção de patrimônio cultural,
5
Paradigma tradicional, museu estruturado institucionalmente que atua a partir de coleções “fechado”
em si mesmo.
26
a museologia é reafirmada como integrada ao contexto social, econômico e político,
por isso, deve atuar associada às descobertas e avanços científicos. Considera
indissolúvel a relação território patrimônio comunidade. Na análise dos dois
documentos (México e Quebec), fica clara a fissura entre o paradigma tradicional e o
movimento para uma museologia contemporânea. Para Judite Primo, museóloga,
professora do curso de mestrado da Universidade Lusófona de Lisboa, em Quebec é
criada a dicotomia entre a nova museologia e a museologia tradicional. Na opinião
de Primo, a Declaração de Quebec tem a primazia de institucionalizar o movimento,
porque ele vinha acontecendo algum tempo e as novas formas de museologia,
propostas são: Ecomuseu, museu de vizinhança, museu comunitário, museu de rua
e outras (PRIMO, 2000).
Os adeptos da nova corrente criam, em 1985, o MINOM - Movimento da
Nova Museologia. Este movimento contesta o saber isolado da museologia
tradicional, postulando a interdisciplinaridade e a reflexão crítica. Dissemina a idéia
de uma museologia direcionada para a sociedade em oposição àquela museologia
tradicional de coleções.
A museologia deve procurar, num mundo contemporâneo que tenta integrar
todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuições e funções
tradicionais de identificação, de conservação e de educação, a práticas mais
vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua ação naquelas ligadas
ao meio humano e físico.
Para atingir este objetivo e integrar as populações na sua ação, a
museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de métodos
contemporâneos de comunicação, comuns ao conjunto da ação cultural e
igualmente dos meios de gestão moderna que integram seus usuários. [...]
Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma forma
global, tem preocupações de ordem científica, cultural, social e econômica
(DECLARAÇÃO DE QUEBEC, 1984).
As resoluções da Mesa Redonda do Chile o eram seguidas,
principalmente, pela ala jovem dos museólogos que estava insatisfeita com o
monolitismo das instituições e a marginalização das experiências que vinham
ocorrendo, ou, pelo menos, estavam em pauta, desde 1972. A Declaração de
Quebec não traz grandes novidades em relação à reunião de 1972 no Chile. Sua
importância, porém, deve-se a ter reconhecido o movimento pela Nova Museologia,
que propunha uma prática mais ativa, socializadora e dialógica.
27
Entre outros preceitos, o museu integrado proposto em Quebec é um
instrumento para o desenvolvimento comunitário, com uma perspectiva dinâmica e
aberta ao futuro, gerado em função do patrimônio coletivo de uma comunidade, não
com um fim em si mesmo, mas com um significado em razão do papel que possa ter
ao servir essa comunidade específica, são reiterados pela Declaração de Quebec e
que vinham desde Santiago, porém, não haviam alcançado as práticas museais.
estava um outro ponto do descontentamento da comunidade museológica. Nos anos
posteriores, surgem várias tentativas de trabalho com os citados princípios de
Quebec. Porém, as novas práticas museais “a despeito de inúmeros projetos e
iniciativas, não lograram concretizar-se satisfatoriamente na América Latina”
(ARAUJO E BRUNO, 1995).
Dentre os museólogos, com produção acadêmica e bibliográfica, que
contribuem para o surgimento de um pensamento museológico brasileiro, citamos:
Mário Chagas, UNIRIO; Maria lia Teixeira Moura Santos, UFBA; Maria Cristina
Bruno, USP. Os três compreendem a museologia como única e deixam claro o que
pensam sobre a existência concreta de uma única museologia, com diferentes
formas de trabalhar e apresentar os museus.
Na década seguinte, nova reunião dos associados ao ICOM, desta vez em
Caracas. Ao final do encontro, na Declaração de Caracas (1992), aparece o
reconhecimento de que, seja qual for a natureza do seu acervo, o museu atue
fundamentalmente como canal de comunicação. Na perspectiva dessa declaração,
Maria Cristina Bruno argumenta que é necessária a redefinição das práticas
museográficas técnicas expositivas junto a um repensar sobre o conhecimento
produzido nas “[...] diversas áreas científicas existentes nos museus. Este
conhecimento se insere no processo de construção da Museologia como Disciplina”
(ARAUJO E BRUNO, 1995, p.47).
Maria Célia Teixeira Moura Santos diz que na Museologia o conhecimento
se forma com a tríade estabelecida pelo sujeito que conhece, o objeto do
conhecimento e o conhecimento como produto do processo cognitivo (MOURA
SANTOS, 1994).
28
Mário Chagas compartilha essa noção com Moura Santos. Para ele, a
Museologia se forma a partir do trinômio identificado e denominado por ele de
ternário matricial, por ser matriz de análise conceitual (CHAGAS, 1990). O que,
segundo o mesmo, movimenta esse ternário matricial é a relação estabelecida:
entre o homem/sujeito e o objeto/bem cultural num espaço/cenário.
Houve, com a criação do movimento da Nova Museologia, em 1985 e alguns
anos mais, uma radicalização entre o paradigma tradicional, que visava a educação
como principal objetivo, e as novas propostas, pois pensavam que haveria uma
espécie de “terra arrasada” - uma revolução - de tão maravilhados que todos
estavam com as novidades; porém, não foi isso que se viu, muito pelo contrário, a
tradição hegemônica mostra a sua força e permanece. As equipes incorporam
apenas alguns elementos novos, de forma que é difícil determinar os limites entre as
propostas e eles vão se tornando de contornos borrados ou menos definidos.
O francês André Desvallées tem uma posição particular e interessante sobre
o assunto de haver uma ou duas museologias. Para ele, o movimento de 1984 é
nada mais do que um retorno à museologia. Na sua abordagem a museologia
retorna a alguns princípios que havia deixado para trás e que tinham envelhecido
(DESVALLÉES, 1989).
A trajetória dos conceitos nos documentos atesta o fortalecimento da
museologia. A sociedade se transformou e a Museologia, como ciência e através
dos seus técnicos, gerou toda uma discussão teórica sobre a velha e a nova
museologia. Uma forte tendência atual é a vertente que converge para uma
museologia social, com a principal característica da valorização do homem como
sujeito participativo da sua realidade. Devido à atuação do ICOFOM, prosseguem as
discussões em torno da construção do conhecimento na museologia.
Propostas lançadas pelo movimento, institucionalizado em 1984, da Nova
Museologia são hoje, em parte, incorporadas por outras correntes contemporâneas,
como território, patrimônio, comunidade participativa e o entendimento do museu
como ação para um “eco-desenvolvimento” (PRIMO, 2002). As premissas do
paradigma contemporâneo, que preconiza um museu integral e integrado com a
29
sociedade, construído conjuntamente com a sociedade e não apenas para a
sociedade, possuem várias faces, tendências ou, ainda, possibilidades, por exemplo:
indígenas, parceiros dos técnicos, participando de todo o processo da criação e
montagem de “ambiências” (dioramas) que irão representar uma caçada na mata na
exposição “Nativos amazonenses”. Podemos ainda fazer referência a outros
exemplos: ônibus-museus e estandes do museu em uma feira levando parte do
museu até o público; a experiência do eco-museu de Itaipu preservando a história e
o entorno circundante à barragem de Itaipu.
Os documentos, moções e cartas representam momentos chave e todos
tiveram, a seu tempo, a sua importância; mas ressaltamos que, na grande maioria
dos casos, a integração preconizada na capital Caracas entre o museu e a
sociedade, parece estar somente em nível de discurso. Acreditamos que, com
decisão política, essa integração seja possível e considerá-la como uma utopia
talvez seja radical, mas está muito longe de ser regra geral. Ao tentarmos um olhar
abrangente, vemos os museus de tipologia histórica, os de cidade e os conhecidos
como museus de cotidiano mergulhados em problemas de toda ordem. Pensamos
que os museus de ciências e de artes em geral são, privilegiados e preferimos, por
isso, deixá-los à parte.
Alguns dos “princípios de Quebec” surgem isolados aqui e acolá. Porém, as
novas práticas museais, “a despeito de inúmeros projetos e iniciativas, não lograram
concretizar-se satisfatoriamente na América Latina” (ARAUJO E BRUNO, 1995).
Relativamente ao documento da última década do século XX, a “Declaração
de Caracas” do ano de 1992, reunião que encontrou os museus latino-americanos
imersos em crises, tanto conjunturais como estruturais, a inovação fica por conta da
determinação da missão primeira do museu que é a comunicação com a sociedade
e também pela a questão da gestão com qualidade em museus. O reconhecimento
de que, seja qual for a natureza do seu acervo, o museu deve atuar
fundamentalmente como canal de comunicação com a sociedade é uma
recomendação importante, porém o “alargamento” do conceito de museu integral, da
Mesa Redonda de 1972, para museu integrado ao social ou à comunidade, fica, a
nosso juízo, no mesmo patamar de importância.
30
2.2.2 O Museólogo Brasileiro e sua Formação Acadêmica
Em 1932, Gustavo Barroso criou no Brasil o curso de Museus, que
funcionava junto ao Museu Nacional. Foi criado, mais ou menos, à mesma época do
curso de Ciências Sociais e habilitou técnicos para todo o país até o final dos anos
1970. Quando foi fundada a UniRio, em 1979, foi transferido para essa universidade
que desde então continua a formar museólogos.
A Mesa Redonda de Santiago do Chile 1972, percebendo a carência de
formação de pessoal no âmbito da América Latina, recomendava a criação de
cursos de nível secundário e universitário para a formação de pessoal.
Na Bahia, o curso de Museologia foi instalado na Universidade Federal
(UFBA) em 1970. Com cargas de disciplinas na área das Ciências Humanas, esse
curso foi reformulado no final do século XX e continua prestando serviços à
sociedade na formação de agentes qualificados.
O ensino da Museologia no Brasil, nos anos 80 e 90 do século XX, estava
assim constituído: dois cursos de graduação no Rio de Janeiro (UniRio e Estácio de
Sá), um na Bahia e outro em São Paulo. O curso mantido pela FESP/SP (1985) foi
criado pela experiente museóloga Waldisa Rússio e questionava antigos conceitos,
tendo sido o primeiro a sugerir novos caminhos teórico-práticos. O Instituto de
Museologia de São Paulo firmou os seguintes princípios:
1. A Museologia é uma ciência do homem e da sociedade;
2. O conhecimento museológico é, no mínimo, um conhecimento científico e deve
ser ensinado com o rigor do pensamento (científico) inerente às ciências;
3. A Museologia constitui um campo específico do conhecimento (lógico, racional,
sistêmico) que não prescinde de sua prática;
31
4. A Museologia, como ciência, ocupa-se do FATO MUSEOLÓGICO (dentro de um
processo) e usa o método INTERDISCIPLINAR;
5. O ensino (a formação) que propõe o Instituto se processará interdisciplinarmente,
como interdisciplinar é o trabalho em museu (base institucional necessária).
Esse curso técnico da FESP/SP (1985) não teve continuidade. Hoje, no Rio
de Janeiro, funciona somente o curso de graduação na UniRio. A Faculdade Estácio
de Sá encerrou a graduação nos anos 90 (século XX). Em São Paulo há um
programa de especialização na USP. Nessa mesma universidade houve mestrado, o
único do país, mas como ocorrera com o curso técnico, não teve continuidade.
No Brasil, ao redor de 1980, teve início a valorização de novas profissões.
No ano de 1984, quando a conjuntura brasileira era um regime político de exceção e
setores da população, estudantes, trabalhadores, políticos e movimentos sociais,
entre outros, saíam às ruas para os panelaços, buzinaços e comícios pelas Diretas
Já, o Congresso votou a Lei nº 7.287 que regulamentava a profissão de Museólogo.
Todos os profissionais com formação universitária, em cursos de áreas afins,
como: história, jornalismo, letras, pedagogia, que nessa data estavam
desenvolvendo seus trabalhos em museus, “dormiram com uma profissão e
acordaram com duas”: acordaram como museólogos provisionados pela lei. Salvo o
período de exceção, previsto na Lei e que vigeu de 1984 até os posteriores cinco
anos, a titulação era obtida cursando graduação ou mestrado. Os cursos de curta
duração, como as especializações, preenchem lacunas, cumprem a tarefa proposta
que é a de formar técnicos. Não substituem uma formação de cursos mais longos
com currículos mais abrangentes, inclusive, como comentado antes, não definem a
profissão.
O mero de unidades museológicas no Brasil hoje é de cerca de 2000,
sendo 75% blicos e 25% privados (dados do MINC/Museu/2004). A relação
museus, cursos de formação é muito baixa. A carência dessa área é ilustrada pelo
fato de que a USP, universidade modelar do maior estado brasileiro, o firmou a
formação de profissionais (SEPÚLVEDA SANTOS, 2000). As regiões Sudeste e Sul
32
possuem 70% do total de museus brasileiros, o Estado de São Paulo tem 366
instituições museológicas e o Rio Grande do Sul, 351
6
.
Em Santa Catarina, na Universidade Federal (UFSC), trabalham com curso
de pós-graduação no Núcleo de Estudos Museológicos (NEMU) desde 2002.
poucos anos, a UNISINOS esteve com a grade curricular formada para o primeiro
curso de graduação em museologia, mas desistiram. Participamos como convidados
da apresentação do projeto, infelizmente a realização ficou somente nas reuniões e
atas. Na UFRGS, especificamente na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação
FABICO está na pauta a criação de uma graduação; enquanto isso não sai,
existe a especialização. A especialização na UFRGS é vinculada ao Instituto de
Artes da universidade, possui um viés curricular, dirigido aos museus de artes.
Na PUCRS, em 1991, a Especialização em Museologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) teve uma única turma, com as seguintes
disciplinas que fizeram parte do currículo: Técnicas de Comunicação para Museus;
Teorias da Cultura; Introdução ao Marketing Aplicado a Museus; Princípios de
Administração de Museus; Metodologia da Pesquisa em Museologia; Museografia;
Museologia; Cultura Brasileira; Antropologia e Comunicação; Cultura e
Comunicação.
Foi criado em de abril de 2006 o mestrado na UniRio. Fica sendo o único
curso de pós-graduação no Brasil. No mesmo ano 2006, no Rio Grande do Sul, a
Universidade Federal de Pelotas fez chamada para o vestibular da primeira turma de
graduação em Museologia. É, pelo menos, um sinal de movimento, tanto o mestrado
fluminense, como a graduação gaúcha.
Após a formação acadêmica, apresenta-se a questão do mercado de
trabalho. A maioria dos profissionais atua sem conhecimentos suficientes das
especificidades do campo da Museologia e da Cultura. Nas instâncias federal,
estadual e municipal, os profissionais atuam em “cargo em comissão” isto é,
constituem-se de cargos de natureza não técnica obrigatoriamente.
6
Política Nacional de Museus: Relatório de gestão 2003-2006. MinC/IPHAM/DEMU, 2006, e
(www.museus.gov.br).
33
Para a qualificação das equipes funcionais, foram realizados dois concursos
para funcionário técnico em cultura; um estadual, em 1992, outro municipal, em 1994
(o primeiro, aproveitou a maioria dos egressos da especialização da PUC/1991).
Nesse provimento de quadros técnicos que, talvez, encontre-se o nó górdio ou pelo
menos um dos nós da questão que nos preocupa. Não houve outros concursos
públicos depois desses que citamos. O concurso da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre teve o objetivo de provimento de 20 vagas na área da Cultura e nomeou
apenas um técnico em museus.
Acreditamos que são raras as instituições museais em que há preocupação
teórica e metodológica. Outro problema é o acesso a uma boa bibliografia. bons
livros em inglês, o que dificulta o estudo, embora, com a facilidade das redes da
INTERNET, tenhamos oportunidades de acesso a bibliotecas especializadas. Uma
exigência dos cursos de formação é certamente a interdisciplinaridade, inerente ao
gestor cultural
7
. Tudo isso aponta para uma necessária avaliação da
profissionalização, da capacitação qualitativa dos profissionais da área da cultura em
geral e dos museus em particular, porque necessidade notória de profissionais
com conhecimentos em questões econômicas, jurídicas e administrativas.
Sabe-se do fortalecimento do Terceiro Setor
8
neste início de milênio. A
formação do profissional passa a ser responsabilidade do poder público e do privado
e ambos deveriam suprir essa lacuna. indicadores de que a demanda de
profissionais qualificados é existente. As leis de incentivo à cultura, nos anos 1990,
foram reestruturadas e os profissionais não estão habilitados para fazer projetos e
preencher formulários complicados. Aparece nas equipes provisórias que são
arregimentadas, ao redor de um projeto específico, a figura do “produtor cultural”,
uma espécie emergente de profissional no Brasil no novo mercado da indústria
cultural. O gerenciamento com base em planejamento estratégico passa da
administração para a cultura, o que acarreta a necessidade de profissionais com
7
A este respeito ler CUNHA, Maria Helena. In: BRANT, Leonardo. Políticas Culturais. vol. 1. São
Paulo: Manole, 2003.
8
O Terceiro Setor é constituído por organizações privadas sem fins lucrativos que geram bens,
serviços públicos e privados. Tem como objetivo o desenvolvimento político, econômico, social e
cultural no meio em que atuam.
34
outro perfil. Havia perspectivas de mudanças no cenário cultural brasileiro, tanto no
que se refere à produção como ao consumo cultural.
2.3 OS MUSEUS COMO ORGANIZAÇÃO SOCIAL, ALÉM DE CULTURAL
No final do século XVIII, fortaleceu-se a noção de que os poderosos nobres
não eram os únicos donos das riquezas. Com a ruptura social que resultou da
conjuntura da Revolução Francesa (1789), foram destruídos muitos monumentos.
Antes de uma destruição maior, para salvaguardar as riquezas artísticas (pelo temor
de pilhagens), foram criados “espaços neutros”, que abrigariam o espólio da nobreza
até ser encontrada uma solução. Nasceu, assim, na França, a instituição museu,
como a conhecemos (GONÇALVES, 2004).
A História Contemporânea considera a Revolução Francesa (1789) o marco
entre a sociedade feudal e a sociedade moderna. Alguns anos antes, as colônias
inglesas da América do Norte proclamaram independência da metrópole (1776).
Havia outros processos históricos paralelos importantes, podemos citar a Inglaterra,
que era a sede de uma revolução sem armas, que conhecemos como Revolução
Industrial, entre outros movimentos sociais da época.
A nacionalização do patrimônio francês deu-se com o confisco dos bens do
Clero e da Coroa. No período regido pela “Convenção”, Diderot publica um esquema
em detalhes para a criação de um museu nacional no nono volume da sua
Encyclopaedia (COELHO, 1999). Os bens de caráter científico, histórico e artístico,
pertencentes à nação, foram colocados à disposição do povo. Esses patrimônios,
antes privilégio de poucos, deveriam ter novas funções. As riquezas artísticas, que
simbolizavam a expropriação que a nobreza e a monarquia haviam exercido ao
longo dos séculos sobre o povo, eram vistas por esse povo com um sentimento
negativo. Por outro lado, os nobres de menor grandeza percebiam as artes em geral
como tesouros de usufruto seus, e também lançavam olhares reprovadores, com
ciúmes, dessa partilha (SUANO, 1986).
35
Seria, então, a Revolução Francesa que abriria, definitivamente, as portas
desse patrimônio ao público em geral. Na transição, propriamente dita, desse mundo
medieval para o moderno, o Palácio de Versalhes morada da família real francesa
até a Revolução e ele próprio símbolo da nobreza foi destinado à sede do Museu
do Louvre (1793), reunindo importante acervo artístico (JULIÃO, 2002). Esse
embrião do museu moderno se irradia desde a França, mas o patrimônio histórico na
Europa consagrou-se bem mais tarde, nos anos 50 do século XIX, como se pode
depreender do texto de Ribeiro (2005):
A noção de patrimônio envolve a construção de identidades coletivas e
nacionais a serviço da consolidação dos Estados-nações modernos que, conforme
Ribeiro (2005) segundo Maria Cecília Londres Fonseca, apresentavam as seguintes
funções simbólicas: reforçar a noção de cidadania, no sentido de utilização de bens
em nome do interesse público; identificar símbolos que representariam a coesão
nacional; os bens patrimoniais constituiriam o mito de origem da nação, objetivando
a legitimação do poder, a conservação de bens se justificaria pelo alcance
pedagógico, para instruir os cidadãos (1997:59-60). Para ela, a sistematização das
ações de preservação foi possível porque atingiam um interesse político-ideológico,
além do cultural (RIBEIRO, 2005, p.44).
Conforme Ribeiro (2005), a ideologia dominante na política dos dirigentes
está nos interstícios da constituição da sociedade moderna, do nascimento do
indivíduo e da instituição museal, pois os grandes museus das capitais européias
nasceram na mesma época em que as nações modernas. Depois do Louvre, hoje
gerido pelo Estado francês, nascem o Museu de Viena, o Museu Britânico e o Museu
Nacional de Culturas Populares no México. As transformações no âmbito do poder
trazem a participação dos segmentos sociais, antes excluídos, na área cultural. Criar
museus significava, naquele momento, educar o povo, mesmo que neste momento
educar significasse “permitir” a visitação. Os grandes museus nacionais nascem
voltados para a educação do povo, essa era uma preocupação nova para a
sociedade.
36
Quando passou a ser conhecido o Novo Mundo, com as grandes
navegações, o processo cultural iniciado na Renascença européia ainda estava em
desenvolvimento. Foram necessários cerca de três séculos para que o Brasil viesse
a ter o seu primeiro museu.
Ao transferir-se para o Brasil em 1807, a Corte fez-se acompanhar por uma
equipe de artistas, desenhistas, pintores e botânicos que iriam documentar o Novo
Mundo e a produção, ou parte dessa produção, foi canalizada para o Museu Real.
No ano de 1808 foi editado o primeiro jornal
9
, abriram-se teatros, bibliotecas,
academias literárias e científicas e foi criado o Jardim Botânico.
Entretanto, Fausto (2000) alerta para a falsa idéia que poderíamos formar
sobre as transformações ocorridas com a presença da Corte. Muita coisa mudou,
porém a marca do Absolutismo estava presente. O jornal, por exemplo, tinha um
caráter quase oficial, submetido, como outras publicações, a uma comissão de
censura incumbida de “examinar os papéis e livros para que nada se imprimisse
contra a religião, o governo e os bons costumes” (FAUSTO, 2000, p.127). De
qualquer forma, a vinda da Família Real teve impacto na área cultural brasileira. Por
iniciativa de D. João VI, foram criados, no Rio de Janeiro, os museus da Escola
Nacional de Belas-Artes, iniciado com a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em
1815, e o Museu Real em 1818. O Museu Real brasileiro nasce inspirado nos
museus europeus, que eram dedicados à História Natural. O Museu Real no Rio de
Janeiro, o Museu Goeldi em Belém do Pa(1866) e o Museu Paulista (1895), os
três foram criados para abrigar as coleções da exuberante e exótica natureza
tropical.
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista está sediado no antigo Palácio
Imperial, morada da família real até a Proclamação da República. Na França, a
morada da família real se transformou no primeiro museu nacional; no Brasil
acontece algo similar. Essas duas instituições são apontadas por Chagas (1996) ao
relacionar memória e poder. Não se pode comparar processos históricos, visto que
França e Brasil o países completamente diversos. Na França a revolução trazia a
9
A produção de 1808 até 1822, Imprensa Régia, é classificada como “obra rara” nas normas
bibliográficas.
37
transformação completa da estrutura da sociedade e das classes sociais. A ideologia
e a política tinham novos conceitos, como liberdade e igualdade. A corte portuguesa
era conservadora e atrasada em relação a outros países europeus, como Inglaterra
e França, para citar apenas dois. Ela imprimiu esse conservadorismo à Colônia.
Os fundamentos das organizações culturais brasileiras se encontram no
Período Imperial. O cientificismo e o racionalismo eram duas características do
ideário das instituições, decorrentes da ideologia da nobreza no poder. A nobreza
portuguesa, para Rússio (1979), assumira ares burgueses.
A origem aristocrática do museu, dado seu surgimento antes da
Independência e da República, é um tema amplamente discutido pela museóloga
brasileira Waldisa Rússio. Para a autora, essa origem ajuda na compreensão da
mentalidade colonial, ou colonizada, que fez parte do paradigma norteador do
surgimento do museu brasileiro como instituição. Rússio (1979) questiona se a
origem européia e aristocrática foi superada e conclui que isso talvez ainda não
tenha acontecido
10
. O museu, que no Período Imperial era dedicado à pesquisa e
um benefício da aristocracia, permaneceu elitista como veremos. Portanto,
culturalmente, não existiram mudanças significativas na sociedade da época, como
se vê no estudo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
A sociedade brasileira durante a monarquia, tinha as bases assentadas na
coroa, na escravidão, e na grande propriedade, porém as cidades
apresentavam um crescimento da população que mesmo considerando a
precariedade da informação censal disponível, esta população (livre e
escrava) distribuía-se entre um conjunto de profissões que indicam uma
relativa diferenciação estrutural e a presença de estratos sociais que não se
resumem às categorias sociais fundamentais da estrutura social, isto é, aos
senhores e escravos.No plano político, as crises que antecederam à
República ligaram-se, em parte às transformações que vinham ocorrendo na
correlação das forças sociais do país (CARDOSO, 1997, p.17-25).
A organização civil da sociedade brasileira configurou-se a partir da
proclamação da República. Os senhores de terra e de engenho perderam parte de
sua privilegiada posição. O incremento, nas cidades, de profissionais liberais e o
aumento da atividade política e da burocracia vieram a concorrer para a constituição
das forças sociais. Os primeiros anos da República (1889) foram, na verdade, uma
10
Ver: RÚSSIO, Waldisa.(1979).
38
continuação do cotidiano imperial, alterando-se apenas a nomenclatura: o que era
“imperial” passa a ser “nacional”.
Aos poucos, surgiam as sociedades literárias e científicas do início da
República. Os museus dessa época ainda tinham a chancela das províncias, sendo,
assim, provinciais. Os museus no Brasil vieram antes dos cursos jurídicos e 120
anos antes das primeiras universidades. Eles eram os únicos centros de
investigação científica brasileira nesse largo período. A rigor, não houve nenhum
avanço com o advento da República; A Constituição Republicana (1891) não trouxe
referência à cultura, não houve alteração na política oficial. A referência à cultura
veio na segunda Constituição, no ano de 1934, e foi reforçada na Carta do Estado
Novo de 1937.
Após meses de debate, a Constituinte promulgou a Constituição, a 14 de
julho de 1934. Ela se assemelhava à de 1891 ao estabelecer uma
República federativa, mas apresentava vários aspectos novos, como reflexo
das mudanças ocorridas no país. [...] três títulos inexistentes nas
Constituições anteriores tratavam da ordem econômica e social; da família,
educação, e cultura; e da segurança nacional (FAUSTO, 2000, p.351).
Figurar na Carta Magna não era garantia - e ainda não é - de que problemas
de natureza social fossem resolvidos, porém indicava a existência das demandas
sociais e a responsabilidade do Estado para com elas. O Estado usou a educação e
a cultura para, através de um conjunto de princípios filosóficos, políticos e
doutrinários que orientam os governos, passar a sua ideologia ao conjunto da
sociedade.
No ano do centenário da Independência do Brasil (1922), com ideário de
Gustavo Barroso, foi criado o Museu Histórico Nacional. Encerrava-se o tempo do
museu enciclopédico, que vigorou do final do século XIX até 1920. Esse museu
enciclopédico era um local de ensino e produção científica e cumpriu o seu papel
(ABREU, 2004).
Os movimentos nacionalistas, de 1922 e 1924, espalharam sua ideologia
pelo âmbito social e cultural. O Museu Histórico Nacional foi exclusivamente criado
para guarda da memória da Nação e constituiu-se no “divisor de águas” entre os
39
museus enciclopédicos, criados no Brasil pela Família Real e lugar para o acervo
composto por elementos da natureza; esse museu, dali em diante, deveria cuidar
também dos objetos representativos da Nação, vinculados à idéia de brasilidade e
identidade.
Gustavo Barroso, além de ter organizado esse museu, incorporou à política
do mesmo o discurso nacionalista, conservador e elitista do governo. Segundo
Myrian Sepúlveda dos Santos (2004), esse é o motivo da grande maioria da
população ter ficado afastada do museu brasileiro.
Gustavo Barroso ao criar o Museu Histórico Nacional, foi responsável pelo
estabelecimento de um marco que anunciava uma nova era de museus
nacionais no Brasil. O acervo deixava de ser constituído por elementos da
natureza e passava a ser de objetos que representassem a história da
nação. Esta, entretanto, privilegiou o legado da elite brasileira, assim, como
seus feitos históricos, mantendo a parte a participação popular. A
homenagem à tradição e ao Império serviu também de base ao discurso
nacionalista conservador e elitista que Barroso vinha defendendo alguns
anos. Como conseqüência, a grande maioria da população ficou
simplesmente do lado de fora do museu (SANTOS, 2004, p.56).
Essa pesquisadora sintetiza a idéia de afastamento da população do museu,
como já fizera Rússio (1979), de que o museu criado pela corte portuguesa deixara o
povo do lado de fora. Notamos pelos relatos que na República isso continua a
acontecer.
Depreendemos que Gustavo Barroso teria sido coerente com a sua época e
a política que criou. Em vários textos que tratam da História do Brasil aponta-se que
a República foi feita pela elite, o povo não foi chamado para participar, ficou de fora.
A Nação era jovem e guardar essa memória, naquele momento, era importante. O
que causa estranheza é o fato de não ter havido a narração de outros ângulos dessa
história. Teríamos, desde então, a diversidade social e cultural contempladas nos
museus brasileiros, e não, exclusivamente, a história oficial. Para ser museu, então,
não basta ter uma exposição e se autodenominar como tal? Não, mas isso acontece.
No interior do Brasil, muitos museus não possuem organização formal, nem sequer
um decreto de criação. Todo museu deveria ter documentação legal, pelo menos um
termo de criação, áreas ou setores específicos, planejamento, pessoal técnico e um
inventário do que se encontra sob sua guarda para estar organizado. A organização
40
básica, entre outras conseqüências, habilita a instituição para captação de recursos
públicos ou privados. O Relatório da Comissão Mundial de Cultura e
Desenvolvimento Nossa Diversidade Cultural –, organizado por Javier Pérez de
Cuéllar no ano de 1997, deparou-se com a realidade de que não se conhece o
patrimônio para que se possa protegê-lo; sendo que conhecer é o primeiro passo
para a salvaguarda.
Conhecer também significa identificar o que pode ser salvo, bem como o
que deve ser salvo. Porém poucos países têm inventários de seus
patrimônios culturais que permitam o estabelecimento de alguma ordem de
prioridade - e de seletividade. O Conselho Internacional de Museus
reconhece, por exemplo, que um grande número de museus do mundo
ainda não é capaz de catalogar completamente seus próprios acervos. O
Plano Delta, elaborado na Holanda em 1988, constitui uma iniciativa
destinada a preencher esse vazio surpreendente, quando pesquisadores
descobriram, atônitos, que poucos museus dispunham de um inventário
adequado (CUÉLLAR, 1997, p.263).
As conseqüências negativas da falta de inventários são enormes, como foi
constatado pela Comissão. Costuma-se pensar que para termos um inventário a
demanda do emprego de tecnologia e muitas tabelas e gráficos complicados. A
divulgação de que uma simples listagem (um rol) serve para sabermos o número de
artefatos e quais são essas peças, e que isso é em essência um inventário, poderia
ser produtivo. Há, naturalmente, outras maneiras mais ou menos sofisticadas de
realizar um inventário.
No processo, que as chamadas “casas de memória social” viveram desde o
século XIX e parte do século XX, as exposições eram feitas com todo o acervo, essa
prática transformava a exposição em um confuso amontoado de coisas, que o se
comunicavam entre si e muito menos com o público, sem uma linha mestra de
pensamento, sem um tema e, sobretudo sem uma pesquisa. No museu tradicional
não reserva técnica
11
, porque todo o acervo histórico cultural está exposto na
nomeada exposição permanente. A reserva técnica é uma sala de dimensão
diretamente proporcional ao tamanho do acervo, ou deveria ser. Abriga peças
tridimensionais e, aí nesse espaço, o acervo, hoje se sabe, deverá estar com
condições ambientais controladas, requisitos de uma política de conservação
preventiva. O conceito expositivo inerente às exposições permanentes pressupunha
41
a cultura e a história com narrativa linear, como é a narrativa da história de cunho
positivista. A antropóloga Regina Abreu destaca:
O bem cultural “autêntico” como representação metafórica da totalidade
nacional é desnaturalizado e a sua face ideológica e ficcional descortinada.
Gonçalves está atento para a dimensão literária e provisória de ideologias
que procuram se firmar como verdades calcadas em noções positivistas da
ciência. Neste sentido, apoia-se na reflexão de Hayden White acerca dos
mecanismos de produção da moderna historiografia e na fixação da idéia
presente em toda a história linear de que todas as nações devam
obrigatoriamente ter um passado (ABREU, 2004, p.40).
O passado, que o museu narra com a história linear de que fala Abreu
(2004), apresenta esse passado sem crítica ao contexto da relação das peças com o
homem que as construiu e as utilizou na época em que elas faziam parte do
cotidiano. Posteriormente quando as peças são retiradas do cotidiano e levadas
para os museus o trabalho realizado para as exposições, é fragmentado e sem
planejamento. Nos museus geridos pelo Estado, carência de políticas públicas
que sejam o fio condutor que integre as ações, sejam essas educativas, de lazer ou
de entretenimento. A orientação seria dada pela missão e objetivos das
organizações. Integração essa, tanto na política do museu em particular, como em
outra mais ampla e abrangente, que seria a política cultural do Estado.
O museu tradicional expõe sem abordagem crítica, sem contextualização. A
palavra permanente diz: trata-se de alguma coisa contínua e constante, isto é,
sem renovação. O acervo é reunido e mostrado sem estabelecer diálogo entre as
peças, e, principalmente, sem aprofundar a pesquisa social, cultural e histórica que
deve preceder a exposição, desde o momento em que a equipe técnica elege um
tema para expor. O objetivo do museu esgota-se na preservação e exposição para
contemplação.
Os museus contemporâneos estão frente a vários desafios: a inserção da
tecnologia, a falta de técnicos, os critérios e parâmetros para a questão da
educação. Essa educação, pretendida pelos museus, será para escolares para
11
Reserva Técnica é um conceito das novas práticas, proteger em espaço próprio o acervo não
exposto, que aguarda restauro ou futura exposição.
42
vários e variados segmentos de público em diferentes momentos? Como se efetivará
essa educação? Essas questões o museu deve responder na prática.
Aparecem trabalhos isolados em alguns museus brasileiros, com critérios
dos paradigmas contemporâneos. São criadas exposições interativas; alguns
museus históricos se adaptam com a incorporação de temas desenvolvimentistas;
os antigos discursos laudatórios do herói, elementos da história factual, são trocados
e aparecem temas ligados à nova historiografia, a chamada História do Cotidiano,
Micro História ou Nova História. Entretanto, o que parece comum à maioria dos
museus é apresentar mudança apenas no que se refere ao trabalho expositivo, sem
modificar a filosofia de trabalho e a política institucional.
O museu, pensado como ideal para a sociedade do início do novo século
XXI precisa unificar os discursos com as práticas, ou seja, com as ações para então
ser realmente um valioso instrumento de comunicação do homem no processo de
desenvolvimento. Neste sentido, pensamos que não está havendo um uso eficiente,
e eficaz, dessa valiosa instituição. Os profissionais da área afirmam que, apesar de
alguns avanços, os museus continuam carentes de políticas públicas culturais
coerentes e de recursos financeiros. A crise prossegue; talvez a hegemonia do
paradigma tradicional seja um dos motivos, se é que ele continua hegemônico.
Do ato de colecionar, dos gabinetes de curiosidades até chegarmos aos
museus especializados passaram-se culos. As artes e as curiosidades dividiram-
se e, com o passar do tempo, criaram-se os museus de artes e os museus de
história natural separados (GIRAUDY, 1977). Nas últimas décadas do século XX,
firmaram-se no mundo dois estilos diferentes de museus: um que enfatiza uma área
específica como arqueologia, biologia; outro que trata de um tema ou coleção
particular. Podemos citar os museus especializados em um único sítio histórico,
como as Missões Jesuíticas, em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul ou os
museus biográficos, como o Museu Casa de Rui Barbosa e Museu Casa de Santos
Dumont.
Assim veio o museu sendo apresentado à sociedade ao longo dos culos
XIX e XX: o museu e sua exposição permanente, com pouquíssimo público. Uma
43
única visitação era suficiente para conhecê-lo, o deixando motivação alguma para
retorno ou segunda visita. O leitmotiv do paradigma tradicional foi a exposição
permanente. Com o objetivo de um trabalho dinâmico, os temas se pluralizam e
surgem novas sínteses. Novas investigações, mesmo que o acervo tenha
permanecido igual, pode apresentar outro aspecto ou outro lado da questão. O
potencial de informações que se obtém dos objetos, ou através deles, proporciona
novas interpretações, novas “leituras”.
O Código de Ética Profissional do ICOM
12
foi aprovado em 1986 em Buenos
Aires. Em 2001, foi revisado em Barcelona, na Espanha, e suas emendas foram
aprovadas em Seul, na Coréia do Sul, em 2004. No digo encontra-se a definição
de museu: “um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço
da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva,
pesquisa, divulga e expõe testemunhos materiais e imateriais dos povos e seu
ambiente” (ICOM, 2006, p.6).
Além dos museus clássicos, também sítios e monumentos naturais,
arqueológicos e etnográficos e os sítios e monumentos históricos, instituições que
conservem coleções e exibam exemplares vivos de vegetais e animais, como os
jardins botânicos e zoológicos, aquários e viveiros, os centros científicos e os
planetários, os institutos de conservação e galerias de exposição que dependam de
bibliotecas e centros de arquivos, os parques naturais, as organizações nacionais,
regionais ou locais que estiverem minimamente organizadas com estatuto, missão e
objetivos são museu por definição.
2.3.1 Museu e Educação, Arte e Experimentais
Desde o surgimento na Revolução Francesa, o museu viveu dois séculos
com um único objetivo: educar
13
. A ligação direta com as escolas para
12 Tradução organizada pelo Comitê Brasileiro do ICOM – Conselho Internacional de Museus – Gestão 2003-2006.
13 Esta educação baseada na transmissão do conhecimento e da experiência do professor, com o objetivo de produzir aumento de conhecimentos nos
alunos (BORDENAVE, 1989).
44
complementar a educação formal foi um objetivo perseguido pelo museu durante
muito tempo. No ano de 1958, tivemos a reunião do RJ, a educação pode ser
propiciada aos seus públicos, porém não exclusivamente ao público de escolares. O
museu não é escola, deveria pretender antes ser fonte de conhecimento, do que
querer educar pelo educar e assim correr o risco de ser usado como veículo
doutrinário. No complexo conjunto de atividades que o museu desempenha, a
atividade educativa é, muito tempo, reconhecida internacionalmente. Na América
Latina e, particularmente, no Brasil esta atividade ultrapassa a perspectiva
complementar às escolas, para assumir um papel central. A questão que se
estabeleceu se refere aos processos na educação formal e os limites na
escolarização dos museus. O debate aponta ainda os níveis de sobreposição de
competências. O impasse está estabelecido, o museu, em grande maioria, não faz
divulgações e fica esperando as escolas. Quando e se as escolas manifestam
interesse e realizam uma visita, geralmente é para um passeio integrado a um
circuito onde a visita em um “shopping” é a maior atração.
Do Instituto de Geociências da UNICAMP, a pesquisadora Maria Margaret
Lopes, no texto “A Favor da Desescolarização dos Museus”, posiciona-se fortemente
sobre esse tema, como se nota no próprio título do artigo em que ela argumenta:
O que norteia nossa reflexão é a discussão do sentido mais geral dessa
contribuição dos museus à educação: manutenção, reforço, extensão da
instituição oficial escola e de seus métodos de ensino e avaliação, que
todos, sem exceção, consideramos no mínimo, problemática; ou tentativa de
contraponto, que possa talvez até contribuir para futuros questionamentos
da ordem estabelecida, de modo que as crianças e os adultos tenham,
acesso a outros horizontes culturais além da rua, da escola e da tevê,
quando possível. [...] contribuição do museu com ou sem, ou apesar da
escola para o processo de construção do conhecimento em nossa
realidade. Trata-se de os museus serem valorizados como mais um espaço,
mesmo que institucional e por isso com seus limites de veiculação,
produção e divulgação de conhecimentos, onde a convivência com o objeto
realidade natural e cultural aponte para outros referenciais para
desvendar o mundo (LOPES, 1994, p.60).
Deve-se observar que manutenção, reforço e extensão da instituição escola
não são metas ou objetivos dos museus. Pode ser que nos museus os trabalhadores
percebam que a relação museu-escola seja uma justificativa para a própria
existência do museu.
45
Os museus experimentais, nos anos 80 do século XX, surgem por toda parte
e muitos foram somente uma experiência controversa, como é o caso do mais citado
ecomuseu
14
francês em Creusot-Montceau-les-Mines, agrupa dezoito municípios da
região, é descentralizado, extra-muros, constituindo uma rede ligada à história
social, enfim um museu vivo, reinserido no próprio contexto (GIRAUDY, 1990).
Além dos museus tradicionais, os anos 80 e 90 do século XX apresentam
novos modelos e tentativas experimentais, algumas que não vingaram. O museu
sem acervo é um exemplo. No México é criado o museu sem acervo, com a
proposta de expor sucessivamente temas individuais, partes do sistema da cultura
popular. Outro exemplo é a não exigência de uma edificação para ter um museu.
Aparecem os museus a céu aberto, os ecomuseus, os museus de comunidade.
O centro cultural George Pompidou, de Beaubourg em Paris, é um deles.
Construído com a arquitetura chamada High-Tech, estilo interiormente caracterizado
pelo uso de modelos industriais e comerciais. Resposta direta da Revolução
Romântica de 1968 na França. Esse centro possui quatro departamentos: biblioteca,
exposição de arte moderna, instituto de pesquisa acústica e “design”. Ponto de
referência permanente da cultura do culo XX, em várias partes do mundo,
inclusive no Brasil. Foi concebido e inaugurado para ser um espaço de contestação
cultural francês. Laboratório de documentação e pesquisa histórica, serviços,
documentação, coleções, exposições e manifestações. Três células adjacentes vão
se ligar às primeiras: célula pedagógica, exposições itinerantes e de fotografia,
ligadas à documentação e ao acervo. Nos anos 70, século XX, era reconhecido
como uma grande abertura cultural, não apenas destinado aos iniciados, mas ao
grande público e isso foi uma novidade.
Cidades inteiras transformam-se em museus vivos, como Veneza na Itália, e
Ouro Preto no Brasil. O Louvre, o museu francês mundialmente famoso, surpreende
o mundo com a pirâmide de vidro, e definida por Umberto Eco (1962) como obra
14
Ecomuseu, maneira de trabalhar onde o conjunto de entorno natural e patrimônio cultural está
integrado, não há descontextualização do patrimônio;
46
aberta, obra do passado que sofre uma transformação (um acréscimo para atualizar)
mantendo a essência, pois em característica ela é fechada.
Grandes exposições temporárias e itinerantes, como as dedicadas a
Picasso, Matisse e outros Impressionistas (coleções fechadas) fazem um circuito
internacional arrebatando visitantes aos milhares. Pessoas, que de outra forma
nunca veriam vis á vis essas obras, têm a oportunidade de conhecê-las. As
exposições são objeto de muitas críticas, algumas a favor outras contrárias. Inegável
é que a exposição é um grande show de mídia, com venda de reproduções, vídeos e
outros objetos que contribuem para a popularização daquele artista. Identifica-se
aqui a indústria cultural
15
, “fonte não desprezível de recursos para os museus”
(COELHO, 1999, p.271).
Como paradoxo, edificações espetaculares tornam-se moda. Novos estilos
aparecem nas grandes capitais. Antigas edificações como o prédio que abrigou o
Banco do Comércio, na Praça Senador Florêncio, Praça da Alfândega, hoje
Santander Cultural, temos aqui dois lados muito claros para serem observados. A
instituição bancária, com capital espanhol e misto, quer fazer a sua história no solo
gaúcho, mesmo tendo adquirido junto com o palácio e o banco, então Meridional, o
acervo histórico, teve por este acervo apenas desconsideração. Propõe exposições
de Arte Contemporânea. Com grande mídia, freqüentes coquetéis de abertura de
mostras, que devem agradar ao “seu” segmento de público, apresentam a Arte
Contemporânea do Brasil e de outras origens. Nada mal, se também estivesse
considerado o acervo da mais antiga casa bancária gaúcha e a coleção numismática
com peças raras e de valor. O acervo histórico em questão, está em um corredor em
precárias condições, empoeirado e sem manutenção. Sinal dos tempos de
globalização.
A projetação de edifícios espetaculosos para abrigarem museus, que serão
atração certa pela arquitetura, proliferara em vários pontos do mundo, nos Estados
Unidos, Japão, Alemanha e França, ou em Sidney, na Austrália, com a sua Ópera. O
turismo cultural e as artes estão auxiliando cidades pós-industriais como Bilbao na
15
Expressão cunhada pelos teóricos da Escola de Frankfurt, fundada em 1923, Theodor Adorno e
Max Horkheimer, significando a produção cultural vinculada a atividades econômicas.
47
Espanha, mergulhadas em uma fama de terrorismo que afasta os visitantes, a
encontrarem o caminho para a prosperidade. O projeto de museu Guggenheim do
arquiteto Franck Gehry para Bilbao, é um modelo de franqueamento. Este modelo
dissemina a prática da franquia, aentão exclusiva da área comercial, para a área
cultural e irradiando para várias partes do mundo. No Rio de Janeiro, a sociedade
civil organizada foi contra a abertura de uma franquia dessas. O grupo social em
questão foi “pró” um projeto que fosse nosso, brasileiro, e contra pagamento e à
importação de idéias. No Brasil, tão rico em criatividade e história, com os nossos
equipamentos culturais carentes, a opinião geral aprovava a idéia em si, mas, com
produção local e não estrangeira.
Em verdade, esse modelo foi responsável pela revitalização de Bilbao.
Políticos e empresários “investiram em infra-estrutura cultural que atrairia turistas e
lançaria fundações para uma complexa economia da indústria de serviços,
informação e cultura” (YÚDICE, 2004, p.38). É difícil um julgamento sem
conhecimento detalhado do projeto do Rio. O Rio de Janeiro com sua exuberante
beleza natural por um lado e, por outro, com aspectos do Brasil Colônia que se pode
perceber nas ruas do centro histórico, são apenas duas dimensões de porquê o Rio
merece toda atenção das autoridades governamentais no que for relativo ao Turismo
Cultural brasileiro.
O profissional de museus de arte tem dupla dificuldade: além do
conhecimento da Museologia, ele precisa dominar um conjunto interpretativo sobre
arte, para isso deve ter sólida formação intelectual (SEPÚLVEDA SANTOS, 1999).
Para grande parte das pessoas museu é associado com arte, significa alguma coisa
diferente de outros museus de antropologia, de ciências, históricos além da aura
das obras artísticas, pode ser porque pensam que ele não é abrigo exclusivamente
de coisas velhas. É percebido pelas pessoas quase como um templo. Isto é uma
barreira ao leigo que não o visita, pois considera que a arte é algo longe da sua
realidade. A arte seria alguma coisa erudita e com acesso para alguns
privilegiados. Nos museus de arte, surge a tendência de considerar suas coleções
com valor patrimonial cultural equivalente ao valor patrimonial econômico. A compra
e a venda de arte, a exemplo do MOMA de Nova Iorque, em outras tipologias de
museus, a transação econômica é impensável, o patrimônio histórico é considerado
48
sem valor venal. Para Lourenço (1999), os museus de arte apresentam uma
dificuldade extra “dado o valor monetário de suas obras, ficam sujeitos aos
esquemas duvidosos de que o poder econômico se vale no geral [...] critério ético-
moral” (LOURENÇO, 1999, p.13).
A curadoria de exposição é um conceito que cria uma especialização, dentro
da especialização profissional. Nos museus de arte, na organização das exposições
das Bienais de Arte, é usada muito tempo. Nas mega-exposições e nos centros
culturais estão trabalhando cada vez mais com o curador de exposição.
Uma exposição é um discurso. Um curador faz esse discurso junto com o
artista e a obra. A posição do curador é alvo de críticas e reflexões. Porém, acredita-
se que ele transforma uma exposição em um campo para o exercício da
interpretação. O curador facilita e amplia possibilidades interpretativas agregando
informações adicionais ao expectador.
2.3.2 O Primeiro Museu do RS e a Constituição Positivista
O Rio Grande do Sul teve uma inserção diversa da de outros estados no
quadro da nascente república brasileira, seja pela vanguarda de proteção das
fronteiras ou pela força do liberalismo. Após a Revolução Farroupilha, nasceu o
movimento republicano no Estado, cuja ideologia não era o liberalismo. O liberalismo
era a ideologia que norteava os Partidos Republicanos (PR) dos outros estados. No
Rio Grande do Sul foi o Positivismo, com um programa inspirado nas propostas de
Augusto Comte, que norteou, daquele momento em diante, e ainda por muito tempo
depois, a política gaúcha. Fausto (2000) fala na autonomia da relação da oligarquia
gaúcha do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) com a sociedade: “o PRR
impôs-se como uma quina política forte, inspirada em uma versão autoritária do
positivismo, arbitrando os interesses de estancieiros e imigrantes em ascensão”
(FAUSTO, 2000, p.262).
49
Os historiadores são unânimes em dizer que o positivismo comtiano esteve
presente na política do Rio Grande do Sul no momento da transição da Monarquia
para a República. Esse Positivismo foi base para o programa do PRR e para a
Constituição do Estado (1891). Sob a receita de Comte, apresentava-se o
Positivismo como uma doutrina científica que se contrapunha ao Liberalismo.
Liberalismo esse que era acusado de responsável pelo caos político e pela
paralisação administrativa no Rio Grande do Sul (PINTO, 1986).
Aqui no extremo Sul, o requisito principal dos correligionários do PRR era
ser obediente às ordens da cúpula partidária. Por esse motivo eram chamados de
“coronéis burocratas”, em contraposição aos coronéis proprietários rurais de outros
estados. O partido Republicano Rio-grandense controlava a eleição de prefeitos e os
expulsava se não correspondessem com obediência (FAUSTO, 2000).
O governo republicano sabia ser de sua responsabilidade prover a instrução
primária da população. Na reforma do ensino de 1897, decreto com diretrizes
positivistas previa garantia de estabilidade ao professorado com fiscalização,
laicidade, liberdade e gratuidade do ensino. O governo positivista, conforme
Pesavento (1998) norteava-se na compreensão de que a moral e a educação eram
elementos fundamentais para a ordem social. A elite do PRR pensou em preparar
seus futuros dirigentes com o apoio dos governos estadual e municipal, nascendo,
assim, o ensino superior para desincumbir essa missão.
O cleo central da proposta republicana e positivista de ensino das elites
gaúchas foi a Escola de Engenharia, inaugurada em 1900. Nessa escola foi exposto,
em primeira mão, o acervo que iria compor o Museu Júlio de Castilhos, três anos
mais tarde.
Como havia necessidade de formação de mão-de-obra, em 1906, foi aberto
homenageando uma figura nacional do Positivismo o Instituto Técnico
Profissional Benjamim Constant. “Na virada do século, o estado do Sul vivenciava
um momento de internalização do capitalismo, sob o influxo do lento ascender de
uma ordem urbano-industrial, guiada pelos princípios positivistas republicanos do
novo regime” (PESAVENTO, 1998, p.81). O PRR teve um órgão oficial para a
50
comunicação de suas políticas: tratava-se do jornal “A Federação” (1884-1937), com
sede no prédio da Rua dos Andradas esquina com a Rua Caldas Júnior, hoje sede
do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
Nos Campos da Várzea, hoje Parque da Redenção, a população
acompanhou várias exposições. A primeira foi em 1866, depois em 1901 e, em
1935, realizou-se a grande Exposição do Centenário Farroupilha. Essas exposições
eram organizadas a partir da Europa
16
. O Brasil participava como convidado desde
antes da Proclamação da República. A cidade de Barcelona, na Espanha, foi sede
da “Exposição Universal”, em 1888, e novamente no ano de 1929. Essas exposições
eram concebidas para mostrar as criações das fábricas, das novas indústrias, e
assim difundir os ideais de progresso. O Brasil participou de várias delas (UNESCO,
2003). Eram precedidas de uma exposição nas Províncias, depois eram realizadas
em nível nacional, para então, proceder-se à seleção do material que seria enviado
à Exposição Universal.
Abreu (2004) coloca que, nesse contexto, a história nacional era valorizada e
acreditava-se que havia coesão social. O grau de cultura da sociedade podia ser
medido no culto a efemérides nacionais e a vultos notáveis. No Rio de Janeiro, com
o material oriundo de uma dessas exposições, foi criado o acervo do Museu
Nacional. Poder-se-ia estender esta relação ao nascimento do acervo do primeiro
museu gaúcho, que o contexto social é concomitante. No entanto, são
necessárias pesquisas.
O então Presidente do Estado, Borges de Medeiros, decretou a criação do
primeiro museu (1903) que se chamou Museu do Estado. Naquele ano morreu Júlio
de Castilhos, líder positivista. A casa que pertenceu ao líder foi adquirida pelo
governo e foi instalado o museu (1905), local que abriga o Museu Júlio, como é
conhecido por muitos gaúchos até os dias de hoje, nos alvores do século XXI. A
instituição (1907) passou a chamar-se Museu Júlio de Castilhos. As instituições
culturais seguem a característica da organização do Estado político. Os museus
16
Para maiores detalhaes ler: PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Cotidiano da República. 4 ed. Porto
Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. E ainda: ABREU, Regina. Quando o Campo é o
Patrimônio. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 2004.
51
eram provinciais no início da República e depois passaram a ser estaduais, museus
de caráter eclético, com várias características. A especialização dos acervos e dos
museus por tipologias variadas apareceu mais tarde.
Citado acima, o surgimento do Museu lio de Castilhos, a primeira
instituição museal na capital do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, foi
criado por Antonio Augusto Borges de Medeiros, Governador do Estado, através do
Decreto nº 589, em 30.1.1903. Esse museu tinha o objetivo de:
Reunir e classificar os produtos do RS e todos os elementos que possam
ser úteis ao estudo antropológico de seus primitivos habitantes, de
colecionar artefatos indígenas que tenham qualquer valor etnológico e bem
assim, os produtos de ciência, indústria e artes modernas e documentos
históricos de qualquer gênero (BERTOTTO, 1991, p.15).
Para realizar esse amplo objetivo, o museu necessitaria de um generoso
espaço físico; a casa construída para residência familiar não possuía, e não possui,
esse amplo espaço. O resultado foi um aglomerado de coisas sem diálogo umas
com as outras. Uma reedição do velho Gabinete de Curiosidades do tempo da
aristocracia. A descontextualização dos objetos é um dos fatores de dificuldade do
museu.
Inicialmente concebido para ser um museu antropológico, histórico e
artístico, o órgão assumiu seu caráter unicamente histórico na década de
50, sob a administração do diretor Dante de Laytano. Nessa ocasião, peças
que não encaixavam-se exclusivamente nessa proposta de conservação
foram encaminhadas a instituições especializadas, como o MARGS, a
Fundação Zoobotânica e o MARS. Mesmo assim, a quantidade de objetos
permaneceu grande e continua crescendo. No final do ano passado, uma
integrante da família de Julio de Castilhos, residente no Rio de Janeiro,
doou ao Museu um conjunto de louças que pertenceram ao líder político
(Texto originalmente publicado na edição 87, de abril de 2003, do Jornal do
MARGS).
Como vemos, com o acervo inicial do Museu Júlio, foram criadas mais
quatro instituições: o Museu de Arte - Aldo Malagolli - a Fundação Zoobotânica, o
Museu Antropológico do RS e o Museu Arqueológico que fica na RS 20, no
município de Taquara. O patrimônio era tão expressivo que, mesmo com a divisão
em quatro partes, ficou no Júlio um acervo volumoso.
52
No ano de 2006, o museu mais antigo do Estado completou 103 anos. Com
10 mil peças no acervo, celebra com a exposição “Gabinetes de Curiosidades”. O
nome da exposição é intrigante. Esse título poderia ser interpretado como
autocrítica ou como caricatura, faz pensar e isto é positivo.
2.4 CONSIDERAÇÕES
Este capítulo foi organizado procurando construir um painel da Museologia e
dos museus. Visamos uma reflexão que, embora não tenha a pretensão de ser
completa, possa evidenciar os avanços e as dificuldades da importante área das
organizações culturais.
Além dos temas primários, abordamos temas transversos como a arte e a
educação. Examinamos, em alguns pontos, a formação do profissional da
Museologia, questão em pauta desde sua regulamentação como profissão.
Destacamos a contribuição dos museólogos brasileiros e dos outros
profissionais ligados à área, os seus esforços para formar um pensamento
museológico brasileiro. Considerando que a conceituação, gerada a partir da
definição de fato museal por Waldisa Rússio até este momento, foi o que teve maior
repercussão em âmbito internacional.
Poderíamos ainda ter abordado questões relativas aos problemas da
linguagem e dos termos científicos. Ficou fora, igualmente, a discussão sobre a
criação de identidades nos museus, dois assuntos com várias contribuições.
Ficou claro para nós que o tema não se esgota neste capítulo, que é apenas
um olhar sobre o processo complexo que é o campo dos museus e da Museologia.
53
3 CARACTERIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO: E A
POSSIBILIDADE DE CONHECER O CONHECIMENTO
3.1 INTRODUÇÃO
Para a caracterização da sociologia do conhecimento, abordaremos tópicos
enfocados por alguns autores significativos na constituição e no desenvolvimento
dessa sociologia. Desde a perspectiva de alguns precursores e clássicos, optamos
por teóricos cuja produção científica, pensamos que, de alguma forma e em alguma
medida, tiveram influência na concepção ou na crítica desta teoria.
Em determinada sociedade ou em determinada instituição, alguns
conhecimentos se transformam em “conhecimento social”; outros não operam essa
transformação. Acreditamos que alguns elementos dessa teoria nos permitirão ir ao
empírico, olhar em profundidade a realidade concreta dos equipamentos museais.
A museologia constitui-se num campo de conhecimento sócio-cultural.
Desejamos compreender como esse campo se comporta no que se refere aos
paradigmas museológicos, usando as ferramentas da sociologia do conhecimento,
ou seja, a vida social dos indivíduos envolvidos, seus vínculos às atividades
profissionais, às rivalidades, às alianças e às representações construídas por este
ou aquele grupo. O conjunto das vivências em sociedade mostra como se a
produção do conhecimento e a possibilidade que o sociólogo tem de conhecer esse
conhecimento.
A sociologia do conhecimento, através de alguns elementos que a propõe,
nos permitirá perceber como esse conhecimento é engendrado, no real. Tendo ela a
pretensão de compreender por que a museologia tradicional persistiu tanto tempo e
tem permanecido hegemônica e por que a museologia contemporânea é uma ordem
que tem dificuldade de se estabelecer.
54
Para pensar as razões pelas quais a museologia contemporânea, que se
compõe pelo Movimento de Nova Museologia (MINOM/1985) e pelo Museu Integral
de Caracas (1992) e por outras tendências, não se materializa por inteiro no
cotidiano dos museus, estamos nos apoiando na teoria sociológica, mais
especificamente na sociologia do conhecimento, por entendermos que ela nos
possibilitará conhecer como se produz o conhecimento na museologia.
3.2 ALGUNS ELEMENTOS HISTÓRICOS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
A sociologia do conhecimento começa a ser sistematizada na primeira
metade do século XX. Alguns autores referem-se a ela não como uma
especialização da sociologia, mas como tendo surgido com a própria sociologia.
A sociologia do conhecimento nasce em uma particular situação histórica na
Alemanha e em um determinado contexto filosófico. O estudo sociológico do
conhecimento encontra condições de ser debatido quando surge o capitalismo
financeiro, com o aumento da produção como um todo e o recrudescimento do
imperialismo. Essas são algumas variáveis, da situação histórica, que envolveram o
debate na ocasião (BERTELLI et al, 1967).
Evocado esse contexto de crise e algumas das principais causas do primeiro
conflito mundial, temos uma noção do terreno no qual esse tipo de sociologia teve
espaço: em uma sociedade em crise, onde os modos de pensar e as suas
interpretações entram em conflito e oposição. A conjuntura, anteriormente referida,
leva à eclosão, no início do século XX, do conflito entre as nações: a Primeira
Grande Guerra Mundial (1914-1918).
A época do “entre guerras” foi um momento de democracias, de ditaduras e
do imperialismo. Esses três conceitos antagônicos são indicativos de como era
conturbado esse contexto social, tanto na Europa como nos Estados Unidos, entre a
Primeira e Segunda Guerra Mundial. O nacionalismo exacerbado parecia
contagioso, espalhava-se por todos os países europeus limítrofes: fatores
55
econômicos, rivalidade industrial entre a Inglaterra, a França e a Alemanha. Fatores
políticos, como o citado nacionalismo, e conflitos de interesse generalizados eram
parte da conjuntura das nações. O mundo enfrentaria o segundo conflito mundial
entre 1939 e 1945.
Nas obras dos precursores da própria sociologia é que estão as origens da
teoria sociológica do conhecimento. Teóricos
17
, que trabalharam sobre a história da
sociologia do conhecimento, creditam a Max Scheler a cunhagem do termo
“sociologia do conhecimento” surgido nos anos 20 do século XX. O historiador inglês
Peter Burke
18
, porém, esse crédito ao grupo de filósofos e sociólogos alemães,
sem destacar qualquer nome desse grupo em particular. Entendemos que, nas três
primeiras décadas do século XX, a sociologia do conhecimento permaneceu
européia. “Três empreendimentos semelhantes iniciaram-se em três países distintos:
França, Alemanha e Estados Unidos” (BURKE, 2003).
Os autores que se tornaram clássicos, com relação à sociologia do
conhecimento, assim como Marx, Durkheim, Weber, Scheler, Mannheim, Ricoeur,
tiveram precursores: Montesquieu e Saint Simon são dois deles. Montesquieu (1689-
1755) é citado por Durkheim porque teve o mérito de perceber muito claramente que
várias instâncias da vida social formam um amálgama: a moral, o Direito, a vida
econômica e ainda outros,
[...] um todo de tal forma que tomados isoladamente e à parte uns dos
outros, não se pode compreendê-los. Montesquieu o separa o Direito da
moral, da religião, do comércio, etc. nem, principalmente, da forma da
sociedade que estende sua influência a todas as coisas sociais. Por mais
diferentes que sejam todos esses fatos expressam a vida de uma e
idêntica sociedade. (CUVILLIER, 1975, p.7).
Em Montesquieu encontra-se um germe de análise sociológica. Foi o autor
do tratado “O Espírito das Leis”, que estabeleceu a relação para compreender o
sentido das atitudes individuais com a situação de vida em que nascem e atuam as
pessoas. Ele percebeu que os fenômenos sociais estão relacionados aos culturais.
17
Entre estes: BERGER e LUCKMANN (1966); GURVITH (1969); CUVILLIER (1975); RODRIGUES
(2005).
18
Mais detalhes em BURKE, Peter. 2003.
56
Essas idéias de Montesquieu vão aparecer depois no materialismo histórico
(CUVILLIER, 1975).
Saint Simon (1760-1825), fundador do Socialismo Cristão, em seus
primeiros textos, deixa entrever sua percepção de que são as idéias que regulam a
vida social. Em produção posterior, Simon mostra uma noção mais abrangente de
correspondência constante entre as instituições e as idéias. Faz a correspondência
com os vários tipos de instituições e os vários conhecimentos. Aos regimes militares,
faz corresponder o conhecimento teológico, aos regimes industriais, o conhecimento
técnico e científico (CUVILLIER, 1975).
Nas idéias dos precursores da própria sociologia é que estão as origens da
teoria sociológica do conhecimento. No caso do marxismo, a verdadeira contribuição
para a sociologia do conhecimento encontra-se na afirmação de Marx e Engels, para
os quais é no conjunto das relações de produção, mais especificamente na estrutura
econômica, que se condicionam pensamentos e sentimentos de uma sociedade
(IZZO,1969). A descoberta da natureza antitética do processo do conhecimento é
um crédito de Karl Marx no culo XIX. A dualidade infra-estrutura-superestrutura é
o que determina o conteúdo e os limites da sociologia do conhecimento no marxismo
dogmático (HOROWITZ,1959). A concepção teórica de Mannheim difere do
materialismo histórico justamente nesse aspecto. Ele não supõe que a posição de
classe seja a única e definitiva determinante. A afiliação em vários e múltiplos
grupos, e identificar qual deles é o mais importante, é o relevante na construção de
Mannheim.
Antônio Gramsci (1891-1937), que o tem a obra freqüentemente
relacionada com a sociologia do conhecimento, é referência na bibliografia dessa
área, oferecida aos leitores por Georges Gurvitch (1969). Gramsci se afasta do
economicismo mecanicista e também do idealismo. A relação perpassa toda a
concepção analítica e teórica construída por ele. No pensamento gramsciano
encontra-se o fator relacional entre infra-estrutura (econômica) e superestrutura
(ideológica e jurídico-política). Essas instâncias estão inter-relacionadas e são
igualmente determinantes; perpassando, umas às outras, portanto, as categorias de
bloco histórico, hegemonia, intelectuais, sociedade civil e política, são inter-ligadas,
57
diferente de Marx, para quem elas são separadas e com a preponderância da infra-
estrutura. Penso que esse enfoque aproxima Gramsci e Mannheim.
Para Gurvitch (1969), sociólogo russo, a característica essencial à sociologia
do conhecimento é a afirmação de que a vida social pode condicionar o
conhecimento. E a tentativa de analisar essa relação de condicionamento deve ser
encontrada nas correlações das estruturas sociais. Para o autor, diferentes formas
de conhecimento podem digladiar-se e contradizer-se, como podem se
complementar e interpenetrar-se. Sobre a questão do que é a sociologia do
conhecimento, Gurvitch escreve:
Ë antes do mais, o estudo das correlações funcionais que podem ser
estabelecidas entre os diferentes gêneros, as diferentes acentuações das
formas no interior desses gêneros, os diferentes sistemas (hierarquias
destes gêneros) dos conhecimentos por um lado, e os quadros sociais por
outro, quer dizer, as sociedades globais, as classes sociais, agrupamentos
particulares e manifestações diversas da sociabilidade (elementos micro-
sociais). (GURVITCH, 1969, p.26).
Baseado nessas premissas, Gurvitch (1969) desenvolve um programa em
torno das correlações funcionais, entre o social e o conhecer. O autor citado afasta a
idéia de dependência entre a sociologia do conhecimento e a epistemologia.
Ressalta, porém, um limiar comum que faz com que, ao fim, seja possível uma
cooperação.
E assim que a sociologia do conhecimento objetiva identificar os nexos entre
as condições sociais inseridas na situação histórica, junto com as produções mentais
dos sujeitos individuais e coletivos, em relação aos elementos culturais, propostas
das ciências naturais e sociais, doutrinas, crenças, explicações racionais, e outras
tantas, que foram criadas e expressas pelos mesmos sujeitos, ou seja, dentro de um
mesmo grupo. A sociologia do conhecimento identifica como objetivos dois níveis
distintos: um seria a relação entre o conhecimento e a vida; o outro, a investigação
histórico-sociológica, para desvelar as formas concretas dessa relação no progresso
da humanidade.
Em linhas gerais, a sociologia do conhecimento pode ser definida como o
ramo da sociologia que se preocupa com a relação entre o pensamento e a
58
sociedade. Ela estuda as condições sociais ou existenciais do conhecimento,
surgindo no momento em que o próprio conhecimento está sendo compreendido
como uma força social em si mesmo (LIEDKE FILHO, 2006). O conhecimento passa
a ser considerado como uma atividade social. A sistematização da sociologia do
conhecimento vai ser útil para investigar as ações sociais e não os fundamentos
morais dessas ações.
Com o sociólogo alemão, de origem austríaca, Karl Mannheim (1893-1947),
a sociologia do conhecimento teve uma espécie de apogeu. Ele foi um pioneiro
porque antecipou questões epistemológicas que vieram à pauta da ciência bem mais
tarde, propondo uma ruptura epistemológica com o critério de verdade e trabalhando
a sistematização da sociologia do conhecimento (RODRIGUES, 2005).
Mannheim escreveu sua mais importante obra - Ideologia e Utopia - entre os
anos de 1929 e 1931
19
, enquanto morava na Alemanha. Mais tarde, mudou-se para
a Áustria, morrendo em Londres. Teve a primazia não somente de sistematizar,
como também de divulgar a sociologia do conhecimento e, com suas idéias, causa
muitas dúvidas e críticas.
Segundo Karl Mannheim, nos conflitos sociais é que deve-se procurar a
origem da sociologia do conhecimento. A história dessa disciplina, para ele,
constitui-se vagarosamente, em condições diversas e, em épocas diferentes. Nas
suas palavras, a sociologia do conhecimento tem como característica duas
dimensões, uma como teoria e outra como método. A dimensão teórica pode ser
dividida de duas formas, a primeira é a pesquisa empírica feita de descrição e
análise estrutural dos modos como as relações sociais condicionam ou influem no
pensamento, a segunda é a epistemológica, que deve dar conta do problema da
validade. Ressalta Mannheim (1982) que, se pode aceitar o resultado da
investigação empírica sem considerar as conclusões epistemológicas, ou seja, não é
imprescindível que essas duas dimensões estejam ligadas. Muitos dos estudiosos
que se detiveram nesse assunto afirmam que a sociologia do conhecimento não tem
19
4ª ed. 1982-Tradução da edição publicada em 1960 em Londres.
59
relevância para a epistemologia; porém, em se tratando de um assunto complexo,
não é possível uma afirmação assim taxativa (MIILS apud BERTELLI, 1967, p.127).
Mannheim indica que, entre todos os antecessores que deixaram
contribuições para a constituição da sociologia do conhecimento, Marx é o mais
importante. Com o trabalho de Marx, a sociologia do conhecimento realmente se
fortalece. Mannheim é parte constitutiva do ramo alemão, partindo das idéias de
Marx, porém trazendo idéias que alargam a concepção das bases da sociedade.
Marx trabalha com a posição de classe como a única categoria determinante;
Mannheim introduz uma perspectiva relativista. Mesmo reconhecendo a importância
do trabalho de Marx, Mannheim faz uma ressalva sobre o “desmascaramento” das
ideologias na sociologia do conhecimento, que, segundo ele, não aparece na obra
de Marx. Pondera Mannheim que a teoria da ideologia ainda o havia sido
elaborada com consistência. A temática da sociologia do conhecimento, como vimos
descrevendo desde o item inicial, é centrada na existência social. É Karl Marx quem
introduz o ponto de vista histórico.
Na proposta da sociologia do conhecimento de Mannheim, além de haver
duas características, como vimos anteriormente, também duplas maneiras de
pensar as relações sociais, que se apresentam em duas espécies distintas: como
ideologias e como utopias. As atividades humanas o dirigidas pelas ideologias.
Segue-se que as ideologias servem para que a ordem seja mantida e são os
reflexos da ordem dominante e, de certa forma, são pouco eficientes. As utopias, na
sistematização de Mannheim, servem para questionar e possuem tendência à
transformação. Exprimem o que é almejado para o futuro. A ideologia toma, então,
duas características: a ideologia particular no plano psicológico e no pensamento de
um indivíduo; e a ideologia total de um grupo histórico-social concreto, que se
estende a toda uma classe social (CUVILLIER, 1975).
Mannheim concebe que a sociologia do conhecimento, como teoria, serve
para analisar a relação entre conhecimento e vida social. Na dimensão de pesquisa
histórico-sociológica, procura desenhar que formas essa relação apresenta no
desenvolvimento intelectual da sociedade. A esse respeito, ele mostra que é tarefa
importante da sociologia do conhecimento demonstrar, efetivamente, sua
60
capacidade de pesquisa no campo sociológico. Segundo o mesmo, o cientista deve,
para isso, ultrapassar as “generalizações grosseiras”, principalmente as dicotomias,
que chama de primitivas, e como exemplo o pensamento proletário de um lado e
o pensamento burguês de outro. Devemos ultrapassar esta “clareza simplificadora”
em nome da precisão. Para atingir esse objetivo é possível se inspirar em outras
disciplinas, que tenham métodos e resultados filológicos
20
e com isso a pesquisa em
sociologia do conhecimento poderá determinar “os vários pontos de vista que
gradativamente surgiram na história do pensamento e que estão, constantemente,
em processo de mudança” (MANNHEIM, 1982, p.326).
Na perspectiva de Horowitz (1959), toda ciência tem limites, não limite no
singular, mas no plural, pois a limitação científica é de tempo e espaço e também de
profundidade. O significado desta explicação é que não devemos assumir uma
postura que pense a sociologia do conhecimento como solta e voando, num mundo
separado em duas instâncias, uma de “essência” e outra “real”.
No texto de Mannheim, temos que a finalidade da sociologia do
conhecimento é estudar o pensamento concreto dos homens, procurando observar
de que forma tal pensamento funciona na vida pública e na política (CRESPI e
FORNARI, 2000).
No começo da Era Moderna teve início a sistematização da coleta regular da
informação. Mannheim particulariza com o exemplo da história da arte, na qual se
pode datar e localizar as diferentes obras. Os governos nacionais, percebendo a
relação de informação e poder, notaram que havia necessidade de saber mais sobre
os governados, “fosse para aumentar os impostos, alistá-los no exército ou alimentá-
los em tempos de fome (BURKE, 2003, p.111-112). A burocracia
21
ascende de
importância. Pensamos que essa referência seja um dos elementos que leva ao
incremento dos museus, arquivos e bibliotecas nos Estados Nacionais. A gênese,
tanto das bibliotecas como dos arquivos e museus, não é localizada na
modernidade. Essas instituições já existiam, no entanto eram de uso privado e
20
Aurélio: Adj. - Filologia, S.f. Estudo da língua [..] e dos documentos escritos que servem para
documentá-la.
21
WEBER, 1967
.
61
privilégio da nobreza e da igreja. Na modernidade, uma ampla ruptura. Ruptura
no político, social e econômico e que alcançou os museus, bibliotecas e arquivos,
tornando-os de uso público.
No capítulo histórico, fazemos referência à questão poder versus museu,
tema recorrente entre intelectuais da museologia e técnicos de museus. Com a
sociedade moderna, nos governos nacionais surge a institucionalização dos museus
por esses governos. As três instituições - arquivo, biblioteca e museu - que na
modernidade foram transformadas e abertas ao público, na sociedade complexa do
início do século XXI, continuam sendo públicas, muito mais na forma do que na
prática. Existem formas “novas” de afastar o público, entre essas a baixa
escolaridade da grande maioria da população brasileira que, dessa forma, não tem
consciência de cidadania e seus conseqüentes direitos e deveres.
Com base nas premissas da sociologia do conhecimento, é possível ao
sociólogo compreender e desvelar as continuidades e as descontinuidades do
processo histórico-social da complexa sociedade contemporânea. O conhecimento
não é só objetividade, carrega muito de subjetivo.
A sociologia do conhecimento, para Mannheim, deixou bem demarcadas as
epistemologias de teor analítico e de teor histórico. Alguns autores criticam essa
dicotomia, não vendo sentido nessa separação na contemporaneidade, pois
dificultaria a reflexividade, conceito importante na Sociologia.
Como se percebe, uma sociologia do conhecimento que permita a
compreensão do processo da produção do conhecimento como tal e do
conhecimento científico, pode ser muito útil. A sociologia do conhecimento é uma
ferramenta importante, que tem como função preocupar-se com a relação entre o
conhecimento e a sociedade e, com isto, do reflexo (reflexividade) que ocorre entre
as mudanças paradigmáticas na produção do conhecimento e o reflexo nas
instituições como um todo, inclusive nas organizações museais que nos interessam
particularmente. Consoante com o pensamento de Mannhein,
62
Como diz um sociólogo contemporâneo ‘todos os estados foram sociedades
da informação’, pois a geração do poder de Estado pressupõe a reprodução
reflexivamente monitorada do sistema, envolvendo a coleta,
armazenamento e controle regulares da informação aplicada a fins
administrativos (BURKE, 2003, p.111).
Compreender e explicitar o(s) motivo(s) que leva(m) alguns poucos museus
a incorporarem em sua prática os preceitos da nova museologia em um paradigma
complexo, também visto como “pós-moderno” quando comparado com uma matriz
moderna e o que amarra os museus que não realizam essa incorporação e
permanecem com o paradigma tradicional na sociedade complexa do início do
século XXI, é um objetivo deste dissertação.
A museologia contemporânea pensa um museu que atue em torno do
triângulo: homem - espaço - bem cultural. As informações geradas nas pesquisas
museológicas podem privilegiar os processos e as relações do homem. O museu
deve ser um instrumento para o desenvolvimento comunitário com uma perspectiva
dinâmica e com vetor direcionado ao futuro.
As idéias que vão formar o que seria o paradigma contemporâneo têm
preocupações de ordem científica, cultural, social e econômica. Essas idéias
reafirmam os recursos da museologia tradicional: coleta, conservação, investigação
científica, restituição, difusão, e, indo bem mais além, visando a democratização e o
estímulo da produção e da criação cultural.
3.3 DIFUSÃO DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
O sociólogo norte-americano Robert K. Merton teve uma participação
importante para a revitalização da sociologia do conhecimento. Escreveu
“Sociologia, Teoria e Estrutura”, publicado pela primeira vez em 1949. Nesse texto,
Merton faz análise crítica da produção sobre sociologia do conhecimento, para
depois acrescentar a sua perspectiva. As relações entre o conhecimento e outros
fatores existenciais da sociedade ou da cultura são um dos focos de interesse de
Merton (1979). Segundo ele, a relação do conhecimento com a base existencial é o
núcleo do problema da teoria na sociologia do conhecimento.
63
Os capítulos XIV e XV da obra referida, na edição do ano de 1979, são
dedicados, um ao exame da sociologia do conhecimento e a vários autores; o outro
é uma crítica da proposta de Mannheim. O ponto de partida avalia o aparecimento
tardio da sociologia do conhecimento nos Estados Unidos. O desenvolvimento do
capitalismo, junto com a particularização de que ele se reveste nos EUA, foi uma das
causas da entrada da sociologia do conhecimento na sociedade norte-americana.
Não esqueçamos que a tradição intelectual alemã é reconhecida e historicamente
muito diferente da norte-americana. Bertelli assegura que Merton, quando fez a sua
sistematização da sociologia do conhecimento, tentou “fundir a tradição sociológico-
filosófica européia com a sua própria tradição empiricista“ (BERTELLI, 1967, p.9).
Para Berger e Luckmann (1987), a origem alemã foi uma dificuldade a mais, quase
uma barreira, na introdução da sociologia do conhecimento nos Estados Unidos. O
sociólogo Merton é norte-americano, portanto analisa o assunto de dentro da
sociedade norte-americana. Percebe que a sociologia do conhecimento foi bem
aceita nos Estados Unidos porque trata de problemas, conceitos e teorias que são
cada vez mais pertinentes à situação social contemporânea norte-americana. Robert
Merton ressalva que a sociologia do conhecimento, na época em que aporta nos
EUA, é uma disciplina sui generis. Desperta interesse principalmente porque a
situação social dos Estados Unidos vem se tornando semelhante às sociedades
européias em algumas características.
A sociologia do conhecimento torna-se pertinente num determinado
complexo de condições sociais e culturais. Devido à intensificação dos
conflitos sociais, as diferenças entre as atitudes, valores e modos de pensar
dos grupos vão-se acentuando, a ponto de a orientação comum que os
reunia anteriormente ser obscurecida por diferenças incompatíveis. Não se
trata apenas da formação de vários universos de pensamento, mas de que
a simples existência de qualquer um deles desafia a validade e a
legitimidade dos demais. A coexistência de tais perspectivas e
interpretações conflituosas na mesma sociedade conduz a uma ativa e
recíproca desconfiança entre os grupos. Num ambiente de desconfiança
não se vai indagar do conteúdo das crenças e das afirmações com provas
relevantes; introduz-se uma pergunta inteiramente nova: como se explica a
permanência de tais pontos de vista? O pensamento se torna funcional;
passa a ser interpretado em termos de suas raízes e funções psicológicas,
econômicas, sociais ou raciais (MERTON apud BERTELLI 1967, p.83 e
MERTON, 1979, p.554-555).
“Funcionalizar” as idéias, para ele, significa relacionar as idéias dos
indivíduos com suas bases sociológicas. Indagar como interatuam ciência e
64
sociedade em determinada situação histórica. Merton reconhece que na Europa
essa sociologia teve duas vertentes: uma francesa e outra alemã. O braço francês
vem do positivismo de Durkheim. Nesses termos, a sociologia do conhecimento de
gênese francesa seria autóctone, de fundo etnográfico e independente do ramo
alemão. Nem o indivíduo e nem a sociedade, na ótica de Durkheim, são o objeto de
estudo da sociologia, mas o “fato social”. O conceito, que trata da recorrência
periódica de festas, cerimônias, ritos e outras atividades sociais, é o alvo para a
análise de Durkheim. No que se refere aos dois ramos distintos citados, Merton
(1979) argumenta que a sociologia do conhecimento interessa-se pelas relações
entre o conhecimento e as demais instâncias existenciais, sociais ou culturais, tanto
na Alemanha como na França.
Examinando a formação de um determinado “ambiente social”, Merton
(1979) escreve que o indivíduo filia-se a vários grupos. O que é importante o
pesquisador saber é qual desses grupos é o indispensável para aquele indivíduo.
Pelo estudo da variedade na constituição dos grupos, o autor acredita ser possível
corresponder a uma pluralidade de conhecimentos (que existem naquele grupo)
como: a geração, grupos ocupacionais, grupos de status e as características
correspondentes aos modos de pensar de cada um dos grupos (MERTON apud
BERTELLI, 1967).
Merton criou um sistema de análise
22
para a sociologia do conhecimento
com o objetivo de normatizar a confusão que ele encontrara nas idéias dos
pioneiros. Tanto para Merton como para Mannheim a sociologia do conhecimento é
uma sociologia de crise. Os dois divergem quanto ao motivo do surgimento: para
Merton é uma disciplina que surge das necessidades do desenvolvimento em si;
para Mannheim é pela particular situação histórica da sociedade como um todo.
Observa Merton que uma esquerda hegeliana e Karl Marx, que fez uma
inversão da dialética hegeliana, deixaram marcas na obra de Karl Mannheim. Ele
reconhece traços dos dois em parte das teses mais importantes de Mannheim.
Outras vertentes são de Dilthey e Max Weber. De Dilthey, aparece uma clara
22
Ver quadro p. 17
65
distinção entre as ciências do espírito e as ciências da natureza. A importante
definição de que nas ciências do espírito estão contidos o sujeito e o objeto na
mesma historicidade, é parte do pensamento diltheyniano (RODRIGUES, 2005). A
contribuição dos filósofos fenomenológicos: Husserl, Jaspers, Heidegger e Max
Scheler, evidente na observação dos fatos “dados” na experiência direta e na vida
social que Mannheim explica na sua mais citada obra: Utopia e Ideologia (MERTON,
1979).
Para os teóricos fundadores da sociologia do conhecimento, com uma ou
outra divergência, o princípio convergente entre todos é a determinante do
conhecimento mediado pelo social. Essa é a base da sociologia do conhecimento,
base do descortinar das fontes sociais da verdade e igualmente dos erros
(HOROWITZ, 1959). Outro ponto de convergência dos autores sobre o assunto é a
”tese de que o pensamento tem uma base existencial na medida em que não é
determinado imanentemente e enquanto um ou outro de seus aspectos pode ser
derivado de fatores extracognitivos” (MERTON, 1979, p.559).
Depois de apontar o ponto de convergência, volta-se para o que se
consideram as maiores falhas na concepção de Mannheim, que são três: o citado
relativismo, a validade do pensamento social na “posição sem classe”, que seriam os
intelectuais socialmente independentes, e os problemas de validez da ciência. Ao
final, Merton assume a importância do pensamento de Mannheim para a ciência,
elogia a consciência que esse tem de que sua obra não é definitiva e que virão
pesquisas posteriores que trarão esclarecimentos necessários.
3.3.1 Sociologia do Conhecimento e Novos Conceitos
O Físico Tomas Kuhn (1989) que ao logo da carreira, volta-se ao
estudo da história e da filosofia, percebe que a ciência se transforma de maneira
diversa daquela concepção tradicional de ciência, aquela atividade metódica, dentro
de uma mesma racionalidade, onde é pressuposto o acúmulo de conhecimento,
66
Kuhn vai então propor um conceito que se tornou polêmico. Pensamos que seu
trabalho pode ser considerado como da área da sociologia do conhecimento.
Os cientistas que postulam a ciência que “progride” consideram uma teoria
científica superior a precedente e dentro desta perspectiva, as teorias sucessivas
estariam sempre mais perto da verdade. Kuhn questiona por qual motivo os
cientistas substituiriam um corpus de idéias por idéias drasticamente distintas. No
ano de 1962, Tomas Kuhn publica “A Estrutura das Revoluções Científicas”, onde
descreve a ciência se desenvolvendo através de rupturas, de revoluções e
substituição de paradigmas. Faz critica ao Positivismo Lógico que começou com
observação neutra, feita por indução, com resultados cumulativos, linear e definitiva.
Na ótica de Kuhn na ciência não há evolução. A ciência na visão kuhniana, caminha
com paradigmas revolucionários. O paradigma segundo ele é um projeto de mundo
e estes projetos de mundo são diferentes, por isso não diálogo
(comensurabilidade) entre os paradigmas. Ele abandona a visão linear clássica e
atribui à genialidade do cientista o avanço da ciência.
A ciência normal não se propõe descobrir novidades no terreno dos fatos ou
da teoria; quando é bem sucedida não as encontra. Entretanto, fenômenos
novos e insuspeitados são periodicamente descobertos pela pesquisa
científica; cientistas têm constantemente inventado teorias radicalmente
novas. O exame histórico nos sugere que o empreendimento científico
desenvolveu uma técnica particularmente eficiente na produção de
surpresas dessa natureza. (KUHN, 1989, p.77 e 78).
Quando uma revolução tem êxito o paradigma hegemônico cai. O todo
científico admite “irracionalismos”, subjetividades, que transcendem o indutivismo e
dedutivismo no sentido proposto pelo Positivismo Clássico e Lógico. O conceito
kuhniano relativiza o conceito de ciência, no sentido de que a ciência não deve ser
dogmática. A crise é a perda de consciência nos limites do paradigma, que para
Kuhn não é resposta, é promessa.
(...) O termo paradigma é usado em dois sentidos diferentes. De um lado
indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc..., partilhadas
pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo
de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeça
que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras
explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da
ciência normal. O primeiro sentido do termo que chamaremos de
sociológica, é o objeto do item 2; (...) (KUHN, 1989, p.218).
67
Estas promessas de mudança de paradigma científico perpassam a crise do
Positivismo Clássico e do Positivismo Lógico
23
, e perpassaram igualmente todas as
disciplinas relacionadas às humanidades. Neste ínterim, a Museologia não ficou
incólume. Ela também, no mesmo contexto histórico, sofreu crises e
questionamentos, sendo tema de intensos debates. O repasse de discursos oficiais
praticado nos museus foi duramente criticado, destes debates surgiu uma
sistematização de idéias inéditas na área, que veio a público pela primeira vez no
Chile em 1972. Kuhn (1989, p.73) afirma que “o período pré-paradigmático é
regularmente, marcado por debates freqüentes e profundos a respeito de métodos,
problemas e padrões de solução legítimos”.
No pensamento de Kuhn a crise é pré-condição para a emergência de novas
teorias e reorientação da ciência. Percebemos que na comunidade museológica o
momento pré-paradigmático kuhniano está localizado na Mesa Redonda de
Santiago (1972).
Ao iniciar a década de 60 (século XX) as ciências e a sociedade fervilhavam
de idéias novas. Os historiadores perceberam que os métodos heurísticos eram
insuficientes para responder às novas questões que a sociedade apresentava.
Surge a Nova História que, desde os anos 30 vinha sendo pensada, junto com a
História dos Annales. Ao final da década de 50 e início dos anos 60, esta história
reaparece confrontando as grandes narrativas da história factual. A partir daí foi
enfocada a história do cotidiano, marcada por ambigüidades e contradições. Com a
ampliação do campo de observação do historiador, houve uma correspondente
ampliação da noção de documento. Esta ampliação trouxe, conseqüentemente, a
descoberta de novos objetos de estudo, técnicas de pesquisas quantitativas, que
foram agregados ao trabalho do historiador. As novas idéias tiveram que buscar
espaço junto aos autores da historiografia positivista, hegemônica aentão. Estas
novas técnicas não se restringiram à História mas, estenderam-se às ciências
humanas, inclusive à museologia.
Ao longo do século XX, o conhecimento científico em geral, cresceu muito
em quantidade, diversificou-se muito. Os autores fazem referência à questionável
23
Situou-se em torno de três grandes tópicos doutrinários: o princípio da verificação e o abandono à
metafísica, o reducionismo filosófico e a ênfase dada à estrutura da linguagem.
68
qualidade destas pesquisas. A Sociologia do Conhecimento é uma ferramenta
importante, é a disciplina que deve se preocupar e mesmo, que tem como função
preocupar-se com a relação entre o conhecimento e a sociedade e, com isto, do
reflexo (reflexividade) que ocorre entre as mudanças paradigmáticas na produção do
conhecimento e o reflexo nas instituições como um todo, inclusive nas organizações
museais que nos interessam particularmente.
Na Filosofia existia uma pluralidade, uma releitura dos discursos tradicionais;
a Arquitetura voltava-se para a funcionalidade; a Arte dos anos 60 era a Pop Art. Em
geral, não houve uma exclusão de idéias, mas uma inclusão de idéias, de técnicas e
de materiais. Importantes foram as mudanças de postura. Foucault, neste momento,
estudava as descontinuidades epistêmicas. Segundo Rodrigues (2001, p.21) A
Estrutura das Revoluções Científicas de Kuhn “mudou toda a agenda de discussões
não apenas de Sociologia da Ciência, como também da esquecida Sociologia do
Conhecimento”.
Na França, em maio de 1968, ocorreu uma revolta estudantil conhecida
como Revolução Romântica, repercutindo extensamente nos ideais que propagavam
uma mudança de vida com liberdade e transformações no cotidiano, de protesto
contra o conservadorismo da realidade social. Foi um acontecimento que ecoou em
todas as instâncias das organizações sociais, entre elas os museus (GONÇALVES,
2004).
O papel a ser atribuído aos museus foi objeto de vários debates, desde as
décadas de 50 e 60 quando a ênfase era somente a conservação dos acervos e o
caráter educacional dos museus. Este paradigma entrou em crise nos anos 70, com
a contundente crítica ao fato de o museu ser apenas um repasse de discursos
oficiais. A pouca freqüência de público em visita aos museus, atestada pelos livros
de registro das visitas, foi considerada uma das provas de que a sociedade pedia
um novo museu. Para Chagas (1996), os questionamentos que vieram à tona
partiram da sociedade para dentro dos museus e o de dentro dos museus para a
sociedade.
Guardar e expor objetos, “valorizando o objeto tangível e não o humano”
(CHAGAS,1996,p.29) são, basicamente, os elementos que caracterizam o
69
paradigma tradicional. As exposições têm trazido os objetos fora de seu contexto. A
temática exposta, em geral, tem se circunscrito em transmitir a cultura e a história
com linearidade.
O museu do paradigma contemporâneo desde a reunião de Caracas, em
1992, é tido como valioso instrumento de comunicação do homem no processo de
seu desenvolvimento. Nesse e noutros sentidos, como eficiência das gestões,
liderança, pró-atividade ecológica, voltar-se para a comunidade, pois hoje parece
não haver um uso efetivo dessa preciosa instituição por parte das populações.
3.4 CONSIDERAÇÕES
Apresentamos a constituição da sociologia do conhecimento, discorrendo
sobre algumas das suas características. No primeiro subitem procuramos, com um
“panorama”, mapear a difusão da sociologia do conhecimento na Europa e nos
Estados Unidos da América.
Prosseguindo os assuntos do subitem dois, estão as estruturas e as
ideologias importantes nas análises dos teóricos em questão.
No subitem três, os aspectos discorridos versam sobre os objetivos,
contribuições e críticas da sociologia do conhecimento e introduzimos nosso
problema de pesquisa: os paradigmas tradicional e contemporâneo da museologia.
Fechamos o capítulo, com as idéias sobre a sociologia do conhecimento de
Tomás Kuhn e, os novos conceitos trazidos por ele e que acrescentaram euforia e
controvérsia ao debate científico à época.
70
4 METODOS UTILIZADOS PARA O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO
MUSEAL DO RIO GRANDE DO SUL
4.1 INTRODUÇÃO
A investigação dos museus é traçada a partir da análise de três discursos: o
documental do processo constitutivo do ensino da museologia no Brasil no início da
República brasileira; o conteúdo teórico presente na literatura produzida sobre o
tema; e os resultados das entrevistas que foram realizadas com os profissionais da
área. Para a investigação, utilizamos a Análise de Conteúdo, com aplicação da
entrevista temática e semi-estruturada para a coleta dos dados empíricos.
Tais aspectos serão analisados comparativamente entre si e perante
aos quadros tipológicos do Método Tipológico Ideal Weberiano, que foram
construídos a partir de categorias pertinentes a cada um dos paradigmas -
tradicional e contemporâneo - de maneira a verificar as relações, lacunas,
aproximações e distanciamentos e as funções latentes e manifestas entre o proposto
pela teoria museológica e o realizado nas ações cotidianas das instituições museais.
A entrevista semi-estruturada é a técnica usada para obtenção dos dados empíricos.
O quadro categorial, criado por Robert Merton e vinculado à sociologia do
conhecimento, possibilita a nossa compreensão para a composição do questionário
semi-estruturado; as perguntas são tematizadas para preservar a espontaneidade do
informante em relação ao questionamento.
Procuramos, exatamente, verificar como as novas propostas teóricas, que
pautam os paradigmas tradicional e contemporâneo museológicos são (ou não)
absorvidas nos museus e em que medida isso acontece ou não. Os entrevistados
trarão respostas que, com as outras respostas oriundas do “corpus” documental
analisado, servirão para a verificação das hipóteses que construímos com base em
nossas inquietações.
71
Ao final do capítulo realizamos a descrição e interpretação dos dados
recolhidos no empírico, o que resulta em um rico desdobramento de idéias, de tal
grandeza que nos impele a mencionar desde o quanto a interação pesquisador e
entrevistados é imprescindível. Os operadores museais se mostraram acessíveis e
cooperativos à nossa proposta.
4.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E
TIPOS DE ESTUDO
Sendo verdadeiro que as ciências sociais se importam com objetos
impregnados de valor e significados, o pesquisador, que procura entendê-los, deve
necessariamente fazer essa sua observação intermediada por categorias, que
dependerão de seus motivos “[...] o núcleo de suas investigações consiste nas
atitudes, motivos e orientações que se utilizam para a defesa ou a crítica das bases
sociais e as ações que se empreende para satisfazer essas justificativas”
(HOROWITZ, 1959, p25).
Karl Mannheim pensou um método interpretativo de pesquisa. Formulou um
método de análise das visões de mundo, denominado método documentário de
interpretação. A Etnometodologia
24
é a corrente teórico-metodológica que reconhece
a importância do todo documentário de interpretação de Mannheim para analisar
dados qualitativos (WELLER, 2005).
Para a realização da nossa investigação, faremos uma articulação entre dois
métodos, os quais, de forma complementar, serão nossos instrumentos para a
abordagem do objeto empírico. Buscaremos saber quanto da teoria da museologia
contemporânea está incorporada às práticas museais, e não só nas práticas, mas ao
imaginário dos operadores da área ou do campo museal, e se esses estão
incorporando uma reflexão mais teórica e mais crítica da própria museologia.
Propomos a investigação nos museus de “ponta”, porque, se os museus que melhor
24
Termo cunhado pelo autor Garfinkel, em 1967.
72
aparecem ao olhar do público de uma maneira geral não mudaram sua filosofia, o
serão os pequenos museus, carentes de toda ordem de recursos, que terão feito
essa mudança. Os museus, geralmente, parecem estar longe de atingir os objetivos
de uma organização a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, seja para
comunicar, informar ou simplesmente para entretenimento. A investigação do
processo da organização e das práticas dos museus, na realidade cultural brasileira,
rio-grandense e especialmente na porto-alegrense, tem como meta demonstrar que
os museus permanecem como um campo de possibilidades, muito mais do que de
ações efetivas, terminando por ser uma instituição mal aproveitada.
O objeto central da pesquisa constitui-se das organizações museais em
Porto Alegre e as práticas atuais das mesmas. Práticas essas que se preocupam
mais com a apresentação estética das exposições e com o público que consideram
preferencial, de escolares, ações que deixam em aberto questões como, o trabalho
amparado em teorias museológicas e os mais variados tipos de públicos que
deveriam aportar aos museus; para através do lazer, adquirir conhecimento. Nesses
locais, as ações devem corresponder aos planejamentos, onde se verifica o
cumprimento das políticas, executam-se pesquisas e organizam-se exposições de
acordo com o que é preconizado no paradigma tradicional da museologia; ou se, por
outro lado, avançaram ao encontro do paradigma da museologia contemporânea -
definida a mesma como partindo da relação entre os vértices do triângulo formado
por Homem/Sujeito X Objeto/Bem Cultural X Espaço/Cenário; cenário esse que
poderá ser em um edifício ou fora dele. Para contrapor com o paradigma tradicional,
que se restringe a Casa/Palácio X Bens Culturais/Coleções, ou dito de outra
maneira, prédio/coleção/ público, como detalhamos no capítulo três.
O museu contemporâneo, em se tratando de uma organização dinâmica,
deve coadunar-se com as transformações sociais, para que, de fato, possa ser útil à
sociedade. Sociedade que se encontra em um processo cada vez mais complexo. O
museu deve apresentar-se como uma ação cultural a serviço dessa sociedade. O
museu cria as condições para que a cultura, em cada lugar, possa ser lida, fato esse
que lhe torna um difusor de culturas. O museu pode, inclusive, ser um fórum de
debates. Esse olhar nos aponta um espaço de relações sociais, de aprendizado e de
entretenimento.
73
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados dentre as organizações museais
de Porto Alegre. O recorte para a coleta das informações foi realizado em cinco
museus. Retiramos a identificação dos museus, porque, devido ao pequeno número
de OM nas equipes nos meses de férias, o cuidado que tivemos para que não
resultassem identificados, cairia por terra. Dentre os museus, só um deles se localiza
fora do perímetro central da cidade.
4.2.1 Análise de Conteúdo
alguns anos para proceder-se uma análise de conteúdo havia a
preocupação de organizar um corpus rígido e de um conjunto fixo do material de
análise. Este procedimento está ultrapassado, atualmente, esse método é
combinado com outros para permitir uma interpretação mais acurada. Assim hoje
vem sendo cada vez mais aplicado em análises qualitativas.
Augusto N. S. Triviños (1987) destaca três peculiaridades na Análise de
Conteúdo e a conceitua como um meio para analisar as “comunicações” entre atores
sociais, com ênfase no conteúdo das mensagens. Explica Triviños que, embora
priorize a mensagem, tal todo não exclui outros meios de comunicação. A
segunda peculiaridade é a “inferência” que pode advir do conteúdo da mensagem
ou, por último, de “pré-conceitos” que se estabelecem como resultado do exame e
do estudo dos dados que a comunicação apresenta.
Cada uma das metodologias indica algumas técnicas preferenciais. Com a
Análise de Conteúdo, iremos classificar conceitos e proceder à categorização.
Pretendemos conhecer esquematicamente, através de determinadas categorias,
sejam a priori ou sejam emergentes (a posteriori), quando o próprio conteúdo
documental apresenta categorias recursivas inesperadas. Buscamos identificar, nos
vários tipos de conteúdo, decretos e leis governamentais referentes à área cultural, à
museal em particular e seus documentos, planos diretores, projetos, folhetos, artigos
e trabalhos científicos, como dissertações e teses a eles referentes, mapeando as
compatibilidades, incompatibilidades, elementos de natureza técnica e dos
74
conteúdos conceituais, bem como as possíveis soluções de continuidade no que
tange ao desenvolvimento da filosofia manifesta ou latente nos conteúdos.
Na seleção das unidades de análise, consideramos a importante
repercussão que tiveram os documentos em cada época, pensando que possam
trazer aspectos relevantes para a compreensão e mesmo para a inferência do nosso
objeto empírico; não sendo, portanto, uma escolha aleatória. Examinaremos
documentos que estejam relacionados ao paradigma que estamos chamando de
“tradicional”, conforme discutimos, caracterizado em nosso referencial teórico, e
outros que relacionados ao paradigma novo, que se caracteriza pelas
transformações ocorridas, principalmente a partir de um trabalho integrado ao
entorno e na comunidade, dando voz a essa comunidade. Procurando, dentro do
possível, fazer o museu com eles e não para eles, o que também está caracterizado
em nosso referencial.
Os documentos de legislações federais serão examinados com o objetivo de
mostrar o nascimento da área museológica no mesmo momento em que nasce a
burocracia brasileira de Estado, estabelecendo a conexão interna e a identidade
estrutural entre os mesmos. Os documentos do Rio Grande do Sul são os seguintes:
Guia da FAMURS-CODIC e Subsídios para o Programa FAPERGS de Apoio a
Museus, ambos do ano 2000, com o objetivo de verificar avanços, coerência e a
compatibilidade, ou a falta delas, comparando os documentos com os quadros de
tipologia ideal que construímos.
75
Quadro 1 – Referências dos documentos para análise:
Unidades de Análise Data
Características
I. Lei federal cria o curso de Museus em 1932; tradicional
II. Decreto-Lei organiza o curso, 1944; inovadoras
III. Decreto aprova, 1944; contemporânea
IV. Decreto, Regimento, 1966; tradicional
V. Política Nacional de Cultura, 1975; tradicional
VI. Lei Regulamentação da Profissão, 1984; tradicional
VII. Oficina Famurs/CODIC, 2000; contemporânea
VIII Subsídios para Programa FAPERGS de Apoio a Museus; contemporânea
IX. Lei federal patrimônio imaterial de 2000; contemporânea
X. Plano Diretor dos Museus (ou equivalentes) selecionados. “Folders” tradicional
Os documentos, que compõem o quadro das unidades de análise, vão trazer
aspectos do nosso objeto empírico, por isso foram selecionados para formar o
“corpus” de análise. Examinamos documentos que estejam relacionados ao
paradigma tradicional e ao paradigma contemporâneo, que inclui várias tendências
na museologia, incluindo a Nova Museologia. Evitamos usar a denominação Nova
Museologia porque aceitamos que a museologia é uma única ciência, os teóricos
debatem entre idéias e várias novas tendências, assim definidos no capítulo dois.
Escolhemos esses documentos por trazerem informações atinentes ao nosso
problema, à preocupação com a formação de uma identidade da área museológica e
porque pensamos que podem apresentar alguma mudança de enfoque
paradigmático, como estamos denominando, da museologia tradicional para uma
museologia contemporânea, pelo menos no âmbito teórico. A partir da análise dos
documentos, emergiram categorias que ligarão essa etapa da pesquisa com as
próximas de descrição e análise. As unidades de análise foram selecionadas entre
documentos oficiais de caráter público do governo federal brasileiro, fonte da
perspectiva da história oficial; documentos da instância governamental estadual e
uma seleção de documentos referentes aos museus escolhidos para a amostra.
Esses documentos estão no lugar do “emissor” e a mensagem é o próprio conteúdo
(teor) de cada documento. A característica principal de cada um deles, mostrada no
Quadro 1, foi atribuída à priori da análise.
76
Quadro 2 – Formação dos OM – operadores museais pesquisados.
4.2.2 Método Tipológico Ideal Weberiano
O Método Tipológico Ideal Weberiano centra-se nas relações existentes
entre os fenômenos análogos, apontando-se suas diferenças e semelhanças.
Para Schneider (1998), ao comentar o método tipológico na forma como é
compreendido por Max Weber, o mesmo tem por objetivo identificar as conexões
causais existentes entre determinados conjuntos de condições passíveis de serem
associadas aos fenômenos estudados.
A análise comparativa, realizada através desse todo, centra-se nas
relações existentes entre fenômenos análogos, propiciando apontar diferenças e
semelhanças. Com a análise comparativa, podemos descobrir regularidades,
perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias. Ele leva à
apreensão do sentido ou à conexão de sentido implícita em uma determinada ação.
Diz Schneider (1998) que o método que melhor possibilita desvendar o sentido
subjetivo das ações é o método tipológico ideal. Aplicado na análise de uma ação
histórica particular, na interpretação de uma massa de casos, que seria o caso de
uma análise quantitativa, como média aproximada ou na construção de um tipo
ideal, que é o nosso propósito. O autor comenta Max Weber quando nos diz que: “A
explicação sociológica, na forma como é compreendida por Weber, tem por objetivo
Cargo Formação
OM 4 História
OM 4 História
OM 3 Sociologia
OM 3 Pedagogia
OM 2 Letras
OM 4 Pedagogia
OM 5 Biblioteconomia
OM 2 História
OM 1 Administração
OM 1 Letras
77
identificar as conexões causais existentes entre determinados conjuntos de
condições, passíveis de serem associadas ao fenômeno estudado” (SCHNEIDER,
p.72,1998).
Confrontando as categorias por nós construídas, para o “tipo ideal” com os
dados encontrados na pesquisa empírica, que vão caracterizar o paradigma museal
tradicional ou o paradigma museal contemporâneo, construiremos um terceiro
quadro, no qual buscaremos verificar como poderão ser classificados os museus
dentro da nossa investigação. Nos dois quadros abaixo listamos os itens
selecionados para a tipologia ideal.
Quadro 3 Representação de categorias que irão tipificar o que chamamos de
museu tradicional, do paradigma tradicional.
Objetivo - Guardar, expor, preservar e ampliar suas coleções;
- Relembrar o passado por ele mesmo;
- Ser atemporal e estático.
Temática - Transmitir a Cultura e a História, estabelecendo um divórcio entre o
museu e a realidade, adquirindo uma forma subjetiva.
Exposição - Os objetos musealizados ficam fora de contexto; são acabados,
prontos, mostram um mundo sem conflitos. Exposição “Permanente”.
Espaço - Fechado; nada é permitido; em geral é imposto ao público um
percurso rígido;
- Elitista.
Usuário -
Público passivo, exige certo nível de formação intelectual para ser
lido, oferece uma mera observação acrítica ao observador;
- Ignora as necessidades e interesses da comunidade (usuários).
Organização - Técnicos e especialistas de áreas afins;
- Trabalhos dispersos e fragmentados.
História e
Cultura
- Para a elite, com limitações teóricas;
- História nacional homogênea;
- Identidade nacional única.
78
Quadro 4 Representação das categorias que irão tipificar o que esperamos
encontrar nos museus que adotam os preceitos do novo paradigma da museologia
contemporânea.
Objetivo - Ser um instrumento de desenvolvimento comunitário, tanto urbano
quanto rural, com uma perspectiva dinâmica e aberta ao futuro.
Temática - Criada em função do Patrimônio Coletivo;
-
Não é um fim em si mesma, cria significado em razão do papel que
possa ter ao servir à determinada comunidade.
Exposição - Os objetos musealiz
ados permanecem em seu espaço natural,
sempre que possível em seu contexto ou com o contexto recriado;
-
Confronta o Homem com sua História, com o meio ambiente natural e
cultural.
Espaço - Recebe influência do lugar, os museus podem ser constituídos em
locais adaptados ou construídos pela comunidade ou até em espaços
abertos (ecomuseus).
Usuário - A comunidade ou/e o bairro constituem sujeito e objeto do museu.
São grupos de composição heterogênea e com uma solidariedade que
advém das necessidades presentes.
Organização
- Os técnicos e especialistas auxiliam com algumas propostas e não
têm o direito de tomar decisões isoladas;
- Utiliza uma Pedagogia total.
História e
Cultura
- Busca o Patrimônio Cultural, material e imaterial, comunitário com
participação coletiva;
- Pesquisa e guarda a História em função das necessidades atuais da
sociedade.
4.3 SITUAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DO PARADIGMA TRADICIONAL NA
CULTURA MUSEAL BRASILEIRA
Iniciamos a nossa análise com aspectos do contexto vigente à época da
constituição da área museal brasileira com as bases sociais e políticas, ou seja, a
“situação histórica” referida por Merton em 1979, em que Merton faz uma revisão
das categorias primeiramente feitas por Mannheim. Foram essas categorias que
usamos como uma verdadeira bússola em nossa análise.
79
Quadro 5 - Sistema de Análise para a Sociologia do Conhecimento (Merton,1979)
Categorias de análise para a Sociologia do Conhecimento.
1. Onde está situada a base existencial das produções mentais?
a) Bases sociais: posição social, classe, geração, papel ocupacional, modo de produção,
estruturas de grupo (universidade, burocracia, academias, seitas, partidos políticos), “situação
histórica”, interesses, sociedade, afiliação étnica, mobilidade social, estrutura de poder,
processos sociais (competição, antagonismo, etc.).
b) Bases culturais: valores, “ethos”, clima de opinião, tipo de cultura, mentalidade de cultura, etc.
2. Que produções mentais estão sendo analisadas sociologicamente?
a) Esferas de: crenças morais, ideologias, idéias, categorias de pensamento, filosofia, crenças
religiosas, normas sociais, ciência positiva, tecnologia, etc.
b) Que aspectos são analisados: sua seleção (focos de atenção), vel de abstração, suposições
prévias (o que se toma como dados e o que se toma como problemática), conteúdo
conceptual, modelos de verificação, objetivos da atividade intelectual etc.
3. Como se relacionam as produções mentais com a base existencial?
a) Relações causais ou funcionais: determinação, causa, correspondência, condição necessária,
condicionamento, interdependência funcional, interação, dependência, etc.
b) Relações simbólicas, orgânicas ou de sentido: consistência, harmonia, coerência, unidade,
congruência, compatibilidade (e antônimos); expressão, realização, expressão simbólica,
identidades estruturais, conexão interna, analogias estilísticas, integração lógico-significativa,
identidade de sentido etc.
c) Palavras ambíguas para designar relações: correspondência, reflexo, entrelaçamento,
conexão estreita, etc.
4. Por quê? Funções manifestas e latentes atribuídas às produções mentais
existencialmente condicionadas.
a) Conservar o poder, promover a estabilidade, orientação, exploração ou aproveitamento,
relações sociais reais obscuras, proporcionar motivos, canalizar a conduta, desviar a crítica,
desviar a hostilidade, proporcionar tranqüilidade, controlar a natureza, coordenar as relações
sociais, etc.
5. Quando predominam as relações atribuídas à base existencial e ao conhecimento?
a) Teorias historicistas (limitadas às sociedades ou culturas particulares).
b)
Teorias analíticas gerais.
Iniciamos a nossa investigação documental no ano da criação do primeiro
Curso de Museus no Rio de Janeiro, 1932, buscando perceber a formação do
paradigma tradicional da museologia brasileira. Estamos de acordo com o que diz
Moraes (1999), quando afirma ser sempre útil agregar algumas características do
80
contexto em que cada documento foi criado, mesmo sabendo que é impossível
reconstruir todas as condições que coexistem, precedem ou sucedem a mensagem
no tempo e no espaço (MORAES, 1999). A nossa base para análise vem de
subsídios encontrados no Sistema de Análise, para a sociologia do conhecimento de
Merton, no Quadro 5.
Os primeiros anos da era Vargas deram fim à Primeira República e foram de
governo provisório, isto é, sem Constituição. Somente em 1933, é que a Assembléia
Constituinte redigiu uma nova constituição, que foi promulgada em julho de 1934,
nascendo, então, um novo tipo de Estado. Em 1935, Vargas suspendia as garantias
dessa Carta com o Estado de Sítio. Novos tempos no Brasil, busca de uma unidade
nacional. O governo brasileiro fazia esforços para se firmar. Desde o início, os
integrantes do governo preocuparam-se com a educação. A meta era criar uma elite
preparada, bem como tinha sido feito no início do século no Rio Grande do Sul
durante o governo positivista. Boris Fausto (2000) escreve que, desde a década de
20, partia dos estados da federação em direção ao governo da República, uma
reivindicação de reforma na educação. Com o governo provisório de 1930, houve
uma inversão do vetor do centro para a periferia. A educação foi envolvida pela
ideologia centralizadora; o marco, que corroborava essa centralização, foi a criação
do Ministério da Educação e Saúde em novembro de 1930. A política educacional foi
entregue nas mãos de jovens políticos mineiros, entre eles Francisco Campos que
se tornou o primeiro a ocupar o ministério entre 1930 e 1932. Nesse período,
realizaram-se muitas ações em prol do ensino superior e secundário, o governo deu
condições para que fossem criadas as universidades. Com decretos em abril de
1931, foi reorganizada a Universidade do Rio de Janeiro e estabelecido o Estatuto
das Universidades Brasileiras. O primeiro Curso de Museus:
XI. Decreto n. 21.129 – de 7 de março de 1932
Cria no Museu Histórico Nacional o “Curso de Museus”
Governo Provisório da República dos Estado Unidos do Brasil, usando da
atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro
de 1930, resolve:
Art. Criar no Museu Histórico Nacional um “Curso de Museusdestinado
ao ensino das matérias que interessam a mesma instituição.Art. 2º O Curso,
a que se refere o artigo anterior, constará das disciplinas abaixo
discriminadas, distribuídas por dois anos letivos, de acordo com a seriação
seguinte:
81
Ano: História política e administrativa do Brasil (período colonial).
Numismática (parte geral). História da arte (especialmente do Brasil).
Arqueologia aplicada ao Brasil.
Ano: História política e administrativa do Brasil (até a atualidade).
Numismática (brasileira) e sigilografia. Epigrafia. Cronologia. Técnica de
Museus.
Parágrafo único. Os exames de que trata este artigo serão prestados
perante uma banca examinadora constituída pelos professores do curso,
sob a presidência do diretor. Observar-se-á no julgamento das provas o
processo seguido nos estabelecimentos superiores de ensino. [...]
Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 7 de março de
1932, 111º da Independência e 44º da República. Getúlio Vargas.
Das Condições de Admissão
Art. 4º O candidato a matrícula no Curso de Museus deverá ter curso
secundário completo (ginasial e colegial).
O currículo do curso é fruto do contexto político mencionado, e a trajetória
das instituições museais vem, desde aí, imbricada com as políticas governamentais
brasileiras. O curso de museus foi criado exclusivamente para servir às
necessidades do Museu Histórico Nacional, que foi organizado por Gustavo Barroso
em 1920. Barroso incorporou à política do museu o discurso nacionalista,
conservador e elitista do governo central. Esse é o modelo de discurso museal (em
cada Estado), matriz do paradigma tradicional, e, por longo tempo hegemônico, que
estamos questionando e investigando.
Nossa atenção é logo dirigida para a verificação do nível do curso; mas não
é explicitado se é um curso técnico de nível médio ou de nível superior, ficando-se
em dúvida. No decreto de 1944, esse detalhe fica esclarecido quando, no artigo 4º,
dá as condições para a admissão.
Os esforços, feitos para construir uma Educação inovadora vindos com a
Reforma Campos
25
, que regulava currículos e dava outras providências para elevar
o nível muito baixo das instituições, não resistiram ao regime autoritário, implantado
em 1937, quando Vargas foi eleito presidente indiretamente e outorgou uma carta
constitucional “dura”, apelidada de “A polaca”. O Curso de Museus, pioneiro da
América Latina na área da cultura, foi regulamentado em 1944 na vigência da
Polaca, como podemos verificar:
25
Roberto Campos anos depois, em 1964, seria Ministro do Planejamento do governo militar de Castelo Branco.
82
II. Decreto-Lei N. 6.689 – De 13 de julho de 1944
Dispõe sobre a organização do Curso de Museus, no Ministério da
Educação e Saúde, e dá outras providências;
O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo
180 da Constituição.
Das Finalidades: Preparar pessoal; transmitir conhecimentos
especializados; incentivar o interesse pelo estudo da história do Brasil e da
arte nacional; fixa valores das gratificações dos professores; abre crédito no
ministério; dispõe sobre bolsas de estudo.
Rio de Janeiro, em 13 de julho de 1944, 123º da Independência e 56º da
República. Getulio Vargas. Gustavo Capanema.
Esses decretos-leis dizem respeito ao ensino da museologia no Brasil.
III. Decreto nº 16.078, de 13 de julho de 1944.
Aprova o Regulamento do Curso de Museus a que se refere o Decreto-Lei
6.689, de 13 de julho de 1944. O Presidente da República, usando da
atribuição que lhe confere o artigo 8º do Decreto-lei n.º 6.689, de 13 de julho
de 1944, o qual com este baixa, assinado pelo Ministro da Educação e
Saúde
Das finalidades: preparar pessoal habilitado; transmitir conhecimentos
especializados; incentivar o interesse no estudo da História do Brasil.
Da organização: três séries correspondentes a três anos letivos, divididos
em duas partes: Parte Geral e Parte Especial, as disciplinas da série: 1.
História do Brasil Colonial, 2. História da Arte, 3. Numismática, 4. Etnografia,
5. Técnica de Museus (parte geral). série: 1. História do Brasil
Independente; 2. História da Arte Brasileira, 3. Numismática Brasileira, Artes
Menores, Técnica de Museus (parte básica). série: 1. História Militar e
Naval do Brasil, 2. Arqueologia Brasileira, 3. Sigilografia e Filatelia, 4.
Técnica de Museus (parte aplicada).
1º A disciplina Técnica de Museus (parte geral) da 1ª série terá como
introdução o estudo das finalidades sociais e educativas dos museus e
compreenderá os seguintes tópicos: - organização, arrumação,
classificação, catalogação, adaptação de edifícios e noções de restauração.
a disciplina Técnica de Museus (parte básica) da série, terá como
introdução o estudo da cronologia e compreenderá as noções básicas de
epigrafia, paleografia, diplomática, iconografia e bibliografia.
a disciplina Técnica de Museus (parte aplicada) da série, será
especializada e constará da aplicação dos estudos feitos nas demais
disciplinas aos problemas inerentes, respectivamente, aos museus
históricos e de belas artes.
Das Condições de Admissão
Art. 4º O candidato a matrícula no Curso de Museus deverá ter curso
secundário completo (ginasial e colegial).
Art. 7º Parágrafo único. Quando o número de candidatos à matrícula for
superior ao das vagas será feito exame vestibular compreendendo: História
Geral; História do Brasil; Geografia do Brasil; Línguas Estrangeiras, a
escolher duas dentre as seguintes: Francês, Inglês, Alemão e Italiano.
Somente em 1944, foi efetivada a organização do Curso de Museus criado
em 1932. O curso tem as finalidades bem definidas: preparar pessoal habilitado e
especializado, sem delimitar exclusividade para o Museu Nacional, aumentando em
um ano letivo sua duração de dois para três anos. O exame de admissão por meio
83
de vestibular pede duas línguas estrangeiras. Nota-se um aprimoramento na grade
de disciplinas, é mais abrangente do que o primeiro de 1932. Em 1944, trazia o
que hoje chamaríamos de multidisciplinaridade, com disciplinas teóricas e uma parte
aplicada (prática). Mas, de toda maneira, podemos entender como uma continuidade
da política educacional de 1930. E podemos ir além, inferindo que o primeiro curso
havia “dado certo”, por esse motivo valia à pena a organização governamental mais
elaborada.
Em conformidade com o referencial de análise, podemos observar que, na
situação histórica da República na qual a burocracia estava sendo instituída, nasce
o curso de museus no cerne da burocracia cnica do Estado. Regulamentado o
curso, fortaleceram-se os museus, tudo isso partindo do projeto de promover a
Cultura e a Educação para a formação das elites intelectuais republicanas. A
Educação e a Cultura ficam juntas no MEC, a Saúde toma seu próprio rumo. A base
social de produção, portanto, como demonstrado através das Constituições, foi a
estrutura de poder.
Em 1946, depois do conflito da II Grande Guerra Mundial, a carta
constitucional brasileira promulgada inseria o Brasil no modelo liberal-democrático.
No ano de 1966, depois de decorridos 22 anos da organização do curso, foi criado o
regimento do Curso de Museus, isso ocorreu na vigência da Carta de 1946,
Constituição que se estendeu até 1967.
Decreto nº 58.800 de 13 de julho de 1966.
Das disciplinas lecionadas
Entra na 1ª série na História da (Arte da Pré-História à Idade Média);
Na 2ª série História da Arte (do Renascimento à Época Moderna);
História da Arte Brasileira;
Na 3ª série entra a Metodologia de Pesquisa Museológicas.
É criada uma seção de Museus Artísticos. 1. História da arquitetura, 2.
História da Pintura e Gravura, 3. História da Escultura, 4. Arqueologia
Brasileira, Arte Indígena e Arte Popular, 5.Técnica de Museus (parte
aplicada), Metodologia de Pesquisas Museológicas.
Art. 9º Além do Curso de Museus, poderão ser ministrados, ainda, os
seguintes:
a)Curso de Zelador de Museus 1 ano de duração; b) Curso de Auxiliares
de Restauração e Conservação 1 ano de duração; e c) Cursos diversos,
destinados a especialização profissional de museólogos 1 ano de
duração.
84
No decreto do ano de 1966, nota-se que o curso é bem melhor estruturado,
com a cadeira de metodologia da pesquisa, que até hoje faz parte da grade das
especializações brasileiras. A aprovação do regimento veio 24 anos depois da
organização e do funcionamento desde 1932.
Decreto nº 58.800 de 13 de julho de 1966.
Aprova o Regimento do Curso do Museu Histórico Nacional. Brasília, 13 de
julho de 1966; 145º da Independência e 78º da República.
H. Castello Branco. Raymundo Moniz de Aragão (sic)
Art. 1º O Curso de Museus (C.M.) a que se refere o art. 8º, do Decreto-lei
6.689, de 13 de julho de 1944, é um estabelecimento de ensino superior (
acordo com convênio firmado com a Universidade do Brasil, em 12-7-51),
constituindo a Divisão de Curso de Museus, do Museu Histórico Nacional,
prossegue igual nas finalidades, muda:
Art.3º Os alunos que concluírem o Curso de Museus receberão diploma de
museólogos.
Aparece nesse decreto, no Art. 3º, o título da profissão de museólogo pela
primeira vez. Na terceira série, aparece a Metodologia de Pesquisa Museológica.
Notamos no documento o cuidado de prever a qualificação de toda a equipe e não
apenas dos museólogos; é pensada a formação desde a zeladoria com cursos em
nível médio até a especialização dos museólogos. Nos cursos atuais, tanto de
graduação como a especialização da PUCRS, que detalhamos o currículo, essa
abrangência foi suprimida.
A primeira graduação gaúcha foi organizada na Universidade Federal de
Pelotas UFPEL com a idéia de promover a multidisciplinaridade, com
abrangência das áreas de artes, história, filosofia, ciências naturais e tecnologia.
Hoje, não preocupação com zeladoria; poderíamos fazer uma analogia com os
mediadores ou monitores das exposições atuais, porém resultaria forçado. A
zeladoria pressupõe um direcionamento maior para a segurança dos acervos.
Criado o Capítulo xi das penalidades. Art. 44. Capítulo Xii do diretório
acadêmico, cinco (05) discentes eleitos por colegas, reconhecido pela
direção como órgão representativo da classe; dispõe sobre direitos; da
eleição, voto obrigatório, não comprovando fica privado de prestar provas
parcial ou final.
Entretanto, na regulação do Diretório Acadêmico, a função manifesta
encobre a função latente na rigidez da obrigatoriedade do voto e na previsão de
punição severa ao aluno infrator, é a voz do autoritarismo que fala. A presidência da
85
República foi a fonte autoritária do documento. Decreto assinado por Humberto
Castello Branco, primeiro presidente pós-Golpe Militar de 1964. Dispõe sobre o
diretório acadêmico e vai fundo na regulação das punições. O diretório acadêmico é
a instância em que o corpo discente organiza suas políticas. No documento, o
especial cuidado com a regulamentação de penalidades, poderíamos dizer à
maneira “castrense”.
Depois de vários momentos na política governamental dos presidentes
militares, de arrocho e de distensão, chegamos ao momento da abertura, que um
dos presidentes chamou “lenta e gradual”. Na presidência de Ernesto Geisel, foi
criada uma política para a cultura brasileira, dispondo sobre não intervenção,
assegurando liberdade de expressão; sendo importante avaliar o documento para
entender os vários momentos que formam a situação histórica que sedimentou e
sedimenta a cultura brasileira:
V. Política Nacional de Cultura, 1975.
Ministério da Educação e Cultura. Departamento de Documentação e
Divulgação, Brasília, DF – 1975. Presidente Ernesto Geisel. Ministro da
Educação e Cultura Ney Braga
5.1 Apresentação (p.5):
Procura definir e situar, no tempo e no espaço, a cultura brasileira exprime
idéias e programas, revela as formas de ação.
Objetivos: São Cinco: Apoiar e incentivar as iniciativas culturais de
indivíduos e grupos e de zelar pelo patrimônio cultural da Nação, sem
intervenção do Estado, para dirigir a Cultura.
“[...] irregular e exígua formação dos profissionais com conhecimentos
específicos, tanto qualitativa como, quantitativamente tem determinado em
grande parte, as dificuldades enfrentadas para dinamizar e desenvolver as
atividades no âmbito da cultura” (p.29)
O propósito de trazermos a apresentação e o elenco de cinco objetivos
dessa política é chamar atenção sobre o que compreendemos do conteúdo da
mesma. A Política Cultural de 1975, formulada pelo governo autoritário do período
militar, representa a determinação de canalizar a conduta da sociedade em suas
iniciativas culturais. Até que nós brasileiros chegássemos às portas da Democracia,
precisariam transcorrer mais dez longos anos, de 1975 a 1985. Na época da
transição é que a profissão de museólogo foi regulamentada. O Estado brasileiro,
em muitos momentos, foi autoritário; a cultura, nesses períodos de uma maneira
geral, tem a liberdade de ação e criação regulada ou, no mínimo “observada”. No
caso da ditadura militar de 1964 até meados de 1985, houve muita violência social,
86
política e cultural. A organização e regulamentação de uma categoria profissional, de
número reduzido de integrantes, são deveras surpreendentes.
VI Decreto nº 91.775, de 15 de outubro de 1985.
Regulamenta a Lei 7.287, de 18 de dezembro de 1984, que dispõe sobre a
profissão de Museólogo e autoriza a criação do Conselho Federal e dos
Conselhos Regionais de Museologia.
Capítulo II Da Profissão de Museólogo. Art. O exercício da profissão de
museólogo é privativo: I - dos diplomados em Bacharelado ou Licenciatura
Plena em Museologia, por escolas ou cursos devidamente reconhecidos
pelo Ministério da Educação;
II - dos diplomados em Mestrado e Doutorado em Museologia, por escolas
ou cursos devidamente reconhecidos pelo Ministério da Educação.
III – dos diplomados em Museologia por escolas estrangeiras [...]
IV dos diplomados em outros cursos de vel superior que, em 18 de
dezembro de 1984, ontem, pelo menos, 5 cinco anos de exercício de
atividades técnicas de Museologia, devidamente comprovados.
Parágrafo único dispõe sobre o item IV.
Art 3 sobre as atribuições do museólogo.
Nos documentos, que escolhemos para analisar na ocasião em que
formamos o corpus da pesquisa, optamos por leis e decretos de competência
federal. Outros documentos tiveram origem no Estado do RS, como unidade da
federação, ou seja, foram criados aqui. Um deles é Guia FAMURS (2000) e foi
criado para subsidiar as Prefeituras do interior do Estado, para que seus primeiros
direcionamentos fossem no sentido objetivo de criar instituições qualificadas e
minimamente organizadas, com decreto de criação, programa para valorização do
Turismo Cultural e outras providências. A justificativa para a FAPERGS é outro
documento exemplar, com características inusitadas e inéditas. A lamentar que, na
democrática alternância do poder, os acertos não tenham avaliação e
prosseguimento.
Guia FAMURS, 2000.
Educação Patrimonial
Definição
É um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado
no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento, nesse sentido
é um instrumento de “alfabetização cultural” pois permite o conhecimento e
a apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio, reforçando
o sentimento de identidade e cidadania.
Consiste em provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e
seus produtos e manifestações, que despertem nos indivíduos o interesse
em resolver questões significativas para sua vida pessoal e coletiva, além
de proporcionar lazer e entretenimento. Acompanha o guia uma relação dos
endereços eletrônicos para a área e um glossário básico.
Museu e Turismo - Os museus devem integrar um projeto responsável de
desenvolvimento sustentável através do turismo cultural, que servirá à
população local no processo de integração
entre o turismo e a ação social das comunidades envolvidas [...].
87
O objetivo o foi o de dar uma receita acabada de fazer um museu; as
instruções normativas objetivaram a construção de museus com um mínimo de
qualidade; orientavam para o que o município aproveitasse todas as oportunidades
para o museu desenvolver o seu papel de recurso de comunicação e de lazer, a ser
usado por todos os setores da população ou grupos especializados, aos quais ele
tem por objetivo servir. Essa ação caracteriza-se como de uma política museológica
contemporânea. Consistiu-se de um caderno impresso e um conjunto de aulas
expositivas e dialogadas, ministradas pelos profissionais da capital, para os gestores
culturais dos municípios da federação (FAMURS), que podiam interagir, levantando
questões e dúvidas. Houve uma única edição, apesar de ter tido boa aceitação.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul é órgão oficial.
Criada em 1964, a FAPERGS é a agência de fomento ao desenvolvimento científico
e tecnológico do Rio Grande do Sul, de acordo com as políticas fixadas para o setor.
Vinculada à Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia, é mantida por recursos
do Tesouro do Estado, conforme lei 9.103 de agosto de 1990, e provenientes de
convênios ou de parcerias. No ano de 2000, através do SEM, Sistema Estadual de
Museus, foi elaborada uma justificativa para estabelecimento de edital, criando
linhas de financiamento para pesquisa em museus, o que foi feito:
II. Subsídios para Programa FAPERGS de Apoio a Museus
Com as novas perspectivas de trabalho em museu, e da própria instituição
museal, muito se tem falado na ampliação das atividades museológicas,
debate-se principalmente, junto com outras questões, como educação
patrimonial, o desenvolvimento de pesquisa ligada aos acervos, mas pouco
se tem feito, na prática, a este respeito. Com raras exceções, os museus
não fomentam, em seu interior, a pesquisa.
Como houve o crescimento do número de museus, também se registra a
preocupação com o desenvolvimento dos profissionais desses museus. As decisões
dos runs posteriores continuavam pleiteando a busca de pessoal técnico
especializado, os debates, a pesquisa e até mesmo de sugestões de que a
FAPERGS desenvolvesse um plano de fomento especial, beneficiando diretamente
os museus, tanto fisicamente como nos recursos humanos e na pesquisa.
Esta transformação acontecerá com a busca através da pesquisa de
novos paradigmas para a museologia e a escolha de um marco teórico
comprometido com a filosofia do museu, e com a perspectiva de trabalho
88
dos trabalhadores deste. Para transformar a realidade dos museus
gaúchos, deixando de ser depósitos de coisas velhas para um local de
relação, e de produção do conhecimento a fim de construir uma nova prática
social, o financiamento de linhas de pesquisa torna-se de suma importância.
Diretrizes Gerais
A política cultural na área de Museus tem abordado os mais amplos
aspectos de atuação dos setores públicos e privados. Temos hoje 85% dos
museus cadastrados junto ao Sistema Estadual de Museus, de um total de
200 existentes, o que possibilitou coletar um conjunto de informações que
orienta as ações de governo como indutor das políticas nessa área.
A ação da SCT/Fapergs e SEDAC/Sistema Estadual de Museus, vem
buscar estabelecer um paradigma novo na política do setor em nível
nacional, pois o escassos os recursos ou programas existentes que
busquem a qualificação das instituições museológicas. Outro aspecto que
torna essa política ímpar é a própria articulação entre setor da ciência e
tecnologia com a área cultural.
Esse programa de apoio a museus deverá ter um caráter abrangente,
abordando os diferentes aspectos que envolvem o campo museológico de
nosso Estado. Desta forma, irá contemplar as diferentes instituições, na
diversidade regional e em tipologia. Para tanto, os recursos disponibilizados
nesse programa de R$ 2.000.000,00 deverá ser desdobrado em projetos de
até R$100.000,00, possibilitando assim qualificar os diferentes aspectos de
atuação das instituições museológicas, quais sejam:
1) Qualificação dos Acervos, pesquisa, conservação, aquisição;
2) Qualificação da linguagem museográfica;
3) Qualificação Profissional.
A qualidade técnica dos projetos, além de abordar os itens anteriores,
deverá ter como referência a parceria das universidades com as instituições
que não dispõe de técnicos dentro dos parâmetros estabelecidos pela
Fapergs ( Mestres ou Doutores).
O edital teve êxito, a parceria, Ciência e Tecnologia, poderia ter sido
estendida com edital anual, ou mesmo bi-anual, mas ficou com uma única edição;
mostra falta de avaliação para mais longe do que a instância da política partidária.
A diversidade cultural vem sendo valorizada e a conseqüente produção de
uma sociedade, em que diversidade cultural, é a riqueza de sua expressão,
observada nas artes, nos artesanatos, nas lendas, na culinária regional. O
patrimônio cultural de uma sociedade pode ser de conteúdo tangível, intangível,
tridimensional, material, imaterial, e é passível de proteção. O Brasil, país
reconhecido como culturalmente heterogêneo, foi um dos pioneiros na regulação do
Patrimônio Imaterial Brasileiro. A Lei do Governo Federal da República do Brasil
antecipou-se, inclusive, aos órgãos internacionais que criaram leis de proteção dos
bens imateriais bem mais tarde que o Brasil. No ano de 2000, a presidência da
República, fez publicar:
89
Decreto de Bens de Natureza Imateriais. Brasília, 4 de agosto de 2000
Art. 1
o
Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
que constituem patrimônio cultural brasileiro. § 1
o
Esse registro se fará em
um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e
modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas
que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do
entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras,
santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem
práticas
culturais coletivas. Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural determinar a abertura, quando for o caso, de novo Livro
de Registro, em atendimento ao disposto nos termos do § 3
o
do art. 1
o
deste
Decreto.
Art. 6
o
Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao
IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a
instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. 7
o
O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo
menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio
Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro,
como referência cultural de seu tempo.
Art. 8
o
Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política
específica de inventário, referenciamento e valorização desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de
noventa dias, as bases para o desenvolvimento do Programa de que trata
este artigo.
Art. 9
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 4 de
agosto de 2000; 179
o
da Independência e 112
o
da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Francisco Weffort
4.4 AS CONTRIBUIÇÕES DOS OPERADORES MUSEAIS ENTREVISTADOS
Os Operadores de Museus (OM), que participaram da pesquisa, assinaram o
Termo de Consentimento (Apêndice A), que foi lido, explicado e assinado pelos
mesmos e pelo pesquisador, permanecendo uma cópia com o pesquisador.
Os participantes da pesquisa foram representados pelas letras iniciais de
sua profissão: OM, sendo colocado à direita das letras um número que variou do
número 1 ao número 5, simbolizando a instituição; o segundo número representa o
90
profissional, indo de 1 até 4. Ficaram assim denominados: OM1; OM2; OM3; OM4;
OM5 e representando o profissional de 1 a 4, assim como: (OM1.2).
4.4.1 Organização Dos Dados Empíricos
Os dados recolhidos com as entrevistas foram organizados e interpretados
por meio da Análise de Conteúdo, conforme Moraes (1999), por constituir-se num
esforço para aprofundar a compreensão de um texto ou de um conjunto de textos,
podendo gerar um novo texto, tanto descritivo como interpretativo. Segundo o autor,
para a realização da análise, utilizam-se tanto aspectos verbais como não verbais. A
análise de conteúdo é um método de análise de dados de uma pesquisa, utilizado
para descrever e interpretar o conteúdo de toda a classe de documentos e textos
(discursos). Essa análise, antecedida de descrições metódicas e qualitativas, ajuda a
reinterpretar as mensagens e a atingir uma concepção de seus significados num
grau que vai além de uma leitura comum;
Como método de investigação, a Análise de Conteúdo compreende
procedimentos especiais para o processamento de dados científicos. É uma
ferramenta, um guia prático para ação, sempre renovada em função dos
problemas cada vez mais diversificados que se propõe a investigar
(Moraes1999, p. 15).
Moraes (1999) escreve que os dados são decifrados pelo pesquisador de
forma muito própria, de acordo com sua percepção e visão de mundo. Propõe, para
o desenvolvimento do processo de análise de conteúdo, cinco etapas que são:
1ª) preparação das informações;
2ª) unitarização ou transformação do conteúdo em unidades;
3ª) categorização ou classificação das unidades em categorias;
4ª) descrição;
5ª) interpretação.
91
Na presente investigação, as unidades de significado foram classificadas de
acordo com as categorias vinculadas ao objetivo da pesquisa, e estão apresentadas
a seguir, no Quadro 6.
Quadro 6 – Categorização dos Dados e Seus Temas
Categorias Temas
1. Relação entre a formação e o cargo
ocupado no museu (qualificação ou status
político)
Acesso,
Qualificação X Status político X
Crescimento profissional
2. Formas ou instrumentos que o museu se
utiliza para cumprir sua função (missão ou
objetivos)
Instrumental teórico e técnico
3. Relação entre planejamento, gestão e
políticas culturais, sociais e econômicas
(dificuldades, obstáculos...)
Relação: Gestão - Planejamento e
Rupturas – Mudanças
4. Fatores ou condições externas que se
refletem na eficácia ou eficiência do papel que
o museu deveria desempenhar
Desempenho e Eficiência (administrativa
e outras)
4.4.2 Relação entre a formação e o cargo ocupado no museu, qualificação ou
status político
Essa categoria diz respeito às formas como são estruturados os grupos de
funcionários das instituições museais em Porto Alegre e como se a relação das
bases sociais com o papel ocupacional, desses operadores de museus (OM). Existe
uma aura de sofisticação ao redor de quem trabalha em cultura, mais
particularmente com museus, é uma função latente em relação à posição social do
operador de museus. O charme da profissão é comum à relação simbólica com Arte,
com pinturas, com quadros, com o ambiente impregnado de significados, que atinge
cada usuário de uma maneira própria. Os museus, na verdade, têm uma grande
variedade tipológica; o museu de Arte é apenas uma das tipologias possíveis. Em
Porto Alegre, entre 68 museus, existem dois museus dedicados às Artes. um
Centro Cultural de uma organização bancária de capital internacional, que trabalha
expondo Arte Contemporânea; neste sentido é um museu sem acervo, recebe
92
exposições itinerantes. A grande variedade de tipologias de acervos e museais é
uma dificuldade própria da Museologia internacional para codificar normas de
classificação, registro e numeração. Diferente da Biblioteconomia, que, com a
Arquivologia e a Museologia, formam as ciências da informação que têm seus
objetos dentro de um espectro de limites estreitos, mais cil, portanto, de
uniformizar procedimentos técnicos entre, livros, jornais, revistas e as novas mídias
eletrônicas.
4.4.2.1 Acesso (à instituição, concurso ou indicação política)
O acesso aos quadros dos museus, sob tutela do Estado do Rio Grande do
Sul e situados na capital Porto Alegre, e aos museus da instância municipal, da
mesma capital, ocorre por meio de concursos e contratos assinados depois de
convites políticos partidários. Os quadros funcionais das instituições museais, em se
tratando de museus privados, ocorre através de contrato de trabalho entre as partes
interessadas. Geralmente o candidato submete-se ao processo de seleção de
pessoal, como em qualquer empresa, de qualquer ramo, nas quais a seleção é feita
pelos departamentos de Recursos Humanos, Talentos Humanos ou, ainda,
Relações Humanas, com critérios da empresa contratante e do livre mercado. No
caso de organizações públicas, o acesso deveria ser por meio de concurso público,
dado a conhecer através de editais publicados na imprensa oficial. Existem
funcionários concursados na área e deslocados do papel ocupacional de origem da
vaga, desempenhando outras funções, como se percebe na fala que segue:
[...] sou formada em História na PUCRS em 1975, o museu abriu em 1979.
Prestei o concurso para professora municipal, em 1982, fiquei em sala de
aula dois anos e desde então trabalho no museu (OM4.4)
O procedimento descrito na fala de OM4.4 é corriqueiro e praticado nas três
instâncias governamentais. Na palavra de OM1.2, lemos a explicação sobre o
concurso para técnico em assuntos culturais, de provimento de cargos para o quadro
de funcionários de Técnicos Científicos do RS. O concurso feito em 1982, não foi
para a área da cultura, porém, para professores. O último concurso para cnicos de
93
cultura foi no ano de 1992, portanto 15 anos. Os Operadores de Museus -OM -
que colaboraram na nossa investigação são egressos desse concurso, com exceção
dos gestores, esses são todos convidados e contratados. A formação dos OM:
Letras, História, Sociologia e Pedagogia, Administração, Biblioteconomia e Biologia.
O edital de 1992 não exigiu habilitação específica, foi exigido curso superior na área.
Quando eu fiz o concurso, o pessoal não sabia quais eram as atribuições de
um técnico cultural; tínhamos um grupo de estudos, dois colegas tinham
feito a especialização, pegava-se os livros e lia-se; isso deveria ser uma
coisa mais incentivada; as pessoas não têm os livros; fora as museólogas
provisionadas, aqui não tem museólogos (OM2.2).
Com a fala de OM2.3 e OM3.1, que vem a seguir, vemos que os técnicos
com formação específica, ao fazerem parte do quadro funcional, desenvolveriam um
trabalho de longo prazo. Verificamos que, na prática, é necessário pagar cnicos de
fora para compor um equipe transitória a cada projeto
para teres uma idéia, eu trabalhava num setor que não existia, enquanto
setor, o acervo sim. Então, fizemos todo um trabalho, arrumamos, fizemos o
projeto, tinha uma estagiária, levantamos todo o material que existia. Eu saí,
não entrou mais ninguém no setor, a estagiária acabou o estágio, foi
embora... Daí terminou, ta lá fechado (OM2.3).
Qualificar, através dos projetos, tem surgido como a forma de contratação
de terceiros. É uma forma, que sempre é passageiro. Planejamento é
uma forma, mas sempre é algo passageiro (OM3.1).
A opinião acima não é unânime, a opinião de OM4.1 vai em sentido
contrário, é a opinião de um técnico com escola, de destaque mesmo. Na fala de
OM4.1, é ressaltado que as equipes podem ser formadas transitória e
temporariamente, com o objetivo de um projeto
Teve projetos de qualificação, mas acho que isso não é o mais importante.
Porque, dentro de um projeto, tu podes trazer os profissionais necessários,
contrata-se, vem de fora: um que se expressa em Libras, e o Antropólogo
fica um mês ou dois (OM 4.1).
OM3.1 não compartilha essa idéia, reconhece o valor de um cnico
museólogo ou especialista permanentes para o serviço de base e não apenas na
ocasião da exepcionalidade de um projeto. Por si , a fala acima atesta a
relevância do técnico que detém o saber na sua especialização. Na fala de OM1.2
aparece a referência à Lei que regulamenta a profissão no ano de 1984, que não
94
formou, porém “transformou”, e aqui podemos sentir que conotação latente na
emissão da palavra “transformou” em relação com o conceito “formar”; quem forma
transforma, mas quem transforma não forma. Parece um jogo de palavras; na
verdade, trata-se da representação de uma crítica.
Os do Estado são museólogos por decreto, as pessoas que aquela lei do
Sarney transformou em museólogos... Que eu saiba, nós não temos
nenhum museólogo com graduação; este pós em museologia ajuda a gente
a se situar, até pleitear algumas coisas. O Minc exige museólogo ou com
pós [...] (OM1.2).
E aqui, a cada quatro anos, a gente muda a cabeça determinadora do
trabalho. A gente pode sugerir algumas coisas, mas não tem como
estabelecer. [...] tem que se ter um emprego e ser polivalente, tem que se
assobiar e tocar flauta (OM1.2).
Vemos que a Lei que regulamentou a profissão, em 1985, não é
completamente desconhecida, apesar de estar presente em uma única ocorrência.
Foi uma observação pertinente, pois a lei que regulamenta a profissão de
museólogo foi assinada no governo do Presidente Sarney, na transição para a
democracia.
Bom senso no desempenho de qualquer função é bom, mas não serve para
substituir formação técnica.
Não existe museólogo, mas, pessoas que têm um pouquinho de bom senso
e têm vontade de aprender, trocam experiências (O.M 2.1).
Sobre a falta de pessoal e de concursos, vários dos colaboradores se
pronunciam. Optamos por descrever quatro depoimentos, que atestam a
compreensão deles sobre a necessidade do profissional no quadro permanente. Os
OM são conscientes de que concurso é necessário, porém não reconhecem a
importância da formação do museólogo, com curso superior. Claro, eles
desempenham, quase 15 anos, o trabalho dos museólogos; são aceitos, mesmo
que usando como ferramentas "bom-senso" e transmissão de noções básicas de
colaboradores de outra profissão, que, no final, também resulta desconsiderada.
95
Sou historiógrafa, concursada em 1992, no último concurso existente. Entrei
no M2 em 1992 e estive por dois anos no M3. [...] Troquei de museu e
conheci mais outros acervos e mais dificuldades. Eu voltei por um convite
da diretora anterior. Ela quis que eu ajudasse aqui. (OM2.3)
Não uma política, bom, então, poderíamos trocar experiências, aqui
falta de técnicos, uma pessoa pode ter boa vontade, aí esbarra na
vontade política, falta de recursos, mas uma coisa que pela situação atual
do Estado nem se pensa, é um concurso (OM2.1).
Nós estamos com falta de pessoas eu estou quase me aposentando, desde
que estou aqui se aposentaram umas dez (10), não houve outro
(concurso) e nem tem perspectiva (OM1.2).
Conseguimos uma bibliotecária voluntária, da associação dos amigos; ela
está nos ensinando alguma coisa; ela vem e corrige; estamos seis anos
sem bibliotecária [...], “documentação” de documentos de Arte, dossiês dos
artistas (OM1.2).
Como se pode observar na fala de OM1.2, uma espécie de arranjo, feito
com o trabalho voluntário de uma bibliotecária, da Associação dos amigos do
Museu. Em meu juízo antiético, Biblioteconomia é um curso de interface com a
Museologia, porém, possuem diferenças importantes. A Biblioteconomia, com várias
cadeiras de ensino visando a normatização universal de procedimentos, profissão
com piso salarial instituído, com responsabilidades e responsabilizações ao
profissional pelo conselho desta profissão. Podemos fazer analogia com os
farmacêuticos: será que eles poderiam ensinar rapidamente sobre rmacos e voltar
depois para corrigir a tarefa? É uma questão.
Pra ganhar os projetos, eu tenho minha opinião pessoal, eu não acho que
tenha que ter graduação, biblioteconomia. Acho que as pessoas têm que ter
uma graduação e depois escolhem uma especialização e aprendem a
parte técnica; com a graduação em museologia vais ter uma parte técnica
forte e vai faltar uma parte humanística (OM1.2).
Percebemos que há problemas e deficiências de longa data nas equipes das
instituições museais de Porto Alegre. A questão passa pela não renovação das
equipes; Tomás Kuhn faz referência ao “novo ânimo” das pessoas que chegam na
área científica.
96
4.4.2.2 Qualificação X Status Político X Crescimento Profissional
A função do museólogo, em conexão com os grupos sociais, estabelece, nas
categorias de pensamento desses, uma suposição prévia, frente à frente ao OM: as
pessoas reverenciam, mostram respeito, o respeito que mostram diante de um
professor, podemos assim dizer. Por outro lado, mesmo não tendo formação e a
titulação correspondente, o profissional, se trabalhar em museu, é chamado de
museólogo. Não profissional habilitado, então todos envolvidos na relação não
mostram correspondência lógico-significativa e aceitam a situação. Não reclamam,
todos aceitam; não informação de ações do COREM, que tem como missão
fiscalizar os profissionais, nem, tampouco, do COFEM, órgão que fiscalizaria o
COREM ou, pelo menos, deveria fiscalizar. A mentalidade de cultura desses
agentes muda conforme os objetivos dos governantes, desviam a crítica. O museu
adquire maior ou menor importância; maior status dentro da política governamental a
cada gestão, ou seja, de quatro em quatro anos. Isso pode ser comprovado com as
falas de OM3.1 e de OM1.2. Encontramos uma voz que levanta-se para falar o que
pensa, sem meias palavras (OM4.4):
Nesta gestão houve interrupções, mudanças, e isso acaba não ficando mais
claro: qual é que é a ação e, enfim, somado à situação de que o museu
ficou sem diretor desde que saiu a troca do partido, tinha direção interina do
sistema, mas, a outra gestão, ficou pouco tempo (OM3.1).
Nunca existe uma política pré-existente que vai se seguir [...] vai depender
muito, muito da direção, tem regimento, mas não entra nas especificidades
das exposições, o regimento se preocupa que tenha sempre parte do
acervo exposto, nós temos uma realidade (OM1.2).
incongruência da equipe com a direção, a situação vem em detrimento
da continuidade de uma ação voltada para a comunidade, que costuma apropriar-se
do espaço externo desse museu, inclusive porque não espaços públicos como
praças no entorno.
Fiz vários cursos, feitos e ministrados, para estar atualizada, como restauro
em papel; ministrei cursos de memória na instituição; anualmente, em
março, oficinas, cursos, durante sete anos. O que falta? Metodologia,
missão, plano diretor. A arqueologia ainda tem algum curso. A reforma vai
melhorar a aparência e não a política (OM4.4).
97
Analisando a fala do profissional, abaixo, vemos que há consciência da
necessidade que é, em uma sociedade complexa, a formação continuada; sentem
um desestímulo para buscar atualizações e aprimoramentos como vemos na palavra
de OM3.1.
É uma questão que tu tens que batalhar muito, porque, para fazer um curso,
tem que entrar no empenho da Secretaria da Fazenda e tu recebes, depois
de quatro meses, o dinheiro. Então, a oficina de fotoshop que eu precisava
fazer, porque era um método mais avançado, para podermos lidar com a
parte de tratamento digital. [...] Daí, nesta instituição, onde eu fiz o curso,
disseram que não vão trabalhar mais assim. É bem difícil. Tem que ir pelas
suas próprias pernas (OM3.1).
Li sobre a estrutura dos museus na França, lá não são dirigidos por pessoas
de fora da área, lá existe a carreira de museólogo... Mesmo o Louvre:
começa no museuzinho, de não sei onde, e pode chegar a diretor do
Louvre... Carreira, todos têm aqueles objetivos de difusão, de educação,
toda esta problemática (OM1.2).
As duas falas nos apontam problemas. O profissional de concurso, com
longo caminho, é certo que trata-se de OM que permanecerá por longo tempo no
serviço público, está no meio da carreira, lembremos que o concurso foi em 1992,
mostra cansaço em sair em busca de conhecimento novo; o outro depoimento de
OM1.2, aponta informação sobre a categoria na Europa, a admiração que a
informação causa é manifesta. Não se pode falar em carreira do funcionalismo
público do Rio Grande do Sul, a categoria dos professores, tempo, reivindica
solução para seu Plano de Carreira. Esse tema é da esfera da estrutura do poder. A
área burocrática é difícil mudar; a mudança vai depender de interesses e dos
processos políticos, sociais e de competição e antagonismos.
O nível de abstração, para avaliar suas vidas funcionais e opinar sobre a
mesma, varia muito de um OM para outro. Na fala de OM3.2 observamos:
O que eu acho, na parte dos museus, é que o pessoal precisaria ser ainda
melhor qualificado e, além disso, teria que ter mais funcionários, não no
RS, como no Brasil inteiro. O funcionário de museu, como não há concurso
público nesta área, houve um decréscimo de funcionários. O próprio museu
tem déficit de funcionários, que tenho setores com uma pessoa só, que se
não são os estagiários, eu não abro o setor (OM3.2).
Depois de marchas e contra-marchas iniciou uma graduação na
Universidade Federal de Pelotas; foi realizado o primeiro vestibular em julho de
98
2006. A UFRGS esteve preocupada com a questão da graduação em Museologia,
procurou informações dentro das instituições, não foi divulgada a decisão, nem sim
nem não. Na Escola Técnica da Universidade Federal, funciona um curso em nível
médio com habilitação em Conservação de Patrimônio, poderia ser divulgado em
circuito maior para que mais jovens pudessem ter esse curso como uma opção para
sua profissionalização.
Eu respondi um outro questionário para a UFRGS, eu respondi de acordo
com a nossa realidade. Queriam saber a formação, qual a habilidade que o
museólogo precisaria ter. Nós somos um museu de comunicação e não
temos nenhuma museóloga. Talvez este recurso humano especializado
deveria ter. Por que não tem? Porque não tem concurso. A UFRGS (acho)
informou que existem não sei quantos museólogos e eles não estão
atuando. Ou eram os que estavam nas instituições e os outros não. Sim,
são especialistas em Museologia, não museólogos. Não existe curso de
Museologia no RS. Na Bahia, parece que há. Na Federal de Pelotas está
em implantação (OM3.2).
Geralmente, a SEDAC faz. Ela já fez dois treinamentos pela FDRH, de
formação de recursos humanos. Participei do nono fórum. Quando eu
posso, eu vou. A SEDAC e o SEM oferecem. Outros funcionários de nossas
áreas específicas já fizeram cursos que foram pagos pela SEDAC. A colega
OM3 fez um de expografia (OM3.2).
A comparação com museus de outras unidades da federação revela uma
opinião forte, de quem não desconhece a caminhada e a importância do museu
como instituição para a sociedade. Assim como, deixa entrever que está seguro de
que há muito para ser feito.
Os museus brasileiros têm um tempo de percursos, de história, bem mais
profissionalizados. O MASP, a Pinacoteca, o MAM e a própria Bienal de SP
são museus que vêm puxando bem esta causa. A educação da gestão
museológica é bem mais profissionalizada. Acho que a gente está
caminhando, sim, aqui, para um momento bom de profissionalização, mas,
ainda, aquém do nacional, acho que a gente tem ainda muito, estamos
muito regionais, bairristas ou até desinformação, muitas vezes, para tratar
uma instituição como museu com profissionalismo (OM1.1).
4.4.3 Formas ou instrumentos que o museu utiliza para cumprir sua função,
missão ou objetivos
A categoria acima se refere às diversas formas de instrumentalização e de
ação que as instituições museais podem adotar nas suas práticas, conforme o
99
paradigma que norteia suas produções mentais e suas ações. Os acervos são
mantidos para várias finalidades, as principais são: estudo, comunicação, educação,
lazer e entretenimento. Com a palavra dos entrevistados, saberemos como as
instituições estão cumprindo essas finalidades e onde estão situadas as produções
mentais sobre a velha e a nova museologia.
4.4.3.1 Instrumental teórico e técnico
Na fala de OM4.1 pode-se perceber, claramente, como se dá a relação entre
as produções mentais do grupo com a base existencial deste mesmo grupo, isto é, a
falta de conexão interna do grupo em que OM4.1 estava inserido naquele momento
e a incompatibilidade entre as novas propostas e a recepção destas novas
proposições por parte dos dirigentes. Segundo ele, nem chegavam ao público ou à
comunidade. Comunidade que é o alvo priorizado pela museologia contemporânea.
Anos 90, era chocante, fazíamos propostas novas, mas não éramos
entendidos nem pelas direções; os museus eram um lugar de guarda, o
estado deficitário das instituições, o descaso do governo e da população; se
não apelo, se ninguém reivindica, a política funciona dessa forma, tem
que ter uma repercussão (OM4.1).
Hoje, tudo isto é administração, é marketing, um monte de coisas, mas eu
acho que eu vejo que nem em São Paulo, na capital, ela esfraca, ela não
tem mais graduação que leve Artes. Eu acho que os museus de SP, a
Pinacoteca, o MASP, mesmo com problemas financeiros e administrativos,
são os “donos da festa”, ainda (OM1.1).
Descrevemos, a seguir, uma desconexão dentro da mesma organização. As
falas de OM1.1 e de OM1.2 e 1.3 se contrapõem. Falamos do M4 que, em trabalho
diferenciado, criou uma comissão de acervo, composta por pessoas de formação
multidisciplinar para criar políticas de aquisição e descarte; duas ações em que
várias opiniões trazem soluções, com probabilidade de mais acertos do que
equívocos.
Vai ser constituída uma nova comissão de acervo (diz-se que a comissão é
formada com três membros); todo o município; [...] não temos um
organograma do museu. A Arqueologia no museu é que “faz gestão com o
programa federal Munumenta com o IPHAM e com qualquer buraco na
100
cidade”. Faltam verbas, especificamente para fazer um bom museu. Há
defasagem entre os orçamentos e quando vem a verba. Ressalta-se que o
museu não voto, e que é procurado por universitários e escolares em
geral (OM4.3).
Havia ao redor de 1500 peças, sem termo de doação; criou-se a
comissão de acervo, com sete membros: cinco de fora e três da cultura;
Política de aquisição e de descarte em 2000 ou 2001. A fundação Vitae, três
projetos, foi o que deu qualidade, através dos projetos financiados pela
Fundação VITAE. Informatização do acervo; visitas noturnas; aula no
museu; noite no museu; sarau no museu PADS – acessiblidade, elevador,
maquete em braile; na calçada do jardim há uma guia para deficientes
visuais; contratados monitores especialistas em cada necessidade:
cadeirante, auditivo para falar através de LIBRAS (Linguagem Brasileira de
Sinais) e Braile (OM4.4).
Essas duas falas apontam a falta de sintonia na equipe; OM4.3 cita
comissão com três membros e OM4.4 fala em sete membros, o museu tem muitas
ações que apontam trabalho com qualidade técnica, revelando boa informação em
geral. O desconhecimento de como se constitui uma comissão importante nas
diretrizes com que a equipe deve conviver, a nosso ver, denota que o profissional
contratado em nova administração, ao chegar na equipe, precisa ter o cuidado de
buscar informações que o nivelem, no quesito informação da instituição, perante aos
colegas. É sico e fundamental, se desconhece o número de membros da
comissão que serão os interlocutores, como vai coordenar os trabalhos e as
deliberações nas reuniões. O argumento da falta de verba é insuficiente para
justificar desinteresse.
[...] teoricamente, teve alguns avanços, era muito em cima do triângulo,
ainda é, mas parece assimilado; era a discussão dos anos 90, era o
discurso da época (OM4.1).
O intercâmbio com o centro do país continua, até mais que antes, o “sem”
levar as oficinas para o interior importante, antes era do interior para a
capital (OM4.4).
No centro do país, eles tinham dificuldades iguais às nossas de descrédito
do público, descrédito do poder (OM4.1).
Isto é o que mais estamos tentando agora e daí que estamos buscando
mais especificamente nessa área e que está relacionado também à
conservação do acervo, algumas instituições fora, o MIS, a Biblioteca
Nacional (OM3.1).
Estamos operando com propostas, estamos pretendendo mudar um
pouco a cara do museu; é uma diretiva da SEDAC uma relação maior com
os países do Mercosul, é de bom tom uma aproximação com a Secretaria
de Turismo o museu está se preparando já para a quinzena de março;
começar a prepara-lo com simbologia internacional, símbolos internacionais
de: o fume, não toque nos objetos, não conduza alimentos; vai levar o
101
museu paulatinamente para o sistema trilíngüe: Português, Inglês, Espanhol
(OM2.1).
4.4.4 Relação entre planejamento, gestão e políticas culturais, sociais e
econômicas - dificuldades, obstáculos para mudanças práticas
necessárias para alçar ao futuro museu. Extroversão do museu, espaço,
falta de planejamento, identidade, continuidade política de direção.
Nesta categoria desejamos saber os projetos de ações feitos e futuros.
Perguntamos sobre a ocorrência de mudanças ou rupturas, e procuramos entender
esta questão nas falas dos OM, que se referem às políticas culturais e às práticas do
museu no decorrer de sua atuação profissional. É inconteste a nova prática de
projetos culturais com patrocínio privado, diga-se, desde logo, que é com dinheiro
público, porque trata-se de renúncia fiscal por parte do governo Federal (Lei
Rouanet / PRONAC ou Estadual (LIC). Constatamos uma verdadeira invasão; em
alguns estão sendo montados departamentos de projetos, em todos os museus
investigados é uma característica tão forte que demanda melhor avaliação.
4.4.4.1 Relação Gestão, Planejamento e Rupturas, Mudanças
A fala de OM4.1 conta de que houve um período, nos anos 90 (século
XX), em que Porto Alegre estava inserida na questão dos novos museus;
Diziam que havia uma proposta de mudança; estávamos inseridos perante o
centro do país, tínhamos participação no debate, os conferencistas tinham
sido professores do curso, existia a Internet, cópia de textos, grupos de
estudo, existia um interesse da Universidade; isso foi um avanço a que a
área chegou. Constituiu-se perante a população como uma área importante;
existia circulação de idéias, existia vontade e se produziu experiências
importantes, Hughes de Varine (Eco-museus) veio mais de uma vez; isso
abriu vários canais de discussão que foram aproveitados (OM4.1).
Pela maneira de referir a questão, OM4.1 deixa entrever que esse contexto
mudou, não é mais como descreveu. Está havendo a rodada usual de mudança de
102
direção, que acontece em cada troca de governo, isto é, de quatro em quatro anos.
É tempo da chegada de alguns profissionais convidados a integrar as equipes; esta
situação pode ser retratada na fala de OM1.2 e de OM3.1:
E aqui, a cada quatro anos, a gente muda a cabeça determinadora do
trabalho, a gente pode sugerir algumas coisa, mas não tem como
estabelecer (OM1.2).
O grande mal é não ter planejamento formalizado, ter participado de
reuniões que não têm resultados práticos. Na biblioteconomia, tive
disciplinas que ensinam a fazer plano diretor e sabe-se que é preciso uma
linha mestra para nortear a gestão (OM4.2).
Nas falas a seguir, constatamos o que pensam os OM a respeito de
rupturas, mudanças e planejamento:
Na divisão de projetos, eu tenho uma funcionária, estou aguardando um
estagiário para fazer projetos; no administrativo, nós temos três
administrativos, duas cnicas e teremos três estagiários; e uma
responsável pela Biblioteca; antigamente havia convênio com a Biblioteca
Pública (OM2.2).
Mais tradicional, acho que o OM1 é mais tradicional. Mas acho que a gente
pode misturar um pouco, manter uma estrutura tradicional e qualificar,
modernizar com a evolução [...] Quanto aos padrões, a gente tem que ir se
modernizando, mas sem perder as características do Museu, acho que tem
de manter certo cuidado e não virar uma coisa, mas qualificar, melhorar
sempre. Idéias boas que venham ao encontro do Museu; acho que tem que
se fazer, sem dúvidas (OM1.1).
Eu acho que o museu, nos últimos dois anos, tem sido incrementado. [...]
Tornou-se muito mais interessante do que nos vinte últimos anos; fala-se
mais em museu, há uma preocupação com memória, preocupação com
preservar, de se ver o lado educacional, e isso é uma coisa relativamente,
recente; eu poderia dizer: nós temos nosso museu Júlio, que fez 100
Anos, então, já tínhamos nosso museu, mas todos eles tinham um enfoque
diferente (OM1.2).
Era um museu de culto de personalidade e, aos poucos, isso vem
mudando [...] temos hoje o museu do trabalho, mostram como se faz [...]
mostram uma nova visão que acho que coincide com a Nova História [...] a
História do Cotidiano ao lado da História Oficial, existe uma preocupação do
museu com o estilo de vida das pessoas, uma mistura de Antropologia
Cultural [...] e mesmo uma questão de identidade (OM1.2).
O que pensam os OM não reflete uma ruptura, nem sequer uma mudança,
apenas uma alternância de situações na base da produção mental da categoria;
os valores percebidos não se apresentam como provincianos, demonstração de
um certo cosmopolitismo, referente a viagens ou intercâmbios, mesmo assim,
notamos a aceitação do “status quo”.
103
4.4.5 Fatores ou condições externas que se refletem na eficácia ou eficiência
do papel que o museu deveria desempenhar
É geralmente aceito que as ciências sociais examinam objetos impregnados
de valor e significados, assim, fica entendido que as produções mentais,
existencialmente condicionadas, estão inter-relacionadas com fatores do contexto
social, econômico, cultural e político e, conseqüentemente, influenciam diretamente
as organizações e a formação das equipes de trabalho também nos museus, com
resultado direto no desempenho (eficácia/eficiência) dos mesmos.
4.4.5.1 Desempenho e Eficiência
(administrativa e outras)
As organizações nos dias atuais contam ou, poderiam contar, com
ferramentas da Administração, quais sejam: planejamentos estratégicos, planos
diretores, missões e propósitos para atingir metas de médio e longo prazo. Essa
atualização, nas gestões das instituições culturais públicas, é cada vez mais utilizada
para agilizar o funcionamento de uma maneira geral. Para além dessas ferramentas
citadas, igualmente importantes são as teorias museológicas. Buscamos na opinião
dos OM colaboradores compreender como eles pensam essas mudanças e
atualizações, ou a falta delas, e como se refletem nos seus desempenhos
funcionais.
As instituições da Secretaria de Cultura estavam meio voando por si, acho
que não havia uma união, que é o que se quer fazer agora; quer dizer, criar
uma integração de todas as instituições. Cada um voava por conta própria,
e acabava não voando porque perdia força (OM1.1).
incongruência da equipe com a direção. Fiz vários cursos feitos e
ministrados, para estar atualizada, como restauro em papel; ministrei cursos
de memória na instituição anualmente, em março, oficinas, cursos,
durante sete anos. O que falta? Metodologia, missão, plano diretor. A
arqueologia ainda tem algum curso. A reforma vai melhorar a aparência e
não a política (OM4.4).
104
A questão da Associação dos Amigos do Museu, uma organização que teve
no seu início a intenção de apoio, hoje está institucionalizada, é uma figura jurídica
com a missão de solicitar os recursos captados pelo museu. Circulam na imprensa
brasileira, do centro do país, escrita e em web jornais, notícias de distorções no
sistema, que foi transformado em política de Estado.
A Associação é que mantém administrativamente o Museu em várias
coisas, os projetos todos são pela associação, já que o museu não pode ser
proponente dos projetos, mas a direção acompanha. A Associação é forte,
ela é muito boa, porque apoio; e tem a independência que tem para
poder ousar como museu um pouco mais financeiramente, não depender
somente da SEDAC. Ela é um órgão separado e que atua junto ao diretor
(OM1.1).
Óbvio que não é um processo simples... Tem que ter, para outros casos de
angariar recursos, a Ass. de Amigos, grande e além de tudo qualificada. Em
muitas instituições abrem, pagam uma vez e não pagam mais, fizeram um
projeto e não concluíram (os amigos...) e aí, quando precisa a
documentação para ir adiante, eles o têm, estão presos, INSS, não es
na melhor forma na questão de associados, [...] a Associação tem poucos
sócios; quero centenas, milhares de pessoas, é um braço civil de uma
organização como o sistema nacional de museus; ajuda a traçar o perfil da
instituição, perfil de investimentos, [...] é assim que eu vejo uma associação
de amigos hoje, gestora do museu também.(OM2.2).
[...] óbvio, este exemplo são Estados Unidos e Canadá, onde têm grandes
associações e fundações. No Canadá, tem uma política de investimento
cultural e de associações que é uma das mais modernas do mundo; claro, é
um sistema diferente, porque lá, hoje, es faltando um passo muito
pequeno para que o museu e as associações culturais tenham seus títulos
na Bolsa; é uma associação que funciona voltada para isso, eles têm todo o
dinheiro de que precisam hoje funciona com um grande poder de status;
se consegues uma associação com status, tudo bem, se não consegues,
é o caso do Teatro São Pedro. O M1, é status ser amigo do M1, é uma
questão tremendamente política, as pessoas que gravitam em torno têm
condições de dar um certo respaldo; não é o caso do Júlio, não é o caso do
Hipólito, do Taquara, Piratini, Arroio dos Ratos; tem esta questão,
né?(OM2.2).
Eu tenho, como opinião forte, que o M1 e o MY (tem que ter conselho
consultivo, tem que ter um conselho para dar o aval da administração; acho
que é importante, artistas, empresários, intelectuais terem a sua opinião
dentro da sua programação, isto o MAC também e vou fazer conselho de
mantenedores, acho que tem que ter um grande padrinho. Acho que tem
que ter um apoio, via projetos de Lei Rouanet, para ajudar as instituições a
sobreviverem e navegarem independentes de SEDAC; um padrinho que
adote o Museu como estrutura e dar um apoio, um suporte bom para a
secretaria, que, claro, ela mantém uma parte que é oficial, alivia a pressão.
Tu manténs a estrutura do Museu (OM1.1).
A LIC, a gente quer o pressionar ela no momento, ela está em
reestruturação e, neste momento de enxugamento de impostos, acho que é
bom pensar na federal. No estado, a gente pode ter parceiros, diretamente
ligados, que não venham a fazer isenção de impostos. Tem muita gente que
pode apoiar, como as empresas apóiam. Vamos manter a LIC, pois ela fica
na assessoria da presidência e que fica na diretoria geral da SEDAC. Pegar
105
toda a verba da LIC, não dá. Tem de abrir, tem mais gente fazendo. A LIC
não deixará de ser usada, estamos neste momento freando a LIC para nos
dedicarmos mais à Rouanet (OM1.1).
Temos aqui projetos, mas é LIC, significa que temos que captar e temos
falta de pessoal. O problema é ter que captar recursos e competir com
outros tipos de eventos culturais. Fica uma responsabilidade a mais para os
técnicos, que não tem como fazer; mas não se tem uma representação
política para vender” este projeto e isto depende de muitos outros fatores;
isto é uma prioridade, por exemplo, ter os jornais conservados; aqui que
teria de ter muito mais força (OM3.1).
4.5 O MUSEU EFICIENTE PARA O SÉCULO XXI
Buscamos conhecer os vetores para o futuro do museu, que museu vamos
construir. Foi a nossa proposição compreender quais características mapeamos hoje
para o amanhã. No início do século XXI, na visão dos OM, o que fará parte desta
instituição nos anos vindouros:
[...] partem daí; a preocupação maior atual é com a comunicação, a relação,
extroversão do Museu de que fala Cristina Bruno. [...] esse é o papel do
museu, ela amplia essa relação. Para o Ulpiano, seria como uma torre, um
farol, visão geral de toda a cidade, agrega o passado com a perspectiva do
futuro, essa é a discussão nova, um lugar da observação (OM4.4).
Não partidária. A Secretaria não pertence a nenhum partido, é da cota
pessoal da governadora e ela está convidando gestores técnicos para
auxiliá-la a fazer a estrutura e ela deverá fazer um belo trabalho, com ou
sem dinheiro, e sim com a cultura. Acho que usamos a criatividade para
captar e vamos conseguir qualificar isto, fazer acontecer. Eu acho que a
Secretaria da Cultura o pode ter partido, o partido é a Cultura. Isto é meio
inédito na Secretaria, gestores técnicos trabalhando como suporte ao lado
da secretária, dando todo o respaldo à secretária, até porque ela vem de
uma área da segurança (OM1.1).
Uma parte do seu acervo é o histórico da cidade, se preocupa com o
fenômeno de constituição da cidade e faz relação com os grupos sociais da
cidade através dos tempos, sai pra fora dos seus muros, uma proposta
nova, vem de 1996; em função disso, foram feitos vários trabalhos. O
Corredor Cultural, hoje Monumenta, Museus de Rua, pesquisa demográfica,
Arqueologia Urbana, nasceu no museu; é um projeto pra toda a cidade
(OM4.4).
Consideramos, do que está reproduzido acima, que a mentalidade de
cultura, existencialmente condicionada, no que se refere ao amanhã, não é
homogênea. Há espaço para o ideal, ou, dito de outra forma, para a utopia.
106
4.6 MÉTODO TIPOLÓGICO
Com esse método, desejamos verificar como os museus pesquisados podem
ser “classificados” quanto às suas concepções de museologia, dentro de duas
categorias-chave: o paradigma museológico tradicional e o paradigma museológico
contemporâneo. A seguir, apresentamos o quadro esquemático, construído com os
dados recolhidos nos museus e com os operadores museais colaboradores com
nossa pesquisa. O quadro com os dados recolhidos será comparado com os dois
quadros anteriormente idealmente construídos (tipologia ideal), apresentamos a
interpretação abaixo. Os argumentos para nossas conclusões são retirados, em
parte, deste quadro síntese (quadro 6) e em parte dos outros procedimentos
técnicos: análise de conteúdo e comparativa; na interpretação, reunimos estes
dados que encaminham as considerações finais no capítulo V.
107
4.6.1 Análise do quadro tipológico esquemático: Museus
Quadro 7 – Quadro Tipológico Esquemático: Museus
Objetivo Guardar, preservar, expor; o preservar teve deslocamento, tornou-
se
importante, ampliar as coleções é questionado;
Temática Transmitir continua, despertar consciência crítica o acontece, o
divórcio não há, usando a mesma analogia não é errado afirmar que
um namoro com temas antropológicos e sociológicos, continua
vindo solicitação da instância de poder, para exposição sobre a
Revolução Farroupilha, por exemplo, porém aí o tema é tratado com
maior abrangência; adquirindo uma forma mais objetiva e crítica;
Exposição
Objetos fora do contexto, busca de uma relação com este contexto
através de pesquisa; a exposição permanente continua, mas, ao lado
de temporárias e alguns casos de itinerância;
Espaço Integração interior versus exterior, (salas internas e pátio) M4 e M2,
percursos mais flexíveis, aparece expografia e museografias,
elaboradas com matérias da Arquitetura Contemporânea,
interatividade incipiente, mas presente em alguns casos, como no M1.
Usuário Em busca de maior aproximação com a comunidade (M4), pouca
consciência de serviço, sem consciência de veículo poderoso de e
para comunicação direta com a comunidade;
Organização
Operadores de museus, com formação em áreas afins do ramo das
ciências humanas, havendo especialização o técnico está deslocado
na instituição, M1.
História e
Cultura
Diversidade cultural percebida, história oficial tangenciando a
heterogeneidade, M1 permanece elitista.
Objetivo - O objetivo de guardar para expor foi ultrapassado. Ampliar as coleções,
apenas para acrescentar números, também, mas o museu do início do século XXI
não alcançou o objetivo de ser um fator de desenvolvimento comunitário e nem,
tampouco, foi pensado a sério sobre essa possibilidade. Caso fosse trabalhado com
vistas ao turismo cultural, por exemplo, o prognóstico seria muito positivo e
promissor.
108
Temática - O coletivo, na nossa sociedade dita pós-moderna, de uma maneira geral,
é relegado ao museu que reproduz essa sociedade; não é diferente, porém, na
temática das exposições e podemos afirmar que consciência da necessidade de
mostras com temas diversificados. O serviço ainda pretende alcançar o usuário, na
maioria das vezes, escolar.
Exposição – Para que o acervo permaneça no espaço natural, devemos ter um eco-
museu; como estamos analisando nos museus urbanos, essa premissa fica por
conta da recriação do contexto através da expografia, é possível e vimos exposições
atentas a esse recurso museológico. A exposição permanente está,
reconhecidamente, decadente; o conceito de exposição de longa duração, que
substitui o conceito de permanente, é atualmente de domínio da maioria dos OM. Os
conflitos são de difícil representação; em museus históricos de clubes de futebol, as
crianças visitantes perguntam: eles ganharam? As crianças são atentas,
percebem o que o adulto deixa passar. No museu continuam a aparecer os
momentos de “celebrar”.
Espaço Os espaços, nos museus de uma capital, são, em sua maioria, os
mesmos mais de 100 anos. Com recursos da museologia contemporânea, esses
mesmos espaços podem explorar os espaços antes desconsiderados, como o pátio.
É muito interessante o trabalho desenvolvido nesse espaço privilegiado, que pode
proporcionar: lazer, noções de botânica, convívio social ou, literalmente, “sombra e
água fresca”. No Museu da República, no antigo Palácio do Catete no Rio de
Janeiro, os jardins do palácio são atualmente usados pelos freqüentadores que
fruem de passeios ao lado de alas de palmeiras antigas, em bancos - românticos e
evocativos de outras épocas - de jardins que convidam a comunidade a desfrutar de
momentos longe da situação histórica agressiva a que o cidadão carioca e outros
estão sujeitos. Em Porto Alegre, essa situação, reportada acima, existe em dois dos
museus examinados. Tanto o Museu da República como dois museus gaúchos; são
museus de identidades estruturais tradicionais com ações de cunho contemporâneo.
Usuário O usuário do museu, se for o de Artes, deverá ter, em alguma medida,
uma alfabetização (OM1.2) para poder “ler” as exposições; nas outras tipologias, a
interatividade é uma meta de curtíssimo prazo, a maioria deseja computadores para
109
ultrapassar a mera observação acrítica. Para atender o objetivo de interatividade, o
computador não é o único e exclusivo veículo, outros e mais acessíveis, que
proporcionam aprendizado através de experiências, como as oficinas de técnicas
artísticas, por exemplo.
Organização Este item foi menos atualizado, é o que apresenta maior fragilidade.
Aqui reside uma relação incongruente entre Pedagogias ultrapassadas - a
Pedagogia Total em referência às teorias do pedagogo brasileiro, Paulo Freire, que
deram suporte para formulações teóricas na área museológica na França, no Brasil
não - a debilidade das equipes cnicas, sem projetos coletivos, mesmo no interior
da mesma instância, tanto nos museus de tutela do Estado como nos museus de
tutela do Município, não preocupação; posso dizer que nem mesmo
consciência, por parte dos mandatários, da precariedade das equipes técnicas no
que se refere ao aspecto habilitação dos operadores museais atuais.
História e Cultura - A História Nacional, hoje, é percebida como heterogênea pela
grande maioria dos profissionais, professores e técnicos em geral. consciência
das minorias étnicas e dos preconceitos de gênero, das populações excluídas, das
modernas exclusões, como a grande maioria da população brasileira, sem acesso à
internet, ou os muitos analfabetos funcionais que temos na nossa sociedade. um
cuidado, na maioria dos museus, em acolher a todos. O patrimônio imaterial vem
sendo objeto de pesquisas e de estudos visando seu registro nos livros do MIC.
4.7 INTERPRETAÇÃO
Dentre os cinco passos que Moraes (1999) apresenta para uma profícua
Análise de Conteúdo, a interpretação é o último deles. Chegamos, portanto, ao
ponto em que deveremos reunir as informações retiradas dos passos anteriores,
percebendo que, por si só, estas opções representam uma seleção dentro do
processo, que é a própria dissertação, desde a construção do projeto de pesquisa
até as considerações finais. A construção é preenchida com a nossa visão de
mundo.
110
A pesquisa circunscreveu-se ao redor de saber o quanto das teorias
museológicas contemporâneas estão incorporadas nas práticas museais e não
nas práticas, mas no imaginário dos operadores de museus. Como esses
operadores estão incorporando uma reflexão mais crítica da própria museologia.
Para tanto, no nosso questionário semi-estruturado, as questões tangenciam o tema,
evitando a pergunta objetiva, dura. A meta foi fazer com que as informações
pretendidas viessem à “tona” no decorrer do colóquio estabelecido entre o
investigador e o informante/colaborador, operador de museu.
O recorte empírico escolhidos a priori, foram os chamados museus de
“ponta”, compreendidos como o melhor equipado, o mais bem localizado, de maior
visibilidade e com maior exposição na mídia. Aqui acontece o primeiro impasse. O
museu, considerado de maneira unânime como de “ponta”, é um museu de Artes,
tipologia que compreendemos como a mais bem aquinhoada pelas relações
simbólicas que a envolvem: o rico e sofisticado mundo artístico. A tipologia Arte
possui bibliografia específica, exige equipe diferenciada, é necessário conhecer Arte,
além da museologia; sabendo de tudo isso, “parecia” que seus problemas não
seriam os mesmos problemas dos outros, que tem menor “imponência”, estivemos
por deixá-lo sem análise. Assim mesmo, o museu de Artes foi procurado e se
mostrou igual em carências, necessidades e anseios. Outro ponto que, diferente do
que havia sido decidido, mudou pelas circunstâncias foi o número de museus para a
amostra. Estamos em uma época de troca de governo, com troca de direção nos
museus de tutela do Estado, em época de férias de verão meses de janeiro e
fevereiro as equipes também estão em férias, ou sendo refeitas; foi necessário
aumentar o número de museus para que o número de informantes permanecesse o
pretendido.
Em uma perspectiva da sociologia do conhecimento, procuramos a inter-
relação que se entre as bases culturais com as produções mentais, o que pensa
e o que produz o OM de Porto Alegre. Vinculamos nossa investigação às categorias
de análise para a sociologia do conhecimento, criadas por Robert Merton (1979),
ressalvando que, em algum momento, pode resultar um pouco forçado o emprego
do quadro categorial mertoniano para a aplicação dentro do tipo ideal.
111
Os museus investigados na cidade de Porto Alegre foram cinco. À primeira
vista, notam-se problemas. O contexto é, em alguns depoimentos, de esperança e,
em outros, de cansaço, depois de vários anos de função pública e de troca de
direção, ao final das gestões quadrianuais, isso quando vai tudo em ordem, porque,
havendo incongruências entre SEDAC e direção, a relação é interrompida.
Na primeira categoria, nosso objetivo foi compreender como se dão as
produções mentais, o que pensa e o que produz, como está habilitado, ou seja, qual
é a formação do Operador Museológico: História, Sociologia, Letras, Pedagogia,
Biblioteconomia, Administração e Biologia, esses os cursos que aparecem. Dois OM
são especialistas em Museologia, um da PUCRS, 1991 e um da UFRGS, 2000;
ressaltamos que o segundo, para bem desempenhar suas funções, não precisaria
desta especialização, examinado apenas pela formação, diríamos que, ou está
deslocado, não está sendo bem aproveitado, ou os dois.
Encontramos habilitações de acordo com o solicitado no edital do último
concurso do ano de 1992, curso superior da área das humanas, para cargo de
técnico científico em assuntos culturais. Constatamos que não existe profissional
com título, via curso de graduação, que é o canal da titulação. Mal ou bem, os OM,
com a formação em curso superior, são os que fazem os museus de Porto Alegre,
legitimados pelo concurso de 1992. Os OM possuem o valor de suprir, através de
cursos breves, conferências, fóruns, as informações que permitem aquisição de um
mínimo de técnicas; mas tangencia o comportamento antiético proceder a
assessorias ou desempenhar por inteiro a função que deveria ser reservada ao
profissional habilitado. As Universidades PUCRS e UNISINOS desistiram de criar a
graduação; e, no caso da última, depois de ter feito toda a parte burocrática e criado
uma expectativa na comunidade. Não há mercado, foi o motivo alegado que circulou.
Pode-se entender que mercado existe, a categoria, em se organizando, e ela não
está organizada, pode reivindicar, prevendo a função do museólogo e do
especialista em museologia, para que a profissão seja respeitada, ou, sendo mais
enfática, moralizada.
Nos anos 90 do século XX, formava-se um grupo, entendendo grupo como:
pessoas interagindo regularmente com base em expectativas comuns; segundo
112
palavras recolhidas nas entrevistas, nos anos da década de 90 tínhamos
participação no debate museológico que havia no centro do país, chegando a se
constituir perante a população como uma área importante, com uma circulação de
idéias.
O profissional graduado ou pós-graduado, que se esperava serem os
detentores do saber teórico da área, aqueles que formariam a “comunidade
científica” museológica, no sentido kuhniano, não aparecem na presente
investigação. E a conseqüência é: As produções mentais dos OM resultam
desprovidas de conteúdos conceptuais. O paradigma museológico tradicional vai
captando e incorporando práticas e permanece. A falta de planos-diretores é
apontada como causadora de prejuízo na qualidade e continuidade do trabalho
desenvolvido em longo prazo definindo longo prazo como mais de quatro anos,
quando as direções são substituídas no final dos mandatos do governo estadual.
Pela estrutura de poder que existe, há quebra de diretrizes na troca de direção. Um
novo diretor recomeça e um OM diz que é “inventada a roda”. Não caracterizamos
como ruptura paradigmática, mas, mudanças no processo.
Com a finalidade de fazermos comparação examinamos sites de
organogramas de museus de outros Estados da União, selecionando dois casos
(anexos A e B) em departamentos de museologia. Nos museus que analisamos, não
há. O organograma de um dos museus é organizado, como segue: Direção; Acervo;
Administrativo; Comunicação; Documentação/Biblioteca; Exposição; Extensão e
Restauro. Nesse caso devem ser atendidas condições especiais que são a guarda,
a conservação e o restauro no acervo desta tipologia de museu. Chama a atenção
que não há integração, notamos que os departamentos são distantes e distanciados.
No que trata da organização em geral, sentimos grande deficiência. Em anexo,
colocamos três organogramas, dois de nível nacional e um dos museus
investigados. A comentar que, em um dos museus nacionais, o núcleo de
museologia, com a ressalva de que não está ativo. A causa da deficiência notada
seria a quantidade de funcionários alegada por vários OM? Na nossa visão seria na
falta de formação específica que colocaríamos o foco, lembrando que há um feixe de
causas inter-relacionadas, o peso da questão econômica e da dimensão político-
partidária com forte interferência, entre outros.
113
As condições de posição social do diretor, da estrutura do grupo, os
interesses políticos e político-partidários, as ações para conservar o poder, as
condições econômicas e as relações interpessoais são algumas das categorias que
concorrem para que a problemática cultural versus museus, versus sociedade,
representem uma complexidade para a análise.
Existe uma modificação importante na relação do Estado com a Cultura.
Essa modificação vem do governo de Fernando Henrique Cardoso e está
aprofundada no governo atual. O Ministério da Cultura (MINC) articula três
dimensões: Cultura como expressão simbólica (estética e antropológica); Cultura
como direito e cidadania de todos os brasileiros; e Cultura como economia e
produção de desenvolvimento. Para mapear a dimensão da Cultura na Economia do
país, o IBGE realizou, pela primeira vez, uma pesquisa para saber o quanto é
investido pelos brasileiros em cultura; como o brasileiro se relaciona com a cultura,
como a produz e como a consome e o espaço que ela ocupa nos orçamentos
familiares. Foi mapeado o número de empregos gerados pelo setor, de quanto é a
participação na formação do PIB. De acordo com a divulgação da pesquisa do IBGE
em 2006, o setor cultural paga uma média de 5,1 salários mínimos, valor que fica
acima da média geral da economia, que é de 3,3 salários mínimos. A análise do
IBGE é feita com base em metodologias de dados quantitativos; na cultura sabe-se
que há intervenção de categorias menos objetivas e ressalvamos que conhecer é o
primeiro passo em direção a soluções. Os dados servirão para embasar políticas
públicas para o setor.
É cedo para dizer se a divulgação da pesquisa do IBGE para a cultura tem a
ver com a mudança que verificamos no canal de obtenção de verbas, que, nas
instituições geridas pelos poderes públicos até aqui, foi a via burocrática do Tesouro
do Estado. Há uma completa e total substituição de instituições mantidas pelo
Estado, em instituições que vão ao mercado oferecer/vender um produto, para, em
troca, fazer frente às necessidades de toda ordem: equipamentos expositivos,
computadores, ou mesmo de material gráfico para exposição. O mercado aberto a
busca “via leis de incentivo” à cultura, leia-se Lei Rouanet e PRONAC, que por
intermédio de editais em que a concorrência é estabelecida, leva quem oferece
114
melhor produto. Por outro lado oferece o produto que o mercado deseja, esses é que
vão levar, mas, os patinhos feios, a tipologia de história do cotidiano, correm o risco
de ficarem alijados do mercado. São importantes, mas concorrendo com Artes,
digamos que, terá que muito bem produzir-se, de outra forma estará sem chance.
Fechando esta interpretação, reforçamos que nosso objetivo foi mostrar os
vários ângulos da dimensão histórico-contextual investigada, conscientes que nosso
olhar é particular e único.
115
5 CONCLUSÕES
O papel a ser atribuído aos museus foi objeto de vários debates, desde as
décadas de 50 e 60 do século XX, quando a ênfase era somente na conservação
dos acervos e no caráter educacional dos museus. Esse paradigma entrou em crise
nos anos 70, com a contundente crítica ao fato de o museu ser apenas um repasse
de discursos oficiais. A pouca freqüência de público em visita aos museus, atestada
inclusive pelos livros de registro das visitas, foi considerado um dos indícios de que a
sociedade pedia um novo museu. Alguns autores consideram que os
questionamentos, que vieram à tona, partiram da sociedade para dentro dos museus
e não de dentro dos museus para a sociedade. É esse contexto problemático que
nos despertou a atenção, inclusive por que as nossas atividades profissionais, são
desenvolvidas na área museal privada, ou seja, a atuação se no mesmo meio
social.
Na Europa e nos Estados Unidos, o trabalho na cultura e nos museus é
reconhecido. Uma operadora museal que colaborou na entrevista faz referência ao
plano de carreira dos museólogos franceses. No Brasil, os problemas são comuns
em todas as regiões, problemas institucionais e funcionais, mas, o Rio Grande do
Sul, em alguns aspectos, destaca-se positivamente. Um ponto forte da política
cultural gaúcha é a organização sistêmica que cooperou para a criação da política
museal do governo federal que vem sendo estruturada.
Nota-se a tentativa de qualificação na apresentação das exposições nos
museus de Porto Alegre, é uma tímida aproximação com a renovação pretendida
pela museologia e divulgada na Declaração de Caracas (1992). A Declaração de
Caracas, entre outras, propõe um museu integral, renovar o espaço expositivo é
pouco. É necessário, no mínimo, que a exposição mostre que filosofia por trás
dessa vitrina, é o embasamento do trabalho que precisa ficar evidente. No museu
em que projeto, tudo fica harmônico, aparece o fio condutor, todos podem
participar – os agentes museais e as pessoas da comunidade.
116
Portanto, além das hipóteses formuladas para o projeto de pesquisa,
tivemos como objetivo central identificar, compreender e explicitar, os motivos que
levam alguns poucos museus a incorporarem em sua prática os preceitos da nova
museologia em um paradigma complexo, e por que outros museus não realizam
essa incorporação e permanecem sob o paradigma tradicional.
Em um dos museus investigados, vários elementos combinados configuram
um trabalho com fortes características de uma museologia contemporânea. Estão
presentes ações de ordem científica, cultural e social, incorporando os recursos da
museologia tradicional podem fazer parte dos dois paradigmas - como: a
conservação, a pesquisa, a exposição. Além disso, o museu em questão inovou com
a criação de uma comissão multidisciplinar para estudar e definir políticas de acervo
e de descarte. Tratou de maneira inclusiva aos chamados PPDs Pessoas
Portadoras de Deficiências em quatro campos: visual, auditivo, mental e motor,
para a efetiva inserção desses ao convívio social. Essa experiência não prosperou, o
museu está passando por reformas na estrutura física, reformas que são
necessárias, porém, que podem estar escudando um viés ideológico com vistas à
desmobilização da equipe. Discordamos da necessidade de fechar as portas por um
longo período, estamos convencidos de que o trabalho era qualificado e que os
consertos na estrutura poderiam ter sido efetivados com restrições de acesso, sem
que o museu sofresse descontinuidade no trabalho que vinha desenvolvendo. Na
época do desenvolvimento da linha de trabalho citado, havia técnicos museais na
equipe.
O paradigma da museologia contemporânea propõe um museu que atue em
consonância com a sociedade, traduzindo seus anseios, ouvindo e participando de
suas necessidades em âmbitos importantes, como informação, entretenimento e
principalmente na contribuição para a formação da cidadania. Porém, não é possível
realizar um trabalho crítico sem a apropriação de um conjunto de conceitos e teorias
que corresponde a cada uma das áreas do conhecimento.
No paradigma tradicional, as pesquisas com base nos acervos o restritas
e incipientes. Percebemos que os acervos continuam a ser a meta, a pesquisa é
reduzida. Para que se busquem melhores e maiores informações, os acervos são o
117
ponto de partida, a referência, mas é necessário expandir esse horizonte.
Constatamos que a pesquisa dos processos e das relações do Homem ainda está
longe de ser uma prática nos museus investigados. Acreditamos que, tendo como
meta participar do desenvolvimento comunitário, o museu atuará com consciência,
porém, para atingir esse objetivo, as equipes deverão ser qualificadas.
A nossa primeira hipótese refere-se à qualificação dos trabalhadores em
museus. As pessoas que trabalham em museus, em Porto Alegre, basicamente,
dividem-se em três categorias: raríssimas com boa qualificação, pouquíssimas com
qualificação e a grande maioria sem qualificação na área da Museologia. As áreas
afins podem dar conta do trabalho provisoriamente. A substituição, por longo tempo,
implicará em baixa eficiência e eficácia do desempenho do trabalhador museal. A
conseqüência dessa falta de formação específica é a não incorporação dos
preceitos da museologia contemporânea – Novo Paradigma - nas suas práticas
profissionais. Sem concursos públicos – o último no Estado do Rio Grande do Sul foi
em 1992 para preenchimento de cargos, com afastamentos por aposentadoria e
outros motivos, os técnicos específicos são uma minoria nas equipes de operadores
museais em Porto Alegre. A situação está crítica, entre outros motivos, porque antes
da lei que criou a profissão, em 1985, as equipes tinham, em geral, formação de
curso superior, assim como as do concurso de 1992. As primeiras foram
provisionadas e as de 1992 nem isso. Desde 1992 até 2007, 16 anos se passaram,
considerando que a aposentadoria se após 35 anos de trabalho, esses OM terão
pelo menos mais 20 anos de serviço isto sem contar o tempo anterior que
tinham, muitos deles não estavam em seus primeiros empregos. Dito isso, estamos
convencidos que não haverá, nesta gestão, a prática comum de inchaço de
funcionários contratados nos museus; em um deles, chegou a haver, somente no
setor visitado, 30 técnicos, esse é um grande número de funcionários,
provavelmente desnecessários, dentro de um departamento. Na ativa, estão os
funcionários dos quadros da SEDAC do Rio Grande do Sul. Esses funcionários
ocupam cargos de técnicos científicos em assuntos culturais, “eufemismo”
empregado na redação do edital do concurso público de 1992. Tangenciando a lei, o
edital exigiu formação em curso superior na área das Ciências Humanas. Os cargos
de museólogos somente podem ser preenchidos com formados na graduação em
museologia. O cargo entãoo foi nomeado assim, mas como “técnico em assuntos
118
culturais”. O prognóstico que estabelecemos para a categoria é sombrio. Do
concurso, realizado através do edital de 1992, vem a maioria dos OM desta
investigação. Verificamos a formação, aparece: história, pedagogia, letras,
sociologia, biblioteconomia, administração, pedagogia e biologia. Constatamos que
há dois especialistas em museologia.
Frente ao exposto fica evidenciada a conseqüência maior da falta de
formação específica, que é a o incorporação dos preceitos do paradigma
contemporâneo da museologia nas práticas profissionais. Não discussão, debate
ou emprego de teorias museológicas. Não uma consciência critica, entre os OM,
eles não estão incorporando às práticas uma reflexão crítica, estamos convencidos
de que falta de consciência na esfera das idéias. As áreas científicas afins deram
conta do trabalho, mas, como essa situação se prolonga, implicou em baixa
eficiência e eficácia do desempenho desse trabalhador museal. Reiteramos que pela
ausência da formação específica, o patamar da ação não inclui questões teóricas,
que são exclusivas da museologia.
Quanto a esse aspecto ficou evidenciado que a formação é condição
essencial para a qualidade do serviço museal. Serviço aqui entendido desde o que é
entregue, na ponta, ao usuário do museu, à comunidade como parcela e à
sociedade como um todo. A formação das equipes está em transição, o governo
estadual está assumindo novo mandato, não técnicos contratados e o poucos
os concursados, há uma política de contenção de despesas por parte do governo; foi
feito um rearranjo para que os novos diretores acumulassem funções, sendo então
melhor remunerados.
Nossa hipótese demonstra-se verdadeira apenas em parte; o argumento não
se mostra adequado, uma vez que verificamos que não é apenas a falta de concurso
em si a questão. A questão envolve a formulação do edital do concurso. Nesse
ponto, incide uma das causas da falta de pessoal qualificado. O profissional que
preenche os requisitos e submete-se ao procedimento de seleção, considerado apto,
apresenta-se para o cargo, está no seu direito, o prejuízo está em que é impossível
desempenhar funções especializadas sem conhecer os conceitos pertinentes.
119
A grande maioria dos OM faz referência à falta de concursos. Devemos
afirmar que o concurso é necessário, porém o edital deverá respeitar o decreto
federal que regulamenta a profissão. O edital para preenchimento de vagas para
professores da Universidade de Pelotas (UFPEL), no curso de Museologia,
implantado em 2006, foi objetivo. Vieram profissionais habilitados de fora do Estado
para concorrer e prover as vagas, como é feito usualmente nas outras áreas
científicas e em outros concursos, o que nos prova ser possível prover os cargos
com cnicos habilitados. Uma outra característica que explica por que o paradigma
cartesiano, positivista é praticado no museu tradicional, é que os OM desconhecem
a produção teórica museológica e a grande maioria das cnicas, assim o museu
tradicional prossegue hegemônico.
Na formulação da segunda hipótese, partimos da constatação da existência
de uma tradição que vem de longa data. Esta tradição não é no Rio Grande do
Sul, estende-se no Brasil. Boa parte dos diretores foi substituída no início do
mandato em janeiro de 2007. estabilidade no setor, com expectativas apenas
sobre a linha de trabalho que as novas direções irão adotar, algumas estão em
ação. Um dos nossos objetivos foi conhecer, na substituição das direções dos
museus, de que forma isso repercute nas equipes e em seus desempenhos laborais,
constatamos, através das falas, que, a cada nova direção, corresponde um
recomeço. Os cargos dos gestores dos museus governamentais são,
tradicionalmente, cargos de representação do partido político no poder. A cada troca
de governo, substitui-se a direção dos museus, trata-se aqui de uma tradição em
nível nacional. O diretor continua escolhido exclusivamente por pertencer ao partido
político da situação. A área de formação, para ser diretor de museu, é critério
irrelevante. A direção, constituída pelo critério exclusivamente político partidário,
perpassa esse mesmo critério para a formação da sua equipe. O que resulta na
predominância dos “CC” (cargos em comissão). Diretor e seus convidados serão
substituídos ao final do mandato.
Na Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972), foram debatidas as
necessidades da ação dos museus no campo social, com desempenho
interdisciplinar, e estabeleceram-se diretrizes para os museus da América Latina.
Esta reunião teve repercussão internacional, pela primeira vez vinha a público a
120
idéia de transformação do museu. O evento foi considerado um marco entre o
paradigma cartesiano, positivista e difusor das histórias oficiais praticadas no museu
tradicional e as novas idéias de um museu participativo. Pela conjuntura política
brasileira da época, tempo dos governos militares, não houve divulgação desse
debate no Brasil. Na nossa terceira hipótese, afirmávamos que residia aí uma causa
importante para o descompasso entre as conquistas da sociedade e os museus
ainda hoje, no que se refere ao fato da plena incorporação do paradigma
contemporâneo da Museologia. Verificamos que este fato está fora do circuito do
“saber” dos OM. O marco paradigmático em que se constituiu a Mesa Redonda do
Chile, por ter sido pouco divulgada, não teve o efeito pratico que foi seu impulso
inicial. Houve sim, repercussões teóricas intensas. Algumas práticas foram
influenciadas, a anteriormente citada, melhoria da exposição museal, mas as
mudanças propiciam a reprodução do status quo, sem trazer a quebra paradigmática
no sentido kuhniano.
Verificamos com a tipologia “ideal” construída, que alguns parâmetros se
modificaram. Temos elementos novos, agindo sobre o velho paradigma tradicional
que fundamenta as ações na cultura, e isso não é exatamente o que esperávamos
encontrar. Discutimos sobre teorias e buscamos compreender em que medida essas
teorias contemporâneas estão assimiladas. Estamos convencidos que as práticas
estão mudadas pela incorporação de ferramentas até então alheias ao meio
museológico, velhas conhecidas do mercado. Falamos do processo de
“profissionalização” do mercado de cultura. Como o Estado não vinha cumprindo seu
papel de provedor, a saída encontrada pelos OM foi dirigida para o lado do mercado.
Ressaltamos que um movimento do próprio Estado neste sentido, empurrando
seus equipamentos culturais para a solução do patrocínio privado com dinheiro
público. Os museus estão se lançando em uma concorrência por verbas, através de
projetos apresentados ao mercado via leis de incentivo à cultura. Leis que foram
criadas em 1991, fruto que são da reforma do Estado, proposta por Bresser Pereira,
um ano antes, em 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, na delimitação
do tamanho do Estado, objetivando levar ao Estado Social-Liberal do século XXI.
Essa lei vem tendo sua utilização aprofundada pelos atuais governantes.
121
O Estado continua provendo o pagamento dos funcionários e, para atender
quaisquer outras necessidades, como computadores, mobiliários especiais tanto
para reserva e guarda de acervos, como para exposições, o criados projetos,
esses projetos irão ao mercado, onde vão ser oferecidos como “produtos”. Os riscos
são as distorções e a lógica do mercado. Ponderamos que o mercado possui a sua
lógica. A concorrência será acirrada, e a roupagem oferecida deverá ser atraente
aos compradores. A situação relatada representa mais do que apenas uma
tendência, trata-se de uma institucionalização. Dessa forma, um dos museus
investigados computa seis projetos aprovados e com os recursos assim captados
foram qualificados seus espaços internos e a estrutura de informática. Assim passa
de um museu desestruturado para um em que há um início de qualificação. A
melhoria pode ser constatada pelo usuário na visita, o museu está aberto ao público.
É certo que esta primeira qualificação é a que se refere ao espaço expositivo e de
material permanente de guarda, é a melhoria da área física. Em outro museu, o novo
diretor trata de criar um departamento para tratar exclusivamente da elaboração de
projetos. Estamos diante de uma novidade. São novos instrumentos de regulação
econômica das atividades culturais.
Outro fator importante verificado, diz respeito, à ausência de planos
diretores. Os organogramas (Anexos A, B, C e D) nos revelam a fragilidade das
organizações, o foi encontrado departamento exclusivo de museologia em
nenhum dos organogramas dos museus investigados. A razão é a mesma da falta
de formação, a não qualificação do trabalho fica clara. Qual o motivo de criar um
departamento, como seria operacionalizado? Sem profissionais que a ele
correspondam? Entretanto, a preocupação com a educação do público escolar é
uma continuidade, essa preocupação com as escolas é diretamente ligada ao
museu tradicional.
Com essa dissertação pretendemos mostrar que as organizações museais
possuem alguns elementos de uma matriz epistemológica contemporânea. Não
obstante, através da nossa investigação reconhecemos, com maior incidência, os
elementos lineares e cartesianos do paradigma tradicional. Estamos convictos de
que a Sociologia do Conhecimento nos deu a segurança de ter optado pela teoria
adequada para iluminar o objeto e o correspondente problema de pesquisa.
122
Por fim, acreditamos que a presente dissertação tanto para a academia
quanto para a comunidade museológica – adquire relevância, por realizar uma
análise sociológica, que vai servir de suporte para uma posterior reflexão crítica.
123
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antropólogos nas questões do Patrimônio. Seminário Quando o Campo é o
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127
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do Curso de Museus, no Ministério da Educação e Saúde, e dá outras providências,
Rio de Janeiro.
BRASIL. Decreto nº 16.078, de 13 de julho de 1944.Aprova o Regulamento do Curso
de Museus a que se refere o Decreto-lei n.6.689, de 13 de julho de 1944. Rio de
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Jornal Eletrônico
Ambrambilla.blaz.com.br/portofolio/reportagem_museu_julio/htm-21k–Texto
originalmente publicado, ed.87, abril, 2003, Jornal do MARGS.
128
Roteiro Contextual para Entrevista Semi-Estruturada
LOCAL: INÍCIO: FINAL
: COLABORADOR (A):
DATA:
Tema
1. Fale-me sobre sua trajetória profissional para situar a sua aproximação com a
área museal (palavra-chave: formação, explorar as singularidades do processo de
cada colaborador).
2. Para atender com seus acervos, as finalidades de estudo, educação, lazer e
entretenimento, como o museu está se instrumentalizando? Compare diferentes
momentos, do museu.
3. A museologia pensa um museu que atue em torno do triângulo, Homem, Espaço e
Bem Cultural. As informações geradas nas pesquisas museológicas podem
privilegiar os processos e as relações do Homem, ser um instrumento para o
desenvolvimento comunitário, com uma perspectiva dinâmica e com vetor
direcionado ao futuro. Comente sobre os projetos de ações já feitos e futuros.
a) Você acha que ocorreram mudanças ou, rupturas nas políticas culturais e nas
práticas do museu, no decorrer da sua trajetória profissional?
b) Você acha que tem crescido profissionalmente com as experiências ou/e
cursos? Compare diferentes momentos (Cuidar a formulação explorando
pistas da resposta anterior).
4. Em diferentes organizações, como instrumento de gestão (sociais, comerciais e
culturais) vem sendo feito uma relação entre o uso de planos diretores e
planejamento estratégico. Na sua opinião como deverá ser uma instituição museal,
deverá contar com o quê? O que falta para transformar este museu no que você
acredita que poderá ser?
5. Fatores do contexto social, econômico, cultural e político influenciam a formação
das equipes de trabalho nos museus, com resultado direto no desempenho
(eficácia/eficiência) dos mesmos. As pessoas que trabalham em museus, em Porto
Alegre, o estão isentas destas influências. O que você pensa sobre isto?
Comente.
6. Na sua opinião como deveria ser um museu?
a)Tem algum assunto que você considera importante, que nós não falamos, e que
você gostaria de abordar? A sua opinião é bem vinda.
Agradecimento, horário final.
129
Local:
Cessão de Direitos
Assino o presente termo, doando meu depoimento para a
dissertação de mestrado da aluna Vera Maria Sperandio Rangel de matrícula:
03190884-1 no curso de Ciências Sociais da Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. O mesmo poderá ser usado para compor publicações, estando eu ciente que
o produto, será de propriedade da mestranda.
Assinatura_______________________________ Data_____/______/_______
130
ANEXO A
acesso em 01/03/2007 8:00h
131
ANEXO B
132
ANEXO C
Organograma Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, 1989
133
ANEXO D
Organograma Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, 2003.
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