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SHEILA RACHID MENDES FONTES
TURISMO E ARTESANATO:
O CASO DE BICHINHO EM PRADOS / MG
Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
2006
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1
SHEILA RACHID MENDES FONTES
TURISMO E ARTESANATO:
O CASO DE BICHINHO EM PRADOS / MG
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Turismo e Meio Ambiente do Centro
Universitário UNA, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Turismo e Meio
Ambiente.
Orientador: Nelson Antônio Quadros Vieira Filho
Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
Agosto/ 2006
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3
AGRADECIMENTOS
Ao escrever esta dissertação senti-me, muitas vezes, como uma artesã do
Bichinho. Artesã das artes de pontos e nós, agulhas e linhas. Dessa forma construí este
trabalho com a ajuda de várias mãos, como acontece na Oficina de Agosto.
Assim, agradeço às cidades de Prados e Tiradentes pelas linhas coloridas que
contornam este trabalho.
À comunidade do Bichinho agradeço os vários retalhos que costurados
produziram o tecido final repleto de mistérios, memórias, progressos, histórias, sonhos e
viagens.
Ao Nelson, meu orientador, agradeço as agulhadas que ora costuravam, ora
alfinetavam a artesã e a Andréa Lameirinhas agradeço os incentivos em continuar com a
costura.
Nesse fazer artesanal, agradeço os pontos, os bordados, os desmanches, à
professora Vera Lessa que possui o dom de lapidar palavras e pausar pensamentos e falas.
À FADOM, Faculdades Integradas do Oeste de Minas, agradeço por oferecer
material necessário para que o trabalho fosse construído.
À Dona Adélia, minha mãe, agradeço pelas orações a tantos santos os quais,
muitas vezes, surgiam como personagens concretos no trabalho de pesquisa, na comunidade
do Bichinho.
Ao Daniel agradeço as aulas de porcentagem, logaritmos e noções de Economia
que se tornaram úteis na confecção desse artesanato.
À Isabela agradeço por acreditar que Bichinho fica num lugar encantado onde a
arte acontece sem pedir licença.
Agradeço aos meus filhos, Leonardo e Roberta, linhas especiais desse produto por
acreditarem nessa tessitura. Agradeço suas acolhidas, seus sorrisos e até seus desabafos ao
perguntarem: - "tá acabando, mãe?".
Ao meu marido, Fontes, peço desculpas pelas ausências, pelo desgaste, pela falta
de tempo, e, sobretudo, agradeço a sua singeleza em, de maneira bem-humorada, não entender
como Bichinho, sendo tão pequeno, produzia tanto assunto e tanta polêmica.
Enfim, à Deus agradeço por permitir a conclusão desta dissertação que, muito
mais que um trabalho científico, tornou-se a arte de ver com outros olhos o turismo e seus
impactos.
4
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de um outro galo
Que apanhe o grito que um galo antes
E o lance a outro; e de outros galos
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
Se erguendo tenda, onde entrem todos,
Se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
5
RESUMO
Esta dissertação apresenta como objetivo geral a análise dos impactos do turismo no
artesanato do povoado de Vitoriano Veloso, Bichinho, na perspectiva dos artesãos e dos
principais atores sociais inseridos naquele contexto. Dessa forma, discutiu-se o conceito de
artesanato e sua relação com a arte; analisou-se como a literatura contempla as manifestações
culturais e o artesanato, em particular, na sua relação com o turismo e com a identidade local;
situou-se histórica e geograficamente a comunidade do Bichinho caracterizando-a em seus
principais aspectos sócio-econômicos, ambientais e culturais. Também, procurou-se entender
a emergência e o desenvolvimento do artesanato do Bichinho e seu papel na atração dos
turistas; caracterizando o perfil desse turista; procurou-se entender os impactos do turismo na
atividade artesanal em Bichinho, em termos de sua comercialização, organização do trabalho
e produção local e na geração de empregos e de renda além de outros impactos sócio-
ambientais relevantes daí advindos, a partir das percepções dos principais atores naquele
contexto. Analisou-se a percepção dos artesãos, turistas e representantes da comunidade do
Bichinho e do poder público dos municípios relevantes (Prados e Tiradentes), em relação à
qualidade e aos significados da produção artesanal do povoado enquanto expressão da cultura
e identidade do Bichinho. Metodologicamente, nessa dissertação utilizou-se de uma
abordagem qualitativa. Quanto aos meios, a pesquisa caracterizou-se como bibliográfica,
documental, de campo e estudo de caso. A investigação envolveu pesquisa de campo e coleta
de dados através de entrevistas semi-abertas com os sujeitos da pesquisa. Como conclusão
percebeu-se que o turismo, na perspectiva dos atores entrevistados, afeta o artesanato do
Bichinho seja revitalizando-o, seja descaracterizando-o, mas principalmente tornando-o
atividade de referência econômica e cultural para a comunidade local.
Palavras chaves: turismo, impactos, artesanato
6
ABSTRACT
The general objective of this dissertation is to present the analysis of the impact of tourism on
the handicrafts of Vitoriano Veloso village, known as Bichinho, through the perspective of
the handcrafters and main social actors inserted into that context. Therefore, the concept of
the handicraft and its relation with art were discussed; the way literature contemplates cultural
manifestatopms and handicrafts were analyzed; the Bichinho community was situated
geographically and historically, characterizing its main social-economic, environmental and
cultural aspects. Also, there was the objective of understanding the emergence and
development of Bichinho handicraft and its role in attracting tourists; characterizing the
profile of these tourists; there was also an objective of understanding the impact of tourism on
the handicraft activity in Bichinho, by means of its commercialization, organization of work
and local production and in the generation of jobs and income as well as other relevant social-
environmental impacts caused by that, through the perception of the main actors in that
context. The perception of handicrafters, tourists and representatives of Bichinho community
and of the public administration of other relevant counties (Prados and Tiradentes), in relation
to the quality and significance of the handicraft production of the village as an expression of
culture and identity of Bichinho was analyzed. Methodologically, in this dissertation, a
qualitative approach was used. As for the means, the research was characterized as
bibliographic, and documental, of field and case study. The investigation involved field
research and data collection through semi-open interviews with the subjects of the research.
Its concluded that tourism, in the perspective of the actors interviewed, affects the handicrafts
in Bichinho by revitalizing it, even be it mischaracterizing, but mainly making it an economic
and cultural reference activity for the local community.
Keywords: tourism, impact, handicraft
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
OMT - Organização Mundial do Turismo
SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1.1 Justificativa ................................................................................................................... 10
1.2 Objetivos........................................................................................................................ 16
1.2.1 Objetivo geral.............................................................................................................. 16
1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................................... 16
1.3 Estrutura da dissertação.............................................................................................. 17
2. REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 18
2.1 Algumas considerações sobre arte e artesanato ......................................................... 18
2.2 O turismo e seus impactos no artesanato .................................................................... 30
2.3 Conclusão ....................................................................................................................... 36
3 METODOLOGIA............................................................................................................ 38
3.1 Dos processos ................................................................................................................ 38
3.1.1 Seleção do sujeito da pesquisa .................................................................................... 40
3.1.2 Coleta de dados ........................................................................................................... 42
3.1.3 Análise dos dados ........................................................................................................ 43
4 BICHINHO E SEU ARTESANATO............................................................................. 45
4.1 Localização e história do povoado do Bichinho......................................................... 45
4.2 A Oficina de Agosto, o artesanato e outros atrativos de Bichinho........................... 48
4.3 O entorno do Bichinho: Tiradentes e Prados............................................................. 53
4.3.1 Tiradentes: A cidade que retrata o turismo ................................................................ 53
4.3.2 Prados: cidade erudita ................................................................................................ 57
4.4 Conclusão ...................................................................................................................... 60
5 OS IMPACTOS DO TURISMO NO ARTESANATO DO BICHINHO ................... 62
5.1 Percepções sobre os impactos do turismo no artesanato de Bichinho...................... 62
5.2 A Percepção dos líderes e informantes relevantes de Tiradentes, Prados e
Bichinho................................................................................................................................ 63
5.2.1 Tiradentes .................................................................................................................... 63
5.2.2 Prados.......................................................................................................................... 64
5.2.3 Bichinho....................................................................................................................... 66
9
5.3 A percepção dos funcionários da Oficina de Agosto ................................................. 73
5.4 A percepção dos turistas .............................................................................................. 76
5.5 A percepção dos artesãos ............................................................................................. 80
5.6 Conclusão ...................................................................................................................... 88
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 100
APÊNDICES........................................................................................................................ 105
10
1 INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa
O fator viagem sempre foi uma atividade comum à maioria dos povos no mundo motivados
por uma necessidade de deslocamento, seja para a conquista (guerras, invasões etc.), seja para
o lazer e a curiosidade em conhecer e explorar as paisagens naturais existentes em outros
pontos do lugar onde vivem, assim como de localidades mais distantes.
Segundo Lage e Milone (1996, p. 16), na Antiguidade Clássica, os gregos se deslocavam
constantemente para assistir, participar e usufruir espetáculos culturais, festivais e jogos –
todos sabemos que os jogos Olímpicos tiveram seu início no mundo grego.
Porém, foi na fase renascentista, com o incentivo à ciência e às artes, que se passou a viajar
mais como uma forma de explorar novos lugares, com interesses econômico-financeiros, além
do interesse na aquisição de mais conhecimentos por parte das pessoas mais abastadas, o que
as diferenciava das outras pessoas de classes sociais menos favorecidas.
Ainda segundo Lage e Milone (1996, p. 16), também nessa época, segunda metade do século
XVI, foi elaborado, na França, por Charles Etienne, o primeiro guia de estradas, com roteiro e
descrição de vários espaços atrativos para a prática turística. Quase 60 anos depois, outras
publicações apareceram e, dentre elas, o primeiro manual de guia turístico, denominado Of
travel – Das viagens – escrito por Francis Bacon, com roteiros e indicações para viajantes de
todas as modalidades e tipos.
Entretanto, segundo Theobald
1
(apud BISSOLI, 2000, p. 94), foi após a Revolução Industrial,
segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, quando houve várias e grandes
transformações na qualidade vida e nos meios de comunicação e transportes – o início do
desenvolvimento tecnológico e de formação de uma burguesia, amparada pelo comércio, que
1
THEOBALD, William F. (Org.). Turismo Global. Belo Horizonte: Ed. SENAC, 1985. 510 p.
11
possuía tempo, dinheiro e disponibilidade para viajar – é que o turismo se sedimenta e passa a
se desenvolver cada vez mais.
Hoje, o turismo representa uma atividade econômica de forte impacto na vida moderna, e a
indústria do turismo é a que mais cresce no mundo. Dados recentes da Organização Mundial
do Turismo (OMT, 2002) assinalam um crescimento significativo da atividade: o número de
turistas estrangeiros circulando pelo mundo em 2005, foi de 808 milhões, o que representa um
recorde histórico e um crescimento de 5,5% na comparação com o ano anterior. No Brasil,
este número chegou a 6.784 milhões em 2005, também um recorde histórico, com aumento de
10,53% em relação ao ano anterior, segundo informações da Infraero (2005).
São vários os estudos sobre o tema e, segundo Barreto (2000, p. 18), desde pelo menos 1911,
há estudiosos que entendem o turismo como um fenômeno complexo, uma vez que ele
implica na existência de um atrativo, algo que fará com que o turista visite determinando
lugar e que, por isso, pode ser subdividido em várias modalidades como cultural, ecológico,
comercial, recreativo, gastronômico, dentre outros.
Vinculado ao objetivo desta dissertação está o "turismo cultural", uma vez que este aborda
aspectos como história, cotidiano, artesanato, dentre outros.
Várias são as literaturas que abordam o turismo e o turista, porém é interessante perceber a
carência de estudos que abordem a temática da visão do residente nas localidades turísticas,
em sua relação com o turista, mediada pelo produto – o artesanato. Essa temática nos leva a
estudar os impactos inerentes às relações turismo/ turista/ residente/ atrativo turístico/
comunidade.
Para Grünewald (2002, p. 17),
Desde a segunda metade do século, as idéias de 'impacto do turismo' e de
'desenvolvimento turístico' recebem atenção, não só pelas ciências sociais e
econômicas, como também pelos próprios agentes empreendedores que aplicam
capital político, econômico ou mesmo simbólico, em sociedades específicas.
Mudanças ocorreram nessas sociedades e isso também se percebe pelo aspecto
cultural e não meramente econômico. Muitas vezes essas mudanças foram pensadas
em termos de uma aculturação em larga escala face ao impacto do turismo, isto é, o
desenvolvimento turístico levaria os nativos de pequenas sociedades hospedeiras a
abandonarem um modo de vida tradicional e independente do capitalismo global
para se inserirem em negócios locais incrementados pelo 'efeito multiplicador'
12
(SMITH, 1989) do desenvolvimento turístico.
Os impactos do turismo podem implicar benefícios ou malefícios para a região de destino,
dependendo do foco escolhido para análise e podem, também, acontecer ao mesmo tempo ou
em seqüência.
A magnitude desses impactos depende de uma série de fatores ligados às
particularidades da população da região de destino, do perfil, das características e
comportamentos, dos fluxos turísticos que se estabelecem e das formas de
intervenção do Estado e outros agentes nesse processo (VIEIRA FILHO, 2005, p.
134).
Normalmente, a literatura (Grünewald (2004), Bolson (2005), Vieira Filho (2005)) classifica
os impactos do turismo como: econômico, abordando, entre outros fatores, a geração de
emprego e renda e o desenvolvimento da infra-estrutura na região receptora; ambiental,
enfocando prejuízos potenciais como a degradação ecológica ou a destruição do patrimônio
"natural"; sócio-culturais, evidenciando benefícios como, aumento das oportunidades
econômico-sociais e problemas gerais que o turismo acarreta para a comunidade
Esses impactos ora negativos, ora positivos, são hoje objetos de estudo. Percebe-se que
quando há um planejamento que visualize tanto o residente quanto o turista como atores
principais de todo o movimento, esses impactos, se negativos, poderiam ser minimizados e se
positivos, poderiam ser maximizados.
Ruschmann (1997, p. 238) afirma que "a sustentabilidade acontece quando formas de turismo
satisfazem as necessidades do turista, da indústria do turismo e das comunidades locais, sem
comprometer a capacidade das futuras gerações".
Apesar de usar a expressão "indústria" para designar o mercado turístico, essa definição
enfatiza as comunidades locais, o que é um diferencial, uma vez que ela não omite o residente
na tarefa de um futuro planejamento turístico.
De acordo com Irving (2002, p. 37), na prática, o conceito de desenvolvimento sustentável
transcende a discussão teórica e se depara de forma significativa sobre a vontade política.
Porém, algumas vezes, ao estudarmos comunidades que se mostraram envolvidas na tomada
de decisões e no equacionamento de problemas comuns, notou-se uma mudança de
mentalidade dos atores envolvidos, no sentido de co-responsabilidade e exercício de
13
cidadania, elementos essenciais ao desenvolvimento efetivo das sociedades, muitas vezes indo
de encontro a decisões políticas pré-estabelecidas.
Daí dizer que, quando se coloca a perspectiva de sustentabilidade em prática, exige-se
conhecimento sobre as interações entre a sociedade, a economia, a política e o meio ambiente.
Dessa forma, o conhecimento demanda participação e um saber intrínseco das próprias
sociedades humanas em seus núcleos mais simples, capazes de expressar singularidades,
símbolos e expectativas.
Sabe-se que as necessidades de um povo não se restringem às necessidades de ordem
econômica e que a comunidade é quem identifica suas próprias necessidades. A participação é
pré-requisito essencial para que haja mudanças positivas para a sociedade.
Bordenave
2
(apud IRVING, 2002, p. 39) afirma que "a participação facilita o crescimento da
consciência crítica da população, fortalece o seu poder de reivindicação e a prepara para
adquirir mais poder na sociedade".
Quando o turismo é implantado de forma planejada, ouvindo a comunidade local, ele pode
colaborar de diferentes formas.
Na recuperação da memória e das identidades locais, estimular a existência e a
reabilitação de sítios históricos, construções e monumentos, propiciar a revitalização
de atividades tradicionais de áreas em declínio, redescobrir sítios com propriedades
específicas e de cidades históricas (BARRETO, 2000, p. 32).
O desenvolvimento do turismo sob as bases do desenvolvimento sustentável está no
reconhecimento das áreas turísticas, enquanto legados culturais deixados por gerações
passadas, que de alguma forma decidiram conservá-las para as gerações futuras. O atrativo
turístico, visto como legado cultural, possibilita a sua perpetuação no tempo.
De acordo com Barreto (2000, p. 32), "o turismo sustentável, entendendo o atrativo como
legado, é mantenedor de elos de continuidade, pertencimento e partilha da história e tradições
comuns a um povo".
2
BORDENAVE, Juan Diaz. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção Primeiros Passos)
14
Por outro lado, o turismo pode reforçar certas tradições, as quais passam a ser atrativos
turísticos em suas localidades e, assim, permitem o desenvolvimento não só do próprio
turismo, como também da comunidade, em sua produção, em seu meio social, em sua
qualidade de vida.
Os trabalhos artesanais produzidos em uma localidade, podem ser percebidos e avaliados pelo
turista e artesão de diferentes formas, o que remete a uma discussão antiga sobre arte e
artesanato.
Vários são os conceitos sobre arte. Para Coli (1996, p. 8), "arte são manifestações da atividade
humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é, nossa cultura possui uma
noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia".
Sabe-se que, quando se usa a palavra "arte" para se referir a alguma obra, o que se faz é um
enobrecimento a essa obra e a seu autor, só que nossa cultura prevê instrumentos que
determinarão, pelo fruidor, o que é ou não arte. Para isso, um instrumento utilizado é a crítica
que se vincula, muitas vezes, ao fato de uma obra, para ser reconhecida como arte, ter sido
elaborada sob o efeito do intelecto. Assim, ela pode não ser entendida por todos, uma vez que
os artistas buscam novos meios de expressão para criar novas significações, simbolizar
pessoas, acontecimentos, emoções, lugares, etc., de maneira que "sua obra não é
imediatamente compreensível para todos e sim para os entendidos no assunto que a
interpretam para o restante do público" (CHAUÍ, 2003, p. 288).
Já o artesanato é considerado uma "arte popular", justamente pelo fato de necessariamente
não utilizar o intelecto para ser produzido. Caracteriza-se pelo uso das mãos como
instrumento essencial do seu trabalho, e a obra "é imanente ao seu mundo ou ao mundo dado,
exprimindo-o diretamente tal como ele é" (CHAUÍ, 2003, p. 288). O artista exprime
diretamente o que se passa em seu ambiente o qual é o mesmo para seu público e por isso é
imediatamente compreendido por todos.
Para Cohen
3
(apud GRÜNEWALD, 2002, p. 7), "artes turísticas podem ser vagamente
3
COHEN, Erik. Authenticity and commoditization in tourism. Annals of Tourism Research, v. 15, 1988;
COHEN, Erik.Introduction: investigating tourist arts. Annals of Tourism Research, v.20, n. 1, 1993 a;
COHEN, Erik. The heterogeneization of tourist art. Annals of Tourism Research, v.20, n. 1, 1993 b.
15
definidas como produtos de artes e ofícios étnicos produzidos para uma audiência externa
tipicamente não familiarizada com os critérios culturais e estéticos da sociedade dos
produtores". Essas "artes" podem não permanecer idênticas, ao longo do tempo, devido à sua
comercialização.
O presente trabalho tem como local de estudo o povoado do Bichinho, Vitoriano Veloso,
localizado na região dos Campos das Vertentes, Minas Gerais, distante 206 km de Belo
Horizonte, pertencente ao município de Prados e que sedia a Oficina de Agosto, uma Empresa
de Pequeno Porte (EPP) que tem por objetivo difundir o artesanato popular e o fetiche em
localidades onde a mão de obra já esteja vinculada a esse tipo de trabalho.
Região antigamente desconhecida, apesar de ter em seu entorno cidades históricas e
tradicionalmente ligadas à arte e ao artesanato, como Tiradentes e Prados, Bichinho, hoje, é
reconhecida pela sua expressão artística oriunda de seu artesanato e das transformações
decorrentes da Oficina de Agosto. Sua localização entre Tiradentes e Prados e o privilégio de
estar cercada por ambientes ecológicos, como Serra São José e trecho da Estrada Real a
fortalecem como núcleo turístico.
Em Bichinho, sabe-se que no final da década de 80, o artesanato conquistou admiradores que
se encantavam com os vários artesãos que ali se aglomeravam atraídos pela Oficina de
Agosto. Essa busca pela arte do Bichinho, tanto do artista, quanto do turista, veio transformar
o povoado em um núcleo turístico, o qual parece ter provocado vários impactos, tanto na
comunidade, como no próprio artesanato. Percebe-se que um dos impactos que pode estar
acontecendo até hoje diz respeito à demanda existente por determinados tipos de arte. Isso faz
com que haja a necessidade de um aumento da oferta do produto final e eventuais re-arranjos
nos processos produtivos, a fim de atender à crescente demanda do público consumidor.
Pretende-se com este trabalho abordar um lado significativo de um processo, até então pouco
pesquisado, que é a perspectiva do artesão frente aos impactos do turismo em seu trabalho e
vis a vis a perspectiva de outros atores importantes nesse processo: líderes comunitários,
turistas e poder público.
Espera-se que este trabalho contribua para a literatura já existente sobre o tema e que abra
caminhos para que outros pesquisadores vejam, nos impactos do turismo junto à cultura
16
material algo que muito tem a ser desvendado.
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo geral
Analisar o impacto do turismo no artesanato do povoado de Vitoriano Veloso, Bichinho, na
perspectiva dos artesãos e dos principais atores sociais naquele contexto.
1.2.2 Objetivos específicos
y Discutir o conceito de artesanato e sua relação com a arte;
y Analisar como a literatura contempla as manifestações culturais e o artesanato, em
particular, na sua relação com o turismo e com a identidade local;
y Situar, histórica e geograficamente, a comunidade do Bichinho, caracterizando-a em seus
principais aspectos sócio-econômicos, ambientais e culturais;
y Entender a emergência e o desenvolvimento do artesanato do Bichinho e seu papel na
atração dos turistas;
y Caracterizar o perfil do turista de Bichinho;
y Entender os impactos do turismo na atividade artesanal em Bichinho, em termos de sua
comercialização, organização do trabalho e produção local, geração de empregos e de
renda e outros impactos sócio-ambientais relevantes daí advindos, a partir das percepções
dos principais atores naquele contexto;
y Analisar a percepção dos artesãos, turistas e representantes da comunidade do Bichinho e
do poder público dos municípios relevantes (Prados e Tiradentes), em relação à qualidade
e aos significados da produção artesanal do povoado enquanto expressão da cultura e
identidade do Bichinho;
y Analisar o papel do poder público de Prados em relação ao artesanato e turismo em
Bichinho.
17
1.3 Estrutura da Dissertação
O capítulo 1 introduz algumas considerações teóricas sobre turismo e seus impactos inerentes
às relações turismo, turista, residente, atrativo turístico e comunidade estudados em alguns
autores e aponta os objetos da pesquisa e sua relevância.
O capítulo 2 trata do referencial teórico da pesquisa. Aborda-se inicialmente algumas
reflexões sobre artesanato e sua arte. Discute-se ainda os impactos do turismo no artesanato.
O capítulo 3 aborda a metodologia da pesquisa explicitando os processos da seleção dos
sujeitos da pesquisa, coleta de dados e sua análise.
O capítulo 4 localiza e contextualiza historicamente o povoado do Bichinho e seu entorno,
abrangendo as cidades de Tiradentes e Prados, bem como caracteriza o processo do artesanato
em Bichinho.
O capítulo 5 discute e analisa os resultados das pesquisas junto aos líderes das comunidades
de Tiradentes, Prados e Bichinho; funcionários da Oficina de Agosto; artesãos; e turistas
referente às suas percepções quanto aos impactos do turismo no artesanato de Bichinho.
As considerações finais sintetizam os pontos mais importantes da pesquisa referente aos
impactos do turismo no artesanato do Bichinho.
18
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Algumas considerações sobre arte e artesanato
Uma das mais inquietantes produções do homem é a arte. Por que será que pessoas escrevem
livros, músicas, peças de teatro; pintam, esculpem? E por que pessoas lêem esses livros,
ouvem essas músicas, assistem a essas peças teatrais, admiram essas pinturas e esculturas?
Será que é porque essas pessoas estão em busca de distração, de entretenimento, de
relaxamento? Será por identificarem-se com personagens de um romance, de uma peça, com
uma pintura ou com uma emoção retratada na música? Será por fuga de uma existência
insatisfatória para outra mais aprazível? Ou será um desejo de completude do ser individual
ao coletivo? "A arte é o meio indispensável para a união do indivíduo com o todo; reflete a
infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias"
(FISCHER, 1981, p. 13). Por outro lado, a arte também dissocia, distancia o homem – tanto o
artista, quanto aquele que a frui, da realidade que o circunda, levando-o a outras paragens,
outros tempos.
Várias são as perguntas, assim como várias são as respostas, o que produz várias
conceituações sobre arte. Em sua criação, em sua produção, a arte pode ser vista como
técnica, processo intuitivo, comunicação, lazer, expressão, tudo isso tendo como base o
conhecimento estreitamente ligado ao sentimento de humanidade.
Pareyson (1989, p. 232) definiu arte "ora como um fazer, ora como um conhecer, ora como
um exprimir".
Como "um fazer", a produção artística é exemplificada por Pareyson (1989, p. 232) através da
arte criada na Antiguidade, explicitamente ligada ao aspecto executivo, manual. Porém, essa
arte manual não foi registrada como arte, pois, já naquele tempo, o conceito de arte se ligava
às artes plásticas e figurativas, sendo as utilitárias, as manuais, consideradas artes inferiores
pelo seu caráter servil. Percebe-se, através dessa definição, que essa arte, pelo seu caráter de
servir, é menos valorizada.
19
A arte como "conhecer" não se mostra, ela própria, como conhecimento, mas como uma nova
maneira de olhar e ver a realidade, segundo Pareyson (1989, p. 232). Esse novo olhar, seja do
artista que a produz, seja do público que a contempla, é o que determina o conhecimento
através da arte. Assim, ela é o processo através do qual o artista e o público elaboram um
novo saber.
Como "um exprimir", segundo o autor, a arte se faz presente através da beleza da expressão,
isto é, na íntima coerência das figuras artísticas com o sentimento que as anima e suscita.
Esse pensamento que liga a arte ao belo é encontrado também em Platão
4
(apud CHAUÍ,
2003, p. 323), quando este afirma que "a beleza é a única idéia que resplandece no mundo",
isto é, como se o belo existisse como um ser, em si mesmo, independentemente de quem o
cria, de quem o representa, de quem o contempla. Reside aí a universalidade do conceito
platônico do belo.
Aliado ao conceito do belo, Platão
5
(apud ARISTÓTELES, 2005, p. 60) não dissociava a arte
da ciência e da filosofia, ele a distinguia entre artes judicativas e artes dispositivas. As artes
judicativas eram dedicadas apenas ao conhecimento, enquanto as artes dispositivas eram
voltadas para a direção de uma atividade com base no conhecimento de suas regras.
Já Aristóteles (2005, p. 46) diferenciava ciência de arte ou técnica. Enquanto a ciência
cuidava do necessário – aquilo que não pode ser diferente do que é, a arte cuidava do que
poderia ser diferente do que é natural. Aristóteles determinava ainda que a arte poderia ser
classificada como práxis e poiesis. A práxis era a ação, política, ética, médica, enquanto a
poiesis eram as artes de fabricação, as artes plásticas, a música, a dança.
Nessa sociedade antiga é relevante lembrar que tudo o que era feito para servir tornava-se sem
valor, pois estava inserido no contexto vinculado à escravidão. Esse tipo de arte, hoje
denominado artesanato, era a "arte popular", enquanto a arte que atendia o homem livre:
oratória, gramática, retórica, lógica, aritmética, astronomia, música, já era vista como arte
nobre. Dessa forma, surgia a desvalorização da hoje denominada arte artesanal.
4
PLATÃO. O Banquete. Coleção "Os Pensadores, v. III 1.
5
PLATÃO. A República. Trad. M.H.R. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
20
Santo Tomás de Aquino (apud TOLSTOI
6
, 2002, p. 93) fortalece essa diferença quando
justifica que existem artes que dirigem o trabalho da razão, enquanto há artes que se prendem
ao trabalho das mãos. Para Aquino, somente a alma é livre, o corpo é a prisão, o que faz com
que as artes liberais ligadas à razão sejam superiores às artes mecânicas, denominadas artes
manuais.
Porém, já se distanciando da Idade Média, no período da Renascença, nasce um movimento
que tem como objetivo valorizar as artes mecânicas, manuais. O valor do homem como
homem sobrepõe o valor dos deuses, vistos até então como responsáveis por todas as ações e
criações. Essa dignidade pelo trabalho do homem fez com que as artes manuais ou mecânicas
começassem a ser reconhecidas como conhecimento. Iniciou-se, então, o processo que
permitiu, no século XVII, ver a arte como utilitária, quando se situa nos campos da medicina,
da agricultura, da culinária, do artesanato ou como a arte do belo: arquitetura, pintura,
escultura, poesia, música, teatro, dança.
A partir desse pensamento, a distinção passa a ser entre artes utilitárias e artes da beleza. A
arte da beleza fez com que nascesse o paradigma da arte que nasce da inspiração, a arte
espontânea vinda do gênio inspirador, enquanto a arte utilitária, arte técnica, nasce de regras
predeterminadas vindas da tradição ou da ciência. Enquanto o artista é visto como um ser
iluminado, o homem que cria algo para servir é considerado menor, mesmo que seu trabalho
seja belo e encante aos olhos.
Essa distinção fez surgir um questionamento: o que é esse conceito de beleza, sobre o qual se
baseia a doutrina reinante da arte?
De acordo com Baumgarten (apud TOLSTOI, 2002, p. 41), fundador da estética, o objeto do
conhecimento lógico é a verdade; o objeto do conhecimento estético é a beleza: a beleza é o
perfeito percebido pelos sentidos enquanto que a verdade é o perfeito percebido pela razão. O
bem é o perfeito atingido pela vontade moral. O objetivo da beleza, segundo Baumgarten, é
ser agradável e excitar o desejo. Para ele, as manifestações da beleza estão inseridas na
natureza e que, então, a tarefa mais elevada da arte é imitar a natureza.
6
Tolstoi não ofereceu nenhuma documentação para suas referências, além daquelas que incluiu no próprio corpo
do texto.
21
Em contraposição aos estudos de Baumgarten, alguns estudiosos declararam reconhecer como
objetivo da arte não a beleza, mas o bem. Assim, Sulzer (apud TOLSTOI, 2002, p. 42) diz
que apenas aquilo que contém o bem pode ser reconhecido como belo e que o objetivo de toda
a humanidade é o bem-estar da vida social. Este é atingido por meio da educação do sentido
moral, e a arte deveria ser subserviente a esse objetivo. A beleza é o que evoca e educa esse
sentido, o do bem.
Na Alemanha, no século XVIII, surgiu uma teoria totalmente nova, a de Kant (apud
TOLSTOI, 2002, p. 45), que esclarece a essência do conceito de beleza e, portanto, também
de arte. A estética de Kant se baseia no seguinte: "o homem percebe a natureza fora dele e a si
mesmo na natureza. Na natureza, fora dele, ele busca a verdade; dentro de si mesmo, ele
busca o bem – a primeira é matéria da razão pura, a segunda, da razão prática: liberdade".
Além desses dois meios de percepção, segundo Kant, há o poder do julgamento que forma
juízos sem conceitos e produz prazer sem desejo. É esse poder que constitui a base do senso
estético. E, de acordo com Kant (apud TOLSTOI, 2002, p 45), "a beleza é, em sentido
subjetivo, aquilo que, sem conceitos e sem benefício prático, é geralmente e necessariamente
agradável". Enfim, o objetivo da arte, como defende Schiller (apud TOLSTOI, 2002, p 46),
seguidor de Kant, é a beleza cuja fonte é o prazer sem utilidade prática.
Depois de Kant e seus seguidores, Fichte (apud TOLSTOI, 2002, p.48) escreveu que a
consciência do belo é suscitada da seguinte forma: "o mundo – isto é, a natureza tem dois
lados: é o produto de nossa limitação e é também o produto de nossa atividade livre, ideal".
No primeiro juízo, o mundo é limitado. No segundo, é livre. No primeiro, todo o corpo é
limitado, distorcido, comprimido, restringido, e vemos feiúra; no segundo, vemos plenitude
interna, vitalidade, regeneração – vemos beleza. Assim, a feiúra ou a beleza de um objeto,
segundo Fichte (apud TOLSTOI, 2002, p. 48) depende do ponto de vista do contemplador.
Para Fichte (apud TOLSTOI, 2002) a arte é a manifestação da alma e pode implicar em
educação, não apenas da mente, que é o trabalho do estudioso, não apenas do coração, que é o
trabalho do pregador moral, mas do homem inteiro.
Segundo Hegel (apud TOLSTOI, 2002, p. 48)
Deus se manifesta na natureza e na arte sob a forma de beleza. Deus se expressa de
22
duas maneiras: no objeto e no sujeito, na natureza e no espírito. A beleza é a idéia
que brilha através da matéria. Apenas o espírito e tudo que participa dele é
verdadeiramente belo, e, portanto a beleza da natureza é meramente um reflexo da
beleza própria do espírito: o belo tem somente conteúdo espiritual. Mas o espiritual
tem que se manifestar sob a forma sensual.
Todavia, a manifestação sensual do espírito é apenas uma aparência, essa aparência é a única
realidade do belo. A arte, então, é a realização dessa aparição da idéia, e é um meio,
juntamente com a religião e a filosofia, de trazer à consciência o sentido subjetivo do belo e
dar expressão às mais profundas tarefas dos homens e às mais altas verdades do espírito.
Durante esse período, na Inglaterra, as obras escritas sobre estética definem a beleza, cada vez
mais frequentemente, não por sua qualidade própria, mas pelo gosto, e a questão da beleza
depende unicamente do observador.
Os juízos de arte aqui citados estão longe de esgotar tudo o que foi escrito sobre o assunto.
Além disso, a cada dia aparecem novos autores escrevendo sobre estética, e o julgamento
desses novos escritores contém a mesma estranha e enfeitiçada obscuridade ou contradição
em sua definição de beleza. Assim, o conceito de beleza é relativo, pois a arte na sua
definição é a produção de um objeto durável ou efêmero capaz de dar desfrute ativo e
impressão prazerosa a certo número de espectadores ou ouvintes, independentemente do
benefício que possa ser auferido dele.
Podemos então tirar desses conceitos duas definições de beleza: uma objetiva e mística, que
mistura seus conceitos com a mais alta perfeição com Deus; a outra, ao contrário, uma
definição subjetiva, bem simples e clara, que considera que a beleza é aquilo que é agradável,
sem levar nenhuma vantagem por ser bela. Porém, a teoria da arte, baseada na beleza exposta
por estetas e professada em contornos vagos pelo público, estabelece que bom é aquilo que é
considerado agradável por um certo círculo de pessoas.
Além desse conceito de "arte pela arte', existem outros conceitos desenvolvidos ao longo do
tempo, tais como: arte como manifestação de uma idéia misteriosa, como manifestação de
deuses; arte como forma de brincar em que o homem libera uma energia estocada: a arte
lúdica; arte como manifestação de emoções por meio de sinais exteriores; arte como produção
de objetos agradáveis: ludoterapia.
23
Além desses conceitos, para tentarmos apreender o que é arte, outro aspecto deve ser
abordado, o fato de a arte ser um meio de comunhão entre as pessoas: a arte é também
produzida quando um homem, com o propósito de comunicar aos outros um sentimento que
ele experimentou certa vez, o invoca novamente dentro de si e o expressa por certos sinais
exteriores. Essa capacidade de atingir e contagiar outros seres, através dos sentimentos e
significados, é considerada uma atividade artística imprescindível à vida.
Dessa forma, a arte é, além de tudo, um meio de intercâmbio humano necessário para a vida e
para o movimento, em direção ao bem de cada homem e da humanidade, unindo-os em um
mesmo sentimento.
Outro fator preponderante que envolve a arte é a sua historicidade. O fato de toda a arte estar
condicionada ao seu tempo e representar as idéias e as aspirações de um povo, bem como as
suas necessidades e as suas esperanças, cria um momento histórico que se transforma em
momento humano na medida em que esse tempo faz parte do tempo de toda a humanidade.
Por isso, é freqüente admirarmos obras antigas, que nem eram conhecidas por nós, ou obras
há muito esquecidas, que fizeram parte de gerações passadas e que despertam em nós um
novo olhar, uma nova emoção, uma nova vida.
Se os homens não possuíssem a capacidade de serem contagiados pela arte, talvez fossem
ainda mais selvagens e, acima de tudo, mais divididos, mais hostis. Temos aí a função
pedagógica da arte, desenvolvida ao longo dos tempos por vários estudiosos.
Para Platão
7
(apud ARISTÓTELES, 2005, p. 62), dança e música são disciplinas
fundamentais na formação do corpo e da alma, isto é, do caráter das crianças e dos
adolescentes. Como Platão não distingue ciência e arte, o ensino das artes é considerado
indispensável na formação educacional.
Em Aristóteles (2005, p. 62), a arte tem função catártica, de purificação espiritual. A função
da arte para Kant (apud TOLSTOI, 2002, p. 45) é produzir o sentimento do sublime, isto é, a
elevação e o arrebatamento de nosso espírito. Com Hegel (apud TOLSTOI, 2002, p. 49), a
arte tem como função a educação moral da sociedade, além de propiciar a passagem do estado
7
PLATÃO. A República. Trad. M.H.R. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
24
artístico para a espiritualidade da religião: exterior para interior.
Temos ainda a arte que possibilita o repouso da alma, a suspensão das fadigas e a arte a
serviço da emancipação do homem – arte engajada.
Todas essas funções são possíveis graças ao intercâmbio humano proporcionado pelas
manifestações artísticas.
Esse intercâmbio através da arte é defendido por Chauí (2003, p. 325), no seu livro Convite a
Filosofia, como "arte – função expressiva". A autora defende que essa expressão é o que
transforma num fim aquilo que para outras atividades humanas é um meio. Porque, como ela
mesma afirma, "a arte faz ver a visão, faz falar a linguagem, faz ouvir a audição, faz sentir as
mãos e o corpo, faz emergir o natural da Natureza e o cultural da Cultura" (CHAUÍ, 2003, p.
325).
Chauí (2003) defende ainda que a arte desequilibra o que foi estabelecido, descentra formas e
palavras, retirando-as do contexto costumeiro para apresentá-las numa outra dimensão,
denominada criativa. "A arte inventa um mundo de cores, formas, volumes, massas, sons,
gestos, texturas, ritmos, palavras, para nos dar a conhecer nosso próprio mundo" (CHAUÍ,
2003, p.328).
Ao reinventar o mundo dito normal, o artista desequilibra o sentido das coisas vistas como
comuns e desse ponto permite que o público em geral construa um novo olhar sobre as coisas,
ora indo contra as mudanças, ora aceitando o novo e, assim, permitindo que esse novo comece
a fazer parte de sua vida. Esse papel desempenhado pelas artes pode ser visto através do
desenvolvimento artístico o qual, no início, serviu à religião e mais tarde atinge sua
autonomia identificada como arte.
Essas mudanças podem ser vistas através do fazer artístico, presente nos vários estilos
artísticos, como: gótico, clássico, renascentista, barroco, rococó, romântico, impressionista,
realista, expressionista, abstrato, construtivista, surrealista, pop art, body art, etc. Todos esses
estilos defendem as relações existentes entre matéria e forma, público e obra.
Essas relações acabam por determinar a finalidade social das obras, seja para atender à Igreja
25
ou à burguesia, enfocando o lugar ocupado pelo artista como aprendiz de um artista já
consagrado, financiado por um mecenas, ou já um artista liberado ligado ao mercado artístico;
seja para atender a um público fiel, ou a uma elite economicamente poderosa, ou a um público
popular: a massa.
Chauí (2003) distingue duas correntes filosóficas no que tange a relação arte-sociedade.
A primeira defende que a arte só é arte pura se não estiver preocupada com o contexto
histórico, político, social ou econômico no qual está inserida. Esse tipo de visão é preocupante
porque imagina o artista desprovido de raízes e livre de influências sociais, o que é impossível
conforme declara Chauí (2003, p. 326).
A segunda corrente defende que o valor da obra de arte decorre de seu compromisso crítico
diante das circunstâncias presentes. Esse tipo de arte tem como preocupação a conscientização
das pessoas sobre as injustiças e as opressões do presente. É uma arte engajada. O problema
dessa corrente é o risco de sacrificar todo o trabalho artístico em nome das "mensagens" que a
obra deve enviar à sociedade para contribuir em sua mudança social, política, econômica ou
até idealista, uma vez que o artista torna-se o porta-voz de um povo oprimido.
Contemporaneamente, Benjamim (1982, p. 94) defende que, a partir do desenvolvimento
tecnológico, a arte social perdeu sua aura por causa da reprodução técnica das obras de arte.
Para Benjamin (1982), a arte sempre foi reproduzida desde tempos remotos, quando
discípulos imitavam seus mestres. Porém, o problema está na reprodução técnica que permite
a existência do objeto artístico em série, perdendo assim o que é original e o que é cópia. Para
Benjamin, a arte sempre foi reproduzível, bastando ver discípulos imitando os mestres. A
questão, portanto, não está no fato da reprodução e sim na nova modalidade de reproduzir: a
reprodução técnica que permite a existência do objeto artístico em série.
Se por um lado, a arte adquiriu autonomia, por não mais necessitar da submissão religiosa,
por outro, ela se submete a uma nova servidão, a das regras do capitalismo, perdendo assim a
sua "aura".
A partir do momento em que as obras são passíveis de reprodução, tornam-se "produtos
culturais", passam a ter valor de mercadoria. A conseqüência desse processo é a massificação
26
e não a democratização das obras artísticas.
Apesar de a arte poder tornar-se um "produto cultural", com valor mercadológico, ela
também, no mundo de hoje, é destinada a esclarecer, provocar ações e, conseqüentemente,
transformar, além de conservar o aspecto mágico que provém de sua origem e que, sem o
qual, ela deixa de ser arte. Como escreve Fischer (1981, p. 20) "[a] arte é necessária para que
o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo Mas a arte também é necessária em
virtude da magia que lhe é inerente".
Apesar de a arte popular, incluindo-se aí o artesanato, estar bastante popularizada e aceita pela
massa, junto a determinados filósofos e teóricos da cultura ela não parece ser bem aceita.
Shusterman (1998, p. 99) afirma que, "sob o olhar dos teóricos, quando essa arte não é
completamente ignorada, indigna até mesmo de desdém, ela é rebaixada a lixo cultural por
sua falta de gosto e reflexão". Porém, Shusterman (1998) ressalta que dentro da própria
história, algo considerado arte popular, como o teatro grego, por exemplo, pode vir a ser um
grande clássico em outra época. Essa fronteira entre arte/ artesanato é truncada, pois implica
um mundo filosófico e muitas vezes abstrato.
Dentro de um recorte em que o artesanato é o foco de nossa discussão e tendo como
referência o mesmo autor acima citado, verifica-se a satisfação estética que o artesanato
proporciona ao leigo ou ao teórico. Por outro lado, alguns fatores, por Shusterman (1998, p.
99) apontados, dificultam a aceitação da arte popular junto aos teóricos.
Entre esses fatores, ele cita, primeiramente, que os que valorizam a arte do povo, o artesanato,
não se preocupam em responder aos críticos sobre os trabalhos ditos populares. Essa falta de
resposta, segundo Shusterman (1998, p. 99), distancia mais e mais a arte do artesanato.
Outro fator por ele apontado se faz presente quanto à argumentação que se usa ao defender o
artesanato enquanto arte. Enquanto teóricos questionam a estética dos produtos artesanais, os
defensores do artesanato apelam às circunstancias atenuantes das necessidades sociais e dos
princípios demográficos, em lugar de afirmar sua validade estética.
27
Gans
8
(apud SHUSTERMAN, 1998, p. 127), um dos maiores defensores da cultura popular,
admite a relativa pobreza e inferioridade estética do artesanato em relação à cultura elevada.
Porém, ele afirma que "uma vez que as classes inferiores não se beneficiam das oportunidades
socioeconômicas e educacionais [...], elas não podem ser condenadas pelos únicos produtos
culturais que são capazes de apreciar".
Embora bastante eloqüente e humanitária, esta defesa não é conveniente, como afirma
Shusterman (1998, p. 99), por achar que a cultura popular só é boa para os que não podem
fazer melhor ou para os que possuem piores condições financeiras. Dessa maneira, continua
Shusterman, de acordo com Gans (apud SHUSTERMAN, 1998), o artesanato deve ser
"tolerado" até que recursos sejam fornecidos para que esse público possa vir a escolher
formas culturais de gosto mais sofisticado.
Uma defesa mais eficaz do artesanato exige sua justificação estética, porém a tendência dessa
justificação perpassa pela arte maior, a qual é considerada somente a partir das mais celebres
obras de gênio, ao passo que a arte popular é tipicamente identificada com as produções mais
medíocres e padronizadas. No entanto, como já foi mencionado, existem muitas obras
medíocres dentro das artes maiores e assim, da mesma forma, a arte popular não pode ser
vista como um campo onde só haja mau gosto, onde nenhum critério estético seja exercido.
Percebe-se, porém, que uma defesa estética não poderá fazer muito pela arte popular, ou
melhor, pelo artesanato. Seus problemas maiores se encontram no campo sociopolítico,
mascarados pela cultura de massa.
Tomando como referência a própria história, verifica-se que, no século XIX, o romantismo
criou a idéia de tradição popular ou o que os artistas românticos chamavam de espírito de um
povo, cuja manifestação popular foi denominada de folclore.
Essas idéias surgiram em uma situação histórica determinada que foi a consolidação e o
fortalecimento dos Estados Nacionais reconhecidos pela unidade da língua, da religião, do
território geopolítico. Surge, assim, o nacionalismo, considerado pelos intelectuais como a
alma de um povo.
8
GANS, Hebert. Popular and high culture: An analysis and evaluation of Tast. Nova York: Basic Books,
1974. p. 10.
28
Todavia, não podemos esquecer que a sociedade inserida nesse contexto era a capitalista,
dividida em classes sociais. Dessa forma, no campo cultural podem ser observadas, até hoje,
as conseqüências dessas divisões, como, por exemplo, a divisão da cultura em erudita (elite) e
popular (povo). A arte erudita atendia ao público burguês: escolarizado, instruído, rico,
consumidor de obras de arte; enquanto o artesanato atendia à massa popular, através de sua
utilização. É o artesanato com a função de ser utilitário.
Percebe-se que a divisão econômica intercedeu nessa distinção entre arte erudita e arte
popular. Porém, não é essa distinção que prevalece entre as duas. O que as difere é a maneira
como são realizadas.
Esse fazer que tanto as distancia pode ser apontado em três fatores: na complexidade da
elaboração da arte erudita, enquanto a arte popular é vista como algo simples, tanto na sua
elaboração, exercida pelo artesão, quanto na sua fruição pelo público específico;na
modernidade, na singularidade expressada pela arte erudita, enquanto que na popular a
tradição é mantida através da repetição;e na transcendentalidade da arte erudita a qual permite
a ela mesma ir além do próprio mundo, e compreender, de modo simples, esse mesmo mundo
através da arte popular.
O desenvolvimento industrial separou dois mundos: o urbano e o rural. Essa bipolaridade fez
com que as artes sofressem novas distinções, como o folclore, o qual é retratado pelas
manifestações coletivas; a arte popular, a qual pode ser reconhecida através do artesanato,
agora produzido por trabalhadores muitas vezes oriundos de outras atividades, como, por
exemplo, a agricultura; a erudita, a que cria artes complexas destinadas a um público
específico; e a cultura de massa, financiada por patrocinadores que não visam ao
individualismo, mas ao coletivo.
Enfocando o artesanato, vimos muitas vezes que esses "artistas", agora, com o capitalismo
presente e com a cultura de massa padronizadora de comportamentos, hábitos e valores,
modificam o seu modo de trabalho a fim de se sustentarem através dele. Muitos retratam um
pseudo-tradicionalismo a fim de atrair um público saudosista de suas raízes. Esse artesanato
visto como tradicional não é sinônimo de algo atrasado, parado no tempo. Como afirma
Alvim (1972, p. 50) "a tradição que deve ser vista no artesanato é o conjunto de práticas
sociais e culturais materialmente presentes e que se reproduzem através do trabalho dos
29
chamados artesãos".
Assim, o artesanato é visto como uma forma de produção em que os trabalhadores
desenvolvem uma forma de relação com o objeto de seu trabalho individualizado, ou seja, o
papel desses trabalhadores no processo produtivo coloca-os em uma posição importante face à
construção do produto, que depende de sua capacidade e de seu conhecimento para ser criado.
Esse conhecimento não é adquirido pelo artesão na escola, e sim na relação com o próprio
trabalho, um trabalho peculiar, pois se baseia no trabalho manual. Mesmo quando os artesãos
executam trabalhos coletivos, percebe-se em cada peça, mesmo que seja com ajuda de fôrmas,
a marca da individualidade de cada artesão. Esse diferencial produzido pelo homem através
das mãos é a sua liberdade de ser.
Quando o homem produz utilidades – objetos de uso capazes de satisfazer as mais variadas
necessidades, tão várias quanto a própria vida – ele se considera integrado à comunidade.
Esse artesão, que faz o seu produto em baixa escala, continua sendo um criador; enquanto o
operário, aquele que trabalha numa indústria comandada pelo fazer em série, torna-se
"máquina", como afirma Alvim (1972, p. 50).
Não se trata aqui, é óbvio, de pretender um retorno ao modo de vida pré-industrial, mas de
revalorizar o homem como criador, e este é um benefício que o artesanato pode lhe dar. "Ao
produzir artesanato, o homem desenvolve faculdades perdidas como o uso das mãos
habilidosas, e o senso, a consciência de que pode valer-se, bastar-se, porque é capaz de criar"
(VIVES, 1983, p. 147).
Vives (1983, p. 147) ainda declara que "o papel fundamental do artesanato é testemunhar a
vida, dar peso, importância, felicidade ao cotidiano seja pela eficácia mágica atribuída aos
objetos - ritualísticos e de adorno, seja pela própria utilidade intrínseca das peças destinadas à
facilitação do existir".
As obras de arte são, cada vez mais, objetos autônomos, cuja finalidade última se encerra
nelas próprias e não além delas. Ultrapassaram os conceitos de beleza e fealdade, pois vê-las e
apreciá-las é operação intelectual. Ver se fez compreender.
Já o artesanato é o mediador entre arte e indústria (utilidade), entre contemplação e função.
30
"Sua produção é criação, e os modos de utilizar os objetos criados são também criativos"
(ALVIM, 1983, p. 59).
Vives (1983, p.135) afirma que "constituindo-se na soma de funcionalidade e beleza, o objeto
artesanal pode devolver-nos a síntese perdida". Essa síntese mencionada por Vives equivale à
somatória das necessidades básicas do ser humano juntamente com seu progresso no setor
industrial.
Assim, o uso das mãos que, no início da humanidade, propiciou ao homem a libertação para o
seu ser, e que, ao longo do tempo, se transformou em fazer artístico para seu deleite e/ou
sobrevivência, hoje, através do artesanato, recupera para o homem também a possibilidade de
libertação, seja através da função utilitária, seja através das relações humanas intrínsecas ao
"fazer artesanato".
2.2 O turismo e seus impactos no artesanato
Segundo Theobald
9
(apud BISSOLI, 2000, p.97), o turismo pode ser definido como o
movimento de indivíduos e grupos de uma localização geográfica para outra por prazer e/ ou
negócios, sempre em caráter temporário. Quando se fala em turismo, entende-se normalmente
que se trata de viagem. Porém, através de pesquisas bibliográficas, percebe-se que, desde
1911, estudiosos já definiam turismo como um fenômeno complexo. De acordo com Barretto
(2001, p.21), hoje existem pelo menos cem diferentes tipos de turismo que podem ser
agrupados em pelo menos quinze critérios.
Tendo como foco o critério motivação, de acordo com Barretto (2000, p. 32), pode-se ainda
dividir o turismo em turismo motivado pela busca de atrativos naturais e turismo motivado
pela busca de atrativos culturais.
No Brasil, esses dois tipos de turismo se fazem presentes e, a cada dia, consolidam-se, devido
às várias diferenças ambientais e culturais neles presentes. Atualmente, o turismo é visto
como uma atividade econômica que muito tem crescido em nosso país.
9
THEOBALD, William F. (Org.). Turismo Global. Belo Horizonte: Ed. SENAC, 1985. 510 p.
31
Barretto (2000, p. 35) afirma que essa "indústria sem fumaça" está chamando atenção para
estudos sobre o papel do residente, aquele que é nativo do espaço que se torna atrativo
turístico, e para estudos que têm como objeto o turista, aquele que vem de fora.
Quanto ao turismo como um todo, percebe-se que seus benefícios não são somente
econômicos, mas também se fazem presentes nos campos ambiental, social, educacional e
cultural. Quando bem planejado, o turismo induz à preservação do meio ambiente em seus
aspectos naturais, culturais e históricos. Através do turismo, o homem pode conhecer o outro
e, muitas vezes, descobrir a si mesmo seja no jeito que o outro vive, seja nas manifestações
culturais que lhe ativam a memória, seja até no estranhamento que o outro lhe proporciona.
Esse "conhecer" pode ser, muitas vezes, um "reconhecer" de suas próprias raízes ou, quem
sabe, algo pertinente à sua própria identidade. Identidade essa que pode ser considerada como
um sentimento de pertencimento a algo ou a algum lugar, cujos membros não se conhecem,
mas partilham referências, histórias, valores e costumes comuns (MAFFESOLI
10
apud
BARRETTO, 2001, p. 36).
De acordo com Barretto (2000, p. 49), o conceito de identidade é mutável através da própria
vida em sociedade do homem. Em épocas passadas, a questão da identidade era muitas vezes
definida da seguinte forma: as pessoas pertenciam a um clã, a uma tribo, a uma classe dos
servos ou a uma casta. Em tempos modernos, a identidade passa a ser abordada de modo mais
flexível, dependendo da relação do sujeito com os seus "diversos outros" e, dessa forma,
pode-se perceber que a identidade é uma construção social que pode mudar.
Já na pós-modernidade, a identidade sofre um processo intenso de fragmentação, mediado
pela multiplicação de contatos e referências sociais no contexto da globalização. Nesse
contexto, fica mais evidente que o sujeito pode possuir várias identidades, que se manifestam
através de comportamentos diversificados em circunstâncias e grupos diferentes.
De outro lado, parece que manter algum tipo de identidade – étnica, local ou regional, torna as
pessoas mais seguras e felizes. Essa procura pelo elo perdido: seu passado, sua terra, seus
costumes, sua história, sugere uma maneira de o sujeito não se perder no mar de informações
10
MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagems pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001.
32
e estímulos que o mundo oferece.
O residente em destinos turísticos, muitas vezes, também parece viver nessa busca do próprio
eu, ou da memória coletiva, através da re-invenção de um passado que agrade e atraia o turista
e que o faça mais forte e confiante do seu papel sócio-cultural.
Do ponto de vista dos receptores, sem dúvida as culturas não são estáticas, e a
identidade dos povos e das pessoas muda ao longo do tempo. Nada, nem ninguém,
permanecem estáticos para sempre. Nesse sentido, há que se concordar que, manter
a identidade local é impedir o processo normal pelo qual pessoas e sociedades
evoluem (BARRETTO, 2000, p. 49).
Assim, pode-se pensar que atrativos turísticos, na medida em que se tornam produtos
turísticos comercializados e revitalizadores de uma cultura, podem colaborar na sobrevivência
de comunidades inteiras.
Os impactos do turismo podem se situar no campo econômico, ambiental, social e cultural e
são inter-relacionados, pois, como se sabe, tanto a comunidade quanto o turista estão em
constantes movimentos, o que torna esses impactos dinâmicos e inter-relacionados.
Percebe-se então que "para cada impacto potencial pode haver uma perspectiva 'positiva' ou
'negativa'". Isso dependerá de como os atores sociais processarão informações (DUARTE,
SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006, p. 3).
É comum verificar na literatura fatores positivos do impacto turístico, tais como geração de
empregos, aumento de renda, aumento da consciência ecológica, atração de novos residentes,
estímulo a maior comercialização das manifestações culturais e aumento de oportunidades de
trabalho. Porém, vê-se, também, através do turismo, o surgimento de impactos negativos,
como a degradação ecológica, o aumento ou o surgimento do uso de drogas, crimes,
prostituição.
Os visitados podem esboçar contrariedade e mesmo antagonizar-se com os turistas em
razão desse comportamento diferente, mais liberal e não consciente dos valores locais,
atribuindo-lhes responsabilidades pelos comportamentos indesejáveis e pela
criminalização (DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006, p. 4).
Para que esses impactos possam ser classificados como negativos ou positivos, deve-se ter
como referência o observador, o qual se faz presente pelo turista, pelos agentes culturais,
33
pelos órgãos governamentais ou administrativos. O residente, aquele que sofre todo o
processo da indústria turística, não é, normalmente, abordado como participante ativo na
relação turismo/ atrativo turístico, seja esse atrativo um produto ou até a própria comunidade.
Tanto os elementos culturais materiais como a arte, o artesanato, a arquitetura, a literatura,
quanto os elementos culturais imateriais como as danças, os ritos religiosos, as festas pagãs,
os cantos, as músicas, as manifestações populares, as histórias orais, tanto as de vida quanto
às do imaginário coletivo, podem vir a sofrer alterações através do contato com o turista.
Por causa dessas alterações, os elementos culturais podem adquirir novos significados para a
comunidade receptora. Esses novos significados podem levar a alterações também na forma
dos elementos, agora atrativos turísticos, ou podem, também, por causa do impacto, servirem
de inspiração para novas criações.
Bolson (2005, p. 64) ao discorrer sobre os impactos sócio-culturais sofridos no artesanato de
pedra-sabão da feira do largo de Coimbra, em Ouro Preto, deixa claro que as alterações
apresentadas nesse artesanato são conseqüências das interações entre o artesão e o turista,
sendo que este último é o responsável por essas alterações as quais a autora julga negativas
para o artesanato, pois provoca a descaracterização do mesmo. O que não está explicitado é
como o artesão vê essa mudança em seu próprio produto.
Já Grünewald (2001, p.130), ao falar do turismo e do resgate da cultura dos índios Pataxós,
mostra que a mercadorização cultural não destrói necessariamente o significado dos produtos
culturais, que, orientados pelos turistas, adquirem novos significados para os seus produtores.
Grünewald ainda defende que o produto oferecido pelo residente, como até o próprio turismo,
sempre é visto sob o foco do turista. Diz o autor que, se mudar o ângulo, se tanto o atrativo
turístico como o próprio turismo forem analisados sob o olhar do residente, tornar-se-á visível
um turismo étnico, revivendo a própria tradição e resgatando uma cultura através de uma nova
criação.
Na cidade de Tiradentes, Duarte, Souza e Vieira Filho (2006) ao fazerem uma pesquisa com
os artesãos da cidade, deixam claro que o impacto econômico, tendo o artesanato como um
dos atrativos turísticos, é positivo para esses atores. "O turismo em Tiradentes provocou
desenvolvimento, trabalho, renda, comércio. Até a alta dependência foi colocada como
34
positiva" (DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006, p. 5)
Os autores mostram que o artesão de Tiradentes não se sente incomodado com a presença do
turista junto dele, sendo que muitos desses artesãos, de acordo com os autores acima citados,
ainda trabalham sob a forma tradicional: em família. "O trabalho em família pode representar
uma tradição, ainda que no sentido restrito de transmissão" (DUARTE, SOUZA e VIEIRA
FILHO, 2006, p.8).
De acordo com vários autores, deve-se considerar que "quando uma população hospedeira
torna-se dependente do turismo, os bens que ela produz especificamente para turistas são
autênticos", quanto quaisquer outros objetos (CHAMBERS
11
apud GRÜNEWALD, 2002, p.
134). E se os interesses dos turistas podem contribuir para alterar os objetos nativos, o
"desafio é imaginar o que, em casos específicos, isso significa para os donos de tais tradições"
(CHAMBERS
12
apud GRÜNEWALD, 2002, p. 132).
Dessa forma, como afirma Grünewald (2002, p. 133), não se deve julgar uma arte turística
como autêntica a partir do questionamento se ela permaneceu imutável por um longo período
de tempo, mas por sua "vitalidade social", pois como diz Duggan
13
(apud GRÜNEWALD,
2002, p. 135) "uma cultura autêntica não é a que permaneceu imutável, o que parece
impossível sob qualquer condição, mas a que retém a habilidade de determinar a
aplicabilidade de suas adaptações".
Para Alvim (1972, p. 49), "a relação do artesanato com a tradição faz com que muitas vezes
grupos sociais que tiram do artesanato seus meios de existência sejam catalogados como
partes de uma sociedade tradicional que se define por oposição a uma sociedade moderna".
O artesanato dito tradicional pode incorporar traços modernos e antigos e contribuir para a
sobrevivência da comunidade. Para muitos estudiosos, o artesanato é visto como uma forma
de produção em que os trabalhadores desenvolvem uma relação com o objeto de seu trabalho
individualizado, ou seja, o papel destes trabalhadores no processo produtivo coloca-os em
11
CHAMBERS, Erve. Native tours: the anthropology of travel and tourism. Illinois: Waveland Press, 2000.
12
Ibidem.
13
Duggan, Betty J. Tourism, cultural authenticity, and the native crafts cooperative: the eastern Cherokee
experience. IN: CHAMBERS, E (ed.). Tourism and Culture: an applied perspective. New York: SUNY,
1997.
35
uma posição importante face à construção do produto, que depende de sua capacidade e de
seu conhecimento para ser criado.
Os meios de comunicação podem acelerar a demanda pelo artesanato sem que, na maioria das
vezes, nem o turista está preparado para conhecer, admirar, questionar ou entender o porquê
de ser aquele atrativo algo que o surpreenda, nem o artesão se sente seguro ao receber o
turista e mostrar-lhe o seu trabalho.
Essa demanda sem planejamento modifica a relação residente / turista, além de trazer como
conseqüência a necessidade do aumento de oferta. Daí nascer a imitação, a repetição, a cópia,
apesar de ser difícil definir o que é cópia em um trabalho artesanal, como afirmam Duarte,
Souza e Vieira Filho (2006, p. 7).
Toda essa demanda, acompanhada pela procura de outros atrativos, pode provocar na
comunidade receptora um sentimento de invasão, ligado a uma sensação de estranhamento.
Toda a sua "cultura" pode se tornar exposta ao turista, que, como Midas, transforma tudo o
que toca em produto comercializável.
Nessa chamada "Era Global", a vulgarização do conceito de cultura e o uso do mesmo para se
criar espaços considerados culturais geram, muitas vezes, conflitos. Assim, é compreensível e
justificável a preocupação da comunidade e de certas instituições em proteger a cultura local.
Porém, como alerta Canclini (1997, p. 48), a preservação dos bens jamais poderá "ser mais
importante que a preservação das pessoas que necessitam deles para viver".
Assim, ao mesmo tempo em que o artesanato resgata tradições, ele é mutável no tempo, pois,
quando se fala em artesanato, percebe-se que essa forma de expressar do homem, apesar de
ser algo considerado por muitos uma forma de trabalho antigo, evoluiu no tempo, uma vez
que o produto advindo dele traz marcas de uma determinada cultura, atestando, desse modo, a
ligação do homem com o meio social em que vive. O artesanato demonstra, então,
acompanhar toda a evolução do homem através de sua re-criação, de sua revitalização ou de
sua nova criação através da indústria do turismo.
36
2.3 Conclusão
As considerações sobre arte e artesanato mostram que, no início da humanidade, esses dois
"fazeres" ainda não eram separados (PAZ, 1982, p. 64) e os artistas/artesãos, para
confeccioná-los, usavam o mesmo instrumento: as mãos.
Quando a humanidade começou a desenvolver o intelecto, sentiu-se a necessidade de se
separar arte de artesanato e situá-los em campos distintos – a arte, no campo das atividades
intelectuais e o artesanato, no campo dos ofícios em que intervinha mais o lado físico – a mão.
Essa separação provocou outras separações, como na denominação das pessoas que lidavam
com esses "fazeres". Aquele que trabalhava usando a especulação individual, em uma posição
mais independente, era chamado de artista, e aquele, ligado a tarefas coletivas, que trabalhava
com artesanato, era chamado de trabalhador ou artesão.
Outra separação notável foi em relação ao campo sócio-econômico das pessoas envolvidas em
arte – a divisão dos "fazeres" de acordo com a classe social à qual pertenciam – classe alta e
classe popular. Enquanto a primeira é elitista, a segunda é popular. Essa separação distanciou
mais ainda as pessoas envolvidas nesses trabalhos: o artista, o artesão, o público.
Uma das funções do artista na arte é expressar a dimensão privilegiada da existência,
enquanto que uma das funções do artesão no artesanato é a utilitária e uma das funções do
público é legitimar o que é arte e o que é artesanato.
Muitas vezes, para o público, o produto considerado artístico é único, enquanto que o produto
considerado artesanal pode ser feito em quantidade e ser copiado inúmeras vezes.
Porém, dizer que o artesanato é menor por ser repetitivo a fim de atender a uma grande
demanda é ir de encontro ao que Benjamim (1982, p. 89) aponta como processo similar
ocorrido no meio artístico. Afirma o autor que, mesmo antes da repetição tecnológica da arte,
hoje tão combatida, essa já era copiada pelos discípulos que imitavam seus mestres e, nem
assim, se sentiam menores.
Assim, o artesanato, muitas vezes desvalorizado por ter entre suas características principais a
cópia, se fortalece perante os conceitos enaltecedores da arte.
37
A cópia no artesanato surge ora por ter o artesanato características utilitárias, ora por causa da
demanda. Essa demanda acontece por vários motivos, sendo um deles o turismo que, como
fator impactante, pode ser negativo ou positivo para a comunidade.
O artesanato, quando cópia, não se desvaloriza, necessariamente, perante o artesão, ou aquele
que só copia. Essa característica de ser mais ou menos valorizado está mais no fruidor, no que
o observa, que naquele que a produz. Essa descaracterização do artesanato, em boa parte dos
casos, acaba por não incomodar o seu criador.
É também conseqüência do turismo a recriação de trabalhos artesanais ligados à tradição ou a
memória afetiva. Esse recriar, obedecendo a regras e padrões pré-estabelecidos, revigora o
homem no seu fazer artístico, pois trabalha com a subjetividade, muitas vezes adormecida e,
agora despertada pela indústria do turismo. Esse recriar, ligado à caracterização e preservação
de valores, também se faz presente junto a comunidades que se tornam atrativos turísticos.
Outro fator conseqüente do turismo está ligado ao surgimento do novo artesão que emerge da
possibilidade de uma nova profissão, seja ela ligada a dons artísticos, seja ela ligada ao
próprio esforço de se fazer um trabalho belo, bem feito, porém, na maioria das vezes, sem o
sentimento peculiar do artesão nato.
Cabe ressaltar ainda que o artesanato traz as marcas de uma determinada cultura, atestando a
ligação do homem com o meio social em que vive; e que o turista interfere nessa cultura ao
gerar empregos, aumentar a renda dos moradores, aumentar a consciência ecológica,
estimular a interatividade entre as pessoas, estimular manifestações culturais, dentre outras
interferências. Assim, o turismo acaba sendo um agente que auxilia na divulgação, na
sobrevivência e na revitalização de comunidades.
E se o turista, a indústria que o sustenta e a comunidade local satisfazem as suas necessidades,
tem-se, então, um sistema passível de sustentabilidade que acaba se renovando e se
adequando, de acordo com as demandas dos seres envolvidos.
38
3 METODOLOGIA
3.1 Dos processos
Como área de pesquisa desta dissertação foi escolhido o povoado de Vitoriano Veloso,
conhecido como Bichinho, por este ser um local onde o principal atrativo é o artesanato, hoje
conhecido mundialmente. Esse local foi também escolhido pelo fato de o artesanato ter
passado por alterações provocadas pela atuação da Oficina de Agosto, empresa que se
envolveu com o povoado por este possuir artesãos até então não reconhecidos como tais. Esse
fato teve como conseqüência a demanda turística que estimula o crescimento do povoado.
A proposta do presente trabalho é desenvolver o estudo sobre os impactos do turismo no
artesanato do Bichinho, através de uma abordagem qualitativa. Para Ludke e André (1986), a
pesquisa qualitativa permite o contato direto do pesquisador com a situação estudada, a
obtenção de dados descritivos e uma maior preocupação com o processo por este revelar o
ponto de vista dos participantes.
A abordagem qualitativa adotada neste trabalho, além de envolver, permitiu o contato direto
do pesquisador na comunidade com o fenômeno estudado, a obtenção de dados descritivos
dos atores no processo, ressalta o envolvimento, a atuação, e os pontos de vista desses atores,
de maneira a referendar o objeto desta dissertação.
Para a classificação da pesquisa, toma-se como base a taxionomia apresentada por Vergara
(1990), que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios.
Quanto aos fins, a pesquisa será exploratória e descritiva. Exploratória porque, apesar de
existirem alguns projetos e monografias sobre Bichinho, não há, ainda, um estudo
sistematizado sobre os impactos do turismo no artesanato, sob o olhar dos atores da
comunidade. Esta pesquisa explora essa temática, abrindo novas perspectivas sobre o assunto
sem, todavia ter pretensão de esgotá-lo.
39
Descritiva porque visa descrever percepções de uma determinada população sobre o
fenômeno do artesanato. Segundo Rudio (1981), estudando o fenômeno, a pesquisa descritiva
procura conhecer a sua natureza, sua composição, processos que o constituem ou nele se
realizam.
Quanto aos meios, a pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, documental, de campo e
estudo de caso. Bibliográfica, porque para a fundamentação teórico-metodológica do trabalho
foi realizado um estudo sistematizado, com base em material publicado em livros, revistas,
redes eletrônicas, monografias, projetos que deram suporte de investigação sobre o artesanato
e o turismo.
Documental, porque o trabalho se fundamenta também em documentos pertencentes a órgãos
públicos, como Prefeitura de Prados, Câmara Municipal de Tiradentes, Arquivo Público
Mineiro, IEPHA-MG. Através desses documentos, foi feita a pesquisa sobre Bichinho,
Tiradentes e Prados, seus aspectos históricos, sócio-econômicos, ambientais, culturais, o
turismo que as envolve e o artesanato produzido nessas regiões. As cidades de Tiradentes e
Prados foram abordadas nessa pesquisa por ligarem-se direta e indiretamente a Bichinho e seu
artesanato.
A investigação envolveu pesquisa de campo e coleta de dados porque coletará dados
primários no povoado do Bichinho e em seu entorno através de entrevistas semi-abertas com
os sujeitos da pesquisa.
A investigação caracteriza-se também como estudo de caso, porque se pretendeu pesquisar
certo fenômeno com maior profundidade em uma dada região e observá-lo, descrevê-lo e
interpretá-lo. De acordo com Yin (2001), a preferência pelo estudo de caso se dá quando é
necessário estudar eventos contemporâneos, em situações onde os comportamentos relevantes
não podem ser manipulados, sendo, contudo, possível fazer observações diretas e entrevistas
sistemáticas. Assim, a escolha desse método justifica-se pelo fato de essa modalidade permitir
o conhecimento amplo e detalhado do caso do artesanato em Bichinho e circunscrever-se a
uma comunidade, na observação de um fenômeno contemporâneo, em que se pretende estudar
como se desenvolveu e como se sustenta o artesanato em Bichinho e quais suas relações com
o desenvolvimento do turismo na região.
40
3.1.1 Seleção do sujeito da pesquisa
O universo da pesquisa constituiu-se dos principais sujeitos e informantes relacionados ao
artesanato do Bichinho: artesãos, gerentes da Oficina, líderes comunitários, turistas e
representantes do poder público das cidades de Tiradentes e Prados.
A técnica de escolha dos sujeitos que constituíram a amostra caracterizou-se por ser do tipo
não-probabilística e intencional, regida pelo critério de tipicidade, em que os sujeitos foram
escolhidos por serem representativos da população-alvo e pelo critério de acessibilidade,
conforme Vergara (2000, p. 50).
Em relação aos artesãos de Bichinho, de acordo com dados fornecidos pela Prefeitura de
Prados, existe no povoado em torno de 150 pessoas envolvidas no trabalho artesanal. Porém,
muitas dessas pessoas apenas auxiliam nos trabalhos de finalização e/ou comercialização das
peças junto aos lojistas e/ou turistas. Assim, dentre essas 150 pessoas, somente 33 criam
objetos artesanais. Nesse universo, foram entrevistados 15 artesãos, Outros artesãos da
comunidade do Bichinho não foram entrevistados por falta de disponibilidade de tempo,
alegada por eles, ou pela ausência de alguns – envolvidos em outras atividades – nos
momentos das entrevistas.
Os 15 artesãos entrevistados representam 45% do total, um número relevante para a análise
qualitativa da percepção desses sujeitos.
Na Oficina de Agosto foram entrevistados dois gerentes – Lili (gerente geral) e Sônia – junto
aos quais procurou-se verificar o papel social dessa empresa enquanto estimuladora e
propulsora do artesanato em Bichinho e do conseqüente turismo na região, decorrente da sua
instalação no povoado como atrativo turístico e das interferências feitas na comunidade com o
propósito de despertar e revelar os artesãos aí existentes. Não foi possível entrevistar
trabalhadores artesanais ligados a Oficina por necessitarem de autorização do dono da
Oficina.
Cabe ressaltar que não foi possível nenhum contato com o dono da Oficina, o Toty, por este
não ser aberto a dar entrevistas, uma vez que, segundo a gerente geral, na década de 1980,
Toty foi constantemente assediado pela mídia, para dar entrevistas e por pessoas da
41
comunidade que muito o procuravam para fazer pedidos pessoais ou para agradecer favores
conseguidos. Ainda segundo a gerente geral, a própria comunidade do Bichinho faz com que
Toty se enclausurasse mais pelo fato de considerá-lo um mito que tornou Bichinho uma
região conhecida. Assim, as informações obtidas sobre Toty foram adquiridas por terceiros,
ora através de material impresso, ora através dos gerentes da empresa, dos artesãos e líderes
da comunidade.
No caso das lideranças da comunidade e de pessoas que conhecem a história do povoado e do
artesanato de Bichinho, foram entrevistados quatro líderes do povoado, reconhecidos como
pessoas-referência na comunidade, procurando-se avaliar na percepção destes: a) como a
comunidade se percebe na sua relação histórica com a sociedade envolvente; b) como a
comunidade percebeu a emergência do artesanato de Bichinho e o seu desenvolvimento ao
longo do tempo; c) como percebem os impactos do turismo no local; d) como a comunidade
percebe o artesanato enquanto expressão cultural e identidade de Bichinho.
Em relação às pessoas ligadas ao setor administrativo e cultural do poder público que detêm
informações e contatos com Bichinho, foi entrevistado, como representante de Tiradentes, o
Secretário de Turismo e como representantes de Prados duas pessoas: o Vice-Prefeito e um
funcionário público administrativo aposentado o qual representa, segundo a maioria dos
moradores, a memória de Prados, sendo considerado como autoridade em relação à história da
região e de seu entorno, além de ser indicado pelo Vice-Prefeito do lugar como a melhor
pessoa para dar informações pertinentes a Bichinho. Buscou-se captar, através da visão desses
representantes: a) como percebem Bichinho na sua relação histórica com a sociedade
envolvente; B) como se desenvolveu o artesanato de Bichinho e qual o seu papel na atração
dos turistas; c) como percebem os impactos do turismo no artesanato; d) quais vêm sendo as
ações do poder público em relação ao artesanato e ao turismo de Bichinho.
Quanto aos turistas de Bichinho, buscou-se entrevistar o maior número possível, dentro do
período de pesquisa, foram entrevistados 108 turistas, em um universo não quantificado pelo
fato de não haver dados disponíveis sobre a demanda na região. Procurou-se entrevistar tanto
turistas que estavam em passagem rápida por Bichinho assim como os que lá se instalavam
por um tempo maior em pousadas, com o objetivo de observar: a) o seu perfil em termos de
idade, escolaridade, renda, ocupação, sexo e motivação para viagem até Bichinho; b) como
ele, o turista, vê o artesanato de Bichinho e sua atratividade turística; c) qual sua percepção
42
em relação à qualidade e significado da produção artesanal de Bichinho enquanto expressão
da cultura e da identidade local.
Dos 108 turistas entrevistados, 18 estavam hospedados em Bichinho e 90 em passagem pela
localidade, com finalidade turística.
3.1.2 Coleta de dados
Para a coleta de dados primários foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, isto é,
entrevistas com questões fechadas e abertas, conforme Vergara (2000, p. 55), elaboradas pela
autora, de acordo com cada segmento dos entrevistados (vide apêndice). As entrevistas com
os artesãos foram realizadas ora nos locais de trabalho do artesão enquanto este fazia seus
trabalhos artesanais, ora em sua residência quando o entrevistador era convidado a ir ao
domicílio do artesão. Nesses momentos, a autora pôde vivenciar instantes significativos de
descontração com os entrevistados. As entrevistas com os representantes de Tiradentes e de
Prados foram feitas na Secretaria de Turismo, na Prefeitura de Prados e nas residências. Com
os líderes do povoado, as entrevistas foram feitas nas residências desses líderes. Essas
entrevistas, com os artesãos e com os representantes, tiveram a duração de, aproximadamente,
45 min. Já as entrevistas com os turistas foram feitas nas pousadas onde alguns estavam
hospedados e em locais públicos e tiveram a duração de, aproximadamente, 15 min.
As entrevistas aconteceram nos meses de julho, agosto, outubro e dezembro de 2005, e as
falas dos entrevistados foram transcritas para o papel, pela autora, de maneira fidedigna. Ao
lado das falas, foram assinaladas observações acerca dos recursos orais utilizados pelos
entrevistados, tais como, mudança de tom de voz, alteração emocional, trejeitos, pausas,
dentre outros. Através delas, a autora pretendeu captar as nuanças da relação dos entrevistados
com o assunto tratado. Procurou-se, durante as entrevistas, estabelecer-se conversação
amistosa, para que o entrevistado ficasse à vontade para falar espontaneamente e para que ele
pudesse explicitar melhor sua experiência e, a partir daí, construir reflexões sobre a sua
vivência.
Nessa população de entrevistados, procurou-se analisar: a) como a comunidade e os artesãos
locais se percebem na sua relação histórica com a sociedade envolvente; b) como perceberam
43
a emergência e o desenvolvimento do artesanato de Bichinho e qual o seu papel na atração
dos turistas; c) como percebem os impactos do turismo no artesanato, em termos de sua
comercialização, geração de emprego e renda, e outros impactos sócio-ambientais daí
advindos; d) como se dá a percepção dos atores em relação à qualidade e aos significados de
seu produto - o artesanato- enquanto expressão cultural e identidade de Bichinho.
3.1.3 Análise dos dados
Para analisar os dados, optou-se pela técnica de análise de conteúdo, a partir do
estabelecimento de categorias, além de procedimentos estatísticos descritiva simples. A
análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa cujo objetivo é a busca do sentido ou dos
sentidos de um texto:
A análise de conteúdo sempre é feita sobre a mensagem, seja ela uma
novela, uma nota diplomática, um editorial, um diário ou um discurso. Os
resultados da análise de conteúdo, porém, podem ser usados para gerar
inferências sobre todos os elementos do processo de comunicação
(FRANCO, 1986, p. 120).
Segundo Richardson (1999, p. 243):
Entre as diversas técnicas de análise de conteúdo, a mais antiga e utilizada é a
categoria [...] ela se baseia na decodificação de um texto em diversos
elementos, os quais são classificados, formando agrupamentos analógicos.
Entre as possibilidades de categorização, a mais utilizada, mais rápida e
eficaz, quando se trata de conteúdos diretos (manifestos) e simples, é a análise
por temas ou análise temática, que consiste em isolar temas de um texto e
extrair as partes utilizáveis, de acordo com o problema pesquisado, para
permitir sua comparação com outros textos escolhidos da mesma maneira.
Geralmente, escolhem-se dois tipos de temas: principais e secundários. O
primeiro define o conteúdo da parte analisada de um texto, o segundo
especifica diversos aspectos incluídos no primeiro (RICHARDSON, 1999).
Assim, após a coleta dos dados, foi realizada a leitura dos registros, com o objetivo de
destacar trechos para compor as unidades de conteúdo. Essas unidades de conteúdo foram
estabelecidas a partir do tema da pesquisa e variáveis de análise estabelecidas nos objetivos e
metodologia.
Para isso, a princípio, os dados foram separados por representantes de cada segmento dos
44
entrevistados e analisados; depois, esses dados foram relacionados por afinidade, com o
objetivo de perceber o surgimento e o desenvolvimento do artesanato do Bichinho e seu papel
como atrativo turístico, assim como perceber quais são e como se deram os impactos do
turismo nessa atividade artesanal do povoado, na perspectiva dos atores sociais naquele
contexto.
45
4 BICHINHO E SEU ARTESANATO
4.1 Localização e História do Povoado do Bichinho
O povoado de Vitoriano Veloso, conhecido popularmente por Bichinho, está localizado na
macro-região do estado de Minas Gerais, mais precisamente, na região do Campo das
Vertentes.
Localizado a 9 km de Prados, a 6 km de Tiradentes e a 206 km de Belo Horizonte, próximo à
serra São José, desde 1938 pertence ao município de Prados como seu distrito, possui 768
habitantes. As principais rodovias que servem ao município são a BR-040; a BR 265 e a BR -
383.
Bichinho é cortado pelo "Córrego do Bichinho" que pertence à bacia do Rio Grande, que
deságua no Rio das Mortes. A vegetação é de campos rupestres. A temperatura média anual
da região é de 20,7ºC, sendo que de novembro a fevereiro a incidência de chuvas é maior.
De acordo com relatório do Núcleo Histórico do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico (IEPHA), o povoado surgiu no século XVIII como núcleo de mineração aurífera, em
território pertencente a São José Del Rei, atual município de Tiradentes, próximo a Nossa
Senhora Conceição de Prados, hoje município de Prados.
Sua descoberta, como informa o IEPHA, deve-se à ação do sertanista taubatense, José de
Siqueira Afonso, responsável pela descoberta das minas de ouro em ponta do morro, onde
veio a se formar o arraial do Bichinho.
Existem muitas versões a respeito do nome Bichinho dado a esse povoado. Uma delas narra
que quando os colonizadores "portugueses" ali chegaram, encontraram vários animais, como
pacas, tamanduás, micos - bichos desconhecidos por eles. "Assim, designaram o local de
Corgo dos bichinhos" (CARDOSO, 1992, p. 75).
46
Outra versão, como registra Cardoso (1992, p. 75), "aponta a existência de senzalas e cativos
no lugar, aos quais os antigos fazendeiros chamavam de seus bichinhos".
Em 1795, constavam como moradores da "Vila de Nossa Senhora da Penha do Bichinho 184
mortos e um total de 661 pessoas. Destas, 601 eram maiores, 60 menores, 664 crismados e
nenhum se encontrava ausente" (CARDOSO, 1992, p. 75).
Na segunda década do século XIX, houve uma considerável queda demográfica, como é
registrado na revista do Arquivo Público Mineiro (1897): "Bichinho tinha uma população
total de 342 almas assim classificadas: 54 brancos, 117 pardos livres, 47 pretos livres e 24
cativos, divididos entre pardos e pretos".
A redução demográfica percebida nessa época parece ter relação com a decadência da
mineração, apesar de a maior parte da população do povoado de Bichinho ter suas raízes
ligadas à agricultura, como pode ser referendado por informações registradas no documento
Memória da Câmara Municipal da Vila de São José, hoje Tiradentes (1826, p. 46-48).
Além dos narradores, há outra gente que se vai guindando também, na sociedade
mineira em formação: o dono da terra, o agricultor, que já vimos ser, mesmo nos
anos de apogeu da produção aurífera, o elemento mais numeroso da capitania. Ele
irá ganhar ainda mais força, depois de 1740, quando aumentaram bastante as
concessões de sesmarias, até 1760, nesses lendários tempos do governador Gomes
Freire de Andrade, o municificiente distribuidor de imensos tratos de terra a quem
lhos pedir.
Percebe-se, então, em Bichinho a articulação entre agricultura e mineração associada à
história local, algo comum nos povoados mineiros, segundo Cardoso (1992). Enquanto a
mineração teve um momento de apogeu e decadência em MG, a agricultura tornou-se, por
vários anos, a referência de muitas famílias do estado.
Essa relação com atividades tão distintas pode ser vista no povoado do Bichinho através da
disposição das casas. Cardoso (1992, p. 30) registra que "a reduzida população negra do
povoado do Bichinho vive quase toda na rua paralela à via principal".
Essa organização espacial do povoado parece definir o lugar social dos grupos familiares.
Composto apenas por três ruas, Bichinho assim se divide: no centro do povoado, no
47
seu ponto mais elevado, está a Igreja circundada pelas casas das famílias mais
abastadas do lugar; na rua de baixo, vivem os pobres e os negros e na rua de cima,
constroem-se novas casas dos que foram trabalhar fora (CARDOSO, 1992, p. 30).
Essa divisão se deu, segundo Cardoso (1992), por causa de dois personagens que viveram no
povoado na época de sua formação: o Barão, proprietário da fazenda Ponta do Morro (de onde
se extraia todo o ouro da região) e Vitoriano Veloso, escravo alforriado, de quem o povoado
do Bichinho herdou o nome, reafirmando, para a população, a importância desse personagem.
Tanto o Barão quanto Veloso são indicados como os maiores proprietários de terras e
escravos da região, (CARDOSO, 1992). Enquanto o Barão é uma referência de poder,
Vitoriano Veloso é uma referência de rebeldia, uma vez que foi inconfidente mineiro.
Foi o único homem não branco preso como inconfidente e condenado. Era compadre
do Coronel Francisco Antônio de oliveira Lopes e vivia do ofício de alfaiate. Era
mulato e tinha o posto de alferes no regimento de cavalaria Auxiliar comandado
pelo coronel Miguel Ferreira de Carvalho, no distrito de Gritador, em São José Del
Rei e morava no lugar denominado "Bichinho".
[...] Sua participação na inconfidência Mineira foi decisiva. A ele coube levar a
mensagem de Francisco Antônio de oliveira Lopes ao Ten. Cel. Francisco de Paula
Freire de Andrade e a todos os demais inconfidentes que encontrasse pelo caminho
de que Tiradentes e Joaquim Silvério tinham sido presos e que o levante devia-se
iniciar logo, fosse como fosse [...] Foi condenado a degredo perpétuo para
Moçambique, sendo a pena reduzida para dez anos. "Como não era branco, recebeu
ainda uma pena adicional: açoitamento e três voltas em redor da forca, que cumpriu
em 16 de maio, de 1792" (JARDIM
14
apud CARDOSO, 1988, p. 58).
Em 1980, o distrito de Vitoriano Veloso mereceu estudos da fundação João Pinheiro, pelos
quais foi considerado "marco histórico de valor arquitetônico, artístico e de interesse turístico
na rota Tiradentes – Prados (IEPHA, 1986)".
Através de levantamentos realizados pela equipe de tombamento do IEPHA /MG (1986)
confirmou-se o prognóstico admitido pela Fundação João Pinheiro afirmando que "o local,
nessa época, estava em pleno surto de revitalização natural, gerado pelo retorno de antigos
moradores ao núcleo de origem, regresso acelerado pela paralisação das obras da Ferrovia do
Aço que os empregava em grande quantidade" (IEPHA, 1986).
Servidos por infra-estrutura precária, os novos habitantes vão ocupando rapidamente
o local, transformando sua antiga imagem em algo semelhante ao que acontece aos
pequenos povoados próximos a Belo Horizonte que se transmutam de rurais a
14
JARDIM, Márcio. Síntese factual da Inconfidência Mineira. Belo Horizonte: Instituto Cultural
Codeser,1988.
48
urbanos como num passe de mágica (IEPHA, 1986).
No final do século XIX, o povoado adquiriu a denominação atual e deixa de pertencer a
Tiradentes em 1938, quando é anexado ao município de Prados (IEPHA, 1986). Nessa época,
a agropecuária de subsistência continuou sendo a principal atividade econômica, porém, a
atividade artesanal já se destaca através dos artefatos de palha, dos bordados e das peças em
crochê, que são vendidas em Prados e Tiradentes, a fim de completar o orçamento familiar.
No início da década de 90, é fundada, no povoado, a Oficina de Agosto, pelo artista plástico
Antônio Carlos Bech (Toty). Essa oficina foi o que incentivou e propiciou o desenvolvimento
da mencionada produção artesanal do povoado do Bichinho.
4.2 A Oficina de Agosto, o Artesanato e outros atrativos de Bichinho
Antes da década de 80, a comunidade do Bichinho não possuía qualquer perspectiva
econômica de futuro. Enquanto os jovens procuravam novos rumos em outras cidades, como
São Paulo, os moradores mais velhos e as mulheres enfrentavam situações de péssima
qualidade de vida.
Com a chegada de Antônio Carlos Bech, o Toty, tudo mudou para os 400 moradores que lá
viviam. Toty fundou a Oficina de Agosto, primeiramente em São Paulo, na localidade de
Imbu, na década de 70 e, posteriormente em Bichinho, com o objetivo de formar artesãos,
desenvolvendo as habilidades, a sensibilidade e a criatividade dos habitantes do Bichinho
(SILVA, 2004, p. 17).
No início, Toty começou pintando bandeiras cheias de frutas e bichos. Depois, adaptou os
primeiros santos.
A Oficina se fez conhecida quando Toty começou a trabalhar na linha do fetiche: porcos com
piercings, galinhas com sapatos, mulheres esculpidas na madeira com seios volumosos, numa
exposição improvisada em Tiradentes onde até os seios de Mona Lisa foram mostrados, como
afirma a gerente da Oficina.
49
Enquanto Toty cuida da parte administrativa na Oficina, Sônia, sua irmã, que mora em São
Paulo, trata de assuntos ligados à administração, expondo suas idéias advindas dos contatos
com os clientes nacionais e internacionais.
Da interação da cultura do povoado, retratada pela comunidade do Bichinho no artesanato,
com a referência dos anos 70 e as idéias contemporâneas, muitas vezes trazidas por Sônia,
nasce a arte de Toty. A Oficina começou seus trabalhos com oito pessoas e hoje conta com 60
funcionários fixos e outros 100 terceirizados, como informa Lili, gerente da Oficina desde seu
início.
Desde sua criação, a Oficina utiliza materiais recicláveis como fonte de matéria prima. A fim
de despertar esse comportamento nos funcionários da oficina, Toty fornece toda a madeira,
adquirindo-a de demolições ou comprando-a de Dores de Campos, cidade vizinha que se
projetou no mercado, nos anos 70/80, com a fabricação de móveis. Hoje, Dores de Campos
não tem mais essa atividade como base econômica, mas ainda possui madeira legalizada e
controlada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), madeira essa que pode ser
vendida sem comprometer o meio ambiente.
Dessa forma, Toty conseguiu parar a progressiva degradação ambiental na região,
principalmente no entorno de Prados. "A conscientização de seus funcionários fixos e
terceirizados em relação à preservação e aos cuidados com o meio ambiente foi fundamental
para a manutenção da área onde a comunidade vive e de onde extrai o seu bem estar"
(SILVA, 2004, p. 15).
Hoje, cerca de 60 pessoas estão envolvidas na Oficina e muitos dos participantes, por
incentivo de Toty, montaram seus próprios espaços para a criação de painéis, esculturas e
pinturas, usando técnicas que aprenderam e repassando-as a outros moradores.
Toty monitora o trabalho de 60 pessoas. Sob sua orientação, elas vão transfigurando latas
enferrujadas, madeiras velhas, toda uma gama de objetos resgatados e reciclados.
Em 1998, a Oficina de Agosto entrou no mercado externo. A aceitação pelos compradores foi
positiva e, atualmente, a marca tem seus produtos comercializados nas principais lojas da
Bélgica, França, além de pontos de revenda em Milão, Nova Iorque e Miami (SILVA, 2004,
50
p. 8).
Além de fundador da Oficina, Toty é considerado não só por seus funcionários, como também
pela maioria dos nativos do Bichinho, o líder mais importante da comunidade. Na Oficina.
Toty monitora seus funcionários, que executam tarefas similares. À primeira vista, percebe-se
que os trabalhos são sob a forma de seriação. Várias peças produzidas são similares devido ao
trabalho através de fôrmas: flores, frutas tropicais, pombas (representativas do Divino Espírito
Santo), mulheres gordas, nádegas, mulheres de biquíni, sapatos de várias formas e modelos e
muitos outros objetos que lembram a cultura popular ou os produtos de vanguarda. Tudo isso
acontece em um dos galpões da Oficina.
Em outro galpão, acontece o trabalho de finalização das peças. Vários funcionários, com
habilidades mais definidas, executam atividades, como pintar as peças com cores, na maioria
das vezes, escolhidas por Toty.
No último galpão, há então o momento de criação. Toty, agora o artista, inicia o seu trabalho.
Ao receber as peças terminadas, ele as junta de tal forma que, a cada momento, nasce um
produto diferente. Seus quadros podem conter as mesmas peças, mas colocadas de formas
diversificadas tornam-se únicas.
Lili, gerente da Oficina, diz que nesse momento Toty não gosta de ouvir palpites. Somente
escuta sua intuição. Daí, então, nascem mandalas com centenas de tatus, oratórios cheios de
esplendores, luminárias de bonecas articuladas e enormes painéis com vasos de flores.
Ao ser questionado sobre o seu trabalho, Toty responde com modéstia que seu trabalho "no
fundo não é coisa criada, é coisa ajeitada, transformada" (SILVA, 2004, p. 14).
Apesar da produção em série, a originalidade do artesanato da Oficina de Agosto é dada pelo
regime de diversificação dos trabalhos.
"Para terminar um único painel vazado de frutas, até 15 artesãos
diferentes metem suas mãos" (Gerente da Oficina).
Como Toty incentiva cada um de seus funcionários a ter seu próprio negócio, é comum
51
encontrar no povoado vários artesãos que se iniciaram na Oficina de Agosto. "Toty serviu
para atiçar as habilidades dos artesãos locais, possibilitando o desenvolvimento de uma
atividade, muitas vezes informal, que se caracteriza por garantir a sobrevivência de muitos
trabalhadores" (SILVA, 2004, p. 15).
Quando Toty chegou ao povoado, havia cerca de 400 habitantes. Através de oficinas de
reciclagem, vários jovens do lugar foram atraídos para a Oficina, despertando assim a veia
artística não só dos moradores mais velhos, que já possuíam algum dom artístico, como dos
mais novos, que ainda procuravam alguma ocupação. Desde aí, esses valores artísticos vêm se
retratando a cada dia no Bichinho. Em quase todas as casas, as pessoas buscam aperfeiçoar-se
naquilo que já sabem fazer ou naquilo que estão aprendendo a fazer.
"Após o surgimento da Oficina de agosto, o povoado transformou-se numa referência ao
artesanato e arte da região, trazendo desenvolvimento e, hoje, fazendo do mesmo, a principal
fonte de renda da população local" (CAVALCANTI, FARIA e SCALCO, 2002, p. 30).
Além das pessoas envolvidas diretamente com a oficina, vários moradores, incentivados por
Toty, montaram seus próprios negócios, como é o caso de Martimeano Carvalho, Naninho, 45
anos que não se considera artesão e sim um curioso (SILVA, 2004, p.18).
Porém, Naninho, como pode ser comprovado por suas obras, é um artesão nato.
Em 1991, Naninho esculpiu um Cristo para a Igreja Nossa Senhora da Penha da
França, no Bichinho. Quando Toty viu seu trabalho na Igreja, ficou encantado e o
convidou para trabalhar na Oficina. Toty o indicou a várias pessoas importantes no
meio das artes plásticas. Assim, o trabalho de Naninho foi ficando conhecido a
ponto de receber encomendas do exterior (SILVA, 2004, p. 18).
Atualmente, Naninho trabalha em seu próprio espaço, junto à família. Não só ele trabalha no
artesanato, como a mulher, os filhos e até o genro, o qual também começa a ter o seu próprio
espaço no mercado. Naninho afirma que essa forma de trabalhar em família faz com que se
respeitem mais, além de produzirem peças artesanais de maior qualidade e em maior
quantidade.
Como Naninho, vários outros artesãos também tiveram sua chance de se mostrar ao mundo.
Além disso, o povoado começou a ficar conhecido por causa da Oficina e, também, por estar
52
bem próximo de Tiradentes.
Hoje, muitos artesãos nativos do Bichinho, além de se dedicarem somente ao artesanato,
abrem outras frentes de trabalho como pousadas, armazéns bem sortidos, açougues e
restaurantes que exploram a comida mineira, outro atrativo turístico.
Além dos próprios nativos, pessoas de fora que vêem no turismo uma fonte de renda bastante
atraente, mudam-se para o povoado e, ali, abrem seus próprios negócios ora ligados ao
artesanato, ora ligados a outros atrativos turísticos.
Como conseqüência disso, o povoado está crescendo, aumentando assim sua renda per capta e
sua posição sócio econômica.
Além do artesanato, Bichinho possui outros atrativos turísticos como a Serra de São José, que
possui 13 km de extensão e está localizada dentro da área de preservação ambiental de âmbito
federal (APA – São José) é um deles. Ela apresenta as maiores altitudes da região do
município de Prados, além de ser nascente de vários córregos. São encontrados na região
lobos-guará, jaguatiricas, cachorros do mato, veados, quatis, macacos, tatus, tamanduás,
tucanos, maritacas e muitos outros animais hoje em extinção. A sua formação possibilita a
prática de esportes de aventuras como montanhismo, escaladas, rapel, enduros, caminhadas
ecológicas (CAVALCANTI, FARIA e SCALCO, 2002, p. 33).
Outro atrativo é a Igreja Nossa Senhora da Penha da França. Sua construção teve início em
1716 e é tombada pelo Instituto de Proteção Ambiental e Artística Nacional (IPHAN).
A Estrada Real que passa por Tiradentes, Prados e Bichinho também é um atrativo que aquece
a economia de Vitoriano Veloso: chamam de Estrada Real as vias de acesso, as trilhas
calçadas pelos escravos, os descaminhos do contrabando, os pontos de parada, as cidades e
vilas históricas, enfim o patrimônio histórico e cultural que se forjou durante o passar dos
homens e do tempo (GUIA QUATRO RODAS, 2005).
O desenvolvimento do Bichinho como pólo turístico, proporcionado pelo artesanato, pela
Oficina de Agosto e pela localização fizeram com que, atualmente, Bichinho mantivesse
relacionamentos distintos com a cidade de Tiradentes e com a cidade de Prados.
53
Bichinho possui maior ligação com Tiradentes, seja pelo aspecto econômico – o artesanato é
atrativo turístico de ambos os lugares, seja pela proximidade – apenas 6 km de distância
separam um lugar do outro.
Com Prados, Bichinho possui laços administrativos por pertencer a esse município. Além da
relação administrativa, os habitantes de Bichinho mantêm vínculos econômicos com essa
cidade, principalmente na compra de materiais agrícolas e artesanais, inexistentes no
povoado. Bichinho possui também, com Prados, vínculos sociais no setor da educação, da
segurança, do transporte e da saúde, através do gerenciamento desses serviços.
4.3 O entorno do Bichinho: Tiradentes e Prados
4.3.1 Tiradentes: A cidade que retrata o turismo
Para Giovannini (2001, p. 149) as cidades históricas mineiras apresentam uma realidade
econômica muito peculiar quanto aos relacionamentos humanos. Se por um lado, como afirma
Giovannini, a cidade tem sua própria cultura através de séculos de história, de outro,
relacionando-se com ela, estão personagens vindos de diferentes realidades sócio-culturais.
Nesse contexto está Tiradentes, uma cidade de pequeno porte, com uma cultura bastante
influenciada pela zona rural, mas que, pela sua história e pelas relações que estabelece com o
"mundo de fora", apresenta certo nível intelectual e artístico na sua convivência com o
simples. A cidade abriga um acervo arquitetônico, artístico, cultural e natural bastante
peculiar fazendo com que sua fama atinja até o exterior.
Essa cidade mineira, antes conhecida como São José Del Rei está localizada a 215 km de Belo
Horizonte, Minas Gerais e, a 6 Km do povoado do Bichinho.
A cidade originou-se do pequeno arraial da Ponta do Morro formado em inícios do século
XVIII. Graças à abundância do ouro ali encontrado, o arraial é elevado a Vila em 1718,
quando recebe a denominação de São José Del Rei.
54
Foi construída, nas primeiras décadas do século, a maior parte de seu casario, de suas
edificações religiosas, como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, datada de 1708 e a Matriz
de Santo Antônio, de 1710. Ao redor das igrejas, as casas foram se firmando numa
configuração que permanece até hoje.
O declínio econômico da Vila de São José, como de quase toda a Província de Minas,
acontece com a decadência da mineração, e com o surgimento do movimento da
Inconfidência Mineira, formado por alguns filhos desse povoado. Dessa forma, os moradores
de São José voltam-se então para a agricultura e para a pecuária. Nessa mesma época, para
ajudar na economia doméstica, as mulheres da Vila participam expressivamente no ramo da
tecelagem, porém sem alcançar proporções industriais.
Sem grandes alternativas econômicas, São José Del Rei é elevada à categoria de cidade em
1860, sendo portadora de um conjunto paisagístico que lhe assegura um dos perfis coloniais
mais significativos do País.
Luiz Cruz, bombeiro e artista plástico em Tiradentes, declara que, nessa época, o Padre José
Bernardino, pároco da cidade, foi o grande responsável pela proteção do grande acervo
histórico de Tiradentes.
"Se hoje temos um dos maiores acervos em prata, devemos a ele.
Padre Bernardino construiu uma caixa forte para guardar o acervo da
paróquia além de fazer a manutenção das igrejas e capelas" (artista
plástico).
Como afirma Frota
15
(apud DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006), o declínio
econômico fez com que o abandono que tomou conta da Vila fosse um fato importante na
preservação de seu conjunto arquitetônico.
Em 1889, a vila de são José Del Rei recebe o nome de Tiradentes em homenagem ao mártir
da Inconfidência Mineira: Joaquim José da Silva Xavier, o qual possuía como alcunha o
mesmo nome que hoje possui a cidade.
15
FROTA, Lélia Coelho. Tiradentes: retrato de uma cidade. Rio de Janeiro, Campos Gerais: Fundação Rodrigo
Mello Franco de Andrade, 1993. 155 p.
55
Em 1924, Tiradentes recebe a visita de artistas modernistas renomados – Carlos Scliar, Carlos
Bracher, Benjamin – que ficam impressionados com a arquitetura barroca da cidade, como
consta nos documentos públicos do arquivo da cidade.
Apesar de pobre, a cidade se expande com a implementação do ramal ferroviário da Estrada
de Ferro Oeste-Minas.
Em 1938, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), o órgão federal
dedicado à preservação das cidades históricas – tombou seu conjunto arquitetônico e
urbanístico, no governo do Presidente Getulio Vargas.
Na década de 40, dentre as atividades econômicas importantes para a comunidade, destaca-se
o trabalho artesanal com a prata. Segundo Duarte, Souza e Vieira Filho (2006), a exploração
desse metal foi a principal fonte de renda da população. Nessa época, muitos ourives e
comerciantes foram atraídos para Tiradentes a fim de abrirem seus próprios negócios, o que
acabou gerando imitações rudimentares do que lá existia.
Entre 1984 e 1991 funcionou em Tiradentes a Casa de Gravura Largo do Ó. Nesse
estabelecimento, aconteciam oficinas abertas ao público para criação coletiva. Assim, inicia-
se em Tiradentes uma movimentação peculiar com artistas vindos de vários pontos do país,
especialmente de Minas Gerais, atraídos pela Casa de Gravura. "O trabalho de criação seguia
tendências pessoais, enquanto a produção estimulava e resgatava o trabalho de equipe em
artes plásticas, sintonizando artistas de vários estilos na busca de cores e texturas desejadas
para seus trabalhos" (DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006, p. 21).
Um dos incentivadores mais vigorosos desse movimento foi Yves Alves, nessa época, diretor
da rede Globo. Yves apaixona-se de tal forma por Tiradentes que acaba se mudando para essa
cidade. Começa, então, a construir na cidade um Centro Cultural. Auxiliado pela Fundação
Roberto Marinho, Yves deu início ao projeto, porém faleceu antes de sua inauguração.
Raquel Hallak, relações públicas, nascida em São João Del Rei, que já mantinha contatos com
Yves, cria então a 1ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 1997, a fim de levantar recursos
para inaugurar o Centro Cultural Yves Alves. Como informam registros do arquivo público da
prefeitura de Tiradentes, a receptividade da classe cinematográfica foi tamanha que, desde
56
essa data, o festival de cinema é um dos mais fortes atrativos de Tiradentes.
Outro ponto forte como atrativo turístico em Tiradentes são as festas religiosas. A Semana
Santa, segundo Giovannini (2001), fica repleta de turistas atraídos por manifestações
religiosas.
O ponto alto das celebrações da Semana Santa são as procissões que somam 11 ou
12 num período de dezesseis dias. Essas procissões são de grande importância
simbólica para os nativos. Para o turista também é importante, uma vez que,
juntamente com os monumentos, é um evento esperado e procurado
(GIOVANNINI, 2001, p. 132).
Giovannini (2001) ainda afirma que o ritmo da cidade altera-se completamente por causa do
turista. Turismo, diz ele, é sinônimo de agito. Assim, a rotina diária da cidade é
completamente quebrada, mudando o significado, muitas vezes da festa religiosa para o
próprio nativo.
Outro atrativo turístico de Tiradentes de bastante representatividade é o artesanato. Esse
atrativo também sofre impactos do turismo através da comercialização em massa. Duarte,
Souza e Vieira Filho (2006) afirmam que elementos da cultura material e imaterial podem ter
seu significado alterado em conseqüência dos impactos do turismo. "Podem perder o
significado inicial e não adquirirem novos significados para aquela comunidade ou serem
reinventados, resgatados, revitalizados, valorizados e contribuírem no aumento da auto-estima
e fortalecimento da identidade local" (DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006, p. 22).
Cid Barbosa, então secretário do turismo em Tiradentes, alerta para a necessidade urgente de
se realizar um plano de manejo diante da realidade da indústria do turismo.
"Existe o perigo de dificuldades, perdas e prejuízos que podem advir
de um turismo descontrolado, tendo-se a necessidade de analisar
situações como impactos, capacidade de carga, turismo sexual, etc.
Tais situações podem ser evitadas ou minimizadas, caso as devidas
providências sejam tomadas a tempo" (Secretário de Turismo em
Tiradentes).
Outros atrativos turísticos culturais fazem parte do acervo cultural de Tiradentes, como o
passeio de Maria Fumaça entre Tiradentes e São João Del Rei, inaugurado por D. Pedro II, em
1881 e o festival de gastronomia que acontece desde 1998, como registram Duarte, Souza e
57
Vieira Filho (2006).
Tiradentes também tem potencial para o turismo ecológico por possuir várias cachoeiras em
seu entorno, além da Serra São José que possibilita: caminhadas, cavalgadas, esportes
radicais.
4.3.2 Prados: cidade erudita
Através de registros históricos, descobre-se que o povoado que originou a atual cidade de
Prados surgiu em princípios do século XVIII em decorrência da atividade de mineração
desenvolvida naquela área.
A fundação data de 1704, quando lá se estabeleceram os irmãos Manoel e Félix Mendes do
Prado que vieram com pequena comitiva de Taubaté, composta de escravos que iniciaram a
exploração do ouro.
Por quase dois séculos submetidos a Tiradentes e São João Del Rei, devido ao menor
potencial de suas lavras, Prados teve seu desenvolvimento comparativamente inferior àqueles
dois núcleos de maior extensão, porém, além de núcleo minerador, era também ponto de
parada de tropeiros e bandeirantes.
Em 1748 é criada a freguesia de Prados. Apesar de sua referência como centro comercial da
época, Prados permanece por quase dois séculos subordinada ora à Vila de São José, ora à
Vila de São João Del Rei.
Com a queda da atividade mineradora, no século XVIII, Prados inicia sua produção de
artefatos de couro, chegando a abastecer as regiões central, oeste e sul da Província de Minas
Gerais.
Em 1858, a orquestra Lira Ceciliana é fundada por José Esteves da Costa, seu diretor até
1895. Esse movimento cultural parece ter tornado a cidade diferenciada das outras situadas
em seu entorno, pois, enquanto Tiradentes, Resende Costa e Bichinho têm suas raízes no setor
rural, Prados tem as suas na cultura erudita e no artesanato, através do trabalho com couro e
58
madeira.
Em 1882 Prados torna-se município autônomo, sendo elevado à categoria de cidade, após dois
anos. Em 1981, Prados é beneficiada com a inauguração da Estrada de Ferro Oeste-Minas,
hoje completamente abandonada.
O município de Prados localiza-se na Zona do Campo das Vertentes, a 232 km de Belo
Horizonte, com acesso pela BR-040. Existem alguns municípios e regiões limítrofes e/ou
centralizadores de serviços públicos dos quais Prados se utiliza, como Barbacena da qual dista
83 km, Juiz de Fora a 180 km, São João Del Rei a 31 km, Tiradentes a 59 km pelo asfalto ou
14 km pela estrada de terra, Barroso a 26 km, Carandaí a 94 km, Coronel Xavier Chaves a 24
km, Dores de Campos a 14 km e Lagoa Dourada a 35 km e Bichinho, povoado o qual lhe
pertence, a 9 km.
As principais atividades econômicas do município são a agricultura (arroz, milho, feijão e
mandioca); a indústria (calçados e arreios em couro); a pecuário-bovina (leite); o artesanato
(bordados, couro, crochê, madeira, palha de milho e enfeites).
Prados está dividida em minifúndios, com terras bem distribuídas, onde se observa a
existência de pequenas culturas e uma atividade de pecuária pouco acentuada.
Quanto aos aspectos demográficos, o município de Prados possui uma população total de
7.760 habitantes, sendo 3.128 na zona rural e 4.234 na zona urbana.
A divisão administrativa de Prados está assim dividida: prefeito, vice-prefeito, secretário;
departamento de administração; departamento da fazenda; departamento da saúde;
departamento de obras e serviços urbanos; além dos departamentos de esporte, lazer, turismo
e cultura; de agropecuária, abastecimento e meio ambiente e o de assistência social.
A cidade conta, ainda, com centros comunitários em Atalaia, Pinheiro Chagas e Pitangueiras.
Esses centros funcionam como associações onde os moradores se reúnem para discutir novas
reivindicações e ter momentos de descontração e lazer. A diretoria é escolhida
democraticamente, com mandato de dois anos.
59
Existe também a associação dos artesãos da cidade, que trabalha pelo desenvolvimento de
uma classe. No sítio Mãe Esperança (Lagoinha), a 3 km da cidade, reside a família de Julião
Ferreira de Pádua, famosa por seus bichos, em madeira, de diversos tamanhos e muita
perfeição.
Atualmente, a cidade se destaca mais por suas tradições culturais que pela preservação de seu
patrimônio histórico e desenvolvimento econômico.
Reconhecida como importante núcleo de estudo da música setecentista, com trabalhos sobre
os mais expressivos compositores do período colonial, Prados dedica-se às variadas atividades
da Lira Ceciliana.
Essa corporação, que atrai pessoas de todo o país, é composta por orquestra, banda, coral e
escola de música, e possui, aproximadamente, 100 componentes (30 da orquestra, 35 da banda
e 35 do coral). Ela realiza, anualmente, dois festivais, um de verão (janeiro), em parceria com
a prefeitura de Petrópolis e o outro, na segunda quinzena de julho, em parceria com a USP. A
banda oferece, ainda, diversos cursos aos participantes, além de concertos e conferências,
numa demonstração viva da importância que a comunidade dá às suas raízes históricas.
Além desse atrativo turístico, o artesanato de qualidade a preços convidativos também atrai o
turista. São trabalhos em couro, como artigos para montaria, botas, cintos, bolsas e em
madeira, como artesanato ornamental (galinhas, porcos, macacos, patos e muitas aves) e
utilitários, que fazem de Prados uma cidade convidativa ao turismo, porém sem grande
representatividade nesse setor.
A cidade preserva muita tradição nas festas religiosas, quando recebe muitos turistas, sendo
que as principais manifestações são: a Festa de São Sebastião, em janeiro; a festa do mês de
maio (Mês de Maria); a Semana Santa; Corpus Christi; a Festa de Santo Antônio, em junho; e
a Festa de Nossa Senhora da Conceição, em dezembro.
As igrejas constituem um ponto turístico muito importante, pois são de construção muito
antiga, do século XVIII, com estilo próprio e imagens autênticas e originais.
O carnaval é outra tradição da cidade. Ele se inicia na véspera com a típica Festa do Boi
60
Mofado, em que, há 150 anos, quatro blocos, correspondentes aos bairros, com seus bois,
desfilam à noite pelas ruas da cidade. O melhor bloco, nos quesitos animação, enredo,
coreografia, organização, criatividade e danças folclóricas, é o Boi Mofado do ano. A festa
teve origem na zona rural, quando empregados dos fazendeiros criaram a brincadeira do boi
bravo, inspirando-se no comportamento dos bois.
Durante o carnaval, há desfile de duas escolas de samba (UCA e Gato Preto) e os blocos
tradicionais, como o bloco da Latinha que fecha o carnaval na madrugada das cinzas.
A semana Santa é a festa mais importante e tradicional da cidade, e ainda é comemorada com
todos os rituais e encenações típicas de todos os quadros da paixão, morte e ressurreição de
Cristo, sempre com a participação da orquestra e banda "Lira Ceciliana".
Outro atrativo da cidade é a serra São José, localizada no entorno de Prados, que é área de
proteção ambiental e tem cinco mil hectares, altitude de 1.100 a 1.400 metros e tem como
vegetação a mata típica de cerrado, remanescente da Mata Atlântica, e campo rupestre no alto.
É um espaço ecológico provido de várias trilhas, como a Trilha do Carteiro, que possibilita ao
turista conhecer marcos e marcas da história do Brasil.
No segundo final de semana de julho, há o Passeio à Serra, realizado há mais de 100 anos,
compreendendo um grande piquenique que envolve toda a cidade, além dos visitantes e guias,
com a saída e chegada ao som da Lira Ceciliana. Esse passeio é feito através da Estrada Real.
Bichinho, Vitoriano Veloso, pertence a Prados e, nos últimos anos, está sendo a porta de
entrada do turismo para Prados, apesar de o transporte coletivo que liga Prados a Bichinho
passar somente duas vezes por semana, o que demonstra a deficiência de acesso de um lugar a
outro.
4.4 Conclusão
"Bichinho", "Vitoriano Veloso". Nomes tão sugestivos que compõem a história deste
povoado; ontem, pobre economicamente; hoje, rico "artisticamente", após a interferência da
Oficina de Agosto.
61
Essa aparente dicotomia liga-se, também, ao Inconfidente que deu seu nome ao povoado: de
um lado, negro, escravo alforriado, rebelde; de outro, rico proprietário de terras. Esses
atributos é que fizeram com que a pessoa de Vitoriano Veloso fosse admirada por aquela
comunidade.
Esse povoado, apesar de ter suas raízes na agricultura, sempre desenvolveu trabalhos
artesanais. Porém, somente com a fundação da Oficina de Agosto, em 1990, é que esse
trabalho tornou-se a sua principal fonte de renda.
A Oficina de Agosto proporcionou a essa comunidade, primeiramente, uma frente de trabalho
capaz de auto sustentá-la, seja através da comercialização formal de seus produtos, seja
através do turismo. Além disso, a Oficina despertou na comunidade o senso de preservação
ecológica, através do trabalho de reciclagem como fonte de matéria prima.
Há diferenças entre Tiradentes, Prados e Bichinho que se destacam no plano da
hierarquização econômica, cultural, e nas expressões artísticas: Tiradentes – a prata; Prados –
a música erudita; Bichinho – o artesanato tradicional e moderno.
Um dos desafios da comunidade de Bichinho, hoje, é fazer com que a cidade de Prados veja
no turismo um fator positivo, capaz de ser agente transformador para a própria cidade de
Prados. Para isso, é necessário que essa cidade invista em seu povoado mais importante:
Vitoriano Veloso.
62
5 OS IMPACTOS DO TURISMO NO ARTESANATO DO BICHINHO
5.1 Percepções sobre os Impactos do Turismo no Artesanato de Bichinho
As pesquisas direcionadas ao estudo do turismo, até pouco tempo atrás, concentravam suas
indagações em torno do turista e das implicações econômicas originadas dessa atividade.
Hoje, já se nota o interesse de alguns pesquisadores sobre os impactos causados pelo turismo
nas comunidades receptoras e suas manifestações culturais, como o Caso dos índios Pataxós
em Coroa Vermelha, o Caso do artesanato de pedra-sabão da Feira do Largo de Coimbra em
Ouro Preto (GRÜNEWALD, 2001; BOLSON, 2005), e o do artesanato em Tiradentes
(DUARTE, SOUZA e VIEIRA FILHO, 2006).
Nesses casos, o que se verificou foi a influência do turista na produção do artesão, resultando
em modificações no produto para atender o cliente. Para Bolson (2005), essa influência
descaracteriza o artesanato enquanto espelho de uma cultura, enquanto que no caso estudado
por Grünewald (2001), parece ter havido uma revitalização do artesanato na interação turista /
artesão.
Essa interação alicerça a discussão sobre os impactos do turismo no artesanato do Bichinho.
Procura-se entender esse impacto na perspectiva dos artesãos da comunidade do Bichinho e
sua associação (Oficina de Agosto), e também dos líderes comunitários de Tiradentes, Prados,
Bichinho e turistas.
A pesquisa com as pessoas envolvidas fez ressaltar o turismo como um fenômeno social
complexo e não fundamentado em uma só ciência, mas também como algo que transita pelos
campos mercadológico, psicológico, antropológico, sociológico e político, dentre outros.
Durante o trabalho, procurou-se analisar o problema do impacto do turismo sobre o artesanato
de Bichinho, através de entrevistas semi-estruturadas, que permitissem trabalhar com um
universo de significados e significantes que muitas vezes não podem ser quantificados
63
(pesquisa qualitativa), juntamente com outros dados que são permissíveis de quantificação.
A metodologia aplicada valorizou as características básicas do discurso do entrevistado,
procurando conhecer, ao longo da entrevista, as relações afetivas, sociais e econômicas dos
entrevistados com a comunidade do Bichinho e seu artesanato. Esses dados foram também
contextualizados a partir da observação participante efetuada pela autora na comunidade e
entre os artesãos em particular.
Dentre outras questões, indagou-se: como é o artesanato do Bichinho; o que ele significa para
a comunidade; como o turismo é visto em Bichinho bem como seus impactos sobre o
artesanato do povoado; como Bichinho, hoje, é visto em função de seu artesanato pelas
cidades vizinhas: Prados e Tiradentes e pela sua própria comunidade; como vêm evoluindo as
comercializações do artesanato, sua forma de organização do trabalho e produção local.
5.2 A percepção dos líderes e informantes relevantes de Tiradentes, Prados e Bichinho
5.2.1 Tiradentes
Na percepção do então Secretário de Turismo, Cid Barbosa, Bichinho é um vilarejo que por
muitos anos se mostrou sem dinamismo e vida própria; que se mantinha através da agricultura
de subsistência, muitas vezes fornecendo a Tiradentes produtos agrícolas e pecuários, além da
mão de obra barata na prestação de serviços domésticos e informais (os famosos bicos).
Mesmo com todas as dificuldades, segundo o secretário,
"Bichinho era um lugar mais interessante do que hoje" [por possuir
um povo acolhedor e hospitaleiro que vivia o seu dia sem se preocupar
com] "o mundo lá fora" [Tiradentes sempre conviveu bem com o povo
de Bichinho] (Secretário de Turismo).
Para o entrevistado, o que fez com que o povoado de Bichinho, até então desconhecido, se
tornasse visível, foi a Oficina de Agosto, fundada em 1993 por Antônio Carlos Bech (Toty), o
qual apresentou o artesanato de Bichinho em São Paulo, Rio de Janeiro e até no exterior
através de sua comercialização. Tem-se então a origem da grande demanda turística hoje
64
presente nessa comunidade.
Outro fator importante para o turismo em Bichinho foi a proximidade desse povoado com
Tiradentes, pólo turístico bastante explorado. Para o entrevistado, "o turista ao chegar a
Tiradentes se depara com várias peças de artesanato de Bichinho, o que faz com que essa
vitrine leve o turista ao povoado". Assim, Tiradentes se torna um dos detonadores do processo
turístico de Bichinho, o que provoca impactos positivos e negativos na comunidade.
O entrevistado ressaltou como fator positivo a melhoria de renda dos habitantes de Bichinho,
o que traz como conseqüência uma melhor qualidade de vida. Outro ponto positivo foi a
fixação do homem à sua terra natal, atraído por um trabalho que o dignifica e o torna auto
produtivo. Com isso, a comunidade toda é beneficiada, seja pelo atrativo direto, o artesanato,
seja pelos agentes positivos do turismo na construção civil, serviços em pousadas,
restaurantes, comércio ou novas lojas de artesanato que não param de abrir.
Em relação a essa demanda turística, um fator negativo para a comunidade, percebido pelo
entrevistado, é a falta de profissionalismo das pessoas de Bichinho. Mesmo hospitaleiras e
cordiais elas não sabem receber o turista de forma convencional. Então, faz-se necessária "a
implantação do Plano Diretor para que Bichinho não se torne uma Tiradentes", ou seja, uma
cidade que cresceu sem planejamento urbano, econômico e social.
A falta de um projeto que proteja o artesanato de Bichinho de um "modismo" proveniente
dessa grande demanda turística é também visto pelo secretário como um fator negativo. "Isso
pode vir a desgastar o artesanato tornando-o futuramente algo sem nenhuma expressividade".
Outro impacto negativo do turismo em relação ao artesanato, percebido pelo entrevistado, é
referente às cópias feitas por toda a região, o que desvaloriza o preço e a qualidade do
artesanato original.
5.2.2 Prados
Foram entrevistadas duas pessoas-referência da cidade de Prados, MG, sendo que uma ocupa
cargo ligado ao poder público, como Vice-Prefeito e o outro, apesar de aposentado como
65
funcionário administrativo é referência como líder comunitário atual. Chamaremos o primeiro
entrevistado de A e o segundo de B.
O povoado de Bichinho, também conhecido por Vitoriano Veloso, hoje pertencente a Prados,
sempre foi visto como um povoado rural, pobre, de gente simples e trabalhadora. Segundo o
entrevistado "A", na década de 70, houve uma grande evasão dos homens de Bichinho que
iam para São Paulo à procura de trabalho, principalmente na construção civil. O grande sonho
desses homens era voltar, um dia, ricos.
Quando Tiradentes começou a ser reconhecida como pólo turístico, abriram-se várias frentes
de trabalho, o que fez com que os homens que estavam em São Paulo voltassem e, juntos com
suas mulheres, fossem trabalhar em Tiradentes em várias atividades, desde construção civil
até serviços domésticos.
A comunidade de Bichinho começou a ser valorizada pela comunidade de Prados somente
após a fundação da Oficina de Agosto, a qual incentivava o trabalho artesanal, tanto dos
moradores da comunidade quanto dos habitantes de Prados que se sentiam atraídos por esse
trabalho, por já terem experiência no artesanato em couro e madeira, assim como no fabrico
de arreios e seus pertences, o que mostra que também em Prados o artesanato sempre se fez
presente, como em Bichinho.
Para o entrevistado "B", com o atrativo do artesanato, o turismo em Bichinho traz benefícios
econômicos significativos para o povoado, tais como: o crescimento do comércio, a instalação
de supermercado, pousadas e restaurantes, além do aquecimento da construção civil. Tudo
isso gera benefícios financeiros aos moradores: "Hoje, quase todo mundo tem carro em
Bichinho", o que prova o aumento do poder aquisitivo da população.
Hoje, Bichinho contribui de forma significativa com Prados através de impostos, mas não
recebe investimento desta cidade por ser esta pobre, com um orçamento municipal restrito.
Mesmo assim, em 1982, foi implantado, através da Prefeitura de Prados, o projeto que levou
água encanada a Bichinho junto com a energia elétrica, o que proporcionou uma melhoria de
vida à população que mesmo assim ainda sofre com a falta de saneamento básico e a falta de
ruas calçadas. Esses dois fatores são sérios agravantes a implantação do turismo, segundo o
entrevistado "B".
66
O entrevistado "B" vê também como benefício o fato de o meio ambiente, por ainda não ser
muito procurado, não sofrer impactos.
"A madeira utilizada pelos artesãos vem de fora, principalmente da
cidade de Dores de Campos, distante 60 km. O IEPHA, responsável
pela Serra de São José que fica localizada no entorno de Bichinho, se
mostra presente através da fiscalização" (entrevistado "B").
Segundo o entrevistado, por ser o artesanato um grande atrativo turístico que aquece a
economia, a comunidade de Bichinho, unida, interfere de modo positivo na melhoria de seu
espaço mesmo sem possuir uma associação. Isso pode ser exemplificado através de atitudes
como: pintar as casas no mesmo período, conservar a Igreja, que é tombada pelo patrimônio,
varrer e molhar as ruas de terra. Tudo isso acontece tendo como meta melhor atender o turista
que a cada dia se faz mais presente na comunidade.
Ambos os entrevistados concordam que o povoado do Bichinho e a cidade de Prados podem
formar parcerias para o desenvolvimento do turismo:
"Hoje, o poder público de Prados percebe que Bichinho pode ser a
porta de entrada para o turismo em Prados" (entrevistado A).
"Dessa forma, o interessante é que se faça um projeto em que
Bichinho, com o seu artesanato, e Prados, com a sua música barroca,
possam, juntos, atraírem um turismo forte" [é o que diz o entrevistado
B].
Por outro lado, o entrevistado "A" aponta um fator agravante à implantação do turismo:
quando veículos de comunicação, como folhetos de viagem, revistas, jornais, vendem para os
turistas uma imagem não compatível com a real. Assim, muitos que vão a Bichinho esperando
encontrar um mercado aberto de artesanato se decepcionam, uma vez que a comunidade ainda
não oferece o conforto e a infra-estrutura de uma localidade turística sustentável, divulgada
naquele material.
5.2.3 Bichinho
Foram entrevistados quatro líderes do povoado de Bichinho (Vitoriano Veloso), reconhecidos
como pessoas–referência na comunidade, naturais do povoado e que nunca se ausentaram do
67
lugar por muito tempo. Atuam respectivamente como, dono de restaurante, funcionário
público, vendedor e ruralista aposentado. Chamaremos o primeiro entrevistado de "A", o
segundo de "B", o terceiro de "C" e o quarto de "D".
De acordo com o depoimento do entrevistado "C"
"Bichinho até pouco tempo era uma roça. Porcos eram criados na rua.
Não tinha luz elétrica. Todos plantavam na roça para sobreviver.
Quando 'folgava' dos trabalhos na roça o povo ia trabalhar para os
outros na 'panha de café'. Porém, mesmo com essa vida dura, ninguém
nunca passou fome em Bichinho. Tudo que se plantava dava e com
fartura. Mas a pobreza era muita. Luz, só de querosene. Não havia
água encanada. Quando chovia, a coisa piorava. Por isso, muita gente
ia embora para melhorar de vida."
Na década de 70 acontece um movimento de migração populacional em Bichinho, por causa
da falta de serviços no povoado.
"Sessenta homens de Bichinho foram trabalhar em São Paulo na
construção do aeroporto de Cumbica. O dinheiro começou a aparecer
em Bichinho dessa forma. Mas o povoado não melhorava em nada"
(entrevistado A).
O entrevistado "B" declara que o dinheiro que entrava em Bichinho naquela época era
destinado ao sustento dos familiares que não podiam sair de Bichinho: mulheres, crianças e
velhos. O mesmo entrevistado ainda relata que no dia da chegada dos "moços", Bichinho todo
se transformava em uma festa.
"Além de trazer dinheiro, os jovens trabalhadores contavam novidades
da cidade grande" (entrevistado B).
Possivelmente relacionado a esse episódio, percebe-se, hoje, que a mulher de Bichinho possui
um sotaque forte, carregado, enquanto os homens falam com uma pronúncia semelhante à dos
turistas.
Um outro momento de festa para o povo de Bichinho aconteceu no final dessa mesma década,
com a gravação da mini-série "Memorial de Maria Moura", como afirma o entrevistado "C":
"Os produtores diziam que com isso Bichinho começaria a aparecer no
setor turístico. Porém, apareceram turistas, mas não trouxeram
68
nenhum retorno financeiro, pois o povoado não tinha o que oferecer a
não ser sua paisagem natural."
O retorno financeiro só aconteceu na década de 80, o que caracterizou uma grande mudança
em Bichinho com a criação da Oficina de Agosto por Toty, como afirmam todos os
entrevistados:
"Bichinho já possuía alguns artistas natos como Naninho e seus
irmãos, que trabalhavam com a madeira, desde meninos; Carmem que
trabalhava com crochê, Joaquim que produzia doces, como canudinho
de doce de leite. Mas foi Toty que lapidou dons e propagou o
artesanato de Bichinho" (entrevistado D).
Percebe-se pela fala do entrevistado "D" que os moradores do Bichinho já possuíam uma
história relacionada à prática artesanal com a feitura de objetos em madeira, objetos de crochê
e atividades culinárias, o que os diferenciava tanto dos habitantes de Prados quanto dos
habitantes de Tiradentes.
Depois da Oficina de Agosto, muita gente passou a ganhar a vida em Bichinho não só através
do artesanato, mas também com a gastronomia, como afirma o entrevistado "B", o que mostra
o valor social e econômico do artesanato para a comunidade:
"O restaurante da Ângela, que era funcionária de uma pousada em
Gritador e atendia muito turista que vinha de Tiradentes, hoje é um
sucesso; a Igreja também começou a ser valorizada pelo turista por ser
ela um patrimônio do povoado e por causa das suas festas religiosas"
(entrevistado B).
Outro aspecto analisado foi a relação Bichinho com Prados: com o reconhecimento do
artesanato de Bichinho, o turismo se fez presente e tornou evidentes vários problemas já
enfrentados pelos moradores do povoado, até então não questionados, nem dimensionados
pela população local.
"Um desses problemas é a falta de saneamento básico, pois não há
rede de esgoto, o que compromete o turismo: 'o esgoto até hoje é
aberto'; 'outro problema urgente é o saneamento básico que não
existe'" (entrevistado B).
Outro problema é a pavimentação precária das ruas, pois a falta de calçamento dificulta o
69
trânsito dos automóveis e de pedestres:
"As ruas não têm calçamento; no verão, ninguém agüenta a poeira e,
no tempo de chuva, não há jeito de conviver com a lama [...]"
(entrevistado A).
"[a]s ruas sem calçamento afastam o turista" (entrevistado C).
Além desses problemas, a estrada, por ser de terra, torna difícil o acesso ao povoado. Para o
entrevistado "D", ela não deve ser asfaltada para não perder as características naturais, mas
pode ser calçada ou cascalhada.
"Quando é tempo de chuva, a estrada acaba e quem a conserta, hoje, é
o povo de Bichinho que juntos, através de um serviço de mutirão,
melhoram o acesso" (entrevistado D).
O uso de drogas por alguns moradores é fator impactante e preocupante na comunidade. O
jovem, ao ficar em contato não só com o turista que chega em Bichinho, mas também com
pessoas fora da comunidade quando aquele sai do povoado para atividades de trabalho e/ou de
lazer, acaba por adquirir comportamentos até então não comuns ao lugar. Essa preocupação é
refletida na fala do entrevistado "A":
"Agora, em todo canto a gente vê gente conhecida fumando maconha.
O cheiro é conhecido. Mudou muito isso aqui. Tem hora que é pra
melhor, tem hora que a coisa é feia."
Apesar dos pontos fracos de Bichinho decorrentes dessas dificuldades, o turismo dimensionou
o atrativo maior de Bichinho: o artesanato, o que modificou não só as relações familiares,
como também as relações de trabalho: mais pessoas envolvidas no trabalho artesanal,
produção seriada de alguns trabalhos, comercialização das peças pelos próprios familiares dos
artesãos, seja na própria residência, seja nas redondezas, o que provocou maior geração de
renda, melhor qualidade de vida como pode ser comprovado através da fala do entrevistado
"C":
"Antes o povo de Bichinho ficava na porta, sem fazer nada. Com o
turista aqui a coisa mudou. Todo mundo trabalha. Um ajuda lixando
ou pintando o trabalho;outro vende o artesanato; outro só dá idéia.
Mas no fim ninguém fica parado" (entrevistado C).
O artesanato, por sua vez, proporcionou à comunidade o desenvolvimento de outros atrativos.
70
A comida mineira é algo, hoje, que atrai e muito o turista, principalmente de Tiradentes e São
João Del Rei. O outro atrativo forte é a própria comunidade de Bichinho, formada por gente
simples, que cultua valores, como: fé cristã, rituais católicos e respeito à família.
O meio ambiente é um atrativo turístico ainda não muito explorado. Existe no entorno de
Bichinho a Serra São José, já tão conceituada por seu valor histórico (Trilha do Carteiro
Inconfidente) e geográfico, reafirmado pelo homem de Bichinho que reconhece, nesse espaço,
o valor ambiental e turístico.
Percebe-se através dos depoimentos dos entrevistados que na relação de dependência com
Prados ocorrem vários problemas no campo administrativo, o que agrava as relações sociais
entre a cidade e o povoado. Como diz o entrevistado "C":
"Prados sempre teve medo de perder Bichinho. Mesmo com menos
estudo, o povo de Bichinho nunca se sentiu menor que o povo de
Prados. O povo de Bichinho sempre foi trabalhador. Nunca teve medo
de serviço enquanto o povo de Prados 'adora' ficar na praça vendo a
vida passar" (entrevistado C).
Nota-se que esse olhar do cidadão de Bichinho, acostumado a trabalhar na roça, em serviços
pesados, desvaloriza o morador de Prados o qual sempre esteve ligado à música erudita e a
outras expressões artísticas, como o teatro, visto como o "ficar na praça", o que incomoda o
morador de Bichinho.
Por outro lado, percebe-se pelo depoimento do entrevistado "D" que Prados também não
aceitava o morador de Bichinho.
"Antigamente, as pessoas de Prados faziam pouco caso das pessoas de
Bichinho. Achavam que sendo da roça, o povo de Bichinho era menos
inteligente. Mas o pessoal de Bichinho não se sentia assim porque
tinha como se impor. Essa força vinha do sentimento de ter família.
Família pobre, mas unida e trabalhadora. Família que não nunca
passou fome" (entrevistado D).
O terceiro aspecto, também referente à relação de Bichinho com Prados, que incomoda o
cidadão de Bichinho, é a falta de disposição da Prefeitura nos serviços básicos, como
segurança, saneamento e calçamento do povoado.
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"Impostos coletados em Bichinho hoje são significativos. Isso hora
nenhuma é cogitado como importância do povoado" (entrevistado D).
Essa rixa entre Prados e Bichinho parece ficar mais grave a partir da grande mudança ocorrida
em Bichinho por causa do artesanato da Oficina de Agosto. O entrevistado "C" afirma que por
Bichinho estar na moda parece que as pessoas de Prados se sentem incomodadas e até
distantes.
Com o reconhecimento de Bichinho através do artesanato, a relação Prados/Bichinho está
mudando, pois muitos pradenses migram para Bichinho. Surge, então, um "bairrismo" pelo
morador de Bichinho em relação ao cidadão de Prados. Esse tipo de comportamento pode ser
explicado pela própria história desse povo que sempre se valorizou, mesmo antes da "fama",
além do forte sentimento de família que o tornava mais forte e também pelo fato de o cidadão
de Bichinho não ter sido aceito, anteriormente, pelos moradores de Prados:
"Agora, com o artesanato a coisa está mudando. Prados está ficando
incomodada com o sucesso de Bichinho. Tem gente de Prados
querendo vir morar aqui em Bichinho para trabalhar com artesanato.
Mas ninguém quer alugar casa para esse pessoal que só vem ganhar
dinheiro e não tem ligação nenhuma com a "terra" (entrevistado C).
Outro aspecto abordado é a disposição do povo de Prados em querer unir forças com Bichinho
para se manter na mídia: Prados com a música erudita e Bichinho com o artesanato.
"Agora, com o artesanato de Bichinho sendo tão procurado pelo
turista do Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e até do exterior, Prados
está percebendo que Bichinho é a porta de entrada do turismo.
Turismo que poderá também mostrar para o mundo, a própria cidade
de Prados com sua música barroca" (entrevistado C).
Diferente da relação conflitante entre Bichinho/ Prados é a relação Bichinho/ Tiradentes que
demonstra ser bastante harmoniosa, desde tempos atrás, como diz o entrevistado "A":
"As pessoas de Tiradentes sempre respeitaram o povo de Bichinho.
Desde muito tempo, os moradores de Bichinho trabalham em
Tiradentes e, apesar de serem considerados mãos de obra barata,
nunca foram humilhados."
Também foi mencionado que Tiradentes já foi terra de gente pobre. Porém, como disse o
entrevistado "B",
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"os habitantes desse lugar sempre tiveram mais sorte do que o povo de
Bichinho. Hoje, [como ele mesmo afirma,] quem tem dinheiro em
Tiradentes não é o nativo e sim o forasteiro que vem, principalmente
do Rio de Janeiro, explorar o turismo. O povo da terra, [como afirma o
entrevistado,] ainda é gente humilde e, na maioria, pobre. Mas, apesar
de forasteiros, essas pessoas incentivam o turismo a Bichinho,
recomendando a boa comida mineira do povoado e, principalmente, o
seu artesanato".
É também percebido pelo depoimento dos entrevistados que o prefeito de Tiradentes parece se
preocupar com Bichinho. Isso pode ser ilustrado pelo discurso do entrevistado "A":
"o prefeito de Tiradentes interessa muito por Bichinho. Parece até
querer tomar Bichinho de Prados".
"Tomar Bichinho" sugere que, por causa das várias divergências entre Prados e Bichinho,
muitos moradores do povoado prefeririam que Tiradentes fosse o responsável por Bichinho.
"Tiradentes não faz mais por Bichinho porque o povoado não pertence
a ela. Se pertencesse, Bichinho estaria muito melhor" (entrevistado D).
Como também declara o entrevistado "D",
"as pessoas de Tiradentes, antigamente, não vinham a Bichinho por
causa das péssimas condições da estrada e, também, porque o povoado
não tinha o que oferecer" (entrevistado D).
"Hoje, a situação mudou. Bichinho é visto como atrativo turístico que,
muitas vezes, enriquece as opções turísticas de Tiradentes"
(entrevistado C).
"Muitos taxistas de Tiradentes hoje usam Bichinho como ponto
turístico. Eu acho que a Oficina de Agosto até dá comissão aos
motoristas de tanta gente que aparece aqui" (entrevistado C).
Além dos motoristas de táxis citados pelo entrevistado, são também citados os donos de
pousadas, restaurantes e até responsáveis pelo setor turístico como divulgadores de Bichinho.
No início, essa divulgação tinha em vista somente o artesanato. Hoje, já se divulga tanto a
comida mineira de Bichinho, como a Igreja de Nossa Senhora da França por seu valor
artístico.
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Enfim, pode-se concluir através dos depoimentos dos líderes entrevistados que, antes, o
povoado não era visto por Tiradentes e muito menos por Prados como um lugar que pudesse
se manter sozinho. Hoje, como afirmam, orgulhosos, esses mesmos entrevistados, Bichinho já
se sente dono dele mesmo.
Há com Tiradentes um sentimento maior de afinidade histórica e certa identidade de
interesses. Tiradentes é o espelho em que Bichinho projeta o seu presente e o seu futuro,
impulsionado pelo turismo e por seu maior atrativo: o artesanato. Já com Prados, a relação de
Bichinho é a da clássica periferia historicamente discriminada. O impacto do turismo no
artesanato e em Bichinho como um todo passa a ter o poder de mudar o olhar de Prados, o que
passa pela auto-estima de Bichinho, agora motivo de orgulho do município.
Esse impacto positivo na auto-estima da população de Bichinho e sua qualidade de vida,
certamente, são fatores importantes para explicar a motivação dos moradores locais em
investir no artesanato e no turismo local.
5.3 A percepção dos funcionários da Oficina de Agosto
Foram entrevistados dois dirigentes da Oficina de Agosto, a gerente geral e a assistente de
vendas. Pretendeu-se, com isso, verificar o papel social dessa empresa enquanto estimuladora
do artesanato e do turismo de Bichinho. Não foram contemplados os trabalhadores artesanais
da Oficina, pois não foi possível encontrar Toty, o responsável pela Oficina, ora porque ele lá
não se encontrava, ora por causa de sua timidez que o impedia de receber o entrevistador,
deixando sempre a ordem para quem chegasse ser recebido pela gerente geral, que não tinha
autorização para deixar o observador entrar nos galpões onde ficavam os artesãos.
O funcionamento da Oficina de Agosto teve um impacto muito grande na região ao
possibilitar, a Bichinho, o seu reconhecimento no campo turístico, ambiental, social e
artístico. Esse reconhecimento foi conseguido, principalmente, a partir do trabalho dos
dirigentes da Oficina e de Toty na motivação de campanhas sociais envolvendo higiene, meio
ambiente, limpeza e saúde. A articulação do artesanato de Bichinho pela Oficina de Agosto
promoveu importantes desenvolvimentos num lugar muito carente.
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"Há dez anos, Bichinho, não possuía qualquer perspectiva de futuro.
Os jovens procuravam outros rumos e os antigos moradores eram
obrigados a enfrentar a penúria. Poucos poderiam imaginar que tal
realidade tenebrosa seria mudada com a ajuda da arte" (Gerente
Geral).
A chegada na região, do artista plástico paulista Antônio Carlos Bech, o Toty, despertou a
esperança nos cerca de 400 habitantes do local. Assim que Toty veio definitivamente para
Bichinho, inaugurou sua Oficina de Agosto, cujas atividades foram capazes de realçar a veia
artística de toda a população.
"Para Toty, todo esse sucesso veio quase que por acaso. Foi num dia
de agosto, há mais de dez anos, quando ele deu o seu "grito de
liberdade". Decidiu que não iria mais trabalhar como comerciante e
saiu do antiquário que tocava durante 25 anos, com a irmã, perto da
capital paulista. De tanto rodar o interior mineiro "garimpando"
relíquias para a loja, já conhecia bem a região de Tiradentes. Resolveu
vir para cá morar, descansar, fazer alguma coisa" (Gerente geral).
No início, Toty começou pintando bandeiras brasileiras cheias de frutas e bichos. Depois,
adaptou os primeiros santos. A novidade veio com o fetiche: meio de brincadeira, Toty
modelou porcos com piercings, enquadrou nádegas, mostrou os seios da Mona lisa e montou
uma exposição improvisada em Tiradentes que agradou ao povo mas desagradou os artistas da
época.
Surgiam ali os ingredientes que iam fazer a receita de sucesso da Oficina de Agosto: pegue os
símbolos fortes de épocas e culturas diversas e alguns ícones religiosos queridos; acrescente
uma boa dose de exuberância tropical misturada à ferrugem do lixo e à pátina das
antiguidades; tempere tudo com uma pitada de irreverência popular, mais um toque do
espírito hippie dos anos 70. O resultado tem bom gosto e um sabor bem brasileiros.
Essa receita de Toty foi bem aceita pelo povo de Bichinho que, apesar de preso a tradições,
não só aceitou esse "modernismo", como também o assimilou em suas peças artesanais. Isso
fez e faz com que o artesanato de Bichinho se diferencie do de Tiradentes e Prados, além de
provocar a grande demanda econômica em Bichinho.
Essa demanda comercial levou Toty a procurar sua antiga parceira dos tempos do antiquário
em Embu, sua irmã Sônia, para que não perdesse o controle de seu negócio. "Funciona assim:
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eu faço as loucuras, e ela o empreendimento. Na outra loja da Oficina de Agosto, que fica na
Vila Madalena, em São Paulo, ela cuida das encomendas e da distribuição".
Freqüentemente, Sônia aparece em Bichinho, trazendo os elogios e as críticas dos clientes,
para acertar com Toty detalhes ou mudanças na produção. É ela também que zela pela
exclusividade das peças: "Um painel não pode ser igual a outro".
A originalidade do artesanato da Oficina de Agosto, apesar da produção em série, já é dada
pelo regime de diversificação dos trabalhos. "Para terminar um único painel vazado de frutas,
até 15 artesãos diferentes metem suas mãos".
Hoje, Bichinho é conhecido pela vasta produção artesanal. Além das pessoas atualmente
envolvidas na Oficina, hoje trabalham sob sua orientação 54 pessoas fixas, além de outras que
trabalham em casa sob a forma de cooperação. Vários moradores, por incentivo de Toty,
montaram seus próprios espaços para criação de painéis, esculturas e pinturas. Atualmente, há
no lugarejo 30 ateliês, nos quais trabalham cerca de 300 pessoas.
A maior preocupação de Toty sempre foi conciliar o trabalho com o meio ambiente: para não
agredir a natureza, a Oficina prioriza a compra de madeira de demolição, assim é comum ver
fornecedores oferecendo esse tipo de madeira. O maior fornecedor é o município de Dores de
Campos, situado a 50 km de Bichinho. Reforçando essa idéia, na Oficina, sob sua orientação,
os ajudantes vão transformando latas enferrujadas, madeiras velhas, objetos resgatados e
reciclados em objetos modernos como mandalas, oratórios, bonecas articuladas. Enfim,
objetos que irão parar nas melhores lojas de artesanato do país.
A conscientização de seus funcionários fixos e terceirizados em relação à preservação e aos
cuidados com o meio ambiente foi fundamental para a manutenção da área onde a
comunidade vive e de onde extrai o seu bem-estar. Com suas iniciativas, a Oficina de Agosto
transformou o artesanato na base sustentável do desenvolvimento local e conseguiu despertar
nas pessoas o potencial comunitário que lhes é inato. Além disso, ela promoveu o turismo
como fonte de renda do município.
A Oficina também se envolve na comunidade promovendo eventos e movimentos sociais,
participando deles de forma ativa ao revitalizar festas sacras e profanas, como por exemplo, a
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festa da Nossa Senhora da França e o carnaval.
Esse envolvimento de Toty com a comunidade desencadeou algo inesperado para o pessoal de
Bichinho: a surpresa de se verem participando de festas há muito esquecidas na região e um
novo impacto turístico que hoje leva turistas para o povoado. Essas festas tornaram-se
também atrativo turístico de Bichinho.
Na visão dos dirigentes da Oficina, portanto, os impactos do turismo no artesanato foram
bastante positivos, com conseqüências importantes no desenvolvimento econômico e social
da localidade.
5.4 A percepção dos turistas
Foram entrevistados 108 turistas dos quais 18 foram denominados de "a" a "r" que
pernoitaram em Bichinho. A maioria são turistas dos estados de São Paulo (20%) e Rio de
Janeiro (40%), que, antes de chegarem a Bichinho, passaram por localidades turísticas como
Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rei e Resende Costa, chegando ao povoado
através da propaganda de boca a boca. Por outro lado, é também significativo o número de
turistas mineiros (30%) principalmente de cidades como São João Del Rei (20%) e Belo
Horizonte (10%), que foram diretamente ao povoado de Bichinho. Os outros turistas restantes
(10%) são de outras cidades brasileiras e/ ou de outros países.
O número de visitantes do sexo masculino é proporcional ao feminino. A maioria dos
visitantes possui curso superior (70%) e a renda econômica de mais de 90% deles situa-se
acima de 900,00. O perfil desse turista se assemelha ao perfil do turista da cidade de
Tiradentes, uma vez que é daí a maioria dos turistas de Bichinho. Tiradentes, por causa do
marketing cultural e gastronômico atrai um turista com poder financeiro mais elevado e com
maior grau de educação.
A permanência em Bichinho ainda é pequena, como diz o proprietário de uma das pousadas,
pois somente em torno de 20% dos turistas que vão a Bichinho lá pernoitam, enquanto que o
restante, após a visita, retorna a Tiradentes, ou a outro local. Essa não permanência no
povoado decorre da falta de hospedagem que atenda ao perfil desse turista.
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Assim, esse turista que chega a Tiradentes acaba por conhecer o artesanato de Bichinho lá
mesmo, porém não é motivado pelos donos de loja a irem até o povoado. O incentivo para ir a
Bichinho nasce do contato com donos de pousadas, charreteiros, proprietários de restaurantes,
ou por agentes turísticos da cidade que acabam por fazer a divulgação boca a boca. Outra
forma de divulgação do artesanato de Bichinho é feita através de revistas e catálogos
fornecidos em agências de turismo ou nos serviços de bordo de companhias aéreas.
São vários os motivos que atraem o turista a Bichinho. Dentre eles, o artesanato é o maior
atrativo, segundo 50% dos turistas. Porém, para 40%, a gastronomia já se impõe como fator
relevante; enquanto 10% vão a Bichinho atraídos por festas religiosas ou para conhecer a
Igreja Nossa Senhora da Penha da França, tombada pelo patrimônio histórico.
Esse maior atrativo, o artesanato, para alguns turistas que vão a Bichinho pela primeira vez,
parece justificar a principal atividade turística do lugar, pois grande parte da comunidade fez
de suas moradias verdadeiros pontos de vendas de artesanato.
O artesanato de Bichinho atrai, também, pelo fato de ele proporcionar ao visitante um
sentimento de volta ao passado.
"Quando eu aqui cheguei, lembrei da minha infância através dessa arte
que retrata o comum. Aquilo que fazia parte da vida da gente e hoje
sumiu" (entrevistado "d").
Outro fator que surpreende o turista é a oportunidade de contato com o próprio artesão, dono
de um artesanato que em outros espaços é somente produto. Isso acaba por tornar tanto o
artesão, quanto o seu produto mais importantes diante do turista.
"Quando eu cheguei aqui e conheci o artesão que faz esse lustre eu
senti que esse lustre não é só produto. Ele tem alguém que o idealizou
e depois o criou. Isso é cultura" (entrevistado "c").
Percebe-se, nas falas acima, que o significado do artesanato do Bichinho varia de acordo com
o turista: para uns, é o momento de revitalização das origens, de valores, das raízes; para
outros, conhecer o fabricante das peças, ou seja, o artesão, e ver, ou até mesmo interferir no
processo de feitura das mesmas, é uma experiência nova que aproxima artesão e turista.
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O artesanato, assim visto pelo turista, propicia ao artesão um sentimento de autovalorização.
Isso pode ser visto no relacionamento travado entre artesão e turista.
"O homem da terra por causa de sua arte acaba por ser valorizado pelo
homem de fora" (entrevistado "p").
A preocupação do artesão por seu trabalho é algo também que impressiona o turista.
"Ele não faz por fazer. Ele faz com calma, capricho, como se aquela
peça fosse única. [...]. Quando o artesão faz por gosto, ele cria, e a
qualidade é ótima. Quando ele faz o artesanato só para vender pode
até ter qualidade, mas não tem criação" (entrevistado "a").
O artesanato de Bichinho é considerado por muitos como puro e genuíno.
"O melhor do artesanato daqui é ele ser puro, por não ter ainda a
influência do turista" (entrevistado "g").
Percebe-se na fala desse entrevistado que o turista, em geral, não vê a influência de Toty nos
trabalhos artesanais da comunidade.
O que impressiona e também surpreende o turista é o fato de o artesão não apresentar
nenhuma preocupação quanto à divulgação em massa de seu trabalho.
"O artesão daqui não está nem aí para divulgar o seu trabalho através
da mídia. Ele se preocupa com o visitante. Ele trata bem o turista. Não
dá cartão e quando a gente pede o telefone, ou ele oferece um cartão
feito manualmente, ou anota em um papel qualquer o seu endereço.
Isso deixa a gente mais em casa" (entrevistado "f").
O turista mais ligado às artes, ao conhecer o artesanato de Bichinho, parece sentir o
entusiasmo que o artesão tem:
"O artesanato expressa emoção. Ele retrata o que o povo de Bichinho
vivencia no seu dia-a-dia" (entrevistado "a").
"Percebe-se no artesanato daqui a história do Brasil antigo: moças na
janela, galinha, porco, coruja, formiga, mulher com lenha na cabeça,
homem com roupas remendadas. Tudo feito na madeira, no papel
machê, no bordado" (entrevistado "c").
79
Mesmo naqueles turistas que dizem não entender de arte, percebe-se certo prazer em estar em
Bichinho
"Eu não posso avaliar o que eu não entendo. Mas eu gosto". [...]
"mesmo quem não entende de arte gosta do que vê" (entrevistado "e").
O impacto do turismo transforma a localidade a ponto de alguns turistas que já conheciam
Bichinho se surpreenderem com o grande desenvolvimento do povoado.
"Antes, aqui não tinha nada. Bichinho é um lugar feio, mas, hoje, com
tanta arte, parece até bonito" (entrevistado "o").
A mudança econômica e social surpreende tanto que turistas ligados à história chegam a
comparar o artesanato com uma nova riqueza.
"Esse artesanato de Bichinho é fabuloso. Antes, o ouro. Hoje, o
artesanato criado pelo homem de Bichinho transformando madeira e
até restos de outros materiais em nova riqueza (entrevistado "b").
De acordo com 60% dos entrevistados, esse reconhecimento, por parte dos turistas, do
artesanato de Bichinho é outro impacto do turismo que chega a igualar o preço de seu produto
artesanal ao de Tiradentes:
"Antes, o artesanato daqui tinha um preço mais em conta (entrevistado
"b").
"Hoje, com a vinda de muitos turistas e lojistas, o preço é caro"
(entrevistado "b").
"[...]. O preço das coisas aqui é caro. Mas tem muita gente que
compra" (entrevistado "b").
Porém, isso não basta para que Bichinho seja auto-sustentável, pois para alguns turistas, a
Oficina de Agosto é a sustentabilidade econômica do povoado, o que o torna refém dessa
empresa. Assim, a comunidade deve se organizar e criar novos atrativos turísticos ou mesmo
novas formas de expressão do artesanato a fim de se autoproteger. Além disso, outros
consideram a Oficina o resultado da soma de um povo.
"Se o povo de Bichinho não tivesse talento, a Oficina não existiria.
80
Quem faz a Oficina é o povo desse lugar" (entrevistado "b").
Outro traço que mostra o impacto do turismo em Bichinho é o fato de os turistas se
envolverem com o trabalho dos artesãos. Alguns chegam a sugerir mudanças no trato do
artesanato de Bichinho, como por exemplo, não deixar que o modismo atropele a arte nata;
não aumentar o preço demasiadamente; atentar para os copiadores.
5.5 A percepção dos artesãos
Dentre os 15 artesãos entrevistados, 40% são homens. Não há registro de crianças que
trabalham junto aos pais, porém, observa-se que algumas lixam peças de madeira ou fazem a
pintura de fundo em objetos artesanais em horários esporádicos e somente quando a demanda
aumenta.
Em relação à faixa etária, 40% dos artesãos se encontram acima de 40 anos; 40% entre trinta e
quarenta anos e os 20% restantes se encontram entre vinte e trinta anos.
Quanto ao nível escolar, 50% possuem ensino fundamental incompleto; 30%, fundamental
completo; 10%, 2º grau incompleto e 10% possuem 2º grau completo.
Quanto à naturalidade, 70% dos artesãos nasceram em Bichinho; 20%, em Prados e o restante
nasceu em outras localidades.
A renda mensal dos artesãos de Bichinho é apresentada da seguinte forma: 90% ganham entre
R$ 300, 00 até R$ 900,00; 5% R$901,00 até R$ 1.200,00, e os 5% ganham acima dessa
quantia.
Muitos artesãos iniciaram seus trabalhos atraídos pela grande procura, por parte de turistas, do
artesanato de Bichinho, mas o grande fator que impulsionou a profissão dessas pessoas foi a
Oficina de Agosto, uma vez que 70% dos artesãos iniciaram aí seus trabalhos artesanais.
Somente 10% desse contingente já possuíam, anterior à Oficina, o artesanato como
complementação de seu orçamento.
81
A maioria dos artesãos homens de Bichinho trabalhou na roça e também na construção civil
como pedreiro, marceneiro e outros serviços afins. Alguns trabalharam tirando leite ou
matando bois e porcos para vender a carne.
As mulheres artesãs entrevistadas também trabalhavam: umas, na roça, outras, em casas de
família, outras, em pousadas em Tiradentes e algumas eram costureiras em São João Del-Rei.
A relação histórica dos artesãos enquanto profissionais, com a comunidade, muitas vezes é
confundida com a própria história de vida. Naninho é um desses exemplos:
"Naninho começou sua vida de artesão ainda criança. Fazia suas peças
de barro, sem queimar. Trabalhava como pedreiro e na roça, mas não
deixava o seu jeito meio artista de lado. Um dia, o pessoal que estava
reformando a Igreja o convidou para fazer o Jesus do altar. Naninho
então criou o Jesus crucificado de madeira que ainda está lá. Mais
tarde, o Toty, da Oficina de Agosto, o convidou para trabalhar lá. Suas
peças sobressaíam na Oficina e o turista que lá chegava queria
conhecer o artista. Assim, ele achou melhor trabalhar em sua própria
casa. Naninho diz que ele constrói sua arte através do "sentir". Diz
também que a televisão lhe dá muitas idéias. Uma vez, ele viu um
seriado sobre a África. Daí, ele criou a negra com um bebê nas costas
com a roupa toda colorida. Os turistas adoram essa peça. O que
Naninho gosta muito de fazer são Santos" (artesão B).
Essa peça muito admirada e adquirida pelos turistas retrata a africana escrava, a ama-seca,
moça bonita e bem cuidada que remete o turista às nossas origens e à formação do povo
brasileiro.
Apesar de as pessoas do povoado já possuírem ligação com o "fazer artesanato", a maioria
dos artesãos de Bichinho só descobriu seus talentos depois da Oficina de Agosto.
"Na Oficina é que eu arrumei minhas idéias. Antes eu não tinha tempo
de pensar. O trabalho na roça não deixava" (artesão C).
Muitos dos artesãos trabalhavam como pedreiro, costureira, bordadeira. Como a procura pelo
artesanato ia aumentando, essas pessoas começaram a fazer suas "artes" aprendidas com seus
antepassados.
Outros artesãos descobriram seus dons artísticos por causa de crises financeiras.
82
"Meu marido adoeceu. Ele era marceneiro. A coisa apertou porque eu
não tinha com quem deixar a minha filha para ir trabalhar. Então,
pensei: eu tenho que dar um jeito com as coisas que eu tenho. Lembrei
dos retalhos de madeira e comecei a criar encosto de portas, flores e
chaveiros. Os primeiros ficaram meio feios. Mas, eu fui tentando. Pedi
a uma amiga para vender em Tiradentes. O pessoal gostou e até hoje
eu estou aqui" (artesão J).
Muitos artesãos iniciaram seus trabalhos como assistentes de outros artesãos ou funcionários
da Oficina de Agosto. Quando se sentiram mais seguros, começaram a fazer seus trabalhos
por conta própria.
"Comecei trabalhando para a Carmem. Eu já tinha trabalhado muito
tempo em São João numa fábrica de roupas. Trabalhei pra Carmem
mais de 4 anos. Aí, com o incentivo de amigos, comecei a fazer
minhas coisinhas por conta própria, e hoje estou aqui" (artesão D).
Carmem é uma artesã que iniciou seus trabalhos na Oficina de Agosto e, hoje, tem seu próprio
ateliê onde desenvolve um trabalho semelhante ao de uma Empresa de Pequeno Porte (EPP)
e, por isso, é uma pessoa-referência na comunidade.
Para todos os artesãos entrevistados (100%), o artesanato é uma fonte de renda e para 90%
deles, esse trabalho é tão prazeroso que pode até chegar a ser diversão:
"mexer com artesanato é uma diversão" (artesão J).
"[...]. O que não pode é esquentar a cabeça. Quando a cabeça
esquenta, a gente deixa pra lá. Quando volta, a coisa acontece"
(artesão "D").
"O artesanato é vida. Além de ser gostoso de trabalhar, ainda sustenta"
(artesão A).
"O mais importante para o artesão de Bichinho é que esse meio de
vida, além de bastante rentável, o faz fixo na terra e o faz se sentir
cidadão. O artesanato, além de deixar a gente trabalhar em casa ainda
faz com que a gente se sinta gente" (artesão H).
Quando são solicitados para definir o que é artesanato, os entrevistados mostram-se à vontade
ao afirmarem que a maior característica do artesanato é a repetição.
83
"Essa repetição é que faz com que seja artesanato. Se for único, não é
artesanato É arte" (artesão B).
Percebe-se então a definição para o artesão de Bichinho da arte e do artesanato, definição que
é feita a partir da percepção do "fazer" dele.
O artesanato é considerado por 90% dos entrevistados como algo mais primitivo, enquanto a
arte é algo mais sublime, mais aprofundada e única. Mesmo quando copiada, não consegue
levar a marca do artista. 95% dos entrevistados se sentem incomodados com os copiadores,
porém, 5% acreditam que a cópia não seja ruim, pois muitos deles, copiadores, podem se
tornar artesãos copiando obras de outros. Essa visão de "cópia" parece ser relacionada às
fronteiras geográficas e comunitárias, quando dizem que a peça só é cópia quando feita por
um forasteiro (gente que veio de fora e hoje é artesão em Bichinho) ou por artesão de
Tiradentes ou Prados.
Alguns dos entrevistados, entretanto, acreditam que para serem artesãos eles necessitam
melhorar suas peças, não seguir moldes, não copiar da natureza e sim criar algo novo; não ser
oportunista (aproveitar a demanda), mas criar, mesmo quando não há turistas. Somente 60%
deles se consideram artesãos, os 40% restantes se consideram "curiosos" ou operários
comuns. Muitos dizem que para ser artesão tem que pensar muito.
"Eu imagino minhas peças para depois criar" (artesão G).
Outros não consideram o artesanato algo difícil, pois, para eles, tudo que se inventa é
artesanato; dizem que para ser artesão tem que ser curioso, paciente e observador.
Argumentam também que o
"artesanato é coisa comum e barata" [...]. Não é como a arte que é cara
por ser mais bem feita" (artesão D).
Esse cuidado que os artesãos têm com seu trabalho está ligado à preocupação que eles têm
referente ao retorno financeiro, pois para 95%, o sustento ou a complementação orçamentária
vem de seu trabalho. Mas o desenvolvimento do artesanato de Bichinho só foi possível depois
da fundação da Oficina de Agosto. Essa instituição foi a responsável em apresentar o povoado
primeiramente a São Paulo, Rio de Janeiro e só depois a Tiradentes. Em seguida, por causa
das exportações, fez Bichinho ficar conhecido em vários lugares do mundo. Por causa da
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popularização da Oficina e por Bichinho estar próximo a Tiradentes, os artesãos viram seus
trabalhos se tornarem atrativos turísticos. Esses atrativos se fizeram importantes ao olhar dos
turistas devido a sua simplicidade.
"Eu trabalho na cabaça. Gosto muito de fazer galinha e porco. Os
turistas também gostam, pois compram tudo o que faço" (artesão A).
"O artesanato de Bichinho agrada porque faz o comum da vida do
homem, além também de muita coisa ligada à Igreja" (artesão O).
Para o artesão, os maiores ganhos advindos dessa profissão são: prazer pessoal por ser
valorizado como artesão, poder conhecer várias pessoas vindas de muitos lugares, poder ser
dono de seu próprio negócio, trabalhar "com coisas" belas, conseguir se sustentar trabalhando
em algo de que se gosta e em que se acredita, não precisar sair de sua Terra em busca de
trabalho. Enfim, como diz o artesão:
"Trabalhar, ser valorizado e ainda conviver com gente de fora com
espírito de festa não tem preço que paga" (artesão B).
São várias as dificuldades sentidas pelos artesãos. Dentre elas, a que mais os atinge é a
dificuldade em manter os preços das peças. Essa dificuldade é decorrente de cópias das peças
feitas por outros:
"quem copia, vende mais barato. Nós que criamos temos que lutar
com isso, porque muitos turistas não querem nem saber. Olham é o
preço" (artesão E).
Outra dificuldade é o fato de muitos turistas, principalmente quando vêm de Tiradentes, já
conhecerem o tipo de trabalho artesanal que se faz em Bichinho. Esse artesanato do Bichinho,
vendido em Tiradentes, é comprado em Bichinho dos "falsos artesãos" – copiadores de peças,
pelos lojistas de Tiradentes a preços inferiores. É dificuldade também para os artesãos
conseguirem manter seus preços sem receber incentivos fiscais significativos da Prefeitura de
Prados:
"um dia, eu precisei dar umas notas para o comprador, o que iria
comer quase todo o meu lucro. Pedi ajuda à prefeitura, mas lá o
pessoal não quis abaixar o valor da nota. Foi preciso um outro artesão,
que já tem mais posses, me ajudar" (artesão B).
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Outra dificuldade é em relação ao período das chuvas:
"na época das chuvas o turista e o lojista somem. A gente aí não tem
para quem vender" (artesão H).
Uma dessas dificuldades, a compra de madeira legalizada, é responsável por um dos impactos
do turismo no artesanato de Bichinho, percebido pelos artesãos:
"No início, os artesãos usavam, em seus produtos, madeira do próprio
povoado. Com a grande demanda, essa madeira ficou comprometida
por causa da fiscalização. Aí, foi necessário comprar a madeira de
Dores de Campos (90%) e Prados (10%) de preferência, de
demolição" (artesão C).
Para a aquisição de outros tipos de matéria-prima, como tecidos, linhas, eles recorrem às
cidades de São João Del Rei, Prados e Divinópolis - devido ao grande número de fábricas, o
que produz grande volume de retalhos aproveitados em almofadas e colchas.
Outras dificuldades apontadas pelos entrevistados dizem respeito à comunidade, em seu
aspecto social, como a falta de saneamento básico, de infra-estrutura, de maior envolvimento
da Prefeitura junto à população. Porém, para 95% dos artesãos, essas dificuldades não
interferem na qualidade do artesanato. Para tal afirmação, baseiam-se, primeiramente, na
grande demanda atual de turistas e lojistas que vão ao povoado atraído pelo artesanato. Outro
argumento usado por eles é quanto ao prazer que sentem em ser artesãos.
"Considero de excelente qualidade o meu produto, porque eu faço
tudo com prazer, emoção e tempo" (artesão A).
Um diferencial no trabalho desses artesãos é quanto à preocupação com a ecologia:
"Só uso madeira de demolição, assim não tenho problema com o meio
ambiente" (artesão F).
Um fator que fixa o artesão em Bichinho é a "facilidade" para o contato com os compradores,
pois a maioria dos lojistas, oriundos de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília,
vai diretamente a Bichinho a fim de realizar suas compras. Um artesão há pouco tempo
instalado em Bichinho disse que se mudou para o povoado porque em Bichinho os
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compradores vão escolher suas peças, o que facilita a vida de quem produz.
"Eu morava no interior de São Paulo. Ninguém ia lá ver meu trabalho.
Então, um amigo me falou sobre Bichinho. Eu mudei para cá e estou
vendendo mais" (artesão G).
Com o grande número de turistas, pois, muitos artesãos se viram frente à necessidade de
contratar auxiliares. Esses auxiliares, muitas vezes, são os próprios familiares; outras vezes,
pessoas que não trabalham no ofício, mas possuem alguma habilidade para as artes. Essas
pessoas ganham por dia, ou pelo número de peças trabalhadas e, na maioria dos casos,
trabalham em suas próprias casas.
Outro fator observado quanto ao impacto no artesanato de Bichinho é em relação às vendas
das peças. No início, o turista comprava do próprio artesão. Hoje, muitos deles expõem seus
trabalhos deixando para outras pessoas a atividade das vendas que acontece quase sempre de
forma direta entre turistas ou lojistas. Os lojistas, muitas vezes, após o primeiro contato,
fazem as encomendas por telefone. O artesão despacha as peças pelo expresso rodoviário.
Esse expresso tem a sua sede em São João e disponibiliza um caminhão até Bichinho, uma
vez por semana, para recolhimento de todo o material que deverá ser despachado.
No início, muitos artesãos vendiam peças consignadas: o lojista levava as peças, pagava por
elas, mas após um mês, caso não tivesse conseguido vendê-las, podia trocá-las por outras
mercadorias. Outra forma de venda foi através de cheques pré-datados:
"Muitos lojistas levavam as peças, davam os cheques e quando a gente
ia descontar não havia fundos" (artesão B).
Por não terem nenhuma EPP, esses prejuízos aconteciam em casos particulares, mas com
vários artesãos de Bichinho.
Atualmente, pelas entrevistas, os artesãos parecem mais seguros, porém, percebe-se ainda
uma falta de proteção ao vendedor, pois não existe banco em Bichinho e nenhum telefone
disponível para consulta à linha de crédito dos clientes.
Mais um impacto diz respeito à relação artesão/ lojista na medida em que este interfere na
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produção quando exige, do artesão, cores e tamanhos das peças e, em contrapartida, o artesão
aceita, pois já sabe o que terá saída. Esse impacto torna-se negativo para o artesão que acaba
não sendo reconhecido como tal, ao ter o lojista como intermediário, quando este não permite
que o artesão assine suas peças, pois isso poderá, no futuro, interferir nas vendas do lojista.
Percebe-se que o impacto do turismo não só modificou, mas também intensificou o artesanato
de Bichinho. Quem já era artesão sentiu-se fortalecido em sua criação, enquanto outros, que
ainda não conheciam seus próprios dons, começaram a criar por causa do turista que chegava
sedento por novidades.
Outro ponto a ser observado é a grande flexibilidade por conta do artesão em querer atender o
turista, mesmo que este solicite mudanças em seu trabalho.
"Eu não sinto que empobreci minha arte porque fiz o que o turista
pediu. Eu juntei foi a minha idéia com a dele. Quando eu comecei a
fazer essas mulatas aqui, o peito delas era menor. Aí, chegaram os
turistas e começaram a perguntar se não tinha mulata de peito grande.
Aí eu aumentei tudo" (artesão B).
As sugestões dos turistas parecem não incomodar os artesãos, pois o que mais agrada aos
artesãos é a valorização de seu trabalho pelos turistas.
"Eles elogiam muito que a gente faz. Tiram muitas fotos e querem
levar muita coisa" (artesão E).
Muitos artesãos acreditam que a opinião do turista é valiosa por ele vir de fora e, por isso, ter
uma maior visão de mundo.
"O turista tem um olho maior porque vem de fora. Eu aceito a opinião
dele porque o mundo lá fora é diferente do meu. Assim, eu conheço
outras coisas, outras idéias com a fala do turista" (artesão J).
Porém, hoje, alguns artesãos já demonstram certa preocupação pelo fato de o artesanato de
Bichinho estar ficando muito igual, sem maiores atrativos. De acordo com um dos
entrevistados a saída seria a fundação de uma EPP, o que já foi tentado sem êxito.
"A EPP seria essencial para fortalecer o município. Mas aqui não tem
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união. Mexer com o povo é difícil" (artesão D).
O que é comum em todas as falas dos entrevistados é o fato de que com a chegada de vários
turistas e lojistas, o trabalho aumentou em Bichinho: os artesãos tiveram de aumentar seus
negócios e, por causa disso, tiveram de contratar ajudantes. Assim, não só Bichinho, mas
também a Oficina de Agosto se viram fortalecidas diante de uma maior demanda no povoado,
pois antes, a Oficina tinha de levar toda a produção para vender em sua loja, em São Paulo.
5.6 Conclusão
Vitoriano Veloso, conhecido carinhosamente como Bichinho, que antes pertencia a Tiradentes
e hoje pertence a Prados, sempre foi visto como um povoado rural, pobre, de gente simples e
trabalhadora, que durante muito tempo teve que sair em busca de trabalho - em São Paulo, por
exemplo, para sobrevivência de seus familiares e por melhores condições de vida. Por muitos
anos, Bichinho se mostrou sem dinamismo e vida própria, mantendo-se através da agricultura
de subsistência.
Com o reconhecimento de Tiradentes como pólo turístico, houve uma demanda por
trabalhadores em várias atividades, dentre elas na construção civil e nos serviços domésticos.
Foi a oportunidade para os homens de Bichinho, que estavam em São Paulo, voltarem para
ocupar essas frentes de trabalho e ficarem mais próximos de suas famílias.
Os depoimentos de entrevistados das cidades de Tiradentes, Prados e Vitoriano Veloso
(Bichinho), sugerem que essa relação entre Bichinho e Tiradentes sempre foi harmoniosa,
uma vez que os moradores desse povoado se assemelham muito aos moradores de Tiradentes,
que também viviam da terra, eram simples e, em sua maioria, pobres. Esse bom
relacionamento é percebido também quando os entrevistados externam a vontade de que
Bichinho ficasse administrativamente sob os cuidados de Tiradentes, como foi há muito
tempo.
Por outro lado, Bichinho, apesar de pertencer a Prados, recebe pouco estímulo econômico,
social ou político dessa comarca. Porém, como relatam seus moradores, Bichinho sempre
colaborou com Prados, seja antigamente, ao fornecer sua gente na prestação de mão de obra
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barata, seja hoje, quando Prados recebe impostos significativos por causa do artesanato de
Bichinho. Em seus depoimentos, os moradores da comunidade de Bichinho afirmam que os
moradores de Prados viam as pessoas de Bichinho como sendo gente da roça, que só sabia
trabalhar na terra. Hoje, parece aceitá-los como artesãos, talvez por Prados também possuir
muitos artistas, talvez pelo reconhecimento de Bichinho através do artesanato, pois muitos
pradenses vão morar em Bichinho a fim, somente, de ganhar dinheiro, uma vez que não
tiveram nem têm ligação com a terra.
Essa situação incomoda o povoado, que sempre se valorizou, mesmo antes do sucesso, apesar
da discriminação sofrida anteriormente, e agora se sente usado, além de, também, sentir que
sua notoriedade incomoda os moradores de Prados. Mas essa "mágoa" dos moradores do
povoado não chega a atrapalhar a disposição de Prados em querer unir forças com Bichinho,
para que aquele se mantenha na mídia com sua música erudita e atraia, ainda mais, o turismo
que já se instalou no povoado. O que se configura, agora, para ambas as comunidades é a
possibilidade de uma relação de troca: enquanto Bichinho, por ser a porta de entrada para o
turismo, por causa de seu artesanato, acaba por divulgar a música barroca de Prados, esta, por
sua vez, leva a Bichinho um turista dito "erudito".
Isso é algo positivo para os moradores de Bichinho que comprovam, em seus depoimentos, o
sentimento de não aceitação pelos pradenses. Porém, apesar desse relacionamento hostil,
conflitante, relatam nunca se sentirem inferiores. Consideram-se trabalhadores, enquanto
vêem nos moradores de Prados traços de indolência e falta de vontade para o trabalho duro,
quando os vêem em praça pública, na maior parte do tempo, exercitando sua arte, a música.
Os moradores de Bichinho acreditam que trabalhar com música, característica forte dos
pradenses, não é algo sério, pois para o povo de Bichinho trabalho sempre foi sinônimo de
lidar com a terra ou produzir objetos artesanais que servissem para o seu próprio uso como
colchas de retalhos, peças de crochê, encostos de portas.
A maioria dos artesãos do Bichinho só descobriu seus talentos, depois da Oficina de Agosto,
fundada em 1990, por Antônio Carlos Bech (Toty), artista e empresário. Como artista, ele
percebeu que naquela comunidade existiam vários artesãos que, se motivados e direcionados,
acabariam por produzir artesanato de qualidade.
Um dos fatores para a escolha dessa comunidade como sede da Oficina de Agosto foi o fato
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do Bichinho estar bem próximo a Tiradentes, pólo turístico, há pouco descoberto pela mídia.
Como empresário Toty apresentou o artesanato de Bichinho em São Paulo, Rio de Janeiro e
até no exterior, através de sua comercialização.
Tem-se então a origem da grande demanda turística hoje presente nessa comunidade. Assim,
pode-se afirmar que existem dois Bichinhos: um pobre, feio, sem atrativo, anterior à Oficina
de Agosto; outro economicamente forte e há pouco reconhecido como núcleo turístico.
Muitos artesãos do Bichinho iniciaram seus trabalhos como assistentes de Toty. Essa função
realçou uma das características da Oficina de Agosto: ser uma oficina de montagem – a obra é
feita por partes e em série: alguns talham a madeira, outros pintam peças, e Toty é
responsável pela montagem final. Para alguns estudiosos, como Barbosa e Barretto (1972),
isso é um trabalho seriado que não pode ser considerado artesanato, enquanto que para outros,
como Paz (1974), o que importa é o trabalho final, não a sua produção seriada.
Pode-se observar que, em cada etapa desse trabalho em equipe, algumas pessoas se revelam
artesãs no "seu fazer". Assim, para alguém ser artesão em Bichinho é questão de tempo: ou o
funcionário da Oficina se sente artesão, ou ele é descoberto como artesão por Toty que o
motiva a caminhar sozinho, a construir o seu próprio espaço.
Isso pode ser comprovado em dois momentos: através da trajetória de Naninho, hoje, artesão
reconhecido; e através do resgate provocado por Toty, nos artesãos; das artes aprendidas com
seus antepassados como, confecção de colchas de retalhos, panos de prato com biquinhos de
crochê. Essas peças, que vinham de geração em geração, eram confeccionadas quando a
sustentabilidade do povoado estava na terra, na agricultura, e as mulheres as faziam para
ajudar no orçamento doméstico, sem sentir que o que elas produziam era artesanato. Hoje,
além dessas peças, outras como, galinhas e porcos de madeira, além de mulheres na janela
esculpidas na madeira ou moldadas em cabaças ou papel machê são também produzidas pelos
homens da região.
O artesanato do Bichinho, apesar de ter sido descoberto e incentivado pela Oficina de Agosto,
tem suas características particulares ao retratar em suas peças imagens ligadas ao cotidiano do
lugar, suas origens, retratando traços de um Brasil provinciano, e resgatando, não só para o
povoado, mas também para o Brasil de hoje, valores antes esquecidos que faziam parte da
91
vida dos moradores de Bichinho. Esse artesanato contrapõe-se ao artesanato da Oficina
quando esta também explora o "fetiche", o moderno, arte que muitas vezes choca o público. O
artesanato do Bichinho contrapõe-se também a Prados quando este representa um Brasil
erudito, através de sua música barroca e a Tiradentes que parece representar um Brasil
capitalista, consumista.
Essa particularidade do artesanato acabou por se tornar um forte atrativo turístico para
Bichinho. Enquanto a Oficina de Agosto propagou um artesanato peculiar e repleto de
detalhes modernos, Bichinho, conhecido por causa da Oficina, apresenta um artesanato ligado
às raízes e à memória do povo do lugar. Um artesanato não anula o outro, pelo contrário,
esses dois tipos de artesanato, um mais elitista, contemporâneo, que provoca certo
estranhamento, junto ao outro que revigora a memória além de reinventar valores, é o que
torna Bichinho um atrativo turístico.
Assim, com a popularização do artesanato de Bichinho, através da Oficina de Agosto, e pelo
fato de o povoado estar próximo a Tiradentes, os artesãos viram seus trabalhos se tornarem
atrativos turísticos, os quais se fizeram importantes ao olhar dos turistas devido a sua
simplicidade, levando-os até a recordar momentos pouco lembrados, como os da infância.
Hoje, a maior parte da população do Bichinho trabalha com o artesanato e vê nele não só a
sustentabilidade financeira, como também o prazer de criar um artesanato próprio, de se auto-
descobrir, de ter o seu espaço geográfico reconhecido pelo seu entorno - destacando as
cidades de Prados e Tiradentes, além de conviver com pessoas de outros estados e até do
exterior.
O artesanato em Bichinho é visto por sua comunidade e por Tiradentes e Prados como fonte
econômica de todo o povoado. Através de depoimentos, percebe-se que a Oficina de Agosto é
considerada como o empreendimento vital do artesanato. Essa dependência é vista por muitos,
como fator positivo ou negativo para Bichinho.
Positivo, por ser a Oficina de Agosto o atrativo turístico e econômico necessário ao povoado
para que este se auto-sustente:
"Toty lapidou dons e propagou o artesanato do Bichinho" (Secretário
92
de Turismo de Tiradentes).
Negativo, porque sem a Oficina, caso ela feche suas portas ou mude de comunidade, talvez
Bichinho ainda não esteja preparado para conquistar e fidelizar novos clientes:
"Se ela [a Oficina] for embora ou fechar, o artesanato do Bichinho
morre" (artesão A).
Essas colocações foram feitas por moradores mais antigos da comunidade e por alguns
artesãos que iniciaram suas atividades artesanais na Oficina.
Porém, vindo de encontro a esses depoimentos sobre a comercialização e a divulgação do
artesanato de Bichinho, alguns artesãos, principalmente os mais novos na profissão, além de
alguns moradores que chegaram de outros lugares e, hoje, se sentem cidadãos do povoado,
declaram que Bichinho já conquistou o seu lugar como espaço turístico por causa de seu
artesanato e por estar bem próximo a Tiradentes:
"Hoje, o artesanato é nosso meio de vida. Ele é tudo para nós, porque
ele é o que sustenta o povo daqui, além de fazer a gente, gente"
(artesão C).
Essas divergências entre os moradores de Bichinho também podem ser percebidas na análise
do processo da mudança sofrido pela comunidade, com o impacto do turismo na região. Para
uns, esta mudança trouxe reflexos negativos quando, ao ficarem os moradores expostos ao
contato com membros de outras comunidades, comunidades essas consideradas "evoluídas"
socialmente e economicamente, se sentiram invadidos por comportamentos e valores, até
então não vivenciados pelos moradores de Bichinho, como o uso de drogas por alguns
moradores, assim como influências depreciativas no comportamento desses moradores.
Para outros, essa mudança foi positiva, uma vez que foi despertada nos moradores de
Bichinho a consciência ecológica da preservação do seu entorno, como a Serra São José;
houve também a melhoria na qualidade de vida e o despertar da elevação da auto-estima que
fez com que os moradores se sentissem capazes de se auto-sustentarem, de serem respeitados
e reconhecidos como agentes de uma sociedade, o que desenvolveu neles a reflexão e a crítica
sobre todo esse processo pelo qual passaram e passam.
93
Esses impactos serão melhor abordados no capítulo das considerações finais da dissertação.
Também serão desenvolvidos no referido capítulo os impactos do turismo no artesanato, os
quais ora descaracterizam, ora revitalizam esse atrativo turístico.
94
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O povoado do Bichinho se distingue, hoje, pelo seu artesanato peculiar: a mistura do
tradicional com o moderno. Essa peculiaridade se deu pelo fato de o povoado de Bichinho,
antigamente, pobre e dependente economicamente de Prados, cidade à qual pertence, ter
sofrido as interferências da Oficina de Agosto, fundada, nessa localidade, em 1990.
Outro fator decorrente da interferência da Oficina e que levou Bichinho a se destacar das
cidades vizinhas e até no exterior foi o turismo. Esse agente transformador, até então
desconhecido pelos moradores do povoado, provocou nessas pessoas, por um lado, certo
encantamento e, por outro, certo medo de que perdessem a identidade com a terra. Porém, os
moradores-artesãos é que fizeram a ponte entre os seus e o turista.
A proposta desta dissertação foi perceber o impacto do turismo no artesanato do Bichinho,
enquanto forma de expressão da cultura na perspectiva de todos os atores da comunidade do
Bichinho: líderes comunitários, artesãos; turistas, além de pessoas-referência de Tiradentes e
de Prados.
Atualmente, na maioria das vezes, a palavra turismo é associada a prazer, lucro e progresso, o
que pode trazer benefícios para muitas localidades e, ao mesmo tempo, pode provocar sérios
danos. Esses benefícios e esses danos podem ser caracterizados como impactos.
Segundo Viera Filho (2005), esses impactos podem ser considerados positivos ou negativos,
dependendo da ótica em que são analisados. Eles podem atingir a comunidade de variadas
formas, dependendo das características particulares da população residente, do lugar onde está
localizado o destino turístico, do perfil e do comportamento do turista que a visita, além do
papel representado pelo Estado enquanto autoridade e de outros agentes, que têm no turismo
algum interesse, seja no campo social, seja no econômico, seja no cultural.
Os impactos do turismo no artesanato tendem a ser abordados na literatura, a partir de uma
perspectiva mais externa, dando pouco espaço para as percepções dos artesãos e outros atores
95
quanto a esses processos. Até o momento não se tinha na literatura qualquer informação sobre
os impactos do turismo no artesanato do Bichinho, assim como era desconhecida a visão que
os atores da comunidade possuíam sobre esses possíveis impactos provocados pelo turismo na
comunidade em questão.
A produção artesanal, quando organizada, planejada e orientada proporciona à comunidade
vários benefícios como atrair turistas, compradores e, assim, contribuir para a melhoria da
qualidade de vida do artesão, de sua família e da comunidade, através de uma maior geração
de renda, como comprova o trabalho realizado pela Oficina de Agosto, na comunidade do
Bichinho.
O morador dessa comunidade, hoje, se vê como cidadão que tem consciência sobre o seu
potencial, que se respeita e se valoriza, que reflete sobre o que lhe atinge e que participa de
sua comunidade também para reivindicar, das autoridades políticas, melhor estrutura social e
ambiental para seu espaço, como: saneamento básico, calçamento de ruas, para melhor
qualidade de vida.
Esse ser consciente em que se tornou o morador do Bichinho fez surgir o sentimento de posse
de algo que é verdadeiramente seu: "Bichinho já se sente dono dele mesmo". Assim, a relação
anterior de dependência do Bichinho a Tiradentes e Prados mudou de ângulo, pois, agora,
Bichinho se auto-sustenta através do artesanato e é esse artesanato que dá o novo enfoque da
relação que não se configura como relação de inferioridade, mas sim de igualdade, uma vez
que Bichinho enriquece as opções turísticas de Tiradentes, e esta cidade, ao divulgar o
artesanato do povoado, leva o turista a Bichinho. Em relação a Prados, Bichinho tornou-se
frente de trabalho, seja no artesanato, seja em outras atividades. É a elevação da auto-estima
do residente do Bichinho em função do reconhecimento de seu trabalho artístico.
São vários os impactos, tanto na comunidade, quanto no atrativo turístico – o artesanato –
provocados por esse desenvolvimento turístico.
Em relação à comunidade, esses impactos provocam: melhoria na qualidade de vida, através
de um retorno financeiro significativo, o que traz, como conseqüência, melhoria na auto-
estima da população que se sente valorizada em seu trabalho, pelo turista; o despertar da
consciência ecológica, promovido por instituições governamentais de preservação do
96
patrimônio ambiental e pela Oficina de Agosto, que sempre trabalhou com a reciclagem e
com a compra de madeira de demolição, frente a possível degradação do meio ambiente, no
entorno de Bichinho, decorrente do impacto turístico. Por outro lado, esses impactos podem
se configurar negativos, na perspectiva dos moradores do povoado, se levar em conta que o
turista leva consigo à comunidade hábitos não saudáveis, como o uso de drogas, além de
apreciações de costumes modernos, como músicas que afetam valores familiares até então
preservados. Percebe-se, através das entrevistas coletadas em campo, que o turismo na
comunidade ora revitaliza, ora descaracteriza o artesanato.
Como agente revitalizador do artesanato, pode-se verificar a influência do turismo ao observar
a criação de peças artesanais ligadas à memória ou a costumes, sejam eles familiares ou
religiosos, na medida em que essas peças forem criadas pela demanda do turista e/ou do
comerciante especializado.
A confecção de artesanato têxtil comprova isso no feitio de colchas de retalhos, peças de
crochê, tapetes e almofadas de fuxico. Esse tipo de artesanato aprendido com antepassados
traz um misto de antiguidade com peculiaridades modernistas: uma colcha de retalhos tem
nela não só a união de pedaços de pano como uma estética trabalhada que induza o "cliente",
no caso o turista, a perceber naquele objeto algo que o surpreenda. Outra peça que também
traz essa mesma peculiaridade é o tapete de fuxico que retrata, muitas vezes, a bandeira do
Brasil estilizada.
No artesanato feito em madeira, também, notam-se traços de revitalização quando animais
domésticos presentes na comunidade servem de inspiração a vários artesãos, como motivo de
suas peças.
O impacto do turismo como agente revitalizador é maior no artesanato dito religioso. Dentre
as várias obras destaca-se a do Divino Espírito Santo, que é retratado em forma de pomba, e é
feito em vários tamanhos, serve como decoração para portas de residências e é utilizado como
enfeite natalino.
Um estranhamento, quanto ao impacto que enfoca a revitalização do artesanato em Bichinho,
é verificar que símbolos usados pelos moradores em festas religiosas, hoje, são
comercializados como artesanato. È o caso da Cruz de Nossa Senhora, feita de papel crepom e
97
colocada nas portas das casas do povoado e que se tornou atualmente peça artesanal bastante
cobiçada pelos turistas. Como essa cruz é o símbolo de "casa protegida por Nossa Senhora", o
turista, além de levar o objeto, leva também a proteção nele inserida.
Outro impacto do turismo no artesanato é quanto à forma de trabalho do artesão. No início,
mesmo com a Oficina de Agosto trabalhando em forma de cooperativa, os artesãos que dela
não faziam parte trabalhavam individualmente em suas criações; tinham como característica o
trabalho isolado e particular. Criavam seus trabalhos sem interferência de ajudantes, além de
eles mesmos serem os responsáveis pelas vendas. Com o aumento da demanda, esse trabalho
foi envolvendo a família e até pessoas de fora do círculo familiar para trabalhar no artesanato
de maneira cooperativa. Assim, o artesanato gerou novos empregos diretos e indiretos. Essa
mudança de processo na feitura da peça artesanal pode ter caráter positivo ou negativo,
dependendo do observador.
Hoje, a maioria dos artesãos entrevistados de Bichinho possui colaboradores, seja na
preparação da matéria prima, seja na finalização das peças, seja na comercialização do
artesanato.
Como agente descaracterizador, o turismo impacta o artesanato do Bichinho de várias formas.
Um desses impactos diz respeito às cópias. Como a procura pelo artesanato de Bichinho cada
vez se torna mais forte, vários artesãos vindos de fora iniciaram um trabalho de cópia
artesanal, em que o diferencial é o preço mais baixo. Essas cópias, muitas vezes mal feitas,
são apresentadas em Tiradentes e no próprio povoado como "artesanato do Bichinho". Além
de concorrerem com os verdadeiros artesãos, denigrem a imagem dos mesmos, além de
tornarem esse artesanato algo comum e sem valor de mercado.
Somando-se a esse fato, o artesão do Bichinho não assina seu trabalho, por orientação do
lojista que não compra o que é assinado, identificado, ou seja, o anonimato torna o trabalho do
artesão rentável para o lojista. Se a peça não é patenteada, ela se torna passível de cópia, o
artesão não ganha a fidelidade do lojista nem tem seu trabalho divulgado nominalmente.
O turismo, como agente desse impacto, não serve como filtro para esse problema, pois a
maioria dos turistas não está preocupada com o valor intrínseco da obra enquanto artesanato
de Bichinho; o que os atrai é a beleza, o diferente, o preço. A não identificação, nas peças, da
98
origem do artesanato provoca divergências entre os artesãos de Bichinho em relação ao fato
de o artesanato ser um atrativo turístico potencialmente seguro ou não. Se por um lado o
anonimato das peças reflete insegurança, quando alguns têm medo de que o trabalho artesanal
se torne "modismo" e passe deixando - os sem trabalho, por outro lado, esse mesmo
anonimato revela a segurança daqueles que têm no artesanato a esperança de sustentabilidade
econômica do povoado através do turismo.
Outro impacto do turismo no artesanato de Bichinho é a interferência do turista junto ao
artesão quando aquele, por ser o cliente, o que tem poder de compra, sugere algumas
mudanças na confecção das peças, e este aceita. Estabelece-se aí uma proximidade
artesão/turista, o que enriquece ambos os lados enquanto relação. Isso, como comprovado
através das entrevistas, não incomoda ao artesão de Bichinho, pelo contrário, palpites,
interferências e pedidos de mudanças, nas peças, são bem aceitos. Para os artesãos, o turista,
por vir de fora, tem um olhar mais amplo e mais repleto de novidades que acabam por
aprimorar o artesanato de Bichinho.
Se, por um lado, essa interferência "descaracteriza" o artesanato ao modificá-lo, por outro,
essa interferência é o que "caracteriza" o artesanato, hoje, em Bichinho, na medida em que
esse artesanato torna-se diferente justamente pelo fato de ele não ficar preso no tempo e aos
valores da comunidade. Assim, o que poderia ser um agente descaracterizador, torna-se um
agente que revitaliza não só o artesanato, como também as relações turista/ artesão. Depende
dos focos do observador e dos envolvidos.
O artesão supervaloriza o turista por vários motivos: pelo seu poder aquisitivo, por elevar a
auto-estima do artesão quando o turista admira e compra suas peças e por acreditar que o
turista tem melhor visão de mundo por "ser de fora". Porém, sem o artesão perceber, há nessa
relação a fusão de mundos: do turista que assimila o mundo do artesão nas peças que adquire;
e do artesão que assimila o mundo do turista em seus valores contemporâneos.
Esse tipo de interferência do turista, para Bolson (2005), descaracteriza o artesanato a ponto
de as peças não refletirem a cultura local, mas, por outro lado, para Grünewald (2001), no
caso dos Pataxós, essa interferência não descaracteriza e sim revitaliza o artesanato na medida
em que ocorre a interação turista/ artesão. Na comunidade do Bichinho, percebe-se que essa
preocupação com a continuidade da tradição no artesanato não é relevante, porém, quando
99
presente, torna-se, também, atrativo turístico.
Outra interferência já se fez presente, antes, no artesanato do Bichinho, com a Oficina de
Agosto, percebida na mistura do tradicional (Bichinho) com o moderno – fetiche (Oficina),
porém a maioria dos turistas não percebe essa contaminação e adquire as peças por acreditar
que elas são genuínas, puras.
Após essas considerações provenientes do trabalho em Bichinho, junto a vários públicos
como, comunidade, turistas, artesãos, líderes comunitários de Prados e Tiradentes, conclui-se
que o artesanato de Bichinho foi revitalizado enquanto memória e valores, e descaracterizado
enquanto produto de consumo, porém teve como fator mais relevante o seu desenvolvimento
em decorrência do turismo.
O turismo, como agente econômico proporcionou ao povoado de Vitoriano Veloso, mais
conhecido por Bichinho, a sua sustentabilidade social e econômica.
Mesmo sendo a Oficina de Agosto o início de todo o processo, caso não existisse o povoado
do Bichinho provido de pessoas que tem na arte afinidades bastante relevantes, o turismo não
aconteceria no povoado.
No decorrer desta pesquisa, um fator relevante foi observado nos impactos do turismo no
artesanato do Bichinho, na perspectiva dos artesãos: o surgimento de novos profissionais.
Esses novos atores - o artesão-forasteiro e o artesão produzido pela demanda - aproveitaram-
se da oportunidade surgida em Bichinho, para se sedimentarem como artesãos-natos. Apesar
de esse fato incomodar a comunidade em geral, o turista não percebe essa diferença, tratando
a todos como artesãos naturais do lugar.
Assim, o processo do artesanato em Bichinho, surgido com a Oficina de Agosto - primeiro
atrativo turístico que possibilitou o desenvolvimento do povoado – abre lugar ao turismo,
agente econômico, que faz com que o povoado do Bichinho seja o novo atrativo. O turismo,
dessa forma, sedimenta o artesanato criado, através da demanda, pelo próprio turismo, na
comunidade do Bichinho.
100
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APÊNDICES
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
ARTESÃOS DA COMUNIDADE DO BICHINHO
Perfil
1 - Nome:
2 - Sexo:
3 - Idade:
4 – Escolaridade:
a)( )Sem estudo
Fundamental
1ª a 4 ª a)
completo
1ª a 4 ª b)
incompleto
Fundamental
5ª a 8ª a)
completo
5ª a 8ª b)
incompleto
Ensino Médio
a)
completo
b)
incompleto
Ensino Superior
a)
completo
b)
incompleto
Pós-graduação
a)
completo
b)
incompleto
5 – Naturalidade:
a)
Bichinho b) Tiradentes c) São João Del Rei
d) Prados e) São Paulo f) Outros:________________UF __
6 - Caso não tenha nascido em Bichinho, por que veio viver nesse povoado?
Ocupação principal: _______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
a) Masculino b) Feminino
a) Até 20 anos b) De 21 a 30 anos c) De 31 a 40 anos d Acima de 40 anos
106
7 - Qual a sua renda?
a)
Nenhuma b) De 1 a 900,00 c) De 900,01 a 1800,00
d) De 1800,01 a 2700,00 e) De 2.700,01 a 3.600,00 f) Mais de 3600,01
Percepções sobre o seu artesanato
8 - Para você, o que é artesanato?
9 - Você se considera um artesão?
Sim Não Por quê?
10 - Como você se tornou um artesão e por quê?
11 - Qual sua ocupação antes de se tornar um artesão?
12 - Descreva como é o seu artesanato.
13 - Qual significado do seu artesanato, para você?
14 - Como você avalia a qualidade do seu artesanato?
107
15 - Você considera o seu trabalho uma arte? Por quê?
16 - Há quanto tempo você trabalha com artesanato?
17 - Como você divulga seu artesanato?
Processo de trabalho
18 - De onde vem sua matéria prima principal?
19 - Como é sua forma de trabalho?
20 - Descreva a organização do seu trabalho. (Quem faz o quê?)
21 - A maior parte de suas vendas são para:
22 - Na sua percepção, qual é a proporção das suas vendas diretas:
a) Bichinho b) Arredores de Bichinho c) Distante de Bichinho
Local: _______________
a) sozinho b) alguns ajudantes c) colaboradores em suas próprias casas d) cooperativa
e)
Outra forma. Qual? ________________________
a) Bichinho b) Prados c) Tiradentes d) São João Del Rei e) SP f) BH
g)
Interior de MG g) Outros Estados h) Exterior
A – Mais da metade de vendas
B – Menos da metade de vendas
C – Nada
Turistas Comerciantes Atravessadores População local
a) Até um ano b) De 1 a 5 anos c) De 6 a 10 anos d) Acima de 10 anos
108
23 - Como se dá a venda de seu artesanato:
24 - Na sua percepção, a maioria dos turistas em Bichinho são de:
25 - Como é calculado o preço para
26 - Nessa profissão de artesão, quais os maiores ganhos?
27 - Quais as maiores dificuldades?
28 - Qual a importância da venda de seu artesanato para a sua renda?
Percepção sobre o Turismo e seu impacto no Artesanato
29 - O turismo mudou o artesanato de Bichinho? Como?
30 - Qual a importância do turismo para seu negócio?
No varejo:
No atacado:
São João Del Rei Prados Tiradentes BH SP RJ
Outro. Qual ? ____________________
Turista:
Comerciante:
Uso local:
muito importante importante pouco importante sem importância
muito importante importante pouco importante sem importância
109
31 - Qual sua opinião dos turistas sobre o seu artesanato?
32 - Qual a influência da opinião dos turistas sobre seu artesanato
Sugestões para o artesanato de Bichinho
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
110
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
TURISTAS NA COMUNIDADE DO BICHINHO
1- Sexo:
a)
Masculino b) Feminino
2- Escolaridade
a) ( )Sem estudo
Fundamental
1ª a 4 ª a)
completo
1ª a 4 ª b)
incompleto
Fundamental
5ª a 8ª a)
completo
5ª a 8ª b)
incompleto
Ensino Médio
a)
completo
b)
incompleto
Ensino Superior
a)
completo
b)
incompleto
Pós-graduação
a)
completo
b)
incompleto
3- Qual a sua renda?
a)
Nenhuma b) De 1 a 900,00 c) De 900,01 a 1800,00
d)
De 1800,01 a 2700,00 e) De 2.700,01 a 3.600,00 f) Mais de 3600,01
4- Qual a sua residência permanente?
a)
Belo Horizonte b) Tiradentes c) São João Del Rei
d)
Prados e) São Paulo f) Outros:______________UF __
5- Você já conhecia o local?
a)
Não, é a primeira vez b) Sim, já veio até 3 vezes c) Sim, já veio mais de 3 vezes
6 - Você visitou outro município antes de vir para este distrito?
a)
Sim. Qual?___________________________________________ b) Não
7- Daqui, você irá para outro município turístico?
a)
Sim. Qual?___________________________________________ b) Não
8- Quanto tempo irá ficar neste distrito?
a)
Menos de 1 dia b) De 1 a 3 dias c) Mais de 3 dias
9 -Como você “descobriu” Bichinho?
a)
Jornais b) Internet c) Publicidade
a)
Agências de turismo b) Boca-a-boca c) Outros ________________
10 - Qual o motivo de sua vinda a Bichinho?
11 - Você já conhecia o artesanato de Bichinho? Como?
12 – Para você, qual o significado do artesanato de Bichinho?
111
13 – E a qualidade do artesanato de Bichinho, como você avalia?
14 – O que você acha dos preços do artesanato de Bichinho?Por quê?
Sugestões para o artesanato de Bichinho.
112
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
LIDERANÇAS FORMAIS E INFORMAIS DA COMUNIDADE DO BICHINHO
PERFIL
1 - Nome:
2 - Ocupação:
3 - Naturalidade
4 - Caso não tenha nascido em Bichinho, por que veio viver nesse povoado?
Percepção sobre a comunidade de Bichinho
5 - O que você sabe sobre a história desse povo?
6 - Como Bichinho é visto por Prados , hoje?
7 - E antigamente, como Bichinho era visto por Prados?
_______________________________________________________________________________________
a) Bichinho b) Prados c) ( ) Tiradentes d) BH e) São João Del Rei
f)
Interior de MG g) São Paulo h) Outros ___________________
_______________________________________________________________________________________
113
8 - Como Bichinho é visto por Tiradentes, hoje?
9 - E antigamente, como Bichinho era visto por Tiradentes?
10 - Quais os principais problemas enfrentados em Bichinho?
11 - Quais são os pontos fortes desse povoado?
Percepção sobre o artesanato de Bichinho
12 - Conte a história do começo do artesanato em Bichinho. Como ele se desenvolveu?
13 - Qual o significado do artesanato para a comunidade?
Percepção sobre o turismo de Bichinho
14 - Quais os impactos do turismo no artesanato de Bichinho?
Na Produção:
Na organização do trabalho:
Na comercialização:
114
15 - Os efeitos do turismo no artesanato de Bichinho geraram outros efeitos na comunidade?
16 - O que a prefeitura de Prados vem fazendo para o turismo em Bichinho?
17 - E a comunidade, o que vem fazendo?
Sim Não Quais?
Emprego:
Renda:
Meio Ambiente:
Sociedade:
Qualidade de Vida:
Imagem de Bichinho:
115
APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
LIDERANÇAS RELEVANTES DA COMUNIDADE DE PRADOS
Perfil
Percepção sobre Bichinho
4 - Conte o que sabe sobre a história de Bichinho e seu povo.
5 -Como Bichinho é visto por Prados? Sempre foi assim?
6 - E como o artesanato de Bichinho é visto em Prados? Sempre foi assim?
7 -Quais os principais problemas enfrentados em Bichinho?
8 - Quais os pontos fortes desse povoado?
1 - Nome: ______________________________________________________________________________
2 - Cargo que ocupa: _____________________________________________________________________
3 - Naturalidade: ____________________________________
116
Percepção sobre o turismo de Bichinho
9 - Quais os impactos do turismo no artesanato de Bichinho?
10) Os efeitos do turismo no artesanato geraram outros efeitos na comunidade?
11 - O Que a prefeitura de Prados vem fazendo para o turismo em Prados?
12 - E a comunidade, o que vem fazendo?
Na Produção:
Na organização do trabalho:
Na comercialização:
Sim Não Quais?
Emprego:
Renda:
Meio Ambiente:
Sociedade:
Qualidade de Vida:
Imagem de Bichinho:
117
APÊNDICE E – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
LIDERANÇAS RELEVANTES DE TIRADENTES
Perfil
Percepção sobre Bichinho
4 - Fale um pouco sobre a história de Bichinho.
5 - Como Bichinho é visto por Tiradentes? Sempre foi assim?
6 - Quais os principais problemas enfrentados em Bichinho?
7 - Quais os pontos fortes desse povoado?
1 - Nome: ______________________________________________________________________________
2 - Cargo que ocupa: _____________________________________________________________________
3 - Naturalidade: ____________________________________
118
Percepção sobre o turismo de Bichinho
8 - Quais os impactos do turismo no artesanato de Bichinho?
9 - Os efeitos do turismo no artesanato geraram outros efeitos na comunidade?
Sim Não Quais?
Emprego:
Renda:
Meio Ambiente:
Sociedade:
Imagem de Bichinho:
Na Produção:
Na organização do trabalho:
Na comercialização:
119
APÊNDICE F – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS COM
PROPRIETÁRIOS, GERENTES E ARTESÃOS DA OFICINA DE AGOSTO
Perfil
1 - Nome:
2)Naturalidade:
3)Caso não tenha nascido em Bichinho, como chegou a esse povoado.
Percepção sobre a Oficina de Agosto
4 - Como surgiu a Oficina de Agosto?
5 - Como ela funciona?
6 - Como se mantém?
7 - Qual o tipo de artesanato produzido na Oficina de Agosto?
_______________________________________________________________________________________
120
8 - Como a oficina de Agosto relaciona com a comunidade de Bichinho?
9 - O que mudou em Bichinho, depois da instalação da Oficina de Agosto?
Percepção sobre o turismo em Bichinho
10 - A Oficina de Agosto pode ser considerada um atrativo turístico? Por quê?
11 - O turismo em Bichinho é significativo no campo econômico?
121
APÊNDICE G – FOTOS
Oficina de Agosto
122
Artesanato da Oficina de Agosto
123
Galpão da Oficina de Agosto
124
Bonecas da Oficina de Agosto
125
Gerente da Oficina de Agosto: Lili
126
Artesão do Bichinho
127
Artesão do Bichinho: Cláudio
128
Mapa do Povoado de Bichinho
128
129
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R119c Fontes, Sheila Rachid Mendes
2006 Turismo e artesanato: o caso de Bichinho em Prados / MG /
Fontes, Sheila Rachid Mendes – 2006.
128 f.: il.
Orientador: Nelson Antônio Vieira Quadros Filho
Dissertação (mestrado) – UNA – Centro Universitário Una,
2006.
Inclui bibliografia.
1. Turismo - impactos – teses. 2. Artesanato – teses.
3. Revitalização Turística. – teses. I. Nelson Antônio Vieira
Quadros Filho. II. UNA. III. Título.
CDU:
Ficha catalográfica elaborada por Janete M. de Oliveira – CRB-6/ MG –2069/03
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