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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Avaliação da Qualidade do Sistema de Educação Superior Brasileiro
em Tempos de Mercantilização – Período 1994-2003
Tese de Doutorado
Julio César Godoy Bertolin
Porto Alegre
2007
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Avaliação da Qualidade do Sistema de Educação Superior Brasileiro
em Tempos de Mercantilização – Período 1994-2003
Julio César Godoy Bertolin
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação
como requisito parcial para a obtenção do tulo de Doutor em
Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadora Dra. Denise Balarine Cavalheiro Leite
Porto Alegre
2007
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2
À Tanise e à Camila, razões maiores da minha
vida, pela paciência e pela espera amorosa.
3
Agradecimentos
Agradeço a oportunidade de desenvolver minha tese de doutorado na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, pelo seu caráter público e de qualidade.
À Universidade de Passo Fundo pela Licença Pós-Graduação e pelas oportunidades
profissionais que vem me possibilitando.
Aos meus colegas da UPF, especialmente aos professores dos cursos de Ciência da
Computação e Análise e Desenvolvimento de Sistemas,
pelo companheirismo e fidelidade.
A toda minha família, meus irmãos e irmãs, minhas sobrinhas e sobrinhos, meus cunhados
e cunhada, aos familiares da Tanise, pelo
reconhecimento e incentivo.
À minha mãe e ao meu pai, que me legaram os princípios e valores que mais dignificam o
ser humano: ética, humildade, solidariedade,
fraternidade, igualdade e justiça. A eles, minha eterna
gratidão.
E especiais agradecimentos
À Capes e ao governo brasileiro, pelo apoio recebido para o desenvolvimento de estudos no
exterior.
Ao Prof. Dr. Rui Santiago da Universidade de Aveiro, pela receptividade e orientação
durante meu estágio de doutorado em Portugal.
À Prof
a
. Dr
a
. Denise Balarine Cavalheiro Leite pelo acompanhamento, pela orientação,
e pelas oportunidades de aprendizado acadêmico e de vida que me proporcionou.
4
Resumo
Este estudo teve como objetivo elaborar uma proposta de indicadores para avaliação
da qualidade do sistema de educação superior brasileiro e, com base nestes indicadores
elaborados, medir e avaliar o desenvolvimento da sua qualidade no período 1993-2004.
Considerou-se que o período escolhido está associado à intensificação do fenômeno da
mercantilização da educação superior no Brasil. Para caracterizar o fenômeno, o estudo
apóia-se nas perspectivas teóricas de Boaventura de Sousa Santos sobre as crises da
universidade, de Ana Maria Seixas acerca das transformações privatistas e dos autores
David Dill, Pedro Teixeira, Bem Jonbloed e Alberto Amaral sobre os mercados da
educação superior. Os temas da qualidade e da avaliação da qualidade têm como referência
principal os trabalhos de Ronald Barnett, Lee Harvey e Diana Green. Foram estudados os
indicadores e sistemas de indicadores de educação adotados pelas agências internacionais,
tais como Unesco e OCDE. Com essas referências foi elaborado um sistema de indicadores
para avaliação do desenvolvimento da qualidade do Sesb, que compreende as categorias
eqüidade, relevância, diversidade e eficácia. O estudo apresenta o sistema de indicadores
elaborado e sua aplicação no período 1993-2004. Os resultados explicam a hipótese de
trabalho, ou seja, em tempos de mercantilização da educação superior a qualidade da
educação superior brasileira não se desenvolveu positivamente, visto que no período 1994-
2003 não foram encontradas evidências claras de melhorias do Sesb em termos de
eqüidade, relevância, diversidade e eficácia.
Palavras-chave: educação superior, avaliação de sistema, mercantilização da educação
superior, avaliação da qualidade em educação superior, sistema de indicadores de SES.
5
Abstract
The present study was carried out with the aiming to elaborate a proposal of
indicators for assessing quality in Brazilian system for higher education and, based on those
indicators, measure and evaluate the development of such quality in the period ranging
from 1993 to 2004. It was considered the chosen period as associated to the increasing of
the commodification of higher education in Brazil. In order to characterize that phenomena,
the study used as grounds the theories developed by Boaventura de Sousa Santos, about the
university crisis; by Ana Maria Seixas, about the privatizing transformations; and by David
Dill, Pedro Teixeira, Bem Jonbloed, and Alberto Amaral, on the higher education markets.
The matters involving quality and quality assessment have the main studies by Ronald
Barnett, Lee Harvey, and Diana Green as references. The indicators and systems of
education indicators adopted by international agencies such as Unesco and OCDE, were
also studied. Based on those references a system of indicators for the evaluation of quality
development in Sesb was elaborated, and it includes the following categories: equity,
relevance, diversity, and efficiency. This study presents that indicators system as well as its
application during the period 1993-2004. The results explain the hypothesis upon which
work was developed, that is, in times of commodification of higher education, the quality
of such education in Brazil has not developed positively. That is said based on the fact that
during the period 1993-2004 there could not be found clear evidences of improvement in
Sesb in what concerns equity, relevance, diversity, and efficiency.
Key words: higher education, evaluation system, commodification of higher education,
quality assessment in higher education, system-level indicators for higher education
6
Lista de Ilustrações
Figura 1 - Representação do triângulo da coordenação de Burton Clark.................................... 91
Figura 2 - Modelo geral dos sistemas de educação superior do Estado-Providência.................. 106
Figura 3 - Modelo geral dos sistemas de educação superior do neoliberalismo.......................... 106
Figura 4 - Visões de qualidade em educação superior................................................................. 143
Figura 5 - Indicadores de resultado da aprendizagem da OCDE 2002........................................ 181
Figura 6 - Indicadores de recursos econômicos e humanos da OCDE 2002............................... 181
Figura 7 - Indicadores de acesso à educação, participação e promoção da OCDE 2002............ 181
Figura 8 - Indicadores de contexto pedagógico e organização escolar da OCDE 2002.............. 182
Figura 9 - Relação entre os indicadores da OCDE e propriedades da qualidade........................ 184
Figura 10 - Estrutura básica do sistema de indicadores para o Sesb............................................. 205
Figura 11 - Sistema da Unesco-Cepes para indicadores de qualidade do Sesb............................. 207
Figura 12 - Avaliação da OCDE para indicadores de qualidade do Sesb...................................... 209
Figura 13 - Análise do Banco Mundial para indicadores de qualidade do Sesb........................... 211
Figura 14 - Sistema de Indicadores para a qualidade do Sesb....................................................... 215
Figura 15 - Etapas do procedimento de investigação de Quivy e Campenhoudt.......................... 218
Figura 16 - Evolução da quantidade de IES estatais e privadas no Sesb no período 1994-2003.. 220
Figura 17 - Evolução do percentual de matrículas das redes estatais e privadas no Sesb no
período 1994-2003...................................................................................................... 220
Figura 18 - Despesas executadas pelas Ifes com recursos do Tesouro como porcentagem do
PIB no período 1994-2001.......................................................................................... 223
Figura 19 - Estimativa comparativa do financiamento privado e do governo federal das IES do
Sistema Federal de Ensino no período 1994-2001...................................................... 224
Figura 20 - Despesas executadas pelas Ifes com recursos do Tesouro por discente no período
1994-2001................................................................................................................... 225
Figura 21 - Dispêndio do governo federal em P&D com o MEC no período 1996-2002............. 226
Figura 22 - Quantidade de discentes por docente com título de doutor nas Ifes, nas IES
estaduais/municipais, e nas IES privadas e no Sesb no período 1994-2003............... 227
Figura 23 - Evolução da razão de discentes por docente com título de mestre ou doutor no
Sesb no período 1994-2003........................................................................................ 228
Figura 24 - Quantidade de discentes por docente nas privadas, nas IFES e no Sesb no período
1994-2003................................................................................................................... 229
Figura 25 - Evolução da porcentagem de docentes com dedicação integral e parcial do Sesb no
período 1994-2003...................................................................................................... 230
Figura 26 - Evolução da porcentagem de discentes por grandes áreas do conhecimento do Sesb
no período 1994-2003................................................................................................. 231
Figura 27 - Quantidade de discentes de mestrado e doutorado no Brasil para cada bolsista no
exterior no período 1996-2002.................................................................................... 232
Figura 28 - Quantidade de cursos de graduação avaliados pelo ENC (Provão) no período
1996-2003................................................................................................................... 233
Figura 29 - Evolução da porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provão nas Ifes e na
rede privada no período 1998-2003............................................................................ 234
Figura 30 - Evolução da porcentagem de cursos das Ifes, dos sistemas estaduais, da rede 235
7
privada e do Sesb por conceitos no período 1998-2003.............................................
Figura 31 - Evolução da taxa de escolarização líquida na educação superior brasileira no
período 1993-2003...................................................................................................... 236
Figura 32 - Evolução da porcentagem de concluintes em relação aos discentes que ingressaram
4 anos antes no Sesb no período 1996-2003............................................................... 237
Figura 33 - Evolução da porcentagem da população economicamente ativa com diploma
superior no Brasil no período 1993-2003................................................................... 237
Figura 34 - Quantidade de pessoas inseridas em ocupação técnico-científica por publicação
internacional no Brasil no período 1998-2003............................................................ 238
Figura 35 - Comparação entre as taxas de escolarização líquida das populações negra e branca
na educação superior brasileira no período 1993-2003.............................................. 239
Figura 36 - Evolução da relação entre a porcentagem de discentes da educação superior e a
porcentagem da população de cada região do Brasil no período 1995-2003.............. 240
Figura 37 - Evolução da porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provão por regiões
do Brasil no período 1998-2003................................................................................. 241
Figura 38 - Evolução dos indicadores do Sesb no período 1994-2003......................................... 242
Figura 39 - Estimativa do financiamento do Sistema Federal de Ensino por discente no
período 1994-2001...................................................................................................... 243
8
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Evolução do número de IES por categoria administrativa - Brasil 1997-2003............ 127
Tabela 2 - Estrutura condensada para o Plano de Ações Prioritárias da Unesco-Cepes............... 186
Tabela 3 - Indicadores do quadro referencial que suporta as políticas e os desenhos de
políticas da Unesco-Cepes........................................................................................... 187
Tabela 4 - Indicadores de financiamento da Unesco-Cepes.......................................................... 188
Tabela 5 - Indicadores de níveis apropriados de participação, acesso e retenção da Unesco-
Cepes........................................................................................................................... 188
Tabela 6 - Indicadores de resultados econômicos e sociais da Unesco-
Cepes........................................................................................................................... 189
9
Lista de Siglas
ACE – Avaliação das condições de ensino
Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Cefet - Centro Federal de Educação Tecnológica
Cepes - European Centre for Higher Education da Unesco
Ceri - Centre for Educational Research and Innovation da OCDE
C&T – Ciência & Tecnologia
Cipes - Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Conaes - Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
Creduc - Programa de crédito educativo
Enade - Exame nacional de desempenho de estudantes do Sinaes
ENC – Exame nacional de cursos
ENQA – European Network for Quality Assurance in Higher Education da UE
ES – Educação superior
EUA – Estados Unidos da América
Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Fatec – Faculdade de Tecnologia
10
FEA - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
Fies - Programa de financiamento estudantil
FMI - Fundo Monetário Internacional
G8 - Grupo dos sete países mais desenvolvidos do Mundo e a Rússia
Gats – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços da OMC
Gatt – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
Geres - Grupo Executivo para a Reformulação do Ensino Superior
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES – Instituição de educação superior
IFC – International Finance Corporation
Ifes - Instituições federais de ensino superior
Ince – Institut Nacional de Calidad y Evaluación do Ministério de Educação, Cultura e
Desporto da Espanha
Ines - International Indicators of Education Systems do Ceri
Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”
INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor do IBGE
Ipib – Internet produto interno bruto
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MBA - Master of Business Administration
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil
MEC – Ministério da Educação do Brasil
Nafta - Acordo de Livre Comércio da América do Norte
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OECD - Organization for Economic Co-operation and Development
11
OEI - Organização dos Estados Ibero-americanos
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
PAE – Programa de ajustes estruturais do Consenso de Washington
Paiub - Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras
Paru - Programa de Avaliação da Reforma Universitária
PEA - População economicamente ativa
P&D – Pesquisa & Desenvolvimento
PIB - Produto interno bruto
Pisa - Programme for International Student Assessment da OCDE
Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE
PPC - Paridade de poder de compra da OCDE
SFE – Sistema Federal de Ensino
SES - Sistema de educação superior
Sesb – Sistema de educação superior brasileiro
Sidra - Sistema IBGE de Recuperação Automática
Sinaes - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
Seppir - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil
TIC – Tecnologias de informação e comunicação
TQM – Total quality management
UE – União Européia
UFGRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
12
UnB – Universidade de Brasília
Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UPF – Universidade de Passo Fundo
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USP – Universidade de São Paulo
WEI – World Education Indicators da Unesco
13
Sumário
Resumo.....................................................................................................................................
4
Abstract.....................................................................................................................................
5
Lista de Ilustrações.................................................................................................................
6
Lista de Tabelas......................................................................................................................
8
Lista de Siglas..........................................................................................................................
9
Prólogo.....................................................................................................................................
15
Introdução...............................................................................................................................
16
O problema.......................................................................................................................... 16
O objetivo............................................................................................................................ 18
A justificativa....................................................................................................................... 19
Definições teóricas............................................................................................................... 23
Abordagem metodológica.................................................................................................... 25
Estrutura do texto................................................................................................................. 27
Capítulo 1 - A História e a Missão da Educação Superior..................................................
30
1.1 A Trajetória da Universidade: do Feudalismo ao Neoliberalismo................................. 31
1.1.1 O surgimento da universidade durante o feudalismo..............................................
31
1.1.2 A primeira grande crise da universidade durante o mercantilismo.........................
32
1.1.3 A consolidação da universidade moderna durante o liberalismo............................
34
1.1.4 A massificação da universidade durante o welfare state keynesiano..................... 37
1.1.5 Uma nova grande crise da universidade na emergência do neoliberalismo........... 39
1.2 Concepções e Transformações da Educação Superior Contemporânea......................... 41
1.2.1 As concepções de universidade no século XX....................................................... 42
1.2.2 O Estado, o mercado e as transformações da educação superior contemporânea.. 46
1.3 A Missão da Educação Superior no Século XXI............................................................ 51
1.3.1 A Unesco, o Banco Mundial e as funções da educação superior.......................... 52
1.3.2 As missões socioculturais e econômicas da educação superior no século XXI.... 55
Capítulo 2 - A Mercantilização da Educação Superior: o fenômeno mundial e o caso
brasileiro.................................................................................................................................
62
2.1 Uma Introdução ao Estudo da Economia e dos Mercados............................................. 64
2.1.1 As teorias econômicas, o Estado e o mercado....................................................... 64
2.1.2 O estudo do mercado: mecanismo de formação de preço ou estrutura social? .... 69
2.1.3 As experiências de mercados livres de controle político e social.......................... 73
2.1.4 O mercado e seus termos básicos.......................................................................... 75
2.2 As Origens e as Características da Mercantilização da Educação Superior................... 77
2.2.1 A visão da educação superior como serviço comercial: de Adam Smith ao BM
e a OMC.................................................................................................................................... 79
2.2.2 A mercantilização dos meios e dos fins da educação superior.............................. 89
2.2.3 Mercados em educação superior: do quase-mercado às falhas de mercado.......... 108
2.3 A Mercantilização da Educação Superior Brasileira...................................................... 116
2.3.1 A avaliação do Provão: ranking e competição de mercado ..................................
118
2.3.2 A grande expansão das instituições privadas.........................................................
123
14
Capítulo 3 - A Qualidade da Educação Superior: das concepções aos sistemas de
indicadores...............................................................................................................................
133
3.1 As Concepções de Qualidade em Educação Superior.................................................... 134
3.1.1 As propostas de taxionomia para a qualidade em ES............................................ 135
3.1.2 Novos termos e tendências de qualidade em ES: economicismo, pluralismo e
equidade.................................................................................................................................... 142
3.1.3 A inexorável relatividade do conceito de qualidade em ES................................. 153
3.2 A Qualidade dos Sistemas de Educação Superior.......................................................... 156
3.2.1 As características dos sistemas de educação superior........................................... 157
3.2.2 O entendimento de qualidade no âmbito de SES...................................................
163
3.2.3 A avaliação e a medição de sistemas de educação superior.................................. 167
3.3 Os Sistemas Internacionais de Indicadores de SES........................................................ 172
3.3.1 Indicadores de qualidade para SES........................................................................
173
3.3.2 Avaliações e medições internacionais de SES.......................................................
179
Capítulo 4 - O Desenvolvimento da Qualidade do Sesb no período 1994-2003................
196
4.1 Uma proposta de Sistema de Indicadores para o Sesb................................................... 198
4.1.1 O sistema de educação superior brasileiro – Sesb.............................................. 199
4.1.2 Um sistema de indicadores para avaliar e medir a qualidade do Sesb.................. 201
4.2 Avaliação e Medição do Desenvolvimento da Qualidade do Sesb - Período 1994-
2003...........................................................................................................................................
216
4.2.1 Fundamentação metodológica da avaliação e medição do Sesb........................... 216
4.2.2 Levantamento do desenvolvimento do Sesb no período 1994-2003..................... 219
4.2.3 Análise geral do desenvolvimento da qualidade do Sesb - período 1994-2003.... 241
Conclusão................................................................................................................................
256
Bibliografia.............................................................................................................................
264
Anexos.....................................................................................................................................
278
15
Prólogo
Não obstante desenvolver a docência e possuir título de mestre no campo das
ciências exatas, desde os tempos de estudante me interesso por e me envolvo com questões
políticas e sociais. Meu próprio mestrado, apesar de ser em Ciência da Computação,
abordou o envolvimento de questões humanas como uma das principais tarefas de um
analista de sistemas: superar a resistência dos utentes aos processos de informatização.
Nos últimos tempos, como ator do mundo acadêmico, primeiro como discente e
depois como docente, tenho desenvolvido diversas atividades relacionadas com as mais
importantes dimensões da universidade e da educação superior. Mais recentemente,
desempenhando as funções de coordenador de curso de graduação, membro do Conselho
Universitário da Universidade de Passo Fundo e como avaliador e consultor do Ministério
da Educação, ampliei meu interesse pelo assunto avaliação e qualidade da educação
superior.
No âmbito intra-institucional tenho dedicado especial atenção às questões de
eqüidade e acesso como, por exemplo, ao idealizar e coordenar o projeto “Informática para
todos”, que propicia o aprendizado básico do uso do computador e do acesso à internet para
crianças carentes. No âmbito interinstitucional minhas atividades estão relacionadas
principalmente com a avaliação de instituições e cursos de educação superior. No ano de
2003, participei da comissão formada pelo então ministro da Educação para propor um
novo sistema de avaliação para a educação superior brasileira, o que resultou na proposta
do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - Sinaes.
Atualmente, a educação superior faz parte dos meus projetos de vida pessoal e
profissional. Acredito que a qualidade em educação superior é essencial para o
desenvolvimento do país. Ao apresentar esta tese de doutorado, espero estar contribuindo
com dados e evidências sobre o desenvolvimento da qualidade da educação superior
brasileira. Hoje, mais do que nunca, tenho a convicção de que trabalhar num projeto que
valoriza a idéia de educação como bem público e de educação superior comprometida com
qualidade como eqüidade e relevância social é também estar trabalhando para o
desenvolvimento de uma sociedade mais justa, humana e solidária.
16
Introdução
Este capítulo inicial tem o objetivo de apresentar a problematização do tema objeto
de estudo. Além dos objetivos, são apresentadas a justificativa e a importância do tema, as
definições teóricas necessárias para a sua compreensão, a abordagem metodológica e a
forma como está estruturado o trabalho. Ao introduzir a problemática, anuncia-se o
caminho da construção intelectual realizada.
O problema
Com uma história de quase mil anos, as instituições de educação superior e as
universidades passaram por grandes desafios e profundas transformações, como, por
exemplo, na Renascença e na consolidação dos Estados nacionais. Pode-se dizer que foram
reinventadas algumas vezes, tanto por meio de processos radicais como por lentos
processos evolutivos (MORHY, 2003). Assim, a educação superior sempre demonstrou
uma grande capacidade de adaptação e, à medida que a sociedade e o Estado se
transformavam, também adquiria novas formas e funções. Nesta virada de século, quando o
mundo sofre novamente profundas transformações sociais e econômicas, tais como a
emergência da globalização, a predominância do princípio do mercado (neoliberalismo) e
as inovações das tecnologias de informação e comunicação, novamente a universidade e as
instituições de educação superior deparam-se com imensos desafios. Por conseguinte, nas
últimas décadas estão ocorrendo mudanças na educação superior de vários países: os
sistemas passaram de um modelo de elite para um modelo de massas, as IES multiplicaram-
se e expandiram-se gerando uma grande diversificação de formas de organizações
acadêmicas e administrativas, e, sobretudo, emergiu o fenômeno chamado de
“mercantilização” ou “mercadorização da educação superior”.
A existência de instituições privadas e a cobrança de taxas dos alunos na educação
superior não são fenômenos essencialmente modernos. As primeiras universidades da
Europa eram associações de direção privada e os sistemas educacionais superiores
nacionais se estabeleceram nos séculos XIX e XX, seja pela fundação de novas instituições,
seja pela provisão de recursos estatais para as existentes. Nos últimos anos, porém,
mudanças mais profundas sobre a natureza privada dos meios e dos fins da educação
superior foram observadas em quase todo o mundo. Segundo Tristan McCowan, uma “nova
17
estrutura tem sido caracterizada por duas formas de privatização: o crescimento de
universidades particulares e a crescente proporção de financiamento privado para as
universidades públicas.” (2005, p. 1). Entretanto, as recentes mudanças vão muito além da
simples ampliação de instituições e financiamento privado. O surgimento de avaliações
geradoras de rankings, o estabelecimento de mecanismos de mercado como forma de
regulação e a emergência de modelos gerenciais empresariais nas IES estatais
(managerialismo) são alguns outros exemplos de fenômenos com viés mercantil que m
emergindo no âmbito dos sistemas nacionais de educação superior.
Essas mudanças podem ser pouco surpreendentes no contexto das reformas
neoliberais e da crise estrutural de hegemonia, de legitimidade e institucional (SANTOS,
1994) que a educação superior vem passando nas últimas décadas. No entanto, a questão é
mais complexa visto que o processo de mercantilização pode gerar impactos significativos
sobre a qualidade, a eqüidade e a relevância de um sistema de educação superior e, por
conseguinte, na missão e no papel que historicamente a educação superior vem
desempenhando no desenvolvimento sociocultural e econômico dos países. Alguns
organismos multilaterias financeiros m sustentado que as instituições privadas e o status
de serviço comercial da educação superior contribuem não apenas para a eficiência e o
crescimento econômico, mas também para o desenvolvimento igualitário da sociedade. Por
outro lado, diversos e reconhecidos investigadores defendem o princípio da educação
superior como bem público, apresentando, entre outros argumentos, a importância
estratégica que a educação superior e a universidade têm na construção de um projeto de
país e que o mercantil, ao contrário das características da universidade, possui interesses de
curto prazo.
Entretanto, os estudos desenvolvidos até o momento sobre as recentes mudanças de
tendência mercantil na educação superior ainda não permitem conclusões definitivas sobre
os impactos nos sistemas nacionais de educação. Portanto, estudar, investigar e descobrir as
complexidades e conseqüências do fenômeno da mercantilização da educação superior é de
fundamental importância para as instituições, os sistemas e a sociedade, bem como para o
próprio futuro dos países. Diante disso, o problema que move esta tese de doutorado está
diretamente relacionado com a urgente necessidade de se aprofundar o conhecimento
18
acerca do próprio fenômeno da mercantilização da educação superior e dos seus impactos
sobre a educação superior.
O Objetivo
Diante do contexto atual de crise e de transformações, surgem diversas questões
importantes para os destinos e rumos da educação superior neste início de século XXI:
Como manter padrões de qualidade de um sistema de elite diante da emergência de
sistemas de massas? Como manter valores acadêmicos e a pesquisa desinteressada em
tempos de mercados competitivos e de crescente dependência do financiamento privado?
Como desenvolver e ampliar a eqüidade e a relevância social da educação superior num
contexto de ampliação de instituições com fins lucrativos e da visão economicista da
educação? Enfim, diante das novas políticas de caráter mercantil e das próprias
transformações sociais surgem importantes questionamentos acerca dos rumos que a
educação superior está a tomar.
Nesse contexto, é de fundamental importância saber em que medida a
mercantilização da educação superior está trazendo os resultados positivos preditos pelos
organismos multilaterais financeiros e pelos governos neoliberais. Mais especificamente,
acerca dos SES, o que precisa ser efetivamente respondido é se a mercantilização da
educação superior é eficaz em relação à melhoria da qualidade, eqüidade e relevância dos
sistemas? O desenvolvimento do presente trabalho procura exatamente contribuir na
construção de conhecimento para responder a tais questões. Em síntese, o objetivo principal
desta tese é investigar o comportamento e o nível de desenvolvimento da qualidade da
educação superior brasileira em tempos de mercantilização.
Para alcançar tal objetivo o presente trabalho propõe-se, inicialmente, revisar a
literatura especializada e realizar análises interpretativas acerca de dois assuntos
prioritários: (i) o fenômeno da mercantilização da educação superior em nível mundial e no
caso brasileiro e (ii) a qualidade na educação superior em nível de concepções e
operacionalização para a avaliação de SES. Para melhor fundamentar essas duas
abordagens apresentam-se estudos acerca da história e da missão da educação superior.
Posteriormente, com base nos resultados das pesquisas bibliográficas e revisões da
literatura, propõe-se um modelo de qualidade e implementa-se sua operacionalização para
19
avaliar o desenvolvimento da qualidade do Sesb no período em que surgiram e se
consolidaram as políticas de mercantilização no Brasil (1994-2003). Com o estudo sobre a
história e missão da educação superior pretende-se recuperar toda a trajetória desse nível de
educação, desde o surgimento das universidades na Europa medieval, passando pela
consolidação dos modelos modernos de universidades, pelas crises de legitimidade,
hegemonia e institucional surgidas nas décadas de 1980 e 1990, e apontar as tendências de
concepções e missões para a educação superior no século XXI. Por meio de revisão da
literatura e de análises interpretativas acerca das recentes políticas e tendências mercantis
observadas nos meios e fins da educação superior, pretende-se compreender melhor os
conceitos básicos da economia e do mercado, bem como embasar a investigação das
origens, das causas e das características próprias do fenômeno da mercantilização da
educação em nível mundial e do caso brasileiro. Por fim, com o estudo sobre as concepções
e visões de qualidade em ES, as formas de avaliações dos SES e sobre os sistemas
internacionais de indicadores pretende-se fundamentar um modelo de qualidade para um
SES, bem como embasar a operacionalização da avaliação e medição do desenvolvimento
da qualidade do Sesb no período 1994-2003.
A Justificativa
Pode-se dizer que atualmente existe um consenso sobre a centralidade decisiva da
educação para o desenvolvimento social e econômico das nações. O capital humano tem
sido enfatizado por diversos organismos multilaterias, tais como Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, Banco Mundial e Comissão Européia, como
determinantemente crítico para o crescimento econômico. Indiscutivelmente, os
investimentos realizados em educação refletem em bem-estar para as sociedades, e uma
população mais escolarizada resulta em maior capacitação, mais especialização, melhores
retornos econômicos em bens e serviços, e facilita a absorção de alta tecnologia. Além
disso, a qualidade e a eqüidade nos sistemas de educação causam fortes impactos em
indicadores sociais como mortalidade infantil, fecundidade e distribuição de renda.
Portanto, a educação é vista como um meio tanto para reduzir as desigualdades e
desenvolver o social quanto para melhorar a produtividade e fazer crescer a economia. Tais
20
afirmações valem para todos os níveis educacionais: educação infantil, ensino fundamental,
ensino médio e educação superior. Segundo Boaventura de Souza Santos,
a universidade no século XXI será certamente menos hegemônica, mas não
menos necessária que o foi em séculos anteriores. A sua especificidade enquanto
bem público reside em ser ela a instituição que liga o presente ao médio e longo
prazo pelos conhecimentos e pela formação que produz e pelo espaço público
privilegiado de discussão aberta e crítica que constitui (2004, p. 114).
De acordo com José Dias Sobrinho, “em alguns sentidos, o futuro da humanidade
será o que da educação superior vier a ser feito. E reciprocamente. Mais do que nunca os
destinos do homem sobre a terra se vinculam aos conhecimentos e às técnicas.” (DIAS,
2005, p. 226). Assim, não obstante as recentes transformações sociais, políticas e
econômicas ocorridas em escala global, a educação superior continua neste início de século
XXI - e muito provavelmente ainda continuará por muito tempo - desempenhando papel
fundamental no desenvolvimento das sociedades e dos países. Porém, para que a educação
superior possa continuar contribuindo com o desenvolvimento social e econômico dos
países fazem-se necessárias a avaliação e a garantia da qualidade em nível de instituição e
de SES, ou seja, a qualidade é requisito básico para que a educação superior possa cumprir
sua missão neste início de século XXI.
Segundo Maria J. Lemaitre (2001), o desafio que se enfrenta em relação à qualidade
é precisamente a redefinição dos seus modelos. Para tanto, faz-se necessário identificar os
elementos que são essenciais em termos da educação superior. Temas como a condição
atual da educação superior, os limites e alcance de seu papel na sociedade moderna, as
características da investigação, a necessidade de desenvolvimento acadêmico e as
demandas dos diversos stakeholders externos precisam ser colocados na agenda de
pesquisa e da análise acadêmica e política. De acordo com a autora, especialmente no caso
dos países em desenvolvimento, essa é uma tarefa urgente.
O documento da Unesco "Os quatro pilares da educação", ao rejeitar uma visão
meramente instrumental e produtivista para a educação, afirma que a educação do homem
deverá ser organizada em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a
aprender, aprender a fazer, aprender a conviver juntos e aprender a ser. Segundo Jorge
21
Werthein (2005), “esses quatro pilares devem estar presentes na política de melhoria da
qualidade de educação, pois eles abrangem o ser em sua totalidade, do cognitivo ao ético,
do estético ao técnico, do imediato ao transcendente. A visão de totalidade da pessoa
integra a moderna concepção de qualidade em educação”. Não obstante a existência de
algumas variações de visões acerca do assunto, um dos grandes desafios da educação
superior neste início de século é, sem dúvida, a garantia e melhoria da qualidade dos
sistemas de educação.
O debate sobre a qualidade da educação superior no Brasil ganhou maior
visibilidade a partir de 1995, quando foi criado um sistema de avaliação que gerava ranking
(Provão) e aumentava a competição entre as instituições e cursos do Sesb. Além disso, a
partir da segunda metade da década de 1990 a educação superior brasileira começou a
experimentar um crescimento significativo de instituições privadas com fins lucrativos. O
Banco Mundial apoiou essas iniciativas argumentando que as instituições privadas possuem
capacidade de assegurar um rápido aumento das taxas de atendimento (matrículas) e que a
competição entre as instituições melhora a qualidade e traz benefícios à sociedade a um
custo público baixo.
Entretanto, tais justificativas são fortemente questionadas por diversos
pesquisadores e parcela significativa da comunidade acadêmica; são questionamentos que
possuem sentido visto que a rede privada no Brasil possui, historicamente, o corpo docente
com menor titulação e a menor produção científica, bem como apresenta restrições para
desenvolver ações sociais ou comunitárias, visto que depende de financiamento privado
para obter sustentabilidade. Segundo o recente informe publicado pela Unesco Hacia las
sociedades del conocimiento:
Devido à diminuição das subvenções públicas, as instituições de educação
superior têm que recorrer ao setor privado para ampliar suas margens de
manobra. Os riscos de uma mercantilização dos serviços da educação superior
são reais. Ainda que não haja em todos os países uma situação idêntica nesses
aspecto. Os Estados que possuem uma larga tradição universitária não se vêem
tão ameaçados por esta diversificação da oferta da educação superior. O caso
mais preocupante é o dos países carentes dessa tradição, já que neles a aparição
da sociedade do conhecimento pode vir junto com a emergência de autênticos
mercados da educação superior. Isto tem levado alguns comentaristas a
qualificar esse processo de macdonaldização do conhecimento. É necessário
22
cuidar para que essas tendências não terminem por desvirtuar a missão
primogênita da educação superior.
Ainda que não exista um modelo único de organização, é importante garantir
que os sistemas de educação superior emergentes possuam um vel de
qualidade e pertinência e um grau de cooperação internacional suficientes, a fim
de que possam desempenhar plenamente seu papel de pilares na edificação das
sociedades do conhecimento (UNESCO, 2005, p. 95).
Portanto, a expansão privada, as políticas de mercantilização e a emergência de
competição de mercados são fatores críticos para o desenvolvimento e evolução da
qualidade da educação superior em países em desenvolvimento como o Brasil. Enfim,
como a qualidade é requisito básico para a educação superior cumprir sua missão e a
educação superior é essencial para o desenvolvimento social e econômico, especialmente
no caso brasileiro, estudar os impactos da mercantilização na qualidade da educação
superior tornou-se fundamental tanto do ponto de vista acadêmico, como do político e
estratégico para o país.
Além disso, diversos e reconhecidos autores m alertado para a necessidade de se
desenvolverem pesquisas acerca dos impactos resultantes da expansão de instituições
privadas, ampliação do financiamento privado e surgimento de quase-mercados e mercados
competitivos no âmbito da educação superior. Na obra Markets in higher education:
rhetoric or reality? os organizadores observam que
talvez o que seja mais necessário [no momento atual] são estudos
conceitualmente claros e rigorosamente empíricos do impacto da eficiência
alocativa sobre diferentes políticas de educação superior, nacionais e
internacionais. Estudos desse tipo enfrentariam sérios problemas de mensuração
na tentativa de avaliar corretamente os resultados e os benefícios sociais da
educação de vel superior. Mas, dada a crescente influência da freqüência aos
cursos universitários na vida de nossos cidadãos e o rápido aumento do custo
social dos sistemas de educação superior de massa, esses estudos são muito
necessários (TEIXEIRA et al., 2004, p. 349).
Os autores Sandra Souza e Romualdo Oliveira alertam que “estudos que visem
identificar os impactos já produzidos pelas avaliações nos sistemas e instituições de ensino,
no Brasil, são ainda escassos, portanto fazem-se necessárias investigações que busquem
apreciar como vem sendo assimilada, por ‘gestores’ e ‘clientes’ dos sistemas educacionais,
a lógica do mercado.” (2003, p. 879). Um dos mais conhecidos pesquisadores sobre
23
qualidade em educação, Lee Harvey, no artigo The end of quality?”, publicado na revista
científica Quality in Higher Education, também aborda a carência de definições e de
estudos sobre o mercado na educação superior (HARVEY, 2002). Portanto, investigações
acerca do fenômeno da mercantilização da educação superior e da qualidade em educação
superior são plenamente justificáveis visto que informações e dados sobre o
desenvolvimento e a evolução da qualidade em ES em tempos de mercantilização são raros
e, até o momento, inconclusos, tanto em nível mundial como em termos de Brasil.
Desta forma, a partir de estudos e pesquisas sobre as recentes transformações da
educação superior, sobre a sua mercantilização e dos sistemas de avaliação de SES, o
presente trabalho propõe-se a investigar a hipótese de que em tempos de mercantilização
não ocorreram avanços significativos no desenvolvimento da qualidade do sistema de
educação superior brasileiro no período 1994-2003. Por conseguinte, também se busca
investigar a extensão da validade da argumentação de alguns governos e organismos
multilaterais financeiros de que mecanismos e competição de mercado provocam eficiência
e eficácia, melhores resultados sociais e desenvolvem a eqüidade na educação superior.
Definições teóricas
A análise das recentes transformações que a educação superior vem sofrendo para e
de acordo com a lógica do mercado precisa ser contextualizada segundo uma perspectiva
histórica e das políticas que lhes dão origem. Tais políticas, por sua vez, para serem
compreendidas necessitam de uma abordagem acerca das mudanças globais em curso.
Do ponto de vista da análise histórica, as noções de educação superior como bem
público ou serviço comercial são importantes para a compreensão do momento atual. Ainda
no século XVIII, Adam Smith talvez tenha sido o primeiro a abordar a questão da natureza
pública ou privada da educação superior. De forma contraditória, o autor, ao mesmo tempo
em que enfatiza a competitividade entre homens, organizações e instituições de toda
natureza, inclusive as educacionais, como princípio fundamental do progresso, também
alerta para a necessidade da atenção do poder público ao afirmar que, se não houvesse
instituições públicas destinadas à educação, só seria ensinado as coisas úteis no curto prazo.
Assim, Adam Smith defendeu a idéia de que o ensino deveria ser pago, ainda que a baixo
24
custo, pela família e o mestre deveria receber apenas em parte do poder público para não
negligenciar sua atividade.
De maneira geral, nos século XIX e XX o estatuto da educação superior como bem
público ou privado não esteve em questão visto que a política de financiamento baseava-se
no modelo europeu, que incumbia de tal tarefa, sobretudo, o Estado. Somente em meados
da década de 1980 o debate sobre a natureza de bem público ou serviço comercial da
educação superior adquiriu proeminência. No ano de 1986, no documento “Financing
education in developing countries an exploration of policy options”, o Banco Mundial
defendeu a tese de que os investimentos em educação básica propiciam maiores retornos
sociais e individuais que os investimentos em educação superior.
A partir de então, progressivamente e em escala mundial, as políticas dos
organismos multilaterais financeiros e governos nacionais passaram a fragilizar as
instituições públicas, a expandir as redes de instituições privadas e, inclusive, a defender a
liberalização comercial dos “serviços educacionais” na agenda do Acordo Geral sobre
Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio. Assim, durante a década
1990, o debate acerca do estatuto da educação superior como bem público ou como serviço
comercial passou a ocupar espaços na produção documental dos organismos multilaterias
financeiros - BM, Banco Interamericano de Desenvolvimento, OMC - e educacionais
Unesco -, bem como nas agendas e discursos governamentais nacionais e multinacionais -
OCDE, União Européia, Acordo de Livre Comércio da Arica do Norte (SGUISSARDI,
2005).
Em relação às recentes transformações econômicas em escala global, para melhor se
compreender o fenômeno da mercantilização da educação superior faz-se necessário
referenciar a emergência do neoliberalismo. Segundo Boaventura de Souza Santos (1994;
2004), a mercantilização da educação superior está diretamente relacionada com o processo
extremado pelo credo neoliberal no qual o mercado, ao adquirir pujança inédita, extravasa o
econômico e tenta dominar o Estado e a comunidade. Quando o modelo intervencionista de
bem-estar social começou a entrar em crise (recessão, inflação, baixas taxas de
crescimento), por volta de 1973, os princípios neoliberais contidos no livro O caminho da
servidão, de Friedrich von Hayek, e nas idéias monetárias de Milton Friedman começaram
25
a ganhar força e alguns governos, principalmente os de direita, implementaram um
conjunto de políticas baseadas nos pressupostos de que:
o Estado tornou-se demasiado caro para ser sustentado e demasiado intrusivo para
ser tolerado;
os mercados sem restrições reguladoras geram riqueza e prosperidade em âmbitos
local e global;
a riqueza e a prosperidade são condições necessárias (e aparentemente suficientes)
para a democracia e o bem-estar social.
Assim, políticas neoliberais como a redução dos investimentos públicos no campo
social, o fim da intervenção econômica por parte do Estado, a fragilização dos sindicatos,
reformas fiscais para reduzir impostos sobre rendas, disciplina orçamentária e formação de
uma desigualdade para dinamizar a economia e retomar o crescimento (MACHADO, 2002)
começaram a ser implementadas estrategicamente em alguns países-chaves. No bojo dessas
orientações encontravam-se também medidas para reformar os sistemas nacionais de
educação, as quais reorientaram os meios e os fins da educação superior em diversos países.
De acordo com Pablo Gentilli (1996), na visão neoliberal a educação estava passando por
uma crise que se explica, em grande medida, pela ineficiência do Estado para gerenciar as
políticas públicas. Na perspectiva neoliberal, a educação superior funciona mal e não tem
eficiência produtiva, quando profundamente estatizada. A ausência de um verdadeiro
mercado educacional permitiria compreender a falta de qualidade das instituições escolares.
Abordagem metodológica
Na obra Manual de investigação em ciências sociais, Raymond Quivy e Luc Van
Campenhoudt (1998) observam que o fato científico é conquistado sobre os preconceitos,
construído pela razão e verificado nos fatos. Tais princípios são apresentados pelos autores
como sete etapas que devem ser percorridas em três atos de uma peça de teatro: a “ruptura”
com preconceitos e falsas evidências, a “construção” de um sistema conceitual organizado
e susceptível de exprimir a lógica suposta na base do fenômeno e a “verificação” dos fatos.
Os três atos não são independentes, constituem-se mutuamente e são realizados ao longo de
uma sucessão de operações agrupadas em sete etapas em permanente interação:
- Etapa 1: a pergunta de partida;
26
- Etapa 2: a exploração: leituras; as entrevistas exploratórias;
- Etapa 3: a problemática;
- Etapa 4: a construção do modelo de análise;
- Etapa 5: a observação;
- Etapa 6: a análise das informações;
- Etapa 7: as conclusões.
Por meio da pergunta de partida o pesquisador deve exprimir o mais exatamente
possível o que procura saber, elucidar e compreender melhor. Uma boa pergunta deve
possuir as qualidades de clareza, exeqüibilidade e pertinência. A pergunta definida como de
partida para esta tese de doutorado é “Como se desenvolveu a qualidade do sistema de
educação superior brasileiro em tempos de mercantilização da educação superior?”, ou seja,
o que se procura elucidar e compreender melhor é o desenvolvimento da qualidade do Sesb
em tempos de políticas de mercado no âmbito da educação superior e, por conseguinte,
contribuir na importante e fundamental investigação acerca dos impactos da
mercantilização da educação superior.
Para Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt (1998), a etapa de exploração
comporta operações de leitura, entrevistas ou outros métodos de exploração
complementares e tem como objetivo principal assegurar a qualidade da problematização.
As leituras e estudos desenvolvidos com vistas à elaboração da problemática desta tese
estão relacionados, fundamentalmente, com a missão da educação superior e o fenômeno da
mercantilização da educação superior em nível mundial e no caso brasileiro. A
problemática, por sua vez, é a abordagem ou a perspectiva teórica que se adota para tratar o
problema formulado pela pergunta de partida. Construir a problemática equivale a formular
os principais pontos de referência teórica da investigação: a pergunta que estruturará
finalmente o trabalho, os conceitos fundamentais e as idéias gerais que inspirarão a análise.
A concepção da problemática apresenta dois momentos possíveis: (i) fazer o balanço e
elucidar as problemáticas possíveis; (ii) atribuir-se uma problemática.
O trabalho exploratório gera perspectivas e idéias que precisam ser traduzidas numa
linguagem e formas que permitam o trabalho sistemático de análise e recolha de dados de
observação ou experimentação, pois é pela construção de um modelo de análise que se
torna possível o desenvolvimento do trabalho de elucidação sobre um campo de análise
27
restrito e preciso. Com vistas à verificação da hipótese desta tese de doutorado de que a
qualidade do Sesb não se desenvolveu em tempos de mercantilização da educação superior,
inicialmente se define uma concepção de qualidade em educação superior e de avaliação e
medição do desenvolvimento da qualidade de Sesb no período 1994-2003. Posteriormente,
constrói-se um modelo de qualidade para, finalmente, avaliar e medir o desenvolvimento da
qualidade do Sesb. Estas duas últimas atividades possibilitam a implementação das etapas
de observação, a análise das informações e, por fim, as conclusões.
A etapa de observação deste estudo operacionaliza-se pela coleta de dados da base
de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”,
principalmente dos dados do Censo da Educação Superior, das informações do Provão,
abrangendo também documentos oficiais, técnicos e estatísticos, tais como informações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística; informações e dados disponibilizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de vel Superior, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico e Ministério de Ciência e Tecnologia. A maior parte dos dados e informações
refere-se ao período compreendido entre 1994 e 2003. Os levantamentos são
predominantemente censitários combinados com algumas amostragens, conforme a
disponibilidade dos dados, e estruturados de acordo com o modelo de qualidade construído
na etapa de construção do modelo de análise. Assim, orientando-se por Raymond Quivy e
Luc Van Campenhoudt (1998), este estudo se caracteriza como uma pesquisa aplicada,
Expost-facto, e a sua operacionalização tem enfoque predominantemente quantitativo, com
delineamento empírico-analítico, baseado em análise de documentos e estudo de base de
dados.
Estrutura do texto
Este estudo está dividido em quatro capítulos. O primeiro recupera toda a trajetória
da universidade desde o seu surgimento na Europa medieval, passando pela primeira
grande crise universitária ocorrida durante o mercantilismo, a consolidação dos modelos de
universidades modernas e chegando até as grandes transformações da educação superior
ocorridas no século XX, tais como a massificação durante a fase do welfare state e a
emergência das crises de hegemonia, legitimidade e institucional. Na conclusão do primeiro
28
capítulo são abordadas questões relativas à missão da educação superior no século XXI e as
posições da Unesco e do BM acerca do assunto.
O segundo capítulo está dividido em três partes: uma introdução ao estudo da
economia e dos mercados, as origens e as características do fenômeno da mercantilização
da educação superior e a ocorrência de tal fenômeno no Brasil. Durante a apresentação do
estudo sobre economia e mercado são trabalhadas as teorias econômicas, as diferentes
visões de mercado, as experiências de mercados livres ocorridas e os conceitos básicos
relacionados aos mercados. No texto sobre as origens e características da mercantilização
da educação superior é abordada a visão da educação como serviço comercial desde Adam
Smith até os documentos do Banco Mundial; também são apresentados os principais
fenômenos relacionados com a mercantilização da educação superior e relatam-se os mais
recentes estudos sobre os mercados em educação superior, seus quase-mercados e suas
falhas. Por fim, dentro do capítulo dois é realizada uma revisão acerca do fenômeno da
mercantilização da educação superior brasileira. Nesse sentido são abordados dois
principais fenômenos: o surgimento da avaliação do Provão; que gerou ranking e
competição de mercado e a grande expansão de instituições privadas.
No terceiro capítulo é apresentado um detalhado estudo sobre qualidade em
educação superior. Inicialmente, são abordadas as propostas de taxionomias para qualidade
em ES surgidas durante a década de 1990 e os mais recentes termos utilizados para
designar qualidade em ES e apresenta-se uma síntese acerca das concepções de qualidade
em ES. Logo após, o tema da qualidade em ES é trabalhado no contexto de sistema
nacional de educação superior. As características de um SES e uma visão de avaliação e
medição de um SES são apresentadas. No final do terceiro capítulo são abordados os mais
conhecidos sistemas de indicadores para sistemas de educação da atualidade: OCDE e
European Centre for Higher Education da Unesco. Também são abordados os indicadores
de qualidade existentes para SES e as estruturas de avaliações e medições utilizadas por
organismos internacionais para avaliar e medir sistemas de educação.
Por fim, no quarto capítulo é implementada a avaliação do desenvolvimento da
qualidade do Sesb no período 1994-2004. Para tanto, no início do capítulo é realizado um
estudo sobre as instituições e órgãos da educação superior brasileira configurando o Sesb e
29
elaborada uma proposta de sistema de indicadores para a qualidade do Sesb baseando-se
nas experiências internacionais e na realidade brasileira. Finalmente, com base no sistema
de indicadores proposto e considerando os dados disponíveis da educação superior do
período 1994-2003, é realizado um levantamento do desenvolvimento dos indicadores para
o Sesb e apresentada uma análise geral acerca do desenvolvimento da qualidade do sistema.
30
1 A História e a Missão da Educação Superior
Não são as espécies mais fortes nem as mais inteligentes, as que sobrevivem,
são as que melhor se adaptam as mudanças.
Charles Darwin.
Educação é a chave da liberdade.
Simon Bolívar.
O surgimento da educação superior e, mais especificamente, da instituição
universidade remonta ao início do segundo milênio no continente europeu. As
universidades surgiram sob a tutela e a serviço da Igreja, gozavam de autonomia perante os
poderes locais, ofereciam ensino gratuito e eram subsidiadas pela própria Igreja. A
universidade medieval atendia os filhos dos nobres e dedicava-se especialmente ao ensino
da “cultura geral” da época, ou seja, teologia, filosofia e artes (ORTEGA Y GASSET,
1999).
Ao longo de sua história de quase mil anos, as universidades passaram por grandes e
profundas transformações. Pode-se dizer que foram reinventadas algumas vezes, tanto por
meio de processos radicais como por lentos processos evolutivos (MORHY, 2003). As
significativas transformações sociais, culturais, políticas e econômicas que o mundo sofreu
nos últimos nove séculos, tais como a Renascença e a consolidação dos Estados nacionais,
impactaram e geraram crises no seio das instituições. No entanto, a universidade
demonstrou uma grande capacidade de adaptação e, à medida que a sociedade e o Estado se
transformavam, ela também adquiria novas formas e novas funções (ROSSATO, 1998).
Neste início do século XXI, quando o mundo sofre novamente profundas transformações
socioculturais e econômicas, a diversidade de modelos de universidade e de instituições é
muito grande. As IES multiplicaram-se e expandiram-se gerando novas formas de
organizações acadêmicas e administrativas, que, independentemente da natureza
institucional, podem apresentar diferentes e, por vezes, divergentes missões.
Neste capítulo, inicialmente, são relembradas as transformações ocorridas na
universidade tendo como referência temporal as políticas econômicas vigentes na Europa
31
ocidental nos últimos nove séculos; posteriormente são abordadas as grandes questões da
sociedade contemporânea que estão inter-relacionadas com o papel e a missão da educação
superior, principalmente as relativas ao Estado e ao mercado; por fim, desenvolve-se uma
análise acerca da missão da educação superior considerando-se as transformações e
reformas presentes nas sociedades no início do terceiro milênio.
1.1 A Trajetória da Universidade: do Feudalismo ao Neoliberalismo
A universidade sofreu muitas transformações e crises desde o surgimento das
instituições durante o feudalismo, quando a Igreja detinha grande poder político. Desde
aquela época até o início do século XIX, as principais políticas econômicas que vigoraram
na Europa ocidental foram o próprio feudalismo, o mercantilismo, o liberalismo, o
keynesianismo e o recente fenômeno denominado “neoliberalismo”. Nesse período, a
universidade passou por modificações e crises que estiveram intimamente ligadas às
transformações sociais, culturais, políticas e, também, às mudanças das políticas
econômicas, nas quais a Igreja, o Estado e o mercado alternaram diferenciados veis de
influência sobre a sociedade e as instituições educacionais. A seguir, são relembradas as
transformações ocorridas na universidade tendo como referência temporal as políticas
econômicas vigentes na Europa ocidental nos últimos nove séculos.
1.1.1 O surgimento da universidade durante o feudalismo
O surgimento da instituição universidade ocorreu no continente europeu durante a
Idade Média. Pode-se considerar que existiram instituições precursoras e de grande
importância, como a Academia de Platão, por volta dos anos 380 a.C., na Grécia, e as
escolas corânicas (islâmicas) criadas, durante o apogeu do mundo árabe, em locais como
El-Ahzar, Damasco e rdoba. Entretanto, atualmente existe quase consenso de que as
primeiras instituições que atingiram plenamente o estatuto de universidade foram
constituídas em Bolonha, durante o século XI, e em Paris, no transcorrer do século XII
(ROSSATO, 1998). A Universidade de Bolonha nasceu como comunidade de estudantes
que contratava a cada ano os professores para ensinar o que se considerava a formação
básica; os estudantes governavam a instituição e o reitor era um estudante; e entre os
discentes de destaque de Bolonha figuram Dante Alighieri e Petrarca. A Universidade de
Paris, ao contrário, surgiu como comunidade de professores, com a mesma função de
32
Bolonha, porém sendo governada pelos docentes e tendo como reitor um professor; e entre
os mais importantes docentes de Paris estão Abelardo e Santo Tomás de Aquino. As
instituições de Bolonha e de Paris transformaram-se em modelos de universidade para as
novas instituições que surgiram na Europa medieval. Para ser considerada uma
universidade plenamente constituída eram necessárias quatro faculdades: Teologia, Direito,
Medicina e Artes (TOBÍO; PÉREZ, 2005).
O sistema socioeconômico que predominava na Europa durante o surgimento da
universidade era o feudalismo. A sociedade era composta por três grupos sociais: os
clérigos, os senhores feudais e os servos. Os senhores feudais tinham como principal
função guerrear; os servos, por sua vez, eram explorados, obrigados a prestar serviços e a
pagar diversos tributos. O modo de produção era típico de sociedades agrárias, com escassa
circulação monetária, de subsistência, pouca atividade comercial e de relações de servidão
do trabalhador ao proprietário da terra. A propriedade feudal pertencia a uma camada
privilegiada, composta pelos senhores feudais e por altos dignitários da Igreja - o clero. A
idéia de separação entre religião e política era desconhecida, portanto os clérigos e a Igreja,
além da função religiosa, exerciam grande poder político (HUNT; SHERMAN, 1977;
WIKIPÉDIA, 2005).
Portanto, as primeiras universidades surgiram sob a tutela da Igreja, gozavam de
autonomia perante os poderes locais e possuíam características de grande unidade e
homogeneidade; atendiam principalmente aos filhos dos nobres e estavam, notadamente, a
serviço da Igreja Católica (ROSSATO, 1998). Não obstante serem subsidiadas pela Igreja
e, num segundo momento, pelas cidades e reinados, eram instituições formalmente privadas
e autônomas. Dessa forma, ofereciam ensino gratuito, ainda que a cobrança de taxas por
parte dos mestres junto aos aprendizes fosse permitida (TOBÍO; REZ, 2005). A
universidade medieval não fazia pesquisa nem se dedicava especialmente à preparação
profissional; sua abordagem era principalmente voltada para a “cultura geral” da época, ou
seja, teologia, filosofia e artes (ORTEGA Y GASSET, 1999).
1.1.2 A primeira grande crise da universidade durante o mercantilismo
No transcorrer do século XIV surgiu um movimento cultural, inicialmente na Itália,
chamado de Renascença, considerado marcante em relação ao fim da Idade Média e início
33
da Idade Moderna. A Renascença estava associada ao humanismo, ao interesse dos
acadêmicos pelos textos clássicos gregos e de desprezo à Idade Média e ao feudalismo. A
partir de então, a vida cultural deixou de ser controlada pela Igreja Católica e passou a ser
influenciada por estudiosos da Antiguidade greco-romana chamados de “humanistas”. A
partir da crise do feudalismo emergiu o sistema de governo absolutista, no qual o poder é
centralizado na figura do rei. Foi nesse momento que a burocracia foi criada, que ocorreu a
padronização monetária e fiscal e que as fronteiras das nações européias começaram a ser
estabelecidas. A economia também era controlada pelo rei através do mercantilismo, que
foi o pensamento econômico predominante na Europa entre o século XV e o fim do século
XVIII. A economia mercantilista era fortemente regulamentada, pois a riqueza de uma
monarquia residia na acumulação de metais preciosos (ouro e prata); a colonização de
novos territórios era promovida e as exportações, ao contrário das importações, eram
incentivadas (HUNT; SHERMAN, 1977; WIKIPÉDIA, 2005).
No século XVI ocorreu a chamada Reforma Protestante, que na tentativa de
moralizar e reformar a Igreja Católica, gerou as “guerras de religião”, as quais se
espalharam pela Europa e, por fim, estabeleceram várias novas Igrejas cristãs. Como
resultado desse conjunto de movimentos culturais e transformações socioeconômicas
(Renascença, Reforma Protestante, Absolutismo etc.) ocorrem uma sensível diminuição do
poder da Igreja Católica sobre a regulação e legitimação da universidade; por conseguinte,
observa-se também a ampliação da influência dos soberanos, dos príncipes e das comunas,
ou seja o “Estado” da época, sobre as instituições.
Assim, a universidade em tempos de mercantilismo e absolutismo, ao mesmo tempo
em que encaminhou a sua laicização, pela autonomia que obteve em relação à Igreja,
também passou a viver uma profunda crise, a ponto de as instituições serem desprezadas e
vistas como decadentes. A libertação de Roma acarretou perda da autonomia da
universidade, visto que reis e príncipes reforçaram a autoridade sobre ela. Os professores,
que até então viviam dos benefícios eclesiásticos, de doações e dos direitos cobrados sobre
os exames, passaram a ser controlados pelas autoridades locais. Ao rejeitar o humanismo,
que veio no bojo da Renascença, a maior parte das universidades, que continuavam
conservadoras e fechadas como no período feudal, ainda separadas da investigação,
começaram a sofrer um grande desgaste. Por conseguinte, tal cenário permitiu aos colégios
34
ganharem importância e disputarem o mesmo perfil do estudante universitário: jovens de
família nobre ou rica denominada “elite”.
No século XVIII muitas instituições tinham professores desocupados, que
ensinavam um currículo medieval desprezado pelos intelectuais herdeiros do renascimento
e do humanismo. Algumas universidades recorriam, inclusive, à comercialização e venda
de diplomas para garantir a sobrevivência institucional (ROSSATO, 1998). Assim, durante
e Idade Moderna a universidade, envolta numa crise de legitimidade, passou pela extinção
de muitas instituições, deixando inclusive de existir em alguns países e reformulando-se
noutros locais para se adaptar às mudanças em curso. Seria razoável, portanto, admitir que
a Idade Moderna representou um momento de transição não apenas para a sociedade e a
economia, mas também para a instituição universidade, que, em crise, deixou de ter na
Igreja feudal sua principal razão de ser e começou a voltar-se para o Estado, abrindo
espaços para novos padrões institucionais.
1.1.3 A consolidação da universidade moderna durante o liberalismo
No final do século XVIII ocorreram profundas mudanças sociais, políticas e
econômicas, as quais convergiram para o surgimento da chamada “Modernidade”, que
supõe o estabelecimento de uma série de princípios de organização da realidade cuja
influência chega aos dias atuais (TOBÍO; REZ, 2005). O movimento intelectual
conhecido por iluminismo, de certo modo herdeiro do renascimento e do humanismo, ao
enfatizar a razão e a ciência para explicar o universo e defender a valorização do homem,
impulsionou o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade moderna. A Revolução
Francesa, considerada o evento que marca o início da Idade Contemporânea, extinguiu a
servidão e os direitos feudais na França, proclamou os direitos universais de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade”, divulgou a primeira Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão e, ao extinguir a Monarquia, em 1792, realizou a proclamação da República.
A Revolução Industrial, marcada pela passagem da energia humana para motriz, foi
o ponto culminante de uma evolução tecnológica, social e econômica que vinha se
engendrando há tempos na Europa. Inicialmente, com particular incidência nas nações onde
a reforma Protestante tinha destronado a Igreja Católica, a Revolução Industrial alterou
profundamente as condições de vida do trabalhador, provocou um intenso deslocamento da
35
população rural para as cidades e alterou os padrões de consumo conforme novas
mercadorias foram sendo produzidas. No entanto, pode-se dizer que a Revolução Industrial
também iniciou um processo ininterrupto de produção coletiva em massa, geração de lucro
e acúmulo de capital. Nesse momento surgiu ainda o liberalismo clássico, um movimento
intelectual que se desenvolveu em fins do século XVIII e início do século XIX e apoiou o
laissez-faire (deixe fazer) internamente como uma forma de reduzir o papel do Estado nos
assuntos econômicos e o mercado livre no exterior como um modo de unir as nações do
mundo.
O liberalismo clássico enfatiza a liberdade como objetivo último e o indivíduo como
a entidade principal da sociedade. Por conseguinte, apareceram às primeiras teorias
econômicas modernas: a Economia Política, com a sua correspondente ideológica, o
Liberalismo. Na Inglaterra, Adam Smith, defensor do laissez-fair, publicou o livro Uma
investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações (1776), que se tornaria um
manifesto contra o mercantilismo (que pregava um forte controle do Estado sobre a
economia) e termina por tornar-se uma obra de referência para gerações de economistas. O
liberalismo econômico e o laissez-faire transformaram-se no sistema econômico dominante
no início da Idade Contemporânea, principalmente, nos Estados Unidos e nas nações mais
desenvolvidas da Europa no período compreendido entre o início do século XIX e o início
do século XX (HUNT; SHERMAN, 1977; WIKIPÉDIA, 2005).
Nesse contexto de transformações e de novas estruturas socioeconômicas, no
mesmo momento em que se estabelecia a primazia dos Estados-nação, a vanguarda da
cultura da Modernidade e o início da hegemonia econômica do capitalismo, também
começaram a surgir novos modelos de instituições que constituíram a universidade
moderna. Segundo Hélgio Trindade (1999, p. 15), “o contexto societário que engendra a
universidade moderna se faz sob forte impulso das ciências, do iluminismo e do
enciclopedismo”, e as instituições, em que pese não seguirem um modelo único, caminham
em direção de estatização e nacionalização, iniciando o que pode ser chamado de “papel
social das universidades”. Em quase toda a Europa, com o objetivo de libertar as
universidades para colocá-las a serviço do Estado liberal e de suas necessidades
econômicas, os novos Estados nacionais passam a se apropriar das instituições que ainda
eram formalmente entidades privadas. O principal objetivo na universidade passou a ser
36
não mais formar bons cristãos, como no período feudal, mas formar bons cidadãos, capazes
de cumprir as funções que o Estado e a sociedade passam a exigir. Dessa forma, no início
do século XIX a universidade renasceu segundo três modelos diferentes para se adaptar às
novas necessidades econômicas e culturais da modernidade e da industrialização (TOBÍO;
PÉREZ, 2005). Tais modelos, dos quais ainda hoje derivam muitas instituições,
desenvolvidos sob a tutela do Estado, são:
o modelo alemão (Universidade Humboldtiana), inspirado por Von
Humboldt e criado em 1809, que se dedica à pesquisa;
o modelo francês (Universidade Napoleônica), criado por Napolelão em
1808, que se centra na formação profissional;
o modelo anglo-saxão, que favorece o desenvolvimento das disciplinas que
apóiam o processo de industrialização.
O modelo alemão surgiu no bojo das reformas administrativas e econômicas
realizadas após a guerra prussiana frente à França, quando parcela de culpa da derrota foi
atribuída ao atraso na educação científica. Assim, o modelo tem como pressupostos a
unidade do ensino e da pesquisa, a investigação realizada sem preocupações utilitaristas e a
idéia de formação por meio da investigação científica. As universidades alemãs
converteram-se então, em centros científicos que eram controlados pelo Estado funcional e
economicamente, porém com grande liberdade acadêmica, ou seja, o professor possuía
liberdade na busca do conhecimento ao passo que a instituição carecia de autonomia. As
instituições eram relativamente elitistas e os professores gozavam de emprego vitalício. O
modelo humboldtiano de instituição de pesquisa foi adotado por parte da Europa e logo
depois se expandiu, especialmente para Rússia e Japão.
O modelo francês foi concebido fundamentalmente como um serviço mantido pelo
Estado para, em primeiro lugar, responder às demandas por servidores do próprio Estado e,
em segundo lugar, para promover o desenvolvimento econômico da sociedade, formando as
elites imprescindíveis. Nas instituições francesas a autonomia institucional era praticamente
inexistente, visto que os objetivos dos professores de ensino e educação pública eram bem
definidos pelo Estado. O modelo de universidade napoleônica estendeu-se aos países baixos
e à Itália.
37
O terceiro modelo de universidade, o anglo-saxão, tinha duas vertentes, com
algumas distinções: a britânica e a americana. No Reino Unido não ocorreu uma
intervenção do Estado e as instituições continuaram formalmente sendo de natureza
“privada”. A universidade britânica não perdeu a autonomia e tinha como objetivo principal
responder às necessidades da Revolução Industrial. Nos Estados Unidos, a universidade era
criada por iniciativa da comunidade e as instituições tinham como característica uma maior
atenção às demandas sociais e uma organização empresarial nas estruturas internas.
Os modelos de universidades humboldtiana, napoleônica e anglo-saxônica, com
algumas adaptações conforme as especificidades regionais, continuaram balizando as
instituições no transcorrer dos séculos XIX e XX. Segundo Ricardo Rossato (1998, p. 175),
desenvolve-se “uma universidade pluralista, heterogênica e voltada para a pesquisa,
paralelamente ao desenvolvimento daquilo que se denominou Revolução Industrial”. Para
Boaventura de Souza Santos (1994, p. 183), “a universidade moderna propunha-se produzir
um conhecimento superior, elitista, para o ministrar a uma pequena minoria, igualmente
superior e elitista, de jovens, num contexto institucional classista pontificando do alto do
seu isolamento sobre a sociedade”. Na secunda metade do século XX quase todos os países
do mundo tinham universidades e novos desafios estavam começando a surgir como, por
exemplo, a demanda por acesso de outras classes sociais que não a da elite.
1.1.4 A massificação da universidade durante o welfare state keynesiano
Nos anos que seguiram ao final da II Guerra Mundial, os países avançados adotaram
políticas keynesianas e socialdemocratas que reforçaram o investimento estatal na educação
superior e engendraram o chamado Estado do bem-estar. O momento ficou conhecido
como o “período de expansão do pós-guerra” e, segundo Marilena Chauí (1999), a
economia política que sustentava o Estado do bem-estar tinha como características
principais o fordismo na produção, a inclusão crescente dos indivíduos no mercado de
trabalho com vistas ao pleno emprego e monopólios e oligopólios que, embora
transnacionais e multinacionais, tinham o Estado nacional como referência reguladora. O
pensamento dominante da época que norteou a formação do Estado do bem-estar ou
welfare state keynesiano apoiava-se na idéia de que os mercados falham e que o setor
público deve atuar para corrigir tais erros. Em decorrência disso, os governos investiam em
38
setores como transporte e equipamentos públicos para gerar crescimento da produção e do
consumo de massa, bem como buscavam fornecer complemento ao salário social com
gastos em seguridade social, assistência médica, educação, habitação etc. O poder estatal
era exercido inclusive nos acordos salariais e direitos dos trabalhadores na produção
(SOUZA, 1997).
O período das políticas de bem-estar social foi marcado por um desenvolvimento
econômico sem precedentes que gerou prosperidade em diversos segmentos da sociedade.
Durante a década de 1950, por exemplo, o ensino secundário ou médio sofreu uma forte
expansão, resultado do enriquecimento das famílias e de uma demanda crescente da
economia por pessoal mais qualificado, visto que setores tradicionais, como minas de
carvão, por exemplo, perdiam espaço para novos setores. Por conseguinte, na década de
1960 deu-se início ao processo de massificação da educação superior e de expansão
universitária, por meio, sobretudo, do financiamento com fundos públicos (TOBÍO;
PÉREZ, 2005).
Os governos também foram influenciados a ampliar o investimento público em
educação por dois outros motivos: (a) a necessidade de responder aos movimentos dos
estudantes universitários, que teve ápice na França em 1968, os quais questionavam de
forma radicalizada o sistema universitário elitista; (b) pela divulgação da teoria do capital
humano, que via na “formação” um meio para incrementar a produtividade dos
trabalhadores e desenvolver o crescimento econômico dos países. Segundo a Unesco (apud
ROSSATO, 1998), em 1950 havia seis milhões e setecentos mil estudantes na educação
superior em todo o mundo; em 1960, eram aproximadamente onze milhões e duzentos mil
e, em 1970, entre vinte e seis e vinte e sete milhões, ou seja, um crescimento no número de
estudantes de aproximadamente 2,4 vezes em apenas vinte anos. Além da expansão do
ensino secundário, outros fatores, como a chegada da classe média e da mulher à
universidade, também contribuíram com o crescimento e a massificação na educação
superior na cada de 1960. Enfim, o Estado do bem-estar, que propiciou a ascensão da
classe média e a expansão do nível educacional secundário, também proporcionou as
condições de transformação da universidade de uma instituição de elite para uma instituição
de massa.
39
Dessa forma, pode-se dizer que a universidade, que mesmo durante o período do
laissez-faire estava muito atrelada ao Estado econômica e administrativamente, teve as suas
estruturas reforçadas pelo investimento estatal do welfare state keynesiano. Entretanto,
durante a década de 1970 o Estado do bem-estar entrou em crise e uma nova ordem
econômica e social reverteu completamente o quadro de forte investimento público em
educação superior e estabeleceu novas funções para as universidades, ligadas
principalmente aos interesses do chamado “mercado”.
1.1.5 Uma nova grande crise da universidade na emergência do neoliberalismo
A expansão do pós-guerra e as políticas do Estado do bem-estar começaram a
perder ímpeto no início da década de 1970. Nesse período, as taxas de crescimento da
economia caíram pela metade, o desemprego começou a subir e surgiram as pressões sobre
as finanças públicas. Segundo Marilena Chauí (1999, p. 212), na primeira metade da
década de 1970 o capitalismo “conheceu, pela primeira vez, um tipo de situação
imprevisível, isto é, baixas taxas de crescimento econômico e altas taxas de inflação
(estagflação)”. Para Manoel Tibério Alves de Souza,
a profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do Petróleo, retirou o
mundo capitalista do sufocante torpor da estagflação e pôs em movimento um
conjunto de processo que solapou o compromisso fordista. Em conseqüência, as
décadas de 70 e 80 apresentam-se como um conturbado período de
reestruturação econômica e reajustamento social e político, configurando um
novo modelo de acumulação de caráter mais flexível (1997, p. 3).
Nesse contexto, no mesmo momento em que as políticas keynesianas começavam a
sofrer fortes críticas, as idéias monetaristas de Milton Friedman e os princípios político-
ideológicos de Friederich von Hayek, da escola econômica neoclássica, começaram a
ganhar força. Tais autores propugnam, entre outras coisas, que o mercado é um agente
econômico perfeito, imune à crise; que as crises econômicas se devem a um desequilíbrio
entre oferta e procura que rapidamente é sanado pelo mercado; que toda forma de
intervenção estatal, excetuando-se os casos de defesa da liberdade e da segurança é um
desequilíbrio e que o gasto público na área social, especialmente na previdenciária, é fonte
de déficit público, da criação de indivíduos moralmente fracos, pouco afeitos ao trabalho, e
de ser uma injusta fonte de distribuição de renda (apud ALVES, 2004). Dessa forma, com a
40
ascensão dos governos conservadores de Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Reagan nos
Estados Unidos da América, em 1980, estabeleceram-se as condições políticas e
ideológicas para o abandono do ideário keynesiano e a ascensão das políticas neoliberais, as
quais estabelecem uma receita que inclui a redução do tamanho do Estado, privatizações,
monetarismo, redução de impostos e de benefícios sociais (TOBÍO; PÉREZ, 2005) e, por
conseguinte, a redução do compromisso público do Estado com as universidades e a
educação em geral.
Segundo Boaventura de Souza Santos (1994), no final do século XX a universidade
defrontava-se com três crises: a crise de hegemonia, originada pela contradição entre a alta
cultura e a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais; a crise
de legitimidade, provocada pela contradição entre a hierarquização dos saberes
especializados através das restrições de acesso e as exigências sociais e políticas da
democratização da universidade; e, finalmente, a crise institucional, resultante da
contradição entre a reinvenção da autonomia na definição dos valores e objetivos da
universidade e a pressão crescente para submeter as instituições a critérios de eficácia e de
produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. Entretanto, dez anos
mais tarde, Boaventura de Souza Santos (2004), afirmaria que a crise institucional, o elo
mais fraco da universidade porque a autonomia científica e pedagógica assenta-se na
dependência econômica do Estado, aprofunda-se e monopoliza as atenções visto que o
Estado neoliberal reduz os investimentos em educação de maneira geral. A intensificação
da crise institucional, que poderia servir para justificar um programa político-pedagógico
de reforma da universidade pública, foi considerada insuperável e utilizada para justificar a
abertura generalizada à exploração comercial da educação superior, que ocorre em duas
fases:
Na primeira, que vai do início da década de 1980 até meados de 1990, expande-
se e consolida-se o mercado nacional universitário. Na segunda, ao lado do
mercado nacional, emerge com grande pujança o mercado transnacional da
educação superior e universitária, o qual, a partir do final da década, é
transformado em solução global dos problemas da educação por parte do Banco
Mundial e da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, está em curso a
globalização neoliberal da universidade (SANTOS, 2004, p. 17).
41
Para Alfonso G. Tobío e Juan C. P Pérez (2005), na segunda metade da década de
1980 surgiu um novo discurso em relação à educação e à formação a partir das grandes
organizações internacionais. O objetivo de tal discurso era colocar a educação superior em
sintonia com as necessidades das empresas e priorizar o desenvolvimento de pesquisa
aplicada em detrimento da pesquisa básica.
Portanto, não obstante a existência de instituições privadas e a cobrança de taxas
dos alunos remontar à universidade medieval durante o feudalismo, o processo de
vinculação entre a educação superior e o mercado que se desenvolve durante o
neoliberalismo parece ser um fenômeno novo, mais profundo estruturalmente, visto que se
trata da lógica do mercado tanto dos meios (financiamento, natureza das instituições,
modelo de gestão dos sistemas e das instituições, avaliação etc.) quanto dos fins da
educação (pesquisa, ensino e extensão). Em síntese, aos auspícios do neoliberalismo, no
momento em que o Estado perde força e o mercado emerge com um vigor nunca antes
visto, a universidade e, por conseguinte, a educação superior entram numa crise estrutural
(de hegemonia, de legitimidade e institucional) talvez tão grave quanto a crise ocorrida
durante a transição do feudalismo para o capitalismo, quando a Igreja perdeu poder para o
Estado e muitas instituições deixaram de existir. Dessa forma, a presente crise coloca
aspectos fundamentais como a missão, a função e a natureza das instituições e dos sistemas
educacionais e suas relações com o Estado, a comunidade e o mercado como questões
centrais no debate da educação superior para o século XXI.
1.2 Concepções e Transformações da Educação Superior Contemporânea
Historicamente, a instituição universidade esteve envolvida em tensões e conflitos
com o Estado e com a sociedade civil em razão, principalmente, das mudanças econômicas
e culturais ocorridas e das novas demandas apresentadas por governos, comunidades e
mercados para as instituições. Muitas vezes a academia assumiu posições de vanguarda e
inovação; outras vezes, entretanto, defendeu posições tradicionais ou conservadoras.
Porém, é inegável que a universidade demonstrou uma grande capacidade de adaptação às
profundas transformações que ocorreram no mundo desde o período medieval até este
início de século XXI. Conforme as novas demandas surgiram e os conflitos e as tensões
entre a universidade e o tripé Estado-comunidade-mercado eram resolvidos, a missão e as
42
funções atribuídas às universidades e instituições de educação superior foram também se
modificando. A respeito assinala Ivo Barbieri:
Durante estes quase dez séculos, ela [a universidade] soube consolidar-se e
transformar-se para responder afirmativamente aos desafios peculiares a cada
período histórico. Agora, mais do que antes, ela precisa interrogar os marcos
centenários de sua trajetória no intuito de definir roteiros a seguir e delinear
novos perfis condizentes com as demandas que é possível prever no horizonte do
terceiro milênio (1999, p.7).
Certamente, as profundas transformações em escala global que vêm se
desenvolvendo nas últimas décadas estão impactando as instituições e a universidade de
forma estrutural e, conseqüentemente, explicitando importantes questões acerca do futuro
da educação superior: que referenciais que nortearão os processos de formação no terceiro
milênio? A referência humanista da educação será mantida? A exacerbação da ênfase
profissional e utilitária dos últimos tempos imporá a razão instrumental? A seguir, com o
objetivo de levantar elementos para responder às questões formuladas, são analisadas as
grandes questões da sociedade contemporânea que estão inter-relacionadas com o papel e a
missão da educação superior, principalmente os relativos ao Estado e ao mercado. O texto
também apresenta as concepções modernas de universidade e procura analisar as tendências
das missões e funções para a universidade e a educação superior no terceiro milênio.
1.2.1 As concepções de universidade no século XX
Diversos autores e pesquisadores procuraram definir a missão e as funções da
instituição universidade durante o transcorrer do século XX. Para alguns desses estudiosos
a universidade é de natureza elitista; para outros, deve ser preponderantemente democrática
e acessível a todos os grupos sociais. Alguns defendem a subordinação das instituições aos
interesses do Estado ou governos; outros propugnam a primazia dos interesses da sociedade
civil, e há, ainda, os que defendem a submissão da universidade aos interesses reais dos
estudantes. Entretanto, quase todos esses autores concordam que o ensino e,
fundamentalmente, a pesquisa estão entre as principais funções das instituições
universitárias. No relato de Boaventura de Souza Santos,
43
[...] desde o século XIX, a Universidade pretende ser o lugar por excelência da
produção do conhecimento científico. Não admira, pois, que sua reputação seja
tradicionalmente medida pela sua produtividade no domínio da investigação. [...]
A busca desinteressada da verdade, a escolha autônoma de métodos e temas de
investigação, a paixão pelo avanço da ciência constituem a marca ideológica da
universidade moderna. o as justificativas últimas da autonomia e da
especificidade institucional da Universidade. [...] Aliás, a investigação foi
sempre considerada o fundamento e a justificação da educação de “nível
universitário” e a “atmosfera de investigação”, o contexto ideal para o
florescimento dos valores morais essenciais a formação do caráter (1994, p.
173).
O filósofo Ortega y Gasset, no ano de 1930, em palestras sobre a missão da
universidade defendeu como principal missão das instituições formar uma elite iluminada
capaz de elevar e guiar os rumos da cultura. Ao elaborar sua concepção de universidade, o
autor espanhol, inicialmente, distanciou-se dos modelos universitários alemão, inglês e
francês e criticou a idéia de que a escola tem uma força criadora. Para ele a universidade
deve preparar o estudante para viver a alta cultura de seu tempo, mas para isso não basta a
simples formação profissional nem a dedicação exclusiva à pesquisa, ou seja, a
universidade não tem apenas uma missão, mas várias missões, que se integram no papel
institucional de impulsionar a cultura. Segundo Ortega y Gasset, a universidade consiste,
em primeiro lugar e de imediato, no ensino superior que o homem médio deve receber” e “é
preciso, antes de mais nada, fazer do homem médio um homem culto situá-lo à altura dos
tempos. Portanto, a função primária e central da universidade é o ensino das grandes
disciplinas culturais” que, para o autor, são a física, a biologia, a história, a sociologia e a
filosofia. E complementa dizendo que também é preciso fazer do homem médio um bom
profissional e que não “observa qualquer razão mais sólida, para que o homem médio não
precise e nem deva ser um cientista” (1999, p. 87). Em síntese, Ortega y Gasset define
como funções da universidade, destacando a cultura como prioritária, as seguintes: a
transmissão da cultura, o ensino das profissões, a investigação científica e a educação dos
novos homens de ciência.
No ano de 1946, Karl Jasper (apud SANTOS, 1994), de forma coerente com o
idealismo alemão, definiu a missão eterna da universidade como sendo o lugar que, por
concessão do Estado e da sociedade numa determinada época, pode cultivar a mais lúdica
consciência de si mesma. Para o autor, os membros da universidade congregam-se na
instituição com o objetivo único de buscar, incondicionalmente, a verdade e apenas por
44
amor a verdade. Os três grandes objetivos da universidade por ordem de importância,
seriam a investigação, porque a verdade é acessível a quem a procura sistematicamente;
a cultura disponível para a educação do homem no seu todo, porque o âmbito da verdade é
maior que o da ciência; e o ensino, porque a verdade deve ser transmitida e mesmo o ensino
das aptidões profissionais deve ser orientado para a formação integral.
Em 1963, Clark Kerr (apud SANTOS, 1994) teorizou, denominando de
“multiversidade”, uma idéia americana de universidade que buscava responder às
crescentes demandas por intervenção social das instituições que surgiram naquele período.
De acordo com a concepção de multiversidade, a universidade deve ser funcionalizada e
estar disponível para desempenhar serviços públicos e responder às necessidades sociais e
às solicitações das ancias financiadoras estatais e não estatais. Tais solicitações podem
variar da assistência jurídica aos pobres até as solicitações de colaboração das forças
armadas para o desenvolvimento de avançadas tecnologias de guerra. A proposta e a prática
da multiversidade foram criticadas pelos conservadores, para os quais a vocação da
universidade seria o investimento intelectual de longo prazo, a investigação básica,
científica e humanística e uma vocação por natureza isolacionista e elitista; portanto, o
intervencionismo provocaria uma descaracterização da universidade. O movimento
estudantil, que foi o porta-voz mais radical da intervenção social da universidade, e a
esquerda intelectual também atacaram a idéia de multiversidade. Para esses, ao se
funcionalizar via demanda das agências financiadoras, a universidade tornar-se-ia
dependente dos interesses de grupos sociais com capacidade de financiamento, ou seja, da
classe dominante, do establishment.
No livro A cultura inculta, de 1988, Allan Bloom faz uma apologia do elitismo da
alta cultura ao afirmar que a universidade é produto de um projeto iluminista, o qual
implica a liberdade para os teóricos se ocuparem da investigação racional nas restritas
disciplinas que tratam os primeiros princípios de todas as coisas. Para o autor, a
universidade é, pois, uma instituição aristocrática destinada a “encorajar o uso não
instrumental da razão por si própria, proporcionar uma atmosfera onde a superioridade
moral e física do dominante não intimide a dúvida filosófica, preservar o tesouro dos
grandes feitos, dos grandes homens e dos grandes pensamentos que se exige para alimentar
essa dúvida”. Portanto, para Allan Bloom, a Universidade não pode ser uma instituição
45
democrática, pois é necessariamente uma instituição impopular que “deve resistir à tentação
de querer fazer tudo pela sociedade.” (apud SANTOS, 1994, p. 169).
Durante a década de 1970, quase que de forma consensual, as três principais
funções da universidade eram a investigação, o ensino e a prestação de serviço, mantendo-
se certa semelhança com as funções principais defendidas pelos mais destacados autores
para a universidade desde o início do século XX. No ano 1988, em Bolonha, a Magna Carta
das Universidades trazia que
a Universidade é uma instituição autônoma no coração de sociedades
organizadas de forma diferente devido à geografia e à herança cultural; ela
produz, analisa, avalia e distribui cultura através da pesquisa e do ensino. Para
corresponder às necessidades do mundo à sua volta, a sua pesquisa e ensino deve
ser moralmente e intelectualmente independente de toda a autoridade política ou
poder econômico.
Entretanto, ainda na entrada da década de 1980 pode-se observar nitidamente o
início de certo atrofiamento da dimensão cultural da universidade em detrimento de
abordagens utilitaristas e produtivistas (SANTOS, 1994). Não por acaso, em 1987 o
relatório da OCDE atribuía uma longa lista como as principais funções da universidade: (1)
educação geral pós-secundária; (2) investigação; (3) fornecimento de mão-de-obra
qualificada; (4) educação e treinamento altamente especializados; (5) fortalecimento da
competitividade da economia; (6) mecanismo de seleção para empregos de alto nível
através da credencialização; (7) mobilidade social para os filhos e filhas das famílias
operárias; (8) prestação de serviço à região e à comunidade local; (9) paradigma de
aplicação de políticas nacionais ex: igualdade de oportunidades para minorias raciais;
(10) preparação para os papéis de lideranças sociais (OECD, 1987). Tal multiplicidade de
funções geraram um conjunto de contradições, visto que nem todas são compatíveis entre
si. Algumas dessas contradições não são recentes, especialmente aquelas originadas da
incompatibilidade com a idéia da universidade de investigação livre e desinteressada e da
unidade do saber. Porém, as contradições entre as diferentes e novas funções que a
universidade vem assumindo nas últimas décadas, sobretudo as que envolvem aspectos
utilitaristas e produtivistas, são recentes e importantes em função das estratégias de
ocultação e de compatibilização que suscitam (SANTOS, 1994).
46
1.2.2 O Estado, o mercado e as transformações da educação superior contemporânea
Em quase todos os cantos e recantos as instituições universitárias modernas e de
abrangência nacional estiveram envolvidas e comprometidas com os projetos estratégicos
dos países, desempenhando, dessa forma, um papel fundamental para o desenvolvimento
socioeconômico das nações. As instituições de abrangência regional também se
incumbiram de um papel vital para o desenvolvimento das comunidades regionais onde
estavam inseridas. Além do desenvolvimento de pesquisas para a superação de problemas
prementes e do avanço científico-tecnológico demandados pelos setores públicos e pela
sociedade civil, as universidades também desempenharam papel vital na transmissão do
conhecimento com vistas à formação cultural, científica e profissional requerida pelas
sociedades e governos nas últimas décadas. Dessa forma, a missão e a função da
universidade e das demais instituições de educação superior estão, como sempre estiveram,
suscetíveis aos contextos e às demandas do Estado, da comunidade e do mercado, ou seja,
os horizontes que se vislumbram para a missão e funções da universidade e das instituições
de educação superior dependem fundamentalmente do contexto social contemporâneo, em
especial, neste início de século, dos aspectos relacionados aos desígnios do Estado e do
mercado.
Conforme Boaventura de Souza Santos, no período atual “o princípio do mercado
adquiriu pujança sem precedentes, e tanto que extravasou do econômico e procurou
colonizar tanto o princípio do Estado, como o princípio da comunidade um processo
levado ao extremo pelo credo neoliberal.”
1
(1994, p. 79). O Estado aponta para a perda da
capacidade e da vontade de regular as esferas da produção (privatização e desregulação da
economia) e da reprodução social (retração das políticas sociais), bem como a comunidade
atravessa transformações paralelas quando, por exemplo, a classe operária perde poder de
negociação perante o Estado e o capital. Nos últimos vinte anos, segundo o mesmo autor,
“a globalização neoliberal lançou um ataque devastador à idéia de projeto nacional,
1
O princípio do mercado, bem como os princípios do Estado e da comunidade, nesta tese, referem-se à
utilização de tais termos na descrição teórica feita por Boaventura de Souza Santos (1994, p. 70) sobre o
projeto sociocultural da Modernidade. Segundo o autor, a Modernidade assenta-se em dois pilares: o da
regulação e o da emancipação. A regulação é constituída pelos princípios do Estado (articulado por Hobbes),
do mercado (denominado na obra de Locke) e da comunidade (presente na filosofia política de Rousseou).
47
concebido por ela como grande obstáculo à expansão do capital global” (SANTOS, 2004,
p. 46). Hélgio Trindade também destaca:
Neste início de século XXI, certas organizações internacionais, ao forjarem os
conceitos de “sociedade do conhecimento mundializada” e da educação como
“bem público global”, sinalizam com o rompimento com qualquer projeto de
inserção nacional soberana no processo. O bem blico perde sua referência
republicana e nacional para diluir-se na confluência entre a governança e as
estratégias de expansão dos provedores educacionais transnacionais (2004, p.
836).
O momento atual é, então, de enfraquecimento do Estado, o que implica a redução
do financiamento e do comprometimento público da educação superior e, por outro lado, de
empoderamento do mercado, ampliando a influência das funções utilitaristas e imediatistas
das instituições. Por conseguinte, ocorrem pressões sobre a universidade para que se
incrementem as transformações exigidas pela renovada economia de mercado, bem como
se racionalize e se amplie a produtividade das suas estruturas internas. Para José Dias
Sobrinho,
o que o pensamento dominante espera hoje da educação superior tem um foco
muito centrado na função econômica e nas capacidades laborais. As principais
demandas atuais têm um sentido muito mais imediatista, pragmático e
individualista. A ortodoxia neoliberal e suas práticas levam as universidades a
abandonar, ao menos em parte, sua tradicional vocação de construção do
conhecimento e da formação como bens públicos, devendo ela passar a adotar o
mercado, e não a sociedade, como referência central (2005b, p. 167).
No entanto, se, por um lado, a globalização neoliberal induz a universidade a
mudanças de natureza concorrencial, produtivista e utilitarista, conforme os interesses
imediatos do mercado, por outro, persiste uma bandeira histórica para considerável parcela
da sociedade e das instituições de que “cabe à universidade elaborar uma compreensão
ampla e fundamentada relativamente às necessidades e transformações da sociedade”
(DIAS SOBRINHO, 2005b, p.165), ou seja, que a universidade deve ocupar-se também
com as grandes questões culturais e do conhecimento, de médio e longo prazo, que
permeiam os povos, as nações e a humanidade como um todo. Portanto, ao mesmo tempo
em que, por conta das políticas neoliberais, restringe-se a dimensão pública e social das
48
universidades, também lhes são feitas exigências cada vez maiores em razão de interesses
diversos e conflitantes.
Assim, a universidade passa a se deparar com demandas quase inconciliáveis, como,
por exemplo, quando a expectativa histórica de educação geral entra em contradição com a
demanda do mercado por fornecimento de mão-de-obra qualificada e altamente
especializada; ou quando a exigência do capital e do mercado de seleção para empregos de
alto nível entra em contradição com a necessidade de mobilidade social para os jovens de
classes sociais desfavorecidas. No dizer de Boaventura de Souza Santos, “qualquer destas
contradições e quaisquer outras facilmente imagináveis criam pontos de tensão, tanto no
relacionamento das universidades com o Estado e a sociedade, como no interior das
próprias universidades enquanto instituições e organizações.” (1994, p. 165).
Portanto, no âmbito da universidade, a emergência do mercado está entrando em
conflito com a tradição e o comprometimento social das instituições modernas, bem como a
proeminência do mercado globalizado está entrando em conflito com a função universitária
histórica de sustentação de projetos dos Estados nacionais. Essas crises, tensões e
contradições estão, indubitavelmente, provocando transformações significativas da
universidade. Dentre um conjunto amplo de transformações e mudanças que estão surgindo
e se desenvolvendo nos sistemas e nas instituições de educação superior nos últimos
tempos pode-se destacar emergência da relação universidade x indústria, emergência de
sistemas não universitário e emergência de sistemas de avaliação e acreditação
implementadas principalmente por meio de reformas educativas
2
orientadas pelos
organismos multilaterais financeiros. Tais reformas envolvem transformações profundas e
estruturais nos próprios sistemas nacionais de educação superior.
Uma das principais reformas da educação superior em desenvolvimento na
atualidade é o processo resultante da Declaração de Bolonha, que foi firmada em
19/06/1999 por vinte e nove ministros de Educação da Europa e que estabeleceu como
prazo para atingir seus objetivos o ano de 2010. Inicialmente, o processo de Bolonha foi
2
Por reformas educativas entendem-se, nesta tese, “as construções de um quadro legal e burocrático,
geralmente proposto por políticos, para responder a determinados problemas e produzir efeitos mais ou menos
coerentes com projetos mais amplos de um governo ou um sistema de poder.” (DIAS SOBRINHO, 2005a, p.
168).
49
adotado apenas pelos ministros da área educacional e somente a partir do ano de 2002, em
Lisboa, a declaração passou a fazer parte da agenda política da União Européia.
Resumidamente, a Declaração de Bolonha propõe a criação de um Espaço Europeu de
Educação Superior, com os seguintes objetivos e instrumentos: 1) adoção de um sistema
comparável de títulos e graus para facilitar o reconhecimento acadêmico e profissional
entre os países membros; 2) adoção de um sistema separado em dois ciclos: três anos para o
bacharelado (equivalente a 180 créditos) e dois anos para o mestrado (equivalente a 120
créditos); 3) estabelecimento de um sistema comum de créditos com vistas à flexibilidade,
transferência, comparabilidade internacional e acumulação; 4) promoção de mobilidade de
pessoal (professores, pesquisadores, estudantes e técnico-administrativos), da cooperação
para assegurar a qualidade e do desenvolvimento do currículo comparável. Entretanto, o
processo é mais amplo, podendo-se verificar um esforço para a internacionalização e
convergência da educação superior européia, que, até recentemente, resguardava as
especificidades nacionais e a autonomia individual das instituições. No relato de JoDias
Sobrinho:
No fundo, a Declaração de Bolonha é o registro formal de um importante
processo que visa criar sólida convergência na educação superior européia, a fim
de que esta responda adequada e eficientemente aos problemas, oportunidades e
desafios gestados pela economia globalizada. Daí a necessidade de adaptar
currículos às demandas e às características do mercado de trabalho, impulsionar
a mobilidade de estudantes, professores e funcionários e, não menos importante,
tornar a educação superior atraente no mercado global (2005a, p. 173).
A reforma da educação superior européia, que vem se desenvolvendo desde a
Declaração de Bolonha, ultrapassa claramente a dimensão educacional e insere-se como
estratégia da União Européia para responder aos desafios postos pela globalização,
especialmente os relativos à necessidade do desenvolvimento e domínio de tecnologias de
ponta para que o bloco recupere a competitividade internacional. Nessa busca conjunta de
competitividade, a questão do desenvolvimento econômico ultrapassa os limites do Estado-
nação e insere-se num contexto de interdependência global (DIAS SOBRINHO, 2005a).
Em alguns países da América Latina, no bojo das reformas do Estado por meio de
políticas de liberalização e desregulação das finanças e do trabalho nas últimas duas
50
décadas, deu-se início a uma série de processos de reformas com vista a aumentar a
eficiência dos sistemas de educação superior. Não obstante existirem variações de
implementação, essas reformas da educação superior dos países latino-americanos tiveram
como maior propósito ajustar a educação superior às exigências da economia e do mercado
(DIAS SOBRINHO, 2005a). Duas características marcantes da modernização empreendida
na educação na América Latina durante a década de 1990 são a redução do financiamento
público e a facilitação de investimento privado na educação superior. Essas reformas
geralmente foram impulsionadas por organismos internacionais como o Banco Mundial,
que no documento “La Enseñanza Superior: lãs lecciones deviradas de la experiência”, de
1994, dentre outras recomendações, orientava os países a: a) fomentar a maior
diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento de instituições privadas; b)
proporcionar incentivos para que as instituições diversifiquem as fontes de financiamento;
c) redefinir a função do governo no ensino superior, como, por exemplo, ampliando o
controle através da criação de agências de avaliação, regulação e acreditação.
Mais recentemente, na própria América Latina também surgiram propostas de
reformas da educação superior que não convergem com as orientações do Banco Mundial,
ou seja, não enfatizam os aspectos relativos às demandas do mercado ou à expansão
privada, buscando, ao menos em nível de proposta, valorizar o sistema público e o caráter
democrático e social da educação superior. No caso do Brasil, por exemplo, no ano de
2005, após dois anos do governo de Luis Inácio Lula da Silva e um longo debate público
acerca da reforma universitária, o Ministério da Educação remeteu um anteprojeto de lei
que, em síntese, procura reformar a educação superior garantindo: a) um maior
financiamento para as instituições públicas; b) uma efetiva avaliação da qualidade da
educação; c) a democratização do acesso; d) a limitação do ingresso de instituições
estrangeiras na educação superior no país.
Segundo o professor Martin Carnoy (apud TRINDADE, 2004) da Stanford
University, o processo de mundialização tem impacto sobre as diferentes estratégias de
reforma da educação, ou seja, a globalização neoliberal influi tanto nas reformas fundadas
na “competitividade”, sugeridas pela OCDE e Unesco, como nas dominadas pelos
“imperativos financeiros” do Fundo Monetário Internacional e nas baseadas na “eqüidade”.
Dessa forma, pode-se dizer que existem reformas da educação superior sendo
51
desenvolvidas com diferentes matizes e, por conseguinte, com objetivos diversos no que
tange à missão e às funções da educação superior em relação ao Estado, ao mercado e à
comunidade. Entretanto, considerando-se a conjuntura socioeconômica atual, em que o
Estado passa por um processo de enfraquecimento e em que o mercado e o capital
financeiro tutelam aspectos importantes das políticas públicas, as reformas que buscam
imprimir maior contribuição à competitividade econômica, que determinam funções
utilitaristas e imediatistas para a educação superior, tendem a se sobressair sobre as
reformas de concepção de educação superior como bem público, com responsabilidade
social e democrática.
1.3 A Missão da Educação Superior no Século XXI
Não obstante as profundas e diversas transformações culturais, científicas,
econômicas e políticas que o mundo e a educação superior vêm experimentando nos
últimos tempos
3
, a universidade e a educação superior continuarão sendo essenciais para o
desenvolvimento integral da humanidade e das nações.
O preâmbulo do documento da “Declaração mundial sobre educação superior no
século XXI: visão e ação”, da Unesco, destaca que,
graças ao alcance e à velocidade dessas transformações, a sociedade vem
crescentemente se tornando uma sociedade cujo eixo é o conhecimento. Por isso,
a educação superior e a pesquisa são hoje fatores fundamentais para o
desenvolvimento cultural e socioeconômico dos indivíduos, comunidades e
nações. Em conseqüência, a educação superior enfrenta graves desafios e deve
levar a cabo a mais radical mudança e renovação de sua história (UNESCO,
1999, p. 58)
Segundo um outro documento da Unesco “Hacia las sociedades del conocimiento”,
“as instituições de ensino superior estão destinadas a desempenhar um papel fundamental
nas sociedades do conhecimento, em que os sistemas clássicos de produção, difusão e
aplicação do saber terão experimentado uma mudança profunda.” (UNESCO, 2005, p. 95).
Na mesma linha dos documentos da Unesco, José Dias Sobrinho afirma que
3
O Informe Delors já em 1995 fazia uma análise no capítulo “Horizontes”, dedicado ao estudo do contexto
mundial, indicando profundas transformações, como, por exemplo, a globalização, o impacto das novas
tecnologias de comunicação, os problemas sociais advindos da exclusão crescente no mundo inteiro e a
interdependência planetária (DIAS RODRIGUES, 2004, p. 898).
52
a educação superior tem, portanto, uma enorme centralidade nas transformações
globais. Isto vale tanto para os que a concebem como bem público, como para
aqueles que a tratam como serviço comercial e disponível às iniciativas
mercadológicas de novos provedores privados, locais ou transnacionais. Seja
entendida como bem público e de interesse da sociedade ou serviço
comercializável e de interesse privado, a enorme relevância da educação
superior é ampla e incontestavelmente reconhecida (2005a, p. 227)
Entretanto, para além da constatação inequívoca da importância estratégica da
educação superior, também se faz mister investigar o horizonte que se vislumbra para as
missões e funções da universidade e das demais instituições não universitárias no terceiro
milênio. Em tempos de profundas transformações sociais, de globalização e mundialização,
da emergência da sociedade do conhecimento, do neoliberalismo como política
hegemônica, da proeminência do mercado, ainda que não se acredite mais tanto em sua
“mão invisível”, e das próprias crises da universidade, respostas para as questões primeiras
acerca da razão de ser da educação superior tornam-se mais urgentes e mais complexas:
Qual a missão principal da educação superior no século XXI? Qual o papel do Estado nos
sistemas de educação superior num momento de forte expansão do princípio do mercado?
Considerando-se a globalização, ainda faz sentido se falar em função estratégica da
universidade na construção de um projeto de nação? Enfim, os papéis da educação superior
precisam ser colocados em questão com base numa postura crítica e numa visão ampla,
porque, quando se decide que tipo de educação superior se pretende construir, está-se
também decidindo que sociedade ou que nação se busca criar ou consolidar.
1.3.1 A Unesco, o Banco Mundial e as funções da educação superior
A Conferência Mundial de Educação Superior da Unesco ocorrida em outubro de
1998 em Paris, destacou, na “Declaração mundial sobre educação superior no século XXI:
visão e ação”
4
, que “pertinência” na educação superior no século XXI significa levar em
conta:
4
Não obstante a elaboração mais recente de um documento por funcionários da Unesco, em parceria com
servidores da OCDE, no qual se “escamoteia” o sentido de bem público, a posição oficial do órgão da
Organização das Nações Unidas sobre educação superior continua sendo, segundo pronunciamento dos
responsáveis pelas políticas de educação, a declaração da Conferência Mundial de Educação Superior,
realizada em 1998 (RODRIGUES DIAS, 2004, p. 912).
53
- as políticas: o ensino superior não desempenha seu papel quando descuida de suas
funções de vigilância e alerta e quando não analisa os problemas importantes da
sociedade;
- o mundo do trabalho: é imperativo que o ensino superior se adapte às mudanças
do mundo do trabalho, sem que perca sua identidade própria e abandone suas
prioridades relativas às necessidades de longo prazo da sociedade;
- os demais níveis do sistema educacional: a formação inicial dos docentes e dos
demais trabalhos sociais é incumbência, salvo raras exceções, da educação superior;
entre as prioridades da investigação universitária devem figurar também a análise e
a avaliação dos distintos níveis do sistema educacional, em estreita relação com o
mundo do trabalho sem que ele se subordine a este e com um autêntico projeto
de sociedade;
- a(s) cultura(s): a cultura não é algo que está dado, mas ela se constrói no espaço e
no tempo; o ensino superior contribuiu na construção da cultura em sua dimensão
universal e, para isso, deve levar em conta a diversidade das culturas;
- todos os grupos de pessoas sem exceção: devem-se aplicar estratégias adequadas
para aumentar a participação dos grupos desfavorecidos, em especial das mulheres;
- a educação ao largo de toda a vida: a promoção de uma educação ao largo de toda
a vida exige uma maior flexibilidade e maior diversificação dos dispositivos de
formação no ensino superior;
- os estudantes e professores: as instituições de ensino superior devem-se conceber
e administrar-se não como meros centros de formação, mas como ambientes
educativos nos quais se efetua uma melhor gestão das carreiras profissionais dos
docentes e se obtém uma participação ativa dos estudantes, tanto nas atividades
docentes como na gestão e na vida das instituições.
Segundo documentos da Unesco, se todas essas condições forem cumpridas, a
educação superior poderá realmente contribuir com a difusão do conhecimento de forma
generalizada, tanto nos países considerados industrializados como nos países periféricos ou
em desenvolvimento (UNESCO, 2005, p. 105). O documento da “Declaração mundial
54
sobre educação superior no século XXI” da Unesco também faz uma nítida separação entre
missões, ligadas à promoção de valores fundamentais, e funções, vinculadas às tarefas
historicamente relevantes. Segundo o documento, as missões básicas da educação superior
são as de educar (capacitação profissional e preparação para a cidadania), formar (abrir-se
para a participação ativa na sociedade e no mundo) e realizar pesquisa (promoção, geração
e difusão do conhecimento). Também são consideradas missões a integração cultural (num
contexto de pluralismo e diversidade cultural), a consolidação e proteção dos valores da
sociedade e a contribuição para o aperfeiçoamento educacional (referenciando a formação
inicial e continuada dos docentes). Em relação às funções da educação superior, o
documento da Unesco refere-se à ética, à autonomia, à responsabilidade e à prospectiva
(CASTANHO, 2000). Não obstante tal detalhamento e diversidade de missões e funções,
no artigo VI- “Orientação de longo prazo determinada pela relevância”, a declaração da
Unesco enfatiza o papel social e humano da educação superior, destacando que
[...] a educação superior deve ter como alvo a criação de uma nova sociedade,
uma sociedade não-violenta e sem exploração. Ou seja, uma sociedade composta
por indivíduos altamente preparados, motivados e integrados, além de inspirados
pelo amor à humanidade e orientados pela sabedoria (UNESCO, 1999, p. 75).
O Banco Mundial, em seu último documento sobre educação terciária
5
, “Construir
sociedades de conocimiento: nuevos desafios para la educación terciária”, publicado em
2003, recorre aos autores Lawrence Harrison e Samuel Huntington para descrever as
funções da educação superior:
As instituições de educação terciária desempenham um papel crucial no apoio às
estratégias de crescimento econômico baseadas no conhecimento e na
construção de sociedades democráticas com forte coesão social. A educação
terciária contribui ao melhoramento do regime institucional mediante a formação
dos profissionais competentes e responsáveis que se requerem para uma sólida
gestão da economia e do setor público. Suas atividades acadêmicas e de
5
O informe do Banco Mundial Construir sociedades de conocimiento: nuevos desafios para la educación
terciária (2003, p. ix) adota o conceito da OCDE para o termo “educação terciária”: “É um nível ou uma
etapa de estudos posterior a educação secundária. Ditos estudos se dão em instituições de educação terciária,
como universidades públicas e privadas, institutos de educação superior e politécnicos, bem como em outros
tipos de locais como escolas secundária, lugares de trabalho, ou cursos livres através da tecnologia
informática e grande variedade de entidades públicas e privadas”.
55
investigação provêem um apoio crucial ao sistema nacional de inovação.
Ademais, as instituições de educação terciária muitas vezes constituem o eixo da
infra-estrutura de informação de um país, em seu papel de depositárias e
direcionadoras de informação (através de bibliotecas e similares), sistemas
centrais de redes de computação e provedoras de acesso a internet. Assim
mesmo, as normas, os valores, as atitudes e a ética que inculcam nos estudantes
estas instituições são os alicerces do capital social indispensável para construir
sociedades civis sólidas e culturas articuladas, que são a base do bom manejo
dos assuntos do governo e dos sistemas políticos democráticos (BANCO
MUNDIAL, 2003, p. 27).
Segundo Marco Antonio Rodrigues Dias (2004, p. 895), nesse documento o Banco
Mundial evidencia uma tentativa de “apresentar uma visão mais coerente dos problemas
vinculados à relação entre educação superior e sociedade” e, num reconhecimento de erros
anteriores, os autores procuram mostrar que educação superior não pode ser vista apenas
como um sub-setor educacional”. Não obstante, em relação à visão da Unesco que destaca
um papel social e humano para a educação superior, o Banco Mundial enfatiza a
preocupação com as contribuições para o desenvolvimento e crescimento da economia e
formação profissional. Em síntese, podem-se diferenciar as visões de missão da educação
superior da Unesco e do Banco Mundial pelas diferentes ênfases destinadas aos papéis
humano e social, pela primeira, e econômico, pelo segundo.
Entretanto, de acordo com Ana Maria Seixas, tendo subjacente a teoria do capital
humano, a retórica política no mundo, nas décadas de 1980 e 1990, acentuou a ligação entre
a educação e a economia nacional e a competitividade econômica num mercado global,
“relegando para um segundo plano as temáticas do papel da educação na igualdade de
oportunidades sociais e na formação da cidadania e coesão social.” (2003, p. 19), ou seja,
nos últimos tempos a tendência observada em nível mundial é de uma maior ênfase na
missão com o desenvolvimento das economias.
1.3.2 As missões socioculturais e econômicas da educação superior no século XXI
A análise e o estudo das concepções e dos objetivos da universidade nos últimos
séculos demonstram que as missões (i) de construir e disseminar conhecimento, (ii) de
formar cultural, cidadã e profissionalmente os indivíduos e as sociedades e (iii) de prestar
serviços para o Estado e a sociedade civil estão entre as funções históricas, tipicamente
vinculadas à educação de nível superior. Entretanto, conforme Alberto Amaral,
56
durante o período de vigência do "Estado Providência secundário" que
corresponde a uma mobilização das instituições políticas, sociais e educativas
para a promoção da democracia e para o encorajamento da mobilidade social
(que decorreu, essencialmente, nos anos 50 a 70) o papel fundamental das
universidades consistia em satisfazer as expectativas sociais crescentes,
secundariamente sendo responsáveis por atender às demandas de mão-de-obra
especializada.
Nas duas últimas cadas, a globalização da economia e a transformação do
conhecimento num fator essencial de competitividade econômica, associados à
emergência do neoliberalismo e ao desvalorizar do social em favor do
econômico, provocaram uma alteração das funções socioeconômicas da
Universidade. O que se verificou foi uma mudança do equilíbrio das funções
sociais e econômicas da universidade a favor destas últimas, o que teve
influência nos modelos de governo das universidades (2002b, p. 27).
De acordo com Maria J. Lemaitre (2001, p. 5), atualmente a educação superior e,
mais especificamente, a universidade vivem um momento de alta complexidade em razão
das profundas mudanças e transformações advindas do processo de globalização, “e essa
complexidade se traduz em dois pontos de vistas opostos e contraditórios a respeito da
educação superior, que coexistem, porém não se reconhecem como tais, ainda que
imponham lógicas distintas a respeito às decisões e atuações da universidade”. O primeiro
aparece na perspectiva “acadêmica tradicional” cuja preocupação é com a formação e
desenvolvimento de estudantes qualificados e o desenvolvimento de projetos de pesquisa
de acordo com uma visão colegiada e acadêmica. O segundo, da universidade
“operacional”, entende que o conhecimento se define basicamente como informação ou a
capacidade de resolver problemas, perspectiva na qual a universidade reduz o
conhecimento a uma mercadoria que se negocia conforme o interesse dos consumidores.
Para Boaventura de Souza Santos (2004), nas últimas décadas, sobretudo em decorrência
das profundas transformações sociais que têm ampliado a influência do mercado sobre as
sociedades e os países, as funções relativas à dimensão cultural da educação superior têm
perdido alguma relevância para as funções demandadas pelo mercado, tais como a
prestação de serviço para as indústrias e as empresas e a formação rápida e
profissionalizante.
Não obstante tal transformação, as funções gerais desempenhadas pelas
universidades, principalmente durante os séculos XIX e XX - ensino, pesquisa e extensão-,
não estão em questão e certamente continuarão entre as principais atribuições da educação
57
superior no século XXI. Portanto, o debate atual sobre a missão principal da educação
superior parece estar mais relacionado à questão relativa à destinação prioritária dessas
atribuições: ou fundamentalmente para a economia e o mercado livre global
6
, ou,
principalmente, para o fortalecimento das identidades nacionais e das sociedades locais?
Para José Dias Sobrinho,
de um lado, deve a educação ser um eficiente motor da economia. Mas, por outra
parte, não se pode diminuir o papel histórico, das universidades e do conjunto
das instituições educativas, relativamente à formação e ao desenvolvimento da
consciência crítica e da compreensão ampla do universo e das transformações
sociais. Cumprir com qualidade essas duas exigências contraditórias em
muitos sentidos, mas que não precisaria necessariamente ser – é uma tarefa nada
fácil (2005a, p. 226).
Com base na análise das concepções de educação superior dos mais recentes
documentos da Unesco e do Banco Mundial, duas das mais importantes instituições
multilaterais mundiais, também se pode concluir que existem duas tendências e visões
distintas que norteiam e balizam o horizonte da missão e das funções da educação superior
no século XXI: de um lado, encontra-se a idéia do papel da educação superior ligado,
fundamentalmente, ao desempenho competitivo da economia e ao crescimento dos
mercados, ou seja, a defesa de uma perspectiva mais econômica da educação superior; de
outro, encontram-se os que acreditam que a educação superior deve ter como papel
principal contribuir para o desenvolvimento das sociedades e nações de forma integral e
equilibrada , ou seja, defendem uma perspectiva mais social e cultural da educação
superior. Dessa forma, pode-se dizer que a missão da educação superior no terceiro milênio
estará relacionada, prioritariamente, ao desenvolvimento sociocultural de médio e longo
prazo das sociedades e dos países, ou estará vinculada aos interesses, mais imediatos e
competitivos, dos mercados globais e da economia. Entretanto, como advertiu o ex-ministro
da Educação do Brasil Tarso Genro em discurso no seminário internacional Reforma e
6
Segundo Zaira Machado (2002, p. 28), “dois modelos de globalização disputam a hegemonia no planeta: a
globalização neoliberal que prega a supremacia dos interesses do mercado, e a globalização solidária que está
assentada na universalização dos direitos humanos, das práticas democráticas e do acesso a informação, no
desenvolvimento sustentável e na construção de uma cidadania planetária que, junto ao fortalecimento do
multilateralismo na tomada de decisões internacionais, permite também o fortalecimento de identidades
nacionais e locais”.
58
Avaliação da Educação Superior: tendências na Europa e na América Latina, realizado no
ano de 2005 em São Paulo,
se a função da universidade fosse apenas responder aos interesses imediatos da
indústria ou do processo produtivo em geral, ela seria só uma continuidade linear
da vida econômica e não uma indutora estratégica do conjunto de movimentos -
científicos e humanísticos - necessários para os processos de desenvolvimento
econômico, cultural e de coesão social que se articulem com a idéia de nação.
Ora, a nação é, na verdade, não os processos objetivos de produção e reprodução
social e econômica que ocorrem no seu território, mas é o conjunto de pessoas
que constituem a sua cultura, que edificam o seu modo de vida e vivem no seu
território (2005a, p. 11).
Em suma, no contexto mundial de redução da importância do Estado e ampliação da
globalização dos mercados, a alternativa de destinar prioritariamente a missão da educação
superior aos interesses econômicos implica riscos aos processos de desenvolvimento
articulado à idéia de nação e a própria concepção da educação superior como bem público.
Diversos autores e organismos multilaterais internacionais, independentemente de
corrente ideológica e de concepção de universidade, têm atribuído à educação superior um
papel fundamental no desenvolvimento e crescimento dos países e nações. Segundo Maria
Helena de Magalhões Castro (2003, p. 314), “as universidades são organizações
estratégicas para seus países, pelos rebros e competências que reúnem no seu interior”.
Para Boaventura de Souza Santos,
a universidade é um bem público intimamente ligado ao projeto de país. O
sentido público e cultural deste projeto e a sua viabilidade dependem da
capacidade nacional para negociar de forma qualificada a inserção da
universidade nos contextos transnacionais (2004, p. 116).
Na mesma linha, o preâmbulo da declaração da Conferência Mundial de Educação
Superior da Unesco de Paris, em 1998, destaca que
somente a educação superior e instituições de pesquisa poderão formar
profissionais qualificados. eles formarão a massa crítica sem a qual nenhum
país poderá alcançar um desenvolvimento interno verdadeiro e sustentável.
Especialmente, os países menos desenvolvidos somente terão condições de
59
reduzir a distância que os separa dos países mais ricos mediante o apoio à
educação superior e à pesquisa (UNESCO, 1999, p. 57).
De fato, diversos estudos têm indicado que altos índices de escolaridade estão
relacionados com a elevação do produto interno bruto e a melhoria de índices sociais em
diferentes países. Alguns trabalhos científicos atestam que, em períodos da segunda metade
do século XX, um quarto do crescimento anual do PIB americano devia-se ao aumento da
educação e que o progresso do Japão devia-se à maior capacitação profissional. Outras
investigações indicam que o aumento da escolaridade das populações tem um importante
impacto redistributivo (DIAS SOBRINHO, 2005a). O documento “Education at a Glance:
OECD Indicators - 2005 Edition” (2005, p. 3) destaca que “o investimento em educação
traz gratificações individuais e coletivas. Os adultos com maior nível educacional têm mais
possibilidades de trabalharem e de terem, em média, melhores salários quando estão
empregados”. O ministro da Educação e Cultura do Uruguai, Jorge Brovetto (2005, p. 20),
baseando-se em estudos internacionais, também destaca “que os países mais ricos são
geralmente aqueles que investem mais em recursos humanos, educação, seguro saúde, e
que investir em recursos humanos, (em sua capacitação), é a forma mais importante de
promover o desenvolvimento”. Em suma, a educação superior é, inquestionavelmente, um
pilar fundamental nos processos de crescimento e desenvolvimento sociocultural e
econômico para as sociedades e nações.
Entretanto, em se tratando do debate acerca da missão e funções da educação
superior, não se pode esquecer que os estágios de desenvolvimento das nações apresentam
diferenças (especialmente quando comparadas às realidades dos países desenvolvidos do
hemisfério norte com os países pobres ou em desenvolvimento do sul); dessa forma, as
demandas para a educação superior podem variar conforme a diversidade e a especificidade
de cada país. Portanto, o debate acerca da missão e funções da educação superior também
precisa considerar a realidade e o estágio de desenvolvimento sociocultural, cientifico-
tecnológico e econômico nos diferentes contextos e em relação à inserção regional e global
de cada país. Além disso, no momento em que as chamadas “sociedade do conhecimento” e
“sociedade da informação” se consolidam e ampliam as diferenças em nível mundial,
evidentemente, as missões e funções históricas da educação superior de construção e
disseminação do conhecimento ganham ainda maior relevância. Enfim, a missão da
60
educação superior, no contexto da globalização econômica, da ampliação da
competitividade global e da sociedade do conhecimento, especialmente no caso dos países
menos desenvolvidos, também deve levar em conta o estágio atual de desenvolvimento nos
diversos segmentos socioeconômicos e nas diferentes áreas cientifico-tecnológicas locais.
A Organização Internacional do Trabalho, em seu relatório preparado para sua conferência
geral prevista para o ano de 2003, registra:
A riqueza das nações baseia-se cada vez mais sobre o saber e as qualificações de
sua força de trabalho. Uma estratégia de educação e de formação que comporte
três elementos de base permiti que se superem as dificuldades ligadas à
globalização por meio de uma competividade reforçada, combinada com a
redução de desigualdades crescentes que se observam no mercado de trabalho.
Os três elementos são: a) desenvolver o saber e as qualificações necessárias para
tornar o país competitivo internacionalmente; b) orientar as políticas e os
programas de educação para que sirvam para reduzir os efeitos negativos da
globalização; c) remediar, por intermédio da educação e da formação, a
vulnerabilidade crescente de certas categorias da população: mulheres, jovens,
trabalhadores pouco qualificados, que, por falta de instrução e de qualificações,
tornaram-se ou vão tornar-se pobres (apud RODRIGUES DIAS, 2003, p. 831).
Para Jorge Brovetto,
sem dúvida é justamente no plano do conhecimento onde é maior o fosso que
separa as nações desenvolvidas das menos desenvolvidas. Ainda maior que a
dramática diferença econômica.
Os anos de desenvolvimento da globalização econômica foram sugestivamente
acompanhados por uma incessante deterioração da equidade distributiva no
planeta.
O desenvolvimento desmedido e voraz dos países ricos, sustentado no
crescimento da globalização econômica, tem engendrado um incremento ainda
maior da calamitosa diferença que separa os países mais pobres.
O Informe sobre Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) do começo deste novo século, deste novo
milênio, nos ilustra a respeito. Enquanto que no ano de 1960 o quintil mais rico
da população mundial ganhava 30 vezes mais que o quintil mais pobre, no ano de
1990, essa diferença havia duplicado, e no começo desse novo século, a diferença
entre ambos quintils chegava a escandalosas 86 vezes (2005, p. 20).
Dessa forma, fica evidenciado que a produção dos saberes (através da pesquisa), a
socialização da cultura e do conhecimento (através do ensino) e a capilarização do
conhecimento e das tecnologias sociais (através da extensão) precisam se adequar às
necessidades e desafios prementes de cada nação diante da globalização e da sociedade do
61
conhecimento. No caso dos países menos desenvolvidos, especialmente os problemas
socioculturais e econômicos, tais como a desigualdade e a exclusão social, o atraso
científico e tecnológico, os baixos índices quantitativos e qualitativos da educação e a
carência de formação da população para o trabalho, tornam-se aspectos-chaves na definição
da missão da educação superior. Portanto, pode-se dizer, com relativo grau de segurança,
que dentre as principais missões e funções da educação superior neste início de culo,
especialmente no contexto dos países menos desenvolvidos, deve estar uma forte
contribuição para eliminar a dependência sociocultural e o atraso científico-tecnológico que
estes países apresentam em relação ao contexto global.
Evidentemente, no contexto atual, o equilíbrio entre as funções econômicas e as
funções sociais e culturais da educação superior não é tarefa fácil. Todavia, os países e as
sociedades precisam, talvez como nunca antes, buscar a harmonia entre esses diferentes
papéis para, quando necessário, resguardar-se e prevenir-se contra possíveis ameaças
(externas e internas) e, noutras oportunidades, para possibilitar a inserção e a participação
autônoma no contexto mundial. Segundo alguns autores, o privilegiamento de uma das
perspectivas pode impossibilitar o próprio desenvolvimento sustentável e equilibrado de
uma determinada sociedade ou país, inclusive pela extinção da educação como bem público
em detrimento da educação como serviço comercial.
O próximo capítulo abordará aspectos relativos ao fenômeno denominado de
“mercantilização da educação superior” que tem impactado significativamente a educação
como bem público e a pertinência e a relevância dos sistemas de educação superior em
diversos países.
62
2 A Mercantilização da Educação Superior: o fenômeno mundial e o caso brasileiro
Acreditamos que comparar um ser humano a um ‘utensílio de produção’
financeira, a uma ‘força de trabalho’, é reduzi-lo a um estado de não vida.
Inês Fontinha, portuguesa citada para o Prêmio Nobel da Paz.
Uma lei ou princípio geral relativiza à circulação do dinheiro, que Mr. Macleod
designou apropriadamente por lei ou teorema de Gresham, em homenagem a
Sir Thomas Gresham, que compreendeu a sua exatidão há já três séculos. Esta
lei, expressa resumidamente, diz que o dinheiro mau repele o dinheiro bom, mas
o dinheiro bom não consegue repelir o dinheiro mau.
W. S. Jevons.
Nesta última virada de século, a universidade começou a ser questionada de forma
tão incisiva que é possível comparar a importância de tal momento a outros marcos
históricos da educação superior, como, por exemplo, ao período da revolução
humdboldtiana (SANTIAGO, 2005). O atual questionamento da universidade é incentivado
principalmente por governos e organismos multilaterais financeiros, que destacam a
necessidade de serem reduzidas despesas e ampliados os benefícios sociais dos sistemas de
educação superior. Dentre as estratégias utilizadas para atingir tais objetivos estão políticas
dos governos que têm levado ao fenômeno chamado de “mercantilização da educação
superior”.
Indiscutivelmente, tal fenômeno possui em suas origens relações com as
transformações políticas e econômicas que, em escala mundial, denotam significativa
ampliação do princípio do mercado em detrimento do Estado e da comunidade. Assim, as
análises e os estudos sobre o fenômeno da mercantilização da educação superior estão
diretamente relacionados ao debate acerca dos espaços de atuação do Estado e do mercado:
O Estado deve agir e intervir visando à garantia dos direitos fundamentais da sociedade ou
deve repassar essa incumbência à iniciativa privada? Quais os limites de atuação do
mercado? Segundo o ideário neoliberal, os mercados por si geram resultados eficientes,
e o Estado, enquanto gerenciador da saúde, educação e emprego, é um organismo deficiente
e perdulário. Assim, os neoliberais propugnam a transferência da oferta desses direitos e/ou
63
serviços para a iniciativa privada, ou seja, no caso da educação superior, os meios e os fins
deveriam funcionar exclusivamente de acordo e pelas regras do mercado.
Por outro lado, existem defensores de um Estado que garanta o bem-estar social por
meio de políticas públicas de cunho social em áreas mais sensíveis, como a própria
educação, e, até mesmo, realize intervenções desejáveis no mercado, com vistas a orientar o
crescimento econômico e beneficiar a todos. Em suma, a discussão de fundo sobre a
mercantilização da educação superior está intimamente relacionada com concepções
políticas e ideológicas das funções do Estado e do mercado nas sociedades e países e, por
conseguinte, com a visão de educação superior no século XXI: como bem público ou como
serviço comercial.
O documento da Unesco Hacia las sociedades del conocimiento” destaca que, em
virtude da redução dos investimentos estatais, as IES precisam recorrer à iniciativa privada
para ampliar suas margens de gestão; portanto, os riscos de mercantilização são reais
principalmente nos países onde não existe um sistema universitário consolidado. A seguir,
o documento alerta que se faz necessário zelar para que tal tendência não desvirtue a
missão “primogênita” da educação superior e que os sistemas emergentes possuam nível de
qualidade, pertinência e grau de cooperação internacional suficientes para que a educação
superior desempenhe o seu papel de pilar das sociedades do conhecimento (UNESCO,
2005).
Dessa forma, pode-se dizer que o processo em desenvolvimento de mercantilização
da educação superior gera significativos impactos e alguns riscos em questões essências dos
SES, como a qualidade, a pertinência, a missão e a própria visão de educação superior no
século XXI.
Portanto, neste capítulo, inicialmente, é realizada uma revisão acerca das teorias
econômicas e dos estudos sobre mercado com vistas a proporcionar embasamento para o
estudo do processo de mercantilização da educação superior; posteriormente, procura-se
responder a questões de mercado especificamente relacionadas com a educação superior:
Quais as origens da mercantilização na educação superior? Quais as características próprias
da mercantilização da educação superior? Que meios e fins da educação superior estão
sendo mercantilizados? Por fim, desenvolve-se uma revisão acerca de temas intimamente
64
ligados ao processo de mercantilização da educação superior brasileira, tais como
emergência da avaliação classificatória e da expansão privada.
2.1 Uma Introdução ao Estudo da Economia e dos Mercados
O fenômeno conhecido como “mercantilização” ou “mercadorização” da educação
superior, como os próprios termos explicitam, não se limita aos saberes próprios e
específicos do campo da educação superior. Aspectos relativos às políticas econômicas e os
respectivos pesos que o Estado e o mercado detêm em relação a elas estão intimamente
ligados às causas e origens dos processos de expansão de IES privadas ou de absorção de
práticas características da iniciativa privadas por IES públicas e pelos sistemas de educação
superior. Portanto, a investigação da mercantilização da educação superior demanda, pelo
menos, um estudo básico acerca das teorias econômicas e das visões e entendimento dos
mercados. Dessa forma, a seguir é realizada uma breve explanação das visões nas
principais teorias econômicas acerca da importância do Estado nos ditames da economia e
das diferentes perspectivas de entendimento do mercado nos estudos acadêmicos; um
histórico de experiências de mercado livre é apresentado e, por fim, uma revisão dos
conceitos básicos de economia é realizada com vistas a proporcionar uma abordagem mais
precisa acerca do fenômeno da mercantilização da educação superior.
2.1.1 As teorias econômicas, o Estado e o mercado
Desde Platão e Aristóteles (300 a.C.) até Maquiavel (1469-1527 d.C.) a discussão
acerca das normas adequadas do exercício de governo dos povos considerava a necessidade
e importância de um poder como garantia da sobrevivência e da prosperidade da sociedade.
Noutras palavras, durante séculos o pensamento dominante foi de que os indivíduos,
deixados a si mesmos, viveriam em conflito visto que uns tentariam satisfazer as suas
necessidades à custa dos outros e, por conseguinte, a tutela de um poder era uma condição
sine qua non para dominar os indivíduos e para garantir a ordem social. A teoria econômica
moderna, que, segundo diversos autores, nasce efetivamente com a obra A riqueza das
nações do escocês Adam Smith no século XVIII, foi revolucionária e progressista em seu
tempo visto que procurava demonstrar que a sociedade civil é capaz de organizar,
espontaneamente, sua vida econômica. Em contraste com o pensamento dominante até
meados do século XVIII, o autor escocês propôs que os indivíduos deixados a si mesmos
65
não viveriam em conflito permanente, não por possuírem uma natureza pacífica ou
generosa, mas porque organizados em sociedade teriam melhores condições de vida. Uma
das teses inovadoras de Adam Smith foi a de que a divisão do trabalho faz com que a vida
social seja uma forma mais eficiente para se obter prosperidade que a pilhagem dos
vizinhos. Entretanto, o autor não apresenta uma visão idílica da sociedade e atribui ao
interesse egoísta dos homens a manutenção das sociedades (CARVALHO, 1999). Para
Fernando J. Cardim de Carvalho, a teoria econômica nasceu para provar a hipótese de que
as sociedades organizam sua vida econômica de modo mais eficiente se livres da
interferência de poderes estranhos aos interesses dos próprios indivíduos. A
sociedade se ordena de forma espontânea para satisfazer estes interesses, sendo
desnecessárias quaisquer mediações que não aquelas estabelecidas no próprio
mercado, onde cada um joga com seu interesse próprio e nesse jogo, como
orientado por uma “mão invisível” a economia se organiza.
O Estado, na Riqueza das Nações, é mais que desnecessário, ele é simplesmente
prejudicial, pois sua ação apenas se justifica para afirmar privilégios. A ordem
econômica se assenta sobre o interesse privado, livremente manifestado no
mercado (1999, p. 12).
Outra grande inovação da obra A riqueza das nações foi a de mostrar o sistema
econômico como um conjunto de relações auto-suficientes, ou seja, um sistema explicado
pela sua própria gica, desconsiderando elementos que lhe são estranhos, como a
influência de forças políticas, culturais e religiosas. Em suma, a hipótese que Adam Smith
propôs é de que a economia se comporta por suas próprias leis, exibindo relativa autonomia
diante das outras dimensões da vida social. As propostas de Adam Smith tornaram-se o
núcleo central da teoria econômica em quase todas as correntes e nortearam a construção da
própria economia política clássica, que não apenas não apresenta as bases para um
tratamento político da economia como, pelo contrário, estabelece a possibilidade de serem
tratados os problemas econômicos isoladamente de variáveis extra-econômicas, inclusive
políticas. Segundo Fernando J. Cardim de Carvalho (1999, p. 16), “foi a economia política
clássica quem colocou o Estado fora do campo da análise ao propor-se a demonstrar a
possibilidade de que os sub-sistemas econômicos fossem capazes de auto-ordenação a
partir da ação de indivíduos privados, orientados pelo seu interesse próprio.
Dois dos principais pensadores econômicos pós-Smith, David Ricardo e Karl Marx,
não colocaram em questão a fronteira e a auto-suficiência do sistema econômico
66
estabelecidas por Adam Smith. David Ricardo, em sua obra Principles of political economy
and taxation preocupa-se em discutir o valor das mercadorias abordando contradições do
método de mensuração de valor proposto por Adam Smith e nem entra na discussão da
viabilidade de arranjos econômicos baseados na predominância de relações de mercado.
Karl Marx, em sua obra central O capital, também parte da discussão acerca dos
determinantes dos valores das mercadorias para, então, derivar uma teoria de distribuição
do produto social. Apesar de Karl Marx avançar numa discussão mais ampla e enfatizar o
caráter histórico do capitalismo, também assenta a idéia de que o Estado é um elemento
relativamente sem importância na determinação da dinâmica do capitalismo (CARVALHO,
1999).
No final do século XIX a revolução da teoria neoclássica
7
que adotava métodos de
análise formal, demandando, assim, uma especificação mais rigorosa das variáveis
consideradas no sistema econômico, tornou ainda mais explícita a exclusão da possível
ação do Estado na economia do que na economia política clássica. Todavia, foram os
próprios exames minuciosos das condições de existência de vetor de preços naturais
realizados dos modelos neoclássicos que ocasionaram algum avanço na identificação de
casos de falhas de mercado, ou seja, no apontamento de situações em que a livre interação
entre vendedores e compradores não convergia para arranjos satisfatórios. Entretanto, para
a teoria neoclássica, tais “imperfeições” deveriam ser tratadas pela identificação de
mecanismos ou regras que permitam compensar as falhas de mercado e não de abrir
espaços para um novo agente ou uma nova variável no sistema econômico como o Estado,
por exemplo. O papel do Estado deveria limitar-se a algumas funções essenciais, como a
manutenção da lei, da ordem e da propriedade privada
8
(MENDONÇA; ARAUJO; 2003).
Fernando J. Cardim de Carvalho ressalta que
tanto a economia política clássica quanto a [teoria] neoclássica fossem incapazes
de identificar qualquer papel ativo para o Estado exercer na economia, de certa
forma refletia o fato de que, na Inglaterra, não havia papel a cumprir [visto que
no país não havia, a rigor, nem política fiscal e nem monetária] (1999, p. 21).
7
Segundo Fernando J. Cardim de Carvalho (1999, p. 18), a expressão “‘teoria neoclássica’ comporta
elementos diversos”, entretanto a caracterização feita acima refere-se ao paradigma dominante do
neoclassicismo conhecida como “abordagem walrasiana”.
8
Deve-se ressaltar que esse também era o papel do Estado para Adam Smith.
67
Tal situação, entretanto, mudou substancialmente após o final da Segunda Guerra
Mundial na metade do século XX. Se, por um lado, com a emergência das idéias
keynesianas houve o desenvolvimento da teoria no sentido de abrir espaços para as
intervenções dos governos na economia, por outro, ocorreu o desenvolvimento político, que
resultou num certo aumento do peso do Estado nos produtos nacionais.
John Maynard Keynes provocou uma ruptura com a teoria econômica em
desenvolvimento desde Adam Smith no século XVIII ao identificar insuficiências
estruturais na forma de operação das economias capitalistas, que demandavam regras
compensatórias (como no caso das falhas de mercado) e a necessidade de acompanhamento
e intervenções constantes. Para a teoria keynesiana as economias capitalistas eram
marcadas pela possibilidade de conflito entre a racionalidade individual e a racionalidade
social, isto é, os indivíduos podem se colocar objetivos socialmente inferiores aos que
poderiam ser alcançados numa ação coletiva. Dessa forma, John Maynard Keynes apontou
para a necessidade de política econômica, ou seja, de que o Estado deveria desempenhar
um papel de coordenação da ação coletiva de maneira que os indivíduos buscassem
objetivos superiores aos que almejariam sem tal ação.
Ao contrário do que propugnavam a economia política clássica e a economia
neoclássica, para a teoria keynesiana a interação entre indivíduos privados não é capaz de
alcançar os melhores resultados possíveis, cabendo ao Estado, portanto, não lhes impor
metas diferentes daquelas que desejam, mas, sim, permitir-lhes alcançar patamares mais
elevados de bem-estar. A teoria keynesiana tem como pressuposto que o Estado é capaz de
melhorar os resultados da economia, entretanto fica uma questão fundamental: buscará o
Estado fazê-lo? Para John Maynard Keynes a resposta é afirmativa, visto que ele acreditava
num Estado como um aparato que de alguma maneira representasse a sociedade de forma
melhor do que ela própria seria capaz de representar-se diretamente, ou seja, tinha uma
visão um tanto “platônica” do Estado (CARVALHO, 1999).
A visão otimista de John Maynard Keynes em relação à atuação do Estado foi
contestada, primeiramente, por Michal Kalecki, quando em 1943 publicou o trabalho que
68
criou o conceito de ciclo político”
9
. Para o autor, a identificação de um papel
economicamente construtivo para o Estado era insuficiente, visto que a lógica da
dominação política lhe é intrínseca e subordina qualquer outro objetivo. Michal Kalecki
apontou, então, para a necessidade de se estudar a decisão estatal de forma mais
aprofundada e para a necessidade de superação da barreira que separava a economia das
outras ciências sociais. Dessa forma, pode-se dizer que Michal Kalecki foi o precursor da
idéia de que o Estado não deve ser tratado como um agente externo ao sistema econômico.
Seja na economia política clássica, seja na economia neoclássica, não havia
necessidade da ação do Estado ou em condições muito específicas, apenas algumas regras
deveriam remediar as operações deficientes do mercado; para a teoria keynesiana, como a
livre interação entre agentes privados não é capaz de proporcionar a economia explorar seu
potencial máximo, faz-se necessária a intervenção de um agente externo: o Estado. Para
Michal Kelecki, entretanto, o tratamento do Estado como um elemento exógeno ao sistema
econômico é o problema de fundo, ou seja, ele propõe a ruptura com a tradição e a idéia de
mais de duzentos anos de que o Estado é intrinsecamente político, uma variável de “outra
esfera” que não a do sistema econômico. Conforme Fernando J. Cardim de Carvalho, a
superação dessa barreira
alterará, fatalmente, o modo pelo qual a teoria econômica aborda o próprio
mercado. As metáforas até aqui utilizadas, da mão invisível ao leiloeiro, não
ocultam o fato de que pouco conseguimos até hoje em termos de uma efetiva
“teoria” dos mercados. A abordagem neoclássica, por exemplo, confunde a
análise do mercado com a postulação dos resutados que se espera prevalecerem
caso o mercado funcione como deveria (como?). É preciso recuperar a visão do
mercado como forma de relacionamento (1999, p. 24).
Portanto, em continuação à revisão básica acerca das teorias econômicas, o texto a
seguir aborda as diferentes formas e perspectivas atuais de entendimento do mercado.
9
Aparentemente, economistas neoclássicos recriaram o conceito de “ciclo político”, isto é, de flutuações
econômicas causadas por mudanças de política econômica, trinta anos após a publicação do conceito por
Kalecki (CARVALHO, 1999, p. 23).
69
2.1.2 O estudo do mercado: mecanismo de formação de preço ou estrutura social?
Formas e características dos mercados são aspectos fundamentais no estudo de
economia: “Os mercados estão no centro da atividade econômica, e muitas das questões e
temas mais interessantes da economia estão relacionados com o funcionamento dos
mercados.” (PINDICK; RUBINFELD, 2002, p. 8). Entretanto, não obstante a significativa
centralidade que o liberalismo econômico assumiu nas sociedades ocidentais no decorrer
dos últimos séculos, a literatura da economia contém uma limitada abordagem acerca do
termo central das teorias econômicas liberais, isto é, pouco trata especificamente sobre o
assunto mercado.
Ricardo Abramovay, em texto de sua aula no concurso para professor titular da
FEA-USP (2004, p. 36), cita reconhecidos pensadores que se manifestaram sobre essa
surpreendente despreocupação com o estudo específico do mercado. Ele lembra, por
exemplo, que Douglas North, em 1977, destacou que “é curioso que a literatura de
economia e história econômica contenha tão pouca discussão sobre a instituição central em
que se fundamenta a economia neoclássica o mercado”. Outro autor lembrado por
Ricardo Abromavoy foi Ronald Coase, o qual num texto de 1988 destacou que, “embora os
economistas reivindiquem estudar o mercado, na teoria econômica moderna o próprio
mercado tem um papel ainda mais à sombra que a firma”. Segundo Bruno Reis (2003, p.
56), “[...] o que habitualmente encontramos sobre ele [o mercado] são polêmicas insolúveis
de forte conteúdo doutrinário acerca de seu comportamento dinâmico: anárquico para
os marxistas e ou tendente ao equilíbrio para os economistas neoclássicos”.
Portanto, o estudo teórico e conceitual sobre o mercado não é tarefa das mais
simples em virtude de limitações na literatura e da diversidade de concepções e
entendimento existentes acerca do assunto. De maneira geral, enciclopédias e dicionários
têm definido o termo “mercado” em economia como qualquer conjunto de transações,
acordos ou intercâmbios de bens e serviços entre compradores e vendedores. Livros
acadêmicos de ensino básico de microeconomia
10
também têm enfatizado o aspecto da
10
A economia divide-se em dois ramos principais: a microeconomia, que trata do comportamento das
unidades econômicas individuais abrangendo consumidores, trabalhadores, investidores etc., e a
macroeconomia, que trata das questões econômicas agregadas, tais como nível e a taxa de crescimento do
produto nacional, taxas de juros, desemprego e inflação (PINDICK; RUBINFELD, p.3).
70
formação de preço ao conceituar os mercados. Segundo Ricardo Abramovay (2004, p. 44),
“mercado é uma expressão cujo significado varia nas diferentes escolas do pensamento
econômico”, mas no interior da ciência econômica tem sido tratado, prioritariamente, como
um mecanismo de formação de preços, ou seja, de alocação de recursos a partir dos quais
uma sociedade se reproduz e se desenvolve.
O mercado é estudado na perspectiva de mecanismo de formação de preços,
principalmente por pesquisadores adeptos da teoria econômica, seja neoclássica, marxista
ou keynesiana, e, talvez por isso, essa visão seja dominante na formação universitária
contemporânea. Nesse caso, os cientistas recorrem a atributos universais e objetivos, que
podem ser conhecidos de maneira dedutiva e sobre os quais são aplicáveis métodos
matemáticos. Quando o mercado é estudado na perspectiva de mecanismo de formação de
preço, a economia é entendida como esfera autônoma da vida social. Importantes
pensadores da economia, como John Stuart Mill, defenderam a visão da economia como
uma ciência separada, baseados num postulado psicológico segundo o qual os homens
preferem sempre uma quantidade de riqueza maior a uma menor. Como esclarece Valadão
de Matos:
Apesar de as operações, mesmo no departamento da ação humana em questão (o
campo da produção e distribuição do produto social), serem sempre, na verdade
resultado de uma pluralidade de motivações, a economia política as considera
resultado unicamente do desejo de riqueza (apud ABRAMOVAY, 2004, p. 41).
Geralmente o princípio da preferência da maior a menor riqueza é suficiente
embora não necessariamente realista para fundamentar a economia como ciência
autônoma ou como uma ciência completa, que dispensa a contribuição das outras
disciplinas que estudam o homem e a sociedade. Na teoria do equilíbrio geral, na qual o
comportamento dos atores torna-se completamente previsível, a construção conceitual de
que cada agente atua apenas baseado no seu auto-interesse trata os agentes econômicos
como meros autômatos que reagem mecanicamente aos estímulos do ambiente. Ricardo
Abramovay chama a atenção que
71
o importante, porém, é que essa reação e o equilíbrio que dela resulta não
provém de um processo evolutivo e seqüencial de aprendizagem. As compras e
as vendas ocorrem de maneira absolutamente fluída, sem ruídos, graças a
concorrência. Mas os atores não precisam interpretar os sinais emitidos pelos
outros: o ambiente social é dado imediatamente aos indivíduos, o mundo
econômico reveste-se de uma transparência básica que afasta a necessidade de
que os atores o interpretem (2004, p. 42).
Portanto, como para as abordagens econômicas mais tradicionais os homens
preferem sempre uma maior riqueza e a origem e a formação dos gostos não interessam, a
ciência econômica torna-se independente de qualquer outra ciência dos homens e da
sociedade e não espaço para disciplinas como a psicologia e a sociologia na explicação
das ações econômicas dos indivíduos. Nessas abordagens em que a economia é tratada de
forma autônoma somente os fatos da escolha interessam; as motivações exatas que estão
por trás dessa escolha não importam, demodo que o consumo torna-se “a expressão máxima
da racionalidade humana: cada indivíduo tem sua curva de preferências e,
independentemente da maneira como ela é formada, obedece a regras de funcionamento
invariáveis quanto à relação entre meios e fins” (ABRAMOVAY, 2004, p. 43) e o mercado,
dessa forma, passa a ser estudado apenas como um mecanismo de formação de preços.
Entretanto, “a idéia de que a economia consiste num conjunto atomizado de sujeitos
egoístas interagindo ocasionalmente com base num mecanismo automático e tendente ao
equilíbrio corresponde apenas a uma parte da formação da disciplina” chamada de
“economia” (ABRAMOVAY, 2004, p. 43). O mercado também tem sido estudado na
perspectiva de estruturas sociais, ou seja, como forma de coordenação social caracterizada
por conflitos, dependências, estruturas e imprevisibilidades. Não obstante autores de
formação marxista terem sempre estudado a vida econômica e as publicações de Pierre
Bourdieu tratarem do conceito de habitus, somente a partir da década de 1980 surgiram
trabalhos embasados em instrumentos e conceitos estranhos à teoria econômica para
explicar o que parecia exclusividade dos economistas. Naquele momento, deu-se início a
um processo interdisciplinar de aproximação da economia e do direito (law and
economics), do direito e da política (com os trabalhos de Norberto Bobbio) e destacou-se o
surgimento da chamada “nova sociologia econômica” que começou a questionar
pressupostos comportamentais básicos da tradição da economia neoclássica
(ABRAMOVAY, 2004).
72
Quando o mercado é estudado como estrutura social, os pesquisadores envolvidos
são aqueles preocupados com o que vem sendo chamado de embeddedness - imersão da
economia na vida social. Dessa forma, os estudiosos recorrem à subjetividade dos agentes
econômicos, à diversidade e à história de suas formas de coordenação, ou seja, recorrem a
atributos mais particularizados e obtidos por métodos indutivos. Nessa perspectiva de
entendimento do mercado, as estruturas sociais e a subjetividade humana o levadas em
conta nos programas de pesquisa; assim a economia não é encarada como esfera
completamente autônoma da vida social. Contudo, segundo Ricardo Abramovay,
seria um equívoco imaginar que a inserção social e cognitiva dos mercados
corresponde a uma preocupação apenas dos sociólogos. Nos últimos anos
prosperaram no interior do que pode ser considerado o mainstream do
pensamento econômico abordagens que rompem com alguns dos mais
importantes pressupostos da economia neoclássica e que procuram justamente
estudar a dimensão subjetiva da ação econômica (2004, p. 44).
Reconhecidos economistas também têm questionado o caráter puramente mecânico,
não intencional, da interação social, ou seja, colocam em dúvida a idéia de a ciência
econômica se apoiar no pressuposto do egoísmo socialmente generalizado. Stefano
Zamagni, por exemplo, ao organizar uma coletânea sobre a “economia do altruísmo”
reivindica uma idéia mais realista e compreensiva do comportamento dos indivíduos e das
instituições econômicas, ou seja, uma visão que considere o fato de que as pessoas podem
se preocupar também com o bem-estar dos outros, além do seu próprio bem-estar. Para
Ricardo Abramovay, em última análise, Stefano Zamagni retoma
o tema smithiano da simpatia e da benevolência ao mostrar a possibilidade
lógica de superar o dilema hobbesiano que faz da força a única forma de
sobrepor a traição: na verdade os indivíduos buscam, o tempo todo, algum tipo
de reconhecimento nos círculos sociais em que vivem, o que torna a confiança
um dado sociológico passível de reconhecimento específico, histórico, e não um
traço genérico do caráter humano (2004, p. 46).
Dessa forma, pode-se dizer que atualmente existem tanto pesquisadores das ciências
econômicas, por meio, principalmente, da chamada “economia institucional”, como da
sociologia, pela “nova sociologia econômica”, que têm tratado o mercado como fenômenos
73
que, para existirem, dependem de necessárias condições sociais e comportamentais que vão
além do simples auto-interesse dos outros. Enfim, apesar das diferenças conceituais e
metodológicas, atualmente se observa uma clara convergência entre a economia e a
sociologia no sentido de estudar e pesquisar o mercado segundo uma abordagem de
estruturas sociais, não somente como um mecanismo abstrato, neutro e impessoal de
encontro entre compradores e vendedores.
2.1.3 As experiências de mercados livres de controle político e social
Na história das sociedades pode-se encontrar uma considerável diversidade no grau
em que os mercados se desenvolveram e se libertaram dos resquícios dos controles sociais
da era medieval. Nas sociedades tradicionais pré-modernas não existia o conceito de
mercado, visto que os preços muitas vezes tinham o estatuto de convenções; alguns bens
não podiam ser comprados ou vendidos e as trocas dependiam muito das proximidades
locais e dos parentescos. No curso do movimento histórico, as forças de mercado foram se
tornando mais importantes nos contextos das sociedades e constituíram economias de
mercado em vários países que permanecem assim até os dias atuais.
Entretanto, dentro do grande conjunto de países que criaram e desenvolveram
economias de mercado pode-se fazer uma grande e importante distinção entre aqueles em
que as atividades econômicas são indissociáveis de outras áreas da atividade social e
aqueles nos quais os mercados formam um domínio separado e independente. A diferença
fundamental entre esses distintos grupos de economia de mercado é que, no caso dos
primeiros, a economia dos países está embutida nas relações sociais e, no caso dos países
do segundo grupo, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico, visto
que o desenvolvimento da sociedade se como um apêndice do mercado, ou seja, nos
países do segundo grupo constituíram-se verdadeiros marcados livres e sociedades
mercantilistas (GRAY, 1998). Quando a economia é que está embutida nas relações sociais,
como, por exemplo, em muitos países da Europa continental, os mercados estão sujeitos a
muitos tipos de regulamentações e restrições; por outro lado, onde as relações sociais estão
embutidas na economia, os mercados funcionam independentemente das necessidades
sociais e, por vezes, condicionam e dominam a vida social, ou seja, os mercados estão
livres de restrições e controle político ou social. Segundo John Gray,
74
a Inglaterra de meados do século XIX foi o palco de uma experiência de longo
alcance em engenharia social. O propósito dessa experiência era o de libertar a
vida econômica do controle político e social. Este objetivo foi atingido pela
construção de uma nova instituição, o mercado livre, e pelo desmantelamento
dos mercados com raízes mais sociais que existiam séculos na Inglaterra. O
mercado livre criou um novo tipo de economia na qual os preços de todos os
bens, incluindo a mão-de-obra, mudavam sem olhar às repercussões na
sociedade. [...] A ruptura na vida econômica inglesa provocada pela criação do
mercado livre tem sido designada por Grande Transformação (1998, p. 13).
Para o autor, a Inglaterra possuía economia de mercado antes e depois da
experiência de laissez-faire de meados do século XIX no chamado “período vitoriano”,
entretanto em ambos os casos os mercados eram regulados de forma que seu
funcionamento não prejudicasse muito a estabilidade social. O mercado livre criado na Grã-
Bretanha emergiu de um longo processo de evolução não planejado e, paradoxalmente, foi
um “artefato do poder e da arte de governar”, ou seja, foi, na verdade, decorrente do
intervencionismo do Estado. A eliminação de proteções para a agricultura, a reforma da Lei
dos Pobres, que os obrigava a aceitar qualquer trabalho, e o fim de todos os controles sobre
os salários foram os três passos decisivos na construção do mercado livre na Grã-Bretanha.
De acordo com John Gray (1998, p. 24), “estas medidas-chave criaram, a partir da
economia de mercado dos anos 1830, o mercado livre liberalizado dos meados da era
vitoriana, que é o modelo de todas as políticas neoliberais subseqüentes”. Segundo o autor,
somente durante a era do laissez-faire da Inglaterra vitoriana do século XIX e em algumas
partes do mundo nas décadas de 80 e 90 do final do século XX o mercado livre foi a
instituição social dominante. No caso das experiências de mercados livres do século XX, a
reforma das instituições de seguridade social, o desmantelamento dos controles de salários
e a abertura das economias nacionais ao comércio livre global liberalizado foram políticas
centrais e fundamentais. Porém, em todos os casos, inclusive na Inglaterra vitoriana, o
cerne do mercado livre foi a desregulamentação do mercado de trabalho.
Segundo John Gray (1998), nos tempos atuais, organismos internacionais, como,
por exemplo, a OMC e o FMI, têm procurado implementar uma “grande transformação” e
libertar a vida econômica mundial do controle político e social, criando o mercado livre
global. De acordo com o autor, tais organismos seguem os ditames dos Estados Unidos que
75
assenta suas políticas na tese iluminista de que o futuro de todas as nações do mundo é o de
aceitar alguma versão dos das instituições e valores ocidentais, ou seja, a idéia de que o
“capitalismo democrático” será mundialmente aceito. Em síntese, a idéia dos Estados
Unidos e dos organismos internacionais é de impor mercados livres à vida econômica das
sociedades de todo o mundo, com vistas a combinar os múltiplos sistemas e culturas
econômicas existentes num único mercado livre universal.
Entretanto, na obra False dawn (Falso amanhecer) John Gray (1998) adverte que
essa é uma utopia que nunca poderá ser concretizada e que a implementação de mercados
livres produziu desordem social e econômica e instabilidade política em grande escala.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os mercados livres colaboraram para o colapso social,
para a fragilização da instituição familiar e têm obrigado o desenvolvimento de uma
política de encarceramento maciço para o estabelecimento da ordem social. Não obstante os
mercados livres tenham gerado um crescimento econômico, os níveis de desigualdade
social nos Estados Unidos assemelham-se mais aos dos países latino-americanos do que de
qualquer sociedade européia. Por outro lado, a maioria parte dos países em
desenvolvimento que buscaram reconstruir suas economias de acordo com o modelo de
mercado livre anglo-saxônico não conseguiram assegurar uma modernidade sustentada. O
próprio desenrolar do laissez-faire na Inglaterra vitoriana demonstrou o dano causado pelo
mercado livre às outras instituições sociais e ao bem-estar humano.
Conforme John Gray (1998), a experiência inovadora inglesa demonstrou
claramente que a estabilidade social e o mercado livre são incompatíveis durante muito
tempo quando, na década de 1930, a segurança econômica desfez-se em confusão e caos.
Para o autor, a história do mercado livre global, que atualmente vem sendo proposto pelos
Estados Unidos e pelos principais organismos econômicos internacionais, também não será
diferente, ou seja, a necessidade humana de segurança econômica se sobreporá às
inseguranças, incertezas e riscos inerentes aos mercados livres, inclusive ao global.
2.1.4 O mercado e seus termos básicos
Como observado anteriormente, o estudo dos mercados não é uma tarefa simples.
Além de existirem carências na literatura, também se encontram dentro da área da
economia diferentes concepções e visões acerca da mais apropriada abordagem de estudo e
76
pesquisa sobre o assunto “mercado”. Entretanto, não obstante tais limitações teóricas, o
senso-comum e até mesmo outras áreas do conhecimento utilizam rotineiramente diversos
termos relacionados à economia e, especialmente, ao mercado sem um maior cuidado
etimológico ou semântico sobre a adequação de suas aplicações em determinados
contextos. No campo da educação, por exemplo, é comum serem encontrados textos
relacionados a reconhecidos termos econômicos, tais como, “mercadoria”, “competição” e
“eficiência”, sem que uma adequada revisão ou esclarecimento conceitual tenha sido
realizado.
De fato, ao se estudarem temas relacionados à mercantilização da educação
superior, como a expansão de instituições educacionais privadas, a ampliação da regulação
dos sistemas de educação superior pelo mercado ou a inserção de práticas empresarias em
instituições educacionais públicas, obviamente se está realizando uma abordagem
interdisciplinar na qual a dinâmica do mercado e o pressuposto de sua eficiência possuem
relativa significância para o desenvolvimento das pesquisas e dos estudos. Pedro Teixeira et
al.enfatizam:
Uma grande tendência da literatura recente tem sido textos escritos por não-
economistas sobre forças de mercado na educação superior. Evidentemente os
economistas não têm o monopólio do conhecimento relevante para políticas de
reformas da educação superior, mas nossos entendimentos coletivos da natureza e
impactos de políticas baseadas em mercado podem algumas vezes ser retardados
por um impreciso uso da linguagem e dos conceitos econômicos (2004, p. 327).
Em suma, abordagens relacionadas às questões de mercado, tais como “mercados
livres”, “eficiência de alocação”, “mercados perfeitamente competitivos” e “falhas de
mercado” etc., cada vez mais são encontradas na literatura sobre avaliação e planejamento
de sistemas de educação superior e, nesse contexto interdisciplinar, o uso correto de
conceitos e da linguagem econômica é produtivo e, portanto, necessário. Dessa forma, nos
anexos deste trabalho é apresentado um pequeno glossário com termos
11
ligados
11
Os termos econômicos referenciados dos autores Pedro Teixeira, Ben Jongbloed, David Dill e Alberto
Amaral (TEIXEIRA et al., 2004) apresentados nos anexos foram adaptados da tradução livre realizada pela
professora Denise Leite no desenvolvimento da disciplina Democracia e Mercados nas Reformas da Educação
Superior no semestre 2005/2 do curso de Doutorado em Educação da UFRGS.
77
especialmente ao campo da economia e que podem ser utilizados nas discussões e
abordagens sobre a mercantilização da educação superior.
2.2 As Origens e as Características da Mercantilização da Educação Superior
A chamada “mercantilização da educação superior” é um fenômeno novo e ainda
em fase de estudos e investigação com vistas à obtenção de uma melhor compreensão de
suas origens, características e sentidos. Publicações recentes têm apresentado algumas
variações no apontamento das causas e origens da emergência de tal processo, em que os
meios e os fins da educação superior sofrem um redirecionamento no sentido da lógica do
mercado. Segundo Boaventura de Souza Santos (1994, 2004) a mercantilização da
educação superior está diretamente relacionada com o processo extremado pelo credo
neoliberal, em que o mercado, ao adquirir pujança inédita, extravasa o econômico e tenta
denominar o Estado e a comunidade. De acordo com António M. Magalhães (2004, p.369),
as razões das recentes mudanças da natureza do ensino superior e das instituições não
podem ser encontradas somente no próprio ensino superior, nem apenas na significativa
emergência do neoliberalismo na arena política, “mas também, e sobretudo, no âmbito das
transformações mais amplas que estão a acontecer ao nível econômico, social e político”.
Para outros autores, como Pedro Teixeira, Ben Jongbloed, David Dill e Alberto Amaral,
“mercados competitivos têm sido há muito tempo uma característica da educação superior”.
Por isso
o que distingue o debate atual sobre mercados em educação superior não é a
emergência na vida acadêmica de uma nova forma de organização social, mas a
ativa experimentação de políticas orientadas ao mercado por Estados
interessados em maximizar os benefícios sociais dos sistemas nacionais de
educação superior (TEIXEIRA et al., 2004, p. 327).
De maneira geral, os argumentos e as justificativas para a mercantilização da
educação superior estão relacionados com os pressupostos liberais de que a competição
gerada pelo mercado levaria a uma maior produtividade e eficiência dos sistemas, com
conseqüente melhoria na qualidade e eqüidade no provimento dos “serviços” educacionais
pelas instituições. Além disso, também têm sido utilizados argumentos de natureza fiscal
relativos às destinações dos restritos orçamentos dos Estados, ou seja, “[...] a educação
78
superior não é um competidor forte contra necessidades sociais tais como serviços de saúde
e segurança social, e tendências futuras das sociedades (como a do envelhecimento
populacional) [com vistas à captura dos recursos públicos]” (TEIXEIRA et al., p. 344).
Não obstante existirem algumas variações de apontamento das causas, quase todos
os autores reconhecem que a mercantilização da educação superior, inquestionavelmente,
possui entre suas principais origens a tendência mundial neoliberal de ampliação do campo
de atuação do mercado e o estreitamento do espaço e importância do Estado. A recente
emergência do princípio do mercado, por sua vez, possui raízes históricas e justificativas
“modernas” que transitam das obras e idéias de Adam Smith até as teorias neoliberais mais
recentes de Friedrich von Hayek e Milton Friedman. Os principais organismos
internacionais como o BM e o FMI, reforçados pela ação da OMC, também têm induzido o
desenvolvimento de políticas neoliberais apoiando a emergência de um mercado livre
global que avança sobre as mais diversas áreas de atuação, inclusive aquelas mais sensíveis
para o desenvolvimento e crescimento dos países e sociedades, como, por exemplo, a
própria educação. Os números mundiais com despesas em educação ascendem a dois
trilhões de dólares (mais do dobro do mercado mundial de automóveis) e as características
de mercado gigante, fragmentado, pouco produtivo, com grande déficit de gestão
profissional, baixo nível tecnológico e taxa de capitalização muito baixa, semelhante às que
a saúde tinha em 1970, tornam a educação e, notadamente, a educação superior uma área
atrativa e de grande potencial para “um capital ávido de novas áreas de valorização” e
investimentos (SANTOS, 2004, p. 27).
Dessa forma, as idéias de que se deve diminuir a presença do Estado para permitir
que a “mão mágica” das forças do mercado torne a economia mais competitiva, de que o
livre fluxo de bens e serviços é o caminho para a prosperidade e a eficiência e de que a
educação possui potencial para se transformar numa parte significativa do comércio
mundial de serviços m afetado significativamente os sistemas e as instituições de
educação superior e, por conseguinte, contribuído para a emergência do processo de
mercantilização da educação superior, a redução de seu estatuto de bem público e a
ampliação de sua condição de serviço comercial. Ao abordar especificamente a situação das
instituições universitárias, Boaventura de Souza Santos destaca:
79
Os dois processos marcantes da cada o desinvestimento do estado na
universidade pública e a globalização mercantil da universidade são as faces da
mesma moeda. São os dois pilares de um vasto projeto global de política
universitária destinado a mudar profundamente o modo como o bem público da
universidade tem sido produzido, transformando-o num vasto campo de
valorização do capitalismo educacional. Este projeto que se pretende de médio e
longo prazo, comporta diferentes veis e formas de mercadorização da
universidade. [...] O primeiro vel de mercadorização consiste em induzir a
universidade pública a ultrapassar a crise financeira mediante a geração de receitas
próprias, nomeadamente através de parcerias com capital, sobretudo industrial. [...]
O segundo nível consiste em eliminar tendencialmente a distinção entre
universidade pública e universidade privada, transformando a universidade, no seu
conjunto, numa empresa (2004, p. 18-19).
Dessa forma, neste capítulo são apresentadas as visões e influências de alguns dos
principais organismos internacionais sobre a educação superior; são analisados eventos e
fenômenos que estão caracterizando a mercantilização dos meios e dos fins da educação
superior, e, por fim, é realizada uma revisão acerca dos estudos sobre mercados em
educação superior.
2.2.1 A visão da educação superior como serviço comercial: de Adam Smith ao BM e a
OMC
Adam Smith no século XVIII e Karl Marx no século XIX talvez tenham sido os
primeiros autores a abordar de alguma forma a questão da natureza pública ou privada da
educação superior. Em todo o capítulo “Da despesa das instituições para a educação da
juventude” na obra A riqueza das nações, em 1776, Adam Smith discute que funções a
educação em geral deveria cumprir, qual a melhor forma de garanti-las, se com subsídio
total ou parcial do Estado, e os objetivos da utilidade, da eficiência e da eficácia do
“empreendimento” educativo. De forma contraditória, o autor, ao mesmo tempo em que
enfatiza a competitividade entre homens, organizações e instituições de toda natureza,
inclusive as educacionais, como princípio fundamental do progresso, também alerta para a
necessidade da atenção do poder público ao afirmar que, se não houvesse instituições
públicas destinadas à educação, só seriam ensinadas as coisas úteis no curto prazo.
naquela época, portanto, Adam Smith apontava para a priorização dos recursos
públicos para a educação fundamental e também demonstrava preocupação com custos ao
afirmar que “com uma despesa bastante reduzida o público pode facilitar, encorajar e
80
mesmo impor a necessidade da aquisição dessas partes mais essenciais da educação [ler,
escrever e contar] ao conjunto das pessoas.” (apud SGUISSARDI, 2005, p. 195). De
qualquer forma, Adam Smith defendia a idéia de que o ensino deveria ser pago, ainda que a
baixo custo, pela família e que o mestre deveria receber apenas em parte do poder público,
visto que, se fosse totalmente pago por ele, “depressa aprenderia a negligenciar a sua
atividade.” (apud SGUISSARDI, 2005, p. 195).
No texto Crítica do Programa de Gotha: observações à margem do Programa do
Partido Operário Alemão, em 1875, Karl Marx também aborda a natureza da educação
superior ao manifestar descrença na possibilidade de a educação ser igual para todos e
expor sua contrariedade à presença do Estado na educação. Karl Marx também era crítico
da gratuidade da educação superior visto que, na época, tornara-se um privilégio nos EUA
para as classes sociais mais altas, as únicas a atingir tal nível de ensino. Entretanto, alguns
autores argumentam que alguém que defendeu a essencial vinculação da educação ao
trabalho produtivo como forma de emancipação operaria, como arma revolucionária e de
superação da sociedade burguesa não poderia desacreditar de idéias como a educação igual
para todos. Dessa forma, seria convicção de Karl Marx de que os direitos de cidadania são
condicionados historicamente pelas condições infra e superestruturais vigentes em cada
época, o que explicaria e justificaria sua posição acerca da educação apresentada na obra
Crítica do programa de Gotha. Para Valdemar Sguissardi, são justamente essas condições
objetivas que explicam a proeminência da questão do conhecimento, da ciência e da
educação quando da irrupção de movimentos revolucionários como a Revolução Francesa,
a Comuna de Paris ou a Revolução Russa.
Nesses momentos, o pano de fundo para as campanhas de alfabetização em
massa, para a construção de escolas tecnológicas ou politécnicas, para o
incentivo a que todos tenham acesso ao máximo saber e qualificação é a idéia de
que o conhecimento, a ciência e a educação não se reduzem a, nem podem ser
essencialmente, uma mercadoria ou commodity qualquer, mas que são
fundamentalmente um bem público, coletivo, fruto do trabalho humano solidário
ou explorado nas relações de produção capitalista, um bem que não se desgasta,
não se degrada, mas, ao contrário, cresce e multiplica-se pelo uso individual e
coletivo e constitui-se em parte essencial dos direitos humanos de cidadania
(SGUISSARDI, 2005, p. 197).
81
De maneira geral, nos séculos XIX e XX o estatuto da educação superior como bem
público ou privado não esteve em questão visto que a política de financiamento baseava-se
no modelo europeu que incumbia de tal tarefa, sobretudo, ao Estado (UNESCO, 2005).
Somente em meados da década de 1980 o debate sobre a natureza de bem público ou
serviço comercial da educação superior adquiriu proeminência. No ano de 1986, no
documento Financing education in developing countries an exploration of policy
options”, o Banco Mundial defendeu a tese de que os investimentos em educação básica
propiciam maiores retornos sociais e individuais que os investimentos em educação
superior (idéia semelhante foi proposta por Adam Smith no século XVIII). A partir daquele
momento, diversos países em desenvolvimento foram induzidos a investir os escassos
recursos públicos para educação nos subsistemas primário e secundário (educação básica)
e, conseqüentemente, a diminuir investimentos na educação superior, bem como receberam
recomendações especificas para a educação superior, tais como de diversificar as fontes de
recursos (fim da gratuidade e ampliação da cobrança de mensalidades) e incentivar a
expansão de instituições privadas.
Nos anos seguintes, em acordo com o Banco Mundial, outros organismos
multilaterais financeiros e governos nacionais também incentivaram e defenderam políticas
para a educação superior que fragilizavam as instituições públicas, expandiam as redes de
instituições privadas e, inclusive, prepuseram a liberalização comercial dos “serviços
educacionais” na agenda do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços da OMC. Assim,
durante a década 1990 o debate acerca do estatuto da educação superior como bem público
ou como serviço comercial passou a ocupar espaços na produção documental dos
organismos multilaterias financeiros - BM, BID, OMC - e educacionais Unesco, bem
como nas agendas e discursos governamentais nacionais e multinacionais - OCDE, UE,
Nafta (SGUISSARDI, 2005). Portanto, as origens e causas da mercantilização da educação
superior, bem como a emergência do debate acerca da natureza da educação superior como
bem público ou como serviço comercial, estão explícita e estreitamente relacionadas com
as propostas e políticas desenvolvidas pelos principais organismos multilaterias financeiros
(FMI, BM e OMC).
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional foram criados a partir da
reunião de representantes dos países aliados ocidentais, pós-Segunda Guerra, em 1944, num
82
vilarejo chamado Bretton Woods, no estado de New Hampshire, nos Estados Unidos. A
criação de tais organismos multilaterais decorreu principalmente da constatação, por parte
dos países capitalistas, da necessidade de se criarem instrumentos capazes de amparar a
economia de seus respectivos países em momentos de dificuldades. Assim, a primeira
grande tarefa do BM foi reconstruir os países europeus arrasados pela guerra. O FMI foi
criado para supervisionar o sistema de intercâmbio econômico entre os países membros e
para emprestar dinheiro em curto prazo para nações com dificuldades conjunturais. No ano
de 1948 começaram a ocorrer negociações intergovernamentais para estimular a
liberalização do comércio internacional e reduzir os diferentes tipos de proteção dos
mercados nacionais. Tais negociações deram origem ao Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio, que em 1994, no Uruguai, transformou-se na organização permanente OMC. A
partir de 1995 a OMC começou a funcionar efetivamente com os objetivos de promover o
livre-comércio e eliminar barreiras comerciais.
Até o final da década de 1960, quando o modelo de bem-estar social alcançava êxito
no desenvolvimento econômico e social em diversos países, o Banco Mundial não
desempenhava as funções de “conselheiro” ou “perito”. Entretanto, a partir da década de
1970 esta organização passou a influenciar de forma significativa as políticas nacionais dos
países que financiava (SEIXAS, 2003). Quando o modelo intervencionista de bem-estar
social começou a entrar em crise (recessão, inflação, baixas taxas de crescimento), por volta
de 1973, os princípios neoliberais contidos no livro O caminho da servidão de Friedrich
von Hayek, e nas idéias monetárias de Milton Friedman começaram a ganhar força; e,
então, alguns governos, principalmente de matiz de direita, implementaram um conjunto de
políticas baseadas nos pressupostos de que:
o Estado tornara-se demasiado caro para sustentar e demasiado intrusivo para ser
tolerado;
os mercados sem restrições reguladoras geram riqueza e prosperidade em âmbitos
local e global;
a riqueza e a prosperidade são condições necessárias e, aparentemente, suficientes
para a democracia e o bem-estar social.
Assim, políticas neoliberais, como, por exemplo, a redução dos investimentos
públicos no campo social, o fim da intervenção econômica por parte do Estado, a
83
fragilização dos sindicatos, reformas fiscais para reduzir impostos sobre rendas, disciplina
orçamentária e formação de uma desigualdade para dinamizar a economia e retomar o
crescimento (MACHADO, 2002), começaram a ser implementadas estrategicamente em
alguns países-chaves. Em novembro de 1989 reuniram-se em Washington o governo dos
Estados Unidos, representantes do FMI, do BM e do BID com o objetivo de classificar as
políticas recomendadas para os países latino-americanos. Após uma série de encontros e
seminários que avaliaram os efeitos dos ajustes econômicos na região, foi elaborado um
conjunto de políticas para resolver as crises locais, as quais ficaram conhecidas como
“Consenso de Washington”.
O Programa de Ajustes Estruturais recomendado pelo Consenso de Washington
visava promover o livre-mercado e as empresas do setor privado e orientava os governos
latino-americanos a adotar a desregulamentação e remover as barreiras comerciais,
privatizar as estatais e realizar a reforma do Estado, adequando-o às exigências da
globalização (MACHADO, 2002), ou seja, baseava-se fundamentalmente no receituário
neoliberal. Como muitos países periféricos e em fase de desenvolvimento são altamente
dependentes dos empréstimos do Banco Mundial, os quais estão quase sempre vinculados à
adoção de políticas sugeridas (MACCOWAN, 2005), muitos países latino-americanos
foram “induzidos” a adotar o receituário neoliberal para poderem receber empréstimos e
aportes do FMI e do próprio BM. No bojo dessas orientações encontravam-se também
medidas para reformar os sistemas nacionais de educação que reorientaram os meios e os
fins da educação superior em diversos países.
De acordo com Pablo Gentilli (1996), na visão neoliberal, a educação estava
passando por uma crise que se explica, em grande medida, pela ineficiência do Estado para
gerenciar as políticas públicas. Na perspectiva neoliberal, a educação funcionava mal, sem
democratização e sem eficiência produtiva, porque foi profundamente estatizada. A
ausência de um verdadeiro mercado educacional permitiria compreender a crise de
qualidade que invadia as instituições escolares. Assim, contruir um mercado educacional
dinâmico e flexível, que expressa o contrário de um sistema escolar rígido e incapaz,
deveria ser um desafio das políticas neoliberais. Enfim, na visão do neoliberalismo apenas
o mercado poderia promover os mecanismos fundamentais que garantissem a eficácia e a
eficiência dos serviços providos: a competição interna e o desenvolvimento de um sistema
84
de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individual dos atores envolvidos na
atividade educacional.
Dessa forma, as visões do Banco Mundial para as políticas de educação dos países,
por se orientarem pela lógica neoliberal, não devem ser subestimadas. A partir da década de
1980 o BM ampliou sua ênfase na educação e tornou-se uma das maiores fontes
internacionais de recursos financeiros e produtor de pesquisa educacional. De maneira
geral, o Banco Mundial considera que, mais recentemente, a educação superior de todo o
mundo atravessa uma crise especialmente em relação aos desafios de absorver os altos
custos das pesquisas e responder à crescente demanda por matrículas. Não obstante as
finanças serem a preocupação básica, aspectos relativos à necessidade de qualidade na
preparação dos alunos para a economia moderna e de eqüidade para que a educação
superior não se restrinja apenas às elites também têm sido abordados nos documentos do
Banco Mundial.
Entretanto, baseando-se no pressuposto de que o investimento em educação superior
tem retorno financeiro inferior e contribui menos para a eqüidade social, a política mais
conhecida do BM é a de “desvio” de recursos da educação superior para a educação básica.
Assim, segundo esse importante organismo multilateral financeiro, o setor privado deve
absorver a demanda por ensino superior no lugar ocupado pelo Estado por meio da
diversificação de fontes de recursos das universidades públicas (dividindo custos com
alunos e provisionando serviços ao setor privado) e pelo desenvolvimento de IES privadas.
O Banco Mundial também entende que as instituições particulares são mais adequadas à
tarefa de diversificar e reformar a educação terciária para aumentar a qualidade e a
eficiência, inclusive pela criação de cursos de curta duração, cursos politécnicos e educação
a distância (MCCOWAN, 2005).
Nas últimas duas décadas, diversos documentos elaborados pelo Banco Mundial
refletiram posições e idéias “mercantilizantes” para a educação superior. Pode-se dizer que
o documento de 1986, intitulado “Financing education in developing countries an
exploration of policy options”, foi a primeira publicação que impactou as políticas de
educação superior de países ricos e, sobretudo, as dos países em desenvolvimento.
Resumidamente, nesse documento era sugerido que parte do montante de manutenção da
85
educação superior garantido pelo Estado fosse transferido para os estudantes e suas
famílias; que os recursos públicos fossem realocados para o nível educacional de retorno
social mais elevado (ensino fundamental); que se diminuíssem os gastos com a educação
superior e se descentralizasse a gestão da educação pública e que se procedesse à expansão
das escolas privadas e comunitárias (SGUISSARDI, 2005).
No ano de 1994 foi elaborado um dos documentos sobre educação superior mais
conhecidos dos últimos tempos: “La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la
experiência”. Nesse texto o Banco Mundial destaca três linhas de orientação com vistas ao
alcance de maior eficiência, eqüidade e qualidade na educação superior: a primeira referia-
se à redefinição do papel do Estado, associada a uma maior autonomia institucional; a
segunda preconizava maior diversificação das instituições dentro dos sistemas de educação
superior, incluindo o desenvolvimento de um setor privado; e a terceira considerava
imprescindível a diversificação das fontes de financiamento e uma ligação destas com o
desempenho das instituições (SEIXAS, 2003).
No documento “The financing and management of higher education – a status
report on worldwide reforms” de 1998 o Banco Mundial afirma que estaria ocorrendo um
movimento generalizado de reforma, principalmente do financiamento e gestão, das
instituições de educação superior com marcas das sugestões contidas nos documentos
anteriores: expansão de matrículas e instituições, pressão fiscal para redução do
custo/aluno, importância das orientações e soluções do mercado e busca de recursos não
estatais. Além disso, o documento de 1998 do Banco Mundial defende a tese de que o
ensino superior é antes um bem privado que blico. Ao afirmar que o ensino superior
responde a muitas das condições identificadas por Nicholas Barr como características de
um bem privado: possui condição de competitividade (oferta limitada), excluibilidade
(seguidamente se pode obtê-lo mediante pagamento) e recusa (não é requerido por todos),
todas características que não respondem às de um bem estritamente público, mas, sim, às de
um bem privado, o Banco Mundial reforçou a tese do menor retorno social da educação
superior em relação à educação fundamental. Esse documento, que teria sido a contribuição
do BM para a Conferência Mundial de Educação Superior do ano de 1998 em Paris,
alimentou o debate acerca da natureza pública ou privada da educação superior. Porém, tais
argumentos não tiveram receptividade e o artigo 14 da “Declaração Mundial sobre a
86
Educação Superior no Século XXI” acabou por afirmar que o Estado deve conservar uma
função essencial no financiamento da educação superior (SGUISSARDI, 2005).
No ano de 2000 o Banco Mundial publicou o documento Higher education in
developing countries Peril and promises, desenvolvido em conjunto com a Unesco, que
levanta dúvidas sobre a possibilidade de a cobrança de matrículas e o ensino pago poderem
resolver o problema de financiamento da educação superior e faz considerações pertinentes
acerca dos sistemas de franquia da educação superior. No entanto, o documento mantém a
defesa da privatização e, na questão da relação com o mundo do trabalho, continua fazendo
uma defesa dos interesses das empresas e da prestação de serviços da universidade para as
indústrias (RODRIGUES DIAS, 2004).
Em 2003, no documento “Construir sociedades de conocimiento: nuevos desafios
para la educación terciária”, o Banco Mundial parece ter definido uma posição oficial
acerca da educação superior. O documento destaca as vantagens da utilização das novas
tecnologias; reconhece que as tecnologias podem gerar diferenças entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento e que a educação é um conjunto; que uma reforma da
educação precisa englobar todos os níveis e que a educação superior pode reforçar a coesão
social, se bem conduzida. Entretanto, continua enfatizando a diversificação institucional
com prioridade à privatização e à cobrança de mensalidades pela educação superior. O
documento de 2003 ainda lança a idéia de que a educação superior é bem público global, o
que, segundo os participantes da Conferência Paris + 5, de junho de 2003, pode significar
muitas coisas, inclusive uma volta a um período de uniformidade cultural.
Não dúvida de que o texto de 2003 possui avanços “progressistas” em relação às
publicações anteriores do Banco Mundial (1994 e 2000), entretanto ainda “não pode
satisfazer a quem considere a educação superior um bem público” (RODRIGUES DIAS,
2004, p. 910) porque, segundo Boaventura de Souza Santos, o banco mantém a posição de
que não se devem aumentar os recursos blicos na universidade, de que a solução está na
ampliação do mercado universitário, combinada com a redução dos custos por estudante, e
de que se deve eliminar a gratuidade do ensino público (SANTOS, 2004, p. 22).
O debate acerca da natureza da educação superior como bem público ou serviço
comercial também está presente noutros fóruns internacionais, como nas cúpulas do grupo
87
dos oito países mais ricos do Mundo e nas negociações desenvolvidas na OMC por meio do
Acordo Geral sobre Comércio de Serviços. Na declaração da cúpula do G8, intitulada “La
educación para las sociedades innovadoras en el siglo XXI”, de 16 de julho de 2006, por
exemplo, os oito países mais ricos do planeta declaram que o setor privado contribui na
conquista de uma melhor qualidade da educação, enquanto não se consegue a atenção e
responsdabilidade que os governos deveriam dispensar a provisão dos serviços educativos
(IE, 2006).
Atualmente não existem regras definidas para o estabelecimento de transações entre
os países nem sobre a pertinência da utilização do conceito de “serviços” para o setor da
educação. Entretanto, um dos doze serviços abrangidos pelo Gats da OMC é a educação.
Esse acordo, que tem por objetivo promover a liberalização do comércio de serviços pela
eliminação progressiva das barreiras comerciais, ainda se encontra em fase de negociação e
faz parte da Rodada de Doha, lançada na capital do Qatar em 2001. O Gats é descrito como
um acordo voluntário visto que serão os países a decidir os setores que aceitam ser sujeitos
às regras do acordo e a definir o calendário de implementação. Todavia, muitos países,
especialmente os periféricos ou semiperiféricos, poderão ser fortemente pressionados ou
forçados a assumir compromissos no âmbito do acordo por meio de pacotes de ajustes
estruturais impostos pelo BM ou FMI. O Gats distingue quatro maneiras de se ofertarem
internacionalmente serviços universitários mercantis: oferta transfronteiriça, consumo no
estrangeiro, presença comercial e presença de pessoas. Segundo Boaventura de Souza
Santos (2004, p. 34), “se aplicados [os princípios do Gats], significarão o fim da educação
como bem público”.
Alguns países se manifestaram sobre a inclusão da educação no âmbito da OMC.
Em dezembro de 2000, os EUA entregaram à OMC proposta para comercialização do
ensino superior, educação de adultos e formação; nos meses de junho e outubro de 2001,
Nova Zelândia e Austrália, respectivamente, encaminharam documentos à OMC que
reforçaram as propostas norte-americanas. Entretanto, a nota encaminhada pelo Japão à
OMC em março de 2002 reconhece as prerrogativas dos governos nacionais de controlar as
ações de regulação para controle de qualidade (HADDAD; GRACIANO, 2004). Segundo
recentes manifestações de membros do governo brasileiro, o país não pretende incluir a
educação nas negociações sobre abertura de serviços na OMC.
88
A União Européia assumiu alguns compromissos com o Gats, mas com limitações e
ressalvas. Na visão dos países europeus, as universidades européias ainda não estão
preparadas para competir em boas condições no mercado transnacional da educação
superior. No final de julho de 2006, em encontro dos países que respondem por três quartos
do comércio global e que esta sendo chamado de G6 (Austrália, Brasil, Índia, Japão, União
Européia e Estados Unidos), as negociações da Rodada de Doha fracassaram e foram
suspensas temporariamente (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006a). Além do comércio
mundial de serviços, onde a educação está inserida, a Rodada de Doha inclui negociações
acerca do comércio agrícola e regras anti-dumping. O grande obstáculo a essas negociações
provém do fato dos EUA e da UE não aceitarem uma redução de suas barreiras tarifárias e
não tarifárias às importações de produtos agrícolas. Para isso, eles requerem dos países em
desenvolvimento uma significativa abertura nos produtos industrializados e serviços.
Muito embora ainda no século XVIII Adam Smith tenha abordado a questão do
financiamento público ou privado da educação superior, foi somente nas últimas duas
décadas que o debate acerca da natureza da educação superior como bem público ou
serviço comercial ganhou relevância. Tal questão a cada dia parece ocupar mais espaços na
produção documental dos organismos multilaterias internacionais, nas discussões políticas
em assembléias nacionais e no próprio ambiente acadêmico. Não obstante a existência de
uma “tradição histórica” de financiamento público e intervenção direta do Estado na
educação superior, atualmente um conjunto de fenômenos e políticas disseminadas em
escala mundial, como, por exemplo, a redução do tamanho do Estado, as orientações do
Banco Mundial para expansão de instituições privadas e a proposta de inclusão da
Educação como serviço no Gats da OMC, tem colocado em questão e em risco o estatuto
de bem público da educação superior.
As propostas do Banco Mundial referem-se às políticas de orientação para o
mercado em nível de sistemas nacionais de educação superior; a proposta em debate na
OMC, por outro lado, relaciona-se à idéia de criação de um mercado de educação superior
global, ou seja, o debate da OMC pode resultar na consolidação da transnacionalização da
educação superior, o que interfere na autonomia das nações em decidirem sobre suas
políticas de educação e, por conseguinte, compromete a articulação da educação superior
com os projetos de nação. Enfim, nos últimos tempos “a educação surge definida mais
89
como um bem privado do que uma questão pública, transformando-se a tomada de decisão
educativa numa questão de escolha do consumidor em vez de direitos dos cidadãos.”
(WHITTY; POWER, 2002).
Portanto, é fato incontestável que nos dias atuais a educação superior pública
encontra-se sob forte questionamento acerca de sua adequação; é fato que as políticas do
Banco Mundial para a educação, ao se basearem em reformas neoliberais, têm orientado a
expansão da rede privada e a redução do financiamento público. Por fim, é fato que
atualmente a visão da educação superior como serviço comercial emerge de forma inédita
sob aval e orientação dos principais organismos multilaterais financeiros no sentido da
criação de vários mercados nacionais e de um mercado livre global de educação superior.
2.2.2 A mercantilização dos meios e dos fins da educação superior
Conforme se tem demonstrado, a emergência das políticas de matiz neoliberal
iniciada na década de 1980 e a gica econômica subjacente às sugestões de organismos
multilaterais financeiros têm privilegiado e favorecido o desenvolvimento de reformas da
educação superior que orientam os sistemas para a gica do mercado nos mais diversos
países. Para além desses eventos vinculados essencialmente a preocupações de natureza
econômica, atualmente a educação superior também se depara com novas necessidades e
realidades que justificam reformas e transformações nos seus sistemas. A ampliação da
chamada “massificação” da educação superior, a revolução de tecnologias da informação e
das condições de trabalho, o aumento do conhecimento, a diversidade das trajetórias
profissionais e as novas exigências da formação continuada são exemplos dessas novas
realidades, que demandam também novas respostas das instituições e cursos da educação
superior. Essas novas necessidades também são usadas como argumentos e justificativas
em favor do desenvolvimento de medidas que reorientam e “reconfiguram” a educação
superior para a lógica do mercado. Segundo Ana Maria Seixas,
a “nova ortodoxia” educativa caracteriza-se, assim, por um aumento da
colonização da política educativa pelos imperativos da política econômica,
expressando-se na ênfase conferida à articulação entre os sistemas educativo e
produtivo, reorganização e centralização dos currículos, avaliação do sistema
educativo, redução dos custos, descentralização, participação da comunidade e
introdução de uma lógica e/ou retórica de mercado na gestão dos sistemas
educativos (2003, p.17).
90
De uma forma mais distinta, pode-se dizer que as transformações que estão
reorientando os sistemas nacionais de educação para a lógica do mercado afetam tanto os
meios como os fins da educação superior. Estruturas entendidas como sendo “meios” da
educação superior, tais como instituições, gestão das instituições e supervisão e regulação
do sistema, bem como aspectos ligados aos “fins”, como ênfase e destinação do ensino e da
pesquisa, têm sido impactadas por tal fenômeno. Dentre as principais transformações que
os sistemas, as instituições e cursos de educação superior vêm sofrendo no sentido de uma
reorientação de acordo com e para a gica do mercado que está caracterizando o processo
de marcantilização da educação superior podem-se destacar os seguintes aspectos:
Da regulação puramente estatal à regulação híbrida do Estado com o mercado
De acordo com Burton Clark (1983), a autonomia, o controle e a coordenação da
educação superior são resultados da mediação e articulação entre três forças: de mercado,
do Estado e da oligarquia acadêmica. Com base nessa constatação, o autor elaborou o
“Triângulo da Coordenação”, no qual em cada vértice se encontra uma dessas três forças.
Como a educação superior de cada país tem suas dinâmicas, características e funções
próprias, a localização dos sistemas de educação superior dentro do triângulo varia de
acordo com a maior ênfase de regulação (controle e coordenação) de uma das três forças
em relação às outras duas. Por exemplo, o sistema de educação superior da antiga União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas posicionava-se dentro do triângulo, muito próximo do
vértice do Estado; o sistema italiano está mais próximo do vértice da oligarquia acadêmica;
o norte-americano, esta mais voltado para o mercado; e o sistema francês posiciona-se no
meio do lado do triângulo que liga os vértices do Estado e da oligarquia acadêmica, ou seja,
91
é um sistema controlado tanto pelo Estado como pela academia (Figura 1).
Desta forma, as interações e trocas entre cada uma das três forças dentro de um
sistema nacional de educação superior infere um tipo específico de coordenação do SES.
No modelo do triângulo de Burton Clark a coordenação do mercado representa a antítese do
Estado. O papel coordenativo de um sistema regulado pelo Estado decorre de leis,
regulamentos e do poder legítimo (a forma política), ao passo que um sistema regulado pelo
poder acadêmico baseia-se na expertise e no conhecimento e, por fim, um sistema nacional
de educação superior regulado pelo mercado é baseado num princípio flexível chamado por
Clark de “escolha social”. Segundo Alfredo M. Gomes, no “Triângulo da Coordenação”,
a autoridade estatal aparece como a maior força, definido a forma e as funções
do sistema de ensino superior e, consequentemente, definindo a maneira e a
extensão do poder de coordenação do mercado sobre os destinos e
comportamentos das instituições de ensino superior (2003, p. 845).
Desde o princípio do século XIX a universidade esteve associada à burocracia do
Estado, de tal forma que as reformas da educação superior que deram origem à
universidade moderna basearam-se na idéia de reconstrução nacional e de recrutamento de
quadros para o aparelho do Estado. De acordo com Ana Maria Seixas, mesmo em países
Estado
Academia Mercado
Figura 1 – Representação do triângulo da coordenação de Burton Clark
URSS
Itália USA
França
92
como os Estados Unidos e o Japão, com tradição de forte influência do mercado, antes da
década de 1980 as formas de coordenação dominantes eram o Estado e a academia, ou seja,
“o mercado não era visto como mecanismo de coordenação de confiança” até o início da
década de 1980 (2003, p. 47).
Entretanto, segundo Fernanda Correia, Alberto Amaral e António Magalhães, nas
últimas três décadas essa situação mudou: “Na maioria dos países desenvolvidos verificou-
se uma evolução do ‘modelo de controle pelo estado’ para um modelo de autonomia e auto-
regulação (supervisão pelo Estado)” (2000, p. 25). Para esses autores, o desenvolvimento
do ensino deixou de estar vinculado à modernização liderada pelo setor público
administrativo e passou a estar vinculado ao setor privado, bem como deixou de ter como
principal empregador dos egressos da educação superior o setor público. Assim, as relações
entre as instituições de educação superior e os governos, progressivamente, foram passando
do “modelo de controle pelo Estado” para um modelo denominado por Neave e van Vught
(apud SANTIAGO; MAGALHÃES; CARVALHO, 2005, p. 30) de supervisão do
Estado”.
No “modelo de supervisão pelo Estado” as instituições de educação superior
adquirem um maior grau de autonomia; o Estado passa a ter menos papéis ativos, menor
influência e assume o papel de supervisor do funcionamento do sistema e das instituições,
ou seja, ocorre um deslocamento das formas de controle direto para formas mais indiretas
de controle e regulação (SANTIAGO; MAGALHÃES; CARVALHO, 2005). Não obstante,
tal fato não significa o fim da regulação, mas a mudança de um modelo de regulação
puramente estatal para um modelo híbrido, com elementos de regulação pelo mercado. De
acordo com Ana Maria Seixas, “em numerosos países, ao longo dos anos 80 e 90 [do séc.
XX], os sistemas de coordenação assentes num controle do Estado e da Academia dão
origem a novos sistemas baseados numa combinação Estado/mercado.” (2003, p. 47).
Segundo Fernanda Correia, Alberto Amaral e António Magalhães,
os governos têm vindo a substituir as formas tradicionais de regulação por
mecanismos de mercado como instrumentos de política pública, procurando
incentivar a competição entre instituições na procura por soluções mais eficazes
e, certamente, mais econômicas (2000, p. 37).
93
Diversos autores que estudaram a evolução da relação entre o Estado e a educação
superior nas últimas décadas observaram certa convergência de políticas públicas para a
educação superior no sentido do fortalecimento das forças de mercado e orientação para o
modelo de Estado avaliador. Mais recentemente, parece registrar-se uma tendência para a
diminuição do controle direto do Estado e conferência ao mercado de status de mecanismo
de regulação (SEIXAS, 2003). Quando um sistema de educação superior contém elementos
de regulação baseados na lógica do mercado, a disputa por alunos, financiamentos e o
estabelecimento de uma “marca” tornam-se fundamentais para a manutenção e
desenvolvimento das instituições educacionais. Nesse contexto, as instituições precisam
investir em estratégias geralmente utilizadas por empresas privadas, como, por exemplo,
investimento em publicidade na busca por “alunos-clientes”, e os sistemas passam a
realizar comparações entre a “concorrência” com vistas a informar quais são as melhores
escolhas para a sociedade.
Portanto, em diversos locais tem-se observado a emergência do desenvolvimento de
sistemas de acreditação, de mecanismos de avaliação e medições utilizadas para a
elaboração de ranquiamentos entre instituições e cursos (DIAS SOBRINHO, 2003a; 2002)
e, também, o significativo incremento da destinação de recursos das instituições de
educação superior para divulgação e publicidade junto à mídia (HADDAD; GRACIANO,
2004), ou seja, nos últimos anos a regulação dos sistemas nacionais de educação superior
tem apresentado uma transição da regulação puramente estatal para a regulação híbrida do
Estado com o mercado.
Da colegialidade ao gerencialismo no governo e gestão das instituições públicas
Desde o surgimento da universidade na Europa medieval, as principais
características dessa instituição milenar eram a autonomia e a colegialidade nos seus
processos de tomada de decisão. Em meados da década de 1970, o modelo emergente na
administração e gestão das instituições de educação superior era político e assentava-se na
representação e na participação democrática de todos os grupos (professores, alunos e
funcionários) na tomada de decisão. No final da década de 1980 o modelo político começou
a ser substituído por um modelo gerencialista que se caracteriza pela ênfase conferida ao
planejamento estratégico, por uma nova distribuição de poder entre as partes e pela
94
introdução de valores e técnicas do mundo empresarial na gestão das instituições de ensino
superior.” (SEIXAS, 2003, p. 50).
A emergência do modelo gerencialista na administração pública está
fundamentalmente ligada à divulgação da imagem da burocracia como inerentemente lenta,
insensível, inflexível e ineficaz, ou seja, surge a partir do discurso favorável à reforma do
Estado e da administração pública que realça os problemas e pontos fracos desta última. A
retórica para reformar a administração pública, também enfatizava a necessidade de maior
eficácia, eficiência (melhor relação entre input e output) e responsabilidade financeira do
governo e dos gestores das instituições. Nesse contexto, então, os paradigmas
organizacionais “tradicionais” e o modelo de colegialidade na tomada de decisão das
instituições públicas de educação superior também são fortemente contestados e
questionados.
A partir da convicção de diversos atores políticos, e também alguns acadêmicos, de
que as soluções da gestão privada e do mercado seriam as mais adequadas para resolver os
problemas de escassez de recursos financeiros e os déficits de relevância econômica dos
sistemas de educação superior, começou a ocorrer a substituição do regime “burocrático-
profissional” por modelos, processos e práticas de gestão da iniciativa privada no interior
das instituições públicas de educação superior. Ao se introduzirem concepções privadas de
gestão nas instituições blicas, não se discute a propriedade ou a natureza jurídica das
instituições, mas a adoção por parte destas de modelos de gestão privados, ou, como Rui
Santiago (2005) tem chamado, de “managerialismo”. Tal termo, assim como a “nova gestão
pública” ou o “gerencialismo”, aplica-se para perspectivar a influência da ideologia, dos
processos e das práticas de gestão privada que, nas últimas décadas, m se ampliando no
âmbito dos sistemas e das instituições públicas. Segundo o autor o managerialismo está
baseado numa teoria de mudança institucional e organizacional resultado da redefinição das
velhas noções “taylorianas” e “weberianas” de eficiência combinada com as novas
fórmulas pós-burocráticas” de regulação e controle, centradas na avaliação de resultados,
orientadas para o estímulo da competição e a adaptabilidade das organizações ao meio.
Segundo Rui Santiago, António Magalhães e Teresa Carvalho, a emergência do
fenômeno do managerialismo pode estar tanto relacionada a razões pragmáticas como pode
95
se constituir num instrumento ideológico vital para a institucionalização do mercado no
sistema e nas instituições. Entretanto, os autores destacam que
o managerialismo irrompe no setor público mais como um conjunto de assunções
ideológicas, sobre a forma como as instituições públicas devem ser orientadas, do
que como uma estratégia bem pensada, visando a realização da eficiência e da
eficácia, sobre como as instituições são atualmente geridas (2005, p. 12).
De acordo com os autores, com base na perspectiva ideológica o managerialismo
integra crenças e narrativas com elementos normativos e descritivos sobre a aplicação de
técnicas de gestão do setor privado ao setor público objetivando a realização da eficácia, da
eficiência e a diminuição da despesa pública. Por outro lado, como conjunto de práticas, o
managerialismo inclui técnicas de gestão tais como a especificação de serviços e
competição por clientes, a medida de performance, a descentralização da tomada de decisão
e o uso de mercados para o provimento de serviços.
Ao analisar e estudar a evolução do managerialismo, do gerencialismo ou da nova
gestão pública na Inglaterra ao longo das últimas três décadas, E. Ferlie et al. (apud
SANTIAGO; MAGALHÃES; CARVALHO, 2005, p. 8) elaboraram quatro modelos que
seguem cronologicamente, desde 1970, as diferentes fases da expansão de tal fenômeno na
administração pública:
- Modelo 1 – Orientação/motivos para a eficiência;
- Modelo 2 – Downsizing e descentralização;
- Modelo 3 – Procura da excelência;
- Modelo 4 – Orientação para o serviço.
Nos três primeiros modelos ocorre a simples importação de métodos da gestão
privada para o setor público e, no quarto, existe uma orientação específica para o setor
público. Algumas transformações decorrentes desses processos em que as instituições
públicas importam técnicas de gestão do setor privado podem ser claramente contatadas no
âmbito da educação superior, entre as quais se destacam: (i) a redução do poder corporativo
acadêmico e o isolamentos dos professores vêm se traduzindo na existência de uma
colegialidade aparente e ilusória, ao mesmo tempo em que emerge um quarto poder”, ou
96
quarta forma de coordenação dos sistemas de ensino superior, qual seja, os gestores da
educação superior; (ii) com a crescente tendência à auto-regulação, cresce a importância
conferida ao planejamento estratégico e, por conseguinte, a expansão de práticas de
controle de qualidade, responsabilização e prestação de contas nas instituições de educação
superior; (iii) os novos modelos de gestão m implicado uma redefinição dos pesos e da
importância dos grupos de interesses (professores, alunos, funcionários, representantes
externos, gestores etc.) nas estruturas de tomadas de decisões; (iv) ao serem buscadas
redução dos custos e maior capacidade de adaptação a mudanças curriculares, os gestores
procuram utilizar, cada vez mais, mão-de-obra flexível contratando pessoal com tempo
parcial de dedicação, o que acarreta a “proletarização” do trabalho docente (SEIXAS, 2003,
p. 50-51).
Da primazia estatal à privatização das instituições e do financiamento da educação
superior
A rigor, o ensino superior privado não é um fenômeno essencialmente
contemporâneo. Entre as primeiras universidades medievais existiam associações de
direção privada. Em países como os EUA, por exemplo, muito tempo existe um sistema
dual com instituições estatais e privadas que dividem recursos públicos, principalmente
para a pesquisa. Nos últimos anos, entretanto, “mudanças dramáticas no ensino superior
foram observadas em todo o mundo causadas pelos novos modelos de política social e
econômica bem como pelo desenvolvimento de ciência e tecnologia”. Como conseqüência
dessas mudanças emergiram duas formas de privatização: o crescimento de instituições
privadas e o incremento na proporção de financiamento privado para as universidades
públicas (MCCOWAN, 2005, p. 2). Atualmente, a simples distinção da natureza jurídica
das entidades titulares proprietárias talvez não seja suficiente para determinar o caráter
público ou privado de uma instituição de educação superior. O financiamento, o controle
governamental e a missão ou funções institucionais são aspectos que também podem ser
levados em conta na classificação de uma instituição como pública ou privada. Além disso,
as redes de instituições privadas diferem muito de país para país em vários aspectos, tais
como formas institucionais e tipos e funções desempenhadas.
97
De acordo com J. Tilak (apud SEIXAS, 2003, p. 118), tendo como critério básico o
financiamento, a privatização dos sistemas de educação superior pode se dar em quatro
categorias: 1) privatização extrema”, quando as instituições são financiadas e geridas de
forma privada com a intervenção estatal sendo praticamente nula; 2) “forte privatização”,
quando a oferta é privada com recuperação total dos custos através do pagamento pelos
clientes; 3) “privatização moderada”, quando a oferta é pública com recuperação parcial
dos custos através do financiamento privado; 4) “pseudoprivatização”, quando o setor
privado é gerido de forma privada, mas com financiamento público. Portanto, o
entendimento do termo “privatização” da educação superior pode ir além da simples
expansão e criação de instituições de natureza privada e envolver questões relativas ao
montante e destinação de financiamento público.
De acordo com Roberto Geiger (apud SEIXAS, 2003, p. 117), existem três tipos de
setores privados: “de massas”, que absorve o aumento da procura num contexto de oferta
pública elitista; “privados paralelos”, com estatuto semelhante ao setor público (ex:
instituições confessionais); “privados periféricos”, que são orientados a uma procura
específica (ex: ensino vocacional não universitário para comércio e indústria). Outros
autores separam as instituições privadas entre aquelas com fins lucrativos (for profit) e as
sem fins lucrativos (registered charities), como as filantrópicas, confessionais ou
comunitárias. Segundo Boaventura de Souza Santos, algumas instituições privadas têm
objetivos cooperativos, solidários e não visam a lucro, entretanto a maioria busca fins
lucrativos.
Algumas são verdadeiras universidades, a maioria não o é e, nos casos piores,
são meras fabriquetas de diplomas-lixo. Algumas são universidades com
excelência em áreas de pós-graduação e pesquisa e enquanto outras chegam a
estar sob suspeita de serem fachadas para lavagem de dinheiro ou tráfico de
armas (2004, p. 107)
Para Ana Maria Seixas (2003), a partir do final da década de 1970 inverteu-se a
tendência nos países desenvolvidos de intervenção estatal
12
na oferta, financiamento e
12
Nesta tese opta-se pela utilização do termo “estatal” em lugar da palavra “público” para referir-se a algumas
dimensões do Estado, como em investimento ou financiamento da educação superior, visto que “elementos
teóricos permitem trabalhar com o conceito de esfera pública, não como sinônimo de estatal, nem como
98
regulação da educação superior. Nas duas cadas seguintes, em decorrência da crise do
Estado-Providência, do extraordinário aumento da procura por educação superior e da
crescente necessidade de legitimação dos sistemas educativos, concomitante ao processo de
globalização econômica neoliberal, começou a ocorrer um movimento em âmbito mundial
de privatização. Incapaz de financiar de forma adequada e satisfatória uma maior expansão
dos sistemas de educação superior, os Estados não aumentaram a oferta pública; ao
contrário, implementaram políticas de privatização via criação de novas instituições e/ou
ampliação do financiamento privado das IES. Os países desenvolvidos, por possuírem
sistemas mais estruturados de educação superior, foram mais afetados pela segunda forma
de privatização, e os países em desenvolvimento ou pobres, com sistemas incapazes de
satisfazerem às demandas, sentiram de forma mais significativa o rápido crescimento do
tamanho e do número de instituições privadas. Em alguns casos, como o do Chile, por
exemplo, tal fenômeno tornou-se dramático quando na década de 1980 o número de
instituições privadas cresceu de 8 para 180 (MCCOWAN, 2005). Muitas das instituições
criadas a partir da expansão privada dos últimos anos, especialmente no caso dos países em
desenvolvimento, são conhecidas como provedoras de uma educação de menor qualidade,
visto que não desenvolvem as dimensões de pesquisa e extensão, e como excessivamente
interessadas em lucro, por priorizarem, por exemplo, cursos ou áreas do saber que
dispensam maiores investimentos em infra-estrutura.
Entre os mais significativos impactos sociais da expansão de instituições privadas e
redução do financiamento público da educação superior estão a eliminação da gratuidade
dos cursos e as substituições de bolsas de estudo por empréstimos (SANTOS, 2004). Uma
outra conseqüência da privatização da educação superior é a crescente adoção por parte das
instituições de educação superior, inclusive universitárias, de um sistema de organização do
tipo empresarial com aspectos essencialmente competitivos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, a competição para atrair os pesquisadores e educadores mais célebres é feroz,
levando a que as instituições “empresariais” rivalizem na oferta de remuneração e
condições mais vantajosas de trabalho. O principal objetivo dessas instituições é obter
benefícios em forma de lucro, diferenciando-se, assim, das universidades tradicionais, que
oposição ao Estado”, mas como “esfera pública constituída por relações que se produzem nos interstícios
criados pelos agentes sociais em ambientes educativos de convivência.” (CAREGNATO, 2004, p. 23).
99
buscam, em primeiro lugar, o prestígio acadêmico (UNESCO, 2005). O documento
“Education at a Glance: OECD Indicators - 2005 Edition” identificou o avanço do
financiamento privado na educação superior de diversos países:
Em alguns países, as instituições de nível superior dependem agora muito mais
das fontes privadas de financiamento, tais como impostos, que nos meados dos
anos 1990. As contribuições privadas aumentaram em mais de cinco pontos
percentuais na Austrália, México, Portugal, República Eslovaca, Turquia e
Reino-Unido entre 1995 e 2002 (OECD, 2005, p. 5).
De acordo com Rui Santiago, António Magalhães e Teresa Carvalho, as restrições e
alterações nas regras de financiamento da educação superior
empurram as universidades, em muito países ocidentais, para as “receitas” da
eficiência e da qualidade, para o empreendedorismo e para o jogo da competição
interinstitucional. Além do aumento do controle interno sobre as atividades e os
profissionais que estes constrangimentos geram, eles também estão na origem da
definição de estratégias tipicamente empresariais predominantemente orientadas
para a captação de fundos no exterior. Algumas das novas formas
organizacionais e projetos que vão emergindo nas instituições, como, por
exemplo, os centros de investigação interdisciplinares, orientados para o
mercado, e os novos programas de investigação (aplicada) e de formação, bem
como alguns dos novos papéis empreendedores que os profissionais vão
interiorizando, ilustram bem o tipo de impacto institucional dessas estratégias
(2005, p. 29).
A emergência dos cursos e faculdades virtuais, cursos superiores a distância e as
franquias de instituições de “marca” são outros fenômenos recentes e interligados com o
atual processo de privatização que vem atingindo os sistemas de educação superior. Para
Ana Maria Seixas (2003), o crescente desenvolvimento das tecnologias de informação e
comunicação, as quais facilitam a rápida transmissão de textos e imagens e o acesso a eles,
facilitam a mercadorização do conhecimento e da cultura. A aprendizagem ultrapassa os
limites de tempo e espaço e a “desinstitucionalização” da educação torna-se possível. Tal
evolução é visível no âmbito da educação superior principalmente pelo crescente
desenvolvimento de cursos a distância e pela criação de universidades virtuais. Segundo o
documento da Unesco (2005) “Hacia las sociedades del conocimiento”, tal fenômeno está
100
provocando uma ria de reestruturações que somente futuramente poderão ser mais bem
avaliadas:
- concentração de recursos em instituições ou departamentos com melhores
resultados;
- separação das funções de ensino e pesquisa em nome da rentabilidade;
- promoção de disciplinas mais avançadas em ciência e tecnologia
(telecomunicações, bioinformática, biotecnologia, nanotecnologia etc.);
- fomento das modalidades de gestão mais empresariais.
A par dessas reestruturações, da expansão de instituições privadas e redução do
financiamento público, o presente e potencial crescimento do mercado de serviços
educacionais induz o desenvolvimento de empreendimentos para exploração comercial da
educação superior. No ano de 2002 o provimento de educação superior representou mais
de 3% do total do mercado de serviços em termos mundiais. Segundo lculos da OCDE,
os ingressos de recursos obtidos nos Estados Unidos com estudantes estrangeiros na
educação superior foram superiores a dez bilhões de dólares, ou seja, uma cifra maior que
todo o conjunto de gasto público com educação superior na América Latina (UNESCO,
2005). De acordo com estudos desenvolvidos por consultorias internacionais, a demanda
mundial por educação superior estapróxima a 164 milhões de pessoas no ano de 2025
(HADDAD; GRACIANO, 2004). Enfim, a expansão da rede de instituições privadas e a
redução do financiamento público no âmbito dos sistemas de educação superior, ou seja, a
chamada “privatização” da educação superior está em franco processo de desenvolvimento
neste início de século XXI e, como se pode constatar, trata-se de um processo que contribui
significativamente com a reorientação dos meios da educação superior para a lógica do
mercado.
Da universidade moderna às IES não universitárias de ensino para o mercado
O crescimento contínuo da demanda por vagas na educação superior, que resulta da
ampliação do processo de massificação iniciado na década de 1960 e da exigência do
mercado por pessoal com níveis de formação específica, induz ao surgimento de novas
instituições não universitárias com vistas a ofertar ensino superior a camadas sociais mais
101
amplas e heterogêneas. Segundo informe da Unesco sobre a sociedade do conhecimento,
além de nos últimos cinqüenta anos as instituições terem experimentado um enorme
aumento no número de alunos (o número de estudantes multiplicou-se de 13 milhões, em
1965, para 82 milhões, em 1982), a oferta educativa também se diversificou à medida que
os conhecimentos progrediram e que as instituições precisaram recorrer a outras fontes de
financiamento distintas do Estado. Assim, na maioria dos países os sistemas de educação
superior transformaram-se em complexa rede de instituições públicas e privadas: escolas
politécnicas, institutos de engenharia, centros de ensino a distância, centros tecnológicos,
institutos de educação, além de universidade, levando a que, atualmente, não exista mais
um modelo referencial e quase único de instituição como a universidade moderna no século
XIX (UNESCO, 2005). A emergência de instituições não universitárias dentro dos sistemas
de educação superior foi e está sendo tão ampla que, atualmente, para se referir ao todo de
um SES faz-se necessário referir-se às instituições de educação superior” em substituição
à denominada instituição “universidade”.
Mais recentemente, a expansão de grandes sistemas não universitários tem
decorrido, sobretudo da demanda do mercado por uma formação mais rápida e flexível, que
a rigidez e a amplitude da formação universitária dificultam. A crescente criação de
instituições vocacionadas para a formação profissional, como as community and junior
colleges nos EUA, fachhochschule na Alemanha, institutes universitaires de technologie na
França, polytechnics na Inglaterra e os Cefets e Fatecs no Brasil, que normalmente possuem
currículos por módulos e que desenvolvem competências e habilidades específicas, são
exemplo de respostas que o Estado e as instituições procuraram dar às exigências do
mercado por uma formação em períodos mais curtos, flexível e voltada para o setor
produtivo.
No âmbito específico das redes privadas, os cursos mais curtos e voltados para o
mercado tornaram-se um “nicho” a ser explorado: em primeiro lugar, porque possuem
menor duração e, assim, podem ter custos mais baixos para os “clientes”; em segundo,
porque oferecem, ao menos do ponto de vista promocional, uma melhor expectativa de
empregabilidade para os egressos. Assim, muitas instituições privadas não universitárias
começaram a investir na criação de cursos mais curtos e voltados para o mercado de
trabalho com vistas a ampliar seu espaço no mercado da educação superior. Nas últimas
102
décadas também se tem observado uma grande diversificação de cursos ofertados. Há
pouco mais de um século existiam praticamente apenas três carreiras (medicina, engenharia
e direito); atualmente, existem mais de 350 carreiras, das quais apenas vinte são
consideradas tradicionais e as restantes devem-se às demandas e mudanças do mercado de
trabalho (HADDAD; GRACIANO, 2004).
Segundo Rui Santiago, António Magalhães e Teresa Carvalho, pressões externas,
tais como políticas governamentais para colocar o conhecimento científico e tecnológico a
serviço do setor empresarial e de estratégias de competitividade regional e internacional
também
fazem-se igualmente sentir no âmbito da educação/formação superior. Com base
na contestação da relevância do ensino superior para o mercado de trabalho,
essas pressões buscam influenciar a organização dos currículos e dos processos
de ensino/aprendizagem, no sentido de os alinhar com as noções de qualificação
e de competência profissional e com os requisitos percebidos do mercado de
trabalho. As narrativas sobre a necessidade de imprimir um caráter mais
vocacional e profissionalizante aos programas curriculares e mais prático aos
métodos de ensino, sob a égide dos princípios da flexibilidade, da utilidade e da
empregabilidade, tornaram-se nos argumentos mais esgrimidos contra a suposta
inadaptação das universidades ao meio que as envolve (2005, p. 28).
Desta forma, pode-se dizer que o deslocamento e a redirecionamento do ensino para
os interesses do mercado pela criação de instituições não universitárias, cursos e currículos
voltados para formar profissionais para as demandas das empresas privadas são, sem
dúvida, importantes mudanças de reorientação dos fins da educação superior para os
interesses do mercado.
Da pesquisa desinteressada às pesquisas aplicada e orientada ao mercado
Diversos autores têm ligado as restrições do financiamento estatal da universidade e
a ampliação da influência do mercado nas questões públicas à emergência da destinação
dos serviços prestados pela educação superior para o setor privado. Para Boaventura de
Souza Santos,
a popularidade com que circulam hoje, sobretudo nos países centrais, os
conceitos de “sociedade do conhecimento” e “economia baseada no
103
conhecimento” é reveladora da pressão que tem sido exercida sobre a
universidade para produzir o conhecimento necessário ao desenvolvimento
tecnológico que torne possível os ganhos de produtividade e de competitividade
das empresas (2004, p. 85).
A evidente redução do desenvolvimento das pesquisas básicas e das investigações
nas áreas de ciências sociais e humanas e, por outro lado, a emergência e expansão da
pesquisa aplicada são exemplos explícitos do processo de ampliação da relação da
educação superior e, mais notadamente, da universidade com a indústria e o mercado de
maneira geral. A restrição e concentração de recursos públicos induzem a universidade a
buscar recursos junto à iniciativa privada para a continuidade do desenvolvimento de suas
pesquisas, o que, obviamente, provoca o deslocamento dos objetivos das investigações para
um enfoque tecnológico e de acordo com os interesses das indústrias. Dessa forma, dá-se
uma espécie de degeneração nas prioridades científicas, visto que os pesquisadores perdem
substancialmente a liberdade de escolha de seus objetos de investigação. O financiamento
da pesquisa passa a depender do interesse das empresas e das indústrias nos projetos
conforme as possibilidades e perspectivas de lucros e retornos de curto prazo, ou seja, a
chamada “pesquisa desinteressada” cede espaço para a pesquisa aplicada e orientada para o
mercado.
Também passa a ocorrer, em razão das prioridades comerciais e de lucro, uma
redução da publicação, dos debates e da livre circulação dos resultados dos trabalhos
científicos em decorrência das exigências das empresas financiadoras para preservar suas
vantagens competitivas via patentes e segredos industriais (SANTOS, 1994). Nesse
contexto, as investigações no campo das ciências humanas e sociais também perdem
espaço, visto que não possuem apelo e retorno comercial e, conseqüentemente, passam por
uma espécie de “marginalização”.
As universidades também passaram a ser pressionadas por políticas de governos
para criar conhecimento científico e tecnológico transferível para o setor empresarial,
especialmente na linha dos novos paradigmas de ciência empreendedora, de ciência
estratégica, ou de tecnociência mais adequados aos processos capitalistas de acumulação e
de privatização do conhecimento. Atualmente, diversas universidades estão protegendo,
privatizando e comercializando parte da produção cientifica, como, por exemplo, o
104
licenciamento de tecnologias e registro de patentes, ao enfatizarem a investigação
comercial e as atividades de consultoria destinadas ao meio empresarial (SANTIAGO;
MAGALHÃES; CARVALHO, 2005). De acordo com Ana Maria Seixas,
o desenvolvimento de parcerias com empresas privadas, visando aumentar os
recursos, e a distribuição seletiva dos orçamentos estatais, privilegiando as áreas
do saber consideradas mais importantes para a manutenção da posição na
economia mundial, como as telecomunicações, inteligência artificial,
biotecnologia, e a produção de investigação considerada prioritária para o
aumento da competitividade nacional, promovem o desenvolvimento da
indústria do ensino superior. A mercadorização do conhecimento é expressa na
importância crescente concedida à inovação tecnológica, à tecnociência e à
propriedade intelectual ou posse de patentes (2003, p. 21).
O documento “Hacia las sociedades del conocimiento” da Unesco (2005, p. 109)
também destaca que “com o aparecimento da economia do conhecimento se observa uma
presença cada vez maior do mercado no âmbito das atividades científicas”, ou seja, a
pesquisa vem cada vez mais reorientando seus objetos de investigação de acordo com os
interesses das indústrias e do mercado de maneira geral. No contexto dos países em
desenvolvimento tal tendência é mais preocupante visto que se pode perder um dos pilares
da construção de um projeto de nação e esses países terem de depender por tempo
indeterminado da ciência e da tecnologia produzidas nas nações mais desenvolvidas.
De acordo com Rui Santiago (2005), o contexto que marca a ascensão dos mercados
no ensino superior pode ser claramente percebido através: (i) das pressões para a mudança
de produção do conhecimento e na educação/formação com vistas às suas aplicações para a
economia e o mercado; (ii) da expansão dos sistemas via diversificação de instituições e da
separação das dimensões de investigação e ensino; (iii) das mudanças nas estratégias de
controle social das instituições por meio de avaliações regulatórias e exigência de prestação
de contas; (iv) pela autopressão interna que vislumbra nas novas situações de mercado uma
oportunidade de legitimação social da universidade. Assim, nas últimas duas décadas, num
contexto simultâneo de massificação dos alunos, de redução de financiamento público e
desenvolvimento de novas TIC, a educação superior sofre uma transformação inédita com a
introdução de gicas de mercado. Segundo Ana Maria Seixas, tal transformação ocorre
associada a uma mudança do papel do Estado, que passa a ser essencialmente avaliador ou
105
regulador, atingindo principalmente as universidades confrontando-as com crises de
identidade. “O modelo da universidade ‘orientada pelo e para o conhecimento’ entra em
colisão com o modelo da ‘universidade pelo e para o mercado’.” (2003, p. 22).
As reorientações da educação superior para, e conforme, a lógica do mercado são
elaboradas e incentivadas em políticas tanto em esferas nacionais como nas internacionais
(BM, FMI etc.); desenvolvem-se em diversos níveis, como, por exemplo, em reformulações
de “currículos”, na criação de novos “cursos” com ênfases vocacionais, na transformação
na gestão das “instituições” blicas e na própria mudança nas forma de regulação dos
“sistemas nacionais”; e abrangem, portanto, tanto os meios como os fins da educação
superior.
No âmbito dos “meios da educação superior”, as reorientações para, e conforme, a
lógica do mercado ocorrem por meio (i) da inserção de mecanismo de mercado na
regulação dos sistemas, (ii) da introdução de modelos gerencialistas privados no governo e
gestão das instituições públicas e (iii) do incremento de instituições e financiamento
privados nos sistemas. Os sistemas de educação superior antes da emergência do
neoliberalismo, no final da década de 1970, geralmente eram constituídos por universidades
públicas e algumas instituições privadas comunitárias ou confessionais também
universitárias, mas que, quase sempre, mantinham um padrão e estatutos acadêmicos
semelhantes ao setor público. A regulação e o financiamento dos sistemas eram
fundamentalmente de responsabilidade do Estado (Figura 2). Por outro lado, após a
emergência do neoliberalismo, o financiamento da educação superior passa a também ser
privado pelo investimento de recursos das empresas para o desenvolvimento de pesquisas e
da cobrança de mensalidades de alunos e seus familiares; surgem muitas instituições
privadas, não universitárias, com o objetivo principal de obter lucro com o provimento de
ensino, e o Estado passa a regular as instituições pela avaliação e regulação, principalmente
por acreditação (Figura 3).
106
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Estado
Privado
- Universidade Pública
- Universidade empresarial
- Instituições não universitárias
- Avaliação e Regulação
Mercado
Sociedade
Recursos para Pesquisa e
pagamento de mensalidades
Patentes e profissionais
de Mercado
Competências profissionais
Financiamento
SES
Estado
Estado
Sociedade
Financiamento
Formação
cultural e geral
- Universidade Pública
- Universidade Comunitária
- Legislação
Corpo burocrático
SES
Figura 2 - Modelo geral dos sistemas de educação superior do
Estado-Providência
Figura 3 – Modelo geral dos sistemas de educação superior do
neoliberalismo
107
No âmbito dos “fins da educação superior”, a reorientação para o mercado ocorre
fundamentalmente por meio (iv) da grande expansão de cursos e instituições especializadas
em ensino para as demandas das indústrias e mercado de maneira geral e (v) da emerncia
da pesquisa e investigação aplicada e para o mercado. Os sistemas nacionais de educação
superior antes e durante do Estado-Providência tinham como principal destino de seus
serviços o Estado na formação de seu corpo burocrático e a formação geral e cultural dos
estudantes. Após a emergência do neoliberalismo as instituições passaram a priorizar o
desenvolvimento de pesquisas e a formação de competências profissionais para o mercado.
De acordo com Rui Santiago, António Magalhães e Teresa Carvalho,
o aumento do caráter vocacional dos currículos e o estreitamento de laços entre a
investigação e os interesses políticos e econômicos, não são, como sublinha,
uma total novidade na história da expansão dos sistemas e na evolução dos
modelos tradicionais de universidade. Mas o que constituí uma verdadeira
novidade e, em grande medida, uma ruptura com a situação anterior, é a inversão
de prioridades. A dimensão econômica tornou-se a mais valorizada e, do ponto
de vista das suas finalidades e objetivos, o ensino superior parece agora mover-
se do campo social e cultural para o campo da economia. Os interesses
empresariais são identificados com os interesses nacionais no jogo da
competição econômica internacional. As universidades detêm a maior parte do
capital humano necessário para esse jogo, sendo pressionadas para o colocar ao
serviço da economia e para assumir novos papéis no ensino e na investigação
qualificação profissional da força de trabalho e produção de conhecimento útil
para os setores industriais e de serviços (2005, p. 32).
Portanto, é inquestionável que, neste início de século XXI, na maioria dos países a
educação superior está assumindo uma maior dimensão de serviço comercial e está se
reorientando tanto em relação aos seus “meios” quanto aos seus “fins”, para, e conforme, a
lógica do mercado como nunca antes, ou seja, está se desenvolvendo de forma inédita o
fenômeno da mercantilização
13
da educação superior. Dessa forma, com base nas análises
das principais transformações que a educação superior vem sofrendo nos últimos tempos,
pode-se definir a mercantilização da educação superior como o processo em que o
13
Alguns autores utilizam o termo “mercadorização” em substituição a “mercantilização”. Nesta tese opta-se
pelo último visto que a definição de “mercadorização” dada por Van Weigl parece não se aplicar plenamente
às profundas transformações e reorientações que os meios e os fins da educação superior vêm apresentando
no sentido da lógica do mercado. Para Van Weigl (apud AMARAL, 2003b), mercadorização “é o processo
pelo qual um produto ou serviço se torna padronizado, de tal forma que os seus atributos são
aproximadamente os mesmos; então, esse produto ou serviço pode ser facilmente comparado com produtos ou
serviços similares e a competição faz-se, essencialmente, com base no preço”.
108
desenvolvimento dos fins e dos meios da educação superior, tanto no âmbito estatal como
no privado, sofre uma reorientação de acordo com os princípios e a lógica do mercado e
sob a qual a educação superior, gradativa e progressivamente, perde o status de bem
público e assume a condição de serviço comercial.
2.2.3 Mercados em educação superior: do quase-mercado às falhas de mercado
O conceito econômico de que um mercado pressupõe “a troca de bens e serviços
comparáveis num preço” sugere que não existe um único mercado em educação superior,
mas vários, visto que nem todos os produtos e serviços desenvolvidos na educação superior
são comparáveis entre si. Nessa perspectiva, a competição entre instituições para prover
ensino para jovens e adultos em cursos de graduação é apenas um entre diversos possíveis
mercados de educação superior. Instituições de educação superior, além de cursos de
graduação, oferecem cursos de doutorado, de mestrado, de extensão, serviços de
consultoria, pesquisas e bolsas acadêmicas. Todos esses bens e serviços representam um
potencial mercado distinto entre si, assim como podem variar em relação aos seus graus de
competição e regulação estatal.
De acordo com Pedro Teixeira, Bem Jongbloed, David Dill e Alberto Amaral,
[...] os mercados, como compreendidos pelos economistas, há muito tempo
existem na educação superior, embora possivelmente com um papel menos
visível do que o consolidado em anos recentes, e estão cada vez mais sendo
facilitados pelas reformas governamentais que pretendem aperfeiçoar a
eficiência dos sistemas estatais. As analises econômicas podem ser úteis na
avaliação das políticas governamentais relativas às forças de mercado, mesmo
nos casos em que as políticas públicas tenham sido concebidas com a intenção
de reparar os efeitos da competição de mercado (TEIXEIRA et al., 2004, p.
331).
O desenvolvimento de mercados em educação superior requer, a princípio, a ação
do Estado, ou seja, a emergência de comportamentos competitivos em relação aos bens e
serviços da educação superior depende de políticas governamentais. Entretanto, tratando-se
de serviços educacionais, a adoção plena de mecanismos de mercado e o estabelecimento
de concorrência perfeita são bastante limitados. Isso se deve a uma série de especificidades
do campo da educação superior, tais como falta de opções de “escolha” nos locais,
limitações à competição em virtude das imprescindíveis regulamentações do Estado e as
109
informações assimétricas disponíveis acerca da qualidade” dos bens e serviços da
educação superior. David Dill (apud SEIXAS, 2003) indica três níveis por meio dos quais o
Estado pode incentivar o desenvolvimento da lógica de mercado na educação superior: (i)
em nível de comportamento dos consumidores e fornecedores do ensino superior pela
regulação de preços, do acesso e fornecendo informações sobre a qualidade dos serviços
(ex: avaliando e publicando os resultados para os alunos tomarem decisões racionais na
escolha); (ii) em nível de estrutura de mercado, pela instauração de cobranças de
mensalidades, da desregulação do setor público e por meio da privatização (liberalização
dos mercados na educação superior); (iii) em nível de condições básicas via enquadramento
legal do sistema (direitos de propriedade, leis antimonopólio etc.). Segundo Ana Maria
Seixas,
a liberalização dos mercados no ensino superior assenta basicamente na
desregulação do setor público e na privatização. A desregulação do setor público
implica uma maior autonomia institucional associada a uma maior flexibilidade
na gestão das instituições. A privatização assume na sua forma mais corrente a
contratação do setor privado de serviços anteriormente fornecidos pelo setor
público, o fim do monopólio público do ensino superior, permitindo a sua
abertura ao setor, ou, mais raramente, a passagem de instituição do setor público
para o setor privado (2003, p.50).
Que tipos de mercado existem na educação superior?
Alguns autores têm sustentado que sociedades onde os mercados são
verdadeiramente livres são raras (GRAY, 1998), ou seja, contextos onde as trocas de bens e
serviços se dão sem nenhuma interferência dos governos não são muito freqüentes. Numa
posição de rigor semântico, pode-se dizer que os únicos mercados verdadeiramente livres,
no sentido de não serem regulados pelos governos, são os mercados negros ou os mercados
ilegais, entretanto até esses que por definição operam fora da lei, devem ser objeto de
atenção dos governos. Dessa forma,
a questão crítica para a educação superior não é a disputa entre os advogados da
completa desregulação e os advogados do status de proteção para as
universidades, mas especialmente o debate a respeito de que se a regulação dos
governos maximiza os benefícios sociais dos sistemas de educação superior
quando se submeter, cada vez mais, as forças de mercado (TEIXEIRA et al.,
2004, 328).
110
Estudos em diversos países revelam uma grande heterogeneidade das formas e
graus de intervenção e regulação dos Estados sobre a produção das instituições de educação
superior. Enquanto alguns bens e serviços estão organizados como monopólio do Estado
como, por exemplo, fundos para pesquisa, outros bens e serviços da mesma instituição são
produzidos em mercados competitivos, tais como consultorias e cursos de formação em
serviços (TEIXEIRA et al., 2004). Essa variabilidade de formas de regulação pelos
governos, bem como do grau de competição e da extensão em que são subsidiados os bens
e serviços, resulta em diferentes níveis de inserção de mecanismos de mercado no setor.
Assim, no âmbito da educação superior podem ser encontradas situações de mercado que
variam desde “quase-mercados” até “mercados competitivos”.
O conceito de “quase-mercado” tem sido utilizado para designar contextos em que,
apesar de existirem regulações governamentais, também estão presentes alguns
mecanismos de mercado, ou seja, o termo pode ser utilizado naquelas situações em que
decisões relativas à demanda e oferta são coordenadas usando mecanismos de mercado,
mas que somente alguns poucos dos ingredientes fundamentais do mercado são
gradativamente introduzidos. Uma situação de quase-mercado estabelece-se por exemplo,
quando se cria competição entre provedores do monopólio estatal pela descentralização da
demanda e do fornecimento. Numa situação dessas, os quase-mercados podem, por
exemplo, introduzir competitividade entre os fornecedores, que não são, necessariamente,
privados nem procuram maximizar lucros, bem como proporcionar aos alunos a opção de
fazerem suas próprias escolhas em relação às instituições em que vão estudar. Segundo
Pedro Teixeira, Ben Jongbloed, David Dill e Alberto Amaral, “o conceito de ‘quase-
mercado’ é uma forma útil para categorizar algumas das reformas mais populares que
objetivaram introduzir as forças de mercado nos sistemas já existentes de educação superior
financiada por fundos públicos.” (TEIXEIRA et al., 2004, p. 331).
Entretanto, como observado anteriormente, esse conceito não abarca todos os
mercados que estão emergindo no âmbito da educação superior. Mercados acadêmicos de
consultorias ou mercados de trabalho acadêmico, por exemplo, podem ser mais bem
entendidos como mercados competitivos, não como quase-mercados. Não obstante a
dimensão estatal, situações de quase-mercado mantêm subjacente a realidade do poder
111
econômico e podem sofrer ineficiências, como as causadas por um único comprador
(monopsônio). Dessa forma, os benefícios sociais provenientes das reformas de quase-
mercado também podem ser avaliados por meio dos conceitos tradicionais da economia,
como, por exemplo, eficiência alocativa, mercados perfeitamente competitivos e falhas de
mercado (TEIXEIRA et al., 2004).
Quais as “falhas de mercado” que ocorrem na educação superior?
Na obra Markets in higher education: rhetoric or reality? diversos autores apontam
a busca da maximização da eficiência alocativa como um valor social amplamente
compartilhado, ou seja, as políticas públicas devem sempre tentar atingir o maior benefício
social pelo menor custo social. Não obstante existirem questionamentos acerca dos reais
benefícios sociais gerados pela educação superior para a sociedade, quase todos os países
pressupõem a existência de benefícios e, portanto, não a deixam totalmente nas mãos do
mercado. Assim, políticas públicas de subsídios para a educação superior são encontradas
em quase todas as partes do mundo (TEIXEIRA et al., 2004). Por outro lado, entretanto, a
partir de visão economicista pode-se considerar que um quadro empregando forças de
mercado competitivo, livre da intervenção do Estado, deve tornar o sistema de educação
superior mais eficaz e produtivo para a sociedade, ou seja, um dos principais argumentos
para ampliações dos mercados em educação superior está vinculado à crença de que a
competição entre instituições e cursos deve gerar eficiência e eficácia nos sistemas de
educação.
Não obstante a possibilidade de questionamento dessa crença, o desenvolvimento de
imperfeições na competição entre instituições de educação superior também pode levar ao
aparecimento das chamadas falhas de mercado”. Segundo a teoria de oferta e demanda, é
pela livre competição que é definida a quantidade ótima a ser produzida numa dada
sociedade; o preço é determinado quando se alcança o perfeito equilíbrio entre a oferta e a
demanda. Porém, para que as forças de mercado (a “mão invisível” do mercado) atuem é
necessário que existam as condições de perfeita competição; quando uma das condições de
perfeita competição não ocorre, surge o que é chamado de “falha de mercado”. Segundo
teorias econômicas, a intensidade dessas falhas de mercado é que vai definir uma maior ou
uma menor necessidade de intervenção do Estado na economia com o objetivo de
112
maximizar o bem-estar na sociedade. Geralmente os governos atuam, no lado da demanda,
subsidiando renda para determinados grupos (aposentados, deficientes, desempregados etc.)
e, no lado da oferta, por meio de subsídios para os produtores (DORNELLES DE
CASTRO, 2002).
No âmbito dos mercados da educação superior discute-se a existência de, pelo
menos, quatro condições que podem impossibilitar a perfeita competição, ou seja,
imperfeições que podem gerar falhas de mercado: bens públicos, externalidades positivas,
poder de monopólio e informações assimétricas.
- Bens Públicos: Bens que são caracterizados pela não-rivalidade e não-exclusão
são considerados “bens blicos”, o que significa dizer que o consumo de uma unidade de
bem público não diminui sua quantidade para os outros indivíduos e que o fornecimento de
um bem público não se restringe a nenhum grupo de indivíduo, mas dirige-se para a
sociedade como um todo. Muitos autores defendem a idéia de educação superior como
“bem público e que, por isso, não deve haver oferta privada nem cobrança de
mensalidades de alunos e seus familiares. Assim, a aplicação das forças de mercado aos
bens e serviços produzidos pela educação superior seria inapropriada. Entretanto, do ponto
de vista da economia tradicional, os bens e serviços fornecidos pela educação superior não
se ajustam perfeitamente ao conceito de bem público “puro”. De acordo com Bruce
Johnstone a educação superior apresenta características de bem privado, tais como
condições de “rivalidade”, expressa na limitação da oferta, de “exclusividade”, geralmente
associada a condições financeiras, e a “recusa”, traduzida na limitação da procura (apud
SEIXAS, 2003, p. 46).
- Externalidades positivas: Acontece quando a ação de um agente econômico gera
efeitos sobre outros agentes sem que isso seja contabilizado na formação dos preços.
Quando o efeito é positivo, diz-se que externalidade positiva; por exemplo, o
asfaltamento de uma rua eleva o valor dos imóveis da redondeza. No caso da educação
superior, exceto alguns raros questionamentos, é quase consenso que as instituições, ao
proverem bens e serviços, fornecem benefícios sociais cujo valor não é computado ao preço
dos benefícios privados pelos quais os indivíduos ou organizações pagam. Assim, a lógica
da externalidade positiva pode servir de justificativa para a intervenção do Estado num
113
contexto onde os governos subsidiam, mas não produzem educação superior, como, por
exemplo, para o financiamento público de instituições privadas sem fins lucrativos com
vistas a maximizar o bem-estar social. O reconhecimento da externalidade positiva também
pode justificar a assistência econômica pública para alunos de baixa renda. Se as pessoas
que possuem formação em nível superior geram benefícios sociais, provavelmente, o
mercado dos cursos de graduação não vai conseguir maximizar o bem-estar social, porque
os alunos carentes não dispõem de meios financeiros para freqüentar os cursos. Dessa
forma, subsídios públicos (créditos ou bolsas) para que estudantes de baixa renda possam
freqüentar a educação superior podem ser justificados no quadro das falhas de mercado
(TEIXEIRA et al., 2004).
- Poder de monopólio: É a capacidade de uma empresa monopolista de estipular um
preço para seu produto maior que o custo marginal, situação que pode limitar a competição
de forma a tornar o processo ineficiente para toda a sociedade. A idéia de competição
perfeita requer um mercado com muitos compradores e vendedores; assim, tanto numa
situação em que existe apenas um comprador (monopsônio) quando, por exemplo,
governos que compram pesquisa de vel básico, como num contexto de apenas um
fornecedor ou alguns poucos, o mercado pode sofrer ineficiências. No âmbito da educação
superior existe a possibilidade de um oligopólio de universidades de elite possuir poder de
mercado de tal forma a produzir de forma ineficiente para a sociedade como um todo. Tais
instituições podem, por exemplo, restringir a entrada no mercado de novas instituições em
razão de vantagens históricas que dificilmente são superadas em relação a financiamentos,
infra-estrutura de pesquisa e reconhecimento público. Além disso, o poder de mercado para
algumas instituições pode ser conferido por meio de políticas governamentais pela restrição
de acesso a diplomas ou por subsídios às universidades públicas (TEIXEIRA et al., 2004).
- Informações assimétricas: Configura-se numa situação na qual uma das partes da
transação econômica não tem condições de avaliar diferentes aspectos do bem ou serviço
que está sendo transacionado porque não tem informações suficientes. Em tese, todo
consumidor deveria saber o que pretende consumir, conhecer todas as opções disponíveis e
conseguir julgar as diferenças de qualidades entre elas, podendo, assim, optar pelo consumo
do bem ou serviço que maximiza a sua utilidade. O acúmulo de conhecimento é também
determinado pela regularidade com que o indivíduo usa o mercado e, dessa forma, aprende
114
com os erros. No âmbito da educação superior, entretanto, a inexistência de informações
para os agentes econômicos, tais como para governos (como consumidores de educação ou
pesquisa) ou para estudantes, pode ser uma significativa falha de mercado. De acordo com
Teixeira et al.,
enquanto as publicações comerciais claramente apresentam um incentivo no
sentido de fornecer informações aos alunos-consumidores na forma de tabelas
classificatórias e rankings das instituições, a influência demonstrável do
prestigio acadêmico sobre o comportamento da educação de nível superior e o
custo e a complexidade da mensuração da validade e confiabilidade da qualidade
acadêmica, sugerem que o mercado pode não estar abordando adequadamente o
problema das informações imperfeitas (2004, p. 335).
Alguns autores, inclusive, indicam a solução dos atuais problemas de informações
assimétricas sobre a qualidade do ensino e aprendizagem como requisito básico para que as
forças de mercado adotadas possam engendrar os benefícios esperados para as sociedades
em termos de eficiência.
Quais as perspectivas dos mercados em educação superior: competição ou regulação?
Considerando que os mercados em educação superior são muito suscetíveis a
imperfeições mesmo num contexto de mercados competitivos, pode-se dizer que a ação dos
governos na educação superior é fundamental com vistas a corrigir as freqüentes falhas de
mercado e a ampliar os benefícios sociais dos sistemas nacionais de educação. Todavia,
além da justificativa das falhas de mercado, podem existir outros argumentos para a
intervenção dos governos nos mercados competitivos da educação superior. Uma
perspectiva geralmente apresentada para atacar as políticas educacionais com base no
mercado relaciona-se à redução e ao rebaixamento do nível de comprometimento social das
universidades privadas de caráter filantrópico e que não visam a lucro. A competição
imprimida, por exemplo, pela emergência de um mercado de cursos de graduação induz as
universidades comunitárias e sem fins lucrativos a agirem como empresas e, por
conseguinte, a reduzirem as suas atividades que beneficiam o interesse público, visto que
não têm retorno financeiro, bem como possíveis cenários de “guerra de preços” podem
impactar o desenvolvimento da qualidade dos bens e serviços dessas instituições. Outro
forte argumento para a intervenção do Estado nos mercados de educação superior são ações
115
que não podem ser justificadas pelo critério da economia tradicional de aumento da
eficiência alocativa, mas enquadram-se no âmbito da justiça social. Baseando-se no critério
de “igualdade de acesso”, por exemplo, é plenamente justificável que grupos específicos
como minorias e mulheres possam receber incentivos econômicos por parte do Estado para
aumentar a participação dessas pessoas na educação superior.
Segundo Pedro Teixeira, Ben Jongbloed, David Dill e Alberto Amaral, no quadro
geral do debate da emergência de forças do mercado na educação superior as questões
políticas mais importantes referem-se aos preços das tarifas e mensalidades para os cursos
de graduação e à garantia da qualidade acadêmica. Em tese, se a entrada no mercado da
educação superior fosse facilitada e os recursos do Estado fossem destinados a aumentar a
rivalidade, o mercado seria competitivo o suficiente para disciplinar os preços sem controle
estatal das tarifas. Porém, tal condição somente seria alcançada se os problemas de
informações assimétricas sobre a qualidade acadêmica pudessem ser solucionados. Nenhum
país do mundo implantou até o momento um mercado competitivo em educação superior de
forma que os preços das tarifas sejam determinados conforme as teorias econômicas
predizem (TEIXEIRA et al., 2004). Um mercado em educação superior amplamente livre
parece realmente difícil de ocorrer visto que, para tanto, poder-se-ia exigir:
- a inexistência de regras para ingresso, permanência e saída de instituições e cursos
no SES;
- as IES deveriam ser todas de natureza privada;
- o financiamento também deveria ser amplamente privado;
- a competição pelo provimento dos diversos bens e serviços produzidos pelas
instituições não poderia sofrer intervenção do Estado.
Além disso, a presença constante de falhas de mercado nas transações de bens e
serviços produzidos pelas instituições de educação superior e a necessidade de manter
níveis aceitáveis de justiça social nos sistemas educacionais levam, invariavelmente, os
Estados a agirem e a regularem a educação superior. Portanto, não obstante a emergência
de forças de mercado ser uma realidade em vários países, o estabelecimento de mercados
perfeitamente competitivos em educação superior é altamente improvável.
116
2.3 A Mercantilização da Educação Superior Brasileira
Assim como ocorreu e vem ocorrendo em diversos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, o Brasil também experimentou profundas transformações no seu sistema
nacional de educação superior no sentido de uma reorientação conforme a lógica do
mercado e de redesenho capitalista das universidades. O pano de fundo econômico-
financeiro que embasou as reformas da educação superior no Brasil a partir no início da
década de 1990 também foi o ajuste neoliberal da economia (LEITE, 1996; 2003c; 2003d).
Entre as principais políticas neoliberais implementadas no Brasil nesse período estão a
transferência para a iniciativa privada de obrigações tradicionalmente entendidas como
competência do Estado, a abertura comercial, a reforma previdenciária, o equilíbrio
orçamentário e a liberalização financeira. No âmbito das políticas administrativas o
neoliberalismo atuou fundamentalmente por meio da reforma do aparelho estatal,
declaradamente gerencialista e apoiada em concepções de Estado subsidiário, avaliador e
controlador (SGUISSARDI, 2005).
No Brasil a orientação neoliberal iniciou efetivamente após a eleição de Collor de
Mello em 1991. Eleito com a promessa de levar o país à modernidade, entre seus projetos
para a educação superior estavam a realização de um “serviço civil obrigatório” para
estudantes de instituições públicas e a concessão de autonomia para as universidades como
contrapartida da avaliação. Contudo, as tentativas de implantar o Estado avaliador” sofreu
fortes resistências dos dirigentes e da comunidade universitária. Em virtude das denúncias
de corrupção em seu governo, Collor de Mello não completou o seu mandato e tais projetos
foram suspensos. Foi somente no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, que
medidas neoliberais para o setor educacional foram tomadas. Assim, a partir de diretrizes
estabelecidas no Ministério da Reforma Administrativa, ou seja, a partir da Reforma do
Estado, estabeleceu-se a Reforma do Ensino Superior, comandada pelo ministro da
Educação, o economista Paulo Renato Souza (MENEGHEL, 2001).
De acordo com Deise Mancebo (2004), no Brasil, em meados da década de 1990
assistiu-se a um quadro de reformulação que acirrou o ajuste de políticas sociais, inclusive
as educacionais, às reformulações econômico-financeiras. Para a autora, a agenda
educacional sofreu ajustes de acordo com as regras do mercado, de tal forma que as
117
repercussões sobre a cultura universitária foram significativas, estando entre elas, por
exemplo,
(i) a mercantilização do sistema de pós-graduação e a perda de poder acadêmico
pelas universidades em prol de uma racionalidade que enfatiza a eficácia do
mercado como mola social e política e como modelo de organização das
próprias instituições; (ii) a privatização da agenda científica, com a restrição da
autonomia acadêmica com relação a decisões sobre linhas de pesquisa, temas de
investigação, conteúdos e formas das pesquisas, prazos para conclusão de
investigações, avaliação de métodos e de resultados, intercâmbios internacionais,
entre outros; (iii) a desvalorização social das atividades de extensão,
transformadas na venda de serviços oferecidos ao mercado, visando à
rentabilidade direta e funcionando como fonte de recursos suplementares de
manutenção da instituição e/ou de subsídio adicional para a remuneração
insatisfatória de docentes e funcionários; (iv) o desenvolvimento de um sistema
de avaliação calcado em critérios de produtividade empresarial, que quantifica a
atividade docente e funciona como mecanismo de distribuição de recursos para o
desenvolvimento de projetos de pesquisa ou para a distribuição de incentivos
salariais ao corpo docente, elegendo a “competitividade” como mola mestra do
trabalho acadêmico; (v) a agregação de novos compromissos para a prática
docente, cabendo destaque para os esforços institucionais que devem
empreender para a obtenção de fundos externos, à maneira do mercado,
constituindo o que Slaughter & Leslie (1999) denominaram de “capitalismo
acadêmico” ou capitalização sobre a base da pesquisa universitária ou do
conhecimento universitário especializado; (vi) e, o que Gentilli (2001)
denominou “reconversão intelectual do campo acadêmico” ou bloqueio das
condições de produção de um pensamento autônomo e crítico sobre a realidade
social e, especificamente, sobre a realidade educacional, que tem deslocado a
produção teórica no sentido de um pragmatismo reducionista, que advoga para
os saberes universitários uma utilidade prática imediata (MANCEBO, 2004, p.
858-859)
Para Marilia Morosini e Maria Estela Dal Pai Franco,
a década de 90 foi marcada por drásticas mudanças nas IES brasileiras. As
políticas públicas que caracterizaram o ensino superior (1994-2002) assentaram-
se em orientações do Banco Mundial, tais como: redução do papel do Estado
com ênfase no ensino privado; expansão do Sistema de Educação Superior
(SES); SES caracterizado pela descentralização, diversificação e flexibilização;
avaliação da educação superior ancorada em conceitos de qualidade isomórficos
e orientados para a tomada de decisão e o controle de qualidade (2004, p. 225).
Em síntese, especialmente durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, o
governo federal instituiu uma reforma educacional que buscou adaptar-se à Reforma do
Estado e de acordo com os ditames das instituições financeiras multilaterias (BM e FMI). A
redução dos investimentos públicos em educação superior foi sintomática dessas políticas,
118
pois os recursos públicos para a educação foram focados” no Ensino Fundamental. Um
exemplo notório de tal fato é a redução dos recursos destinados às IFES, que em 1989
correspondiam a 0,97% do PIB e, gradativamente, foram caindo até atingirem em 2001
apenas 0,61% do PIB, ou seja, uma queda de 34% no período (SGUISSARDI, 2005).
Enfim, como em muitos países centrais e periféricos, a partir de meados da década de 1990
a educação superior brasileira entrou num claro processo de mercantilização de seus meios
e fins. Dessa forma, o texto a seguir aborda duas das principais políticas desenvolvidas no
âmbito da educação superior brasileira nos últimos tempos que induziram à mercantilização
da regulação do sistema e da competição entre instituições.
2.3.1 A avaliação do Provão: ranking e competição de mercado
As primeiras propostas e discussões de avaliação da educação superior no Brasil,
com ênfase na graduação, surgiram no ano de 1983 com a criação, no MEC, do Programa
de Avaliação da Reforma Universitária. As temáticas priorizadas pelo Paru eram as da
gestão das instituições de ensino superior e do processo de produção e disseminação do
conhecimento. Porém, logo no ano seguinte, em 1984, o Paru foi desativado por falta de
apoio da burocracia do próprio MEC. Em 1985, a “Comissão de Notáveis” criada pelo
presidente Sarney apresentou o relatório “Uma nova política para a educação superior”, no
qual constavam sugestões como a abertura para a privatização, diversidade e autonomia
vinculada ao desempenho. Tal proposta demandava uma avaliação controladora baseada na
racionalidade quantitativista e objetivista que já imperava na Inglaterra e nos Estados
Unidos.
No ano seguinte ao relatório dos “Notáveis”, ou seja, em fevereiro de 1986, o MEC
lançou o Grupo Executivo para a Reformulação do Ensino Superior. Nesse momento, a
avaliação era claramente entendida como a contrapartida da autonomia e, dessa forma,
lançando mão de indicadores de eficiência e produtividade, deveria instrumentar com
critérios objetivos a distribuição e a gestão dos recursos, servindo de informações aos
usuários (DIAS SOBRINHO, 2002). No documento produzido pelo Geres já constavam
propostas que posteriormente seriam difundidas, tais como a criação de comissões de
especialistas para avaliação dos cursos de graduação e de aplicação de testes padronizados
aos alunos formandos. Entretanto, a comunidade acadêmica resistiu às propostas lançadas
119
pelo Geres. Nesse período, a reação provocada pela publicação por um jornal de ampla
circulação da “lista dos improdutivos” da USP provocou uma reação nos meios
universitários na medida em que avaliação tornou-se sinônimo de execração. Durante o
mandato do presidente Collor de Mello as tentativas de implantar o “Estado avaliador”
sofreram fortes resistências dos dirigentes e da comunidade universitária, ao mesmo tempo
em que várias IES iniciaram experiências de processos de auto-avaliação: UnB, em 1986;
UFMG, em 1988; USP, em 1988; UNICAMP, em 1991, entre outras.
Durante o curto mandado do presidente Itamar Franco, ocorreu um processo de
diálogo e negociação positivos entre o MEC e Associação das Instituições Federais do
Ensino Superior, que transformou essa cultura de resistência à avaliação. As experiências
de auto-avaliação de algumas instituições federais de ensino superior, por meio de uma
comissão de especialistas coordenada pela Andifes, acabaram por consubstanciar, em julho
de 1993, o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras. Resultado
de um amplo acordo entre IES e o MEC, o Paiub recebeu apoio do MEC até dezembro de
1994. A matriz conceitual e teórico-metodológica do Paiub apresenta semelhanças com os
modelos de avaliação produzidos a partir de meados da década de 1960 nos EUA, os quais
valorizavam a participação e a negociação, elevadas ao campo científico pela
fenomenologia social, antropologia, etnografia, hermenêutica e outras disciplinas das
ciências sociais que valorizam as metodologias qualitativas, as abordagens naturalistas, os
significados, os contextos e os processos (DIAS SOBRINHO, 2002). Contudo, o Paiub,
como não tinha o objetivo de gerar rankings ou de orientar o financiamento, sofreu críticas
de ser inconseqüente e de não ser publicizável. Em que pese, de fato, desde o início do
governo Fernando Henrique Cardoso, não receber apoio, no ano de 2001, por meio de
decreto, o PAIUB foi completamente desconsiderado pelo MEC como programa de
avaliação.
A partir de 1995, o governo federal, na gestão de Fernando Henrique Cardoso,
passou a empreender ações que configuraram uma nova política de avaliação e supervisão
da educação superior brasileira. Os procedimentos adotados fundamentaram-se, do ponto
de vista legal, principalmente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
na lei n
o
9.131, de 24 de novembro de 1995, que criou o novo Conselho Nacional de
120
Educação, e na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei n
o
9.394, de 20 de
dezembro de 1996.
A Constituição de 1988, no art. 206, inciso VIII, definiu como norma fundamental
para a educação “a garantia do padrão de qualidade” e, no art. 209, ao estabelecer que o
“ensino é livre à iniciativa privada”, condicionou tal possibilidade à “autorização e
avaliação de qualidade pelo poder público.” (BRASIL, 1988). A lei n
o
9.131, de 24 de
novembro de 1995, previu a criação de um conjunto de avaliações periódicas de instituições
e cursos de graduação, com destaque para a realização de exames nacionais, cujos
resultados deveriam ser anualmente divulgados pelo MEC (INEP, 2004b). A LDB de 1996,
por sua vez, no art. 9º incumbiu a União, dentre outras atribuições, de “coletar, analisar e
disseminar informações sobre a educação”, no inciso V; de “assegurar processo nacional de
avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração
com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da
qualidade do ensino”, no inciso VI; de “assegurar processo nacional de avaliação das
instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem
responsabilidades sobre este nível de ensino”, no inciso VIII; e, por fim, de “autorizar,
reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições
de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino”, no inciso IX
(BRASIL, 1996).
Assim, com Paulo Renato Souza à frente do MEC e a partir da legislação descrita,
implantaram-se a avaliação e a efetiva acreditação da educação superior brasileira por
meio, principalmente, dos instrumentos: (i) Exame nacional de cursos, mais conhecido
como “Provão”; (ii) Avaliação das condições de ensino, inicialmente chamada de
Avaliação das condições de oferta e mais conhecida como “visita das comissões de
especialistas”; e (iii) Avaliação institucional de centros universitários. Os objetivos do
ENC eram avaliar cursos de graduação e utilizar os resultados como instrumento de
controle. O Provão, que se propunha apreender os conhecimentos e competências
adquiridas por todos os alunos formandos, possuía dois instrumentos: (i) teste de
conhecimento (prova mistas ou discursivas) e (ii) questionários (a- pesquisa sóciocultural e
expectativas e impressões sobre o curso e b- sobre a própria prova). As ACEs eram visitas
de comissões de especialistas (professores) que verificavam três dimensões dos cursos de
121
graduação em avaliação: organização didático-pedagógica, corpo-docente e infra-estrutura.
A avaliação do ensino superior, implantada pelo ministro Paulo Renato, adquiriu
repercussão nos órgãos de imprensa que anualmente divulgavam uma classificação
(ranking) dos cursos de graduação submetidos ao ENC. Tal divulgação gerou uma lógica
de concorrência entre as diversas instituições de educação superior no sentido de conquistar
maior destaque em relação aos “concorrentes” nos resultados do ENC. O Provão, entre
outros problemas, divulgava à sociedade conceitos que o expressavam a real qualidade
dos cursos, visto que um curso ‘A’ não significava, necessariamente, um curso de boa
qualidade, e não conseguia apreender o “valor agregado” aos alunos por cada curso.
A partir de 2001, a conversão dos valores absolutos dos exames em conceitos
passou a basear-se na média geral e no desvio-padrão de cada área avaliada, ou seja, um
curso que recebeu conceito ‘A’ numa determinada área poderia ter obtido um valor
absoluto (ex: 4,0) inferior a um curso de outra área que recebera conceito ‘C’. De forma
figurativa, poder-se-ia dizer que um curso que recebeu um aluno ‘E’ e o formou ‘C’
agregou mais conhecimento e prestou um serviço social de maior relevância do que um
curso que recebeu um aluno ‘B’ e o formou ‘A’. Independente de tais distorções, muitas
instituições utilizavam os resultados dos Provões para fazer publicidade e divulgar a
“pretensa” qualidade de seus cursos com vistas a diferenciar-se no “mercado competitivo”
por alunos-clientes. Tal comportamento não se restringiu apenas às instituições de natureza
privada, pois, surpreendentemente, divulgações de cursos de IFES que receberam conceitos
‘A’ nas realizações dos ENCs também foram constatadas.
Diversas obras e autores chamaram a atenção para problemas operacionais e para a
racionalidade mais mercadológica e regulatória do que acadêmica e pedagógica do Provão
(DIAS SOBRINHO, 2002; LEITE, 2003a; 2003b; DIAS SOBRINHO, 2003a; 2003b;
SOUZA; OLIVEIRA, 2003). Segundo Denise Leite,
o ENC tem como objetivo medir as aprendizagens realizadas pelos estudantes de
último ano da educação terciária. Constitui uma medida que tem a finalidade de
avaliar externamente o curso, e não o aluno. [..] É um exame obrigatório (2003b,
p. 394).
Para Sandra Z. L. de Souza e Romualdo P. Oliveira,
122
afora o incentivo à competitividade, provocado pelo estabelecimento de ranking
de instituições, que expressa a transposição da lógica de mercado para a gestão
do sistema educacional, cabe indagarmos sobre possíveis usos dos resultados [do
ENC], seja no estabelecimento de critérios para alocação de recursos financeiros
entre instituições, tendo em conta seu bom ou mau desempenho, seja na política
de financiamento do ensino superior temos assistido investidas na direção de
questionar a validade de manutenção de universidades públicas gratuitas, a partir
de apreciações acerca de seu custo e produtividade (2003, p. 887).
A primeira edição do ENC ocorreu em 1996, quando foram aplicados exames para
616 cursos de três áreas de graduação: Administração, Direito e Engenharia Civil. No ano
de 2003, o exame foi aplicado a mais de 435 mil alunos, abrangendo 5.890 cursos de 26
áreas. Naquele momento, o número total de cursos estava próximo dos 14 mil, ou seja,
mesmo depois de sete anos de Provão a maior parte dos cursos do Sesb não havia sido
avaliada (INEP, 2004b). O Provão, ou ENC, ocorreu pela última vez em 2003; em 2004 foi
substituído pelo Exame nacional de desempenho de estudantes, que integra o Sinaes e tem
por objetivo aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos
conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. O Enade é aplicado para alunos
ingressantes e concluintes do mesmo curso com vistas a apreender o valor agregado durante
o desenvolvimento do curso. O Provão, ao contrário, era aplicado apenas aos alunos
concluintes. O Enad é realizado por amostragem definida pelo Inep a partir da inscrição, na
própria instituição de ensino superior, dos alunos habilitados a fazer a prova.
A retirada do Provão do conjunto de instrumentos do sistema de avaliação da
educação superior brasileira não ocorreu de forma passiva. A partir da apresentação pública
da proposta do Sinaes ocorreram duras críticas da mídia nacional em razão, sobretudo, da
extinção do ENC. Noticiado como uma proposta eivada de ideologia político-partidária, o
Sinaes foi acusado principalmente de acabar com o único sistema de avaliação que informa
a sociedade sobre a qualidade dos cursos. O jornal Folha de São Paulo, ignorando que
durante sete anos a população recebeu informações equivocadas sobre a qualidade dos
cursos, em seu editorial intitulado “Ameaça ao Provão”, de 4 de setembro de 2003, diz que,
“ao propor a avaliação por amostragem e o fim dos exames obrigatórios, a comissão acaba
com a possibilidade de comparar diferentes escolas que oferecem o mesmo curso. Na
linguagem do mercado, acaba com a concorrência entre as várias instituições -ou pelo
123
menos a reduz consideravelmente”. E complementa a crítica afirmando que “os alunos de
menor renda, que com grande freqüência conseguem acesso à rede privada, perderiam
sua principal ferramenta para julgar as escolas”. Em ntese, além de provocar uma lógica
de competição entra as IES, o Provão também era utilizado pelos meios de comunicação e,
por conseguinte, pela própria sociedade como um instrumento de informação para as
escolhas no mercado.
2.3.2 A grande expansão das instituições privadas
O Brasil é um dos locais que experimentaram uma das maiores expansões de
instituições de educação superior de natureza privada nos últimos anos. Apesar de as
instituições privadas terem surgido no país na década de 1940, nos últimos dez anos
ocorreu uma expansão significativa das instituições organizadas administrativamente de
forma privada. Atualmente, a participação da rede privada nas matrículas da educação
superior no Brasil é superior a 70%, índice que é semelhante aos dos países asiáticos
(Indonésia, 69%; Japão, 73% e Coréia do Sul, 78%), superior aos de países americanos
(Argentina, 15%; Chile, 44%; México, 31% e EUA, 31%) e muito maior que a média dos
países da OCDE (10%) (INEP, 2004a).
Até o início da década de 1990 uma razoável parcela de alunos se encontrava
matriculada em instituições privadas, porém considerável parte dessas instituições era
constituída de universidades sem fins lucrativos, que mantinham uma tradição acadêmica
como, por exemplo, as confessionais e as comunitárias. A partir da segunda metade da
década de 1990, entretanto, começou a ocorrer um rápido crescimento de instituições
privadas particulares com fins lucrativos ou sem-fins lucrativos, mas notadamente
mercantis. Tal fato está, indiscutivelmente, ligado às orientações acerca de políticas de
educação superior repassadas pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento e
dependentes de empréstimos internacionais. Em documentos publicados, ao mesmo tempo
em que o BM demonstra preocupação básica com as finanças, focaliza a qualidade com
vistas a preparar alunos para a economia moderna e a eqüidade para que a educação
superior não se restrinja às elites. De acordo com técnicos do banco, o desenvolvimento de
instituições privadas aumenta o número de vagas na educação superior, fornece ensino a
custo público mais baixo e amplia a eqüidade dos sistemas (BANCO MUNDIAL, 1994).
124
Assim, uma das políticas mais conhecidas recomendada pelo Banco Mundial em
1994 é a de redirecionamento de recursos da educação superior para a educação
fundamental e, por conseguinte, de incentivo para o setor privado substituir o Estado na
absorção da crescente demanda por educação superior. Não obstante o banco ter revisto
parcialmente tal posição, por volta de 1996 o Brasil passou a desenvolver políticas
educacionais muito semelhantes às “sugeridas” pelo Banco Mundial, como, por exemplo, a
de incentivar a expansão de instituições privadas com fins lucrativos que cobram
mensalidades e reduzir o financiamento público da educação superior. Em 15 de abril de
1997, por exemplo, foi publicado o decreto n
o
2.207
14
que cria a figura dos centros
universitários (IES não universitária com autonomia para criar cursos de graduação) e cita
as entidades mantenedoras com fins lucrativos que devem ser submetidas à legislação que
rege as sociedades mercantis. De fato, a característica mais marcante das transformações da
educação superior brasileira nos últimos dez anos foi o crescimento do setor privado.
Entretanto, o extraordinário desenvolvimento do setor privado também se deveu ao
contexto interno favorável, no qual se destacam o próprio aumento da demanda por
educação superior em razão do aumento populacional, a ampliação dos egressos do ensino
médio e a exigência de diplomas pelo mercado de trabalho; a identificação por parte de
empreendedores do serviço educacional como uma área de potencial investimento rentável
e, por fim, a oferta do governo de incentivos, como redução de impostos e empréstimos de
baixo custo, para o desenvolvimento de infra-estrutura (MCCOWAN, 2005).
Os números da recente expansão do setor privado na educação superior brasileira
são realmente impressionantes. Segundo dados do Inep (2006b), em 1997 existiam 689
instituições privadas de educação superior; já, em 2003, passaram a ser 1652, ou seja, um
crescimento da ordem de 140% em seis anos. Por outro lado, o número de instituições
públicas decresceu no mesmo período, passando de 211 para 207 (Tabela 1). Entre os anos
de 1998 e 2002 foram criadas, em média, 2,5 instituições por dia. Entre 1994 e 2002, o
número de alunos da rede pública passou de 690 mil para pouco mais de um milhão, ao
14
Pode-se dizer que juntamente com a LDB, lei n
o
9.394, de 20.12.1996, e a lei n
o
9.131, de 24.11.1995, que
previu o Provão, o decreto
n
o
2.207, de 15.4.1997, fundamentou do ponto de vista legal a emergência da
mercantilização da educação superior brasileira. O decreto n
o
2.207 foi revogado pelo decreto n
o
2.306, de
19.8.1997, que, por sua vez, foi substituído pelo decreto n
o
3.806, de 9.7.2001. Atualmente os decretos n
o
5.773 de 9.5.2006 e n
o
5.786 de 24.5.2006 dispõem sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e
avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação.
125
passo que na rede privada o número de alunos passou de 970 mil para 2,4 milhões (INEP,
2004a). A participação do setor privado nos cursos de graduação no Brasil, considerando o
número de alunos matriculados, é uma das maiores do mundo. Segundo dados do World
Education Indicators de 2000, 63,1% dos alunos estavam em instituições particulares,
índice que chegou a 70% em 2002. Diversas instituições particulares fazem parte de
grandes grupos empresariais que expandem extensas redes pelo estabelecimento de campi
ou de franquias, com algumas unidades instaladas em shoppings e parques temáticos
(MCCOWAN, 2005).
O tipo de organização acadêmica mais almejada pelos grupos empresariais é o
“centro universitário”, que tem menos exigência de investimento em pesquisa e pode ter um
percentual menor de professores com titulação e com regime de dedicação exclusiva, mas
que, no entanto, possui mais autonomia para abrir cursos sem prévia autorização do MEC
em comparação com as faculdades. Por isso, no ano de 2005 o mero de centros
universitários privados ultrapassou o de universidades privadas: de 1999 a 2005, esses
centros tiveram crescimento de 172%, passando de 39 para 106; o número de universidades
privadas, no entanto, cresceu apenas 4%, de 83 para 86. Segundo Tristan McCowan, um
dos últimos e mais significativo ingresso de grupos empresariais no mercado da educação
superior foi o de uma rede de escolas de Minas Gerais que firmou contrato com uma
companhia de educação norte-americana baseando-se em currículos modelados da
universidade de Phoenix dos EUA.
Os cursos são fortemente padronizados, concebidos por uma equipe de
planejamento central, definidos e controlados em seus mínimos detalhes. Esta
padronização visa expandir a disponibilidade de uma instrução de qualidade ao
mesmo tempo em que mantém os custos baixos, sem ter a necessidade de se ter
um corpo docente altamente qualificado (2005, p. 6).
No início de agosto de 2006, o jornal O Estado de São Paulo noticiou uma operação
inédita, em termos de Brasil, na qual o Banco Mundial investiu US$ 12 milhões no ensino
superior privado do país. A transação deu-se por meio de um fundo criado pelo Banco
Pátria em 2005, que busca cotas ou ações à venda na área de educação. Nessa operação
foram adquiridos 70% do controle acionário da Anhanguera Educacional, um
126
conglomerado do interior do estado de São Paulo com mais de vinte mil alunos em quatro
faculdades e um centro universitário. Assim, a instituição receberá dinheiro do BM e de
outros investidores do fundo. Essa foi a primeira vez em que o Banco Mundial direcionou
recursos para instituições educacionais particulares do Brasil. O negócio foi efetuado pelo
braço privado da entidade, o International Finance Corporation. Segundo o responsável
pela área de Educação e Saúde do IFC, Alexandre Oliveira, à medida que o Brasil for se
estabilizando, essa se tornará uma área atrativa. Segundo especialistas, tal negociação tem
semelhanças com a proposta de incluir a educação superior como uma das áreas de serviços
comerciais nas negociações da Rodada de Doha na OMC, amplia o entendimento da
educação superior mais como mercadoria e menos como direito e, ainda, “atropela” o
debate acerca do limite da participação de capital estrangeiro nas instituições de educação
superior presente na proposta de reforma universitária.
Somando-se os setores público e privado, em 2003 o setor de educação no Brasil
movimentou mais de R$ 100 bilhões, representando, segundo cálculos apresentados pela
Revista Aprender (2006), mais de 9% do PIB. Na educação superior, as políticas de
incentivo à expansão de vagas privadas, o aumento da demanda por educação superior e o
ingresso de grupos empresariais, tornaram o provimento de serviço educacional de nível
superior um negócio que movimentou aproximadamente US$ 4 bilhões nos primeiros anos
da década (MCCOWAN, 2005).
No censo da educação superior de 2004 existiam mais de quatro milhões de alunos,
dos quais mais de três milhões estavam vinculados a instituições privadas; segundo
estimativas da consultoria Ideal Invest, publicada na Revista Aprender (2006), até 2011
serão seis milhões de alunos matriculados.
Assim, o movimento financeiro da educação superior nos próximos cinco anos
poderá envolver valores acima de US$ 10 bilhões. A publicidade tornou-se fundamental à
sobrevivência de instituições privadas sem grande tradição e qualidade tanto que o gasto
das dez maiores instituições privadas em 2002 foi estimado em R$ 400 milhões. Estudos
também indicam que no ano de 2002 as instituições particulares do Sul e Sudeste do Brasil
gastaram, em média, R$ 1.394,00 em publicidade por aluno novo matriculado (HADDAD;
GRACIANO, 2004). De acordo com Tristan McCowan, “estes são custos resultantes da
127
competição que entre empresas rivais recursos que poderiam ser gastos de outra forma
com melhoria na qualidade.” (2005, p. 13).
Tabela 1 - Evolução do número de IES por categoria administrativa - Brasil 1997-2003
Fonte: INEP, 2006b, p. 8.
Os cursos de pós-graduação, os novos cursos de educação a distância e o
crescimento dos cursos tecnológicos são outros nichos” ou “mercados” que estão sendo
explorados no âmbito da educação superior no Brasil. A clara disseminação dos cursos
Master of Bussines Administration, que representam um modelo de gestão “globalizado”, e
os US$ 80 milhões movimentados em 2002 no setor de e-learning, representando um
crescimento de 33% em relação a 2001, são sintomáticos dessas tendências (HADDAD;
GRACIANO, 2004). Em 31 de julho de 2006, reportagem do jornal Folha de São Paulo
(2006c), utilizando dados do Pnad, do IBGE, e do seu ex-presidente, Simon Schwartzman,
destacava que o setor privado no ano de 2004 havia ultrapassado o setor público em nível
de pós-graduação: entre 2001 e 2004, a participação privada nas matrículas da pós-
graduação havia passado de 49,7% do total para 54,4%. Tal crescimento se deu,
fundamentalmente, em função dos MBA e das especializações, que são cursos de pós-
graduação lato sensu geralmente com menor carga horária que os cursos stricto sensu
(mestrados e doutorados).
128
A expansão privada da pós-graduação baseada nos cursos lato sensu ocorre por dois
claros fatores: (i) ao contrário dos mestrados e doutorados, os MBA e as especializações
não precisam de autorização do MEC para serem criados, bastando que a instituição seja
credenciada para tanto, nem passam por processo periódico de avaliação de qualidade; (ii)
os lato sensu, e principalmente os MBA, são cursos que geralmente atendem a uma
demanda crescente de profissionais que pretendem se aperfeiçoar para continuar ou
reingressar no mercado de trabalho. Portanto, a expansão privada da s-graduação está
ligada tanto à falta de regulação do Estado como à ampliação de uma demanda específica
do mercado. O crescimento da oferta dos cursos superiores de tecnologia também foi
significativo e alcançou a impressionante taxa de 591,19% no período de 1994 a 2004. O
conjunto de todos os cursos superiores aumentou 234% no mesmo período. Análise
elaborada e apresentada pelo Inep no documento “Censo da Educação Superior 2004
resumo técnico” demonstra a ênfase privada no crescimento dos cursos superiores de
tecnologia:
Em 1999, o Censo da Educação Superior registrava 16 instituições [de educação
tecnológica], todas blicas; em 2002, o número chegava a 53 e em 2004 a 144
instituições, representando um crescimento de 800% em 5 anos. Merece
destaque ainda que, embora na origem este modelo de organização acadêmica
fosse exclusivamente público, hoje o setor privado responde por 66% destas
instituições. Chama a atenção igualmente que, enquanto o setor público cresceu
no ano 25,6%, o setor privado cresceu expressivos 72,2%. Se lembrarmos que o
crescimento global das instituições do setor privado foi de apenas 8,3%,
percebe-se uma clara e crescente preferência do setor pela formação de
tecnólogos, em cursos de menor duração e mais voltados às necessidades
imediatas do mercado (INEP, 2005b, p. 15).
O documento do Inep destaca ainda que de todas as Faculdades de Tecnologia do
setor privado apenas três pertencem a IES comunitárias, confessionais e filantrópicas.
Portanto, esse tipo de graduação profissionalizante, voltada para a prática e o mundo do
trabalho e potencialmente mais rápida e com custo reduzido, parece se firmar cada vez mais
como um negócio rentável para as instituições privadas com fins lucrativos.
Não obstante a grande expansão privada, o atendimento na educação de nível
superior está muito aquém das necessidades do país. Segundo relatório do Inep (2006c), no
ano de 2004 a taxa de escolarização bruta do Brasil era de 17,3% e a taxa de escolarização
129
líquida, de apenas 10,4%. O indicador mais usado internacionalmente para comparações é a
taxa bruta
15
, que considera o mero total de estudantes independentemente da idade. Os
índices de escolarização bruta para alguns países em 2000 foram as seguintes: Argentina
48%, Chile 38%, Coréia 78%, Portugal 50% e EUA 83% (INEP, 2004a). O Plano Nacional
de Educação estabeleceu como meta garantir que até o ano 2010 ao menos 30% dos jovens
de 18 a 24 anos estejam na educação superior.
Segundo o documento Mapa da Educação Superior do Brasil do Inep (2004a), o
crescimento do número de alunos no período da expansão privada, de 1994-2002, durante o
governo Fernando Henrique Cardoso, foi de 110%; no período anterior, de 1980 a 1994, o
crescimento fora de apenas 21%. Durante os dois primeiros anos do novo governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, a taxa de crescimento das particulares foi de 25%, o dobro dos 12%
da rede pública. Não obstante o ritmo de incremento das instituições privadas ter se
reduzido nos dois primeiros anos de gestão Lula em relação aos dois últimos anos de
governo Fernando Henrique Cardoso, a tendência de expansão de instituições e cursos
privados prosseguiu. Portanto, como a recente expansão das matrículas deu-se
principalmente por meio das instituições privadas, é inegável que o crescimento da rede
particular tem ajudado os governos a se aproximarem da meta do Plano Nacional de
Educação.
Por outro lado, entretanto, a expansão de instituições privadas vem impactando
seriamente a sustentabilidade das universidades privadas tradicionais, como, por exemplo,
as instituições confessionais, filantrópicas e as comunitárias do sul do país, que
historicamente primaram pela qualidade e cultura acadêmica. Uma vez que os centros
universitários possuem autonomia para criar cursos, que as faculdades isoladas não
encontram maiores dificuldades para autorizar novos cursos junto ao MEC e como essas
instituições não precisam investir em pesquisas - o que pode gerar uma redução de 40% nas
folhas de pagamento (HADDAD; GRACIANO, 2004) -, o custo de manutenção dessas
instituições é bem inferior ao de uma universidade, o que permite a cobrança de
mensalidades mais baixas. Além disso, essas novas instituições não universitárias
15
A taxa de escolarização bruta reflete a presença de estudantes na educação superior independentemente de
sua idade (razão entre o total de matrículas na educação superior e a população entre 18 e 24 anos), ao passo
que a taxa de escolarização líquida expressa as matrículas na educação superior apenas dos estudantes da
faixa etária de 18 a 24 anos (INEP, 2006c).
130
geralmente não possuem muitos professores com titulação elevada, o que reduz a folha
salarial das instituições, nem possuem planos de carreiras, o que permite contratações de
horistas. Dessa forma, muitas universidades confessionais e comunitárias estão enfrentando
dificuldades de competir no emergente mercado da educação superior, que
progressivamente vem se intensificando pela expansão das IES com fins lucrativos (for
profit). Cortes de horas de pesquisa e extensão, redução nas divisões de turmas e
conseqüente ampliação do número médio de alunos por turma, extinção de atividades
comunitárias e mesmo demissões começam a ser observadas nas universidades privadas
confessionais e comunitárias, que, assim, buscam adequar-se para atingir sustentabilidade
econômico-financeira em tempos de forte competição. Notícia divulgada no jornal Folha de
São Paulo de 18 de abril de 2006 é sintomática dessa crise:
A PUC [de SP], uma das mais tradicionais [IES] do país, cortou 30% do corpo
docente entre novembro passado e fevereiro deste ano. A instituição possui cerca
de 20 mil estudantes, que pagam mensalidades de até R$ 2.500, em medicina. As
aulas começaram sem professor em 70 disciplinas (5% do total). Devido à crise,
a universidade informou ontem que denunciou (acabou) o contrato de trabalho
dos professores (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006b).
Dessa forma, a privatização e a mercantilização da educação superior no Brasil
tornaram-se uma ameaça para as universidades comunitárias e confessionais sem fins
lucrativos e não mercantis, que, apesar de serem de direito privado, possuem relevante
histórico de contribuição e compromisso social em suas regiões de atuação. Essas
instituições passam a enfrentar uma concorrência desleal e predatória em razão do modo
selvagem e desregulado como o mercado do ensino superior emerge no país. Nesse cenário,
mesmo do ponto de vista de mercado ocorre uma grave falha, visto que a autonomia
concedida às universidades privadas na criação de cursos não compensa as exigências feitas
pelo Estado (pesquisa, maior titulação e maior dedicação dos docentes), as quais geram
custos de manutenção que as faculdades e centros universitários não possuem, ou seja, a
regulação e as exigências do Estado em relação às universidades geram condições de
competição amplamente injustas e prejudiciais para as instituições universitárias,
especialmente no mercado de cursos de graduação. Assim, as universidades privadas, sem
fins lucrativos, indiscutivelmente possuidoras de melhores condições acadêmicas para
131
contribuir com o desenvolvimento sociocultural e econômico, estão envolvidas numa crise
sem precedentes que as leva a agir como verdadeiras empresas, reduzindo sua prática
acadêmica de perfil de interesse público, ameaçando, inclusive, a própria sobrevivência
dessas instituições.
Segundo os autores Pedro Teixeira, Ben Jongbloed, David Dill e Alberto Amaral, à
medida que as margens de retorno das universidades não-lucrativas são reduzidas pelas
forças dos mercados competitivos, tais IES “irão inevitavelmente ser forçadas a agir mais
como empresas em busca de lucro e irão eliminar aquelas atividades anteriores subsidiadas
que servem ao interesse público.” (TEIXEIRA et al., 2004, p. 336). As universidades sem
fins lucrativos, características dos SES da Austrália, Reino Unido, Canadá e EUA, também
são reconhecidas por desenvolver atividades de interesse público como financiar disciplinas
socialmente benéficas e fornecer assistência financeira a estudantes de classes sociais
baixas. Porém, essa crise perece começar a atingir até mesmo as novas instituições não
universitárias e com fins lucrativos, como indica o jornal Folha de São Paulo:
A crise das faculdades particulares, antes presente apenas em estudos e análises,
afeta os alunos. na cidade de São Paulo, ao menos sete instituições
fecharam cursos, atrasaram salários de professores ou tiveram aulas prejudicadas
devido a greves do ano passado até agora. Uma delas fechou as portas sem
avisar os alunos (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006b).
Desta forma, a expansão de instituições privadas começa a demonstrar sinais de
possível esgotamento. O Censo da Educação Superior de 2004 totalizou 2.013 instituições,
154 a mais do que no ano anterior. O crescimento médio do ano foi de 8,3%, índice inferior
aos percentuais observados nos três últimos anos 17,9%, 17,7% e 13,6%,
respectivamente. Na região Sudeste, por exemplo, o setor privado registrou em 2004
redução na sua representação percentual, passando de 91,4% para 91% (INEP, 2005b).
Segundo dados oficiais, no ano de 2002 mais de 550 mil vagas não foram preenchidas nos
processos seletivos do setor privado em razão da incapacidade dos alunos de fazer frente às
mensalidades. Em síntese, pode-se dizer que a educação superior brasileira chegou a uma
encruzilhada. Ao mesmo tempo em que o país ainda apresenta baixas taxas de escolaridade
bruta, o Estado demonstra claramente não ter capacidade ou condições fiscais para
132
responder à crescente demanda por educação superior e, por outro lado, as famílias dos
estudantes apresentam incapacidade econômica para manter seus filhos em instituições
privadas que cobram mensalidades, ou seja, o Estado não tem recursos para prover mais
educação superior de forma gratuita e a população não tem como financiar mais, de forma
privada, a educação superior. O que fazer então para encaminhar a necessária ampliação da
formação de nível superior no país?
Por si só, a existência ou a expansão de instituições de natureza privada não
significa que um sistema é regulado ou coordenado pelo mercado ou que está em
desenvolvimento um processo de mercantilização de educação superior. A presença e o
desenvolvimento de aspectos como a redução do financiamento público, a cobrança de
mensalidades dos alunos, o objetivo de lucro das instituições privadas, o estabelecimento de
competição por alunos, o movimento de grandes quantias de recursos financeiros a partir
dos serviços educacionais, entre outros elementos, são importantes para o desenvolvimento
da competição de mercado na educação superior. E é exatamente isso que vem ocorrendo
no sistema de educação superior brasileiro nos últimos tempos. A expansão privada
recentemente observada no Brasil, sem dúvidas, é um elemento que está levando os meios e
os fins da educação superior para e conforme a gica do mercado. Então, o que importa
saber agora é qual o impacto desse fenômeno na qualidade da educação superior brasileira.
O próximo capítulo desta tese busca elementos para contribuir na resposta a essa pergunta.
133
3 A Qualidade da Educação Superior: das concepções aos sistemas de indicadores
Algumas manifestações sobre qualidade em educação superior não são
totalmente honestas. Pessoas que usam a linguagem da “qualidade” nem
sempre explicitam as concepções de educação superior que embasam suas
visões de qualidade. Porém, isso é plenamente compreensível, visto que
frequentemente as pessoas não refletem sobre os objetivos maiores da educação
superior.
Ronald Barnett.
Nas últimas décadas, em virtude da crescente importância que a educação superior
vem assumindo para o crescimento dos indivíduos e para o desenvolvimento sociocultural e
econômico dos países e sociedades, a avaliação da qualidade dos sistemas e instituições
educacionais tornou-se assunto de grande importância não apenas para governos e
instituições, mas também para toda a sociedade de maneira geral. Da mesma forma, a
necessidade de garantia da qualidade também se tornou uma das questões centrais do
debate acerca do fenômeno da mercantilização. Se, por um lado, os defensores da adoção
de lógicas do mercado argumentam que a livre-iniciativa e a competição seriam capazes de
elevar os níveis de eficiência e de empregabilidade e, conseqüentemente, de melhoria da
qualidade, por outro, críticos apontam para um conjunto de prejuízos que a mercantilização
estaria causando para o desenvolvimento da educação superior e para a sua qualidade.
Independentemente dessa divergência de opiniões, o fato é que atualmente o termo
“qualidade” não ocupa lugar central no debate acerca do fenômeno da mercantilização
como também se tornou uma das grandes questões da educação superior como um todo.
O auge das soluções quantitativas para a educação deu-se nas décadas de 1960 e
1970, as quais se expressaram em muitos países no aumento nos gastos com educação, no
aumento do número de anos de ensino obrigatório, na diminuição da idade de ingresso na
escola e no desenvolvimento de teses econômicas sobre a educação, como a “teoria do
capital humano” para explicar o crescimento econômico dos países. No início da década de
1980 começaram a surgir os primeiros questionamentos acerca da qualidade em educação e
no final da mesma década o assunto se tornara uma prioridade nos EUA e na Europa.
Passados mais de vinte anos desde a emergência do assunto, ainda se desenvolvem estudos
acerca de significados e concepções de qualidade no contexto da educação superior. Afinal,
134
ainda não existem respostas definitivas para perguntas como: O que é qualidade em ES?
Pode-se estabelecer um conceito único de qualidade em ES? Um sistema de educação
superior considerado de qualidade num país desenvolvido seria visto assim num país em
desenvolvimento? Dessa forma, com o objetivo de embasar os estudos desenvolvidos nesta
tese acerca do desenvolvimento da qualidade em ES no Brasil, o presente capítulo,
inicialmente, apresenta um estudo sobre concepções de qualidade em ES, contextualiza o
entendimento da qualidade no âmbito de sistemas de educação superior e realiza uma
revisão acerca dos modelos internacionais de indicadores de qualidade para sistemas de
educação superior.
3.1 As Concepções de Qualidade em Educação Superior
Provavelmente, uma das palavras mais empregadas nos trabalhos e pesquisas no
campo da educação superior é “qualidade”. Segundo Rui Santiago (1999), os contextos em
que surge o assunto qualidade na educação superior são diferentes conforme as
especificidades dos países e das próprias instituições. Onde existia competição de
mercado, a adoção de programas de qualidade justificou-se principalmente como reação as
pressões externas na competição por clientes e financiamento. Noutros países, o aumento
da autonomia induziu à criação de dispositivos de controle a posteriori da qualidade por
meio de avaliações para auto-regulação ou de auditorias externas para acompanhamento
dos sistemas pelas administrações centrais.
Entretanto, segundo o autor, independentemente das diferentes causas da
emergência da qualidade, a educação superior passou a defrontar-se com fatores “hostis”,
tais como limitação de financiamento, expectativas governamentais, competição entre
organizações, mudanças de representações dos stakeholders, democratização do ensino
superior, desmotivação dos professores, autonomia institucional etc. Assim, formou-se um
ambiente propício ao desenvolvimento e criação de programas de qualidade na educação
superior, ligados principalmente às concepções de gestão das indústrias, que enfatizam
aspectos de eficiência, produtividade e redução de custos. Termos característicos da
iniciativa privada, das empresas e do mercado, como, por exemplo, planos estratégicos,
qualidade total e auditoria, passaram a fazer parte da rotina das instituições de educação
superior e universidades.
135
Rui Santiago (1999) destaca que os programas desenvolvidos para o componente
acadêmico têm geralmente falhado e que os defensores dos modelos de qualidade
empresariais (total quality management, qualidade total etc.) atribuem tal fato a algumas
características existentes na academia, como a resistência à noção de cliente para os alunos,
dificuldades de trabalho em equipe, tradição e resistência a novas práticas, entre outras. Por
outro lado, outras teses sustentam a inadequação do conceito de qualidade da industria para
a educação superior em razão da natureza qualitativa do ensino e da pesquisa, que não
podem ser traduzidas numa lógica de gestão e empresarial.
Nos últimos anos os principais estudos investigativos sobre qualidade em ES estão
procurando responder a questões relacionadas à própria existência da qualidade - O
desenvolvimento da educação de massa não significaria o fim da qualidade? - e a outros
problemas surgidos principalmente em razão da significativa proeminência que os sistemas
de avaliação e de garantia da qualidade experimentaram nas ultimas décadas - A avaliação
externa estaria com seus dias contados? A burocratização do significado de qualidade foi
usurpada pelo mercado globalizado em educação superior e significa que os melhores
sobreviverão? (HARVEY, 2002).
Não obstante a priorização atual de tais enfoques, ainda se podem observar uma
ampla diversidade e uma certa confusão na utilização conceitual do termo “qualidade” no
âmbito da educação superior. As diferenças no entendimento e na aplicação são tantas que
propiciaram uma espécie de vulgarização do termo. Portanto, as pesquisas que abordam tal
assunto ainda requerem um estudo introdutório acerca da compreensão da qualidade no
âmbito da educação superior. O texto abaixo revisa as concepções de qualidade com base
nas taxionomias apresentadas pelos mais destacados pesquisadores no assunto; em seguida,
apresenta um conjunto de termos que mais recentemente m sendo identificados com
visões de qualidade e, por fim, aborda a inexorável relatividade conceitual da qualidade em
ES.
3.1.1 As propostas de taxionomia para a qualidade em ES
Diversas definições de qualidade começaram a surgir durante a década de 1980. Em
1983, Groot afirmou que a qualidade é determinada pelo grau em que um conjunto prévio
de objetivos são satisfeitos; em 1985, C. Ball definiu qualidade como ajuste ao propósito e,
136
pouco depois, qualidade foi discutida em termos da noção de valor agregado por T. Barnett,
em 1988, e J. C. McClain, D. W. Krueger e T. Taylor, em 1989 (WATTY, 2005). Durante a
década de 1990 surgiram as principais propostas de categorizações das diversas maneiras
de se pensar a qualidade em ES.
Ronald Barnett (1992), na obra Improving higher education da The society
for research into higher education, afirma que não é possível formar opinião consistente
sobre qualidade em ES sem antes se ter uma razoável concepção da própria educação
superior. Para o autor, no mundo moderno, em razão do pluralismo de visões das
sociedades democráticas, não apenas uma ou duas, mas muitas e diferentes concepções.
Com base em quatro dominantes conceitos que, segundo Barnett, sustentam abordagens
contemporâneas de educação superior, são apresentadas as seguintes visões de qualidade:
- Educação superior como produção de recursos humanos qualificados: nesta
visão, a educação superior é vista como um processo em que estudantes são considerados
como “produto” e os resultados são valorados em função da utilidade para o mercado. A
qualidade tende a se identificar com as habilidades dos estudantes para a obtenção de
sucesso no mundo do trabalho e é mensurada por suas taxas de emprego e níveis de
retornos econômicos.
- Educação superior como formação para a carreira de pesquisador: nesta visão a
definição de educação superior parte dos próprios membros da comunidade acadêmica que
desenvolvem pesquisas e a qualidade é mensurada menos em termos de êxito dos
estudantes e mais pelo perfil adequado para a pesquisa. Parte-se da suposição de que a
mensuração da relação entre entradas e saídas (a quantidade de ingressos de pesquisas, as
publicações realizadas etc.) é o próprio indicador de qualidade educacional. Subjacente a
essa visão está uma tendência a pensar que a transmissão da alta cultura acadêmica é mais
bem alcançada por meio de pequenos grupos de estudantes na companhia de um
reconhecido pesquisador.
- Educação superior como gerenciamento eficiente da oferta de ensino: durante as
décadas de 1970 e 1980, as instituições de educação superior experimentaram um
significativo aumento no número de alunos (a chamada “massificação” da educação
superior), que provocou a expansão dos sistemas educacionais. Conseqüentemente, as taxas
137
de custo por aluno obtiveram uma contínua necessidade de redução. Nessa realidade surgiu
esta concepção, na qual as instituições são entendidas como tendo boa performance se suas
saídas são altas, dadas as fontes a sua disposição. Nela a eficiência es relacionada a
quantos estudantes podem ser absorvidos, bem como com que velocidade esses serão
disponibilizados com sucesso para o mundo externo.
- Educação superior como meio de ampliar as oportunidades na vida: esta
concepção está vinculada com os potenciais “clientes” da educação superior. Nela a
educação superior é valorada por sua capacidade de oferecer oportunidades aos
participantes para desfrutar dos benefícios da sociedade moderna, ou seja, está relacionada,
sobretudo, com as demandas dos estudantes.
Com base nessas concepções de educação superior, Barnett propôs as concepções
“objetivista, relativista e desenvolvimentista” da qualidade. A visão objetivista enfatiza que
é possível identificar e quantificar certos aspectos da educação superior que podem ser
aplicados de forma universal a todas instituições, ao passo que a abordagem relativista tem
sua ênfase na política pública e no embasamento teórico. Barnett expõe as limitações dessas
abordagens afirmando que a primeira é altamente insensível às diferenças existentes entre
as instituições de educação superior e que a segunda carece de uma clara definição do que
atualmente se pode considerar “educação superior”. Por causa dessas limitações, o autor
propôs uma terceira perspectiva, designada de “Abordagem desenvolvimentista da
qualidade”, na qual os membros da organização realizam uma auto-avaliação, com foco na
melhoria da qualidade da instituição (SAHNEY; BANWET; KARUNES, 2004).
Lee Harvey e Diana Green (1993) publicaram, provavelmente, a mais
conhecida das propostas de classificação de qualidade em ES na revista Assessment &
Evaluation in Higher Education. No artigo intitulado “Defining Quality” os autores
compilaram a ampla diversidade de concepções existentes em cinco grupos distintos:
- Qualidade como fenômeno excepcional: esta concepção de qualidade aceita como
axiomático que qualidade é algo especial. Para esta visão de qualidade podem ser
observadas três variações: (a) a noção tradicional de qualidade - relativa à idéia de
exclusividade, elitismo e distinção, que em grande medida é inacessível à maioria das
pessoas, como, por exemplo, a educação de Oxford e Cambridge. A qualidade, nesta noção,
138
não pode ser medida ou julgada; (b) a qualidade como excelência a qualidade é vista
como superação de standards
16
. Os componentes da excelência são identificáveis nos
insumos, no processo e nos resultados. Uma universidade que atrai os melhores alunos, os
melhores professores (com prêmio Nobel), que possui os melhores recursos físicos
(laboratórios, bibliotecas etc.) é, por natureza, de qualidade e de excelência (ou um centro
de excelência); (c) qualidade como satisfação de um conjunto de requisitos a qualidade
nesta noção é o resultado do controle científico da qualidade” pela conformidade com
standards. Identifica-se, geralmente, com produtos que superam “o controle de qualidade”,
ou seja, a qualidade melhora se os standards são elevados.
- Qualidade como perfeição ou coerência: esta concepção de qualidade enfatiza o
processo e estabelece especificações que devem ser cumpridas perfeitamente; difere da
visão de excelência na medida em que está ao alcance de todos. Aqui a excelência se
redefine em termos de conformidade a um conjunto de especificações de ações,
abandonando a idéia de exceder standards. A palavra-chave da qualidade é fidelidade aos
standards. Esta concepção está ligada à “cultura da qualidade”, que supõe que todo
membro da instituição é responsável pela qualidade. Na medida em que reconfigura a
excelência em termos de especificações e processo, em detrimento das entradas e saídas,
esta concepção “democratiza” e relativiza a qualidade.
- Qualidade como ajuste a um propósito: para esta concepção somente existe
qualidade na medida em que o produto ou serviço se ajusta às exigências para cuja
satisfação foi concebido e realizado. Trata-se de uma definição funcional da qualidade. Um
produto “perfeito” é totalmente inútil se não serve para satisfazer à necessidade para a qual
foi criado. Os clientes, os fornecedores ou mesmo processos objetivos podem estabelecer o
propósito para o qual o produto ou serviço foi criado; a princípio o cliente é soberano na
definição do propósito.
16
Standard: “a basis for judging quality, or level of excellence aimed at, required or achieved.” (PARKER;
SILVA, 1995, p. 524). Não obstante a palavra “padrão” ser referida como tradução de standard, parece não
dar conta de toda a extensão e sentido com o qual o termo do inglês geralmente é utilizado no contexto da
qualidade em ES. Portanto, optou-se por utilizar a palavra standard designando “base ou referência para
medir uma característica desejável da qualidade de um produto ou serviço” ou mais especificamente, “uma
característica desejável e previamente mensurada da qualidade de um produto ou serviço que serve como
critério de excelência para comparações”.
139
- Qualidade como relação custo-benefício: a idéia de eficiência econômica está na
base desta concepção de qualidade, ou seja, a idéia de accountability (prestação de contas)
dos custos (investimentos e custeio) para os financiadores (governos e contribuintes) é
central. Os chamados indicadores de realização ou rendimento” (performance indicators)
são utilizados para medição nesta concepção de qualidade.
- Qualidade como transformação: esta concepção de qualidade está fortemente
ligada à noção de mudança qualitativa. No caso da educação, o provedor (professor ou
instituição) não faz algo para o cliente, mas faz algo ao cliente, transforma-o. Dessa forma,
a qualidade está, por um lado, no desenvolvimento das capacidades do consumidor (aluno)
e, por outro, em possibilitar-lhe influir na sua própria transformação. A qualidade é tanto o
“valor agregado” ao aluno, em termos de incremento de conhecimento, habilidades e
destrezas, como também a capacidade de incrementar no aluno a lucidez, a autoconfiança e
o pensamento crítico.
Diana Green (1994), na obra What is quality in higher education?, após
abordar aspectos importantes relativos à qualidade em ES, tais como as causas do crescente
interesse no assunto e a necessidade de se perguntar “qualidade do quê?” antes de se definir
qualidade, apresentou categorias de compreensão de qualidade em ES com suas respectivas
vantagens e desvantagens:
- O conceito tradicional de qualidade: este conceito está ligado à idéia da oferta de
um produto ou serviço muito especial e distinto de tal forma a conferir status a seus
usuários. Noções relativas à exclusividade e a altos padrões de produção estão relacionadas
a esse conceito e, conseqüentemente, tais produtos ou serviços não se encontram ao alcance
da maioria da população. Uma analogia utilizada para exemplificar o conceito tradicional
de qualidade é do Rolls Royce, que é considerado um automóvel fora de rie e acima de
qualquer julgamento de qualidade. Na educação superior, o equivalente seria, por exemplo,
as universidades de Harvard ou Oxford. Este conceito de qualidade não tem muita utilidade
para a avaliação da qualidade em educação superior como um todo ou para todas as
instituições e cursos. Se todas as instituições forem julgadas pelos mesmos critérios
utilizados para julgar Oxford e Cambridge, provavelmente a maioria seria continuamente
declarada como de má qualidade.
140
- A qualidade como ajuste a especificações e standards: o conceito de qualidade em
ES como ajuste a especificações e standards tem sua origem ligada à noção de controle de
qualidade na produção industrial. A especificação de um produto ou serviço compreende
um conjunto de standards e a qualidade é medida em termos da conformidade com tal
especificação. O controle da qualidade, nesse contexto, refere-se ao teste do produto ou
serviço que procura verificar a sua conformidade em relação aos standards previamente
definidos. Esse enfoque de qualidade tem vantagem sobre a definição anterior na sua
aplicação na educação superior visto que proporciona a todas as instituições uma
oportunidade para aspirar à qualidade. Diferentes níveis de standards podem ser fixados
para diferentes tipos de instituições, ou seja, nesta definição é perfeitamente exeqüível que
um Rolls Royce seja considerado sem qualidade e um carro popular contenha alta
qualidade. Por outro lado, geralmente os critérios utilizados para fixar os standards não são
expostos nem possuem a concordância de todos para designar a qualidade dos serviços
prestados.
- A qualidade como adequação aos objetivos: a definição de qualidade adotada por
muitos analistas e elaboradores de políticas da educação superior é a da adequação aos
objetivos. Neste conceito a qualidade é julgada em termos da extensão em que os objetivos
preestabelecidos de um produto ou serviço são atingidos ou logrados. Esta definição de
qualidade é dinâmica ao reconhecer que os objetivos podem mudar, o que requer constante
reavaliação das conveniências das especificações. Tal conceito pode ser usado para análise
da qualidade em educação superior em níveis diferenciados (curso, instituição, sistema
etc.). O problema desta definição de qualidade em ES é a dificuldade de se estabelecer
quais deveriam ser os objetivos da educação superior, visto que representantes de diferentes
grupos de interesses na educação superior podem ter divergentes visões sobre esse tema.
Quem deve definir os objetivos: o governo, os estudantes, os empregadores dos estudantes
ou os diretores das instituições? Teoricamente, é possível que todos esses grupos
concordem com os objetivos da educação superior, mas o mais provável é a existência de
opiniões divergentes.
- A qualidade como efetivação do êxito das metas institucionais: este conceito é
uma versão do modelo de qualidade como adequação aos objetivos que enfatiza a avaliação
da qualidade em nível de instituição. A alta qualidade institucional está na explícita
141
exposição de sua missão ou objetivos e na eficiência e efetividade no cumprimento das
metas autodeterminadas. A autonomia das universidades em definir suas próprias visões de
qualidade e standards, por meio de processos de auditoria, propicia, via sistemas de
garantia da qualidade, que as instituições consigam ir estabelecendo êxitos em seus
objetivos e metas. Este modelo tem significativas implicações para a educação superior
visto que amplia o escopo do tema estimado como relevante no debate sobre qualidade por
incluir performance em áreas como eficiência no uso de recurso e gerenciamento efetivos.
- A qualidade como satisfação dos clientes: durante as duas décadas de 1970 e
1980, a definição de qualidade na maioria das vezes estava ligada à indústria e passava
unicamente o sentido de conformidade com especificações em relação às necessidades dos
clientes. Segundo o conceito resultante dessa cultura, qualidade como satisfação dos
clientes, a maior prioridade é colocar a identificação das necessidades dos clientes como
fator crucial no desenho dos produtos ou serviços. Utilizando-se esta definição de
qualidade, está claro que a adequação aos objetivos está relacionada às necessidades dos
clientes. Entretanto, no caso da educação superior há que se perguntar: Quem é o cliente da
educação superior? Ele é o usuário do serviço (o estudante) ou é quem paga pelos serviços
(o governo, os empregadores)? O estudante é o cliente, o produto ou ambos? Alguns
críticos deste enfoque de qualidade em relação à educação superior questionam se os
estudantes estão ou não em condições de saber do que eles necessitam. Eles podem estar
em condições de identificar o que necessitam em curto prazo, mas, provavelmente, não têm
conhecimento e experiência suficientes para saber o que necessitam no longo prazo.
Segundo David Woodhouse (OECD, 1999, p. 29), do muito que foi escrito
envolvendo o significado de qualidade em ES e das muitas definições sugeridas, a idéia que
geralmente é mais aceita está ligada à qualidade como “ajuste ao propósito” (fitness for
purpouse). Para o autor, essa visão de qualidade “permite às instituições definirem seus
propósitos em suas missões e seus objetivos, assim a ‘qualidade’ é demonstrada pelo logro
deles”, o que também possibilitaria a existência de variabilidade de instituições. Para Kim
Watty (2005), a classificação proposta por Harvey e Green em 1993 consiste numa rigorosa
tentativa de esclarecer como vários grupos de interesse ou stakeholders
17
vêem a qualidade.
17
Para esta tese o termo stakeholder refere-se aos grupos de interesses existentes em relação à educação
superior e a sua qualidade, dentre os quais se destacam governos, docentes, alunos, técnico-administrativos e
142
De fato, nas diversas classificações propostas por Barnett (1992), Harvey e Green (1993) e
Green (1994), talvez se excetuando apenas o caso da qualidade como ajuste ao propósito ou
aos objetivos, todas as demais categorias parecem identificar-se com algum stakeholder
específico. Não obstante, em última análise, uma abordagem de qualidade como “ajuste ao
propósito” também depende dos valores e das prioridades do stakeholder que define os
propósitos. Essa relação entre as categorias propostas por Harvey e Green e os grupos de
interesse tem levado a que, com modificações em algumas instâncias, as mesmas tenham
sido referidas ou empregadas como uma estrutura para pesquisa e discussão acerca das
concepções dos stakeholders de qualidade em ES (WATTY, 2005). O texto a seguir, tendo
como base as classificações apresentadas e a análise de novos termos empregados no
assunto, apresenta conceitos, sinônimos e tendências de visão de qualidade em ES
agrupados em função da identidade e de similaridade de visão e de concepção sobre a
educação superior como um todo.
3.1.2 Novos termos e tendências de qualidade em ES: economicismo, pluralismo e
equidade
Desde as propostas de taxionomias de qualidade em ES publicadas durante a década
de 1990, como as de Barnett (1992), Harvey e Green (1993) e Green (1994) acima
descritas, a literatura especializada não apresenta novidades significativas sobre estudos de
classificações e de conceitos sobre o assunto. Dessa forma, os trabalhos científicos e artigos
mais recentes acerca da qualidade em ES (MOROSINI, 2001; VLÃSCEANU;
GRÜNBERG; PÂRLEA, 2004; SAHNEY; BANWET; KARUNES, 2004; HORDEN HOZ,
2004; HARVEY, 2005; WATTY, 2005; HARVEY, 2006; MIZIKACI, 2006) quase sempre
incluem revisões sobre as categorias e concepções de qualidade propostas na década
passada. Não obstante, nos últimos anos tem-se observado a emergência de novos termos
para explicar as propriedades da qualidade em ES. Tal fato se deve, provavelmente, ao
desenvolvimento de pesquisas segundo novas perspectivas e ao envolvimento de uma
maior diversidade de stakeholders e organismos internacionais com os assuntos avaliação,
medição e garantia da qualidade em educação.
empregadores. “In the context of higher education quality, stakeholders are those groups that have inter alia
an interest in the quality of provision and standard of outcomes. These include government, employers,
students, academic and administrative staff, institutional managers, prospective students and their parents
taxpayers” (HARVEY, 2006).
143
Nesse contexto de desenvolvimento e novidades acerca da qualidade em ES, um
mesmo termo pode adquirir diferentes sentidos para diferentes visões e, por outro lado, um
mesmo significado pode possuir diferentes termos para denominá-lo. Entretanto, tais
termos parecem surgir sempre vinculados com duas das principais idéias sobre as missões
da educação superior neste início de século: (UNESCO, 1998; AMARAL, 2002b; BANCO
MUNDIAL, 2003; INEP, 2003b; SANTOS, 2004; DIAS SOBRINHO, 2005a) (a)
competitividade econômica e crescimento dos mercados e (b) desenvolvimento
sociocultural e econômico sustentável; ou, ainda, a uma visão de educação superior com
missão primordial de (c) coesão social e equidade (UNESCO, 1998; MOROSINI, 2001).
Tal vinculação entre concepção de educação e visões de qualidade parece dar razão à
premissa de Robert Barnett (1992) de que não é possível formar opinião consistente sobre
qualidade em ES sem antes se ter uma razoável concepção da própria educação superior.
De acordo com a premissa de Barnett e a partir da literatura recente e das publicações dos
organismos internacionais, podem-se agrupar em três diferentes tendências de visão de
qualidade em ES os termos sobre qualidade mais utilizados em âmbito mundial: visão
economicista, visão pluralista e visão de equidade (Figura 4).
Visão de qualidade
Termos associados Grupos de interesse Propósitos da ES
Visão economicista Empregabilidade e
Eficiência
Setor privado, OCDE
e setor governamental
Ênfase nos aspectos
de potencialização do
crescimento da
economia e da
empregabilidade
Visão pluralista Diferenciação,
Pertinência e
Relevância
Unesco, União
Européia e setor
educativo
Diversidade de
aspectos relevantes
(economia,
sociocultural,
democracia etc.) com
ênfase na emergência
das especificidades
locais
Visão de eqüidade Eqüidade Unesco e setor
educativo
Ênfase nos aspectos
de contribuição para
coesão social
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Figura 4 – Visões de qualidade em educação superior
144
Os termos da visão economicista da qualidade em ES
Em tempos de neoliberalismo, a visão de que a educação superior tem como missão
principal o crescimento da economia e a preparação dos indivíduos para o mercado de
trabalho está em grande evidência. De acordo com essa lógica, além de orientarem seus
serviços para os interesses econômicos e formar egressos especialmente para o mercado de
trabalho, as instituições também devem atuar da forma mais eficiente e eficaz possível para
que seus objetivos sejam alcançados com o menor custo e a máxima rapidez possível, ou
seja, trata-se de uma visão amplamente economicista, que se refere a uma perspectiva
prioritariamente instrumental e produtivista da educação superior. Os principais grupos de
interesse e defensores dessas idéias são os ligados ao setor privado, tais como empresas e
organizações de mercado, bem como governos claramente identificados com o ideário
neoliberal de Estado mínimo e ajuste fiscal. Algumas organizações multilaterais
internacionais, como a OCDE, também demonstram concordar em alguns aspectos com
essas idéias e missões para a educação superior.
O documento “Quality and Internationalisation in Higher Education”, da OCDE,
demonstra claramente a ligação entre essa concepção de educação superior com a questão
da qualidade.
Com o incremento de recursos [públicos para a educação superior] vem um
incremento relativo ao papel do governo em garantir três enquadramentos. Em
primeiro lugar, estão as IES claramente planejadas e organizadas para produzir
os graduados requeridos pela sociedade, isto é, são seus objetivos apropriados?
Em segundo lugar, o dinheiro esta sendo bem gasto, isto é, estão as IES
operando de forma eficiente? E, em terceiro lugar, estão as IES produzindo os
egressos desejados, isto é, estão eles operando eficientemente?
Essas questões têm conduzido para novas interpretações do conceito de
qualidade. (OECD, 1999, p. 29).
Alguns dos principais termos utilizados pelos que apresentam uma visão
economicista da educação superior ao se referirem à qualidade são “eficiência” e
“empregabilidade”. Em tempos de grande competição de mercado e contenção de custos, a
palavra “eficiência” tornou-se uma espécie de requisito básico para as diversas áreas de
administração pública e privada, bem como para uma parcela significativa da sociedade no
que se refere à aplicação dos impostos e recursos públicos. No âmbito da educação superior
145
ela surge no bojo das reformas neoliberais do Estado e dos próprios sistemas educacionais.
Para o paradigma multidimensional de administração da educação proposto por Sander
(1995), muito utilizado nos estudos sobre qualidade em ES pelos cursos das áreas de
administração e engenharia da produção, “eficiência da administração” é um critério de
natureza econômica, medido em termos da capacidade administrativa de alcançar elevado
grau de produtividade.
Para Leon Estrada (1999), a palavra “eficiência”, no contexto da qualidade em ES,
faz parte da dimensão explicativo-relacional da qualidade e significa a relação entre os
recursos empenhados e o cumprimento das funções. Segundo Antonio Fazendeiro (2002), a
educação, para ser de qualidade, precisa reunir, entre outros, os atributos desejáveis e
observáveis na dimensão eficiência e eficácia na gestão dos recursos, o que implica
excelência da governação. De acordo com o glossário da Unesco, a eficiência educacional é
definida como
uma habilidade de executar bem ou de conseguir um resultado sem desperdiçar
recursos, tempo, esforços ou dinheiro (utilizando a menor quantidade de
recursos possíveis). A eficiência educacional pode ser medida em termos físicos
(eficiência técnica) ou em termos de custo (eficiência econômica). Uma grande
eficiência educacional é alcançada quando a mesma quantidade e padrão de
serviços educacionais são produzidos a um custo mais baixo, se uma atividade
educacional mais útil for substituída por uma menos útil ao mesmo custo, ou se
atividades educacionais desnecessárias forem eliminadas (VLÃSCEANU;
GRÜNBERG; PÂRLEA, 2004, p. 37).
Em síntese, o termo “eficiência”, no contexto da qualidade em ES, vem sendo
utilizado principalmente num sentido relacionado com as questões econômicas e de gestão,
que englobam, racionalidade de gastos, alta produtividade e alto desempenho gerencial-
administrativo.
A idéia de que a educação superior é fundamental para o desenvolvimento da
economia dos países não é recente. Entretanto, diversos autores têm indicado que nas
últimas décadas cresceu a pressão para que os sistemas de educação superior contribuam
mais efetivamente com o desenvolvimento da economia e priorizem a preparação para o
mundo do trabalho (MOROSINI, 2001). Tal tendência tem levado à emergência do
conceito de empregabilidade no âmbito das funções e prioridades da educação superior.
146
Segundo Lee Harvey (2001), a idéia de empregabilidade surgiu no debate sobre qualidade
em meados da década de 1990. Mais recentemente, tem-se observado um fenômeno em
relação à empregabilidade muito semelhante ao ocorrido com o TQM, no qual as visões de
empregadores eram “assumidas” por alguns segmentos da educação superior e formavam-
se longas e intermináveis discussões sobre seus conceitos, aplicabilidade e linguagem
apropriada. Lee Harvey faz uma crítica ao entendimento de empregabilidade como
mensuração da proporção de graduados que conseguem um trabalho de tempo integral
dentro de um período específico, ou seja, contesta o entendimento de empregabilidade
como resultado.
Segundo Morosini, empregabilidade, no âmbito da educação superior, não é
simplesmente obter empregos para graduados nem desenvolver habilidade de
empregabilidade, mas, sim, algo bem mais complexo, relacionado com o “desenvolvimento
da capacidade crítica no processo de aprendizagem continuada” (2001, p. 92). De acordo
com Lee Harvey (2006), empregabilidade é a propensão de um graduado exibir os atributos
que os empregadores antecipam como necessários para o futuro funcionamento eficaz de
suas empresas. Não obstante alguns desacordos sobre o real significado, a empregabilidade
tem se tornado cada vez mais um importante termo no debate sobre a qualidade na ES.
Seminários e centros de pesquisa têm fomentado a discussão em torno do assunto no
âmbito da educação superior.
Outro assunto que pode ser identificado com a visão de que a principal função da
educação superior está relacionada com a economia ou o mercado é o conhecido Total
quality management. O TQM, apesar de não ser citado diretamente pelos organismos
internacionais, muito tempo vem sendo objeto de diversas pesquisas acadêmicas
relacionadas à qualidade em ES. Orden Hoz (2004), em artigo recente, destaca que parte
significativa da literatura existente acerca da qualidade em educação origina-se na
perspectiva da gestão: controle de qualidade, auditoria e valoração, que envolvem modelos
de qualidade total, tais como Balanced Scorecard e TQM. A aplicação da filosofia e teorias
de TQM no setor educacional continua atraindo o interesse de muitos teóricos e
profissionais e, conseqüentemente, o sistema educacional experimenta experiências de
implementação do TQM.
147
De acordo com Rui Santiago (1999), ao tornar-se um assunto de destaque na
educação superior e quase sempre adotar modelos de gestão de empresas de mercado,
gradualmente os processos de gestão das instituições de educação superior aproximaram-se
das práticas das indústrias. Para Gentilli (1995), foi o neoliberalismo da década de 1990 que
trouxe uma nova forma de se ver a qualidade educacional, associando-a aos princípios
mercadológicos de produtividade e rentabilidade, introduzindo nas escolas a lógica da
concorrência. Esse raciocínio baseia-se na crença de que, quanto mais termos “produtivos”
se aplicam à educação, mais “produtivo” se torna o sistema educacional, ou seja, é o
conceito de qualidade em educação oriundo da lógica da “qualidade total” do mundo
empresarial.
Segundo Sahney, Banwet e Karunes (2004), o TQM tem sido visto como um
processo focado no cliente, que busca por meio das percepções dos clientes contínua
melhoria da qualidade e que, por isso mesmo, possui como tema mais complexo a questão
de como proporcionar a máxima satisfação dos clientes num contexto de diversificação de
perfis, onde se encontram pessoas de diferentes níveis e posições. Nos últimos anos
surgiram diversos trabalhos científicos críticos à aplicação do TQM na educação superior,
os quais argumentam principalmente que os modelos de qualidade da indústria não são
aplicáveis ao ensino superior (GENTILLI, 1995) e que se deve considerar a possibilidade
deste movimento poder vir a insurgir-se contra a identidade organizacional das
universidades e a gerar tensões entre a inflexão da gestão da educação superior e as
mudanças que se podem produzir pela descaracterização da identidade das instituições
(SANTIAGO, 1999).
Diversos autores têm advertido que visões produtivistas e a avaliação da educação
superior desenvolvida segundo uma visão economicista podem transladar acriticamente
procedimentos próprios do controle econômico para os processos educativos e da produção
científica, com conseqüências negativas (LEITE, 2003a; RODRIGUES DIAS, 2003;
SOUZA; OLIVEIRA, 2003; ORDEN HOZ, 2004; DIAS SOBRINHO, 2005a).
Diversas das categorias propostas ainda na década de 1990 para classificar
qualidade em ES podem ser identificadas com a visão economicista e produtivista da
educação superior, como, por exemplo, educação superior como produção de recursos
148
humanos qualificados, educação superior como gerenciamento eficiente da oferta de ensino
(BARNETT,1992), qualidade como perfeição ou coerência, qualidade como relação custo-
benefício (HARVEY; GREEN, 1993), qualidade como satisfação dos clientes e qualidade
como ajuste à especificação e a standards (GREEN, 1994). Dessa forma, considerando-se a
ampliação da visão da educação superior voltada para a economia, o mercado e o emprego,
bem como a difusão de termos originados na indústria e no setor privado para designar
características e propriedades da qualidade para a educação superior, pode-se dizer que
atualmente existe uma forte e consolidada tendência de entendimento de qualidade em ES
segundo uma perspectiva economicista.
Os termos da visão pluralista da qualidade em ES
A idéia de que a educação superior tem como misão principal o desenvolvimento
dos diversos aspectos socioculturais e econômicos dos países e sociedades (UNESCO,
1998; RODRIGUES DIAS, 2004; DIAS SOBRINHO, 2005a) tem vinculação com a
trajetória histórica da universidade durante os séculos XIX e XX e sua relação com os
Estados e a sociedade. Nessa visão, além da questão econômica, outros aspectos, como
desenvolvimentos cultural, social e democrático de forma sustentável e equilibrada dos
países e sociedades, também são considerados importantes para os propósitos da educação
superior. Essa concepção, como não prioriza uma única missão para a educação superior,
suscita a observância às especificidades de cada contexto e dos sistemas de educação, bem
como o respeito às diferenciações existentes em níveis locais, institucionais e regionais.
Entre os defensores de uma maior pluralidade de missões para a educação supeiror estão
membros da própria comunidade acadêmica e científica, a Unesco, a União Européia e
mesmo alguns governos não plenamente comprometidos com o ideário neoliberal.
Documentos da Unesco e da União Européia têm demonstrado a ligação entre essa
concepção de educação e aspectos da qualidade em ES pelo uso de termos como
“diferenciação”, “pertinência” e “relevância”.
Segundo Morosini (2001), a União Européia tem adotado a visão de qualidade
como diferenciação pelo desenvolvimento de projetos pilotos, de recomendações sobre
qualidade na educação superior e do estabelecimento da European Network for Quality
149
Assurance in Higher Education
18
. Dentre os projetos pilotos pode-se destacar a “Avaliação
da Qualidade do Ensino Escolar”, que se fundamenta na auto-avaliação para melhorar a
qualidade de mais de 101 centros educativos em 18 países europeus. Os centros possuem
autonomia para definir seus procedimentos de avaliação com vistas a adequá-los aos seus
estados de desenvolvimentos e contextos. O Conselho da União Européia também tem feito
recomendações acerca da qualidade em ES que destacam o respeito à autonomia das
instituições educacionais durante o processo avaliativo e a necessidade de os mecanismos
refletirem o contexto nos quais serão usados. O próprio estabelecimento da ENQA, que
visa promover a cooperação no campo da avaliação da qualidade entre atores envolvidos no
processo de avaliação na Europa, pode ser considerado uma ação de observância às
diferentes realidades. Não obstante as diretrizes de padronização de Bolonha, pode-se
observar nesses três movimentos da União Européia a atenção em relação às
especificidades da educação superior de cada país, ou seja, o respeito à autonomia, a
observância da diversidade e, em última análise, a aceitação da diferenciação existente
entre as instituições e contextos.
No documento “La educación superior en el siglo XXI: Visión y acción”, resultante
da Conferência Mundial sobre Ensino Superior em 1998, ao destacar a necessidade de se
evitarem uniformidades, a Unesco define qualidade em educação superior de forma
bastante pluralista:
É um conceito multidimensional que deve envolver todas as funções e
atividades: ensino, programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência,
ambiente acadêmico em geral. Uma autoavaliação interna e transparente e uma
revisão externa com especialistas independentes, se possível com
reconhecimento internacional, são vitais para assegurar a qualidade. Devem ser
criadas instâncias nacionais independentes e definidas normas comparativas de
qualidade, reconhecidas no plano internacional. Visando a levar em conta a
diversidade e evitar a uniformidade, deve-se dar atenção aos contextos
institucionais, nacionais e regionais específicos. Os protagonistas devem fazer
parte integrante do processo de avaliação institucional (UNESCO, 1998, artigo
11
o
, alínea a).
18
Em assembléia geral da ENQA confirmou-se em 4 de novembro de 2004, a alteração do termo European
Network para European Association. Dessa forma, nessa data o ENQA passou a denominar-se European
Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA, 2005, p.5 ).
150
Para a Unesco (1999) a pertinência deve ser vista fundamentalmente em relação ao
seu papel e seu lugar na sociedade, de sua missão em matéria de educação, de pesquisa e
dos serviços que dela decorrem, bem como do ponto de vista de suas ligações com o mundo
do trabalho em sentido amplo, de suas relações com o Estado e com as fontes de
financiamento públicas e de sua interação com os outros graus e formas de ensino. Todas as
alíneas do artigo 6
o
do documento La educación superior en el siglo XXI: Visión y
acción”, tratam da relevância da educação superior, destacando que
deve ser avaliada em termos do ajuste entre o que a sociedade espera das
instituições e o que estas realizam. Isto requer padrões éticos, imparcialidade
política, capacidade crítica e, ao mesmo tempo, uma articulação melhor com os
problemas da sociedade e do mundo do trabalho, baseando orientações de longo
prazo em objetivos e necessidades sociais, incluindo o respeito às culturas e a
proteção do meio-ambiente (UNESCO, 1998, artigo 6
o
, alínea a).
Para Leon Estrada (1999), a palavra “relevância” significa a relação entre os
propósitos institucionais e os reais requisitos e necessidades da sociedade, como, por
exemplo, coerência entre a missão de uma instituição e as carências sociais da sua região de
abrangência. Segundo Antonio Fazendeiro (2002, p. 64), a educação, para ser de qualidade,
precisa reunir, dentre outros, os atributos desejáveis e observáveis na dimensão
“relevância”, que se refere à “qualidade nos resultados, socialmente relevantes, face às
necessidades e às expectativas dos indivíduos e da sociedade em todas as suas dimensões,
econômica, social ou cultural”. Dessa forma, com base na análise de tais definições, dos
projetos da União Européia e das posições da Unesco, pode-se dizer que no bojo da
concepção de educação superior com diversidade de missões e propósitos surge uma
importante tendência pluralista de visão da qualidade em ES, que valoriza as propriedades
de diferenciação, pertinência e relevância.
Os termos da visão de eqüidade da qualidade em ES
Segundo o documento “Estándares en educación: conceptos fundamentales,
elaborado pelo Laboratório Latinoamericano de Evaluación de la calidad de la educación”
da Unesco (1997c), o tema da “eqüidade”, provavelmente, é o principal problema das
políticas blicas educacionais na atualidade. Segundo Morosini, ao mesmo tempo em que
151
ocorrem em países do norte da União Européia discussões sobre qualidade em ES tendendo
à empregabilidade e à diversidade,
outra corrente, de menor porte, desponta no panorama europeu. É aquela que
considera qualidade como sinônimo de eqüidade.
O Institut Nacional de Calidad y Evaluación (INCE), do Ministério de Educação,
Cultura e Desporto [da Espanha], publica um número específico de seu
periódico Revista de Educación, sobre a temática Equidad y Calidad en
Educación. Nesses estudos duas idéias prévias são defendidas: qualidade e
eqüidade são conceitos inseparáveis; e a comunidade educativa é responsável
pela aplicabilidade e o êxito ou fracasso de políticas educativas de qualidade
com eqüidade. São citados nove fatores-chave para a busca da qualidade com
eqüidade: extensão da educação, tratamento da diversidade, autonomia escolar,
currículo/autonomia curricular, participação da comunidade educativa e gestão
dos centros, direção escolar, professorado, avaliação e inovação e investigação
educativas. Ressalta-se que a qualidade está para além da simples padronização
de indicadores, abarcando estudos qualitativos e quantitativos (2001, p. 98).
As políticas do Banco Mundial para diversos segmentos e também para o ensino
têm procurado destacar o conceito de eqüidade na promoção do desenvolvimento
econômico (BANCO MUNDIAL, 2005). Segundo o relatório do banco sobre a educação
superior brasileira,
eqüidade pode significar diversas coisas, por exemplo: i) um grau razoável de
igualdade de oportunidade de se participar do ensino superior, e ii) um equilibio
razoável e justo entre o pagamento dos custos e a obtenção dos benefícios do
ensino superior (WORLD BANK, 2001, p. 44).
Entretanto, Tristan McCowan (2005, p. 7) critica tal definição visto que, ao utilizar
o termo grau razoável”, “o Banco considera a plena igualdade de oportunidades como
sendo ou impossível ou indesejável de ser atingida” e, também, porque considera que a
segunda afirmação dificilmente se “encaixa” com a primeira. A seguir, focando-se numa
idéia mínima de eqüidade como igualdade de oportunidades, o autor apresenta uma
definição que considera menos problemática que a do Banco Mundial. Trata-se da
concepção proposta por H. Brighouse, publicada em 2002 na obra Egalitarian liberalism
and justice in education, segundo a qual para existir eqüidade educacional aqueles com
níveis semelhantes de capacidade e vontade de se esforçar deverão ter perspectivas
educacionais semelhentes, independente de seu histórico social, etnia ou sexo” (apud
152
MCCOWAN, 2005). Para Mercedes G. García, a eqüidade como uma das dimenes dos
sistemas educativos significa
possibilitar que todos os estudantes, qualquer que sejam suas origens e
condições (pessoal, familiar ou social), obtenham igualdade de oportunidades,
processos e resultados. Centraria-se na homogeneidade de resultados em todas as
zonas geográficas e sociais de um país ou onde se observa diferenças no acesso
ou processo educativos (como ocorre com o gênero) para garantir a
compensação de diferenças ou igualdade de oportunidades (2000, p. 240).
No documento La educación superior en el siglo XXI: Visión y acción da Unesco,
todas as alíneas do artigo 3
o
tratam do assunto igualdade de acesso e, não obstante reafirmar
que a admissão deve ser baseada no mérito individual, o texto destaca que, considerando as
competências adquiridas anteriomente, “para o acesso à educação superior não será
possível admitir qualquer discriminação com base em raça, sexo, idioma, religião ou em
considerações econômicas, culturais e sociais, e tampouco em incapacidades físicas”.
(UNESCO, 1998, artigo 3
o
, alínea a).
Em síntese, a eqüidade na educação superior pode englobar diversos aspectos, como
a igualdade de oportunidades do acesso em relação aos grupos sociais, às etnias, às
diferentes regiões de um país ou mesmo ao nível de homogeneidade da educação
proporcionada pelas diferentes instituições educacionais.
Diversas avaliações e medições da educação em vários países constatam a
permanência de enormes diferenças de resultados entre distintas escolas e regiões. O baixo
nível de acesso das classes menos favorecidas à educação superior é um indicador claro das
diferenças existentes (UNESCO, 1997c). Dessa forma, como a educação continua sendo,
indiscutivelmente, um dos principais meios de mobilidade social, faz-se necessário buscar a
eqüidade educacional. Num contexto de grave exclusão social, como no caso da América
Latina, a emergência do combate às iniqüidades educacionais aparece de forma mais
contundente. Alguns atores políticos (GENRO, 2005; BROVETTO, 2005) e trabalhos
acadêmicos (MOROSINI, 2001) latino-americanos têm alertado para a necessidade de se
observar o problema da iniqüidade dos sistemas de educação e suas implicações nas
desigualdades socioeconômicas, tanto em relação às conjunturas nacionais como quanto à
posição desses países no cenário mundial. Na Reunião do Comitê Regional
153
Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe
(Promedlac VII), realizada em março de 2001, os ministros de Educação concluíram pela
adoção da Declaração de Cochabamba, onde fica clara a posição de qualidade como
eqüidade (MOROSINI, 2001). Em síntese, a visão de eqüidade da qualidade em ES está
relacionada com o combate as iniqüidades educacionais e, por conseguinte, com a busca
por coesão social, o desenvolvimento da democracia e da cidadania como prioridades nos
propósitos da educação superior.
3.1.3 A inexorável relatividade do conceito de qualidade em ES
As formas pelas quais a educação vem sendo abordada m variado historicamente,
evidenciando a idéia de Durkheim (1967) de que a educação é um processo de socialização
que integra os indivíduos no contexto social e, por essa razão, varia segundo o tempo e o
meio. O termo “qualidade”, que derivou da palavra latina qualis, significando que tipo, que
casta, que natureza, que caráter etc., no âmbito da educação também tem variado segundo o
tempo e o meio. Segundo Rui Santiago (1999), é inegável que as concepções originais de
qualidade e “qualidade total” difundidas nos espaços empresariais e de competição de
mercado não foram plenamente absorvidas no âmbito da educação superior. Nesse espaço,
a qualidade é inexoravelmente reconstruída em função de um conjunto de especificidades
das instituições de educação, tais como autonomia acadêmica e aspectos impeditivos de
formalização das atividades acadêmicas e científicas. Portanto, no âmbito da educação
superior não se pode adotar plenamente os conceitos e os programas de qualidade
originários da indústria e da iniciativa privada, nem se pode recusar completamente à
qualidade argumentando que nada existe em comum entre ela e a educação superior.
Na década de 1990 a OCDE definia educação de qualidade como aquela que
“assegura a todos os jovens a aquisição dos conhecimentos, capacidades, destrezas e
atitudes necessárias para prepará-los para a vida adulta”. O documento “Os quatro pilares
da educação” da Unesco, elaborado por Jacques Delors (1999), ao rejeitar uma visão
meramente instrumental e produtivista para a educação, afirma que a educação do homem
deverá ser organizada em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a
aprender, aprender a fazer, aprender a conviver juntos e aprender a ser. Para Jorge Werthein
(2005), representante da Unesco no Brasil, “esses quatro pilares devem estar presentes na
154
política de melhoria da qualidade de educação, pois eles abrangem o ser em sua totalidade,
do cognitivo ao ético, do estético ao técnico, do imediato ao transcendente. A visão de
totalidade da pessoa integra a moderna concepção de qualidade em educação”. Não
obstante tais esforços filosóficos, a compreensão e o entendimento acerca da qualidade em
educação ainda são objeto de muitos estudos e debates. Segundo Maria J. Lemaitre (2001),
as definições de qualidade nunca são neutras nem inocentes, senão que se referem a
equilíbrios de poder dentro da educação superior e entre a educação superior e outros atores
sociais.
No âmbito da educação superior tem-se referenciado e utilizado
indiscriminadamente o termo “qualidade” para justificar muitas coisas: reformas
curriculares, projetos de pesquisa, conferências e congresso científicos etc. Segundo Orden
Hoz (2004, p. 2), “todas estas atividades e outras muitas se colocam sob o manto da
qualidade, porque obviamente ninguém pode objetar à qualidade como objetivo de um
projeto, de uma instituição ou de um programa de ação”. Ainda no início da década de
1990, Vroeijenstijn (1991) dizia que “é uma perda de tempo tentar definir qualidade”,
baseando-se no argumento de que se trata de um conceito relativo e que diferentes
stakeholders em educação superior têm diferentes prioridades, com focos de atenção
provavelmente diferenciados. As diferentes propostas de classificação para concepções de
qualidade em ES publicadas na década de 1990 (excelência, perfeição, ajuste ao propósito,
relação custo-benefício, transformação, ajusta aos standards etc.) e os termos mais
recentemente empregados para identificar propriedades da qualidade (eficiência,
empregabilidade, diferenciação, relevância, pertinência, eqüidade, entre outros), descritos
na revisão da literatura realizada, são sintomáticos da grande variabilidade de
compreensões que continua existindo em relação à qualidade em ES. De fato, é vasta na
literatura das duas últimas décadas a afirmação de que qualidade em educação e,
especificamente, em educação superior não possui um único significado:
No mundo moderno não apenas duas, mas muitas diferentes concepções de
educação superior. É como deveria ser, muitos dirão. O pluralismo de visão em
relação aos objetivos da educação superior é inevitável e resultado de adequada
reflexão de uma sociedade democrática (BARNETT, 1992);
155
As definições de qualidade variam e refletem distintas perspectivas dos
indivíduos e da sociedade (HARVEY; GREEN, 1993);
Qualidade, assim como liberdade e justiça, é um conceito alusivo (GREEN,
1994);
[…] a palavra qualidade é ambígua e envolve uma série de valores e marcos de
referências particulares. Assim, qualidade significa coisas diferentes para
distintas pessoas (ESTRADA, 1999);
Qualidade é um complexo, dinâmico, historicamente construído e multifacetado
conceito, freqüentemente definido mais pelo que falta do que pelo conteúdo
(UNESCO, 2003b);
Não existe um padrão ou uma receita única para uma escola de qualidade.
Qualidade é um conceito dinâmico, reconstruído constantemente. Cada escola
tem autonomia para refletir, propor e agir na busca da qualidade da educação
(UNICEF, 2004);
Com uma larga variedade de significados e variações ligada a ela, qualidade é
um termo alusivo de difícil definição, sendo assim referido como um ‘conceito
instável’ (SAHNEY; BANWET; KARUNES, 2004);
Qualidade em educação superior é um conceito multi-dimensional, muti-nível, e
dinâmico que se relaciona às especificações do contexto de um modelo
educacional, à missão e os objetivos institucionais, como também a específicos
padrões dentro de um determinado sistema, instituição, programa ou disciplina.
A qualidade pode assim possuir diferentes significados dependendo de: (i)
entendimentos dos vários interesses de diferentes grupos ou stakeholders em
educação superior; (ii) suas referências: entradas, processo, saídas, missões,
objetivos, etc.; (iii) atributos ou características do mundo acadêmico que devem
ser avaliados; e (iv) períodos históricos do desenvolvimento da educação
superior (VLÃSCEANU; GRÜNBERG; PÂRLEA, 2004);
A qualidade é esboçada como um termo genérico e como um termo
especificamente ligado a monitoramento da educação superior (HARVEY,
2006).
A conclusão a que estudos acerca de qualidade em ES tendem a chegar é que
existem diversos, diferentes e legítimos entendimentos para o termo. Independentemente do
nível de análise - sala de aula, curso, instituição ou sistema de educação -, o entendimento
de qualidade em ES sempre pode variar no tempo e no espaço. Para uns, a qualidade é um
objetivo fundamental da educação; para outros, pode estar deixando de existir. Para alguns,
pode ser medida; para outros, pode ser “operacionalizada”. Para agentes do mercado, deve
priorizar a “empregabilidade”; para os movimentos sociais, deve primar pela equidade.
Enfim, é perfeitamente possível que a qualidade em ES tenha um significado para um
grupo e, ao mesmo tempo, tenha outros, bem distintos, para outros grupos. O fato é que o
entendimento de qualidade é inexoravelmente subjetivo, porque depende
156
fundamentalmente das concepções de mundo e de educação superior de quem o emite.
Assim tem sido nas últimas décadas, assim continua sendo neste início do século XXI, e
assim, muito provavelmente, continuará sendo nos próximos anos.
3.2 A Qualidade dos Sistemas de Educação Superior
Embora ainda se faça necessário envidar esforços para uma boa descrição da
qualidade em ES, a ausência de um conceito definitivo não justifica a falta de atenção com
o acompanhamento e o desenvolvimento da qualidade. A avaliação da qualidade da
educação superior é fundamental para, entre outros usos, orientar as políticas públicas
educacionais, para a geração de autoconhecimento das instituições, para a prestação de
contas das IES junto aos governos e sociedades, para informar a sociedade acerca da
qualidade da educação ou para subsidiar a regulação do Estado. Entretanto, como bem
observa Diana Green (1994), ao se iniciarem a avaliação e medição da qualidade em ES,
uma primeira pergunta deve ser respondida: “Qualidade do quê?”.
Leon Estrada (1999) também alerta que uma das questões primeiras quando se
propõe avaliar ou medir qualidade em educação é a identificação da unidade de análise que
será objeto de estudo, porque qualidade em educação pode representar dimensões distintas.
Para o autor, um programa educativo, um professor em sala de aula, um curso, uma
instituição ou todo um sistema possuem diferentes características ou propriedades e
referentes específicos. Segundo Antonio Fazendeiro,
uma mesma problemática educativa é observável ao nível do sistema, ao nível da
escola, ao nível da turma, ao nível do aluno e de outros participantes a nível
individual, nomeadamente no caso do professor, sendo redutora a sua análise
apenas a um desses níveis (2002, p. 66, grifo do autor).
As análises da qualidade em educação podem ser realizadas desde o nível micro, do
aluno, passando pela turma, escola, e chegando aos níveis macro, do sistema, ou mega, da
sociedade. Dessa forma, a determinação da dimensão a ser objeto de análise e da utilização
dos resultados é fundamental para a correta definição de métodos, de instrumentos e,
fundamentalmente, dos indicadores que possibilitam a implementação da avaliação e da
medição da qualidade da educação.
157
Com vistas a fundamentar teórica e conceitualmente um sistema de indicadores para
avaliar e medir o desenvolvimento da qualidade do sistema de educação superior brasileiro,
o texto a seguir apresenta as características de um sistema de educação superior;
desenvolve um possível entendimento para qualidade no âmbito de SES e aborda os
conceitos de avaliação e medição no contexto da educação superior.
3.2.1 As características dos sistemas de educação superior
A elaboração desta tese tem como um de seus principais objetivos avaliar e medir o
desenvolvimento da qualidade da educação superior brasileira em tempos de
mercantilização e expansão privada no período 1994-2003. Assim, o objeto de análise a ser
avaliado é o Sistema de Educação Superior Brasileiro, que é composto principalmente pelas
agências (MEC, Inep, Conselho Nacional de Educação etc.) e instituições (de ensino
superior, sejam universidades, sejam instituições não universitárias, estatais ou privadas),
ou seja, o objeto de análise desta tese é um “sistema de educação superior” e, portanto, faz-
se necessário uma revisão de conceitos de sistema e de sistemas de educação.
Os estudos e pesquisas acerca dos todos integrados” realizados pelo biólogo
alemão Ludwig von Bertalanffy, por volta de 1950, levaram ao desenvolvimento da “teoria
geral dos sistemas” e ao entendimento de que sistema é um conjunto de elementos
interdependentes e interagentes; um grupo de unidades combinadas que formam um todo
organizado e cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se
funcionassem de forma independente (MIZIKACI, 2006). Considera-se que os sistemas
têm quatro características principais:
- os sistemas são orientados à meta;
- os sistemas têm entradas a partir do ambiente;
- os sistemas têm saídas para atingir suas metas;
- há feedback enviado pelo ambiente em função das saídas.
Na obra La théorie du système general, Jean-Louis Le Moigne (1977, p. 76), define
sistema como “um objeto que, num ambiente, dotado de finalidades, exerce uma atividade e
a sua estrutura interna evoluir ao longo do tempo, sem que, no entanto, perca a sua
identidade única”. A teoria geral dos sistemas baseia-se na suposição de que existem regras
158
universais de organização que valem para todos os sistemas. O princípio básico da teoria é
que o todo é maior que a soma de suas partes, que o todo determina a natureza das partes e
que as partes são dinamicamente inter-relacionadas e não podem ser entendidas
isoladamente. Portanto, um sistema não pode ser conhecido pela simples soma de seus
elementos, bem como a análise formal de segmentos artificialmente isolados não permite
que se compreenda seu funcionamento global. Tais conceitos e características são gerais e
devem se aplicar aos mais diversos tipos de sistemas, tais como sistemas sociais, técnicos,
organizacionais e, conseqüentemente, sistemas de ensino ou educação.
Segundo Jose L. C. Garrido (1987), não é uma tarefa das mais fáceis compreender
bem o organismo que se chama “sistema de educação” de um país. Aspectos relativos ao
contexto sociocultural e econômico do país e à história da evolução e constituição são
importantes no estudo de um sistema de educação. Entretanto, os objetivos e a organização
das agências estatais e instituições (públicas e privadas), postos a operar a partir de marcos
legais, são os aspectos mais significativos para o estudo e entendimento do sistema de
educação de um país. António M. Magalhães, apoiando-se em Margaret S. Archer, destaca
a importância do Estado ao definir sistema de educação superior como “um conjunto de
instituições dedicadas à educação formal, cujo controle e supervisão são, pelo menos em
parte, levados a cabo pelo Estado e cujas partes integrantes e respectivos processos estão
relacionados entre si” (2004, p. 40).
De acordo com Jose L. C. Garrido, um sistema de educação se concebe como um
conjunto de instituições, programas e ações que uma sociedade política destina intencional
e sistematicamente a educação e/ou a instrução de seus membros, especialmente dos mais
jovens” (apud GARCÍA, 2000, p. 228). Segundo Mercedes G. García, o desenvolvimento
de um sistema de educação, com seu correspondente sistema de avaliação, “se estabelece
em integração com os demais sistemas (político, econômico, demográfico, administrativo,
sociocultural) de um país e dentro de um entorno mais amplo que corresponde aos âmbitos
filosóficos, científicos, geográficos, histórico de um estado e momento determinado” (2000,
p. 229). As leis 46/86 e 115/97, que estabelecem as Bases do Sistema Educativo de
Portugal, definem o sistema de educação português como
159
o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime
pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o
desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização
da sociedade [que...] desenvolve-se segundo um conjunto organizado de
estruturas e de ações diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de
diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas
(PORTUGAL, 1986; 1997).
No Thesaurus Brasileiro da Educação, glossário do Ministério da Educação do
Brasil, o sistema de ensino é entendido como
sistema de idéias sobre como se organiza, se administra e se entrosa o ensino,
compreendendo a estrutura, a organização administrativa, as várias categorias de
instituições públicas e privadas dos diferentes graus; a articulação entre os
diferentes níveis; o processo de acesso, os cursos terminais e as opções de
continuação a graus superiores, desde a escola maternal até os estudos pós-
doutorais; o grau de participação do poder público na ministração do ensino, na
fiscalização do ensino de iniciativa privada, o financiamento da educação, os
incentivos a cursos de maior interesse para a comunidade; a obrigatoriedade da
escola até certa idade ou certo nível, enfim a organização, o controle e o
financiamento de toda a rede (INEP, 2006a).
Assim, da perspectiva de toda a rede de ensino, o sistema de educação superior é
um subsistema
19
que compõe, juntamente com outros subsistemas de outros níveis de
ensino (ensino médio, ensino fundamental, educação básica etc.), o sistema global de
ensino de um país. De acordo com António M. Magalhães (2004), a idéia de sistema de
educação superior é recente, do final do século XIX e primeira metade do século XX, e em
alguns países, como o Reino Unido, por exemplo, o sistema de educação superior surgiu há
não mais que três décadas. No caso do sistema de educação superior, os elementos ou
unidades do sistema restringem-se às estruturas e ações relacionadas especificamente ao
nível superior nas suas mais diversas denominações: educação pós-secundária, ensino
terciário, ensino politécnico, ensino tecnológico, ensino universitário etc. A lei 26/2000, de
23 de agosto de 2000, da Assembléia da República de Portugal, que organiza e ordena o
ensino superior daquele país, conceitua “sistema de ensino superior” como sendo o
conjunto dos diversos subsistemas existentes quanto à natureza da formação ministrada -
19
Segundo António M. Magalhães (2004, p. 26), a educação superior é vulgarmente definida “como sendo
um subsistema dos sistemas educativos nacionais”. Entretanto, nesta tese será abordada fundamentalmente
como um sistema, de alguma forma isolado dos demais sistemas de educação, com vistas a propiciar o estudo
da avaliação e medição do desenvolvimento da sua qualidade.
160
ensino universitário e ensino politécnico - e quanto à natureza da entidade instituidora -
ensino superior público, ensino superior particular e cooperativo. De forma mais
sintetizada, pode-se dizer que um sistema de educação superior é a organização e
articulação das instituições, órgãos, agências, atividades e normas com a finalidade de
concretizar a educação superior de um determinado país. Dentre os principais elementos
que compõem um sistema de educação superior podem-se destacar (PORTUGAL, 1986;
1997; BRASIL, 1996):
- os subsistemas das diferentes instituições e estabelecimentos de educação superior
que desenvolvem cursos e programas de ensino, pós-graduação, investigação ou
extensão (universidades, faculdades, escolas politécnicas, centros universitários
etc.);
- os órgãos dos governos e agências responsáveis pela regulação, avaliação e
acreditação das instituições e cursos de educação superior (ministério, agências de
acreditação e avaliação, institutos de pesquisas educacionais etc.);
- o arcabouço legal que organiza, ordena e regula o desenvolvimento e
funcionamento dos meios da educação superior, bem como estabelece os fins e
propósitos do próprio sistema (Constituição, Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
demais atos normativos da educação superior, resoluções, portarias etc.).
Afirma Mercedes G. García que, “quando falamos de sistema educativo, estamos
nos referindo, diretamente, à política educativa desenvolvida por um determinado país”
(2000, p. 228). Atualmente, dois aspectos podem ser considerados essenciais nas políticas e
estudos de educação superior e, conseqüentemente, na caracterização do sistema de
educação superior de um país: a diversidade de instituições e a forma de regulação do
sistema. Para Martin Trow, a diversidade no âmbito da educação superior está relacionada
com
a existência de formas distintas de educação pós-secundária, de instituições e de
grupos de instituições dentro de um estado ou nação com missões distintas e
diferentes, que educam e treinam para vidas e carreiras diferentes, que tem
estilos diferentes de instrução, que são organizadas e financiadas de modo
diferente e que operam com leis e relações com o governo que são diferentes
(apud CORREIA; AMARAL; MAGALHÃES, 2000 ).
161
Tal existência de diversidade entre as instituições de um mesmo país forma grupos
ou categorias de instituições, que por diferentes meios buscam atingir diferentes objetivos,
sob diferentes normatizações. Entre as diversas categorias de instituições ou subsistemas
que formam a diversidade de um sistema de educação superior podem-se citar o subsistema
universitário, o subsistema politécnico, o subsistema de educação tecnológica, os centros
universitários e as faculdades isoladas, entre outras. Segundo Fernanda Correia, Alberto
Amaral e António Magalhães, em virtude da transformação dos SES de sistemas de elite
para sistemas de massas, a diversificação dos sistemas ganhou uma significativa
importância na administração e desenvolvimento dos sistemas e instituições, “sendo a
diversificação considerada, na generalidade dos casos, como extremamente positiva” (2002,
p. 5). Dentre os principais argumentos para justificar a importância da diversidade nos
sistemas de educação superior estão:
- a diversidade torna a educação superior mais acessível e aumenta a mobilidade
social;
- a diversidade amplia as opções de escolha e responde às necessidades dos alunos;
- a diversidade responde melhor às pressões da sociedade e às necessidades do
mercado de trabalho;
- a diversidade possibilita experiências novas de baixo custo em paralelo com a
manutenção de instituições de elite.
Dessa forma, baseados nesses argumentos, muitos governos têm entendido a
diversidade como um aspecto positivo e, portanto, estabelecido políticas para educação
superior que procuram manter (casos do Canadá, França, Alemanha e Suíça) ou aumentar
(casos da Austrália, Dinamarca, Japão, Holanda, Suécia e Reino Unido) a diversidade de
seus sistemas de educação superior (CORREIA; AMARAL; MAGALHÃES, 2000).
Geralmente, os Estados Unidos é apontado como possuidor de um exemplo de sistema de
educação superior com diversidade, num tipo de estrutura que tem sido preservada e
apoiada pelos diversos governos. O sistema norte-americano é constituído por uma grande
gama de instituições que abrangem desde pequenos community college e instituições de
162
ensino profissional ou tecnológico
20
, até grandes universidades com posições de vanguarda
na investigação científica mundial e com docentes detentores de prêmio Nobel.
Por outro lado, governos de países considerados com uma educação superior
conservadora, inflexível ou homogênea têm buscado, por meio de diferentes estratégias,
ampliar a diversidade de seus sistemas. A Austrália e Reino Unido, curiosamente,
unificaram seus sistemas originalmente binários com vistas a ampliar a diversidade. o
governo da Finlândia optou por uma estratégia oposta: partindo de um sistema unificado,
criou um sistema binário. Na Áustria e na Itália as instituições foram autorizadas a emitir
diplomas para cursos curtos e de graus intermediários com o objetivo de ampliar a
diversidade programática, sem a necessidade de criar novas instituições (CORREIA;
AMARAL; MAGALHÃES, 2000). Em síntese, a diversidade dos sistemas tornou-se uma
questão central nas políticas de educação superior em diversos países que buscam ampliá-la
pela diversificação de tipos e categorias de instituições, ou por meio da diversificação
programática.
Outro aspecto fundamental na caracterização e estudo dos sistemas de educação
superior está relacionado com as diferentes políticas e formas de regulação dos sistemas
adotadas pelos governos nos diferentes países. A regulação da educação superior refere-se à
existência de uma entidade com poder de influenciar ou guiar as decisões e a conduta das
instituições, dos programas e do próprio sistema ao encontro de suas próprias expectativas.
Tal entidade pode ser o Estado, que utiliza instrumentos como leis, regras, incentivos
fiscais ou subsídios para influenciar a conduta das instituições. Quando a regulação se
pelo controle do governo, quase todos os aspectos da educação superior, tais como acesso,
currículo, autorizações, normas para colação de grau, nomeação de pessoal e outros, são
fortemente controlados pelo próprio Estado, ou seja, como afirmam Fernanda Correia,
Alberto Amaral e António Magalhães, “os governos guiam os sistemas de ensino superior
por meio de mecanismos de regulação e de controle a priori” (2000, p. 30).
A outra entidade que pode guiar e influenciar a conduta das instituições é o
mercado. A regulação do sistema de educação superior pelo mercado baseia-se em
20
Os termos “ensino profissional” e “ensino tecnológico” de nível superior estão empregados nesse contexto
como as modalidades de ensino profissionalizante desenvolvidas no Brasil nos Cefets e Fatecs e que se
caracterizam especialmente pela ligação entre formação e o mundo do trabalho.
163
pressupostos de uma ordem social espontânea e de mercado perfeitamente competitivo para
que a distribuição dos serviços tenha uma eficiência ótima. Neste modelo de regulação, as
idéias de autonomia total para as instituições e de total isenção do governo como regulador
ou financiador deveriam deixar o desenvolvimento do sistema e das instituições, bem como
a regulação do sistema, completamente nas mãos do mercado. Nas últimas duas décadas,
em decorrência de políticas como, por exemplo, de diminuição do tamanho do Estado, tem-
se observado a alteração do modo de relacionamento entre as instituições de educação
superior e os governos, o que, conseqüentemente, tem resultado na passagem de um modelo
de controle centralizado do Estado para um modelo de supervisão do Estado, com maior
autonomia para as IES. Por conseguinte, também m ocorrido alterações e mudanças nas
formas de regulação dos sistemas de educação superior, passando de um modelo puramente
estatal para um modelo com elementos de regulação pelo mercado considerado híbrido.
Entretanto, inclusive nos Estados Unidos, onde o mercado desempenha importante
papel na regulação, a regulação estatal sempre está presente em alguma medida
(CORREIA; AMARAL; MAGALHÃES, 2000). A expansão dos sistemas e agências de
avaliação e acreditação nos mais diversos países é sintomática dessas transformações na
medida em que avaliações e medições da qualidade em ES podem, dentre outros usos,
contribuir com a supervisão do Estado sobre as instituições, bem como incentivar a
competição do mercado pela formulação de rankings de cursos e instituições.
Ambas as políticas, de diversificação das instituições e de estabelecimentos de
regulação dos sistemas pelo Estado, mas com participação do mercado, são movimentos
dos governos com vistas à melhoria da qualidade dos sistemas de educação superior. O
texto a seguir procura apresentar uma adequada compreensão da qualidade no âmbito de
sistema com vistas a embasar o desenvolvimento da avaliação e medição de SES.
3.2.2 O entendimento de qualidade no âmbito de SES
Como se pôde observar na revisão da literatura, o conceito de qualidade em ES é
inexoravelmente subjetivo, pode variar no tempo e no espaço de acordo com vários fatores,
tais como os diferentes níveis de análise (sala de aula, curso, instituição, sistema etc.),
interesses e concepções dos stakeholders. Contudo, quando a análise da qualidade em ES
se restringe ao âmbito dos sistemas de educação superior, quais são as especificidades
164
existentes? Quais os possíveis entendimentos de qualidade para um sistema de educação
superior?
Um primeiro entendimento de qualidade para sistemas de educação pode ser
baseado na difundida visão de qualidade como “ajuste ao propósito” (fitness for purpose).
Nessa perspectiva, um sistema de educação teria qualidade à medida que seus objetivos
fossem logrados ou atingidos. Entretanto, tal entendimento de qualidade para o nível de
sistema, assim como para outros níveis de análise (curso, instituição etc.), também resulta
na problemática da indefinição de quem deve estabelecer os propositos: Quem deveria
definir os objetivos do sistema da educação superior de um país? Seria o Estado, o
mercado, a comunidade científica ou os estudantes? É praticamente impossível que tais
grupos concordem com os mesmos propósitos para a educação superior. Mesmo que apenas
um dos grupos acima recebesse a atribuição de definir os objetivos do sistema, muito
provavelmente, ocorreriam divergências de opiniões e idéias sobre assunto.
Os objetivos do sistema poderiam, talvez, serem reconhecidos como os
estabelecidos pelas leis que normatizam o sistema de educação superior. Entretanto, as leis
também podem ser resultado de complexas disputas e debates entre diferentes segmentos e
grupos da sociedade interessados na educação de um país. As assembléias e os parlamentos
são compostos por representantes de diferentes segmentos e classes sociais, bem como
estão sujeitos a pressões e lobbys dos mais diversos grupos, que procuram preservar ou
contemplar seus interesses na elaboração dos atos normativos. Assim, geralmente os
objetivos estabelecidos para a educação nas legislações dos países são amplos e genéricos,
a tal ponto de poderem conter algumas contradições ou incompatibilidades e, por
conseguinte, inviabilizarem uma avaliação e medição mais concreta do desenvolvimento da
qualidade do sistema pela da visão da qualidade como “ajuste ao propósito”.
Climent Giné (2002) afirma que, desde a esfera dos valores, um sistema de
educação de qualidade caracteriza-se pela capacidade de: (a) ser acessível a todos os
cidadãos; (b) disponibilizar recursos (pessoais, organizativos e matérias) ajustados às
diferentes necessidades dos alunos, para que todos tenham oportunidade de progredir o
máximo possível acadêmica e pessoalmente; (c) promover mudanças e inovações nas
instituições escolares e nas aulas; (d) promover a participação ativa dos alunos na
165
aprendizagem e na vida da instituição; (e) alcançar a participação das famílias e inserir-se
na comunidade; (f) estimular e facilitar o desenvolvimento e o bem-estar de professores e
funcionários.
Conforme Antonio Fazendeiro (2002, p. 64), numa abordagem da avaliação da
qualidade nos planos macro (resultados e desempenhos do sistema) e mega (relevância dos
resultados para a sociedade), a educação, para ser de qualidade, precisa reunir os atributos
desejáveis e observáveis nas dimensões eqüidade, relevância e eficiência. Segundo o autor,
eqüidade refere-se “às condições de igualdade de oportunidades no acesso e sucesso
educativos por parte de todos e de cada um. Igualdade na diversidade e na coesão social”; a
relevância refere-se à “qualidade nos resultados, socialmente relevantes, face às
necessidades e às expectativas dos indivíduos e da sociedade em todas as suas dimensões,
econômica, social ou cultural”, e a eficiência e a eficácia na gestão dos recursos implicam
“excelência da governação”. Para Mercedes G. García (2000, p. 240), a qualidade de um
sistema de educação poderia ser definida e controlada desde quatro dimensões
interdependentes:
- qualidade como relevância: que asseguraria correspondência entre o que os
estudantes aprendem e os requisitos sociais e individuais, ou seja, a avaliação estaria
centrada na coerência entre as necessidades sociais e logros;
- qualidade como eficácia: que asseguraria que os estudantes aprendam
efetivamente o que foi previamente definido nos planos de estudo e dentro do tempo
estabelecido; dessa forma, a avaliação estaria centrada na correspondência entre os
resultados logrados e os fins formulados;
- qualidade como eficiência: que asseguraria que os meios, estratégias e recursos
utilizados permitam aumentar o nível tecnológico e econômico do país; assim, a
avaliação estaria centrada na racionalização dos custos e na relação entre recursos
empregados, processos utilizados e os resultados;
- qualidade como eqüidade: que asseguraria que todos os estudantes,
independentemente de origem e condição social, familiar ou social, obtenham
igualdade de oportunidades, desenvolvimento e resultados, ou seja, a avaliação
166
centrar-se-ia na homogeneidade de resultados em todas as zonas geográficas do
país.
A autora observa, no entanto, que se devem assumir as dimensões “relevância” e
“equidade” como imprescindíveis e que a avaliação poderá, assim, variar segundo a ênfase
colocada na “eficácia” ou na “eficiência”. No caso de maior ênfase da dimensão eficiência,
a avaliação centrar-se-á mais nas estratégias de gestão e didáticas realizadas em tempo e
custos mais adequados; por outro lado, se a ênfase recair na dimensão eficácia, a avaliação
centrar-se-á em medir periodicamente os resultados do sistema de educação.
Compreensões de qualidade de sistemas de educação como as apresentadas por
Antonio Fazendeiro (2002) e Mercedes G. García (2000), além da verificação da extensão
em que os objetivos são alcançados, consideram os níveis existentes de relevância,
eqüidade e eficiência ou eficácia como elementos constitutivos da qualidade de um sistema.
Entretanto, tais visões de qualidade de sistemas de educação também caem no “velho
problema” da indefinição de quem deve estabelecer os objetivos ou do quê é relevante para
a sociedade em termos de resultados do sistema de educação superior, ou seja, quem deve
definir quais são os requisitos e necessidades sociais demandados para o sistema da
educação superior de um país. Esse problema parece sempre estar presente quando se
procura entender ou definir qualidade pela sua vinculação com propósitos, objetivos,
necessidades ou requisitos da sociedade ou do país.
Nas definições de “sistema”, de forma geral, sempre se encontra a idéia de
organização e articulação de vários elementos para se atingir um determinado fim, ou seja,
os termos “finalidade” ou “objetivo” assumem função de requisitos para configurar a
existência de um sistema. Diferentes abordagens acerca da educação também relacionam o
significado de “sistema de educação” com a consecução de propósitos, porém, nesse nível,
as definições relacionam os fins e objetivos do sistema aos interesses da sociedade e do país
(PORTUGAL, 1986; 1997; GARRIDO, 1987; BRASIL, 1996; GARCÍA, 2000; INEP,
2006a). Enfim, no âmbito da educação superior o próprio conceito de sistema implica a
existência de propósitos e objetivos relevantes para uma nação ou sociedade.
Dessa forma, parece evidente que um sistema de educação superior, para ser
considerado de qualidade, precisa, em primeiro lugar, possuir “relevantes” propósitos
167
socioculturais e econômicos para o desenvolvimento e crescimento do seu país; em
segundo lugar, por causa das inquestionáveis vantagens da presença de diferentes tipos de
instituições e formação, parece claro que na atualidade, para um sistema de educação
superior ser considerado de qualidade faz-se necessária a existência de “diversidade”.
Considerando-se, ainda, o contexto de uma nação, com seus valores democráticos de
liberdade, solidariedade e justiça social, parece óbvio que um sistema de educação superior,
para ser considerado de qualidade, também precisa proporcionar “igualdade de
oportunidades” para todos os estudantes. Por fim, levando-se em conta que um sistema de
educação precisa cumprir suas funções consideradas básicas de ensino e formação integral
dos indivíduos e da sociedade, é evidente que deve ser “eficaz” na consecução desse
objetivo.
Portanto, não obstante a existência de diferentes visões e concepções, a qualidade de
um sistema de educação superior poderia ser adequadamente entendida como a existência
das propriedades:
(i) de “relevância” para o desenvolvimento das mais diversas áreas socioculturais e
econômicas do país;
(ii) de “diversidade” para atender as mais diferentes demandas e necessidades de
educação e formação;
(iii) de “eqüidade” de oportunidade para todas as pessoas das mais diversas regiões
e classes sociais do país;
(iv) de “eficácia” na consecução de todas as funções básicas do SES e da formação
integral dos indivíduos e da sociedade.
3.2.3 A avaliação e a medição de sistemas de educação superior
A avaliação e medição da qualidade de um sistema de educação superior somente
têm sentido quando se possui, previamente, uma concepção de qualidade, visto que,
obviamente, suas possibilidades metodológicas e operacionais variam segundo a natureza
dos conceitos utilizados. Portanto, considerando-se o objetivo desta tese, de avaliar e medir
a qualidade de um SES, após o estabelecimento de um entendimento de qualidade para
SES, faz-se necessário esclarecer e determinar aspectos teóricos e operacionais
168
relacionados ao desenvolvimento de um processo de avaliação e medição da qualidade de
sistemas de educação, ou seja, faz-se necessário responder às seguintes questões: O que é
avaliar ou medir a educação superior? Quais as formas e métodos utilizados para se avaliar
e medir a qualidade de sistemas de educação superior?
No campo da educação o termo “avaliação”, assim como acontece com “qualidade”,
também tem sido objeto de discussões e debates acerca de seu real significado e
abrangência. Não existe uma definição de avaliação com a qual todos os especialistas
concordem. Alguns autores relacionam avaliação com pesquisa ou mensuração; outros a
definem como a estimativa da extensão em que propósitos específicos são alcançados, e há,
ainda, os que a entendem como sinônimo de juízo profissional ou auditoria ou controle de
qualidade. Não obstante, a proposta apresentada, ainda em 1967, por M. Scriven (apud
DIAS SOBRINHO, 2003a, p. 24), de avaliação como “um processo pelo qual se determina
o mérito ou o valor de alguma coisa”, é uma das definições mais difundidas entre os
estudiosos e praticantes de avaliação (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004).
Avaliações são concebidas e implementadas de diferentes formas. Segundo Ernest
House (2000), as mais diversas perspectivas de avaliação podem ser classificadas em oito
enfoques: análise de sistemas, objetivos comportamentais, decisão, prescinde dos objetivos,
estilo da crítica de arte, revisão profissional, contraprovas e estudo de caso ou negociação.
Tais enfoques variam fundamentalmente em relação à epistemologia, alternando
metodologias objetivistas ou subjetivistas. Nos enfoques utilitaristas e objetivistas (análise
de sistemas, objetivos comportamentais, decisão e prescinde dos objetivos) a informação da
avaliação é considerada cientificamente objetiva se utiliza, prioritariamente, instrumentos
quantitativos, tais como testes ou questionários, e supõe-se que os resultados são possíveis
de serem reproduzidos. Em sua forma mais radical, o objetivismo epistemológico exclui
completamente o qualitativo. Por outro lado, os enfoques participativos e/ou pluralistas de
avaliação (estilo da crítica de arte, revisão profissional, contraprovas e estudo de caso ou
negociação), em geral, possuem uma metodologia de avaliação subjetivista; para estes
enfoques de avaliação a possibilidade de reprodução de resultados não é um critério
principal e a descoberta da verdade baseia-se na preparação e na experiência (HOUSE,
2000).
169
No âmbito da educação superior o desenvolvimento da avaliação também esteve por
muito tempo vinculado a duas orientações conceituais distintas. De um lado, estava um
modelo objetivista e somativo implementado, predominantemente, por instrumentos
quantitativos e procedimentos de avaliação externa com vistas à mensuração dos resultados
produzidos. As funções principais deste modelo relacionam-se com a regulação, supervisão
e tomada de decisão para a gestão. Alguns estudos denominam tais avaliações como
pertencentes ao “modelo regulatório”. De outro lado, havia outra orientação de avaliação,
baseada na epistemologia subjetivista, que geralmente incorpora instrumentos qualitativos,
procedimentos participativos, como a auto-avaliação, e apresenta funções
predominantemente formativas. Esse modelo é conhecido por muitos como “avaliação
emancipatória” (DIAS SOBRINHO, 2002; 2003a; 2003b; LEITE, 2003b; CUNHA, 2004).
De acordo com publicação da Organización de Estados Iberoamericanos para la
Educación la Ciencia y la Cultura intitulada Evaluación de la calidad de la educación, os
enfoques ou procedimentos de avaliação dependem dos modelos administrativos dos
sistemas de educação. Onde existe, por exemplo, “uma tradição de gestão centralizada, as
instituições educativas e as autoridades locais e regionais m cada vez maior
responsabilidade no terreno da avaliação” e, assim, procuram “ampliar a gama de métodos
de avaliação e, na medida do possível, converter a avaliação num processo ativamente
participado por todos os atores(OEI, 1996, p. 12). Por conseguinte, onde a gestão dos
sistemas de desenvolve de forma descentralizada métodos quantitativos e enfoques
objetivistas de avaliação seriam priorizados com vistas a possibilitar uma ampliação da
supervisão e regulação sobre todo o sistema. Entretanto, atualmente emerge uma clara
tendência em nível mundial dos sistemas de avaliação de cursos e instituições articularem
métodos e instrumentos ligados a diferentes epistemologias. Atualmente, diversos sistemas
nacionais de avaliação possuem tanto uma etapa de auto-avaliação participativa, realizada
pelas próprias instituições, como uma etapa de avaliações externas, realizadas por
especialistas ou pares. Tais sistemas possuem uma sistemática de ciclos e procedimentos de
meta-avaliação. Enfim, atualmente os sistemas de avaliação de instituições e cursos tendem
a utilizar diferentes estratégias, metodologias e enfoques, combinando métodos
quantitativos com técnicas e abordagens qualitativas, apresentando, assim, configurações
conceituais e operacionais pluralistas (TIANA, 1996; INEP, 2005a).
170
O significado do termo “avaliação” tem vinculação histórica com os significados de
medição, mensuração ou exame, que durante muito tempo foram, de alguma forma,
considerados seus sinônimos. Segundo José Dias Sobrinho, no período que compreendeu o
final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, avaliação e medição eram
conceitos “intercambiáveis” e, inseridos dentro do paradigma positivista, “se tomavam um
pelo outro” (2003a, p. 17). Até meados da década de 1960, quando as avaliações se
desenvolviam fundamentalmente por meio de métodos quantitativos, característicos da
epistemologia objetivista, o entendimento de avaliação possuía forte vinculação com
medição e mensuração. No início da década de 1970 começaram a surgir diversas propostas
de modelos de avaliação baseados em métodos qualitativos e naturalistas, que
anteriormente eram rejeitados e considerados “anticientíficos”. Com isso, por um lado, o
paradigma positivista passou a ser questionado e, por outro, as formas subjetivistas do saber
e os valores pluralistas cada vez mais passaram a serem adotados pelos avaliadores
(WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004).
A partir de então, os estudos e publicações sobre avaliação começaram a incorporar
abordagens próprias das ciências sociais, tais como a fenomenologia social, hermenêutica e
etnografia, e o centro da avaliação deslocou-se dos objetivos para a tomada de decisão. Por
conseguinte, naquele período ocorreu uma transformação no entendimento e na
compreensão da avaliação, que deixou de caracterizar-se exclusivamente como medição e
mensuração e passou a identificar-se também com propriedades de qualidade, subjetividade
e, mais notadamente, com valores. José Dias Sobrinho afirma que
a dimensão do valor está na essência mesma da avaliação e se inscreve
radicalmente em sua etimologia. O valor dota a avaliação de uma função ativa.
Ela não se restringe a somente descrever os resultados obtidos, mas também
passa a avaliar as entradas, os contextos, ou circunstâncias diversas, os
processos, as condições de produção e os elementos finais (2003a, p. 24, grifo
do autor).
O documento Los sistemas de medición y evaluación de la calidad de la educación,
do Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la Calidad de la Educación da Unesco
(1997b, p. 5), também reforça a centralidade do sentido de “valor” na distinção entre
avaliação e medição. Ao assumir a ampla definição que sustenta que “avaliação é a coleta e
171
interpretação sistemática de evidências orientadas, como parte do processo, a um juízo de
valor com um foco de ação”, o documento distingue a avaliação da medição, que, por outro
lado, “se refere ao processo de medir, sem que haja um valor no objeto a medir”.
Geralmente, os sistemas de avaliação de educação dos países implementam
diferentes mecanismos com vistas ao desenvolvimento dos procedimentos de avaliação e
medição, tais como estudos estatísticos, avaliação dos alunos, avaliação dos recursos,
avaliação das instituições e avaliação do sistema (OEI, 1996). A avaliação do sistema de
educação é, então, um caso particular que “se concebe como um instrumento de feedback e
melhora, porém vinculado à política educativa, como um amplo objeto de avaliação (o
sistema em seu conjunto) e audiência (a sociedade)” (GARCIA, 2000, p. 233). Para alguns
autores, a avaliação de sistemas de educação, quando alude à tomada de decisão, tem
objetivos relacionados ao estado, funcionamento ou produtos do sistema. Assim, a
avaliação de sistema seria apenas uma fase intermediaria do direcionamento do sistema, ou
seja, limitar-se-ia à etapa de valoração e análise dos dados recolhidos para orientar a
tomada de decisão. Para outros autores, a avaliação de sistemas de educação inclui tanto a
aquisição de informações (sobre o funcionamento e resultados) como a comparação com
critérios e objetivos preestabelecidos (GARCIA, 2000).
Entretanto, como o significado mais atual e aceito do termo avaliação requer o
sentido de valor (UNESCO, 1997b; DIAS, 2003a), parece mais adequado referir-se a
“avaliação de um sistema de educação” como um processo que engloba tanto o
recolhimento e análise de informações periódicas como a atividade de emissão de juízo
sobre a qualidade do sistema e os logros alcançados. Por conseguinte, considerando-se tal
entendimento de avaliação de sistema de educação, bem como as concepções e conceitos de
qualidade em ES, sistema de educação superior, avaliação e medição de educação,
anteriormente apresentados, seria possível entender a “avaliação e medição da qualidade de
um sistema de educação superior” como procedimentos que englobam a coleta e análise
sistemática de dados de entrada, processo e saída, bem como, com base nesses, o
julgamento de valor e mérito da relevância, diversidade, eqüidade e eficácia do sistema de
educação superior. Enfim, e de forma mais sintetizada, pode-se definir a “avaliação e
medição da qualidade de um sistema de educação superior” como um processo sistemático
que envolve coleta de dados, análise de informações e juízo de valor e mérito acerca da
172
qualidade do sistema de educação superior. Dessa forma, tal processo deve contemplar
etapas de definição de sistemas de indicadores, a valoração e monitoração dos indicadores,
a análise e estudo dos resultados e a emissão de juízo de valor e mérito.
3.3 Os Sistemas Internacionais de Indicadores de SES
Atualmente existe uma grande diversidade de estratégias, métodos e instrumentos
utilizados para o monitoramento e acompanhamento dos sistemas de educação dos países.
De acordo com Mercedes G. García (2000), podem-se diferenciar duas formas em razão
dos procedimentos: (i) estudos estatísticos, que envolvem o recolhimento periódico de
dados relacionados com o estado do sistema sem análise ou valoração, ou seja, apenas se
fazem descrições em termos absolutos e relativos dos distintos componentes do sistema
(taxa professor-aluno, número de matriculados, gasto por aluno etc.); (ii) investigação
avaliativa, que se refere ao estabelecimento de recolhimentos de informações sistemáticas
transversal e longitudinalmente sobre diferentes elementos do sistema com a finalidade de
comparar resultados ou para analisar a evolução e valorar as relações com as ações
estabelecidas. A autora observa que os estudos podem ser realizados pela avaliação dos
elementos significativos do sistema (avaliação de alunos, avaliação dos recursos, avaliação
das inovações, avaliação das instituições etc.) ou pelo desenvolvimento de um “sistema de
indicadores”, que facilita a avaliação do sistema de educação de maneira a se obter
informações acerca de gastos, funcionamento e resultado dos sistemas.
Entretanto, como a literatura da teoria dos sistemas observa que o resultado do todo
é maior do que a simples soma dos elementos ou das partes, a avaliação de um sistema de
educação pela abordagem dos seus elementos de forma individualizada parece ser
insuficiente. Assim, pode-se dizer que o desenvolvimento de um sistema de indicadores
especificado com base na visão sistêmica parece ser a melhor estratégia para a realização de
um procedimento de avaliação e medição da qualidade de um sistema de educação superior.
O texto a seguir aborda aspectos relativos aos conceitos, à implementação e à
operacionalização dos sistemas de indicadores internacionais com vistas à avaliação e
medição da qualidade de sistemas de educação.
173
3.3.1 Indicadores de qualidade para SES
Em virtude da abrangência da abordagem, da importância política e dos impactos
sociais atualmente atribuídos aos resultados das avaliações e medições realizadas, o
desenvolvimento de um sistema de indicadores para a educação deve seguir metodologias
sistêmicas, válidas e confiáveis. Diversos trabalhos têm proposto e considerado o
desenvolvimento de sistemas de indicadores baseados em visões sistêmicas, que,
geralmente, consideram aspectos de (i) entradas e/ou recursos, (ii) processo e (iii) saídas
e/ou resultados como uma adequada estratégia para a realização de procedimentos de
avaliação, medição e acompanhamento do desenvolvimento e da qualidade da educação e
dos sistemas nacionais de educação (UNESCO, 1997a; 1997b; 2003a; 2004; ESTRADA,
1999; EUROPEAN COMISSION, 2000; OECD, 2002; NAVARRA, 2004; ORDEN HOZ,
2004; SARRAMONA, 2005).
Segundo Mercedes G. Garcia (2000), os sistemas de indicadores buscam superar a
obtenção de uma simples soma de dados ao agrupar indicadores em função de fatores e
aspectos que os tornem gicos e, por conseguinte, forneçam uma visão significativa do
estado dos sistemas de educação. Segundo a publicação Sistema de indicadores de la
educación de navarra,
entre os novos instrumentos de avaliação que foram desenvolvidos nos últimos
tempos, um que tem experimentado um rápido desenvolvimento na última
década. Trata-se dos chamados indicadores da educação. Um indicador é um
sinal ou indício que permite captar e representar aspectos de uma realidade que
não resulta diretamente acessível ao observador. A seleção de um conjunto
limitado porém significativo de indicadores, o que atualmente se conhece como
sistema de indicadores, permite formar uma idéia sintética do funcionamento de
um sistema de educação, porém os indicadores não explicam por si as
relações causais que existem na realidade que representam nem permitem extrair
conclusões inequívocas. Sua virtude é iluminar a realidade e aportar elementos
de juízo para interpretá-la corretamente (NAVARRA, 2004, p.11).
Para Norberto Bottani (1998), indicadores “são sinais que chamam a atenção sobre
determinados comportamentos de um sistema [e no caso do ensino devem dar] uma
informação precisa e aceitável sobre o estado de saúde dos sistemas escolares e sobre os
resultados dos investimentos educacionais”. De acordo com Mercedes García (2000), os
indicadores podem ser definidos de duas maneiras: (a) uma mais restritiva, entendendo que
174
o indicador é um dado quantitativo referido ao sistema de educação que revela algo sobre
seu funcionamento ou “saúde”, e (b) outra mais livre, na qual o indicador é entendido como
uma variável qualquer que seja clara e consistente e que ajude a compreender melhor o
nível e as mudanças produzidas no sistema, podendo tanto ser um dado quantitativo como
um informe descritivo ou narrativo. Enfim, geralmente um indicador é entendido como um
elemento informativo, sobre algum componente ou atributo do sistema de educação,
orientado a servir de fundamento para elaborar juízos sobre o mesmo.
Segundo Richard James (2003), nem tudo que é avaliável em educação superior é
mensurável e os indicadores qualitativos são necessários para aspectos importantes do
processo educacional. Dessa forma, muitos sistemas de indicadores no campo da educação
também incluem indicadores de natureza qualitativa. Um indicador, apesar de ser
instrumento de alcance limitado, pode possuir grande relevância e difusão em função de
duas características intrínsecas: capacidade de ntese e de orientar a tomada de decisão
(SARRAMONA, 2005). Pode-se dizer que os indicadores se diferenciam do conceito de
standard principalmente em razão da condição prévia de mensuração deste último, ou seja,
diferentemente de um standard, um “indicador” não contém uma mensuração ou medida
prévia desejável que sirva como referencial para comparações.
Pela análise da literatura, percebe-se que existe consenso acerca de algumas
características necessárias para a definição de indicadores úteis e confiáveis com vistas à
avaliação ou ao acompanhamento dos sistemas de educação (GARCÍA, 2000;
YONEZAWA; KAISER, 2003; NAVARRA, 2004), entre as quais se destacam:
- relevância e significância: devem gerar informações significativas sobre aspectos
relevantes;
- imediatez: devem facilitar uma idéia rápida e global da situação do sistema de
educação;
- validade e confiabilidade: devem se relacionar com informações reconhecidas
como válidas e confiáveis;
- exeqüibilidade: a obtenção de suas informações deve ser exeqüível operacional e
economicamente;
175
- perdurabilidade: deve possibilitar o estabelecimento de estudos e comparações
longitudinais do sistema de educação.
Em trabalho desenvolvido para a Unesco, Richard James (2003, p. 221) procurou
sumarizar o que as experiências nacionais e internacionais acumularam acerca dos
indicadores de sistemas de educação nos últimos anos:
indicadores que são abstratos ou baseados em fórmulas complexas não são
facilmente interpretados – ou são mal interpretados – pelos vários stakeholders com
interesse na educação superior. Simplicidade é uma virtude, e os indicadores devem
ser transparentes e facilmente validados;
não obstante o valor da simplicidade, o indicador que é excessivamente “puro”
possui tênues ligações com os objetivos e não detecta diferenças não explícitas ou
as mudanças temporais que têm pouco valor, o que pode ocasionar negligências;
os resultados mais úteis estrategicamente são alcançados quando um acordo sobre a
estrutura de coleta de dados e relatório é estabelecido. Particularmente, se a análise
comparativa deve ser empreendida, a definição de indicadores deve ser precisa e as
variáveis quantitativas devem possuir adequadas propriedades psicométricas;
para a maioria dos fins relativos às questões políticas, a quantidade de indicadores
deve ser mínima, do contrário o levantamento de dados tende a tornar-se um fim em
si mesmo. As experiências das atividades de benchmarking no mundo dos negócios
é que uma grande quantidade de indicadores numéricos cria problemas de
gerenciamento e coleta de dados que dispersam a análise e o uso das conclusões;
quando existem indicadores “simples” ou “absolutos”, esses raramente são neutros.
A criação dos indicadores estabelece uma hierarquia de valores, e o ato de medir ou
relatar afeta o objetivo da mensuração. Selecionar indicadores liga prioridades a
certas metas e funções e, em longo prazo, pode redirecionar recursos acordados.
A tendência normativa dos indicadores é valiosa em muitas circunstâncias, mas eles
podem atuar contra a diversidade institucional dentro dos sistemas;
a categorização dos indicadores é útil na elaboração de projetos exeqüíveis. A
maioria dos indicadores de educação superior assume um modelo de processo e
176
produção representando a educação superior como um sistema de entradas,
processos e saídas. Os indicadores de saídas ou de resultados - são geralmente os
mais difíceis de se mensurar e requerem considerável interpretações subjetivas;
os dados quantitativos “puros” geralmente requerem modificações antes que possam
transmitir significado suficiente para guiar políticas e ações. A modificação
necessária pode envolver representações como percentuais (por ex., despesa pública
em educação como um percentual do PIB) ou o cálculo de uma tendência temporal
(por ex., percentual de mudança anual em gastos públicos como uma porcentagem
do PIB);
uma característica da educação superior é o longo tempo existente entre as ações e
os resultados em muitas áreas importantes. Esse longo tempo cria dificuldades
particulares para se mensurar quantitativamente se os propósitos estão melhorando
continuamente. Portanto, a análise dos indicadores e todas as ações planejadas
devem levar em conta o horizonte de tempo para os resultados;
o sentido de medida de alguns indicadores é questionável, dependendo se foram
supostos para medir qualidade ou eficiência. Além disso, a interpretação de certos
indicadores de resultados pode auxiliar a análise da qualidade das saídas. Se
“despesas por estudante” for tomado como um exemplo, de acordo com uma
interpretação, o alto custo unitário pode ser usado como um indicador de processo
com alta qualidade educacional. O baixo custo unitário, por outro lado, pode ser
interpretado como uma medida de eficiência;
as medidas dos impactos da qualidade do ensino, pesquisa e valor-agregado da
educação superior são particularmente alusivas e sujeitas aos efeitos da reputação
ou status. Os atuais indicadores de performance para a qualidade de ensino têm
bases conceituais alternativas e a maioria possui um elemento de alta subjetividade;
uma das questões mais importantes para a maioria dos projetos de indicadores é o
que fazer após a coleta de dados. Indicadores não fazem, por si mesmos,
especificações de ações a serem tomadas. As ações requerem uma interpretação do
significado dos indicadores dentro de uma maior compreensão do contexto.
Inevitavelmente, uma dimensão comparativa dos indicadores projetados, mesmo
177
que não esteja explicitado. Comparações são valiosas talvez indispensáveis para
informar e guiar as políticas e ações. Comparações podem ser feitas em relação ao
tempo que passou, em relação aos objetivos, ou com outros sistemas e organizações
similares. Quando os indicadores são fortemente dependentes do contexto social,
político e econômico, as comparações realizadas com outros sistemas ou
organizações devem ser empreendidas de forma cautelosa e ciente das diferenças
contextuais;
uma vez que a informação do indicador está disponível, uma tendência de que
seja usada para finalidades distintas da sua criação. Dentro dos sistemas mais
orientados ao mercado, os indicadores no nível institucional fornecem informações
comercialmente sensíveis e que são de interesse dos estudantes. Indicadores em
nível de sistema podem atrair pouca atenção desta natureza;
a coleta de bons dados tem alto custo e os recursos adequados precisam estar
disponíveis e separados para a coleta, análise e relatório. Genericamente falando, a
cooperação das instituições para fornecer dados para indicadores em nível de
sistema é vital porque a coleta de determinadas informações somente é possível se
realizada em nível institucional.
De acordo com Richard James (2003), é improvável que todos os indicadores em
nível de sistemas nacionais de educação satisfaçam a todas as exigências prévias, mas deve-
se procurar que eles compartilhem algumas virtudes, tais como serem suficientemente
provocativos e relevantes; serem capazes de definir o que é importante para diferentes
nações e sistemas; serem capazes de mensurar qualidades em nível de sistema mais do que
em nível institucional; serem de fácil interpretação para todos os stakeholders e serem
suficientemente detalhados para revelar pequenos desenvolvimentos no tempo. Segundo o
autor, “decidir uma estrutura de indicadores é bastante complexo em qualquer situação, mas
a seleção de indicadores apropriados para nível de sistema envolve particularmente
questões complexas sobre política, técnica e prática” (JAMES, 2003, p. 224). Portanto, a
seleção dos aspectos ou características para a construção de um sistema de indicadores com
vistas à avaliação e medição do desenvolvimento da qualidade de um sistema de educação
deve levar em conta: (a) a concepção de qualidade adotada (dimensão política); (b) a
178
necessidade da observância de algumas características, tais como relevância, validade e
confiabilidade dos indicadores (dimensão técnica); (c) a disponibilidade de dados
(dimensão prática).
Segundo Alejandro Tiana, a valoração dos resultados da avaliação e medição de
sistemas de educação é tão importante quanto difícil.
É importante porque constitui a medida fundamental do êxito alcançado por um
sistema de educação determinado em relação ao logro de seus objetivos centrais.
Nesse sentido não há país que possa ignorar a relevância de tal valoração.
Porém, é difícil tanto por motivos conceituais (na medida em que as
necessidades sociais e individuais mudam, a educação também o deve fazer)
como empíricos (a própria amplitude da tarefa proposta é sua maior inimiga).
Dita dificuldade está na origem da redução que se faz na prática durante as
avaliações dos sistemas de educação, que consiste no desprezo da diferença entre
os resultados desejáveis e os efetivamente mensurados. Tal redução é motivo
freqüente de críticas, muitas vezes sérias e rigorosas (1996, p. 15).
Certamente, o uso de indicadores para referenciar a qualidade de um sistema de
educação não está imune de críticas ou isento a polêmicas. Não raramente, os indicadores
são acusados de não propiciar a explicação das causas das situações e de suporem
simplificações da realidade que não são úteis para a efetiva melhora das instituições e
cursos. Assim, muitas das tentativas de avaliações internacionais baseadas em indicadores e
instrumentos prioritariamente quantitativos têm sido objeto de críticas epistemológicas e
metodológicas (BOTTANI, 1998). Entretanto, no caso de sistemas nacionais de educação é
notória a dificuldade existente de se desenvolverem avaliações em larga escala por meio de
instrumentos prioritariamente qualitativos.
Além disso, “se avaliação implica em juízo, este deve resultar de observações
concretas baseadas em normas ou valores os mais objetivos possíveis” (OEI, 1994), bem
como “faz-se necessário objetivar parâmetros educativos de caráter geral, que permitam
comparações [...] e a tomada de decisão dos responsáveis políticos pelos sistemas de
educação” (SARRAMONA, 2005, p. 3). No mínimo, deve-se reconhecer que os sistemas
de indicadores permitem estabelecer importantes comparações e observar tendências de
caráter interno e de desenvolvimento da qualidade dos sistemas de educação por meio da
explicitação de séries temporais. Na opinião de Alejandro Tiana,
179
entre os mecanismos postos em prática para efetuar um diagnóstico de sistemas
de educação, quiçá o mais inovador seja a elaboração e cálculo sistemático de
indicadores de educação. [...] Não obstante continuar submetidos a polêmicas,
não cabe dúvida que têm tido uma grande incidência sobre os modos de
conceber e utilizar informações acerca da educação (1996, p. 11).
Para Jaume Sarramona,
a conclusão que podemos chegar da polêmica é que, por um lado, as críticas
obrigam a revisão constante dos indicadores e, por outro, se generaliza seu
emprego em todos os âmbitos da educação, como conseqüência, de um desejo
atualmente implacável, de avaliação e, por conseguinte, por comparação de
parâmetros referidos, mais ou menos acertadamente, a pretendida qualidade
(2005, p. 5).
Enfim, as dificuldades existentes não justificam a não-realização de avaliações e
medições do desenvolvimento e da qualidade dos sistemas de educação superior baseadas
em sistemas de indicadores. Portanto, em face dos objetivos desta tese e da revisão de
literatura realizada, pressupõe-se que a avaliação e medição do desenvolvimento da
qualidade de sistemas de educação superior estão diretamente relacionadas ao
acompanhamento de desempenho de um conjunto de indicadores de entradas, de processos
e de resultados dentro de um determinado período de tempo, ou seja, o desenvolvimento da
qualidade do sistema de educação superior de um país pode ser monitorado sem a
necessidade do uso do conceito de standards (prévias medidas de desempenho) ou de
comparações com sistemas de outros países, visto que importa, fundamentalmente, a
comparação do comportamento e desempenho dos indicadores em relação a eles mesmos
dentro de um determinado período de tempo, como, por exemplo, numa seqüência de dez
anos.
3.3.2 Avaliações e medições internacionais de SES
O crescente interesse internacional por indicadores em nível de sistema de educação
está relacionado, por um lado, com a intenção dos governos de prestar contas e monitorar o
desenvolvimento dos sistemas de educação com vistas a medidas objetivas de desempenho
e, de outro lado, com a emerncia e a relevância que o assunto qualidade em educação
assumiu nas últimas décadas. Dessa forma, o desenvolvimento de sistemas de indicadores
180
internacionais tem como objetivo não apenas o julgamento, mas também o estabelecimento
de políticas e ações em nível de sistema de educação. Não obstante os propósitos estarem
ligados a julgamentos ou a políticas, os indicadores são quase sempre desenvolvidos
considerando a possibilidade de avaliar e medir “uma pretensa” qualidade existente nos
sistemas de educação, visto que esse é um referencial fundamental tanto para orientar e
justificar velhas e novas políticas e ações como para embasar julgamentos de valor e
mérito. Reconhecidos organismos internacionais, como a OCDE, Unesco e a Comissão
Européia baseiam avaliações e medição do desempenho e da qualidade de sistemas de
educação dos países em sistemas de indicadores. A seguir são apresentados alguns dos
indicadores internacionais mais importantes.
Indicadores da OCDE para sistemas de educação nacionais
Um dos mais importantes projetos internacionais é o International Indicators of
Education Systems (Ines), do Centre for Educational Research and Innovation (Ceri),
vinculado à OCDE, que tem como principal objetivo a produção de indicadores educativos
sobre os sistemas de educação dos países membros. Sua primeira versão ocorreu no ano de
1992 e posteriormente foi-se ampliando até chegar ao projeto Programme for Indicators of
Student Achievement (Pisa), com vistas a obter seus próprios indicadores comparativos
internacionais dos rendimentos escolares dos alunos. A partir dessa base desenvolvida pela
OCDE, alguns países m construído suas próprias estruturas de indicadores para seus
sistemas de educação (SARRAMONA, 2005). Na publicação Education at a glance:
OECD indicators 2002 (OECD, 2002, p. 5) a OCDE apresenta uma lista de 33 indicadores,
sendo quatorze relativos aos resultados da aprendizagem; seis sobre recursos econômicos e
humanos; seis de acesso a educação, participação e promoção e sete de contexto
pedagógico e organização escolar (Figuras 5, 6, 7 e 8).
181
Código Descrição do indicador
A1 Proporção de diplomados no ensino médio e nível de formação da população adulta
A2 Proporção na obtenção de diplomas em nível terciário
A3 Nível de formação da população ativa e da população adulta
A4 Distribuição dos diplomados por áreas do conhecimento
A5 Compreensão da leitura dos jovens de 15 anos
A6 Cultura matemática e científica dos jovens de 15 anos
A7 Variação de desempenho segundo os tipos de escolas
A8 Compromisso e conhecimentos cívicos
A9 Status dos pais e rendimento dos alunos
A10 Lugar de nascimento, língua falada pela família e compreensão escrita dos jovens de 15 anos
A11 Taxas de emprego segundo o nível de formação
A12 Estimativa de anos em educação, trabalho, desemprego entre os 15 e 29 anos
A13
O desempenho da educação: taxas de rendimento privado e social da educação e seus
determinantes
A14 O desempenho da educação: ligação entre capital humano e crescimento econômico
Fonte: OECD, 2002, p. 29.
Figura 5 – Indicadores de resultado da aprendizagem da OCDE 2002
Código Descrição do indicador
B1 Gastos em educação por estudante
B2 Gastos em função do tipo de escola em percentagem sobre o PIB
B3 Gasto público total em educação
B4 Proporção de investimento público e privado em instituições escolares
B5 Ajuda e suporte público aos estudantes
B6 Gastos em instituições escolares segundo categoria dos serviços e recursos
Fonte: OECD, 2002, p. 143.
Figura 6 – Indicadores de recursos econômicos e humanos da OCDE 2002
Código Descrição do indicador
C1 Taxas de escolarização
C2 Taxas de acesso e expectativa de escolarização no ensino terciário e participação no secundário
C3 Estudantes estrangeiros no ensino terciário
C4 Participação da população adulta em atividades de educação continuada
C5 Formação e emprego dos jovens
C6 Situação dos jovens com baixos níveis de escolarização
Fonte: OECD, 2002, p. 213
.
Figura 7 – Indicadores de acesso à educação, participação e promoção da OCDE
2002
182
Código Descrição do indicador
D1 Número total de horas de escolarização previstas para alunos entre 9 e 14 anos
D2 Tamanho das turmas e taxa de alunos por professor
D3 Uso e disponibilidade de computadores nos ambientes escolar e familiar
D4 Atitudes e experiências dos meninos e das meninas no domínio das TICs
D5 Clima dos estabelecimentos escolares
D6 Salário dos docentes nas escolas públicas primárias e secundárias
D7 Número de horas de ensino e tempo de trabalho dos docentes
Fonte: OECD, 2002, p. 271.
Figura 8 – Indicadores de contexto pedagógico e organização escolar da OCDE
2002
O sistema de indicadores da OCDE publicado em 2002 tem como objeto de
avaliação, medição e acompanhamento os sistemas globais de educação dos países
membros em seus mais diversos níveis e subsistemas (ensino fundamental, ensino médio ou
secundário, educação superior ou ensino terciário etc.). A OCDE destaca os aspectos de
resultado dos sistemas de educação visto que quase metade dos indicadores se refere aos
resultados intermediários e finais dos sistemas de educação (Indicadores de resultado da
aprendizagem). Por outro lado, apenas os seis indicadores de recursos econômicos e
humanos estão relacionados com as entradas do sistema e os sete indicadores de contexto
pedagógico e organização escolar referem-se aos processos. Os indicadores de acesso à
educação, participação e promoção abordam questões que podem ser interpretadas
principalmente como do contexto dos sistemas de educação. Entre os objetivos da OCDE
no desenvolvimento das avaliações e medições estão, em primeiro lugar, proporcionar um
marco institucional para examinar a validade e relevância dos indicadores educativos dos
países membros, comparar as experiências relacionadas a avaliações de larga escala dos
países e compartilhar as experiências de melhoria dos sistemas de educação e, em segundo
lugar, produzir indicadores que gerem informações úteis sobre os sistemas de educação.
Com vistas a empreender uma análise acerca dos possíveis elementos conceituais de
qualidade em educação presentes no sistema de indicadores da OCDE, na Figura 9
desenvolve-se um exercício que relaciona cada indicador com alguns dos principais termos
e propriedades utilizadas para definir qualidade em ES ou qualidade de um sistema de
educação. Assume-se que os termos “empregabilidade” e eficiência” apontam para a
presença de elementos conceituais da visão economicista e que os termos “relevância” e
183
“eqüidade” apontam para a presença de elementos conceituais das visões pluralistas e de
eqüidade da qualidade. Entende-se que a propriedade de “relevância” de um sistema de
educação está ligada a aspectos estratégicos, socioculturais e econômicos para um país
ainda em fase de desenvolvimento, tais como P&D, pesquisa, desenvolvimento social e
humano e crescimento econômico.
De um total de trinta e três indicadores, apenas o indicador A9 Status dos pais e
rendimento dos alunos’ permite a verificação da existência de igualdade no rendimento
entre alunos de diferentes classes sociais, ou seja, apenas um indicador trata diretamente de
aspectos relacionados à eidade do sistema de educação para alunos provenientes de
diferentes classes sociais. Em relação à propriedade de “relevância”, pode-se dizer que
apenas os dois indicadores ‘A13- O desempenho da educação: taxas de rendimento privado
e social da educação e seus determinantes’ e A14- O desempenho da educação: ligação
entre capital humano e crescimento econômico’ permitem a avaliação direta dos impactos
dos sistemas de educação no desenvolvimento sociocultural e econômico de países
considerados ainda em fase de desenvolvimento. Assim, de todos os indicadores utilizados
para os sistemas nacionais de educação pela OCDE de 2002 somente três tratam
diretamente de aspectos e propriedades características das visões pluralistas e de eqüidade
da qualidade em educação. Por outro lado, sete indicadores abordam diretamente aspectos
relacionados com a propriedade de “eficiência” na gestão econômica dos sistemas
nacionais de educação: ‘B1- Gastos em educação por estudante’, ‘B2- Gastos em função do
tipo de escola em percentagem sobre o PIB’, ‘B3- Gasto público total em educação’, ‘B4-
Proporção de investimento público e privado em instituições escolares’, ‘B5- Ajuda e
suporte público [de financiamento] aos estudantes’, ‘B6- Gastos em instituições escolares
segundo categoria dos serviços [inclusive em P&D] e recursos’ e ‘D2- Tamanho das turmas
e taxa de alunos por professor’.
184
Código Descrição do indicador Propriedade
A1
Proporção de diplomados no ensino médio e nível de formação da
população adulta
-
A2 Proporção na obtenção de diplomas em nível terciário -
A3 vel de formação da população ativa e da população adulta -
A4
Distribuição dos diplomados por áreas do conhecimento [e por tipo de
educação terciária]
-
A5 Compreensão da leitura dos jovens de 15 anos -
A6 Cultura matemática e científica dos jovens de 15 anos -
A7 Variação de desempenho segundo os tipos de escolas -
A8 Compromisso e conhecimentos cívicos -
A9 Status dos pais e rendimento dos alunos equidade
A10
Lugar de nascimento, língua falada pela família e compreensão escrita
dos jovens de 15 anos
-
A11 Taxas de emprego segundo o nível de formação empregabilidade
A12
Estimativa de anos em educação, trabalho, desemprego entre os 15 e 29
anos
empregabilidade
A13
O desempenho da educação: taxas de rendimento privado e social da
educação e seus determinantes
relevância
A14
O desempenho da educação: ligação entre capital humano e crescimento
econômico
relevância
B1 Gastos em educação por estudante eficiência
B2 Gastos em função do tipo de escola em percentagem sobre o PIB eficiência
B3 Gasto público total em educação eficiência
B4 Proporção de investimento público e privado em instituições escolares eficiência
B5 Ajuda e suporte público [de financiamento] aos estudantes eficiência
B6
Gastos em instituições escolares segundo categoria dos serviços
[inclusive em P&D] e recursos
eficiência
C1 Taxas de escolarização -
C2
Taxas de acesso e expectativa de escolarização no ensino terciário [em
cursos de tempo integral ou não] e participação no secundário
-
C3 Estudantes estrangeiros no ensino terciário -
C4 Participação da população adulta em atividades de educação continuada -
C5 Formação e emprego dos jovens empregabilidade
C6 Situação dos jovens com baixos níveis de escolarização empregabilidade
D1
Número total de horas de escolarização previstas para alunos entre 9 e
14 anos
-
D2 Tamanho das turmas e taxa de alunos por professor eficiência
D3 Uso e disponibilidade de computadores nos ambientes escolar e familiar -
D4
Atitudes e experiências dos meninos e das meninas no domínio das
TICs
-
D5 Clima dos estabelecimentos escolares -
D6 Salário dos docentes nas escolas públicas primárias e secundárias -
D7 Número de horas de ensino e tempo de trabalho dos docentes -
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de OECD, 2002.
Figura 9 – Relação entre os indicadores da OCDE e propriedades da qualidade
185
Em relação aos aspectos da ligação entre os sistemas nacionais de educação e os
empregos, o sistema da OCDE inclui quatro indicadores diretamente vinculados ao assunto:
‘A11- Taxas de emprego segundo o nível de formação’, ‘A12- Estimativa de anos em
educação, trabalho, desemprego entre os 15 e 29 anos’, ‘C5- Formação e emprego dos
jovens’ e ‘C6 - Situação dos jovens com baixos níveis de escolarização’. Portanto, o
sistema de indicadores da OCDE de 2002 enfatiza e prioriza aspectos economicistas da
educação em detrimento de características de relevância social e eqüidade dos sistemas de
educação dos países. Não obstante o sistema da OCDE ter como objeto de avaliação e
medição os sistemas globais de educação dos países, pode-se dizer que os indicadores
utilizados não são plenamente apropriados para países ainda em fase de desenvolvimento,
visto que aspectos essenciais (eqüidade, relevância social, pesquisa etc.) dos sistemas de
educação em contextos de países com desigualdade social e atrasos científicos e
tecnológicos não recebem uma significativa abordagem e tratamento.
Indicadores da Unesco-Cepes para sistemas de educação superior nacionais
Um dos mais importantes estudos acerca de indicadores para sistemas de educação
superior nacionais está sendo desenvolvido pelo European Centre for Higher Education da
Unesco em Bucareste, na Romênia. O projeto denominado System-Level and Estrategic
Indicators for Monitoring Higher Education in the Twenty-First Century (UNESCO,
2003a) examina a possibilidade de se estabelecerem indicadores estratégicos para monitorar
o nível de desenvolvimento dos sistemas de educação superior dos Estados membros da
Unesco. O projeto está relacionado com os dois documentos que resultaram da Conferência
Mundial da Educação Superior da Unesco realizada em Paris no ano de 1998: “Higher
education in the twenty-first century: vision and action” e o “Framework for priority action
for change and development of higher education”. Os indicadores propostos buscam
contribuir com as reflexões acerca do desenvolvimento da educação superior de acordo
com o contexto da visão postulada durante o encontro de Paris. Segundo Richard James
(2003, p. 220), que apresentou uma primeira sugestão de indicadores resultantes de
encontros e estudos realizados pelo Unesco-Cepes, “o objetivo de sugerir indicadores em
nível de sistema surge da idéia de que somente monitoração sistemática, bem como
desenvolvimento institucional, possibilitam a implantação das específicas recomendações
determinadas na Conferência Mundial em Educação Superior”.
186
Com vistas ao estabelecimento inicial de um conjunto de indicadores, realizou-se
uma “compilação” das várias prioridades esboçadas no documento “Framework for priority
action for change and development of higher education” e, então definiram-se quatro áreas
de prioridades com subcategorias para o desenvolvimento da educação superior em nível de
sistema (Tabela 2).
Tabela 2 - Estrutura condensada para o Plano de Ações Prioritárias da Unesco-
Cepes
ÁREA SUBCATEGORIA
Indicadores de quadro
referencial que suporta as
políticas e os desenhos
de políticas
1.1 Quadro das políticas de prestação de contas e tomada de decisão: nacional e
institucional
1.2 Políticas claras para o pessoal acadêmico da educação superior
1.3 Promoção e desenvolvimento de pesquisa
1.4 Condições de liberdade e autonomia (institucional, acadêmica e estudantil)
Indicadores de
financiamento
2.1 Financiamento realizado na educação superior
2.2 Incremento de colaboração com outros países em relação à educação superior
e a pesquisa, especialmente para reduzir a distância existente entre as nações
industrialmente desenvolvidas e as ainda em estágio de desenvolvimento
2.3 Uso de novas tecnologias
Indicadores de níveis
apropriados de
participação, acesso e
retenção
3.1 Expansão do acesso
3.2 Equidade no acesso
3.3 Provisão de auxílio ao estudante
Indicadores de resultados
econômicos e sociais
4.1 Ligações entre educação superior, industria e emprego de graduados
4.2 Promoção da mobilidade internacional
4.3 Efeitos catalisadores dos sistemas globais e locais no desenvolvimento
regional e nacional
Fonte: UNESCO, 2003a, p. 227.
Para cada subcategoria de cada área foram listadas ações e metas e seus possíveis
indicadores desejáveis, conforme as tabelas abaixo.
187
Tabela 3 - Indicadores do quadro referencial que suporta as políticas e os desenhos de
políticas da Unesco-Cepes
Ações e metas Possíveis indicadores a serem escolhidos
1.1 - Quadro das políticas de prestação de contas e
tomada de decisão: nacional e institucional
Envolvimento de todos os stakeholders relevantes
Participação e envolvimento das mulheres na tomada
de decisão
Envolvimento dos estudantes em decisões políticas
[institucionais]
Alta qualidade de avaliação [institucional] interna e
externa
Estas ações e metas são altamente subjetivas e não
são facilmente especificadas quantitativamente
1.2 - Políticas claras para o pessoal acadêmico da
educação superior
Políticas claras relativas aos professores da educação
superior
Participação [de todo pessoal acadêmico] em ensino
e pesquisa
Salários acadêmicos (de acordo com os dados de
Paridade de Poder de Compra – PPC - da OCDE),
Percentagem do tempo do pessoal destinado a P&D,
Percentagem do tempo do pessoal destinado ao
ensino, Percentagem de pessoal acadêmico com
doutorado, (Oportunidades para desenvolvimento
profissional, revisão de desempenho?).
1.3 - Promoção e desenvolvimento de pesquisa
Reforço da ligação entre educação superior e
pesquisa
Proximidade entre educação superior e instituições
de pesquisa
Desenvolvimento de pesquisa em todas as
disciplinas da educação superior
Despesas com P&D na educação superior,
Percentagem total e por disciplina em relação as
despesas nacionais totais com P&D, Percentagem de
estudantes pesquisadores em relação ao total de
estudantes, Percentagem do tempo do pessoal
técnico-administrativo gasto com P&D, Despesas
com P&D por membros do pessoal acadêmico (de
acordo com PPC da OCDE), Proporção do pessoal
acadêmico envolvido com pesquisa, Proporção do
financiamento da P&D em educação superior pela
iniciativa privada.
Fonte: UNESCO, 2003a, p. 227.
188
Tabela 4 - Indicadores de financiamento da Unesco-Cepes
Ações e metas Possíveis indicadores a serem escolhidos
2.1 – Financiamento realizado na educação superior
Empenho de recursos humanos, materiais e
financeiros
Dotação de fundos de toda a educação superior e por
fonte pública ou privada da percentagem do PIB
(total público e privado) por equivalência a estudante
de tempo integral (de acordo com PPC da OCDE),
Despesas com ensino como percentagem da despesa
total.
2.2 - Incremento de colaboração com outros países
em relação à educação superior e a pesquisa
Cooperação crescente entre todos os países em todos
os níveis do desenvolvimento econômico
Redução da distância existente entre as nações
industrialmente desenvolvidas e as em
desenvolvimento
2.3 - Uso de novas tecnologias
Uso das TIC que estão se generalizando da forma
mais expansiva possível para ajudar as instituições
de educação superior
Porcentagem de tempo em que os cursos de
educação superior utilizam TIC
Fonte: UNESCO, 2003a, p. 228.
Tabela 5 - Indicadores de níveis apropriados de participação, acesso e retenção da Unesco-
Cepes
Ações e metas Possíveis indicadores a serem escolhidos
3.1 - Expansão do acesso
[Quando necessário] diversificar e expandir o acesso
Alternativas e flexibilidade nos pontos de entrada e
saída
Educação permanente e/ou continuada
Número de estudantes dentro do país (total e por
disciplina) para cada grupo de 100 mil habitantes,
Percentagem de estudantes com 25 anos ou mais
(calouros dentro do pais), bases da seleção
(admissão).
3.2 - Equidade no acesso
Acesso para todos com base no mérito
Consolidação da participação das mulheres
Criação de entradas, especialmente para estudantes mais velhos
Razão entre a proporção de estudantes da educação
superior das classes sociais mais baixas e a
proporção da população de classes sociais mais
baixas, Percentagem de estudantes de ‘primeira
geração’ na educação superior entre os calouros,
Razão de homens para mulheres entre os calouros
dentro do país, Percentagem de mulheres envolvidas
em programas de pesquisa da educação superior em
relação ao total de estudantes envolvidos em
programas de educação superior, Percentagem de
estudantes que trabalham.
3.3 - Provisão de auxilio ao estudante
Formas de auxílio aos estudantes, incluindo medidas
para melhorar condições de vida dos estudantes
Taxa de retenção do primeiro ano, Razão estudantes
(todos) / professor, Razão estudantes (todos) /
pessoal.
Fonte: UNESCO, 2003a, p. 229.
189
Tabela 6 - Indicadores de resultados econômicos e sociais da Unesco-Cepes
Ações e metas Possíveis indicadores a serem escolhidos
4.1 - Ligações entre educação superior, industria e
emprego de graduados
Ligações próximas entre educação superior e mundo
do trabalho
Taxa de emprego de graduados: dois anos ou mais,
total e por disciplina
4.2 - Promoção da mobilidade internacional
Auxílio no desenvolvimento de mobilidade
internacional e nacional do pessoal e dos estudantes
Percentagem de estudantes internacionais em relação
a todos os estudantes, Percentagem dos membros do
pessoal acadêmico com mais alta titulação obtida no
exterior
4.3 - Efeitos catalisadores dos sistemas globais e
locais no desenvolvimento regional e nacional
Estímulo para todo o sistema de educação
Contribuição para o desenvolvimento local, regional
e nacional
Gastos totais com todos os sistemas de educação e
por nível como uma percentagem do PIB, Taxas de
participação da Educação por nível.
Fonte: UNESCO, 2003a, p. 229.
Richard James (2003, p. 203) reconhece que pode existir uma distância entre a
definição conceitual e os resultados possíveis de alguns indicadores propostos, gerando-se,
assim, preocupações em relação à sua validade. O autor também destaca uma lista de
observações acerca de questões relacionadas com os indicadores quantitativos:
as taxas de participação dos subgrupos socioeconômicos são notoriamente difíceis
de se mensurar. Os dados socioeconômicos usuais são renda, tipo de emprego e
nível de instrução. Para o propósito de acesso na educação superior, o nível de
educação da família é uma medida útil para verificação do acesso dos calouros;
os dados sobre os calouros são mais sensíveis para detectar os efeitos das mudanças
e desenvolvimentos do que dados sobre todos os estudantes;
dados das disciplinas e nível de participação em projetos de pesquisas avaliam
melhor a participação das mulheres;
pesquisas demonstram claramente que o primeiro ano de estudo é um tempo crítico
para a retenção. Taxas de retenção no primeiro ano servem como uma aproximação
da escala e da qualidade dos serviços de auxílio aos estudantes;
190
para medir a promoção e o desenvolvimento da pesquisa, gastos com P&D em
educação superior é a melhor abordagem tanto áreas do conhecimento como por
total geral;
“percentagem de estudantes pesquisadores em relação ao total de estudantes” é o
melhor indicador de nível de P&D, entretanto as variações entre as áreas do
conhecimento precisam ser consideradas;
para se obter um retrato exato do resultado dos graduados (taxas de emprego e
destinação) a medida precisa ocorrer durante um período de um ou dois anos após a
graduação. O relatório dos resultados por amplas áreas ou carreiras é valioso;
junto com a idade, a forma de acesso é um bom indicador do nível de
desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida (educação permanente);
os dados geralmente “puros” (por ex., salários acadêmicos) devem ser ajustados
usando dados da “paridade de poder de compra” da OCDE.
Por fim, antes de sugerir algumas divisões para os indicadores propostos (sexo,
idade, área do conhecimento, titulação etc.) Richard James apresenta algumas vantagens de
se medirem resultados em detrimento da verificação da existência de ações, destaca a
importância dos efeitos das TIC na educação superior e aponta para uma tendência de
aumento da abordagem de indicadores relacionados com a internacionalização e educação a
distância em razão da emergência de diversas franquias internacionais no âmbito da
educação superior.
Os indicadores do documento “System-level and estrategic indicators for
monitoring higher education in the twenty-first century” (UNESCO, 2003a) da Unesco-
Cepes não apresentam uma estrutura clássica de entrada, processo e saída, mas apresentam-
se divididos em quatro grandes grupos: o grupo ‘Indicadores de quadro referencial que
suporta as políticas e os desenhos de políticas’ possui uma forte ênfase nos aspectos da
democratização do sistema, políticas para pessoal e promoção da dimensão pesquisa; os
‘Indicadores de financiamento’, além de abordarem o empenho de recursos humanos,
materiais e financeiros, consideram o nível de uso das TIC e as cooperações internacionais;
o grupo ‘Indicadores de níveis apropriados de participação, acesso e retenção’ é o que
191
apresenta a maior quantidade de indicadores e refere-se principalmente aos aspectos de
expansão e eqüidade no acesso e retenção dos estudantes; o último grupo, ‘Indicadores de
resultados econômicos e sociais’, procura abordar aspectos da relação entre a educação
superior e a economia, emprego e mobilidade internacional.
Ao contrário da OCDE, a Unesco-Cepes não enfatiza aspectos relacionados aos
resultados. De um total de vinte e nove, apenas o indicador ‘Taxa de emprego de
graduados: dois anos ou mais, total e por disciplina’ está diretamente direcionado à
empregabilidade. Questões de entradas e processo do sistema estão presentes em quase
todos os grupos e caracterizam a maioria dos indicadores propostos pela Unesco-Cepes.
Diversos indicadores das ações e metas - ‘Políticas claras para o pessoal acadêmico da
educação superior, Promoção e desenvolvimento de pesquisa’, ‘Financiamento realizado na
educação superior’, ‘Efeitos catalisadores dos sistemas globais e locais no desenvolvimento
regional e nacional’ - apresentam indicadores de entrada de recursos humanos e
financeiros. Os indicadores sugeridos apresentam alguns aspectos e abordagens
relacionados com as propriedades de relevância e eqüidade de um sistema de educação
superior, porém não existem aspectos relativos à diversidade existente nos sistemas.
Diversos indicadores referem-se ao financiamento e a destinação de tempo de
pessoal com o desenvolvimento de P&D, como, por exemplo, ‘Despesas com P&D na
educação superior’, ‘Percentagem total e por disciplina em relação as despesas nacionais
totais com P&D’, Percentagem de estudantes pesquisadores em relação ao total de
estudantes’, Percentagem do tempo do pessoal técnico-administrativo gasto com P&D’,
‘Despesas com P&D por membros do pessoal acadêmico’. Os indicadores da área
‘participação, acesso e retenção’ permitem a avaliação de aspectos dos sistemas de
educação superior relacionados com a propriedade da eqüidade existente: ‘Razão entre a
proporção de estudantes da educação superior das classes sociais mais baixas e a proporção
da população de classes sociais mais baixas’, ‘Percentagem de estudantes que trabalham’ e
‘Razão de homens para mulheres entre os calouros de dentro do país’.
Uma das maiores contribuições da publicação da Unesco-Cepes está relacionada
com as importantes questões e abordagens desenvolvidas acerca das problemáticas do uso
de indicadores quantitativos e qualitativos. Alguns limites importantes e diversas sugestões
192
para melhorar o uso dos mesmos com vistas à avaliação e medição dos sistemas de
educação superior são descritos.
Avaliação e análise da OCDE de sistemas de educação superior nacionais
Outro importante trabalho desenvolvido em âmbito mundial a partir de indicadores
em nível de sistema de educação superior de um país está sendo desenvolvido em Portugal.
A OCDE está encarregada de realizar uma avaliação global do sistema de educação
superior português, considerando as respectivas políticas, a sua dimensão sistêmica, as suas
potencialidades e fragilidades no contexto europeu, a sua eficiência e o seu estado de
desenvolvimento, bem como as medidas necessárias para promover a racionalização do
sistema, da estrutura administrativa do sistema e o enquadramento atual de regulação.
Também serão avaliados os procedimentos de acesso ao ensino superior, tendo em vista
ajudar a abertura do ensino superior a novos públicos e a promover a aprendizagem ao
longo da vida, de uma forma que melhore as qualificações da população portuguesa no
contexto europeu.
A avaliação desenvolvida pela OCDE em Portugal envolve levantamento de dados,
medição de indicadores e análise de dados em termos das principais tendências da educação
superior. O relatório básico que sintetiza todo o estudo divide-se em quatro partes: o
contexto, a educação superior, os componentes da educação superior e as questões e
transformações. A parte um, sobre o contexto, apresenta uma visão geral e histórica da
educação, as tendências populacionais, econômicas e do mercado de trabalho do país para
os próximos 15 anos e as pressões nacionais e internacionais (principalmente do contexto
europeu) existentes para mudanças na educação superior. A segunda parte propõe-se
fornecer informações detalhadas sobre a educação superior: filosofia presente na evolução
do sistema nos últimos trinta anos, revisão da legislação e postura política dos diferentes
grupos e os componentes principais do sistema (universidades, politécnicas, faculdades,
escolas superiores etc.). A parte três fornece informações detalhadas para todo o conjunto
de elementos do sistema por tipo de instituição. O texto baseia-se em dados para fazer uma
breve descrição e apontar algumas análises acerca das tendências e problemas em termos de
eqüidade, eficácia e eficiência, cobrindo onze características (CIPES, 2006):
193
- Sistema de governo: Qual é o respectivo papel do governo e de outros órgãos;
quais são as responsabilidades financeiras de diferentes corpos, incluindo
responsabilidade de prestação de contas; como está constituído o quadro de
governo; como o sistema media autonomia e prestação de contas; quais são as
mudanças legislativas recentes no domínio de governo; quais são as mudanças nas
regras e normas que afetam o processo de alocação de orçamentário das instituições
ou suas autonomias noutros domínios;
- Participação, por faixa-etária e por tipos de programas;
- Despesas totais, no meio governamental ou outros meios; despesas por estudantes;
- Despesas com pesquisas, por tipo de instituição, incluindo instituições de pesquisa
e subsídios para pesquisa para o setor privado;
- Custo médio por tipo de estudo;
- Custo médio para os indivíduos poderem ter acesso para além de todos os
subsídios que podem receber;
- Eqüidade no acesso: descreve qualquer arranjo, legislação e regulação que se
referem especificamente à igualdade no acesso, por status socioeconômico ou
rendimento, gênero, região, etnia, ou qualquer outro critério; como são tratados os
adultos;
- O sistema de garantia da qualidade e legislação correlata; qual é o sistema para
assegurar qualidade no ensino; quais são algumas das evidências de qualidade no
ensino; existem ações com vistas a melhor a qualidade do ensino; no caso da
pesquisa: como a qualidade da pesquisa é avaliada e assegurada?
- Ligações com o sistema secundário: quais são as ligações entre os sistemas
secundário e terciário; como são selecionados os estudantes para o setor terciário;
que sistema de orientação está disponível para estudantes de nível secundário e para
aprendizagem de adultos;
- Ligações com o mercado de trabalho: natureza das ligações emprego bem como
ligações da pesquisa e inovações; financiamento de empregadores de estudos
individuais; tradição de doações;
194
- Relacionamentos além-fronteiras: os fluxos dos estudantes nos dois sentidos,
pesquisadores; as redes de trabalho entre instituições nacionais e internacionais;
fluxos de outros serviços internacionais.
Por fim, a quarta parte do relatório básico da OCDE sobre o sistema de educação
superior de Portugal procura fornecer uma avaliação geral das principais questões ou
transformações. Seis questões são tratadas de forma detalhada (CIPES, 2006):
A educação superior e as metas nacionais: procura responder a questões
relacionadas ao desempenho da missão da educação superior para o país: Existe consenso
geral sobre as metas nacionais e elas têm sido articuladas claramente para a educação
superior? Quais as percepções gerais acerca de como a educação superior está
desempenhando suas metas nacionais? Portugal possui mecanismos ou um sistema local
para assegurar que os objetivos nacionais estão sendo alcançados pela educação superior?
Fornecer referências a todos os estudos sobre a eficiência educacional e o papel das saídas
do sistema de educação superior no crescimento econômico e na inovação.
Acesso e eqüidade: Quais são os problemas percebidos em relação à eqüidade no
acesso e oportunidade educacionais na educação superior? Quais são algumas das questões
contenciosas nessa área? Quais stakeholders têm problemas específicos? Existe legislação
especifica sobre o assunto e, se sim, referem-se especificamente a quais problemas?
Qualidade da provisão: Como a qualidade é entendida? Quais os problemas da
qualidade no ponto de vista dos diferentes grupos de clientes? Existem instituições locais
para garantir qualidade? Quais são alguns dos problemas das instituições existentes para a
garantia de qualidade, especialmente em consideração à provisão do setor privado e
comercial?
Recursos humanos: Quais são os problemas, se existirem, dos recursos humanos da
educação superior e seus vários componentes, incluindo os setores de pesquisa e
inovações? Descrever qualquer organização que cobre professores e pesquisadores para o
setor e suas políticas significativas.
Recursos financeiros: Descrever o sistema corrente de alocação de recursos
(orçamentário) para a educação superior como um todo e no âmbito das instituições. São
percebidos problemas com eficiência no uso de recursos, em nível de sistema e no âmbito
195
institucional? Quais são os específicos arranjos para os fundos de pesquisa? Existem, em
geral, problemas com incentivos, ou ausência delas, em relação ao sistema de destinação de
recursos? São sustentáveis ou insustentáveis as despesas padrões em relação a todas as
matrículas esperadas nos próximos anos e à necessidade de incremento de melhorias? Qual
é o “espaço” para a contribuição do setor privado? Quais são os pontos de vista políticos
que prevalecem em relação aos limites da contribuição do setor privado?
Internacionalização: Quais são os maiores problemas e pressões enfrentados por
Portugal em consideração às relações além-fronteiras na área da educação terciária?
Assim como o sistema de indicadores proposto pelo Unesco-Cepes, o relatório
básico da OCDE sobre o sistema de educação português também aborda aspectos de
eqüidade. As características marcantes da proposta de indicadores do Unesco-Cepes sem
dúvida, são o destaque às questões relacionadas à pesquisa e investigação (o que pode ser
considerado como “relevância” do sistema para muitos países em desenvolvimento) e o
nível de democratização dos sistemas de educação superior. No caso dos indicadores e das
avaliações da OCDE, não obstante a consideração de indicadores de eqüidade, as questões
que recebem tratamentos destacados e diferenciados são as relacionadas com a eficiência
eficácia e empregabilidade, ou seja, desenvolve-se uma abordagem mais aproximada a uma
visão economicista de qualidade em ES.
Com base na análise dos principais sistemas de indicadores internacionais, bem
como de estudos e trabalhos de análise de sistemas de educação superior, observa-se certa
polarização nas ênfases de tais trabalhos, da mesma forma que se observa em relação às
concepções de educação superior e qualidade em ES. De um lado, estão indicadores e
trabalhos que priorizam as relações entre a educação superior e a economia e o emprego; de
outro lado, abordagens que procuram ressaltar questões de eqüidade e relevância social dos
sistemas de educação superior. Não obstante tais diferenças, as principais avaliações e
medições de indicadores de sistemas de educação superior geralmente englobam
características ligadas às mais difundidas propriedades que envolvem os diferentes
conceitos de qualidade em ES: relevância, eficiência e eqüidade.
196
4 O Desenvolvimento da Qualidade do Sesb no período 1994-2003
Um conceito de ciência haurido [dos clássicos e manuais científicos] terá tantas
probabilidades de assemelhar-se ao empreendimento que os produziu como a
imagem de uma cultura nacional obtida através de um folheto turístico ou um
manual de línguas
.
Thomas S. Kuhn.
Partindo da convicção atual de que nenhuma instância detém a totalidade da
verdade, impõe-se um diálogo interdisciplinar. Um tema se torna mais claro e o
conhecimento mais próximo da verdade na medida em que cada ciência traz sua
contribuição. A verdade cresce na proporção em que a racionalidade humana
desvenda e se aproxima do real.
Ensinamentos teológicos, ao longo da história, modificaram-se em questões
importantes porque as ciências ampliaram o conhecimento do objeto.
O contrário também se deu. As próprias ciências, por influência do pensamento
teológico, reviram posições radicais e perceberam claramente seus limites. Hoje
a posição empirista do Círculo de Viena, que só considera verdadeiro o
conhecimento verificável, já não é aceita, ao ser relativizada pela própria física
quântica.
Portanto a compreensão da fé somente avança e responde aos momentos da
história em contínuo diálogo com as ciências, o que implica a atitude de buscar
a verdade autocriticando a própria posição, a partir das contribuições que os
outros saberes oferecem, e propondo com razões convincentes as próprias
verdades. Nenhum saber esgota a totalidade do real.
Só a discussão livre permite que os argumentos venham à tona e se confrontem.
João Batista Libanio, 73 anos, professor de teologia.
Para os que defendem a idéia de mercantilizar a educação superior, este nível de
ensino deve ser definido como bem privado ou serviço comercial, prestando-se, assim, às
regras de mercado. Nesse sentido, alguns autores argumentam que a educação superior não
pode ser tratada como um bem público, visto que apresenta características de bem privado,
tais como condições de rivalidade, de exclusividade e de recusa. Dentre as principais
justificativas para a ampliação da mercantilização está o argumento de que a competição de
mercado induz à inovação e à adaptação dos sistemas às novas necessidades, o que
dificilmente seria possível com a coordenação baseada no Estado ou na academia. Ana
Maria Seixas resumiu bem os argumentos utilizados para a ampliação da lógica do mercado
na educação superior:
197
Além do argumento econômico da eficiência, o mercado surge também como
um meio de permitir a eqüidade nos sistemas de ensino superior de massa. De
acordo com os defensores da introdução de uma lógica de mercado no ensino
superior, esta orientação faz passar o poder do Estado e da academia para os
consumidores, contribuindo para um aumento da eficácia e eficiência interna e
externa dos sistemas de ensino superior (2003, p. 48).
Por outro lado, diversos e reconhecidos investigadores defendem o princípio da
educação superior como bem público, apresentando, entre outros argumentos, a
importância estratégica que a educação superior e a universidade têm na construção de um
projeto de país e que o mercantil, bem ao contrário das características da universidade,
possui interesses de curto prazo. Entretanto, não obstante a existência de divergência de
opiniões, o fato é que o contexto atual é de ampliação da lógica do mercado nos sistemas e
instituições de educação superior em diversos e diferentes países. De acordo com Pedro
Teixeira et al.,
as forças de mercado são, agora, intrínsecas ao ambiente da educação de nível
superior e, portanto, mesmo que os mercados perfeitamente competitivos
adorados pela teoria econômica não sejam totalmente praticáveis em educação
de nível superior, as políticas governamentais irão, inevitavelmente, ser
necessárias para controlar o comportamento dos mercados existentes de forma a
maximizar os benefícios sociais (2004, p. 348).
Assim, atualmente não importa mais apenas estudar as origens, as formas e as
características da mercantilização da educação superior, mas também, e fundamentalmente,
quais são as conseqüências da expansão da mesma, ou seja, atualmente, importa saber quais
são os impactos do fenômeno da mercantilização na educação superior. Será que, no campo
da educação, e especialmente na educação superior, a competição do mercado provoca
eficiência e eficácia, melhores resultados sociais e desenvolve a eqüidade? Enfim, importa
saber se a mercantilização tem provocado melhorias da qualidade nos sistemas de educação
superior. A busca de respostas confiáveis para questões que envolvam qualidade em ES não
é tarefa simples porque demanda o desenvolvimento de abordagens teórico-conceituais
sobre qualidade de educação, operacionalização da qualidade em forma de indicadores de
qualidade, levantamento de dados e informações sobre o sistema de educação e, por fim,
análise interpretativa do comportamento dos indicadores ao longo do tempo. Este estudo
desenvolve-se exatamente nesta linha, visto que pretende levantar elementos relacionados
198
aos impactos da mercantilização no desenvolvimento da qualidade do Sesb, ou seja,
procura saber em que medida o processo de mercantilização ocorrido no período 1994-2003
contribuiu no desenvolvimento da qualidade do Sistema de Educação Superior Brasileiro.
No presente capítulo, inicialmente, é elaborada e apresentada uma proposta de
sistema de indicadores para a qualidade do Sesb com base no referencial teórico-conceitual
sobre qualidade em ES desenvolvido em capítulos desta tese; posteriormente, conforme a
disponibilidade dos dados e informações existentes sobre os indicadores propostos para o
Sesb no período estudado, é desenvolvido um levantamento com medições e análises, ou
seja, é realizada uma avaliação do desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-
2003 com vistas a investigar a hipótese deste trabalho de que, ao menos no caso brasileiro,
a mercantilização da educação superior não desenvolveu positivamente a qualidade do
sistema.
4.1 Uma proposta de Sistema de Indicadores para o Sesb
Como demonstrado no terceiro capítulo desta tese, atualmente um dos instrumentos
mais importantes e utilizados para estudar e analisar o desenvolvimento, o desempenho e a
qualidade dos sistemas nacionais de educação o os sistemas de indicadores. Alguns dos
mais importantes organismos internacionais e diversos países têm desenvolvido, elaborado
e aplicado sistemas de indicadores com vistas a avaliar sistemas de educação. Como a
literatura da teoria dos sistemas observa que o resultado do todo é maior do que a simples
soma dos elementos ou das partes, parece ser temerário avaliar um sistema de educação
pela abordagem dos seus elementos (IES, cursos etc.) de forma individualizada, ou seja, um
sistema não deve ser avaliado pela simples soma de suas partes, mas, sim, de forma global.
De acordo com essa visão, a maioria dos sistemas de indicadores desenvolvidos em
âmbito mundial tem apresentado uma estrutura sistêmica com elementos de entradas,
processo e saídas dos sistemas de educação. Segundo León R. G. Estrada (1999), a
avaliação da qualidade em educação se “expressa como um juízo de valor sobre um atributo
ou um conjunto de atributos acerca dos insumos [ou entradas], processos, resultados ou
produtos educativos, ou das relações entre eles”. Essa definição envolve os elementos
principais de um sistema e considera qualidade em educação como um conceito múltiplo
que não pode ser avaliado por apenas um indicador. Portanto, o desenvolvimento de um
199
sistema de indicadores especificado segundo a visão sistêmica parece ser uma adequada
estratégia para a realização de avaliações e medições do desenvolvimento da qualidade de
sistemas nacionais de educação superior. A elaboração de um sistema de indicadores e a
definição dos indicadores dependem fundamentalmente dos seus objetivos e das
concepções acerca de qualidade envolvidas. Dessa forma, com vistas a propor um sistema
de indicadores para a qualidade do Sesb, o texto a seguir aborda questões relativas ao
sistema de educação superior brasileiro e das propostas internacionais de indicadores para
sistemas nacionais de educação superior.
4.1.1 O sistema de educação superior brasileiro – Sesb
Do ponto de vista legal, não existe um sistema nacional de educação superior
brasileiro único. O artigo 211º da Constituição da República Federativa do Brasil
estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino e que, especificamente, à União caberá a
organização do sistema federal de ensino (BRASIL, 1988), ou seja, os entes federativos
podem criar e desenvolver sistemas de educação superior independentes do sistema
mantido pela União. De acordo com o artigo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, lei n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996, “caberá à União a coordenação da
política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo
função nominativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias
educacionais”, mas “os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta
Lei”. Especificamente, no âmbito da educação superior, o artigo da LDB incumbe a
União de:
- assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino,
objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;
- baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;
- assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior,
com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidades sobre este nível
de ensino;
- autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os
cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu
sistema de ensino.
200
Entretanto, o parágrafo do próprio artigo destaca que as atribuições de
autorização, reconhecimento, supervisão e avaliação poderão ser delegadas aos Estados e
ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior, ou seja, os
Estados e o Distrito Federal poderão estabelecer a regulação das instituições e cursos de
educação superior pertencentes aos seus sistemas (BRASIL, 1996).
O artigo 16º da LDB estabelece que o Sistema Federal de Ensino, nos diferentes
níveis, será composto (i) por instituições de ensino mantidas pela União, (ii) por
instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada e (iii) por
órgãos federais de educação (BRASIL, 1966). Atualmente, o estabelecimento do sistema
federal de ensino superior está regulamentado no decreto 5.773, de 9 de maio de 2006, que
dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de
educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais. O artigo do referido
decreto estabelece que “o sistema federal de ensino superior compreende as instituições
federais de educação superior, as instituições de educação superior criadas e mantidas pela
iniciativa privada e os órgãos federais de educação superior.” (BRASIL, 2006a).
Assim, do pondo de vista legal, o sistema federal de ensino superior está composto
apenas pelas Ifes, pelas IES privadas e pelos órgãos federais, tais como MEC, CNE, Inep,
Conaes e Capes. Portanto, as instituições de educação superior vinculadas aos sistemas
estaduais, bem como os órgãos desses entes federativos de educação superior, não fazem
parte do Sistema Federal de Ensino. Segundo dados do Inep (2005b), no ano de 2004,
dentro do conjunto total de 2013 instituições de educação superior do Brasil, 1876 eram
Ifes ou IES privadas, ou seja, 93% das instituições pertenciam ao SFE; apenas 137
instituições públicas, correspondentes a 7%, pertenciam aos sistemas estaduais, sendo 75
vinculadas aos Estados e 62 aos Municípios.
O decreto 5.773, de 9 de maio de 2006, no artigo 12º (BRASIL, 2006a) também
estabelece que as instituições de educação superior, de acordo com sua organização e
respectivas prerrogativas acadêmicas, serão credenciadas como: (i) faculdades, (ii) centros
universitários e (iii) universidades. Dessa forma, a diversidade de IES existentes na
educação superior brasileira pode ser observada tanto em relação à (a) categoria
administrativa - instituições estatais federais, instituições estatais estaduais e municipais,
201
instituições privadas comunitárias ou confessionais, instituições privadas filantrópicas e
instituições privadas no sentido pleno (mercantis)-, como no que tange à (b) organização
acadêmica - universidades, centros universitários e faculdades. A organização acadêmica
das instituições também pode apresentar subclassificações especificas como, por exemplo,
no caso das instituições tecnológicas: Cefet (considerado um centro universitário) e Fatec
(considerada uma faculdade).
Segundo Thesaurus Brasileiro da Educação, no sítio do Inep,
o uso corrente de expressões tais como sistema local, sistema regional, sistema
nacional e sistema blico de ensino, refere-se em qualquer caso, a certo regime
legalmente estabelecido mediante ação político-administrativa, que aos serviços
escolares comunica unidade formal de propósitos e certa unificação de
procedimentos, por influência de um contexto social que a esses mesmos
serviços inspire e modele (INEP, 2006a).
Na presente tese, entretanto, não se pretende, adentrar, mesmo que de forma
superficial, no debate em torno da existência ou não de um sistema nacional de educação
superior no Brasil. O termo sistema” será utilizado num sentido amplo para referir-se à
existência de órgãos estatais de regulação e avaliação da educação superior, bem como de
IES, “postos a operar conjuntamente a partir dos marcos legais, das políticas em curso
estabelecidas pelo atual grupo no poder e também em função dos interesses institucionais e
dos grupos que mobilizam interesses particulares e/ou projetos sociais tomando como
referências às próprias instituições de ensino superior” (GOMES, 2002, p. 278). Dessa
forma, para fins de avaliação e medição do desenvolvimento da qualidade do Sesb, esta tese
entende que são elementos integrantes do sistema de educação superior brasileiro os órgãos
federais de educação superior MEC, CNE, Inep, Capes e Conaes e as mais diversas
instituições de educação superior existentes no Brasil, sejam instituições universitárias ou
não universitárias, estatais federais e estaduais ou municipais, privadas, no sentido pleno da
palavra, ou comunitárias, confessionais e filantrópicas.
4.1.2 Um sistema de indicadores para avaliar e medir a qualidade do Sesb
A princípio, as avaliações de qualidade de sistemas de educação desenvolvidos com
base em sistemas de indicadores necessitam de uma abordagem teórico-conceitual sobre
202
qualidade em educação. SegundoVlãsceanu et tal. (2004, p. 38-39), os indicadores podem
ser “usados para traduzir aspectos teóricos da qualidade num processo conhecido como
operacionalização”, por meio do qual se constroem modelos para avaliação e medição com
base numa concepção ou conceito de qualidade. Assim, a elaboração de um sistema de
indicadores para avaliar e medir a qualidade de um sistema de educação superior requer,
inicialmente e fundamentalmente, o estabelecimento de uma base referencial acerca de
concepções de qualidade em educação. Dessa forma, com vistas a embasar a elaboração de
uma proposta de sistema de indicadores para a qualidade do Sesb serão utilizados como
quadro referencial básico o conceito e o entendimento de qualidade para um SES proposto
nesta tese. Tal conceito destaca que,
não obstante a existência de diferentes visões e concepções, a qualidade de um
sistema de educação superior poderia ser adequadamente entendida como a
existência das propriedades: (i) de “relevância” para o desenvolvimento das mais
diversas áreas socioculturais e econômicas do país; (ii) de “diversidade” para
atender as mais diferentes demandas e necessidades de educação e formação;
(iii) de “eqüidade” de oportunidade para todas as pessoas das mais diversas
regiões e classes sociais do país; (iv) de “eficácia” na consecução de todas as
funções básicas do SES e da formação integral dos indivíduos e da sociedade.
Em relação às atuais tendências mundiais de visão de qualidade em ES
(economicista, pluralista e de equidade), tal conceito aproxima-se mais da visão pluralista,
visto que considera tanto aspectos de relevância como de eqüidade e eficácia. Além da
consideração de tal conceito, a operacionalização” do entendimento da qualidade em ES
desenvolvido neste trabalho também considerará as estruturas e características presentes
nos instrumentos análogos desenvolvidos por importantes organismos internacionais.
Alguns dos mais importantes organismos multilaterais têm baseado avaliações,
medições e acompanhamentos do desempenho dos sistemas nacionais de educação por
meio de sistemas de indicadores, que, geralmente, consideram aspectos de entradas e/ou
recursos, processo e saídas e/ou resultados (UNESCO, 1997a; 2003a; 2004; EUROPEAN
COMISSION, 2000; OECD, 2002; NAVARRA, 2004).
Mais recentemente, um número crescente de países também tem organizado
sistemas de indicadores e publicações de avaliação dos seus sistemas de educação, dentre
203
os quais se incluem Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, EUA, Finlândia, França,
Holanda, Luxemburgo e Reino Unido (NAVARRA, 2004). Na literatura acadêmica
também existem referências ao estabelecimento de sistemas de indicadores envolvendo
aspectos de entradas, de processo e de saídas com vistas ao desenvolvimento de avaliação
medição e acompanhamento do desempenho, da evolução ou da qualidade dos sistemas de
educação (SAHNEY; BANWET; KARUNES, 2004; SARRAMONA, 2005). Segundo
Mercedes G. Garcia (2000), os sistemas de indicadores procuram superar a obtenção de
uma simples soma de dados ao agrupar indicadores simples ou compostos em função de
fatores e aspectos que lhes dêem sentido e uma visão significativa do estado dos sistemas
de educação.
Diversos trabalhos têm vinculado características de entradas (ou insumos), processo
e saídas e/ou resultados a um enfoque sistêmico de modelos de qualidade em educação
(ESTRADA, 1999; SAHNEY; BANWET; KARUNES, 2004; ORDEN HOZ, 2004).
Segundo León R. G. Estrada (1999), a avaliação da qualidade em educação se “expressa
como um juízo de valor sobre um atributo ou um conjunto de atributos acerca dos insumos
[entradas], processos, resultados ou produtos educativos, ou das relações entre eles”. Da
mesma forma, mas no âmbito específico de sistema de educação, o entendimento conceitual
do Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la calidad de la educación da Unesco
(1997a, p. 7) acerca do significado da qualidade tem “estreita relação com o nível de logro
dos objetivos educacionais, no marco dos programas oficiais de estudo, levando em conta
as variáveis de insumo e especialmente processo”. O conceito subjacente do órgão
determina que
o nível de qualidade da educação consiste basicamente na definição de um
conjunto de variáveis que proporcione, em forma sistemática, um quadro
confiável e válido acerca do estado dos sistemas de educação e que pode ser
utilizado para colaborar na orientação e ações de melhoria (UNESCO, 1997a,
p.7)
Em publicação de 1966, Y. C. Cheng (apud SAHNEY; BANWET; KARUNES,
2004) definiu qualidade educacional como “as características de um conjunto de elementos
na entrada, processo, e saída do sistema educacional que proporcionam serviços que
204
satisfazem completamente estratégias dos envolvidos internos e externos, contemplando
suas implícitas e explícitas expectativas”. Essa definição envolve as características de
entradas, processo e resultados e múltiplos interessados em educação superior e considera
qualidade em educação como um conceito múltiplo que não pode ser avaliado por apenas
um indicador. Enfim, pode-se dizer, com segurança, que os recentes modelos conceituais e
operacionais elaborados com vistas a avaliar, medir e monitorar o desenvolvimento e a
qualidade dos sistemas de educação têm se baseado em estruturas sistêmicas de indicadores
que consideram aspectos de (i) entradas e/ou recursos, de (ii) processo e de (iii) resultados
e/ou de saídas
21
.
Geralmente, os indicadores de entradas referem-se aos recursos, tanto financeiros
como humanos e tecnológicos, que se destinam à educação (ESTRADA, 1999). Aspectos
relativos aos gastos com educação, investimento com tecnologia de informações e
quantidade e formação dos docentes também podem estar incluídos entre os indicadores de
entrada e/ou recursos (EUROPEAN COMISSION, 2000; OECD, 2002; NAVARRA,
2004). Os indicadores de processo referem-se ao contexto pedagógico e organizacional, ou
seja, dizem respeito às características primárias, relativas à participação direta do processo
de educação, e secundárias, relativas ao apoio à organização das características primárias
(ESTRADA, 1999). Aspectos relativos ao número de horas de ensino, número de horas,
salário e dedicação dos docentes, e acesso e utilização das TIC podem compor a estrutura
dos indicadores de processo (EUROPEAN COMISSION, 2000; OECD, 2002;
NAVARRA, 2004). Por fim, os indicadores de resultados referem-se às características
relativas aos propósitos intermediários e últimos da educação (ESTRADA, 1999); nível de
êxito dos alunos em exames nas diversas disciplinas, proporção de diplomados e taxas de
escolarização e impactos no desenvolvimento econômico e social podem estar entre os
indicadores de resultados (EUROPEAN COMISSION, 2000; OECD, 2002; NAVARRA,
2004). Dessa forma, não obstante a existência e possibilidade de outras formas de
21
Existe certa variedade de denominações para representar os indicadores relacionados aos propósitos dos
sistemas de educação, tais como, “produtos”, “resultados” ou “saídas” dos sistemas. Alguns autores, como
Estrada (1999), denominam os aspectos relacionados com os propósitos finais da educação de “indicadores de
produto” (ex: egressos empregados no ramo de sua formação) e os aspectos relativos aos propósitos
intermediários ou secundários de “indicadores de resultados” (ex: número de egressos graduados num ano).
Nesta tese será adotada, predominantemente, a denominação de “‘indicadores de resultados” para todos os
aspectos relativos aos mais diversos propósitos de um sistema de educação.
205
organização, o sistema de indicadores proposto para avaliar e medir o desenvolvimento do
Sesb deverá possuir uma estruturada sistêmica com elementos de entradas, processo e
resultados (Figura 10).
Gastos com educação
Investimento em TIC
Indicadores de
entradas
Gastos com educação, investimento com
tecnologia de informações e quantidade e
formação dos docentes.
Quantidade e formação de docentes
Número de horas de ensino
Acesso e utilização das TIC
Indicadores de
processo
Contexto pedagógico e organizacional ou
características primárias, relativas à
participação direta do processo de educação,
e secundárias, relativas ao apoio à
organização das características primárias.
Número de horas, salário e dedicação dos
docentes
Nível de êxito dos alunos em exames
Porcentagem de matriculados e taxas de
escolarização
Indicadores de
resultados
Características relativas aos propósitos
intermediários e últimos da educação.
Impactos no desenvolvimento econômico e
social
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Figura 10 – Estrutura básica do sistema de indicadores para o Sesb
Ainda não existe um consenso geral sobre a quantidade necessária, tampouco sobre
os aspectos mais apropriados para comporem um sistema de indicadores de sistemas
nacionais de educação, porém pode-se dizer que existem alguns aspectos presentes na
maioria dos instrumentos desenvolvidos nos países e pelos organismos internacionais. Não
obstante os sistemas de indicadores terem se desenvolvido nos últimos dez anos, segundo
muitos especialistas, ainda há muito a ser feito para a qualificação e aperfeiçoamento de
tais instrumentos (NAVARRA, 2004). Assim, esta tese tomará como modelos referenciais,
com vistas à elaboração da proposta do sistema de indicadores para avaliar e medir o
desenvolvimento da qualidade do Sesb, os trabalhos de avaliação e as propostas de sistemas
de indicadores para a educação superior mais recentemente elaboradas pelos mais
importantes organismos internacionais, tais como Unesco-Cepes, OCDE e Banco Mundial.
A seguir, os sistemas de indicadores e aspectos considerados pelas três instituições serão
analisados individualmente em relação as suas características (i) de tipo de abordagem
206
sistêmica (entradas, processo e resultados), (ii) de vinculação com as propriedades de
qualidade de SES especificadas nesta tese - eficácia, relevância, eqüidade e diversidade -, e
(iii) de possíveis formas de mensuração (indicadores quantitativos). Com base nessa
análise, então, serão extraídos indicadores e aspectos aplicáveis e adequados ao conceito e
entendimento de qualidade de um SES proposto nesta tese com vistas à construção do
sistema de indicadores para o Sesb.
Referência dos Indicadores da Unesco-Cepes
O projeto Strategic Indicators for Higher Education in the Twenty-First Century,
coordenado pelo European Centre for Higher Education da Unesco, Bucareste, Romênia,
procura estabelecer um sistema de indicadores estratégicos para monitorar o nível de
desenvolvimento dos sistemas de educação superior dos países membros da entidade. O
projeto está relacionado com os dois documentos que resultaram da Conferência Mundial
da Educação Superior ocorrida em Paris de 5 a 9 de outubro de 1998: “Higher education in
the twenty-first century: vision and action” e o “Framework for priority action for change
and development of higher education”. Assim, o sistema de indicadores proposto pela
Unesco-Cepes busca contribuir com as reflexões acerca do desenvolvimento da educação
superior de acordo com o contexto da visão postulada durante o encontro de Paris. A
estrutura da proposta está baseada em quatro conjuntos de aspectos sobre um sistema de
educação superior: indicadores do quadro referencial das políticas; indicadores de
financiamento; indicadores dos níveis de participação, acesso e retenção e indicadores de
resultados econômicos e sociais (UNESCO, 2003a). A Figura 11 estabelece a relação de
alguns dos principais indicadores propostos pelo projeto Strategic Indicators for Higher
Education in the Twenty-First Century com o conceito de qualidade de um SES desta tese e
com a estrutura sistêmica de indicadores com vistas a apontar indicadores para compor o
sistema de avaliação e medição da qualidade do Sesb.
207
Sistema UNESCO-CEPES Indicadores propostos Propriedades de
qualidade
A] Indicadores de quadro referencial que suporta as políticas e os desenhos de políticas
1.1 Quadro das políticas de prestação de contas e tomada de
decisão: nacional e institucional
Envolvimento de todos os stakeholders relevantes
Participação e envolvimento das mulheres na tomada de
decisão
Envolvimento dos estudantes em decisões políticas
[institucionais]
Alta qualidade de avaliação [institucional] interna e externa
- -
1.2 Políticas claras para o pessoal acadêmico da educação
superior
Políticas claras relativas aos professores da educação
superior
Participação [de todo pessoal acadêmico] em ensino e
pesquisa
(i) Tempo de dedicação dos
docentes ao ensino e a pesquisa-P;
(ii) Taxa de docentes com
doutorado-E.
Indicadores de entradas e
processo relacionados com a
propriedade de eficácia do
sistema.
1.3 Promoção e desenvolvimento de pesquisa
Reforço da ligação entre educação superior e pesquisa
Proximidade entre educação superior e instituições de
pesquisa
Desenvolvimento de pesquisa em todas as disciplinas da
educação superior
(iii) Gastos em P&D na ES-E; (iv)
Taxa de docentes envolvidos com
pesquisa-P; (v) Taxa de discentes
envonvidos com pesquisa-R; (vi)
Investimento da iniciativa privada
em P&D na ES-E.
Indicadores de entradas,
processo e resultados
relacionados com as
propriedades de eficácia e
relevância do sistema.
1.4 Condições de liberdade e autonomia (institucional,
acadêmica e estudantil)
B] Indicadores de financiamento
2.1 Financiamento realizado na educação superior
Empenho de recursos humanos, materiais e financeiros (vii) Gastos com educação superior
público e privado como
porcentagem do PIB-E; (viii) Gastos
com ensino como porcentagem do
gasto total com ES-E.
Indicadores de entrada.
2.2 Incremento de colaboração com outros países
Cooperação crescente entre todos os países em todos os
níveis do desenvolvimento econômico
Redução da distância existente entre as nações
industrialmente desenvolvidas e as em desenvolvimento
- -
2.3 Uso de novas tecnologias
Uso das TICs que estão se generalizando da forma mais
expansiva possível para ajudar as instituições de educação
superior
(ix) Porcentagem do tempo que os
cursos de graduação utilizam TIC-P.
Indicador de processo
relacionado com a propriedade
de eficácia.
C] Indicadores de níveis apropriados de participação, acesso e retenção
3.1 Expansão do acesso
[Quando necessário] diversificar e expandir o acesso
Alternativas e flexibilidade nos pontos de entrada e saída
Educação permanente e/ou continuada
(x) Número total e por disciplina de
estudantes para cada grupo de 100
mil hab.-R; (xi) Porcentagem de
discentes com 25 anos ou mais-R.
Indicadores de resultado
relacionados com a propriedade
de eficácia.
3.2 Equidade no acesso
Acesso para todos com base no mérito
Consolidação da participação das mulheres
Criação de entradas, especialmente para estudantes mais
velhos
(xii) Razão entre a proporção de
estudantes da ES das classes sociais
mais baixas e a proporção da
população de classes sociais mais
baixas-R; (xiii) Razão de homens
para mulheres entre os calouros-R;
(xiv) Porcentagem de mulheres
envolvidas em programas de
pesquisa em relação ao total de
estudantes pesquisadores-R; (xv)
Porcentagem de estudantes que
trabalham-R.
Indicadores de resultado
relacionados com a propriedade
de equidade do sistema.
3.3 Provisão de auxílio ao estudante
Formas de auxílio aos estudantes, incluindo medidas para
melhorar condições de vida dos estudantes
(xvi) Taxa de retenção do primeiro
ano-R; (xvii) Razão entre discentes e
todos os docentes-E; (xviii) Razão
entre discentes e pessoal-R.
Indicadores de entradas e
resultados relacionados com a
propriedade de eficácia do
sistema.
D] Indicadores de resultados econômicos e sociais
4.1 Ligações entre educação superior, industria e emprego
208
de graduados
Ligações próximas entre educação superior e mundo do
trabalho
(ixx) Taxa de emprego de
graduados: dois anos ou mais, total e
por disciplina-R.
Indicador de resultados
relacionado a propriedade de
relevância do sistema.
4.2 Promoção da mobilidade internacional
Auxílio no desenvolvimento de mobilidade internacional e
nacional do pessoal e dos estudantes
(xx) Porcentagem de discentes
estrangeiros em relação a todos os
discentes-P; (xxi) Porcentagem dos
docentes com mais alta titulação
obtida no exterior-E.
Indicadores de entradas e
processo relacionados com as
propriedades de eficácia.
4.3 Efeitos catalisadores dos sistemas globais e locais no
desenvolvimento regional e nacional
Estímulo para todo o sistema de educação
Contribuição para o desenvolvimento local, regional e
nacional
(xxii) Taxas de participação da
Educação por nível-R.
Indicador de resultados
relacionado com a propriedade
de relevância.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de UNESCO, 2003a.
Figura 11 – Sistema da Unesco-Cepes para indicadores de qualidade do Sesb
Dessa forma, com vistas à elaboração de um sistema de indicadores para a
qualidade do Sesb, os indicadores da Unesco-Cepes a seguir descritos serão tomados como
referência: taxa de docentes com doutorado, gastos em P&D na ES, investimento da
iniciativa privada em P&D na ES, gastos com educação superior público e privado como
porcentagem do PIB, gastos com ensino como porcentagem do gasto total com ES, razão
entre discentes e todos os docentes e porcentagem dos docentes com mais alta titulação
obtida no exterior, como indicadores de entradas; tempo de dedicação dos docentes ao
ensino e a pesquisa, taxa de docentes envolvidos com pesquisa, porcentagem do tempo que
os cursos de graduação utilizam TIC e porcentagem de discentes estrangeiros em relação a
todos os discentes, como indicadores de processo; taxa de discentes envonvidos com
pesquisa, número total e por disciplina de estudantes para cada grupo de 100 mil habitantes,
porcentagem de discentes com 25 anos ou mais, razão entre a proporção de estudantes da
ES das classes sociais mais baixas e a proporção da população de classes sociais mais
baixas, razão de homens para mulheres entre os calouros, porcentagem de mulheres
envolvidas em programas de pesquisa em relação ao total de estudantes pesquisadores,
porcentagem de estudantes que trabalham, taxa de retenção do primeiro ano, razão entre
discentes e pessoal, taxa de emprego de graduados: dois anos ou mais, total e por disciplina
e taxas de participação da educação por nível, como indicadores de resultados,
209
Referência dos Indicadores da OCDE
A OCDE também tem se ocupado com avaliação e medição de sistemas nacionais
de educação. Na avaliação que a OCDE está desenvolvendo do sistema de educação
superior de Portugal, por exemplo, o organismo busca descrever e apontar algumas análises
acerca das tendências e problemas em termos de eqüidade, eficácia e eficiência. Pela
abordagem das políticas públicas, da sua dimensão sistêmica, das suas potencialidade e
fragilidades no contexto regional europeu, a eficiência e o estado de desenvolvimento do
sistema de educação superior português são analisados. Aspectos relacionados à missão da
educação superior, acesso e eqüidade, qualidade da oferta, recursos humanos, recursos
financeiros e internacionalização são abordados pela OCDE com vistas ao desenvolvimento
da avaliação do sistema global de educação superior (CIPES, 2006). A Figura 12 estabelece
a relação dos aspectos considerados pela OCDE na avaliação de um SES com o conceito de
qualidade de um SES desta tese, com a estrutura sistêmica de indicadores e aponta
possíveis formas de mensuração de tal avaliação.
Avaliação da OCDE Indicadores propostos Propriedades de qualidade
- Sistema de governo - -
- Participação, por faixa-etária e por tipos de cursos (xxiii) Porcentagem dos discentes por
faixas-etárias-R; (xxiv) Porcentagem
dos discentes por tipos de cursos-P.
Indicadores de processo e resultados
relacionados com as propriedades de
eficácia e diversidade do sistema.
- Despesas totais, no meio governamental ou outros
meios
(xxv) Gastos com educação superior
público e privado por discente-E.
Indicador de entrada.
- Despesas com pesquisas (xxvi) Gastos em pesquisa por tipo de
instituição – inclusive com subsídios
para o setor privado-E.
Indicador de entrada relacionado a
propriedade de diversidade e
relevância.
- Custo médio por tipo de estudo - -
- Custo médio por indivíduos - -
- Equidade no acesso (xxvii) Razão entre a proporção de
estudantes da ES das regiões do país e
a proporção da população dessas
regiões-R.
Indicador de resultado relacionado a
propriedade de equidade.
- O sistema de garantia da qualidade (xxviii) Porcentagem dos cursos e
instituições avaliadas-P.
Indicador de processo relacionado a
propriedade de eficácia.
- Ligações com o sistema secundário - -
- Ligações com o mercado de trabalho - -
- Relacionamentos internacionais (ixxx) Porcentagem de discentes
estudando no estrangeiro em relação a
todos os discentes-P
Indicador de processo relacionado com
a propriedade de eficácia.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de CIPES, 2006.
Figura 12 – Avaliação da OCDE para indicadores de qualidade do Sesb
210
Dessa forma, com vistas à elaboração do sistema de indicadores para a qualidade do
Sesb, os aspectos considerados pela OCDE a seguir descritos serão tomados como
referência: gastos com educação superior público e privado por discente e gastos em
pesquisa por tipo de instituição – inclusive com subsídios para o setor privado, como
indicadores de entradas; porcentagem dos discentes por tipos de cursos, porcentagem dos
cursos e instituições avaliadas e porcentagem de discentes estudando no estrangeiro em
relação a todos os discentes, como indicadores de processo; e porcentagem dos discentes
por faixas-etárias e razão entre a proporção de estudantes da ES das regiões do país e a
proporção da população dessas regiões, como indicadores de resultados.
Referência dos Indicadores do Banco Mundial
Segundo textos do Banco Mundial, a instituição orienta reformas essenciais nas
políticas com vistas a tornar os sistemas de educação superior mais eficientes, relevantes,
eqüitativos, transparentes e responsivos. Ao dar suporte à implantação de reformas na
educação superior, o Banco Mundial prioriza programas e projetos que podem trazer
desenvolvimento e inovações positivas para: (i) incrementar a diversidade institucional; (ii)
fortalecer a pesquisa científica e tecnológica e o desenvolvimento da educação; (iii)
melhorar a qualidade e a relevância da educação terciária; (iv) promover grandes
mecanismos de eqüidade para ajudar estudantes em desvantagem; (v) estabelecer sistemas
de financiamento sustentáveis para incentivar a responsabilização e flexibilidade; (vi)
fortalecer as capacidades gerenciais; (vii) realçar e expandir a capacidade das TIC para
reduzir a exclusão digital (WORLD BANK, 2006). A Figura 13 estabelece a relação dos
aspectos e dados considerados pelo Banco Mundial na análise do desenvolvimento de um
SES com o conceito de qualidade de um SES desta tese e com a estrutura sistêmica de
indicadores.
211
Análise do Banco Mundial Indicadores propostos Propriedades de qualidade
[Gastos por discentes com educação
pública (% per capita do PIB)]
(xxx) Porcentagem de gastos com
educação superior – E (% total dos
gastos)
Indicadores de entrada.
[Docentes na educação superior]
[Docentes do sexo femininos na
educação superior]
Indicadores de processo.
[Porcentagem de moças (mulheres
adultas) na educação superior]
(xxxi) Taxa de escolarização bruta
feminina na educação superior-R;
[Taxa de escolarização bruta
masculina na educação superior]
Indicadores de resultados relacionados
a propriedade de equidade.
- Governança
- Financiamento
- Garantia da qualidade
- Educação permanente (aprendizagem ao longo da
vida)
- Equidade
(xxxii) Taxa de escolarização bruta na
educação superior-R;
[Matriculas na educação superior]
(xxxiii) Porcentagem de diplomados
em educação superior no conjunto da
força de trabalho-R;
(xxxiv) Porcentagem de mulheres com
diploma de educação terciária no
conjunto da força de trabalho-R;
[Porcentagem de homens com
diploma de educação superior no
conjunto da força de trabalho]
[total da força de trabalho]
Indicadores de resultados relacionados
a propriedade de eficácia e equidade.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de WORLD BANK, 2006.
Figura 13 – Análise do Banco Mundial para indicadores de qualidade do Sesb
Dessa forma, com vistas à elaboração do sistema de indicadores para a qualidade do
Sesb, os aspectos considerados pelo Banco Mundial a seguir descritos serão tomados como
referência: porcentagem de gastos com educação superior, como indicadores de entradas; e
taxa de escolarização bruta feminina na educação superior, taxa de escolarização bruta na
educação superior, porcentagem de diplomados em educação superior no conjunto da força
de trabalho e porcentagem de mulheres com diplomada de educação terciária no conjunto
da força de trabalho, como indicadores de resultados.
Referência do contexto sociocultural e econômico brasileiro
A elaboração do sistema de indicadores para o Sesb deve considerar, além dos
indicadores avaliados pelos organismos internacionais (Unesco, BM e OCDE), questões e
desafios contemporâneos específicos da sociedade brasileira e de seu SES. Como a
concepção a ser adotada por esta tese busca adequar-se à visão pluralista de qualidade em
ES, considerando de forma igual as contribuições do Sesb para o crescimento da economia
e para o desenvolvimento sociocultural, da eqüidade e da coesão social, faz-se necessário
uma breve identificação das grandes questões e problemas nacionais atuais nos mais
212
diferentes aspectos. Dessa forma, a escolha de indicadores para o Sesb o se limitará aos
exemplos dos modelos internacionais
22
(Unesco, OCDE e BM), mas também terá origem
em questões relativas ao contexto sociocultural e econômico específico do Brasil
contemporâneo. Portanto, o sistema de indicadores proposto estará: (i) respeitando o
princípio da diferenciação”, considerando o contexto do Sesb conforme a especificidade
da realidade brasileira, que em muitos casos difere dos contextos dos SES de outros países;
(ii) desenvolvendo a avaliação da “relevância” do Sesb de forma mais eficaz, pois tratará
das necessidades específicas do Brasil atual
23
.
O Brasil é um país com extensões territoriais quase continentais, possui uma ampla
heterogeneidade regional em relação aos aspectos étnicos, geográficos, socioculturais e
econômicos e, sem dúvida, trata-se de uma nação altamente complexa em todas as suas
dimensões de Estado, sociedade civil e mercado. No entanto, a identificação das principais
questões e problemas nacionais na atualidade não pode ser considerada uma tarefa muito
complexa. Pode-se dizer inclusive, que nos mais variados fóruns de debate acadêmico, nas
diferentes instâncias empresariais e dos trabalhadores, na arena política e nos próprios
meios de comunicação, existe certo consenso acerca dos grandes problemas nacionais: (i)
desigualdade e exclusão social (concentração da riqueza nas mãos de poucos); (ii)
crescimento econômico insuficiente (falta de infra-estrutura, carência de capital humano
qualificado, necessidade de reformas estruturais política, trabalhista, previdenciária etc.);
(iii) sistema educacional deficiente qualitativa e quantitativamente (resultados negativos
nas avaliações internacionais na educação básica e baixa taxa de escolaridade na ES); (iv)
dependência externa e atraso no âmbito científico-tecnológico; (v) graves problemas sociais
de natureza ético-moral e de violência e insegurança.
22
O debate emergente e atual em nível mundial acerca da internacionalização e da qualidade no sentido de
avaliação internacional e agências internacionais (de garantia de qualidade) não será considerado na
elaboração da proposta do sistema de indicadores para avaliar e medir o desenvolvimento da qualidade do
Sesb, visto que se referem à tendência de criação de mercados globais para a educação superior que não
convergem com o objetivo desta tese de avaliar e medir a qualidade de um sistema nacional de educação
superior.
23
Não obstante a utilização de indicadores quantitativos, não se pode considerar que a proposta de sistema de
indicadores para a qualidade do Sesb desta tese é baseada numa concepção de qualidade predominantemente
economicista (isomorfismo, empregabilidade, etc.) visto que se levam em conta, sobretudo, as especificidades
do contexto brasileiro, aspectos de eqüidade, diversidade e relevância.
213
Nesse contexto, o sistema de educação superior brasileiro, para poder ser
considerada como pertinente e relevante para o país, deve considerar, no estabelecimento
de suas funções, as grandes questões nacionais e atuar principalmente com vistas a fazer
frente às iniqüidades existentes, às deficiências e problemas educacionais e procurar
desenvolver a ciência e tecnologia com o objetivo de contribuir no desenvolvimento
sociocultural, econômico e tecnológico do país. Dessa forma, a elaboração do sistema de
indicadores para avaliar e medir o desenvolvimento da qualidade do Sesb, proposta por esta
tese contemplará tais especificidades do contexto brasileiro pela inclusão na estrutura
básica do sistema de indicadores (Figura 10) dos seguintes subgrupos:
- ‘Investimento em pesquisa’ no grupo dos indicadores de entradas;
- ‘Diversificação de IES, cursos e áreas’, ‘Internacionalização dos discentes’ e
‘Avaliação de IES e cursos’ no grupo de indicadores de processo;
- ‘Equidade social e regional’ no grupo dos indicadores de resultados.
Finalmente, para concluir a elaboração do sistema de indicadores para o Sesb, foram
incluídos indicadores relacionados com a estrutura sistêmica e que não estavam presentes
nos modelos dos organismos internacionais: no subgrupo ‘Número de horas, salário e
dedicação dos docentes’, foram anexados os indicadores ‘Taxa média de dedicação de
tempo dos docentes para ES’ e ‘Média salarial dos docentes da ES: geral, estatal e privada’;
no subgrupo ‘Diversificação de IES, cursos e áreas’, foi inserido o indicador ‘Porcentagem
dos discentes por grandes áreas do conhecimento’; no subgrupo ‘Nível de êxito dos alunos
em exames’, foram anexados os indicadores ‘Porcentagem de discentes com bom
aproveitamento nos exames de aprendizagem: geral e por disciplinas (Provão e Enade)’ e
‘Porcentagem de cursos com boa avaliação externa: geral e por tipo de cursos’; e no
subgrupo, ‘Impactos no desenvolvimento econômico e social’, foi inserido o indicador
‘Número de publicações científicas relevantes para cada grupo de 100 docentes
pesquisadores: geral e por grandes áreas do conhecimento’.
Assim, após a observância e embasamento nos seguintes conceitos, modelos e
referências:
(i) o conceito de qualidade em ES (tendendo ao pluralismo) proposto por esta tese:
eficácia, diversidade, relevância e eqüidade;
214
(ii) o modelo de sistema de indicadores sistêmico estruturado em aspectos de
entradas, processo e resultados;
(iii) os indicadores e aspectos de avaliação de SES propostos pelos organismos
internacionais Unesco-Cepes, OCDE e BM;
(iv) os aspectos socioculturais e econômicos do Brasil contemporâneo para melhor
avaliar a relevância do Sesb,
chegou-se ao sistema de indicadores representado na Figura 14, que está estruturado
basicamente em três grande grupos (entradas, processo e resultados), divididos em
subgrupos e, esses, em indicadores.
Alguns indicadores podem ser analisados em função do detalhamento por região do
país e por natureza administrativa das instituições (estatal ou privada) para ampliar a
análise da eqüidade existente no sistema. Além disso, poder-se-ia considerar a possibilidade
de tratar um conjunto de indicadores de forma qualitativa com quatro ou cinco escalas de
medidas como, por exemplo, “baixa, moderada, alta”, “nenhuma, poucas, várias, muitas”,
ou, ainda, uma terminologia específica. Tais indicadores se adequariam a elementos que
apresentam certa subjetividade, como, por exemplo, “cursos e instituições avaliadas
positivamente”, “cursos com boa avaliação externa”, “publicações científicas relevantes”
etc.
215
A1. Porcentagem de investimento estatal e privado em ES em relação ao
PIB
A2. Porcentagem de investimento estatal em ES em relação ao total
investido em educação
A-Investimento em
educação
A3. Investimento com educação superior por discente: geral, estatal e
privado
B1. Investimento em P&D na ES: geral, estatal e privado
B-Investimento em
pesquisa
B2. Investimento estatal em P&D por tipo de instituição (estatal, privada,
universidades, não-universidade, tecnológica)
C-Investimento em TIC C1. Investimento em TICs para a ES: geral, estatal e privado
D1. Razão entre discentes e docentes com alta titulação
D2. Razão entre discentes e todos os docentes
Entradas
D-Quantidade e
formação docente
D3. Porcentagem de docentes com mais alta titulação obtida no exterior
E1. Número da carga horária média dos cursos de graduação E-Número de horas de
ensino
E2. Porcentagem de tempo dos docentes dedicados a P&D
F-Acesso e utilização
das TIC
F1. Porcentagem de tempo de ensino em que os cursos de graduação
utilizam TIC
G1. Taxa média de dedicação de tempo dos docentes para ES
G2. Média salarial dos docentes da ES: geral, estatal e privada
G-Número de horas,
salário e
dedicação dos docentes
G3. Taxa de rotatividade de docentes nas instituições
H1. Porcentagem dos discentes por tipos de cursos de graduação
(presencial, a distância, licenciaturas, tecnológicos, bacharelados)
H-Diversificação de
IES, cursos e áreas
H2. Porcentagem dos discentes por grandes áreas do conhecimento
I1. Porcentagem de discentes estrangeiros em relação a todos os discentes
I-Internacionalização
dos discentes
I2. Porcentagem de discentes estudando no estrangeiro em relação a todos
os discentes
Processo
J-Avaliação de IES e
cursos
J1. Porcentagem dos cursos e instituições avaliadas externamente
K1. Porcentagem de discentes com bom aproveitamento nos exames de
aprendizagem: geral e por disciplinas K-Nível de êxito dos
alunos em exames
K2. Porcentagem de cursos com boa avaliação externa: geral e por tipo de
cursos
L1. Taxa de escolarização bruta da ES
L2. Número de discentes para cada grupo de 100 mil habitantes: geral e
por disciplina
L3. Porcentagem de discentes que trabalham
L4. Porcentagem de discentes por faixas-etárias
L-Proporção de
matriculados
e taxas de escolarização
L5. Taxa de evasão no primeiro ano de estudo na ES
M1. Taxa de empregabilidade de graduados até dois anos: geral e por
disciplinas
M2. Porcentagem de diplomados em educação superior no conjunto da
força de trabalho
M3. Porcentagem de discentes envonvidos com P&D
M-Impactos no
desenvolvimento
econômico e social
M4. Número de publicações científicas relevantes para cada grupo de 100
docentes pesquisadores: geral e por grandes áreas do conhecimento
N1. Relação entre o percentual da raça dos estudantes da ES e o percentual
da raça da população
N2. Relação entre o percentual de estudantes da ES de classes sociais
baixas e o percentual da população de classes sociais baixas
N3. Relação entre o percentual de estudantes da ES das regiões e o
percentual da população dessas regiões
Resultados
N-Equidade social e
regional
N4. Porcentagem de cursos com bom aproveitamento nos exames de
aprendizagem por regiões do país
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Figura 14 – Sistema de Indicadores para a qualidade do Sesb
216
4.2 Avaliação e Medição do Desenvolvimento da Qualidade do Sesb – Período 1994-
2003
A revisão da literatura indica que os estudos desenvolvidos até o momento sobre a
mercantilização da educação superior ainda não permitem conclusões definitivas sobre os
impactos de tal fenômeno na qualidade e no desempenho dos sistemas nacionais de
educação superior. Questões relacionadas às conseqüências da emergência do fenômeno da
mercantilização na educação superior ainda carecem de estudos e investigações que
apontem para respostas elucidativas acerca do assunto (TEIXEIRA et al., 2004). Assim,
afirmações acerca das melhorias provocadas pela inserção de mecanismos de mercado
como, por exemplo, que a competição provoca eficiência, eficácia e desenvolve a eqüidade
nos sistemas de educação superior ainda precisam ser comprovadas. Portanto, com vistas a
contribuir na construção de respostas confiáveis sobre os impactos da mercantilização no
desenvolvimento da qualidade dos sistemas de educação superior, bem como investigar a
hipótese desta tese, de que, ao menos no caso brasileiro, em tempos de mercantilização da
educação superior, não ocorreu o desenvolvimento positivo da qualidade em nível de
sistema, a seguir é apresentada a base metodológica para a avaliação nesta tese
desenvolvida e, logo após, é implementado o levantamento, com medições e análises, sobre
o desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-2003.
4.2.1 Fundamentação metodológica da avaliação e medição do Sesb
Segundo Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt (1998), a investigação em
ciências sociais deve apresentar sete etapas percorridas em três fases: a “ruptura” com
preconceitos e falsas evidências, a “construção” de um sistema conceitual organizado e
suscetível de exprimir a lógica suposta na base do fenômeno e a “verificação” dos fatos. Os
três atos se constituem mutuamente e são realizados ao longo de uma sucessão de
operações agrupadas em sete etapas em permanente interação (Figura 15): a pergunta de
partida; a exploração: leituras e entrevistas exploratórias; a problemática; a construção do
modelo de análise; a observação; a análise das informações e as conclusões.
No que diz respeito ao desenvolvimento desta tese, a Etapa 1, a pergunta de partida,
encontra-se descrita na introdução; a Etapa 2, a exploração: leituras e entrevistas
exploratórias, está em grande medida relatada nos dois primeiros capítulos “A História e a
217
Missão da Educação Superior” e “A Mercantilização da Educação Superior: o fenômeno
mundial e o caso brasileiro”; a Etapa 3, a problemática, é desenvolvida amplamente nos
dois primeiros capítulos, mas está bem delineada na introdução; a Etapa 4, a construção do
modelo de análise, encontra-se nos capítulos “A Qualidade da Educação Superior: das
concepções aos sistemas de indicadores” e “O Desenvolvimento da Qualidade do Sesb no
período 1994-2003”. A implementação da tarefa de avaliação e medição do
desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-2003 caracteriza-se como as etapas
de observação (Etapa 5) e análise das informações (Etapa 6). E, por fim, a Etapa 7, as
conclusões, estará descrita na conclusão do trabalho.
A pergunta definida como de partida para esta tese de doutorado diz respeito a
“como se desenvolveu a qualidade do sistema de educação superior brasileiro em tempos
de mercantilização da educação superior?”, ou seja, o que se procura elucidar e
compreender melhor é o desenvolvimento da qualidade do Sesb em tempos de políticas de
mercado no âmbito da educação superior e, por conseguinte, contribuir na importante e
fundamental investigação acerca dos impactos da mercantilização da educação superior.
Com vistas à definição da problemática desta tese, foram realizadas revisões da literatura
acerca da história e missão da educação superior contemporânea e sobre o fenômeno da
mercantilização da educação superior em nível mundial e no caso brasileiro. Para se
operacionalizar a avaliação e medição do desenvolvimento da qualidade do Sesb no período
1994-2003, foi realizada revisão da literatura acerca das concepções de qualidade em
educação superior, dos fundamentos da área da avaliação e estudos sobre sistemas de
indicadores para SES reconhecidos internacionalmente. Assim, com base numa visão de
qualidade em ES tendendo ao pluralismo e considerando as propriedades de eficácia,
diversidade, relevância e eqüidade, elaborou-se um modelo de qualidade e, posteriormente,
se avaliou e mediu o desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-2003.
218
Fonte: QUIVY; CAMPENHOUDT, 1998.
Figura 15 – Etapas do procedimento de investigação de Quivy e Campenhoudt
Portanto, orientando-se em Raymond Quivy e Luc Van Campenhoudt para a
definição das etapas e procedimentos de investigação e baseando-se nos conceitos (i) de
qualidade em ES como eqüidade, relevância, diversidade e eficácia; (ii) de avaliação e
medição do desenvolvimento da qualidade de um SES
24
, propostos por esta tese e (iii) nas
24
O entendimento desta tese para “avaliação e medição da qualidade de um SES” é de que se trata de um
processo sistemático que envolve coleta de dados, análise de informações e juízo de valor e mérito acerca da
qualidade do SES. Dessa forma, tal processo deve contemplar etapas de definição de sistemas de indicadores;
219
estruturas básicas internacionais de sistema de indicadores para a qualidade de SES,
definiu-se um modelo de análise (sistema de indicadores) para recolhimento dos dados
preexistentes e disponíveis sobre o Sesb de 1994 a 2003 com vistas à análise das mudanças
e do desenvolvimento da qualidade do sistema no período estudado. Dessa forma, as
demais etapas do procedimento de investigação, citadas por Raymond Quivy e Luc Van
Campenhoudt - Etapa 5: a observação, Etapa 6: a análise das informações e Etapa 7: as
conclusões - estão descritas nos textos a seguir, que abordam o levantamento e análise do
comportamento dos indicadores, a análise geral do desenvolvimento da qualidade do Sesb
no período 1994-2003 e a conclusão final desta tese de doutorado.
4.2.2 Levantamento do desenvolvimento do Sesb no período 1994-2003
Duas abordagens receberam atenção especial nos capítulos anteriores deste estudo:
(i) a demonstração da emergência do fenômeno da mercantilização da educação superior,
tanto em termos mundiais como no caso específico brasileiro; (ii) as investigações acerca
da qualidade na ES em nível conceitual e de operacionalização por meio de sistemas de
indicadores para SES. Tais estudos foram desenvolvidos com vistas a embasar a
observação e análise do desenvolvimento da qualidade do Sesb no período compreendido
entre 1994 e 2003. Durante tal período, como fartamente demonstrado no estudo, deu-se o
início do recente processo de mercantilização da educação superior brasileira e
desenvolveu-se a expansão da rede privada (Figuras 16 e 17) pela implementação de
políticas públicas para o Sesb alinhadas com a lógica do mercado.
Dessa forma, a fim de investigar a hipótese desta tese de que não ocorreu o
desenvolvimento da qualidade do Sesb em tempos de mercantilização, a proposta de
sistema de indicadores anteriormente apresentada será utilizada como modelo referencial
para se desenvolver a observação do comportamento dos aspectos da qualidade do Sesb no
período 1994-2003. Como para o período a ser avaliado e medido não existem informações
disponíveis para todos os indicadores propostos, a observação do desenvolvimento da
qualidade do Sesb em alguns aspectos será limitada aos dados e informações disponíveis.
a valoração e monitoração dos indicadores; a análise e estudo dos resultados e a emissão de juízo de valor e
mérito sobre o sistema de educação.
220
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
1.600
1.800
2.000
1994
19
95
1996
19
97
1998
19
99
2000
20
01
2002
20
03
Ano
Quantidade de IES
Privadas
Estatais
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2004a; 2005b; 2006b.
Figura 16 – Evolução da quantidade de IES estatais e privadas
no Sesb no período 1994-2003
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Porcentagem da Rede
Estatais
Privadas
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2004a; 2005b; 2006c.
Figura 17 – Evolução do percentual de matrículas das redes
estatais e privadas no Sesb no período 1994-2003
221
No caso dos indicadores de entradas sobre investimento no Sesb no período 1994-
2003, por exemplo, a maior parte das informações disponíveis e confiáveis refere-se ao
financiamento estatal do sistema global de educação. São escassas as informações sobre o
financiamento privado e mesmo as informações públicas carecem de um maior
detalhamento relativo às parcelas específicas aos subsistemas. Além disso, existe uma série
de particularidades sobre as informações disponíveis que contribuem para tornar a
contabilização dos investimentos públicos em educação superior brasileira no período de
1994-2003 uma tarefa ainda mais complexa. No caso das Ifes, por exemplo, nos valores
computados anualmente sobre os repassasses do MEC também estão somados os
pagamentos de servidores inativos, os pagamentos de precatórios e de servidores dos
hospitais universitários, que representavam em 2002 mais de um terço dos servidores das
Ifes. Por outro lado, a forma de financiamento e registro das IES dos sistemas estaduais
pode variar de um estado para o outro. A definição do financiamento em alguns estados
como Santa Catarina, Pernambuco e Rio de Janeiro depende dos orçamentos estaduais, ao
passo que em outros, como o Paulo, o orçamento é determinado pelo montante de um
imposto específico (SCHWARTZMAN, 2002). Além dessas dificuldades, outras questões,
relativas à renúncia fiscal, crédito educativo (Creduc), Fundo de Financiamento ao
Estudante de Ensino Superior (Fies), bolsas filatrópicas, créditos próprios das IES, entre
outras, tornam a contabilização detalhada dos investimentos do governo federal, dos
governos estaduais e municipais e do financiamento privado da educação superior brasileira
uma tarefa significativamente complexa para o peodo 1994-2003. Da mesma forma,
existe limitação de disponibilidade de informações acerca de aspectos e indicadores de
processo e resultados do Sesb no período estudado.
Entretanto, não obstante tais dificuldades, algumas medições, estimativas e, por
conseguinte, acompanhamento das tendências de evolução de indicadores podem ser
realizadas com vistas à avaliação do desenvolvimento da qualidade do Sesb no período
1994-2003. As fontes primárias principais de dados e estatísticas acerca da educação
superior brasileira são o MEC e o IBGE. Através de publicações e de tabelas em planilhas
eletrônicas, disponíveis nos sítios do MEC e de suas agências, tais como o Inep e a Capes, é
possível ter acesso ao Censo da Educação Superior (que possui informações repassadas
pelas IES anualmente), aos resultados dos exames (Provão) aplicados aos concluintes dos
222
cursos de graduação e aos dados relativos ao sistema de pós-graduação do país. O Inep,
quando solicitado e justificado de forma documental, também disponibiliza tabelas
específicas (planilhas eletrônicas) para o estudo e desenvolvimento de pesquisas com os
dados estatísticos levantados sobre a educação superior brasileira. No caso deste órgão, as
informações e estatísticas disponíveis sobre IES, cursos, matrículas, vagas, ingressantes,
concluintes, docentes etc. podem ser agrupadas em diferentes aspectos, tais como por
categorias administrativas e organização acadêmica das IES, por regiões do país, por área
do conhecimento dos cursos etc. Outra importante fonte de informação sobre a educação
superior é a Pnad, realizada anualmente pelo IBGE nas residências. No ano de 2002, por
exemplo, a amostra incluiu aproximadamente 130 mil casas, com informações de 385 mil
pessoas representativas de toda população brasileira, excetuando-se apenas a zona rural da
região Norte. As informações estão disponíveis como microdados em nível de residências e
de indivíduos (SCHWARTZMAN, 2004). Além dos dados e estatísticas disponibilizadas
pelo MEC e o IBGE, para o desenvolvimento da medição dos indicadores do Sesb no
período 1994-2003 também foram utilizadas informações do Banco Central, CNPq, MCT e
Seppir, muitas já tabuladas pelos próprios órgãos e publicadas ou disponíveis na rede
mundial de computadores. Na internet, os dados e estatísticas sobre educação e educação
superior podem ser encontrados principalmente nos endereços da Edudatabrasil do Inep
(http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/), dos Indicadores Nacionais de C&T do MCT
(http://ftp.mct.gov.br/estat/ascavpp/Default.htm), do Sidra Sistema IBGE de recuperação
Automática (http://www.sidra.ibge.gov.br/) e da fapesp.indica
(http://www.fapesp.br/indicadores/). A maioria das medições dos indicadores demandou
novos cruzamentos, relações ou agrupamentos entre dados e estatísticas dos diferentes
órgãos, ou seja, novas elaborações, que possibilitaram o acompanhamento da evolução de
aspectos de um SES com vistas à avaliação do desenvolvimento da qualidade do Sesb no
período estudado.
O comportamento dos indicadores de entradas do Sesb no período 1994-2003
A importância que um país concede a sua educação mede-se em parte, pelos
recursos financeiros e humanos que lhe dedica (NAVARRA, 2004). Basicamente, existem
223
duas formas de investimento e financiamento dos sistemas de educação superior: o
financiamento estatal, que decorre dos recursos destinados pelos governos, e o
financiamento privado, que provém dos recursos empregados pelos discentes e seus
familiares junto às IES. Assim, a medição e acompanhamento dos financiamentos
realizados anualmente por governo e estudantes são de fundamental importância para
subsidiar a avaliação de aspectos de entradas de um SES. Além disso, também é importante
verificar a quantidade e o nível de formação dos docentes para se realizar a medição de
indicadores de entradas de um SES. Dessa forma, a seguir são apresentadas as evoluções de
alguns aspectos relacionados ao financiamento e à quantidade e formação dos docentes do
Sesb no do período 1994-2003.
A1 - Investimentos do governo federal nas Ifes como percentual do PIB
0,59
0,63
0,52
0,50
0,47
0,51
0,47
0,43
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Ano
% do PIB
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MEC, 2002 e IPIB/IBGE, 2006.
Figura 18 – Despesas executadas pelas Ifes com recursos do
Tesouro como porcentagem do PIB no período 1994-2001
Como não existem informações detalhadas e confiáveis para o cálculo da
porcentagem de todo o investimento (privado e estatal) em educação superior em relação ao
PIB brasileiro no período em estudo (1994-2003), a verificação das despesas executadas
pelas Ifes como porcentagem do PIB é uma das formas possíveis para a medição do
224
investimento em educação superior. O gráfico da Figura 18 utiliza dados do MEC
(BRASIL, 2002), sobre os orçamentos das Ifes, e do IBGE, sobre o PIB brasileiro (IPIB,
2006), com vistas a verificar a evolução das despesas do governo federal e do MEC com as
Ifes no período 1994-2001. Os gastos com servidores inativos foram retirados do cálculo
por se considerar que tais valores não representam gastos ou investimentos com educação
superior, mas que se referem ao montante vinculado à questão previdenciária. O gráfico
demonstra que no intervalo de oito anos a porcentagem das despesas do MEC com as Ifes
caiu de aproximadamente 0,6% para 0,4% do PIB, ou seja, especificamente no âmbito do
financiamento do governo federal para a educação superior, no período 1994-2001 ocorreu
redução na destinação de recursos como proporção do PIB nacional.
A2 – Participação do governo federal nos investimentos do SFE
Ano
Nro de
discentes
Discentes
pagantes
Financiamento
privado
Financiamento
das IFES
%
Financiamento
Federal
1994
970584
873526
R$ 4.717.038.240,00
R$ 8.820.530.328,34
65%
1995
1059163
953247
R$ 5.147.532.180,00
R$ 6.086.440.055,73
54%
1996
1133102
1019792
R$ 5.506.875.720,00
R$ 5.169.603.304,78
48%
1997
1186433
1067790
R$ 5.766.064.380,00
R$ 5.176.273.437,68
47%
1998
1321229
1189106
R$ 6.421.172.940,00
R$ 5.010.927.953,99
44%
1999
1537923
1384131
R$ 7.474.305.780,00
R$ 5.627.070.466,97
43%
2000
1807219
1626497
R$ 8.783.084.340,00
R$ 5.429.805.127,92
38%
2001
2091529
1882376
R$ 10.164.830.940,00
R$ 5.146.722.029,00
34%
2002
2428258
2185432
R$ 11.801.333.880,00
2003
2750652
2475587
R$ 13.368.168.720,00
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MEC, 2002; INEP, 2004a e BRASIL/Banco Central, 2006c.
Figura 19 – Estimativa comparativa do financiamento privado e do governo federal
das IES do Sistema Federal de Ensino no período 1994-2001
O valor das mensalidades dos cursos privados de nível superior pode variar em
função de muitos fatores, tais como status social dos cursos de graduação, localização
regional das IES, existência de mercados competitivos nas regiões de abranncia das IES,
perfil socioeconômico dos discentes, diversidade na oferta e nos descontos de créditos
proporcionados aos discentes, entre outros fatores. Não obstante tais variações, a estimativa
da evolução do financiamento privado no Sesb pode ser desenvolvida pelo estabelecimento
de um valor de anuidade média por discente. Assim, ao se utilizar a anuidade média
225
praticada pelo Fies no ano de 2001 de R$ 5,4 mil (SCHWARTZMAN, 2002) e se descontar
aproximadamente 10% do total dos discentes das IES privadas beneficiados com bolsas ou
créditos, é possível demonstrar a tendência de ampliação do financiamento privado no SFE.
Trabalhando com as estimativas com valores resultantes da multiplicação da anuidade do
Fies e o número total de alunos pagantes para o financiamento privado, a Figura 19
apresenta uma comparação entre esses valores e o financiamento estatal das Ifes no
conjunto total de financiamento do Sistema Federal de Ensino. Tal comparação demonstra
a redução constante da participação dos recursos do governo federal no financiamento total
do Sistema Federal de Ensino no período 1994-2001.
A3 - Investimentos do governo federal nas Ifes por discentes
Ano
Despesas
executadas INPC
Valores
deflacionados
Nro de
discentes
Investimento
por discente
1994
R$ 2.069.963.937,00
277,28
R$ 8.820.530.328,34
363543
R$ 24.262,69
1995
R$ 4.089.250.239,00
20,05
R$ 6.086.440.055,73
367531
R$ 16.560,34
1996
R$ 4.034.943.167,00
8,77
R$ 5.196.603.304,78
388978
R$ 13.359,63
1997
R$ 4.312.842.391,00
4,26
R$ 5.176.273.437,68
395833
R$ 13.076,91
1998
R$ 4.328.721.453,00
2,47
R$ 5.010.927.953,99
408640
R$ 12.262,45
1999
R$ 4.966.961.309,00
8,13
R$ 5.627.070.466,97
442562
R$ 12.714,76
2000
R$ 5.163.374.979,00
5,16
R$ 5.429.805.127,92
482750
R$ 11.247,65
2001
R$ 5.146.722.029,00
R$ 5.146.722.029,00
502960
R$ 10.232,87
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MEC, 2002; INEP, 2004 a e BRASIL/Banco Central, 2006c.
Figura 20 – Despesas executadas pelas Ifes com recursos do Tesouro
por discente no período 1994-2001
Outro importante indicador para acompanhar e avaliar o financimento de um SES é
o valor investido por discente. No caso do Brasil, a verificação da relação entre as despesas
executas pelas Ifes com recursos do Tesouro da União pela quantidade total de discentes
das Ifes é uma importante alternativa para medição de tal indicador visto que existem
limitações de informações detalhadas sobre financiamento. A Figura 20 utiliza dados do
MEC (BRASIL, 2002), sobre os orçamentos das Ifes; do Inep (2004a), sobre a quantidade
de alunos nas IFES, e do Banco Central do Brasil (BRASIL, 2006c), sobre o índice
nacional de preços ao consumidor (INPC), com vistas a verificar a evolução das despesas
do governo federal e do MEC por discentes das Ifes no período 1994-2001. Nesse cálculo,
226
os gastos com servidores inativos também foram retirados e as despesas executadas
anualmente foram deflacionadas pelo INPC para padronizar em valores reais do ano de
2001. A figura demonstra uma relevante queda nos valores das despesas executadas pelas
Ifes por cada discente no período 1994-2001.
B1 - Investimentos do governo federal em P&D na educação superior
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Ano
mil reais em 2002
Fonte: BRASIL/MCT, 2004.
Figura 21 – Dispêndio do governo federal em P&D com o
MEC no período 1996-2002
O indicador de investimento em P&D possui grande importância porque aborda
aspectos relacionados à relevância da educação superior para o desenvolvimento científico
e tecnológico de um país. Levantamentos recentes do Ministério de Ciência e Tecnologia
apontam para a tendência de queda do investimento brasileiro em P&D como porcentagem
do PIB. No ano de 2001, o investimento em P&D era de 1,02% do PIB; nos anos
subseqüentes, ocorreram reduções até se chegar ao de 2003, com 0,95% do PIB de
investimentos em P&D no Brasil. A Figura 21 confirma tal tendência ao demonstrar a
redução do investimento do governo federal em P&D com o Ministério da Educação. Em
valores atualizados por reais de 2002, a figura apresenta a redução do investimento do
governo federal de, aproximadamente, 700 milhões em 1996 para menos de 500 milhões
227
em 2002 (BRASIL, 2004). Tal constatação tem grande relevância na análise dos
investimentos em P&D porque mais de 90% dos gastos nessa área na educação superior são
provenientes de recursos estatais.
D1a- Quantidade de discentes por cada docente com título de doutor no Sesb
Ano
IFES
Estaduais e
Municipais Privadas Sesb
1994
40
42
217
78
1995
37
42
218
77
1996
38
41
207
78
1997
33
42
183
72
1998
31
38
175
68
1999
30
36
161
68
2000
29
35
146
66
2001
29
32
137
66
2002
28
36
138
69
2003
27
37
138
69
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2005d.
Figura 22 – Quantidade de discentes por docente com título de doutor nas Ifes, nas IES
estaduais/municipais, e nas IES privadas e no Sesb no período 1994-2003
Outros indicadores que propiciam avaliar aspectos de entradas de um SES são os
que medem a relação entre as quantidades de discentes por docente. As medições da
quantidade de discentes por docente podem ser analisadas segundo distintas perspectivas:
(i) como um aspecto específico de qualidade, visto que, quanto menor é a relação de
discentes por docente (ou por docente com alta titulação), maiores são as possibilidades de
atendimento qualificado aos alunos; e, por outro lado, (ii) como um aspecto de eficiência de
um SES, visto que, quanto maior é a relação de discentes por docente, menores serão os
custos para a manutenção do sistema. Não obstante tais divergências, a verificação da razão
de discentes por docentes com título de doutor é uma importante medição porque aborda
múltiplos aspectos, tais como qualidade na formação docente e potencialidade de
envolvimento discente em investigação e pesquisas. A Figura 22 demonstra que todas as
redes de IES de educação superior do Brasil tiveram melhorias na evolução da relação
discentes por docentes com título de doutor no período 1994-2003. Porém, tal indicador
apresenta nos três últimos anos do período estudado uma tendência de estabilização em
228
nível de Sesb e de incipiente regressão na rede privada. Tal tendência é especialmente
preocupante visto que a diferença entre os resultados desse indicador no ano de 2003 entre
as redes privadas (138 alunos por professor com doutorado) e as IFES (27 alunos por
professor com doutorado) é muito grande, bem como a proporção de 5 para 1 entre
discentes/doutor da rede privada e das IFES permaneceu quase a mesma no período 1994-
2003.
D1b- Quantidade de discentes por cada docente com título de mestre ou doutor no Sesb
30,3
30,5 30,7
27,4
27,8
27,6
26,2
27,2
27,1
26,7
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Qtd de discentes por docente
mestre ou doutor
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2005d.
Figura 23 – Evolução da razão de discentes por docente com título de
mestre ou doutor no Sesb no período 1994-2003
Quando considerados os docentes com títulos de mestre e doutor, a evolução do
indicador discentes por cada docente titulado em nível de Sesb apresenta um melhoria
menos significativa e uma clara estagnação após 1996, ou seja, na maior parte do período
estudado não ocorreram melhorias contínuas desse indicador (Figura 23).
229
D2- Quantidade de discentes por cada docente no Sesb
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
16,0
18,0
20,0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Razão discentes por docente
Privadas
IFES
SESB
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2005d.
Figura 24 – Quantidade de discentes por docente nas privadas,
nas IFES e no Sesb no período 1994-2003
A Figura 24 demonstra que a pequena evolução da quantidade de discentes por
docente (independentemente de titulação) no Sesb (de 12 para 15 alunos por professor)
durante o período 1994-2003 deve-se, fundamentalmente, à ampliação de tal relação
ocorrida nas IFES, que avançou de 8 para 12, ao passo que na rede privada praticamente
não houve mudanças.
O comportamento dos indicadores de processo do Sesb no período 1994-2003
Entre os indicadores de processo estão importantes aspectos do desenvolvimento de
um sistema de educação, tais como as condições dos docentes, horas de ensino e
participação da comunidade. Essas informações são importantes para se conhecer o
funcionamento do sistema e das IES. Geralmente existem três tipos de indicadores de
processo: horas de ensino, utilização de TIC e dedicação docente. As medições dos
indicadores abaixo procuram subsidiar a avaliação do desenvolvimento da qualidade dos
230
aspectos de processo do Sesb no período 1994-2003, considerando, ainda, questões
relacionadas à diversificação, à internacionalização e à avaliação.
G1- Porcentagem de docentes com dedicação integral e parcial no Sesb
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1
9
94
19
9
5
1
9
96
19
9
7
1
9
98
19
9
9
2
0
00
20
0
1
2
0
02
20
0
3
Ano
Porcentagem da dedicação
docente
Integral
Parcial
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2005d.
Figura 25 – Evolução da porcentagem de docentes com dedicação integral e
parcial do Sesb no período 1994-2003
O tempo dedicado pelos docentes para as IES é um dos mais importantes
indicadores de processo dos SES. Docentes com dedicação exclusiva para a educação
superior geralmente apresentam maior envolvimento com as questões acadêmicas, maior
comprometimento com as IES e, potencialmente, detêm maior titulação e envolvimento
com projetos de investigação. Por outro lado, quanto menor a dedicação dos docentes para
a educação superior, menor a tendência de envolvimento com as questões fundamentais das
IES e com suas dimensões acadêmicas. A Figura 25 demonstra que a porcentagem de
docentes com dedicação exclusiva diminuiu e com dedicação parcial aumentou no conjunto
total do Sesb no período 1994-2003.
231
H2- Porcentagem dos discentes por grandes áreas do conhecimento no Sesb
Área do Conhecimento 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Educação, Humanidades e Artes 17%
17%
16%
16%
16%
17%
25%
25%
23%
25%
Ciência Sociais, Negócios e Direito 42%
43%
43%
44%
44%
44%
42%
42%
43%
42%
Ciências, Matemática e Computação 13%
13%
14%
13%
14%
14%
9%
9%
9%
9%
Engenharia, Produção e Construção 11%
10%
10%
10%
9%
9%
9%
8%
8%
8%
Agricultura e Veterinária 3%
2%
2%
3%
3%
3%
2%
2%
2%
2%
Saúde e Bem-Estar Social 13%
13%
13%
13%
14%
14%
12%
12%
13%
12%
Serviços 1%
1%
1%
1%
1%
0%
2%
2%
2%
2%
Outras 0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2004a.
*obs: A partir do ano de 2000 os cursos de licenciatura passaram a integrar a área de educação.
Figura 26 – Evolução da porcentagem de discentes por grandes
áreas do conhecimento do Sesb no período 1994-2003
A verificação da distribuição dos discentes nas grandes áreas do conhecimento,
além de contribuir na análise sobre a evolução da diversificação de um SES, possibilita o
desenvolvimento de análises acerca da adequação dos cursos existentes diante da realidade
social e econômica de um país. Assim, pela verificação da maior ou menor quantidade de
discentes matriculados em determinadas áreas do conhecimento, os governos podem
redirecionar suas políticas para a educação superior, conforme as necessidades imediatas do
país ou de acordo com os planos de desenvolvimento de médio e longo prazos. A Figura
26 demonstra que no período 1994-2003 não ocorreu nenhuma alteração substancial na
distribuição percentual das matrículas discentes no Sesb. Não obstante as profundas
mudanças socioculturais (ex: a emergências das TIC) e econômicas (ex: globalização e
economia do conhecimento) que o mundo sofreu no período, a análise do indicador de
matrículas por áreas do conhecimento do Sesb permite verificar que não ocorreram
prováveis e, talvez, necessárias (ex: engenharias e ciência da computação) mudanças nas
preferências das áreas do conhecimento por parte dos discentes.
232
I1- Quantidade de discentes de mestrado e doutorado para cada bolsista no exterior
Ano Mestrandos
Doutorandos
Cnpq Capes Razão
1996
41928
20924
1601
1300
22
1997
44015
22935
1076
1404
27
1998
50816
26828
792
1349
36
1999
57044
29998
595
1259
47
2000
63614
33004
562
1210
55
2001
64906
35102
705
1279
50
2002
65044
37400
707
1253
52
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de CAPES, 2004; CNPQ, 2006 e BRASIL/MCT, 2004.
Figura 27 - Quantidade de discentes de mestrado e doutorado no Brasil
para cada bolsista no exterior no período 1996-2002
O intercâmbio de conhecimento técnico, científico e tecnológico entre os países é
uma prática que ganhou relevância nas últimas duas décadas em virtude da globalização e
do aumento da competitividade em vel mundial. Nesse contexto, o nível de
internacionalização da educação superior torna-se fator fundamental para o
desenvolvimento cultural, científico e econômico dos países. Uma das formas possíveis de
se medir o nível de internacionalização da educação superior brasileira é pela quantidade de
bolsas de mestrado, doutorado, doutorado-sanduíche e pós-doutorado concedidas pela
Capes e pelo CNPq. A Figura 27 demonstra que no período de 1996-2002 a quantidade de
alunos de mestrado e doutorado por bolsa concedida para estudo no exterior mais do que
dobrou, ou seja, nesse aspecto pode-se dizer que o vel de internacionalização dos
discentes de pós-graduação sofreu uma significativa redução.
J1- Quantidade de cursos de graduação avaliados pelo ENC (Provão)
Independentemente do matiz conceitual e da ênfase operacional, a existência de um
sistema de avaliação das IES e dos cursos de graduação de um SES é importante para o
acompanhamento e desenvolvimento do sistema, bem como para o suporte na elaboração
de políticas públicas. No Brasil, a avaliação das instituições teve início com o Paiub que se
baseava no princípio de adesão voluntária; em 1996 deu-se início à avaliação de cursos de
graduação em larga escala, abrangendo 616 cursos. A Figura 28 demonstra claramente o
233
significativo aumento no número de cursos submetidos à avaliação externa através do ENC
(Provão) no período 1996-2003.
Área 1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Administração 335 354 391 431 451 498 614 746
Direito 179 196 212 229 257 274 298 333
Engenharia Civil 102 106 110 112 118 125 128 134
Engenharia Química 44 47 48 50 51 51 50
Medicina Veterinária 37 39 43 50 59 76 83
Odontologia 85 86 87 93 104 113 127
Engenharia Elétrica 81 84 87 92 96 111
Jornalismo 84 92 97 113 131 155
Letras 369 382 406 432 472 510
Matemática 291 305 322 358 358 379
Economia 187 189 187 190 201
Engenharia Mecânica 70 73 74 78 83
Medicina 81 81 83 87 91
Agronomia 70 73 74 82
Biologia 238 274 288 302
Física 80 83 82 88
Psicologia 117 123 136 156
Química 109 113 116 132
Farmácia 86 108 124
Pedagogia 499 606 705
Arquitetura e Urbanismo
96 108
Ciências contábeis 408 454
Enfermagem 144 161
História 281 287
Fonoaudiologia 69
Geografia 226
Total 616 822 1710
2151
2888
3701
5031
5897
Percentual 9% 13% 25% 24% 27% 30% 35% 36%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2003 e INEP, 2006d.
Figura 28 - Quantidade de cursos de graduação avaliados
pelo ENC (Provão) no período 1996-2003
O comportamento dos indicadores de resultados do Sesb no período 1994-2003
Dentro de um sistema de indicadores que aborda elementos de entradas, processo e
saídas de um SES, talvez os aspectos de resultados sejam os mais importantes para a
elaboração de análises e conclusões. Dentre os principais indicadores de resultados estão o
234
desempenho dos discentes nos exames, a taxa de escolarização do país, e os impactos do
sistema no desenvolvimento econômico e social do país, entre outros. Dessa forma, as
medições dos indicadores abaixo relacionados procuram subsidiar a avaliação do
desenvolvimento da qualidade do Sesb, no período 1994-2003, considerando especialmente
os resultados alcançado pelo sistema em relação ao atendimento, desempenho discente,
impactos sociais e eqüidade.
K1- Porcentagem de cursos das Ifes e da rede privada com conceitos A ou B no Provão
0
10
20
30
40
50
60
1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Percentual
IFES
Privadas
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2003 e INEP, 2006d.
Figura 29 – Evolução da porcentagem de cursos com conceitos A ou B
no Provão nas Ifes e na rede privada no período 1998-2003
A comparação entre os conceitos gerais obtidos no Provão pelos diversos cursos a
cada ano não é possível pelas próprias fórmulas de cálculo dos conceitos utilizadas (que
tendem a estabilidade geral de desempenho) e por que durante o período de realização do
ENC ocorreram alterações na forma de cálculo dos conceitos. A Figura 28 permite a
identificação dos cursos/áreas que foram sendo agregadas a cada ano de realização do ENC.
Nas primeiras edições os resultados eram interpretados segundo ordenação dos
desempenhos média geral dos graduandos do curso –, a partir da qual eram determinados
cinco grupos, sendo prefixado o percentual de integrantes de cada um dos grupos.
235
Posteriormente, o critério de atribuição dos conceitos aos cursos avaliados foi redefinido e
passou a levar em conta a distribuição geral dos desempenhos dos cursos (INEP, 2003).
Dessa forma, a realização de comparação dos conceitos do ENC deve se limitar a análises
gerais, tais como entre as redes que compõem o Sesb (Ifes, sistemas estaduais e rede
privada). A Figura 29 demonstra a significativa diferença entre as porcentagens dos cursos
das Ifes e da rede privada com conceitos A ou B. A Figura 30, baseada em amostragem,
detalha a diferença de desempenho das diferentes redes no Provão, que, não obstante a
inclusão de novos cursos e a mudança do lculo, permaneceu praticamente inalterada no
período 1998-2003.
1998 1999
A+B C D+E A+B C D+E
47% 27%
26% IFES 54% 33%
12% IFES
31% 38%
31% Est/Munic 31% 37%
32% Est/Munic
18% 48%
34% Privadas 15% 46%
39% Privadas
32% 38%
30% Sesb 33% 39%
28% Sesb
2000 2001
A+B C D+E A+B C D+E
57% 28%
15% IFES 56% 30%
14% IFES
30% 38%
33% Est/Munic 27% 43%
30% Est/Munic
15% 49%
35% Privadas 14% 47%
40% Privadas
34% 38%
28% Sesb 32% 40%
28% Sesb
2002 2003
A+B C D+E A+B C D+E
52% 32%
16% IFES 55% 29%
16% IFES
29% 34%
37% Est/Munic 30% 39%
31% Est/Munic
16% 48%
36% Privadas 16% 51%
33% Privadas
32% 38%
30% Sesb 34% 40%
27% Sesb
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2003 e INEP, 2006d.
Figura 30 – Evolução da porcentagem de cursos das Ifes, dos sistemas estaduais, da
rede privada e do Sesb por conceitos no período 1998-2003
236
L1- Taxa de escolarização líquida da educação superior brasileira
4,8
5,8 5,8
6,2
6,8
7,4
8,9
9,8
10,6
0
2
4
6
8
10
12
1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003
Ano
Porcentagem
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/Seppir, 2006b.
*obs: Exclusive a população rural de Rondônia, Roraima, Amapá, Amazonas, Pará e Acre.
Figura 31 – Evolução da taxa de escolarização líquida na educação superior
brasileira no período 1993-2003
A taxa de atendimento num determinado nível de educação de um país pode ser
verificada de duas maneiras: taxa de escolarização líquida ou taxa de escolarização bruta. A
taxa de escolarização líquida indica o percentual da população em determinada faixa etária
que se encontra matriculada no nível de ensino adequado à sua idade. A taxa de
escolarização bruta permite que se compare o total da matrícula num dado nível de ensino
com a população na faixa etária adequada a esse nível. Considerando-se a população entre
18 e 24 como a adequada para a educação superior, a taxa de atendimento no Brasil
aumentou em ambos indicadores nos últimos tempos. A taxa de escolarização bruta da
educação superior cresceu de 8,1%, em 1991, para 15,1%, em 2002 (INEP, 2004a). A
Figura 31 demonstra o crescimento do percentual da população com idade entre 18 e 24
anos matriculada na educação superior brasileira no período 1993-2004, ou seja, apresenta
o crescimento da taxa de escolarização líquida da educação superior no período 1993-2004.
Não obstante tais crescimentos, o Brasil continua com taxas de atendimento na educação
superior inferiores às de países como Argentina (48% de taxa bruta em 1999), Bolívia (36%
de taxa bruta em 2002), Portugal (50% de taxa bruta em 2002), Coréia (78% de taxa bruta
em 2002) e EUA (73% de taxa bruta em 2002) (INEP, 2004a).
237
L5- Porcentagem de concluintes em relação a ingressantes 4 anos antes no Sesb
Ingressantes Concluintes
Ano Quantidade Ano Quantidade
Porcentagem
1993
439801
1996
260224
59%
1994
463240
1997
274384
59%
1995
510377
1998
300761
59%
1996
513842
1999
324734
63%
1997
573900
2000
352305
61%
1998
651353
2001
395988
61%
1999
787638
2002
466260
59%
2000
897557
2003
528223
59%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2005d.
Figura 32 – Evolução da porcentagem de concluintes em relação aos discentes
que ingressaram 4 anos antes no Sesb no período 1996-2003
A questão do atendimento da educação superior ultrapassa os aspectos relativos ao
acesso visto que as taxas de desistência e evasão podem impactar o resultado final dos
níveis de diplomação da população de um determinado país. Dessa forma, a verificação da
efetiva conclusão da graduação torna-se um importante indicador dos resultados de um
SES. A Figura 32 demonstra que no Sesb, no período 1996-2003, não ocorreram mudanças
importantes no percentual de concluintes em relação aos discentes que ingressaram quatro
anos antes, que é o tempo médio de duração de um curso de graduação no Brasil.
M2- Porcentagem da população com diploma superior da PEA no Brasil
Ano 1993
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
PEA 73.549
77.116
76.225
78.693
80.592
83.266
85.224
88.242
90.161
Graduados 3.964
4.435
4.499
4.882
5.065
5.294
5.736
6.310
6.684
Porcentagem
5,4%
5,8%
5,9%
6,2%
6,3%
6,4%
6,7%
7,2%
7,4%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MCT, 2004.
*obs: (a) Número de PEA e graduados em mil pessoas; (b) Exclusive a população rural de Rondônia, Roraima, Amapá, Amazonas, Pará
e Acre.
Figura 33 – Evolução da porcentagem da população economicamente
ativa com diploma superior no Brasil no período 1993-2003
A participação de pessoas com diploma de nível superior no conjunto da força de
trabalho de um país indica em que medida o SES está respondendo e, por conseguinte,
contribuindo com a produção e o desenvolvimento econômico, ou seja, a medição da
238
porcentagem da PEA com diploma superior é um importante indicador de resultados de um
SES. A Figura 33 demonstra que no período estudado ocorreram avanços na porcentagem
da população economicamente ativa com diploma superior no Brasil, saindo de 5,4%, em
1993, para 7,4%, em 2003.
M3- Quantidade de pessoas inseridas em ocupação técnico-científica por publicação
Ano 1998
1999
2001
2002
2003
Pessoas com escolaridade superior inseridas
em ocupações técnico-científicas 3.375.000
3.433.000
3.782.000
4.706.000
4.914.000
Publicação de artigos especializados de
circulação internacional
20.950
23.715
26.910
29.271
30.386
Quantidade de pessoas inseridas em ocupação
técnico-científicas por cada publicação
internacional
161
145
141
161
162
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MCT, 2004.
Figura 34 - Quantidade de pessoas inseridas em ocupação técnico-científica
por publicação internacional no Brasil no período 1998-2003
Uma das formas mais importantes de um SES contribuir com o desenvolvimento e a
autonomia científica e tecnológica de um país é pela pesquisa e investigação. Para a
verificação do nível de desenvolvimento da P&D de um SES faz-se necessário acompanhar
o número de publicações científicas relevantes em relação à quantidade de docentes que
desenvolvem pesquisas. A Figura 34 demonstra que no período 1998-2003 não ocorreu,
em nível de Brasil, nenhum aumento significativo na relação entre a quantidade de pessoas
com escolaridade superior inseridas em ocupação técnico-científica e o número de
publicações de artigos especializados de circulação internacional.
239
N1- Comparação entre as taxas de escolarização líquida das populações negra e branca
na educação superior
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
16,0
18,0
1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003
Anos
Taxa de escolarização quida
Negros
Brancos
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/Seppir, 2006b.
*obs: (a) A população negra é composta de pardos e pretos; (b) Exclusive a população rural de Rondônia, Roraima,
Amapá, Amazonas, Pará e Acre.
Figura 35 – Comparação entre as taxas de escolarização líquida das populações
negra e branca na educação superior brasileira no período 1993-2003
O nível de eqüidade de um SES pode ser medido pelo atendimento proporcionado
às minorias ou às parcelas da população em situação desfavorável do ponto de vista social e
econômico. Um dos fatores principais na questão da eqüidade está relacionado ao
atendimento igualitário para as diferentes raças, etnias ou classes sociais. A Figura 35
demonstra uma melhora de aproximadamente 2,9 pontos percentuais na evolução da taxa
de escolarização líquida da população negra na educação superior brasileira no período
1993-2003 (de 1,5 para 4,4), ao passo que entre a população branca tal evolução foi de 8,9
pontos percentuais - de 7,7 para 16,6. No período estudado, o crescimento da taxa de
atendimento da raça negra foi de 193% e da raça branca, de 115%, o que indica um avanço
maior para a raça negra. Entretanto, a diferença entre as taxas quidas de escolarização da
população negra e branca aumentou de 6,2 pontos percentuais no ano de 1993 para 12,2
pontos percentuais em 2003, ou seja, o ritmo de avança do indicador para a raça com
menores taxas de atendimento (negra) parece ter sido insuficiente. Dessa forma, pode-se
considerar que esse indicador não apresentou melhorias significativas no período estudado.
240
N3- Evolução da relação entre porcentagem de discentes e de população das regiões do
Brasil
Região
1995
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
% de estudantes do país
3,8
4,1
4,0
4,0
4,0
4,7
5,5
5,9
% da população do país 4,8
4,8
4,9
5,0
5,0
5,7
6,0
6,0
Norte
Relação 0,8
0,9
0,8
0,8
0,8
0,8
0,9
1,0
% de estudantes do país
15,3
15,0
14,9
14,6
15,1
15,2
15,6
16,1
% da população do país 29,6
29,6
29,1
29,0
28,9
28,6
28,4
28,4
Nordeste
Relação 0,5
0,5
0,5
0,5
0,5
0,5
0,5
0,6
% de estudantes do país
7,0
7,2
7,5
7,7
7,9
8,6
9,3
9,5
% da população do país 6,8
6,8
6,9
7,0
7,0
7,0
7,1
7,1
Centro-
Oeste
Relação 1,0
1,1
1,1
1,1
1,1
1,2
1,3
1,3
% de estudantes do país
55,3
55,0
54,1
54,0
53,1
51,7
50,2
49,3
% da população do país 43,6
43,6
43,7
43,7
43,7
43,5
43,5
43,5
Sudeste
Relação 1,3
1,3
1,2
1,2
1,2
1,2
1,2
1,1
% de estudantes do país
18,6
18,7
19,5
19,7
20,0
19,8
19,5
19,2
% da população do país 15,2
15,2
15,3
15,3
15,3
15,2
15,0
15,0
Sul
Relação 1,2
1,2
1,3
1,3
1,3
1,3
1,3
1,3
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/Seppir, 2006b e
INEP,
2004a; 2005b; 2006b.
*obs: Exclusive a população rural de Rondônia, Roraima, Amapá, Amazonas, Pará e Acre.
Figura 36 – Evolução da relação entre a porcentagem de discentes da educação superior
e a porcentagem da população de cada região do Brasil no período 1995-2003
A cobertura no atendimento da educação superior em termos da proporção da
população das diferentes regiões do país também é um indicador da eqüidade de um SES.
Assim, a eqüidade também deve ser medida em termos de equilíbrio em relação à
população no atendimento às diferentes regiões do país. Nesse sentido, a Figura 36
demonstra um quadro de relativa estabilidade na evolução da relação entre a porcentagem
de discentes da educação superior e a porcentagem da população de cada região do Brasil
no período 1995-2003. No período, as regiões Norte e Sudeste aproximaram-se do
equilíbrio entre as suas porcentagem de discentes e a porcentagem da população em relação
a todo o país. Por outro lado, a região Centro-Oeste, no mesmo período, distanciou-se do
ponto de equilíbrio, ou seja, aumentou a porcentagem de discentes em relação à
porcentagem de população. As regiões Sul e Nordeste foram as que menos apresentaram
alterações nesse aspecto, com o Sul distanciando-se e o Nordeste aproximando-se do ponto
de equilíbrio. Dessa forma, pode-se constatar uma tendência de estabilidade na cobertura no
241
atendimento da educação superior em termos da proporção da população das diferentes
regiões do país.
N4- Porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provão por região do Brasil
Ano 1998
1999
2000
2001
2002
2003
Norte
11%
13%
11%
8%
13%
10%
Nordeste
22%
27%
26%
25%
23%
25%
Centro-Oeste
26%
26%
35%
36%
31%
29%
Sudeste
29%
30%
32%
30%
29%
29%
Sul
39%
41%
41%
36%
36%
36%
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de INEP, 2003 e INEP, 2006d.
Figura 37 – Evolução da porcentagem de cursos com conceitos A ou B
no Provão por regiões do Brasil no período 1998-2003
O equilíbrio no desempenho e aproveitamento dos cursos nos exames de
aprendizagem nas diferentes regiões de um país também é um importante indicador do
nível de eqüidade de um SES. A Figura 37 demonstra, por amostragem, a estabilidade na
análise da evolução da porcentagem de cursos que obtiveram conceitos A ou B no Provão
nas diferentes regiões do Brasil no período 1998-2003. A região Norte do país manteve no
período uma taxa de aproximadamente 10% de cursos com conceitos A ou B no Provão; as
regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste mantiveram no período posições intermediárias
na medição do desempenho dos cursos com conceitos A ou B, e a região Sul manteve-se à
frente nesse quesito, com taxas superiores a 35%. Em síntese, pode-se dizer que o nível de
iniqüidade entre as regiões do país em relação ao desempenho no Provão manteve-se
praticamente inalterado no período 1998-2003.
4.2.3 Análise geral do desenvolvimento da qualidade do Sesb - período 1994-2003
Dos dezenove indicadores medidos para o Sesb dentro do período 1994-2003, pode-
se dizer que seis (A1, A2, A3, B1, G1 e I1) apresentaram regressões, cinco (D1a, D1b, J1,
L1 e M2) apresentaram avanços e dez (D2, H2, K1, L5, M3, N1, N3 e N4), a maioria
absoluta, não apresentaram alterações relevantes (Figura 38). A seguir são realizadas
análises sobre o desenvolvimento da educação superior brasileira com base nas medições
242
realizadas em dezenove indicadores e considerando questões específicas ocorridas sobre os
aspectos avaliados. Por fim, é realizada uma análise global e conclusiva acerca do
desempenho da educação superior brasileira no período 1994-2003 com vistas a investigar
a hipótese desta tese de que a qualidade do Sesb não se desenvolveu em tempos de
mercantilização.
Sistema Indicador Evolução
A1 – Investimentos do Governo Federal nas IFES como percentual do PIB Regrediu
A2 – Participação do Governo Federal nos investimentos do SFE Regrediu
A3 – Investimentos do Governo Federal nas IFES por discentes Regrediu
B1 – Investimentos do Governo Federal em P&D na educação superior Regrediu
D1a- Quantidade de discentes por cada docente com título de doutor no Sesb Avançou
D1b- Quantidade de discentes por cada docente com título de mestre ou doutor no
Sesb
Avançou
Entradas
D2- Quantidade de discentes por cada docente no Sesb Estável
G1- Porcentagem de docentes com dedicação integral e parcial no Sesb Regrediu
H2- Porcentagem dos discentes por grandes áreas do conhecimento no Sesb Estável
I1- Quantidade de discentes de mestrado e doutorado para cada bolsista no exterior Regrediu
Processo
J1- Quantidade de cursos de graduação avaliados pelo ENC (Provão) Avançou
K1- Porcentagem de cursos das IFES e da rede privada com conceitos A ou B no
Provão
Estável
L1- Taxa de escolarização líquida da educação superior brasileira Avançou
L5- Porcentagem de concluintes em relação a ingressantes 4 anos antes no Sesb Estável
M2- Porcentagem da população com diploma superior da PEA no Brasil Avançou
M3- Quantidade de pessoas inseridas em ocupação técnico-científica por publicação Estável
N1- Comparação entre as taxas de escolarização líquida das populações negra e
branca na educação superior
Estável
N3- Evolução da relação entre porcentagem de discentes e de população das regiões
do Brasil
Estável
Resultados
N4- Porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provão por região do Brasil Estável
Fonte: Elaborado por Julio C. G. Bertolin, 2007.
Figura 38 – Evolução dos indicadores do Sesb no período 1994-2003
Investimento e financiamento
O volume e a forma pela qual se desenvolve o financiamento da educação superior
têm impacto sobre a adequação da aplicação dos recursos e sobre a oportunidade de acesso
e distribuição de renda (SCHWARTZMAN, 2002). As medições e estimativas dos
indicadores de investimento e financiamento da educação superior brasileira demonstram
redução do financiamento estatal em termos relativos ao PIB e em relação ao financiamento
privado, bem como diminuição no total investido por cada discente e nos dispêndios em
P&D. Especificamente no âmbito do investimento estatal federal, constataram-se duas
243
importantes regressões no período 1994-2001: nas despesas executadas pelas Ifes como
porcentagem do PIB (de aproximadamente 0,6% para 0,4%) e no valor executado pelas Ifes
por discente (de aproximadamente R$ 16 mil para R$ 10 mil).
Alguns trabalhos desenvolvidos acerca do financiamento da educação superior
brasileira na década de 1990 também indicaram a redução proporcional do investimento
estatal no subsistema de educação superior (SCHWARTZMAN, 2002; CARDOSO DO
AMARAL, 2003). Tal constatação adquire maior relevância na medida em que as Ifes
representam a rede de IES do Sesb, que possui os melhores resultados na medição dos
indicadores da porcentagem de cursos com conceitos A ou B no Provão (indicador K1) e
melhor relação entre a quantidade de discentes por docente com título de doutor (indicador
D1a). Por outro lado, no período ocorreu um evidente crescimento do financiamento
privado, conseqüência do impressionante aumento do número de matrículas em IES
privadas.
Assim, no período estudado constatou-se uma inversão na estrutura básica do
investimento do Sesb, ou seja, o financiamento estatal foi ultrapassado pelo financiamento
privado. Não obstante o incremento do investimento privado no período, por meio de
estimativas (Figura 39) pode-se verificar que o investimento em nível de Sistema Federal
de Ensino obtido pela soma do financiamento privado com o financiamento das Ifes (Figura
19), que não inclui apenas as IES dos sistemas estaduais (menos de 10% das IES do Sesb
em 2003), também teve uma redução significativa de investimentos por discente.
Ano
Financiamento do
SFE
Nro de discentes
no SFE
Investimento por discente
no SFE
1994
R$ 13.537.568.568,34
1334127
R$ 10.147,14
1995
R$ 11.233.972.235,73
1426694
R$ 7.874,13
1996
R$ 10.676.479.024,78
1522080
R$ 7.014,40
1997
R$ 10.942.337.817,68
1582266
R$ 6.915,61
1998
R$ 11.432.100.893,99
1729869
R$ 6.608,65
1999
R$ 13.101.376.246,97
1980485
R$ 6.615,24
2000
R$ 14.212.889.467,92
2289969
R$ 6.206,59
2001
R$ 15.311.552.969,00
2594489
R$ 5.901,57
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de BRASIL/MEC, 2002; INEP, 2004 a e BRASIL/Banco Central, 2006c.
Figura 39 – Estimativa do financiamento do Sistema Federal de Ensino
por discente no período 1994-2001
244
Em síntese, as verificações dos indicadores de financiamento do Sesb no período
1994-2001 indicam que houve regressão dos investimentos estatais federais e redução dos
investimentos por discente no âmbito do Sistema Federal de Ensino. Além disso, no mesmo
período o investimento privado superou o investimento estatal federal o que deve ser
analisado com maior acuidade em razão das atuais condições socioeconômicas do Brasil.
Nesse sentido, pode-se considerar, por exemplo, que o investimento cresceu justamente na
rede de IES onde o desenvolvimento de P&D, a quantidade de docentes com doutorado e os
resultados dos exames dos concluintes são significativamente menores, ou seja, o
investimento cresceu justamente onde a “qualidade” é potencialmente menor (na rede
privada) e, por outro lado, reduziu-se onde alguns dos principais aspectos da qualidade em
ES apresentam melhores resultados (nas Ifes). A dificuldade e incapacidade que grande
parcela dos discentes das IES privadas tem demonstrado para pagar as mensalidades
também devem ser consideradas, visto que o avanço do financiamento privado e a redução
dos recursos estatais de nível federal podem ampliar a iniqüidade no atendimento da
educação superior. Enfim, a análise da medição dos indicadores de investimento e
financiamento permite concluir que não ocorreram melhorias nesses aspectos do Sesb
dentro do período 1994-2003; pelo contrário, o estudo e a análise sobre o investimento na
educação superior brasileira indicam a ocorrência de regressão neste aspecto.
Corpo docente
A medição e o acompanhamento do desempenho dos indicadores de discentes por
docente com título de doutor no do período 1994-2003 demonstraram avanços e melhorias
do Sesb nesse aspecto. A quantidade de discentes por docente com título de doutor, por
exemplo, reduziu-se de 40 para 27 nas Ifes, de 217 para 138 na rede privada, de 42 para 37
no conjunto dos sistemas estaduais e de 78 para 69 em todo o Sesb. Apesar de tais avanços,
a proporção de discentes/docente com doutorado entre a rede privada e as Ifes não teve
alterações significativas ao manter-se na casa de 5 para 1 em quase todo o período
estudado. Assim, a diferença entre os resultados do indicador discentes por docente com
doutorado no ano de 2003 entre a rede privada (138 alunos por professor com doutorado) e
as Ifes (27 alunos por professor com doutorado) continuava muito grande. Essa
significativa diferença entre a rede privada e as Ifes é, inquestionavelmente, um
245
preocupante indicativo da diferença existente na qualidade entre as duas maiores redes de
IES do Sesb: as Ifes e a rede privada.
Quando também são considerados os docentes com título de mestre, ou seja, quando
se mede a quantidade de discentes por cada docente com doutorado ou mestrado, observa-
se que o Sesb teve uma melhoria mais visível em tal indicador apenas na virada do ano de
1996 para 1997, passando da casa dos 30 para 27 discentes por cada docente titulado. No
período restante, de 1997 até 2003, a quantidade de discentes por cada docente com título
de doutor ou mestre permaneceu quase inalterada (aproximadamente 27 por 1). Por outro
lado, quando considerado todo o universo de docentes, independentemente de titulação,
ocorreu um aumento na relação de discentes por docente, ou seja, subiu de 12 para 15 a
quantidade de discentes por docente durante o período 1994-2003. Essa mudança se deu,
fundamentalmente, em virtude da ampliação de tal relação ocorrida nas Ifes, que avançou
de 8 para 12, ao passo que na rede privada praticamente não houve alterações. Tais
variações nos indicadores de discentes por docente, provavelmente, significam melhorias
de qualidade e de eficiência do Sesb na medida em que aumenta o número de doutores e
mestres para atender os discentes, inclusive em atividades de investigação, e reduz-se o
custo global do sistema com recursos humanos pela ampliação da quantidade de discentes
atendidos por cada docente.
Se, por um lado, os indicadores de docentes apresentaram melhorias em termos de
titulação (mais mestres e doutores) e eficiência (mais alunos atendidos por cada professor),
pelo aspecto de dedicação dos docentes à educação superior os resultados regrediram. A
evolução da porcentagem de docentes com dedicação integral ou exclusiva no Sesb no
período 1994-2003 diminuiu e, por conseguinte, a de docentes com dedicação parcial e
horistas aumentou. Inquestionavelmente, docentes com dedicação exclusiva para a
educação superior possuem maior envolvimento com as questões acadêmicas, maior
comprometimento com as IES e, geralmente, estão mais envolvidos com projetos de
investigação. Não basta os docentes possuírem títulos de mestre ou doutor; eles precisam se
dedicar à educação superior, participar de projetos de pesquisa e extensão e qualificar o
processo de aprendizagem.
246
A melhoria da relação de discentes por docente com titulação pode estar vinculada à
determinação do artigo 51 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de
dezembro de 1996, de que as universidades devem possuir um terço do corpo docente, pelo
menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado (BRASIL, 1996). A quantidade
de alunos matriculados em cursos de mestrado e doutorado no período 1994-2003 reforça
tal possibilidade. Entre 1994-1996 havia aproximadamente 15 mil mestrandos e 5 mil
doutorandos novos a cada ano. Nos anos subseqüentes, o ingresso de novos alunos em
cursos stricto sensu foi aumentando de tal forma que em 2003 ingressaram 35 mil alunos
em mestrados e 11 mil em doutorados (BRASIL, 2004; CAPES, 2004). Em síntese, a
análise da medição dos indicadores sobre os docentes da educação superior permite
concluir que, assim como ocorreram melhorias no nível de titulação no conjunto do Sesb no
do período 1994-2003, também se pode afirmar que ocorreram regressões no aspecto de
dedicação dos docentes.
Diversificação, internacionalização e avaliação
No período 1994-2003 ocorreram importantes mudanças na normatização e
expansão na diversificação da organização acadêmica no Sesb. O decreto presidencial n
o
2.207, de 15 de abril de 1997, regulamentou os centros universitários com vistas a ampliar
o número de vagas na educação superior brasileira (CAREGNATO, 2004). Diferentemente
das faculdades, que dependem de autorização do MEC, os centros universitários, assim
como as universidades, possuem autonomia para criar cursos de graduação. Porém, as
exigências iniciais de investimentos em pesquisa e em titulação dos docentes eram bem
menores que as existentes para uma instituição organizada academicamente como
universidade. Baseando-se em informações do Censo Escolar e do Cadastro das IES, o
jornal Folha de São Paulo (2005b) divulgou em julho de 2005 a superação da quantidade
de centros universitários em relação às universidades na rede privada. Segundo o periódico,
de 1999 a 2005 os centros universitários privados tiveram crescimento de 172%, passando
de 39 para 106 instituições, ao passo que o número de universidades privadas cresceu
apenas 4%, de 83 para 86.
Outros tipos de organizações acadêmicas que emergiram e se expandiram no
período estudado foram os centros de educação tecnológica e as faculdades de tecnologia.
247
Segundo dados do Inep, embora representem apenas 7,4% do total de IES do Sesb, foram
as instituições que tiveram o crescimento mais expressivo de todos os modelos de
organização acadêmica nos últimos anos. Em 1999, havia 16 IES tecnológicas, todas
públicas; em 2003, o número chegou a 53 e, em 2004, atingiu 144 instituições,
representando um crescimento de 500% em cinco anos dessas instituições eminentemente
profissionalizantes (INEP, 2005b).
Não obstante tal diversificação de organizações acadêmicas, no período 1994-2003
não se constataram alterações relevantes na evolução da porcentagem de discentes por
grandes áreas do conhecimento do Sesb. Apesar de algumas das mais importantes
transformações contemporâneas (emergência das TIC, sociedade do conhecimento e
globalização econômica) terem se aprofundado no âmbito dos países em desenvolvimento,
não se constataram mudanças significativas na porcentagem de matrículas por áreas do
conhecimento do Sesb.
O nível de internacionalização da educação superior dos países adquiriu maior
relevância no contexto global de emergência da sociedade do conhecimento e da
globalização sociocultural e econômica. “O intercâmbio de conhecimentos técnicos,
científicos, tecnológicos e culturais é uma prática em franca ascensão no mundo
globalizado e, certamente, instrumento de promoção do desenvolvimento dos países, de
aproximação e de entendimento, no enfrentamento de tensões externas e no estreitamento
de laços político-econômicos” (FRANCO, 2002, p. 281). Uma das principais formas de se
verificar o nível de internacionalização de um SES é pela medição da quantidade de
discentes de mestrado e doutorado do país para cada bolsista no exterior. No Brasil, no
período 1996-2002 a quantidade de discentes de stricto sensu para cada bolsista estudando
no exterior mais do que dobrou, ou seja, sobre esse aspecto o nível de internacionalização
do Sesb regrediu. Mesmo em termos de números absolutos, a quantidade de bolsistas
realizando estudos em nível de pós-graduação no exterior regrediu no período 1996-2002.
Dessa forma, pode-se dizer que a internacionalização do Sesb no período 1994-2003 não
apenas não avançou como apresentou regressão em nível de pós-graduação.
Dentre os principais indicadores de processo de um SES analisados nesta tese, a
avaliação foi o aspecto do Sesb que no período 1994-2003 apresentou avanços mais
248
significativos. A partir de 1996 deu-se início à avaliação de cursos de graduação da
educação superior brasileira em larga escala, abrangendo 616 cursos. Nos anos seguintes,
gradativamente esse número foi aumentando até que em 2003 quase seis mil cursos fossem
submetidos à avaliação através do ENC (Provão), representando 36% do total de cursos e
considerável porcentagem dos alunos matriculados. Além disso, no mesmo período também
se criou a ACE (inicialmente denominada de Avaliação das Condições de Oferta), que por
meio de visitas in loco de comissões de especialistas (formadas por docentes das IES)
avaliava a organização didático-pedagógica, o corpo docente e as instalações dos cursos de
graduação para fins de acreditação. Dessa forma, ao serem analisados os aspectos de
diversificação, internacionalização e avaliação do Sesb no período 1994-2003 por meio do
acompanhamento de indicadores, pode-se concluir que a avaliação avançou, mas que o
nível de diversificação permaneceu estável e que a internacionalização do sistema regrediu.
Desempenho da provisão de ensino
Não obstante a consideração de apenas uma parcela dos cursos e a mudança de
metodologia na fórmula de cálculo do conceito no período 1998-2003, a verificação dos
resultados obtidos pelos cursos de graduação no ENC (Provão) demonstra que não
ocorreram alterações significativas no desempenho dos discentes nas diferentes redes.
Considerando-se todos os cursos do Sesb submetidos ao Provão no período estudado, a
média da porcentagem de cursos com conceito A ou B sempre permaneceu próxima aos
33%; com conceito C, próxima aos 39% e com conceitos D ou E, próxima aos 29%. A
diferença mais significativa na análise de desempenho no Provão é observada em vel de
categoria administrativa (Figura 29). Enquanto as Ifes mantêm um percentual superior a
50% de cursos com conceitos A ou B, as IES da rede privada ficaram sempre próximas aos
16% de cursos com esses bons conceitos. O conjunto dos sistemas estaduais permaneceu
com médias próximas aos 29% de cursos com conceitos A ou B no período 1998-2003
(Figura 30).
Certamente, entre as causas da diferença de desempenho das redes no Provão está o
alto grau de seletividade existente nos vestibulares das Ifes em decorrência da gratuidade e
da tradição acadêmicas de seus cursos, ou seja, os conceitos A ou B obtidos pelos cursos
das Ifes também decorrem de prováveis históricos socioculturais privilegiados ou de acesso
249
a um ensino básico de melhor qualidade dos seus discentes. Entretanto, não se podem
ignorar na análise dos resultados obtidos no Provão a formação do corpo docente e o
envolvimento dos discentes em investigação. Em 2003, continuava grande a diferença no
indicador discentes por docente com doutorado entre a rede privada, 138 alunos por
professor com doutorado, e as Ifes, 27 alunos por professor com doutorado (Figura 22).
Segundo dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2006),
a produção científica no Brasil está concentrada nas universidades públicas. Das vinte
entidades com maior número de artigos indexados entre 1998 e 2002, apenas três não eram
universidades estaduais ou federais (JORNAL DA USP, 2006). Dessa forma, os discentes
das Ifes têm maiores possibilidades de participação em projetos e atividades de
investigação. Portanto, pode-se dizer que as significativas diferenças observadas entre as
Ifes e a rede privada nos resultados do Provão estão relacionadas tanto com a entrada de
discentes mais preparados como com a existência de melhores condições para formação dos
discentes nas Ifes, tais como a presença de docentes com melhor titulação e o envolvimento
de discentes em investigação. Estudo publicado por Simon Schwartzman em 2004 também
indicou que as variações nos resultados do Provão são grandes tanto em nível de tipo de
instituição como em relação às diferenças regionais.
A análise do desempenho dos cursos de graduação no Provão no período 1998-2003
permite concluir que, além de não terem ocorrido mudanças significativas no desempenho
da aprendizagem no Sesb nas diferentes redes, também persistiram consideráveis
problemas relativos à falta de eqüidade na provisão de ensino em nível de sistema.
Relevância econômica e social
A medição da contribuição realizada por um sistema de educação superior para o
crescimento e desenvolvimento econômico e social do país é uma atividade complexa e
sujeita a diferentes interpretações. As medições de aspectos ligados aos níveis de
empregabilidade dos concluintes dos cursos de graduação e da produção científica realizada
pela academia estão diretamente relacionadas à relevância socioeconômica de um SES para
o país. No caso do Sesb no período 1993-2003, o acompanhamento da porcentagem da
população economicamente ativa com diploma superior demonstra que ocorreu evolução de
250
5,4%, em 1994, para 7,4%, em 2003, ou seja, pode-se dizer que ocorreu avanço na
participação da educação superior no conjunto da força de trabalho no período (Figura 33).
Em relação ao desenvolvimento de investigação no país os números absolutos e a
contextualização no cenário mundial apresentaram avanços. Segundo o Jornal da USP
(2006), a produção científica brasileira cresceu 54% entre 1998 e 2002, passando de 10.279
para 15.846 artigos indexados pelo Institute for Scientific Information. Como no mesmo
período a produção mundial registrou aumento de 8,7%, a participação brasileira no total
mundial, que em 1998 era de 1,1%, chegou a 1,5% em 2002, o maior índice entre os países
da América Latina. Porém, quando a verificação é desenvolvida em relação à quantidade de
pessoas inseridas em ocupação cnico-científica por publicação internacional no Brasil no
período 1998-2003, os resultados não demonstraram evolução da investigação na educação
superior. No ano de 1998, havia 161 pessoas com escolaridade superior inseridas em
ocupações técnico-científicas por publicação científica de circulação internacional; nos
anos seguintes tal relação variou, mas em 2003 o resultado era o mesmo de meia cada
atrás.
Com base na análise isolada da quantidade de produção científica brasileira no
período 1998-2002 e no crescimento da porcentagem da população economicamente ativa
com diploma superior no período 1993-2003, poder-se-ia considerar a existência de
melhorias na relevância da educação superior para o país. Entretanto, análises mais amplas,
como do baixo crescimento do PIB nos últimos anos, e medições de indicadores mais
detalhados, como da quantidade de pessoal por publicações científicas internacionais
podem levar a conclusões noutro sentido. Estudo recente publicado por Simon
Schwartzman (2004) indica que não se encontra nenhuma evidência significativa de que a
transformação do capital humano ocasionada pela ampliação das taxas de atendimento
tenha provocado benefícios sociais ou econômicos tangíveis no Brasil. Além disso, o
surgimento de IES privadas com fins lucrativos e, por conseguinte, de competição de
mercado na educação superior tem pressionado instituições filantrópicas e sem fins
lucrativos a reduzirem investimentos em projetos e ações comunitárias de grande relevância
social com vistas a manterem sustentabilidade econômico-financeira. Portanto, pode-se
concluir que no período 1993-2004 não ocorreram melhorias significativas na relevância do
Sesb para o desenvolvimento econômico e social do país.
251
Atendimento e Equidade
O nível de atendimento do Sesb melhorou no período 1994-2003. A taxa de
escolarização líquida na educação superior brasileira avançou de 4,8% para 10,6% em 2003
(Figura 31). Apesar desse avanço, as taxas de escolarização na educação superior do Brasil
ainda são muito baixas se comparadas com as de muitos países latinos e europeus e com a
própria meta do Plano Nacional de Educação para 2010, de alcançar 30% dos jovens entre
18 e 24 anos matriculados. O aumento do número de matrículas na educação superior no
período assentou-se fundamentalmente na expansão da rede de instituições privada que
passou de 970 mil em 1994 para mais de 2,75 milhões de discentes matriculados em 2003.
O número de matrículas das Ifes subiu apenas 200 mil no mesmo período em que o total de
discentes do Sesb cresceu de 1,6 milhões para quase 3,9 milhões (INEP, 2005b). Por outro
lado, as taxas relativas à manutenção e evasão na educação superior não apresentaram
alterações significativas no período. O acompanhamento da evolução da porcentagem de
concluintes em relação aos discentes que ingressaram quatro anos antes no Sesb demonstra
que no período 1996-2003 manteve-se praticamente a mesma - próxima aos 60% (Figura
32).
Se o atendimento na educação superior avançou entre 1994 e 2003, o mesmo não se
pode dizer do nível de eqüidade do Sesb para o mesmo período. A taxa de escolarização
líquida da população negra (avançou de 1,5 em 1993 para 4,4 em 2003) e a taxa de
escolarização da população branca (de 7,7 em 1993 para 16,6 em 2003) avançaram.
Entretanto, a diferença entre as taxas de atendimento dessas raças aumentou de 6,2 pontos
percentuais em 1993, para 12,2 pontos percentuais em 2003. No desempenho do Provão a
região Sul sempre manteve o maior percentual de cursos com conceitos A ou B -
aproximadamente 38 % dos cursos - e a região Norte, o menor percentual de cursos com
esses bons conceitos - aproximadamente 10% - (Figura 37). Publicações recentes, como,
por exemplo, o estudo elaborado por Tristam McCowan (2005) sobre as implicações do
crescimento da rede privada para a eqüidade, também indicam que o acesso igualitário no
Sesb está longe de ser alcançado e que as cobranças de mensalidades servem como
instrumento de reprodução de desigualdades sociais. Um estudo elaborado por Simon
Schwartzman (2004) também indicou que a expansão da última década não significou
ampliação da base social da educação superior. Dessa forma, pode-se dizer que, apesar da
252
melhoria da taxa de atendimento, a eqüidade do Sesb no período 1994-2003 não avançou
mantendo-se estável em questões como na igualdade no atendimento e para as diferentes
regiões e raças.
Análise global
A medição e avaliação do desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-
2003 realizada neste trabalho cumpriram etapas metodológicas fundamentais para se
alcançar a validade e confiabilidade nos resultados obtidos. Conforme o documento da
Unesco (1997a) observa, foram abordados três aspectos prioritários para avaliar a qualidade
de um sistema: seleção dos indicadores, sua organização num sistema e sua valoração. O
sistema de indicadores construído estruturou-se sistemicamente com aspectos de entradas,
processo e resultados para possibilitar a busca das relações de causa e efeito ao longo do
tempo entre os diversos indicadores, como, por exemplo, entre os financiamentos e os
resultados obtidos. Ao se desenvolver a análise sobre os resultados da medição dos
indicadores, busca-se articular a epistemologia objetivista com a subjetivista, visto que
“ciência e tecnologia, sem reflexão e auto-crítica, são máquinas cegas. Sem reflexão, pode-
se acumular muitos conhecimentos, mas não alcançar a sabedoria”. Em síntese, procura-se
adequar diferentes visões epistemológicas de forma a transformar “quantidades em
qualidade, de fazer brotar dos números brutos os significados dos dados e de fazer emergir
dos dados a complexidade dos sentidos.” (DIAS SOBRNHO, 2005c, p. 26).
O objetivo da medição e avaliação desenvolvidas neste trabalho não foi de emitir
juízo de valor definitivo sobre a qualidade do Sesb no período estudado, tampouco
comparar o Sesb com o desempenho dos sistemas de outros países
25
. A idéia central é
acompanhar o desenvolvimento e comportamento dos indicadores do Sesb no período
1994-2003, quando as políticas de mercantilização ocorreram de forma mais enfática no
Brasil, e, dessa forma, verificar se ocorreram desenvolvimento e evolução na qualidade no
contexto específico do próprio sistema.
A medição dos indicadores do Sesb no período 1994-2003 apresentou limitação em
relação à disponibilidade de dados e informações. Alguns dos indicadores propostos para a
25
A referência utilizada para analisar o desenvolvimento da qualidade do Sesb são os próprios indicadores do
Sesb num período de dez anos (1993-2004). Assim, não foi considerado um parâmetro, um padrão ou uma
régua a priori, um padrão metainternacional ou outro.
253
avaliação e medição do desenvolvimento da qualidade do Sesb (Figura 14) não possuem,
ou possuem apenas parcialmente, dados disponíveis para o período estudado. Assim, dos
trinta e cinco indicadores propostos apenas dezenove foram medidos (Figura 38).
Entretanto, indicadores dos diferentes aspectos do sistema (entradas, processo e resultados)
foram considerados e medidos de forma a montar um quadro minimamente equilibrado.
As medições realizadas sobre os indicadores que possuem informações e dados
disponíveis apontam para um quadro geral do Sesb de estabilidade, visto que três grupos do
sistema de indicadores (entradas, processo e resultados) a maior parte dos aspectos
considerados apresentou regressão ou estabilidade no período 1994-2003 (Figura 38). Se,
por um lado, a medição
26
de tais indicadores permitiu encontrar avanços claros em alguns
aspectos, como na taxa de escolarização líquida da educação superior, na quantidade de
discentes por docente com título de doutor ou mestre, na porcentagem da PEA com
diploma superior e na quantidade de cursos de graduação que se submeteram aos
procedimentos de avaliação, noutro sentido também permitiu encontrar preocupantes
regressões no financiamento do governo federal nas Ifes, como no percentual do PIB, nos
dispêndios com P&D na educação superior, no percentual de docentes com dedicação
integral e na redução da quantidade de discentes stricto sensu para cada bolsista no exterior.
Além disso, a maior parte dos indicadores de resultados do Sesb apresentou tendência de
estabilidade dentro do período estudado, entre 1994 e 2003.
Indiscutivelmente a educação superior brasileira está se expandindo e tal fenômeno
tem ocorrido sobretudo pelo crescimento da rede privada em termos de quantidade de IES,
cursos e matrículas. Entretanto, a qualidade do Sesb, quando entendida e analisada em
termos de eqüidade, eficácia, diversidade e relevância (como defendido nesta tese), não está
se desenvolvendo de forma evidente como no caso de alguns aspectos meramente
quantitativos. Quando se consideram o financiamento estatal federal e o privado, é possível
verificar um significativo aumento do financiamento total do Sesb, que aumentou quase R$
5 milhões em seis anos no SFE (entre 1996 e 2001). Entretanto, tal aumento global de
26
Num conjunto de dezenove indicadores, apenas cinco apresentaram melhora quantitativa absoluta no
período estudado (D1a, D1b, J1, L1 e M2). Dentre esses cinco, dois são de entrada, um é de processo e dois
são de resultados. Não obstante existir a possibilidade de algum deles não possuir relevância estatística, para
efeitos de análise todos foram considerados significativos. Dessa forma, o uso de fórmulas estatísticas para
identificar a significância (ou não) das melhoras encontradas não alteraria a constatação do quadro geral de
estabilidade do Sesb no período 1994-2003.
254
financiamento não resultou em evidentes melhorias em aspectos de processo (dedicação
docente e internacionalização) e resultados (aprendizagem e desempenho discente nas
diferentes regiões, eqüidade no atendimento nas diferentes regiões e conclusão dos cursos
no prazo adequado) do Sesb. Da mesma forma, a medição de indicadores específicos das
propriedades de eqüidade (atendimento entre as diferentes raças), diversidade (quantidade
de matrículas nas diferentes áreas do conhecimento), relevância (produtividade nas
publicações internacionais) e eficácia (aprendizagem e desempenho discente nas diferentes
redes) indicou que a ampliação do financiamento global do Sesb não reverteu em melhorias
na qualidade. Dessa forma, a limitação no desenvolvimento da qualidade do Sesb parece
ser conseqüência de a expansão no financiamento e no número de IES e matrículas ter se
baseado na rede privada, pois nela estão alguns dos piores desempenhos de importantes
indicadores de qualidade na educação superior. Nas IES privadas encontram-se, por
exemplo, a pior relação discente por docente com título de doutor, os menores meros de
projetos de pesquisas e produção científica, a menor porcentagem de cursos com conceitos
A ou B no Provão e as mais baixas porcentagem de docentes com dedicação integral à
educação superior.
A divulgação recente do Enade do ano de 2005 reforça tal análise ao apontar para a
queda de qualidade onde ocorreu uma maior expansão privada. Enquanto uma das regiões
menos desenvolvidas do país (Nordeste) alcançou um percentual de 29% de cursos com os
conceitos mais altos do Enade, a região mais desenvolvida (Sudeste), local onde surgiu a
maior quantidade de cursos privados nos últimos anos, alcançou 27% de cursos com os
conceitos mais altos (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006d). Dessa forma, como a maior parte
das novas matrículas no Sesb ocorreu na rede privada, pode-se afirmar que no período
1994-2003, gradativa e progressivamente, uma porcentagem maior de discentes teve acesso
à rede de mais baixa qualidade.
Enfim, evidentemente, não se pode negar que ocorreram alguns avanços em termos
quantitativos no Sesb nos últimos tempos, porém também houve regressões e as medições
realizadas nos indicadores com dados disponíveis para o período 1994-2003 indicaram um
quadro geral de estabilidade nos diferentes aspectos de qualidade do Sesb. Assim, a falta de
evidências claras de melhorias, em termos de eqüidade, diversidade, relevância e eficácia,
aponta que, no período estudado, a qualidade do Sesb não avançou de forma significativa,
255
ou seja, a medição e análise global do conjunto de indicadores de entradas, processo e
resultados da educação superior brasileira indicou que a hipótese deste trabalho está
correta.
256
Conclusão
O desenvolvimento do presente trabalho procurou contribuir na construção de
conhecimento acerca do recente fenômeno da mercantilização da educação superior. O
objetivo principal era investigar o comportamento e o nível de desenvolvimento da
qualidade da educação superior brasileira em tempos de mercantilização. A hipótese que se
buscou investigar é a de que em tempos de mercantilização não ocorreu avanço
significativo no desenvolvimento da qualidade do Sesb no período 1994-2003. Por
conseguinte, também se buscou investigar a extensão da validade da argumentação, de
alguns governos e organismos multilaterais financeiros, de que mecanismos e competição
de mercado provocam eficiência e eficácia, melhores resultados sociais e desenvolvem a
eqüidade na educação superior.
Com base nos estudos realizados, foi possível observar que atualmente existem
visões diferentes de educação superior: de um lado, encontra-se a idéia do papel da
educação superior ligado, fundamentalmente, às demandas da economia, dos mercados e da
globalização, ou seja, a defesa de uma perspectiva mais econômica da educação superior;
de outro, encontram-se os que acreditam que a educação superior deve ter como papel
principal contribuir para o desenvolvimento da cultura geral, das sociedades e das nações,
ou seja, os defensores de uma perspectiva mais social e cultural da educação superior.
Entretanto, a retórica neoliberal, hegemônica nos últimos tempos, acentuou a ligação entre
a educação, o mercado e a economia, colocando em xeque a idéia de educação superior
como bem público e relegando a um segundo plano as temáticas do papel da educação na
cultural geral e na coesão social.
Juntamente com a ascensão do neoliberalismo, a partir do final da década de 1980
começou a ocorrer uma reorientação da educação superior para, e conforme, a lógica do
mercado, que abrange tanto os meios como os fins da educação superior. No Brasil, o
processo de mercantilização da educação superior teve início em meados da década de
1990, principalmente por meio de políticas de expansão privada (centros universitários e
faculdades) e da inserção de mecanismos de regulação de mercado (avaliação regulatória
com ranking). Entre os mais significativos impactos de tais políticas estão o surgimento de
257
quase-mercados ou de mercados competitivos no âmbito da educação superior e a expansão
desregulada da rede de instituições privadas com fins lucrativos.
Alguns autores argumentam que a educação superior não pode ser tratada como um
bem público visto que apresenta características de bem privado, tais como condições de
rivalidade, de exclusividade e de recusa. Dentre as principais justificativas para a ampliação
da mercantilização está o argumento de que a competição de mercado induz à inovação e à
adaptação dos sistemas às novas necessidades, o que dificilmente seria possível por meio da
regulação baseada no Estado. Por outro lado, diversos e reconhecidos investigadores
defendem o princípio da educação superior como bem público, apresentando, entre outros
argumentos, a importância estratégica que a educação superior e a universidade m na
construção de um projeto de país e que o mercantil, bem ao contrário das características da
universidade, possui interesses de curto prazo. Entretanto, não obstante a divergência de
opiniões, o fato é que o contexto atual é de ampliação da lógica do mercado na educação.
Os estudos desenvolvidos neste trabalho sobre a recente reorientação que a
educação superior vem sofrendo no sentido da lógica do mercado proporcionaram o
desenvolvimento da seguinte definição: a mercantilização da educação superior é um
processo em que o desenvolvimento dos fins e dos meios da educação superior, tanto no
âmbito estatal como no privado, sofre uma reorientação de acordo com os princípios e a
lógica do mercado, sob a qual a educação superior, gradativa e progressivamente, perde o
status de bem público e assume a condição de serviço comercial.
Ainda não existem conclusões definitivas sobre os impactos da mercantilização na
qualidade e no desempenho dos sistemas nacionais de educação. Portanto, é importante
investigar as conseqüências de tal fenômeno na educação superior e, sobretudo, procurar
descobrir se a mercantilização tem provocado melhorias da qualidade nos SES. Porém, para
que tal questão seja respondida, antes se faz necessário definir qualidade: O que é
qualidade? Existirá um conceito único de qualidade em ES? Dessa forma, com o objetivo
de embasar a investigação acerca do desenvolvimento da qualidade em ES no Brasil,
realizaram-se revisões na literatura sobre concepções de qualidade em ES e sobre modelos
internacionais de indicadores de qualidade para SES.
258
Os estudos desenvolvidos sobre os aspectos conceituais da qualidade em ES
levaram à conclusão de que existem diversos, diferentes e legítimos entendimentos para o
termo. Independentemente do nível de análise - sala de aula, curso, instituição ou sistema
de educação -, o entendimento de qualidade em ES sempre pode variar no tempo e no
espaço. Para uns, a qualidade é um objetivo fundamental da educação; para outros, pode
estar deixando de existir. Para alguns, não pode ser medida; para outros, pode ser
“operacionalizada”. Para agentes do mercado, deve priorizar a “empregabilidade”; para
alguns movimentos sociais, deve primar pela eqüidade. Enfim, é perfeitamente possível que
a qualidade em ES tenha um significado para um grupo e, ao mesmo tempo, tenha outros,
bem distintos, para outros grupos. Portanto, o entendimento de qualidade é inexoravelmente
subjetivo, ou seja, depende fundamentalmente das concepções de mundo e de educação
superior de quem o emite.
Com vistas a verificar se o Sesb está se desenvolvendo qualitativamente, que é um
dos objetivos deste trabalho, fez-se necessária a implementação de procedimentos
avaliativos e de medição. A avaliação e medição da qualidade de um SES podem ser
definidas como um processo sistemático que envolve coleta de dados, análise de
informações e juízo de valor e mérito acerca da qualidade do sistema de educação superior.
Partindo-se da premissa de que a visão de qualidade é inexoravelmente subjetiva, o
presente estudo elaborou um entendimento de qualidade de um SES como sendo a
existência das propriedades de “relevância” para o desenvolvimento das mais diversas áreas
socioculturais e econômicas do país, de “diversidade” para atender às mais diferentes
demandas e necessidades de educação e formação, de “eqüidade” na oportunidade para
todas as pessoas das mais diversas regiões e classes sociais do país e de “eficácia” na
consecução de todas as funções básicas do SES e da formação integral dos indivíduos e da
sociedade. Com base em tal entendimento de qualidade, foram implementadas ações de
definições de sistema de indicadores e valoração e monitoração dos indicadores, com vistas
a propiciar a emissão de juízo de valor e mérito sobre o desenvolvimento da qualidade do
Sesb no período 1994-2003.
Diversos trabalhos m proposto e considerado o desenvolvimento de sistemas de
indicadores baseados em visões sistêmicas que, geralmente, consideram aspectos de
entradas, processo e resultados como a mais adequada estratégia para a realização de
259
procedimentos de avaliação, medição e acompanhamento do desenvolvimento e da
qualidade dos SES. Esses sistemas de indicadores buscam superar a obtenção de uma
simples soma de dados ao agrupar indicadores em função de fatores e aspectos que os
tornem lógicos e, por conseguinte, forneçam uma visão significativa do estado dos sistemas
de educação. Alguns dos mais importantes organismos internacionais (Unesco, OCDE,
Comissão da União Européia) e diversos países (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha,
EUA, Finlândia, França, Holanda, Luxemburgo e Reino Unido) m desenvolvido,
elaborado e aplicado sistemas de indicadores com vistas a avaliar sistemas de educação.
Dessa forma, o presente trabalho desenvolveu um sistema de indicadores com
estrutura sistêmica para avaliar e medir o desenvolvimento da qualidade do Sesb. O sistema
de indicadores criado teve como base referencial (i) o conceito de qualidade em ES
proposto por esta tese: eficácia, diversidade, relevância e eqüidade; (ii) o modelo de sistema
de indicadores sistêmico estruturado em aspectos de entradas, processo e resultados; (iii) os
indicadores e aspectos de avaliação de SES propostos pelos organismos internacionais
Unesco-Cespes, OCDE e BM; (iv) os aspectos socioculturais e econômicos do Brasil
contemporâneo para melhor avaliar a relevância do Sesb.
As medições e análises de indicadores neste trabalho apresentados, muito
provavelmente, são as primeiras avaliações do Sesb desenvolvidas por meio de um sistema
de indicadores (entradas, processo e resultados) nos moldes elaborados por muitos países
desenvolvidos e por reconhecidos organismos internacionais. As informações
disponibilizadas pelo Inep sobre a educação superior no período 1994-2003 demonstraram-
se insuficientes para a avaliação e acompanhamento da qualidade do Sesb. Não obstante
possuir relevantes dados, o Censo da Educação Superior, que se baseia em informações
repassadas pelas instituições ao Inep, não permite uma medição e avaliação do Sesb de
forma sistêmica completa, visto que um sistema (Sesb) é mais que a soma de seus
principais componentes (IES). Diversas e importantes informações, como, por exemplo,
taxas de empregabilidade dos egressos, nível de internacionalização do sistema,
investimento e tempo de ensino relativo às TIC, financiamento privado detalhado por
organização acadêmica, entre outros, não foram encontradas nas bases de dados do Inep
para o período estudado. Portanto, o desenvolvimento deste trabalho demonstrou
claramente a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos de coletas e das bases de
260
dados das agências governamentais, bem como a necessidade de implementação de uma
avaliação cíclica dos próprios órgãos para que os métodos e os instrumentos possam estar
em constante aperfeiçoamento.
Para ampliar o conjunto de aspectos do Sesb a serem avaliados no período 1994-
2003 foi preciso recorrer a outras fontes, tais como IBGE, MCT, CNPq, Seppir e Capes.
Apesar de ainda assim faltar dados para o sistema de indicadores propostos por este
trabalho, a busca de informações em diferentes fontes permitiu a formação de um quadro
minimamente equilibrado de indicadores para a educação superior brasileira. Desta forma,
foi possível o desenvolvimento de análises acerca da evolução da qualidade do Sesb no
período 1994-2003 e, por conseguinte, a investigação da hipótese desse trabalho.
A educação superior brasileira expandiu-se significativamente no período 1994-
2003, mais notadamente a partir do ano de 1997, baseando-se, fundamentalmente, na
ampliação da rede privada com fins lucrativos (for profit) e em instituições não-
universitárias. O número de universidades estatais e de universidades sem fins lucrativos
(registered charities) praticamente permaneceu o mesmo e o porcentual de matrículas das
Ifes diminuiu consideravelmente em relação ao conjunto do Sesb. Alguns indicadores de
entradas refletem claramente a opção política de priorizar a rede privada como estratégia de
ampliação do sistema: o investimento estatal foi ultrapassado pelo investimento privado no
âmbito do SFE, o investimento do governo federal nas IFES regrediu quando analisado
como percentual do PIB e os dispêndios do governo federal em P&D com o MEC
diminuíram entre 1996 e 2002. No âmbito dos indicadores de processo e resultados, pode-
se dizer que o crescimento da rede privada refletiu de forma positiva principalmente ao
impor a implantação de procedimentos de avaliação externa dos cursos de graduação, ao
propiciar a ampliação das taxas de atendimento da educação superior (taxas de
escolarização líquida e bruta) e ao ampliar o percentual de pessoas com diploma superior
no conjunto da PEA brasileira. Entretanto, os avanços decorrentes da política de expansão
do Sesb por meio do crescimento da rede privada parecem ter se limitado a esses aspectos,
visto que todos os demais indicadores medidos permaneceram estáveis ou regrediram.
Num conjunto de dezenove indicadores medido, apenas cinco apresentaram melhora
quantitativa significativa. Nos três grupos do sistema de indicadores (entradas, processo e
261
resultados) a maior parte dos aspectos medidos apresentou regressão ou estabilidade no
período 1994-2003. Além da constatação de evidentes reduções no investimento estatal,
também foi possível verificar uma considerável redução no percentual de docentes com
dedicação integral à educação superior e no nível de internacionalização do sistema, visto
que diminuiu a quantidade de discentes stricto sensu para cada bolsista no exterior. Os
demais indicadores, ou seja, a maior quantidade dos aspectos avaliados apresentou
tendência clara de estabilidade no período 1994-2003, inclusive aqueles relativos
especificamente às propriedades de eqüidade (desempenho discente por região do país e
taxas de atendimento para diferentes raças e regiões), diversidade (distribuição das
matrículas por áreas do conhecimento), eficácia (desempenho discente nas diferentes redes,
quantidade de discentes por docentes com título e conclusão dos cursos no prazo adequado)
e relevância (produtividade nas publicações internacionais).
Quando se analisou o quadro de indicadores em função da relação entre os
diferentes aspectos, de-se constatar que as ampliações ocorridas nas entradas não
resultaram, necessariamente, em esperados avanços nos indicadores de processo e
resultados. Assim como o investimento total do Sesb se ampliou (aumentando em quase R$
5 milhões na soma dos investimentos estatal federal e privado), as quantidades de discentes
por docente com titulação melhoraram no período 1994-2003. Entretanto, tais ampliações
nas entradas não resultaram em evidentes melhorias em importantes aspectos de processo
(dedicação do corpo docente e internacionalização) e resultados (desempenho discente,
eficácia na conclusão dos cursos no prazo adequado e eqüidade no atendimento nas
diferentes regiões e raças) do Sesb.
Evidentemente, a opção política por ampliar os mercados na ES e expandir o
sistema por meio de IES privadas, com fins lucrativos e de organização acadêmica não
universitária tem relação com a constatação de que a maior parte dos indicadores medidos
não avançou no período 1994-2003. A rede privada possui alguns dos piores desempenhos
no Sesb, como, por exemplo, o mais baixo percentual de cursos com conceitos A ou B no
Provão, as piores relações entre discentes e docentes com título de doutor e uma reduzida
participação nas publicações científicas relevantes. Em razão da própria natureza dos
mercados e das IES privadas com fins lucrativos, que requerem lucros, tais instituições
necessitam cobrar mensalidades superiores aos seus custos e respondem prioritariamente às
262
demandas dos indivíduos e organizações que as financiam, não às da sociedade como um
todo. As ciências básicas e as humanidades, por exemplo, são essenciais para o
desenvolvimento das sociedades, mas seguramente receberão recursos insuficientes se
norteadas apenas pela lógica do mercado. Além disso, o crescimento do número de IES
privadas com fins lucrativos tem pressionado instituições sem fins lucrativos a reduzirem
investimentos em projetos de relevância social com vistas a manterem a sustentabilidade
econômico-financeira. Portanto os maiores problemas em expandir o sistema por meio de
IES privadas, principalmente as com fins lucrativos, estão ligados a evidentes limitações no
desenvolvimento da eqüidade e relevância social para o SES.
De forma sucinta, pode-se dizer que nos últimos tempos o Brasil optou, por um
lado, por expandir a rede que possuía alguns dos piores indicadores de qualidade e, por
outro, por reduzir o investimento estatal que se destinava à rede mais qualificada com vistas
a, principalmente, ampliar as taxas de atendimento. Os indicadores de atendimento, de fato,
melhoraram no período estudado. A taxa de escolarização bruta, por exemplo, cresceu de
8,1%, em 1991, para 17,3%, em 2004, porém, ainda assim, o Brasil continua com taxas
bem inferiores às de países como Argentina (48% em 1999), Bolívia (36% em 2002),
Portugal (50% em 2002), Coréia (78% em 2002) e EUA (73% em 2002). Além disso, a
possibilidade de ampliação do atendimento por meio da rede privada parece estar se
esgotando. No ano de 2002 mais de 550 mil vagas não foram preenchidas nos processos
seletivos do setor privado em razão da incapacidade dos alunos de fazerem frente às
mensalidades, ou seja, antes mesmo de atingir plenamente um de seus principais objetivos,
a política de expansão privada já se demonstrou insuficiente.
Mas qual o “custo” dessa ampliação via rede privada e da própria mercantilização
da ES para os níveis de eqüidade e de relevância social do sistema? Quais as conseqüências
qualitativas para o Sesb dessa política de educação superior? Se, por um lado, no período
1994-2003, o Sesb parece ter alcançado alguma produtividade em aspectos como o
aumento da titulação dos docentes e na ampliação das taxas de atendimento, por outro,
demonstra que tais avanços não resultaram em relevância significativa, pois a taxa de
escolarização líquida de 10% e a produção científica relevante são ainda insuficientes para
um país em desenvolvimento como o Brasil. Além disso, a falta de evidências claras de
melhorias, em termos de eqüidade, diversidade, relevância e eficácia, observadas na
263
avaliação desenvolvida por este trabalho, indicam que no período 1994-2003 a qualidade
do Sesb não avançou de forma significativa, ou seja, a medição e análise global dos
indicadores da educação superior brasileira indicaram que a hipótese deste estudo estava
correta. Da mesma forma, pode-se dizer que foi possível observar que a expansão privada e
a emergência de mercados não estão trazendo todos os resultados positivos para o Sesb
preditos pelos organismos multilaterais financeiros. Portanto, a mercantilização da
educação superior não respondeu satisfatoriamente às necessidades quantitativas mais
imediatas, como o aumento das taxas de atendimento, nem às qualitativas, como as
propriedades de relevância, eqüidade, eficácia e diversidade do Sesb.
A pergunta que surge, então, é como ampliar o atendimento na educação superior
brasileira com qualidade? Teria o Estado condições de financiar uma expansão adequada
aos padrões internacionais com qualidade? Ou o Brasil deveria optar por uma estratégia
hibrida de financiamento estatal e privado, com ampla diversificação (ex: cursos noturnos e
rede tecnológica) e forte regulação e controle de qualidade? Tais questões precisam ser
respondidas com urgência.
O maior risco da ampliação da perspectiva econômica e da visão da educação como
serviço comercial parece ser o de se impossibilitar o próprio desenvolvimento social e o
crescimento econômico de países como o Brasil, visto que o estabelecimento de parte da
educação superior como bem público é fundamental para sustentar um projeto de nação. De
acordo com essa visão, este trabalho indicou que as atuais tendências de mercantilização e
de ênfase na educação como serviço comercial, ao menos no caso brasileiro, medidas por
um sistema de indicadores não deram respostas plenamente satisfatórias para expandir o
SES com qualidade. Portanto, faz-se necessário que a academia, os governos e a própria
sociedade reflitam e busquem novas formas e políticas blicas para que o Sesb possa
cumprir a função primeira da educação superior e contribuir com o desenvolvimento
sociocultural e o crescimento econômico do país.
264
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278
Anexos
Glossário com termos da economia
- Mercado: é um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas reais ou
potenciais interações, determina o preço de um produto ou de um conjunto de produtos
(PINDYCK; RUBINFELD, 2002); é a troca livre de bens e serviços, comparáveis entre si,
baseada em um valor - o preço (TEIXEIRA et al., 2004).
- Mercado sm (lat mercatu): 1 Lugar público onde se compram mercadorias postas
à venda. 2 Ponto onde se faz o principal comércio de certos artigos. 3 Centro de comércio.
4 O comércio. 5 Econ Esfera das relações econômicas de compra e venda, de cujo ajuste
resulta o preço. 6 Econ Meio onde certos produtos são aceitos; centro de comércio. M. de
futuros, Econ: compra e venda especulativa de commodities, para recebimento ou entrega
futura; mercado futuro. M. de moedas, Econ: mercado em que os investidores compram e
vendem moedas fortes como dólar, marco alemão, libra esterlina, iene e franco. M. de
trabalho, Sociol: esfera de relações econômicas nas quais os patrões procuram empregados,
e estes, ocupação. M. futuro, Econ: V mercado de futuros. M. negro: vendas de mercadorias
ou gêneros, feitas às escondidas, fora dos preços estabelecidos pelo poder competente legal,
com o intuito de lucros extorsivos, o que constitui delito contra a economia popular. M.
paralelo: mercado cujas operações na Bolsa de Valores não são regulamentadas ou
fiscalizadas. M. potencial: venda provável, pressuposta para certo produto (MICHAELIS,
2006).
- Mercado Livre: é onde as trocas ocorrem sem a interferência do governo. Os
recursos seriam alocados conforme o comportamento de compra dos consumidores
(TEIXEIRA et al., 2004).
- Mercadoria sf (mercador+ ia
1
): 1 Aquilo que é objeto de compra ou venda. 2
Aquilo que se comprou e que se expõe à venda. Col: partida. 3 p us Profissão de mercador.
4 Reg (Bahia) Designação comum ao carbonato e ao diamante (MICHAELIS, 2006).
- Commodity Com (comôditi) ( ingl): Mercadoria em estado bruto ou produto básico
de importância comercial, como café, cereais, algodão etc., cujo preço é controlado por
bolsas internacionais. V mercado de commodities (MICHAELIS, 2006).
279
- Mercantil adj (mercante+ il): 1 Que se refere a mercadores ou a mercadorias. 2
Que pratica o comércio. 3 Ambicioso, cobiçoso, interesseiro. Escrituração m.: a que devem
fazer as casas de comércio segundo as normas da lei (MICHAELIS, 2006).
- Mercador sm (lat mercatore): 1 Aquele que compra, para vender a retalho. 2
Negociante de panos. 3 O que compra e vende gêneros de comércio; comerciante. 4 Ictiol
O mesmo que canhanha. M. de retalho: aquele que compra ou vende por miúdo, em
pequena escala (MICHAELIS, 2006).
- Mercadorização: processo pelo qual um produto ou serviço se torna padronizado,
de tal forma que os seus atributos são aproximadamente os mesmos; então, esse produto ou
serviço pode ser facilmente comparado com produtos ou serviços similares e a competição
faz-se, essencialmente, com base no preço (VAN WEIGL apud AMARAL, 2003b).
- Compradores: são os consumidores que adquirem bens e serviços e as empresas
que adquirem mão-de-obra, capital e matérias-primas utilizadas na produção de bens e
serviços (PINDYCK; RUBINFELD, 2002).
- Vendedores: são as empresas que vendem bens e serviços, os trabalhadores que
vendem seus serviços e os proprietários de recursos que arrendam terra ou comercializam
recursos minerais para as empresas (PINDYCK; RUBINFELD, 2002).
- Mercado Perfeitamente Competitivo: Um mercado perfeitamente competitivo é
um mercado onde exista um grande número de compradores e vendedores que possam
livremente entrar e sair do mercado. Assume-se também que existam informação total e
custos de busca insignificante, e que o produto seja razoavelmente homogêneo e divisível
(TEIXEIRA et al., 2004).
- Competição Perfeita: Competição perfeita refere-se a mercados nos quais nenhum
fornecedor ou consumidor é grande o suficiente para afetar o preço de mercado - por
exemplo, o resultado do equilíbrio entre oferta e procura. Esta situação surge onde o
número de vendedores e compradores é muito grande, a fatia de mercado de cada vendedor
é relativamente pequena e os bens ou serviços oferecidos por vendedores são homogêneos -
ou indistinguíveis (TEIXEIRA et al., 2004).
280
- Competição Imperfeita: A ameaça de um monopólio (um vendedor e muitos
compradores) ou até mesmo um oligopólio (poucos vendedores e muitos compradores)
podem justificar a intervenção do governo para prevenir uma força de mercado muito
grande por parte do vendedor (TEIXEIRA et al., 2004).
- Eficiência Técnica ou Produtiva: Eficiência técnica ou produtiva refere-se a uma
situação onde as quantidades (de bens ou serviços) fornecidas são produzidas com o menor
uso possível de input por unidade de output (TEIXEIRA et al., 2004).
- Eficiência de Troca ou Eficiência Alocativa: O termo refere-se a uma situação na
qual nenhuma reorganização ou troca poderia aumentar a utilidade ou satisfação de um
indivíduo sem diminuir a utilidade ou satisfação de outro (TEIXEIRA et al., 2004).
- Políticas de Desregulação: Estas políticas enfatizam a eliminação de várias
barreiras e regulamentos, incluindo taxas e subsídios, que impedem o equilíbrio entre oferta
e demanda. Seu objetivo é aumentar a liberdade dos compradores e dos vendedores
(TEIXEIRA et al., 2004).
- Sistema de Comando: Neste tipo de sistema, o planejamento é usado para alocar
recursos para a produção e distribuição de bens e serviços com base em alguma condição
predeterminada, como, por exemplo, a necessidade, ou por um critério de autoridade como,
por exemplo, política ou religiosa (TEIXEIRA et al., 2004).
- Falhas de Mercado: Ocorre quando, por exemplo, os preços não refletem os
verdadeiros custos e as verdadeiras utilidades (WIKIPÉDIA, 2005). Os mercados
competitivos apresentam falhas devido a quatro razões básicas: poder de mercado,
informações incompletas, externalidades e bens públicos (PINDYCK; RUBINFELD,
2002).
- Externalidades: Fala-se de externalidades nos casos em que as atividades afetam
os outros para melhor ou para pior, sem que se pague, ou seja, sem compensação pela
atividade. Externalidades existem quando os custos ou benefícios privados não se igualam
aos custos ou benefícios sociais (TEIXEIRA et al., 2004).
- Assimetria da Informação: Situação na qual a quantidade de informação sobre as
características de um bem ou serviço - ou sobre uma pessoa ou organização envolvida na
281
transação do bem ou serviço - varia entre as pessoas envolvidas na troca do bem ou serviço.
O comprador e o vendedor, numa transação de mercado, por exemplo, podem ter diferentes
informações sobre os atributos ou qualidade do bem sendo negociado, bem como as
externalidades associadas (TEIXEIRA et al., 2004).
- Monopsonia: Esta é a situação de um comprador e muitos vendedores; é mais um
caso de competição imperfeita. Aqui, a força de mercado inclina-se em demasia para o lado
do comprador. Espera-se que a eficiência do sistema seja afetada (TEIXEIRA et al., 2004).
- Oligopólio: Mercado no qual apenas algumas empresas competem entre si e
impedimento para a entrada de outras empresas (PINDYCK; RUBINFELD, 2002).
- Cartel: Mercado no qual algumas ou todas as empresas fazem coalizões
explicitamente e coordenam preços e níveis de produção de maneira que possam maximizar
seu lucro conjunto (PINDYCK; RUBINFELD, 2002).
- Bem Público: Um bem público é caracterizado pela não-competição no consumo -
o consumo de uma pessoa não interfere no de outras pessoas - e não-excludência - excluir
outros do seu consumo não é possível: os benefícios são espalhados por toda a comunidade
(TEIXEIRA et al., 2004).
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