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SANDRA HERSZKOWICZ FRANKFURT
AS PRÁTICAS DAS FESTAS ESCOLARES
NA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA
(1930-1950)
MESTRADO
EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PUC / SP
2006
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SANDRA HERSZKOWICZ FRANKFURT
AS PRÁTICAS DAS FESTAS ESCOLARES
NA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA
(1931-1950)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Educação, no
Programa de Pós-graduação em
Educação: História, Política, Sociedade,
sob a orientação da Professora Doutora
Maria Rita de Almeida Toledo.
PUC / SP
2006
I
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RESUMO
Neste trabalho, objetiva-se investigar as práticas das festas da Escola Normal de
Pirassununga, entre as décadas de 1930 e 1950. O intento é analisar as práticas das festas
escolares como um dos instrumentos da profissão docente e da memória social republicana.
Para tanto, toma-se como fontes o manual de Cardim (1916), um hinário encontrado na
biblioteca da Escola, a legislação sobre as festas escolares, as revistas: Educação (1927-
1930), Escola Nova (1930-1931), Educação (1931-1932), Revista de Educação (1933-
1944) e revista Educação (1945-1961), além das referências sobre o assunto no Jornal “O
Movimento”. A essas fontes, somam-se entrevistas com ex-normalistas da Escola Normal
de Pirassununga que estudaram durante o período que compreende a pesquisa e um caderno
produzido na disciplina Prática de Ensino por uma das ex-normalistas entrevistada. Para
realizar a análise proposta, as festas da Escola Normal de Pirassununga, levando-se em
conta o aprendizado do exercício docente, foram classificadas em festas do sucesso escolar
e festas para “aprender a fazer com”. Constatou-se que as festas na Escola Normal de
Pirassununga, além de comporem a cultura profissional docente, constituem a memória
social da cidade.
Palavras-chave: festas escolares, práticas, memória, Escola Normal de Pirassununga,
cultura escolar.
II
ABSTRACT
This work aims to investigate the practices of the Normal School celebrations in the city of
Pirassununga, in the period between 30 's and 50 's decades of the last century. The intent is
to analyze the practices of the school celebrations as one of the instruments of the
educational career and of the republican social memory. For so much, take as sources,
Cardim's Manual (1916), a anthem book found in the library of the school in Pirassununga,
the legislation on the school celebrations, the magazines: Educação (1927-1930), Escola
Nova (1930-1931), Educação (1931-1932), Revista de Educação (1933-1944) and
Educação (1945-1961), besides the references on the subject in the newspaper “O
Movimento”. To these sources, interviews with former- teachers of the Normal School of
Pirassununga are added , who studied during the period that comprehends the research and
a notebook produced in the Teaching Practice discipline for one of the former-teacher
interviewee. To accomplish the proposed analysis, the celebrations of the Normal School of
Pirassununga, carrying itself in counts the learning of the educational exercise, they were
classified in celebrations of the school success and celebration “to learn to do with”. It
verified that at Normal School celebrations of Pirassununga, besides composing the
educational professional culture, they constitute the social memory of the city.
KEYWORDS: SCHOOL CELEBRATIONS, PRACTICES, MEMORY, NORMAL
SCHOOL OF PIRASSUNUNGA, SCHOOL CULTURE.
III
Banca Examinadora:
______________________________________
______________________________________
______________________________________
IV
Para minha mãe Alice, minha mestra, meu exemplo,que desde cedo me ensinou que o
estudo me ofereceria oportunidades de alçar vôos cada vez mais altos.
Para minhas filhas Milena e Gabriela, minhas paixões, pelo amor com que souberam
compreender a distância que esse trabalho nos impôs.
Para meu marido Ricardo fonte inesgotável de cumplicidade e amor.
Para minhas irmãs Betty e Silvia, por serem parceiras e incentivadoras em todas as etapas
dessa jornada.
Para minha amiga Suenilde Costa cujo exemplo de dedicação, amizade e profissionalismo
me fez acreditar na possibilidade de fazer parte da História da Educação.
V
Desço aos porões do tempo,onde a lembrança
remove úmidas pedras,despertando
os mais antigos sonhos sepultados.
Entre tudo que assisto,me comove
ver a criança que fui ,desprevenida,
acariciar os monstros que hoje temo.
E brusco me pressinto num porvir
isento de matéria e de desejo:
a soma do que eu fui já resumida
em uma branca estátua de memória
que o tempo se compraz em desgastar.
Thiago de Mello
VI
Agradecimentos:
A Deus, pois sem sua presença esse trabalho não seria concluído .
À Maria Rita de Almeida Toledo, minha orientadora, que com competência,
persistência, amizade e respeito às minhas inúmeras dúvidas e dificuldades me guiou pelo
emaranhado de livros, manuais, legislações e documentos, colaborou para minha formação
pessoal e profissional.
A Dodô, que sempre me recebeu em sua casa com uma palavra de incentivo,
vibrando ao término do trabalho.
A todos os professores do programa de Educação: História, Política, Sociedade, em
especial: José Geraldo Silveira Bueno que acreditou no meu tema de pesquisa soube me
conduzir a quem me daria apoio incondicional para a conclusão desse texto.
A todos os meus familiares, sem distinção, pelo carinho com que acolheram as
mudanças que a vida acadêmica impôs às nossas relações, pela paciência diante de minhas
angústias e principalmente pelo apoio oferecido em todos os momentos dessa pesquisa.
A todos os meus colegas de mestrado, em especial, Irmã Dorcelina Rampi, José
Luiz Germano, Suzana Roman Perez, Eliana Reis e Suenilde Costa, que se mostraram
compreensivos em relação aos conflitos e desafios desta jornada.
À Cláudia Ramos, que com seu profissionalismo e amizade me permitiu um pouco
de descanso na digitação desse texto.
Às amigas Mônica Friaça e Evelyn Blatyta, que me incentivaram a estudar para a
prova da entrada no mestrado, fazendo-me ver, que eu seria depois de tanto anos, capaz de
voltar a enfrentar uma sala de aula para aprender junto com mestres e doutores novos e
velhos saberes.
À Betinha, secretaria do Programa por todos os “galhos” que quebrou para mim.
À Dona Ivanildes e Arlene, funcionárias do Centro do Professorado Paulista (CPP),
que sempre me receberam com carinho e atenção.
Às professoras Ana Clara Bortoleto Nery e Luciana Maria Giovanni pelos
comentários e sugestões que contribuíram para a definição de aspectos fundamentais dessa
dissertação.
VII
À nova família que adquiri na cidade de Pirassununga, que me acolheu como filha e
que considero como pais e irmãos; a família Fantinatto: Sr. José Fantinatto, Dona Maria
Lúcia Fantinatto, Patrícia ,Demetrius, Giulia, Isabella, Raquel, Sérgio, Henrique, Bianca e
Sulamita. Sem eles, sua generosidade e hospitalidade, esse trabalho jamais seria concluído.
Às ex-normalistas: D. Nair, D. Norma, D. Adelaide, D.Odette, D.Benedicta,
D.Leonice, D. Norma e o Sr. Daniel Caetano do Carmo, que fizeram a gentileza de me
conceder as entrevistas, às vezes até cansativas para a idade.
À cidade de Pirassununga e seu Instituto, onde tive total acesso a todo o material
que pudesse me ser útil.
Às minhas vizinhas Luíza e Laís, que me viam rir, chorar e falar sem entender do
que se tratava, mas estavam ao meu lado.
Ao CNPq, que me ofereceu o apoio financeiro sem o qual não seria possível a
realização dessa pesquisa.
Ao Ricardo, meu amor, por me ajudar em tudo quanto tenha precisado –
companheiro incansável dessa empreitada.
VIII
SUMÁRIO
RESUMO...........................................................................................................................................................II
ABSTRACT.....................................................................................................................................................III
LISTA DE QUADROS....................................................................................................................................IX
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................. 1
AS FESTAS ESCOLARES NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO................................................................... 3
AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ............................................................................................. 21
REVISTAS ..................................................................................................................................................... 23
LEGISLAÇÃO................................................................................................................................................. 25
LIVROS ESPECIALIZADOS .............................................................................................................................. 25
O JORNAL ..................................................................................................................................................... 29
AS ENTREVISTAS .......................................................................................................................................... 29
CADERNO DE UMA EX-NORMALISTA............................................................................................................. 31
ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS.................................................................................................................... 33
CAPÍTULO I – A MEMÓRIA SOCIALMENTE CONSTRUÍDA DA ESCOLA NORMAL DE
PIRASSUNUNGA ................................................................................................................................ 35
I.1. HISTÓRIA E MEMÓRIA DA CIDADE DE PIRASSUNUNGA............................................................................ 36
I.2. AS FESTIVIDADES DA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA UMA ANÁLISE DA MEMÓRIA ................... 43
1.3. A ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA EM “O MOVIMENTO ............................................................. 49
CAPÍTULO II – VARIAÇÃO DAS PRESCRIÇÕES DAS FESTAS ESCOLARES NO TEMPO............ 56
CAPÍTULO III – AS FESTAS ESCOLARES NA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA –
DISPOSITIVOS DE (CON)FORMAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE.................................................................. 68
III.1. CLASSIFICAÇÃO ANALÍTICA DAS FESTAS ESCOLARES .......................................................................... 69
III.1.1 FESTAS DO SUCESSO ESCOLAR E CONSTITUIÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIOPOLÍTICO ............................. 70
III.1.1.1. ANÁLISE DE UMA PRODUÇÃO EM PRÁTICA DE ENSINO DA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA .90
III.1.2. FESTAS PARA APRENDER A FAZER COM....................................................................................... 126
-CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................... 150
- BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................................... 154
-FONTES................................................................................................................................................... 160
ANEXOS................................................................................................................................................... 162
IX
2
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1.1
– Ex-alunos entrevistados da Escola Normal de
Pirassununga........................................................................ 43
QUADRO 2.1
– Prescrições das festas cívico-escolares no tempo .................... 57
QUADRO 3.1
– Festas do sucesso escolar e do imaginário sóciopolítico das
alunas-professoras da Escola Normal de Pirassununga.......... 71
QUADRO 3.2
– Comemorações para o “aprender a fazer com” ....................... 130
X
1
INTRODUÇÃO
Depois de 15 anos dedicada ao magistério, com formação em Pedagogia, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nutria o projeto de realizar estudos
pós-graduados. Ao analisar algumas possibilidades, cheguei ao mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade (EHPS). O
intuito inicial de pesquisa era investigar o tema das formaturas escolares e as
transformações pelas quais esse tipo de prática passou ao longo de décadas. Esse
intuito decorria do fato de observar que, em diferentes gerações, se atribui valores
distintos à formatura, que representa um marco na carreira profissional de qualquer
escolar.
A definição por esse tema, bem como a escolha do Programa de Pós-
Graduação deveu-se ao encontro com um ex-professor da Graduação, com quem esse
tema foi discutido. Trata-se do Professor Dr. José Geraldo Silveira Bueno,
atualmente professor do referido Programa.
A discussão, além de servir como incentivo para realizar um mestrado,
apontando para a possibilidade de realizar esse projeto, demonstrou que a idéia
inicial, embora factível, precisava de mais discussão e amadurecimento. Em meio às
várias conversas já como aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação:
História, Política, Sociedade, pôde-se realizar o trabalho que aqui se apresenta.
Esta pesquisa inscreve-se no campo de uma História Cultural da escola e dos
saberes pedagógicos. O núcleo das investigações está em torno de um campo de
questões relativas ao processo de institucionalização da escola primária no Brasil.
Analisa dispositivos que, na sua materialidade, dão a ver modelos de conformação
escolar das práticas educativas e busca determinar a especificidade das apropriações
de tais modelos no processo de constituição da escola primária no Brasil (Carvalho,
M.M.C. & Toledo, 2004).
Os interesses teóricos que norteiam as investigações derivam de dois
pressupostos teóricos: o de que o modelo escolar é produto de práticas de
apropriação entendidas como práticas de transformação de matérias sociais
específicas; o de que os modelos pedagógicos são objetos culturais produzidos
2
socialmente, devendo ser analisados em sua materialidade (Carvalho, M.M.C. &
Toledo, 2004).
Como prática de transformação de matérias sociais, a apropriação supõe a
situação particular em que os agentes dotados de competências específicas produzem
um novo objeto, segundo procedimentos técnicos e regras de uma finalidade
condicionada por uma posição. Afirma-se, assim, o pressuposto de que a história do
processo de institucionalização da escola elementar no Brasil deve ser construída a
partir de um questionário de investigação que traga à cena os atores nele envolvidos,
para reconstituir a situação-problema com que se defrontaram, o repertório de
modelos pedagógicos a que tiveram acesso, e os recursos culturais (individuais e
sociais; intelectuais e materiais) com que puderam contar na apropriação que fizeram
dos modelos (Carvalho, M.M.C. & Toledo, 2004).
O conceito de apropriação, como tática que subverte dispositivos de
modelização, é tomado de Certeau (1994), que põe em cena um hiato entre os usos e
suas prescrições. O hiato evidencia a complexidade da relação entre modelos
pedagógicos e seus usos e está no cerne de uma História Cultural das práticas e dos
saberes pedagógicos. O conceito supõe o de estratégia, também tomado de Certeau
(1994), que remete a práticas cujo exercício pressupõe um lugar de poder, e designa
dispositivos de normatização e modelização que, desse lugar de poder em que são
produzidos, regulam práticas que se inscrevem em um território que lhes é exterior.
Falar de práticas de apropriação é falar de uma matéria dessa apropriação e de
operações de transformação dessa matéria que põem em cena práticas de seleção de
um agente que, dotado de disposições, expectativas e competências, faz uso do
repertório cultural a que tem acesso em uma situação determinada (Certeau, 1994;
Chartier, 1990, 1994).
Com esse referencial teórico, no projeto em que se insere esta pesquisa, é
recortado um campo de interesses que articula trabalhos que permitem mapear
práticas e processos de produção, difusão e uso de modelos pedagógicos que põem
em circulação desenhos institucionais da escola elementar. Investigam-se práticas de
produção desse modelo escolar, pondo em cena os atores dessas práticas,
configurando situações de produção, difusão e uso de modelos como métodos de
ensino, regulamentos, matérias escolares, livros, horários, organização espacial.
3
Com essa perspectiva teórica, somado o interesse inicial de estudar o tema da
formatura, foi possível ampliar o foco de estudo, pois foi possível perceber que a
formatura fazia parte de um conjunto de outras festas que configuravam a cultura
escolar. Mas, para fazer essa análise, explicitou-se a necessidade de definir fontes.
Assim, após várias leituras e discussões, percebeu-se que o tema das práticas das
festas escolares poderia ser investigado a partir das orientações presentes em
manuais, revistas, orientações de inspeção e na legislação.
A indicação para a definição desse objeto decorreu da leitura de autores
como: Souza (1998, 2000), José Murilo de Carvalho (2000), Gallego (2003), Catroga
(1997) e Marta Maria Chagas de Carvalho (1989). O que se observa de comum entre
esses autores é que nenhum deles tem como foco principal de análise as festas
escolares, sendo um tema, portanto, que só aparece secundariamente.
AS FESTAS ESCOLARES NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Souza (1998), embora tenha se dedicado especificamente à criação dos
primeiros grupos escolares do Estado de São Paulo, no que diz respeito às festas
escolares, afirma que
a escola primária republicana passou a celebrar a liturgia política da
República, além de divulgar a ação republicana, corporificou os símbolos, os
valores e a pedagogia moral e cívica que lhe era própria. Festas, exposições
escolares, desfiles dos batalhões infantis, exames e comemorações cívicas
constituíram momentos especiais na vida da escola pelos quais ela ganhava
maior visibilidade social e reforçava sentidos culturais compartilhados. Eles
podem ser vistos como práticas simbólicas que, no universo escolar,
tornaram-se uma expressão do imaginário sócio-político da República
(Souza, 1998, p. 241)
.
Ou seja, a autora analisa as festas escolares com ênfase nos ritos, de modo
que as práticas seriam a projeção dos republicanos de como seria possível
universalizar a educação popular, de modo a aproximar não só a educação, mas o
próprio projeto republicano, das camadas populares. Nesse sentido, a autora destaca
que a escola apresentava-se como essencial para a República, devendo, para tanto,
4
deter em si um caráter de prestígio e qualidade, para o que deveria ser austera e
rigorosa.
Nesse ambiente, ao dedicar-se à análise da educação nos grupos escolares
republicanos no Estado de São Paulo, Souza (1998) foca atenção nos exames
públicos, por considerá-los um dos dispositivos usados para que a escola pudesse
reafirmar os atributos da escola republicana. Assim, a autora delimita a dimensão
simbólica a que ela se volta. Essa opção é perfeitamente compreensível, porque como
ela mesma adverte, o intuito não é “escrutinar o domínio do simbólico” (Souza,
1998, p. 242), haja vista serem as práticas escolares uma parte significativa da cultura
escolar que, para serem explicadas, é preciso uma dedicação mais aproximada.
Pode-se afirmar que, nessa perspectiva, com este trabalho, há uma
aproximação do que sugere Souza (1998), uma vez que o intento é, por motivos que
serão explicitados mais adiante, voltar-se para a análise das práticas escolares, mas
que, por compreendê-las como amplas, impossibilitando dar conta da totalidade, o
recorte foi feito a fim de analisar algumas práticas específicas em uma instituição
determinada: as festas escolares na Escola Normal de Pirassununga.
Para a definição desse objeto de pesquisa, José Murilo de Carvalho (1990)
também é elucidativo, já que um dos focos de análise desse autor são os símbolos
nacionais – a bandeira e o hino. Esses símbolos foram tratados pelo autor por serem
utilizados como fundamentais para a redefinição de novas identidades coletivas.
Nessa redefinição, a utilização desses símbolos são elementos fundamentais a quem
pretenda estudar as festas escolares, pois é nessas festas que a constituição da
identidade coletiva se impõe de forma visível.
Segundo o autor, ao instituir uma nova ordem política, a República
reatualizou problemas latentes na sociedade brasileira, tais como as questões de
identidade e unidade nacional. A transição do Império para a República representou
momentos de crises e tensões sociais com grande perigo de desagregação. Era
preciso, pois, construir um novo universo simbólico, uma vez que, como assinala
José Murilo de Carvalho, (1990), a Proclamação da República foi um movimento de
poucas raízes populares que precisava de legitimação. O forte apelo aos valores
cívicos e o culto aos símbolos nacionais aparecem, portanto, como uma forma de se
restabelecer a unidade e a integração social ameaçada.
5
Nesse processo de elaboração do imaginário da República, para o autor, a
escola primária exerceu um papel fundamental. Coube a ela “formar almas”, com
participação efetiva na construção da identidade e da unidade nacionais, não só por
transmitir uma cultura comum, como por difundir valores morais e cívicos, atuando
em vários níveis da formação do imaginário social. Por isso, na escola, a
Proclamação da República, a exaltação a Tiradentes, as datas históricas, a bandeira, o
hino, os símbolos nacionais eram ensinados de acordo com a versão oficial,
significando bem mais que simples lições de História. A isso se acrescenta o fato de
que, como explicita José Murilo de Carvalho (1990), a formação moral, baseada no
civismo republicano, não se restringiu às escolas públicas, mas foi amplamente
perpetuada nas escolas particulares confessionais e leigas.
Para tanto, a escola precisava fazer parte de outros espaços sociais, ajudando
a configurar o imaginário republicano. Por conta disso, sugere-se que uma das
características da escola, na República, é ir além dos limites da instituição, a fim de
colaborar para que esses outros espaços, que outras manifestações sociais estivessem
de acordo com o imaginário republicano.
A escola, portanto, ajudaria a formatar, nos moldes republicanos, outros
espaços públicos, como a rua e outros locais de convívio social, que, como aponta
Faria Filho (2005), muitas vezes, mostravam-se completamente contrários aos
interesses da República. A intervenção da escola nesses espaços atuaria, assim, como
uma forma de submeter esses outros espaços, essas outras formas de socialização à
cultura escolar oficial.
Segundo Faria Filho (2005), o que levava esses outros espaços se submeterem
à cultura escolar era o fato de que, quando certas atividades aconteciam sem o
respaldo de uma escola, eram vistas com desconfiança. Era, portanto, a escola que,
na República, detinha, por excelência, a credibilidade social. Essa credibilidade é que
conferia a ela o direito de escolarizar práticas antes não escolarizadas. Um exemplo
apontado pelo autor são as festas cívicas que vão se transformando, especialmente a
partir do século XX, cada vez mais em festas escolares. Essas festas, nas cidades,
passaram a ocupar um papel muito mais importante, uma vez que tendiam a controlar
as perversões que a vida citadina passou a oferecer.
Para a discussão do papel desempenhado pelas festas escolares na
constituição dos símbolos republicanos, Catroga (1997), autor português que analisa
6
o republicanismo e as reformas educacionais de Portugal, traz uma boa contribuição,
por considerá-las importantes práticas para inculcar sentimentos coletivos.
E, mais do que quaisquer ouros, os pedagogos republicanos defendiam que a
Escola tinha a missão de “fazer irradiar, propagar, de assegurar o culto da
bandeira”, o que implicava que a educação cívica, para ser eficiente e
demopédica, teria de ultrapassar o âmbito restrito da sala de aula e de se
reproduzir, como espetáculo, na própria ágora. As praças e as ruas deviam
ser espaços disponíveis para a simbólica e para o espetáculo político. E é
conhecido o precoce empenhamento republicano na realização das festas
cívicas como forma de propaganda e de fomento de sentimentos colectivos
(Catroga, 1997, p. 273 -274) .
A respeito das festas escolares, Souza (2000) também ajuda a compreender o
papel atribuído a essas atividades no período republicano. Nas palavras da autora,
no início do século XX, a escola pública estava se constituindo não só como
o lugar onde se ensinavam os valores cívicos, mas como instituição guardiã
desses valores, cuja ação moral e pedagógica estendia-se para toda a
sociedade. Comemorar as datas cívicas tornou-se atividade obrigatória nas
escolas públicas nesse período. (Souza, 2000, p. 179).
Para responder às necessidades políticas, segundo Souza (2000, p. 173),
“durante o século XX, a escola pública foi palco e cenário de inúmeros rituais,
práticas simbólicas engendradas pela organização espaço-temporal e pedagógica do
sistema escolar”. As festas escolares, a exemplo das festas de encerramento do ano
letivo, o cerimonial de formatura, as comemorações cívicas, os desfiles destacavam-
se entre esses ritos.
Souza (2000), com base no conceito de rito de Mesquita, toma-o como uma
cerimônia, “na qual as maneiras de agir, as fórmulas, os gestos e os símbolos
empregados são tidos como possuidores de virtudes ou poderes que lhes são
inerentes e susceptíveis de produzir efeitos ou resultados determinados” (Mesquita,
apud Souza, 2000, p. 174). Para a autora, os termos cerimônia, liturgia e rito
remetem para a idéia de atos solenes, repetitivos e codificados, de ordem verbal,
gestual e postural, com uma forte carga simbólica. Assim, ela classifica duas
categorias para analisar os rituais escolares: “os ritos de representação simbólica do
7
sucesso escolar e os ritos de manifestação do imaginário sócio-político” (Souza,
2000, p. 174).
A autora destaca que
as festas nacionais instituídas no início da República são praticamente as
mesmas que comemoramos ainda hoje. A criação destas cerimônias foi
forjada pelo Estado, promovendo desfiles, alvoradas, paradas militares.
Juntamente com a mobilização social e outras instituições estatais, a escola
tornou-se o lócus de ocorrências desses rituais. Desde então, as festas
nacionais constam do calendário escolar, não apenas como feriado – o dia de
interrupção dos trabalhos escolares – ela é antes de tudo, uma atividade
educativa. Dessa forma, a escola passa a fazer parte destas cerimônias
sociais, participando dos desfiles, ou promovendo ela mesma a liturgia
cívica, conclamando a participação da comunidade. Tais cerimônias
compreendiam: a preleção a respeito da data, discursos, sessões literárias,
hasteamento da bandeira, o canto do hino nacional, o desfile. (Souza, 2000,
p. 179)
Souza (2000, p. 179) é enfática ao destacar que “as comemorações cívicas
mobilizavam símbolos, mobilizavam almas”. Segundo essa autora, as festas escolares
permitem a interação não apenas de estudantes, mas de toda a comunidade que é
trazida para o espaço escolar nesses momentos. Segundo ela,
nessas ocasiões, o espaço escolar transformava-se num grande palco,
algumas vezes caprichosamente ornamentado, onde os alunos encenavam
para a sociedade o espetáculo da cultura, das letras, da ordem, das lições
morais e cívicas, mediante representações teatrais, hinos, recitação de
poemas, cantos, demonstração de ginástica. Ainda fazia parte da cerimônia o
discurso de uma autoridade escolar, a leitura das promoções, a entrega de
prêmios para os melhores alunos e a entrega de certificados. Na mesma
ocasião de ocorrência destas cerimônias, as escolas realizavam as exposições
escolares, contendo uma amostra dos resultados dos objetos confeccionados
pelos alunos na disciplina Trabalhos Manuais, bem como cadernos, provas e
outros registros do trabalho escolar. (Souza, 2000, p. 178).
No entanto, para realizar a discussão de ritual, Souza (2000) agrega as
considerações de Da Matta (1990), por esse autor afirmar que o rito não se define
apenas pela repetição ou por configurar fórmulas rígidas, mas por meio de uma
dialética entre o cotidiano e o extraordinário.
8
Para esse autor, o rito compreende “um veículo básico na transformação de
algo natural em algo social” (Da Matta,1990). Mas, para que isso ocorra, é necessária
uma forma qualquer de dramatização. Por meio dela, o grupo individualiza algum
fenômeno e transforma-o em instrumento capaz de individualizar a coletividade,
dando-lhe identidade e singularidade.
Nesse sentido é que o Estado, segundo Souza (1990), fez da escola primária
um instrumento de memória nacional, fabricando uma memória coletiva, instaurando
sentimentos ainda inexistentes, educando a memória, transmitindo valores,
construindo a identidade, ou seja, individualizando-a. As comemorações exploram o
caráter constituinte e formador da memória do passado, rompem a rotina, embora
também exista um programa a ser seguido, planejado previamente.
Assim, pode-se afirmar, no que se refere à escola republicana, que
o calendário escolar, ao eleger e selecionar datas a serem festejadas, homens
a serem considerados heróis, indica o que deve ser lembrado e,
conseqüentemente, produz esquecimentos. Era preciso fazer com que o povo
amasse a pátria, seus heróis, comemorassem a era republicana: hinos,
hasteamento da bandeira, pavilhão escolar, Orfeão constituíram atividades
decisivas na constituição da memória coletiva oficial (Gallego, 2003, p. 88).
Desse mesmo modo, Gallego (2003) lembra que o calendário escolar era
composto não só pelas necessidades do trabalho escolar propriamente dito (aulas,
exercícios em classe, avaliações, programas etc.), mas também pelas atividades
cívico-patrióticas estabelecidas pelo estado republicano.
Segundo Souza (1998, p. 134), “as comemorações cívicas demonstram a
inserção do tempo escolar no tempo social”. Desse modo, as festas escolares, ao
contrário das festas do calendário social, não contrapõem o tempo livre ao tempo do
trabalho, uma vez que constituem tempo de atividade educativa, um tempo a
aprender.
Pensar a relação dessas comemorações no espaço escolar impõe considerá-las
como experiências de socialização e aprendizado em meio a outras dos mais variados
tipos, colocadas no centro de uma das grandes transformações culturais da
modernidade: a transmissão de conhecimentos.
9
Segundo Faria Filho (2005), é na cidade, sem dúvida, que a escola vai ter que
se defrontar continuamente e de forma sistemática com outras formas de
socialização, que ora se mostram complementares ora antagônicas, como a rua, os
espetáculos públicos e a fábrica, por exemplo.
Conforme esse autor, uma das formas de se compreender as relações entre a
escola e a cidade é buscar entender como a instituição escolar se inscreve –
constituindo e sendo constituída – nas teias das relações humanas.
Mas, a relação de socialização que a escola mantém com outras tantas, como
a exemplo das já citadas, a rua, os espetáculos públicos, as fábricas, desenvolve-se,
como alerta Faria Filho (2005), ora em uma clara relação de hostilidade, ora de
aproximação entre alguns dos elementos estruturantes, ora por meio de tentativas,
mais ou menos frutíferas, de submeter essas outras formas de socialização à
escolarização, ou seja, à cultura escolar.
É interessante notar que, quando os espetáculos públicos e as festas não são
submetidos à cultura escolar, e ocorrem em espaços de pouco controle pelos agentes
escolares, são vistos com desconfiança e considerados sedutores, cujos sentidos não
podem ser controlados (danças e gestos sensuais).
Conforme Faria Filho (2005), a escola vai, paulatinamente, encontrando
formas de escolarizar tais espetáculos. Exemplo disso é a brutal transformação das
festas cívicas, que ocorre ao longo do século XIX até o início do século XX. A partir
da segunda metade do século XX, as festas cívicas vão se transformando mais e mais
em festas escolares, em festas de escolares (estudantes). É interessante notar que, no
século XX, a festa cívica se transforma em um movimento privilegiado de a escola
ocupar a cena da cidade. Nas festas e pelas festas, a escola se mostra como educadora
da infância e da juventude e, sobretudo, dos habitantes da cidade, inclusive de seus
quadros dirigentes. Nas festas escolares, portanto, deposita-se um forte valor
simbólico.
Catroga (1997), fazendo uso das considerações de António José de Almeida e
Fernão Botto-Machado, acerca do valor dos símbolos, afirma que
não admira a particular sensibilidade dos nossos republicanos ao valor social
e ideológico das práticas simbólicas. Há muito sabiam que os símbolos não
10
valem tanto pelo que em si representam ... mas pela força que traduzem, pelo
poder, pelo valor, pela soma de respeito que significam, por parte do povo, e
que, no plano educativo, o discurso racional sem a sua expressão simbólica
não teria efeitos, pois o movimento de ideias, para se propagar de uma
maneira eficaz através de todas as camadas sociais, necessita das festas
públicas que, pelo seu brilho, atraiam a massa popular. (Catroga, 1997, p.
272).
Acerca do universo simbólico, Souza (2000) informa que o advento da
República, no Brasil, representou um momento de ruptura social, em que foi preciso
compor um novo universo simbólico capaz de conferir legitimidade ao incipiente
regime político. O significativo apelo aos valores cívicos e o culto aos símbolos
nacionais surgem como uma forma de restabelecer a unidade e a integração social
ameaçada. A democracia, a federação e a educação emergem como elementos
imprescindíveis para, tal como se afirmava, empreender-se a “salvação” e o
progresso do país. O discurso dominante era de que a educação seria a solução de
todos os problemas sociais, econômicos, políticos, enfim, a regeneradora do homem
e da sociedade. A instituição escolar foi concebida, nesse contexto de
institucionalização da nova ordem política, como um marco “a sinalizar a ruptura que
se pretendia instaurar entre um passado de obscurantismo e um futuro luminoso”
(Carvalho, M.M.C., 1989, p. 55). As preocupações com as questões educacionais
foram traduzidas, principalmente, na realização de reformas educacionais, criação de
escolas, investimento dos homens públicos no setor educacional, formação de
professores e preocupação com a eficiência dos métodos pedagógicos.
A obrigatoriedade dessas comemorações pode ser percebida, como demonstra
Souza (2000), pela determinação, em decreto, de se comemorar datas como o 3 de
maio (Descoberta do Brasil); 7 de setembro (Independência do Brasil) e 15 de
novembro (Proclamação da República)
1
. Como se não bastasse definir, por decreto, a
comemoração dessas datas, definia-se também que deveriam acontecer de forma
solene e com a presença do corpo docente do estabelecimento de ensino.
1
A autora faz referência a dois decretos em que figuram a comemoração dessas datas: o Decreto nº
155-B, de 14 de janeiro de 1890 e o Decreto 4600, de 30 de maio de 1929 (Cf. Souza, 2000). Como se
poderá observar, a definição das datas comemorativas não se mantém constante com o passar do
tempo.
11
Apesar de haver modificações entre as datas a serem comemoradas com o
passar do tempo, a autora destaca que essas práticas atuam como estratégias contra o
esquecimento.
Em todos os Estados-nação constituídos na era moderna, a memória foi
considerada objeto fundamental para a identidade da nação. Não por acaso,
as festas nacionais desempenharam uma função pedagógica e unificadora,
reduzindo as diferenças existentes. Nisto, os estados nacionais se
empenharam ao máximo, buscando definir hinos, bandeiras, imagens,
símbolos que “personificassem” a nação e expressassem sua soberania.
Também foi necessário alimentar a memória coletiva, instituindo uma
memória nacional. (Souza, 2000, p. 179).
Ou seja, o intuito fundamental da comemoração das festas cívicas nas escolas
é, justamente, manter uma coesão interna entre os grupos, fornecendo um quadro de
referências que permitam aos indivíduos reconhecerem-se como um grupo, como
uma sociedade, conferindo-lhes, portanto, identidade.
Para cumprir esse papel, a autora adverte que os decretos instituidores das
festas nacionais também determinavam como elas deveriam acontecer, ou seja,
atuavam como prescrições das práticas a serem efetivadas.
A criação destas cerimônias foi forjada pelo Estado, promovendo desfiles,
alvoradas, paradas militares. Juntamente com a mobilização social e outras
instituições estatais, a escola tornou-se o locus de ocorrência desses rituais.
Desde então, as festas nacionais constam do calendário escolar, não apenas
como feriado – o dia de interrupção dos trabalhos escolares – ela é antes de
tudo, uma atividade educativa. Dessa forma, a escola passa a fazer parte
destas cerimônias sociais, participando dos desfiles ou promovendo ela
mesma a liturgia cívica, conclamando a participação da comunidade. Tais
cerimônias compreendiam: a preleção a respeito da data, discursos, sessões
literárias, hasteamento da bandeira, o canto do hino nacional, o desfile
(Souza, 2000, p. 179).
Percebeu-se que Cândido (2006) difere de outros autores no que diz respeito
ao fato de tomar o tema das festas escolares como foco principal de sua pesquisa.
No entanto, ao explicitar as fontes que toma para a análise, percebe-se que a
opção da autora, na relação entre prescrição e prática, foi pela primeira, pois ela
explicita que o corpus utilizado para a investigação por ela realizada constituiu-se
12
principalmente de periódicos educacionais destinados a professores e da legislação
vigente no período entre 1890 e 1930 (Cf. Cândido, 2006).
No que concerne ao estudo das práticas escolares, foi localizado o trabalho de
Camargo (2000), dedicado à compreensão das práticas de uma instituição escolar
específica: o Instituto Joaquim Ribeiro, da cidade de Rio Claro, no Estado de São
Paulo. Com a leitura do trabalho desta autora, pôde-se perceber que ela, a fim de
cumprir o objetivo de compreender as práticas dessa instituição, também faz
referência às festas escolares, sem que esse tema fosse sua preocupação principal,
pois essa recaía sobre a instituição, da qual as festas escolares eram apenas uma
parte.
Nessa mesma linha de abordagem foram encontrados os trabalhos de Baía
Horta (1994) e Peixoto (2003), nos quais a referência às festas escolares aparece
apenas secundariamente. No primeiro trabalho, o tema aparece subordinado à
discussão da instrução cívica e moral, ligada à ordem política autoritária no período
de 1930-1945 (Cf. Baía Horta, 1994); no segundo trabalho, o tema das festas
escolares subordina-se à discussão sobre a relação entre Educação e Estado Novo em
Minas Gerais.
Mas, para compreender as práticas das festas escolares, precisa-se considerar,
no entanto, o período no qual se localiza: as primeiras décadas do século XX. Acerca
desse período, Marta Maria Chagas de Carvalho (1989) afirma que a década dos anos
20 foi um período de grandes desafios e de inúmeras dificuldades para a educação
nacional.
Para compreender esse período, deve-se considerar que a configuração
política do país, determinada pela Constituição de 1891, era de autonomia dos
Estados. Essa autonomia, porém, não significava uma ruptura de interesses entre os
Estados, dado que as oligarquias se articulavam em torno da manutenção do poder
sobre a República. Essa articulação é chamada pela autora de “pacto oligárquico”.
A intrincada engenharia do pacto oligárquico que regeu a vida republicana
nas primeiras três décadas do século XX tinha seu objetivo claramente
formulado na frase do Presidente Campos Sales:
É de lá (dos Estados) que se governa a República por cima das multidões que
tumultuavam, agitadas nas ruas da capital da União (Carvalho, M. M. C.,
2000, p. 231)
13
A citação da frase do Presidente Campos Sales deixa claro, segundo Marta
Maria Chagas de Carvalho (2000, p. 231), que como
dispositivo de consolidação da ordem republicana, o pacto oligárquico havia
neutralizado a força política das populações urbanas, cuja presença se fizera
sentir no processo que culminara com a proclamação da República. Na
década de 20, no âmago da crise oligárquica que então se inaugura, essas
populações voltam à cena política.
Nesse contexto, os intelectuais dos grandes centros urbanos começam a se
articular, em torno da propaganda da educação. Surgem as Ligas Nacionalistas, cujas
campanhas pretendem moralizar as populações, transformando o povo numa nação,
por meio das campanhas de alfabetização.
Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho (2000), pela Constituição de 1891,
votavam homens maiores de dezoito anos, brancos, livres e alfabetizados em voto
aberto. Os intelectuais engajados nesse movimento acreditavam que a ampliação de
campanhas de alfabetização provocaria uma democratização no país, com a
ampliação do número de votantes.
Sobre as campanhas das Ligas Nacionalistas, a autora também afirma que há
uma mobilização pelo soerguimento da nacionalidade, pelo voto secreto, pelo serviço
militar obrigatório e pelo combate ao analfabetismo. Essa mobilização dos
intelectuais, essa ênfase na educação como resposta aos problemas nacionais, foi
intitulada, por Nagle (2001), como “entusiasmo pela educação” e “otimismo
pedagógico”.
A expansão do ensino foi vista como solução para os males que atingiram a
nação, pois era considerada um meio para se alcançar uma identidade nacional
ameaçada, devido ao grande número de imigrantes, e para a recomposição do poder
político através da ampliação do número de eleitores.
Desse modo, a autora explicita que os investimentos na educação estavam
intimamente ligados com o projeto político republicano.
Segundo Carvalho (1989), com o aceleramento dos processos de
industrialização e urbanização, pessoas de culturas diferentes, de diferentes classes
14
sociais migram para as grandes cidades, convivendo juntas no mesmo espaço urbano,
porém, sem compartilhar dos mesmos códigos comportamentais. São os imigrantes
de outros países e migrantes do interior dos Estados que compõem principalmente a
classe operária no espaço urbano. Essa convivência de diferentes culturas no mesmo
espaço não “agradava” a elite urbana letrada, que defendia ser necessário conter o
fluxo migratório em direção às cidades, para que a pobreza do mundo rural não
ganhasse visibilidade e, ao mesmo tempo, constatava que era necessário civilizar o
homem rural.
A autora afirma que a única forma, vista pela elite, de conter essa população
era levar a escola até o campo, inibindo assim o êxodo migratório. Segundo ela, eram
essas as metas do programa modernizador das reformas educacionais dos anos 20.
A autora aponta, portanto, uma mudança no eixo central das preocupações,
embora a educação não deixe de constituir um projeto político. O que a autora
destaca é que o lema deixa de ser a luta contra o analfabetismo e passa a ser civilizar
as populações urbanas e manter o homem no campo.
Reformar a Instituição Pública passa a se configurar como estratégia política
que gradativamente abandona a matriz liberal que havia norteado a Reforma
Sampaio Dória e as campanhas de alfabetização desenvolvidas sob o lema
“representação e justiça”; estratégia política cujo alvo passa a ser (...) uma
grande reforma de costumes, capaz de ajustar os homens a novas condições e
valores de vida, pela pertinácia da obra de cultura, que a todas atividades
impregne, dando sentido e direção à organização de cada povo (Carvalho,
M.M.C, 2000, p. 233).
Entendidas as reformas educacionais como instrumento de controle social,
para poder haver modificações na educação, era preciso promover uma mudança na
forma de os intelectuais a pensarem e também convencer a opinião pública de como
essas reformas eram modernas e importantes.
Nesse contexto, em que a educação é vislumbrada como solução para os
problemas nacionais, abrir espaço aos “mediadores do moderno” tornou-se fato de
impacto político nas rotinas administrativas, o que projetou, no cenário nacional, em
especial, os intelectuais paulistas.
15
Segundo Marta Maria Chagas de Carvalho (2000), São Paulo, por meio de
seus representantes na Presidência da República e pelo pioneirismo na implantação
de reformas educacionais, constituiu-se como modelo de instituição pública e passa a
disponibilizar seus “técnicos” para implementação de reformas em outros Estados.
A partir de 1920, os Estados começaram a executar as reformas de ensino que
podem ser consideradas como prenúncio das reformas nacionais. O caráter nacional
dessas reformas deve-se ao fato de que elas se estenderam até o final da década de
1930, em diversos estados da federação, de Norte a Sul do país.
A autora informa que cada governo estadual capitalizava as idéias das
reformas educacionais, ajustando-as aos próprios interesses políticos dos Estados.
Usavam como estratégias envolver professores, inspetores e diretores de escolas em
iniciativas de impacto como inquéritos, conferências, cursos de férias, congressos,
bem como envolver pais de alunos por meio de círculos de pais e mestres etc.
Como cada Estado tinha sua autonomia política estas estratégias eram
adequadas politicamente aos interesses de seus representantes, sempre em torno do
eixo de “campanhas de regeneração nacional pela educação” (Carvalho, M. M.
C.,1989, p. 46).
A autora destaca que a “causa cívica de redenção nacional pela educação” é
idéia difundida principalmente pela Associação Brasileira de Educação (ABE)
2
. Os
integrantes dessa Associação dedicavam-se à realização de cursos, palestras,
inquéritos e semanas de educação. Promoviam e organizavam as Conferências
Nacionais de Educação (a partir de 1927), aproximando educadores de todos os
Estados e congregando-os com objetivo de lutarem para uma política nacional de
educação, cujo objetivo seria o de educar integralmente o cidadão. Idéia que pode ser
confirmada, segundo a autora, na fala de Azevedo Sodré, em conferência promovida
em 1925. Para ele, “ao invés de apressadamente ensinar a ler, escrever, contar aos
2
Segundo Carvalho, M. M. C. (1989), em 1924, um grupo de educadores, entre católicos e os
chamados liberais, com idéias renovadoras sobre o ensino, fundou a Associação Brasileira de
Educação – ABE. Essa Associação surgiu num momento de emergência das campanhas de
alfabetização, em uma época em que havia uma grande expectativa quanto ao voto secreto como
instrumento de recomposição do sistema político vigente, opondo-se à idéia de “alfabetização
intensiva”, que relegava a instrução a segundo plano, valorizando a “educação integral”.
Os fundadores da ABE, entre eles Heitor Lyra da Silva, Antonio Carneiro Leão, Venâncio Filho,
propunham um programa de “educação integral”. Para eles, o papel da educação era o de “dar forma
ao país amorfo, de transformar seus habitantes em povo, constituindo a nação” (Carvalho, M. M. C.,
1989).
16
adultos iletrados – coisa de má pedagogia – cuidar seriamente de educar-lhes filhos
fazendo-os freqüentar uma escola moderna que instrui e moraliza, que alumia e
civiliza” (Sodré, apud Carvalho, M. M. C.,1989, p. 47).
Marta Maria Chagas de Carvalho (1989) afirma que a ABE se notabilizou por
suas práticas ritualísticas de ênfase no civismo. A partir dessas práticas, operavam-se
mecanismos de constituição e validação da campanha nacionalista defendida por essa
Associação. Para tanto, organizavam as Conferências Nacionais, que eram eventos
que funcionavam como propaganda da causa educacional. Nelas, segundo a autora,
discursos e rituais representavam a ABE como congregação de homens de elite,
esclarecidos e bem intencionados no que se referia à resolução dos mais graves
problemas de ordem nacional.
Ou seja, o que se esperava da campanha educacional da ABE era, segundo
Marta Maria Chagas de Carvalho (1989), promover uma reforma da mentalidade das
elites, convencendo-as da necessidade de regenerar, pela educação, as populações
brasileiras.
A autora destaca que, no discurso cívico da ABE, figurava um brasileiro
doente e indolente, apático e degenerado, uma espécie de Jeca Tatu, que alegorizava
os males do país. Transformá-lo em brasileiro laborioso, disciplinado, saudável e
produtivo deveria ser o papel da escola.
Para essa autora, a ABE veiculava propostas pedagógicas que deveriam ser
lidas como um amplo programa de ação social modeladora e controladora da opinião
e dos costumes citadinos, bem como organizadora do trabalho racional. Portanto, a
educação figurava como um campo de articulação das propostas políticas das
oligarquias e das elites intelectuais.
Essa ação modeladora da educação se concretizaria por meio de medidas de
racionalização do trabalho escolar, da hierarquização dos papéis sociais pela
distribuição das populações nas diversas atividades produtivas e pela regulamentação
controlada do lazer e do trabalho.
Este esforço modelador traduziu-se, em alguns casos, na valorização da
pedagogia científica, que permitiria obter melhores resultados com menos esforços.
De acordo com Marta Maria Chagas de Carvalho (1989, p. 62),
17
a concepção da escola como meio a ser organizado por máximas similares às
da racionalização do trabalho industrial não significou apenas valorização de
providências do tipo aludido. Tal concepção também funcionou como crivo
de avaliação do alcance pedagógico de propostas mais globais que visavam
redefinir o processo mesmo do ensino, a natureza da relação professor-aluno.
A nova escola, que formaria o cidadão para a democratização e para
sobrevivência, teria características curriculares, metodológicas e processos de ensino
novos e diversificados, servindo, assim, às necessidades da sociedade produtiva em
desenvolvimento.
É a partir desse ambiente que as festas escolares precisam ser compreendidas,
partindo da premissa de que elas eram parte de um projeto político para a educação
do Brasil a ser inculcado na população. Mas que, das prescrições das festas escolares
às práticas, ou seja, à efetivação das prescrições, são impressas especificidades da
instituição de ensino a fim de conferir a essa instituição uma identidade não só no
âmbito da cultura escolar, mas em face das diferentes outras culturas que compõem a
sociedade.
Assim, pelo percurso realizado nesta pesquisa, pôde-se perceber: a) poucos
são os trabalhos que se dedicam a estudar prioritariamente o tema das festas
escolares; b) desses, a preocupação maior recai sobre a análise das festas escolares a
partir do que se prescreve e não sobre como as prescrições são apropriadas,
efetivadas no cotidiano escolar. Por conta disso, ou seja, por perceber a lacuna que
existe em relação a esse tipo de tema, definiu-se investigar não as prescrições das
festas escolares, mas o outro lado da moeda, ou seja, as práticas, como as prescrições
foram apropriadas no interior de uma instituição escolar, como essas apropriações e
práticas conferiam não só identidade a uma determinada instituição mas àqueles a ela
subordinados.
Assim, por conta desse conjunto de fatores, definiu-se pesquisar as práticas da
Escola Normal de Pirassununga. Para se chegar à definição dessa Escola Normal, foi
necessário antes realizar visitas a várias escolas normais, a fim de verificar como se
organizavam as festas escolares.
A opção por pesquisar as práticas das festas em escolas normais deveu-se ao
fato de perceber que a prática das festas voltava-se, pela análise da bibliografia
18
consultada, para a constituição de uma identidade nacional. Assim, por compreender
ser a escola normal uma instituição fundamental para que esse objetivo se cumprisse,
pois a ela cabia formar profissionais sobre os quais recaía a responsabilidade de
conformar esse imaginário coletivo.
Nesse percurso, o acervo da Escola Normal Caetano de Campos foi o
primeiro a ser visitado, por ser essa instituição um marco na educação brasileira e por
muito representar na formação do professorado paulista. Por o arquivo dessa escola
está, no momento de realização desta pesquisa, passando por um processo de
organização e por falta de espaço apropriado ao atendimento ao público, só foi
possível encontrar alguns poucos livros didáticos sobre as comemorações das datas
cívico-patrióticas, nada relacionado a como os profissionais preparavam as
festividades com os professores ou para os alunos.
Outra Escola Normal escolhida para visitação foi a antiga Escola Normal de
São Carlos, criada em 1911, atualmente denominada Escola Estadual de Segundo
Grau Dr. Álvaro Guião. Apesar de não haver critério específico para a escolha,
observa-se, pela data de fundação, que se trata de uma escola com largo período de
existência e, portanto, que vale a pena ser investigada.
Ao chegar à biblioteca dessa escola, foi possível encontrar revistas da
instituição, de propriedade e redação do corpo docente dos anos de 1917 a 1919. Tais
revistas traziam poucos artigos que os próprios normalistas escreviam sobre
patriotismo, escotismo e sobre algumas datas cívicas, como a Proclamação da
República, o dia da Bandeira e o 7 de Setembro. No entanto, não havia referência à
prática das comemorações dessas datas inclusa nestes artigos. Por indicação do
funcionário dessa Escola, responsável pelo acervo, enfático ao afirmar que não havia
o material pretendido para esta pesquisa (sobre as práticas das festas escolares, livros,
manuais, nomes de ex-normalistas para entrevistas), chegou-se à Escola Normal de
Pirassununga, instituição indicada por ele por supor que lá havia o material
procurado. Por conta disso, decidiu-se, portanto, visitar a referida Escola Normal.
Na visita, constatou-se que, apesar do incêndio ocorrido em abril de 1981,
havia, na instituição, material disponível para a pesquisa. Percebeu-se também, pela
análise primeira das fontes encontradas, que a Escola dava grande importância à
prática das festas escolares. Assim, por compreender que, para a análise histórica, a
disponibilidade das fontes é fundamental, definiu-se que estudar a Escola Normal de
19
Pirassununga seria um estudo de caso possível para apreender as práticas das festas
escolares, distanciando-se da análise apenas das prescrições.
A fim de ampliar as fontes para a pesquisa, buscaram-se, na cidade, outras
possibilidades de informações sobre o tema. Com isso, foi possível localizar o jornal
“O Movimento”, no qual foram encontradas referências sobre as festas ocorridas na
Escola Normal da cidade.
Pela disponibilidade das fontes, definiu-se que a pesquisa se limitará às
décadas de 1930 a 1950, período em que não só há material disponível quanto se
trata do período em que foi possível localizar ex-normalistas, cujos depoimentos
ajudarão a contrastar as informações disponíveis na legislação do estadual e
municipal, bem como as dispostas no jornal “O Movimento”, a fim de apreender
como aconteciam as práticas escolares, ou seja, perceber se havia distâncias entre as
prescrições e se havia, quais eram essas distâncias e como elas se efetivavam.
Por isso, não se pode perder de vista que, para compreender as práticas das
festas escolares é preciso tomá-las como parte da cultura escolar, localizadas em um
espaço específico, com tempo determinado, sob a organização/coordenação de um
corpo profissional especializado e a conformação de saberes específicos.
Nesse sentido, a cultura escolar, como entendida por Julia (2001), não se
confunde com as demais culturas a ela contemporâneas, como a cultura religiosa, a
cultura política ou a cultura popular. Para esse autor, a cultura escolar deve ser
entendida
como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
(Julia, 2001, p. 10).
Neste trabalho, no entanto, para compreender as práticas escolares, não se
pode deixar de verificar as prescrições que normatizavam as práticas. Para tanto, fez-
se a opção de verificar de que forma aparecem referências sobre as comemorações
escolares na legislação, em revistas oficiais, e manuais que constavam da biblioteca
da Escola Normal de Pirassununga, a exemplo de Cardim (1916).
20
Ao analisar revistas oficiais, a exemplo da Revista de Ensino, Revista
Escolar, Revista Educação
3
, percebeu-se que o manual de Cardim (1916) teve largo
uso, pois são percebidas referências a esse manual durante décadas.
A opção por esse material deveu-se ao fato de que Cardim (1916) aparece
como uma espécie de manual a ser seguido pelos professores para festejar as
diferentes datas comemorativas. Vale lembrar que esse livro foi encontrado na
Biblioteca da Escola Normal de Pirassununga, mas se os professores cumpriam ou
não essas determinações, só a análise dos vestígios das práticas poderá confirmar. Já
as revistas Educação (1927-1930), Escola Nova (1930-1931), Educação (1931-
1932), Revista de Educação (1933-1944) e revista Educação (1945-1961)
4
foram
escolhidas entre outros dois periódicos, a Revista Escolar e a Revista de Ensino. A
escolha justifica-se pelo fato de que essas revistas serem as únicas que contemplam o
período focado, já que circularam de 1927 a 1961 e as outras duas tiveram uma
circulação restrita aos anos de 1925 a 1927 e de 1902 a 1918, respectivamente. Ou
seja, não dizem respeito ao período de investigação desta pesquisa.
Assim, o objetivo desta pesquisa é descreve e analisar as práticas das festas
escolares da Escola Normal de Pirassununga entre as décadas de 1930 e 1950,
entendendo-se como afirma De Certeau (2005), pelas práticas se pode perceber a
cultura, pois “para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas
sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significado para que as realiza”.
Para dar conta dos objetivos desta pesquisa, de compreender as práticas da
Escola Normal de Pirassununga, a fim de perceber as particularidades da cultura
dessa instituição escolar foram consultados os Anuários de Ensino do Estado de São
Paulo. Nessa documentação, foram encontradas referências sobre a Escola Normal de
3
A revista Educação teve, segundo Vilela (2000), duas fases, em que houve mudanças não só de
nomes, mas também das instituições patrocinadoras. Segundo a autora, a primeira reformulação
acontece em outubro de 1930, quando a revista torna-se órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública
de São Paulo. Nessa fase, a revista passa a ser denominada Escola Nova, estando indicado na capa,
sob o novo título, “‘Segunda fase da revista Educação’. Escola Nova será editada de outubro de 1930
até julho de 1931, período em que virão a público três volumes do periódico. Lourenço Filho inaugura
esta ‘segunda fase’, quando assume, logo após a Revolução de 30, a Diretoria Geral da Instrução
Pública, na qual introduz algumas modificações, algumas das quais podem ser acompanhadas por
meio das concomitantes alterações de Escola Nova” (Vilela, 2000, p. 18). Para efeito desta pesquisa,
as revistas serão diferenciadas pelos diferentes nomes que assume em diferentes momentos históricos,
a saber: Educação (1927-1930), Escola Nova (1930-1931), Educação (1931-1932), Revista de
Educação (1933-1944), voltando a ser Educação (1945-1961). A esse respeito, ver também: Nery
(1999) e Catani (1994)
21
Pirassununga nos anos de 1912, 1913, 1916 e 1917. No entanto, apesar de haver
Anuários até 1937, nenhuma dessas referências traz informações sobre as festas
escolares na instituição, nem no que concerne às prescrições nem no que concerne às
práticas. Por conta disso, sabe-se que esse tipo de documentação, embora importante
para quem realiza pesquisas em História da Educação, neste trabalho, não foi tomado
como fonte.
Assim, para compreender as práticas das festas da Escola Normal de
Pirassununga, é preciso considerar o ambiente republicano e o Estado Novo, não
apenas pensando nas prescrições, mas na forma como a instituição se apropriava do
calendário festivo, dando mais ênfase a determinadas comemorações, menos ênfase a
outras, inserindo, possivelmente, outras tantas que não figuravam no calendário
oficial das festividades escolares.
Embora a opção tenha sido por investigar essas práticas em uma instituição
específica, não se pode perder de vista, no entanto, que a instituição fazia parte de um
projeto político maior. Mas, mesmo sob essa consideração, supõe-se que a
apropriação desse projeto, pela análise das práticas das festas escolares, deva ter sido
submetida às peculiaridades da escola, da cidade e, conseqüentemente, dos interesses
locais em que a instituição está localizada.
Por partir da compreensão do lugar das festas escolares no período
republicano, a fim de testar a hipótese de que a cultura da Escola Normal de
Pirassununga, além de apresentar as características da cultura escolar comum a outras
instituições de ensino, também apresenta peculiaridades que não podem ser
percebidas apenas pelo que se prescreve, mas na prática cotidiana do fazer escolar,
faz-se necessário explicitar as fontes utilizadas neste trabalho e o referencial que está
sendo tomando para analisá-las.
As fontes e os procedimentos de análise
Para fazer a análise do acervo documental desta pesquisa, precisa ser
considerado que a investigação realizada vincula-se ao projeto A constituição da
4
Apesar das diferentes denominações, vale lembrar que se trata de um periódico produzido por
mesmo Departamento de Educação.
22
“forma escolar” no Brasil: produção, circulação e apropriação de modelos
pedagógicos sob a coordenação das Profª
s
Drª
s
Maria Rita de Almeida Toledo e
Marta Maria Chagas de Carvalho.
Um dos caminhos a percorrer para cumprir os objetivos aqui definidos é a
análise de um periódico educacional do período, a revista produzida pelo
Departamento de Educação do Estado de São Paulo. Esse periódico, como já foi
destacado, apresenta distintas nomenclaturas entre as décadas de 1930 e 1950,
período sobre o qual recai a investigação desta pesquisa, a saber: Educação (1927-
1930), Escola Nova (1930-1931), Educação (1931-1932), Revista de Educação
(1933-1944) e mais uma vez Educação (1945-1961). Verifica-se que nessas revistas
são encontrados diversos artigos sobre festas escolares, por compreender que esse
tipo de periódico constitui
5
uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do
campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho
pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico
das disciplinas, a organização do sistema, as reivindicações da categoria do
magistério e outros temas que emergem do espaço profissional (Catani,
2003, p. 10).
Com a análise preliminar desses periódicos, observou-se que ela pretendia
fornecer aos professores menos modelos e repertórios de lições e mais fundamentos
das ciências da educação que dariam origem a práticas renovadas.
Mas, para fazer essa análise preliminar, foi necessário realizar um
levantamento dos artigos que se dedicassem a prescrever ou discutir as festas nas
escolas. Para tanto, foi montada uma ficha de leitura que permitisse verificar o modo
pelo qual as referências às festas escolares aparecem nos artigos da revista. Nesse
sentido, procurou-se anotar nessa ficha:
a) na coluna um, os responsáveis pelo periódico, a fim de se verificar a
procedência da revista;
b) na coluna dois, três e quatro, a data do número do periódico;
c) na coluna cinco, a localização do artigo no periódico;
23
d) na seis, a autoria do artigo;
e) na sétima coluna, buscou-se sintetizar o conteúdo dos artigos por meio de
citação de trechos.
f) na última coluna, procurou-se fazer observações que permitissem
caracterizar o modo como as festas escolares são apresentadas para o leitor por meio
das sínteses e observações.
A catalogação desses dados está disponível no anexo 2. Mas, para que fique
evidente a relevância desse periódico, bem como do manual de Cardim (1916) para a
análise das práticas escolares nas instituições escolhidas para esta pesquisa, segue
algumas informações acerca desse material.
Revistas
A revista Educação foi editada de outubro de 1927 até 1961. Durante estes
anos, como informa Vilela (2000), ela passou por mudanças não só de nome, mas
também dos órgãos pelos quais foi patrocinada. Durante esse período, a autora
aponta quatro fases.
A primeira fase, de 1927 a 1930, teve o nome de Educação. A segunda fase
começa já nos anos de 1930, quando passa para responsabilidade da Diretoria Geral
da Instrução Pública de São Paulo, sob o comando de Lourenço Filho, tendo a
denominação alterada para Escola Nova. Pode-se afirmar, com base nas informações
dispostas por Vilela (2000), que essa fase teve um curto período de sobrevivência,
limitado de outubro de 1930 a junho de 1931, ou seja, com menos de um ano.
Na terceira fase, o periódico retoma o nome Educação. Esse período inicia-se
em agosto de 1931 e vai até dezembro de 1932, ou seja, circulando alguns meses
mais se considerada a duração da fase anterior.
Em março de 1933 inicia-se a quarta fase do periódico, quando passa a ser
denominado Revista de Educação. Esse ciclo se fecha em dezembro de 1944, embora
um ano antes, como informa Vilela (2000), já não havia regularidade de publicação.
5
Sobre a importância das revistas educacionais como fontes para a História da Educação, consultar
Novoa (1997) e Caspard (1997).
24
Esse periódico resiste até 1961, com a denominação de revista Educação, atribuído
após 1944.
Para efeito desta pesquisa, serão tomados os números a partir de outubro 1927
a dezembro de 1939. Como se verifica, esse recorte embora não compreenda a
totalidade das publicações, toma grande parte delas, por ter em vista considerar o
período em que mais aparecem artigos e referências acerca das festas escolares. Os
anos posteriores não serão tomados como fonte para esta pesquisa por não terem sido
encontradas referências sobre festas escolares.
O que se pôde observar, nessas revistas, nas diferentes fases, são encontradas
várias seções, como, por exemplo: “Informações”, “Respostas às consultas”,
“Através dos livros” e “Através das revistas e jornais”. É verdade que, acerca do
tema desta pesquisa, não foram encontradas muitas referências. Esse aspecto acaba
por representar mais uma justificativa para que se leve a cabo a investigação do tema,
a fim de compreender o significado dessas práticas para a escola normal republicana,
tomando, para isto, a Escola Normal de Pirassununga, uma vez que as informações
disponíveis no periódico, embora não muitas, dão conta desde críticas ao modo como
os professores preparavam as festas, a artigos, valorizando a importância das
comemorações e a maneira como deveriam acontecer as festividades.
No entanto, não se pode deixar de considerar que essas revistas foram
publicações de um órgão oficial, o Departamento de Educação, vinculado à
Secretaria de Educação e Saúde Pública do Estado de São Paulo. Por conta disso,
tanto as críticas quanto as indicações de como deveriam ser realizadas as festas
escolares apresentam-se como referentes às prescrições. Entretanto, ao serem
encontradas críticas a algumas maneiras como eram comemoradas certas datas,
mesmo a ênfase recaindo sobre o caráter prescritivo, pode-se perceber vestígios das
práticas.
Essa fonte é tomada, considerando a advertência de Carvalho e Toledo
(2000), de que serviam como um apoio técnico, apresentando uma síntese
ordenadora entre prática e teoria, com a finalidade de indicar, difundir, prescrever e
ordenar a literatura pedagógica moderna que passou a ser foco de atenção a partir dos
anos de 1920. A análise preliminar das revistas, no que diz respeito às festas
escolares, permite afirmar que elas deixam de servir apenas como uma “caixa de
25
utensílios” (Carvalho, 2001) e passam a orientar a prática docente com base nos
princípios da nova pedagogia.
Ou seja, o uso desta fonte se mostra relevante como mediador à compreensão
da relação entre as prescrições e as das práticas das festas escolares.
Legislação
Para selecionar a documentação que regulamenta a festas escolares no
período focado, optou-se por privilegiar a legislação do Estado de São Paulo, por
compreender que é essa legislação que regulamenta as escolas normais. Nesse
exercício, foram localizadas leis, decretos não apenas que diziam respeito às décadas
de 1930 a 1950, mas também a períodos anteriores, haja vista ter verificado que
muitas regulamentações reafirmavam ou revogavam leis ou decretos de períodos
passados.
Como o intuito, neste trabalho, não é investigar as prescrições e sim as
práticas, a legislação aparece como um referente, que deve orientar as práticas, mas
que não representa o reflexo das práticas.
Livros especializados
Estão sendo considerados livros especializados as obras de Cardim
6
(1916) e
o “Hinário Cívico: complemento do canto orfeônico”, organizado pela professora
Olintina Costa (s/d), produzido em 1945. A adjetivação de livros especializados
decorre do fato de essas obras atuarem como manuais a fim de orientar tanto os
6
Gomes Cardim, diplomado normalista em 1894, foi um dos redatores do estatuto da Associação
Beneficiente do Professorado Público do Estado de São Paulo, passando a ser colaborador na Revista
de Ensino. Em 1895, foi aprovado em concurso, tendo ido lecionar em escola isolada em São Paulo e,
logo depois, convidado para lecionar na Escola Modelo, criada por Caetano de Campos. Trabalhou no
Curso Complementar, foi auxiliar de Oscar Thompson na Escola Normal, onde exerceu o cargo de
Inspetor Técnico.
Foi fundador da primeira Biblioteca Infantil do curso primário em São Paulo e no Brasil. Produziu
várias obras didáticas, dentre as quais podem ser citadas: “Cartilha Infantil”, uma das primeiras
cartilhas analíticas, cuja edição primeira data de 1908; “Tradições Nacionais”; “As Comemorações
Cívicas e as Festas Escolares”, livro em que encerrou suas comédias, monólogos referentes aos fatos
cívicos escolares; “A música pelo método analítico”; “Compêndio de Álgebra”; “O Nefelibata”;
“Mistério Desfeito”; “Clarinha”; “Quem nasceu pra dez réis...” (comédia); “A Víndita”, drama
fundado em fato histórico; “Iolanda”, melodrama histórico e “Matando o Tempo”. (Cf. Gallego,
2003).
26
professores da escola normal, para ensinar os normalistas como comemorar as festas
escolares com as crianças da escola primária, quanto aos próprios normalistas, dos
quais se espera que aprendam a realizar tais comemorações com seus alunos quando
se tornarem profissionais. Não é intento, neste trabalho, no entanto, analisar esses
manuais, mas tomá-los como referência das prescrições, a fim de contrastá-las com
as práticas efetivadas nas Escolas Normais definidas para esta pesquisa.
Em As comemorações Cívicas e as Festas Escolares, Cardim (1916) relata a
importância da escola no sentido de inculcar previamente em seus alunos o papel de
despertar o sentimento de nacionalidade por intermédio das comemorações cívicas e
festas escolares, pois o autor defende que o caráter nacional não deve deixar de
existir nem ser diminuído. Para ele, a escola deveria alimentar, na infância, a chama
do patriotismo, já que só se poderia ser alguém ou algo na vida a partir de uma
escolarização fundamentada nos moldes republicanos, para os quais educar o povo
seria a necessidade maior para que a república alcançasse a sua consolidação. Isso
feito, caberia aos pais, segundo o autor, a missão de continuar a frutificar nos filhos a
importância do sentimento pela pátria.
Nesse sentido, o autor prescreve que o sentimento de pátria e o culto de tudo
que diz respeito a essa manifestação da alma devem nascer no lar, desenvolver-se na
escola e frutificar na sociedade. Mas, para que esse fato se manifestasse nessa ordem,
era preciso supor um trabalho prévio na escola. Por isso, o autor é enfático ao afirmar
que:
é necessário que se tenha formado a alma da criança na escola do civismo, é
necessário que se tenha robustecido o seu caráter na escola do dever, para
que depois se consiga, no lar, progenitores capazes de encarregarem-se da
nobre missão de desenrolar, aos olhos dos filhos, o painel sublime da pátria,
capazes de segredar-lhes ao coração as belezas históricas do passado,
capazes de desenvolver, os episódios épicos em torno dos grandes vultos do
país (Cardim, 1916, p. 3).
A análise preliminar de Cardim (1916) mostra-o como um orientador das
festas escolares, aliado ao sentimento cívico, moral e disciplinar. Supõe-se que a
análise das práticas possa mostrar outras perspectivas de atuação e presença da escola
na sociedade republicana.
27
No que se refere à comemoração de datas nacionais, o autor destaca que essa
prática deveria acontecer sempre na véspera, principalmente porque ele defende que
um dia nacional deveria ser consagrado, exclusivamente, às festas oficiais e às festas
do povo. Ele destaca ainda que era assim que acontecia na Escola-Modelo “Caetano
de Campos”, que, como modelar, deveria ser referência para as demais escolas
normais. O autor defende ainda que caberia ao governo sacrificar uma pequena
parcela de suas rendas em benefício ao culto da Pátria; enfeitando as ruas,
contratando numerosas bandas de música que contagiassem o povo com a alegria que
só elas sabem provocar.
No que se refere à instituição modelar de formação do professorado, o autor
informa que, na “Caetano de Campos”, cada professor designava uma comissão dos
melhores alunos da classe para enfeitar a sala de aula. Viam-se, nessas atividades,
segundo ele, crianças entusiasmadas, correndo pela classe, arrumando flores,
distribuindo bandeiras em uma manifestação sublime de patriotismo.
No dia anterior à festa, caberia ao professor preparar um programa a ser
executado. Esse programa costumava ser composto por duas partes: a primeira seria
iniciada por uma explicação, clara e precisa, do professor sobre a data, seguindo-se a
esta lição uma sessão cívica com poesias, discursos, monólogos, diálogos, comédias,
hinos e cantos patrióticos; a segunda parte seria preenchida por um trabalho escrito.
Os alunos copiariam trechos, escreveriam ditados, fariam redações sobre o assunto
da data nacional.
Nesse livro, Cardim (1916) apresenta, com a intenção de facilitar o trabalho
do professor nas festas cívicas em homenagem às datas nacionais, um roteiro de
como o professor deveria preparar as aulas dos alunos das quatro primeiras séries. As
datas a serem comemoradas seriam:
Tiradentes – 21 de Abril
Descobrimento do Brasil – 22 de Abril
Abolição da Escravatura – 13 de Maio
Independência do Brasil – 7 de Setembro
Proclamação da República – 15 de Novembro
Dia da Bandeira Nacional – 19 de Novembro
28
Este livro também sugere vários subsídios para o professor trabalhar uma
série de temas em sala de aula. São estratégias que motivariam e prenderiam atenção
dos alunos enquanto eles aprendiam. Ele exemplifica com “diálogos” com os temas
com: as aves, A fuga do Canário; “teatro”, com temas como: as árvores, Tiradentes,
Descobrimento do Brasil, Um quadro da Escravidão, Sete de Setembro, Quinze de
Novembro, Proclamação da República.
Em todas as matérias deveriam os professores observar os princípios do
método analítico intuitivo contrapondo-se com as tradicionais formas utilizadas: a
silabação e a soletração. Neste novo método, mais ágil no ensino da leitura, o
professor deveria partir de uma frase, decompondo-a em palavras, sílabas, letras.
Segundo o autor, era mais trabalhoso e complexo, mas os resultados seriam quase
que imediatos e a qualidade do ensino superaria a tudo.
Já no “Hinário Cívico: complemento do canto orfeônico”, organizado pela
professora Olintina Costa (s/d), são encontrados, além da letra dos hinos que
compõem o manual, a saber: Hino Nacional brasileiro, Hino da Independência do
Brasil, Hino à Bandeira Nacional, Hino da Proclamação da República, as partituras,
um resumo histórico de cada hino, uma análise musical (tonalidade, compasso,
andamento, indicação metronômica, como se dá a introdução), dados biográficos dos
autores, vocabulário e um questionário sobre todas as questões abordadas.
Não se pode afirmar ao certo se essa serviu de referência para os professores e
normalistas da Escola Normal de Pirassununga. No entanto, ao analisar as
informações disponibilizadas pelos ex-normalistas entrevistados para esta pesquisa,
percebe-se que as práticas relativas ao canto Orfeônico coincidiam com o que estava
no hinário, embora não se tenha constatado referência explícita a ele. Vale ressaltar
que, além disso, esse material é tomado como fonte por ter sido encontrado na
biblioteca da referida Escola Normal.
Mas, para compreender as práticas das festas escolares na Escola Normal de
Pirassununga, foi preciso ainda dois tipos de fontes: o Jornal “O Movimento” e
entrevistas com ex-normalistas.
29
O jornal
Para efeito desta pesquisa, o jornal “O Movimento”, como fonte, será tomado
a partir de 1934, quando passaram as ser arquivados os exemplares do periódico.
Vale lembrar que o jornal “O Movimento” é uma publicação que se encontra
em circulação na cidade de Pirassununga até os dias atuais, sempre com publicações
semanais. No entanto, para esta pesquisa, serão analisados os números a partir de
1934, período inicial dos exemplares disponíveis para consulta, a 1942, quando as
referências às festas escolares, tema deste trabalho, diminuem, desaparecendo, por
completo, a partir de 1945.
Mas, para tomar o jornal como fonte e fazer dele uma abordagem adequada,
como adverte Capelato (apud Bontempi Jr., 2001), é preciso primeiramente formular
perguntas a respeito da representação da realidade criada pelo jornal. Essa
consideração permite pensar que as informações disponíveis no jornal nem sempre
são relatos fiéis da realidade, mas representações criadas a partir dos mais diversos
interesses defendidos por aqueles que dirigem o periódico.
Nesse sentido, não se pode tomar o jornal como uma expressão imparcial da
realidade, mas como um instrumento que não só a explicita, mas a constrói a partir
de princípios, interesses e ênfases que não se mantêm intactos ao longo do tempo. Ao
contrário, reformula a realidade, deixando entrever as condições de produção, os
objetivos focados ou abandonados, mas que sempre apontam para as representações
que se têm ou que se intenta construir sobre um determinado evento.
Por ter consciência do papel desempenhado pelo jornal, optou-se por tomá-lo
como fonte, pois, a partir dele, o objetivo é verificar de que forma as práticas eram
representadas por um meio de circulação de informações e qual era a ênfase que se
dava a essas práticas.
As entrevistas
Para realizar esta pesquisa, foram localizados oito ex-normalistas, a fim de
apreender, pela memória, o significado das práticas das festas da Escola Normal de
30
Pirassununga
7
. Para tanto, optou-se pela entrevista orientada, mas sempre tentando
interromper o mínimo possível o entrevistado, haja vista compreender que, por
estarem em uma idade já avançada, seria mais produtivo deixá-los falar, tentado
apenas direcionar as perguntas para o tema desta pesquisa: a prática das festas
escolares.
Para tanto, não se deixou de considerar que, como adverte Meihy (2005), há,
nos depoimentos, “um inevitável teor romântico, heroicizador ou nostálgico de quem
conta ou evoca o passado é um fato apenas apaixonado” e ainda que “a visão
idealizada do passado não corresponde a uma neutralidade narrativa e é, sempre, uma
construção comprometida” (Meihy, 2005, p. 56).
O autor lembra ainda que não só a fonte oral, mas “toda narrativa é sempre e
inevitavelmente construção, elaboração, seleção de fatos e impressões. Portanto,
como discurso em eterna elaboração, a narrativa para a história oral é uma versão dos
fatos e não os fatos em si” (Meihy, 2005, p. 56).
O autor ajuda a considerar o que vale ser considerado ao ter optado por uma
fonte que parte da memória. Segundo o autor,
por ser uma construção baseada em referentes do passado, a história oral
sempre abrigará uma visão redentora e passional do passado ou dos fatos. O
teor nostálgico transparente nas palavras do narrador faz parte do
comportamento social e nele se explica. Em vez de ser preterido, exatamente
por isso deve ser considerado fator de análise. (Meihy, 2005, p. 56).
No entanto, as advertências que Meihy (2005) faz a respeito da história oral,
ou seja, do uso da memória como fonte, não diminui a importância que esse tipo
recurso para a pesquisa. Como destaca Bontempi Jr. (2001, p. 24),
evidentemente, a preocupação com a exatidão das informações deve ser do
historiador, e não do depoente, e por isso ele deve se cercar do maior número
possível de evidências para que ofereça ao leitor um grau de verossimilhança
compatível com os reclamos da operação historiográfica, sempre avisado de
7
A transcrição das entrevistas está disposta no Anexo 1, para o que se fez a opção de usar o
procedimento da transcrição absoluta. (Cf. Meihy, 2005). No referido anexo, as entrevistas estão
organizadas não pela ordem em que foram feitas, mas pelo ano de entrada e formatura na Escola
Normal de Pirassununga, tal qual está disposto no Quadro 1.1.
31
que os documentos escritos, mesmo os oficiais, são tão “verdadeiros” (e
portanto, tão “falsos”), quanto os orais.
A isso podem ser acrescentadas as considerações de Meihy (2005, p. 57), ao
afirmar que “a história oral se apresenta como forma de captação de experiências de
pessoas dispostas a falar sobre aspectos de sua vida – quanto mais elas contarem a
seu modo, mais eficientes será seu depoimento”. Além disso, como aponta Voldman
(apud Bontempi Jr., 2001), “a riqueza do depoimento oral só vem à tona quando o
historiador se esforça em considerar a presença, no tempo e no espaço, do depoente e
do perguntador, e em manter a mais fina atenção aos ‘modos de dizer’”.
Com base nessas advertências, foram realizadas entrevistas com os ex-alunos
da Escola Normal de Pirassununga, que ainda vivem na cidade. As pessoas
envolvidas foram informadas de que a entrevista versaria sobre o período em que
foram normalistas, mais especificamente, sobre as festas realizadas na Escola
Normal.
Caderno de uma ex-normalista
Também foi tomado como fonte nesta pesquisa o caderno de uma ex-
normalista, produzido na disciplina Prática de Ensino. O caderno foi gentilmente
cedido pela ex-normalista da Escola Normal de Pirassununga, entrevistada nesta
pesquisa, Dona Maria Lúcia Fantinatto, à época, ainda com o nome de solteira, Dona
Maria Lúcia Golla. Esse material foi tomado como fonte a fim de compreender um
aspecto específico da formação de professoras: a educação da mulher.
Além disso, compreende-se, a partir da análise empreendida por Hébrard
(2001), que o estudo dos cadernos escolares aparece “como um estudo privilegiado
da aplicação dos métodos da bibliografia material aos objetos manuscritos portadores
de escrituras ordinárias” (Hébrard, 2001, p. 115).
Pela análise desse tipo de fonte, verifica-se, como afirma o referido autor, que
podem ser apreendidas vestígios de práticas das mais diversas aprendizagens. Nas
palavras do próprio Hébrard (2001, p. 115)
32
O caderno escolar, que substitui, então a simples folha de papel, torna-se o
espaço de escrita no qual acontecem todas estas aprendizagens. O aluno
descobre aí não somente como ordenar o espaço bidimensional próprio à
ordem gráfica, mas também como, pela escritura, dominar o tempo de seus
trabalhos e de seus dias. Misturando ao texto esquemas, figuras e mesmo
imagens, ele se dá os meios de dispor de um instrumento próprio a organizar
a enciclopédia de seus conhecimentos.
Pela leitura da análise empreendida pelo pesquisador francês acerca dos
cadernos escolares na França, verifica-se, ao tomar o caderno da ex-normalista
cedido para esta pesquisa, que várias práticas podem ser flagradas, bem como
perceber a existência de diferentes intenções na produção de cadernos distintos.
Nesse sentido, pode-se adiantar que a intenção, ao produzir cadernos como o da
Dona Maria Lúcia, não visava à aquisição e desenvolvimento da escrita, mas à
difusão de conhecimentos outros vistos como relevantes na formação de mulher. Ou
seja, pode-se afirmar que o caderno aqui analisado apresenta-se, de alguma forma,
como um dispositivo de alfabetização das normalistas, no sentido de dar a elas uma
instrução mínima necessária à vida.
Caracterizar os cadernos escolares como dispositivos tem por base as
considerações de Anne-Marie Chartier (2002) que, após fazer um levantamento do
que significaria esse conceito, esclarece que os dispositivos são realidades
assimiladas que servem a um determinado fim. Nesse sentido, ela defende que “um
dispositivo assimilado é, portanto, uma realidade interior tanto quanto exterior,
subjetiva tanto quanto objetiva, representada tanto quanto instituída. Fala-se dele sem
que se pense nele” (Chartier, A. M., 2002, p. 15).
Nesse sentido, é que a noção de dispositivo se mostra relevante ao intuito de
analisar o caderno produzido pela ex-normalista da Escola Normal de Pirassununga,
pois, como elucida Anne-Marie Chartier (2002, p 16),
a noção de dispositivo permite, em contrapartida, pôr em evidência as
“invenções” praticadas, mas não decretadas explicitamente, instituídas sem
que a hierarquia se misture com elas, aquelas de que se pode dizer que foram
produzidas de maneira anônima pelas “práticas”.
Ao analisar o caderno, do início ao fim, é possível verificar que ele foi
produzido sem que estivesse evidente a intervenção de uma hierarquia. No entanto,
33
se essa intervenção não se dava a ver para a normalista, quando submetida à
execução da atividade, a posteriori, a intenção não só se revela, como revela também
a prática da produção do caderno como dispositivo.
Assim, a análise dos vestígios das práticas das festas da Escola Normal de
Pirassununga, com base nas fontes elencadas, nos objetivos dispostos e na hipótese
de pesquisa, permitiu que a dissertação fosse organizada da seguinte forma:
Organização dos capítulos
No primeiro capítulo, apresenta-se a história da cidade de Pirassununga, o
lugar que a Escola Normal ocupa na memória dos ex-normalistas e no jornal “O
Movimento” e como as práticas dessa instituição são retratadas por essas duas
diferentes fontes.
No segundo capítulo, o objetivo é explicitar como as festas escolares não
passaram ilesas aos diferentes momentos políticos a que se vincularam. Por isso,
nesse capítulo, as prescrições das festas escolares estão dispostas em uma linha do
tempo, cujos marcos foram tomados a partir dos decretos que regulamentavam as
festividades.
No terceiro capítulo serão analisadas as festas como dispositivo de
(con)formação da profissão docente. E, por pensar dessa forma, as festas da escola
Normal de Pirassununga, considerando as especificidades de uma instituição
formadora de professores, são classificadas em duas categorias: festas do sucesso
escolar e festas para “aprender a fazer com”.
Nesse capítulo, além de destacar as disciplinas em que eram organizadas,
prioritariamente, as festas da Escola Normal de Pirassununga, é posto em relevo a
distinção entre o que era prescrito e o que se dava na prática da instituição. Para
tanto, são tomados, como referente de prescrição, as leis, o manual de Cardim (1916)
e as revistas; e, como referente dos vestígios das práticas, o Jornal “O Movimento” e
as entrevistas com ex-normalistas.
Também é apresentada, nesse capítulo, uma análise de um álbum, produzido
na década de 1950, na disciplina Prática de Ensino da Escola Normal de
34
Pirassununga. Esse álbum foi cedido por uma ex-normalista e é um exemplo do
material que era exposto nas festas de exposição dos trabalhos manuais, realizada ao
final de cada ano letivo.
Esse exemplar, além de dar a ver o resultado de uma prática, demonstra o
sentido que se intentava dar à formação docente da época. Mostra-se assim, como um
material de grande valia a quem se predispõe a analisar as práticas, uma vez que são
tão raros os vestígios que se podem encontrar delas, sobretudo quando se está a uma
distância considerável no tempo.
Por fim, são apresentadas algumas considerações a que se pôde chegar ao
concluir esta investigação.
35
CAPÍTULO I – A MEMÓRIA SOCIALMENTE CONSTRUÍDA DA
ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA
Na memória da história da cidade de Pirassununga, a Escola Normal aparece
como uma das principais instituições culturais.
Acerca do sentido da memória, afirma Le Goff (2003, p. 419), que se trata de
um
fenômeno individual e psicológico (cf. soma/psiche), a memória liga-se
também à vida social (cf. sociedade). Esta varia em função da presença ou
da ausência da escrita (cf. oral/escrito) e é objeto da atenção do Estado que,
para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado
(passado/presente), produz diversos tipos de documento/monumento, faz
escrever a história (cf. filologia), acumular objetos (cf. coleção/objeto). A
apreensão da memória depende deste modo do ambiente social (cf. espaço
social) e político (cf. política): trata-se da aquisição de regras de retórica e
também da posse de imagens e textos (cf. imaginação social, imagem, texto)
que falam do passado, em suma, de um certo modo de apropriação do tempo
(cf. ciclo, geração, tempo/temporalidade).
As direções atuais da memória estão, pois, profundamente ligadas às novas
técnicas de cálculo, de manipulação da informação, do uso de máquinas e
instrumentos (cf. máquina, instrumento), cada vez mais complexos. (grifos
do autor)
Seguindo a advertência de Le Goff (2003), sabe-se que tomar a memória
como fonte a fim de compreender as práticas das festas da Escola Normal de
Pirassununga não significa dizer que se estará tomando essas práticas, uma vez que,
como afirma o autor, as informações dispostas pela memória são sempre atualizadas.
Segundo ele, “a memória, como propriedade de conservar certas informações,
remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o
homem pode atualizar as impressões ou informações passadas, ou que ele representa
como passadas” (Le Goff, 2003, p. 419).
Além disso, como o próprio autor destaca, a memória é responsável para a
constituição de monumentos. Ao diferenciar monumento de documento, Le Goff
(2003) aponta para o fato de que o que caracteriza o monumento é “ligar-se ao poder
de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à
memória coletiva) e o reenviar a testemunhas que só numa parcela mínima são
testemunhos escritos” (Le Goff, 2003, p. 526).
36
Assim, nesta pesquisa, tomar a memória como fonte decorre do fato de a
Escola Normal de Pirassununga apresentar-se como um monumento (cf. Le Goff)
para a cidade de Pirassununga e para o ideal republicano que se intentou construir,
uma vez que essa instituição constituiu-se, e assim é apresentada pela memória,
como um patrimônio da comunidade, do qual todos se orgulham, e que serve de
referência para a vida da sociedade.
Nesse sentido e ao analisar a memória da cidade de Pirassununga, permite
perguntar que lugar as festas escolares ocuparam na constituição dessa memória, na
constituição da Escola Normal como um monumento para a cidade de Pirassununga e
para a História da Educação Brasileira?
Para responder a essas perguntas, serão explicitadas de que forma se
apresenta a história e a memória da cidade de Pirassununga.
I.1. História e memória da cidade de Pirassununga
Na Revista Pirassununga
8
, encontra-se um artigo de Foguel (s.d.)
9
, intitulado
Cidade Simpatia, descrevendo a história/memória da cidade:
exauridas as Minas Gerais em fins do século XVIII, grande parte de sua
população procurou abrigo em regiões vizinhas mais férteis, para se dedicar
aos trabalhos agrícolas. Muitos desses emigrantes vieram fixar-se na região
da Depressão Periférica Paulista, ainda pouco povoada, que até então vinha
exercendo a função principal de “região de passagem”.
Segundo Foguel (s/d), a evolução agrícola, no Brasil, iniciada no século
XVIII com a cana-de-açúcar e, secundariamente, com o algodão, chegaria a seu
apogeu com a cafeicultura. A evolução ferroviária, nas décadas de 1870 a 1880, fez-
se a partir de Campinas, avançando, aproximadamente, na direção do curso de Mogi-
Guaçu, atingindo Pirassununga, em 24 de outubro de 1877.
8
Revista publicada pela Editora Pirassununga LTDA, comemorativa do sesquicentenário da cidade de
Pirassununga. O diretor responsável é Daniel Caetano do Carmo, ex-normalista da Escola Normal de
Pirassununga, dono do Jornal “O Movimento” e um dos entrevistados para esta pesquisa.
9
Israel Foguel é também autor de Pirassununga, uma questão de amor.
37
Utilizar Foguel (s/d), como bibliografia para tratar da história e da memória
de Pirassununga, cumpre dois propósitos: o primeiro, de tom mais denotativo, serve
como fonte de informação; o segundo, de tom mais conotativo, serve como um
referente à memória constituída da cidade, uma vez que seus textos apresentam-se
muito mais com características memorialistas do que como conseqüência de
pesquisas históricas sistematizadas, haja vista o aspecto ufanista apresentado.
Esse autor afirma que os núcleos cafeicultores da Depressão Periférica
experimentaram, na segunda metade do século XIX, graças à prosperidade que lhes
advinha do café, um rápido crescimento populacional, que puderam manter, ainda
que em escala atenuada, mesmo depois da abolição da escravatura, por terem,
sabiamente, desenvolvido um colonato rural, constituído principalmente por
imigrantes – italianos, alemães, espanhóis em maior proporção – cuja entrada, em
São Paulo, coincidiu com a época em que a região alcançava o auge de sua produção
cafeeira (entre 1840 e 1870). Outro fato que, de acordo com Foguel (s/d), contribuiu
para a manutenção dos efetivos populacionais, foi o das sucessivas mudanças de
atividades agrícolas, criando uma policultura alicerçada no desenvolvimento da
pequena propriedade.
Os primeiros povoadores brancos de Pirassununga, ainda segundo Foguel
(s/d), teriam sido faiscadores egressos dos sertões de Goiás. Ao procurar afastar-se
do curso do Mogi-Guaçu, que vinham perseguindo, mas onde os assolavam as febres
palustres, tiveram notícia que em um afluente do mesmo rio havia ouro aluvial.
Tiveram sorte de encontrá-lo, o ribeirão do Ouro, em cuja margem ergueram uma
capela – a do Senhor Bom Jesus dos Aflitos, evocação que tão bem os caracterizava
na penosa situação de que haviam escapado.
Tradicionalmente, festeja-se o dia 6 de agosto como o da fundação da capela
e da instituição do Povoado de Pirassununga, que daria origem à cidade, no ano de
1823. No entanto, Foguel (s/d) informa que, na cidade, é mantida a tradição oral de
comemorar o ano de fundação da capela, bem como do povoado, em 1809. Segundo
ele, em 1823, apenas a antiga capela, que havia sido demolida, foi reconstruída. Mas,
não se pode tomar ainda o ano de 1823 como o da fundação da cidade, porque,
embora o Conselheiro José Tomás Nabuco, assim o tenha considerado, somente a 6
de agosto de 1842 foi lavrada a escritura definitiva da doação do terreno do
patrimônio de particulares, os senhores Inácio Pereira da Silva e sua mulher, José
38
Francisco Meireles, José Leme da Silva e José de Souza, a fim de separar o povoado
da pertença da cidade de Mogi-Mirim. No entanto, somente em 1865 é instituído o
município de Pirassununga.
O que se observa, com essas informações acerca da fundação da cidade, é um
distanciamento entre a tradição oral e os dados reais. No entanto, o que importa, para
o tema desta pesquisa, já que o foco recai sobre as comemorações na Escola Normal
de Pirassununga, é o dia 6 de agosto, quando se comemora o aniversário da cidade,
independente do ano ao qual se atribui essa fundação.
Para Foguel (s/d), a denominação Pirassununga foi dada pelos índios tupi-
guaranis, que ocuparam a região de 1625 até, mais ou menos, 1880, em especial a
atual área de Cachoeira de Emas, a qual chamavam de Pira Sununga (duas palavras),
significando Pira = peixe e Sununga = barulho.
Assim, Pirassununga significa: “lugar onde o peixe faz barulho”. Os índios
observaram as grandes subidas (piracemas) dos peixes no Rio Mogi-Guaçu e os
roncos dos curimbatás nas desovas – eram tantos os curimbatás e tão grandes os seus
roncos, que os índios somente podiam chamar o lugar de “Pira Sununga”.
O Município de Pirassununga está situado na zona fisiográfica do mesmo
nome. Limita-se com os municípios de Descalvado, Porto Ferreira, Santa Cruz das
Palmeiras, Aguaí, Leme, Santa Cruz da Conceição e Analândia. Com área de 727
km², seu território desenvolve-se pela parte norte-oriental da chamada Depressão
Periférica Paulista (500 a 700 metros de altitude). Sua topografia apresenta feição
Planaltina.
Segundo Godoy (1975), a obra de maior grandeza, de permanente
significação para Pirassununga e lembrança constante do nome de seu patrono, o
Tenente Coronel Manoel Franco da Silveira, à época, o prefeito municipal de
Pirassununga, foi a conquista da Escola Normal para a cidade.
No dia 18 de julho de 1910, segundo relato de Godoy (1975), a Câmara
Municipal de Pirassununga resolveu endereçar ao Congresso do Estado um pedido,
solicitando o benefício para a obtenção de uma Escola Normal, já que outras cidades
próximas como Araras, Limeira, Rio Claro e Casa Branca, estavam fazendo tudo
para obter a Escola. Em dezembro de 1910, o Tenente Coronel Manoel Franco da
Silveira recebeu um telegrama oficial, comunicando-lhe a criação da Escola
39
Complementar para Pirassununga, pela Lei 1245. Mesmo antes de ser instituída, esta
foi transformada em Escola Normal Primária, pela Lei nº 2025, de 29 de março de
1911. No mesmo ano, a 11 de junho do mesmo ano, a Escola Normal Primária de
Pirassununga foi inaugurada em prédio provisório.
Mas, até Pirassununga sair definitivamente vitoriosa na disputa para instituir a
Escola Normal, foi preciso que o Manoel Franco fizesse uso do prestígio político, a
fim de convencer o Governo do Estado do interesse da municipalidade para instalar a
instituição de ensino. Para tanto, Manoel Franco, que à época chefiava a Câmara
Municipal, cuidou para que fossem doados, em 1911, 61,81% do orçamento da
cidade para a causa da Escola Normal de Pirassununga: 18 contos de Réis para a
compra do terreno e mais 50 contos de Réis para a construção do prédio. Além disso,
o município cumpriu a exigência do Estado de contratar um engenheiro que se
responsabilizasse pela realização da obra. (Cf. L. Vicentini, 2001). E, assim,
Pirassununga recebeu do Governo do Estado a Escola Normal.
O tom memorialístico do relato de Godoy (1975)
10
aponta a importância da
criação da Escola Normal para a cidade de Pirassununga, sobretudo, pelos detalhes
da descrição sobre a inauguração da pedra fundamental da Escola. Nas palavras do
autor,
Em 11.6.1911, oficialmente, festejou-se a criação da Escola Normal, nos
prédios da esquina da Rua 15 de Novembro com Gal Osório, onde funcionou
até maio de 1918, e se lançou a pedra fundamental do nosso atual edifício,
hoje chamado “Instituto de Educação”. A solenidade – a maior que
10
Pode-se considerar o texto de Godoy (1975) a obra de referência para a cidade de Pirassununga.
Além de apresentar um forte teor memorialista, pode-se dizer que se trata de uma produção bem
peculiar, uma vez que foi produzida à mão, em letra cursiva. Percebeu-se, em visita à cidade de
Pirassununga, que essa obra não só é referida pela comunidade local, mas também se faz presente nos
estabelecimentos e espaços sociais da cidade. Ou seja, ter um exemplar desse texto em casa representa
uma declaração de reverência à cidade.
No exemplar consultado, obteve-se a informação de que se tratava do exemplar nº 390. A capa em
couro e letras douradas é bem representativa do valor que essa obra exerce para a população de
Pirassununga. Observa-se que a publicação, apesar de luxuosa, foi caseira, sendo confeccionada pelo
que o autor denominou de “sistema off set”, nas oficinas da “Indústria Gráfica JAIR”, na própria
cidade, provavelmente em um espaço improvisado de algum outro estabelecimento ou residência,
pois, informa o autor: “Indústria Gráfica JAIR, R. Duque de Caxias, nº 167 (fundos), (...)
Pirassununga, SP” (Godoy, 1975, 312). Para confecção da obra, o autor informa ainda que recebeu
financiamento da Prefeitura da cidade, por meio de orçamento previsto para o ano de 1975, pela Lei nº
1229.
Não se pode dizer, no entanto, que a publicação, circulação e reconhecimento da obra se devem
apenas ao fato de o autor ser uma pessoa bem relacionada na cidade, uma vez que, no texto, também
se percebe que ele tinha reconhecimento acadêmico, já que consta a informação de que se tratava de
um pesquisador nível “A” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), do qual recebeu auxílios e bolsas para realizar pesquisas de 1955 a 1975.
40
Pirassununga já tinha visto – foi de um brilho excepcional (...). (Godoy,
1975, p. 247).
A solenidade para festejar a inauguração da Escola Normal em Pirassununga,
segundo o autor, foi trabalhosa e a preparação demorou cerca de seis meses. Para a
festa, chegando de trem, veio uma grande comitiva chefiada pelo Dr. Carlos
Guimarães, Secretário do Interior, representando o Governador do Estado. Faziam
parte da comitiva o Dr. Oscar Thompson, Diretor da Instrução Pública, o Prof. Ruy
de Paula Souza, Diretor da Escola Normal da Praça (São Paulo), Deputados como o
Dr. Mario Tavares, o Senador Antonio de Lacerda Franco, representantes da
imprensa da Capital e outros convidados ilustres. Segundo Godoy (1975), toda a
cidade estava enfeitada, tudo era festa e alegria, com bandas de música e
ornamentação especial do coreto. Às treze horas, teve lugar a inauguração oficial da
Escola Normal, onde, a partir de então, passaria a funcionar, provisoriamente esta
instituição de ensino. Segundo Godoy (1975), para as autoridades locais e visitantes
foi oferecido um banquete, servido no salão maior do Teatro São Francisco. Vários
discursos foram proferidos e, em nome de Pirassununga, falou o Dr. Mariano
Siqueira, identificado como morador ilustre da cidade:
Veremos a vultuosa messe de benefícios, a aviltada somma de vantagens que
há de auferir esta população, adquirindo um estabelecimento desta ordem,
talhado nos moldes mais aperfeiçoados da pedagogia moderna, dotado de
escolhido corpo docente, e, portanto, perfeitamente apparelhado para o
preenchimento de seus elevados fins, que se resumem no preparo daquelles,
que, de futuro, por sua vez, terão a árdua e nobre missão de instruir as
gerações vindouras... (Dr. Mariano Siqueira, apud Godoy, 1975, p. 249).
Após o banquete, houve um grande baile nos salões do prédio onde se achava
instalada, provisoriamente, a Escola Normal.
Ainda, segundo o relato de Godoy (1975), o primeiro diretor da escola foi o
Prof. Benedicto Hudson Ferreira, que atuou entre três de abril de 1911 a doze de
janeiro de 1914, ou seja, ele foi escolhido para dirigir a escola mesmo antes de sua
inauguração, ocupando o cargo por quase três anos. O primeiro corpo docente foi
constituído por professores de Português, Francês, Matemática, Geografia e
Educação Física.
41
E no próprio dia 11 de junho de 1911, as autoridades visitantes e as locais
lançaram a pedra fundamental do edifício que depois, em maio de 1918, iria abrigar
definitivamente as atividades da Escola Normal de Pirassununga (Cf. Godoy, 1975).
Na foto abaixo, pode-se perceber a imponência do prédio da Escola Normal
de Pirassununga, sobretudo por considerar ser Pirassununga uma cidade do interior
paulista, onde as construções, em geral, eram simples.
Fonte: Folhetim em comemoração ao qüinquagésimo
ano de formatura de uma turma da Escola Normal
de Pirassununga. (s/d)
A Escola Complementar foi criada pelo art. 55, da Lei Orçamentária nº 1245,
de trinta de dezembro de 1910. Mais tarde, foi convertida em Escola Normal
Primária, pelo Decreto nº 2.025, de vinte e nove de março de 1911. Em 1911, faziam
parte da primeira turma 50 moças e 39 moços, totalizando 89 estudantes, dentre eles,
Manoel Bergstrom Lourenço Filho (1897-1970). Desta primeira turma, só se
formaram 35 professores, sendo 13 homens e 22 mulheres (Cf. Godoy, 1975).
Segundo Godoy (1975, p. 253), em 1913, o Governo do Prefeito Dr.
Fernando de Souza Costa, o povo da cidade e as autoridades ergueram, na Praça
Rodrigues Alves (atual Jardim Público principal), um busto do Tenente Coronel
Manoel Franco da Silveira, em bronze, perpetuando, assim, a gratidão de
Pirassununga ao homem público que governou sua cidade natal por 10 anos (1902-
1912) e que tanto se empenhou para trazer para sua cidade a Escola Normal.
42
No relato de Godoy (1975), consta que a face do busto foi colocada com o
olhar voltado na direção do empreendimento maior do homenageado: a Escola
Normal, atual Instituto de Educação.
Não se pode perder de vista que essa iniciativa, sem querer desmerecer a
homenagem àquele que trouxe para Pirassununga a Escola Normal, tem muito mais a
ver com as afinidades políticas que com um possível reconhecimento. Não se pode
esperar que o povo, citado por Godoy (1975) como responsável por erguer o busto de
bronze, tenha tido poder de decisão para realizar tal iniciativa, nem que todos tinham
(re)conhecimento pelo homenageado. No máximo, o que se pode esperar é que a
população tenha sido mobilizada para a inauguração da estátua.
Segundo informações coletadas nas entrevistas para esta pesquisa, as alunas e
os alunos que iam estudar em Pirassununga eram egressos de regiões como São João
da Boa Vista, Aguaí, Casa Branca, Porto Ferreira, Descalvado, Santa Rita do Passa
Quatro, Leme, Araras e Santa Cruz da Conceição. Iam e voltavam de trem
diariamente. A maioria dos alunos pertencia à classe média alta e a minoria fazia
parte da elite cafeicultora da região. Informavam ainda que todos se deslocavam para
Pirassununga viviam e vivem até hoje de tradição educacional, dada a relevância da
Escola Normal, e ser professor, entre as décadas de 1930 e 1950, significava muito.
A economia da cidade dependia muito também da Escola Normal, em virtude da
relevância em ser funcionário público à época, que acabavam se formando na escola,
se fixando na cidade e fazendo o comércio da cidade crescer. Ainda segundo relato
das ex-normalistas entrevistadas para esta pesquisa, aluno e a cidade amavam a
escola.
A Escola Normal e suas festividades têm, na memória de seus ex-alunos,
grande importância. Segundo depoimentos de ex-normalistas, as festividades cívicas
das quais participava a Escola Normal, comemoradas em Pirassununga, eram
preparadas nas aulas de Educação Física, de Orfeão e Música, sendo a Escola
Normal tomada como ponto de concentração. Segundo os entrevistados, era de lá que
saíam as alunas e os alunos para os desfiles comemorativos do dia 25 de agosto, 7 de
setembro, 15 de novembro, 19 de novembro.
Nesses relatos, a Escola Normal aparece como o grande referencial para a
cidade de Pirassununga, e as festas escolares como acontecimentos sociais de grande
importância. Eram momentos especiais na vida da escola e da cidade, momentos de
43
integração e de consagração de valores – o culto à pátria, à escola, à ordem social
vigente, à moral e aos bons costumes.
I.2. As festividades da Escola Normal de Pirassununga – uma análise da
memória
Na memória dos oito ex-normalistas entrevistados e que informaram sobre as
festas escolares, pode-se dizer que são pessoas que estudaram na Escola Normal
entre as décadas de 1940 e 1950, e que, apesar da idade avançada, se dispuseram a
contar as lembranças das comemorações que participaram na Escola Normal. A
relação dos ex-normalistas entrevistados, bem como dos anos em que estudaram na
Escola Normal de Pirassununga, pode ser observado Quadro 1.1, organizado a partir
da ordem crescente da entrada na Escola Normal.
Quadro 1.1
Ex-alunos entrevistados da Escola Normal de Pirassununga
Entrevistados Período do curso
Daniel Caetano do Carmo 1943-1944
Odette Wigmuller 1949-1951
Nair dos Santos Devitte 1950-1952
Norma Câmara Golla Gonçalvez 1950-1952
Adelaide Jundfeld 1951-1953
Leonice Tavoni Serafim 1954-1956
Benedicta Alves Teche 1954-1956
Maria Lúcia Fantinatto 1956-1958
Fonte: Entrevistas realizadas em 2005 pela autora
No contato estabelecido com os ex-normalistas localizados, optou-se pela
entrevista orientada, mas sempre tentando interromper o mínimo possível o
entrevistado, basicamente por duas razões: primeiro, por compreender que eram
pessoas com uma idade já avançada e, portanto, com costumes e manias que
poderiam, com a interferência, ser contraproducente para a entrevista; segundo, por
compreender que a memória tem seus meandros próprios e, parte das informações
44
que essas pessoas pudessem disponibilizar, decorreria da importância que
determinados fatos teriam em suas lembranças. Por isso, apesar de colocar sempre
em foco o objeto desta pesquisa, ou seja, o tema das festas escolares, evitou-se fazer
quaisquer interferências que pudessem comprometer a memória que os ex-
normalistas tivessem sobre a vida estudantil.
Eles foram informados de que o interesse, basicamente, seria conversar sobre
a vida como normalistas, quem eram seus professores, que disciplinas cursaram, com
quais tinham mais afinidades e, principalmente, o que eles recordavam das
comemorações escolares.
É bom lembrar que um dos ex-normalistas entrevistados, o único homem, o
Sr. Daniel Caetano do Carmo, à época da entrevista com oitenta anos, além de ter
uma trajetória reconhecida na cidade como professor da Escola Normal, tendo sido,
por esta, aposentado, era, até o momento da entrevista, o dono do Jornal “O
Movimento”.
Ele concluiu os estudos na Escola Normal de Pirassununga em 1944, após ter
cursado os quatro anos do curso ginasial e mais dois anos da Escola Normal (1943-
1944). Ao referir-se a esta instituição de ensino, percebe-se um tom de muito orgulho
em sua voz, explicitando que os anos em que foi normalista representaram os
melhores tempos de sua vida.
Questionado se, à época em que foi aluno, os professores ensinavam à classe
de futuros professores se era necessário comemorar, junto aos futuros alunos, datas
importantes, ele respondeu quais eram elas: 21 de abril (Tiradentes), 1º de maio (Dia
do trabalho), 6 de agosto (aniversário da cidade), 25 de agosto (Duque de Caxias), 7
de setembro (Independência do Brasil), 15 de novembro (Proclamação da
República), 19 de novembro (Dia da Bandeira), além do dia da formatura.
A segunda pessoa entrevistada foi D. Benedicta Alves Teche (76 anos),
formada pela Escola Normal em 1956. Ela, quando questionada sobre as
comemorações das festas cívicas e escolares, afirmou que a melhor pessoa para dar
informações a respeito seria o professor Daniel. Mas, seguiu informando:
A gente aprendia o que era necessário para a vida. Festas, só as cívicas. Na
páscoa, íamos à Igreja, no São João, íamos à pracinha e, no Natal, íamos à
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missa e depois voltávamos às nossas casas, cear. Os professores não tinham
tempo para ficarem conosco fazendo coelhinhos, presentinhos para mamães,
papais-noéis, árvores e outras coisas.
Do contato com D. Benedicta, percebeu-se uma resistência a dar informações
acerca dos seus tempos de normalista. Mas, sabendo que a memória não é do fato
passado, mas da construção que, no presente, com a carga acumulada de experiência,
se constrói dele, pode-se perceber, pelas poucas formulações feitas pela entrevistada,
que o senhor Daniel transformou-se em referência de ex-normalista. Provavelmente,
não apenas por ter estudado na Escola Normal, mas pelo lugar social que ele
conseguiu ocupar na sociedade pirassununguense, transformando-se, em professor na
instituição de ensino onde fez os estudos. Além disso, verifica-se que a ex-normalista
relembra haver uma separação entre as festas comemoradas na escola e as
comemoradas fora dela.
Apesar de não ter conseguido, com a entrevista a D. Benedicta, detalhes a
respeito das práticas, percebe-se que, na memória dela ficou registro apenas as
comemorações cívicas. De qualquer maneira, comprova-se que não só com a
disponibilidade para fornecer informações é possível apreender significados, mas que
é preciso percebê-los entre as resistências e reticências que se impõem.
Foi com essa análise que se pôde verificar que ela destaca, na época de
normalistas, que essas comemorações estavam divididas entre o que era de
responsabilidade da escola e o que era de responsabilidade da Igreja. Páscoa e Natal
eram de responsabilidade desta; as festas cívicas comemoravam-se na escola; já o
São João, segundo ela, tinha um caráter eminentemente social, uma vez que o lugar
de comemoração era a pracinha. Pode-se ainda concluir, pelo que ela informa, que,
na Escola Normal, no período em que ela estudou, a ênfase recaía sobre as
comemorações cívicas e não sobre comemorações outras.
Além das festas cívicas, a única referência mais detalhada, referida por D.
Benecdita, diz respeito à comemoração do 6 de agosto e da formatura. Mas, a análise
dessas festas será feita no segundo capítulo, onde são analisadas as práticas das
comemorações escolares na Escola Normal de Pirassununga.
A terceira ex-normalista entrevistada foi Dona Leonice Tavoni Serafim (68
anos). O que ela se lembra, com vivacidade, além da comemoração do aniversário da
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cidade e da formatura, é das aulas de música, por considerá-las envolventes e
relaxantes. Mas, nas palavras dela, “a Escola Normal despertava a vontade de sermos
professoras”.
O que se observa, a partir desse depoimento e, portanto, da memória que se
tem da Escola Normal, é que essa instituição cumpria o papel a que se destinava:
formar professores, cultivar neles a vontade de serem mestres.
Outra entrevistada foi Dona Adelaide Jundfeld, formada pela Escola Normal
de Pirassununga no ano de 1953. Percebe-se um tom de orgulho na fala dela, ao
afirmar que havia um grande número de homens cursando o Normal para seguirem a
carreira do magistério e que o Curso Normal, daquela época, seria como o de
Pedagogia hoje.
Sobre as festas cívicas e escolares, ela deu informações bem similares às que
os demais entrevistados já tinham apontado.
O civismo era levado muito a sério. A criança sabia por que estava ali
e o que estava comemorando.
Todas as crianças eram convocadas pelas professoras e preparadas
com hinos, cânticos, poesias e representações. Tudo era festa no pátio da
escola.
Cantava-se o hino nacional em primeiro lugar com a mão sobre o
peito. Depois do hino, a preleção sobre a data era feita por um professor
escolhido ou pelo diretor.
Nos dias 7 de setembro e 6 de agosto, as festas saiam do ambiente
escolar e eram comemoradas com desfiles pela cidade. Todas as escolas
levavam seus alunos para perto da base da Academia da Força Aérea, mas o
encontro era sempre na frente da nossa escola normal.
A escola normal tinha seu próprio Orfeão. Um professor especializado
preparava os melhores alunos para cantarem em dias especiais.
D. Adelaide também fez referências ao Clube da Leitura. Segundo ela, esse
clube incentivava as crianças a lerem. Esse Clube era formado pelo trabalho
voluntário das normalistas que, logo após terminarem o período de aulas, ficavam na
escola, ensinando as crianças que tinham dificuldades na leitura e na escrita em uma
data reservada para essa atividade. Com isso, ela afirma, as normalistas ganhavam
um ponto a ser somado à avaliação de Prática de Ensino. Segundo ela, essa atividade
era bastante incentivada pela professora da disciplina.
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Ela também lembrou do Clube do Trabalho, que funcionava com exposições
de trabalhos manuais (bordados e comidas), feitos pelas normalistas e expostos para
a comunidade. Ela afirmava: “a gente aprendia o que era necessário para a vida”.
Observa-se, pela análise da entrevista de D. Adelaide, uma destacada
importância para a Escola Normal, não só por despertar, no público masculino, o
interesse pelo magistério, já que a demanda pela profissão, bem como o perfil do
profissional não será discutido nesta pesquisa, mas, sobretudo, por compreender a
qualidade da instituição de ensino, uma vez que, embora fosse uma escola de
formação de nível médio, ela a equiparada à instrução que atualmente é ministrada
nos cursos de formação superior. Essa informação é também destacada por outros
entrevistados, a exemplo do Sr. Daniel.
No entanto, é evidente que, com as informações disponibilizadas pela
memória de ex-normalistas não se quis aferir a qualidade de ensino que se
ministrava, muito menos comparar outras instituições, em momentos históricos
também distintos. Mas, não se pode, igualmente, deixar de destacar que a Escola
Normal de Pirassununga figura para seus ex-alunos como instituição de grande
credibilidade social, lembrada sempre de forma positiva. E é bom destacar que parte
da credibilidade que as festas realizadas pela Escola Normal tinham na sociedade
advinha dessa representação construída sobre a instituição.
A esse respeito, pode-se supor que a relação de credibilidade, seja da Escola
Normal seja das festas realizadas na escola ou das quais a escola participava, consiste
em uma via de mão dupla, pois, parte da credibilidade social da referida instituição
de ensino decorre também do papel exercido pelas festas escolares, que se davam no
espaço escolar, porque, como informa D. Adelaide, a preparação das festas cívicas
era sempre levada muito a sério, uma vez que as crianças não participavam das
atividades sem conhecer o porquê o faziam. Segundo ela, as normalistas
despertavam, nas crianças, o sentido das atividades, preparando-as com antecedência
para cada comemoração.
Mas, ainda segundo a entrevistada, as festas não se limitavam aos muros da
escola. Ela destaca que, no 7 de setembro e no 6 de agosto, dia da Proclamação da
Independência do Brasil e dia do Aniversário da cidade, respectivamente, tanto os
normalistas quanto as crianças da escola primária anexa, quanto os estudantes do
Ginásio, que também funcionava no prédio da Escola Normal, saíam pelas ruas de
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Pirassununga, dando a ver à cidade a organização da instituição para comemorar tais
datas. Ela destaca ainda que, embora houvesse um ponto importante de confluência
para comemorar esses dias, a base da Academia da Força Aérea, esse lugar não fazia
sombra à Escola Normal, uma vez que o ponto de encontro, seja para iniciar seja para
concluir tais comemorações, era sempre na Escola Normal, destacando o lugar social
ocupado pela escola.
Segundo Dona Nair Santos Devitte, outra ex-normalista entrevistada para esta
pesquisa, as comemorações, sobretudo quando transcendiam os muros da escola,
contavam com a participação não só das normalistas, mas também dos alunos da
escola primária, do ginásio e do curso científico, todos estabelecidos no espaço da
Escola Normal. No entanto, a participação dos demais estudantes, segundo o
depoimento dela, contribuía para a formação da normalista, que via na participação
dos demais estudantes como deveriam atuar quando fossem profissionais. Além
disso, verifica-se que as festas escolares atuavam não apenas como um dispositivo de
formação de professores, mas de conformação dos jovens (e não só os normalistas)
para a ordem vigente, conferindo-lhes conhecimentos não só acadêmicos, mas
também para o bom convívio social, ou seja, as festas escolares serviam como um
lugar social de aprendizagem da “civilidade”, tão cara ao progresso e ao
desenvolvimento de uma nação.
Na entrevista com a Senhora Norma Câmara Golla Gonçalvez, obteve-se a
informação de que as comemorações escolares não eram tratadas em uma única
disciplina. Ela destaca que as normalistas aprendiam a comemorar as datas cívicas na
prática, quando a Escola as comemorava. No entanto, elas percebiam que estava se
aproximando o dia da comemoração quando, nas aulas de Música, Orfeão e
Educação Física, passava-se a dar mais ênfase a determinado hino.
Dona Odette Wigmuller, normalista entre os anos de 1949 a 1951, tem
destacado em sua memória o papel da disciplina Orfeão e Música, em virtude do
interesse que tinha pelo assunto.
Ela destacou ainda que as comemorações escolares não só se davam no
ambiente escolar e no ambiente da cidade, mas também havia aquelas que
aconteciam em outras cidades. Como exemplo, ela citou a participação dos
estudantes da cidade de Pirassununga nas comemorações do dia da Pátria, quando
iam desfilar no Estádio do Pacaembu, em São Paulo.
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Entre os entrevistados, a ex-normalista que fala com mais orgulho da Escola
Normal de Pirassununga foi a Dona Maria Lúcia Fantinatto. Ela destaca a
importância que a Escola Normal teve para a sua vida.
Sobre as comemorações escolares, ela afirma que havia, tanto na aula de
Prática de Ensino, quanto na de Desenho, Música, Orfeão e Trabalhos Manuais, o
incentivo a ensinar os normalistas a comemorar as datas festivas.
É bom destacar que todos os ex-normalistas entrevistados nesta pesquisa são
pessoas casadas, com filhos, reconhecidas na cidade. Isso dá sentido à referência,
feita por alguns deles, de que a Escola Normal preparava não só para a profissão,
mas para a vida. No capítulo III, onde se analisa o caderno de D. Maria Lúcia
Fantinatto, será explicitado o que significa essa formação para a vida..
Para efeito desta pesquisa, não se pode negar que entrevistar ex-normalistas, a
fim de apreender de que forma ficaram, em seus imaginários, as lembranças das
comemorações das festas na Escola Normal de Pirassununga, é uma fonte de grande
valor. No entanto, sabe-se também dos riscos em confiar apenas na memória, que
inegavelmente, por motivos vários, tende a lapsos e a incorreções. Por conta disso,
buscou-se contrastar as informações coletadas nas entrevistas com as disponíveis no
Jornal “O Movimento”.
1.3. A Escola Normal de Pirassununga em “O Movimento”
A análise do Jornal “O Movimento”, bem como a leitura do texto de Godoy
(1975), assim como o fato de ter percebido, em visita à cidade de Pirassununga, que
essa obra tinha um forte valor simbólico para os moradores da cidade, pensou-se em
analisar de que forma as festividades da Escola Normal se fazem presente na
memória daqueles que viveram os tempos áureos da história dessa instituição. Para
tanto, tentou-se localizar pessoas que pudessem dar informações desse período.
Como já foi apontado, os exemplares do jornal “O Movimento” estão
disponíveis a partir de 1934. Nele, são encontrados registros, à vezes, detalhados, das
festividades escolares ocorridas em Pirassununga, expondo sua importância e
significado, o que justifica a opção por utilizá-lo como fonte para esta pesquisa.
50
Segundo as descrições nesse jornal, as festas escolares, sobretudo as que
tinham um caráter social, aconteciam no salão nobre da Escola Normal, com toda
pompa e gala que a ocasião merecia. Observa-se que as festividades dessa instituição
apareciam nesse jornal, de 1934 a 1937, com grande destaque, apresentadas sempre
nas primeiras páginas, com grandes chamadas, em títulos com letras maiúsculas. A
ênfase dada às comemorações da referida Escola demonstra que elas tinham um valor
que transcendia o caráter escolar e que envolviam toda a sociedade local. Após esse
período, especificamente de 1938 a 1945, as referências às festividades escolares, no
jornal “O Movimento”, começam a diminuir, aparecendo apenas pequenas notas,
com chamadas para comemorações específicas da Escola Normal.
Não se pode perder de vista que a presença e a diminuição das notícias sobre
as festas escolares, em Pirassununga, nas páginas de “O Movimento” coincidem com
o período de ascensão e queda do Estado Novo no Brasil. No entanto, não se pode
pensar em uma coincidência gratuita, sobretudo por saber ser o jornal um
instrumento importante na transmissão de valores e na formação de uma opinião
pública. Ou seja, pode-se afirmar que o jornal servia como um instrumento de
instituição da memória coletiva (cf. Le Goff, 2003), demarcando a importância dos
eventos que eram e que não eram importantes para a sociedade, exercendo, assim, o
seu lugar de poder e de memória, lugar de didatização das atitudes civilizadas.
O jornal servia, assim, como um suporte material de constituição da memória,
pois, como afirma Catroga (2001, p. 23),
A memória só poderá desempenhar a sua função social através de liturgias
próprias centradas em reavivamentos que só os traços-vestígios do que não
existe são capazes de provocar. Portanto, o seu conteúdo é inseparável, não
só das expectativas em relação ao futuro, como dos seus campos de
objectivação – linguagem, imagens, relíquias, lugares, escrita, monumentos
– e dos ritos que reproduzem e transmitem: o que mostra que ela nunca se
desenvolverá, no interior dos sujeitos, sem suportes materiais, sociais e
simbólicos de memória.
Para servir de suporte material à constituição da memória, não se pode deixar
de considerar as possíveis vinculações do jornal com os interesses políticos. Mas,
especificamente no que concerne ao recorte desta pesquisa, as possíveis relações
51
entre as comemorações escolares e a situação política da época serão tratadas no
próximo capítulo.
De 1934 a 1939, o jornal, de seis páginas, dedicava, nas primeiras páginas,
pelo menos, dois artigos genéricos sobre educação. Um exemplo desse tipo de texto é
A Cooperação na Escola (Cardoso, 1935).
Nesse texto, observa-se o interesse do autor em divulgar os princípios da
Educação renovada, para o que ele cita Claparède, apontando para a necessidade de
não mais tratar as crianças como “uma miniatura do adulto”, mas como crianças em
si, respeitando a as fases de desenvolvimento necessárias à formação de uma
“autonomia funcional”, argumentando, ao citar o psicólogo de Genebra, que “em
cada momento de seu desenvolvimento um ser animal constitui uma unidade
funcional, isto é, as suas capacidades de reação são ajustadas às suas necessidades”
(Claparède, apud Cardoso, 1935).
O respeito ao desenvolvimento da criança deveria constituir, segundo o autor,
a religião do professor. Para Cardoso (1935), a educação não poderia se realizar de
maneira uniforme para todas as crianças indistintamente, sem atenção para os
atributos psíquicos que lhes caracterizam a personalidade. Argumente que deveria
haver respeito à vocação da criança, ser abolida a violência sobre o temperamento
dessas, sobre suas inclinações. E argumenta: “desde a escola até a aula da
universidade, cada homem deve aplicar a sua inteligência às aptidões que possui;
nada há mais estéril que o estudo forçado daquilo que se não compreende, nada mais
lastimoso do que privar-se de aprender aquilo que se deseja” (Cardoso, 1935). E
acrescenta:
no passado, educar era domesticar, submetendo todas as inclinações a uma
instrução uniforme, reduzindo todas as vocações a um mesmo denominador
comum. No futuro, será abrir horizontes a cada personalidade, respeitando
todas as diferenças, aproveitando todas as desigualdades naturais
Esse respeito às diferenças, às distintas fases do desenvolvimento da criança,
era, segundo o autor, o postulado, considerado por ele já vitorioso, da educação
renovada.
52
Verifica-se ainda que nesses anos, o jornal sempre publicava artigos com a
explicação das datas cívicas do mês, como: Tiradentes, em abril; Dia do Trabalho,
em maio; Dia do Soldado, em agosto; Dia da Pátria, em setembro; Dia da
Proclamação da República e Dia da Bandeira, em novembro.
Depois do artigo explicativo de primeira página, apresentava-se, na segunda
ou terceira página, um artigo descrevendo a participação da Escola Normal nas
comemorações das diferentes datas.
Mas, de 1939 até o final de 1941, “O Movimento” passa a ter oito páginas e
assume características diferentes. Os artigos genéricos sobre educação, que antes
eram dois, passam para um. As datas cívicas são registradas, porém, mais
resumidamente o que se estendia às comemorações na Escola. O que o jornal não
deixa de anunciar, sempre com bastante ênfase, são os dias da formatura dos
normalistas e o dia 6 de agosto, aniversário da cidade.
Assim, pode-se destacar que, de 1934 a 1941, a Escola Normal de
Pirassununga é retratada com mais ênfase em “O Movimento”, já que os
acontecimentos sociais e políticos aconteciam na escola. Ou seja, nesse período, a
Escola exerceu uma presença marcante no cotidiano da cidade.
No entanto, apesar da diminuição de referências às festividades da Escola
Normal, verificam-se anúncios de pequenas chamadas sobre a reabertura de aulas,
visita da Escola Normal de Rio Claro à Escola Normal de Pirassununga e as festas
cívicas comemoradas dentro da escola.
No dia 13 de julho de 1941, um artigo de primeira página, intitulado Em
festas a Escola Normal, chama a atenção. Esse artigo traz, com orgulho, o programa
das festas a serem realizadas na escola em comemoração ao trigésimo aniversário da
instituição. Como se pode observar no trecho abaixo, são lembrados os antigos
diretores, professores e ex-alunos, como é o caso de Manuel Lourenço Filho
11
:
11
Catedrático de Psicologia Educacional na Universidade do Brasil; membro da Societé Française de
Psychologie; da Association Internationale de Psychotéchnique; da American Educational Research
Association; da American Statistical Association, etc. (Cf. Lourenço Filho, 1955). Foi ainda fundador
e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), com uma longa lista de publicações de
livros e em vários periódicos sobre educação, especialmente, na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (RBEP), fundada por ele em 1944. Segundo Gandini (1995), Lourenço Filho formou-se
em 1917, em São Paulo, tendo começado a trajetória profissional e política em Porto Ferreira como
professor de escola primária, continuando depois na cadeira de psicologia na Escola Normal de
Piracicaba. Em 1920, tornou-se professor de psicologia na Escola Normal em São Paulo, onde foi
colega de Fernando de Azevedo, que lecionava sociologia. Foi exercendo o cargo de Diretor da
53
... é com admiração, repassada de orgulho mui legítimo, que vemos brilhar
no cenário pedagógico do país, refulgindo com o astro de primeira grandeza,
Lourenço Filho que ostenta entre seus títulos de glória um diploma de
professor normalista fornecido pela Escola Normal de Pirassununga (Jornal
“O Movimento”).
Como já foi destacado, após análise dos exemplares do jornal “O
Movimento” sem concorrente com o qual se pudesse comparar até o ano de 1950,
nota-se, a partir do início dos anos de 1942, um rareamento de artigos genéricos
sobre educação, sobre a Escola Normal e sobre as festividades que nela ocorriam.
Pode-se inferir que, com o crescimento da cidade, novos estabelecimentos
comerciais apareceram, de modo que a cidade começou a dar importância a outros
fatos, ocasionando a diminuição na ênfase sobre a Escola Normal e sobre a educação.
Porém, um destaque mantido pelo jornal diz respeito às festas de formatura dos
normalistas e o dia do aniversário da cidade. Os artigos sobre a Escola Normal
continuavam existindo, mas sob a forma de notas, avisando os alunos sobre dias de
matrículas, transferências, reabertura de aulas, uniformes etc. Já as datas cívicas, a
partir de então, figuravam sob a forma de pequenas poesias num cantinho do jornal.
Constatar que, embora haja uma diminuição de referências sobre as
festividades na Escola Normal não significa o desaparecimento dessas referências,
possibilita perguntar que lugar social ocupava a Escola Normal de Pirassununga para
a sociedade local?
Pode-se afirmar que as escolas normais, embora em proporções menores que
as Faculdades de Direito e Medicina, atuavam como centros aglutinadores de uma
elite intelectual, sobretudo para aqueles que não podiam fazer um curso superior.
Localizadas nas cidades, atuavam como formadoras de civilidade, de instrumentos de
distinção social. Como afirma Carvalho, M.M.C. (1989, p. 65), “quando a escola
Instrução Pública do Ceará que ele conseguiu projeção no cenário nacional. Foi ainda diretor do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro, diretor da Escola de Educação da Universidade do Distrito
Federal, onde também exerceu o cargo de vice-reitor. De 29 de novembro de 1930 a 11 de março de
1931, foi Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo, durante o Governo Provisório. Em 1932,
assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação, no Rio de Janeiro. Além desses cargos, exerceu
vários outros de destacado lugar no cenário educacional brasileiro. No entanto, o que Gadini (1995, p.
103) não informa é que Lourenço Filho, “uma personalidade importantíssima, responsável por
inúmeras iniciativas e realizações” , que exerceu “muita influência nos rumos que a educação
54
adaptada ao meio urbano, era comum a expectativa de que viesse combater, ou pelo
menos atenuar em seus efeitos morais, essa vida tumultuada, corrosiva, a vida de
prazeres, com os recursos oferecidos pela moderna pedagogia”.
Nesse sentido, a Escola Normal de Pirassununga atuava como um lugar
formador de indivíduos distintos na sociedade local, por transmitir valores e inculcar
condutas necessárias à própria vida em comunidade. Para isso, as festas escolares
serviam efetivamente, já que, além de inculcar valores na comunidade escolar
(estudantes, professores, corpo dirigente da escola), avançavam para além dos muros
da escola, invadindo casas, lares, famílias, homogeneizando valores a fim de conferir
à comunidade o sentimento de nação. Compartilhar da vida escolar, participar das
festas escolares, no que se pode chamar de período de ouro das escolas normais
brasileiras, era ser partícipe de uma elite intelectual da cidade, cujas ações (práticas)
denotavam distinção. A localização dessas escolas normais em centros urbanos
apontava para o progresso, para o porvir, para um futuro promissor na inserção
social.
No caso específico da Escola Normal de Pirassununga, as práticas festivas
eram diferentes, pois cada uma apontava para um tipo de comportamento a ser
inculcado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola, e especialmente as festas
escolares, atuam como um motor do processo civilizador, formadoras de hábitos e
costumes.
Essa discussão aponta para o fato de que as festas escolares atuavam como
momentos privilegiados na inculcação de práticas civilizatórias. Participar dessas
festas, direta ou indiretamente, pode-se supor, confere aos participantes a notoriedade
da distinção social.
Por saber que não é tarefa fácil o intento de investigar as práticas, sejam elas
quais forem, sobretudo, quando se está a uma distância considerável no tempo, é
preciso sempre buscar as marcas, os vestígios que essas práticas tenham deixado.
Nesse sentido, por compreender que as festas, da Escola Normal de Pirassununga,
transcendiam os limites da escola e constituíam as práticas da sociedade local, será
tomada como fontes privilegiadas para buscar as marcas dessas práticas os
depoimentos de ex-normalistas e as informações disponíveis no jornal “O
brasileira tomou após a revolução de 1930”, diplomou-se Professor Normalista pela Escola Normal de
55
Movimento”, já descrito anteriormente. No entanto, a análise dessas práticas será
contrastada com as prescrições dispostas tanto nas leis que regem as comemorações
escolares, bem como com as prescrições presentes em manuais e nas revistas
tomadas como fonte para esta pesquisa.
No capítulo que segue, objetivo é explicitar como as festas escolares não
passam ilesas aos diferentes momentos políticos a que se vinculam. Por isso, neste
capítulo, as prescrições das festas escolares serão dispostas em uma linha do tempo,
cujos marcos são tomados a partir dos decretos que regulamentavam as festividades
no período focado.
Pirassununga, em 1913.
56
CAPÍTULO II – VARIAÇÃO DAS PRESCRIÇÕES DAS FESTAS
ESCOLARES NO TEMPO
Pela análise que se empreendeu até agora, é possível perceber que a prática da
realização de festas escolares, na Escola Normal de Pirassununga, apresentava
distanciamentos entre o que se previa nas leis e o que era executado na instituição.
Verifica-se que as festas do sucesso escolar, a exemplo da participação dos
normalistas nos comemorações do aniversário da cidade, a escolha da rainha dos
estudantes, bem como a festa da formatura, da chave e a festa de exposição dos
trabalhos manuais não eram previstas pela legislação, mas aconteciam em
Pirassununga.
Isso não permite afirmar, no entanto, que a Escola Normal de Pirassununga,
no que diz respeito à prática das festas escolares, tenha sido uma instituição peculiar.
O que se pode pensar é que entre o que se prescreve e o que se pratica, há
apropriações distintas.
Esses distanciamentos podem ser percebidos no capítulo II, quando se tratou
das festas denominadas neste trabalho de comemorações para o “aprender a fazer
com”. Essa percepção impõe pensar nas possíveis razões para as diferenças entre o
que se prescreve e o que se pratica. Uma justificativa rápida advém do fato de que
entre a promulgação de uma lei e sua execução, é preciso um certo tempo. Além
disso, para que uma lei seja executada, é preciso que se faça com que ela seja
cumprida e, para tal, não deixa de haver resistências. Mas, seriam só essas as
justificativas?
Para pensar mais detalhadamente essas questões, decidiu-se fazer uma análise
da legislação que regulamentou, à época do período focado nesta pesquisa, as festas
escolares. No entanto, ao perceber que as regulamentações das festas escolares, entre
as décadas de 1930 e 1950, faziam referência a decretos anteriores, buscaram-se
esses decretos. Dessa forma, foi composto um quadro (Quadro 2.1), no qual estão
dispostos os anos que houve decisões acerca das comemorações escolares.
57
QUADRO 2.1
PRESCRIÇÕES DAS FESTAS CÍVICO-ESCOLARES NO TEMPO
MESES DIA NOME DAS FESTAS 1890 1917 1922 1924 1930 1931 1932 1933 1936 1949 1950
JANEIRO
FEVEREIRO
MARÇO
15 Festas dos Animais* _ _ _ _ _ _ _ _ X X X
14 Dia Pan-americano* _ _ _ _ _ X X X X _ _
ABRIL
21 Tiradentes X X X X _ _ _ X X _ X
Dia do Trabalho _ _ _ X X X X X X X X
3 Descoberta do Brasil X X X X _ _ _ _ _ _ _
MAIO
13 Fraternidade dos brasileiros X X X X _ _ _ _ _ _ _
JUNHO
JULHO
14 República, Liberdade,
Independência dos povos
americanos
X X X X _ _ _ _ _ _ _
AGOSTO
7 Independência do Brasil X X X X X X X X X X X
SETEMBRO
21 Dia da árvore* _ _ _ _ _ _ _ _ X X X
58
MESES DIA NOME DAS FESTAS 1890 1917 1922 1924 1930 1931 1932 1933 1936 1949 1950
OUTUBRO
12 Descoberta da América X X X X _ _ _ _ _ _ _
15 Comemoração da Pátria brasileira X X X X X X X X X X X
19 Dia da Bandeira* _ X X X X X X X X X X
NOVEMBRO
22 Dia da Música* _ _ _ _ _ _ X X X _ _
DEZEMBRO
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
Fonte: Leis e decretos do Poder legislativo e do poder executivo.
– - Não há referências
* - Indicada como comemoração escolar mas não como feriado.
59
Pelo que se observa da organização do quadro, o recorte temporal é bem mais
amplo do que período focado nesta pesquisa. Como já foi destacado, a opção por
ampliar a análise das prescrições das fe para um período anterior a esta pesquisa decorre
do fato de que, no que se refere às comemorações que se aconteciam entre as décadas de
1930 e 1950, se faziam referências a legislações anteriores.
Vale ainda destacar que, no período compreendido no Quadro 2.1, outras festas
estavam regulamentadas por lei. No entanto, para efeito desta pesquisa, foram tomadas
apenas as festas previstas para serem comemoradas no espaço escolar.
Percebe-se ainda que nessa tentativa de investigar a lógica das prescrições, para
que, assim, fosse possível compreender as práticas das festas escolares, em que essas
práticas se aproximavam e se afastavam das prescrições, chegou-se até 1890, primeiro
ano após a Proclamação da República no Brasil. Vê-se, portanto, que as prescrições das
festas cívico-escolares entre as décadas de 1930 e 1950 vêm de uma tradição
considerável, com bases nos primeiros anos republicanos.
Sabe-se que entre essas sete décadas, a República não foi a mesma.
Historicamente, o período é demarcado entre República Velha (1889-1930), seguida
pela Era Vargas e por uma ditadura militar. No entanto, essa divisão, não dá conta das
heterogeneidades pelas quais passou o período.
Pelo que se pode observar do que está disposto no quadro acima, somente as
comemorações do dia da Independência do Brasil (7 de setembro) e da Proclamação da
República (15 de novembro) são mantidas na legislação de 1890 a 1950. Isso demonstra
que, independente das diferenças políticas que pudessem existir entre esses anos, o
intento de louvar a Pátria, de estabelecer o sentimento de nação, a nacionalidade,
colocava-se acima das divergências políticas. Esse sentimento se mostrava como
necessário à coesão nacional e, para tanto, era preciso que ele fosse inculcado. Para isso,
é compreensível que fosse estabelecida como obrigatória a comemoração dessas datas,
para que, nas escolas, desde a mais tenra idade, fosse cultivado nas crianças o apreço, o
respeito, o sentimento de pertença à nação.
Observa-se que essas datas remetem a marcos revolucionários e, como afirma
Oliveira (1989, p. 172), “as revoluções têm que lidar ao mesmo tempo com a
organização de uma nova vida social e política e com a construção de um imaginário
capaz de recuperar um equilíbrio perdido ao longo do tempo”. Isso justifica o porquê de,
60
na República, dadas as divergências entre monarquistas e republicanos, manter a
comemoração do Dia da Independência, mesmo que tivesse sido uma Independência
que estabeleceu o regime ao qual, na República, se fazia oposição. Mas, como informa
ainda a autora, “ao se iniciar um momento novo, precisa-se evocar um tempo remoto.
Lá estariam as raízes, o sentido verdadeiro do homem e da sociedade. Esta ubiqüidade
das revoluções, marcadas por ter um pé no futuro e outro no passado” (Oliveira, 1989,
p. 172) e, ainda segundo essa autora, as maneiras como se reafirma ou se nega o
passado delineiam-se das mais diferentes formas.
Estabelecer uma comemoração, como explicita Oliveira (1989), denota o intento
de “exorcizar o esquecimento” (Oliveira, 1989, p. 173), de imprimir nas mentes e nos
corações das pessoas um referente no qual se reconheçam, se identifiquem, para o qual
sejam capazes de lutar, de defender, em torno do qual se dê um reconhecimento,
portanto, espontâneo, de modo que a aceitação pareça a mais natural possível,
independente das decisões daqueles que governam, mas que reúnam os princípios em
virtude dos quais se deva governar (Cf. Oliveira, 1989).
Manter a comemoração do 7 de setembro ao lado do 15 de novembro demonstra
o reconhecimento pela importância da nação, sem sofrer o jugo da dominação
estrangeira, mas que também não deixava de ser um novo momento, para o qual se fazia
necessário reverenciar os marcos que o instituíram.
A essas datas soma-se a comemoração do Dia da Bandeira (19 de novembro),
estabelecida a partir de 1917, pelo Decreto 12.715, de 17 de novembro do mesmo ano.
Verifica-se que a comemoração foi instituída dois dias antes de a data a ser
comemorada. No decreto, pode-se ler: “Manda considerar feriado o dia 19 do corrente
mês – 19 de novembro de 1917, para celebrar a festa do Dia da Bandeira – Feriado
eventual” (Decreto 12.715, de 17 de novembro de 1917).
Verifica-se que a comemoração do Dia da Bandeira, instituída como feriado
apenas no ano de 1917, não figurou dessa forma nos decretos posteriores que
regulamentaram as comemorações. No entanto, encontrou-se uma referência que afirma
que esse decreto só foi revogado em 1991
12
. Pela análise dos decretos posteriores, que
indicam, explicitamente, quais datas eram feriados e quais não eram, considerando as
12
A referência foi encontrada no sítio do Senado Federal:
http://www6.senado.gov.br/sicon/ListaReferencias.action?codigoBase=2&codigoDocumento=225560, 7
de abril de 2006.
61
informações coletadas nas entrevistas, que dão conta que essa data era comemorada na
Escola Normal de Pirassununga, supõe-se que ela tenha sido mantida no calendário
escolar não como feriado, mas como uma festa comemorada na escola.
Percebe-se que a comemoração do Dia da Bandeira, assim como o Dia da
Independência e da Proclamação da República, guardadas as devidas diferenças de
como essas datas foram tratadas pela legislação, cumprem o papel de cultivar naqueles
que a comemoravam o apreço pela nação.
A esse respeito, Oliveira (1989) elucida, ao afirmar que essas medidas
caracterizavam as iniciativas dos estados nacionais a fim de se constituírem como tal,
para o que seria preciso a adesão de um número cada vez maior de pessoas. Para essa
autora,
os estados nacionais foram pródigos em definir hinos, bandeiras, imagens e
símbolos que "personificam" a nação, fornecendo-lhes o sentido de identidade e
expressando sua soberania. Legitimidade, soberania e cidadania são as questões
centrais de construção de uma nação e se fazem presentes na organização da
tradição e da memória coletiva, constituidora da identidade nacional (Oliveira,
1989, p. 9).
Para dar suporte a essa argumentação, Oliveira (1989) faz uso das considerações
de um outro autor, defensor de que a maioria das ocasiões em que as pessoas tomam
consciência da cidadania permanece associada a símbolos e práticas semi-rituais, “que
em sua maior parte são historicamente originais e livremente inventadas: bandeiras,
imagens, cerimônias e músicas" (Hobsbawn apud Oliveira, 1989, p. 9).
Nesse sentido, é compreensível o destaque que os ex-normalistas entrevistados
para esta pesquisa dedicaram a essas festividades, lembrando práticas como cantar
hinos, enfeitar a escola com símbolos nacionais, organizar desfiles e carregar bandeiras
para que toda a sociedade de Pirassununga se solidarizasse em torno da exaltação da
Pátria. Vê-se que os estudantes da Escola Normal de Pirassununga estavam imersos
nessa cultura, necessária ao Estado Nacional, de sedimentar símbolos, a fim de que
todos se reconhecessem neles.
Mas se, por um lado, é possível compreender por que eram mantidas essas
comemorações, por outro, percebe-se, pelo que está disposto no quadro, que nem todas
as festas comemoradas nas décadas de 1930 a 1950 têm tradição em anos anteriores.
62
Exemplo disso diz respeito à comemoração da Festa dos Animais (15 de março) e do
Dia da Árvore (21 setembro), instituídas no ano de 1936, pelo Decreto nº 7.612, de 25
de março. Verifica-se que essas datas passaram a ser previstas como festas escolares,
mas não como feriados.
No que se refere ao Dia da Árvore, percebe-se que na Revista de Educação,
no ano de 1934 havia referência a essa comemoração, considerada de grande valor
educativo, pois tornaria o ensino atraente, as aulas vivas, agradáveis e interessantes. A
ênfase em aulas que instigassem mais os alunos, que os aproximassem da realidade
vivida demonstra que essas comemorações se aproximavam dos princípios da Escola
Nova, de valorização do útil, do que fosse proveitoso para os estudantes.
Também pode ser observado, pelo que está disposto no Quadro 2.1, que existiam
festas que a partir de 1930 deixaram de ser comemoradas. Exemplo disso eram as
comemorações do Dia de Tiradentes (21 de Abril), do Dia da Descoberta do Brasil (3 de
maio), Dia da Fraternidade dos Brasileiros (13 de maio), dia da República, Liberdade,
Independência dos povos americanos (14 de julho), Descoberta da América (12 de
outubro), que vigoraram entre os decretos de 1890 e 1930. Observa-se que essas
comemorações coincidem com o período da República Velha.
Essas comemorações foram determinadas pelo decreto 155-B, de 14 de janeiro
de 1890, no qual se afirmava:
que o regime republicano se baseia no profundo sentimento de fraternidade
universal; que esse sentimento não se pode desenvolver convenientemente sem
um sistema de festas públicas, destinadas a comemorar a continuidade e a
solidariedade de todas as gerações humanas; que cada pátria deve instituir tais
festas segundo os laços especiais que prendem os seus destinos aos de todos os
povos; (Decreto 155-B, de 14 de janeiro de 1890)
Para compreender essas festas, Oliveira (1989) classifica essas comemorações
em dois grupos: comemorações que dizem respeito à fraternidade universal e
comemorações que dizem respeito à fraternidade nacional.
Ela coloca o 14 de julho e o 12 de outubro como sendo parte das comemorações
para festejar a fraternidade universal. No entanto, verifica-se que a autora, para agrupar
as festas do período em categorias, apropriou-se da justificativa da legislação sem
confrontá-la com o que dizia a data a ser comemorada, pois, a comemoração diz
63
respeito à fraternidade entre os povos americanos e, a não ser que se tomem as
Américas como sinônimo de universo, essa análise não cabe, apesar da hipertrofia que a
justificativa legal quis conferir às datas.
Por outro lado, é compreensível a interpretação da autora se considerada a
possibilidade de serem essas datas, na República Velha, momentos em que se
explicitava o interesse de ampliar as relações internacionais, para o que se devia
comemorar, marcar datas que, simbolicamente, representassem a importância de ter os
limites, as relações internacionais ampliadas.
Já as comemorações que a autora classifica como sendo para marcar a
fraternidade nacional, ao olhar como essas datas aparecem no Quadro 2.1, percebe-se
que não se pode analisar todas da mesma maneira.
No que concerne ao dia 13 de maio, como o próprio nome já diz, o intuito era
celebrar a união entre os brasileiros. Vê-se que essa data marca o dia em que a Princesa
Isabel sancionou, pela Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, extinta a escravidão no
Brasil (art. 1º). Por conta disso, e sabendo que o movimento abolicionista confundia-se
com o movimento republicano, ser dedicado, no primeiro ano da República, esse dia à
fraternidade entre os brasileiros, impõe pensar que o significado seria o de que todos se
confraternizassem, independente da cor da pele.
A referência à comemoração da fraternidade entre os brasileiros desaparece após
1930, ou seja, após o governo de Getúlio Vargas. Não se pode afirmar, categoricamente,
o porquê do silêncio em relação a essa data e a essa denominação. O que se pode
verificar, pela análise das prescrições das festas escolares, no período analisado, que não
reaparecem referências ao 13 de maio até 1950, nem como dia da Fraternidade dos
brasileiros nem como Dia da Abolição da escravatura.
Já o dia da Descoberta do Brasil, comemorado, até 1930, a 3 de maio, também
deixa de constar após esta data. Por saber que os festejos do Descobrimento acontecem
no dia 22 de abril, procurou-se referências que pudessem indicar uma revisão de data.
No entanto, nenhuma outra referência foi encontrada.
Outra data que desperta atenção é o dia 21 de abril, previsto para homenagear
Tiradentes. Pelo que se pode observar das informações presentes no Quadro 2.1, vê-se
que o Dia de Tiradentes deveria ser comemorado de 1890 a 1924. Em 1930, a
comemoração da referida data foi suprimida, como se pode verificar:
64
Declara os dias de festa nacional (feriado fixo)
Considerando que, pelo decreto 155-B, de 14 de janeiro de 1890, o primeiro
Governo Provisório da República declarou de festa nacional os dias 1. de
janeiro, 21 de abril, 3 de maio, 13 de maio, 14 de julho, 7 de setembro, 12 de
outubro e 2 e 15 de novembro, aos quais os decretos 3, de 28 de fevereiro de
1891, 4497, de 19 de janeiro de 1922, e 4859, de 26 de setembro de 1924,
ajuntaram, respectivamente, os dias 24 de fevereiro, 25 de dezembro e 1 de
maio; considera como feriados nacionais, suprimindo confraternização das
classes operárias (Dia do Trabalho), 07 de setembro, Independência do Brasil; 2
de novembro, Mortos (Finados); 15 de novembro, Proclamação da República;
25 de dezembro, Unidade espiritual dos povos cristãos (Natal). (Dec. 19.488, de
15 de dezembro de 1930)
Observa-se que, em 1933, pelo decreto nº 22647, de 17 de abril, é restabelecida a
homenagem a Tiradentes. Em 1949, pelo decreto nº 662, de 06 de abril, são declarados
como feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 1º de maio, 7 de setembro, 15 de
novembro e 25 de dezembro, sem que se fizesse referência ao 21 de abril. Em 1950, a
lei 1.266, de 08 de dezembro, determina o dia 21 de abril feriado. Percebe-se, assim,
que a homenagem a Tiradentes não figurou como consenso após 1930, já que foi uma
data a qual não se fez referência em 1930, mas que, três anos após, decidiu-se colocá-la
de volta no calendário dos feriados nacionais. Em 1949, não se fez referência à
comemoração, mas, ao que parece, a medida foi revista por uma lei promulgada já no
ano seguinte, conferindo à data o status de feriado.
No entanto, verificar que havia controvérsias em torno dessa comemoração não
elucida os porquês das possíveis divergências. Segundo Carvalho, J. M. (2003), instituir
Tiradentes como herói nacional fez parte de um esforço da República encontrar um
herói nacional. Mas, como informa esse autor, a decisão por conferir a Tiradentes esse
lugar de herói não se deu sem disputas. Segundo ele, um dos fatores que ajudaram para
essa decisão foi de âmbito geográfico, e, por que não dizer, político. Nas palavras do
autor,
Um dos fatores que podem ter levado à vitória de Tiradentes é, sem dúvida,
geográfico. Tiradentes era o herói de uma área que, a partir da metade do século
XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele buscou, num primeiro momento,
tornar independentes. Aí foi também mais forte o republicanismo e mais
difundidos os clubes Tiradentes. O Nordeste, ao final do século XIX, era uma
região em decadência econômica e política e não se distinguia pela pujança do
65
movimento republicano. Além do mais, a Confederação do Equador também
apresentara tintas separatistas que a maculavam como movimento nacional. se é
verdade que a Inconfidência tinha em vista a libertação de apenas três
capitanias, isso não se devia a qualquer idéia separatista, mas a um cálculo
tático. Libertadas as três, as outras seguiriam com maior facilidade. (Carvalho,
J. M., 2003, p. 67).
Além de ter, pela origem do movimento do qual participou, força política,
Tiradentes contemplava os requisitos necessários a tornar-se herói: ser um símbolo
poderoso de um movimento, encarnar idéias e aspirações coletivas, servir como um
ponto de referência, para o qual convergia uma identificação coletiva. Era assim, um
instrumento eficaz para “atingir a cabeça e o coração dos cidadãos”, a fim de que se
colocassem a serviço da legitimação do novo regime político. Nesse sentido, Carvalho,
J. M (2003) é enfático ao afirmar: “não há regime que não promova o culto de seus
heróis e não possua seu panteão cívico”.
Tiradentes foi tomado, então, como um herói representativo da Primeira
República. Desconsiderá-lo como herói já estabelecido, a partir de 1930, sugere o
esforço do novo regime de negar os símbolos de uma oligarquia cafeeira que se tentou
silenciar, uma vez que o traço dominante desse novo regime era liquidar a memória
constituída do antigo Estado oligárquico. Esse ideal já se mostrava, segundo Munakata
(1984), presente desde a década anterior, quando “em consonância com o resto do
mundo, começa a se consolidar um modo de representação do real – o ideário contra-
revolucionário” (Munakata, 1984, p. 71). Esse ideal contra-revolucionário tentava
colocar no esquecimento todo um passado, para que, desse modo, pudesse ocupar os
espaços vazios.
No entanto, verificar que a homenagem a Tiradentes foi restabelecida anos após
se estar consolidado no poder, sugere considerar que, para se manter no poder os líderes
do novo regime tiveram que recuperar símbolos do passado, transmitindo a imagem de
que era uma medida de respeito à tradição da nação. Como afirma Weffort (1978), o
Estado encontrava condições, assim, “de abrir-se a todos os tipos de pressões sem se
subordinar, exclusivamente, aos objetivos imediatos de qualquer delas” (Weffort, 1978,
p. 51).
Ter suprimido a homenagem a Tiradentes logo no primeiro ano do governo
Vargas, que iniciou uma nova era na política brasileira, demonstra a necessidade de
evidenciar rupturas com o passado. No entanto, o fato de essa comemoração ter sido
66
restabelecida anos após demonstra o quanto as rupturas são estratégias políticas, embora
houvesse a necessidade de manter uma continuidade. Essa continuidade, esse retorno às
tradições revelam a necessidade de manter símbolos de coesão nacional, para o qual
deve convergir a identidade coletiva.
Ao analisar o Quadro 2.1, evidencia-se que, se por um lado, o novo regime
deixava de comemorar dias como o da Fraternidade entre os brasileiros (13 de maio), o
da República, Liberdade, Independência dos povos americanos (14 de julho) e o da
Descoberta da América (12 de outubro), por outro, intentava-se substituir os festejos
dessas datas por outra: o Dia Pan-americano (14 de abril), para o qual, usou-se da
justificativa:
Considerando que o Conselho Diretor da União Pan-Americana, em sua sessão
de 7 de maio de 1930, aprovou uma resolução recomendando aos Governos da
União Pan-Americana a adoção de um “Dia Pan-Americano”, a ser celebrado
em todas as Repúblicas da América “como símbolo comemorativo da soberania
do Continente e da união voluntária de todas elas em uma comunidade
continental”;
Considerando que o dia escolhido pelo Conselho Diretor da União foi o dia 14
de abril, data da resolução que criou a União Pan-Americana;
Decreta:
Art. 1º Fica o dia 14 de abril consagrado no Brasil como o “Dia Pan-
Americano”.
(Decreto nº 19.685, de 10 de fevereiro de 1931).
Assim, esses dados demonstram que as práticas das festas escolares apresentam
distinções no que diz respeito ao que é prescrito, por se dar mais ênfase a determinadas
comemorações em detrimento de outras, nem sempre obedecendo o que é prescrito, mas
tendo, algumas delas, a prescrição como base, o que as justifica e as situa no universo
político de seu tempo. Por outro lado, vê-se que essas mesmas prescrições, que ajudam
a situar as práticas, são elas também situadas, justificadas pelo ambiente de disputa, de
luta pela construção, sedimentação ou mesmo negação de uma memória, para o que as
festas atuam como estratégias fundamentais à inculcação de valores, sem que
resistências sejam evidenciadas a ponto de comprometer os objetivos que essas festas
defendem.
67
É assim que a relação prática e prescrição precisa ser vista, considerando-as,
mesmo que tomando a análise de uma instituição específica, como é o caso, aqui neste
trabalho, da Escola Normal de Pirassununga, como parte de projetos políticos maiores,
para os quais se pode até apresentar peculiaridades, mas não se pode dizer que seja
indiferente a eles.
No capítulo que segue, o intento é analisar as práticas da Escola Normal de
Pirassununga como dispositivos usados para conformar a identidade docente.
68
CAPÍTULO III – AS FESTAS ESCOLARES NA ESCOLA NORMAL DE
PIRASSUNUNGA – dispositivos de (con)formação da
profissão docente
Neste capítulo, serão analisadas as festas escolares como atividades voltadas às
práticas, ou seja, como atividades que os normalistas precisariam aprender para aplicar
com os alunos da escola primária, quando se formassem. Essas atividades atuavam
como um dispositivo que conformava os normalistas ao exercício da profissão docente,
mesmo que não estivesse explícito para eles que estavam realizando uma prática que os
ajudariam a ser professores.
A compreensão dessas práticas para a prática tomará como referente tanto os
depoimentos dos ex-normalistas, quanto as informações disponíveis no jornal “O
Movimento”. Mas, a fim de verificar essas práticas, buscar-se-á fazer o contraste com as
determinações para realizá-las presentes na legislação que as regulamentava, no manual
de Cardim (1916), na revista Educação (1927-1930), na revista Escola Nova (1930-
1931), na Educação (1931-1932) e na Revista de Educação (1933-1944). Essas revistas
são todas do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, mas que tem a
denominação alterada ao longo do tempo. A revista permaneceu ainda até 1961, com a
denominação de revista Educação. No entanto, não servirá a esta pesquisa por não
haver referência às festas escolares.
Para cumprir os objetivos desta pesquisa, os depoimentos, recortados das
entrevistas com ex-normalistas da Escola Normal de Pirassununga, acabam sendo uma
fonte relevante para revelar as práticas das festas escolares na Escola Normal de
Pirassununga. Exemplo disso é o depoimento do Sr. Daniel Caetano do Carmo que,
quando inquirido sobre as comemorações realizadas na escola, distinguiu as que eram
de responsabilidade da instituição e as que eram de responsabilidade da igreja. Ao
especificar as comemorações, como páscoa, festa junina, natal, ele informou, em tom
ríspido: “isso era obrigação da Igreja e não da escola”.
Para analisar as práticas das festas escolares na Escola Normal de Pirassununga,
a opção é agrupá-las a partir das considerações de Souza (2000). No entanto, como já
foi destacado, por compreender que Souza (2000), ao fazer a análise das festas
escolares, está preocupada com a realidade dos grupos e por saber que as comemorações
nas escolas normais, como instituições formadoras de profissionais, cumprem outra
69
finalidade, a classificação, nesta pesquisa, apesar de partir dessa autora, distingue-se das
de Souza (2000) por se tratar de festas que, por um lado, põem em destaque os
profissionais formados e, por outro, são comemorações que intentam ensinar aos futuros
professores como agir quando formados.
Assim, a classificação e análise dessas festas, da Escola Normal de
Pirassununga, pressupõem voltar-se para a compreensão das práticas escolares e para as
possíveis peculiaridades que essas práticas possam ter em relação ao calendário festivo
oficial, por supor que há distanciamentos entre as prescrições e as práticas, e falar das
primeiras ou das segundas indica posicionamentos distintos.
III.1. Classificação analítica das festas escolares
A classificação realizada por Souza (2000) parte do referente das atividades
usadas em grupos escolares, para o que é perfeitamente válida. No entanto, para analisar
as festas escolares da Escola Normal de Pirassununga, a classificação da autora
mostrou-se insuficiente, uma vez que não dá conta das especificidades das práticas
realizadas em uma instituição formadora de professores, pois, neste tipo de instituição,
diferentes personagens são envolvidos na realização das práticas das festas escolares:
normalistas, professores dos normalistas, alunos primários e a sociedade.
Ou seja, se para classificar as festas nos grupos escolares, Souza (2000) separou-
as entre as festas denominadas do sucesso escolar e as do imaginário sóciopolítico,
sendo que, no primeiro grupo ela coloca “os rituais de avaliação – provas e exames, as
festas de encerramento do ano letivo e o cerimonial de formatura” (Souza, 2000, p.
174), e no segundo, as festas que visavam não só a construção da identidade e da
unidade da nação, não só pela transmissão de uma cultura comum e pela difusão de
valores morais e cívicos, mas que atuassem no nível do imaginário, como a
Proclamação da República, Tiradentes, as datas históricas e o Dia da Bandeira, ao
observar a realidade da Escola Normal de Pirassununga, percebeu-se que essa
classificação não era nítida. O que diferenciava uma festa da outra não era a pertença à
categoria do sucesso escolar ou ao imaginário sóciopolítico. No caso de uma instituição
formadora de professores, algumas festas caracterizavam-se por intentarem transmitir
aos alunos o que deveriam fazer e como deveriam atuar quando fossem profissionais.
Isso significa dizer que, na Escola Normal de Pirassununga, observou-se que as festas
70
do “aprender a fazer com” não se limitavam a ser festas para sedimentar e divulgar o
imaginário sociopolítico republicano, mas ensinar o que deveriam fazer os normalistas
quando professores. Já as festas do sucesso escolar não podem ser entendidas apenas
como comemorações para demonstrar o sucesso dos normalistas como alunas, porque se
pode observar também um tom de propagação do imaginário sóciopolítico. Essa
constatação decorre do fato de perceber que essas categorias, quando tomadas a
participação de normalistas em festividades, não apresentam uma separação evidente.
Assim, percebe-se que tanto a classificação de Souza (2000) quanto a
classificação que se propõe neste trabalho leva em consideração as especificidades do
lugar onde são produzidas as práticas, impondo-se como necessário considerar que as
práticas realizadas em um grupo escolar não contemplam análises de uma instituição
como uma escola normal. Por conta disso, considerando o lugar de realização das
práticas, neste trabalho, as festas são classificadas em duas categorias: festas do sucesso
escolar dos alunos-professores e festas para “aprender a fazer com”.
III.1.1 Festas do sucesso escolar e constituição do imaginário sociopolítico
A primeira classificação está representada no Quadro 3.1, no qual são apontadas
as festas que as normalistas participavam, mas que não se limitavam, necessariamente, a
atividades intra-escolares. A participação desses estudantes nessas festas representava a
relevância da instituição de ensino para a vida da sociedade da região, já que eram
comemorações que mobilizavam não apenas o público da cidade, mas atingia as
redondezas. Ou seja, as comemorações que aparecem no referido quadro não são
somente festas internas à realidade escolar, mas pelas quais a Escola e os normalistas se
dão a ver à sociedade.
71
Quadro 3.1
FESTAS DO SUCESSO ESCOLAR E DO IMAGINÁRIO
SÓCIOPOLÍTICO DAS ALUNAS-PROFESSORAS
DA ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA
COMEMORAÇÃO
MÊS
SUCESSO ESCOLAR IMAGINÁRIO SÓCIOPOLÍTICO
ABRIL
14 – Pan-americano
19 – Aniversário de Getúlio Vargas
AGOSTO
06 – Aniversário da cidade de Pirassununga
SETEMBRO
- Concurso da rainha dos estudantes da Escola Normal de Pirassununga
NOVEMBRO
- Festa de formatura dos normalistas da Escola Normal de Pirassununga
- Festa da Chave
- Festa de exposição dos trabalhos manuais dos alunos da Escola Normal
de Pirassununga
Fonte: Jornal “O Movimento”
Observa-se que o sucesso escolar não está limitado, pelo que se apresenta no
Quadro 3.1, a um sucesso escolar restrito à avaliação dos normalistas. Esse sucesso
representa a inserção dos normalistas e da própria Escola Normal na sociedade de
Pirassununga.
Dentre as festas do imaginário sóciopolítico, destaca-se a participação dos
normalistas na comemoração do Dia Pan-americano (14 de abril), do aniversário de
Getúlio Vargas (19 de abril) e do aniversário da cidade (6 de agosto). Essa participação,
pelo que se observa, tinha a função de impor uma presença qualificada na festa, além de
expor o lugar de destaque que a Escola Normal ocupava na vida da sociedade de
Pirassununga. Desse modo, não deixa de representar também o sucesso escolar dos
normalistas nessas comemorações em que se colocava em relevo a constituição do
imaginário sóciopolítico.
No que diz respeito aos festejos do Dia Pan-americano, observa-se, pela análise
do Quadro 3.1, que a comemoração foi prevista em Lei, mais precisamente, pelo
Decreto Federal nº 19.685, de 10 de fevereiro de 1931. No entanto, verifica-se também
que apesar de essa determinação figurar no início do ano de 1931, o que faz esperar que
72
ela aconteça já em abril próximo, observa-se, pelas fontes consultadas, que só há
vestígios dessa comemoração a partir de 1938, quando sai uma nota no jornal “O
Movimento” sobre a referida festividade.
No que se refere especificamente à comemoração do Dia Pan-americano,
observa-se que, nesse jornal, no período analisado, foram feitas duas alusões à data: no
ano de 1938 e no ano de 1944. No entanto, pelas informações dispostas, percebe-se um
teor diferenciado no que concerne à comemoração.
No ano de 1938, o programa levado a efeito foi o seguinte: a) abertura da sessão
com o hino nacional; b) música com uma banda de jazz; c) declamações de poesias por
alunos e professores da Escola Normal de Pirassununga; d) canto das normalistas; e)
discurso de uma aluna do Ginásio; f) declamação de poesias por duas professoras da
Escola Normal de Pirassununga; g) encerramento com um baile para os normalistas no
salão nobre da Escola Normal de Pirassununga.
Em abril de 1944, o Dia Pan-americano foi comemorado de forma muito
diferente: foi organizado pela Prefeitura Municipal e pelo Centro Municipal da Legião
Brasileira de Assistência (L.B.A), na sede desta. A festa teve início às 19 horas, com a
presença de autoridades locais, membros da L.B.A., jornalistas e professores da Escola
Normal. No jornal, informa-se que o representante do Prefeito Municipal fez um
pequeno discurso, falando sobre a finalidade da comemoração. A palavra foi passada,
em seguida, ao orador da noite, um distinto advogado da cidade, que palestrou por uma
hora, sendo, segundo o jornal “O Movimento” (1944, abril, p. 4), “aplaudido
efusivamente por todos ao final”.
O que se observa, com a análise das informações disponíveis sobre a
comemoração do Dia Pan-americano, é que, no ano de 1938, quando a festa aconteceu
na Escola Normal de Pirassununga, havia um tom mais solene, ilustre e social, porém
sem perder o caráter pedagógico, que se pudesse esperar de uma festividade escolar.
Verifica-se que, além da participação ativa dos normalistas, a escola se abria para a
participação de estudantes de outras escolas, a exemplo do Grupo Escolar local,
denominado Grupo Escolar “Tenente Coronel Manuel Franco da Silveira”, conferindo a
palavra a um estudante como representante dos estudantes externos. O caráter social do
evento é explicitado pelo encerramento, com um baile, um exemplo de acontecimento
para o qual a cidade se voltava, para o qual todos eram mobilizados a participar.
73
Já no ano de 1944, o que se observa é que a comemoração não mais estava sob a
responsabilidade da Escola Normal de Pirassununga, mas da Prefeitura e da L.B.A.
(Legião Brasileira de Assistência). A mudança de comando da comemoração conferia
ao evento um caráter ainda mais cívico. Provavelmente, isso se deva à aliança do Brasil
com os Estados Unidos da América quando da participação na II Guerra Mundial.
Observa-se também que, embora a festividade tivesse mudado de responsável, não foi
excluída a participação do público da Escola Normal da cidade, o que impõe pensar que
o corpo discente, docente e administrativo da Escola Normal de Pirassununga eram
pessoas que figuravam com grande prestígio social na cidade. No entanto, fica claro
que, com a saída da comemoração do ambiente da Escola Normal de Pirassununga, o
caráter social da festa tornou-se diminuto.
No entanto, o que se percebe, sobretudo pelo registro da comemoração de 1938,
é que o caráter pedagógico é muito forte, tentando cumprir com o que determinava o
decreto de 1931, de que
nessa data, o pavilhão nacional será hasteado em todos os edifícios públicos,
devendo as escolas, associações cívicas e o povo em geral celebrar cerimônias
que expressem o nosso sentimento de fraternidade para com as demais nações
do continente. (Art. 1º do Decreto nº 19.685, de 10 de fevereiro de 1931).
Percebe-se que esse caráter pedagógico, além de tentar cumprir com a prescrição
legal, intenta desenvolver, não só nas crianças, mas em toda a sociedade envolvida na
comemoração, o sentimento de pátria, de nacionalismo.
Nas entrevistas a referência à comemoração do Dia Pan-americano foi feita
apenas por D. Maria Lúcia. Essa ex-normalista afirma apenas lembrar ter tido um
caderninho, no qual havia o desenho de uma roda com um monte de criancinhas, dando
as mãos e celebrando a união dos povos. Para ela, essa figura, bem como esse
significado são as recordações que ela tem da referência ao Dia Pan-americano.
A ausência de outras informações talvez se justifique pelas contradições que
permeiam essa data (como se pode verificar no Quadro 2.1, que trata das prescrições das
festas escolares no tempo), pois, como se pode perceber, o registro dessa comemoração
se dá como prescrição, pelo Decreto de 1931, mas não se faz referência nem nos
manuais, nem nas revistas analisadas, e, como prática, apenas no Jornal “O
74
Movimento”, que, como se afirmou, são registros datados de 1938 e 1944. No entanto,
no Quadro 2.1, registra-se que, como prescrição, essa comemoração é prevista apenas
nos anos de 1931 a 1936. A partir de 1937, não se prevê festejar essa data. Ou seja, uma
demonstração de que há distâncias entre o que é prescrito e o que se efetiva como
prática, sendo que nesta possa haver demonstrações de resistência sobre o que se impõe.
Como prática de festa realizada na Escola Normal de Pirassununga, percebe-se a
comemoração do Aniversário de Getúlio Vargas, que governou o Brasil de 1930 a 1945.
No Quadro 2.1, verifica-se que a comemoração do aniversário do presidente não era
prevista em Lei. Também não foram encontradas referências nos manuais e revistas que
servem com fonte para esta pesquisa. A referência a essa comemoração foi encontrada
apenas nas entrevistas e no Jornal “O Movimento”. Neste, pode-se ler: “O Brasil estará
em festa, no próximo dia 19, data que marcará a passagem de mais um aniversário
natalício de S. Excia, o Sr. Dr. Getúlio D. Vargas, ilustre Presidente da República”
(Jornal “O Movimento, 1944).
No Jornal, é destacado o porquê de se comemorar o aniversário de Getúlio
Vargas:
nesta hora intranqüila dos destinos da Pátria, ele é a expressão centralizadora da
vitalidade cívica que conduz o Brasil aos caminhos da História. É aquele
espírito sem o qual os povos desaparecem. É aquele elo cuja inexistência
determina a desagregação das multidões. É aquela entidade preciosa que firma
os contornos das fronteiras e aperta os laços demarcações. É aquele vulto
vigilante, que mantém, acessa e sublime, a lâmpada votiva da Pátria (Jornal “O
Movimento, 1942).
A hora intranqüila de que se fala no artigo diz respeito ao período da II Guerra
Mundial, para o que se pretendia pôr em relevo a importância de um governo
centralizador, capaz de conferir um sentimento de segurança em meio ao clima de
insegurança.
Não se pode deixar de marcar que a ênfase, dada pelo Jornal à comemoração do
aniversário do então Presidente da República, estivesse em consonância com os
comprometimentos políticos daqueles que o dirigiam. No entanto, sem querer dar
destaque ao sentimento que se atribuía à pessoa de Vargas, vale considerar a
comemoração como prática, pois, além elevar a figura do Presidente, no referido Jornal,
75
informava-se que essa comemoração aconteceria em várias localidades do país, como se
pode perceber no trecho que segue: “Em todas as cidades brasileiras, nesse dia, serão
levadas a efeito comemorações cívico-patrióticas em regozijo do transcurso da grata
efeméride para todos os brasileiros” (Jornal “O Movimento, 1944).
Observa-se também que essa afirmativa pode ser uma estratégia discursiva para
tentar envolver, na comemoração, o maior número possível de pessoas, de adeptos, uma
vez que não se pode confiar em uma assertiva que generaliza esse tipo de evento a todas
as cidades do país. Pode-se, é claro, pensar que em muitas cidades esse evento pudesse
acontecer, mas fazer referência a todas as cidades sugere muito mais uma maneira de
reforçar a argumentação. Mas, além da referência à comemoração em várias cidades do
país, o Jornal dá conta de como seria a comemoração na cidade de Pirassununga:
Pirassununga vai tributar grandes homenagens ao Presidente Vargas, no
próximo dia 19. A Prefeitura Municipal, em cooperação com o Comando do 2º
R.C.D., da L.B.A e autoridades escolares, proverá, pela manhã, uma grande
concentração de militares e escolares na Praça da Bandeira, falando nessa
ocasião conhecido intelectual pirassununguense. Depois, os cavalarianos e
escolares desfilarão pelas ruas da cidade. (Jornal “O Movimento, 1944).
A comemoração, como registra o Jornal “O Movimento”, não se pode deixar de
destacar, denota que servia como um ato de apoio não só à figura do presidente, mas às
medidas por este empreendidas. Esse apoio, no entanto, pelo tom do Jornal, não era
apenas da população que participava dos atos, mas do próprio periódico que intentava
manifestar, com o destaque à festividade, a vinculação política a Getúlio, pois, quando
se lê: “e assim, com essa festividade que se revestiu de muito brilho, Pirassununga
tributou ao seu inclito [sic] Presidente carinhosa manifestação de estima e
solidariedade” (Jornal “O Movimento”, 1945), não se pode tomar como um registro real
da prática, mas da representação que o próprio Jornal intentava sedimentar dos
acontecimentos.
Da forma como o Jornal apresenta os festejos do aniversário de Getúlio Vargas,
percebe-se um interesse de tentar legitimar a festa como uma comemoração que deveria
compor o calendário oficial. Isso provavelmente indicava a importância dos acordos
políticos, econômicos e militares entre o Brasil e os Estados Unidos.
76
A grandiosidade que se intentava conferir ao aniversário de Getúlio Vargas,
pelos registros encontrados no Jornal, se deve ao destaque dado aos que participavam da
comemoração, ou seja, aqueles que serviam de referência para os cidadãos de
Pirassununga, de militares a eclesiásticos, passando pela participação de estudantes,
como se pode verificar no trecho que segue:
às oito horas, teve lugar uma grande concentração de militares do 2º R.C. D. e
sua distinta oficialidade, alunos da Escola Normal, dos grupos escolares, com
seus respectivos diretores, autoridades civis, militares, eclesiásticas e escolares e
o povo em geral. (Jornal “O Movimento”, 1945).
Como prática, portanto, tem-se por suposto que essa comemoração, por contar
com a participação de representantes escolares (estudantes, professores e diretores de
colégios e escolas de Pirassununga, dentre os quais os da Escola Normal), era uma
iniciativa pedagógica, cujo fim era conformar a população reunida para a obediência ao
presidente e ao regime por ele estabelecido. Essa prática, além de ser parte de um
acontecimento político, figurava como uma estratégia para atuar na conformação das
mentes daqueles que estivessem subordinados aos normalistas de Pirassununga, já que
eles seriam, quando profissionais, multiplicadores daquelas práticas às quais estiveram
submetidos.
A isso se acrescenta o agravante de que, em 1945, o Estado Novo já começava
declinar (Cf. Baía Horta, 1994), de modo que as referências a Getúlio Vargas no Jornal,
bem como a manutenção, nas escolas, das comemorações do aniversário do presidente,
demonstram o esforço de manter vivo um regime que já não tinha a mesma sustentação.
No entanto, pela análise das informações coletadas nas entrevistas, constata-se
que nem todos os normalistas tinham consciência do porquê de estarem participando de
tais comemorações. A Dona Nair Devitte tem registrado na memória a participação na
festa, mas informa que, para ela, não fazia o menor sentido do que representava aplaudir
“Viva Getúlio! Viva Getúlio!”. Isso demonstra que os estudantes passavam por um
processo, sem que, para isso, tivessem consciência do que essa prática significava.
Esse tipo de prática, como aponta Baía Horta (1994), pode ser compreendido a
partir das finalidades atribuídas à escola nesse período: de manter vivo o amor à pátria,
ao qual se ligava intimamente a imagem do presidente. No entanto, a relação educação –
77
patriotismo precisa de distinções, pois, segundo Baía Horta (1994), “sentimento
patriótico” e “consciência patriótica” não se confundem. Para esse autor, ao analisar a
Exposição de Motivos da Lei Orgânica do Ensino Secundário (1941), por Gustavo
Capanema, o “sentimento patriótico” precisaria ser estimulado desde os primeiros anos
da vida escolar, enquanto a “consciência patriótica” deveria ser adquirida nos estudos
secundários. Mas, considerando as informações de Dona Nair Devitte, verifica-se que os
alunos da Escola Normal não tinham consciência do que significava as festividades em
honra de Vargas. Mas, aprendiam, pela prática, que esse tipo de comemoração estava
ligado ao louvor à Pátria e que precisariam realizar com seus alunos, embora não
soubessem exatamente o porquê de fazê-lo.
Uma outra festa que apresenta a participação dos normalistas diz respeito à
comemoração do aniversário da cidade (6 de agosto). Sobre essa data, são encontrados,
nas páginas de “O Movimento”, extensos artigos.
Observa-se que, em geral, a festa era organizada pela prefeitura, para a qual
eram convidadas personalidades ilustres, realizada missa e encerramento com banda de
música em frente à Escola Normal
Observa-se que a comemoração do aniversário da cidade coincidia com a
comemoração do dia do Padroeiro – “São Bom Jesus dos Aflitos”, demonstrado uma
união entre as questões políticas e religiosas.
Pelo que se percebe, nas matérias publicadas em “O Movimento”, é que essa
data mobilizava não só a cidade de Pirassununga, mas as localidades vizinhas.
Em 1938, o Jornal “O Movimento” informava:
Esteve reunida, ante-ontem, na Prefeitura Municipal, a Comissão promotora das
festas assignalativas do 115º aniversário da fundação de Pirassununga.
O programa, a exemplo dos anos anteriores, será quase o mesmo:
1ª parte:
- 6 h – Alvorada pela Banda de Clarins do 2º R.C.D.
- 8 h – Missa Campal
- 9 h – Corrida pedestre percurso total de 32,50 metros
- 9,15 h – 1º circuito cyclistico de Pirassununga – 7.500 metros
2ª parte (campo do C.A.P.)
- 15,30 h – Partida de Bola ao Cesto entre duas turmas femininas
78
- 16 h – Partida de Futebol
3ª parte:
- 18 h – Retreta no coreto do jardim pela banda da Corporação Musical
Pirassununguense
- 19:30 h – “Te-Deum” em ação de graças rezado na Matriz
- 20 h – Sessão solene comemorativa na Escola Normal
- 22 h – Encerramento dos festejos com grandes bailes nos Clubes da cidade
(Jornal “O Movimento”, 1938)
Em 6 de agosto de 1940, o jornal repete: “O programa, a exemplo dos anos
anteriores será o mesmo. Apenas com a exclusão da corrida ciclística” (Jornal “O
Movimento”, 1940).
De 1940 a 1945, o roteiro da festa continuava o mesmo. O que se acrescentava
eram os prêmios que os participantes das corridas, quer de pedestres quer de ciclistas
(que só foi retirada no ano de 1940) ganhavam. No Jornal, afirmava-se que, para os
primeiros lugares, relógios cromados eram doados pela Prefeitura e os segundos e
terceiros lugares recebiam prêmios dos comerciantes locais.
Observa-se, pelo destaque que a imprensa local conferia à festa do padroeiro e
ao aniversário da cidade, que se tratava de uma das datas mais importantes
comemorações do calendário de Pirassununga. Essa data, embora não constasse no
calendário nacional, não poderia deixar de fazer parte do calendário das festas escolares
da Escola Normal de Pirassununga.
Pela análise da programação tornada pública no Jornal “O Movimento”, que ia
das atividades políticas à religiosa, das esportivas às educativas, e à estritamente festiva,
percebe-se que cabia à Escola Normal de Pirassununga a programação solene. O que
seria essa programação em meio a tantas atividades? Teria um caráter pedagógico?
Social? Se social, em que se diferenciava das demais? Ou seja, que lugar ocupava a
Escola Normal de Pirassununga na festa mais importante da cidade?
Verifica-se que a sessão solene representava a atividade propriamente educativa.
Observa-se que, no ano de 1938, a sessão solene, como informado no Jornal “O
Movimento”, apresentava a seguinte programação:
1 - Discurso sobre a fundação de Pirassununga – aluno
2 - Poesia recitada por uma aluna
79
3 - Palestra sobre o valor do Cinema Educativo
4 - Projeção de filmes educativos.
A própria definição de “sessão solene” diferencia-se das demais porque não se
confundia com a programação religiosa, nem pelas demais atividades em que o caráter
político estava associado, a exemplo da programação esportiva ou estritamente festiva,
como os bailes em diversos clubes da cidade, ou seja, para diversos públicos. No
entanto, não se pode dizer que a “sessão solene” estava imune à ação política, mas que
ia além disso. Pela programação realizada na Escola, pode-se dizer que se tratava de um
lugar que aglutinava tanto um público da política, quanto da sociedade, religiosa e
intelectual.
Segundo depoimento dos entrevistados para esta pesquisa, é consenso entre eles
que o aniversário da cidade era a segunda comemoração mais importante para os
estudantes da Escola Normal de Pirassununga, ficando atrás apenas da festa de
formatura. A ênfase da importância dessas comemorações que fica na memória dos ex-
normalistas tem a ver, muito provavelmente, com o destaque que eles recebiam durante
as comemorações, haja vista ser o momento em que as atenções se voltavam a eles.
Essa ênfase pode ser percebida, segundo o depoimento de D. Nair Devitte, que
afirmava caber aos normalistas carregar as bandeiras da escola da cidade e do Brasil,
símbolos maiores de referência para a sociedade de Pirassununga. Segundo ela,
no dia do aniversário da cidade, também era uma festa muito boa. Mas, era
muito parecida com o 7 de setembro, porque tinha desfile, cantávamos o hino
nacional, essas coisas... O desfile saía da Escola Normal, passávamos por várias
ruas, até a base da Força Aérea Brasileira. Éramos nós que carregávamos as
bandeiras e ficávamos todas orgulhosas. Era bom, porque não tinha aula e todo
mundo ia ver a gente desfilando. (D. Nair Devitte)
A análise da prática da participação da Escola Normal de Pirassununga nas
comemorações do aniversário da cidade demonstra o lugar que essa instituição de
ensino na sociedade local. Como se pode perceber, esse lugar ia além do caráter
pedagógico destinado a uma escola à qual cabia formar professores. Ou melhor, com
essas festividades, a Escola Normal “pedagogizava” as relações e os eventos sociais e
políticos da cidade ao mesmo tempo em que destacava o sucesso escolar de seus
discentes.
80
Essa “pedagogização” dos eventos sociais e políticos tem a ver com o que Marta
Maria Chagas de Carvalho (1989) denominou “pedagogia do espetáculo”. Segundo essa
autora,
a eficiência pedagógica das comemorações festivas escolares era, no círculo
educacional, a razão de existência de tais práticas, uma vez que , na esteira de
Gustave Le Bom, entendia-se a educação como um mecanismo de fazer passar
atos do domínio do consciente para o inconsciente. (Carvalho, M. M. C, 1989,
p. 76-77).
E, citando Lourenço Filho, a autora acrescenta que “as simples comemorações,
as festas só valem pelo caráter educativo de que se revistam, isto é, pela influência que
possam ter sobre a alma infantil, antes de tudo,e pela influência que possam ter sobre o
meio social em que funcionar a escola” (Lourenço Filho, apud Carvalho, M.M.C., 1989,
p. 77).
Nesse mesmo sentido estava uma outra festa que dava a ver à sociedade o
sucesso escolar dos normalistas: o concurso da Rainha dos estudantes. Embora só tenha
sido encontrada uma referência a essa comemoração no Jornal “O Movimento”, no
depoimento dos ex-normalistas, é recorrente a referência a esse evento.
No Jornal, o concurso da Rainha dos Estudantes foi noticiado somente em 1938.
Às que disputavam o título eram oferecidos vários prêmios de várias firmas de São
Paulo. Cidades vizinhas, como Descalvado, também trariam suas candidatas. Observa-
se que esse tipo de notícia não apareceu mais no Jornal “O Movimento”, pelo menos até
1950.
A festa de escolha da Rainha dos Estudantes, embora não fosse prevista no
calendário das comemorações oficiais, tratava-se de um evento social que mobilizava
não só a comunidade escolar, mas toda a cidade e as cidades vizinhas. Noticiar esse
fato, mesmo que uma única vez, demonstra que a Escola Normal de Pirassununga tinha
lugar de destaque social e notoriedade no Jornal de circulação local e regional.
A recorrência desse evento é mantida na memória dos ex-normalistas, que
afirmaram lembrar do concurso para a escolha da Rainha dos Estudantes. Segundo
Dona Odette Wigmuller, ex-normalista entrevistada, desse concurso participavam
jovens da cidade de Pirassununga e de outras cidades próximas, já que muitas saíam de
81
suas cidades para estudar na Escola Normal de Pirassununga. Nas palavras da ex-
normalista:
Aqui também havia uma festa que vinham estudantes de outras cidades. Era a
escolha da Rainha dos Estudantes da Escola Normal. Era muito bom, porque
havia grande disputa entre as cidades. Vinham torcidas organizadas, porque
aqui, na Escola Normal, estudavam moças de várias outras cidades. A gente
disputava porque o título de Rainha dos Estudantes não significava que era só
da Escola Normal, mas era também da cidade. Então, nós não queríamos que
outra moça, de outra cidade ganhasse, mas que fosse alguém de Pirassununga
(Dona Odette Wigmuller).
O que se observa é que no concurso, segundo ela, estabelecia-se um clima de
grande disputa, não só entre as candidatas, mas entre as cidades representadas, já que
cada uma trazia consigo uma torcida organizada, pois não seriam apenas a rainha dos
estudantes da Escola Normal, mas a rainha dos estudantes de suas cidades. Ela afirma
ainda que para os estudantes nascidos em Pirassununga, a preferência era que a
vencedora fosse natural da cidade.
Essa disputa demonstra que se estava em foco não apenas o julgamento da
beleza individual de uma estudante, mas uma exposição do sucesso escolar das moças.
Esse sucesso, no entanto, apesar de escolar, não se limitava ao ambiente da Escola, pois
seria um sucesso também para as suas cidades originárias. Com isso, demonstra-se que
um concurso que se apresenta, a priori, como um evento simples, ganhava proporções e
uma visibilidade muito maior do que se previa.
Vê-se, portanto, que a importância da escola é tal para a sociedade que acaba,
por vários meios, e nem sempre os acadêmicos, distinguindo os alunos socialmente.
Essa conferência de títulos tem a ver com o espaço de disputa pela aquisição de um
capital simbólico que tende a conferir a quem o adquire um lugar de distinção social.
Acerca disso, afirma Bourdieu (2004) que
as relações objetivas de poder tendem a se reproduzir nas relações de poder
simbólico. Na luta simbólica pela produção do senso comum ou, mais
exatamente, pelo monopólio da nominação legítima, os agentes investem o
capital simbólico que adquiriram nas lutas anteriores e que pode ser
juridicamente garantido. Assim, os títulos de nobreza, bem como os títulos
escolares, representam autênticos títulos de propriedade simbólica e dão direito
às vantagens de reconhecimento. (Bourdieu, 2004, p. 163).
82
Entre as comemorações que conferem distinção aos normalistas está a festa de
formatura, que acontecia no final de novembro de cada ano. Verifica-se que, no Jornal
“O Movimento”, era anunciado o dia da formatura dos normalistas da escola e, segundo
depoimentos dos ex-normalistas, constituía o acontecimento social mais importante da
cidade.
A formatura era o ápice das comemorações de encerramento das atividades
letivas e mobilizava não só a comunidade escolar, mas toda a sociedade de
Pirassununga. A respeito dessa comemoração, pode-se ler em “O Movimento”:
PROFESSORANDOS DE 1937
A 18 próximo, realizar-se-ão as solennidades para entrega de diplomas aos
professorandos de 1937. Grande é a animação por parte dos alumnos afim de
que a festa se revista do maior brilho possível (Jornal “O Movimento”, 12 de
dezembro de 1937).
Pelo que se percebe da nota no Jornal, a festa de formatura mobilizava os alunos
para que a solenidade acontecesse com muito brilho, já que o momento o solicitava,
haja vista a importância que a ocasião tinha para a vida dos normalistas, das famílias,
enfim, para a sociedade em geral.
Como já foi destacado, segundo depoimentos dos ex-normalistas, a festa de
formatura era a mais esperada por todos, não só da Escola Normal, mas por todos da
cidade de Pirassununga.
Sobre essa festa, foram encontradas várias referências publicadas no jornal “O
Movimento” desde 1934 até o final da Escola Normal em 1960, quando passa a ser
denominada Instituto de Educação. Os artigos sempre começavam com, por exemplo:
“Professorandos de 1934”, “Professorandos de 1937”, “Escola Normal – Festa de
Formatura – 1942”, “Escola Normal Oficial de Pirassununga – Festa de Formatura –
1945”.
Pelo que se observa nas notas do Jornal, confirma-se que era, com certeza, a
festa mais esperada pela cidade de Pirassununga e pelas cidades vizinhas. O programa
básico noticiado no jornal era o seguinte: às 8 horas da manhã, rezava-se uma missa na
Igreja Matriz em ação de graças; às 20 horas, realizava-se uma sessão solene, no salão
83
nobre da escola para entrega dos diplomas; às 22 horas, ainda no salão nobre da Escola
Normal, realizava-se um luxuoso baile de formatura, o qual reunia as pessoas mais
representativas da sociedade da cidade e das cidades vizinhas. A festa era sempre
animada por um conjunto que tocava músicas ao vivo.
Pode-se afirmar, portanto, que essa era uma festa que coroava a elite dos
estudantes da sociedade de Pirassununga, que os distinguia das demais pessoas da
sociedade.
As mudanças ocorriam nas escolhas dos paraninfos, nos oradores das turmas,
nos professores homenageados, nos cortes dos vestidos, dos cabelos, nos conjuntos que
iriam animar a festa, mas não havia mudança no espírito da festa. Ela simbolizava o
ápice das comemorações não só da Escola Normal de Pirassununga, mas de toda a
cidade e circunvizinhanças pirassununguense.
Entre as comemorações de encerramento das atividades letivas, das quais fazia
parte a formatura, estava a Festa da Chave. Essa festa foi anunciada no jornal “O
Movimento” somente em 1934, mas os entrevistados não lembram dessa comemoração.
No jornal, essa festa simbolizava o encerramento de um ciclo, apontando que
terminavam os tempos de estudo e começavam o tempo de trabalho. Tratava-se de uma
cerimônia em que a melhor aluna, que havia concluído o curso de normalista, na escola
Normal de Pirassununga, passava a chave da classe para a turma que iria começar as
aulas.
Como parte das festas de encerramento do ano letivo, estavam ainda as
exposições escolares, que antecediam a entrega dos diplomas. Essa comemoração
também era considerada importante, pois representava um momento de exposição
pública dos trabalhos e das atividades desenvolvidas na escola pelos normalistas. Por
meio dessas exposições, as famílias e a população tomavam ciência da qualidade do
trabalho desenvolvido na escola, quando todos podiam observar, de perto, os objetos
confeccionados pelos alunos.
É possível observar, com a análise da exposição dos trabalhos manuais, que o
sucesso dos normalistas não se limitava a ser mensurado e exposto internamente. Tal
comemoração indica que a Escola Normal de Pirassununga, por essas práticas, expunha
a toda sociedade a qualidade dos seus alunos, dando a todos a oportunidade de
84
reconhecer a qualidade da instituição. Desse modo, a prática de exposição dos trabalhos
manuais demonstrava o sucesso escolar não só dos alunos, mas da própria Escola
Normal.
Além da referência que todos os entrevistados fazem à exposição de trabalhos
manuais, no jornal “O Movimento” também era noticiada, para toda a sociedade de
Pirassununga tomasse conhecimento, como se pode observar no trecho a seguir:
ESCOLA NORMAL
Acha-se aberta desde o dia 26 deste, a exposição de pinturas, desenhos e
trabalhos manuaes da nossa Escola Normal (Jornal “O Movimento”, 20 de
novembro de 1937, p. 2).
Por esse anúncio, verifica-se a ênfase dada às atividades práticas, aos trabalhos
manuais. Pode-se afirmar que essas atividades, por si só, não se justificavam, não fariam
sentido se a finalidade fosse para fazer uma avaliação interna dos normalistas. A
justificativa está no fato de dar a ver à sociedade o sucesso escolar dos estudantes e da
Escola Normal, explicitada, no anúncio, como um patrimônio de todos, como se pode
perceber na referência à “nossa Escola Normal”.
Esse tipo de comemoração permitia à sociedade e não apenas à comunidade
escolar, sancionar a educação ministrada na Escola a seus alunos. Além disso, essas
festas exerceriam, como afirma Marta Maria Chagas de Carvalho (1989), uma
“influência direta sobre o espírito dos pais. Quando isso não ocorresse, as festas teriam
pelo menos influência indireta sobre eles, elevando a escola e o papel do professor”
(Carvalho, M. M. C., 1989, p. 77).
A interferência, portanto, da escola na vida familiar, na vida da sociedade de
Pirassununga, torna-se possível porque, com essas festas, em que o espaço escolar se
abria a outros grupos sociais, a tendência era “pedagogizar” não apenas aqueles sobre os
quais se exercia interferência direta, mas também os que se eoncontravam fora dos
muros escolares, pois, nessas ocasiões, se permitia uma interação de pessoas de
diferentes espaços. Como afirma Bourdieu (2004), é possível comparar
o espaço social a um espaço geográfico no interior do qual se recortam regiões.
Mas esse espaço é construído de tal maneira que, quanto mais próximos
85
estiverem os grupos ou instituições ali situados, mais propriedades eles terão em
comum; quanto mais afastados, menos propriedades em comum eles terão. As
distâncias espaciais – no papel – coincidem com as distâncias sociais. Isso não
acontece no espaço real. Embora se observe praticamente em todos os lugares
uma tendência para a segregação no espaço, as pessoas próximas no espaço
social tendem a se encontrar próximas – por opção ou por força – no espaço
geográfico, as pessoas muito afastadas no espaço social podem se encontrar,
entrar em interação, ao menos por um breve tempo e por intermitência, no
espaço físico. (Bourdieu, 2004, p. 153).
O que se percebe é que essas festividades, como aponta Bourdieu (2004),
permitem a realização da interação de diferentes personagens, no espaço escolar,
daqueles que não compartilham diretamente desse espaço, mas que, ao entrar em
contato com ele, torna-se mais fácil se ter controle sobre o quem está fora. Assim, essas
festividades, como forma de aproximar pessoas para a cultura escolar, aparece como
uma estratégia a fim de conformar não só as mentes e os corações dos normalistas, mas
de toda a sociedade.
Ao analisar as notas, no Jornal “O Movimento”, sobre a exposição dos trabalhos
manuais na Escola Normal de Pirassununga, percebe-se que, de 1934 a 1939, essa
prática apresentava um caráter primário, infantil, com trabalhos de pinturas, desenhos e
trabalhos manuais de pouca elaboração, como se pode observar no trecho que segue:
Exposição de trabalhos
Concorridíssimas foram as visitas às casas de ensino desta cidade, durante os
dias de exposição de trabalhos manuais e de desenhos.
A Escola Normal, pelos seus dois cursos e mais o curso primário exibiram
admiráveis trabalhos e desenhos, os quais atestaram o algo gosto artístico de
seus professores e alunos. (Jornal “O Movimento”, 1938).
Ainda se pode verificar que, embora fossem realizadas exposições de trabalhos
manuais em várias instituições de ensino da cidade, apenas a Escola Normal recebe
referência explícita, demonstrando que se trata de uma instituição de ensino distinta das
demais.
A partir de 1939, até 1945, as exposições de trabalhos escolares tornaram-se
mais requintadas, já que as demonstrações de desenho eram aplicadas ao ensino das
diversas disciplinas: Biologia, Música etc., bem como os “jogos”, organizados pelos
86
alunos do Curso Profissionalizante
13
, que participavam da exposição. Os alunos
apresentavam trabalhos em madeira, segundo os entrevistados, belamente torneados. As
alunas ofereciam à apreciação dos visitantes, trabalhos como os de agulha, que, segundo
depoimentos, agravam muito. Também sobre essas exposições, lá pelos anos de 1942, o
jornal “O Movimento” conta que, no Museu da Escola Normal, estavam, para serem
admirados, machados, panelas, soquetes, ossos e dentes humanos em perfeito estado,
encontrados nos campos da Cachoeira do rio Mogy Guassú. Essa exposição, ligada à
disciplina de Biologia, somava-se como atração à exposição dos trabalhos manuais.
Pelo que se pode observar, as comemorações de exposição dos trabalhos
manuais, demonstrando que se incentivava os alunos a produzirem objetos de arte com a
finalidade de apresentar para a sociedade, têm a ver com os princípios da Escola Nova,
de contribuir para a formação integral do indivíduo, como elucida Azevedo (1931), ao
afirmar que
A escola nova que visa à educação integral do indivíduo a sua adaptação à
comunidade, a que tem de servir, contribuindo para o seu aperfeiçoamento
constante, não se enquadraria num programa, de limites estreitos, em que a arte
entrasse antes como um luxo ou superposição do que como elemento essencial e
parte integrante da educação das massas populares.
(...)
A escola nova que tende a por um regime de vida e de trabalho em comum, a
realizar a iniciação na vida econômica e social, e, portanto, uma comunidade de
idéias e de vontades, em ação, precisa, como a sociedade, - para “assegurar essa
sinergia social”, - da arte, cujo papel é estabelecer a comunidade das sensações
e dos sentimentos, isto é, produzir a simpatia e a solidariedade social. Encarada
a educação, no seu ponto de vista social, a arte integra-se, por esta forma, como
um elemento essencial, no plano da educação em geral, e, especialmente,
popular, em que assume uma função socializadora tanto mais preponderante,
quanto mais violentamente colidem, na sua variedade e complexidade, os
interesses das sociedades modernas. (Azevedo, 1931, p. 199-201).
Verifica-se pelas informações coletadas nas entrevistas, na exposição de
trabalhos manuais eram apresentadas as mais diversas produções, dentre as quais está
um caderno, produzido por D. Maria Lúcia Fantinatto e gentilmente cedido para análise
nesta pesquisa. Esse caderno será mais detalhadamente analisado mais à frente.Como se
pode verificar, as comemorações de encerramento (exposição dos trabalhos manuais,
13
O Curso profissionalizante dividia-se em vários cursos de especialização profissional. Esses cursos
funcionavam nas instalações do prédio da Escola Normal de Pirassununga, ou seja, no prédio da Escola
87
Festa da Chave e formatura), além de denotarem o sucesso escolar dos normalistas para
toda a sociedade, tinham a validação desse sucesso à medida que explicitavam, para
toda sociedade, a qualidade dos trabalhos desenvolvidos na escola.
As festas de encerramento figuravam, portanto, não apenas como uma festa
oficial, mas como uma solenidade que reunia toda a comunidade escolar, as famílias, as
pessoas importantes da sociedade, as autoridades e a imprensa. A escola reafirmava,
como afirma Souza (1998), sua identidade e seu valor social. Nas palavras da autora,
“estas festas tornaram-se momentos especiais na vida das escolas e das cidades,
momentos de integração e de consagração de valores – o culto à pátria, à escola, à
ordem social vigente, à moral e aos bons costumes” (Souza, 1998, p. 259).
Com essas comemorações a escola, portanto, ajudaria a formatar, como
observou Faria Filho (2005), nos moldes republicanos, outros espaços públicos, como a
rua e outros locais de convívio social, que pudesse se mostrar, de alguma forma,
contrários aos interesses da República. Essas comemorações atuavam, assim, como uma
maneira de a escola intervir nesses espaços, de modo a submetê-los aos modos de
socialização oficial, representados pela cultura escolar.
Ao analisar as práticas das festas do sucesso escolar na Escola Normal de
Pirassununga, observa-se que outros espaços sociais aproximavam-se e acabavam por
submeterem-se à cultura escolar que, como apontou Faria Filho (2005), o faziam porque
o não relacionar-se com essa cultura, positivamente qualificada no meio social,
significava ser visto com desconfiança, pois era a escola que, na República, detinha, por
excelência, a credibilidade social. De posse dessa credibilidade, a escola acabava, como
se pôde verificar, escolarizando práticas antes não escolarizadas.
Desse modo, fazem sentido as considerações de Viñao Frago (1995) e Julia
(2001) de que a cultura escolar convive em meio a várias outras culturas. Se, por um
lado, esses autores descolaram a análise externa à realidade escolar para uma análise
interna a ela, observando suas peculiaridades, por outro, vê-se que, embora as distintas
culturas tenham características próprias, elas não se mantêm estanques, inertes, mas se
relacionam constantemente.
Esses autores ajudam a compreender o interior da tessitura do dia-a-dia da
escola, no qual se dão os fins do ensino e da aprendizagem. Mas, não se pode perder de
Normal, funcionavam outros cursos que não apenas o de formação de professores.
88
vista que, nesse lugar de produção de cultura, ou melhor dizendo, de culturas,
convergem diversas outras, advindas de lugares e momentos diferentes, trazendo
subjacente a cada sujeito envolvido nessa trama, a sua própria história de vida, a história
do seu grupo de pertencimento e as representações que marcaram cada uma dessas suas
histórias.
Essas diversas culturas são constituídas nas diferentes práticas que lhes dão
forma, pois, segundo De Certeau (apud Chartier, A.M, 2004), só há cultura se uma
prática social tem sentido para quem a realiza, se a ação, gesto ou conduta são
portadores de sentido em si mesmos e não como meio útil para obter outras coisas.
Por conta disso, concordam os autores, que a instituição escolar tende a incluir,
de uma forma ou de outra, características e modos de ser e de viver que não só são
específicos da escola, como também envolvem a dimensão cotidiana. Assim, na cultura
escolar podem ser verificadas
práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do
fazer escolar -, objetos materiais – função, uso, distribuição do espaço,
materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparição... -, e
modos de pensar, assim como significados e idéias compartilhadas (Viñao
Frago, 1995, pp. 68-69).
Com isso, nota-se que a cultura escolar não só envolve toda a vida escolar como
se faz presente para além dela, uma vez que a inculcação de hábitos, de modos de agir e
pensar acabam sendo levados para fora dos muros escolares, uma vez que atua não só
sobre o ensinar e o aprender, mas também sobre as condutas, os modos de pensar e agir
que não se limitam aos espaços escolares.
O que se verifica, pela análise das festas do sucesso escolar, na Escola Normal
de Pirassununga, é que as comemorações trazem para dentro da escola um público
muito mais amplo que a comunidade discente, pedagogizando-o. Além disso, ao
participar de comemorações que não são internas à cultura escolar, mas que acaba
fazendo parte dela, a exemplo do aniversário da cidade, acaba também por pedagogizar
um público que não precisa estar imerso no interior da escola, mas que tende a se
submeter às condutas, aos modos de pensar e agir apontados pela Escola Normal.
89
Nesse sentido, somam-se as considerações somam-se de Julia (2001), para quem
a definição de cultura escolar precisa ser entendida “como um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos” (Julia, 2001, p. 10).
A definição de Julia (2001) além de ajudar a compreender o sentido das práticas
das comemorações da Escola Normal de Pirassununga, tendo em vista as considerações
de Gonçalves e Faria Filho (2005), opera um movimento de distanciamento da ênfase
que vinha sendo dada pela história das idéias pedagógicas, pela história das instituições
educativas e pela história das populações escolares, aos aspectos que ele considerou
como de uma visão externalista da escola.
O próprio Julia (2001) aponta para os avanços em considerar a cultura escolar a
partir dos aspectos que lhe são interiores. Ele adverte que,
sem querer em nenhum momento negar as contribuições fornecidas pelas
problemáticas da história do ensino, estas têm-se revelado demasiado
“externalistas”: a história das idéias pedagógicas é a via mais praticada e a mais
conhecida, ela limitou-se, por demasiado tempo, a uma história das idéias, na
busca, por definição interminável, de origens e influências; a história das
instituições (quer se trate de instituições militares, judiciais etc.). A história das
populações escolares, que emprestou métodos e conceitos da sociologia,
interessou-se mais pelos mecanismos de seleção e exclusão social praticados na
escola que pelos trabalhos escolares, a partir dos quais se estabeleceu a
discriminação (Julia, 2001, p. 12).
É nessa perspectiva que se está intentando, com esta pesquisa, fazer a análise das
práticas da Escola Normal de Pirassununga, pois o conceito de cultura escolar permite
voltar-se para uma análise do interior da escola, ou seja, para o seu funcionamento
interno. Além disso, possibilita também ver de que forma as normas e práticas da
cultura escolar avançam para a vida societária, pedagogizando-a, mas sem se confundir
com esta.
Para cumprir esse objetivo, no item que segue será analisado um exemplo de
prática realizada na Escola Normal de Pirassununga. Essa prática fazia parte dos
trabalhos expostos nas comemorações de final de ano, nas exposições dos trabalhos
manuais realizados na instituição. Com a análise, intenta-se verificar de que forma esse
90
tipo de prática relacionava-se com a cultura escolar da época e com as demais culturas
fora da escola.
III.1.1.1. Análise de uma produção em Prática de Ensino da Escola Normal de
Pirassununga
Com o depoimento de Dona Maria Lúcia, e pela análise do material produzido
tanto na disciplina Prática de Ensino, quanto na disciplina Trabalhos Manuais, constata-
se haver, para a formação da normalista, uma relação entre as diferentes disciplinas.
Essa relação, bem como as finalidades a que se destinavam, somada ao fato de que os
melhores trabalhos, segundo informou a referida ex-normalista, eram expostos nas
comemorações de encerramento das atividades letivas, demonstra uma preocupação
com a formação integrada das jovens estudantes.
A análise do caderno permite perceber que esse tipo de prática realizada na
Escola Normal de Pirassununga tinha a ver com os pressupostos da Escola Nova, pois,
como afirma Azevedo (1931), era preciso dar aos professores mais que um conjunto de
conhecimentos acadêmicos. Para esse autor, não se trataria
de habilitar os professores apenas a transmitir aos alunos, na medida do que
estes possam receber, uma determinada soma de conhecimentos, com precisão e
segurança no detalhe de aplicação dos métodos pedagógicos. Esta é uma função
elementar dos que não recebem, com a investidura do magistério, mais do que a
incumbência de ministrar o ensino propriamente dito. A tarefa do professor,
reduzida antes ao mister puramente intelectual de “instruir”, eleva-se e
desdobra-se, nas organizações escolares modernas, em que ele se deve preparar
tanto para formar espíritos e caracteres, como para formar a consciência social e
civil, por uma ação profunda no meio social e pela reorganização interna da
escola, segundo uma concepção e em bases inteiramente novas. (Azevedo,
1931, p. 82-83).
A produção do caderno, como se poderá verificar, explicita que a preocupação
na formação de professores não se limitava a conteúdos acadêmicos, mas à formação
para a vida, capaz de interferir na organização da sociedade.A escolha de objetos,como
esse caderno, para serem expostos nas festas de sucesso escolar,franqueadas à
sociedade,davam a ver os valores formadores - ou morais - , que os normalistas
adquiriam na escola normal, ou seja, esse tipo de material era pedagogizado pela escola
91
com a anuência das famílias da cidade. Era um caderno feito na escola para dar
visibilidade à sociedade regional.
O caderno, denominado “Álbum”, foi produzido, com as folhas presas por uma
espiral. Nele, era organizada uma série de colagens de recortes, pelo que se percebe,
extraídos de jornais e revistas, a fim de retratar cenas da vida para a qual as normalistas
precisavam preparar-se.
Na primeira página, além da identificação do tipo de caderno, havia referência
ao nome da normalista a que ele pertencia e ao da professora em cuja disciplina ele foi
produzido.
Pelo que se pode observar, já a partir da primeira página do caderno, é que se
trata de um material produzido com muito esmero. Essa constatação se evidencia pelo
cuidado em produzir as legendas, usando caligrafia em nanquim.
O caderno é composto por setenta páginas, das quais sessenta e oito são
ocupadas por colagens, retratando cenas da vida. Essas páginas e, conseqüentemente, as
colagens são separadas por uma folha de papel de seda.
Verifica-se, apesar de algumas colagens não constarem mais no caderno, que se
trata de um material bem conservado (pois somente cinco colagens foram perdidas), o
que indica que ele tenha representado algum valor, seja para a normalista que o
produziu, devido aos ensinamentos que possa ter apreendido com ele, seja pela
relevância acadêmica a ele atribuía no âmbito das produções realizadas, à época, na
Escola Normal de Pirassununga.
92
Observa-se ainda que não se trata de um álbum pessoal da normalista, mas tenta
retratar cenas da jovem bem como daquele que será o seu marido, demarcando
momentos que vão desde os primeiros passos de ambos, ainda na tenra infância, até o
encontro, os planos para o futuro, o noivado, os preparativos para o casamento, o
casamento em si, a lua-de-mel, a residência do casal, os filhos. Percebe-se que o tema
dos filhos ocupa grande parte das páginas do álbum da normalista, abordando desde os
preparativos para receber a criança, até o nascimento, os primeiros cuidados que devem
receber os bebês, com ênfase, sobretudo, na higiene, somando a isso a preocupação com
a educação nos mais diferentes níveis.
Mas, no álbum, as colagens retratam ainda a vida afetiva dos filhos da
normalista, que vão desde o primeiro encontro até o casamento, apontando, assim, para
o fechamento de um ciclo.As colagens constituem uma narrativa sobre a história
“normal” da composição da vida da família.Pregada à narrativa são destacados os
valores que todo os brasileiro deveria sustentar.
Pode-se verificar, com a análise das primeiras colagens do álbum, que se indica
uma predestinação da vida afetiva da jovem já que, desde cedo, indica haver uma
relação, mesmo que ingênua e inconsciente, com um rapaz que, futuramente, se tornará
seu marido.
É possível perceber essa relação nas fotos que se seguem destacadas, que,
enquanto uma demonstra a moça em tons de feminilidade, cuidando das plantas, a outra,
na seqüência, apresenta a figura daquele que, segundo o que aparece na legenda, vira a
ser o escolhido da moça.
Esse tipo de valor “cuidando das plantas” ainda pode ser remetido aos valores
que as festas, como as das árvores ou as das aves, deveriam ser incentivados nas
crianças.
93
É importante destacar a inserção das duas crianças na vida escolar, como fator
constituinte da moral e interesses comuns.
No álbum, ainda são apresentadas cenas do crescimento dos jovens. Quando
adolescentes, ele aparece como um escolar e ela como uma bela e vaidosa jovem.
94
Chegada à juventude, é destacado o momento em que se comemora a festa de
debutantes, data considerada de grande relevância na vida de uma moça. Pelo que se
coloca na legenda das figuras, nota-se um possível afastamento entre o casal, mas que,
na comemoração dos 15 anos da mocinha, coincidentemente, eles voltam a se encontrar.
Nota-se ainda que eles estariam separados após os tempos pré-primários, ou seja,
após jardim de infância, quando foi explicitado um registro dos dois juntos. A partir de
então, pelo que se intenta apontar, cada um seguiu um rumo distinto, voltando a se
95
encontrar na festa de debutantes da jovem. Com essas representações, os destinos,
traçados desde os primeiros anos de vida, cumpririam a predestinação de ficarem juntos.
Nas páginas seguintes do álbum, é representado o início do namoro, os vários
encontros marcados, os planos para o futuro que, pelo que já foi apontado, entre esses
planos estavam o noivado e o casamento.
Pelo que se observa, da escolha e montagem das figuras e do próprio álbum, é a
manutenção de um ideal romântico de vida e de relacionamento, com os casais sempre
muito apaixonados e felizes.
Mas, até a consumação do casamento, muitos preparativos deveriam ser
providenciados, dentre os quais um que poderia trazer surpresas não muito agradáveis.
96
Tratava-se do exame pré-nupcial. No álbum, as orientações para o referido exame
estavam protegidas por um envelope, o que indica o caráter privado do assunto.
As orientações apontavam para a necessidade de realizar o exame pré-nupcial,
uma necessidade da qual não se deveria abrir mão. Entre as orientações, explicitava-se
que havia dois tipos de exames que poderiam ser feitos: o voluntário, cuja decisão
partiria dos futuros cônjuges ou o exigido pelos pais. No entanto, não fica explícito se
essa exigência seria por parte dos pais da noiva, dos pais do noivo ou de ambos.
Verifica-se também uma tentativa de afastar tabus que, possivelmente,
envolviam tais exames, como a vergonha de “ser doente” ou a de que os exames pré-
nupciais eram responsáveis pela proibição de quase todos os casamentos. A esse
respeito, alertava-se:
Estar doente não é vergonha; vergonha deve ter o indivíduo de sua falta de
escrúpulos em contaminar outras pessoas sabendo que há tal possibilidade. Se
um dos noivos, ciente de sua doença, se vê na contingência de não realizar o
casamento próximo, não procure ele esconder seu estado de saúde aos outros e a
si próprio, pois somente um egoísmo abominável o levará a tal procedimento.
(Orientações para o exame pré-nupcial., 1957).
Mas, embora houvesse a tentativa de negar que o exame pré-nupcial pudesse
proibir a realização de casamentos, pode-se perceber que essa era uma prática possível.
Mas, mais provável que a proibição do casamento, uma vez constatada enfermidade, era
97
adiar a cerimônia, estando explícito: “não receiem o veredictum do médico. Raramente
ele lhes dirá ‘não casem’, um simples adiamento resolverá tudo” (Orientações para o
exame pré-nupcial., 1957).
Por contar com essas possibilidades, indicava-se que o exame pré-nupcial
deveria ser feito antes de se mandar imprimir os convites. “Assim, no caso de uma
contra indicação para a celebração na data planejada, será fácil adiar-se com um simples
pretexto. Recebido o resultado do exame, iniciem rapidamente o tratamento adequado,
sob as vistas do clínico. Às vezes é questão de um mês...” (Orientações para o exame
pré-nupcial., 1957).
No entanto, a realização do exame pré-nupcial, embora não esteja explicitado no
texto analisado, era uma exigência legal, pois, como informa Vilhena (1988),
promulgada pela lei nº 216, de 5 de agosto de 1936, de modo que os casamentos
realizados sem a apresentação do atestado pré-nupcial seriam considerados nulos. Além
disso, “penalidades eram previstas para médicos e autoridades que facilitassem a
realização de casamentos, seja faltando com a verdade nos atestados firmados, seja
deixando de exigir os documentos prescritos” (Vilhena, 1988, pp. 111-112).
Mas, pela análise das orientações presentes no texto do caderno, verifica-se uma
tentativa de educar as moças no âmbito da higiene e saúde dos corpos. Além disso, pelo
que já foi exposto nesta pesquisa acerca do ideal republicano, observa-se que essas
orientações tinham a ver com a idéia de progresso e desenvolvimento da nação, para o
que, defendia-se, precisava-se de corpos limpos e sadios.
O cultivo à higiene e à saúde, pelo que se percebe das orientações analisadas,
deveria ser motivo de orgulho e exemplo para todos, como é possível perceber na
conclusão do texto:
Não receiem ouvir proibição formal de casamento; na maioria das vezes, o
médico apenas o dirá, noutras, aconselhará a não procriação ou o adiamento
desta. Nem sempre é esse o caso; quantas vezes nada disso acontecerá; pelo
contrário o jovem par que ia um tanto receoso, voltará orgulhoso de sua saúde;
cada um sorridente fará questão de mostrar seu atestado de sanidade; há até os
que o mandarão estampilhar e reconhecer firma e os sogros, vendo os resultados
serão no futuro propagandistas do exame pré-nupcial. Por isso, todos os noivos
devem fazer o exame médico pré-nupcial! (Orientações para o exame pré-
nupcial, 1957).
98
Além disso, como aponta Vilhena (1988), o exame pré-nupcial era tomado, a
partir da política do Estado Novo, como um elemento de “eugenização” da sociedade
brasileira. Para a autora, esse exame inscrevia-se
no quadro mais amplo de uma “cruzada eugênica”, assim denominada pelos
seus próprios promotores e incentivadores, e que deveria ser estendida a todo o
país, com o intuito central de regenerar e aperfeiçoar a “raça brasileira”, através
de uma série de meios e técnicas apropriadas para esse fim. (Vilhena, 1988, p.
106).
Nessa “cruzada”, como adverte a autora, a escola ocupava um lugar
fundamental, do que decorria
a pretensão dos eugenistas de interferir no próprio conteúdo da educação
brasileira, propondo cursos de programas de eugenia, de educação sexual,
conscientizando professores e alunos acerca dos imensos benefícios que a
eugenia poderia trazer e até idealizando a escola perfeita para tais propósitos: a
“escola-lar eugênica” (Vilhena, 1988, p. 107).
Na seqüência do álbum, demonstra-se que as orientações eram seguidas,
pois são dispostas imagens que retratam a ida, tanto da moça quanto do rapaz, ao
médico.
Uma vez cumpridas as orientações, percebe-se, na seqüência do álbum, a
moça fazendo os preparativos para o casamento, cuidando desde o enxoval à escolha da
igreja onde se realizaria a cerimônia.
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Observa-se pela referência detalhada em torno do casamento, que esse tema é
cercado de preciosismo, pois além de destacar a realização da cerimônia, fazia-se
também alusão à festa, representada com bastante requinte.
No imaginário de uma vida feliz, não poderia faltar a viagem de lua-de-mel.
100
Compreende-se o lugar escolhido para passar a lua-de-mel, bem como as
atividades planejadas como conseqüência do imaginário de quem residia no interior de
um Estado como São Paulo. A perfeição desse momento seria celebrada na cidade do
Rio de Janeiro, então Capital Federal, cujo clima e beleza, com calor, mar e montanhas
representavam mais uma realização dos sonhos. Para completar o cenário, estavam o
banho de mar e um descanso após aproveitar o dia na cidade maravilhosa.
Mas, o ideário de perfeição não se dava por concluído com a viagem de lua-de-
mel. Era preciso retratar também a vida cotidiana, com imagens da casa onde o casal
residiria e teria os filhos.
Percebe-se, pela representação da casa e dos cômodos, que se estimulava
alimentar o projeto de viver em uma casa ampla, bonita e luxuosa, onde prevaleceria o
bom gosto do casal.
Nessas condições, para concretizar o ideal de vida perfeita, na seqüência é
apresentada a chegada do primeiro filho.
101
Além dos cuidados com o enxoval do bebê, verifica-se haver uma preocupação de
ensinar às normalistas quais cuidados uma gestante deveria tomar. Para ensinar esses
cuidados, percebe-se que elas copiavam um texto, guardado em um envelope intitulado
Cuidados corporais da gestante.
Apesar de o título do envelope indicar que o tema tratado limitava-se aos
cuidados com o corpo da gestante, pela leitura do material, verifica-se que um outro
tema também ganhava destaque: a explicação científica de como acontecia a gestação.
Percebe-se ainda que, para tratar dos dois temas, eram copiados dois textos
visivelmente distintos, até mesmo pela ocupação do espaço da folha, em que um e outro
são separados pelo espaço de duas linhas em branco. No primeiro eram apresentados os
cuidados corporais que a gestante deveria ter consigo e só no segundo texto, a
explicação de como acontecia a concepção do novo ser.
102
Ao iniciar as advertências que a mulher deveria ter com o corpo, pode-se ler: “a
mulher em estado de gestação deve ter cuidados especiais consigo mesma. Cuidando do
asseio e limpeza do corpo, não deve pecar por excessos de mal compreendidos, nem por
insuficiências injustificáveis” (Orientações para gestantes, 1957).
Observa-se por esse trecho introdutório que, além de enfatizar a limpeza e o asseio
com o corpo, advertia-se para o cuidado com possíveis excessos ou insuficiências. Não
se pode afirmar, no entanto, o que seriam esses excessos e essas insuficiências, haja
vista parecer existir alguma informação implícita, velada no texto.
Na seqüência, verifica-se que “em primeiro lugar” será tratada “a questão
referente aos banhos em geral”, que seria o primeiro tema da introdução, já o segundo
não se revela, continuando velado, como se a explicação já fosse dada nas entrelinhas,
para a qual não seria possível tratar explicitamente.
De qualquer maneira, verifica-se que o tema da limpeza é tratado de forma
contundente, como se o intuito fosse quebrar tabus, a exemplo de destacar que a
gestante não precisaria mudar a rotina, somente pelo estado em que se encontrava. O
que se percebe, pelo teor do texto, é que o tema da limpeza é tratado com a finalidade de
convencer a mulher para a sua importância. A argumentação em defesa do asseio pode
ser percebida no trecho que segue:
A gestante deve tomar banhos de corpo inteiro, tépidos ou frios, de acordo com
a sua preferência, como costumava fazer antes da gestação.
A limpeza e o asseio asseguram o perfeito funcionamento da pele, cujo papel
dia a dia é cada vez mais encarecido pelos médicos. Outrora, pouca importância
se dava ao funcionamento do sistema cutâneo; hoje, porém, se reconhece o seu
enorme valor no equilíbrio das funções vitais. (Orientações para gestantes,
1957)
Informava ainda sobre as possibilidades dos banhos: chuveiro ou imersão, sendo
que o segundo deveria ser evitado no último mês de gravidez, sobretudo quando não se
tratasse do primeiro filho. Além disso, adverte-se que o banho de imersão poderia fazer
com que a água penetrasse até onde não convinha, havendo a possibilidade de levar
germes ao corpo que poderiam causar infecções no período do parto.
Se por um lado se verifica um alarde no que se refere aos cuidados com o banho,
por outro, percebe-se um esforço em tranqüilizar as moças sobre esses germes, pois,
103
segundo se afirma, “os germes, ao fim de algum tempo são destruídos pelos recursos de
defesa da vagina”, mas, outra advertência para o banho de imersão advinha do fato de
que ele, “com a gestação quase a termo, a parturição pode desencadear-se” (Orientações
para gestantes, 1957)
.
O texto é concluído afirmando que, pelos motivos elencados, seria sempre
preferível o banho de chuveiro, “em que o transporte de germes para a intimidade do
organismo é muitíssimo mais difícil, ou mesmo impossível” (Orientações para gestantes,
1957).
O segundo texto, como apontado, dá informações de como acontece a
fecundação. Nele, pode-se ler:
Existem duas pequeninas células, uma masculina e outra feminina, cuja união
dá origem a um novo ser, semelhante à espécie animal dos pais. Essas células
levam em si, em estado potencial, todos os caracteres capazes de serem
transmitidos, segundo as leis da hereditariedade. Após a fecundação, há o
período da gestação; há o desenvolvimento da pequenina célula que vai adquirir
o aspecto de feto humano por um misterioso e maravilhoso processo de
desenvolvimento. (Orientações para gestantes, 1957).
Percebe-se, por esse trecho, a tentativa de explicar mais cientificamente, o
processo de reprodução dos seres.
Na seqüência adverte-se que a criança, quando na barriga da mãe, está
subordinada a todas as interferências sentidas por esta, com destaque para preocupação
com os assuntos da nutrição, afirmando que “como o feto depende do organismo
materno para a sua nutrição, todos os estados de carência alimentar maternos podem
prejudicá-lo”(Orientações para gestantes, 1957).
Com base em argumentos com um teor científico, são feitas algumas
recomendações para o cuidado com o feto:
O feto é muito sensível à falta de oxigênio, que origina estados de asfixia.
Também prejudica o feto a falta de repouso materno, desconhecimento de
regras de higiene mental e física. Desses fatos todos ressalta a importância do
exame pré-nupcial e exame médico durante a gravidez para uma boa orientação
sobre o assunto, à gestante. (Orientações para gestantes, 1957).
104
Assim, sem parecer imposições, verifica-se que o objetivo é informar as gestantes
para os cuidados que deveriam seguir, já que convencidas pelo esclarecimento do
processo, não resistiriam em agir de acordo com os preceitos de progresso e
desenvolvimento alcançados pelos avanços da ciência, de forma geral, e da medicina, de
modo particular.
Aos cuidados com a saúde somavam-se os cuidados com a estética. Essa
preocupação pode ser percebida pela colagem de uma matéria com informações sobre o
assunto.
Embora se trate de um recorte de jornal, percebe-se que ele é elucidativo de uma
mentalidade da época, sobretudo se considerar que poucas imagens vinham
acompanhadas de texto. Assim, o destaque dado à matéria não pode ser percebido como
gratuito ou de menor importância. Ao contrário, ele precisa ser compreendido a partir da
relevância que ele recebeu de que o escolheu.
O texto começa tratando do medo que possa assolar a mulher, quando ciente da
gravidez, em virtude da preocupação com a beleza física. Assim o texto é iniciado:
Você é jovem e espera a visita da cegonha. Mas, uma nuvem perturba a alegria,
a comoção que essa certeza lhe deu: você pensa que a maternidade prejudica o
físico da mulher, e o temor de sacrificar ao filho esperado parte de sua beleza,
não lhe permite ser completamente feliz como desejaria ser. (A visita da
cegonha, 1957).
105
Para tranqüilizar as moças, utiliza-se como argumento o fato de muitas atrizes do
teatro e cinema, mesmo tendo mais de um filho, não perderam em nada o fascínio. Mas,
se a preocupação de fato perturbasse as moças, bastava atentar para as prescrições
médicas, de não engordar, seguir um regime mais nutritivo e completo que o habitual,
destacando que “não deverá absolutamente ‘comer por dois’. O que conta é a qualidade
não a quantidade dos alimentos”. (A visita da cegonha, 1957).
Além dos cuidados com a alimentação, para não ter problemas com a estética, no
texto encontram-se indicações para manter as atividades de antes, não deixando de fazer
atividades pelo fato de estar gestante, mas que se ocupasse sempre com uma distração.
A isso se somava a indicação de praticar exercícios ao ar livre, ginástica. Essa deveria
voltar-se para a preparação do parto, destacando que “exercícios musculares são
indispensáveis não só para conservar a agilidade no organismo mas também para
facilitar o trabalho final” (A visita da cegonha, 1957).
Para evitar as temidas estrias, indicava-se o uso de cremes e, no que se refere às
possíveis manchas e irritações da pele, comuns às mulheres no período de gravidez,
informava-se que elas eram temporárias, não merecendo preocupar-se com elas. Mas,
para o combate às “veias varicosas”, indicava-se o uso de meias elásticas, além da
prática de ginástica.
O conjunto desses textos aponta, além daquilo que preocupava as moças no
período de gestação, que essas preocupações eram tratadas na escola, ou seja, à cultura
escolar cabia informar, esclarecer sobre as situações reais da vida, preparando as
normalistas não apenas para as atividades profissionais, mas para as demais situações
requisitadas pela sociedade a uma mulher.
No entanto, ao mesmo tempo em que se percebe a aproximação da cultura
escolar com a vida real, verifica-se também que a inserção dessa cultura em assuntos
não escolares se dava de modo qualificado, ou seja, no intuito de esclarecer, desfazer
tabus, com vistas a preparar as jovens para as exigências de uma sociedade moderna.
Assim, observa-se a cultura escolar escolarizando assuntos que não lhe são próprios.
Nesse sentido, apresentam-se os passos para a preparação do enxoval do bebê.
Para tanto, consta um texto, no qual são apresentados, detalhadamente, desde como
deveriam ser as roupas da criança, quanto à preferência a ser dada a determinado tipo de
106
cor, aos tipos de tecidos e acabamentos a serem utilizados, bem como à quantidade
necessária e ao tamanho das peças. No texto, pode-se ler:
Suas roupas devem ser simples, práticas e cômodas. Fáceis para cuidar e para
vestir.
Não devemos agasalhá-la em demasia, em tampouco deixá-la exposta ao frio.
Também devemos dar preferência às cores claras, porque além de mais bonitas,
denunciam logo a sua maior ou menor limpeza. Nada de muitas rendas e
entremeios ásperos. Rendas e enfeites podem magoar a pele delicada do bebê.
Um enxovalzinho não precisa ter mais de três ou quatro camisinhas menores ou
outra tanto maiores de morim bem fino, seis caminhas de fazenda clara, chita,
fustão ou etamini, seis paletozinhos de lã ou flanela, doze pares de sapatinhos
de lã; seis babadores; uma capa que sirva para passeio; uma ou duas mantas
para os primeiros tempos, seis cinteiros, duas dúzias de fraldas de morim ou
algodãozinho alvejado, bem fino que se fazem quadrados aproveitando a largura
da própria fazenda, isto é, 75 a 80 centímetros; oito cueiros brancos de flanela
de algodão tendo de comprimento 1,25 m de toda a largura da fazenda. Os
cueiros muito curtos não são práticos. (Enxoval par ao bebê, 1957).
Pode-se perceber que se estimulava o cumprimento dessas indicações, uma vez
que, na seqüência do caderno, são expostos trabalhos manuais da normalista, que dão
conta do preparo do enxoval. As peças são feitas em miniatura e, segundo informou D.
Maria Lúcia na entrevista, eram produzidas na aula de trabalhos manuais e concluídas
em casa.
107
Mas, uma vez preparado o enxoval, deviam-se tomar os cuidados para a chegada
do bebê.
No caderno, a esse respeito, constam orientações divididas em duas frentes: uma
que trata dos preparativos para o parto e a outra que aborda os cuidados a serem
tomados pela mulher após dar a luz à criança.
As primeiras orientações dão conta dos utensílios que precisariam ser
providenciados para a realização do parto. No texto, pode-se ler:
Quando estiver se aproximando o momento do parto, deverão ser tomadas
providências para se ter à mão: água fervida para lavagens, vaselina esterilizada,
algodão, hidrófilo e um desinfetante apropriado qualquer, várias toalhas,
sabonete e solução de credé para os olhos.
Prepara-se uma cama da parturiente e sobre o colchão coloca-se uma tela
impermeável, ou na ausência desta 8 a 10 jornais estendidos uns sobre os outros
e recobertos por um pano. (A chegada do bebê, 1957).
Verifica-se, por esse texto, que os preparos para o parto consideravam que ele
seria realizado em casa. No entanto, na entrevista com a D. Maria Lúcia, ela informou
que não foi dessa forma que ela havia dado à luz a seus filhos. Isso possibilita pensar
que as orientações ensinadas na Escola Normal de Pirassununga poderiam estar
deslocadas de seu tempo. No entanto, Dona Maria Lúcia acabou por explicitar que,
embora ela não tenha tido seus filhos em casa, no momento em que ela havia sido
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normalista era essa a prática corrente. Isso torna explícito o quanto um caderno de
atividades pode ser referência para os vestígios das práticas de uma época.
Na segunda parte do texto são revelados vestígios de como se deveria proceder
após o parto. Nessa parte, lê-se:
Depois do parto deverá ser observado o mais absoluto repouso permanecendo a
puérpera deitada de costa e com a cabeça elevada sem exagero.
Diariamente ser-lhes-ão prestados pela parteira meticulosos cuidados quanto à
higiene; a antissepsia é de absoluta necessidade para evitar complicações que
podem ser graves. A temperatura deverá ser tomada pela manhã e à noite,
utilizadas para as necessárias anotações na folha de temperatura que será
mostrada ao médico.
O ar do quarto deverá renovar-se constantemente conservando-se na medida do
possível a temperatura fresca.
A mulher que acaba de dar a luz necessita de repouso moral e físico, devendo
manter-se acamada e não receber visitas nos primeiros dias. (A chegada do
bebê, 1957).
Ao analisar as informações disponíveis no caderno de atividades e o conjunto de
figuras tomadas como representações da vida de uma mulher, observa-se a opção por
retratar cenas de um cotidiano perfeito, do nascimento, ao crescimento, à vida afetiva, à
casa e assim por diante. Mas, quando se trata dos preparativos para o nascimento do
filho, percebe-se que as práticas correntes, à época, não era apenas uma, pois, se por um
lado previam-se os cuidados a serem tomados para a realização do parto em casa, por
outro, são retratadas cenas do nascimento da criança em um hospital, com a presença de
enfermeira, berçário etc., como se pode observar nas representações abaixo.
O que se percebe, pela representação de duas diferentes possibilidades do parto,
bem como pelo depoimento da D. Maria Lúcia, é que, à época, as duas realidades já
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existiam, mas que a prática de dar a luz a filhos em hospitais/maternidades, ou seja, em
locais específicos, ainda não era generalizada. Isso significa que está esta última
possibilidade representava o ideal de condições perfeitas para se dar a luz a uma
criança, como ideais são tantas outras situações representadas nas colagens do álbum.
No álbum, os passos seguintes dão conta dos cuidados que deverão ser tomados
com a criança, desde quando o recém-nascido até a adolescência.
Ao analisar o conjunto de cuidados explicitados no álbum para com os filhos, vê-
se que esses cuidados podem ser agrupados em três categorias: cuidados com a
alimentação, cuidados com a higiene e cuidados com a educação.
No que concerne aos cuidados com a alimentação, encontra-se, no álbum, um
texto, intitulado Alimentação natural do bebê, no qual se argumenta a favor do
aleitamento materno até os 6 primeiros meses. Nele, são dadas informações detalhadas
sobre o assunto, que vão da quantidade de mamadas que um bebê deveria dar por dia,
até o tempo que cada uma deveria durar. Pode-se ler no texto:
Uma criança alimentada no seio materno resistirá muito melhor a qualquer
doença do que se for alimentada artificialmente.
Depois de completo 6 meses é que poderá passar a dar ao bebê a alimentação
artificial. Nas primeiras 24 horas o bebê não tem necessidade de alimentos
algum.
As crianças devem ser habituadas a mamar de três em três horas. Às 22 horas
deve ser a última mamada do dia.
Mãe e filho necessitam de repouso a horas certas; este hábito é útil e
indispensável a ambos. De manhã cedo deve recomeçar-se.
(...)
Não devemos deixar que o bebê mame mais de 15’ a 20’, sendo este tempo
suficiente para esgotar o seio.
Convém impedir que dura enquanto mama. (Alimentação natural do bebê,
1957).
A segunda categoria que se pode classificar os cuidados com as crianças refere-se
à higiene. No álbum, esse assunto é tratado desde o nascimento da criança, estando
presente um texto que trata, detalhadamente, de cada passo a ser seguido nesse período:
o cuidado com os olhos, com o banho e com o tratamento do umbigo.
No que se refere ao tratamento dos olhos do bebê, pode-se ler:
110
Logo que a criança nasce, deve-se cuidar dos seus olhos. Com um algodão
esterelizado e embebido em água boricada ou fervida, limpam-se as pálpebras.
Removida toda a sujidade, entreabrem-se as pálpebras e pinga-se em cada olho
uma solução de nitrato de prata, a 1% ou umas gotas de limão. (Primeiros
cuidados com o bebê, 1957).
A essas orientações, seguem as recomendações para o banho. Sobre esse assunto,
no texto, revela-se a diferença entre a forma como se lidava em maternidades e os
hábitos de banhar a criança em casa, como se pode verificar no trecho abaixo:
Hoje em muitas maternidades não acostumam lavar a criança recém-nascida
enquanto o umbigo não cai.
Fazem nelas uma limpeza com esponja umedecida. Quando nasce em casa
conserva-se o hábito de se banhar logo o bebê. (Primeiros cuidados com o bebê,
1957).
Mas, tanto em uma situação quanto em outra, fazia-se necessário tomar uma
série de cuidados com a higiene, para que fossem evitadas infecções no umbigo:
Lava-se muito bem a bacia com água e sabão. Depois despeja-se nela um pouco
de álcool e ascende-se.
Depois de fervida, divide-se a água em duas porções. Uma porção deixa-se
esfriar numa vasilha bem tampada. Fica esfriando para temperar o banho a 37º.
A pessoa incumbida do banho tem que lavar muito bem as mãos, mergulhá-las
no álcool.
Deve-se fechar cuidadosamente o quarto para evitar correntes de ar. Um
resfriado nessa ocasião pode ter as piores conseqüências. Depois, pega-se a
criança com o maior cuidado e deita-se de costas na bacia, segurando-a ao
mesmo tempo pela nuca e pelas costas. O sabão deve ser brando e de boa
qualidade. O banho deve ser rápido. Enxuga-se com todo o cuidado
principalmente nas dobras do pescoço. Deita-se o bebê em uma toalha bem
macia e fina que se coloca sobre um cobertozinho dobrado. Cuida-se então do
umbigo. (Primeiros cuidados com o bebê, 1957).
Percebe-se que a prática de banhar a criança era cercada de uma série de
cuidados. Parte deles justificava-se pela necessidade de evitar infecções no umbigo.
Para tanto, prescrevia-se o que deveria ser feito até que o umbigo caísse.
111
Toma-se um quadrado de gaze esterelizada de 10 cms mais ou menos, faz-se um
furo no centro e, por ele introduz-se o cordão umbilical empoado com dermatol.
Dobra-se então a gaze, envolvendo o umbigo de maneira a ficar voltado para
cima e para a esquerda. Sustenta-se esse curativo com uma faixa panada pela
cintura e que por isso se chama cinteiro. É preciso lembrar que a tesoura para
cortar a gaze deve ser também flambada. Todo o cuidado é pouco! Depois
veste-se a criança. Havendo todo esse cuidado pode dar diariamente um banho
no bebê.
Entre o quarto e o nono dia, o umbigo cai. Mesmo que ele esteja ainda ligado
apenas por um fio, não se deve de maneira alguma mexer. Tem de cair por si.
Fica uma ferida que exige o mesmo rigoroso cuidado, isto é, deve ser
diariamente tratado com dermatol até secar de uma vez. (Primeiros cuidados
com o bebê, 1957).
Essas orientações, pelo que se pode observar, tinham por objetivo encorajar as
mães a banhar e cuidar dos filhos. Isso pode ser percebido na seqüência do álbum,
quando é apresentada uma imagem, cuja legenda trata da segurança que a mãe adquire
com as informações recebidas, como se pode verificar:
Os cuidados com a higiene não se limitam ao banho, mas também ao cuidado
com as roupas da criança, que deveriam ser mantidas sempre limpas, como indicado nas
orientações presentes desde a organização do enxoval. Esse cuidado é representado pela
imagem que segue:
112
No entanto, no que se refere à higiene, um tema ganha destaque: o cuidado com
os dentes. Esse assunto é tratado desde muito cedo e acompanha o crescimento da
criança. A esse respeito, constam no álbum dois textos: o primeiro intitulado Os dentes
de leite e segundo intitulado Exames periódicos dos dentes.
O primeiro texto é dividido em duas partes. Na primeira, aborda-se a
importância do sorriso e a segunda trata, especificamente, dos cuidados a serem
tomados com os dentes de leite.
Na primeira parte, afirma-se:
Há uma filosofia otimista que ensina o homem a despertar todos os dias com os
lábios abertos num riso franco.
(...)
Isso, entretanto, exige requisitos especiais, além da boa vontade e disposição
orgânica de cada um. Sorrir é fácil, humano, quase trivial. Mas, sorrir
francamente, claramente, sem receio de ofender o pudor estético da vida é algo
mais raro e mais difícil.
Para tanto é mister euforia, bem estar físico e mental, e sobretudo, bons dentes.
113
(...)
O indivíduo de bons dentes pode não ser alegre, mas tem elementos para ensaiar
a suave filosofia dos otimistas.
E no tumulto desta hora espessa, de ceticismo e apreensões, poder sorrir diante
de todos, sem o triste cuidado de amortalhar o sorriso na palma da mão, já é
uma linda credencial. (Os dentes de leite, 1957).
Percebe-se que esse texto é usado como uma espécie de argumento em prol do
cuidado que se deva ter com os dentes. O tom de convencimento é substituído, na
segunda parte do texto, por um tom mais voltado a uma explicação mais objetiva sobre
os dentes de leite, a explicação dos incômodos do início da mastigação, como se pode
verificar:
Os dentes de leite, em número de dez para o maxilar superior e dez para o
maxilar inferior, completam sua evolução aos três anos de idade.
A criança, ao iniciar o trabalho da mastigação dos alimentos, executa-o sem
constrangimento, usa e abusa da força dos músculos.
Ora, uma vez que, ao fazer uso dos dentes provenha uma dor aguda, apresenta-
se desde logo o problema da alimentação. A criança de medo da dor passa a
fazer a trituração dos doutro lado do maxilar sobrecarregando-o nesse trabalho,
e se porventura venha a apresentar o mesmo fenômeno dor, sobrevém a carência
da mastigação. (Os dentes de leite, 1957).
Pelo que se verifica com a leitura do texto, o destaque atribuído a esse assunto
objetiva chamar a atenção da mãe para o tema, pois a ela recai a responsabilidade de
cuidar dos filhos. Destaca-se o papel da mãe porque, embora se faça referência, no
texto, que a responsabilidade seria dos pais, por se tratar de uma produção feita por
mulheres, a responsabilidade recairia principalmente sobre a figura feminina, a quem
caberia, até mesmo, convencer o marido da importância de cuidar da saúde dos dentes
dos filhos.
Entre os cuidados que deveriam ser tomados com os dentes, é destacado que as
crianças deveriam ser levadas a um profissional desde cedo, pois os dentes de leite
merecem os mesmos cuidados que os dentes permanentes, sob o argumento de que a
função cumprida por ambos é a mesma: garantir a subsistência da infância. Nesse
sentido, o texto é concluído com a sentença: “Tratar dos dentes de leite é um dever para
a tranqüilidade do lar”.
114
No segundo texto, intitulado Exame periódico dos dentes, dá-se continuidade ao
tema abordado no texto anterior, com destaque à necessidade de visitar periodicamente
o dentista.
Vários argumentos são utilizados para conscientizar a família a levar sempre as
crianças ao dentista, como evitar defeitos nos dentes, alterações nas gengivas, cáries,
sensações dolorosas, tártaro, obsessos, focos microbianos e até a piorréia, mantendo
sempre em boas condições a dentição.
Indica-se que as visitas ao dentista deveriam acontecer no intervalo de seis em
seis meses, mas que as mães deveriam estar atentas, entre uma visita e outra, para os
possíveis problemas que pudessem ocorrer na dentição de seus filhos, pois, uma vez
percebido a irregularidade, quanto antes procurasse um médico, mais fácil seria resolvê-
lo.
Além disso, no texto, destaca-se que as visitas ao dentista deveriam começar
quando a criança completasse dois anos de idade e manterem-se contínuas na fase
adulta, sob o argumento de que a boa saúde da dentição permanente depende dos
cuidados dados à dentição temporária.
Na conclusão do texto, afirma-se: “Dentes bonitos, limpos e sadios constituem
um atrativo pessoal. E o atrativo pessoal é um dos mais importantes fatores de êxito na
vida”.
Por essa conclusão, evidencia-se que o objetivo de trabalhar com as moças,
normalistas, os vários temas da higiene, tem em vista um ideal de modernidade e
progresso que tinham como via de realização a limpeza dos corpos. Nesse sentido,
ensinar cuidar da higiene dos filhos aponta que não intentava apenas, embora possa
115
parecer, dar à mulher uma formação para a vida doméstica, mas para que elas
pudessem, uma vez esclarecidas pelas instituições de ensino a que se vinculavam,
contribuir para o progresso da nação. E esse progresso só poderia ser alcançado com
uma população educada, limpa e sadia.
No que se refere ao tema da educação, pelo que se apresenta no álbum, pode-se
classificar a educação da criança em três diferentes tipos: religiosa, doméstica e escolar.
Percebe-se uma ênfase destacada à educação religiosa, explicitando que se
tratava da religião cristã.
O que se percebe, pelo que demonstram as colagens, é que o cuidado com a
educação religiosa deveria ser iniciada desde cedo, devendo ter continuidade nas mais
diferentes fases da vida. Isso pode ser percebido por uma série de recortes distribuídos
ao longo do álbum.
116
A preocupação com a formação religiosa, nas mais diferentes fases da educação
da criança, demonstra a relação próxima que a Igreja mantinha com as instituições
ligadas ao Estado. Além disso, revela ainda que a formação religiosa servia de
credencial para as moças diante da sociedade.
Como referência de boa formação feminina, verifica-se o destaque atribuído à
educação doméstica, cujo gosto, nas meninas, deveria ser cultivado desde cedo.
Para tratar do tema da educação, não poderia faltar referência à escolariazação,
da forma como é representada no álbum, é vista associada à aquisição de outros tipos de
formação, mais ligados ao cultivo do gosto pela arte e pela boa literatura.
117
Mas, considerando que a ênfase do álbum recai sobre a formação feminina,
percebe-se o incentivo, desde cedo, aos aspectos estéticos.
O cuidado com a estética, a preocupação com a vaidade representam,
inquestionavelmente, o que se tem por imaginário feminino. A esse imaginário também
118
é constituído pela figura delicada da mulher, sensível às belezas da natureza,
especialmente das flores.
Para que a formação da mulher se completasse, fazia-se necessário, tal qual
aconteceu com a mãe, que ela se deparasse com o amor, com alguém com quem ela
pudesse namorar, casar e ter seus filhos, dando continuidade, assim, ao ciclo da vida.
119
O que se percebe, pela análise do álbum produzido na disciplina Prática de Ensino,
na Escola Normal de Pirassununga, é um destaque à “feminização” da profissão
docente. Esse destaque se faz perceber não só pelo exemplo da atividade realizada e
analisada neste item, mas, sobretudo, por verificar que a esse fim prestava-se não só a
Prática de ensino, mas outras disciplinas, a exemplo da disciplina Trabalhos manuais.
Sabe-se que o tom feminino atribuído à profissão docente decorre de uma tradição
em que se dava pouco valor à instrução feminina. O que se pode verificar a partir da
análise do álbum produzido na Escola Normal de Pirassununga, já na segunda metade
do século XX, é o exemplo de uma prática do que Almeida (2004) afirma ter existido ao
longo do século XVIII e XIX.
Sobre esse período, a autora informa que o pouco valor que se dava à instrução
feminina decorria da herança de uma mentalidade colonialista, cujas normas sociais
impediam as mulheres de ocupar espaços sociais e até mesmo saírem desacompanhadas.
Almeida (2004) afirma que essa mentalidade se estendeu por todo o Império, chegando
ao período republicano.
Por essa tradição, a autora informa que os pais preferiam educar as moças em
casa, com professoras particulares ou com clérigos. A educação era baseada em aulas
sobre conhecimentos elementares de gramática e um pouco de aritmética, mas a ênfase
recaía sobre o ensino das prendas domésticas, que visavam preparar as meninas para o
casamento.
Embora houvesse, segundo aponta Almeida (2004), nos séculos XVIII e XIX, a
possibilidade de as meninas e meninos iniciarem os estudos juntos, em virtude da
120
carência de professores, eles não davam continuidade aos estudos da mesma maneira,
pois quando os meninos se adiantavam, por serem considerados aptos a aprender latim,
francês ou geometria, as meninas paravam de estudar e passavam a se dedicar à
instrução com vistas ao mundo doméstico e ao desenvolvimento de atributos como
saber música e dança, sinônimo de uma educação esmerada.
Nas palavras de Vilhena (1988, p. 188),
a escola normal acabou por se tornar (...) uma instituição onde seria possível aos
contingentes femininos darem continuidade aos seus estudos, servindo deste
modo à elevação da cultura geral da mulher. Não sendo o magistério uma
profissão bem remunerada e nem gozando do prestígio dos liceus, isto acabou
por afastar, gradativamente, o elemento masculino dos seus quadros. Por outro
lado, a educação de crianças era vista como a atividade que mais se coadunava à
natureza feminina. Todos estes fatores, na verdade, com concorreram para fazer
do magistério primário uma profissão eminentemente feminina.
Esses aspectos podem ser percebidos ao analisar o álbum de D. Maria Lúcia.
Apesar da distância temporal, que separa a produção do álbum do período ao qual se
referiu Almeida (2004), o que se verifica é a manutenção de uma tradição de profundas
raízes.
No período citado por Almeida (2004), a finalidade da educação era preparar a
mulher para o serviço doméstico e o cuidado do marido e dos filhos. Afirma a autora
que
a mulher educada dentro dessas aspirações masculinas seria uma companhia
mais agradável para o homem, que transitava regularmente no espaço urbano,
diferentemente da prática do período colonial, com seu recolhimento e
distanciamento do espaço da sociabilidade. A mulher-mãe deveria ser pura e
assexuada, e nela repousariam os mais caros valores morais e patrióticos.
(Almeida, 2004, p. 70-71).
Essa citação faz pensar as situações representadas no álbum de D. Maria Lúcia,
em que a mulher, desde a mais tenra idade tem como objetivo encontrar o marido. A
situação perfeita seria se este tivesse compartilhado com ela momentos comuns, que, no
álbum, é representado pelo convívio desde o jardim de infância.
121
Uma vez transformada em mãe, os cuidados e as preocupações deveriam voltar-se
completamente para cuidar dos filhos, cuidando, como retratado no álbum, da higiene e
da educação religiosa.
Desse modo, verifica-se que a inserção da mulher na profissão do magistério
trouxe consigo uma tradição da qual não se pôde desvincular rapidamente. A esse
respeito, Almeida (2004) elucida as resistências pelas quais passou essa inserção, ao
afirmar que, ao longo das primeiras décadas do século XX, quando as mulheres
começaram a ter acesso ao ensino superior e a algumas profissões, a idéia da mulher, a
quem se destinava a formação para o lar, permaneceu por muito tempo. As resistências
centravam-se no acesso da mulher ao trabalho assalariado, para o que se fazia
necessário transpor as fronteiras do lar.
Mas, com a República, destaca a autora, surgiu a necessidade de universalizar o
ensino, democratizar a escola primária, para o que se pensou em usar a mão-de-obra
feminina. Segundo Almeida (2004, p. 71), “a idéia de alocar às mulheres a sagrada
missão de educar” já transitava, porém, por décadas no imaginário social.
Em face das já referidas resistências e do ideal que se tinha de mulher bem
educada como sendo aquela que era formada para a administração do lar, para a vida
doméstica, a entrada da mulher no cenário educacional foi permitida, segundo Almeida
(2004), àquelas de poucos recursos. A esse respeito, elucida Almeida (2004, p. 71-72)
que
esse procedimento fez com que se investisse na criação de cursos preparatórios
de formação representados pelas escolas normais, em seguimento a uma
tendência que já se havia manifestado nos finais dos oitocentos (1876), quando
se criou em São Paulo, no Seminário das Educandas, uma escola normal
destinada a dar instrução e habilitar as órfãs e outras jovens que demonstrassem
interesse em se tornarem professoras. A escola tinha um currículo mínimo de
lições de gramática da língua nacional, teoria e prática das quatro operações
aritméticas, doutrina cristã, língua francesa e música vocal e instrumental. As
educandas recebiam esse ensino gratuitamente e, em contrapartida, eram
obrigadas a servir no magistério depois de concluírem os estudos.
Essas informações permitem compreender a trajetória da entrada da mulher na
profissão docente, que se deu a fim de atender a demanda de expansão do ensino
primário para o que não havia mão-de-obra suficiente, sendo necessário fazer uso,
portanto, de mulheres que não dispunham de condições suficientes de sobrevivência,
122
para as quais não importava se seriam bem formadas (no sentido de formadas para
serem mulheres, esposas e mães). Nesse ambiente, a autora informa que a instituição
dos cursos normais se deu de modo precário, voltando-se mais para um ensino
elementar que para instruir profissionais que atuariam como professores no curso
primário.
Almeida (2004) permite ainda compreender que, ao avançarem os anos do
século XX, a procura das mulheres pela profissão docente ampliou-se, de modo que a
Escola Normal passou a ser alvo de interesse de moças não só desamparadas, mas
também vindas dos segmentos médios da sociedade. Assim, nas primeiras décadas do
século XX, filhas de fazendeiros, negociantes, médicos, advogados, dentistas, passaram
a freqüentar os cursos normais. Desse modo, a instrução feminina, no cenário pós-
republicano, foi alterando os tons, mas sem perder de vistas, embora a mulher pudesse
exercer a função de professora, a função prioritária que lhe caberia seria a de
esposa/mãe, como destacam Nosella e Buffa (1996).
A esse sentido, argumenta Almeida (2004, p. 74): “compunha-se assim um
cenário no qual a educação feminina passou a ser importante, devidamente atrelada, em
todos os níveis, à destinação natural das mulheres para lecionar e sempre em estreita
relação com o universo doméstico.”
A partir do momento em que passa a ser atribuída à mulher a função de
professora, essa função representa um prolongamento da atuação feminina em outros
espaços, uma vez que ela deixa de ser responsável por poucos, seus filhos e familiares,
para ser responsável por muitos, os alunos, mas sem perder o aspecto que a caracteriza,
o sentimento de maternidade. Esse prolongamento da atuação feminina possibilitou a
mulher a ocupar a maioria dos cargos do magistério. A esse respeito, informa Azevedo
(1931) que as mulheres passaram a ocupar cada vez mais os postos de direção,
alargando
os domínios na educação popular, para que a indicaram, como a uma função
específica, as qualidades nativas com que a natureza as talhou para a
maternidade. Não há terra sáfara que não verdeje, floresça e frutifique aos
gestos gentis e largos de vossa mão, quando educada para semear a paz, a
espiritualidade e a beleza. Sempre foi, por isto, pela educação da mulher que
começou a dos homens. Da antigüidade aos tempos modernos, a influência da
mulher na educação dos filhos e na formação dos homens, foi sempre
123
reconhecida e pregoada por todos como o fator principal e a influência mais
profunda na evolução da personalidade humana.(Azevedo, 1931, p. 102).
O autor ainda acrescenta, citando La Goulaye, que “educar um homem é formar
um indivíduo que nada deixa atrás de si; educar uma mulher é formar toda uma
geração” (La Goulaye, apud Azevedo, 1931, p. 102).
No entanto, pelo que se pôde depreender da entrevista com a Srª Odette
Wigmuller, esse tipo de formação passou a ser, até mesmo, uma exigência e uma
imposição dos pais, como aconteceu com ela que, embora considerasse não ter aptidões
para seguir os ensinamentos voltados à formação feminina, doméstica, foi forçada pelo
pai a fazer o Curso Normal. Não se aceitava, segundo ela, que uma moça fizesse o curso
científico, que tivesse interesse em fazer formação superior ou mesmo sentir mais
aptidão para a disciplina de Educação Física, destinada mais ao perfil masculino.
Assim, verifica-se que, mesmo com a inserção da mulher na função assalariada,
não se alteraram os papéis sexuais tradicionais, assumidos e aceitos culturalmente.
Os limites de convivência entre os sexos eram claramente definidos e
transmitidos de forma que fossem interiorizados sem questionamento pelos
agentes sociais que ditavam as normas de conduta social. A identidade
feminina, resguardada entre os vários segmentos sociais, era definida numa
moldura cultural em que valores, normas, expectativas, imagens, regras,
conceitos e preconceitos compunham o arcabouço social e determinavam os
hábitos e costumes. Das mulheres esperava-se a permanência no espaço
doméstico, o recato, a submissão, o acatamento da maternidade como a mais
elevada aspiração (Almeida, 2004, p. 72-73).
Essa análise ilumina, assim, a compreensão da prática realizada na Escola
Normal de Pirassununga, ao perceber que, embora já se permitisse o acesso da mulher
ao exercício de uma profissão assalariada, a formação que ela deveria receber não
poderia desconsiderar o papel primeiro da mulher: ser instruída nos afazeres
domésticos, aprendendo a ser mulher, esposa e mãe.
Além disso, com a República, informa Almeida (2004), ampliar a formação da
mulher em espaços institucionais contribuía para o desenvolvimento e o progresso da
nação, para o que cabia ao sexo feminino cuidar da higiene, da moralidade, da
religiosidade e preservação da raça. Assim, contraditoriamente, cabia a mulher a
124
manutenção dos aspectos tradicionais na sociedade, para o que ela precisava se
submeter. Nesse contexto, argumenta Almeida (2004, p. 75), “a Escola Normal voltava-
se para a educação feminina como parte do projeto civilizador da nação e cumpre
funções de educar e instruir as futuras esposas e mães, as donas de casa encarregadas da
educação familiar e do fortalecimento da família”.
Nesse sentido, a função materna não era mais apenas biológica, mas, como
aponta a autora, social e patriótica, principalmente. Segundo ela, constituía-se uma nova
identidade de representação da mulher burguesa que, uma vez radicada nas cidades,
passando a transitar nos espaços públicos, precisavam acostumar-se ao ambiente
urbano. Nesse ambiente, não só urbano mas também industrializado, a emancipação
ainda demoraria a vir, mas a educação seria para isso fundamental, pois, como informa
Almeida (2004, p. 81-82),
Para as professoras primárias da primeira metade do século XX, o magistério
foi o ponto de partida, foi o possível no momento histórico em que viveram.
Significou o trânsito do invisível para a visibilidade e a realização de algo que
não fosse o único e prestigiado serviço doméstico, como reduto privilegiado da
feminilidade. O magistério era o trabalho intelectual e assalariado sem
conotação pejorativa; tinha o poder de conceder uma palavra mais abalizada
num meio ignorante; conferia mobilidade social, maior liberdade e respeito
entre as classes trabalhadoras e possibilitava bem-estar econômico. Isso era
muito mais do que tinham tido até então.
Nesse sentido, o magistério aparecia como a via pela qual as mulheres poderiam
conquistar o espaço público, pois acabavam tendo o trabalho do lar valorizado, ao que
se somava a responsabilidade de educar as futuras gerações.
É, portanto, como uma prática que visa formar mulheres para o desenvolvimento
civilizatório da nação, que o álbum de Dona Maria Lúcia precisa ser compreendido,
pois fazia parte desse tempo em que educar as mulheres para o casamento, para ser mãe,
obedecendo os princípios religiosos e de moralidade, significava contribuir para a
grandeza da pátria. E, a fim de cumprir essa finalidade, afirma Almeida (2004, p. 75)
“as mulheres seriam as principais indicadas para se incumbirem em modelar uma
infância saudável, patriótica e livre de vícios que degeneram a raça e a sociedade”.
Nesse sentido, a instrução da mulher estava diretamente relacionada à necessidade para
125
regenerar a sociedade e o magistério acabou se alicerçando como um trabalho feminino,
porque como afirma Almeida (2004, p. 82),
O exercício do magistério representava um prolongamento das funções
maternas, e instruir e educar crianças era considerado não somente aceitável
para as mulheres, como era também a profissão ideal em vista destas possuírem
moral ilibada, sendo pacientes, bondosas e indulgentes para lidar com os alunos.
Por conta disso, a Escola Normal, rapidamente, segundo informa a autora,
passou a receber mulheres, feminizando o magistério primário. Mesmo assim, destaca
Almeida (2004, p. 82),
a concepção implícita na freqüência das escolas normais pelas mulheres e na
educação feminina, de um modo geral, continuava atrelada aos princípios
veiculados de esta educação ser necessária não para seu aperfeiçoamento ou
satisfação, mas para ser a esposa agradável e a mãe dedicada.
A esse respeito, o cuidado com a higiene, com a educação dos filhos com ênfase
nos preceitos religiosos, o destaque à orientação da filha, representante da nova geração,
para o casamento, para os afazeres domésticos, para o cultivo do gosto pela música, pela
boa literatura, explicitam, no álbum de Dona Maria Lúcia, como as práticas da Escola
Normal de Pirassununga estavam presas ao seu tempo. Almeida (2004, p. 78-79)
adverte:
A educação escolarizada, imbuída desses pressupostos, passava a ser importante e
necessária para as mulheres, mas deveria ser domesticadora para que não
transcendesse os limites impostos pelas estruturas sociais. Poderiam ser educadas
e instruídas; era importante que exercessem uma profissão, no caso o magistério,
e colaborassem na formação das gerações futuras.
Pelo que se observa, das práticas realizadas na Escola Normal de Pirassununga
para cumprir esses objetivos, é que não bastava formar as mulheres nesses preceitos.
Era preciso, ainda, dar a ver à sociedade pirassununguense essa formação. Para tanto,
trabalho como o de D. Maria Lúcia eram expostos nas festas de encerramento do ano
letivo, quando acontecia a festa de exposição dos trabalhos manuais.
126
Pelo que se verificou na análise do álbum, ele não era produzido apenas na
disciplina de Trabalhos Manuais, mas, prioritariamente, na disciplina Prática de Ensino.
O que havia era um intercâmbio entre essas, apontando, assim, o que se esperada da
formação das professoras. Essa constatação é reforçada pelo fato de, na Prática de
Ensino, esperar-se que fossem tratados temas pedagógicos. No entanto, para dar a ver à
sociedade na festa de exposição dos trabalhos manuais, era a formação conferida à
mulher que a habilitasse a contribuir para a nação, sendo uma boa esposa, uma boa mãe,
capaz de orientar os filhos para um futuro próspero, para uma nação desenvolvida e
civilizada.
Na festa de exposição dos trabalhos manuais, quando toda a sociedade era
convidada a comparecer, a averiguar a formação que as moças recebiam, era
sedimentado o ideário de estar a Escola Normal de Pirassununga em consonância com o
seu tempo, o que a conferia o adjetivo de instituição de ensino de qualidade.
A análise do álbum demonstra, nesse sentido, em que se baseava a qualidade da
formação das moças no período. Ou seja, a análise do exemplo de uma prática realizada
na Escola Normal de Pirassununga é reveladora das relações que a instituição mantinha
com o seu tempo, sobretudo, ao considerar que a exposição desse tipo de prática era
feita com festa, com uma comemoração que constituía o calendário escolar.
É, portanto, no âmbito da cultura escolar e como parte dela que as festas da
Escola Normal de Pirassununga estão aqui sendo compreendidas. Mas, além das festas
do sucesso escolar há, também as festas para “aprender a fazer com”, da qual a
disciplina Prática de ensino é ponto fundamental.
III.1.2. Festas para “aprender a fazer com”
Essas festas eram realizadas na Escola Normal de Pirassununga, com a
finalidade de ensinar aos normalistas, quando profissionais, a comemorar com as
crianças. Eram festas que poderiam ser realizadas na Escola Normal ou na escola
primária, anexa à escola normal, e a organização delas se dava principalmente nas
disciplinas Prática de Ensino, Orfeão, Música, Educação Física e Trabalhos Manuais.
127
A disciplina Prática de Ensino atuava como uma espécie de aula-laboratório, em
que os alunos experimentariam atividades, preparando-se para atuar, quando formados
professores.
A importância atribuída a essa disciplina, sobretudo no Brasil, na primeira
metade do século XX, precisa ser compreendida em meio ao movimento da Escola
Nova, do qual Lourenço Filho foi um defensor. Nas palavras dele, citadas por Vidal
(2001), era destacada a importância da prática
14
. Lourenço Filho afirmava que
o ensino é exatamente uma prática, uma técnica, uma arte. Porque, no ensino,
há que saber fazer não simplesmente que saber dizer como já se fez, ou seja se
poderá ou deverá fazer. Aprende-se a fazer, fazendo. Se quisermos, pois, formar
professores, teremos que pô-los em situações reais de ensino, em face de classes
reais, vivendo experiências reais (Lourenço Filho, apud Vidal, 2001, 118).
No caso da Escola Normal de Pirassununga, pelas entrevistas realizadas,
observa-se que essa disciplina era de uma importância sem par para os normalistas, haja
vista a recorrência com que todos fazem menção a ela. Verificou-se que a Prática de
Ensino tem lugar de destaque na memória dos entrevistados. Um exemplo disso, é a
forma entusiasmada com que o Sr. Daniel Caetano do Carmo se refere à qualidade do
curso normal da década de 1940 que, segundo ele, era de dois anos, mas era melhor que
o curso de Pedagogia de hoje. Nas palavras dele: “naquela época, nós aprendíamos a
ensinar nas aulas de Prática de Ensino, com o professor Paulo de Barros Ferraz” (Ver
Anexo 1, p163).
A referência ao aprender a ensinar significava que, quando professores, saberiam
que comportamento tomar na sala de aula, conferindo aos normalistas um sentimento de
segurança, de que saberiam o que fazer como profissionais. Isso confirma o que
Lourenço Filho (apud Vidal, 2001) defendia sobre a importância do “aprender fazer,
fazendo”.
Na aula de Prática de Ensino, segundo o Sr. Daniel Caetano do Carmo, os alunos
tinham que fazer, passo a passo, um plano de aula, dirigir-se a outra sala onde o
professor da cadeira de Matemática, por exemplo, esperava para ministrar aula para
14
É bom lembrar que o trabalho de Vidal (2001) tem como foco de análise a Escola de Professores do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro nos anos de 1930. Para esta pesquisa, o trabalho dessa autora é
tomado a fim de elucidar a compreensão dos princípios escolanovistas percebidos na Escola Normal de
Pirassununga.
128
outros colegas. Ao término, o professor de Prática de Ensino tecia críticas, que iam
desde a postura em frente à lousa, à maneira de pegar no giz, ao fato de colocar-se de
costas para a classe, até aos aspectos metodológicos e à didática empregada na aula. As
outras matérias, segundo ele, eram: História da Educação, Canto Orfeônico, Sociologia,
Biologia (ministrada por um médico), Desenho pedagógico e Educação Física
15
.
Como explicita Nóvoa (2000), esses exercícios, bem como o conjunto de saberes
adquirido nas demais disciplinas, constituem a identidade profissional do professor.
Segundo Nóvoa (2000),
são pontos de partida de formação da identidade profissional as representações
que os professores constroem sobre os seguintes quatro aspectos da actividade
docente: o capital de saberes, saberes-fazer e saberes-ser que fundamentam a
prática: as condições do exercício dessa mesma prática, no que respeita tanto à
sua autonomia de controlo, como as questões de estatuto profissional e prestígio
social da função docente. (Nóvoa, 2000, pp. 145-146).
Além de demonstrar que aspectos constituíam a identidade profissional dos
professores formando pela Escola Normal de Pirassununga, do depoimento do Sr.
Daniel Caetano do Carmo, o que se depreende é que a ênfase conferida à disciplina
15
As informações dadas pelo entrevistado foram contrastadas com os quadros de faltas dos alunos e com
os quadros de avaliação do resultado escolar, coletados entre os anos de 1943 a 1949. Por esses quadros,
percebe-se que o curso normal era dividido em quatro seções: a primeira, denominada de Educação, era
dividida em quatro disciplinas: Psicologia, Pedagogia, Prática de Ensino e História da Educação; a
segunda seção era formada pela disciplina Biologia; a terceira, pela Sociologia; e, a quarta, por três
disciplinas: Desenho, Música e Trabalhos Manuais. Observa-se que essa divisão não se mantinha em todo
o período em que foram coletadas as fontes referidas, pois, no ano de 1947, por exemplo, verifica-se que
não constava, no quadro de notas, a disciplina História da Educação. No entanto, essa disciplina reaparece
no ano de 1948. Ao considerar a organização das escolas normais, prevista pelo Código de Educação do
Estado de São Paulo, de 1933 (Decreto nº 5.884, de 21 de abril), observa-se que essa divisão estava
prevista na Legislação vigente. No entanto, a segunda, a terceira e a quarta seções eram denominadas,
respectivamente, Biologia Aplicada à Educação, Sociologia e Disciplinas auxiliares, para as quais eram
sugeridas as seguintes disciplinas: para a segunda seção – Fisiologia e Higiene da Criança, Estudos do
crescimento físico da Criança, Higiene da Escola; para a terceira seção – Fundamentos da Sociologia,
Sociologia Educacional, Investigações Sociais em nosso meio; e, para a quarta seção – Desenho, Música
e Trabalhos Manuais. Com essas informações, pode-se concluir: a) as informações disponibilizadas pela
memória, a exemplo, das coletadas pela entrevista com o Sr. Daniel, apesar de ser uma fonte
importantíssima quando se intenta investigar as práticas de uma instituição escolar, não dão conta do que
era ministrado na Escola Normal de Pirassununga no período investigado. Um exemplo disso diz respeito
à referência à disciplina Educação Física, que, como se observa, não consta nos quadros de avaliação e
faltas. Ele também não faz referência às disciplinas Pedagogia e Psicologia, da primeira seção, embora
elas constassem da grade; b) por outro lado, as prescrições legais nem sempre dão indícios de como as
práticas escolares se instituíam. Pelo que foi relatado, observa-se que, na Escola Normal de Pirassununga,
a grade curricular foi apropriada e denominada de forma diferenciada do que previa a legislação,
tornando, por exemplo, como disciplina, de forma genérica, o que eram apenas os nomes da segunda e
terceira seções e sem especificar que as disciplinas Desenho, Música e Trabalhos manuais faziam parte
das denominadas Disciplinas auxiliares.
129
Prática de Ensino decorre do fato de que era nela, sobretudo, que os ex-normalistas
percebiam efetivar-se o caráter profissional do curso normal. Era nessa disciplina que
eles aprendiam, de fato, a serem professores.
Essa análise é concorde com as considerações de Vidal (2001), ao afirmar que,
apesar do caráter marcadamente prático que também tinham as outras disciplinas que
compunham o curso normal, “a qualidade da docência só poderia ser aferida e
aprimorada na experiência de sala de aula. Daí a ênfase em Prática de Ensino” (Vidal,
2001, p. 117).
A autora, no entanto, destaca que essa disciplina baseava-se em pressupostos
cientificamente definidos. Essa ênfase nos preceitos científicos é compreensível,
sobretudo, ao se considerar o movimento da Escola Nova e a interferência exercida por
Lourenço Filho nesse movimento.
Entretanto, pela análise das informações coletadas nas entrevistas com ex-
normalistas da Escola Normal de Pirassununga, não se pode constatar uma preocupação
científica de ensino-aprendizagem da prática, mas somente uma ênfase na importância
dessa prática. Porém, a impossibilidade dessa constatação não permite afirmar ou negar
a existência de cientificidade nas aulas de Práticas, mas somente que não há registro
dela na memória dos entrevistados. Uma hipótese justificativa para explicar esse fato é a
que , muito provavelmente, não estaria nos normalistas a consciência dos métodos
empregados, mas somente a consciência da importância das atividades desempenhadas
para o exercício da profissão que pleiteavam.
Como o objetivo, neste trabalho, não é discutir a disciplina Prática de Ensino,
mas tomá-la como lugar de produção das práticas das festas escolares na Escola Normal
de Pirassununga, elaborou-se o Quadro 2.2, no qual são destacadas as festas que
deveriam ser ensinadas aos normalistas. Para tanto, contrastou-se o que era prescrito
com as práticas da referida Escola Normal, para o que são tomados, como vestígios, os
dados coletados das entrevistas e do Jornal “O Movimento”. Como prescrições dessas
práticas, tomam-se as leis, o manual de Cardim (1916) e o Hinário (1945), além das
revistas Escola Nova (1930-1931), Educação (1932), Revista de Educação (1933-1961).
130
Quadro 3.2
COMEMORAÇÕES PARA O “APRENDER A FAZER COM”
PRESCRITO PRÁTICA
MÊS DIA COMEMORAÇÕES
LEI MANUAIS REVISTAS ENTREVISTAS JORNAL
MARÇO
15 Festa dos animais
X X X
ABRIL
21 Tiradentes X X X
22 Descobrimento do Brasil
X X
Dia do Trabalho X X
MAIO
13 Abolição da escravatura X X X X
Festa do livro
X X
JUNHO
11 Aniversário da Escola Normal
X
AGOSTO
25 Dia do Soldado
X X
SETEMBRO
7 Independência do Brasil
X X X X X
21 Dia da Árvore
X X X X
OUTUBRO
15 Proclamação da República
X X X X X
NOVEMBRO
19 Dia da Bandeira
X X X X
DEZEMBRO
22 Dia da Música X
25 Natal X
Fontes: Essas informações foram coletadas no cruzamento das informações disponíveis nas fontes utilizadas nesta pesquisa: leis e decretos do poder
executivo e legislativo, nos manuais de Cardim (1916) e no Hirio (1945), nas revistas Escola Nova (1930-1931), Educação (1932), Revista de
Educação (1933-1961), entrevistas com ex-normalistas da Escola Normal de Pirassununga e no Jornal “O Movimento”.
– - Não há referência.
131
O que se percebe, pela análise das informações dispostas nesse quadro, é uma
ênfase nas festas necessárias a serem aprendidas, não porque o foco estava no caráter
civilizatório dos normalistas, mas no papel que essas atividades poderiam exercer com
as crianças, que precisavam ter a personalidade e, especialmente, a identidade nacional
constituída, haja vista as várias referências às festividades de cunho patriótico, como
Tiradentes, Dia do Soldado, Independência do Brasil, Proclamação da República, Dia
da Bandeira.
Além disso, o que se verifica, pelo contraste das informações encontradas nas
diferentes fontes, é que nem todas as comemorações que eram previstas em Lei,
manuais e revistas, como o dia dos animais (25 de março) e dia da música (22 de
novembro) eram festejadas na Escola Normal.
No entanto, não se pode afirmar, com exatidão, que essas datas não eram
celebradas na Escola Normal de Pirassununga, somente por não haver registro nas
fontes selecionadas para esta pesquisa, como o Jornal “O Movimento” e as entrevistas,
haja vista saber que, embora ter sido verificado que as festividades da Escola Normal
ganhavam destaque nas páginas do referido jornal, não se pode afirmar que todas elas
tenham tido o mesmo tratamento.
No que diz respeito à Festa dos Animais, é possível encontrar, nas Revistas
analisadas, uma preocupação inversamente proporcional ao registros das práticas na
Escola Normal de Pirassununga, pois é sobre essa comemoração que há mais
referências entre os anos de 1928 e 1939. Percebe-se, pela análise dos artigos
publicados nas revistas, que o animal que mais merece atenção são as aves, com uma
preocupação de preservá-las, de aproximar os alunos de suas realidades, de modo que a
festividade fosse útil à vida, à preservação da natureza. (Ver Anexo 2).
Percebe-se, pelos registros analisados, que algumas festas ganhavam ênfase
destacada nas páginas de “O Movimento”, enquanto outras práticas não tinham o
mesmo destaque. Isso se pode perceber pela análise dos registros das práticas da
comemoração do Dia de Tiradentes, previsto para o dia 21 de abril. Ou seja, as festas
internas dificilmente apareciam no jornal, porque elas não eram eventos sociais, mas
restritas ao exercício escolar.
Mas, embora não haja, no jornal “O Movimento”, nenhuma notícia sobre essa
comemoração durante o período aqui analisado, nas entrevistas feitas com as ex-
132
normalistas, percebe-se que o dia 21 de abril era comemorado da seguinte maneira: na
primeira parte da aula, iniciava-se uma explicação clara e precisa do professor sobre a
data, seguindo-se a essa atividade poesias, pequenos discursos, diálogos, monólogos,
comédias, intercalando-se esses trabalhos de declamação com hinos e cantos patrióticos;
na segunda parte da aula, os alunos, dependendo da série, faziam gravuras, pintavam,
copiavam trechos, escreviam ditados, faziam composições livres sobre o assunto da
festa nacional.
Para compreender as práticas realizadas na Escola Normal de Pirassununga, vale
observar de que forma se indicava para comemorar esse dia, pelo que consta no manual
de Cardim (1916, p. 7-8):
TIRADENTES
1º anno Cópia
O nome de Tiradentes era Joaquim da Silva Xavier.Nasceu em Pombal
no anno de 1748 e morreu no Rio de Janeiro no dia 21 de abril de 1792.
VINTE E UM DE ABRIL
2º anno Cópia
3º anno Dictado
Comemora-se, hoje, a gloriosa data em que foi morto o grande
brasileiro Joaquim José da Silva Xavier, que tinha por alcunha Tiradentes.
Tiradentes nasceu em Pombal no anno de 1748 e morreu no dia 21 de
abril de 1792, enfocado na Praça da Lampadosa, nbo Rio de Janeiro.
O corpo de Tireadentes foi esquartejado e sua cabeça fincada em um
poste em Villa-Rica.
Salve inolvidável Tiradentes!
Pela análise da forma como se davam tais festividades, justifica-se a
classificação de localizar a comemoração do dia de Tiradentes (21 de abrial) como uma
prática a ser transmitidas aos normalistas não por tê-los como fim, mas por o fim estar
na formação profissional deles, uma vez que esses estudantes precisavam aprender a
133
comemorar essa data, para, assim, praticar com alunos da escola primária, quando
assumissem a função de professores.
Mas, pelo confronto com a obra de Cardim (1916) com os registros que ficaram
na memória dos ex-normalistas entrevistados, verifica-se um distanciamento entre o que
era prescrito e o que acontecia na prática. Observa-se que, nesta, eram acrescidas
atividades não indicadas no manual, o que permite afirmar que a realização das práticas
não se prende às prescrições. Além disso, não se pode perder de vista que o manual
datava de um período bem anterior às práticas analisadas, o que permite supor que os
distanciamentos podem decorrer também das peculiaridades da época, que impõem
alterações diversas.
Ainda no mês de abril, comemorava-se o Dia do Descobrimento do Brasil (22 de
abril). Acerca dessa data, pode-se verificar no Quadro 3.2, que ela não era prevista por
lei, não figurava nas revistas usadas como fonte para esta pesquisa, nem foram
encontradas referências no Jornal “O Movimento”, mas os ex-normalistas entrevistados
enfatizam a comemoração da data. Além disso, foram encontradas, em Cardim (1916),
prescrições de como essa comemoração deveria acontecer.
O manual, além de indicar a realização de cópia de lição sobre o tema, no
primeiro ano, determinava que fossem realizadas cópias e ditados nos 2º
s
e 3º
s
anos,
precedidas de uma preleção do professor sobre a data. À copia e ao ditado soma-se a
distribuição de trechos sobre o data, para que os alunos decorassem e declamassem. No
manual, encontram-se todas as informações que o professor precisava seja para fazer a
preleção, seja para indicar os trechos a serem distribuídos pelos alunos, copiados ou
ditados. Além disso, o manual trazia um jogral, para que fosse montado com as crianças
da escola primária.
A comemoração do Dia do Descobrimento foi confirmada pela entrevistas
realizadas com ex-normalistas que informaram a prática da preleção sobre a data, a
realização dos ditados e das composições sobre o tema. Além disso, eles informaram
que, nesse dia, faziam a pintura do mapa do Brasil.
Por essas informações, constata-se que se tratava de uma festa que cumpria os
pré-requisitos de conformação de um patriotismo, de uma identidade nacional, além de
ser uma prática incentivada para que os normalistas aprendessem a fazer com as
crianças da escola primária.
134
Em maio, tem-se registro da comemoração do 1º de maio (Dia do Trabalho) que,
embora prevista por lei, não há referência no manual, nem no Jornal, nem nas revistas
analisadas, mas há registro da comemoração na memória dos ex-normalistas
entrevistados. Segundo eles, para marcar essa data, na classe, era feita uma explicação
das professoras sobre a importância de todas as profissões, desenhos, pinturas, ditados e
redações conforme o nível da classe.
A ausência de referências sobre a comemoração do Dia do Trabalho na Escola
Normal de Pirassununga, nas páginas de “O Movimento”, demonstra que era uma
atividade que não estava aberta à participação da sociedade, mas restrita ao “aprender a
fazer com” que a Escola Normal precisava transmitir para seus alunos, ou seja,
apresentava um caráter eminentemente pedagógico, sobretudo quando se considera que
era uma data prevista para ser comemorada no calendário oficial, como se pode
verificar, no Quadro 2.2, que era prevista por lei, embora não constasse no manual de
Cardim (1916).
Uma outra data comemorada na Escola Normal de Pirassununga, indicada no
calendário oficial, é o dia 13 de maio – Dia da abolição da escravatura. No entanto, só
foi encontrada referência a essa data, na cidade de Pirassununga, em 1935, quando foi
publicada uma nota em “O Movimento” sobre a comemoração desse dia na Escola
Normal da cidade.
Nesse ano, afirma-se, no jornal, “reuniram-se no salão nobre, após o período
escolar” (Jornal “O Movimento”, 1935, p. 1), professores e alunos, organizando um
programa lítero-musical, com auxílio do Orfeão. O jornal informa que, para
comemoração dessa data, a Liga Universitária de São Paulo enviou à cidade, a fim de
falarem sobre a data histórica de 13 de maio, acadêmicos. A sessão começou com a
palestra dos acadêmicos, seguiram-se declamações de poesias dos normalistas referentes
à data e números do Orfeão. Para o encerramento da sessão todos foram convidados a
assistirem aos jogos que se seguiram no campo da escola.
Vê-se que essa festa é uma comemoração tipicamente restrita à aprendizagem
dos alunos e só apareceu referência a ela, no Jornal, quando se transformou em um
evento social, com a visita de integrantes da Liga Universitária de São Paulo.
No entanto, essa constatação não diminui o papel de destaque que a Escola
Normal de Pirassununga assumia nessas festividades, porque era ela, pelo que se
135
verifica, o lugar aglutinador da vida acadêmica e social da cidade, um lugar de
referência para a realização de encontros e debates. Além disso, percebe-se que essa
atividade, embora tenha acontecido em um período fora do horário de aula, não
minimiza o caráter pedagógico, uma vez que os normalistas deveriam saber como
comemorar tal data com as crianças da escola primária.
Em Cardim (1916), encontram-se trechos que relatam o fato histórico
comemorado no 13 de maio. Prevê-se que o professor, após explicar o significado da
data, deveria entregar trechos a cada aluno para que fossem decorados e recitados na
ordem em que fossem entregues. Além disso, previa-se que no primeiro ano do Curso
Normal, deveria ser feita uma cópia de lição sobre o tema e, no segundo e terceiro anos
(como era a organização do Curso Normal em 1916), à cópia somar-se-ia um ditado.
Na entrevista realizada com Dona Maria Lúcia Fantinatto, normalista nos anos
de 1956 a 1958, tem-se a informação de que, para marcar a comemoração dessa data,
era feita preleção sobre a abolição da escravatura, ditado e uma composição sobre o
tema. Pelo depoimento, percebe-se uma aproximação muito grande entre o que era
previsto em Cardim (1916) e o que se tem registro na memória da ex-normalista. A
diferença está apenas no fato de que, no manual, previa-se uma cópia de lição, atividade
condenada pela pedagogia escolanovista. O modelo estabelecido pelo manual aparece
apropriado pela pedagogia científica, dado que a ex-normalista registra a atividade de
composição livre sobre o tema que, segundo ela, servia para o professor verificar a
compreensão dos alunos sobre a preleção realizada no lugar da cópia de lição.
Por essa prática, percebe-se uma alteração nos padrões de produção de
conhecimento que, embora não se perceba uma consciência dessa alteração por parte da
ex-normalista entrevistada, verifica-se uma presença dos preceitos defendidos pelo
movimento escolanovista, pelo qual o aluno precisaria ser senhor da produção do
conhecimento e não um mero repetidor do que já fora produzido.
Ao voltar o interesse para compreender as práticas das festas realizadas na
Escola Normal de Pirassununga, vê-se que nem tudo era prescrito. Um exemplo disso é
a Festa do Livro, comemoração para a qual não constava determinação legal, não
figurava em Cardim (1916), nem nas revistas que servem de fonte para esta pesquisa,
136
mas que é registrada na memória dos ex-normalistas entrevistados e encontrada uma
referência a essa comemoração no Jornal “O Movimento”, em 1937
16
.
Segundo as entrevistadas, a festa do livro era um grande dia para as crianças.
Ocorria quando os alunos da Escola Primária encerravam o período de alfabetização e
marcava a entrada dessas crianças para a vida letrada, ou seja, a passagem das cartilhas
para os primeiros livros de leitura. Marcava, assim, a introdução das crianças às leituras
preparatórias que representavam a separação entre as cartilhas e o primeiro livro. Essa
festa simbolizava, então, o momento em que as crianças estariam aptas a ler e escrever,
quando receberiam livros de leitura que traziam um grande acervo de palavras que já
lhes eram conhecidas.
Nessa festividade, informam os entrevistados, que as professoras pediam às
mães dos alunos que trouxessem, para a escola, doces e salgados para comemorar esse
dia com uma festa que marcasse o coração das crianças.
Ou seja, a festa do Livro era realizada em parceria da Escola Normal de
Pirassununga com a escola primária. Além de ser uma festa que visava marcar um
divisor de águas na vida das crianças, uma comemoração peculiar da Escola Normal de
Pirassununga, já que não era uma deliberação oficial, e, como traço distintivo de tal
escola, não se abstinha da participação da comunidade. Com essa participação, portanto,
o dia que marcava a aptidão das crianças a ler e escrever torna-se importante não só para
elas, mas para suas famílias. Desse modo, a Escola Normal de Pirassununga impunha
uma marca indelével na vida da cidade, de participação ativa na vida social.
Essa atividade demonstra ainda que os estudantes da Escola Normal mantinham
relações muito próximas com os futuros alunos da escola primária, de modo que,
mesmo sem que já fossem profissionais, já estabeleciam contato com a realidade
escolar, a fim de, como afirmara Lourenço Filho (apud Vidal, 2001), “aprender a fazer,
fazendo”.
Ainda sobre esse tipo de prática, está a comemoração do dia 25 de agosto,
dedicado a Duque de Caxias, quando se festeja o Dia do Soldado. Embora, como pode
ser verificado no Quadro 3.2, essa comemoração não fosse prevista em Lei nem
16
A referência à Festa do Livro, no Jornal “O Movimento”, é confusa e pouco esclarecedora. Nele, pode-
se ler: “o ensino atual apresenta várias necessidades. É preciso satisfazê-las. Algumas exigem uma
solução imediata. A Associação de Pais e Mestres é uma delas” (Jornal “O Movimento”, 1937), o que
nada elucida sobre a prática dessa comemoração.
137
houvesse referência no manual e nas revistas analisadas, há registro dela na memória
dos ex-normalistas duas referências em “O Movimento”: em 1938 e 1940. Ou seja,
observa-se que, embora essa data não constasse no calendário nacional de
comemorações, era festejada pelas normalistas de Pirassununga.
No jornal de 1938, informa-se que foi inaugurado, na sala do 3º ano misto da
Escola Normal, o retrato do Duque de Caxias. Além disso, consta que a solenidade foi
iniciada pelo Diretor da Escola Normal, dizendo do significado dessa festa e exaltando a
obra nacionalista inaugurada pelos jovens nas escolas públicas. A seguir, há o registro
de que falou o adjunto da classe, que discursou sobre a vida e obra do soldado e Duque.
Depois, informa-se que um ilustre Comandante conduziu uma jovem normalista pela
mão que, sob vibrantes palmas, retirou a Bandeira Nacional que cobria o retrato a ser
inaugurado. Com alguns números de poesias e o Hino Nacional, encerrou-se a festa que,
segundo o jornal “O Movimento” (1938), causou a melhor impressão.
Em 1940, há no Jornal, outra referência a essa comemoração dizendo que no dia
25 de agosto foi comemorado o dia do soldado no 2º R.C.D. e que a festa decorreu com
muito brilho. Dentro dos muros da Escola Normal, as crianças, junto com os futuros
professores, aprendiam a história da festa, declamavam poesias, faziam ditados,
desenhavam, descreviam o desenho e narravam a história que a professora contava.
O que se observa é que, quando a festa é organizada dentro e pelos dirigentes da
Escola Normal de Pirassununga, ela ganha uma conotação diferenciada, de solenidade,
com a participação da comunidade escolar e seu corpo docente, diretor e com a
participação trazida de fora de um oficial militar. Já quando ela acontece fora dos muros
da escola aparece sem o mesmo tom solene que a Escola Normal de Pirassununga
oferecia.
Mas, percebe-se também que, quando o jornal faz referência à comemoração
organizada por uma outra instituição que não a Escola Normal, não se deixa de destacar
que a data também era festejada por aqueles que estavam ligados à Escola Normal,
explicitando, assim, a relevância que essa instituição tinha para formar o ideal
republicano, de culto aos vultos nacionais.
Além disso, fica clara a finalidade de tal comemoração, uma vez que a festa não
se voltava, apenas, à participação dos normalistas, mas que esses aprendessem como
138
deveriam proceder para comemorar tal data com as crianças da escola primária, depois
de diplomados.
Por outro lado, pela análise das informações tornadas disponíveis pelos
normalistas entrevistados, todos citam o 25 de agosto, mas não explicitam como se dava
a prática dessa comemoração. Assim, não se sabe se o registro que eles têm na memória
decorre de quando eram normalistas ou de algum calendário que cumpriram como
profissionais. Das entrevistas, importa a referência a essa data como importante para
que candidatos a professores aprendessem para fazer com os alunos da escola primária.
Outra festa, comemorada na Escola Normal com esse mesmo objetivo, era o dia
da Independência do Brasil. Sobre esse dia, pode-se ler nas páginas de “O Movimento”:
DIA DA PÁTRIA
Ultimam-se os preparativos para a comemoração da grande data brasileira – 7
de setembro – em nossa cidade.
A Escola Normal, com o concurso valioso, do 2º R.C.D. [Regimento de
Cavalaria] de outros estabelecimentos de ensino local e das nossas autoridades,
organizou o magnífico programa das festividades que vão ser realizadas na
próxima quinta-feira, e que já publicamos em nossa última edição. (Jornal “O
movimento, 3 de setembro de 1939, p. 1]
O que se observa, por esse trecho da nota do Jornal, é que a organização dessa
comemoração demorava dias. Além disso, percebe-se que a Escola Normal é a primeira
a ser citada na comissão de coordenação das comemorações da referida data, no caso,
uma festa cívica.
O caráter cívico da comemoração não deixava de ter um valor pedagógico, como
se percebe na conclusão do artigo: “mais uma vez lembramos ao povo pirassununguense
o dever de todo o cidadão brasileiro concorrer o maior brilhantismo da festa do dia”
(Jornal “O Movimento”, 3 de setembro de 1937, p. 1). Ou seja, a participação da Escola
Normal justifica-se pelo fato de que ela não exercia a função pedagógica restrita apenas
aos normalistas, mas tinha um raio de atuação ampliado, uma vez que intentava
conscientizar toda a sociedade de Pirassununga para os preceitos de civismo, de
patriotismo, de constituição de uma identidade nacional em toda a população e não
139
somente nos normalistas ou nos alunos da escola primária que seriam alvo das ações
desses estudantes quando formados professores.
Pela análise do Quadro 3.2, percebe-se que a comemoração do Dia da
Independência figurava como uma das principais datas festivas da Escola Normal, pois
há referências a ela em todas as fontes consultadas (leis, manuais, revistas, entrevistas e
no Jornal “O Movimento”).
A respeito dessa comemoração, de 1934 a 1938, pode-se perceber, com base nas
matérias publicadas no jornal, que as festividades eram mais simples, com menos
sofisticação se comparadas com as realizadas no período posterior a esses anos. De
1934 a 1938, a programação consistia em:
a) Encontro dos alunos dos grupos escolares e alunos da Escola Normal para
desfile nas avenidas principais da cidade e ida ao Comando da Força Aérea
Brasileira;
b) Hasteamento da Bandeira Nacional;
c) Canto do Hino Nacional;
d) Volta em frente à Escola Normal. Parada para preleção do diretor sobre a
importância da data;
e) Encerramento da festa com o Orfeão Escolar da Escola Normal com canções
cívico-patrióticas.
Em 1938 e 1939, as comemorações começaram a se sofisticar. Em 1938, o jornal
apontava a importância da festa para a nação e dava a programação:
a) 6:00 h – Missa na Igreja Matriz
b) 7:00 h – Hasteamento solene da Bandeira, ao som do hino nacional,
executado pela banda de música
c) 7:30 h – Canto do Hino à Independência pelas praças
d) Apresentações de educação física:
- crianças dos grupos escolares;
- alunos do Curso Fundamental sob a direção do professor de ginástica da
Escola Normal;
140
- exercícios de defesa pessoal, executado por praças do 2º R.C.D.;
- alunas do Curso Fundamental.
À tarde, a partir das 14 h, havia atividades esportivas, organizadas com
competições entre os praças e os alunos da Escola Normal.
Às 19 h, realizava-se, na Igreja Matriz, missa solene “Te-Deum”, em ação de
Graças.
Às 20 h, na Escola Normal, inaugurou-se o cinema educativo da Biblioteca de
Sociologia “Alberto Torres” – biblioteca da Escola Normal de Pirassununga.
Em 1939, as provas esportivas vão também se sofisticando, com divisão de
categorias para disputa, como se pode observar pelo resumo que se fez dessas
atividades, a partir do jornal “O Movimento” (1939, nº 249, p. 1):
1ª Prova - demonstração dos 400 metros com barreiras;
2ª Prova – 100 metros rasos;
3ª Prova – Arremesso de dardo;
4ª Prova – 800 metros rasos;
5ª Prova – Arremesso de peso;
6ª Prova – Revezamento 4 x 100 metros rasos;
7ª Prova – Revezamento 4 x 400 metros rasos;
Em 1940, o jornal apela para o sentimento patriótico que o dia 7 de Setembro
deveria representar para os leitores: “Porque, dentre todas as datas nacionais, 7 de
Setembro possui algo que fala mais perto ao coração do brasileiro, tocando-lhe como
vara mágica, ao seu sentimento e ao seu patriotismo...” (Jornal “O Movimento, 1940). E
fornece a programação para a data, que começa a ficar mais simples do que nos
anteriores:
9:00 h – Missa solene na Matriz Nova
9:40 h – Corrida – Volta de Pirassununga
18:00 h – Arreamento da Bandeira com o Hino Nacional pela C.M.P.
(Corporação Musical Pirassununguense)
141
19:30 h – Solene “Te Deum” na Matriz Nova (Jornal “O Movimento”, 1940, p.
5).
Para compreender a importância que as comemorações do Dia da Independência
passa a ocupar nas páginas de “O Movimento”, é preciso considerar o período do
Estado Novo, em que se intentava construir um consenso coletivo, uma comunidade
moral coesa que articulasse os interesses de grupos diferentes e dispersos. Essa
comunidade moral, como informa Parada (2003), era a nação, concebida como uma
superação do individualismo e do partidarismo liberais, expressando-se como uma
totalidade não redutível às partes.
Além disso, informa Parada (2003) que os grupos políticos que ocuparam o
Estado brasileiro ente 1937-1945 empenharam-se em produzir uma imagem a respeito
do Estado Novo como momento fundador da nacionalidade.
Nesse sentido, a comemoração do 7 de Setembro atuava como uma forma de
constituir esse espírito de nacionalidade que estaria difuso e disperso no “inconsciente
da nação” e a construção de um Estado verdadeiramente nacional deveria opor-se às
tendências desagregadoras que se tentava combater, para o que a comemoração do Dia
da Independência servia perfeitamente, pois firmava a unidade em todos os aspectos,
políticos e sociais.
De 1941 a 1945, aparecem notas pequenas no jornal, informando “Dia da
Pátria”; programação: a) concentração de alunos da Escola Normal e militares com a
presença de autoridades em frente à Escola Normal para ao som do Hino Nacional o
hasteamento da Bandeira Brasileira; b) alocução proferida pelo sr. Capitão do 2º
Regimento da Cavalaria; c) parte esportiva – demonstrações de educação física
efetuadas à tarde na quadra esportiva da Escola Normal.
As informações encontradas no jornal também aparecem nos depoimentos dos
ex-normalistas, que destacam ser a festa cívica mais importante. Além dos desfiles, das
atividades que envolviam toda a sociedade de Pirassununga, os ex-normalistas são
concordes ao afirmar que, na semana que antecedia as comemorações do Dia da Pátria,
os professores faziam preleções sobre o tema, preparando-os para a comemoração que
se aproximava.
142
As informações dadas pelos normalistas são também confirmadas pelo que era
prescrito em Cardim (1916). Nesse manual, além de prever as preleções sobre a data,
indicava também a realização de cópias de texto sobre o tema, declamação de trechos
que louvassem a data, ditados sobre o assunto, além de trazer o modelo de encenação de
uma peça de teatro que os normalistas poderiam realizar com os alunos da escola
primária. Essas prescrições demonstram que a comemoração do Dia da Pátria envolvia
uma série de atividades, não só prescritas em Cardim (1916) ou registradas nas páginas
de “O Movimento”, mas que também ficaram registradas na memória dos ex-
normalistas, dada a importância conferida à comemoração desse dia.
Além disso, percebem-se registros da comemoração dessa data também na
revistas tomadas como fonte das prescrições para esta pesquisa, quando, na Revista de
Educação, de 1934, é encontrada a afirmação de que as festividades deveriam contar
sempre de uma parte literária e musical e, se possível, de uma parte esportiva. No
periódico, indicava-se também que convinha que as atividades não deveriam ser longas,
monótonas e fatigantes, nem que acarretassem despesas extraordinárias, com
preparativos para as exibições, às famílias dos alunos.
Observa-se que, em todos os anos, a festividade começava e terminava em frente
e dentro da Escola Normal de Pirassununga. Tudo ocorria ao redor da Escola Normal,
com pouca ou muita sofisticação na programação. Participantes da Igreja, esportistas,
militares, políticos, diretores, professores e alunos participavam e se organizavam para
que a festa fosse bem sucedida.
O destaque que tinha a participação da Escola Normal de Pirassununga na
comemoração do 7 de Setembro, além de apontar para o prestígio da instituição na
comunidade local, localiza a participação da Escola no ideal no Estado Novo, quando se
intentava conformar não só os corpos, mas os espíritos em torno de uma identidade
nacional. Segundo Gomes (apud Parada, 2003, p. 21-22),
a definição do conceito de nação – formulado pari passu aos conceitos de bem-
estar social e de democracia – não se fazia como uma construção exterior ao
indivíduo, e sim como um fato interior a ele. A chave que abria a possibilidade
de tal solução era justamente a finalidade humanizadora do Estado Nacional, ou
seja, seu ideal de formação de uma comunidade espiritual no país. Se o Estado
possuía um “conteúdo humano”, não podia estar “fora” do indivíduo: precisava
infiltrar-se nele para superá-lo em nome de um objetivo coletivo que era o de
todo grupo nacional
.
143
Por estar, parte das comemorações do Dia da Independência do Brasil,
localizada entre 1937 e 1945, não se pode deixar de considerar o que essas
comemorações significavam para o Estado Novo. Nesse período, informa Parada
(2003), a montagem de um calendário de comemorações teve, para além de seu esforço
normatizador e policial, que já se evidenciava em 1936, um papel destacado na
construção desta comunidade subjetiva, em que “o indivíduo tornava-se parte da
comunidade, assim como a comunidade tornava-se parte do indivíduo” (Parada, 2003,
p. 22).
Com a comemoração do 7 de Setembro, percebe-se o culto ao maior símbolo
nacional, a própria nação, quando se compartilhava o símbolo com toda a comunidade.
Nesse quadro, informa Anderson (apud Parada, 2003, p. 23), “as cerimônias cívicas
com sua intensa carga dramática – teriam um papel importante no sentido de produzir
unidade, dando uma aura de sacralidade à imagem da nação”.
Além disso, percebe-se, durante o período em que vigorou o Estado Novo, uma
ênfase na prática esportiva, que intentava mostrar o jovem como “sadio”, “disciplinado”
e “nacional”, como símbolo de uma das condições de modernização do país. Como se
observa pelos registros das práticas realizadas no 7 de Setembro, que se dava ênfase às
atividades esportivas. Essa ênfase encontra justificativa no fato de que, no período do
Estado Novo, a Educação Física e o Canto Orfeônico figuravam como estratégias do
estado autoritário voltadas para a pacificação e a disciplinarização dos corpos (Cf.
Parada, 2003).
Nota-se ainda, pela análise do registro das práticas de comemoração do Dia da
Independência, a partir do Estado Novo (1938), é um crescendo da participação da
Igreja nas atividades festivas, sendo realizada missa solene não apenas na abertura das
comemorações, mas também no encerramento delas. Hilsdorf (2006) ilumina a
compreensão dessa prática em face do regime político, ao afirmar que o ensino da moral
católica estava colocado em igualdade de condições com a Educação Física, a História e
a Geografia, disciplinas voltadas para reforçar o nacionalismo, sobretudo, no que diz
respeito às festividades da Semana da Pátria. Nas palavras da pesquisadora,
144
Para reforçar o nacionalismo o Estado Novo destacou no currículo dos cursos
elementares e secundários a importância da educação física, do ensino da moral
católica e da educação cívica pelo estudo da História e da Geografia do Brasil,
do canto orfeônico e das festividades cívicas, como a “Semana da Pátria”.
(Hilsdorf, 2006, p. 100).
Essas evidências apontam para o fato de que as práticas da Escola Normal de
Pirassununga, que os professores precisavam aprender para ensinar as crianças da escola
primária, estavam intimamente ligadas com o momento político em que a instituição
estava imersa. Não eram, portanto, práticas isoladas ou excêntricas, mas justificadas
com o que se esperava dos professores: formar e conformar corpos e mentes para
servirem ao regime político vigente.
Nessa mesma linha encontram-se as comemorações do Dia da Proclamação da
República (15 de novembro), como se pode verificar pelo pela nota publicada, em 1938,
em “O Movimento”.
15 de Novembro
As Seções de Educação e Sociologia da Escola Normal, como
cooperação aos festejos comemorativos da grande data de 15 de Novembro –
50º da República Brasileira – resolveram realizar um trabalho de propaganda
por intermédio dos alunos, trabalho esse que consistirá de palestras e artigos
para a imprensa.
A propósito, publicamos hoje a primeira colaboração dos alunos desse
sentido. Ei-la:
A Importância do Sentimento Nacional na vida do País”
Esses trabalhos, feitos pelos alunos, duraram até o dia 15 de dezembro de 1938.
Foram publicados, durante esse mês, quinze artigos em comemoração a essa data.
Percebe-se, então, que, de 1934 a 1945, só uma vez o jornal noticiou o 15 de
novembro.
No entanto, supõe-se que essa iniciativa dos alunos da Escola Normal de
Pirassununga tenha conferido . Ao escreverem artigos sobre o dia 15 de Novembro para
o jornal “O Movimento”, os normalistas ofereciam à comunidade local e regional uma
coletânea de textos para guardar (se quisessem) e saber mais sobre a importância dessa
data.
145
Em conversas com as antigas normalistas obteve-se a informação que a Escola
Normal se preparava para esta festa com desfiles na quadra e canto do hino à República.
Em sala de aula era contada a história pela professora, feitas cópias, ditados e redações.
Essas atividades demonstram o papel pedagógico dessas festividades, pois os
normalistas precisariam aprender a comemorar a data para fazê-lo como profissionais.
Em Cardim (1916), também são encontradas prescrições de como festejar o dia
15 de novembro:
QUINZE DE NOVEMBRO
1º anno Cópia
Foi a 15 de novembro de 1889 que o patriotismo nacional implantou o
regim republicano no nosso estremecido País.
Salve o dia 15 de Novembro de 1889!
Viva a República Brasileira!
QUINZE DE NOVEMBRO
2º anno Cópia
3º anno Dictado
(Cardim, 1916, p. 20-21).
Além das indicações do que deveria ser feito, o autor do manual apontava para o
que o professor deveria discutir a respeito da data.
Foi a 15 de Novembro de 1889 que o patriotismo nacional implantou o
regimen democrático, fazendo rolar por terra a coroa imperial, e levou ao poder
um legitimo representante do povo.
Neste memorável dia o nosso caro Brasil deixou de ter um imperador,
que era sahido de uma família previlegiada, para dar logar a um presidente que
é tirado do povo e escolhido pelo povo.
O imperador presidia aos destinos de nossa Pátria durante sua vida ou
emquanto quizesse;o presidente da República exerce as mesmas funcções por
espaço de quatro annos.
O povo brasileiro, em suas legitimas aspirações, unindo-se,
enthusiasticamente, ao exercito e á armada, proclamou a Republica dos Estados
Unidos do Brasil.
146
Os vultos eminentes que chefiaram as proclamação da Republica foram
: Benjamin Constant e Marechal Deodoro da Fonseca.
Benjamin Constant com o robustez de seu cérebro, com a convicção
inabalável de sua crença, com a rigidez férrea de seu caracter impoluto foi a
cabeça pensante da revolução republicana brasileira.
Marechal Deodoro da Fonseca, o militar cheio de serviços à Pátria, o
soldado experimentado, o destemido representante da opinião nacional, foi o
braço inquebrantável da revolução triumphante.
É de justiça render, nesta occasião, uma homenagem sahida do intimo
da nossa alma, á memória desses grandes vultos, como é de nosso dever prestar
o nosso culto de profunda admiração á memória sempre venerada de Floriano
Peixoto, o abnegado consolidador da Republica.
Viva a Republica Brasileira!
(Cardim, 1916, 20-21).
Também foi encontrada referência à comemoração dessa data na Revista de
Educação, em dezembro de 1929. A referência é feita ao Orfeão da Escola Normal da
Praça da República e ao Orfeão da Escola do Brás, que tiveram, segundo as informações
encontradas, um papel nítido no incentivo à arte do canto. O artigo enaltecia a disciplina
do canto orfeônico que começava nos bancos escolares a criar o bom gosto pela música
popular ao comemorar a data com cantos em louvou à Proclamação da República.
No artigo da Revista de Educação de março de 1934, intitulado Festas
Escolares, também há referência sobre as datas nacionais, que deveriam ser
comemoradas, segundo a Revista, com uma parte esportiva, sem acarretar despesas
extraordinárias às famílias e serem breves para não fatigarem os presentes.
No entanto, se consideradas as indicações presentes no manual de Cardim
(1916) e na Revista de Educação, percebe-se que, embora as comemorações do dia 15
de novembro pudessem seguir as prescrições, verifica-se que a comemoração acontecia
segundo as peculiaridades, no caso, da cidade de Pirassununga, que davam à
participação dos normalistas um espaço para além das atividades internas aos muros da
escola, o que pode ser afirmado por considerar a produção dos textos sobre o tema pelos
normalistas da época.
Com a produção desses textos e com a publicação deles no jornal, observa-se
que a comemoração dessa data não se limitava a cópias e/ou ditados, nem a preleções
como sugerido por Cardim (1916). Na prática, os alunos acabavam, com a
comemoração do dia 15 de novembro, alcançando grande visibilidade, pois produziam
147
textos sobre o tema que não ficavam restritos ao conhecimento da escola, ou mesmo da
sala de aula, mas expostos à leitura de todos os cidadãos pirasununguenses, por meio
das páginas do Jornal.
Pela análise das informações organizadas no Quadro 3.2, observa-se que a
comemoração do Dia da Proclamação da República colocava-se em pé de igualdade
com a comemoração do Dia da Independência, por haver registros, em todas as fontes
tomadas para esta pesquisa, das prescrições às práticas, já que era uma festa prevista em
lei, com registro no manual de Cardim (1916), nas revistas, nas páginas do Jornal “O
Movimento” e ainda com marcas na memória dos ex-normalistas entrevistados. Isso
demonstra, considerando, por exemplo, os preceitos do Estado Novo, a relevância dada
ao culto das datas patrióticas, a fim de conferir o sentimento de pertença a uma nação.
Se considerado ainda a relevância dada à participação dos normalistas na
comemoração dessa data, percebe-se que a ênfase não se justificava apenas pelo fato de
formar nesses estudantes o sentimento nacional, mas para ensiná-los a atuar quando
profissionais, quando o incentivo à formação desse sentimento se tornasse mais
necessário, inculcá-lo nas crianças desde a mais tenra idade.
Também no mês de novembro, comemorava-se o Dia da Bandeira (19). Essa
festa, segundo depoimento dos ex-normalistas entrevistados, acontecia no interior da
Escola Normal, com o hasteamento do símbolo pátrio no pátio interno e o canto de seu
hino. As classes eram enfeitadas com bandeirinhas feitas pelos alunos. Não foi
encontrada nenhuma referência a essa comemoração no jornal “O Movimento”, apesar
de ser lembrada pelos ex-normalistas entrevistados.
Pode-se afirmar que essas comemorações estavam estritamente relacionadas à
idéia da escola republicana, porque a comemoração das datas cívicas, das datas
“notáveis” da nossa história, era uma estratégia, segundo Souza (1998), de conformar
um imaginário sócio-político republicano.
A esse respeito, a autora argumenta que
ao fazer das datas cívicas uma atividade escolar, o Estado fez da escola um
instrumento de lembrança e de memória histórica. Fundar a República implicou,
entre outros aspectos, a elaboração de um imaginário sócio-político com vistas a
legitimar o novo regime (Souza, 2000, p. 178)..
148
Pode-se entender melhor esta argumentação pela interpretação que Souza (2000)
para quem,
no processo de elaboração do imaginário da República, a escola primária e
secundária exerceram um papel fundamental. Coube a elas “formarem almas”,
como fora atribuído à escola republicana francesa (Petitat, 1994), participando
da construção da identidade e da unidade da nação, não só pela transmissão de
uma cultura comum e pela difusão de valores morais e cívicos, mas atuando ao
nível do imaginário, dos sonhos, das aspirações, das esperanças e do
inconsciente. Assim, na escola, a Proclamação da República, a exaltação a
Tiradentes, as datas históricas, a bandeira, o hino, os símbolos nacionais
consistiram em ensinamentos, cujo significado envolveu mais que simples
lições de História (Souza, 2000, p. 178).
As palavras de Souza (2000) elucidam, portanto, em que ambiente estavam
situadas as práticas das festas da Escola Normal de Pirassununga, que, pelo que já foi
exposto, apresentava aproximações e distanciamentos do que se previa, mas que não
constituíam práticas isoladas ou excêntricas.
Mais um exemplo para analisar as práticas realizadas na Escola Normal de
Pirassununga diz respeito à comemoração do Natal, que, apesar de ser uma data
comemorativa prevista em Lei, não era festejada na Escola Normal, como se pode
observar no Quadro 3.2, pelo qual se percebe que não há menção à comemoração do
Natal nem nos manuais, nem nas revistas, nem nas entrevistas, nem no Jornal. Além
disso, ao ser perguntado aos ex-normalistas entrevistados sobre a comemoração do
Natal, houve um consenso ao afirmarem que a comemoração dessa data cabia à igreja e
não à Escola.
Pela ênfase com que os entrevistados tentaram distinguir as comemorações que
cabiam à Escola e as que eram realizadas pela Igreja, percebe-se um esforço em
qualificar as atividades escolares em detrimento das atividades religiosas, como se as
relações entre Igreja e Estado fossem distantes. Mas, pelo que se pode verificar em
comemorações que contam com a participação e a organização de autoridades, sejam
elas políticas ou militares, não se dispensa a participação da Igreja nos eventos. É
possível observar que durante esses eventos sempre se realizavam missas e apresentação
de hinos religiosos. Com isso, pode-se concluir que, apesar de os entrevistados tentarem
afastar a Igreja da Escola, a primeira se fazia muito presente.
149
Mas, no que diz respeito especificamente à organização de festas na Escola Normal,
verifica-se o envolvimento de várias disciplinas a exemplo da Educação Física,
passando pela Biologia, pela História, Geografia, Trabalhos manuais, Canto Orfeônico,
à Prática de Ensino. Esta, porém, tinha relevância destacada, como se pôde verificar
pelos depoimentos dos ex-normalistas, na qual se estimulava o “aprender a fazer com”.
150
-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o intuito de analisar as práticas das festas na Escola Normal de
Pirassununga, pôde-se constatar que essas práticas, assim como a referida instituição de
ensino, não estavam isoladas do projeto político republicano.
Por conta disso, vê-se que a compreensão das práticas das festas na Escola
Normal de Pirassununga não se limita a um estudo de caso, pois ajuda a perceber de que
modo o projeto político republicano foi apropriado. É claro que esse estudo não dá
conta das diferentes apropriações, mas demonstra que uma instituição de ensino, mesmo
distante dos grandes centros urbanos, sobre os quais recaem grande parte dos estudos,
não pode ser compreendida a partir da premissa das peculiaridades, como se apenas as
práticas internas aos muros que as delimitam importassem.
Pelo que se pôde perceber, a Escola Normal de Pirassununga, no que concerne
às práticas das festas escolares, não se limitava a atuar internamente, pois, com as festas,
a instituição ia além de seus limites, fazendo-se presente em outros espaços, em outras
manifestações sociais, pedagogizando-os, preparando não só os estudantes a essa
instituição vinculados para um país próspero, para dias de progresso, mas toda a
sociedade que entrava em contato com ela.
Para cumprir esse ideal republicano, as festas escolares serviam amplamente,
pois seja quando os estudantes participavam das comemorações fora da Escola, a
exemplo do 7 de setembro, do aniversário da cidade, seja quando a população vinha
para o espaço da escola, a exemplo das comemorações dos trabalhos escolares, do
concurso para a escolha da rainha dos estudantes, da festa de formatura, vê-se uma
interação entre a Escola Normal e a sociedade, de modo que não só os estudantes,
diretamente ligados a ela passavam pela inculcação de hábitos, mas todos os demais
participantes.
No entanto, embora fique evidente que as práticas das festas da Escola Normal
de Pirassununga não podem ser compreendidas se desvinculadas do momento histórico
em que são realizadas, por outro, percebe-se que nem tudo que é prescrito é incorporado
às práticas, e mais, nem tudo que é prescrito é apropriado tal qual se prevê.
Por conta disso, verificou-se que muitas festas escolares prescritas não foram
realizadas na Escola Normal de Pirassununga, como, por exemplo, a Festa dos Animais
e o Dia da Música. No entanto, pôde-se notar a via contrária, que mesmo quando não
havia prescrições de determinadas festas, elas aconteciam, denotando que o processo de
151
apropriação e das práticas realizadas depende das necessidades de uma determinada
região e de uma determinada sociedade. A exemplo dessas comemorações pode-se citar
a festa da escolha da rainha dos estudantes que trazia para o espaço escolar pessoas não
só de Pirassununga, como também de outras cidades circunvizinhas.
A formatura também é uma comemoração que, apesar de não figurar no
calendário oficial, era a festa mais esperada por toda a sociedade que, nesse momento,
era submetida aos rituais e mesmo ao espaço escolar. Por conta disso, não se pode dizer
que a formatura, além de ser uma festa social, mas que cumpria o princípio republicano
de pedagogizar mais e mais pessoas, levando a todos os princípios de civilidade, de
progresso. Vale lembrar que essa prática, bem como esses princípios, eram por demais
caros à República, pois representava o modo pelo qual a Nação conseguiria ascender no
plano das nações desenvolvidas. Nesse sentido, se a educação era uma preocupação
fundamental, as festas escolares atingiam todos de forma silenciosa, inculcando, sem
grandes resistências, os padrões republicanos, de culto aos símbolos nacionais, à fé
cristã, aos princípios higienistas, ou seja, formando uma população ordenada e passível
de ser moldada aos interesses da Nação.
Pedagogizar outros espaços que não apenas a Escola é submeter as diferentes
culturas que convivem em uma sociedade à cultura escolar, para o que as festas
escolares serviam perfeitamente, pois, como se pôde verificar na Escola Normal de
Pirassununga, trazia para dentro de seus muros escolares, aqueles que não
compartilhavam dessa cultura.
Por perceber que a cultura da Escola Normal de Pirassununga, se por um lado
era parte de um conjunto maior, que unificava essa instituição a outras instituições de
ensino a ela similares, cumprindo, por exemplo, um papel fundamental às escolas
normais, de ensinar a ensinar, por outro lado, as apropriações das demais culturas,
incorporadas na participação da Escola Normal de Pirassununga, por exemplo, em
festividades como o aniversário da cidade, atesta a hipótese de que as práticas das festas
que aconteciam nessa instituição, entre as décadas de 1930 a 1950, conferiam a ela um
lugar de destaque na cidade. Além disso, permite concluir que nenhuma instituição,
pode ser compreendida apenas a partir de um projeto político ou das prescrições a ela
determinadas, pois são as práticas que revelam as especificidades que essa instituição
apresenta para a sociedade em que está inserida, demonstrando assim as apropriações
que se faz tanto do projeto político quando do que lhe é prescrito.
152
A importância de compreender a prática das festas escolares para a constituição
tanto da cultura profissional docente quanto para memória social da cidade, possibilitou
classificar essas festas não apenas pela aferição do sucesso escolar dos alunos, mas
pelasas festas do “aprender a fazer com”. As primeiras (participação dos normalistas nas
comemorações do aniversário da cidade, concurso da rainha dos estudantes, festa de
formatura, festa da chave e a festa de exposições dos trabalhos manuais) demonstravam
o sucesso escolar dos alunos não somente para a comunidade escolar, mas para toda a
sociedade. Observa-se que essas festas não eram prescritas por lei, mas, na prática,
conferiam aos normalistas e à própria instituição um lugar de destaque na sociedade. E,
não só, a coexistência de práticas pedagógicas em outros espaços ou a participação da
sociedade no espaço pedagógico acabava por cumprir os objetivos das festas cívicas, de
(con)formar os participantes a um novo momento da história, em que os corpos
precisavam ser disciplinados à nova ordem, a do progresso.
Essa disciplina pôde ser percebida pela análise do álbum produzido a fim de ser
mostrado na exposição de trabalhos manuais. Nele, pôde-se ver que tipo de formação se
pensava para uma mulher da época: dedicada ao casamento, aos filhos, mas que já havia
conseguido, também, o direito a uma educação escolarizada. Essa formação
escolarizada, portanto, figura como essencial a todos, mesmo às mulheres, para quem
não se podia perder de vista que deveriam dedicar-se ao lar, à formação cristã e aos
filhos.
Desse modo, vê-se, a partir da análise das festas escolares em uma instituição
determinada, que são essas práticas que determinam os padrões a serem seguidos; são
essas práticas que conferem aos modelos pedagógicos a realização dos preceitos do
momento social e político em que são produzidas; e é somente com a análise dessas
práticas que se pode perceber de que formas esses modelos se materializam, de que
maneira as apropriações dão forma às prescrições que, muitas vezes, não são seguidas à
risca, mas que, por serem também essas fruto de seu tempo, tendem a revelar-se na
prática das mais diversas formas. Essas formas, no entanto, podem divergir amplamente
do que se prescreve, mas, pelo que se pôde observar, os pressupostos de uma época
também podem ser percebidos pelas práticas não prescritas, mas que cumprem os
objetivos de outras prescrições: inculcar na sociedade (e não só no público escolar) os
padrões de civilidade de uma época.
153
No caso das diferentes práticas das festas da Escola Normal de Pirassununga,
vê-se que, mesmo as festas que não eram legitimadas oficialmente, cumpriam o papel
de ampliar a intervenção da cultura escolar em outros espaços, levando para eles os
pressupostos do Estado Novo e da Escola Nova que, como se viu, convergem em muitos
pontos.
Com a investigação das festas escolares da Escola Normal de Pirassununga, , do
cruzamento das informações de quem estudou na instituição no período, com outras
fontes, seja o jornal, os manuais e as revistas, percebe-se as relações que essas práticas
mantinham com momento político da época. O cruzamento de informações das
diferentes fontes permitiu não só perceber que festas deixaram marcas na memória,
como também as que, mesmo não sendo as preferidas pelos estudantes, eram ensinadas;
as que, mesmo sendo prescritas, não demonstram ter tido importância pelo apagamento
da memória, pela falta de referências no Jornal e, até, que mesmo tendo existido, não
mereciam referência no jornal, porque este não pode ser compreendido como um relato
exato de todos os fatos. Ou seja, percebeu-se que o destaque conferido a determinadas
festividades nas páginas do Jornal revela, seja as vinculações políticas do jornal, seja a
relevância da festividade e da instituição de ensino para a sociedade da época.
Essas constatações demonstram, portanto, que investigar as práticas de uma
instituição, como foi investigar as práticas das festas escolares da Escola Normal de
Pirassununga, iluminam a compreensão não só de uma realidade interna, específica, mas
muito mais do seu entorno, do momento político de uma época, de um projeto de
educação, de sociedade, de civilização, de progresso e da memória que se tem de tudo
isso. E, mais, essas revelações não se prendem às prescrições, mas às apropriações, aos
sentidos que lhes forma dados.
154
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VIDAL, Diana Gonçalves. 2001. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e
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VILELA, Marize Carvalho. 2000. Discursos, cursos e recursos: autores da revista
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WEFFORT, Francisco Corrêa. 1978. O populismo na política brasileira. Rio de
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CARDIM, Carlos A. Gomes. 1916. As comemorações cívicas e as festas escolares.
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CARDOSO, José. 1935. A cooperação na escola. Jornal “O Movimento”, 28 de abril de
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COSTA, Olintina. (s/d). Hinário cívico – complemento do canto orfeônico. 3ª edição.
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ENTREVISTAS, com ex-normalistas da ESCOLA NORMAL DE PIRASSUNUNGA,
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Jornal “O Movimento”, edições de 1934 a 1959.
LEIS E DECRETOS FEDERAIS E ESTADUAIS , 1890-1950.
161
REVISTAS: Educação (1927-1930), Escola Nova (1930-1931), Educação (1931-1932),
Revista de Educação (1933-1944) e Educação (1945-1961).
162
ANEXOS
163
ANEXO 1
ENTREVISTAS
I - Daniel Caetano do Carmo (1943-1944)
- Bom dia, Sr. Daniel! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me recebido.
Como o senhor já foi informado, gostaria de conversar um pouco sobre os tempos em
que o senhor foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. O senhor lembra
como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram festejadas?
- Lembro que se comemorava o dia de Tiradentes (21 de abril), o dia do Trabalho (1º
de maio), o aniversário da cidade (6 de agosto), o dia do Duque de Caxias (25 de
agosto), o dia da Independência do Brasil (7 de setembro), o dia da Proclamação da
República (15 de novembro), o dia da Bandeira (19 de novembro) e, no final do ano, a
festa que todos esperávamos, a festa da formatura.
- O senhor pode relatar como aconteciam os preparativos para comemorar essas datas?
- Por exemplo, de todas essas festas, tirando o dia da formatura e o aniversário da
cidade, o 7 de setembro era a mais importante, porque as comemorações não
aconteciam em só um dia, mas durante toda a semana da pátria. Durante a semana, os
professores faziam preleções sobre o tema, preparando-os para a comemoração que se
aproximava, ensaiávamos o desfile... a gente se preparava a semana toda.
Mas desfile também tinha no dia da Proclamação da República. Mas era diferente do 7
de setembro, porque a gente não saía pela cidade. O desfile era feito na quadra da
escola mesmo, onde a gente também cantava o hino à República. No mais, era
parecido, porque na sala a professora também contava a história da data, fazíamos
cópias, ditados e redações sobre o assunto. No dia da Bandeira, a gente também
cantava o hino, mas o que todo mundo gostava era de fazer as bandeirinhas para
enfeitar as salas.
- E a comemoração do Dia da Páscoa, a festa junina, o Natal?
- Isso era obrigação da Igreja e não da escola.
164
- O Sr. lembra se a organização para se comemorar as datas que o Sr. apontou se dava
em alguma disciplina específica?
- Havia um professor de Prática de Ensino, que ensinava como dar aulas para as
crianças. Nessa disciplina, aprendíamos a fazer planos de aula. Depois o professor da
cadeira vinha e fazia as críticas. Nesses planos, poderiam ser previstas as
comemorações escolares. Mas, na Escola Normal, havia a colaboração de professores
de várias disciplinas para organizar as festas. Assim, também aprendíamos a fazer.
Não era um assunto só de uma disciplina. Mas, naquela época, nós aprendíamos a
ensinar nas aulas de Prática de Ensino, com o professor Paulo de Barros Ferraz.
- Então era na disciplina Prática de Ensino que se ensinava a ser professor?
- Sim, os alunos tinham que fazer, passo a passo, um plano de aula. Depois tinha que se
dirigir a uma outra sala, onde estava, por exemplo, o professor da cadeira de
Matemática. Lá era ministrada aula para outros colegas. Ao término, o professor de
Prática de Ensino tecia críticas. Ele falava da postura em frente à lousa, da maneira de
pegar no giz, do fato de ter ficado de costas para a classe.
- Então eram esses os assuntos abordados?
- Não era só isso não. Ele falava também dos aspectos metodológicos e da didática
empregada na aula.
- O Sr. lembra das outras disciplinas que compunham a grade curricular da Escola
Normal na época em que o Sr. estudou?
- Lembro. Tinha História da Educação, Canto Orfeônico, Sociologia, Biologia (era um
médico quem dava aula de Biologia), Desenho pedagógico e Educação Física.
- O que mais o Sr. poderia informar sobre os anos em que o Sr. estudou na Escola
Normal de Pirassununga?
- Ah, minha filha, os anos que passei como estudante na Escola Normal foram os
melhores de minha vida. A Escola Normal, quando eu estudei, era como os cursos
superiores de hoje.
- O senhor lembra das comemorações realizadas para expor os trabalhos manuais?
- Essas exposições aconteciam no final do ano, como preparativo para a festa de
formatura, que era a mais esperada por todos. Nas exposições, eram mostrados os
165
melhores trabalhos. Todos ficavam orgulhosos dos resultados. Todos quer dizer,
estudantes, professores e todas as pessoas que iam conferir a exposição. Lá eram
mostrados peças belamente torneadas em madeira ...
- Eu gostaria de lhe agradecer por ter me recebido e pelas informações que o senhor me
deu. Muito obrigada.
- Não por isso, minha filha.
166
II – Odette Wigmuller (1949-1951)
- Bom dia, D. Odette! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me recebido.
Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os tempos em
que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A senhora lembra
como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram festejadas?
- Eu lembro que no Dia de Tiradentes, no Dia do Descobrimento do Brasil e no dia da
Independência, tinha uma palestra. No Dia da Abolição da escravatura, se ensinava a
história da Princesa Isabel. No Dia da árvore, a plantava uma e se fazia uma palestra
qualquer, mostrando ação qualquer sobre a árvore e tinha uma música: “plantemos
uma árvore...”. No dia da Proclamação da República, catávamos o hino e no Dia da
Bandeira, cantávamos: “Salve lindo Pendão da Esperança”...
- Então as comemorações eram mais internas e versava em torno do canto de hinos?
- Era isso mesmo!
- A senhora lembra de ter visto, manuseado na biblioteca ou estudado em algum desses
livros? [são mostrados o manual de Cardim (1916), “As comemorações cívicas e as
festas escolares”, o livro do Departamento de Educação “Hinos Oficiais”, de 1945, e o
livro denominado “Hinário Cívico: complemento do canto orfeônico”, organizado pela
professora Olintina Costa (s/d)]
- Nunca vi esses livros.
- A senhora não lembra de ter visto seus professores com eles?
- Não, nunca vi nenhum professor com eles. Eu lembro que os professores mostravam
outros livros de música, para quem tivesse curiosidade.
- Há indícios de que havia outras comemorações que eram festejadas na Escola Normal
de Pirassununga, como a Festas dos Animais, o Dia Pan-americano, a comemoração do
aniversário de Getúlio Vargas, o Dia do Trabalho, a Festa do Livro, o Dia do Soldado, o
Dia da música e o Natal. A senhora lembra dessas comemorações?
- Não lembro de ter comemorado essas datas não. Getúlio Vargas nós sabíamos que ele
era Presidente da República, mas não lembro de ter tido alguma aula específica. Sei
que se comemorava o Dia do Soldado, porque se comemorava no quartel, mas nós não.
167
“Hoje é dia do soldado”, não. Já o natal era no período de férias, a gente não
comemorava na escola e sim em casa.
- Então não se ensinava a comemorar essas datas nas disciplinas da Escola Normal?
- Na minha época, não. Não, eles não davam especificamente a aula da data, eles
davam mais aulas de comportamento do professor perante a classe, o que tinha que
fazer no caso de castigar ou não castigar.
- Então os professores não comunicavam a vocês: “Hoje vocês vão aprender a dar essa
data comemorativa”?
- Nada. A gente praticava dando aula para os colegas, o que é uma coisa errada,
porque os colegas ficavam quietos e, quando eu cheguei a São Paulo, eu me deparei
com uma classe de crianças e eu não sabia o que fazer.
- Então, na aula de Prática de Ensino, na qual se deveria ensinar a ensinar, não ensinava
nada?
- Eu não diria “nada”, mas não ensinava coisas para ensinar os alunos. Nunca dei
aula para um aluno numa classe. Dava aulas para os colegas.
- Então vocês não praticavam com as crianças?
- Não. A primeira vez que eu fui dar aula foi em São Paulo e eu quase morri. Não sabia
nada, aqueles alunos de São Paulo eram barra, e eu não sabia como me comportar.
- Então a senhora não considerava a Escola Normal uma boa escola?
- Na verdade, eu nunca quis fazer o curso normal. Eu queria fazer o curso científico,
mas meus pais não aceitavam. Para eles, não se podia aceitar que uma moça não
fizesse o curso normal. Mas eu não queria isso pra mim. Então, meus pais aceitaram
que eu fizesse o curso científico, contanto que eu fizesse, ao mesmo tempo, o curso
normal. Então, eu não gostava muito. Eu queria fazer o curso científico porque queria
morar em São Paulo e fazer faculdade. As únicas aulas que eu gostava, da Escola
Normal, eram as aulas de Orfeão e Música, porque já gostava de música. Eu tinha um
piano em casa e praticava bastante.
- Quer dizer que a senhora não se interessava pelas festas escolares?
- Para falar a verdade, não. Eu só gostava de participar das festas quando elas
aconteciam em outras cidades.
168
- Vocês participavam de festas em outras cidades?
- Sim. Na Semana da Pátria, por exemplo, na minha época, participávamos de desfile
no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Aí, sim, eu gostava.
- Então a senhora gostava das festas em outras cidades?
- Sim, eu gostava de entrar em contato com outras pessoas, com pessoas de outras
cidades. Aqui também havia uma festa que vinham estudantes de outras cidades. Era a
escolha da Rainha dos Estudantes da Escola Normal. Era muito bom, porque havia
grande disputa entre as cidades. Vinham torcidas organizadas, porque aqui, na Escola
Normal, estudavam moças de várias outras cidades. A gente disputava porque o título
de Rainha dos Estudantes não significava que era só da Escola Normal, mas era
também da cidade. Então, nós não queríamos que outra moça, de outra cidade
ganhasse, mas que fosse alguém de Pirassununga. Eu gostava da disputa.
169
III – Dona Nair Santos Devitte (1950-1952)
- Boa tarde, D. Nair! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me recebido.
Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os tempos em
que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A senhora lembra
como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram festejadas?
- Olha, havia muitas festas na Escola Normal, mas as mais importantes eram as festas
que participavam não só os normalistas, mas todos os outros alunos do curso primário,
do ginásio e do curso científico, que funcionavam no espaço da Escola Normal.
- E como a senhora via a participação desses outros alunos nas comemorações das quais
participavam os normalistas?
- Era sempre muito bom, para a gente que era normalista e que ia trabalhar como
professora, ver como os professores organizavam esses alunos para participarem das
festas, porque, um dia, a gente ia estar ocupando o lugar de professores e precisaria
saber como fazer as festas, como organizar os estudantes para as comemorações
importantes da escola e da cidade.
- Então a participação dos outros estudantes servia como laboratório para vocês, que
eram normalistas?
- Sim, porque a gente aprendia como deveria agir quando a gente fosse professora.
- Do tempo em que a senhora foi normalista, a senhora lembra de algum professor ou de
a senhora ter usado esses três livros? [são mostrados o manual de Cardim (1916), “As
comemorações cívicas e as festas escolares”, o livro do Departamento de Educação
“Hinos Oficiais”, de 1945, e o livro denominado “Hinário Cívico: complemento do
canto orfeônico”, organizado pela professora Olintina Costa (s/d)]
- Nunca vi.
- Nem tem lembrança de os ter visto na biblioteca?
- Não.
- Então também não conhece o Carlos Gomes Cardim?
170
- Não. Mas a gente aprendeu todos esses hinos desde o primeiro ginasial, pré-normal,
primeiro profissional e segundo profissional na aula de música. A gente tinha que
aprender a cantar, a solfejar os hinos pátrios todos.
- Os professores falavam para vocês que, por exemplo, dia 15 de março era a Festa dos
Animais e vocês tinham que aprender a fazê-la para quando professoras ensinar aos
alunos?
- Sim, sim, a gente inclusive fazia desenhos relacionados com a aula que a gente ia dar
na aula de desenho, que era desenho pedagógico.
- Então, a senhora lembra da Festa dos Animais?
- Sim.
- E do Dia Pan-americano, a senhora lembra?
- Sim lembro, inclusive quando eu lecionava eu tinha que falar do Dia Pan-americano.
- Então a professora aprendia que tinha que comemorar o Dia Pan-americano?
- Sim.
- Como aluna, a senhora comemorou na escola o aniversário de Getúlio Vargas?
- Eu só lembro que a comemoração do aniversário de Getúlio Vargas, chefe do Estado
Novo, compreende o período em que eu estava no curso primário, antigo grupo escolar,
quando eu tinha de 7 a 10 anos. O dia 19 de abril, como Dia do Índio, viria surgir
muito mais tarde, porque em 1945 já tinha acabado as comemorações do aniversário
de Getúlio Vargas.Toda a escola tinha que gritar “Viva o patrimônio da União”, “Viva
Getúlio! Viva Getúlio!”, mas ninguém sabia o que era isso, éramos muito pequenos.
- E como normalista, a Senhora aprendia a fazer a festa de Tiradentes?
- Não me lembro de ter aprendido a fazer a festa, mas se na Prática de Ensino caísse o
ponto para falar de Tiradentes, tinha que saber e dar a aula, mas isso podia ser em
Outubro, por exemplo.
- E o Descobrimento do Brasil?
- Ah sim, para festejar o dia do Descobrimento, fazíamos desenhos, caravelas.
- E o dia do Trabalho?
171
- Também era comemorado, mas não lembro como. Penso que o professor explicava
que se comemorava o dia do trabalho.
- E a Abolição da Escravatura?
- Sim, mas também não lembro direito o que se fazia, só lembro que o professor
explicava que se comemorava o dia da Libertação dos escravos.
- Quando a Senhora era normalista, existia uma disciplina que ensinava a fazer as festas
cívicas e escolares?
- Não lembro que isso fosse tarefa de uma disciplina apenas. A aprendizagem que eu
tive foi vendo a escola no geral comemorar. Por exemplo: em todas as datas cívicas,
como o 21 de Abril, toda a escola se reunia desde o primário ate o científico, incluindo
as normalistas, para essa comemoração. Aí cantava-se o hino nacional, o hino da
escola, e uma música referente à data. Faziam-se discursos, alunos declamavam.
Nessas comemorações que no âmbito da escola eram feitas, logicamente, quando eu me
formei professora, eu levei isso com comigo para transferir depois.
- A Senhora lembra de ter a Festa do Livro?
- No meu tempo não.
- E a escola comemorava, junto com as normalistas, o dia da Árvore?
- Sim, era uma comemoração da escola, não só das normalistas.
- E o Dia da música?
- Não, não lembro.
- Mas, até onde eu sei, havia duas comemorações que eram muito importantes para a
Escola Normal na época em que a senhora foi estudante: a formatura e a comemoração
do aniversário da cidade. A senhora se lembra?
- Lembro muito! A formatura era a festa mais importante, mas não participavam só os
normalistas e suas famílias, participavam toda a cidade, além de pessoas que vinham
de cidades vizinhas. Nós esperávamos com muita ansiedade por esse dia. Todo mundo
queria ir. Era um grande evento.
Já no dia do aniversário da cidade, também era uma festa muito boa. Mas, era
muito parecida com o 7 de setembro, porque tinha desfile, cantávamos o hino nacional,
essas coisas... O desfile saía da Escola Normal, passávamos por várias ruas, até a base
172
da Força Aérea Brasileira. Éramos nós que carregávamos as bandeiras e ficávamos
todas orgulhosas. Era bom, porque não tinha aula e todo mundo ia ver a gente
desfilando.
- Dona Nair, eu queria agradecer a sua participação.
173
IV – Norma Câmara Golla Gonçalvez (1950-1952)
- Bom dia, D. Norma! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me recebido.
Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os tempos em
que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A senhora lembra
como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram festejadas?
- Eu lembro que havia muitas festas sim.
- A senhora lembra quais eram?
- Não lembro direito quais eram as festas. Sei que algumas a gente era obrigado a
comemorar, como o Dia de Tiradentes, Libertação dos escravos, Proclamação da
Independência, da República, Dia da Bandeira, Dia do Soldado e aniversário da
Escola Normal...
- E a senhora lembra quais disciplinas preparavam os alunos para participarem dessas
comemorações?
- Eu lembro que as festas não eram tratadas apenas em uma disciplina. Eu só lembro
que a gente percebia que estava se aproximando o dia da alguma comemoração
quando, nas aulas de Música, Orfeão e Educação Física, se passava a dar mais ênfase
a determinado hino.
- E havia alguma disciplina que ensinasse os normalistas a festejar as datas
comemorativas, a fim de que soubessem atuar quando fossem profissionais?
- Não lembro. Acho que a gente aprendia a comemorar as datas importantes na
prática, a partir da participação que a gente tinha nas comemorações quando a gente
ainda era normalista.
- A senhora lembra o dia em que se comemorava o aniversário da Escola?
- Sim, lembro, no dia 11 de junho.
- A senhora lembra como acontecia essa festa?
- Era uma comemoração interna. Todos os alunos da Escola se reuniam para cantar o
hino da cidade e o hino da escola.
174
- E sobre as festas de formatura, a festa da exposição dos trabalhos manuais e a
participação dos alunos da Escola Normal nas comemorações do aniversário da cidade?
- Para mim, eram as festas mais importantes. A organização da exposição dos
trabalhos manuais era uma preparação para a festa da formatura. Fazíamos trabalhos
com muito cuidado, porque todos vinham ver e criticar o que produzíamos. Os
trabalhos precisavam ser bons, porque se não estivessem bons, a culpa era da
professora. Então, tudo era preparado com muito cuidado.
Depois da exposição dos trabalhos, a gente já podia pensar na formatura, que
era a festa mais bonita. Todos queriam ir ao baile, a família inteira e não só os alunos
da Escola Normal.
- E o aniversário da cidade?
- Para comemorar, ensaiávamos desfiles. Saíamos às ruas, cantávamos hinos. Os
alunos da Escola Normal saíam à frente, levando as bandeiras. Era uma festa boa, mas
a melhor era a festa da formatura.
- E a senhora lembra em que aula aconteciam os preparativos para participar nessas
festas?
- Podia ser na aula de Educação Física, porque era o professor de Educação Física
que organizava o desfile; na aula de Orfeão e de Música, a gente aprendia a cantar os
hinos; na aula de Trabalhos manuais, a gente fazia os preparativos para a exposição
dos trabalhos e para a formatura; e, na aula de prática, a gente teria que explicar o
que seriam as festas, se os pontos fossem sorteados.
- E as comemorações como o Dia da Independência, o Dia da Proclamação da
República, Dia da Bandeira...?
- Nesses dias a gente fazia desfile. O 7 de setembro o desfile saía pelas ruas e a gente
levava as bandeiras da Escola, do Brasil, da Cidade. Mas a semana toda era de
comemoração, porque tinha a Semana da Pátria. Já no dia da Proclamação da
República, era diferente. A gente não gostava muito, porque as comemorações eram só
na Escola, na quadra, onde a gente desfilava, cantava o hino.... O professor também
explicava o significado da data e a gente ainda fazia redações, cópias de textos ou
ditados sobre o assunto. Era sempre assim, o professor explicava o que era e depois a
gente fazia um trabalho, para fixar mesmo as informações. No Dia da Bandeira, todo
175
mundo tinha que cantar o hino, mas a melhor parte é quando todo mundo se reunia
para fazer as bandeirinhas para enfeitar a sala de aula e a escola. Para isso, todo
mundo se animava.
- A senhora quer acrescentar mais alguma coisa?
- Não, minha filha, acho que é só isso que lembro das festas.
176
V – Dona Adelaide Jundfeld (1951-1953)
- Boa tarde, D. Adelaide! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me
recebido. Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os
tempos em que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A
senhora lembra como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram
festejadas?
- Ah, minha filha, antigamente a Escola Normal não é como hoje não. No meu tempo,
tinha até um monte de homem que estudava lá. Não era só mulher que estudava na
Escola Normal não. Para você ter uma idéia, o Curso Normal daquela época era como
o curso de Pedagogia de hoje.
- Então a senhora considera que a Escola Normal era uma escola de qualidade.
- Sim, com certeza. Para você ter uma idéia, a Professora de Prática de Ensino
organizou um Clube de Leitura. Era uma forma de nós já irmos acostumando a sermos
professoras.
- E como funcionava esse Clube de Leitura?
- Era assim: depois que terminava nossas aulas, nós ficávamos na Escola para ajudar
as crianças, com dificuldades em ler e escrever, desenvolver um pouco.
- Acontecia todos os dias?
- Não, eram marcadas datas para esse tipo de acompanhamento. Na época, a gente
gostava muito, não só porque nós aprendíamos a ensinar, mas porque a gente ganhava
pontos para serem somados à nota de Prática. Na época, era isso que importava, mas
hoje, eu percebo que essa atividade era muito importante.
- Então, com esse tipo de Clube de leitura, vocês aprendiam a ser professoras?
- Sim, mas não era só isso. Tinha outro tipo de clube, chamado por Clube do Trabalho.
Ele funcionava com exposições de trabalhos manuais que a gente fazia, desde bordados
até as comidas. Esse clube expunha para a comunidade nossos trabalhos. Então, a
Escola Normal não ensinava só a ser professora. Na Escola Normal, a gente aprendia
o que era necessário para a vida.
177
- Mas a senhora lembra de alguma festa que era comemorada na Escola Normal quando
a senhora foi aluna?
- Eu lembro que o civismo era levado muito a sério. A criança sabia por que estava ali
e o que estava comemorando. Todas as crianças eram convocadas pelas professoras e
preparadas com hinos, cânticos, poesias e representações. Tudo era festa no pátio da
escola. Cantava-se o hino nacional em primeiro lugar com a mão sobre o peito. Depois
do hino, a preleção sobre a data era feita por um professor escolhido ou pelo diretor.
Nos dias 7 de setembro e 6 de agosto, as festas saiam do ambiente escolar e eram
comemoradas com desfiles pela cidade. Todas as escolas levavam seus alunos para
perto da base da Academia da Força Aérea, mas o encontro era sempre na frente da
nossa Escola Normal.
A Escola Normal tinha seu próprio Orfeão. Um professor especializado
preparava os melhores alunos para cantarem em dias especiais.
- Essas festas mobilizavam, então, todos os estudantes.
- Sim. E as festas eram motivo de muito orgulho. Para acontecer o 7 de setembro, por
exemplo, a gente se preparava durante a semana inteira, a Semana da Pátria. A
professora explicava, explicava, o que era o 7 de setembro. Depois a gente se
preparava para o desfile. Era muito bom sair para os ensaios. Participar dos desfiles
era sempre motivo de orgulho. A gente se destacava. Eu lembro que eu recebi a
medalha de melhor normalista, no ano de 1953. Então, era muito importante participar
das atividades, porque nós tínhamos o reconhecimento. Eu não esqueço nunca da
medalha que recebi.
- A senhora lembra da festa de formatura?
- Ah, minha filha, essa era a melhor festa para todas nós. Todo mundo preparava roupa
nova, pensava no baile. E não participava só os estudantes da Escola Normal não, todo
mundo queria ir à festa de formatura. Era o maior acontecimento da região. Vinha
gente de todo lugar. Mas, para quem era normalista, era mais importante, porque a
festa era nossa. Todo mundo queria nos ver, participar da nossa festa e ver as novas
professoras formadas. Era uma festa muito boa.
- E na sua época, antes da formatura, havia a festa de exposição dos trabalhos manuais?
178
- Sim, existia sim. A gente trabalhava muito para fazer bons trabalhos para expor as
pessoas que visitavam a exposição, porque ninguém queria fazer feito. A gente se
orgulhava dos trabalhos, porque eles demonstravam que nós aprendíamos tudo o que
era necessário para a vida.
- Dona Adelaide, eu queria agradecer a sua participação.
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VI – Dona Leonice Tavoni Serafim (1954-1956)
- Boa tarde, D. Leonice! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me
recebido. Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os
tempos em que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A
senhora lembra como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram
festejadas?
- Minha filha, eu lembro que duas festas eram muito importantes quando eu estudei na
Escola Normal: a formatura e a comemoração do aniversário da cidade, no dia 6 de
agosto.
Para comemorar o dia do aniversário da cidade, nós nos organizávamos com
muita antecedência. Ensaiávamos o desfile, o hino nacional, o hino da cidade e o hino
da escola, que cataríamos na praça pública. Como era um dia de feriado, todo mundo
saía às ruas para ver o desfile. Nós nos sentíamos muito importantes. No desfile,
saíamos à frente, carregando a bandeira da escola.
- E a formatura, o que a senhora lembra?
- Ah, era uma festa muito linda e importante para nós. Era a consagração para quem se
formava, porque podíamos mostrar a todos, porque todo mundo da cidade participava da
formatura, que já éramos professoras. A Escola Normal despertava a vontade de sermos
professoras.
- Em que disciplinas eram preparadas as festas.
- Por exemplo, para formar, era preciso antes fazer a exposição dos trabalhos manuais.
Nós fazíamos os bordados, os trabalhos e a professora de Trabalhos manuais
organizava uma exposição. A cidade toda vinha ver nossos trabalhos. Para não
passarmos vergonha, a professora era muito exigente, verificava ponto por ponto os
nossos trabalhos, conferia tudo, para que tudo fosse perfeito. Assim, todo mundo ficava
orgulhoso de nossos trabalhos, porque via que a Escola Normal realizava um trabalho
muito direitinho.
- Então, para a exposição dos trabalhos manuais, vocês eram preparadas na disciplina
denominada de Trabalho Manuais. E as outras festas, em que disciplinas aconteciam os
preparativos, os ensaios dos hinos, do desfile?
180
- Os hinos nós ensaiávamos na disciplina de Música e Orfeão. Já o desfile ficava sob a
responsabilidade do professor de Educação Física.
Nas aulas de Prática de Ensino também se tratava das festas cívicas, porque,
quando caía um tema sobre esse assunto, nós tínhamos que ir fazer pesquisa na
biblioteca, para darmos aula sobre o assunto depois para os nossos colegas.
- Então as disciplinas que se envolviam com a organização das comemorações escolares
era a de Trabalhos Manuais, a de Música, a de Orfeão, Educação Física e Prática de
Ensino?
- Era isso mesmo. Mas, a que eu mais gostava era das aulas de Música e Orfeão,
porque eu me envolvia com as músicas, relaxava. Eu gostava muito. Acho que é isso
que eu lembro dessas coisas.
- Então, D. Leonice, eu gostaria de agradecer a sua colaboração para esta pesquisa.
Muito obrigada!
- Por nada, minha filha, por nada!
181
VII - D. Benedicta Alves Teche (1954-1956)
- Bom dia, D. Benedicta! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me
recebido. Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os
tempos em que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A
senhora lembra como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram
festejadas?
- Olha, minha filha, a melhor pessoa para lhe dar esse tipo de informação é o Sr.
Daniel Caetano. Ele sim lembra essas coisas, porque, além de ter estudado lá, foi
professor da Escola Normal durante muitos anos.
- Mas, a senhora não lembra de nada?
- Eu só lembro que a gente aprendia o que era necessário para a vida. Festas, só as
cívicas. Na páscoa, íamos à Igreja, no São João, íamos à pracinha e, no Natal, íamos à
missa e depois voltávamos às nossas casas, cear. Os professores não tinham tempo
para ficarem conosco fazendo coelhinhos, presentinhos para mamães, papais-noéis,
árvores e outras coisas.
- O que mais a senhora lembra?
- Para mim, a festa mais importante era a formatura. Todos nós nos preparávamos
para irmos à festa de formatura da Escola Normal, esperando o dia em que nós
fôssemos as formandas. Mas, não eram só as estudantes que participavam, que
esperavam ansiosas pela festa. Toda a cidade se preparava para o evento: compravam
roupas, sapatos ... era o comentário geral. Vinha gente até de outras cidades, porque,
na Escola Normal, não estudavam apenas pessoas de Pirassununga. Mas, antes da
formatura, era preciso passar pela festa da exposição dos trabalhos manuais feitos na
Escola. Toda a cidade ia ver os trabalhos que as normalistas faziam. Eu fiz muito
bordado para as exposições.
- Quer dizer que a cidade se mobilizava para participar de uma festa da Escola Normal?
- Sim, todo mundo da cidade queria participar da festa de formatura. Mas, também
tinha o outro lado, a festa do aniversário da cidade, no dia 6 de agosto, que todos os
estudantes da Escola Normal eram chamados a participar das comemorações. Também
era uma festa que todo mundo participava, quem era normalista e quem não era. Todo
182
mundo ia. Mas, eram os estudantes da Escola Normal que saía na frente do desfile. O
desfile saía da Escola Normal e todo mundo vinha ver a gente. Era um motivo de
orgulho!
- Que outras comemorações a senhora lembra?
- Eu não lembro de mais nada. O que mais você quiser saber, procure o Sr. Daniel. Ele
sim, lembra de tudo, sabe de tudo da Escola Normal.
- Assim, D. Benectida, gostaria de agradecer pela sua colaboração para esta pesquisa.
- Por nada, minha filha, por nada. Pena que eu não possa colaborar mais.
183
VIII – Maria Lúcia Fantinatto (1956-1958)
- Boa noite, D. Maria Lúcia! Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter me
recebido. Como a senhora já foi informada, gostaria de conversar um pouco sobre os
tempos em que a senhora foi estudante da Escola Normal, aqui em Pirassununga. A
senhora lembra como aconteciam as festas na Escola Normal? Que comemorações eram
festejadas?
- Eu lembro que se comemorava o Dia de Tiradentes, Dia do Trabalho, a
Independência do Brasil, a Proclamação da República, o Dia da Árvore, o aniversário
da Escola ...
- A senhora lembra como aconteciam essas comemorações?
- No Dia de Tiradentes, nós falávamos sobre ele. A professora mandava a gente fazer o
desenho depois que ela desse uma explicação e tinha música também de Tiradentes;no
Dia do Trabalho, nós fazíamos desenhos sobre as profissões: médicos, dentistas,
marceneiros, enfermeira e outras profissões; o Dia da Árvore a gente aprendia para
comemorar com as crianças. Aprendíamos a falar sobre a árvore, a importância da
árvore, como ela frutificava... ; para comemorar o Dia da Proclamação da República,
a professora falava sobre a data e a gente dissertava sobre o assunto. O Dia da
Independência era bem comemorado, para que nós pudéssemos comemorar com as
crianças.
- Para comemorar algumas dessas datas, imagino que se cantavam hinos. A senhora
lembra de algum professor ou de a senhora ter usado um desses três livros? [são
mostrados o manual de Cardim (1916), “As comemorações cívicas e as festas
escolares”, o livro do Departamento de Educação “Hinos Oficiais”, de 1945, e o livro
denominado “Hinário Cívico: complemento do canto orfeônico”, organizado pela
professora Olintina Costa (s/d)]
- Se eles tinham, eu não sei. Mas que a gente não mexia com eles, não. Eu tinha um
caderno de música que o professor escrevia na lousa todos esses hinos para que
copiássemos na aula e para cantarmos no Orfeão. Eu aprendi e cantei todos esses
hinos cívicos. O professor dava e a gente comemorava o que está escrito nesse manual,
mas não era esse especificamente. Tinha o caderno de desenho e de música, que a gente
184
passava o hino da Bandeira, por exemplo. Tinha todas as notas na pauta. Copiávamos
da lousa e depois eles ensinavam no Canto Orfeônico, e ai nós aprendíamos a cantar. E
nas datas cívicas a gente comemorava também. No meu tempo, os professores
ensinavam no caderno de música, de desenho, todas as datas que a Odette falou. Além
disso, na época que era para ser comemorado o Descobrimento do Brasil, que ela não
falou, os professores mandavam a gente desenhar a caravela, a oca, o índio, para fixar
na hora estivéssemos dando aula. No dia da árvore, eu gostava muito de desenhar a
árvore com a raiz, o tronco, as frutas, o caule para ensinarmos às crianças. No Dia do
Índio, por exemplo, você fazia um desenho de acordo com aquilo que você sabia, o que
tinha em mão. Agora, música, no meu tempo, tinha a música da arvore, que a gente
tinha que saber, do índio...
- E a festa dos Animais era comemorada?
- Não.
- E o Dia Pan-americano?
- Sim, eu tenho um caderninho que tem desenhado uma roda com um monte de
criancinhas dando as mãos e celebrando a união dos povos.
- E o aniversário de Getúlio Vargas?
- Não.
- Era na Prática de Ensino que se falava dessas datas?
- Prática de Ensino, eu lembro que era mais dar aula, para pegar experiência. Era
sorteado, mas não era assim pelo calendário. Era um tema que seria sorteado na hora
e aí a gente ia procurar fazer cartazes, ir à biblioteca procurar sobre o tema para dar
uma ótima aula. Eu me lembro do tema que eu sorteei, era sobre os dentes. Eu fiz
cartazes, preparei músicas, tudo relacionado à saúde dos dentes. Foi uma maravilha,
nunca vou me esquecer.
- A senhora colocou à minha disposição um álbum. Ele foi feito na aula de Prática de
Ensino?
- Sim , ele foi feito nessa aula.
- Em quanto tempo a senhora fez o caderno? E em que ano?
185
- O caderno foi feito mais ou menos em 2 meses, porque eu era muito caprichosa e fazia
muita coisa em casa, e foi feito quando eu estava no segundo ano normal.
- O que a senhora me diz sobre a formatura, a participação dos normalistas nas
comemorações do aniversário da cidade, a festa de exposição dos trabalhos manuais?
- A exposição dos trabalhos manuais era antes da formatura. Eu era muito caprichosa.
Nós concorríamos para ver quem produzia o melhor trabalho. Toda a cidade
prestigiava, todos vinham ver os nossos trabalhos. Era um motivo de orgulho, porque
todos já ficariam sabendo quem iria se formar.
A festa de formatura era a mais bonita da cidade. Todos queriam participar do baile.
Para nós, era o dia mais esperado. Preparávamos cada detalhe, do cabelo até o sapato.
Mas isso não era uma preocupação só das normalistas, era de toda a cidade.
Já nas comemorações do aniversário da cidade, todos os alunos eram chamados a
participar. Tinha desfile. Catávamos o hino. A cidade inteira vinha ver o desfile. Mas
nada se compara com a festa da formatura.
- Dona Maria Lúcia, eu queria agradecer a sua contribuição, bem como pelo
desprendimento em ceder o álbum produzido na disciplina Prática de Ensino para ser
analisado nesta pesquisa. Muito obrigada!
- Não precisa agradecer por isso, é um prazer, porque eu tenho muito orgulho de ter
sido normalista e da formação que recebi lá.
186
ANEXO 2
AS FESTAS ESCOLARES NAS REVISTAS
EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Órgão da Diretoria
Geral da Instrução
Pública e da Sociedade
de Educação de São
Paulo.
Comissão de Redação:
Dr. Amadeu Mendes
Prof. João Toledo
Dr. Carlos da Silveira
Dr. Roldão de Barros
Prof. Lourenço Filho
1928 1 III Mensal A festa das
aves
82-91 TOLEDO,
João
Para celebrar, este ano, a Festa das Aves, organizou o
Dr. R. Von Llhering, de acordo com a Diretoria
Geral da Instrução pública, um caderninho de oito
páginas, com desenho de aves nossas, em preto muito
leve, que deverão ser coloridos pelas crianças. Ilustra
cada um desses desenhos uma ligeira descrição da
ave representada – suas proporções, seu modo de
vida, sua utilidade, e, sobre algumas das aves, lendas
curiosas que lhes dizem respeito. O colorido das
diversas partes do corpo é claramente indicado.
Durante o tempo gasto pelas crianças para colorir
todos os desenhos, terá o professor oportunidades
para palestras interessantes. Entretanto, as inidcações
do texto, forçosamente resumidas, dariam aos
pequeninos noções um pouco insuficientes ou
forçariam o mestre a estudo de especialização. Para
obviar a esse mal, pedimos ao ilustre cientista que
nos fornecesse mais apontamentos sobre cada uma
das páginas do seu caderninho. Acedeu ele
prontamente, e, desse modo, podemos hoje,
publicando-os nessa revista, prestar um serviço ao
professorado primário.
187
EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Idem 1929 3 IX Mensal Os
resultados
da Semana
de
Educação
362 Não
assinado,
retirado de
“O estado
de São
Paulo”
Entre as belas coisas que são Paulo teve a
oportunidade de mostrar, na semana que foi de 7 a 15
do corrente, duas tiveram grande repercussão: as
demonstrações de cultura artística e a cultura física.
Aqueles que assistiram à audição do dia da
Proclamação da República, realizada pelos orfeões
das Escolas Normais da Praça da República e do
Brás, e do Orfeão infantil, efetuada no dia 9, tiveram
a sensação nítida do que a arte “del bel canto” já
passou do período de mera aula de enchimento em
nossos estabelecimentos de ensino para constituir,
hoje, de fato, uma disciplina que começa nos bancos
escolares à criação do bom gosto popular.
Idem 1930 2 XI Mensal A festa das
Aves
116 Não
assinado,
retirado do
“Diário
Nacional”
Ontem estivemos na Diretoria da Instrução Pública.
Ali, procuramos o encarregado da seção de
publicidade, que nos informou: - A Festa das Aves
não data de hoje. Foi instituída, há muito, nas escolas
com o fim de despertar nas crianças o sentimento de
proteção às aves, mostrando-lhes os enormes
benefícios que elas prestam. Geralmente, rara é a
criança nascida no interior, que não dedique seus
primeiros anos à procura de ninhos que tira dos
galhos e transporta para casa, com o
188
EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Continuação consentimento dos pais, a maioria das vezes,
porque os ovos apresentam uma colaboração
curiosa e os ninhos com os ovos dentro, constituem
um lindo enfeite para colocar sobre as mesas. A
Festa das Aves tem por fim corrigir essas
deficiências de educação, despertando na criança e
adultos o amor pelas aves. Pouco a pouco, foi-se
popularizando. A prova está no interesse com que
os adultos comparecem nessas festas, misturando-se
com as crianças, associando-se espontaneamente, às
festas das escolas. E com isso a nosso ver, outra
coisa não significa que o aparecimento de um
sentimento promissor, que lança raízes e se propaga
pela multidão.
Educação
Órgão da Diretoria
Geral do Ensino de São
Paulo
1932 3 VI Mensal _ 264 BARROS,
Roldão de,
LOURENÇO
FILHO.
A Diretoria Geral de Ensino, com atenção às
ponderações que lhe foram feitas pela Seção de
Caça e Pesca, da Secretaria de Agricultura, resolveu
transferir, para a época mais porpícia, a Festa das
Aves. Assim, procedendo a Diretoria Geral do
Ensino procura fazer com que aquela festa seja
comemorada no período em que as aves mais
precisam de amparo, isto é quando aninham, o que
se dá nos dias de Setembro. Aliás, data em que se
proíbe a caça em todo o estado!.
189
REVISTA DE EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Revista de Educação
Órgão do
Departamento de
Educação do Estado de
São Paulo
1933 4 IV Trimestral Festas
escolares
222 _ As festas escolares devem constar de uma parte
literário musical e, sempre que possível, de outra
esportiva, não convindo que sejam longas, para não
fatigar as crianças. Nos dias que seguirem as datas
nacionais, nas aulas de linguagem escrita, os alunos
desenvolverão trabalhos de acordo com o adie da
véspera, e o fato celebrado.
Idem 1934 1 V Trimestral Festas
escolares
272 - As datas nacionais oferecem ótima oportunidade para
lições e prática do civismo, do culto à pátria, aos
escolares que comemorando solenemente, entre hinos
cantos e poesias, não mais esquecerão os grandes
vultos e os feitos notáveis da vida da Nação.
A festa da Independência e a da Banderia, sendo
realizadas com a presença do Diretor e adjuntos, no
dia da semana que caírem, embora domingo.
Constarão sempre como as outras, de uma parte
literário-musical e, se possível, de uma parte
esportiva, convindo não ser longas, monótonas e
fatigantes nem acarretar despesas extraordinárias às
famílias de alunos com os preparativos para as
exibições.
190
REVISTA DE EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Revista de Educação
Órgão da Diretoria de
Ensino
1934 2 VII Trimestral A Festa das
Árvores
21-26 SILVA,
Bayeux da
Tornando o ensino atraente, as aulas vivas,
agradáveis e interessantes, despertando o
entusiasmo dos escolares, por aquilo que se lhe
ensina.
As festas escolares são um excelente meio
educativo e assim o compreendeu o governo do
Estado, instituindo a festa das aves, da árvore e da
bandeira, qual delas de uma importância capital so
o ponto de vista pedagógico.
Idem 1934 3 VII Trimestral Dia da
Bandeira (19
de novembro)
280 - Às 15 horas em ponto, na Praça da Sé, presente
grande massa popular, formada, ao centro, as
linhas de tiro, as patrulhas de escoteiros e as
delegações dos grupos escolares. O sr. Interventor
Federal arvorou o Pavilhão Nacional num mastro
de oito metros, ali erguido para esse fim, no pórtico
da Catedral.
Idem 1936 18 VIII Trimestral Encerramento
festivo do ano
escolar de
1936
136-138 BLOEM,
Ruy
O festival encantou sobremaneira todos os que
estiveram a ventura de lá aparecer a verificar a luta
porfiada e encessate das novas autoridades e
professores para fazer um povo digno de seu
passado.
191
REVISTA DE EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO
PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Idem 1939 27 e
28
XXVII
Trimestral “Primeiro
livro da
Bandeira”,
25 de
novembro
165-166 - Salientou, ainda, que, “dentre o propósito firme de
oferecer às crianças do país livros interessantes e
úteis, capazes de formar nas novas gerações um
pensamento mais consentâneos com as solicitações
do país. Ensinar divertindo, oferecer Às crianças
motivos úteis, oportunos, para as lições de casa,
quando pais e mestre conjugam os seus esforços
com o dos trabalhos.
Revista de Educação
Departamento de
Educação do Estado de
São Paulo
1939 26 XXVI
Trimestral Festas
cívicas
escolares
206-207 CARDOSO,
José
Observaram já os leitores atentamente os programas
das festas cívicas de nossas escolas primárias?
Analisaram-lhes o conteúdo? Se o fizeram com os
olhos de ver, é bem provável que tenham chegado a
estas conclusões, entre outras:
Primeira: Os professores, preocupados com
interessar as crianças e demais pessoas presentes,
escolhem números supostos adequados ou quase,
pensando sempre no agrado que convém
proporcionar-lhes.
Segunda: Entre os números escolhidos, porque o
agrado referido constitui fundamento principal dos
programas não é raro impróprias, de fundo
amoroso, “freudiano” quiçá, sem que os professores
atentem para os inconvenientes morais de temas
semelhantes.
... haverá algo mais “xarope” que uma festa cívica
escolar constituída de números sérios, números que,
sem o pretexto de utilidade, não de arte, só
192
REVISTA DE EDUCAÇÃO
EXPEDIENTE DATA ANO PERIODICIDADE ARTIGO PÁGINAS AUTOR CITAÇÃO
Continuação sirvam para maçar a assistência, fazendo-a
bocejar e maldizer o próprio comparecimento?
Haverá festa infantil mais “cacete” que aquela
onde as crianças, desafiando um rosário de
poesias cantadas, com a clássica e conhecida
entoação ou de canções desafinadas, forcem os
presentes a bater palmas gentis e generosas à
incapacidade artística dos ensaiadores?
Na tem visto os leitores porventura a saírem as
crianças de cerimônias festivas, sem saberem
ao certo uma de suas finalidades principais
senão a principal? Não conhecem festas cívicas
deixadas pelas crianças, sem que estas possam
dizer precisamente lá fora a sua significação?
Se as festas cívicas escolares devem agradar;
se devem constituir providência de real
importância educativa, por ser de caráter
eminentemente social, para que o constituam
de fato, atendem bem os professores – e as
crianças também, que de tal trabalho devem
participar – para a elaboração cuidadosa – dos
programas. Nunca se esqueçam sobretudo que
o agradável deve ser sempre veículo útil.
Interessar as crianças, agradá-las é muito, mas
ainda é pouco. Toma-se necessário saber que é
que de útil e proveitoso aprenderam, além do
excelente educativo, trado social
possivelmente havido.
193
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