Download PDF
ads:
CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA
A COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA POR MEIO DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UMA ALTERNATIVA NA BUSCA DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA
A EFETIVAÇAO DA COOPERACAO INTERFEDERATIVA POR MEIO
DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS: UMA ALTERNATIVA NA BUSCA DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifica Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do
Título de Doutor em Direito sob a orientação do Prof. Dr. Cláudio
Finkelstein.
São Paulo
2006
ads:
FOLHA DE APROVAÇAO DA BANCA EXAMINADORA
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Ari e Marialda, pela presença incondicional.
Aos irmãos, Carla e Claudio, pelas palavras de incentivo.
Ao Luiz Fernando, pelo amor e paciência.
À minha avó, querida, que do Céu zela por mim.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, agradeço pela colaboração e compreensão nas horas de necessária
reclusão e pelo amor nos momentos de tensão.
À amiga e parceira Professora Susana Mesquita Barbosa pela dedicação no
acompanhamento deste trabalho desde seu estágio embrionário e empenho sobre as atividades
profissionais quando de minhas necessárias ausências em razão da pesquisa.
Aos colegas da Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie
pelo suporte constante nos momentos de enfraquecimento, em particular os Professores Felipe
Chiarello e Túlio Augusto Afonso Tayano.
Aos Professores Gilberto Bercovici e Márcia Walquiria Batista dos Santos pelo carinho
no início e término da jornada.
Às amigas Viviani Moro, Camila Vidal, Irene Coutinho e Juliana Lyrio, que, mesmo à
distância, auxiliaram substancialmente no percurso deste caminho.
RESUMO
A presente tese analisa os aspectos teóricos e jurídicos dos Consórcios Públicos, visando
consagrar a possibilidade de fortalecimento do Estado brasileiro, e a efetivação da cooperação
interfederativa por meio dos consórcios públicos, enquanto instrumentos alternativos na busca
do desenvolvimento nacional.
Tal estudo mostra-se oportuno vez que, considerando a complexidade das atividades
estatais, requer-se, por parte do Estado brasileiro, um esforço cada vez mais intenso no que
tange à articulação, à estratégia e efetivação de novas técnicas organizativas que facilitem a
gestão procedente da coisa pública. Nesta perspectiva, o consórcio público apresenta-se como
medida alternativa, dentre os diversos instrumentos de cooperação interfederativa, de modo a
garantir um Estado mais receptivo à pluralidade de interesses da sociedade e ao
redimensionamento do atendimento das necessidades coletivas.
Observa-se, outrossim, que o consórcio público configura-se como modalidade de
associação interfederativa com vistas à implementação de interesses comuns, como declara o
art. 241 da Constituição Federal, cujo objeto é a concretização de políticas públicas em busca
do desenvolvimento nacional.
A relevância do tema funda-se no fato de que, pela Lei 11.1107/05, o consórcio público
foi regulamentado e trouxe inovações para a ordem jurídica sob diversos aspectos. A
originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela tentativa de construção
de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea doutrinária específica,
do tema na qual são observados os elementos teóricos e legislativos, inclusive os relativos à
discussão sobre as modalidades de Estado.
Justifica-se, ainda, porque a Administração Pública converteu-se em realizadora da
justiça material, o que permite identificar uma nova relação com a sociedade, assumindo a
concretização positiva das liberdades e necessidades públicas, por meio de prestações que
auxiliem o desenvolvimento de atividades em prol do engrandecimento geral, o que revela sua
relevância social. O objetivo principal da tese é demonstrar que é possível consagrar, jurídica
e teoricamente, os consórcios públicos como instrumento de fortalecimento dos vínculos de
cooperação intergovernamental. Objetiva-se, também, analisar como esta consagração
possibilita, em última instância, o fortalecimento da autonomia federativa, a partir do modelo
peculiar de Estado brasileiro, e da medida da descentralização administrativa, enfatizando o
exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade administrativa.
Dentre os resultados, o mais significativo foi o reconhecimento da atuação ampliada dos
consórcios públicos, pois foi demonstrado que os entes federativos poderão participar não só
na fase de prestação de serviços públicos, como, principalmente, no planejamento e
implementação de políticas públicas. Ressalta-se também que os consórcios públicos foram
instituídos no sistema jurídico nacional sem prejuízo de outras formas de cooperação e de
consorciamento já existentes, mas se for constituído consórcio público para os fins específicos
do art. 241, deverá este observar os ditames da Lei n° 11.107/ 05.
Por fim, comprovou-se a hipótese previamente levantada de que, o consórcio púbico,
analisado sob a perspectiva de instrumento político de Estado, atua, quando do processo de
escolha das decisões públicas, também como instrumento de descentralização administrativa,
por meio do qual atenderá, além do planejamento, também a implementação das ações
escolhidas.
ABASTRACT
To present tesis analyzes the theoretical and legal aspects of the Public Consortia
seeking to consecrate the possibility of invigoration of the Brazilian State, and the efective
interfederative cooperation through the public consortia, while alternative instrument in the
search of the national development.
Such a study is shown opportune time that, considering the complexity of the state
activities it is requested, by the Brazilian State, an effort more and more intense with respect
to the articulation, to the strategy and to the execution of new operative techniques that
facilitate the administration coming from the public matter. In this perspective, the public
consortium comes as alternative measure, among the several instruments of cooperation
betwen de federal members, in way to guarantee a more receptive State to the plurality of
interests of the society and the reorganization of the service of the collective needs.
It is observed, likewise, that the public consortium is configured as modality of
interfederative association with views to the implementation of common interests, as it
declares the article 241 of the Federal Constitution, whose object is the materialization of
public politics in search of the national development.
The relevance of the theme is founded in the fact that, for the Act 11.1107/05, the public
consortium was regulated and it brought innovations for the legal order under several aspects.
The originality is justified for the primarity of the study of the theme and for the attempt of
construction of a base theory, time that only a scarce specific doctrinaire collection exists,
which the theoretical and legislative elements are observed, besides the relative ones to the
discussion about the modalities of State.
It is justified, still, because the Public Administration changed in enterprising of the
material justice, the one that allows identify a new relationship with the society, assuming the
positive materialization of the freedoms and public needs, through installments that aid the
development of activities on behalf of the general enlargement, what reveals its social
relevance. The main objective of the theory is to demonstrate that it is possible to consecrate,
legal and theoretically, the public consortia as instrument of invigoration of the bonds of
intergovernamental cooperation. It is aimed at, also, to analyze as this consecration makes
possible, ultimately, the invigoration of the federal autonomy, starting from the peculiar
model of Brazilian State, and of the measure of the administrative decentralization,
emphasizing the exam on the associated administration for the installment of administrative
activity.
Among the results, the most significant was the recognition of the enlarged performance
of the public consortia, because it was demonstrated that the federal beings can participate not
only in the services rendered publics phase, as, mainly, in the planning and implementation of
public politics.
It is also emphasized that the public consortia were instituted in the national juridical
system without damage in other cooperation ways and of consorciamento already existent, but
if public consortium be constituted for the specific ends of the article 241, it will owe this to
observe the dictates of the Act 11.107/ 05.
Finally, it was proven the hypothesis previously lifted up that, the pubic consortium,
analyzed under the perspective of political instrument of State, it acts, when of the process of
choice of the public decisions, also as instrument of administrative decentralization, through
which will assist, besides the planning, also the implementation of the chosen actions.
RESUMÉ
La thèse analyse les aspects théoriques et juridiques des Syndicats Publiques, en
cherchant à consacrer la possibilité d'invigoration de l'Etat brésilien, et l'efetivation de la
coopération interfederaive à travers les consortiums publics, pendant qu'alternatif instrumente
dans la recherche du développement national.
Le temps opportun est montré à une telle étude qui, étant donné la complexité des
activités de l'état, il est demandé, de la part de l'Etat brésilien, un effort de plus en plus intense
en ce qui concerne articulation, à la stratégie et efetivação de nouvel organizativas des
techniques qui facilite l'administration qui vient de la chose publique. Dans cette perspective,
le syndicat publique vient comme mesure alternative, parmi les plusieurs instruments
d'interfederativa de la coopération, dans la façon de garantir un Etat plus réceptif à la pluralité
d'intérêts de la société et le redimensionamento du service des besoins collectifs.
Il est observé, également, que le sundicat publique est configuré comme modalité
d'interfederative association avec les vues à la mise en oeuvre d'intérêts communs, comme
déclare l'article 241 de la Constitution Fédérale dont l'objet est la matérialisation de politique
publique à la recherche du développement national.
La pertinence du thème est fondée dans le fait que, pour la Loi 11.1107/05, le syndicat
publique a été réglé et il a apporté des innovations pour l'ordre juridique sous plusieurs
aspects. L'originalité est justifiée pour le pioneirismo de l'étude du thème et pour la tentative
de construction d'une théorie basse, temps que seulement une collection du doctrinaire
spécifique rare existe, du thème dans le lequel les éléments théoriques et législatifs sont
observés, excepté les relatifs à la discussion au sujet des modalités d'Etat.
La thèse est justifié, encore, parce que l'Administration Publique a changé dans
entreprenant de la justice matérielle, celui qui permet identifie un nouveau rapport avec la
société, en assumant la matérialisation positive des libertés et besoins du public, à travers
acomptes qui aident le développement d'activités de la part de l'agrandissement général, que
révèle sa pertinence sociale. L'objectif principal est démontrer que c'est possible de consacrer,
juridique et théoriquement, les syndicats publiques comme instrument de vivification des
attaches de la coopération intergovernamental. Il est visé à, aussi, analyser comme cette
consécration fait possible, finalement, le vivification de l'autonomie fédérale, commencer du
modèle particulier d'Etat brésilien, et de la mesure de la décentralisation administrative,
accentuer l'examen sur l'administration associé pour l'acompte d'administrat de l'activité
Parmi les résultats, la plus considérable était la reconnaissance de la performance
agrandie des syndicates publiques, parce qu'il a été démontré que les existences fédérales
peuvent participer pas seul aux services a rendu la phase de publics, comme, principalement,
dans l'organisation et mise en oeuvre de politique publique. Il est aussi accentué que les
syndicates publiques ont été institués dans le système juridique national sans dégât dans
d'autres chemins de la coopération et de consorciamento déjà existant, mais si le consortium
public soit constitué pour les fins spécifiques de l'article 241, il devra ceci pour observer les
ordres de la Loi 11.107 / 05.
Finalement, elle a été prouvée précédemment l'hypothèse soulevée cela, le consortium
pubien, analysé sous la perspective d'instrument politique d'Etat, qu'il agit, quand du
processus de choix des décisions publiques, aussi comme instrument de décentralisation
administrative auquel aidera excepté l'organisation, aussi la mise en oeuvre des actions
choisies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14
PARTE I
A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E A INTEGRAÇÃO DE SUAS COMPETÊNCIAS
CAPÍTULO I - O FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL:
A REALIDADE BRASILEIRA
1. A federação como modelo organizativo de Estado ....................................................................... 22
1.1. A unidade do Estado federa ................................................................................................... 23
1.2. Federalismo dual e federalismo cooperativo ......................................................................... 25
2. O federalismo no contexto da evolução do Estado brasileiro ....................................................... 29
2.1. Federalismo de Cooperação na Constituição de 1988 ........................................................... 32
2.2. O princípio da subsidiariedade na federação brasileira .......................................................... 37
2.3. Planejamento e desenvolvimento nacional: a busca pela cooperação interfederativa ........... 41
2.4. Políticas Públicas enquanto atividade administrativa ............................................................ 46
2.5. Descentralização Administrativa e Contextualização das tarefas públicas ............................ 49
CAPÍTULO II – INTEGRAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS: TENDÊNCIA À ASSOCIAÇÃO
1. Introdução ..................................................................................................................................... 56
2. Repartição Constitucional de Competências e a busca do equilíbrio nas relações interfederativas...57
2.1. Descentralização do poder político......................................................................................... 63
2.2. O papel dos Estados-Membros na federação brasileira.......................................................... 66
2.3. A municipalização após a Constituição Federal de 1988 ....................................................... 67
3. Tendência à associação interfederativa na evolução legislativa brasileira.................................... 76
3.1. Modelos Constitucionais de Associação Interfederativa ....................................................... 79
PARTE II
ASPECTOS RELEVANTES À TEORIZAÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS
CAPÍTULO I – COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA POR MEIO DE CONVÊNIOS E
CONSÓRCIOS
1. O desafio da atuação estatal: construção de novos paradigmas..................................................... 97
2. A gestão associada como forma de parceria: soma de esforços ................................................. 101
3. Convênios e Consórcios: noções teóricas................................................................................... 112
3.1. Convênios ............................................................................................................................ 115
3.2. Consórcios Administrativos.................................................................................................. 119
3.21. Consórcios Públicos .................................................................................................... 122
CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO ESTRANGEIRO PARA O EXAME DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS
1. Considerações introdutórias relevantes ...................................................................................... 129
2. Direito Estrangeiro...................................................................................................................... 130
3. Contribuições do direito estrangeiro para o direito nacional....................................................... 145
PARTE III
A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS
CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS LEGISLATIVOS
1. A sede normativa adequada: bases constitucionais .................................................................... 149
2. Possibilidade de novo tratamento legal: a disciplina por meio de lei federal.............................. 151
CAPÍTULO II – PERSONIFICAÇÃO DO CONSÓRCIO PÚBLICO
1. Regime jurídico próprio: o surgimento de nova espécie de pessoa jurídica................................ 155
2. Consórcio público de direito público: consórcio público-público .............................................. 157
3. Consórcio público de direito privado: consórcio público-privado ............................................. 179
CAPÍTULO III - CONTRATO DE CONSÓRCIO PÚBLICO
1. Uma das fases do ato constitutivo.................................................................................................. 185
CAPÍTULO IV– QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES
1. Fiscalização pelo Tribunal de Contas.......................................................................................... 194
2. Responsabilidade Civil ............................................................................................................... 195
3. Licitação: novas regras ............................................................................................................... 197
4. Aplicação legislativa às situações jurídicas pré-existentes.......................................................... 198
CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 200
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 207
ANEXOS ........................................................................................................................................... 217
14
INTRODUÇÃO
As últimas décadas têm sido marcadas, no que diz respeito à Reforma do Estado,
pela substituição do modelo de intervenção pelo modelo de regulação e promoção de políticas
públicas.
A idéia de ineficiência e ineficácia da máquina administrativa impulsionou uma
série de inovações legislativas, voltadas, substancialmente, para a criação e regulamentação
de mecanismos operacionais que visam a efetivação dos objetivos republicanos declarados
com a Constituição de 1988. O Estado brasileiro deve buscar formas de adaptação deste
contexto em prol do desenvolvimento nacional.
Particularmente, a reforma administrativa realizada nos anos 90 proporcionou
mudanças significativas que culminaram na revisão dos mecanismos de tomada de decisão do
aparelho estatal. Orientou-se à descentralização administrativa como resposta ao monopólio
administrativo estatal, às exigências de responsabilização dos agentes públicos e à abertura do
Estado na participação e no controle social.
Organizações privadas dispostas a entregar o bem coletivo como parceiras do
Estado proliferaram.
Entretanto, os resultados obtidos não vêm sendo satisfatórios. Constatou-se que
afastar o próprio Estado da atividade administrativa ou desenhar modelos organizacionais
múltiplos não cumpriu as exigências de atendimento do interesse público.
É preciso reconhecer que a complexidade das atividades estatais requer esforço
cada vez mais intenso no que tange à articulação, à estratégia e efetivação de novas técnicas
organizativas que facilitem a gestão procedente da coisa pública. Afinal, o Estado
contemporâneo
1
tem como traço característico o poder de coordenar e conduzir a sociedade,
que se traduz num poder sob a perspectiva governativa.
Nesta perspectiva, o consórcio público apresenta-se como medida alternativa a um
Estado mais receptivo à pluralidade de interesses da sociedade e ao redimensionamento do
atendimento das necessidades coletivas.
1
O critério aqui utilizado é o cronológico, sem qualquer pretensão técnica.
15
Assim, o Consórcio Público configura-se como modalidade de associação
interfederativa com vistas à implementação de interesses comuns, como declara o art. 241 da
Constituição Federal. Pensa-se, assim, no consórcio público como instrumento adequado à
concretização de políticas públicas no Estado brasileiro. Sua regulamentação por meio da
publicação da Lei 11.1107/05 inovou a ordem jurídica pátria sob diversos aspectos.
No perfil de cooperação mútua entre os entes federados incrementado a partir da
Constituição de 1988 incentiva-se a conjugação de esforços para realização de interesses
comuns, a fim de cumprir os objetivos federativos de fortalecimento nacional, seja pela
erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades nacionais. O fato é que se busca
com a associação interfederativa o desenvolvimento do Estado nacional.
A Constituição de 1988 incrementou o perfil de cooperação mútua entre os entes
federados e incentivou a instituição de medidas que, em um conjugação de esforços para
realização de interesses comuns, permitissem alcançar os objetivos federativos de
fortalecimento nacional, seja pela erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades
nacionais. O que se observa, é a associação interfederativa promove o desenvolvimento do
Estado nacional.
Por meio da análise da evolução histórica , desde a Constituição do Império, dos
modelos organizacionais escolhidos pelo Estado brasileiro, até 1988, constata-se a atuação
fragmentada do poder público na concretização dos interesses da coletividade. Neste
processo, observa-se que a falta de integração e a desarticulação entre os entes da federação
foram características constantes no modelo nacional.
Por tratar-se de tema que envolve discussão mais aprofundada a respeito do
Estado Brasileiro, a interdisciplinaridade é essencial para seu exame. Faz-se necessário,
assim, a pesquisa teórica relacionada à Teoria do Estado, ao Direito Constitucional e ao
Direito Administrativo, vez que a associação interfederativa tem inserção sobre todas essas
áreas.
Na perspectiva de que tanto Estado quanto Administração Pública contornam-se
pela dinâmica social, evita-se falar em “crise do Estado” ou “crise da Administração Pública”.
Nessa dinâmica, devemos observar que a busca pelo bem-comum é incessante, todavia, os
interesses que formam esse bem-comum estão em constante evolução.
16
Assim, a complexidade dessa dinâmica social exige do Estado acompanhamento e
resposta às demandas, tanto pela revisão de postulados teóricos, quanto pela criação e uso de
instrumentos de ação positiva.
Percebe-se que a institucionalização dos consórcios públicos proporciona o
fortalecimento dos vínculos de cooperação intergovernamental. Desta forma, para análise do
tema, necessário se faz a a teorização destes instrumentos, a fim de aperfeiçoá-los enquanto
ferramenta de relação interfederativa.
O objetivo principal da tese é demonstrar que é possível consagrar, jurídica e
teoricamente, os consórcios públicos como instrumento de fortalecimento dos vínculos de
cooperação intergovernamental. Objetiva-se, também, analisar como esta consagração
possibilita, em última instância, o fortalecimento da autonomia federativa, a partir do modelo
peculiar de Estado brasileiro, e da medida da descentralização administrativa, enfatizando o
exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade administrativa.
Dentro dos espaços de autonomia dos entes federativos definidos pela
Constituição devem-se articular sistemas institucionais de tomada de decisões próprios do
Estado Democrático de Direito e, assim, pretendemos demonstrar que cada opção política
pode exercitar o poder institucional para proceder à transformação social segundo programas
políticos voltados à sociedade e que, neste sentido, a autonomia federativa pode ser entendida
como sinônimo de democracia e liberdade pública.
Devido a estas considerações teóricas, a pesquisa propõe-se a demonstrar que
houve o resgate do entendimento dos entes federativos como originários gestores de políticas
públicas por meio da constituição de consórcios públicos. Especificamente, a análise volta-se
para o resgate do conceito do próprio federalismo brasileiro.
A maior dificuldade ao longo da pesquisa esteve relacionada à inexistência de
bibliografia sedimentada, vez que se trata de novidade inserida há pouco mais de um ano no
ordenamento jurídico pátrio positivo. Desta forma, para a realização do trabalho partiu-se da
análise de teorias clássicas a fim de consolidar o entendimento sobre o tema, e, somente após
esse trabalho realizar a pesquisa na literatura especifica recente. Justificam-se, assim, as
inúmeras referências eletrônicas obtidas pela internet que, em razão da velocidade com que as
informações são publicadas, permitiu um acompanhamento mais dinâmico da evolução
teórica acerca do tema em discussão. Sem dispensar, por óbvio, o material específico
impresso que foi publicado até a data do fechamento desta pesquisa.
17
Objetiva-se, a partir de um ponto de vista distinto do tradicional, mas de acordo
com os parâmetros constitucionais e legais, abordar o tema de modo que se permita delimitar
e consolidar a funcionalidade do instrumento jurídico, vez que o consórcio público tem
configuração própria e, portanto, distinta das associações municipais, regiões metropolitanas
ou qualquer outro instrumento de cooperação e gestão associada inseridos no ordenamento
jurídico.
Objetiva-se, em última instância, demonstra a consagração da autonomia
federativa, a partir do modelo peculiar de Estado brasileiro, e a medida da descentralização
administrativa, enfatizando o exame sobre a gestão associada para a prestação de atividade
administrativa, no qual se insere o consórcio público e, por isso, é preciso restabelecer a
capacidade de gestão das políticas públicas pelos próprios entes federados e, acima de tudo, a
capacidade de compartilhamento de interesses comuns.
A relevância e a oportunidade da pesquisa fundam-se no fato de que, pela Lei
11.1107/05, o consórcio público foi regulamentado e trouxe inovações para a ordem jurídica
sob diversos aspectos. A originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela
tentativa de construção de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea
doutrinária específica, do tema na qual são observados os elementos teóricos e legislativos,
inclusive os relativos à discussão sobre as modalidades de Estado.
Justifica-se, ainda, porque a Administração Pública converteu-se em realizadora da
justiça material, o que permite identificar uma nova relação com a sociedade, assumindo a
concretização positiva das liberdades e necessidades públicas, por meio de prestações que
auxiliem o desenvolvimento de atividades em prol do engrandecimento geral, o que revela sua
relevância social.
Neste contexto, à Administração Pública cabem tarefas de maior responsabilidade,
as quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta (quando não impossibilita) o
resultado produtivo. Então, buscam-se modalidades alternativas de cooperação mútua, por
meio de pactos firmados entre pessoas políticas, para a consecução de interesses públicos.
Enfim, o que se pretende é fundamentar a possibilidade de fortalecimento do
Estado brasileiro, na figura particionada de seus entes para a gerência de interesses, e, para
isso, apresentar alguns instrumentos jurídicos que podem e devem ser usados para
proporcionar o desenvolvimento regional, como as regiões metropolitanas e as associações
municipais, que, junto aos consórcios públicos, somam forças para concretizar a preocupação
18
expressa no texto constitucional sobre a política de estímulo ao desenvolvimento de regiões
menos favorecidas.
Em suma, a finalidade jurídico-social desta pesquisa, é fomentar o estudo para a
efetiva utilização dos consórcios públicos não somente para a prestação de serviços públicos,
mas, principalmente, como mais um instrumento alternativo que proporcione a associação
interfederativa, enquanto descentralizados centros de decisão política, para que, juntos,
consigam desenvolver projetos e ações de consolidação do bem-estar da sociedade
Somente por meio de trabalhos múltiplos e concentrados, por todo país, será
possível atingir os ideais de desenvolvimento nacional. O grande desafio é equacionar a
fórmula que, por meio do incentivo à descentralização administrativa, na busca pelo
desenvolvimento eqüitativo da Nação brasileira.
A originalidade justifica-se pelo pioneirismo do estudo do tema e pela tentativa de
construção de uma teoria de base, vez que somente existe uma escassa coletânea doutrinária
específica do tema, na qual são observados os elementos teóricos e legislativos, inclusive os
relativos à discussão sobre as modalidades de Estado.
É notável a importância dos convênios de cooperação e consórcios públicos, como
instrumentos para a efetiva concretização do ideal do federalismo cooperativo, por meio da
conjugação de esforços dos entes da Federação. Assim, imprescindível será o estudo
aprofundado de tão importante instrumento.
Para melhor exposição dos resultados obtidos na pesquisa, o texto foi construído e
disposto em Partes,, dentro das quais foram distribuídos capítulos cuja relação material
proporciona compreensão sistemática da área examinada.
A primeira denominada “A Federação brasileira e a Integração de suas
competências”, compreende os capítulos que examinam o peculiar modelo brasileiro de
federação cooperativa em busca do desenvolvimento nacional e a distribuição constitucional
das competências que, neste contexto, incentivam da associação interfederativa.
Encarregou-se aqui do estudo da federação brasileira em razão do modelo
organizacional que lhe é próprio, enfocando os propósitos traçados pela Constituição de 1988
que deverão ser alcançados por meio de medidas administrativas que incrementem a
implementação de políticas públicas.
Neste contexto, a análise da distribuição constitucional das competências permite
o resgate da autonomia do ente federado e da incumbência de cumprimento destas atribuições,
19
que muitas vezes não são passíveis de atendimento sem que haja colaboração interfederativa.
O texto constitucional está repleto de medidas que incentivam a cooperação entre os entes
federativos. Examinadas todas elas para que não restasse dúvida sobre a viabilidade e
cabimento dos instrumentos supervenientes pela redação do art. 241.
A segunda Parte, denominada “Aspectos relevantes à teorização dos consórcios
públicos” buscou construir elementos para a teorização dos novos instrumentos de cooperação
inseridos na ordem constitucional pátria pelo art. 241, e reuniu a doutrina especializada
nacional e estrangeira que auxiliasse na identificação e consolidação dos elementos
configurados dessas medidas associativas.
O art. 241 revisto pela Emenda Constitucional n. 19 trouxe não só os instrumentos
do consórcio público e do convênio de cooperação, mas principalmente a noção de “gestão
associada” que até então não se tinha notícia na legislação pátria. A compreensão desta
expressão é de fundamental importância para delimitação do objeto a que prestarão este
consórcio e convênio. Se fossem para serem tomados como mais um modo de delegação da
prestação dos serviços públicos, dispensável teria sido a revisão constitucional. Optou o
legislador constituinte derivado pela criação de duas novas opções.
Ressalta-se que até a publicação da Lei 11.107/05, disciplinando sobre os
consórcios públicos, a doutrina especializada teorizou sobre o tema considerando os
elementos clássicos dos consórcios e convênios administrativos. Entretanto, a Lei inovou em
pontos essenciais em relação à dogmática já estabelecida.
Com isso, importante foi a análise da legislação estrangeira sobre instrumentos
similares aos consórcios públicos, para auxiliar no conhecimento de referências teóricas
elementares para a caracterização do instrumento. Não se propõe o estudo do direito
comparado, mas sim o exame desses consórcios na legislação estrangeira, e como são
formatados.
Por fim, a terceira parte, denominada de “Regulamentação Jurídica dos
Consórcios Públicos”, incumbiu-se do exame sistematizado da Lei n. 11.107/05, dada a
repercussão da publicação que regulamentou o referido art. 241, disciplinando sobre os
consórcios públicos. As discussões acerca deste novo Diploma estão pontuadas sobre quatro
aspectos distintos: os pressupostos legislativos que justificaram a regulamentação do texto
constitucional, a personificação do consórcio público (que indubitavelmente é o item mais
20
inovador da Lei), o contrato de consórcio público e as questões jurídicas mais relevantes que
decorrem da aplicação legislativa.
Como regra, a publicação de lei nova, principalmente aquela que regulamenta pela
primeira vez algum instituto, tem a finalidade de pôr termo às divergências doutrinárias e
facilitar a aplicação aos casos concretos.
Mas esta lógica não foi observada pela Lei 11.107/05. Além de disciplinar sobre o
tema de modo bastante diverso do que se vinha indicando pela teoria e aplicando na prática,
ainda apresenta um grau de complexidade técnica que tem dificultado sua implantação.
Assim, para que seja facilitada a compreensão da proposta legislativa, o exame
enfocou no primeiro capítulo desta terceira parte as bases constitucionais que justificaram e
permitiram a edição da Lei em questão. Neste aspecto, apontam-se elementos que afastam
eventual argüição de inconstitucionalidade, seja formal (quanto à competência legislativa da
União federal para sua regulamentação), seja material (sobre a extensão do conteúdo trazido
pela lei).
Sem dúvida, a grande novidade do texto legal é a atribuição de personalidade
jurídica ao consórcio público, mas que na edição da Lei, por imprecisão da técnica do
legislador, confunde-se com a sua instrumentalização, ou seja, simultaneamente, a Lei trata da
criação de nova pessoa jurídica e do modo como esta operará no sistema.
Portanto, faz-se necessária a análise, em partes separadas, dos itens
correspondentes à personificação dos consórcios públicos, para, então, tratar da sua
instrumentalização, enquanto contrato administrativo.
Finalizada esta etapa, definindo e caracterizando o novo instrumento de
cooperação interfederativa inserido no sistema jurídico nacional, destacam-se questões
relevantes decorrentes da aplicação legislativa, que poderão tumultuar e dificultar a efetiva
implementação dessa medida. São elas: o controle pelo Tribunal de Contas, a
Responsabilidade Civil por ato do próprio consórcio público e de seus agentes, as alterações
nas regras do processo licitatório em que os consórcios públicos são parte e, por fim, a
questão sobre a coexistências de instrumentos associativos similares que foram instituídos
antes da publicação da Lei.
Esgotados todos os referenciais teóricos a que se propões esta pesquisa, parte-se à
conclusão final.
21
PARTE I
A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E A INTEGRAÇÃO DE SUAS
COMPETÊNCIAS
22
CAPÍTULO I
O FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO E O
DESENVOLVIMENTO NACIONAL: A REALIDADE BRASILEIRA
1. A Federação como modelo
2
organizativo de Estado
Para que seja cumprida a proposta deste capítulo, é preciso considerar,
previamente, que a forma de Estado estabelecida no modelo brasileiro considerou realidades
distintas que foram aplicadas sobre antigos conceitos, cujo resultado obtido tem sido
conturbado. Não se pretende revolucionar o conceito de sistema federativo, mas, sim, a partir
de uma realidade própria e objetiva, indicar melhorias e reavaliar os problemas.
Afinal, o Estado é, antes de tudo, uma organização. Organização de pessoas,
territórios, estrutura, atribuições e normas. Toma-se, neste contexto, o Estado como núcleo
que reúne a capacidade concentrada de deliberar politicamente, isto é, “capacidade de tomada
de decisões de forma a controlar, coordenar e dirigir a comunidade, em determinado contexto
histórico”
3
, considerando, inclusive, “questões de estrutura de valores dentro dos quais a vida
pública será conduzida; assim, da concepção de Estado decorrem conseqüências no contexto
das instituições públicas, sobretudo governamental e administrativa”
4
.
Considerando o modo como o poder é distribuído e organizado, importante
analisar o tema sob a ótica da Teoria Geral do Estado, que, inevitavelmente, absorve as
transformações da sociedade contemporânea, marcadas, dentre outros elementos, pela
fragmentação social e internacionalização da economia.
2
Como adverte Dalmo de Abreu Dallari, “ainda que se rejeite a expressão modelo, por outras conotações que
possa implicar, fica ressaltada a idéia de que o Direito, e conseqüentemente qualquer ordem jurídica deve ter
fundamento na experiência, refletindo a realidade social, o que não elimina a existência de normas eficazes, ao
mesmo tempo em que deixa aberto o caminho a uma permanente transformação” (DALLARI, Dalmo de Abreu.
Elementos de Teoria Geral do Estado 2003, p. 141)
3
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. 2002, p. 27.
4
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2003, p. 77.
23
De acordo com a doutrina tradicional, são duas as formas de Estado: unitário e
federal. Cada modelo é resposta a uma circunstância histórica ou político-social. Assim,
qualquer teoria que não inicie o estudo empírico de cada caso concreto estará distante de uma
ciência da realidade.
1.1. A unidade do Estado federal
Unidade é a característica essencial da forma de organização política a que se
denomina Estado. Logo, todo Estado é unitário. Por isso dizer que o federalismo é “uma
teoria política, uma técnica política cujo influxo se estende não só ao plano do Estado, mas
também ao âmbito social, cultural e a determinados fenômenos das relações internacionais”
5
.
Em nenhuma de suas formulações, o Estado federal é posto como antítese à
unidade; pelo contrário, o federalismo busca a unidade do múltiplo em respeito à pluralidade,
negando o absolutismo e afirmando a relatividade. Afinal, o Estado, em si, é uma unidade
organizada de decisão e ação. A idéia de unidade, nesta perspectiva, é inerente ao Estado.
Para José Juan Gonzáles Encinar “quando uma comunidade política se constitui
em Estado, quando os homens se agrupam politicamente em forma de Estado, o fazem
precisamente para conseguir uma unidade de paz, uma unidade de decisão e uma unidade de
poder”
6
.
Neste raciocínio, todo Estado é unitário porque busca a unidade para assegurar
que o convívio social se resolva por procedimentos juridicamente ordenados, o que, para
tanto, exige unidade de decisão sobre as normas e a unidade do poder que a garanta. Por isso
diz-se que mesmo “num Estado federal a unidade é o resultado de um processo de integração,
em que a autonomia não se limita a ser um objeto passivo (garantia), mas é, essencialmente,
sujeito ativo na formação desta unidade estatal (participação)”
7
.
Todavia, válido ressaltar que não se confunde a unidade do Estado com a
centralização de competências. O Estado, como forma de organização política capaz de
assegurar a unidade, existe em virtude de um mínimo de centralização, ou seja, “centralização
e descentralização não são duas alternativas contraposta, mas, sim, duas realidades presentes
5
GONZÁLES ENCINAR, José Juan. El Estado Unitario-Federal. 1985, p. 81.
6
Ibidem, p. 59.
7
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, p. 10.
24
sempre (como complementares), no âmbito da organização”
8
. Esta unidade de atuação não
significa, necessariamente, centralização. São duas as idéias em questão: a centralização e a
homogeneização. Gilberto Bercovicidiferencia-as explicando que:
[...] com a centralização há a concentração de poderes na esfera
federal, debilitando os entes federados em favor do poder
central; já a homogeneização é baseada na cooperação, pois se
trata do processo de redução das desigualdades regionais em
favor de uma progressiva igualação das condições sociais de
vida em todo o território nacional.
9
Em regra, a forma federativa de Estado é apresentada como modelo alternativo
aos Estados Unitários, ou seja, aqueles que concentram o centro de decisão política num único
pólo.
No entanto, ressalta-se que, uns dos propósitos do federalismo são a consecução e
manutenção da unidade e da diversidade de interesses de seus membros, ou seja, é afirmar que
“basicamente, a federação pretende a unidade na diversidade, procurando unir unidades
heterogêneas em torno de um conjunto de regras comuns, dando-lhes certa homogeneidade”;
mas, ao mesmo tempo, “pretende que essa unidade preserve a diferenciação entre os
elementos componentes da federação, respeitando a identidade cultural e política de cada
um”
10
.
A estrutura federativa pressupõe a diversidade de Governos que devem conjugá-
los harmonicamente, de forma dinâmica e que proporcionem resultado positivo no
desempenho de suas atribuições. O Estado federal é, na verdade, uma forma de
descentralização do poder, de descentralização geográfica do poder do Estado e, também, de
descentralização funcional do poder. A combinação destas “amplia, significativamente, o
sistema de proteção à liberdade e propicia a prática da democracia; pois, quanto mais perto
estiver a sede do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos, mais probabilidade existe o
poder de ser democrático”
11
.
Por isso, afirma-se não haver um conceito único de Estado federal capaz de dar
razão à variedade que existe na estrutura organizativa do Estado. Nele, os entes federados
8
GONZÁLES ENCINAR, José Juan. Obra citada. p. 109.
9
BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 57.
10
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. 1986, p. 51.
11
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. 1997., p. 383.
25
recebem da Constituição suas competências, seus poderes e atribuições de encargos, sem que
seja necessária complementação de lei infraconstitucional.
1.2. Federalismo Dual e Federalismo Cooperativo
Como referência teórica original, necessário o estudo dos modelos de federalismo
a partir da teoria norte-americana, e, depois, da alemã. Afinal, foram eles os inspiradores da
formatação federativa brasileira.
Um dos postulados básicos do federalismo norte-americano foi a criação de duas
esferas de decisão, dois centros de governo soberanos e iguais. Em outras palavras é afirmar a
independência recíproca em qualquer subordinação entre um e outro. Esta separação absoluta
de competências do federalismo foi denominada federalismo dualista ou dual.
O federalismo dual tem esta denominação por estabelecer duas esferas autônomas
no mesmo plano territorial: União federal e Estados-Membros. Conforme Roberta Camineiro
Baggio “a principal realização do federalismo dual norte-americano foi garantir a não-
intervenção estatal nos assuntos econômicos e a supremacia dos interesses privados,
utilizando como bandeira principal a defesa dos direitos políticos e civis”
12
.
Autonomia esta em razão do perfil não-interventor do Estado nas relações sociais
ou econômicas da comunidade. Ensina Dalmo de Abreu Dallari que:
[..] no caso norte-americano, o federalismo foi uma das causas
do estabelecimento do Estado rigorosamente não-
intervencionista, com todas as conseqüências dessa diretriz, o
que demonstra que a opção pela forma centralizada ou
federativa de Estado afeta pontos fundamentais da organização
social, política e econômica de um povo, com possíveis
repercussões sobre a vida de outros povos
13
.
Importante aqui destacar a relação articular entre a forma de Estado e o modo
interventivo nas relações sócio-econômicas da comunidade do Estado. É, de fato,
“inquestionável a existência de uma relação entre os modelos de Estado e as teorias das
12
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re)
formulação da federação brasileira. 2006, p. 35.
13
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal.1986, p. 42.
26
formas de atuação da Administração Pública, pois aquele modelo adotado em certo momento
e em certo local, guarda estreita relação com as funções pertinentes à respectiva
Administração Pública”
14
.
A intervenção do Estado na ordem econômica
15
representa redefinição de seu
papel e, diretamente, repercute na atuação da Administração Pública, pois “as modificações
no sistema federativo decorrem em muitos aspectos, das formulações econômicas, decorrentes
das novas noções sobre o próprio conceito de Estado e de suas tarefas”
16
. O Estado Liberal
organizou-se de maneira a cumprir funções referentes à segurança e organização institucional
administrativa, com a delimitação de poderes, apenas observando a ordem social,
preservando, basicamente, o caráter individualista da sociedade. Por tal razão, foi denominado
de “Estado Mínimo”.
O federalismo dual caracteriza-se, neste aspecto, pela não-intervenção do poder
público nas questões da ordem econômica em quaisquer esferas de poder.
Pontualmente, na histórica norte-americana, quando da crise do modelo liberal, o
Presidente Franklin Roosevelt determinou a redefinição do papel do Governo e implantou
nova política que concluiu pelo abandono do liberalismo e intervenção do Estado na vida
social. Com tal medida, inevitavelmente, houve um fortalecimento da unidade central
federativa. No entanto, “a centralização excessiva foi posta de lado quando o Governo Federal
se deu conta da necessidade de colaboração dos poderes subnacionais para realização do
14
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 62.
15
Examinar as formas de intervenção estatal no domínio econômico mostra-se relevante sob o aspecto
organizacional adotado. Teoricamente, distinguem-se radicalmente dois tipos de organização econômica: a
primeira é a chamada economia descentralizada, que se caracteriza pelo primado das leis de mercado, na qual o
Estado exerce somente uma intervenção indireta e global, precisamente para preservar-se das práticas que
possam distorcê-lo; outra é a economia centralizada, na qual o Estado é o centro de todas as decisões, efetuando
um planejamento dominante e irrefragável, em que as normas jurídicas tentam impor-se sobre as leis econômicas
na suposição de discipliná-las. De uma forma ou de outra, a função do Estado é zelar pelo interesse geral. Para
José Alfredo de Oliveira Baracho “a intervenção do Estado contemporâneo é um dado que não se pode ser
abandonado, quando se fala em federalismo. A sua presença é constante em todos os estudos dedicados à
transformação por que passam todos os modelos de federalismo. Como característica moderna, que aponta o
crescimento contínuo da atividade econômica estatal, o federalismo não poderia deixar de sofrer a influência
proveniente das formas de intervenção. As Constituições, refletindo essas tendências, passaram a conter extensa
ordem constitucional-econômica. Dessa ampliação do conteúdo das constituições, surgiram a necessidade de
atualização de muitas instituições para que pudessem satisfazer as solicitações emanadas dos textos
constitucionais. As entidades componentes da Federação sofreram, em profundidade, em sua estrutura, para
atendimento das novas medidas provenientes de nova concepção do próprio Estado, que passava a alargar os
processo de condicionamento da atividade econômica” (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do
Federalismo. 1986, p. 243).
16
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 236.
27
programa proposto: passou-se a enfatizar não mais a competição, mas a coordenação e
cooperação entre União e Estados”
17
.
No modelo norte-americano, “o aumento da intervenção do governo central nas
questões sociais pôs em crise a concepção do federalismo dual, abrindo espaço para uma nova
configuração das relações federativas, denominada federalismo cooperativo”, isto é, “no
período do federalismo cooperativo, os Estados-membros sempre contribuíram na execução
dos programas sociais, porém, a responsabilidade central pela elaboração e manutenção de
tais programas era do governo central”.
18
Na análise de Janice Helena Ferri, entre as muitas interpretações do federalismo
americano, as mais destacadas foram o federalismo dualista e o federalismo cooperativo,
porque:
[...]o primeiro deles teve o seu papel para limitar a atividade
normativa estatal, uma vez que nesse modelo, tanto o governo
federal quanto os Estados são soberanos em suas próprias
esferas de atividade; já o federalismo cooperativo estabeleceu
uma interação federal-estadual, para a definição de alguns
objetivos comum
19
.
Segundo Sueli Gandolfi Dallari, “o federalismo cooperativo introduziu a
possibilidade de execução conjunta das tarefas governamentais, admitindo, portanto, a
participação de mais de uma esfera política nesse trabalho”
20
.
Sob qualquer hipótese, o federalismo de cooperação propõe a atuação do estatal,
não só normativamente, mas também exercendo tarefas concretas a fim de atender ao
interesses populares.
De outra parte, em razão deste intervencionismo, o Estado teve que assumir
funções e tarefas que até então não lhe competiam. Assim, para que fosse possível o amparo
clamado pela sociedade, necessária foi a colaboração entre as unidades federadas – Governo
central e periférico – para satisfação desses interesses. Falava-se, então, em federalismo
cooperativo. Destaca-se, todavia, que a passagem do período não-intervencionista para o
intervencionista ocorreu gradualmente.
17
BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 21.
18
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada, pp. 44 - 58.
19
FERRERI, Janice Helena. A federação in Por uma nova federação. Celso Ribeiro Bastos (Coordenador).
1995, p. 21.
20
DALLARI, Sueli Goandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. 1995, p. 39.
28
Logo, de maneira evolutiva, constatou-se no Estado Social o clamor da sociedade
pela atuação mais próxima por parte do Estado. Diversas atividades, antes própria da
iniciativa privada, foram assumidas pelo poder público.
Como conseqüência, quase inevitável, com a ampliação da sua esfera de atuação e
subseqüente impossibilidade de cumprimento, o Estado redefiniu o modelo de
intervencionismo na vida social reduzindo os limites entre o público e o privado, vendo
estimulada sua atitude intervencionista, pelos grupos que a ele se opunham.
Seguiu-se ao Estado Democrático de Direito
21
, cujo modelo prevê mecanismos de
contenção do poder, destinados a assegurar um mínimo de ação estatal, deixando aos próprios
indivíduos a tarefa de promoção de seus interesses, conforme exigências da comunidade sobre
circunstâncias próprias; e, ao governante, cabendo a eles a decisão pelas diretrizes
fundamentais do Estado.
Numa referência diversa, sob a ótica do federalismo alemão, o conceito de
federalismo cooperativo designa a cooperação dos Estados entre si e dos Estados com a
federação, já que a cooperação é imanente ao federalismo, e não como alternativa ao fracasso
dualista do modelo norte-americano. Para Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder e
Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo
[..]expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e
cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a
colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a
desempenhar em benefício dos cidadãos [...] (pois) na medida
em que há coordenação e cooperação na federação, há várias
formas de interdependência entre os agentes nos diversos
âmbitos e nos diferentes planos de ação
22
.
Ainda sobre o federalismo na Alemanha, Joachin Jens Hess ensina que a principal
característica deste modelo é a interdependência dos vários níveis de Governo, ou seja, “a
estrutura do sistema intergovernamental da Alemanha Ocidental é caracterizada por um
21
Sobre este modelo, acresce Odete Medauar que “as dimensões social, democrático e de direito caracterizam os
Estados contemporâneos do mundo ocidental. Mesmo que a Constituição não preveja o termos “social” agregado
aos qualificativos democrático e de direito, como ocorre na brasileira, indubitável é a preocupação social,
extraída do conjunto de preceitos aí contidos. A experiência de Estados caracterizados constitucionalmente pela
tríplice dimensão, que hoje desfrutam de elevado nível econômico, social e de respeito aos direitos
fundamentais, demonstra a possível conciliação, na prática, dos três elementos”. (MEDAUAR, Odete. O direito
administrativo em evolução. 2003, p. 109).
22
ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no federalismo
cooperativo in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 107.
29
extenso entrelaçamento e interdependência entre os níveis de governo e pela coordenação e
cooperação entre os governos federal, estaduais e locais”
23
.
De forma neutra, independentemente da Nação tomada em referência, analisando
o federalismo na atualidade, adverte Gilberto Bercovici que “as tensões do federalismo
contemporâneo, situadas basicamente entre a exigência da atuação uniformizada e harmônica
de todos os entes federados e o pluralismo federal, são resolvidas em boa parte por meio da
colaboração e atuação conjunta das diversas instâncias federais”
24
.
Do mesmo modo, diz Daniel J. Elazar que “reflete no esforço de tratar do
problema de criar e de manter a unidade onde a diversidade das políticas deve ser acomodada
e, ao mesmo tempo, é uma expressão do interesse e do esforço em tentar impedir a
concentração simples do poder em um único centro”
25
.
Em síntese é possível afirmar que o federalismo, enquanto forma organizativa de
Estado,
[...]deve cumprir, sobretudo duas funções: a divisão do poder
por meio de separação vertical dos poderes (e a proteção das
minorias por meio da independência territorial) e a integração
de sociedades heterogêneas, onde se aspira preponderantemente
à inclusão econômica (mas também política) com a simultânea
independência sócio-cultural e autonomia políticas dos estados-
membros.
26
Estabelecidos os elementos significativos para a compreensão acerca da forma
federativa de Estado e suas modalidades, passa-se a compreensão deste modelo na evolução
organizativa da Nação brasileira.
2. O federalismo no contexto da evolução do Estado brasileiro
A forma federativa foi instituída no Brasil por meio de ato legislativo (Decreto n.
01, de 15 de novembro de 1889), quando as Províncias foram transformadas em Estados e a
Constituição de 1891, modelado no sistema dualista da Constituição norte-americana,
23
HESSE, Joachin Jens. República Federal da Alemanha: do federalismo cooperativo à elaboração de política
conjunta in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 118.
24
BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. 2004, 58.
25
ELAZAR, Daniel J. Expolring Federalism. 1991, p. 40.
26
SCHULTZE, Rainer-Olaf. Federalismo in Federalismo na Alemanha. 1995, p. 15.
30
consagrou os Governos Federal e Estaduais. Apesar da relevância social das municipalidades,
não foram os Municípios contemplados pela autonomia federativa.
Constituiu este texto constitucional, a reestruturação total das bases políticas,
administrativas e jurídicas do país: regime de Governo a República Federativa, o
presidencialismo, o voto para os maiores de vinte e um anos, a repartição dos poderes em três
níveis: executivo, legislativo e judiciário e a indissolubilidade da federação.
A crítica de Janice Helena Ferreri aponta que
[...] historicamente, justifica-se a influência dos ideais do
federalismo americano sobre os republicanos brasileiros, mas é
importante ressaltar que tal influência culminou na mais
absoluta alienação constitucional, uma vez que tornou-se
praticamente impossível adaptar os fatos da realidade, ao
modelo importado, produto de cultura diversa, inspirada pelo
direito anglo-saxão e gerado por uma conjuntura histórica
inteiramente distante do mundo latino-americano
27
.
Somente no texto constitucional de 1934, a federação brasileira distribuiu as
competências concorrentes, enfatizando a solidariedade entre União e Estados. Todavia, na
prática, não houve transferência de autonomia política dos Estado, mas, sim, pelas oligarquias
regionais; houve favorecimento de alguns Estados, proporcionando desenvolvimento
desequilibrado e disforme. Com caminho aberto para a democracia social, a partir de 1934, o
federalismo pátrio caracterizou-se pelo auxílio nos investimentos, subsídios e incentivos da
União federal e estados membros a fim de cumprir os anseios sociais descritos na carta
política.
Com o Estado Novo, em 1937, foi decretada intervenção federal nos Estados. A
proposta do Governo de Getúlio Vargas foi a modernização do país por meio da
industrialização. Com isso, deu-se uma forte centralização que neutralizou o poder das
oligarquias regionais, além da criação de uma estrutura estatal maior que pudesse substituir a
ação dessas oligarquias. Pelo que se observa, a República Federativa foi mantida, mas com
um forte caráter centralizador da União.
A Constituição de 1937 aumentou os poderes do Presidente da República,
concentrando o aparato administrativo e político na esfera federal. Conseqüentemente, pela
27
FERRERI, Janice Helena. Obra citada. 1995, p. 15.
31
neutralização política dos entes federados e “com a deterioração de toda e qualquer autonomia
dos Estados e Municípios, a ditadura militar não só transformou o sistema federativo
brasileiro em algo impraticável, como também reforçou as elites regionais, ficando refém de
seus interesses”
28
.
Portanto, no período que compreendeu as décadas de 30 e 40, a federação
brasileira passou do modelo cooperativo, incentivado pela união dos Governos central e
periférico, para o chamado federalismo de centralização
29
com acúmulo de poder nas mãos da
União Federal, centralizando as competências constitucionais a cargo do poder central em
detrimento dos Estados-Membros.
Nas duas décadas que se seguiram, entre os anos 45 e 64, a organização federativa
de Estado sempre foi formalmente mantida.
A Constituição de 1946 resgatou o federalismo cooperativista, com objetivo muito
claro de reduzir as desigualdades regionais que se apresentaram, como conseqüência do
desequilíbrio federativo praticado até então. A questão regional ganhou força como política
desenvolvimentista, a partir da colaboração de todos os entes federados em busca da
integração nacional. Aumentou a autonomia dos Municípios e acabou com a possibilidade de
intervenção federal nos Estados.
Com o Golpe Militar de 1964, resgatou-se a o federalismo de centralização. O
Governo Federal retomou uma série de tarefas e poderes. Politicamente desarticulados, os
Estados-Membros ficaram sem força de atuação. A pretexto da integração nacional, “todos os
instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico foram centralizados na União”, a
quem foram “atribuídos poderes necessários para dirigir a política nacional, evitar conflitos
com as unidades federadas e promover o desenvolvimento econômico”
30
.
28
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p. 104.
29
Este federalismo de centralização decorre do modelo dual apresentado; todavia, com um desequilíbrio na
distribuição de competências entre a União e os Estados-Membros, ou seja, a maior parte das atribuições e
poderes da Nação ficam a cargo do poder central, em detrimento ao periférico. No Brasil, este modelo coincidiu
com todos os períodos de regime político autoritário que teve na história.
Confirmando este raciocínio, José Alfredo de Oliveira Baracho conclui que “a teoria geral do federalismo depara
com determinadas estruturas políticas que apresentam características peculiares, pois refletem a influência da
ideologia consagrada”, ou seja, “desde que os regimes partem para formas autoritária, normalmente, o processo
federal sofre estas conseqüências, pois dentro desta perspectiva as formas centralizadoras refletem, de maneira
imediata, na forma de Estado, quando surgem princípios que consagram o poder ilimitado. Algumas medidas,
aparentemente, não são tomadas contra a democracia, mas até em termos de proteção social ou de regular as
necessidades das várias classes sociais. As transformações econômicas, que são tratadas com bastante
intensidade nos regimes políticos modernos, bem como as mudanças sociais, influem na determinação das
modernas formas federais”. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 62)
30
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2004, p. 51-52.
32
Analisada rapidamente a evolução histórica nacional da forma federativa, é
oportuno contextualizar a discussão sob a égide da Constituição Federal de 1988 a partir da
consideração de elementos que subsidiaram a sua elaboração.
Mostra-nos Fabio Konder Comparato que
[...]o fio condutor do processo de formação do texto
constitucional foi considerar as necessárias e inadiáveis
transformações da sociedade brasileira, cujo texto deveria
definir a origem e os limites de todos os poderes (não só os
políticos, mas principalmente os econômicos e sociais), fixando
os objetivos de mudança para alcançar no processo histórico e
criar condições institucionais para a sua concretização. Para
garantir efetividade sociológica e não só vigência jurídica,
determinado sistema constitucional não pode ser estático e
meramente declarativo, deve, antes, adaptar-se
permanentemente às mutações sociais.
31
.
Mesmo o modelo de federalismo implementado particularmente em 1988, com
indicativos e instrumentos de harmonia nacional, destacam-se o atraso econômico, a
desigualdade social e cultural, além da desequilibrada distribuição de renda perpetuados pelos
sistemas político e social. Para a reflexão acerca das estruturas institucionais e jurídicas do
modelo nacional, tais elementos devem ser considerados.
Há que se destacar no sistema federativo brasileiro vigente a “redefinição dos
papéis desempenhados pelos entes federados, distribuindo e descentralizando questões de
ordem política, administrativa e, principalmente, financeira, que ficaram centralizada durante
o regime militar”
32
.
2.1 Federalismo de Cooperação na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 instituiu expressamente o federalismo cooperativo
dispondo matérias de competência comum entre todos os entes federados. Isto se justifica
“pelo fato de que num Estado intervencionista e voltado à implementação de políticas
públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre
inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de tratamento uniforme em escala
31
COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. 1986, p.
12-13.
32
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada, p. 110.
33
nacional”
33
: em assuntos da ordem econômica e social há necessidade de unidade no
planejamento e direção das tarefas.
Tecnicamente, considera-se cooperação como a institucionalização da atuação
conjunta e coordenada, de modo a produzir soluções dotadas de maior estabilidade, inclusive
para ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência da atividade
administrativa do Estado brasileiro.
Para Maria Paula Dallari Bucci, a idéia da cooperação entre os membros da
federação, embora seja conceitualmente simples, é intrincada na sua execução, pois a
federação é
[...]uma engrenagem complexa, que se revela ainda mais
desafiadora na medida do crescimento das funções do
Estado e de seu aparelho administrativo, cuja ampliação,
ao contrário do que sugeria o apelo ao Estado-mínimo,
não refluiu com o retrocesso do Estado social, mas
resultou em alterações qualitativas das funções do
Estado
34
.
O federalismo de cooperação, proposto pelo texto constitucional de 88,
proporciona a solução dos desníveis econômicos e sociais entre os entes federados dirigindo a
economia nacional, por um lado, e, por outro, reforça o papel da União Federal em relação
aos demais, transformando a relação em subordinativa, alterando, inclusive, a estrutura das
relações intergovernamentais. Perfil significativamente disposto pela leitura do art. 23.
Entretanto, há de se ressaltar que “no federalismo cooperativo não há nítida
fronteira demarcando as competências dos entes regionais e o central, conferindo-lhes, com
freqüência, competências comuns e concorrentes, de modo que ajam em colaboração
recíproca para a solução de problemas sociais e econômicos”
35
. Este movimento decorre das
complexas questões econômicas, financeiras e sociais que demandam certa organização
estatal integrada.
33
BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. 2004, p. 57-58.
34
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas In: WAGNER JUNIOR, Luiz
Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. 2004, pp. 549.
35
TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 218-219.
34
A virtude da cooperação “é a de buscar resultados unitários e uniformizadores
sem esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas
ressaltando a sua complementaridade”
36
.
A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em
inúmeras matérias e programas de interesse comum. Todos os entes federados devem
colaborar para a execução dessas tarefas; logo, as responsabilidades também serão comuns,
ou seja, nenhum ente poderá eximir-se de implementá-las. Refletindo, assim, em dois os
momentos de decisão na cooperação:
[...]o primeiro se dá em nível federal, quando se
determina, conjuntamente, as medidas a serem adotadas,
uniformizando-se a atuação de todos os poderes estatais
competentes em determinadas matérias; o segundo
momento ocorre em nível estadual ou municipal, quando
cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto
às suas características e necessidades.
37
Portanto, a decisão é conjunta, mas a execução pode ou não se realizar de maneira
separada. Isso dependerá da matéria em questão.
Não se pode olvidar, de outra parte, que, desde o processo de redemocratização do
país, importantes modificações foram implementadas na estrutura federativa brasileira,
notadamente no que diz respeito à distribuição do poder político e ao relacionamento entre os
entes federativos.
Após a promulgação da atual Constituição, juntamente com a autonomia
municipal, a descentralização do poder político passou a ser vista como o remédio para todos
os males da sociedade brasileira até então. Todavia, o que se há de destacar é que tanto uma
quanto outra dependem – para realização positiva – de planejamento e coordenação entre os
entes. Por isso, qualquer estudo feito sobre o assunto deve levar em consideração o Estado
brasileiro, naquilo que se refere ao poder político e políticas públicas por ele adotadas.
Em termos econômicos, a principal questão que aflige o federalismo é a de como
compatibilizar a autonomia das unidades federativas periféricas com a necessidade, cada vez
mais imperiosa, de se planejar e promover o desenvolvimento econômico nacional. Para isso,
36
BERCOVICI, Gilberto. Obra citada. p. 58.
37
Ibidem. p. 61.
35
[...] propõe-se a conciliação entre a necessidade de
centralização das decisões no nível de racionalização dos
empreendimentos com a descentralização das decisões políticas
no tocante aos problemas regionais e locais, sempre se levando
em conta que a autonomia regional ou local não tem sentido
senão em relação ao todo, ao conjunto federal [...] a cooperação
é uma espécie de planejamento, ao elaborar critérios conjuntos
e uniformes de atuação da União e entes federados sem violar a
repartição constitucional de competências – trata-se de um
planejamento coordenado a partir da anuência de todos os
titulares de funções estatais
38
.
Em última instância, “o modelo do federalismo cooperativo centra-se na
percepção que os entes federados devem buscar compartilhar ações de políticas públicas, pois
nesta perspectiva, otimizaria as ações públicas e propiciaria a adoção de políticas
redistributivas, estimulando uma maior integração entre as políticas públicas”
39
.
O Estado brasileiro pela forma federativa do tipo cooperativo buscou, por meio de
suas regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo
equilibrado e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, por meio de
escolhas políticas que devem ser feitas ao longo do processo de desenvolvimento nacional.
Toma-se o consórcio púbico como instrumento político de Estado, por meio do qual atenderá,
além da prestação de serviços públicos, também, o planejamento e execução de ações que
envolvam políticas públicas.
Não é plausível, como adverte Gilberto Bercovici, “um Estado federal em que não
haja um mínimo de colaboração entre os diversos níveis de governo, já que faz parte da
própria concepção de federalismo esta colaboração mútua”
40
.
Agora há a possibilidade de cooperação pela forma de gestão associada, por meios
de consórcios públicos e convênios de cooperação, que expressamente disposto no art. 241 do
texto constitucional. Sem, contudo, que tenha sido especificado o tipo de atividade objeto do
ajuste. Dependente de regulamentação restou a parte final do dispositivo, que vem permitir ou
facilitar a gestão compartilhada, na medida em que transfere encargos, serviços, pessoal e
bens de uma pessoa jurídica para outra, de modo a garantir a continuidade dos serviços
transferidos.
38
BERCOVICI , Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 209-210.
39
ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Descentralização e cooperação
intermunicipal no Brasil. Disponível no site <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/carlosRocha_carlosFaria.pdf.>.
Acesso em 27 de abril de 2006.
40
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.150-152.
36
Mas o fato é que se pode afirmar que este dispositivo absorveu grande parte das
competências comuns previstas no art. 23, pois o cerne da cooperação interfederativa é a
possibilidade de transferência de encargos e meios – pessoal e bens – entre os entes para a
realização e gestão dos serviços associados.
Destaca-se que a relação intergovernamental, segundo Daniel J. Elazar, “pode ser
vista como um fenômeno universal, para ser encontrado sempre onde dois ou mais governos
interagem ao desenvolvimento e execução de programas e políticas públicas”
41
.
Com maior segurança, identifica-se a intenção do legislador em ratificar, por meio
de novos instrumentos, a necessidade de atuação cooperada entre o poder público, pessoas
jurídicas por ele criadas e a sociedade, para o bem geral de todos.
Para Floriano Azevedo Marques Neto:
[..] a noção de consórcio nos remete à idéia de conjugação, ao
somatório de esforços e ao concurso de meios e capacidades
para que dois ou mais entes atinjam objetivos no todo ou em
parte comuns, convergindo e concertando seus esforços. [...]
ínsito ao conceito, também está o fato de que a reunião de
consortes não há de levar ao desaparecimento destes, na medida
que é pressuposto do ente consorcial que os seus instituidores
sigam tendo existência jurídica própria, apartada do
consórcio
42
.
Considerando simultaneamente o ideal cooperativo, a complexidade e a
diversidade de interesses entre os variados níveis territoriais, encontram-se no texto
constitucional elementos que nortearão a responsabilidade sobre o cumprimento dessas
responsabilidades.
Neste contexto, o principio da subsidiariedade auxilia na circunscrição das
competências constitucionais dos entes federativos e na obrigação de cumpri-las. Em suma,
vem indicar parâmetros para uma distribuição subsidiária das competências e poderes entre
autoridades de distintos níveis, públicas ou não, visando ao atendimento das demandas sociais
de modo mais eficiente, observando, sempre, os valores e vontades da sociedade.
41
ELAZAR, Daniel J. Expolring Federalism. 1991, p. 16. Tradução livre.
42
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos.
Disponível do site:<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf>. Acesso
em 30 de março de 2005.
37
2.2. O Princípio da Subsidiariedade na federação brasileira
O estudo do princípio da subsidiariedade no modelo brasileiro justifica-se em
razão da previsão constitucional da competência suplementar dos entes periféricos frente à
legislação federal. Invoca-se, portanto, o principio da subsidiariedade, “como critério de
distribuição de competências entre os indivíduos, os grupos sociais e o Estado, a quem é
atribuída uma missão cujo propósito é de encorajar, estimular, coordenar e, em último caso,
substituir a ação dos indivíduos e dos grupos”
43
.
Adverte Germán Fernández Farreres que se poderia pensar que a doutrina da
subsidiariedade estatal se encontra em meio às transformações da Administração e da
sociedade, ou seja, que “a aplicação da subsidiariedade marcaria a identidade da nova
Administração, bem diferente daquela que se concretizou no Estado Social, a partir da
segunda metade do século passado”. Mas de fato, hoje, “a subsidiariedade inspira ação
política e de governo, enquanto princípio jurídico positivado ou não”
44
-
45
.
Afinal, o princípio da subsidiariedade vem contribuir para o estabelecimento de
uma relação equilibrada entre o próprio poder público e entre este e os cidadãos.
Diz Silvia Faber Torres que
43
TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 03.
44
FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. Reflexiones sobre ele valor juridico de la doctrina de la subsidiariedad
en el derecho administraivo español. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.): Uma avaliação das
tendências contemporâneas do direito administrativo. 2003, p. 492-493.
45
No ordenamento jurídico espanhol, não assumiu o critério da subsidiariedade o limite à ação econômica do
poder público. A Constituição de 1978 não recorreu a este princípio como critério ordenador das relações de
competência entre as diversas instâncias políticas e administrativa na nova estrutura territorial do Estado, entre
Estado, Comunidades Autônomas e Entidades Locais. Diferente do tratamento dado ao assunto pelo Tratado da
União Européia que considerou a subsidiariedade como princípio jurídico. No âmbito comunitário, a
subsidiariedade opera como um critério de atuação ou de exercício das competências flexíveis e dinâmicas em
função das circunstâncias, podendo operar tanto em favor dos Estados como em favor da Comunidade. Aqui, a
subsidiariedade atua em dupla direção: como mecanismo que condiciona a intervenção comunitária, ou como
mecanismo que aprecie e valore a suficiência ou insuficiência da ação dos Estado frente à ação comunitária. No
ordenamento jurídico espanhol não se pode dizer que a subsidiariedade foi assumida enquanto principio jurídico
ordenador da posição do Estado ante às atividades econômicas, nem tampouco, com um critério de caráter
organizativo dos diversos níveis administrativos. Neste sistema jurídico, a subsidiariedade é um critério
absolutamente supérfluo no que se refere à articulação das competências entre as diferentes instâncias – estatal,
autonômicas e locias – em que foi estruturado territorialmente o Estado espanhol. Em conclusão, é possível
afirma que o princípio da subsidiariedade não encontra fundamento no ordenamento jurídico espanhol, pois não
é critério no qual se apóia o sistema de divisão de competências e organização administrativa, nem mesmo é
critério que ordena a intervenção pública na economia. (FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. Obra citada., pp.
491-529).
38
a subsidiariedade foi oportunamente acolhida pelo direito
público como princípio diretor de um sistema ideal de
distribuição de competências entre a comunidade maior e a
comunidade menor, pelo qual os poderes devem ser exercidos
de forma mais próxima possível do cidadão, só devendo as
instâncias superiores intervir em nome da eficácia e da
necessidade
46
.
Portanto, tem por elemento essencial a descentralização, não só política – na
distribuição das competências constitucionais –, mas, também, administrativa – na criação de
estrutura que coíba a atribuição à autoridade centralizada de tarefas que a entidade menor
pode realizar por si mesma.
Por isso afirmar que, no plano político, traduz-se no princípio federativo,
empregando-se como critério de repartição de competência entre as diversas esferas
federativas. E, no plano administrativo, a previsão constitucional de inúmeros instrumentos de
descentralização da função administrativa.
Das modificações trazidas pelo Tratado de Maastricht, em 7 de fevereiro de 1992,
à então Comunidade Econômica Européia, há de se destacar a inclusão do princípio da
subsidiariedade como elemento chave não só da regulação das relações entre a União
Européia e seus Estados-Membros, mas também sua aplicação interna. Veio regulado no art.
3B do Tratado da Comunidade Economia, que foi modificado pelo artigo G do Tratado da
União Européia cujo teor garante que toda a comunidade atuará dentro dos limites das
competências que lhe atribui esse pacto e dos objetivos ali propostos. Assim, no âmbito que
não seja sua competência exclusiva, a Comunidade intervirá conforme o princípio da
subsidiariedade, somente na medida em que os objetivos da ação pretendida não possam ser
alcançados de maneira suficiente pelos Estados-Membros. Além deste, há outros dispositivos
no Tratado da União Européia que dispõem sobre tal princípio. O preâmbulo fala da
necessidade de que as decisões sejam tomadas da forma mais próxima possível dos
cidadãos.
47
A noção de subsidiariedade é importante para justificar a atuação das autoridades
periféricas no fornecimento de infra-estrutura e bem-estar social. Neste aspecto, diz Bernard
Barraqué, que, “de todo modo, deve permanecer constante o debate sobre a capacidade de
46
TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 34-36.
47
GUTIÉRREZ COLOMINA, Venâncio. El protagonismo municipal en el desarrollo local: el parque
tecnológico de Andalucía. In: Revista CIDOB d'afers internacionals, 1999, Núm. 47. Disponível no site:
<http://www.cidob.org/castellano/publicaciones/Afers/47gutierrez.cfm>. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
39
governo dos diversos níveis territoriais, particularmente quanto aos serviços públicos, mas
com análises que vão além eficiência econômica, e atinjam as dimensões administrativa e
política”
48
.
Discussões acerca da subsidiariedade e níveis de governo apropriado geralmente
limitam-se à eficiência e tendem a valorizar a maleabilidade das instituições periféricas, de
forma paradigmática, a ponto de otimizar sua atuação.
Todavia, apesar da próxima relação entre um e outro, adverte-se que
[...] o federalismo cooperativo, ligado ao desenvolvimento
do Estado Social, não pode ser justificado a partir do
princípio da subsidiariedade, pois, apesar de ser inegável a
existência de várias conexões entre o federalismo e a
subsidiariedade, não é deste princípio que deve ser
extraída a legitimação político-constitucional do
federalismo, que é derivada, sim, do princípio da
solidariedade
49
.
Tem-se que considerar, então, que o desenvolvimento material das condições de
vida social e econômica determina a exigência de se adotarem novas formas organizacionais
de relações humanas e institucionais.
A Constituição de 1988 demonstra harmonia com o princípio da subsidiariedade.
Há várias previsões
50
que permitem a participação conjunta dos setores público e privado.
Também significativo sinal da incorporação do principio da subsidiariedade no
ordenamento constitucional brasileiro está no art. 23 ao instituir a competência comum, que,
“apesar de se referir praticamente a preceitos recomendatórios, o certo é que valorizou a
potencialidade de cooperação entre os entes federativos”
51
.
Parta tanto, toma-se tal princípio, na prática, como “nova doutrina de repartição
de poderes e consiste na adequada e precisa definição dos sucessivos níveis de concentração
do poder e das decorrentes descrições de competência, desde que necessárias para atender as
48
BARRAQUÉ, Bernard. Subidiary water in a complex Europe: decision levels, federalism and decentralisation.
In: Anais do Seminário internacional de Estudos sobre Gestão de Recursos Hídricos: Foz do Iguaçu, 19-23 de
abril de 1999. Disponível no site: <http://www.ufrgs.br/iph/barraque_subsidiary_
water_in_a_complex_europe.pdf.> Acesso em 23 de janeiro de 2006.
49
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 169.
50
Com maior ênfase nos assuntos que tratam sobre saúde (arts. 197 e 198, III), assistência social (art. 204, I),
educação (arts. 205 e 206, IV), do meio ambiente (art. 225), entre outros.
51
TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. 2001, p. 243.
40
demandas da sociedade do modo mais eficiente possível, e sempre com respeito pelos espaços
de decisão menores, reservados, sucessivamente, aos indivíduos e aos grupos sociais”
52
.
Há de se destacar, particularmente, a vinculação das entidades locais com o
princípio da subsidiariedade, conceito este com diversos significados, mas que opera, de
qualquer modo, como princípio informador da cultura que trata de guiar as definições dos
interesses coletivos e de estabelecer qual âmbito do governo será melhor para levar a cabo
determinadas funções
53
.
Sob o aspecto organizacional, a partir da década de 90, com a discussão sobre a
Reforma do Estado, resgata-se a idéia de Estado baseado no princípio da subsidiariedade,
segundo o qual, de um lado, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular
tem condições de desempenhar por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos; de
outro, deve fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de sorte a permitir aos
particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos. Pois,
como lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a idéia de Estado Subsidiário, que embora bem
anterior a essa concepção, assume importância fundamental na definição do atual papel do
Estado, a quem cabe promover, estimular, criar condições para que o indivíduo se desenvolva
livremente dentro da sociedade”
54
.
Não que se possa considerar que o perfil de subsidiariedade adotado pelo Estado
como suficiente para teorizá-lo com autonomia e considerá-lo como Estado Subsidiário. A
subsidiariedade apresenta-se, de certa forma, como opção de gestão administrativa, no sentido
vertical, quando das relações entre os governos central e locais e, no sentido horizontal, nas
relações entre grupos sociais ou entre estes e o público.
De todo modo, as decisões envolverão interesses comuns da coletividade, que
deverão ser tomadas, preferencialmente, pelas entidades mais próximas dos grupos locais,
deixando o governo central agir em caso da impossibilidade destes.
52
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A globalização e o Direito Administrativo. In: Uma avaliação das
tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.), 2003,
p. 556.
53
Diz Jesús López-Medel Báscones que desde um punto de vista administrativo implica que la autoridad debe
ejercerse em ele nível más adecuado pra la más eficiente aplicación de lãs medidas de que se trate y que
cualquier gobierno debe completar, no sustituir, la acción de los indivíduos y de los cuerpos intermédios,
suponiendo, además, que la acción Del poder superior se legitima cuando la acción no puede ser ejercido por
ele inferior, lo que centra la egitimidad de la acción em la eficácia.( LÓPEZ-MEDEL BÁSCONES, Jesús.
Autonomía y descentralización local, 2003, p. 29).
54
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública 2002., p. 28.
41
2.3. Planejamento e desenvolvimento nacional: a busca pela cooperação interfederativa
Independente da forma de Estado adotada pelo constituinte é preciso também
examiná-lo sob o ponto de vista de sua operacionalização, a fim de proporcionar reformas
estruturais e institucionais que possam satisfazer os interesses e necessidades nacionais.
A complexidade, cada vez maior, das tarefas do Estado exige a observância da
função não só de colaboração, mas principalmente de coordenação, que não se resolve
exclusivamente com a criação novas estruturas organizacionais, mas na adaptação das
espécies clássicas para o desempenho de novas tarefas.
Neste movimento (sem considerar modelo autônomo), a concepção de Estado
Desenvolvimentista, analisada por Gilberto Bercovici, toma o desenvolvimento como
condição necessária para a realização do bem-estar social. Para o autor,
[...]o Estado é, através do planejamento, o principal
promotor do desenvolvimento que para desempenhar tal
função deve ter autonomia frente aos grupos sociais,
ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura.
Tais reformas estruturais são o aspecto essencial da
política econômica, pois coordenando s decisões pelo
planejamento, o Estado deve atuar de forma muito ampla e
intensa para modificar as estruturas sócio-econômicas,
bem como distribuir e descentralizar a renda, integrando,
social e politicamente, a totalidade da população
55
.
É preciso considerar que o planejamento das ações do poder público é elemento
característico do Estado federal, que, em razão da diversidade de interesses em questão, deve
coordenar e articular as competências atribuídas a cada um dos entes. Afinal, se o
planejamento é elemento característico do Estado federal e o consórcio público é instrumento
de implementação do federalismo, então, deve este assumir, também, como sua função o
planejamento.
Neste perfil, o Estado é, para Luiz Carlos Bresser Pereira,
[...] uma instituição que organiza a ação coletiva dos cidadãos,
por meio da Carta Política nacional e de todas as demais
instituições jurídicas e legais que cria ou legitima, e é nessa
qualidade que desempenha o papel econômico fundamental de
institucionalizar os mercados e, também, de promover o
55
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 54, 58-59.
42
desenvolvimento e segurança econômicos do país. Pois, o
desenvolvimento econômico é quase invariavelmente fruto de
uma estratégia nacional
56
.
Portanto, o desenvolvimento deve ser entendido como “uma questão também
pertinente à Teoria do Estado, por ser este o principal promotor do desenvolvimento do
Brasil”
57
; afinal, as estruturas de poder e a política explicam sua direção, efetividade e
intensidade. Trata-se de condição necessária para a realização do bem-estar social.
Em primeira e última instância, o bem-estar social é o fim que busca o Estado
atingir. Considera Dalmo de Abreu Dallari que “o fim do Estado é o bem comum, entendido
este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida
social que consistam em favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
Em suma, “a finalidade do Estado é a busca do bem comum de um certo povo, situado em
determinado território”, de modo que “o desenvolvimento integral da personalidade dos
integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção
particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo”
58
.
Nesse contexto, estabeleceu a Constituição de 1988 princípios
59
de que as
diferentes unidades da federação brasileira devem cooperar entre si na realização dos
interesses nacionais. Essa colaboração “pode e deve dar-se por meio de definição de políticas
públicas afinadas, com estabelecimento de metas, diretrizes e planos que garantam mais
atuação de cada ente no desenvolvimento de suas respectivas atribuições”
60
.
A garantia do desenvolvimento nacional, enquanto princípio constitucional,
determina que o Estado deve perseguir o desenvolvimento em atuação conjunta, devendo a
ordem econômica estar voltada para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Logo, diz respeito este dispositivo a um “desenvolvimento tanto no âmbito quantitativo como
56
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Instituições, bom Estado e reforma da gestão pública. In: REDE – Revista
Eletrônica sobre Reforma do Estado. Disponível no site: <http://www.direitodoestado.com.br.> Acesso em 07
de julho de 2005, p. 01 a 08.
57
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição., 2003, p. 29, 36-37.
58
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p. 107.
59
São chamados de princípios de integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da
marginalização regional ou social, sendo eles: a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das
desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.
60
PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível no site:
<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf>. Acesso: 30 de março de
2005, p. 10.
43
qualitativo, uma vez que não significa apenas crescimento econômico, mas, principalmente,
elevação do nível social por meio da implementação de políticas públicas direcionadas para
toda a sociedade”
61
. O estabelecimento de uma política desenvolvimentista representa certo
dirigismo estatal – e assim tem que ser – posto que os incrementos econômicos evidenciam
que o Estado conduz a atividade econômica do país para determinados rumos objetivando
alcançar certos objetivos.
Por sua vez, a redução das desigualdades regionais, antes de se consagrar como
princípio da ordem econômica constitucional, é, expressamente, um dos objetivos
fundamentais da República brasileira. Resta clara “a opção do constituinte de atribuir ao
modelo econômico uma finalidade dirigente da realidade econômica, em busca do chamado
Estado do Bem-Estar Social”. Assim, “a intervenção estatal na economia deve ser marcada
por esse pronunciado critério de eqüidade, quer na atuação por serviços diretamente prestados
à população, que por incentivos ou fomentos de caráter econômico”
62
. Neste dispositivo,
supõe uma economia direcionada também ao homem e, não só, ao capital, devendo ser
suficientemente equilibrada para proporcionar à sociedade condições dignas de vida.
A idéia de que o grande objetivo nacional é o desenvolvimento e de que este
constitui um processo planejado de transformação global das estruturas organizacionais e
institucionais do país domina a ordem constitucional brasileira. A partir disso, diz-se que a
planificação do desenvolvimento, como função de eminente interesse público, não pode ser
confiada de modo exclusivo a agentes estatais, sem ligação com os grupos ou categorias
profissionais que forma a sociedade. Todavia, “a política de desenvolvimento nacional deve
estar livre das pequenas injunções da rivalidade pessoal ou partidária e, acima de tudo, criar
condições para que o interesse geral prevaleça sobre os interesses particulares”
63
.
É possível, com isso, afirmar que o eixo central de toda a ordenação econômica e
social do Estado brasileiro é o planejamento que, por sua própria natureza, implica a periódica
fixação de objetivos gerais a serem atingidos e a mobilização de toda a sociedade para a
consecução desses objetivos.
61
TRAMONTIN, Odair. Incentivos públicos a empresas privadas e guerra fiscal. 2002, p. 57.
62
ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 2001., p.
388.
63
COMPARATO, Fábio Obra citada. Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. Brasília:
Editora Brasiliense, 1986, p. 24-26.
44
O desenvolvimento é, também, um direito fundamental
64
que deve ser respeitado,
garantido e promovido pelo Estado, enquanto principal formulador de políticas de
desenvolvimento, que passa a introduzir a dimensão política no cálculo econômico, buscando
a constituição de um sistema econômico nacional, pois os resultados das políticas econômicas
não dependem apenas de sua coerência econômica, mas também de sua viabilidade política e
das opções institucionais. De fato, no caso brasileiro, o processo de desenvolvimento funda-se
em decisões políticas
65
.
O segredo do desenvolvimento, desta forma, é o esforço produtivo. Assim, seja
qual for a orientação do governo e a teoria econômica que adotar, os inimigos a combater
continuarão sendo a improdutividade, o desperdício e a desorganização.
Neste contexto, acresce Hélio Beltrão que,
[...] os problemas do Brasil situam-se muito mais no campo da
execução coordenada do que no planejamento propriamente
dito, embora continue este sendo indispensável à ação
governamental. Já que o desenvolvimento está longe de ser
apenas um problema técnico: é antes de tudo, um compromisso
político e uma responsabilidade coletiva
66
.
Neste raciocínio é possível afirmar que sem uma gestão adequada do aparelho
estatal brasileiro não é possível romper o círculo vicioso que impede o desenvolvimento do
país. Por outro lado, as soluções meramente técnicas que não contemplem os problemas da
dominação política serão insatisfatórias.
Por isso, propõe-se o consórcio público como instrumento de ação governamental
e, não, somente, uma nova forma de contrato administrativo.
O planejamento econômico consiste num processo de intervenção estatal no
domínio econômico com o fim de organizar atividades econômicas para obter resultados
previamente estipulados. Trata-se, pois, de um “instrumento de racionalização da intervenção
do Estado no domínio econômico, o qual, por meio de lei, serão estabelecidas as diretrizes e
bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado”
67, 68
e 69
. Consubstancia-se,
64
A proclamação do direito ao desenvolvimento foi efetuada pela Resolução 41/128 da Assembléia Geral das
Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986 e reafirmado no art. 10 da Declaração da Conferencia Mundial de
Direitos Humanos, em 12 de julho de 1993.
65
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 41-42. BUCCI, Maria
Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 244.
66
BELTRÃO, Helio. Descentralização e liberdade. 2002, p. 55, 59-60.
67
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2001, p. 787.
68
Art. 174, § 1° da CF/88.
45
então, um planejamento estrutural que deve conduzir não só o Poder Público, mas, também, a
sociedade.
De qualquer forma, tem-se que considerar que o planejamento nacional não pode
ser levado como um fim em si mesmo, ou seja, seu objetivo é proporcionar meios para re-
equilibrar as diferencias sociais e econômicas ou, ao menos, reduzir a níveis toleráveis tais
desigualdades.
Alerta-se para a dificuldade de conciliar o princípio federalista, que pressupõe a
descentralização política e administrativa, com o sistema de planejamento global da
economia, que necessita da centralização de decisões e de controle. Para compatibilização,
“pretende-se preservar a diferenças geográficas, econômicas e culturais de cada unidade
federada, evitando-se, assim, uma uniformidade na concepção e execução”
70
.
Tem-se que manter em mente que as políticas de desenvolvimento nacional
devem ser elaboradas e implementadas dentro dos marcos do sistema federal, com a
coordenação e cooperação União e de todos os entes federados. Ainda que para isso sejam
criadas entidades administrativas próprias descentralizadas. Neste contexto, “o federalismo
brasileiro é um instrumento de integração, essencial para a configuração do espaço econômico
e passível de constantes mudanças para manter ou recuperar o equilíbrio entre todos os
integrantes”
71
.
Por tais razões, os consórcios públicos
72
devem ser vistos como instrumentos
diferenciados para incrementar a agenda de desenvolvimento do país, pois são meios que
contribuem para a ampliação do alcance e da efetividade das políticas públicas e dos recursos
nelas aplicados, uma vez que poderão permitir ação cooperada e maior racionalidade na
execução de serviços, bem como de políticas de responsabilidade partilhada entre todos os
entes interessados.
A partir deste ideal de interdependência dos entes federados, ensinam Klaus
Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder e Gebhard Ziller que
69
Art. 48, IV da CF/88
70
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 2001, p. 569.
71
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 240-241.
72
Ainda que as incidências mais freqüentes sejam os consórcios Municipais, não se pode esquecer das hipóteses
de formação dos consórcios estaduais, que também são grandes instrumentos de apoio às agendas federais e
municipais. Podem, também, funcionar nas áreas de políticas urbanas e políticas sociais que demandem trabalho
articulado e cooperado entre estes e os municípios.
46
[...] os âmbitos e as formas da interdependência política no
federalismo cooperativo ocorrem com a ajuda de instituições
que foram criadas para as finalidades de cooperação e da
coordenação ou que são um resultado dessa interdependência,
bem como através de acordos jurídicos, com o objetivo de
tornar as interseções mais estáveis, transparentes e
previsíveis.
73
Afinal, completam os autores,
[...] no Estado Moderno – e, portanto também na moderna
federação – o planejamento da atividade estatal adquiriu
importância prioritária. Sem análises de médio e longo prazo
sobre os desenvolvimentos e transformações que se podem
esperar nos diferentes campos das tarefas estatais, sem metas
conformadoras com possibilidades alternativas, sem
concepções sobre o financiamento das futuras tarefas estatais,
não é mais possível governar e administrar. Um planejamento
amplo e multiforme tornou-se, portanto, um fator decisivo no
âmbito do Governo e da Administração que tem efeitos também
no federalismo cooperativo. O planejamento político-estatal
assumiu no âmbito cultural, financeiro e econômico novas
dimensões e novas formas de organização que se caracterizam,
sobretudo pela interdependência dos entes federados.
74
Os consórcios públicos são considerados aptos a este fim. Afinal, a
interdependência na federação cooperativa brasileira será eficaz quando assentada sobre
normas jurídicas, por meio das quais os envolvidos ficam comprometidos a agir de acordo
com suas estipulações. O objetivo é chegar a um acordo sobre determinado procedimento
comum.
2.4. Políticas Públicas enquanto Atividade Administrativa
Como se viu, para que se maximize as condições de governabilidade do Estado, é
necessária a análise sobre três dimensões: a capacidade de comando e de direção do Estado; a
capacidade de coordenação do Estado entre as distintas políticas e os diferentes interesses em
jogo; e a capacidade de implementação.
73
ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no
federalismo cooperativo, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 110, 114.
74
Ibidem.
47
De fato, se o Estado existe para garantir as condições mínimas de sociabilidade,
deve ele ser enfocado como “tutor dos interesses desta coletividade”. Se a ação do poder
político só se legitima quando voltada ao atendimento das necessidades coletivas, é obvio que
“seu exercício deverá estar direcionado sempre à consagração de interesses coletivos que, em
cada momento histórico, se apresentem com maior densidade ou relevância”
75
. Esses
interesses configuram a dimensão pública que deve ser perseguida pelo poder público.
Para isso, alguns temas da agenda dos Governos demandam trabalho cooperado e
coordenado em sua implementação, como aqueles de responsabilidade partilhada, entre eles
as políticas públicas de desenvolvimento regional e urbano, dentre outras que funcionam de
forma sistêmica como a saúde, o abastecimento de água, a educação, entre outros.
Políticas públicas são, para este fim, “programas de ação governamental visando a
coordenar os meios de disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de
objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados; são, enfim, metas coletivas”
76
.
Apesar de serem consideradas “programas de ação governamental”, o estudo
sobre as políticas públicas deve indicar elementos que proporcionem a concretização de
direitos por meio de prestações positivas do Estado.
Afinal próprio fundamento das políticas públicas “é a necessidade de
concretização de direitos por meio de prestações positivas do Estado, sendo, de modo geral, o
desenvolvimento nacional a principal política pública conformando-a e harmonizando-a todas
as demais”; “são formadas pelos diferentes interesses sociais inseridos no aparelho estatal,
que estão sujeitos à hierarquização pela direção política do Estado, enquanto definidor e
dirigente de um projeto social e econômico para a sociedade”
77
.
É de se notar, desde já, que em relação à distribuição de funções entre os
Governos central, estadual e municipal, as decisões sobre políticas públicas envolvem uma
mistura de políticas nacionais, que poderão ser, ou não, compartilhadas com os demais.
Todavia, nem sempre é esta a realidade que se apresenta. Com freqüência os governos locais
são responsáveis por funções remanescentes. Neste sentido, afirmam Javier Font, Rafael
Gutiérrez Suárez e Salvador Parrado-Díez que,
75
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 175.
76
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas2002, p. 241.
77
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, 42.
48
[...] os governos locais são responsáveis pelas atribuições
remanescentes. Entretanto, uma cláusula geral permite que as
municipalidades entreguem qualquer tipo do serviço baseado
em um interesse local. Assim, alguma autoridade local pode
também administrar políticas do bem-estar. As demandas
crescentes dos cidadãos nas municipalidades locais dão-lhes
incentivos para fornecer os serviços que podem sobrepor com
os serviços fornecidos pelos Estados. É evidente que a
distribuição nova das funções, finanças e recursos humanos
mudou o relacionamento dentro e entre os níveis de governos
78
.
Afinal, “quando se busca apreender um processo de transferência de atribuições
de governo e, portanto, reformas mais profundas nas estruturas estatais, é necessário tomar em
consideração variáveis que permitam captar com mais segurança se um dado nível de governo
está organizacionalmente capacitado para o desempenho de uma dada tarefa de gestão”
79
.
Num Estado intervencionista e voltado para a implementação de políticas
públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre
inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala
nacional.
Por isso adverte Maria Paula Dallari Bucci que, “quanto mais se conhece o objeto
da política pública, maior é a possibilidade de efetividade de um programa de ação
governamental; a eficácia de políticas públicas consistentes depende diretamente do grau de
articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos”
80
.
São elas, então, instrumentos de ação dos governos que, por óbvio, devem
acontecer dentro dos parâmetros da legalidade, o que não significa afirmar que elas
formalizar-se-ão necessariamente como leis. As políticas públicas definem-se ao longo de um
processo de escolha dos meios para realização dos objetivos traçados por determinado
governo.
Portanto, conclui Marta Arretche,
[...] em um processo de transferência de atribuições, a
capacidade técnica instalada pode constituir-se em um fator
diferenciador das possibilidades das agências ligadas a cada
nível de governo assumirem o exercício de determinadas
funções, ou seja, o fato de que um dado nível de governo já
78
FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador e GUTIÉRREZ SUÁREZ, Rafael. Intergovernmental
partnerships at the local level in Spain: mancomunidades da consortia in a comparative perspective. Disponível
no site:<
http://www.oecd.org/dataoecd/11/14/1902663.pdf>.Acesso em 23 de janeiro de 2006. Tradução livre.
79
ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais; determinantes da descentralização., 2000, p. 25.
80
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 249.
49
disponha de tais recursos pode facilitar a transferência de
atribuições, na medida em que minimiza os custos prováveis de
sua assunção; de outra parte, simetricamente, a ausência ou
insuficiência de tais capacidades torna muito mais elevados os
custos da descentralização, um vez que aos custos da gestão
acrescentar-se-iam os custos de instalação de tais recursos
81
.
Na federação brasileira, Fernando Luiz Abrucio e Valeriano Mendes Ferreira
Costa apontam que implementação de política públicas
[...] depende diretamente da reestruturação das relações
intergovernamentais e da constituição de um sistema federativo
e coordenado, no qual devem imperar os princípios da
responsabilidade política e fiscal nas relações entre as esferas
de governo e de garantia das liberdades políticas e da igualdade
de condições sociais e econômicas entre as Regiões e os
cidadãos que nelas habitam
82
.
Logo, a temática das políticas públicas, como parte no processo de resposta ao
interesse público, está ligada à questão da discricionariedade do administrador, na medida em
faz parte das escolhas por determinados fins e objetivos, enquanto finalidades da atividade
administrativa.
Daí a importância em examinar a problemática que envolve a equação entre
descentralização administrativa, enquanto opção organizacional, e a obrigatoriedade do
cumprimento das múltiplas tarefas públicas, enquanto opção política governamental.
É um processo em constante transformação.
2.5. Descentralização Administrativa e Contextualização das tarefas públicas
Sobre o constante processo de transformação do Estado, diz Dalmo de Abreu
Dallari que “com a compreensão de que o Estado se acha constantemente submetido a um
processo dialético, reflexo das tensões dinâmicas que compõem a realidade social, será
possível mantê-lo permanentemente adequado, eliminando-se a aparente antinomia entre
ordem e mutação”. Para o autor,
[...] para que se assegure esse processo de transformação é
indispensável que as instituições do Estado sejam
devidamente aparelhadas, prontas para sentir o
aparecimento de novas possibilidades e aspirações, para
81
ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 30.
82
ABRUCIO, Fernando Luiz; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Reforma do Estado e o contexto federativo
brasileiro., 1999, p. 109.
50
conhecer o seu verdadeiro significado, e, finalmente, para
integrá-la na ordem jurídica
83
.
Para cumprimento de seus fins, o Estado organizado deve desempenhar
determinadas funções, que, para tanto, criam órgãos aos quais se atribuem competências.
Como parte deste desfio, há duas décadas propôs-se por meio do Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado
84
, tendo em vista as atividades-fim a que o Estado se destina, a descrever
os quatro setores de atuação do Estado: núcleo estratégico, atividades exclusivas, serviços não
exclusivos e setor de produção de bens e serviços para o mercado.
No caso brasileiro, a reforma do aparelho administrativo estatal é uma dimensão
importante a ser tratada, uma vez que “a questão federativa constitui peça-chave para resolver
os problemas financeiros e administrativos do Estado e, sobretudo, melhorar a sua atuação
como regulador na economia e provedor de políticas públicas”
85
.
Há considerável influência do federalismo em vários aspectos da reforma do
Estado, afinal todos os entes federativos devem rever seus papéis nas relações
intergovernamentais, particularmente na descentralização das políticas públicas e a atuação
administrativa das unidades precisar ser remodelada de forma que se possam assumir funções
de coordenação, supervisão e controle dessas políticas.
De modo que “a Administração Pública brasileira não pode ser tratada de forma
isolada ou distanciada dos fenômenos políticos, econômicos e sociais que caracteriza e situam
o país, sob pena de se cometer equívocos de avaliação de conjunturas”. É dizer que “qualquer
política pública administrativa precisa estar conectada com o seu tempo e espaço, sob pena de
continuar figurando, tão-somente, como prerrogativas formais dos poderes institucionais”
86
.
O país assistiu ao processo de desestatização
87
, intensificado na década de 90,
sobre o qual até hoje restam controvérsias quanto aos objetivos, as formas, os resultados e a
legitimidade desse processo. Aceitando-se ou não, este movimento foi uma realidade, e deve
ser cuidadosamente pensado e discutido com a sociedade, a fim de se encontre aparatos
jurídicos possíveis para garantir o resgate de direitos fundamentais e a preservação da função
administrativa, seja no serviço público ou na regulação da atividade econômica.
83
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p. 141-142.
84
Este plano foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE – e
aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em 21/09/1995.
85
ABRUCIO, Fernando Luiz; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Obra citada, p. 11.
86
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade – novos paradigmas. 2006, p. 91-92.
87
Toma-se por desestatização o movimento de privatização das empresas estatais característico dos anos 90.
51
Alerta-se para o fato de que a Reforma do Estado, direcionada à reforma
administrativa pretendeu transformar a Administração Pública brasileira, de burocrática, em
gerencial. Portando, não escolheu pela diminuição das desigualdades regionais, por exemplo,
mas, sim, em dar ênfase aos aspectos gerenciais. Este comportamento culminou com a
“implementação de um modelo de Estado privatizado e ligado aos interesses econômicos das
elites nacionais e internacionais e que não só prejudica a implementação de políticas sociais,
como também inviabiliza qualquer tentativa de (re) construção de um projeto nacional para o
Brasil”
88
.
A função administrativa volta-se, em última análise, à disciplina do espaço
público, nele compreendidos todos os interesses trans-individuais, sem que importe qualificá-
los de públicos ou privados; “essa função deve ter características que possibilitem reunir
racionalmente as vantagens críticas das disciplinas privada e da pública, que confluem para
regrá-lo”
89
. Substancialmente, a função administrativa envolve as atividades de polícia
administrativa (limitação de atividades individuais em prol do interesse coletivo), prestação
de serviços públicos (atendimento concreto de necessidades sociais), condução do
ordenamento econômico (disciplina e até substituição das atividades de produção, circulação
e consumo das riquezas) e condução do ordenamento social (disciplina do desenvolvimento
social, com sentido de amparo ao homem)
90
.
Definitivamente, um problema que integra a estrutura do federalismo é a execução
dos seus fins conforme as competências das entidades que compõem o Estado federal, vez que
são entidades autônomas e têm organização administrativa, que se incluem nas respectivas
competências.
A transferência, pelo Estado, da execução de atividades administrativas a pessoas
jurídicas de direito público ou privado se concretiza, basicamente, de duas formas: uma, por
meio de lei, criando ou autorizando a criação de entidades estatais, que integrarão a estrutura
organizacional do Estado; e, outra, por meio de contrato, quando o Estado delega a execução
de serviços ou atividades públicas a pessoas jurídicas de direito privado, por concessões ou
permissões
91
.
88
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p.132.
89
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Obra citada. p. 555.
90
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 01.
91
ROLIM, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo.2004, p.32-
33.
52
Na atualidade, Estado deixou de prestar serviços diretamente para transferir a
execução aos privados – por isso, com freqüência, utiliza-se como verdadeira a afirmação de
que a solução de todos os problemas da Administração Pública é a concessão dos serviços
públicos - mas o resultado é que os cidadãos ficaram sem garantias e desprotegidos no
consumo de serviços que até então eram essenciais e universais. A delegação do serviço se faz
por meio de contratos públicos, na qual a empresa vai prestar o serviço e o Estado permanece
só com a função de fiscalização e gestão.
A introdução dos novos modelos de organização e de gestão pressupõe formas
alternativas de controle – seja por intermédio do núcleo estratégico, que presta conta dos
resultados das políticas públicas aos representantes eleitos, seja pelo estabelecimento de
mecanismos de participação social, a exemplo da criação de conselhos em que se prevê a
participação da comunidade.
A descentralização administrativa caracteriza-se pela transferência de atribuições
de uma pessoa jurídica pública (União, Estados ou Municípios) para outra pessoa jurídica. O
ente descentralizado goza de capacidade de auto-administração; além disso, supõe a
transferência de uma atividade própria da Administração Pública, ou seja, de um serviço
público
92
.
Sobre o tema, Hélio Beltrão pondera que
[...] descentralização administrativa é perfeitamente
compatível com o enfoque nacional de determinados
problemas que exijam a programação e a coordenação do
governo federal, pois nacional não é sinônimo de central
[...] o fato de existir uma política nacional sobre
determinado assunto não significa que a execução deve
caber exclusivamente à Administração Federal, nem que a
aplicação de recursos fique centralizada em suas mãos
93
.
92
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 2003, p. 51-52.
93
BELTRÃO, Helio. Obra citada. p. 23-26.
53
São formas legais de descentralização: concessão
94
, permissão
95
e autorização
96
,
no qual o poder público transfere a execução desses serviços a particulares, mediante
regulamentação e controle.
É importante, aqui, anotar que a centralização ou descentralização dos serviços
públicos são modalidades de técnicas administrativas de execução, ou seja, referem-se ao
modo de implantação e operação. E, estas modalidades distinguem-se dos modos de execução
do serviço público que, por sua vez, podem ser direta ou indireta. Portanto, considera-se
execução direta do serviço àquela realizada pelos próprios meios da pessoa responsável pela
prestação, em outras palavras, considerar-se-á o encarregado pelo oferecimento do serviço ao
público, que o realiza pessoalmente ou por pessoa delegadas. Por execução indireta do serviço
público entende-se aquela que o responsável pela sua execução é terceiro contratado (e não
delegado) para este fim e nas condições reguladas pelo Poder Público.
O Estado brasileiro, só nas últimas seis décadas, passou dos serviços públicos
centralizados para os serviços públicos delegados a particulares e destes às autarquias
outorgadas. E, ainda, passou a assumir atividades de interesses recíprocos entre entidades
públicas e particulares sob regimes de cooperação mútua, nas formas de convênios e
consórcios administrativos.
Então, a descentralização da atividade administrativa, que, em linhas conclusivas,
significa “a transferência de poderes de decisão em matérias específicas a entes dotados de
personalidade jurídica própria, que as realizam em nome próprio, mas com observância de
princípios e manutenção de características e efeitos idênticos às atividades estatais”
97
. É
considerada “forma de organização administrativa, que se contrapõe à centralização, caso em
que se concentra o conjunto das tarefas administrativas que se propõem no território nacional
94
Concessão, então, é o instituto por meio do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém
que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, mas nas condições fixadas e alteráveis
unilateralmente pelo Poder Público, sob garantia contratual, remunerando-se pela própria exploração do serviço,
mediante tarifas cobradas diretamente pelo usuário do serviço (MELO, Celso Antonio Bandeira. Curso de
Direito Administrativo.pp. 499-500)
94
95
Permissão é, também, uma modalidade de prestação indireta dos serviços públicos por meio de pessoas de
Direito Privado, portanto, é o ato unilateral e precário, intuito personae por meio do qual o Poder Público
transfere a alguém o desempenho de um serviço que lhe é próprio, proporcionando a possibilidade de cobrança
de remuneração dos usuários (MELO, Celso Antonio Bandeira. Idem. . pp 543-544)
96
Autorização é ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração Pública faculta ao particular o
desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos,
bem como faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Parcerias na Administração Pública. pp. 132-133).
97
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2006, p. 65.
54
nas mãos do Estado, que as assume por intermédio de uma Administração hierarquizada e
unificada”
98
.
A descentralização pressupõe, então, dois elementos: inicialmente, implica no
reconhecimento de uma categoria de interesses próprios que seja distinta dos interesses
nacionais; e, por fim, é preciso a concessão da personalidade jurídica às entidades que foram
criadas para determinada função, para que com autonomia financeira possa gerir seus
negócios.
Tem-se, então, que a descentralização administrativa deve ser considerada como
medida de gerência, por parte do Estado, na criação de entidades parceiras
99
que o auxiliarão
no cumprimento de seus fins. São, portanto, formas de parceria todas aquelas medidas
tomadas pelo Estado na intenção de garantir, ainda que indiretamente, a observância de suas
finalidades.
Portanto, pela descentralização administrativa, o Estado transfere para outrem –
com maior ou menor autonomia – a prestação de uma atividade pública de interesse coletivo.
Assim, um debate importante em torno das políticas públicas é o processo de
descentralização que se deve apoiar em programas com objetivo de evitar prejuízos à
população, ou seja, “um processo ordenado de descentralização de políticas públicas exige
medidas nacionais, com a cooperação de todas as esferas governamentais”
100
.
Neste sentido, “o sistema federalista deve ser ressaltado como um instrumento de
organização estatal e popular que possibilita unir o local ao global por meio da instância
nacional”
101
, pois estrategicamente, enquanto sistema descentralizado, privilegia as
atividades públicas no âmbito periférico sem anular o papel coordenador e ordenador da
instância central.
98
RIVERO, Jean. Direito Administrativo. 1981, p.353.
99
Maria Sylvia Zanella di Pietro, entende por parceria a modalidade de delegação ao particular de atividade que
não são exclusivas do Estado, como as concessões, permissões e fomentos (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di.
Obra citada. 2002, p.51).
Nesta tese, tema-se a parceria como forma de atividade cooperada entre entes públicos ou entre estes e os
particulares para fazer valer, sempre, os interesses da coletividade.
100
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, 69-70.
101
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p.168.
55
Segundo Maria Garcia, “a federação brasileira deve ser repensada e revista para
que possa vir a consagrar, efetivamente, a participação e a descentralização, congregadas as
entidades políticas dos Estados e dos Municípios numa União ensejadora da unidade
nacional”
102
.
Mas não é só a descentralização administrativa que importa no estudo do caso
brasileiro como elemento concretizador da implementação de políticas púbicas, e, sim,
compatibilizá-la a mecanismos de coordenação e cooperação entre os entes federativos, que
são inerentes à descentralização política.
102
GARCIA, Maria. Federalismo brasileiro: a repartição de rendas tributárias e o Município. Uma proposta
In:BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. 1995, p. 132.
56
CAPÍTULO II
INTEGRAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS: TENDÊNCIA À ASSOCIAÇÃO
1. Introdução
A relevância do estudo da repartição de constitucional de competências na
federação justifica-se pela delimitação do modelo adotado, pois “define o grau de
descentralização, de direitos e deveres de cada esfera da federação, sendo, desta forma, a
espinha dorsal dos sistemas federalistas”
103
. Afinal, “a forma federal de Estado implica a
distribuição territorial do poder político, com a coexistência de esferas de governo, com
competências definidas, possibilitando a coordenação e independência”
104
.
Considera-se, para tanto, como elemento significativo a reformulação institucional
no país, por meio da criação de instrumentos que proporcionem a descentralização política e
adequado cumprimento de políticas públicas nacionais. Desta forma, a análise da distribuição
de competências é o eixo central da organização federativa brasileira. Sabe-se que no “Estado
federal o que se tem é uma descentralização política e não apenas administrativa, isto é,
existem múltiplos centros de decisão, cada um tendo exclusividade em relação a determinados
assuntos, o que é muito mais do que a simples descentralização da execução”
105
.
As questões que envolvem os consórcios públicos devem ser analisadas a partir do
modelo federativo brasileiro, que direta ou indiretamente relacionam-se à extensão das
competências constitucionais reservadas aos entes federados.
103
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re)
formulação da federação brasileira. 2006, p. 110.
104
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. 1986, p. 21.
105
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. 1986, p. 18-19.
57
2. Repartição Constitucional de Competências e a busca do equilíbrio nas relações
interfederativas
A repartição constitucional de competência, conforme José Alfredo de Oliveira
Baracho, “é essencial à definição jurídica da federação; daí decorre o princípio federal de que
cada um dos componentes tem sua órbita de ação, circunstância que decorre da Constituição
federal, como fundamento jurídico do Estado”
106
.
A Constituição de 1988 “estruturou um sistema complexo em que convivem
competências privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrente,
repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação das ordens parciais na
esfera de competências próprias da ordem centra, mediante delegação”
107
. Restou destacado
no texto constitucional vigente que União, Estados, Distrito Federal e Municípios
108
integram
a estrutura federativa brasileira. A adoção desse modelo estrutural “implica a admissão de
autonomia para as entidades integrantes da federação”
109
.
A federação brasileira, como qualquer federação, é reconhecida pela promoção
conjunto e indissociável de interesses recíprocos, afinal “toda organização federativa envolve
um complexo de problema de composição e harmonização de interesses nacionais e locais”,
ou seja, “ainda quando exista uma competência privativa para um determinado ente federado,
deverá ser exercitada de modo a assegurar a realização dos interesses conjuntos de todos os
demais entes federados”
110
. Reconhece-se a integração das competências e a atuação
conjunto e coordenada entre os diversos entes federativos.
Esta forma de Estado assegura oportunidades mais amplas de participação no
poder político, pois aqueles que não obtiverem ou não desejarem a liderança federal poderão
106
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. 1986, p. 25.
107
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2005, p. 74.
108
A despeito da crítica isolada de José Afonso da Silva em não admitir o Município como integrante do sistema
federativo brasileiro, toda a doutrina é unânime no reconhecimento deste ente federado, tendo em vista as
previsões expressas no art. 1° e 18 do texto constitucional. Textualmente argumenta o autor que não é porque
uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito de
entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de federação, pois não existe federação de
Municípios. E segue dizendo que é algo sem sentido afirmar que a República Federativa do Brasil é formada de
união indissolúvel dos Municípios, porque, se assim fora, ter-se-ia que admitir que a Constituição está provendo
contra uma hipotética secessão municipal. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São
Paulo: Malheiros, 2001., p. 473).
109
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constiitucional. 2002., p. 730.
110
JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei
federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito
Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 675.
58
ter acesso aos poderes locais. Assim, a organização federativa favorece a preservação das
características locais, reservando uma esfera de ação autônoma a cada unidade federada, ao
mesmo tempo em que promove a integração, transformando as oposições naturais em
solidariedade. Considera-se, pois, como “expressão mais avançada de descentralização
política. Assegura maior aproximação entre os governantes e governados, uma vez que o povo
tem sempre acesso mais fácil aos órgãos do poder local e por meio deste influi o poder
central”. É certo que “a federação proporciona a conjunção de esforços, permitindo a
integração dos entes em unidades que são naturalmente mais fortes, preservando, sobretudo, o
particularismo”
111
.
Os Estados federais são “materializados em organização administrativa própria,
em competência tributária específica, em responsabilidades por determinas políticas públicas,
em poder para editar leis em suas esferas de competência de forma simultânea”, acrescenta
Rosani Evangelista da Cunha
112
. Assim, “entender as formas pelas quais os governos se
relacionam para equilibrar autonomia e independência entre as unidades, em razão de suas
diversidades, e, principalmente, equilibrar a competição com a cooperação, é a principal
problemática que envolve esta forma de Estado”
113
.
A distribuição de competências garante a autonomia das unidades federadas entre
si, isto é, “a autonomia alude a uma distribuição vertical de poder entre os distintos entes em
função o seu respectivo interesse; além do que o Estado Nacional ostenta uma posição de
superioridade que o permite estabelecer controles de legalidade – e não, oportunidade – sobre
a atuação dos demais”
114
. A autonomia representa o reconhecimento de um conjunto de
competências próprias de cada um dos entes.
O texto constitucional vigente, ainda que com limites, principalmente quanto ao
financiamento das políticas públicas no texto consagradas, definiu uma agenda reformista
115
111
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do do Estado. 2003., p. 259-261.
112
CUNHA, Rosani Evangelista da. Federalismo e relações intergovernamentais: os consórcios públicos como
instrumento de cooperação federativa. In: Revista do Serviço Público – RSP, 2004, p. 06.
113
Ibidem, p. 07.
114
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 50. Tradução livre.
115
Por agenda reformista, considera Orlando Alves dos Santos Junior “as reformas econômicas estruturais
implementadas com a adoção de políticas de liberalização econômica e a privatização de empresas estatais. Ao
mesmo tempo, a crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os
governos locais, impulsionando profundas transformações nas instituições de governo local do país, que alteram
o sistema de decisões municipais e as práticas dos atores políticos. Desde então, para o autor, verifica-se um
crescente e generalizado processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralização e
na municipalização das políticas públicas. Tal processo tem ensejado mudanças na organização e no
funcionamento dos governos locais, que têm sido incorporadas de forma diferenciada segundo as diretrizes
adotadas e o grau de instituição dos canais de gestão democrática e dos instrumentos redistributivos de renda e
59
que se caracteriza pela concepção universalista quanto aos direitos sociais, redistributiva
quanto à renda e democrática quanto à gestão pública. Neste contexto, é preciso compreender
“o espaço das cidades como espaço social, resultado de lutas pela apropriação de bens e
serviços, e como expressão de luta pelo pode, do qual decorre uma dimensão sociocultural
decisiva nos processos de desenvolvimento e cria um ambiente que pode tanto favorecê-lo
quanto bloqueá-lo”. Entre diversos elementos desse ambiente “insere-se o grau de
associativismo, que inclui na agenda política a questão da constituição dos sujeitos coletivos”
116
, como são os consórcios públicos.
A chamada repartição de competências “é o ponto central do federalismo,
pressuposto da autonomia dos entes federados em que as unidades recebem diretamente da
Constituição Federal as suas competências”, proporcionando a existência conjunta de
“múltiplos centros de decisão política, cada qual com a exclusividade em relação a
determinados assuntos”
117
.
O texto constitucional reparte as competências públicas entre as entidades estatais,
observando, segundo critérios técnicos e jurídicos, os interesses próprios de cada esfera
administrativa, bem como a capacidade para executá-los.
Constata-se que a Constituição de 1988 estruturou um sistema que “combina
competências exclusivas, privativas e principiológicas com competências comuns e
concorrentes, buscando reconstruir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio
ditados pela experiência histórica”
118
.
Ao mesmo tempo em que a repartição de competência define o modelo federativo,
este se equilibra entre a colaboração mútua dos entes federados e a impossibilidade de
delegação irrestrita de suas competências, ou seja,
[...] a repartição das competências para a prestação de serviços
públicos pelas entidades estatais políticas opera-se segundo
critérios técnicos e jurídicos, observando os interesses próprios
de cada esfera administrativa, a natureza e extensão dos
mesmos, bem como a capacidade para executá-los
vantajosamente para a Administração e para os
administrados
119
.
da riqueza produtiva nas cidades”.( SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local:
dilemas da reforma municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2001, p. 29)
116
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no
Brasil. 2001, p. 13.
117
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. 2004, p. 14.
118
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2001., p. 475.
119
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002., p. 324.
60
Para Celso Antônio Bandeira de Mello,
[...] a discriminação constitucional de competências legislativas
entre as pessoas jurídicas de capacidade política compõe, em
seu todo, um sistema harmônico, de forma que para um
apropriado reconhecimento desta competência no âmbito
municipal é necessário entender qual o critério
120
delimitador
das fronteiras das atribuições de cada qual pensado pelo
constituinte. [...] tal discriminação é preordenada tendo em vista
a base territorial dos sujeitos, ou seja, essa distribuição
considera a abrangência territorial e a índole da matéria que
mais diretamente a afetam; no caso brasileiro, os interesse mais
amplos assistem à União; os circunscritos ao âmbito regional,
aos Estados; e os que concernem tão-só à esfera local, aos
Municípios
121
.
A Constituição de 1988 contemplou quatro formas de distribuir as competências
dos entes federados: a primeira discriminando a competência da União em matérias
administrativas, deixando as remanescentes ao encargo dos Estados; a segunda tem a União a
prerrogativa de delegar aos Estados suas competências privativas; a terceira, indicando as
competências comuns, inclusive de caráter administrativo, estabelecendo a cooperação
interfederativa; e, por fim, as competências concorrentes entre União e Estados-membros.
Em outras palavras, reservou competências exclusivas à União (arts. 21 e 22)
122
,
poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º)
123
e poderes indicativos para o
120
Diz o autor que a distribuição de competências legislativas obedece ao seguinte critério: “[...] a) de um lado,
tem por finalidade ensejar que cada qual disponha sobre assuntos correlatos à amplitude da respectiva esfera de
interesses inerentes aos propósitos de descentralização territorial; b) de outro lado, propõe-se a reconhecer aos
Estado todos os poderes legislativos residuais, isto é, competência para dispor, em suas respectivas órbitas
territoriais, sobre tudo que não seja deferido a outras esferas de poder.
Em resumo, as competências da União, tanto quanto as dos Municípios, são as enumeradas, ainda que, no caso
destes últimos, sua determinação nuclear haja ficado atrelada a conceitos padecentes de alguma fluidez, quais os
de interesse local e, no que concerne à suplementação das leis federais e estaduais, ao reconhecimento do que
significa no que couber. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discriminação constitucional de
competências legislativas: a competência municipal. In: Direito Tributário: estudos em homenagem a Geraldo
Ataliba. 1997, p. 275)
121
Ibidem, p. 271.
122
Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais; II - declarar a guerra e celebrar a paz; III - assegurar a defesa nacional; IV - permitir, nos casos
previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente; V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; VI - autorizar e
fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII - emitir moeda; VIII - administrar as reservas cambiais
do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem
como as de seguros e de previdência privada; IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação
do território e de desenvolvimento econômico e social; X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI
- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos
termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos
institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de
radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a
61
Município (art. 30). Distinguindo-as, conforme a natureza, entre competência executiva
124
e
legislativa
125
.
A competência executiva pode ser privativa (art. 21) e comum (art. 23), enquanto
que a competência legislativa pode ser privativa (art. 22), concorrente (art. 24)
126
e
suplementar (art. 24 , §2º e art. 30, II).
navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e
aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos,
fluviais e lacustres; XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do
Distrito Federal e dos Territórios;
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de
bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a
execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV - organizar e manter os serviços oficiais de
estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XVI - exercer a classificação, para efeito
indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; XVII - conceder anistia; XVIII - planejar e
promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX -
instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu
uso; XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos; XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;
XXII - executar
os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII - explorar os serviços e instalações
nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes
princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos
e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a
utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; c) a
responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; XXIV - organizar, manter e
executar a inspeção do trabalho; XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem, em forma associativa.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II - desapropriação; III - requisições civis e militares, em
caso de iminente perigo e em tempo de guerra; IV - águas, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão; V - serviço postal; VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; VII -
política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; VIII - comércio exterior e interestadual; IX -
diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea
e aeroespacial; XI - trânsito e transporte; XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia; XIII -
nacionalidade, cidadania e naturalização; XIV - populações indígenas; XV - emigração e imigração, entrada,
extradição e expulsão de estrangeiros; XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o
exercício de profissões; XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito
Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes; XVIII - sistema estatístico, sistema
cartográfico e de geologia nacionais; XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular; XX
- sistemas de consórcios e sorteios; XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII - competência da polícia
federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais; XXIII - seguridade social; XXIV - diretrizes e bases da
educação nacional; XXV - registros públicos; XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII
normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37,
XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; XXVIII -
defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional; XXIX - propaganda
comercial. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas
das matérias relacionadas neste artigo.
123
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição. § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
124
Competência executiva é a competência material para a execução dos serviços.
125
Competência legislativa é a capacidade de editar leis.
62
De um modo geral, a União tem como principal missão “a promoção do
desenvolvimento e integração das áreas problemáticas do continente nacional, que deverão ser
convenientemente assistidas e desenvolvidas”
127
, ou seja, “confere-se competência à União
para desempenhar certas atividades de cunho político, administrativo, econômico ou social
que, por sua natureza, pressupõe o exercício e tomada de decisões governamentais e utilização
da máquina administrativa”
128
. Entretanto, não conseguiu encontrar o equilíbrio nas relações
federativas”
129
, pois persiste nela uma excessiva concentração de poderes.
Na competência concorrente, compete à União estabelecer apenas as normas
gerais sobre matérias específicas e aos Estados e Distrito Federal, a adaptação as suas
especificidades, desde que não contrarie a lei federal. Nessa modalidade legislativa, os
Municípios não foram autorizados, o art. 30, II, lhes outorgou a competência para suplementar
as legislações federal e estadual naquilo que couber.
Em razão disto, uma das questões mais relevantes
do sistema federativo brasileiro,
argumenta Vanêsca Buzelato Prestes, “é a compreensão quanto à hierarquia entre as leis.
Erroneamente, é do senso comum a idéia de que a lei federal prepondera sobre a lei estadual e
esta sobre a lei municipal”
130
. A tradição de um federalismo centralizador identifica-se nas
legislações de origem da União disciplinando as matérias detalhadas. De outra parte, Estados
e especialmente os Municípios esperam do ente central ações e resoluções decorrentes destas
competências.
126
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito
tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II - orçamento; III - juntas comerciais; IV - custas
dos serviços forenses; V - produção e consumo; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao
patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX -
educação, cultura, ensino e desporto; X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; XI -
procedimentos em matéria processual; XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; XIII - assistência
jurídica e Defensoria pública; XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; XV -
proteção à infância e à juventude; XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. § 1º - No
âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A
competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º
- Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender
a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.
127
SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova
federação. 1995, p. 82.
128
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada. p. 84.
129
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Perspectivas para o federalismo in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por
uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154.
130
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Considerações sobre o problema da hierarquia entre as normas
infraconstitucionais no sistema federativo brasileiro - reflexões sobre a lei municipal. Disponível em: <http://
www.portoalegre.rs.gov.br>. Acesso em: 20 de abril de 2004.
63
2.1. Descentralização do poder político
A descentralização do poder político tem grande relevância no Estado
contemporâneo. Como diz Léon Deguit, a descentralização é um fato que tem, cada vez mais,
espaço no Estado Moderno, pois, se, de uma parte é uma conseqüência forçada, de outra, a
desaparece a noção de soberania una e indivisível, sem mencionar a considerável extensão
dos serviços públicos e, particularmente, dos serviços técnicos, sobre os quais os Governos
não podem exercer ação direta.
131
.
Tornou-se comum afirmar que, para solucionar o desequilíbrio entre a União,
Estados e Municípios, seria necessária uma total reformulação com base na descentralização e
no princípio da subsidiariedade.
Contudo, a concepção de descentralização “é vaga e pode ser utilizada em
diversos contextos: no modelo anglo-saxônico, por exemplo, é apresentada como um fator de
eficiência e controle da atuação governamental, sugerindo que o poder estatal é corrupto e
ineficiente”. Então, “o debate não deve ser entre a descentralização e a centralização, mas
qual a descentralização e para que (e para quem) descentralizar, pois a descentralização de
políticas públicas deve ser realizada de modo gradual e apoiada em programas de assistência
técnica e financeira, a fim de evitar rupturas e prejuízos para a população”. A
descentralização, enfim, deve ser feita “de maneira articulada, coordenada e planejada, com
objetivos comuns de desenvolvimento e promoção da igualdade de condições sociais de vida”
132
.
Há, então, no Estado federal uma descentralização do poder político, distribuído
pela Constituição entre União e entes federados. Não se trata apenas de descentralização
administrativa, mas também normativa, por meio do qual cada parte detém competência para
estabelecer sua própria autonomia. Por meio da descentralização do poder político, é possível
“a manutenção do equilíbrio entre as forças internas, permitindo a formação do Estado
nacional e estabilizando democraticamente as relações políticas territoriais em âmbito
nacional”
133
.
131
DEGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionnel. 3em édition, vol. III, La théorie générale de l’état. Paris:
Ancienne Librairie Fontemoing, 1930, p. 72.
132
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 178-183.
133
BAGGIO, Roberta Camineiro. Obra citada. p. 116.
64
São dois os princípios básicos do federalismo: o da autonomia das coletividades
territoriais distintas do poder central e o da participação dessas coletividades na vida dos
órgãos centrais
134
. A autonomia pressupõe a repartição constitucional de competência e a
capacidade de auto-organização. No sistema jurídico nacional, a Constituição de 1988, ao
estabelecer a repartição de competências entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, fundou-se na técnica clássica
135
de enumerar poderes à União e deixar os
remanescentes ao Estados, além de definir, explicitamente, os poderes dos Municípios, que
são entes federativos
136
.
Então, a autonomia, como princípio estrutural, é uma forma de divisão de poderes
no Estado; todavia, ela não se esgota na mera descentralização, mas compreende o conjunto
de relações de coordenação e subordinação entre os diversos órgãos do Estado.
Talvez o aspecto primordial do Estado federado seja o reconhecimento de que
todos os entes integrantes da federação são co-titulares de interesses comuns, cuja promoção
se desenvolve por meio da atuação conjunta e indissociável, assegurando-se a todos eles o
respeito recíproco. Em contrapartida, “deve-se equilibrar a autonomia de cada um, que reside
na existência de interesses próprios, de poderes diferenciados e de competências privativas”
137
.
A autonomia político-administrativa das unidades federadas não enfraquece nem
representa obstáculo à atuação harmoniosa de todos os entes; mas, sim, “assegura que as
relações de colaboração sejam mantidas entre iguais e em condições de equivalência, sem
134
Também nesse sentido, Luís Roberto Barroso diz que além do reconhecimento de autonomia às entidades
estatais – isto é, de capacidade de autodeterminação dentro do espaço estabelecido pela Constituição – a idéia de
federação envolve, ainda, um outro conceito fundamental que é o de repartição de competências. União, Estados,
Municípios e Distrito Federal têm suas atribuições demarcadas pela Constituição Federal e estabelecem entre si
relações que não têm a marca da hierarquia, mas a do desempenho por legitimação própria das funções
constitucionais assinaladas. (BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, p. 142)
135
Para Carlos Mario da Silva Velloso, são duas as técnicas de repartição de competências: a primeira consiste
no estabelecimento de competências expressas para a União, ou na atribuição de poderes enumerados à União,
ficando para os Estados-Membros os poderes remanescentes. Outra consiste no atribuir poderes enumerados aos
Estados, ficando para a União os poderes remanescentes. (VELLOSO, Carlos Mario. Temas de Direito Público.
1997, p. 388-398). Já, para José Afonso da Silva são três as técnicas de repartição de competências: a primeira
consiste na enumeração dos poderes da União, reservando-se aos Estados os poderes remanescentes; na segunda,
tem-se a atribuição dos poderes enumerados aos Estado e dos remanescentes à União e, por fim, a enumeração
das competências das entidades federativas, compreendendo poderes concorrentes e atribuição de poderes
residuais à União. (SILVA, José Afornso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.2001. p. 476).
136
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Obra citada. p. 390.
137
JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site:
<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerMarcalJustenFilho.pdf.> Acesso em 30 de março
de 2005.
65
subordinação de umas a outras”. Desse raciocínio, deve-se concluir que no Estado brasileiro,
“a atuação dos entes federativos deve ser harmoniosa e voltada para objetivos comuns”
138
.
O princípio da predominância do interesse é que norteia a repartição de
competências entre as entidades componentes do Estado federal. Serão de competência da
União àquelas matérias de predominante interesse geral; dos Estados aqueles assuntos de
predominante interesse regional; e, aos Municípios, assuntos de interesse local.
A Constituição de um Estado federal tem que se reduzir, forçosamente, ao mínimo
denominador comum. No caso brasileiro, “para ter um mínimo de legitimidade a sustentá-la,
deve assentar-se na nossa realidade, construída ao longo da história, e dar satisfação à grande
exigência nacional: o desenvolvimento sócio-econômico do país”
139
-
140
.
Em particular a modelo federativo brasileiro posto a partir de 1988 implanta, sem
precedentes, uma descentralização fiscal e de políticas públicas. Esta atitude se justifica tendo
em vista a trajetória do país que há muito convive com problemas como desigualdades sociais
e econômicas regionais – o que certamente se explica pela extensão territorial do país. A
heterogeneidade, a diversidade e conflitos são inevitáveis.
Preocupou-se em inserir instrumentos que proporcionassem, apesar do movimento
de descentralização, a concentração de esforços dos entes federados nas políticas de atuação
cooperada para desenvolvimento do Estado nacional. No entanto,
[...]há instrumentos que até o momento pendem de efetiva
regulamentação, como: a uniformização dos procedimentos e
critérios para a criação de Municípios; instrumentos de gestão e
compartilhamento de responsabilidades em regiões
metropolitanas; regulamentação de mecanismos de cooperação
138
PORTO NETO, Benedito. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de
2005, p. 10.
139
COMPARATO, Fábio Konder. Obra citada. p.15.
140
O ponto de partida é a idéia de que o subdesenvolvimento representa uma situação de desequilíbrio constante
e dinâmico entre classes, setores e regiões do país, de modo a produzir múltiplas e crescentes desigualdades. O
desenvolvimento aparece, assim, como o processo de eliminação desses desequilíbrios, pela combinação da
capacidade de crescimento econômico com a instauração da igualdade básica de condições de vida. Não se trata,
pois, de uma noção exclusivamente econômica ligada ao aumento da renda nacional, ao à simples modernização
tecnológica. Ele abrange as condições básicas de vida em sociedade, as quais dizem respeito, obviamente, às
exigências biológicas elementares, mas também às de ordem cultural e política. (COMPARATO, Fábio Konder.
Idem., p. 16).
66
para a implantação de políticas definidas no art. 23; a definição
da titularidade sobre alguns serviços públicos específicos.
141
Como se verá, de um modo geral, as formas de operacionalização e de pactuação
interfederativa foram delegados ao legislador infraconstitucional que não se empenhou neste
sentido. Sem tais medidas, torna-se pouco provável a finalização e implantação do chamado
federalismo cooperativo no país.
2.2. O papel dos Estados-Membros na federação brasileira
Neste processo de descentralização das decisões políticas, os Estados-Membros
ficaram bastante limitados em suas competências, pois suas atribuições resumem àquelas que
não competem à União e, ainda, que não podem ser cumpridas pelos Municípios.
Então cabe aos Estados a decisiva tarefa de influir nos rumos da municipalização
das políticas públicas, pois cabe a eles compensar as adversidades locais. Como afirma
Michel Bothe, “um bom funcionamento do federalismo pressupõe Estados-Membros
eficientes”, em contrapartida, “deficiências neste funcionamento possuem efeitos
centralizadores”
142
.
Aos Estados restaram, portanto, as competências privativas residuais, nos termos
do art. 25, e seus parágrafos, combinado com a leitura do § 4º do art. 18, de exploração dos
serviços locais de gás canalizado; de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões e a de criar municípios.
Para Fernanda Dias Menezes de Almeida “abrir aos Estados uma esfera de
competências legislativas concorrentes, em que lhes é facultado, por direito próprio, e dentro
dos limites traçados pela Constituição, disciplinar uma série de matérias que antes escapavam
de sua órbita de atuação legiferante, significa, por certo, ampliar-lhes os horizontes e
incentivar-lhes a criatividade”
143
.
141
CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. p. 12.
142
BOTHE, Michel. Federalismo – um conceito em transformação histórica, in Federalismo na Alemanha,
Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 11.
143
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada, p. 77.
67
2.3. A municipalização após a Constituição Federal de 1988
Com propósito bastante diferenciado vieram os Municípios.
A Constituição brasileira de 1988 não se contentou em estabelecer a Federação,
descentralizando o todo; estabeleceu, também, o municipalismo, impondo a descentralização
das partes. Há, portanto, três ordens federativas: nacional, regional e local.
O reconhecimento da importância dos Municípios deve-se, sobretudo, à
circunstância de que se trata de um agrupamento de sólidas bases, porque o relacionamento
dos interessados dá-se de maneira mais aberta e intensa. É por este motivo que o Município
precede ao próprio Estado
144
.
Para Geraldo Ataliba, a federação
[...]é uma decorrência necessária, no sistema brasileiro, do
próprio regime republicano, pois parece de clara evidência e
fácil aceitação que a extensão territorial dos Estados há de
requerer, com maior ou menor intensidade, um tipo de regime
político que melhor assegure a proximidade entre governantes e
governados. [...] (E, neste contexto) a autonomia municipal
aparece como base do mesmo princípio republicano, que é o
mais transcendental dos princípios do direito público.
145
A autonomia municipal é tema prestigiado pelo constituinte federal, que a colocou
entre os princípios sensíveis, de necessária obediência
146
, o que implica na livre capacidade de
decisão no âmbito de suas competências e sob sua responsabilidade
147
. O princípio da
autonomia representa o âmbito de competência reconhecida aos entes locais. Trata-se, enfim,
de autonomia pra a gestão de seus respectivos interesses.
Intensificou-se, particularmente, o movimento de municipalização no Estado
brasileiro após a publicação da Constituição Federal de 1988. Por meio de processos de
desmembramentos, um número grande de Municípios foi criado. Este fato ampliou as
disparidades locais e regionais, sem dizer que significativa parte destes dependem
exclusivamente de transferências financeiras da União para sua sobrevivência.
144
BASTOS, Celso Ribeiro e TAVARES, André Ramos. As tendências do Direito Público no limiar do novo
século. São Paulo: Saraiva, 2000., p. 130.
145
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 44-45.
146
Art. 34, VII, c.
147
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 51.
68
Segundo Murray Bookchin
[...] o Município é espaço econômico e humano, de
transformação do grupo em corpo político de cidadãos. O social
e o estatal misturam-se provando que não existem formas pura
de organização social. A era moderna caracteriza-se pela
urbanização, com a conseqüente degradação do conceito de
cidade – enquanto corpo político de cidadãos livres – para
transformá-la em urbe – que representa o lado físico da
cidade
148
.
Mas, lamentavelmente, ainda é reduzida a participação efetiva dos Municípios na
equação e na solução dos problemas que interessam de perto às comunidades locais. Em razão
da inexistência de uma clara definição legal das tarefas que devem caber aos municípios (a
expressão constitucional “interesse local” não resolve a questão), na maior parte dos casos,
eles não participam da solução das graves carências que afligem o cotidiano dos cidadãos,
particularmente quanto aos problemas básicos (saúde, educação, habitação etc.) que assumem
aspectos dramáticos
149
.
No intuito de fortalecimento do poder local, a ordem constitucional de 1988
reforçou o processo de descentralização política pela transferência de atribuições para Estados
e Municípios e a descentralização administrativa pela criação de instrumentos de cooperação
e relação intergovernamental, mas não proporcionou métodos eficazes para a implementação
destas medidas. Ante esta falha, a prática converteu-se em competição horizontal e vertical
entre os entes federados. De fato, a fragmentação dos Municípios é decorrente da falta desses
mecanismos de coordenação interfederativa.
A Constituição de 1988 modificou substancialmente a posição dos Municípios na
Federação, considerando-os componentes da estrutura federativa; portanto, organização
político-administrativa dotada de autonomia (administrativa, política e financeira).
A característica básica de qualquer federação é a distribuição do poder
governamental para as unidades regionais. No caso brasileiro, o sistema constitucional elevou
os Municípios à categoria de entidades autônomas, dotando-as de organização e governos
próprios, bem como, competências exclusivas.
148
BOOKCHIN, Murray. Municipalismo libertário. 1999, p. 13-21.
149
BELTRÃO, Helio. Obra citada. p. 24.
69
A autonomia municipal está assegurada nos arts. 18 e 29 da Constituição
Federal
150
, e significa a capacidade de gerir seus próprios negócios, dentro de um círculo
prefixado por entidade superior (distribuição constitucional de competências).
Hely Lopes Meirelles afirma que “a atual Constituição da República, além de
inscrever a autonomia como prerrogativa intangível do Município, ainda enumera atribuições
que os Estados Membros e a própria União Federal devem reconhecer em favor do
Município”
151
.
As competências municipais estão expressas no art. 30 do texto constitucional.
São elas:
Art. 30. [...]
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem
como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de
prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação
estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o
de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e
do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino
fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e
do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Não se pretende a enumeração de atividades cujo exercício é próprio pelos
Municípios, mas, sim, apresentar elementos capazes de auxiliar na delimitação das matérias
que lhe possam ser atribuídas.
150
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...)
151
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 1998, p. 88.
70
a) Concepções sobre o Interesse Local
Percebe-se aqui, então, que a problemática sobre a amplitude da atuação
municipal está na necessidade de definição do termo interesse local, para, daí, tratar sobre as
especialidades das atividades locais.
Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky afirmam que “interesse local é aquele que,
sem excluir o do Estado e o da União, diz mais de perto ao Município, está mais próximo às
questões ligadas à vida do Município e sua população”
152
.
Pelo mesmo termo entende Hely Lopes Meirelles que “não é o interesse exclusivo
do Município, porque não há interesse municipal que não seja reflexamente do Estado e da
União, e, sim, a predominância desse interesse para o Município em relação ao eventual
interesse estadual ou federal acerca do assunto”
153
.
Constata-se a indicação doutrinária nacional para o estudo casuístico da definição
do termo interesse local, utilizando-se como elemento aferidor o critério da predominância do
interesse e, não, o da exclusividade, salvo os casos expressos dispostos nos incisos V a VII do
art. 30 da Constituição Federal, em face das circunstâncias de lugar, natureza e finalidade dos
serviços.
Neste sentido, Dinorá Adelaide Musetti Grotti pondera que, “interesse local é
aquele em que predomina o interesse do Município sobre o do Estado Membro ou da União e
não como sendo único e exclusivo do Município, para efeito de caracterização em cada caso”.
Mas adverte que “a imprecisão do conceito pode gerar dificuldade de análise contextual
diante de situações ambíguas, onde os interesses locais e regionais se cruzam e se inter-
relacionam, diante da mutação por que passam algumas atividades e serviços, em especial
quando se consideram as alterações tecnológicas, sócio-econômicas e institucionais”
154
.
Aparentemente, a distribuição das competências parece complexa, porém é um
sistema flexível capaz de moldar-se à realidade brasileira, que apresenta profundas diferenças
regionais, vez que o Poder Público tem maior agilidade e poder de iniciativa executiva, pois
não se adotou um sistema estanque e compartimentado de níveis de competência em uma
152
MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de Direito Constitucional. 2001, p. 113-114.
153
MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada. t., p. 305.
154
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. 2003. pp.93-94.
71
mesma matéria. Sem dúvida, falta ainda a elaboração de inúmeras leis complementares para a
criação de todo o arcabouço infraconstitucional.
As questões urbanas estão presentes nos diversos níveis de governo, porém muito
mais presentes nos Municípios, que têm competência para legislar sobre assuntos de interesse
local. E, fortalecendo esta posição, o art. 182
155
da Constituição Federal estabelece que o
Poder Público Municipal deve executar a política de desenvolvimento urbano, ordenando o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o bem-estar de seus
habitantes.
Enfim, corresponderá à ação municipal toda medida que se contenha nos limites
do bem-estar dos munícipes, sem invadir a esfera dos interesses gerais da União Federal, ou
regionais dos Estados-Membros.
Sobre o tema, Celso Ribeiro Bastos adverte que “as competências inseridas no art.
30 da Constituição Federal não devem estimular uma visão exageradamente grandiosa da
autonomia municipal, eis que diversas matérias aí explicitadas sofrem a restrição de uma
normatividade superior”
156
.
Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld, observa que
[...] a própria Constituição Nacional distribui entre os entes da
Federação os direitos e competências relativos à prestação de
serviços estatais. Assim, há serviços públicos federais,
estaduais, distritais e municipais. Mas isso não prejudica a
fundamental unidade do Estado brasileiro, no tocante a seus
objetivos. O desenvolvimento, a erradicação da pobreza, a
redução das desigualdades, a promoção do bem de todos, não
são tarefas de um ou outro ente da Federação, mas de todos em
155
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades
com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. §
2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É
facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos
termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova
seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II -
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo
de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os
juros legais.
156
BASTOS, Celso Ribeiro. Obra citada. 1989, p.278.
72
conjunto (CF, art. 3.º). Por isso, a União e os Estados não são
— nem podem ser, de Direito — indiferentes aos serviços
públicos do Município
157
.
Desta forma, não só a reforma estrutural administrativa do Estado faz-se
necessária, mas, também, a reforma sobre a arrecadação tributária para a manutenção deste
sistema, pois o que se tem, hoje, são transferências constitucionais de recursos que pertencem
aos Municípios, para que os utilize, com autonomia, na cobertura das suas despesas, mas não
conseguem suportar o comprometimento com despesas de outras esferas de Governo. A
questão envolve a necessidade de reformulação tributária para manutenção dos entes
federados. Entretanto, não será objeto deste trabalho.
b) Descentralização das políticas públicas e a especialidade dos interesses locais
Também o estudo sobre a descentralização das políticas públicas para os entes
locais justifica-se pela relevância das competências comuns consagrando a federação
cooperativa, bem como o fortalecimento do poder local, assegurando a participação decisiva
dos Municípios. Com isso, defende Marta Arretche que “em Estados federativos (e
respeitadas as disposições constitucionais), nada impede que os diversos níveis de governos
implementem programas sociais os mais diversos”
158
.
Seja qual for o critério adotado, o fato é que os cidadãos esperam dos Municípios
a prestação das tarefas e fins estatais. Por este fundamento, aos olhos da sociedade, é possível
afirmar que são atribuições de competência local todas aquelas que se enquadram na atividade
própria do Município, permitindo assim a desconcentração de atividades para melhor
atendimento da população.
Observa Sandra Krieger Gonçalves Silva que “é no Município que reside a
convivência obrigatória dos indivíduos, já que é nesta célula que as pessoas exercem seus
direitos e cumprem suas obrigações”
159
.
157
SUNDFELD, Carlos Ari. O saneamento básico e sua execução por empresa estadual in Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, 2001. Disponível em:
http://www.direitopublico.com.br Acesso em: 20 de abril de 2004.
158
ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 23.
159
SILVA, Sandra Krieger Gonçalves. O Município na Constituição Federal de 1988: autonomia, competência
legislativa e interesse local. 2003, p.107.
73
É o que se denomina princípio da municipalização das ações, cuja base é a idéia
de que as soluções devem ser encontradas na própria comunidade, com a participação do
cidadão que vivencia a realidade local e ainda, no fato de que, na gestão autônoma das
políticas públicas, o Município assume as decisões atinentes à saúde, à educação, à limpeza
urbana etc., fixando os programas sociais que deverão atender os mesmos, cabendo aos
conselhos de direitos a fixação das políticas sociais, uma vez que irão deliberar a respeito
daquelas políticas bem como sobre a aplicação dos recursos financeiros.
Entende-se que, no atual contexto brasileiro, a realização de Reformas do Estado e
a consolidação do regime democrático estão indissoluvelmente ligados ao restabelecimento
do pacto federativo que incentive a cooperação, sem restringir a autonomia política dos
governos locais. Afinal, sem que os entes federativos compreendam a necessidade de
operação conjunta, não há como efetivar os preceitos constitucionais.
Diante do processo de descentralização das políticas públicas do Estado brasileiro,
analisando-se os princípios sobre a distribuição das competências, identificar-se-ão os
consórcios públicos como instrumentos paradigmáticos na consolidação da efetiva cooperação
entre os entes federados. Para isso, os conceitos pré-existentes sobre sistemas de governo e
distribuição do Poder devem ser revistos. Principalmente no que tange à figura do Município,
enquanto ente federado.
No entanto, não se pode olvidar que a ação dos governos locais depende, em
grande parte, da ação do governo federal, que, em regra, pelo sistema constitucional
brasileiro, unilateralmente pode induzir decisões e comportamentos de todos os entes
federativos, por meio de programas pré-estabelecidos. Com essa premissa, é possível afirmar
que “em Estados federativos, estratégias de indução de um nível mais abrangente de governo
sobre um outro menos abrangente podem ter impacto sobre a produção de políticas públicas
deste último”
160
.
A qualificação necessária das relações do Estado central com os Municípios,
analisa José Nilo de Castro, “importou no reconhecimento do interesse local, de forma que o
fim da ação municipal é perseguir-lhe e prover-lhe o interesse”. E, segue dizendo que “o
interesse local traduz-se em todos os assuntos do Município, mesmo que ele não fosse o único
160
ARRETCHE, Marta. Obra citada. 2000, p. 33.
74
interessado, mas desde que seja o principal; isto porque tudo o quê repercute direta e
imediatamente na vida municipal é interesse local”
161
.
Mesmo em se falando de cooperação interfederativa, é importante destacar que a
repartição constitucional de competências induz à observância dos limites de atuação de cada
um dos entes federados, ou seja, devem as unidades respeitar aquelas competências que he
são privativas. Trata-se, pois, do respeito ao princípio da autonomia das unidades federados,
que poderão implantar ou não uma determinada política pública. Portanto, a adoção de um
programa proposto por um nível de governo mais abrangente ou a transferência de atribuições
em políticas públicas supõe a “adesão”
162
do nível de governo para o qual se pretende que
estas atribuições sejam transferidas.
Fernando Roriz diz que
[...] o poder local ganhou, de fato, a vários níveis, uma
relevância político-partidária que inevitavelmente vem
condicionando as formas do seu exercício, invariavelmente e
salvo algumas saudáveis exceções, para opções que tendo quase
tudo a ver com estratégias de afirmação eleitoral, por isso não
raro ignoram os modelos de desenvolvimento de racionalidade
e eficácia verdadeiramente importantes para o futuro das
comunidades, entendidas estas como fruidoras de um espaço e
modo de viver cada vez mais libertadores
163
.
As políticas públicas de interesse local devem ser concebidas como técnicas de
coesão social e territorial, ou seja, que sejam cumpridas de forma a abranger o maior número
de pessoas ao maior número de territórios possíveis.
Por isso, a intervenção do Estado na ordem econômica deve observar, de qualquer
forma, o direito de liberdade fundamental, sem ingerência do Poder Público; mas precisa de
ações positivas, para que os cidadãos possam atuar na sociedade integrada.
161
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 2001, p. 54.
162
A expressão adesão dos níveis de governos inferiores frente aos programas e políticas estabelecidas pelos
governos superiores é utilizada por Marta Arretche, pois considera a autora que aqueles não estão obrigados a
seguir as opções escolhidas por estes. Por isso dizer que eles aderem ou ao que foi proposto. Diz a autora que
“em Estados federativos, Estados e Municípios assumem funções de gestão de políticas públicas ou por própria
iniciativa, ou por adesão a algum programa proposto por outro nível mais abrangente de governo, ou ainda por
expressa imposição constitucional. [...] A recuperação das bases federativas do Estado brasileiro tem impacto
sobre o processo de descentralização das políticas sociais pelo fato de que, resguardados pelo principio da
soberania, Estados e Municípios assumem gestão de políticas públicas sob a prerrogativa da adesão, precisando,
portanto, ser incentivados para tal”. (ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 47).
163
RORIZ, Fernando. Municipalismo – Política – Cidadania in Revista de Guimarães, n.º 103, 1993, pp. 433-
439. Sociedade Martins Sarmento – Casa de Sarmento. Disponível em:<http://www.csarmento.uminho.pt.>
Acesso em 18 de abril de 2004.
75
As cidades são, inegavelmente, o espaço de existência física dos indivíduos, onde
se operam desde as transformações sociais e econômicas, até políticas e tecnológicas. Os
Municípios têm problemas de violência, degradação do meio-ambiente, uso desordenado do
solo urbano, lixo de todas as espécies (doméstico, industrial e hospitalar); é nele que as
pessoas transitam pelas ruas e avenidas em meios de transporte próprios ou coletivos, enfim, é
no Município que tudo acontece.
Como já apontado anteriormente, a execução de políticas públicas pelo Poder
Público é atribuição primordial do Governo a fim de assegurar a coexistência dos governados
em sociedade, mantendo a ordem interna e garantindo a iniciativa privada na regulação da
ordem econômica.
Neste sentido, pensando sob o aspecto da descentralização, Luciano Parejo
Alfonso diz que a autonomia local:
[...] é o espaço político-administrativo decisório, normativo e
executivo-prestacional, focado à realização, justamente pela sua
dupla condição de Administração democrática (possibilitadora
da participação política ativa, direta e através de representantes)
e articulada pelo princípio da auto-administração (que faz do
cidadão um membro ativo e destinatário da Administração)
164
.
Como conclusão parcial, tem-se que o critério do interesse local é sempre relativo
frente às demais entidades estatais, pois se predomina sobre determinada matéria o interesse
do Município em relação aos demais entes da federação, essa será de competência municipal,
e no sentido contrário a afirmação também é verdadeira; logo, a aferição da competência
municipal sobre as atribuições locais há de ser feita em cada caso concreto, tomando-se como
elemento o critério da predominância do interesse, e não o da exclusividade, em face das
circunstâncias de lugar, natureza e finalidade da atividade. Portanto, “inútil será qualquer
tentativa de enumeração exaustiva dos serviços locais, uma vez que a constante ampliação das
funções municipais exige, constantemente, novos serviços”
165
.
Se, de uma parte, para a (re) formulação da federação brasileira é necessária a
valorização dos espaços locais, de outra, é necessária a coordenação da União federal, a fim
de manter a unidade nacional. Por isso, ao se pensar em reformas do Estado, inevitavelmente,
164
ALFONSO, Luciano Parejo. La vigencia, fuerza y eficacia de la carta europea de salvaguarda de los
derechos humanos como norma local y los mecanismos de control y garantía de su cumplimiento. Disponível
em: <
http://www.creb.it>, acesso em 17 de abril de 2004.
165
MEIRELLES, Hely Lopes.Obra citada. p. 326.
76
deve-se considerar as expressivas desigualdades econômicas, social, política e,
principalmente, capacidade administrativa e estrutural dos governos locais. No entanto,
adverte Marta Arretche:
[...]
para que uma estratégia de indução seja bem-sucedida, é
necessário que os níveis de governo interessados nas reformas
tenha disposição – isto é, tomem decisões favoráveis a
programas de descentralização – e meios – isto é, contém com
recursos financeiros, políticos e administrativos – para
implementar políticas cujo desenho institucional obtenha a
adesão dos demais níveis de governo. Finalmente, a extensão da
descentralização depende ainda diretamente de que tais
políticas sejam implementadas de modo coordenado. Quanto
maior for o grau de coincidência das ações dos níveis mais
abrangentes de governo, maior será o alcance da
municipalização. Na mesma direção, o escopo da
descentralização depende diretamente da continuidade no
tempo da implementação de estratégias de indução destinadas a
compensar obstáculos derivados da (in) capacidade fiscal e
administrativa dos governos locais
166
.
3. Tendência à associação interfederativa na evolução legislativa brasileira
Curiosamente, em todo o histórico federativo brasileiro, quando da indicação das
competências, incentivou-se o associativismo interfederativo a fim de cumprir tais propósitos.
Pondera Marçal Justen Filho que “a cooperação entre os entes federados é
indispensável para a ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência
da atividade administrativa do Estado brasileiro”
167
.
Presente no país desde o século XIX, sempre se previu a possibilidade legal de
atuação associada entre os Municípios, ainda que naquele momento essas unidades não
tinham o status constitucional de entes federado, mas, sim, partes administrativas dos Estados-
Membros.
A Constituição de 1891 remetia as questões atinentes aos Municípios às
Constituições Estaduais. Alguns Estados faziam então referência à possibilidade de
conjugação de esforços entre entes federados. A Constituição do Estado de São Paulo já
166
ARRETCHE, Marta. Obra citada. p. 74.
167
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. 2006, p. 677.
77
dispunha, em seu art. 56
168,
sobre o tema da associação de Municípios, como método de
realização de quaisquer melhoramentos de interesse comum.
A Constituição de 1934 trouxe uma série de inovações, inclusive quanto ao papel
social do Estado, que foi consideravelmente ampliado, tanto no plano da União quanto dos
Estados-membros e Municípios. Em conseqüência disso, foi amplamente modificado o
aparato administrativo do poder público no Brasil, criando-se e implantando-se novos
instrumentos de ação, surgindo novas figuras jurídicas no âmbito público. Entre outras
inovações, chegou ao Brasil a idéia de federalismo cooperativo, que era uma nova concepção
do relacionamento entre a União e as unidades federadas, posta em prática nos Estados
Unidos
169
.
A Constituição de 1937, no art. 29
170
, fez menção à possibilidade de Municípios
da mesma região agruparem-se para a prestação de serviços públicos comuns. A primeira
referência, não propriamente a consórcios, mas à possibilidade dos Municípios de uma mesma
região poderem “agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços
públicos comuns”, prevendo ainda que tal agrupamento (o consórcio, em suma) seria “dotado
de personalidade jurídica limitada a seus fins” e que caberia “aos Estados regular as condições
de tais agrupamentos” tanto no tocante a sua constituição quando à sua administração
(parágrafo único).
Embora não tenha havido menção expressa quanto à possibilidade dos Municípios
se associarem para o desenvolvimento de serviços compartilhados, o texto constitucional
garantia significativa descentralização administrativa, reforçando a autonomia dos entes
federados. No regime da Constituição de 1946, ensina Dalmo de Abreu Dallari,
[...] houve grande desenvolvimento das administrações
municipais, surgindo nessa fase muitos consórcios
intermunicipais para a realização de obras e serviços de
interesse comum, como será exposto mais adiante, quando
forem examinados especificamente os consórcios. Neste
contexto, muitos Municípios participaram de acordos com
168
Art. 56 – As municipalidades poderão associar-se para a realização de quaisquer melhoramentos, que julguem
de comum interesse dependendo, porém, de aprovação do Congresso do Estado as resoluções que nesse caso
tomarem.
169
DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de
2005.
170
Art. 29 – Os municípios da mesma região podem grupar-se para a instalação, exploração e administração de
serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a
seus fins.
78
governos estaduais e com o governo federal, para o
recebimento de apoio técnico e financeiro para a realização de
empreendimentos de interesse local ou para a complementação
de serviços estaduais e federais, tendo sido criados vários
modelos jurídicos para a formalização desses acordos.
Manteve-se a organização federativa, com suas características
básicas fixadas na Constituição, sobretudo com a preservação
da autonomia política dos Estados-membros e dos Municípios,
mas, ao mesmo tempo, surgiram inovações importantes na
organização administrativa, procurando dar efetividade às
prioridades então fixadas
171
.
Sob esta ordem, resgatou-se a questão da cooperação federativa; o que permitiu
infraconstitucionalmente a criação do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
(BRDE), como autarquia interestadual que objetiva o desenvolvimento da região sul do país.
Do mesmo modo, a Constituição de 1967 não contemplava o tema. Previa,
contudo, a possibilidade de reunião de esforços entre Municípios mediante a pactuação.
Fazia-o no artigo 16, § 4º, prevendo que os “Municípios poderão celebrar convênios para
realização de obras ou a exploração de serviços públicos de interesse comum, cuja execução
dos convênios ficará dependendo da aprovação das respectivas Câmaras Municipais”.
Vê-se, portanto, que na tradição constitucional e legal brasileira não se mostrava,
com a exceção da Constituição de 1937, freqüente e detalhada a referência à figura do
consórcio entre Municípios. Ausente de todo, ademais, era a referência ao consorciamento
entre entes federados de distinta abrangência. Contudo, apesar da inexistência de referência
constitucional expressa, na tradição do municipalismo brasileiro, não se fez incomum a
reunião de municipalidades em consórcios ou outras entidades voltadas a somar esforços para
melhor desempenho das competências comuns
172
.
A partir da década de 70, com o crescimento da atuação dos Municípios em
diferentes áreas de políticas públicas, o consorciamento expandiu-se visivelmente
173
. O
vaguidade da disciplina jurídica, até o momento, não impediu a ampla utilização das figuras
convencionais autorizadas, ainda que especificamente, pela ordem jurídica nacional, como foi
o caso da Lei n° 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), que fez referência ao uso dos convênios
171
DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de
2005.
172
Ibidem.
173
CUNHA, Rosani Evangelista da.Obra Citada. p. 12-13.
79
na área da saúde, ou, ainda, a Lei n° 9.433/97, que faz menção à figura dos consórcios de
bacia hidrográfica. Até aqui, no que diz respeito às relações intermunicipais, os modos de
formalização jurídica dos consórcios e convênios que tratam de algum tipo de
compartilhamento de meios ou encargos para o desempenho de atividades de interesse
público têm sido os mais diversos
174
.
3.1. Modelos Constitucionais de Associação Interfederativa
Constata-se, então, no ordenamento jurídico brasileiro, a importância do
associativismo e do regionalismo por meio de figuras como as associações municipais, os
consórcios públicos, os convênios de cooperação, as aglomerações urbanas, as microrregiões,
as regiões metropolitanas e as regiões de desenvolvimento. Todas elas consistem, de modo
geral, no agrupamento de municípios limítrofes que se propõem à integração funcional e
planejamento integrado entre os entes públicos que fazem parte.
Partindo-se do pressuposto de que as formas de atuação da Administração
Pública, pautadas pela adoção de políticas públicas abrangentes, relacionadas ao bem-estar
geral, são intimamente ligadas aos modelos de Estado, adotados em dado momento histórico;
assim, para a análise e compreensão das formas de atuação do poder público, em face das
opções de associativismo e de regionalismo, na junção de esforços de entidades públicas, para
a consecução de interesses coletivos, “é fundamental compreender a relação entre os fins do
Estado e as funções e formas de organização por ele adotadas”
175
.
a) A cooperação interfederativa na redação do art. 23 da Constituição Federal de 1988
Fala-se em competência comum sempre que “não exista primazia entre os
responsáveis pela execução do encargo, mas, ao contrário, supõe-se a igualdade das diversas
174
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas, In: WAGNER
JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu
Dallari, 2004, pp. 559.
175
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana: instituição e gestão contemporânea – dimensão
participativa. 2005, p. 71.
80
esferas federativas, que devem agir em conjunto, sem que o exercício de uma venha a excluir
a competência da outra”
176
.
Por isso, com a definição de competências no texto constitucional de 1988,
colocou-se em questão a partilha de responsabilidades em relação àquelas comuns definidas
no art. 23, considerando a amplitude de temas ali tratados e exigindo a cooperação entre os
entes federativos para a realização desses direitos. Sobre o assunto, diz Maria Paula Dallari
Bucci que
[...]a cooperação entre os entes federados deve superar o status
de mera declaração constitucional de intenções e, devidamente
regulamentada e executada, assumir a feição de conjunto de
engrenagens institucionais, voltado às necessidade de liberdade
e bem-estar de todos, pois a forma federativa só se justifica se
corresponder a uma estrutura descentralizada politicamente,
capaz de diminuir desigualdades regionais e com isso
proporcionar o desenvolvimento de territórios e suas
populações. Esse é o sentido do compartilhamento das
competências do art. 23 da Constituição, a realização de direitos
sociais, imprescindível à eliminação de desigualdades regionais
e necessárias para que os avanços na democracia política no
Brasil não correspondam à regressão rumo ao fascismo
social
177
.
O modelo federativo não elimina a natureza una do Estado brasileiro, e todos os
entes que o compõem devem, em conjunto e em colaboração mútua, perseguir e implantar os
objetivos nacionais dispostos no art. 3° da Constituição Federal.
Afirma-se que a federação brasileira foi concebida para que esses objetivos sejam
alcançados, do melhor modo possível, mediante a somatória do esforço de todos aqueles que a
integram
178
. Afinal, a união indissolúvel prescrita no art. 1° do texto constitucional determina
a todos o dever de implementar os interesses públicos.
Observa Regina Camineiro Baggio que
[...] a tendência cooperativa, instituída pelo art. 23 da
Constituição, nas questões da ação administrativa dos entes da
federação, abre espaço para uma tentativa de construir relações
mais harmônicas dentro da nossa federação, até porque teria
176
DALLARI, Sueli Goandolfi. Obra citada., p. 38.
177
BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. pp. 552.
178
PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por
intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do
site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p.
09.
81
como pressuposto fundamental a aplicação do princípio da
subsidiariedade, permitindo a ação do governo central somente
diante da impossibilidade dos demais. [...] Quando todos os
entes têm competências para as mesmas ações sem que existam
regras que definam como executá-las, a omissão desses entes
pode prevalecer sob a argumentação de que a competência
pertence sempre ao outro membro da federação
179
.
Com opinião diferenciada, Fernanda Dias Menezes de Almeida considera como
competências comuns aquelas enumeradas não só no art. 23, mas, também, no art. 24 do texto
constitucional, ao dispor sobre as competências concorrentes entre União e Estados-Membros,
além do competência suplementar dos Municípios no art. 30, II. Afirma que
[...] as competências comuns estão elas discriminadas em dois
dispositivos. No art. 23 são previstas tarefas cujo cumprimento
a todos deve incumbir, por isso que voltadas à defesa de valores
que, sem o concurso da União, dos Estados, dos Municípios e
do Distrito Federal, o constituinte entendeu que não poderiam
ser adequadamente preservados. De outra parte, no art. 24
figura a competência legislativa concorrente mediante a qual a
União, Estados e Distrito Federal podem legislar sobre as
matérias que o dispositivo arrola, observado o disposto em seus
quatro parágrafos. Embora o art. 24 não indique os Municípios
entre os titulares da competência legislativa concorrente, não
ficaram eles dela alijados. Deslocada, no inciso II do artigo 30,
consta a competência dos Municípios de suplementar a
legislação federal e estadual no que couber
180
.
Sobre o exercício da competência comum, diz a autora, ainda, que “deverá ser
presidido pelo ideal de colaboração entre as pessoas político-administrativas”, sem esquecer
que “as normas que se editarem com vistas a proporcionar a cooperação desejada obrigarão
também a União”
181
.
A crítica que se pode fazer às competências comuns elencadas no art. 23 da
Constituição de 1988, admite Gilberto Bercovici, “é a não inclusão do planejamento entre as
matérias previstas”. Para o autor, “a ênfase neste assunto foi dada à União, ignorando-se o
papel dos Estados e Municípios na elaboração dos planos. Mas isto não exclui a necessidade
de participação de todos os entes federados na elaboração conjunta do planejamento”
182
.
179
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re)
formulação da federação brasileira. 2006, p. 112.
180
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Obra citada. p. 75.
181
Ibidem,. p. 133.
182
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.155-156.
82
Entretanto, o que vê de fato é uma completa falta de política nacional coordenada,
em que algumas políticas públicas sejam realizadas por mais de uma esfera de governo e,
outras, por nenhuma.
Assim não poderia deixar de ser, pois todos os entes federativos compartilham, de
algum modo, interesses comuns – cada um na sua fração.
A cooperação que se propõe para justificar a formação do consórcio público não
pode ser compreendida como forma de delegação de competência entre entes da Federação
brasileira. Sabe-se que o texto constitucional reparte tanto as competências legislativas, como
as administrativas, entre os integrantes da Federação, com atribuição própria a cada um.
Considerando os consórcios públicos como instrumentos de cooperação
intergovernamental, em posições contrárias argumenta-se que eles refletem efeitos negativos
da descentralização de políticas públicas, bem como a descoordenação entre entes
governamentais e fragmentação de recursos financeiros.
Por certo, é uma questão que deve ser considerada e resolvida pelos entes proponentes
quando da formação destes consórcios.
b) Regiões metropolitanas
Também como formas de associação de interesses, há as regiões metropolitanas e
de desenvolvimento, que se apresentam, fundamentalmente como “grandes conurbações
urbanas, provocadas pela expansão territorial de Municípios vizinho e, principalmente, pela
comunicação econômico-social entre as cidades, o que gera questões de ordem comum”
183
.
Com razão afirma José Alfredo de Oliveira Baracho que
[.,..] na estruturação do federalismo contemporâneo diversos
fatores contribuíram para o aparecimento de novas formas de
estruturação política e administrativa, para que outros entes,
que têm fisionomia jurídica as mais diversas, pudessem atender
183
GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em:
http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 01.
83
os reclamos da sociedade. [...] A importância do fenômeno
urbano criou a necessidade de busca de processo jurídicos que
pudessem ordenar o desenvolvimento das áreas
metropolitanas
184
.
Não houve qualquer preocupação do legislador na Constituição Republicana de
1891 sobre as regiões metropolitanas. A única previsão que se aproximou ao tema facultava
aos Estados a possibilidade de se lavrarem acordos ou convenções entre si, sem caráter
político, nos arts. 48 e 65.
Também inexpressiva, a Constituição de 1934, no art. 9º, previa a possibilidade de
acordo entre Estados e União para o desenvolvimento de ações em conjunto de seus serviços.
A previsão constitucional sobre agrupamentos municipais em regiões data de
1937, cuja redação do art. 29 previa que os municípios da mesma região poderiam agrupar-se
para a instalação, exploração e administração de serviços comuns e este agrupamento seriam
dotados de personalidade jurídica limitada a seus fins, que deveriam ser limitados pelo
Estado. Identificam-se nesta regra constitucional duas idéias norteadoras no agrupamento
municipal: a primeira é que o texto constitucional reservou para si a faculdade da previsão do
agrupamento, detentor de personalidade jurídica limitada a seus fins institucionais; e, a
segunda é que conferia aos Estados a regulação das condições de constituição dos
agrupamentos municipais e a forma de sua gestão, respeitando-se, a uma só vez, o princípio
da federação e a autonomia estadual.
A Constituição de 1946 não fez referência à matéria, delegando tal atribuição aos
Estados-Membros, que em seus textos constitucionais poderiam regular sobre o
associativismo intermunicipal, que deveriam ater-se às características econômicas e
geográficas afins, para melhor solução dos problemas de comum interesse e que resultem
positivamente para as coletividades envolvidas.
Depois, somente na Constituição de 1967, pela E.C. n° 01/69, o art. 164
autorizava a União, por meio de lei complementar, para a realização de serviços comuns
estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de
sua vinculação administrativa, fizessem parte da mesma comunidade socioeconômica.
184
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 129.
84
Como determinado pelo texto constitucional, foi, em 14 de julho de 1973, editada
a Lei Complementar n. 14 dispondo as primeiras oito regiões metropolitanas do país,
reconhecendo a existência de serviços comuns e conferiu-lhe a denominação de interesses
metropolitanos.
A Constituição de 1988 teve uma preocupação efetiva com a questão regional;
“dentre seus pontos positivos pode-se destacar a restauração do federalismo, nos moldes do
federalismo cooperativo, a repartição de rendas e a inclusão da superação das desigualdades
sociais e regionais entre os objetivos da República”
185
, consagrou “nova fisionomia das
relações entre os níveis de governo que compõem a federação brasileira, assegurando-se
mecanismos indispensáveis ao federalismo cooperativo, reconhecidos na sua ação
intergovernamental de cooperação voluntária e compulsória”
186
-
187
.
Assim, do ponto de vista conceitual administrativo, esclarece Maria Paula Dallari
Bucci que “a região metropolitana define-se como área de interesse especial, resultado do
desenvolvimento da área urbana e das localidades periféricas, que recebem os reflexos da
concentração demográfica e da expansão industrial, caracterizando a comunidade
socioeconômica”
188
.
Para Esther Bueno Soares, “o gigantismo do Estado traz desníveis entre seus
habitantes e as regiões que o compõem, tornando-se ponto sensível à manutenção da unidade
nacional em meio a tantas disparidades regionais”. Considera a autora as regiões como
centros de “descentralização econômica”, cujos projetos “deverão desenvolver programas
coordenados para a sua realidade”
189
.
Por fim, observa Nathália Arruda Guimarães,
[...]na maioria das vezes, as regiões metropolitanas surgem
como pólos de atividades econômicas, ou seja, como ponto de
localização concentrada de atividades dentro de um núcleo
urbanizado condicionante de todo o comportamento econômico
185
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 30.
186
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana: instituição e gestão contemporânea – dimensão
participativa. 2005, p. 65.
187
A autora explica que as relações voluntárias são aquelas realizadas por meio de convênios e consórcios
públicos, conforme disposto no art. 241, CF e as relações compulsórias são conhecidas pelo caráter vinculante,
quanto à participação dos entes públicos envolvidos, traduzidas nas regiões metropolitanas e demais figuras
regionais previstas no art. 25, CF. Ibidem, p. 65.
188
BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. p. 555.
189
SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova
federação. 1995, p. 88.
85
na região, visto que a sua expansão gera fluxos do exterior para
o centro e do centro para o exterior.
190
Tem-se, então, que pela ordem constitucional vigente, compete aos Estados-
Membros, por meio de lei complementar, a criação de regiões metropolitanas
191
,
aglomerações urbanas
192
e microrregiões
193
, que consistem em entidades administrativas,
superpostas aos Municípios de uma área constituinte de comunidade sócio-econômica, com o
objetivo de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum a todas as unidades componentes
194
. Trata-se de agrupamentos de
Municípios limítrofes, tendo por finalidade básica a resolução de assunto em comum
195
.
Sobre as regiões metropolitanas, deve-se anotar que os Municípios, assim como
os Estados, não são peças isoladas na comunidade nacional, de modo que o peculiar interesse
municipal deve, por vezes, ceder a noção de interesse comum, ou seja, nessas regiões, há
necessidade de serviços comuns integrados, pois a predominância do interesse metropolitano
se impõe dominante, acima do restrito interesse local. Nas palavras de Marcelo Figueiredo,
“onde o interesse for comum a mais de um Município, a titularidade da prestação de serviços
é dos Estados, que são entes responsáveis por coordenar essa complexa realidade; desde que
oferecendo diretrizes para uma articulação saudável entre os interesses públicos envolvidos na
prestação de serviços públicos”
196
.
Sobre a dificuldade na implantação da região metropolitana, adverte José Alfredo
de Oliveira Baracho que
[...] a implantação da áreas metropolitanas, como decorrência
da institucionalização de mecanismos capazes de enfrentar os
problemas causados pelas metrópoles, é tema de solução
necessária. Mas problemas como o seu ajustamento com a
190
GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em:
http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 03.
191
Na região metropolitana sempre haverá um Município mais importante em torno do qual se reunirão os
demais. Entre tais Municípios observar-se-á uma continuidade urbana, sendo densamente povoado, de contínua
construção. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2002, p.476-477)
192
Na microrregião existem Municípios limítrofes, todos relativamente semelhantes, sem nenhum que
predomine. É a lei complementar que vai estabelecer uma cidade-sede, dentre qualquer um dos membros.
Observar-se-á em cada Município um núcleo urbano próprio, com o que há descontinuidade urbana. (Ibidem)
193
Nos aglomerados urbanos, os Municípios também se equivalem, existe uma continuidade urbana e a área é
densamente povoada. Essa modalidade reúne característica das demais. Não haverá, contudo, uma cidade
predominante ou sede. (Ibidem)
194
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional., 2002., p. 71.
195
TAVARES, André Ramos. Obra citada.. p. 746.
196
FIGUEIREDO, Marcelo. O saneamento básico e o direito – uma visão dos principais problemas jurídicos In:
WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em homenagem ao Professor
Adilson Abreu Dallari. 2004, pp. 520.
86
autonomia municipal levanta questões sérias, desde que está é
entendida como poder de autodireção, que tem seus limites
apenas nas regras constitucionais federais e estaduais.
Aceitando-se a capacidade do Município em definir quais são
os serviços locais, torna-se difícil forçá-los a aceitar política
que se lhe queira impor, com o objetivo de atender a matérias
rotuladas como de peculiar interesse
197
-
198
.
Pretende-se com as regiões metropolitanas a associação para prestação conjunta
de funções públicas de interesse comum dos Municípios envolvidos. A região metropolitana
deve observar a organização, planejamento e execução de políticas públicas integradas.
Em contrapartida, “nos espaços metropolitanos, a ausência de formas de
pactuação federativa agrava os problemas sociais e urbanos aí concentrado; esse é território
em que a presença de articulação horizontal e vertical é condição necessária à viabilidade da
gestão de diferentes políticas públicas”
199
.
O planejamento regional faz parte do planejamento nacional, por isso é necessária
a coordenação e compatibilização dos planos nacional e regionais de desenvolvimento, pois a
problemática regional deve estar refletida em todas as políticas nacionais, mas a integração do
planejamento regional no nacional deve se dar por participação, não por dependência ou
incorporação. “A interação entre as autoridades políticas é essencial para a concretização do
plano, já que os problemas de desenvolvimento regional são, ao mesmo tempo, problemas
nacionais, que devem ser resolvidos, conjuntamente, por todas as esferas de pode envolvidas”
200
.
Criar as condições de um desenvolvimento urbano e interurbano sustentável
tornou-se tarefa dos poderes públicos municipais e dos organismos regionais urbanos, pois
são as políticas públicas urbanas e regionais que têm obrigação de afastar os riscos de
segregações sociais e econômicas. Afinal, já é realidade o fato da população aglutinar-se em
locais – social e economicamente – mais desenvolvidos.
197
A expressão peculiar interesse foi utilizada pelo autor em razão da previsão constitucional vigente na época
da publicação da obra. Esta expressão hoje foi substituída por “interesse local”. De todo modo, não desvirtua a
compreensão do trecho citado.
198
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. 1986, p. 141.
199
CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. 2004, p. 11.
200
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p. 214.
87
c) Regiões de Desenvolvimento
A constitucionalização administrativa das regiões “deve ser reputada predecessora
da constitucionalização política – portanto, como largo e significativo passo para vencer o
atraso e os enormes obstáculos existentes, que impedem a federação brasileira de caminhar
rumo à incorporação das regiões na estrutura do seu sistema associativo”
201
.
As regiões de desenvolvimento “têm sua criação por obra legislativa da União,
vez que reflete a política de estímulo ao desenvolvimento de regiões menos favorecidas”, ou
seja, abrangem áreas que constituem complexos geo-econômicos e sociais, que politicamente
pertencem a Estados ou Municípios diversos. De todo modo, “servem para definir áreas
especiais, a respeito das quais a União articulará a sua ação administrativa por meio de
organismos, que executarão planos regionais de desenvolvimento”
202
. São instituídas para
articular ações num mesmo complexo geoeconômico e social com vistas à redução das
desigualdades regionais.
São áreas homogêneas com características físicas e culturais distintas daquelas
outras áreas que as rodeiam. O desenvolvimento regional foi consolidado na Constituição de
1946, com a revelação da profundidade das questões regionais, ou seja, os Estados-Membros
estavam desprovidos de recursos para solução deus problemas. Mas o texto constitucional de
1934 acolheu a cooperação intergovernamental entre as esferas federal e estaduais. Sem
qualquer novidade na Constituição e 1946, resgatou-se o tema em 1967, aceitando o
planejamento regional.
Diferentemente das regiões metropolitanas, as de desenvolvimento não são
autônomas no seu funcionamento.
A região de desenvolvimento, diz Ana Carolina Wanderley Teixeira, pode ser
[...] a forma de melhor atender a interesses e funções públicas
comuns de vários municípios, pois permite o compartilhamento
de competências normativas e administrativas de maior
flexibilidade e agilidade, a fim de possibilitar ação mais
adequada e racional do poder público, em virtude da grande
extensão territorial e diversidade socioeconômica do país.
201
BONAVIDES, Paulo. Federalismo regional num país periférico, in BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco
Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coords.), Constituição e Democracia – estudos em homenagem ao
Professor J.J. Canotilho. 2006, p. 456.
202
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Obra citada. p. 71-72.
88
Temos, assim, que também com as regiões – como quaisquer
outras figuras regionais – busca-se novo equilíbrio para o
Estado na moldura periférica da descentralização. [...] A
regionalização pode ser uma alternativa para o processo de
mudanças, a partir da constatação de que os Municípios
isoladamente não mais são capazes de atender a seus cidadãos,
pois representa a união de esforços em torno de objetivo
comum, como contribuição para a efetividade das funções
públicas de interesse comum e implementação de políticas
públicas, que aproximem o cidadão do poder público, para
eliminação de assimetrias e promoção da igualdade de
oportunidades, reforçando a capacidade de proteção dos
interesses periféricos em relação aos pólos de desenvolvimento,
como fator de progresso integrado
203
.
Assim, ao introduzir a Região, a Constituição Federal de 1988 o fez como forma
de organização administrativa, não política, cujo objetivo, disposto no art. 43, é a
administração dos interesses públicos federais naquela determinada área; portanto, suas
atividades são meramente administrativas, ou seja, limitam-se à gestão de serviços e
interesses públicos federais. Portanto, a Região “é fruto de mera descentralização
administrativa sem qualquer participação dos Estados interessados e utilizados como meros
executores dos planos regionais de desenvolvimento”
204
.
Em sentido contrário diz Paulo Bonavides que “a constitucionalização da Região
não é simplesmente administrativa, qual flui do art. 43; mas de teor e qualidade
manifestamente econômicos dentro de certos limites, até mesmo de caráter político”
205
.
Considerando ou não a constitucionalização da Região como elemento político, o
fato é que a Constituição Federal de 1988, taxativamente, tratou da matéria regional treze
206
vezes no corpo permanente e quatro
207
, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Percebe-se que efetivamente a problemática regional foi uma preocupação
incidente para o constituinte de 1988.
203
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Obra citada. p. 17, 29.
204
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. 2003, p.233-235.
205
BONAVIDES, Paulo. Obra citada. p. 456.
206
1) Art. 43; 2) Art. 3º, inciso III; 3) Art. 21, inciso IX; 4) Art. 25, §3º; 5) Art. 48; 6) Art. 151, inciso I; 7) Art.
159, inciso I, alínea “c”; 8) Art. 165; 9) Art. 165, §§ 1º, 4º, 5º, 6º e 7º; 10) Art. 165, incisos I e II; 11) Art. 166,
§1º e inciso II; 12) Art. 170; 13) Art. 192, §2º (revogado pela EC 40/2003).
207
Art. 34, §10, e seus incisos I, II e III e § 11; Art. 35, 40 e 42.
89
d) Associações Intermunicipais
Muito mais do que discussões conceituais acerca da definição de institutos
jurídicos, o que se faz urgente é a adequada construção de instrumentos que garantam a
compreensão por parte da sociedade dos mecanismos de decisão pública sem o desperdício de
recursos públicos.
A partir do momento em que Municípios
[...] associam-se para formar uma nova rede social que
interprete o controle local com o significados de assembléias
populares, que a autoconfiança signifique a coletivização dos
recursos, e que, finalmente, a coordenação administrativa dos
seus interesses comuns seja feita por pessoas livremente
escolhidas e cujas atividades estão limitadas sempre à
administração de políticas por eles escolhidas[...] (Então) os
municípios deixam de ser instituições políticas individuais; e
sua confederação é o movimento social de ampla base que deve
ser buscado hoje
208
.
A idéia de associação entre municípios para a realização de tarefas de interesse
comum não é novidade na história brasileira.
Adotaram-se, até a Constituição Federal de 1988, instrumentos como associações
municipais ou convênios intermunicipais cujas atuações estavam inseridas no processo de
desenvolvimento da autonomia municipal e na dinâmica do federalismo nacional. A
permissão para agrupamento de Municípios na mesma região foi deferida pela Constituição
de 1937, com o objetivo de instalação, exploração e administração de serviços públicos
comuns e “teve como finalidade o provimento de suas necessidades, que seriam efetivadas de
maneira a atender mais de uma comunidade, que não poderia executar certas tarefas
isoladamente e que viriam beneficiar mais de um Município”
209
.
E, principalmente após a promulgação do texto constitucional vigente, com o
fortalecimento normativo dos Municípios, as dificuldades de implementação dessa autonomia
aumentaram, pois diante da tradição centralizadora e dos desafios postos pela Constituição de
208
BOOKCHIN, Murray. Obra citada. 1999, p. 33-34.
209
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Obra citada. p. 135.
90
1988, os Municípios buscaram reunir esforços, dividindo experiências e criando modos de
cooperação, como as associações municipais,
[...]
cuja identidade de associação geralmente era o critério
geográfico e cujos objetivos estabelecidos nos respectivos
estatutos costumavam incluir a capacitação técnica de
servidores municipais, compartilhamento de equipamentos e
pessoal para a redução de custos, transferência de tecnologia e
experiências administrativas, bem como assessoramentos
técnicos que visam desde a realização de obras públicas até a
estruturação de institutos de previdência dos servidores
municipais
210
.
Oportunamente, lembra-se que não está excluída a possibilidade de criação de
novas associações como estas, mesmo após a redação do art. 241, da CF, nem mesmo da
publicação da Lei de Consórcios Públicos.
No ideal do federalismo de cooperação disposto na ordem constitucional
brasileira, todos os instrumentos de cooperação intergovernamental e gestão associada para a
realização de tarefas que se proponham ao alcance de interesses comuns e de bem-estar da
sociedade, como um todo, são possíveis de co-existência.
Assim, é importante analisar a grande problemática que envolve essas associações
de municípios, que é o regime jurídico sob o qual são constituídas. Por não haver regras
específicas para a criação de associação de municípios, cada uma destas é criada de modo
diferente. Apesar de serem associações constituídas por pessoas jurídicas de direito público,
mantidas por contribuições pecuniárias de origem pública e voltadas para finalidades
públicas, estabelecem – em regra – estatuariamente que são pessoas de direito privado.
Em estudo próprio sobre a associação municipal, Damião Alves de Azevedo
ensina que
[...]
o fato dos estatutos preverem a necessidade do registro em
cartório não muda a natureza das coisas – pois a mesma
exigência é feita para a criação de fundações públicas, e isto
não desvirtua sua natureza jurídica. Logo, adverte o autor, o
mesmo raciocínio aplicado às pessoas jurídicas públicas de base
patrimonial – como é o caso das fundações públicas – vale para
as pessoas jurídicas de base associativa. Pois a semelhança
entre uma e outra é o fato de formarem-se a partir de um
210
AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos consórcios
intermunicipais. In; Revista de Direito Administrativo – RDA, 2004. p. 377.
91
conjunto de pessoas reunidas em torno de um objetivo social
comum
211
.
O que vale, sobretudo, é a essência na sua formação, qual seja, a associação para
fins de cumprir o interesse público comum. Tanto numa quanto noutra, as tarefas a que se
propõem cumprir devem estar adstritas às competências constitucionais de cada associado. E,
ainda, mais do que isso, cada Município-parte, no exercício de sua autonomia, tem a opção de
associar-se ou não. Trata-se, esta, de decisão do chefe do Executivo, mas que pende de
ratificação do poder Legislativo; afinal, dependerá este grupo de municípios de dotação
orçamentária para a consecução dos fins a que se propuseram e, para tal, dependem de
autorização legislativa.
De um modo geral, vale compreender que qualquer que seja a nomenclatura dada
a essas organizações, o fato é que se forem criadas pelo Estado, a partir do Estado e por meio
de decisão de agentes políticos; não há como não atribuir a personalidade jurídica pública.
e) Interpretação Constitucional do art. 241 da Constituição de 1988 e sua
compatibilização com o art. 23
Antes mesmo da revisão da redação do art. 241 da Constituição Federal, já era
possível efetivar a cooperação intergovernamental por meio de convênios ou consórcios, em
razão da leitura, do art. 23, para as atividades de competência comum. Os convênios e
consórcios sempre foram a forma predileta de instrumentalização dessa cooperação, que,
inclusive, poderiam ter sido regulamentados por meio de lei complementar, em resposta à
determinação constitucional.
Seguindo no processo de raciocínio de compreensão histórica, é importante
analisar o dispositivo, sob a perspectiva de não se trata de redação originária do texto
constitucional, mais sim de nova redação dada pela Emenda Constitucional n° 19/97.
Destaca-se que a proposta formulada pelo Governo Federal em 1995 previa
expressamente a personalidade jurídica dos consórcios públicos e a possibilidade dos entes
governamentais executarem de forma conjunta a gestão associada de serviços públicos. Os
motivos que acompanharam o Projeto de Emenda Constitucional sobre a Reforma
211
Ibidem,p. 380.
92
Administrativa (PEC n° 173/95) definiam como objetivo principal da proposta a viabilização
do federalismo administrativo, com a introdução de novos formatos institucionais para a
gestão em regime de cooperação dos serviços públicos, envolvendo a União, Estados, Distrito
Federal e Municípios e a remoção de obstáculos legais à transferência de bens e de pessoal
aprofundarão a aplicação dos preceitos do federalismo na administração pública,
particularmente no que tange à descentralização dos serviços públicos.
Analisando comparativamente os arts. 23 e 241 do texto constitucional, Marcos
Juruena Villela Souto pondera que
[...]
a cooperação entre entidades federadas, segundo o artigo
23, parágrafo único, CF, deve ser disciplinada por lei
complementar; já a norma do art. 241, CF trata da autorização
legislativa específica para a gestão associada. Ao que parece, no
art. 23, parágrafo único se disciplina a partilha de competência
comum, de modo a prevenir conflitos, ao passo que no art. 241
se cuida de viabilizar que os entes disciplinem sua competência
privativa, por força do princípio federativo, associando a outra
entidade, que também está obrigada a desenvolver sua
competência própria – não necessariamente de transferência da
competência de uma entidade para a outra, o que também está
abrigado no dispositivo
212
.
O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração
governamental de todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de
responsabilidade para o efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais. A conclusão
que se extrai disso, reflete Marcelo Figueiredo, é que “se impõe a vigência de normas que
harmonizem e previnam possíveis conflitos”
213
. Daí, mais uma vez, pela redação do art. 241,
são acrescidos outros instrumentos de cooperação ao texto constitucional: consórcios públicos
e convênios de cooperação.
Na interpretação do princípio federativo, reflete Dinorá Adelaide Musetti Grotti,
[...]
já se podia extrair o entendimento de que para colaboração
entre os entes federados podia operar-se mediante o
desempenho, por um, de serviços reservados a outro. Após o
artigo 241, o texto constitucional passou a prever
expressamente a possibilidade de gestão associada de serviços e
a transferência de sua prestação entre as pessoas político-
administrativas. Em outras palavras, é dizer que a redação dada
a este dispositivo, pela EC 19/98, resultou oportuna, ao
212
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 202.
213
FIGUEIREDO, Marcelo. Obra citada. p.515.
93
contemplar expressamente a possibilidade de cooperação ou de
gestão associada, sem especificação do tipo de atividade,
dependendo, contudo, de lei a regulamentação da parte final do
dispositivo, que vem permitir ou facilitar a gestão associada
nele prevista, na medida em que permite a transferência de
encargos, serviços, pessoal e bens de uma pessoa jurídica para
outra, a fim de assegurar a continuidade dos serviços
transferidos; trata esse dispositivo da cooperação gerencial
entre os entes federados
214
.
Também observando a compatibilidade entre os dois artigos, Luiz Oliveira Castro
Jungstedt anota que “não conflita com a lei complementar solicitada pelo parágrafo único do
art. 23, pois enquanto estaria dividindo atribuições, aquela pretende criar formas de execução,
como o consórcio público”
215
.
Cabe, aqui, transcrição do texto na íntegra:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos
e os convênios de cooperação entre os entes federados,
autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como
a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e
bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Da leitura do dispositivo apreende-se que estes instrumentos poderão também ser
utilizados para gestão associada e transferência de serviços entre os entes da Federação, em
outras palavras é afirmar que a autorização para gestão associada de serviços ou transferência
de encargos, serviços, pessoal e bens deverá ser feita por meio de consórcios públicos ou
convênios de cooperação entre os entes federados.
Mas não está escrito que somente para gestão associada e transferência de
encargos e serviços se prestam os consórcios públicos e convênios de cooperação
interfederativa caso contrário, restritiva seria a intenção do legislador (e se restritiva, inútil se
tornaria). Todavia, o inverso é verdadeiro, ou seja, para gestão associada e transferência de
214
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Contratos de gestão e outros tipos de acordos celebrados pela
administração. Palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Licitação e Contrato –
Direito Aplicado”, de 14 a 18 de junho de 2004. São Paulo. Disponível em:
http://www.tcm.sp.gov.br/. Acesso
em 04/10/2005.
215
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Formas alternativas de gestão pública, in OSÓRIO, Fábio Medina;
SOUTO, Marcos Jurena Villela, Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo Figueiredo Moreira
Neto. 2006, p 637.
94
encargos e serviços serão os instrumentos hábeis o consórcio público e o convênio de
cooperação.
Oportunamente, será analisada a amplitude de atuação destes consórcios e
convênios.
É importante atentar para o fato de que o artigo em tela instituiu a figura do
consórcio público, fazendo ressaltar sua personalidade jurídica de direito público e, não
consórcios administrativos ou meramente consórcios.
Além disso, o dispositivo estabelece que os entes federativos disciplinarão, por
meio de lei, os convênios de cooperação, sendo que ambos poderão autorizar a gestão
associada de serviços públicos e transferência de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais
à continuidade do serviço.
E, ainda, estende a todos os entes federados a possibilidade de articularem-se por
meio de tais instrumentos.
Neste aspecto, diz Rosani Evangelista da Cunha que
[...] sem margem para dúvidas esse dispositivo constitucional
contribuiu para complementar o desenho federativo inaugurado
com o processo constituinte de 1988, pois explicitamente
possibilitou a criação de mecanismos e instrumentos de
coordenação e cooperação e pactuação entre os todos os entes
da federação.
216
Para Floriano de Azevedo Marques Neto a inclusão deste dispositivo no texto
constitucional dada pela E.C. nº 19 ao artigo 241 importou no seguinte:
i) ficou autorizada a formação de consórcios impuros, é dizer,
aqueles formados por entes distintos da Federação e não apenas
exclusivamente entre Estados ou entre Municípios;
ii) a cooperação entre estes entes poderá se dar de duas formas
distintas, consórcios ou convênios, obrigando que o intérprete
dê a estes dois institutos conformação jurídica distinta;
iii) a cooperação consorcial dar-se-á pela instituição de entes
submetidos em alguma medida ao regime publicístico – diz a
CF consórcios públicos – o que prenota alguma diferença em
face dos tradicionais consórcios administrativos;
216
CUNHA, Rosani Evangelista da. Obra citada. 2004, p. 20.
95
iv) a disciplina destas duas formas de cooperação e
coordenação entre entes federados será feita mediante lei
editada pelos três entes, o que acarreta a atribuição de
competência legislativa concorrente para disciplinar a matéria;
v) o objeto destes instrumentos de cooperação e coordenação
será a atuação concertada na gestão de serviços públicos, o que
envolve a participação de um ente na prestação de um serviço
público de titularidade de outro ente;
vi) para efetivar esta prestação por cooperação admite-se a
gestão associada destes serviços, inclusive com a transferência
recíproca, total ou parcial, de serviços e encargos
217
.
A seguir, substancialmente serão examinados estes dois instrumentos de
cooperação interfederativa.
217
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf> . Acesso em 30 de março de 2005.
96
PARTE II
ASPECTOS RELEVANTES À TEORIZAÇÃO DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS
97
CAPÍTULO I
COOPERACAO INTERFEDERATIVA
POR MEIO DE CONVÊNIOS E CONSÓRCIOS
1. O desafio da atuação estatal: construção de novos paradigmas
Ao longo do processo histórico, a esfera de atuação do Estado, enquanto conjunto
de atividades por ele assumidas revelou variável. De modo que, com o surgimento dos
Estados Democráticos de Direito, costumou-se identificar as funções do Estado, por meio das
quais ele produziria os seus atos e realizações, como estando distribuídas em três esferas de
poder, cada qual com uma finalidade diferente. Objetivamente, “a função administrativa está
necessariamente voltada à satisfação do interesse público, pouco importando – neste momento
da pesquisa – a dimensão assumida pelo Estado, bem como o conteúdo das atividades por ele
implementadas”
218
.
Ciente de que a base do Direito Administrativo é o Direito Constitucional e que
este, com freqüência, sofre reformulações para acompanhar a evolução da sociedade e as
mudanças estruturais sofridas pelo próprio Estado, não se pode admitir que a teoria
administrativista não siga no mesmo caminho. Assim, essa dificuldade em acompanhar a
evolução do Estado faz que haja resistência na realização dos programas e políticas propostos
no texto constitucional. Afinal, é a Administração Pública o aparelho responsável pela
concretização das finalidades púbicas.
Pois de fato, “a Constituição depende da Administração Pública para ser
concretizada”. Por isso, “a necessidade de construção de um Direito Administrativo dinâmico,
a serviço da concretização dos direitos fundamentais e da própria Constituição é cada vez
mais necessária”. Então, “é neste contexto que se intensifica o debate em torno das políticas
218
SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Mecanismos de atuação estatal – parcerias público-privadas (PPP’s).
In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set, 2004, pp. 125-26. Belo Horizonte,
2004.
98
públicas, como meios de concretização do programa constitucional e da reformulação das
concepções tradicionais do direito público, a partir da ação do Estado para a satisfação do
interesse social”
219
.
Tem-se que considerar, assim, que as formas clássicas do Direito Administrativo,
muitas vezes, não são suficientes para as necessidades prestacionais do Estado Social e a
Administração Pública brasileira está longe das exigências de desenvolvimento, ou seja, “sua
organização é tradicional, com modificações geralmente realizadas de maneira improvisada,
mas sem uma transformação fundamental para que o Estado possa promover o
desenvolvimento”
220
. As Instituições Públicas nacionais não estão voltadas à implementação
dos princípios de cooperação e integração interfederativa, nem mesmo das políticas públicas
consagrados na Constituição. Mas este quadro precisa mudar.
Quando se observa o surgimento de novos ramos do Direito, nota-se que o
“Direito Administrativo não tem oferecido uma teoria geral apta a ser aplicada a cada um
deles”; por isso, “pouco adiantará buscar na clássica teoria administrativista categorias que
necessitam ser compreendidas ante os limites e exigências das atuais funções do Estado”. Do
ponto de vista pragmático, “essa estruturação deixa de lado o quanto há de sistemático na
ação da Administração e o que deve representar em termos de indução de comportamentos
para parte dos atores que com ela estabelece relações”. Assim, “as limitações e insuficiências
do Direito Administrativo vêm dando margem à busca de novas formas jurídico-institucionais
de configuração da Administração Pública e suas relações com os cidadãos, nas mais variadas
perspectivas”
221
.
O Direito Administrativo deve ser, a um só tempo,
[...]instrumento de ação do poder político e arcabouço de regras
e princípios voltados a sua limitação, direcionado a procurar os
meios e estruturas que assegurem um intervencionismo estatal
aceitável [...] a atividade administrativa pressupõe um poder
precisamente centralizado e de algum modo delimitado, ao qual
se acopla a estrutura de organização estatal básica.
222
.
219
BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. 2005, p. 59-61.
220
Ibidem, p. 77-78.
221
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 19.
222
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. 2002, 61, 71.
99
Em suma, o Direito Administrativo, “além da finalidade de limite ao poder e
garantia dos direitos individuais ante o poder, deve preocupar-se em elaborar fórmulas para a
efetivação de direitos sociais e econômicos, de direitos coletivos e difusos, que exigem
prestações positivas”
223
.
De certo modo, “a legitimação do Estado se dá pela justificação do poder baseado
nas finalidades púbicas do seu exercício”
224
. Portanto, reivindica-se a necessidade de revisão
do conceito de Administração Pública observando o objeto finalístico do Estado, considerado
à luz da teoria do bem comum. Cezar Saldanha Souza Junior aponta em três níveis os fins do
Estado: “os fins últimos do Estado, no plano dos valores onde a política e a ética social se
encontram; os fins imediatos (ou próximos) do Estado, no plano das necessidades concretas e
urgentes; e os fins intermédios, no plano da articulação das necessidades sociais aos fins
últimos”
225
.
Logo, buscam-se meios de consolidar a idéia de que a atividade administrativa
tenha por finalidade a satisfação de necessidades do interesse geral;
[...] cabendo ao Estado impor disciplina para evitar que a livre
iniciativa dos particulares venha a comprometer a ordem
nacional, respeitando, obviamente, os limites propostos pelo
texto constitucional, bem como satisfazer tais necessidades,
assegurando as prestações e vantagens correspondentes
226
.
É preciso considerar que o Direito Administrativo na atualidade encontra-se
permeado pela noção de vinculação ao Direito, em substituição à simples vinculação à lei, em
razão dos textos constitucionais vigentes, que elevaram ao status de princípio jurídico valores
como a democracia.
223
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 267.
224
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Obra citada. p.57.
225
Explica o autor que os fins últimos do Estado são do reino dos valores supremos e consensuais da
convivência social pacífica, regrada e civilizada (ou seja, a liberdade, a igualdade, a justiça, a segurança, a ordem
e o desenvolvimento). Situam-se no plano mais elevado de abstração e generalidade, no qual ética e política se
abraçam. Os fins imediatos do Estado são aquela variedade de necessidades para existência e convivência social
– é o plano mais concreto que exige do poder público providências e decisões determinadas no espaço e no
tempo, tendo em vista os setores da sociedade diretamente interessados. Os fins intermédios são as funções
político-jurídicas operacionais de governar e de legislar – pede uma pauta de ordenação, articulação e
conjugação, marcada por sentimentos e interesses políticos. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Estado,
Governo e Administração Pública. In: Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo,
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord). 2003, p. 534-535.
226
RIVERO, Jean. Direito Administrativo. 1981., p.473.
100
No Brasil, a Constituição de 1988 deixou o caminho aberto à participação
democrática, o qual foi trilhado pelo legislador infraconstitucional na regulamentação de
formas diferenciadas de participação da sociedade no exercício da atividade administrativa,
“como as audiências e consultas públicas, a cooperação de entidades representativas da
sociedade civil em diversas áreas, a participação e cooperação dos usuários na prestação de
serviços públicos, o orçamento participativo, a gestão paritária de serviços e as políticas
públicas”
227
.
Destaca-se, ainda, que, nesta ordem constitucional, “o Estado assumiu o
compromisso de garantir para o cidadão todo um conjunto de prestações para viabilizar uma
vida em sociedade em consonância com a idéia de dignidade da pessoa humana”
228
.
De todo modo, acertadamente adverte Joseph-Pierre Proudhom, que o Estado
[...]não é um empreiteiro de serviços públicos, o que seria
identificá-lo com as indústrias que se encarregam da empreitada
dos trabalhos da cidade, mas, sim, gerador e diretor supremo do
movimento: se por vezes põe mãos à obra, é a título de primeira
manifestação para dar o impulso e apresentar um exemplo; se
realizada a criação, retira-se, dando às autoridades locais e aos
cidadãos a execução do novo serviço. Pois, enquanto órgão
principal do movimento, o Estado tem sempre novas
necessidades a satisfazer e novas questões a resolver
229
.
Hoje, o desafio da atuação estatal, num Estado como o brasileiro, pondera Maria
Paula Dallari Bucci, “é exatamente o da coordenação para a execução das políticas, pois o que
se tem verificado é que há uma profusão de leis e normas de cunho declaratório que não
encontram eficácia, uma vez que o seu poder coativo se perde no espaço intra-estatal entre os
momentos da decisão e da execução”
230
.
Propõe-se o consórcio público como instrumento apto a exercer o papel de
coordenado e executor de políticas públicas, já que é formado pela essência da composição de
interesses.
227
FERRAZ, Luciano. Novas formas de participação social na administração pública: conselhos gestores de
políticas públicas. In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, 2004, p. 61-2..
228
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Obra citada. p. 345.
229
PROUDHON, Pierre-Joseph. Do Princípio Federativo. 2001, pp. 99-100.
230
BUCCI, Maria Paula Dallari. Obra citada. p. 40.
101
2. A gestão associada como forma de parceria: soma de esforços
Nesta realidade, à Administração Pública cabem tarefas de maior
responsabilidade, as quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta o resultado
produtivo. Para tanto, surgem as modalidades de cooperação
231
mútua, por meio de pactos
firmados entre pessoas políticas, para a consecução de interesses públicos.
A partir da Emenda Constitucional n. 19/98, o “sistema de cooperação entre os
entes federados ganha nova força, pois com ela institucionalizou-se o marco da transformação
da Administração Pública de burocrática para a gerencial, no contexto amplo da reforma do
Estado brasileiro”, afirma Diogo Figueiredo Moreira Neto
232
.
Na gestão associada, em sentido amplo, um ente auxilia outro na perseguição e
implementação de interesses e objetivos que juridicamente são próprios e exclusivos deste.
Toma-se como verdade que, por força do modelo federativo, o ente que participa
da gestão associada com outro tem interesse amplo no bom resultado das atividades
assumidas, e por isso empresta sua colaboração. Mesmo assim, “a competência constitucional
para tutelar os interesses e perseguir os objetivos em questão não é própria do ente que
assume a gestão; a competência continua sendo exclusiva e privativa do titular”
233
.
231
O texto constitucional faz menção expressa no parágrafo único do art. 23 e, também, no art. 241.
Art. 23, Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito
nacional. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os
consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de
serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.
232MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Coordenação gerencial na Administração Pública – Administração
Pública e autonomia gerencial. In: Revista de Direito Administrativo. p. 43.
233
Completa o autor dizendo que tal postura de colaboração não é muito distinta da postura do particular
contratado pela Administração Pública, cuja diferença repousa no fato de que ele colabora com a Administração
em razão de interesses econômicos, enquanto na gestão associada o ente assume a posição de colaborador por
força do princípio federativo. Conforme PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei
3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a
proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de
2005, p. 25.
102
Neste sentido, a transformação do perfil da Administração Pública impõe o
estabelecimento de novos paradigmas, criando-se a noção de coordenação planejada e, mas
precisamente, em âmbito interno, da cooperação.
Incrementa-se o desenvolvimento das autonomias gerencial, financeira e
orçamentária a partir da celebração de contratos, convênios e consórcios, estabelecendo
responsabilidades mútuas, de modo a proporcionar a gestão associada.
Serviço público é, em regra, sobre o olhar comum, o que liga o Estado ao cidadão.
A noção de serviços públicos é um dos assuntos mais discutidos em direito público, haja vista
sua mutabilidade, assim, não há como definir definitivamente a expressão. Neste sentido,
Lucia Valle Figueiredo acrescenta dizendo que “a prestação de serviço público é uma das
atividades precípuas do Estado, que a realiza por meio da função administrativa”
234
.
Mas, hoje, outras atividades de responsabilidade do Estado-executivo ampliam a
intervenção deste nas relações direta e indireta com a sociedade. Fala-se em medidas de
cumprimento de políticas públicas.
A necessidade de encontrar novas fórmulas ao desempenho da prestação das
atividades administrativas surgiu à medida que o Estado foi assumindo diferentes papéis nos
mais variados setores da sociedade (econômico, administrativo, político e, principalmente,
social)
235
. Sobre tal aspecto, menciona Odete Medauar, que
[...] a Administração é composta de vários modelos
organizacionais; trata-se de um sistema em que atuam diversos
sujeitos, cada qual dotado de competências e poderes de
decisão, com plena titularidade, mas ligados por força dos
princípios gerais e por mecanismos que remetem ao sistema no
seu todo
236
.
Ante o desafio de reformar o perfil do Estado, torna-se imprescindível à
redefinição das tarefas que lhe incumbem, redefinindo-se o modelo de gestão associada, o que
talvez, analisa Silvia Faber Torres, “constitua uma das mais relevantes para o
aperfeiçoamento de um novo conceito de Administração, diante da dimensão extraordinária
que assumiu no transcorrer do século passado”
237
.
234
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 128.
235
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Obra citada, p. 51.
236
MEDAUAR, Odete. Obra citada, p. 135.
237
TORRES, Silvia Faber. Obra citada, p. 168.
103
Sobre a multiplicidade de atividades prestadas pelo Estado, escreve Marcello
Caetano que
ao Estado é atribuída a satisfação da maior parte das novas
necessidades coletivas e até de muitas das tradicionais. Daí
resulta uma enorme sobre-carga de atividades integradas, que
repercute no esforço dirigente pedido aos órgãos dele, e, como
conseqüência, o enorme peso das estruturas estatais e a lentidão
do funcionamento dos serviços com prejuízo da respectiva
eficácia. A par das atribuições que o Estado guarda para a
Administração direta sob a gestão imediata dos seus órgãos e
por meio dos serviços integrados na sua pessoa, há outras cujo
desempenho, por virtude de um expediente técnico-jurídico, a
lei incumbe a pessoas de direito público distintas do Estado,
mas que a este ficam ligadas, de tal modo que se pode falar
numa administração indireta pelo mesmo Estado
238
.
De outro lado, tem-se que o Estado deve fomentar, sob diversas formas as
atividades de particulares e outros grupos associativos a satisfazerem necessidades e
conveniências de interesse público. Todavia, em qualquer hipótese, ele não deixará de ser
responsável pelo desenvolvimento econômico e social, pela produção de bens e serviços,
ainda que tenha reduzido seu papel de executor ou prestador direto de serviços para atuar
como regulador, fixando regras disciplinadoras para ajustá-las aos preceitos de justiça social.
A gestão das atividades administrativas é, freqüentemente, confiada às entidades
dotadas de personalidade, quer públicas ou privadas, vez que o papel do Estado diversificou-
se.
A expressão “gestão associada” é empregada no art. 241 da CF para se referir à
colaboração entre entes federados; não devendo ser compreendida em sentido restrito,
designando, apenas, uma forma específica de prestação de serviço público por meio de
colaboração.
A legislação definirá a amplitude dessa associação. É da competência de cada uma
das pessoas políticas interessadas a autorização – por meio de lei – para instituição de
consórcios públicos ou assinatura de convênios de cooperação, definindo as atividades que
serão por elas alcançadas, bem como os termos e condições em que serão promovidas.
238
CAETANO, Marcello. Obra citada. 1997, p. 187.
104
Gestão associada há de ser modalidade por meio da qual, de comum acordo e de
forma conjunta, os entes federados se associam para a prestação de atividades de interesse
público. No caso do consórcio, “isso não implicará em delegação de atribuições (o que é
típico do convênio), mas sim o exercício por um ente personalizado, integrado por todos os
participantes, e que cumprirá, de forma concertada, as competências que pertencem – e
seguirão pertencendo – aos entes consorciados”
239
.
A gestão associada deve ser considerada dentro do contexto de parcerias, desde
que tomado este termo no sentido de “união de esforços para atender um interesse social
comum dos partícipes, caracterizando-se como ato administrativo multilateral”
240
.
Para Marcos Juruena Villela Souto, a gestão associada deve ser entendida como
uma “parceria público-pública influenciada por relações políticas”
241
, afinal, o art. 241 da
Constituição criou outros caminhos, pela cooperação federativa, por via do consórcio público
e do convênio de cooperação, que estabelecerão programa de trabalho para atuação conjunta e
sistêmica.
Mesmo antes da revisão constitucional pela Reforma Administrativa, já se
promovia, de certa forma, a delegação de competências comuns, desde que observados os
limites constitucionais de distribuição que devem ser equacionados à necessidade de
colaboração entre eles. Mas não se trata a gestão associada de hipóteses de delegação de
função pública, mas, sim, de modalidade associada de planejamento, articulação e prestação
de interesses comuns.
Esta distinção faz-se necessária: gestão associada não significa delegação da
atividade administrativa, mas, sim, cumprimento compartilhado desta..
A repartição constitucional de competências, como se viu, distribui de modo
compartilhado as atribuições aos entes federados, cujo cumprimento observará a
predominância do interesse, ou seja, vigora um quadro de competências constitucionais cuja
distribuição caracteriza-se a integração dos entes federativos.
239
Neste sentido ver MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004,
elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta
legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30
de março de 2005.
240
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Formas alternativas de gestão pública, in OSÓRIO, Fábio Medina;
SOUTO, Marcos Jurena Villela, Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo Figueiredo Moreira
Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 634.
241
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Obra citada. 2005, p. 200.
105
a) Divergências jurídicas a decorrentes da interpretação art. 241 da Constituição
Federal
Neste item pretende-se dirimir eventuais dúvidas que tenham decorrido da
extensão do art. 241 da Constituição Federal, ao dispor que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios
de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos,
bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.
Toda a problemática surge em razão da novidade trazida ao texto constitucional,
por meio de emenda ao seu texto original. Sabe-se que a redação original do art. 241 em nada
tinha relação com o assunto (dispunha sobre os princípios aplicados ao delegados de polícia
de carreira). Como se não bastasse, essa severa alteração, decidiu o legislador, ainda, por
inserir no sistema jurídico pátrio dois novos instrumentos de atuação conjunta do poder
público. Sem esquecer que a matéria em questão está bastante deslocada dos demais
dispositivos do Capítulo próprio da Administração Pública. Estes fatos trazem inúmeras
dificuldades na adequada interpretação do artigo.
De início, pode-se apontar quatro problemas: (i) qual a natureza da competência
legislativas dos entes federados para disciplina dos novos instrumentos?; (ii) há necessidade
de edição de lei para disciplinar consórcios públicos e, também, convênios de cooperação?;
(iii) os consórcios públicos e os convênios de cooperação são necessariamente
interfederativos?; (iv) os instrumentos propostos se prestam para ambas finalidades de gestão
associada e de transferência de encargos, serviços, pessoal e bens?
É preciso cautela e sistematização dos temas no momento da formulação das
respostas.
Devem-se considerar todos os elementos examinados sobre a federação brasileira
e integração das competências constitucionais até então. Pois, somente no contexto do
106
federalismo cooperativo com vista ao desenvolvimento nacional é que se podem formular
soluções àqueles problemas.
O art. 241 da Constituição, em última análise, cuida de viabilizar que os entes
federativos exerçam suas competências, por força do princípio federativo, associando-se a
outra entidade, que também deverá desenvolver competência que lhe é própria. Afinal, as
limitações quanto à distribuição de competência devem ser mantidas, isto é, cada ente
federado deverá cumprir suas atribuições, sem transferi-las ou assumi-las de outrem.
É o que Marçal Justen Filho chama de “limites instransponíveis”. Para o autor, “o
primeiro limite envolve as competências políticas, que são inerentes à própria identidade do
ente federado”, isto é, “não se admite uma solução consensual por meio da qual um ente
federado transfere a outrem poderes que lhe dão identidade como participante da federação”.
Mas é perfeitamente possível que “competências atinentes à execução de serviços públicos e
outros poderes regulatórios acessórios e secundários sejam transferidos a outros entes”
242
.
Feitas essas considerações preliminares, segue-se à propositura de respostas às
indagações formuladas.
(i) Sobre a competência legislativa dos entes federados a que se refere o art. 241,
são dois os aspectos que devem ser analisados: o primeiro refere-se à competência para
regulamentação do próprio dispositivo; e, depois, a competência privativa de cada um deles
para disciplinas os novos instrumentos de cooperação.
Sob o primeiro aspecto, pondera Solange Gonçalves Dias que
[...]caso a atribuição de competência operada pelo artigo 241
restringisse a mera autorização para que os entes da federação
pudessem, isoladamente, disciplinar a constituição dos
consórcios e convênios, o dispositivo restaria inútil, pois essa
atribuição já decorre da autonomia federativa de cada pessoa
política. [...] O preceito contido no artigo 241 constitui norma
de promoção da cooperação interfederativa. E o princípio
federativo não admite ações descoordenadas. Ao contrário
disso, a cooperação exige afinamento entre os diversos atores
envolvidos no processo de articulação política. Essa coerência
só pode ser alcançada mediante a ação uniformizadora do ente
federativo mais abrangente, no caso, da União, que, de resto,
242
JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei
federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito
Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto2006, p. 687.
107
possui, tanto quanto as demais pessoais estatais, competência
normativa para legislar sobre consórcios”
243
e convênios.
Logo, conclui-se neste primeiro ponto que depende de regulamentação o
dispositivo constitucional sob pena de impossibilidade de implementação. Ademais, por se
tratar de atuação conjunta, compete à União conduzir as linhas uniformes e gerais, a fim de
evitar desordem e desequilíbrio nacionais.
Quanto ao segundo, considera-se competência concorrente dos entes federados
que poderão (em respeito à autonomia que lhe é própria) disciplinar consórcios públicos e
convênios de cooperação. Observa-se, como já destacado, que há limites quanto ao conteúdo
que será disposto por meio dessa competência normativa.Sem esquecer, também, das regras
gerais já dispostas pela União na publicação da Lei 11.107/06.
Observa-se aqui que a concorrência na edição de normas para criação de
convênios de cooperação e consórcios públicos só se justifica ante à peculiaridade do fim
associativo a que se propõem os dois instrumentos, sob pena de desequilíbrio da harmonia
federativa.
(ii) Sobre a necessidade de edição de lei para disciplinar consórcios públicos e
convênios de cooperação, ultrapassada a questão precedente, a resposta depende da breve
244
exame à Lei dos Consórcios Públicos (como é chamada a Lei 11.107/06).
Dispõe o art. 3º que o consórcio público será constituído por contrato cuja
celebração dependerá da prévia subscrição do protocolo de intenções. Este protocolo
consistirá em termo de ajuste das condições estabelecidas em conjunto pelas partes
convenentes. Mas, ante a inexistência deste instrumento, por força do parágrafo 4º do art. 5º,
todos os partícipes deverão regulamentar, em legislação própria, de modo concentrado, as
condições que o normativo federal determina que constem do protocolo de intenções.
Por expressa determinação legal, ao que se vê, seja por meio de ratificação de
termo convencionado a posterioir, seja por autorização a priori, sempre será necessária a
edição de lei para a disciplina do consórcio público.
243
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de
Doutorado. 2006, p. 120.
244
Diz-se “breve” aqui, haja vista que no capítulo seguinte será substancialmente analisada a lei referida. Mas
para que não seja prejudicado o momento da questão, necessário será o exame superficial da matéria
correspondente.
108
Outrossim, não há idêntica determinação à configuração dos convênios de
cooperação.
O entendimento mais comum é o de que a Lei 11.107/06 regulamenta o consórcio
público. Ainda que tenha feito menções expressas sobre os convênios de cooperação, não se
dispôs este diploma legal à constituição dos convênios de cooperação.
Ainda assim, mesmo ante a ausência de imposição legal, mas pela interpretação
da letra constitucional, os convênios de cooperação não podem ser firmados por ato exclusivo
do Executivo, necessária autorização do Legislativo.
Todavia, a partir da interpretação literal do art. 241, Rodrigo Pagani de Sousa
afirma a “necessidade de autorização legislativa também para tais convênios”
245
.
Assim, se for reconhecida a necessidade de tal autorização, para que se preserve a
uniformização disposta no problema anterior (sobre a legislação de normas gerais), até que
seja edita lei federal para regulamentar os convênios de cooperação, estes não poderem ser
firmados (ou, então, serão tidos sob natureza de convênios administrativos – categoria distinta
que se verá abaixo).
Pelo exposto, entende-se pela necessidade de regulamentação específica para
disciplinar os convênios de cooperação nos mesmos moldes da Lei 11.107/06. Se assim, não
for, mais um instrumento de cooperação interfederativa disposto no texto constitucional
restará ineficaz por falta de especificações técnicas para sua aplicação. Mas até que seja
legislada a matéria específica, a cooperação interfederativa poder-se-á exteriorizar-se pelos
demais instrumentos autorizados e regulamentados pelo sistema jurídico pátrio.
(iii) No que tange às partes integrantes desses instrumentos de cooperação, pela
redação do art. 241 leva a crer que ambos serão, necessariamente, interfederativos. Para os
consórcios públicos, a matéria já está pacificada, inclusive expressamente disposto no art. 11
da Lei; entretanto, para os convênios de cooperação, ante a ausência de regulamentação
específica, não há como garantir identidade da natureza política dos parceiros.
Considerando que o convênio de cooperação é novo instrumento de cooperação
incluído posteriormente no texto constitucional, admissível a norma jurídica o considere
interfederativo tão-somente; mesmo porque não se confunde com os chamado convênios
administrativos.
245
SOUSA, Rodrigo Pagani de. Convênio Administrativo de Delegação de Serviço Público de Saneamento
Básico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 104.
109
(iv) Outro problema de difícil solução refere-se à exata compreensão quanto à
finalidade (objeto) a que ser prestam os consórcios públicos e convênios de cooperação, ou
seja, o art. 241 autoriza, por meio desses instrumentos a gestão associada de serviços públicos
e a transferência de encargos, serviços, pessoal e bens.
Também aqui cabe análise sobre dois aspectos: o primeiro refere-se ao conteúdo
das expressões “gestão associada de serviços públicos” e “transferência de encargos, serviços,
pessoal e bens”; e, o segundo, sobre a atribuição específica de uma e outra finalidade para
cada um dos instrumentos distinta ou simultaneamente.
Sobre o primeiro aspecto, numa interpretação restritiva, Cleber Demetrio Oliveira
da Silva que “a idéia de atribuir aos consórcios públicos a gestão associada de serviços
públicos foi expressa ao restringir a utilização do consórcio público à esfera dos serviços
públicos”
246
.
De outra parte, não se pode conceber que a reforma no texto constitucional se deu
para receber interpretação restritiva. A redação do art. 241, inserida no contexto da Reforma
Administrativa, deve ser tomada ampliativamente considerando o papel da Administração
Pública nesse tempo. Contextualiza-se a atuação governamental, particularmente, nas últimas
duas décadas, no incremento e implementação de políticas públicas no Brasil. A
Administração Pública é parte da organização estatal e, como tal, deve acompanhar as
transformações do papel do Estado. A estrutura administrativa deve ajustar-se às realidades
política e social que clama pela adoção e concretização de políticas públicas para o
atendimento das finalidades constitucionais estabelecidas. Para tanto, o poder público deve
utilizar-se de meios e instrumentos que se prolonguem no tempo.
Reconhecer o cabimento desses instrumentos propostos pelo art. 241 somente para
a prestação de serviços públicos é afastar-se na realidade constitucional. Mesmo porque, não
definiu o constituinte a expressão “serviços públicos”. À doutrina especializada coube a
tarefa. Assim, como se viu, já se reconhecem as políticas públicas como atividade
administrativa estatal frente à evolução teórica sobre o tema.
De todo modo, reconhece-se na Constituição Federal prescrições necessárias ao
atendimento de finalidades da coletividade, além de normas que impõem ao poder público a
implementação de tarefas para cumprir a essas finalidades. Por isso, afirma-se que na atual
246
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
110
configuração do Estado, em que o Governo precisa intervir, regular, agir, planejar e fiscalizar,
o aparato administrativo deve acompanhar o desempenho dessas funções de modo a
operacionalizar e concretizar as políticas públicas.
Por isso, cientes que a eficácia das políticas públicas depende do grau de
articulação entre os poderes e os agentes públicos envolvido e que, em razão disso, desafia-se
a possibilidade de coordenação das atividades administrativas para a concretização de tais
políticas, busca-se nestes novos mecanismos (consórcios públicos e convênios de cooperação)
institucionais um meio para a efetivação dos fins estatais propostos pela ordem constitucional.
Neste sentido, confirma Solange Gonçalves Dias que “é mister que as formas de
organização e de operacionalização do poder estatal possam acomodar os novos meios
necessários e adequados ao desequilíbrio federativo. Daí a importância de se estabelecerem
instrumentos de cooperação entre os diversos níveis de Governo e os seus múltiplos órgãos,
tendo em vista a implementação de políticas públicas”
247
.
Como conclusão parcial, tem que a leitura da expressão gestão associada de
serviços púbicos, para efeitos do art. 241 deve abranger as mais diversas atividades estatais
que importarão, em última instância, no cumprimento dos fins propostos pela República
Federativa do Brasil.
Quanto à concepção sobre a “transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal e bens”, é preciso resgatar os “limites intransponíveis” da distribuição constitucional
de competências.
Os novos instrumentos propõem-se à integração das competências dos entes
federados, mas cada uma delas deve observar seus limites. Em verdade, “gestão associada”
compreende a noção de atuar em conjunto, somando esforços; enquanto “transferência”
significa delegar a outrem o que lhe é próprio.
Particularmente, no dispositivo em exame, reforça-se a idéia de que se trata de
mais uma medida constitucional de fortalecimento do federalismo cooperativo, por meio da
integração dos entes federativos. Neste raciocínio, somado aos limites constitucionais da
distribuição de competências, tem-se que a expressão “transferência” não importa na mera
delegação a terceiro de atividade que lhe é própria. Mesmo porque, a composição
247
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 87.
111
interfederativa dos instrumentos assegurará a permanência das atribuições ao próprio ente
federado.
Toma-se o termo “transferência” como decorrente do fenômeno de
descentralização administrativa, por meio da qual, com a criação de uma pessoa jurídica, no
caso dos consórcios públicos (o mesmo não se pode afirmar sobre os convênios de
cooperação), a atividade será materializada por intermédio desta pessoa, que nada mais é do
que os entes federativos consorciados personificados. De todo modo, a atividade estatal
permanecerá sob sua titularidade e execução.
Vê-se, assim, que não se concebe a “transferência” como forma de delegação da
atividade administrativa como se conhecia na clássica teoria do Direito Administrativo.
Sob o segundo aspecto (a atribuição específica de uma e outra finalidade para
cada um dos instrumentos distinta ou simultaneamente), considerando a premissa anterior de
que as finalidades de “gestão associada” e “transferência” são distintas, assim como os
instrumentos prescritos, conclui-se pela afirmação de que tanto um (consórcio público), como
outro (convênio de cooperação), dependendo das circunstâncias fáticas e objetivos
pretendidos, nos termos da lei, pode ser disciplinados ora para a gestão associada de serviço
público, ora para a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Respeita-se – mas discorda-se – da opinião de Rodrigo Pagani Souza ao concluir
que, por serem diferentes, as expressões “gestão associada” e “transferência”, pretendeu o
constituinte atribuir, respectivamente (pela leitura textual do art. 241), objeto do consórcio
público a “gestão associada” e ao convênio de cooperação à “transferência”. Segundo o autor,
“parece razoável a linha de interpretação segundo a qual não ha, na realidade, um única
finalidade em jogo, mas há pelo menos duas: de um lado, a referida “gestão associada”; de
outro, a aludida “transferência”. Pode-se compreender, então, que os consórcios públicos
servem à “gestão associada”, enquanto os convênios de cooperação à “transferência”
248
.
Entende-se assim que os instrumentos estão aptos a ambas atividades. A escolha
por um ou outro dependerá da opção legislativa quando do momento de sua constituição, em
razão do objeto que se pretende realizar.
Sanadas as divergências decorrentes da leitura do dispositivo constitucional em
exame, passa-se à análise teórica desses dois instrumentos operacionalizadores da cooperação
248
SOUSA, Rodrigo Pagani de. Obra citada, p. 107.
112
interfederativa no modelo brasileiro, a fim de identificar elementos configuradores de seu
regime jurídico.
3. Convênios e Consórcios: noções teóricas
Ao que se viu, as expressões “gestão associada” e “transferência” são utilizadas
no art. 241 da Constituição Federal para designar atuações conjuntas da União, Estado,
Distrito Federal e Municípios nas matérias de competência comum, por meio de convênios de
cooperação e consórcios púbicos, com a transferência total ou parcial dos encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Considera Maria Sylvia Zanella Di Pietro que
[...]o objetivo da norma constitucional é o de consolidar a
gestão associada entre os entes federados para consecução de
fins de interesse comum; matérias que normalmente são as
inseridas na competência comum prevista no art. 23 do texto
constitucional, que muitas vezes, o serviço que uma pessoa
jurídica pública não pode ou tem dificuldades para executar
sozinha, torna-se possível ou mais eficiente mediante a
conjugação de esforços
249
.
Tem-se, então, que os convênios de cooperação e consórcios públicos foram
inseridos ao texto constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 19/98, dando nova
redação ao art. 241, cujo dispositivo dependia de regulamentação. Em 06 de abril de 2005, foi
publicada a Lei n. 11.107 dispondo sobre normas gerais de contratação de consórcios
públicos; quanto aos convênios, ainda carece de detalhamento legislativo.
Mas já havia no ordenamento jurídico infraconstitucional disposições que eram
compatíveis à criação de convênios e consórcios administrativos, que vêm sendo utilizados
como medidas alternativas de auxílio ao Poder Público no exercício de atividades
249
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de Direito do
Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet:
Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
113
administrativas, em razão da diversidade, complexidade e, muitas vezes, custo dessas
atividades.
Tanto convênio como consórcio constituem instrumentos de que o poder público
se utiliza para se associar com outros e facilitar a gestão de suas atividades. O ponto de
contato entre ambos é o objetivo de reunir esforços para a consecução de fins comuns às
entidades consorciadas ou conveniadas.
Entende-se por convênios administrativos
[...] acordos firmados por entidades públicas de qualquer
espécie, ou entre estas e organizações particulares, para a
realização de objetivos de interesse comum dos partícipes; sem
adquirirem personalidade jurídica, permanecendo como simples
aquiescência dos partícipes para a persecução de objetivos
comuns, considerando-os, tão-somente, como cooperação
associativa livre de vínculos contratuais.
250
E, por consórcios administrativos,
[...] acordos firmados entre entidades estatais, sempre da
mesma espécie, para a realização de objetivos de interesse
comuns dos partícipes; igualmente sem lhes atribuir
personalidade jurídica própria e considerando-os como meros
acordos dependentes de autorização para serem celebrados.
251
Quanto às pessoas participantes de tais acordos, os consórcios designam acordos
firmados entre entidades da mesma espécie, e os convênios veiculam acordos entre entidades
de espécies diferentes, pois a norma se refere à cooperação entre os entes federados
252
. Isto é,
os convênios eram firmados entre o poder público com entidades públicas ou privadas e os
consórcios, os participantes eram entidades de mesmo nível governamental
253
.
Em sentido contrário, apenas Diogo de Figueiredo Moreira Neto sustentava que
[...]nosso ordenamento jurídico também admitira a figura do
consórcio público dotado de personalidade jurídica, ao afirmar
que os pactos de cooperação poderiam, sob autorização
legislativa específica outorgada pelas partes, instituir órgãos
250
MEIRELLES, Hely Lopes. Obra citada. p. 383
251
Ibidem .p.385
252
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p.485.
253
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34.
114
personalizados para a realização das atividades comuns, sob a
forma de autarquias ou paraestatais
254
.
A diferença também é feita por Marcos Pinto Correia Gomes considerando que
[...]os consórcios abrangiam a atuação direta de todos os
envolvidos em prol da causa comum, em regime de gestão
associada; enquanto isso, no convênio o normal seria aparecer
um partícipe responsável pela execução, enquanto outro lhe
dava apoio; ou, ainda, no convênio cada um teria atribuição
específica, coordenadamente, mas os partícipes não agiriam
sobre as mesmas tarefas e bens em regime de administração
compartilhada
255
.
Tanto numa quanto noutra espécie [convênios e consórcios], está caracterizada a
natureza negocial. Como ensina Edimir Netto de Araújo, os acordos
[...] em alguns casos representam interesses opostos, pelo qual
as partes criam vínculos jurídicos antes inexistentes, e elegem
livremente uma relação jurídica que as obrigará; em outros, os
interesses não são opostos, e as partes ou partícipes especificam
meios e condições para a obtenção de um resultado de interesse
comum; ou então, uma pessoa declara sua vontade objetivando
a produção de certo efeito já determinado pelo ordenamento,
declaração essa que, ademais, em certos casos precisará de
acordo em menor nível, de simples aquiescência, do
destinatário, para que produza os efeitos queridos (a simples
necessidade de ciência não é acordo)
256
.
Apenas em caráter introdutório, alerta-se para o fato de que a edição da Lei n.
11.107/06 inovou, em diversos aspectos – que oportunamente serão examinados – o
ordenamento jurídico pátrio quanto ao cabimento e aplicação desses instrumentos de parceria
na gestão pública.
Para fins de compreensão sistêmica, formula-se um enquadramento dos
instrumentos congêneres que se prestam à cooperação interfederativa para o exercício de
gestão compartilhada das políticas estatais. São dois grandes gêneros: consórcios e convênios.
Apresentam-se como espécies dos consórcios: os consórcios administrativos e os consórcios
públicos; por sua vez, são espécies de convênios: os convênios administrativos e os convênios
de cooperação.
254
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo p. 30.
255
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005
256
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p.678.
115
Há no ordenamento jurídico nacional elementos com previsões implícitas e
explícitas que permitem a coexistência de todos esses instrumentos, como formas alternativas.
3.1. Convênios
Acerca dos convênios, são diversas as previsões legislativas (explícitas e
implícitas)
257
distribuídas pelo sistema jurídico pátrio. Mas nenhuma delas regulamentando
sua formalização. Ainda assim, não são suficientes para traçar a natureza jurídica desse
instituto. Por isso, até que haja regulamentação específica sobre este instituto, deve-se
observar a orientação doutrinária e jurisprudencial.
Mas de um modo geral, a possibilidade de cooperação por meio de convênios
decorria da autorização implícita no art. 23 do texto constitucional.
Com base na doutrina, são características dos convênios: os objetivos
institucionais comuns entre os entes conveniados, os partícipes do convênio têm competências
institucionais comuns, de modo que os resultados alcançados inserem-se dentro das
atribuições de cada um; logo, devem ser comuns esses resultados; por fim, verifica-se a mútua
colaboração que pode assumir várias formas
258
.
257
Utilizar-se-á da pesquisa legislativa realizada por Dinorá Adelaide Musetti Grotti. “Referência explícita aos
convênios, como forma de participação das instituições privadas no sistema único de saúde, é feita no artigo 199,
§1º, da Constituição de 1988. A menção a convênio, acordo, ajuste ou quaisquer outros instrumentos congêneres,
aparece no inciso VI do art. 71, sujeitando-se à fiscalização do Tribunal de Contas da União a aplicação de
quaisquer recursos repassados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios pela União, em decorrência
desses instrumentos. Ainda o convênio é indicado no Decreto-Lei 200, de 25.2.1967, que dispõe sobre a
organização da Administração Federal, como instrumento de descentralização das atividades federais (art. 10 §§
1º, “b” e 5º, § 2º do art. 156; art. 160 e art. 166). O Decreto federal 93. 872, de 23.12. 1986, contém preceitos
sobre convênios de que participam a União ou entidades federais (arts. 48 a 57). O Código Tributário Nacional
também prevê convênios entre Estados e Muncipios com a União em matéria tributária (arts. 83 e 100, inc. IV).
Posteriormente, a Lei 8.666, de 21.6.1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública, disciplinou essa matéria no art. 116. A Lei 9.074, de 7.7.1995, no artigo 36, previu a possibilidade de
convenio de coperacao tendo por objeto o crdenciamento de Estaods e Distrito Federal, pelo poder concedente,
para a realização de atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados no âmbito de
seus territórios. A Lei 9.277, 10.5.1996, autoriza a União a delegar aos Municípios, Estados da federação ou ao
Distrito Federal, ou a consórcio entre eles, a administração e exploração de rodovias, ou obras rodoviárias
federais e a exploração de portos federais, mediante convênio. A Lei 9.427, de 26.12.1996, estipula entre as
competencias da Agência Nacional de Energia Elétrica, a celebração de convênios com órgãos estaduais para
fiscalizar as concessões e a prestacao dos serviços de energia elétrica (art. 3º, inciso VI).”( GROTTI, Dinorá
Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 205-
206)
258
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. p. 190. Também Francisco de Salles
Mafra Filho aponta como características dos convênios: os entes conveniados têm objetivos institucionais
comuns que serão perseguidos por meio dos convênios; os conveniados têm competências institucionais comuns;
os participantes objetivam um resultado comum; há mútua colaboração, o que afasta a cogitação de preço ou
116
Trata-se de uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução
fica sob responsabilidade dos partícipes, que atuará nos termos e condições do convênio.
O convênio é um acordo de vontades com características próprias e defini-se,
segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como “forma de ajuste entre o poder público e
entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante
mútua colaboração”
259
.
Destaca-se que convênio não se presta à delegação de serviço público ao
particular, por ser incompatível à própria natureza do ajuste, que pressupõe que as duas
pessoas vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos comuns. Neste caso, deverá
o poder público, por meio do fomento, incentivar a iniciativa privada à realização de
interesses coletivos. Ainda assim, esta parceria formaliza-se pelo convênio.
No Brasil, assevera Dinorá Adelaide Musetti Grotti que o “convênio permanece
despersonalizado, mantendo cada partícipe sua própria personalidade; nada mais é do que
uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução fica sob
responsabilidade dos partícipes ou de uma comissão executiva que atuará nos termos e
condições do convênio, mas sempre em nome dos partícipes”
260
.
Segundo Leon Frejda Szklarowsky, “os convênios não são dotados de
personalidade jurídica, porque dependentes da vontade de cada um, tendo em vista a execução
de objetivos comuns. É uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, entre órgãos e
entidades da Administração ou entre estes e o particular”. E, ainda, “deve obedecer às mesmas
formalidades e requisitos, que a lei impõe aos contratos, destacando-se as cláusulas essenciais,
o termo escrito, respeitadas as peculiaridades próprias”
261
-
262
.
remuneração; as vontades não são antagônicas, mas, ao contrário, elas se somam; no contrato existem partes e no
convênio existem partícipes; ausência de vinculação contratual, inadmissibilidade de cláusula de permanência
obrigatória e de sanções pela inadimplência (MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios
públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>. Acesso em: 17/12/2005.
259
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 337.
260
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Contratos de gestão e outros tipos de acordos celebrados pela
administração. Palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Licitação e Contrato –
Direito Aplicado”, de 14 a 18 de junho de 2004. São Paulo. Disponível em:
http://www.tcm.sp.gov.br/. Acesso
em 04/10/2005.
261
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos
congêneres. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=456>. Acesso em: 17/12/2005.
262
Segue o autor dizendo que “os convênios devem prever o prazo de duração, contudo podem ser denunciados a
qualquer momento. Em caso de conclusão, extinção, denúncia ou rescisão, os saldos remanescentes, não só dos
convênios, como também de quaisquer ajustes ou acordos, deverão ser devolvidos à entidade ou ao órgão
repassador dos recursos, no prazo de trinta dias do fato, sob pena de instauração imediata de tomada de contas
especial do responsável, a ser providenciada pela autoridade competente do órgão ou da entidade que repassou
117
As obras e serviços executados sob a forma de convênio, por exemplo, “são
financiados por meio de transferências voluntárias das esferas superiores de governo ou do
setor privado, e, embora não se tratem de transferências obrigatórias, foram objeto de controle
pela Lei de Responsabilidade Fiscal que estabeleceu a necessidade de dotação específica no
orçamento do ente repassador e a existência de previsão de contrapartida no orçamento do
beneficiário”
263
.
Dada sua característica convencional, não há necessidade de autorização
legislativa para sua formação.
a) Convênios de Cooperação
O instituto “convênio de cooperação” é também citado na Lei n. 11.107/06 em
quatro artigos distintos, porém sem regulá-los propriamente. E, com os convênios
administrativos, acima tratados, não se pode confundir.
Nos termos da redação do art. 241 da Constituição, para a celebração de
convênios de cooperação, necessária será a autorização legislativa prévia, ou melhor, a lei
definirá os termos como será formalizado e cumprido este tipo de convênio.
Os consórcios públicos e convênios de cooperação são instrumentos que terão por
objeto ou a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial
de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
É preciso reconhecer que “a Constituição Federal prevê dois institutos para a
gestão associada ou transferência de serviços”. A idéia de submetê-los a um único regime
jurídico os reduziria a um só. Nessa postura, “consórcio público e convênio de cooperação
os recursos. O prazo é fatal, improrrogável. E, quanto à necessidade ou não de licitação para a realização dos
convênios, afirma que esta poderá ser dispensada ou declarada inexigível, nas mesmas hipóteses previstas para
os contratos ou outros ajustes. Assim, não se há de falar em licitação, se se tratar de convênio entre a União e o
Estado, por exemplo, para a consecução de determinados objetivos comuns, porque inviável a competição.
Suponha-se, entretanto, a realização de convênio entre um órgão ou uma entidade estatal e um ente privado. A
licitação poderá ser dispensada ou declarada inexigível, com fundamento nos artigos 24 ou 25. Não obstante, se
várias forem as entidades particulares, que se prestem para a consecução dessas atividades, inquestionavelmente,
deverá realizar-se a licitação”. Ibidem.
263
LIMA, Edilberto Carlos Pontes. Transferências orçamentárias da União para estados e municípios:
determinantes e beneficiários. In: REZENDE, Fernando; OLIVEIRA, Fabrício Augusto (Org.). Descentralização
e Federalismo fiscal no Brasil: desafios da reforma tributária. 2003, p. 159.
118
seriam uma e a mesma coisa, a despeito da terminologia diferente que lhes foi empregada,
com a mudança contida no art. 241”. E, tal, entendimento, “não pode aceitar”
264
.
Quando se refere à transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e
bens, o texto autoriza que o ente federado outorgue sua prestação, sem que seja desintegrado,
para que apenas parte dele seja transferido, ou seja, ainda que fale em transferência total, as
atividades de regulação e fiscalização não podem ser delegadas.
Sobre a distinção entre consórcio público e convênio de cooperação, afirma
Floriano de Azevedo Marques Neto que se pode extrair do artigo 241 refere-se ao tipo de
cooperação concertada entre os entes.
Enquanto no convênio se estabelece uma relação de cooperação em que um ente
fornece meios para que o outro exerça suas competências, provendo-o do quanto necessário e
transferindo-lhe eventualmente obrigações; no consórcio há uma soma de esforços por meio
da qual os entes consorciados, de forma perene, passam a exercer cada qual suas
competências através do ente consorcial. Naquele (convênio) delega-se o exercício de uma
atividade pública de um ente para outro. Neste (consórcio) exerce-se conjuntamente as
competências de cada ente por um ente por eles integrado. No convênio não há necessidade
de personificação jurídica como instrumento para efetivação da cooperação, pois o ente
incumbido de fazê-lo é o próprio ente federado que recebeu a atribuição e os meios. No
consórcio surge a necessidade de personificação – daí inclusive a referência a consórcios
públicos –, pois quem efetiva os objetivos da cooperação é o ente consorcial integrado por
todos os consortes e recebedor – não exatamente um delegatário – das competências
constitucionalmente atribuídas aos seus integrantes.
Eis, então, a segunda nota: o artigo 241 fez alterar a velha distinção entre
convênios e consórcios, sem torná-la irrelevante. A partir dele, a distinção passa a ser não pela
natureza dos entes participantes, mas pelo tipo de relação de cooperação
265
.
264
PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site:<http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf.> Acesso: 30 de março de 2005, p. 34.
265
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf >. Acesso em 30 de março de 2005.
119
3.2. Consórcios Administrativos
Consórcio administrativo, segundo Eva Nieto Garrido, “é uma associação entre
entres públicos de diferente ordem com participação, em alguns casos, de entidade privada
sem fim lucrativo com interesses concorrentes com tais interesses públicos”
266
. É, portanto
um ente representante dos associados. As Administrações Públicas são membros dessa
entidade, e, não, meros gestores. É uma corporação instrumental de direito público que
associa, exclusivamente, pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.
Por consórcio administrativo deve-se entender “a formalização de um acordo de
vontades entre pessoas jurídicas públicas, da mesma natureza e mesmo nível de governo, com
a finalidade de obtenção de resultados comuns, de interesse de ambas as partes
267
.
Mesmo após a publicação da Lei 11.107/06, por tratar de instrumento diverso, os
consórcios administrativos são associações de entidades sem personalidade jurídica.
Após estudo realizado até aqui, afirma-se que existe diferença
268
entre os
consórcios administrativos e os consórcios públicos (estes regulamentados pela Lei n.
11.107/05).
Os consórcios administrativos “são acordos entre entidades públicas apenas (não
se admitindo participação de particulares, portanto), da mesma espécie e natureza, para a
realização de objetivos de interesse comum, no desempenho de atividades cuja competência
lhes é comum ou conexa”. Mas são, também “atos administrativos complexos, cujo conteúdo
é cooperativo-associativo e não contratual, aplicando-se-lhes os mesmo preceitos relativos aos
convênios”. Os consórcios administrativos “podem se concretizar pela vontade de dois órgãos
da Administração direta da mesma pessoa política (dois Ministérios ou Secretarias, por
exemplo) ou entre órgãos de personalidade jurídica diferentes (empresas públicas, autarquias
ou fundações)”
269
. A distinção substancial entre os consórcios administrativo e público é que
este último é constituído, nos termos da lei específica (Lei n. 11.107/06).
266
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 71. Tradução livre
267
GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em:
http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2006, p. 36.
268
Pedro Durão expressamente diz que o consórcio administrativo é chamado de consórcio público e se submete
às mesmas regras dos convênios administrativos. Para o autor, os “consórcios são um meio par a consecução da
finalidade pública e instrumento de integração de forças com a união de entes públicos da mesma espécie, como
forma conceitual dos atuais consórios públicos”. (DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios administrativos:
gestão, teoria e prática. 2004, p. 105-106).
269
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 685.
120
1ª) Teoria comercialista do Consórcio Empresarial
Tendo sido analisados os primeiros elementos dos consórcios administrativos, é
importante conhecer a origem privada do instituto que foi incorporada pelo direito públicos.
Ainda que bastante distintas as figuras (justificadas pela necessidade de adequação ao direito
público), com base na teoria comercialista criou-se o consórcio administrativo.
O consórcio empresarial é uma forma societária desenvolvida especificamente no
Direito Mercantil, por meio da qual envolve a associação entre empresas, mas sem
personalidade jurídica própria, que está disciplinada pela Lei de Sociedade Anônimas. “Trata-
se de uma integração horizontal entre empresas, a estabelecer uma relação de coordenação de
interesses autônomos, visando a um fim específico e comum; não envolvendo a constituição
de uma pessoa jurídica distinta dos consorciados – já que personalidade jurídica não tem – e
tem com objetivo a busca de benefícios individuais àquelas pessoas que o constituem”
270
.
A essência do instituto está na autonomia recíproca daqueles que se associam e
compartilham de um mesmo objetivo empresarial.
Por meio do contrato de consórcio, certo número de pessoas formaliza a
associação de interesses, criando obrigações recíprocas no intuito de cumprir determinada
finalidade empresarial comum, afinal esta modalidade representa a conjugação de esforços e
cooperação mútuos.
Outra característica importante dos consórcios empresariais é que eles são
constituídos por período determinado, isto é, os interesses que justificaram a associação não
são perpétuos, são realizados para cumprimento de tarefas específicas e de curta duração.
No direito italiano, o consórcio de empresa é um contrato, mediante o qual vários
empresários constituem uma organização comum, para desenvolvimento de determinadas
fases de suas respectivas empresas; é considerado um verdadeiro contrato de colaboração.
Sem dúvida, a firma Raúl Aníbal Etcheverry, o consórcio italiano foi “a primeira porta aberta
270
MOREIRA, Egon Bockmann. Os consórcios empresariais e as licitações públicas (considerações em torno do
art. 33 da Lei n° 8666/93), In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set, 2004, p. 63.
Belo Horizonte, 2004.
121
a diferentes negócios associativos, que não levam necessariamente a busca direta por lucro”
271
.
A partir de então, tem que considerar a existência de formas abertas e flexíveis de
negócios jurídicos, consideradas alianças estratégicas, como instrumentos para incrementar a
competitividades empresarial. “Todas as possíveis medidas de associação para fins de
colaboração permitem que cada uma das partes participantes atua em parte do processo
produtivo para que seja feito de modo mais eficiente e com menor custo”. Assim, são
considerados contratos de colaboração “aquelas figuras negociais em que duas ou mais
pessoas jurídicas se vinculam contratualmente em busca de resultados de interesse
comum”
272
.
A sociedade comercial é uma de suas espécies, mas não a única, ou seja, a partir
dessa concepção, contrato de colaboração refere-se a todos aqueles em que as partes estão
dispostas a cooperar, coordenar-se, organizar-se perseguindo uma finalidade comum.
No direito brasileiro, a Lei das Sociedades Anônimas trata de situação muito
diferente da prevista no art. 241 da CF. Ela cuida de conjugação de esforço por pessoas
jurídicas particulares, relação submetida ao regime de direito privado, para desempenho de
atividades no seu próprio interesse. “Quando essas sociedades pretendem reunir suas
capacidades mediante a criação de pessoa dotada de personalidade jurídica, basta que
simplesmente constituam outra pessoa jurídica segundo as regras próprias do direito privado”.
As sociedades particulares, portanto “têm à sua disposição as duas formas de associação:
reunião de esforços por meio de consórcio sem personalidade jurídica, ou mediante a criação
de nova pessoa jurídica”
273
.
Os consórcios de empresa acontecem porque isoladamente nenhuma delas teria
condições de executar o contrato, por razões técnicas, de capital ou outro motivo relevante.
Essa modalidade de associação é regulada pela Lei 6404, de 1976, e suas
alterações, nos artigos 278 e 279. Esta configuração não cria pessoa jurídica e a consorciadas
obrigam-se, na forma contratual. Cada sociedade responde em seu próprio nome pelas
obrigações, não havendo solidariedade entre elas (§1o do artigo 278). Entretanto, o inciso V
271
ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. 2005, p. 137.
272
Ibidem, p. 149.
273
PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf.> Acesso: 30 de março de 2005, p. 37
122
do artigo 30 da Lei 8666/93 institui a responsabilidade solidária dos seus integrantes, pelos
atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação, quanto na fase contratual. Esta norma
desnatura totalmente a natureza desta coligação que existe, transitoriamente, e para fins
determinados, quebrando a harmonia do sistema
274
.
Em análise à teoria comercialista, Cleber Demetrio Oliveira da Silva considera
que “o consórcio nada mais é do que um acordo estabelecido entre empresas, visando ao
cumprimento de um objetivo comum que, individualmente, nenhuma das consorciadas teria
condição de realizar”. Por isso, por se tratar de um negócio jurídico, “o consórcio não possui
personalidade jurídica, que é própria dos sujeitos de direito e obrigações e não dos negócios
jurídicos”
275
.
Adverte-se que a restrição contida na Lei das Sociedades Anônimas não atinge os
consórcios administrativos, uma vez que aquela lei, por sua própria natureza, trata apenas dos
consórcios privados. Todavia, por falta de previsão legal própria, permanecem os consórcios
administrativos despersonificados.
Em exame a este diploma especificamente, Marçal Justen Filho assevera que
[...] não cabe contrapor que o direito privado conhece uma
figura denominada consórcio, a qual é destituída de
personalidade jurídica autônoma, ainda que lei própria tenha
especificado a natureza associativa desta figura, que se
caracteriza como uma associação temporária entre pessoas
jurídicas, visando à execução de um objeto específico e
determinado. Trata-se de uma sociedade não personificada, cuja
existência produz efeito na dimensão contratual. Apesar disso,
essa solução não significa a impossibilidade de o direito público
criar uma figura com características completamente distintas
276
.
3.2.1. Consórcios Públicos
Não se pode imaginar que a soma de esforços entre entidades estatais da mesma
envergadura deva sempre assumir a forma do consórcio público nos termos previstos na Lei
274
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos
congêneres . Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=456>. Acesso em: 17/12/2005.
275
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
276
JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerMarcalJustenFilho.pdf.> Acesso em 30 de março de 2005.
123
Federal nº 11.107/05. Na legislação específica, o legislador federal apresentou as normas
gerais que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na criação e
funcionamento destes consórcios.
De outra parte, parece forçoso compreender que para relações mais simples, o
convênio ou o consórcio administrativo possam ser adotados.
Considerando que são os consórcios públicos mecanismos de reunião de esforços
de mais de um ente federado com vistas a melhor cumprir suas atribuições (afinal, ao poder
público, em qualquer esfera da Federação, é defeso mobilizar esforços com fim diverso do
cumprimento de suas competências), sua configuração jurídica toca diretamente o tema da
repartição constitucional de competências federativas.
Para Floriano de Azevedo Marques Neto,
[...]
Trata-se, portanto, de manifestação do federalismo de
cooperação, pelo qual não apenas todos os entes devem
concorrer para a promoção dos serviços públicos essenciais,
como também devem cooperar para auxiliar aos entes com
menor capacidade de investimento e de ação
277
.
Deve ser propósito do consórcio público a organização comum com a finalidade
de desenvolver e concretizar operações relacionadas às atividades próprias de seus membros,
bem como outras de natureza econômica que venham a acrescentar seus resultados.
Para tanto, admitem-se inúmeras atividades que permitam complementar a idéia
essencial da cooperação que é proporcionar o acúmulo das capacidades operacionais para
atingir fim comum.
Logicamente, não se pode conceber consórcio público em que somente uma das
partes beneficie-se da parceria. De todo modo, não há necessidade de igualdade nos
benefícios, mas parece razoável que haja proporção nos resultados obtidos, que devem se
interpretados como toda possibilidade de benefício – ainda que indireta, como nos casos de
aprimoramento técnico ou até mesmo de administração gerencial.
277
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf > Acesso em 30 de março de 2005.
124
Compreender a amplitude desse instrumento implica na análise pontual da Lei
específica, que se fará em Capítulo próprio.
Ainda assim, considerando o consórcio público o mais novo instrumento
regulamentado de cooperação interfederativa no ordenamento jurídico nacional, é importante
avaliar sua compatibilidade com outros instrumentos, também de natureza interfederativa, há
muito existentes na realidade federativa brasileira. Em particular merece o confronto dos
consórcios públicos com as regiões metropolitanas e com os consórcios intermunicipais.
a) Consórcios públicos e regiões metropolitanas
Um dos grandes pontos que se pode pensar em conflitos constitucional versa
sobre a coexistência das regiões metropolitanas ante a superveniência dos consórcios
públicos.
O § 3° do art. 25 dispõe que os Estados poderão, mediante lei complementar,
instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum.
Sabe-se que uma das características fundamentais da Federação é a possibilidade
de colaboração entre os entes que a integram. O que faz com que a cooperação seja ainda
mais relevante entre os Municípios limítrofes na consecução de interesse comum.
Apesar da necessária autorização consensual dos Municípios envolvidos, a criação
da Região Metropolitana depende de lei estadual. De um lado, em face da autonomia
municipal, não se pode coagir o Executivo Municipal a associar-se e, de outro, não há meios
de exigir do Legislativo Estadual edição de lei própria consolidar tal associação. Como se vê,
a formação de Região Metropolitana depende de um complexo movimento consensual das
partes interessada, mas, era, até então, o modo clássico de colaboração entre Municípios
limítrofes na gestão de serviços públicos de interesse regional. E, ainda permanece uma opção
viável. Depende da vontade dos entes em questão.
125
Além do caráter associativo com vistas ao cumprimento de interesses comuns
àquela região, o fato é que são medidas completamente distintas. Afirma-se, então, que os
consórcios públicos vieram para somar a esta, com o propósito de viabilizar variados casos de
colaboração mútua. Não há qualquer incompatibilidade na coexistência de ambos.
Ainda assim, há quem
278
afirme que a lei complementar estadual que cria
determinada região metropolitana interfere nas competências dos Municípios que as integram,
pois, ainda que sejam livres estes entes para assumir tal colaboração, a conjugação de esforços
entre eles continuará comportada, apenas com dever de observância das competências do
Estado.
Discorda-se dessa opinião, pois a essência consensual da associação, enquanto
sinônimo de autonomia federativa, garante o respeito às competências atribuídas.
A criação de regiões metropolitanas serve para instituir padrões de coordenação e
cooperação entre as localidades inseridas numa área de metrópole, sem nada interferir na
titularidade ou delegação dos serviços. É de se ver, observa Floriano de Azevedo Marques
Neto, que
[...]o artigo 25, § 3º diz respeito tão somente aos Estados-
membros. É caso específico de cooperação entre as localidades,
relacionado ao fenômeno da conurbação e da crescente
integração entre Municípios. Não haveria porque acreditar que
tal dispositivo específico excluiria as demais formas de
cooperação previstas expressamente na Constituição, sobretudo
a gestão associada de serviços públicos, expressamente
autorizada e preconizada pelo constituinte no artigo 241 da
Constituição Federal
279
.
Sobre a compatibilidade entre as regiões metropolitanas e os consórcios públiocs,
Dalmo de Abreu Dallari destaca dois pontos: o primeiro deles é a compatibilidade dos
278
Segue o autor dizendo que com a criação de regiões metropolitanas, o Estado interfere unilateralmente no
modelo de organização dos serviços de interesse comum dos Municípios. Estes, nesse quadro, não possuem total
liberdade para definir a organização, planejamento e execução dos serviços. A Constituição Federal cria
condições para que o Estado possa impor solução afinada para todos os Municípios e, portanto, ao próprio
Estado, sendo hoje polêmico até onde pode ir esse poder do Estado. Já por meio de consórcio público ou
convênio, a colaboração recíproca entre Municípios é voluntária, dfinida pelos partícipes (acordo de vontades),
nos limites de suas competências. Há, portanto, profunda diferença entre os dois caminhos, que não são
incompatíveis. PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do
Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, pp. 50 e 51.
279
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005.
126
consórcios públicos personalizados com outras formas de acordo entre entidades públicas para
a consecução de objetivos comuns; e, o segundo, é a compatibilidade absoluta dos consórcios
públicos com as Regiões Metropolitanas, que em nada serão afetadas. A respeito do eventual
conflito entre a lei regulamentadora dos consórcios públicos e as disposições constitucionais
que tratam das Regiões Metropolitanas, conclui o autor que
[...]pelo artigo 25, § 3°, da Constituição, fica claro, que o que se
tem aí é um estímulo à conjugação de esforços e de meios para
o enfoque amplo, multimunicipal, de questões relacionadas com
as funções públicas de todos e de cada um, estando aí
compreendidas a racionalização administrativa, a rotina
burocrática e qualquer atividade que implique o desempenho de
funções públicas e permita ou recomende a conjugação de
esforços. Além disso, só poderão participar da organização e do
planejamento integrados, previstos nesse artigo, Municípios
limítrofes situados no mesmo Estado. Muito diferente disto, é o
artigo 241, que trata dos consórcios públicos, instituindo
organismos integrados por entes federados de modo geral, sem
qualquer limitação, para a prestação de serviços públicos,
autorizando, inclusive, a transferência de encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos. Obviamente, nesse caso os serviços serão
transferidos aos consórcios, não se tratando apenas de
organização e planejamento integrados. Confrontando os dois
dispositivos verifica-se que um não exclui o outro nem conflita
com o outro de qualquer maneira, sendo perfeitamente possível
a participação de um Município num consórcio, para a
prestação de um serviço determinado, mesmo que esse
Município integre uma Região Metropolitana. Em sentido
oposto, nada impede que um Município faça parte de uma
Região Metropolitana e, sem deixar essa condição, participe de
um consórcio para a realização de determinados serviços
280
.
Como conclusão, para que essas medidas de cooperação interfederativas possam
produzir efeitos positivos, vale considerar, adverte Orlando Alves dos Santos Junoir,
[...]
a necessidade de investimentos em políticas públicas de
enfrentamento das desigualdades sociais identificadas caso-a-
caso e na ampliação da qualidade de vida dos Municípios, com
destaque para as ações de governo na direção dos setores mais
vulneráveis que visem à universalização do acesso aos direitos
sociais fundamentais para o exercício da cidadania, bem como
280
DALLARI, Dalmo de Abreu. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso: 30 de março de 2005.
127
na articulação entre os níveis locais de governo, com estruturas
supra-locais, em que se destacam a importância das instâncias
metropolitanas, a possibilidade de parcerias e consórcios
públicos entre os municípios e mecanismos redistributivos em
âmbito nacional
281
.
b) Consórcios intermunicipais
Resta claro que são distintos os instrumentos de cooperação tratados nesta sessão.
Cada um com sua personalidade jurídica e constituição próprias. Mas com objetivos comuns
de dar efetividade às orientações constitucionais. No fundo, são todas formas de parcerias
para o melhor comprimento das obrigações estatais; todos partem de um acordo de vontades
para a cooperação mútua.
Destaca-se que, se for da vontade dos Municípios interessados, a cooperação, para
o exercício de qualquer de suas competências, podem ser utilizados os mais diversos
instrumentos.
No caminho das possíveis ações a serem desencadeadas por meio da utilização
dos consórcios públicos, destacam-se as políticas sociais e aquelas voltadas ao
desenvolvimento urbano caracterizadas pela necessidade de articulação de competência
partilhadas por diferentes esferas do governo. “Estes consórcios estão aptos a realizar ações
de planejamento, regulação, fiscalização e prestação dos serviços públicos, permitindo a
constituição de unidades compartilhadas de provisão de serviços urbanos”
282
.
Neste sentido, Venâncio Guitiérrez Colomina afirma que
[...]
para a gestão de serviços ordinários, o consórcio deve ser
utilizado, também, para a promoção econômica, inovação
tecnológica, coordenação do desenvolvimento regional e local,
281
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no
Brasil. 2001, p. 235-236.
282
CUNHA, Rosani Evangelista da. Federalismo e relações intergovernamentais: os consórcios públicos como
instrumento de cooperação federativa. In: Revista do Serviço Público – RSP, Ano 55, n°’3, jul – set, Brasília:
ENAP, 2004,
128
e para a gestão de políticas públicas. É, portanto, o consórcio
um dos instrumentos, na atualidade, mais idôneos para articular
a atuação das distintas administrações públicas concorrentes
num mesmo espaço territorial.
283
Na medida em que a cooperação intermunicipal potencializa a capacidade de
provisão dos Municípios, simultaneamente, eles podem se constituir em um dos instrumentos
de viabilização das políticas regionais, articulando e compatibilizando as ações de diversos
municípios.
Para tanto, o funcionamento dos consórcios públicos exige
[...] articulação nos planos federal e estadual, já que o
estabelecimento de um espaço para a definição do planejamento
regionalizado, compatibilizando os planos municipais com os
regionais e possibilitando uma melhor utilização da estrutura de
atendimento já instalada, na medida em que permite a
articulação entre os sistemas municipais; desde que
expressando a vontade autônoma de cada um dos consorciados,
com a garantia de autonomia frente aos governos estadual e
federal
284
.
A realidade pragmática dos consórcios intermunicipais mostra uma multiplicidade
de objetos e formações. São considerados consórcios administrativos, nos moldes da
exposição teórica apresentada. Assemelham-se às associações municipais, mais com estrutura
organizativa mais completa.
Em suma, os consórcios intermunicipais vigentes para atuarem nos termos
propostos pelo art. 241 da Constituição, deverão adequar-se aos preceitos legais impostos pela
Lei 11.107/06, caso contrário – é uma faculdade desses consórcios, como disposto no art. 19
da lei – permanecerão vigentes nos termos e limites em que foram constituídos e não serão
considerados consórcios públicos.
283
GUTIÉRREZ COLOMINA, Venâncio. El protagonismo municipal en el desarrollo local: el parque
tecnológico de Andalucía. In: Revista CIDOB d'afers internacionals, 1999, Núm. 47. Disponível no site:
http://www.cidob.org/castellano/publicaciones/Afers/47gutierrez.cfm. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
284
ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Descentralização e cooperação
intermunicipal no Brasil. Disponível no site:
http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/carlosRocha_carlosFaria.pdf.
Acesso em 27 de abril de 2006.
129
CAPÍTULO II
CONTRIBUIÇÕES DO DIREITO ESTRANGEIRO PARA O EXAME
DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS
285
1. Considerações introdutórias relevantes
Primeiramente, é preciso ressaltar que não se trata de estudo de Direito comparado
e longe está da proposta de esgotar o tema do Direito estrangeiro.
Todavia, por ser matéria pouco explorada no Direito Brasileiro, convém que se
examine o que ocorre em alguns outros países, para se colherem elementos e subsídios que
permitem análise mais aprofundada sobre o Direito pátrio.
Não se propõe um estudo de direito comparado
286
, mas, tão-somente, referência
ao direito estrangeiro, ou seja, informar como estes instrumentos são inseridos nos respectivos
sistemas jurídicos nacionais; mesmo porquê há sensível diferença entre os sistemas jurídicos
de cada um dos países tratados.
Sumariamente, é preciso saber que será utilizado o método comparativo que
consiste em analisar, paralelamente, regras e institutos jurídicos de países estrangeiros. Não se
trata, propriamente, de direito comparado, o que exigiria um estudo aprofundado da Nação
examinada, além do ordenamento jurídico, em seu contexto histórico, sociológico, econômico
e antropológico. Então, para não incorrer na advertência feita por Geraldo Ataliba, ao afirmar
que
285
Considerando a inexistência de tradução específica para algum termo estrangeiro, opta-se por manter – sob
pena de distorção do significado – a forma gráfica original.
De outra parte, todas as traduções dos textos
originais são livres do autor adaptando-as ao vernáculo português.
286
Para aqueles que pretendem fazer um estudo mais aprofundado sobre o direito comparado enquanto método
de pesquisa indica
-se:: RIVERO, Jean. Curso de Direito Administrativo Comparado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de Direito Comparado – introdução ao Direito
Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. DAVID, René. Os Grandes sistemas do direito contemporâneo.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito Comparado – ensino e método. Lisboa:
Edições Cosmos, 2000.
130
[...]
a doutrina nacional faz uma supervalorização do direito
comparado em detrimento do direito constitucional pátrio,
transplantando sem critérios institutos, problemas e soluções
que nada têm a ver com nosso texto ou com nossas
peculiaridades
287
.
Far-se-á apenas referencia ao ordenamento jurídico de alguns países que inseriram
em seus respectivos ordenamentos jurídicos institutos semelhantes ao consórcio público – sem
qualquer pretensão de fazer uma importação desmedida de qualquer um dos modelos.
Também pondera Maria Paula Dallari Bucci que
[...]
a simples cópia de modelos jurídicos ou a importação de
soluções prontas, sem a ponderação das circunstâncias
históricas, políticas, econômicas que nos fazem peculiares, não
são suficientes para sanar os problemas da relação entre a
Administração Pública e a cidadania, cuja solução passa
necessariamente pelo Direito Administrativo nacional. Por
outro lado, seria um equívoco o isolamento nacional e a
rejeição aos modelos estrangeiros, em virtude de uma alegada
incapacidade institucional e cultural de absorver os
desenvolvimentos mais recentes do jusadministrativismo
internacional
288
.
Não se propõe, portanto a importação de qualquer dos modelos, mas sim o
conhecimento destes.
2. Direito Estrangeiro
É sabido que os consórcios públicos instituídos no Brasil foram inspirados no
modelo italiano de gestão associada de serviços públicos. Assim, pelo fato da referência de
instrumento estrangeiro ao sistema jurídico pátrio, propomo-nos, aqui, a apresentar os
modelos estrangeiros em que a experiência com institutos de gestão compartilhada de ações
do poder público semelhantes, como é o caso da Itália, Portugal, Argentina, Espanha, França e
Venezuela.
Assim, seguem as experiências legislativas estrangeiras de institutos jurídicos
similares ao consórcio público, para que se possa, ao final, apontar elementos referenciais no
direito brasileiro, que auxiliem na mais adequada interpretação e aplicação desse mecanismo.
287
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2004, p. 20.
288
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. 2002, p. 9-10.
131
a.) Itália
289
No direito italiano, o consorzi pubblici é uma forma associativa e de colaboração
entre entes locais constituída para a gestão associativa dos serviços e o exercício associado de
funções.
São entes públicos dotados de personalidade jurídica e, também, de autonomia
estatutária e patrimonial. Diz o Conselho de Estado que o consórcio entre entes locais é
definido como uma organização especial de cada um dos entes associados. Assim como a
organização especial é um instrumento do ente local, ou seja, ente institucionalmente
dependente do ente local e do elemento do sistema administrativo fazendo a sua direção; do
mesmo modo o consórcio, enquanto organização especial, dos entes que os instituíram, é um
ente instrumental para o exercício em forma associada dos serviços públicos ou funções e faz
parte dos sistemas administrativos de cada um dos entes associados
290
.
São três os tipos: a) consórcios para a gestão de serviços; b) consórcios para o
exercício de funções; c) consórcios obrigatórios previstos no art. 31, n. 7, Decreto Legislativo
267/2000 para o exercício de funções ou serviços.
Além do Decreto Legislativo 267/2000, também são aplicáveis as normas
previstas para organizações especiais, enquanto compatíveis, isto é, para os consórcios
gestores de atividade com relevância econômica e empreendedora há inaplicabilidade do
Decreto Legislativo; para os consórcios gestores de serviços sociais, há inaplicabilidade do
Decreto Legislativo, se previsto pelo Estatuto; para os consórcios gestores de serviços
289
A informações sobre o modelo jurídico italiano foram obtidas nos sites:
http://www.dirittoeschemi.it/giusprcons.htm, acesso em 20 de abril de 2006;
http://www.dirittoeschemi.it/cons.eell.htm, acesso em 20 de abril de 2006;
http://www.google.com.br/search?q=+%22consorzi+pubblico%22%2B%22servizio+pubblico%22&hl=pt-BR,
acesso em 20 de abril de 2006; http://www.utgnapoli.it/documentazioneministero/docs/07.02-461.pdf, acesso em
20 de abril de 2006.
290
Il consorzio tra Enti Locali è definibile come un’azienda speciale di ognuno degli enti associati. Così come
l’azienda speciale è ente strumentale dell'ente locale, ossia ente istituzionalmente dipendente dall'ente locale ed
elemento del sistema amministrativo facente capo a questo, allo stesso modo il consorzio, in quanto azienda
speciale degli enti che l’hanno istituito, è un ente strumentale per l’esercizio in forma associata di servizi
pubblici o funzioni e fa parte del sistema amministrativo di ognuno degli enti associati. (Consiglio di Stato, n.
2605/2001 e v. anche Cassaz., ordinanza n. 33691/2002).
132
privados (limitados) de relevância industrial, há aplicação de normas previstas para
organizações especiais.
O Consorzi tra Enti Locali é constituído pela aprovação da maioria absoluta nos
Conselhos dos Entes Locais interessados. Para a regular constituição é necessária a aprovação
dos seguintes documentos: i) convenção disciplinadora de nomeação e competência dos
órgãos consorciados, dispondo sobre os fins, a duração, as quotas de participação financeira
dos entes associados, o encerramento e o recesso; ii) estatuto do Consórcio disciplinando a
organização, a nomeação e as funções dos órgãos consorciados.
São órgãos a Assembléia, composta do prefeito ou do presidente de algum ente
associado ou de um de seus delegados, com responsabilidade equivalente à quota de
participação; o Conselho de Administração, composto dos membros eleitos pela Assembléia
do consórcio.
Mas se o consórcio é disciplinado como uma organização especial, são órgãos: o
Presidente, nomeado pela Assembléia do Consórcio; o Diretor, nomeado por concurso público
ou diretamente pelo Conselho de Administração, se previsto no Estatuto; e o Colégio de
Revisores, nomeados pela Assembléia.
Como dito, o consórcio entre os entes locais é uma forma de associação
voluntária, instituída para a gestão dos serviços ou das funções públicas e estruturada de
acordo com o modelo de empresa, quando compatível. É definido como uma empresa especial
de cada um dos associados. Assim, como uma empresa especial, é objeto instrumental dos
entes locais, ou seja, dependente da instituão dos entes locais e elemento do sistema
administrativo pertencente a este princípio.
O consórcio é um instrumento para o exercício de forma associada dos serviços
públicos ou funções e faz parte do sistema administrativo da cada um dos entes associados.
Tal configuração não obsta a atribuição ao consórcio de personalidade jurídica própria, que só
vale para caracterizá-lo, em um plano formal, como um novo centro de punição para relações
jurídicas, distinto dos entes que o instituíram.
O Município , legitimamente, se valer, na organização dos meios necessários para
os seus deveres institucionais, também de um consórcio constituído com outros entes.
133
A participação municipal num consórcio de gestão de serviço público configura
simples repartição de funções e serviços internos de um mesmo sistema administrativo por
meio de uma delegação formal. Neste caso, o consórcio pode assumir vasta gama de
atividades, além daquela de manutenção já inserida no conceito de gestão dos serviços
públicos, visto que tais atividades são acessórias ao serviço público.
De outra parte, afirma-se que aos consórcios – que são voluntários entre entes
locais para a gestão dos serviços – se aplica, quando compatível, a disciplina das empresas
especiais, onde o limite da compatibilidade se refere ao fato que os entes locais não
encontram as limitações referentes à natureza e relevância sociais ou imprescindibilidade dos
serviços, previsto pelas empresas.
Aos consórcios é estendido o reconhecimento da personalidade jurídica, da
autonomia patrimonial e estatutária própria da natureza dos instrumentos dos entes locais.
Portanto, têm natureza jurídica de entes públicos.
O caráter autônomo dos consórcios garante que cada ente consorciado tenha
personalidade jurídica própria, sendo proibida é ingerência de uns sobre os outros, isto é, uma
vez adquirida a personalidade jurídica própria, os entes públicos locais que constituíram
regularmente o consórcio não mais poderão geri-lo, afinal, ganham estrutura organizacional
própria e independente.
Por fim, garantindo segurança nas relações jurídicas, ainda que haja previsão
estatutária para ingresso de novos entes, a admissão destes novos não comporta modificação
estatuto, permanecendo a redação originária. Ressalta-se que, no modelo italiano, é admitido
o consorciamento de entes privados ao consórcio público.
b.) Portugal
291
291
Informações obtidas no site oficial da Câmara Municipal do Município de Bragança – Portugal. Disponível na
Internet: http://www.cm-braganca.pt/pagegen.asp?SYS_PAGE_ID=498311. Acesso em 19 de dezembro de
2005.
134
No direito português há as associações de municípios, com início em 1977,
quando foram publicados diplomas fundamentais para o poder local: a primeira lei das
autarquias locais (1977) e a primeira lei das finanças locais (Lei n.º1/79, de 2 de Janeiro). Em
1981, foi publicada a primeira lei das associações de municípios de direito público. Em 1984,
foram delimitadas as competências da administração central e da administração local em
matéria de investimentos.
Se em Portugal as formas de organização autárquica das comunidades locais
remontam pelo menos à época medieval, a atual organização democrática das autarquias
locais portuguesas é relativamente recente, tendo sido constitucionalmente consagradas em
1976.
A democracia local foi inaugurada em 1977, com a realização das primeiras
eleições autárquicas. A Carta Européia de Autonomia Local, aprovada em 1985 pelo
Conselho da Europa, considerou no seu Preâmbulo que "as autarquias locais são um dos
principais fundamentos de todo o regime democrático". Considerou, ainda, no Artigo 1º, que
o "princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto
possível, pela Constituição".
As autarquias locais têm, desde 1976, dignidade constitucional. Segundo a lei
fundamental, a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias
locais, sendo estas pessoas coletivas de população e território dotadas de órgãos
representativos que visam a prossecução dos interesses próprios, comuns e específicos das
respectivas populações.
As autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas,
estas últimas ainda por instituir.
Atualmente, existem 308 municípios, dos quais 278 no continente e 30 nas
Regiões Autônomas dos Açores e da Madeira. O País comporta ainda 4.251 freguesias, das
quais, 4.047 no território continental e 204 nos territórios insulares.
As atribuições e competências das autarquias locais, estando associadas à
satisfação das necessidades das comunidades locais, respeitam, nomeadamente, ao
desenvolvimento sócio-econômico, ao ordenamento do território, ao abastecimento público,
ao saneamento básico, à saúde, à educação, à cultura, ao ambiente e ao desporto.
As autarquias locais têm pessoal, patrimônio e finanças próprios, competindo a
sua gestão aos respectivos órgãos, razão pela qual a tutela do Estado sobre a gestão
135
patrimonial e financeira dos municípios e das freguesias é meramente inspectiva e só pode ser
exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei.
Deste modo, encontra-se salvaguardada a democracia e a autonomia do poder
local. A legitimidade das decisões das autarquias locais decorre da eleição dos respectivos
órgãos, sendo a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia órgãos executivos e a Assembléia
Municipal e a Assembléia de Freguesia órgãos deliberativos. Excetuado a Junta de Freguesia,
os demais órgãos referenciados são eleitos por sufrágio universal.
Os municípios e as freguesias são, portanto, elementos constitutivos da
democracia e da cidadania portuguesas.
No quadro da repartição dos recursos públicos, as autarquias locais dispõem de
receitas próprias, beneficiando ainda de receitas provenientes dos impostos do Estado. As
transferências financeiras do Estado para os municípios e para as freguesias, no âmbito do
Fundo Geral Municipal (FGM), do Fundo de Coesão Municipal (FCM) e do Fundo de
Financiamento das Freguesias (FFF), são processadas pela Direção-Geral das Autarquias
Locais. Não sendo permitidas quaisquer formas de subsídios ou co-participações financeiras
aos municípios e às freguesias por parte do Estado, que podem excepcionalmente serem
inscritas no seu Orçamento, por Ministério, verbas destinadas ao financiamento de projetos
das autarquias locais de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, no âmbito
da cooperação técnica e financeira.
A par dos municípios e das freguesias, à administração autárquica portuguesa
integram outras formas de organização indispensáveis para promoção do desenvolvimento
local: as associações de municípios, as áreas metropolitanas, os serviços municipalizados e as
empresas municipais e intermunicipais.
As Associações de Municípios são pessoas coletivas de direito público criadas por
dois ou mais municípios para a realização de interesses específicos comuns. Existem
atualmente, no continente, associações, criadas com finalidades muito diversificadas, nas
quais se destacam a cultura, o saneamento básico, o desenvolvimento socioeconômico, o
ambiente e a qualidade de vida.
As Áreas Metropolitanas são pessoas coletivas de direito público de âmbito
territorial e visam a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios
integrantes. As suas atribuições respeitam particularmente à articulação de investimentos e de
serviços municipais de âmbito supra-municipal e à articulação da atividade dos municípios e
136
do Estado em diversos domínios. Atualmente encontram-se instituídas em concreto as áreas
metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem
criar empresas de âmbito municipal, intermunicipal e regional dotadas de capitais próprios,
para exploração de atividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objeto
se contenha no âmbito das respectivas atribuições. Estas empresas podem ser públicas, de
capitais públicos e, ainda, de capitais majoritariamente públicos.
Não há previsão para o consorciamento, mas hipóteses de associações
intergovernamentais com propósitos similares.
c.) Argentina
A Lei n. 12.288 da província de Buenos Aires, que integra o conjunto normativo
da lei orgânica das municipalidades do Estado argentino, prevê que poderão formar-se
consórcios entre vários municípios ou entre uma ou mais municipalidades com a Nação ou a
Província para a criação e promoção de empreendimento de interesse comum.
Pela doutrina local
292
é considerado “um tipo especial de consórcio”.
Particularmente aqui, podem também participar pessoas de caráter privado ou físicas. A lei
estabelece que os consórcios terão personalidade própria, e plena capacidade jurídica e para a
criação deles, cada integrante deverá contar com a autorização específica, conforme as
normas vigentes em cada jurisdição. Têm natureza contratual, pois o contrato corresponderá
aos respectivos estatutos orgânicos e regulamentos, sem prejuízo do poder fiscalizador das
autoridades administrativas competentes nos casos em que dispõe o ordenamento jurídico.
Os estatutos especificarão o objeto do consorcio, que poderá consistir em uma ou
mais atividades; a participação que corresponda a cada integrante; as formas como serão
revertidos os bens; e as utilidades, no caso de dissolução.
Cada integrante do consorcio terá uma cota que deve integrar-se por parte de cada
partícipe, no momento da sua constituição. As pessoas públicas devem obter a correspondente
autorização necessária.
292
ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. 2005, p. 165-
167.
137
Por fim, compete ao consórcio à gerência de seus recursos conforme os estatutos.
O prazo de duração é pré-determinado.
Outro instrumento normativo previsto no sistema jurídico argentino – mas, de
cunho civilista – é o consórcio de cooperação, inserido pela Lei n. 26.005, de 2004, que
corresponde a uma modalidade associativa, muito próxima dos chamados contratos de
colaboração empresária, previstos na lei de sociedades comerciais.
Porém, tanto numa quanto noutra modalidade, a idéia é facilitar ou desenvolver
certas atividades necessárias para os integrantes do contrato com o fim de melhorar (direta ou
indiretamente) a potencialidade das empresas. Basicamente, procura a complementação
econômica sob uma forma societária e com um esquema organizacional relativamente
simplificado
293
.
d.) Espanha
No direito espanhol, desde 17 de junho de 1955, com a aprovação do Reglamento
de Servicios de las Corporaciones Locales (arts. 37 a 40), facultou-se às corporações locais
construir consórcios dotados de personalidade jurídica, com entidades públicas de diferente
ordem para instalar ou gerenciar serviços de interesse local. Tal natureza de ente local não-
territorial foi ratificada pelo Decreto-Lei de 12 de novembro de 1970.
Com a Constituição de 1978, precisamente com a inclusão dos Estado-Autônomo
– modelo espanhol de Estado Unitário descentralizado – os consórcios adquiriram dimensões
consideráveis, em razão da ampliação das relações entre as Administrações Públicas
294
. A
estratégia do regionalismo prevaleceu sobre o “localismo”
295
-
296
.
Um dos problemas para o qual se busca soluções na ordem jurídica espanhola é
superar a fragmentação municipal e sua debilidade financeira de forma que possam prestar
293
SANDOVAL, Carlos A. Molina. Consórcios de Cooperación. 2005, p. 01.
294
FEDERACIÓN ESPAÑOLA DE MUNICIPIOS Y PROVINCIAS. Otros entes locales complejos – los
consórcios. Disponível no site: <http://www.cartalocal.es/index.php/cartalocal/
colaboraciones/otros_entes_locales_complejos_los_consorcios.html. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
295
A expressão “localismo” é utilizada no direito espanhol para referir-se às questões de interesse local.
296
PARRADO-DÍEZ, Salvador. Spanish public partnerships: an emerging phenomenon. Paper to be presented
for OECD-PUMA Expert meeting: “Making Partnerships Accountable - Vertical and Horizontal Forms of
Partnerships among Public Organisations Reconsidered”. Paris, 3-4 September 1998. Disponível em:
http://www.uned.es/113016/archivos/documento60-ocde-partnerships-1998.pdf. Acesso em 23 de janeiro de
2006, p. 01.
138
adequadamente os serviços municipais. Para isso, buscam, dentre os diversos tipos de
associação, aquele que oferece maiores garantias de eficiência e eficácia para a gestão desses
serviços. Neste contexto, a institucionalização das relações entre os diversos atores sociais
que possuem interesses comuns no âmbito local se materializa por meio das diversas formas
associativas com regimes jurídicos e formas de atuação distintos. Estas fórmulas
associativas
297
pressupõem estratégias de ajuda a esses atores para aliviar o problema da
escassez e da dependência de recursos dos demais
298
.
O consórcio administrativo é uma associação entre entes públicos de diferentes
ordens, com participação, em alguns casos, de entidade privada sem fim lucrativo com
interesses concorrentes ao interesse público
299
. É um ente representativo dos entes associados;
em outras palavras, significa dizer que as Administrações Públicas são membros da entidade e
não meros gestores da mesma. Trata-se de uma corporação de direito público.
Para Javier Sánchez-Caro os consórcios são conseqüência da descentralização
política do Estado e do reconhecimento do princípio da autonomia local; e, ainda, que o
consórcio de técnica de cooperação residual passou a ser uma fórmula essencial de
cooperação administrativa
300
. Trata-se de figura de caráter associativo voluntário que permite
gerenciar serviços de importante conteúdo social por meio de acordos entre instituições de
variados níveis.
De atividade bastante similar, porém, com natureza jurídica distinta, a
mancomunidad é uma espécie da associação de Municípios que se constitui para a realização
de finalidades diversas, incluindo a consecução de numerosos objetivos comuns dos
Municípios que agrupa.
297
Para os autores, são fórmulas associativas os consórcios, as mancomunidades, as fundações e empresas
públicas locais etc. E, ainda, são características: “implican a dos actores como mínimo; cada participante en la
asociación actúa como un agente principal que defiende sus intereses frente a socios que gozan del mismo
estatus, sin tener la necesidad de apelar continuamente a la autoridad de un nivel superior; los actores se
mancomunan, forman un consorcio o establecen una empresa o fundación intermunicipal con la intención de
crear una institución; esta asociación, por tanto, se caracteriza por su perdurabilidad en el tiempo y por sustituir
los convenios y acuerdos puntuales; cada actor participante transfiere algunos recursos —materiales o
inmateriales— a la asociación creada; existe una responsabilidad conjunta de los actores participantes por los
resultados y el impacto que las actividades de la asociación tienen”.( FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador.
Eligiendo sócios en la Administración municipal española: los consoricos e las mancomunidades. In: Revista
Cuadernos de Gobierno y de Administración de la Universidad Rey Juan Carlos, n. 03, 2000. Disponível no site:
http://www.uned.es/113016/equipo%20docente/cv-parrado_archivos/documento%2025%20-%urjc%202000.pdf.
Acesso em 23 de janeiro de 2006, p. 03.)
298
Ibidem, p. 01-02.
299
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 71.
300
SÁNCHEZ-CARO, Javier. Régimen jurídico de las nuevas formas de gestión en la sanidad española (la
perspectiva Del Instituto Nacional de la Salud). In Revista de Administración Sanitária. Volumen IV. Número
14 Abril/junho, 2000. Disponível no site: http://www.dinarte.es/ras/ras14/pdfs/admi03.pdf . Acesso em 23 de
janeiro de 2006, p. 118.
139
De outra parte, o consórcio se constitui para realizar uma obra ou serviço
determinado em que estão interessadas diversas Administrações Públicas, não para resolver
situações de permanente insuficiência financeira e técnica na prestação desses serviços
301
-
302
.
Ressalta-se que a possibilidade da formação heterogênea de seus membros é um dos
elementos característicos de sua personalidade. Tal corporificação é o que o distingue dos
convênios.
As mancomunidades constituem, portanto, um exemplo típico de associação
horizontal, enquanto que os consórcios são associações, em regra, do tipo vertical. Apesar das
similitudes, divergem quanto aos respectivos estatutos, fins e funcionamento
303
.
Há, também, no sistema jurídico espanhol, a figura das regiões metropolitanas,
cuja finalidade original foi o planejamento urbanístico da zona de influência numa metrópole.
Hoje, significa a racionalização e coordenação dos serviços públicos na região urbana. A área
metropolitana é um conjunto de núcleos urbanos intensamente relacionados entre si,
formando uma unidade sócio-econômica de convivência; de modo que sua principal
característica é a movibilidade, ou seja, seu conteúdo de competências múltiplas em espaços
urbanos diversos, construídos sobre vinculações econômicas e sociais
304
.
A escolha por um ou outro modo de associação caberá, em cada caso, ao chefe do
poder executivo envolvido. Pois a distribuição territorial das unidades locais funda-se em
acordos de cooperação intermunicipal. Mas advertem Javier Font, Rafael Gutiérrez Suárez e
Salvador Parrado-Díez que a escolha pela mancomunidad pelos seus múltiplos propósitos e
associação não é tão óbvio, pois na tradição jurídica espanhola, elas foram originalmente
designada para estabelecer associação municipal para a prestacao de um serviço específico,
apesar de ter evoluído à multiplicidade de objetos
305
.
301
NIETO GARRIDO, Eva. Obra Citada. 1997, p. 73.
302
Sobre a mancomunidad, explica a autora que os Municípios limítrofes (ou não), de uma província ou de
várias, se associam e criam uma mancomunidad para realizar numerosas atividades que, em hipótese nenhuma,
podem implicar a totalidade das competências municipais. Trata-se, então, de uma entidade local com finalidade
múltipla, cuja amplitude de objetos são determinados para o desenvolvimento e implantação da figura no
ordenamento jurídico. (Ibidem, p. 86).
303
FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador. Eligiendo sócios en la Administración municipal española: los
consoricos e las mancomunidades. In: Revista Cuadernos de Gobierno y de Administración de la Universidad
Rey Juan Carlos, n. 03, 2000. Disponível no site: http://www.uned.es/113016/equipo%20docente/cv-
parrado_archivos/documento%2025%20-%urjc%202000.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006
, p. 06.
304
GARRIDO, Eva. Obra Citada. 1997, p. 90-91.
305
FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador e GUTIÉRREZ SUÁREZ, Rafael. Intergovernmental
partnerships at the local level in Spain: mancomunidades da consortia in a comparative perspective. Disponível
no site: http://www.oecd.org/dataoecd/11/14/1902663.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
140
Neste contexto, tanto as parcerias verticais quanto as horizontais tem seus
objetivos voltados ao âmbito local desde a chegada da democracia na nação espanhola; ambos
os casos facilitaram a prestação dos serviços nas pequenas municipalidades. Todavia, tem-se
constatado que os consórcios cresceram em número e em relevância, pois oferece uma
flexibilidade melhor na simples entrega desses serviços. Ademais, os consórcios
administrativos incentivam maior investimento dos governos em níveis superiores.
Definitivamente, o modelo de descentralização político-administrativa implantado
pelo Governo espanhol é caracterizado pela divisão de funções entre seus diversos níveis; a
fragmentação do governo local está suficientemente estabelecida pra desenvolver a
cooperação em bases permanentes.
A organização pública espanhola está desenhada sob modelos de cooperação
vertical e horizontal.
Todo esse processo de descentralização implementou políticas
intergovernamentais, as quais se propõem a resolver diferenças entre os governos central e
periféricos. A bilateralidade nas negociações pauta-se em assuntos de rotina que
proporcionem bem-estar à população, como, educação, trabalho, saúde, cultura e serviços
sociais
306
.
e.) França
307
Antes de considerar os syndicats de communes, que são o instrumento que mais se
aproxima do modelo de consórcio público brasileiro, é preciso compreender a divisão
administrativa de poder descentralizado na França.
A commune é a menor divisão administrativa local permitida pelo sistema jurídico
francês – o que equivaleria ao nosso Município. Trata-se de uma expressão prevista em lei,
mas que coloquialmente é chamada de municipalité. Está composta pelo conselho municipal
(conseil municipal), que representa a instância deliberativa eleita pelo sufrágio universal
306
PARRADO-DÍEZ, Salvador. Spanish public partnerships: an emerging phenomenon. Paper to be presented
for OECD-PUMA Expert meeting: “Making Partnerships Accountable - Vertical and Horizontal Forms of
Partnerships among Public Organisations Reconsidered”. Paris, 3-4 September 1998. Disponível em:
http://www.uned.es/113016/archivos/documento60-ocde-partnerships-1998.pdf. Acesso em 23 de janeiro de
2006, p. 09.
307
Informações obtidas no site: http://www.laviepublic.fr , acesso em 19 de dezembro de 2005.
141
direto e está encarregada das deliberações sobre assuntos de interesse da commune, e pelo
executivo (executif), que é composto pelo prefeito e seus adjuntos.
Outra expressão de necessário conhecimento é a intercommunalité, que designa as
diferentes formas de cooperação existente entre as communes. A cooperação intercommunale
existe na França há mais de duzentos anos, foi inserida no sistema por Lei em 22 de março de
1890, com a criação de um syndicat intercommunal à vocation unique. As Leis de 06 de
fevereiro e 1922 e de 12 de julho de 1999 reforçaram seu significado.
Recentemente, em 13 de agosto de 2004, após a reforma constitucional francesa
em 2003, novas disposições vieram a melhorar seu funcionamento.
A intercommunalité permite às communes se agruparem num espécie de
departamento público (établissement public), responsável por assumir uma série de prestações
(como transporte urbano, assistência social etc.), seja para elaborar verdadeiros projetos de
desenvolvimento econômico, de administração ou de urbanismo.
Adeverte-se que desde a Lei de 1999, as communes não podem aderir a mais de
um établissement public de coopération intercommunale – EPCI. A diferença destas
associações para as collectivités territoriales está na especialidade da matéria: naquela, em
razão do princípio da especialidade, a competência é limitada; enquanto nestas, não. As
communes transferem ao établissement de coopération intercommunale as atribuições
necessárias ao exercício das atribuições que lhe são investidas, passando ao exercício dos
poderes de decisão e de execução.
A Lei de 14 de agosto de 2004 outorgou a estas pessoas jurídicas recurso
financeiro próprio, para o exercício das competências atribuídas às regións e aos
départements
308
, desde que autorizado tal exercício por estes.
Há, ainda, dois tipos de intercommunalité: a forma simples ou associativa (que
não recursos financeiros próprio), é financiada pelas contribuições das communes que a
formam, e são responsáveis pela gestão associada de atividades ou serviços públicos; a outra é
a forma complexa ou federativa (com recurso próprio), que se caracteriza pela existência de
competências obrigatórias.
A intercommunalité responde por variados objetivos: trata-se de um instrumento
de organização racional dos territórios, favorece também o desenvolvimento econômico local
308
Régions e Départements são outros dois níveis de divisão administrativa de descentralização territorial no
sistema francês. Estão, em nível hierárquico, acima das communes.
142
e o revigoramento da política de administração do território, e, responde pragmaticamente aos
problemas de gestão que são comuns aos municípios.
A estrutura, depois de formada, é denominada structures intercommunales, que
são as EPCI’s (établissement public de coopération intercommunale). São criadas por
iniciativa de um ou mais conselhos municipais (conseils municipaux), o qual o prefeito, após,
obterá o parecer da Commission Départamentale de Coopération Intercommunale, que, em
seguida, decretará os limites, ou seja, a lista do interesses comuns daqueles membros.
A Lei de 1999 introduziu um critério de continuidade territorial e de coerência, ou
seja, o perímetro deve comportar uma única inserção territorial. As communes respectivas
deverão se pronunciar sobre essa associação num período não superior a três meses – por
meio de aprovação de maioria qualificada
309
, combinado à edição de um decreto por ato do
Prefeito criando a nova estrutura associativa.
Internamente, tais estruturas (intercommunalité) funcionam com um Presidente
(que é o órgão executivo, eleito pelos delegados das communes) e com uma Assembléia
Deliberativa (que é composta por esses delegados, eleitos pelos conselheiros municipais), que
se reúnem uma vez a cada trimestre ou sempre que convocado pelo presidente.
Conforme disposto acima, são duas as estruturas das EPCI’s: uma, com recursos
financeiros próprios, que são os syndicats de communes e os syndicats mixtes; outra, sem
recursos financeiros próprios, que são as communauté urbaines, communautés de communes,
communautés d’agglomération, syndicats d’agglomération nouvelle, districts e communautés
de ville (estas duas últimas foram supridas pela Lei de 1º de janeiro de 2002).
Os syndicats de communes, por sua vez, são divididos em syndicats à vocation
unique (SIVU), os syndicats à vocation multiple (SIVOM) e os syndicats à la carte.. Os
primeiros (SIVU) foram criados pela lei de 22 de março de 1890, como uma associação de
communes, ainda que não limítrofes, que se reúnem com o fim de gerar somente uma
atividade de interesse comum. São, geralmente, de tamanhos reduzidos e cujas competências
mais comuns referem-se à matéria de distribuição e tratamento de água, educação
fundamental e saneamento.
A partir da Lei de 1º de janeiro de 1999, os syndicats (SIVU, SIVOM e mixtes)
são a forma de agrupamento mais comum na França. Hoje, computam aproximadamente
309
Maioria qualificada significa a aprovação por no mínimo 2/3 dos conselhos municipais representantes mais a
metade da população total ou a metade dos conselhos municipais representantes e 2/3 da população.
143
18.504 syndicats, dos quais são 80% de SIVU (14.885). Os segundos (SIVOM), foram
criados pela Lei de 5 de janeiro de 1959, que autorizou as communes associarem-se para gerir
– diferente dos SIVU – diversas atividades. As competências mais comuns nesta modalidade
são a coleta e eliminação de lixo, ensino fundamental, turismo e aparelhamento público
310
.
Após a Lei de 1º de janeiro de 1999, os SIVOM representam aproximadamente 12% dos
syndicats (2.165). E, por fim, os syndicats à la carte são aqueles que permitem as communes
aderir a um syndicat somente para compartilhar uma de suas competências.
Os sindicatos mistos foram criados pelo Decreto de 20 de maio de 1955 e
compreendem ao menos uma collectivité e permitem a associação entre communes,
départements, régions e établissements publics – diferentemente dos SIVU e SIVOM, que se
associam somente as communes entre elas. Essas associações são criadas em vista de obras ou
serviços que são prestados por cada um dos seus membros, notadamente em matéria de coleta
e eliminação de lixo, de tratamento e distribuição de água e turismo. Hoje, estes sindicatos
somam 8% dos syndicats (1.454).
As communauté urbaines foram criadas pela Lei de 31 de dezembro de 1966 e
reúnem diversas communes que devem somar mais de 500.000 habitantes em território
uniforme (limítrofe). A Lei de 12 de julho de 1999 reforçou suas competências e determinou
que elas são encarregadas pelo desenvolvimento e administração econômico, social e cultural
daquele espaço comunitário, pelo equilíbrio social do habitat sobre este território; pela política
da ville naquela communauté; pela gestão dos serviços de interesse coletivo; pela proteção e
valoração do meio ambiente. Desde 13 de janeiro de 2003 computam 14 communautés
urbaines na França.
As communautés de communes foram criadas pela Lei de 6 de fevereiro de 1992
visando organizar as necessidades comuns em vista da administração e do desenvolvimento
do espaço e permitindo a elaboração de um projeto comum. Eram originalmente destinadas
unicamente ao meio rural, mas ganharam, pouco-a-pouco, o meio urbano. Reúnem diversas
communes que, desde a Lei de 1999, devem ter um único territorial uniforme. Exercem, no
lugar dos seus membros, obrigações de competências em matéria de administração de espaço,
ações de desenvolvimento econômico, proteção e valorização do meio ambiente, políticas de
melhorias de condição de vida, administração e planejamento das vias urbanas. Somam 2.195
communautés de communes, desde 2003.
310
No texto original, equipements publics.
144
As communautés d’agglomération foram criadas pela Lei de 12 de julho de 1999
em substituição às communautés de ville. São a associação de diversas communes urbaines
sobre um mesmo espaço físico, agrupando mais de 50.000 habitantes, sendo que cada
communes deve ter mais que 15.000 habitantes. Exercem competências obrigatórias em
matéria de desenvolvimento econômico, administração do espaço comunitário, equilíbrio
social da comunidade. Totalizam 143 communautés d’agglomération na França.
Os syndicats d’agglomération nouvelle (SAN) foram criados pela Lei em 13 de
julho de 1983, para responder às necessidades das novas cidades (Villes) que surgiram após
os anos 70. Reúnem communes que constituem aglomerações recentes. Têm competências em
matéria de programação e de investimento em urbanismo, logística, transporte e
desenvolvimento econômico. O processo de racionalização das estruturas intercomunitárias,
inaugurada em 12 de julho de 1999, em conseqüência da transformação das SAN em
communautés d’agglomération. Reconhece-se, hoje, 8 SAN no Estado francês.
Os districts foram extintos em 1 de janeiro de 2002, mas desde os dispositivos da
Lei de 12 de julho de 1999, foram transformados em communautés de communes,
communauté d’agglomération ou em communautés urbaines conforme o caso. Originalmente
criadas por Decreto em 5 de janeiro de 1959, para intervir no meio urbano, e estendidas para o
meio rural em 31 de dezembro de 1970, eram dotadas de competências delegadas pelas
communes, mas também competências obrigatórias definidas pela lei (de gestão de serviços
públicos, por exemplo). Quando da sua extinção, totalizavam 171 discricts.
As communautés de villes desapareceram, também, em 1º de janeiro de 2002,
assim como os districts, pela Lei de 12 de julho de 1999 foram transformados em
communautés de communes, communauté d’agglomération ou em communautés urbaines
conforme o caso. Foram criadas pela Lei de 6 de fevereiro de 1992, pelo agrupamento de
diversas communes de uma aglomeração não inferior a 20.000 habitantes. Pragmaticamente,
não foram bem sucedidas. Não se registrou número superior a 5 communautés de villes.
f.) Venezuela
A figura do consórcio administrativo no Direito Venezuelano é entendida como
uma associação entre entes públicos de diferente ordem e a participação de alguma entidade
privada sem fim lucrativo com interesses concorrentes com tais entes públicos.
145
Afirma José Luis Villegas Moreno que está em voga nesse país a figura dos
consórcios mercantis para executar importantes encargos, mas principalmente para participar
em processos licitatórios e em concessões públicas, ainda que tal figura não seja reconhecida
de forma autônoma e expressa no ordenamento jurídico nacional
311
.
Também sem previsão legislativa expressa, os consórcios administrativos vêm
sendo implementados consideravelmente a partir da ordem constitucional venezuelana
estabelecida em 1999
312
, que fortalece o poder público municipal.
No plano constitucional, a administração local está vinculada ao princípio da
subsidiariedade, diante do qual a prestação de serviços públicos deve ser levada por aquele
que se encontra em melhores condições para tanto e mais próxima ao cidadão. Portanto,
incluem-se os consórcios no processo de descentralização, considerando-os como hipóteses de
transferência de competências entre as entidades locais, com base no consenso
intergovernamental.
Há previsão legal
313
de outras entidades locais descentralizadas, como os institutos
autônomos municipais, as empresas municipais, as fundações municipais e as associações
civis municipais; mas nenhum deles tem caráter associativo intermunicipal. E, também
314
, de
forma clara, a possibilidade de criação de outras modalidades associativas
intergovernamentais – onde se inserem as mancomunidades e os consórcios administrativos.
3. Contribuições do direito estrangeiro para o direito nacional
Depois de identificados os principais elementos caracterizadores do consórcio
público no direito estrangeiro (ou institutos similares), é possível afirmar que não se trata a
311
VILLEGAS MORENO, José Luis. El consorcio administrativo en el âmbito local venezolano: aproximación
a una descentralización cooperativa. Província n.8, enero-junio 2002, pp. 99-109. Disponível em:
http://www.saber.ula.ve/db/ssaber/Edocs/pubelectronicas/provincia/pnum8/jose_villegas.pdf. Acesso em 23 de
janeiro de 2006.
312
Art. 170. “Los Municípios podrán asociarse en Mancomunidades o acordar entre si o côn los demás entes
públicos territoriales, la creación de modalidades asociativas intergubernamentales, para fines de interés
público relativos a matérias de sus competências”.
313
Arts. 43 a 47 da Ley Orgânica Del Régimen Municipal – LORM.
314
Art. 13 da LORM.
146
Lei n. 11.107/06, que regulamenta a constituição deste mecanismo no direito brasileiro, de
cópia idêntica a qualquer um dos modelos propostos. Mesmo porque a federação brasileira
tem características muito próprias que não encontra paralelo algum com as Nações
examinadas.
Esta análise proporcionará compreensão mais acertada sobre os propósitos desta
medida no sistema jurídico pátrio, considerando as semelhanças e divergências constatadas.
De fato inspirou-se o legislador brasileiro no consórcio público italiano,
particularmente quanto aos aspectos da finalidade para gestão associada de serviços públicos,
como, também, na personalidade jurídica autônoma do instrumento. Similar aos consórcios
empresariais, a autonomia da entidade constituída garante independência no seu
funcionamento, sem que seus fundadores exerçam ingerência sobre eles.
Quanto à autonomia do consórcio público frente aos seus membros, essa não é tão
absoluta como no direito italiano, mesmo porque os próprios chefes do executivo dos entes
federados consorciados são os responsáveis pela gestão e funcionamento dos consórcios
públicos. Ainda que haja capacidade administrativa, organizativa e financeira próprias, os
entes consorciados são solidariamente responsáveis pelos consórcios públicos. Sem
mencionar que, no caso brasileiro, integram a Administração Pública Indireta.
Interessante apontar que em todos os países examinados, a legislação permite o
consorciamento de entidades privadas sem fins lucrativos, que atuarão em parceria com os
entes públicos. Diferentemente do direito brasileiro, apesar da existência de diversos meios de
parcerias entre pessoas públicas e privadas para a prestação compartilhada de atividades de
interesse público, a constituição do consórcio público é exclusivamente interfederativa.
Outro ítem que merece destaque é delimitação atuação territorial desses
instrumentos de gestão associada. Em todos os casos, o consorciamento e as associações são
autorizados para o atendimento de finalidades públicas de interesse local. São medidas de
descentralização político-administrativa, que, para o fortalecimento do poder local, justificam
a soma de esforços na busca do bem-estar da comunidade. A proposta de descentralização é
nítida no modelo francês e português.
Destaca-se do direito espanhol, o alargamento do objeto dos consórcios, por ele
chamado administrativos. Não se prestam os consórcios somente para a entrega de serviços ou
obras públicas. Mais do que isso, na Espanha, são os consórcios administrativos utilizados
como instrumentos de desenvolvimento sócio-econômico regional, preservando as
147
diversidades locais (pois a associação intermunicipal para a prestação de serviços públicos é
atribuída às mancomunidades).
Assim, com o raciocínio que se vem trabalhando, os consórcios públicos
brasileiros também serão utilizados para a gestão associada de serviços e obras públicas, mas,
principalmente, deverão ser tidos como instrumento que permitirá a restauração do pacto
federativo e de cooperação entre os entes federados, para cumprimentos das atribuições
constitucionalmente designadas, que, ao fim, atinjam os objetivos propostos pela República
Federativa do Brasil.
148
PARTE III
A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS
149
CAPÍTULO I
PRESSUPOSTOS LEGISLATIVOS
1. A sede normativa adequada: bases constitucionais
Mesmo antes da reforma do texto constitucional para dispor nova redação ao art.
241, desde sua publicação, em 1988, a Constituição permite as mais diversas formas de
associativismo interfederativo a fim de compor interesses coletivos comuns.
O consórcio público e convênio de cooperação são apenas mais dois meios de
conjugação de esforços dos entes federados. Não há o que se fazer na impossibilidade do
legislador constituinte derivado inserir, no sistema, novas medidas.
No intuito de cumprir os preceitos de desenvolvimento nacional e erradicação da
pobreza e das desigualdades regionais, vieram estes novos instrumentos somar àqueles outros
diversos já previstos ao longo dos artigos constitucionais.
Trata-se o art. 241 da Constituição Federal de um marco regulatório de
instrumentos de associação interfederativa, que é perfeitamente condizente aos anseios
propostos nesse documento político. Os consórcios públicos e convênios de cooperação
facilitarão, sobremaneira, a implementação de inúmeras políticas públicas. Em particular os
consórcios públicos, que, de todas as possibilidades previstas no ordenamento jurídico
nacional, são os que oferecem instruções próprias de constituição e funcionamento.
Em análise à perspectiva constitucional, sobre os consórcios públicos, Cleber
Demetrio Oliveira da Silva, ainda, que
[...] se acredita que seu texto tenha condições efetivas de
responder aos anseios dos entes federativos interessados na
instituição de consórcios públicos. Agora, pode-se falar em
150
segurança jurídica na implementação da gestão associada de
serviços públicos.
315
.
Para Alice González Borges,
[...]
é evidente, no que diz respeito à constituição dos
consórcios públicos, bem como à celebração de convênios de
cooperação entre entes federados. Não se trata, em tais
considerações, da decisão sobre a participação das ordens
federadas em tais ajustes, da definição dos seus objetivos, do
estabelecimento de suas condições, porque, aí sim, segundo o
imperativo do art. 18 da Constituição e em obediência ao
princípio federativo, tais matérias competem unicamente a cada
ente federado, no uso de sua autonomia política, organizacional
e administrativa. Cuida-se, isto sim, substancialmente, de
definir como as vontades dos entes federados partícipes se
articularão em torno da consecução dos seus objetivos de
interesse comum, sem que se quebre, com isso, sua autonomia
constitucional
316
.
O objetivo da norma constitucional, pondera Maria Sylvia Zanella Di Pietro é o de
consolidar a gestão associada entre os entes federados para a consecução de fins de interesse
comum”, que muitas vezes são “inseridas no rol das competências comuns” e cujos entes
federados não podem ou tem dificuldades, por si só, para prestarem serviços de interesse
coletivo, “tornando-se possível ou mais eficiente mediante a conjugação de esforços”
317
.
Neste contexto, a Lei 11/107 configura-se como a primeira lei brasileira de
cooperação interfederativo, pois “seu objetivo é regulamentar o art. 241 da Constituição, que
prevê a possibilidade de integração entre os entes federativos para a gestão associada de
serviços público”, associação esta que “poderá se materializar por meio de convênio de
cooperação ou pela constituição de consórcios públicos
318
315
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005
316
BORGES, Alice Gonzáles. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. In: Revista Zênite de
Licitações e Contratos – ILC,, 2005, p 847-48.
317
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 464.
318
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 133.
151
2.Possibilidade de novo tratamento legal: a disciplina por meio de lei federal
Ao dispor o art. 241 da Constituição que os entes federados, por meio de lei,
disciplinarão os consórcios públicos e os convênios de cooperação, é inevitável a discussão
acerca da competência legislativa para tal regulamentação.
O consórcio público produz “a conjugação de competências, atuações e interesses
de entes federados diversos”. Portanto, “há uma dimensão de supralocalidade do interesse
envolvido”. Assim, “a competência normativa é de titularidade da órbita federativa mais
ampla”
319
.
Alerta-se para o fato de que a análise de tais questões não se esgota na
compreensão do artigo isoladamente, mas, a partir da leitura sistematizada de todo o texto
constitucional. Isto porque, analisa Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
[...] o art. 241 da Constituição criou certa perplexidade ao
estabelecer que os entes federados disciplinarão por lei os
consórcios e os convênios de cooperação, dando a
impressão de que cada qual terá competência própria para
legislar sobre a matéria; só que, como os consórcios
envolvem a participação de diferentes pessoas jurídicas
públicos, é impossível que cada qual estabeleça
suas
próprias normas, sem que haja uma lei de âmbito nacional
estabelecendo os pontos comuns
320
Caberá a cada pessoa política definir, por meio de lei, a forma e limites para
exercício de suas atribuições por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação.
É dizer que União, Estado, Municípios e Distrito Federal têm competência
legislativa para delimitar as atividades que poderão ser objeto associação para fins do art. 241
da Constituição. Ressalta-se que “a competência para legislar sobre determinado instituto não
319
JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei
federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito
Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 688.
320
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível no site: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
152
se confunde com a competência para disciplinar a organização dos serviços nem com a
competência para autorizar sua outorga”
321
.
Portanto, considerando a edição da Lei Federal n. 11.107/05, entende-se ser
matéria em que caiba complementação ou suplementação, para adaptação a peculiaridades
específicas de cada ordem federada, já que se verifica, no caso, natureza de norma geral; ou
seja, de supra-ordenamento da composição de competências desses entes da Federação, em
plano abrangente e nacional.
A função da lei, no caso da gestão associada, será o de definir competência ao
Administrador para que aponte o que será seu objeto, qual sua área de atuação, seus elementos
de constituição, enfim, caberá à lei definir os aspectos relacionados aos encargos que serão
assumidos nessa forma.
A doutrina especializada, em sua maioria, admite a regulamentação dos
consórcios públicos por meio da lei federal como publicada, todavia, aponta três argumentos
distintos que reconhecem à União a competência legislativa sobre tal matéria.
O primeiro tem autorização no inciso XXVII do art. 22, que dispõe sobre a
competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas
as modalidades. Para Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, “no que tange ao consórcio
público e ao convênio de cooperação, o legislador teve por propósito uniformizar o regime
jurídico dessas relações; daí a necessidade da uniformização ser proposta pela União
322
. Em
outras palavras, “é afirmar a qualidade legítima da União para legislar sobre normas gerais
decorre deste dispositivo, que determina ser de competência privativa da União legislar sobre
normas gerais de licitação e de contratação, em todas as modalidades, para as administrações
direta e indireta dos entes federados, respeitada a exigência da licitação pública”
323
.
321
PORTO NETO, Beneticto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 19.
322
Também neste sentido, Rosani Evangelista da Cunha diz que a competência derivada do art. 22 da
Constituição Federal, no inciso XXVI, prevê que é competência da União legislar sobre normas gerais de
contratação, o que abrange contratos, convênios e afins. E, neste sentido, já que os consórcios públicos são
resultado da conjugação de vontade de mais de uma pessoa, são, portanto, um contrato. (CUNHA, Rosani
Evangelista. Obra citada. p. 26)
323
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº
11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801 . Acesso em: 17/12/2005.
153
Para esta corrente, traçado o regime geral pela União, cada um dos demais entes
federados, por meio de normas específicas, deverá complementar o regime proposto sobre a
matéria. Marcos Pinto Correa Gomes, na mesma linha, diz que
[...]o legislador procurou, no texto legal, legitimar a
competência da União, com base em sua atribuição privativa
para editar normas gerais sobre contratos. Não só a ementa, mas
também seu artigo 1º assinalam que a Lei Federal nº 11.107/05
estabelece normas gerais para a celebração de contratos de
consórcio público. O fundamento constitucional, portanto, seria
o artigo 22, XXVII, o mesmo que justifica as Leis Federais nº
8.666, de 21 de junho de 1993, e nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, entre outras
324
.
O segundo argumento acerca da competência legislativa para disciplinar a gestão
associada e a cooperação entre os entes federados em caráter nacional, diz Alice Gonzáles
Borges que “é evidente o disciplinamento diferente de tais vínculos de cooperação entre entes
federados, sem nenhuma coordenada comum, sem nenhuma linha de coerência, geraria
verdadeira anarquia e não alcançaria os salutares resultados pretendidos pelo texto
constitucional em comento”. Segue a autora dizendo que “uma coisa é a competência para
estabelecer diretrizes gerais que norteiem a celebração de convênios e consórcios entre entes
federados; outra, bem diversa, é a decisão de participar, ou não, de tais ajustes, com a
definição de seus objetivos e a estipulação de suas condições”
325
.
O último argumento, também admitindo a competência da União para legislar
sobre o tema, é trazido por Floriano de Azevedo Marques Neto que considera que
[...] a autorização constitucional não está no art. 22 supra
referido, mas, sim, no art. 24 do texto constitucional, ao tratar
das competências concorrentes. Disso decorre a atribuição de
competência legislativa concorrente para os três entes da
Federação para os regularem. E, sendo assim, creio que se deve
reconhecer ter a Carta reservado à União competência para
prescrever as normas gerais para o estabelecimento destes dois
veículos de atuação federativa concertada. Temos, portanto,
como aplicável a regra prevista nos §§ 1º a 4º do artigo 24 da
CF. Disso provém a quarta nota: o artigo 241 atribuiu – e isso
independe de considerarmos os consórcios como espécie do
324
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
752, 26 jul. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005
325
BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. p 843.
154
gênero contrato – à União competência para disciplinar o
regime dos consórcios públicos mediante a edição de lei geral
nacional, a ser obedecida pelos Estados e Municípios quando
disciplinarem a mesma matéria
326
.
No mesmo sentido, dizem Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira que “ao
editar normas gerais, a União fixa diretrizes para si própria e para todos os outros entes da
Federação, não excluindo a competência legislativa para suplementar tais preceitos, como
dispõe o § 2º do art. 24 da Constituição de 1988”. Advertem, ainda, que no caso específico da
Lei 11.107/2005, “a União teve, em verdade, o intuito de regular, com grande abrangência, o
modo e a forma como os entes federados unirão seus esforços em torno de objetivos de
interesse comum”
327
.
Pondera, Marçal Justen Filho que “a referência do art. 241 à existência de leis dos
diversos entes federados não traduz a vedação à edição de noras gerais pela União”, o fato é
que, de todo modo, “será necessária a edição de lei local autorizadora da participação do ente
federado num consórcio público, cabendo ao diploma estabelecer as condições pertinentes”
328
.
Por fim, analisa Maria Sylvia Zanella Di Pietro que como os consórcios envolvem
a participação de diferentes pessoas jurídicas públicas, é impossível que cada qual estabeleça
suas próprias normas, sem que haja uma lei de âmbito nacional estabelecendo os pontos
comuns”. Todavia, adverte a autora que “não sao normas gerais sobre contrato, mas normas
sobre constituição de pessoa jurídica por entes federativos em conjunto”
329
.
Como exposto anteriormente, entende-se pela necessidade de regulamentação
geral por parte da União considerando a característica essencial da relação interfederativa em
questão, sob pena de incorrer em desequilíbrio e desarmonia federativa.
326
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005
327
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos – comentários à Lei 11.107/2005.,
2006, p. 19.
328
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. p. 689-670.
329
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. p. 465.
155
CAPÍTULO II
PERSONIFICAÇÃO DO CONSÓRCIO PÚBLICO
1. Regime jurídico próprio: o surgimento de nova espécie de pessoa jurídica
330
Necessariamente, os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades
dos entes que dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para
consecução de interesses coletivos comuns, relação, por certo, submetida ao regime
publicista. Foi este o regime jurídico imposto pela lei.
Logo no art. 1°, § 1° está previsto que o consórcio público constituirá associação
pública ou pessoa jurídica de direito privado.
330
No Brasil, o primeiro esforço de sistematização da descentralização administrativa deu-se com o Decreto-lei
n° 200/67, que deve ser tomado com a referência da desburocratização da Administração Pública, ainda que
repleto de imperfeições, tentou-se, a partir deste instrumento legislativo, superar a rigidez burocrática, por meio
da expansão da Administração indireta, diluindo o poder decisório do núcleo central.
Há uma estrutura organizacional própria para cada Estado. O modelo brasileiro adotado prevê uma divisão
vertical, que decorre da forma federativa (administração federal, estadual, municipal e distrital) e outra
horizontal, nas hipóteses de descentralização da atividade administrativa para órgãos da chamada Administração
Pública direta e indireta.
São, portanto, entes da Administração indireta, conforme previsto pelo Decreto-Lei n. 200/67, que regula da
estrutura da Administração Federal: autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia
mista. Além, de outros que foram inseridos à ordem jurídica constitucional e legal pátria, como as subsidiárias,
agências reguladoras, organizações sociais, agências executivas, convênios administrativos e consórcios
públicos. O que, primordialmente, identifica esses entes é a personalidade jurídica própria; o que significa dizer
que são sujeitos de direitos e obrigações próprios, não se confundindo com a personalidade jurídica da entidade a
que se vinculam, ainda que exerçam sobre aqueles poderes centrais de controle tutelar.
Sabe-se, todavia, que o referido instrumento legislativo já sofreu inúmeras alterações legislativas e ainda
permanece em vigor. De fato este instrumento introduziu uma reforma administrativa e promoveu a
sistematização quanto às pessoas integrantes da administração pública, mas nada disse impede que se
mantenham eventuais reformulações dessa estrutura original.
Para o desempenho de sua competência específica, a entidade da Administração indireta é dotada de patrimônio,
pessoal, estrutura administrativa e direção próprios desvinculados do poder central instituidor. Sua criação dá-se
por meio de edição de lei específica (seja instituindo ou autorizando sua instituição), o que faz com que as
submetam, independentemente de sua natureza jurídicas, aos princípios gerais da Administração Pública
inscritos no texto constitucional.
Vale destacar, outrossim, que a personalidade jurídica própria é que caracteriza uma entidade como pessoa
jurídica descentralizada e, não, o regime jurídico que a rege, que pode ser público ou privado, conforme
estipulado (ou autorizado) na lei instituidora.
Oportunamente, posiciona-se dentre aqueles que não transferem a titularidade da atividade administrativa,
quando da descentralização, mas, tão-somente, a execução dela. Entende-se que a titularidade é, e permanecerá,
com o poder público. Trata-se a descentralização, reafirma-se, de medida de gestão administrativa.
156
Todavia, era consenso na doutrina nacional, antes da publicação da Lei 11.107/05,
que os consórcios administrativos não tinham personalidade jurídica própria, assim como os
consórcios empresariais previstos na Lei das Sociedades por Ações, contudo, o legislador
optou por conceder tratamento diferenciado.
O aspecto mais importante a ser considerado é a personalidade jurídica do
consórcio público, pois conforme expressamente disposto no art. 6°, o consórcio público
adquirirá personalidade jurídica: I – de direito público, no caso de constituir associação
pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções; II – de direito
privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
Adverte-se que “o vetor para o reconhecimento da personalidade pública ou
privada há de ser a presença de traços que conformem seu regime jurídico a determinadas
prerrogativas”, ou seja, “para se afirmar ser a pessoa pública ou privada, e para a validade da
afirmação, deverá haver como suporte necessário regime jurídico homogêneo, sob pena da
distinção sequer ser útil”
331
. Pretende-se, portanto, apresentar elementos que formule o
regime jurídico de cada uma das espécies de consórcio público.
Acresce-se, ainda que, em se tratando de pessoa jurídica de direito público, o
consórcio público, integrará a administração indireta de todos os entes da Federação
consorciados. No outro caso, quando pessoa jurídica de direito privado, o consórcio público
observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração
de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação
das Leis do Trabalho – CLT, mas não integrará o mesmo rol.
É oportuno esclarecer que, no primeiro aspecto, analisa-se a personalidade
jurídica do consórcio público, que não se confunde com a natureza jurídica do contrato de
consórcio público.
Independentemente da natureza jurídica do consórcio público criado (público ou
privado), o fato é que “sua instituição envolve um procedimento bastante complexo,
abrangendo atos unilaterais específicos de cada ente federativo que pretender dela participar,
mas também uma manifestação de consenso entre esses diversos entes”
332
.
331
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 2006, p. 142-143.
332
JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei
federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito
Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 691.
157
2. Consórcio público de direito público: consórcio público-público
a) Posição jurídica: parte da Administração Pública indireta
Por determinação legal, os consórcios públicos de direito público integram o rol
de entidades parte da Administração Pública indireta, da pessoa titular do serviço, ou seja,
aquela responsável por sua organização e fiscalização, sendo parte dela. Nada mais é do que
uma figura de descentralização administrativa; é uma nova modalidade num velho
ordenamento jurídico (Decreto-lei n. 200/67).
Ao formar uma associação pública, estará sendo criada uma nova pessoa jurídica,
ou seja, as associações públicas são consideradas, em razão da modificação mesma produzida
pela Lei 11.107/05, por parte da doutrina
333
, como autarquias. Isto porque a nova redação
dada pela lei dos consórcios públicos ao Código Civil acrescentou ao inciso IV, do seu art. 41,
que estabelece as autarquias como pessoas jurídicas de direito público no Brasil, ao seu lado
as associações públicas.
Sabe-se que “pessoa jurídica de direito público é aquela intrinsecamente estatal”,
ou seja, “apenas pode ser instituída por lei, sendo-lhe atribuídas funções e competências
inerentes à qualidade estatal”
334
.
É, pois, o consórcio público “um instrumento que, sem delegação de
competências constitucionais, visto que integra a Administração Indireta, viabiliza o
compartilhamento de sua gestão com outros entes da Federação, que também participam do
consórcio”
335
.
Em verdade, “o que identifica uma pessoa jurídica de direito público é a natureza
de suas finalidades, a origem de seu patrimônio e o ato que lhe dá origem”
336
. Assim,
333
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº
11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801>. Acesso em: 17/12/2005.
334
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. a cip. 679.
335
PORTO NETO, Benedicto. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: <http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf>. Acesso: 30 de março de 2005, p. 42.
336
AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos consórcios
intermunicipais. In Revista de Direito Administrativo – RDA, 2004
158
necessariamente, deve-se concluir que é pública toda pessoa jurídica formada a partir de
patrimônio público, o qual só pode ser afetado a fins públicos e por meio de lei.
1º) Associação Pública
A personificação do consórcio público como associação pública advém, de
imediato, da vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções.
Associação pública é nova categoria de pessoa jurídica que foi inserida ao
ordenamento jurídico nacional pela publicação da lei dos consórcios públicos, que em seu art.
16 deu nova redação ao Código Civil, ao lado das autarquias.
Para que coubesse dentro do Código Civil, a Lei alterou o artigo 41, para incluir
no inciso IV uma parte: o inciso, que se referia às autarquias apenas, ficou com a redação: “as
autarquias, inclusive as associações públicas”. Isto sem tocar o inciso V do mesmo artigo: “as
demais entidades de caráter público criadas por lei”.
Para Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira, “a associação pública é
modalidade de constituição de consórcio público formado pela união de entes federativos,
como pessoas jurídicas públicas que se organizam para a realização de objetivos de interesse
comum”
337
.
Assim, considerando a novidade da inserção no sistema jurídico pátrio de pessoa
jurídica com denominação distinta daquelas conhecidas até agora, é inevitável a discussão
acerca da natureza jurídica desta pessoa.
De pronto, amplamente a doutrina entende ser a associação pública uma espécie
de autarquia, em razão da redação do inciso IV do art. 41 do Código Civil.
Em análise ao tema, Alice Gonzáles Borges afirma que
[...]
o legislador optou por inserir a categoria de associação
pública junto à autarquia para evitar mais uma necessidade de
reforma ao texto constitucional e agilizar a efetividade proposta
pela lei dos consórcios públicos. Pretendeu o legislador tratar a
associação pública como uma subespécie de autarquia.
Decerto, porque o art. 37 da Constituição apenas prevê, como
integrantes da administração indireta, autarquias, fundações
públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas.
337
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. 2006, p. 74.
159
Com essa “inclusão” das associações públicas entre as
autarquias, evitou-se, ao que parece, a edição de (mais uma)
emenda constitucional
338
.
Já José Eduardo Alvarenga considera “uma espantosa contradição dentro da
própria lei nova, significa, pois, que as associações públicas são espécie do gênero autarquia.
A ser assim, só podem ser criadas por lei, como exige o artigo 37, XIX, da Constituição e não
através de contrato, como quer o artigo 3º da nova lei”
339
.
Como diz Marçal Justen Filho, “a expressão autarquia comporta entidades
submetidas a regimes jurídicos diversos. E isso porque a criação de autarquia depende de lei
específica, a qual caberá determinar o regime jurídico da entidade, ou seja, cada autarquia
pode apresentar regime jurídico próprio, específico e peculiar”
340
.
Lembra-se, com isso, que a autarquia comporta entidades submetidas a regimes
jurídicos diversos, em outras palavras, é afirmar que seja qual for este regime todas serão
pessoas jurídicas de direito público. E a mesma característica será atribuída à associação
pública, vez que prevista no mesmo dispositivo legal.
Contesta-se a atribuição da natureza de autarquia aos consórcios públicos, sob o
argumento da personalidade de direito público e pela inscrição nova no Diploma Civil.
Toma-se a associação pública como nova espécie de personalidade jurídica criada
por lei, com características próprias, conforme disposto na Lei 11.107/05.
Por fim, conclui-se pela pessoa jurídica dotada de personalidade de direito
público, que tem natureza jurídica própria e de nova nomenclatura (associação pública), que
integra a administração indireta de cada um dos entes consorciados.
1º. Constituição: complexidade do procedimento.
Lembre-se que se tratam de dois momentos distintos da lei: um é a criação da
pessoa jurídica, consórcio público, de natureza de associação pública out associação civil;
outro é a celebração do contrato para funcionamento deste pacto. De todo modo, necessária é
338
BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. 2005, p. 849.
339
ALVARENGA, José Eduardo. Consórcios: a nova pessoa jurídica da administração indireta. Disponível no
site: http://www.direitonet.com.br. Acesso em 17/12/2005.
340
JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada.. 682.
160
a intervenção do Legislativo que autoriza previamente ou ratifica a criação. Logo, a criação
por meio de lei que é exigida para a instituição do consórcio público é cumprida.
Diz a Lei 11.107/05 que os consórcios públicos se constituem por meio de
contrato. Mas em análise ao conjunto legal, constata-se se tratar de uma série de atos
interligado até a efetiva formação desta nova pessoa jurídica, ou seja, trata-se, então, de um
procedimento sua constituição.
Procedimento
341
este composto das seguintes fases consecutivas: (i) subscrição do
protocolo de intenção (art. 3°); (ii) publicação deste protocolo em imprensa oficial (art. 4°);
(iii) promulgação de lei ratificadora do protocolo de intenção – total ou parcialmente por cada
um dos consortes (art. 5°); (iv) celebração do contrato do consórcio público (art. 3°); por fim,
(v) atendimento das disposições civis, em se tratando de consórcio público de natureza
privada (art. 6°, II).
a) Natureza Contratual
Todavia, a natureza jurídica do ato constitutivo do consórcio público não fica
clara na Lei específica: se contrato administrativo ou acordo de interesses.
Em busca da resposta no texto constitucional, constata-se que são utilizadas as
duas expressões sem precisão jurídica – muitas vezes, uma se confundindo com a outra. O
conceito de contrato inclui relações pactuadas por acordos de vontade. É o mesmo que
afirmar que a partir da Constituição Federal, os acordos de vontades da Administração
Pública, chamados contratos, lhe criam direitos e obrigações. Por isso adverte Benedicto Porto
Neto que “não se deve, para examinar as competências constitucionais, adotar noção mais
restrita de contrato”
342
.
341
Neste mesmo sentido entendem, BORGES, Alice Gonzáles. Os consórcios públicos na sua legislação
reguladora. In: Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Ano XII, n° 140, outubro, Curitiba, 2005, p. 853.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
342
PORTO NETO, Benedito. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de março de 2005, p. 26.
161
Também Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira consideram que
[...]
o tratamento conferido pelo texto legal aos consórcios
públicos está harmonizado com as linhas contemporâneas de
atuação administrativa, em que é ampliado o uso de figuras
contratuais ou convencionais – seja entre a Administração
Pública e os particulares, seja entre órgãos e entidades da
Administração – para a consecução de objetivos de interesse
comum entre as partes (parcerias em sentido amplo)
343
.
Assim, atribui-se natureza contratual, no sentido posto acima, aos contratos de
consórcios públicos.
Neste mesmo sentido, Cleber Demetrio Oliveira da Silva diz ser “indubitável a
sua natureza contratual. Significa dizer que o instituto é um negócio jurídico. Portanto,
quando se fala de consórcio, na verdade, estar-se-á comentando acerca de um instrumento
contratual celebrado entre entes federativos”
344
.
A título de exemplo, encontra-se na nova teoria contratual Argentina a figura da
convención como “todo acordo entre duas ou mais pessoas e cuja noção pode assimilar-se à
moderna teoria do contrato, ou seja, serão contratos todos os acordos que sirvam de causa à
transmissão, constituição, extinção ou transferência de direitos, sendo um ato jurídico bilateral
e patrimonial”
345
.
Neste contexto, a associabilidade implica na criação de uma completa
organização, de um sistema que terá existência legal a partir da celebração de um contrato.
De outra parte, considerando o consórcio público não como contrato, mas, sim,
acordo de vontade, Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que são os consórcios públicos
[...]
acordos de vontade, negócios jurídicos em que duas ou
mais partes ajustam seus interesses (vontades) com vistas a
atingir um resultado de interesse comum. Note-se que mesmo
num contrato stricto sensu bilateral e sinalagmático em essência
há um objetivo comum a mover as partes contratantes, ainda
que a conjunção de vontades se dê pelo antagonismo (quanto
mais desequilibrado o ajuste em favor de uma das partes, mais
oneroso será para a outra e igual no revés).
Explicando melhor, diz o autor que
343
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada, 2006, p. 22.
344
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
345
ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios. Buenos Aires:
Astrea, 2005, p. 113.
162
[...] quando duas ou mais pessoas decidem se consorciar estão,
em verdade, travando um contrato de associação com vistas à
atuação conjunta voltada à consecução de um objeto comum.
Se o consórcio não tem o caráter de permanência de uma
sociedade, certo é que ele não é também um acordo efêmero.
Para formar um consórcio, as partes consorciadas hão de
acordar (ajustar vontades) a atuação de cada qual (atuação esta
que não será idêntica, pois se consorciar implica em reunir
meios, aptidões, capacidades e não apenas repartir
uniformemente os mesmos cometimentos). Ou seja, os
consortes contratam a repartição de atribuições, de modo que
cada membro se compromete com os demais a realizar uma
parcela de atividades ou a ceder um plexo de direitos com vistas
a que todos juntos - reunidos juridicamente no ente consorcial –
logrem a consecução de um escopo que é de interesse comum
(ainda que por razões distintas) a todos
346
.
O consórcio público, em si, “é uma relação que representa acordo de vontades a
gerar obrigações para os participantes e nesse sentido pode ser classificado em sentido mais
amplo como contrato, sim, ainda que de caráter associativo”
347
.
Em crítica à natureza contratual, diz Alice González Borqes que
[...]
a lei incorre em um equívoco, qual o de tratar a
constituição de consórcios entre entes da Federação para a
consecução de objetivos comuns de interesse público, como
sendo de contratação desses mesmos consórcios (art. 3°). Os
consórcios, bem como os convênios de cooperação também
previstos no dispositivo constitucional, não têm, nem podem
ter, natureza contratual. Que é que caracteriza a categoria
jurídica contratual? É justamente o constituir-se, dentro da
teoria geral do direito, como aquele acordo de vontades gerador
de vínculo obrigacional entre partes que objetivam a
consecução de interesses opostos, mediante a prestação e
contraprestação de obrigações recíprocas. Em vez disso, os
ajustes de que se trata, consubstanciados nos consórcios
públicos e nos convênios de cooperação entre entes federados
são, a toda evidência, de outra espécie. Trata-se de negócios
jurídicos coletivos, os acordos, em que as vontades dos
partícipes convergem para a consecução de um interesse
comum
348
.
Contesta-se este raciocínio, sob o argumento de que não mais se pode conceber o
contrato como oposição de interesses, pois todos os contratantes estão em harmonia, por isso
346
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005.
347
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9,
n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em:
17/12/2005
348
BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada., p. 846-47.
163
contratam. Fala-se em distinção entre os objetos pretendidos com os contratos. Mas de toda
forma, as partes estão em perfeito acordo para tanto.
Consideram-se, então, os consórcios públicos como contratos plurilaterais, vez
que são, de fato, acordo de vontade negocial destinado a regular seus direitos, cujo
consentimento provém de todas as partes, que objetivam atingir fim comum por meio de
prestações recíprocas.
Afigura-se, para Marçal Justen Filho, que
[...]
o ato constitutivo do consórcio público consiste num
contrato plurilateral
349
, similar ao que se verifica no tocante à
constituição de pessoas jurídicas de natureza consensual. A
constituição do consórcio público e a participação do ente
federado envolvem um acordo de vontades, que abrange não
apenas a vontade de participar, mas também a assunção de
obrigações atinentes à composição do patrimônio, a delegação
de atribuições e competências determinadas e a transferência de
bens e pessoal para a entidade. Tudo isso se faz como
instrumento de promoção de atuações aptas a promover a
realização de interesses comuns dos diversos participantes
350
.
Ainda sobre a natureza contratual, Carlos A. Molina Sandoval considera
[...]
contrato plurilateral aquele que tem, originária ou
potencialmente, mais de dois centros de interesses
diferenciados, sem que exista necessariamente reciprocidade ou
interdependência entre todas as prestações decorrentes do
contrato, pois neles, a pluralidade dos interesses em jogo se
subordina à consecução de um objetivo ou finalidade comum,
que venha a construir o elemento unificador dos diversos
consentimentos e concorra a determinar os direitos e deveres
das partes, orientando da a atividade ulterior a que está
destinado o contrato
351
.
349
Trata-se de uma avença caracterizada por duas ordens de fatores: de um lado a natureza desse acordo de
vontades comporta a participação de um número de partes superior a duas; de outro, o contrato não é instrumento
de câmbio de riquezas entre os contratantes; seu objeto é a criação de uma organização de ens e esforços visando
ao desenvolvimento de uma certa atividade. JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n°
3884/2004, elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a
proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de
2005.
350
JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de 2005. JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na
Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e
SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de
Figueiredo Moreira Neto., 2006, p. 693.
351
SANDOVAL, Carlos A. Molina. Consórcios de Cooperación, 2005, p. 20.
164
Ressalta-se que ao mencionar ‘fim comum’ não é, necessariamente, fim idêntico.
Os interesses dispostos e a intensidade quanto à participação de cada consorte dependerão do
disposto, voluntariamente, no protocolo de intenções.
c) Protocolo de intenções
Como o consórcio público “é instituído como pessoa jurídica, não poderia ser
constituído pela simples celebração de um contrato, daí a necessidade de celebração de um
protocolo para que se definam as condições para sua existência”
352
.
A constituição do consórcio público depende a priori da prévia subscrição do
protocolo de intenções e, a posteriori, da ratificação deste protocolo por meio de lei, conforme
disposto do art. 5º da Lei 11.107/05.
O protocolo de intenções será, então, o meio pelo qual se exteriorizará a vontade
das partes convenentes; o elemento formal para a exteriorização dos consentimentos que
compõe o consórcio público.
Interpreta-se pela necessidade da atuação de órgãos distintos: do poder executivo,
na elaboração do protocolo de intenções, e, após, a ratificação deste por ato do legislativo
353
.
Nada mais é do que um típico ato administrativo complexo: já que uma coisa é a
natureza jurídica dos consórcios, e outra, é natureza jurídica dos contratos de consórcios
públicos. Estes, pela própria classificação do instrumento, indicam a intenção de que existam
obrigações mútuas. Tal contrato somente poderá ser celebrado após a formalização do
protocolo de intenções e da ratificação por lei de cada ente federativo envolvido.
Enquanto fase inaugural do procedimento de constituição, o protocolo de intenção
é instrumento pelo qual os interessados manifestam a intenção de celebrar um acordo de
vontade (contrato, convênio, consórcio ou outra modalidade) para a consecução de objetivos
de seu interesse, porém sem qualquer tipo de sanção pelo descumprimento. “Na realidade, não
se assume, nele, o compromisso de celebrar o acordo; não se assumem direitos e obrigações;
352
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. p. 469.
353
É certo que a lei que autorizar a criação do consórcio público deverá estabelecer claramente qual o objeto e
suas formas de atuação, sob pena de invalidade da lei, uma vez que não é permitida a existência de autorização
genérica à Administração Pública. Por razões de conveniência e oportunidade, o poder público pode optar pela
criação de consórcios públicos para o exercícios de determinadas funções, mas desde que observe os limitadores
já presentes no ordenamento jurídico pátrio.
165
apenas se definem as cláusulas que serão observadas em caso do acordo vir a ser celebrado”
354
.
Deve ser compreendido como o plano de trabalho para o acordo: uma peça
preparatória e até mais detalhada. A ratificação legal não significa conversão automática do
protocolo de intenção em contrato de consórcio. São elementos e fases distintos. Ratificado o
protocolo, haverá ainda de ser celebrado o contrato propriamente dito (contrato de consórcio
público).
Como apontado acima, o consórcio público deverá ser constituído por meio de
contrato elaborado com base num protocolo de intenções, que representará as intenções das
entidades consorciantes. Entenda-se bem que se fala da pessoa jurídica “consórcio público”,
pois este é constituído por meio de lei – ainda que esta seja mera ratificadora do protocolo de
intenção. Nesse caso, trata-se do contrato de regulara a atuação do consórcio público que fora
constituído.
Este instrumento será, portanto, um ato administrativo próprio que conterá os
compromissos estabelecidos entre as partes interessadas, cujo teor está predeterminado pela
lei.
Trata-se, portanto, de um ato negocial pelo qual o poder público acerta com o
outro a realização de determinada atividade, no interesse recíproco da Administração.
O protocolo fará às vezes do plano de trabalho para os convênios, com duas
grandes diferenças: pelo conteúdo mínimo descrito no artigo 4º, o protocolo de intenções
revela-se peça bem mais complexa e que deverá ser levada à ratificação por lei formal.
O protocolo de intenção representa o resultado do entendimento consensual prévia
para a celebração de um acordo entre os partícipes. Sobre o tema, Alice Gonzáles Borges diz
que” a Lei n° 11.107/05, para tanto, escolheu legitimamente a forma usual de protocolo de
intenções, o qual, estipulando as condições do ajuste, deverá ser posteriormente submetido à
apreciação e aprovação pelo Legislativo de cada ente federado, uma vez que se trata de
matéria de reserva de lei”
355
.
354
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível na Internet:
Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
355
BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada. p. 847.
166
Esse protocolo “tem o sentido de materializar o intuito de cooperação, associação
e conjugação de esforços dos entes federativos, em vista da consecução de objetivos de
interesse comum, visando a futura celebração de um contrato de consórcio público”
356
.
É de se lembrar que cabe aos chefes dos Poderes Executivos interessados agir com
toda cautela ao implementar um consórcio público, exigindo de seu assessoramento a
realização de estudos e pareceres detalhados, a fim de evitar o cometimento de indesejáveis
falhas que possam configurar atos de improbidade administrativa em sua gestão
357
.
A Lei exige que o contrato de constituição do consórcio público cumpra uma séria
de requisitos mínimos; o que em outras palavras, pode-se admitir a inclusão de cláusulas
diversas que entenderem necessárias as partes incluir.
São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam: (i) a
denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio; (ii) a identificação dos
entes da Federação consorciados; (iii) a indicação da área de atuação do consórcio; (iv) a
previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado
sem fins econômicos; (v) os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o
consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de
governo; (vi) as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a
elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público; (vii) a previsão de
que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as
suas deliberações; (viii) a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do
consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da
Federação consorciado; (ix) o número, as formas de provimento e a remuneração dos
empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender
a necessidade temporária de excepcional interesse público; (x) as condições para que o
consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria; (xi) a autorização para a
gestão associada de serviços públicos; e (xii) o direito de qualquer dos contratantes, quando
adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de
consórcio público.
356
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 46.
357
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
167
Dessas cláusulas merece destaque, inicialmente, a fixação de prazo de duração do
consórcio público, vez que é a primeira vez no sistema jurídico pátrio que se prevê a criação
de pessoa jurídica de direito público integrante da Administração Pública Indireta com
período pré-estipulado de existência. Ainda que não tenha sido indicado pela Lei o período
máximo de tal fixação, nem mesmo a possibilidade (ou não) de prorrogações.
Outro elemento relevante é a indicação da área geográfica de atuação do
consórcio público, que estará diretamente relacionado à dimensão espacial dos entes
consorciados. Sem esquecer que a própria Lei dispõe taxativamente sobre as combinações
interfederativas possíveis para a formação do consórcio
358
.
A natureza jurídica da associação que se formará (pública ou privada) também
deve ser indicada necessariamente no protocolo de intenções, ou seja, “a opção pela forma de
organização jurídica do consórcio público há de ser realizada pelas entidades federativas que
futuramente vão integrá-lo”
359
.
Também deverão ser definidos, obrigatoriamente, no protocolo de intenções todo
o modelo de organização e funcionamento desse consórcio público que se pretende formar.
E, por fim, em destaque, é preciso que se deixe claro o objetivo a que se destina o
tal consórcio público, pois dependendo do objeto proposto haverá ou não outros novos
procedimentos a serem cumpridos.
De todo modo, considerando o protocolo de intenções o instrumento de ajuste
entre os entes interessados, imagina-se que conteúdo de outras naturezas poderá ser fixado de
comum acordo, como conteúdo obrigatório mínimo para dar maior segurança entre as partes.
Como dispõe a Lei, trata-se de “cláusula obrigatória”, mas não exaustivas. Se por bem
entenderem os convenentes, outras cláusulas poderão ser dotadas de tal obrigatoriedade.
Confirma-se, então, o fato de que o conteúdo mínimo do protocolo de intenções
não se esgota no artigo 4º da Lei Federal nº 11.107/05. Neste mesmo sentido, confirma
Marcos Pinto Correia Gomes que “a leitura atenta dos seus mandamentos sugere que outros
elementos devam estar muito bem definidos naquela peça preliminar, como certos aspectos
358
Diz o § 1º do art. 4º da Lei 11. 107/05 que para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como
área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que
corresponde à soma dos territórios: (i) dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por
Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos; (ii) dos Estados ou dos Estados e do
Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por
1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal; e (iii) dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for
constituído pelo Distrito Federal e os Municípios.
359
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., p. 51.
168
estruturais sobre a elaboração formal e material dos contratos de rateio e dos contratos de
programa, assunto que desenvolveremos mais à frente”
360
.
Sugere-se, inclusive que o protocolo de intenções disponha sobre eventuais
conflitos que possam ocorrer ao longo do funcionamento do contrato de consórcio público.
Todavia, espera-se que, em sendo o consórcio público um instrumento de ação de cooperação
conjunta, representando a intenção de todos os signatários, de pouco incidência será tal
situação. Caso contrário, se não é a vontade de todos a formação do consórcio, não justifica o
início de todo o procedimento.
Por isso, afirma-se necessária mudança de comportamento dos governantes
brasileiros. É preciso acreditar na realização dos consórcios públicos – que, repita-se, não é o
único modo de ação cooperado no nosso ordenamento jurídico.
d) Ratificação
A ratificação a posteriori do protocolo de intenções ou a autorização para a
constituição de consórcios públicos antes de serem fixadas as regras desse protocolo é
exigência legislativa condicional para que se crie esse consórcio.
A ratificação se efetua em casa um dos Legislativos dos entes subscritores do
protocolo de intenções e se expressa, necessariamente, por lei.
É esta a competência legislativa a que se refere o art. 241 da Constituição ao dizer
que os entes federados poderão constituir consórcios púbicos e convênios de cooperação por
lei. De fato, esta competência suplementar dos entes federados – particularmente após a
publicação da Lei federal 11.107/05 – deverá observar as normativas gerais já instituídas pela
União e adequá-las aos interesses locais ou regionais de cada um dos consorciados.
Acima de tudo, a ratificação deve respeitar a autonomia federativa dos
interessados, que não estão obrigados (pela independência do poderes) a ratificar ato praticado
pelo Executivo, nem mesmo, se entenderem pela ratificação, receber o protocolo de intenções
na sua totalidade, ou seja, o Legislativo, quando da ratificação, poderá ratificar este
documento em inteiro teor ou com reservas, ou, simplesmente, não aceitá-lo.
360
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9,
n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em:
17/12/2005
169
Em caso excepcional, admite a Lei a dispensa da fase de ratificação do protocolo
de intenção que se dará, conforme disposto no § 4° do art. 5°, quando o ente interessado tenha
previamente disciplinado por lei a sua participação no consórcio público.
Mas de qualquer forma, a manifestação decisiva do Legislativo nesse
procedimento é obrigatória.
e) Extinção e retirada
Da mesma forma que se cria uma pessoa jurídica, será a forma pela qual ela
poderá ser extinta, ou seja, se por meio de lei é criado o consórcio público, também assim será
para sua extinção.
Ainda que não seja completa a extinção do consórcio público, mas a retirada de
parte de seus integrantes, necessária se faz a edição de lei específica edita pelo Legislativo do
ente retirante.
Dispõe o artigo 11 da Lei 11.107/05 que a retirada do ente da Federação do
consórcio público dependerá de ato formal de seu Representante na Assembléia Geral, na
forma previamente disciplinada em seu texto.
Sob este último aspecto, várias considerações devem ser feitas. A primeira delas é
o fato de que se a participação do consorte depende de lei formal, do mesmo modo deverá ser
sua retirada. A dúvida recai sobre as hipóteses em que a aprovação legislativa tome
demasiado tempo para sua concretização. Assim, para que não haja prejuízo para qualquer das
partes, toma-se como válido o ato da Assembléia Geral, até que seja efetivamente legislada a
saída ou extinção. Ressalta-se, contudo, que se trata apenas de medida assecuratória do
prosseguimento das atividades do consórcio.
Informa-se que o disposto no art. 11 refere-se à hipótese de retirada voluntária de
um dos entes consorciados. Mas lembra-se, ainda, do previsto no parágrafo 5º do artigo 8º do
mesmo diploma legal, que prevê a retirada compulsória do ente federado que descumpre as
obrigações financeiras específicas, conforme elaboração do contrato de rateio.
170
2º. Partes
Quanto às partes, a Lei faz menção expressa, no parágrafo 1º do art. 4º sobre as
pessoas políticas que poderão fazer parte de consórcios públicos. são elas: I – os Municípios,
quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e
Municípios com territórios nele contidos; II – os Estados ou o Distrito Federal, quando o
consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um)
ou mais Estados e o Distrito Federal; III – os Municípios e o Distrito Federal, quando o
consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios; IV - a União somente
participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos
territórios estejam situados os Municípios consorciados.
Pode-se dizer, assim, que, por meio dos consórcios público – diferentemente do
que se considerou até a edição da lei específica – introduziu a chamada “cooperação
interadministrativa vertical”
361
, ao estabelecer que associação entre entidades políticas de
diferentes ordens.
Afasta-se prontamente a possibilidade de estabelecer consórcios públicos com a
participação de pessoas jurídicas privadas – como ocorre com os convênios administrativos.
Particularmente a União, pela redação do artigo 14, poderá celebrar convênios
com os consórcios públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de
políticas públicas em escalas adequadas. Este dispositivo prevê a realização de convênio, mas
este não é o convênio de cooperação a que se alude acima, e que está previsto na
Constituição: será aquele celebrado pela União com os próprios consórcios públicos,
objetivando a descentralização e a prestação de políticas públicas em escala adequada.
Para Marcos Juruena Vilella Souto, “em nítida aplicação do princípio da
subsidiariedade, a União somente participará de consórcios públicos em que façam parte
todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados”
362
.
361
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. 1997, p. 47.
362
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. 2005, p. 208
171
a. Objetivos
Teoricamente, toda e qualquer matéria pode ser objeto indicado para a realização
do consórcio público.
Partindo da idéia de cooperação, é claro que a finalidade do consórcio público é
proporcionar o desenvolvimento e o incremento de operações relacionadas com as atividades
de competência das entidades-membro. Por isso, a definição deste objeto é um dos elementos
essenciais do contrato, pois delimitará o âmbito de atuação e definira a dinâmica no seu
funcionamento.
Sem que haja determinação expressa na Lei que regulamenta a matéria, nem
mesmo no sistema jurídico pátrio, é possível conceber a constituição de consórcios públicos
para a realização dos mais variados objetos.
De um modo geral, a finalidade a que se propõe o consórcio público concretizar
dependerá da matéria estabelecida de comum acordo entre os entes consorciados, isto é, “os
próprios entes que irão integrar o consórcio público estabelecerão os objetivos pelos quais se
agregam”
363
. Seja qual for a matéria em questão, ela necessariamente terá de representar a
vontade de associação de esforços visando alcançar resultados comuns a todas as partes.
Para este fim, considera-se “interesse comum” aquele assim eleito pelas partes e,
não, necessariamente, que o resultado seja obtido em partes idênticas para cada uma delas.
Sobre o objeto consorcial, dizem Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira
que
[...]
é relevante ressaltar que tais objetivos podem recair sobre
matéria única ou sobre uma diversidade de matérias. Assim,
quanto à matéria, consórcios públicos de objetivo uno ou
consórcios públicos de objetivos múltiplos. No âmbito de uma
só matéria, é possível cogitar ainda a instituição de consórcios
públicos visando a uma atividade especifica ou a uma
amplitude de atividades incluídas na mesma matéria. No caso
de diversidade de matérias, a associação pode ter por finalidade
um conjunto de matéria
364
.
Adverte-se, todavia, que no caso da criação de consórcio público para o
cumprimento de fins múltiplos, ainda, assim, deve-se considerar a necessidade de
determinação quanto ao objeto central que motivou a criação desse consórcio. O que não
363
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra Citada. p. 28.
364
Ibidem p. 30.
172
significa dizer que deve ser necessariamente único o objeto consorciado, mas, sim, preciso e
determinado.
Caberá aos interessados observar se a multiplicidade de objetivos não incorrerá na
inviabilidade de obtenção dos resultados pretendidos.
A precisão e determinação a que se refere correspondem a necessidade de
indicação das atividades que possivelmente serão realizadas para a consecução do objeto;
sendo suficiente uma descrição genérica dos atos para os quais se constituiu o consórcio
público.
Pelo texto do art. 2°, os objetivos dos consórcios públicos serão determinados
pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais.
Ressalte-se, desta forma, que os objetivos envolvidos nos consórcios públicos
deverão representar interesses comuns entre os entes federados.
Quanto à observância aos limites constitucionais, lembra-se que a Constituição
Federal estabelece as normas de competência de cada ente federativo, acentuando a
centralização de poder ou na Federação ou nos Estados-membros.
O princípio geral norteador da repartição de competência entre
os entes da Federação é o da predominância do interesse. Por
este princípio, à União caberia o interesse geral, aos Estados-
membros o interesse regional, aos municípios o interesse local e
ao Distrito Federal os interesses regional e local somados.
365
.
De outra parte, também, não se pode pensar que os consórcios públicos estão
restritos em sua aplicação aos serviços públicos, como amplamente se demonstrou.
Dentro do contexto do federalismo de cooperação, deve-se ampliar seu alcance.
Neste sentido, Marcos Pinto Correia Gomes lembra que
[...] não faz sentido algum imaginar que os consórcios públicos
e também os convênios de cooperação, os instrumentos por
excelência para celebrar a associação de interesse comum
estejam limitados tão-somente aos serviços públicos, em
sentido estrito. Diante do federalismo solidário ou mesmo do
365
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº
11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>. Acesso em: 17/12/2005.
173
federalismo de integração, em curso na Federação brasileira,
traduzido, entre outras passagens constitucionais, na
competência administrativa comum do artigo 23 da Lei Maior,
seria um contra-senso permitir a utilização desses acordos
apenas para a gestão de serviços públicos, contrariando longa
prática federativa
366
.
b. Definição das competências transferidas: área de atuação material
Sobre a natureza desta nova pessoa jurídica, considera-se que terão sua
competência adstrita à transferência da competência recebida dos entes federados seus
criadores, inclusive no aspecto territorial.
Desse modo, a competência das associações públicas assim criadas será a mera
conjunção de competências que as pessoas políticas que o instituem possuem.
Outrossim, lembra-se que não há como confundir as competências constitucionais
comuns com os objetivos de interesse comum dos consórcios públicos. O interesse comum
significa que em qualquer que seja a forma de cooperação, as atividades serão desenvolvidas
por todos os entes federativos, sem caráter de exclusividade. Assim, poderá ou não haver
coincidência entre tais interesses e as competências comuns dispostas no texto constitucional.
O consórcio público, assim, não altera o círculo de competências. Emerge, isto
sim, “como uma forma para o exercício de competências, por meio do qual tal exercício dar-
se-á em regime de cooperação federativa, fazendo valer o princípio do federalismo
cooperativo, que é estruturante da ordem constitucional brasileira”
367
.
Das cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções deve-se excluir as atividades
impassíveis de compartilhamento, como a judiciária e a legislativa. De outra parte, “é
aceitável que o consórcio público execute qualquer tipo de ação atribuída às entidades
estatais, como a gestão de bens, o fomento do setor privado e o poder de polícia, além é claro,
do serviço público”
368
.
366
GOMES, Marcos Pinto Correia. Idem.
367
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005.
368
GOMES, Marcos Pinto Correia .Idem
174
Tomando a natureza jurídica de direito públicos das associações públicas (logo,
consórcios públicos de direito público), a atuação material correspondente coincide com
aquelas compatíveis, nos termos da legislação vigente, com as atribuições da Administração
Pública direta.
Assim, admitem-se, para os consórcios públicos-públicos os poderes de
planejamento, regulação e fiscalização dos serviços, assegurando o compartilhamento de
atividades. Neste caso, atribuem-se aos consórcios os poderes de direção, que são próprios das
entidades federativas titulares da atribuição que será compartilhada.
c. Prerrogativas
O parágrafo 1º do art. 2º da Lei dos Consórcios estabelece os meios pelos quais o
consórcio público poderá atingir os seus objetivos. São consideradas prerrogativas dos
consórcios públicos: (i) firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza e receber
contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo;
(ii) promover desapropriações e instituir servidões, nos termos da declaração de utilidade ou
necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público competente; (iii) ser
contratados pela administração direta ou indireta dos entes consorciados, com licitação
dispensada; (iv) arrecadar tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pela
outorga de uso dos bens públicos por eles administrados, ou, mediante autorização específica,
daqueles administrados pelo ente da Federação consorciado; (v) outorgar concessão,
permissão ou autorização de obras ou serviços públicos, mediante autorização prevista no
contrato de consórcio público, que indicará o objeto e as condições da concessão, permissão
ou autorização, observada a legislação de normas gerais em vigor.
Considerando ser o consórcio público sujeito de direitos e obrigações, é certo que
pode figurar como parte em qualquer relação obrigacional.
A primeira delas consistirá no estabelecimento de convênios, contratos, acordos
de qualquer natureza. Vale aqui ressaltar que se toma a noção de convênio aquela mesma
indicada para os convênios administrativos e, não, se confundo com o convênio de
cooperação. Neste âmbito, uma possibilidade recente, neste aspecto, é a possibilidade de
firmar o consórcio público contratos de parceria público-privada, nos termos da Lei
175
11.079/04, cuja aplicabilidade estende-se aos órgãos da Administração Pública indireta
369
.
Outra é a realização de parceria entre os consórcios públicos e chamadas organizações não-
governamentais.
Quanto à prerrogativa de receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou
econômicas, é preciso restabelecer a legislação específica sobre estes assuntos que estão em
vigor. São os principais indicativos normativos: a) Lei Federal 4.320, de 17 de março de 1964
(normas gerais de direito financeiro); b) Decreto 93.872, de 23 de dezembro de 1986 (dispõe
sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional); c) Instrução Normativa da
Secretaria do Tesouro Nacional, de 15 de janeiro de 1997 (disciplina a celebração de
convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização
de eventos); Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);
Decreto 5.504, de 5 de agosto de 2005 e Lei Federal 11.178, de 20 de setembro de 2005 (atual
Lei de Diretrizes Orçamentárias)
370
.
Podem, ainda, os consórcios públicos promover desapropriações e instituir
servidões. Também, para este fim, observam-se as disposições vigentes no Decreto-Lei
3.365/1941, que dispõe sobre a competência para emitir a declaração expropriatória. Assim,
permanece com o Chefe do Poder Executivo essa competência declaratória, ao consórcio
público, tão-somente, cabe efetiva este ato editado pelo Poder Público.
É possível que sejam os consórcios públicos contratados pela Administração
Pública direta e indireta dos entes federados consorciados, com dispensa de licitação, para que
cumpram seus fins específicos. Adiante, este hipótese se concretizará na elaboração do
contrato de consórcio público com fim específico para gestão associada.
Quando se tratar da prestação de serviços públicos, poderão os consórcios
públicos emitir documentos de cobrança, arrecadar tarifas e receber outros preços públicos
por estes serviços.
Por fim, estão autorizados os consórcios públicos à outorga de concessão,
permissão ou autorização de obras ou serviços públicos, com previsão expressa no contrato de
consórcio público. Revestindo-se “da qualidade de poder concedente”
371
.
369
Neste caso, então, esta prerrogativa só é possível para os consórcios públicos de natureza pública (e, não,
privada).
370
Aproveita-se o levantamento legislativo feito em MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra
citada., p. 38- 43.
371
Ibidem p. 45.
176
Não é demais lembrar, que tais prerrogativas só podem ser exercidas pelos
consórcios públicos regularmente constituídos.
d. Estrutura organizacional
No artigo 7° da Lei está disposto que os estatutos versarão sobre a organização e
funcionamento de cada um dos órgãos constitutivos do consórcio público. Em resumo, o
estatuto, ante a menção expressa da lei, é condição de existência do consórcio público, seja
qual for sua natureza.
Como regra, para a instituição de qualquer associação, necessário de faz a
elaboração e posterior aprovação do respectivo estatuto constitutivo. Neste documento deverá
constar, nos termos do art. 54 do Código Civil, sob pena de nulidade: (i) a denominação, os
fins e a sede da associação; (ii) os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos
associados; (iii) os direitos e deveres dos associados; (iv) as fontes de recursos para sua
manutenção; (v) o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; (vi) as
condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; e (vii) a forma de
gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.
A partir disso, entende-se que o contrato, em si, tornar-se-á o próprio estatuto
constitutivo dessa pessoa jurídica. Ou seja, ainda parte do procedimento de constituição,
elabora-se o respectivo estatuto, já que se trata, por natureza, o consórcio de uma espécie de
associação – pública ou privada, dependendo do caso.
O protocolo de intenções será a base redacional do estatuto constitutivo daquele
consórcio público que se pretende formar.
Independentemente da natureza jurídica do consórcio público (público ou
privado), por imposição do disposto no art. 15 da Lei 11.107/05, no que ano contrariá-la, a
organização e o funcionamento desse consórcio serão disciplinados pela legislação que rege
as associações civil. Disciplina esta regulamentada nos arts. 59 e 60 do Código Civil.
Dentre as cláusulas obrigatórias desse protocolo, há que se destacar, sob o aspecto
administrativo-operacional, as regras para constituição e funcionamento da Assembléia Geral,
que é o órgão deliberativo pleno do consórcio, bem como a indicação do Representante legal
do consórcio público.
177
O Representante legal do consórcio público será escolhido, dentre os Chefes dos
Executivos dos entes consorciados, por ato da Assembléia Geral, enquanto órgão máximo
deliberativo.
Só há um mecanismo de deliberação autorizado na lei dos consórcios públicos,
que é ato da Assembléia Geral, já que seus integrantes representam os interesses dos
consortes.
Logo, como em qualquer associação, está previsto na lei o órgão supremo de
deliberação do consórcio público, que é a Assembléia Geral. Nos termos dos respectivos
estatutos, ela decidirá sobre eventuais alterações contratuais, inclusive sobre a retirada de
sócio dissidente, ou mesmo extinção da própria pessoa jurídica.
Conforme redação do art. 59 do Código Civil, compete privativamente à
assembléia geral: (i) destituir os administradores e (ii) alterar o estatuto. Ressalta-se que para
tais deliberações é exigida deliberação da Assembléia especialmente convocada para esse fim,
cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos
administradores
A periodicidade das reuniões, a forma de convocação e o quorum das decisões de
órgão deverão constar do contrato constitutivo, já que não há qualquer menção legal sobre o
tema.
Diz o art. 11 da Lei 11.107/05 que a retirada de um dos membros, por exemplo,
depende de ato formal de seu representante na assembléia geral, na forma previamente
disciplinada por lei. Em seu § 1º, garante-se que os bens destinados ao consórcio público pelo
consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa
previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação.
Ainda assim, em se tratando de bem público, não há como admitir que o ente consorciado
abra mão de seus bens apenas mediante previsão em cláusula contratual, far-se-á necessária
expressa menção no respectivo protocolo de intenções, pois este, sim, será objeto de
aprovação legislativa, quando da ratificação. Neste contexto, há previsão do artigo 17 do
mesmo diploma que exige autorização legislativa para qualquer tipo de alienação de bens
públicos imóveis.
Tanto num quanto noutro caso, todas as decisões serão tomadas por ato da
assembléia geral – assim como é feito em qualquer tipo de associação.
Sobre o tema, em crítica severa, diz Alice Gonzáles Borges que se observe que,
178
[...] em notável falta de técnica legislativa, matéria de crucial
importância, qual seja a pertinente às competências da
assembléia geral consorcial, prevista como instância máxima do
consórcio, dilui-se entre alguns incisos do art. 4°, dedicado às
cláusulas necessárias do protocolo de intenções, quando
mereceria ser objeto de um artigo autônomo
372
.
Pela redação do art. 4º da Lei 11.107/05 no inciso VIII, esta assembléia geral será
composta de representantes dos entes consorciados, cabendo a representação legal do
consórcio ao Chefe do Poder Executivo de um dos entes consorciados, com duração de seu
mandato e forma de sua eleição a serem definidos pelo protocolo de intenções. Nos termos do
inciso VI, o protocolo de intenções definirá as normas de convocação e funcionamento da
assembléia consorcial, bem como para a elaboração, aprovação e alteração dos estatutos que
regerão o funcionamento do consórcio público. No inciso VII, está prescrito que o protocolo
de intenções definirá as normas de convocação e funcionamento da assembléia consorcial,
bem como para a elaboração, aprovação e alteração dos estatutos que regerão o
funcionamento do consórcio público.
Quanto ao número de votos, a legislação civil autoriza o voto múltiplo. Nos
termos do art. 55 do Código Civil, os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto
poderá instituir categorias com vantagens especiais. Quanto a sua aplicabilidade incondicional
aos consórcios públicos, é preciso refletir cautelosamente, pois, considerando a natureza
interfederativa destes consórcios, o desequilíbrio no número de votos pode violar o princípio
federativo.
Se o voto múltiplo for definido no protocolo de intenções como proporcional ao
quantum de recursos investidos, fácil é prever-se que, a centralização das forças sobre
determinado ente federativo que apresentar situação econômica mais favorável.
Assim, deverão as partes, ao longo do processo de negociação e quando da
elaboração do protocolo de intenções agirem no intuito do cumprimento da vontade
constitucional de equilibro e restabelecimento do federalismo de cooperação.
372
BORGES, Alice Gonzáles. Obra citada., p.851-52.
179
3. Consórcio público de direito privado: consórcio publico-privado
a. Crítica doutrinária
Ainda que autorizado pelo sistema jurídico pátrio, difícil conceber a personalidade
jurídica privada para os consórcios públicos, que são, por essência, formados a partir de
pessoas jurídicas de direito público. Não é crível que uma pessoa jurídica respeite a legislação
pertinente ao direito público, mas utilizam instrumentos característicos de instituições de
direito privado, principalmente porque são tomados na totalidade de recursos financeiros
decorrentes de repasses das entidades consorciadas, bem como o patrimônio formado e
adquirido é decorrente da utilização de dinheiro público.
Não é compatível à sistemática jurídica nacional atribuir personalidade jurídica de
direito privado aos consórcios púbicos. A pessoa jurídica de direito público, diz Marçal Justen
Filho,
[...] é aquela intrinsecamente estatal, ou seja, é uma
manifestação por meio da qual o Estado adquire existência
jurídica, só podendo ser instituída por lei, sendo-lhe atribuídas
funções e competências inerentes à qualidade estatal, entre as
quais se encontra o próprio poder de utilização da força de
coerção. Sua atividade está sujeito ao regime de direito público.
Ser o consórcio público dotado de personalidade jurídica de
direito público significa a atribuição de competências, funções e
regimes próprios dos entes estatais consorciados; o que
equivale a afirmar que o ente, embora dotado de personalidade
autônoma, é um instrumento de realização das funções
propriamente públicas. O que, em sentido contrário, é afirmar
que importa na ausência de aplicação dos princípios inerentes à
organização privada.
373
Com toda razão assiste a doutrina ao concluir que considerando que estes
consórcios passam a constituir nova espécie de entidade da administração indireta de todos os
entes federados que eles participem – logo possuidores de todas as prerrogativas e privilégios
próprios das pessoas jurídicas de direito público (como imunidade tributária,
impenhorabilidade dos bens, processo de execução especial, prazos dilatados etc.) – de modo
373
JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido do Governo
Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação de
consórcios públicos. Disponível do site: http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/
ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso em 30 de março de 2005.
180
que o mesmo não pode ocorrer com aqueles que tenham sido constituídos com personalidade
de direito privado; ainda porque não há como várias pessoas jurídicas políticas possam
instituir pessoa jurídica para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la
fora do âmbito da atuação do Estado, como se tivesse sito instituída pela iniciativa privada.
Assim, se tiver personalidade de direto privado, reger-se-á pelo direito civil, em tudo o que
não for expressamente derrogado por normas de direito público, tal como ocorre com as
fundações governamentais instituídas com personalidade de direito privado e com as
empresas estatais. Esta dificuldade decorre principalmente do fato de os consórcios públicos
fazerem parte da Administração indireta de todos os entes políticos que deles participem
como sócios
374
.
Ainda em crítica à natureza privada dos consórcios, Francisco de Salles Almeida
Mafra Junior analisa a aplicabilidade prática dos dispositivos dizendo que, no entanto, “se o
consórcio vier a constituir uma pessoa jurídica de direito privado, outros problemas adviriam
desta formação”
375
. As determinações do Código Civil também não se aplicam aos entes
políticos da Federação brasileira por motivos claros.
Também negando a possibilidade de personalidade jurídica de direito privado para
o consórcio público, Floriano de Azevedo Marques Neto afirma que “descaberia falar em um
consórcio com personalidade jurídica de direito privado, mesmo que instituído pelos entes
federados e por eles controlado. Os consórcios públicos são, portanto, necessariamente
submetidos a regime de direito público, diante de sua proximidade ao núcleo estratégico do
Estado”
376
.
Ou, então, para por fim à discussão sobre a admissão ou não da personalidade
jurídica privada dos consórcios públicos, radicalmente, pode-se adotar a posição de Odete
Medauar ao ponderar que:
talvez seja melhor abolir a caracterização de pública ou privada
das entidades de natureza administrativa para tornar mais
flexível a atuação do poder público, evitando-se o uso de
374
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível na Internet:
Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
375
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº
11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801>. Acesso em: 17/12/2005.
376
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta legislativa de criação
de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf. Acesso em 30
de março de 2005
181
estranhos expedientes jurídicos para explicar atuações em que o
público e o privado se mesclam ou atuações privadas de
entidades classificadas como públicas e vice-versa. Talvez, se
pudesse cogitar da não atribuição de personalidade jurídica a
entidades administrativas, que extrairiam da sua inserção na
estrutura estatal a condição de sujeito de direitos e
obrigações
377
.
b. Posição jurídica
A despeito da importância sob o aspecto da argumentação teórica, não há o que se
discutir acerca da previsão legislativa que permite a instituição de consórcios públicos de
natureza privada. O fato da doutrina negar ao consórcio interfederativo a possibilidade de
estabelecer-se como pessoa jurídica, já não recebe mais acolhida, em face da publicação da
Lei 11.107/05. Foi uma opção do legislador.
De um modo geral, observa-se que as pessoas jurídicas que exercem função
administrativa podem adotar personalidade de direito público ou de direito privado. Se
submetidas ao direito público, necessariamente, deverão ser criadas por meio de lei. Quando
regidas pelo direito privado, a exigência legislativa é apenas para sua autorização. Neste
sentido, confirma Marçal Justem Filho que “as pessoas jurídicas dotadas de personalidade
jurídica de direito privado, partes da Administração Pública, não são criadas, necessariamente,
por lei, ainda que sua instituição deva ser por lei autorizada”
378
.
Apesar da estranheza trazida pela nova Lei, que exige para a criação dos
consórcios públicos de natureza privada a manifestação legislativa incondicionalmente, o fato
é que deve-se adequar as antigas concepções a este realidade.
Por tal razão, propõe-se a traçar o roteiro para a disciplina dos consórcios
públicos-privados, observando as regras impostas pela lei específica.
Por ausência de disposição legal expressa, os consórcios públicos de natureza
privada não foram qualificados como parte integrante da Administração Pública Indireta,
diferentemente daqueles constituídos sob o regime de direito público, que, nos termos do
377
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2003, p. 119.
378
JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei
federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito
Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. 2006, p. 680.
182
parágrafo 1º do art. 6º está determinada sua integração à Administração de cada um dos entes
consorciados.
Sobre tal exclusão critica Maria Sylvia Zanella Di Pietro dizendo que
[...]
não há como uma pessoa jurídica política instituir pessoa
jurídica administrativa para desempenhar atividades próprias do
ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do Estado,
como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada. Todos os
entes criados pelo poder público para o desempenho de funções
administrativas do Estado têm que integrar a Administração
Pública Direta ou Indireta.
379
Desempenham, em graus variados, funções administrativas, mas sob a forma de
direito privado. O que caracteriza essencialmente estas pessoas é o poder de controle estatal.
1º) Associação Civil
Indica o art. 44 do Diploma Civil que são pessoas jurídicas de direito privado: Art.
44. São pessoas jurídicas de direito privado: (i) as associações; (ii) as sociedades; (iii) as
fundações; (iv) as organizações religiosas; e (v) os partidos políticos.
Por exclusão, enquadram-se os consórcios públicos dotados de personalidade de
direito privado na categoria das associações, tendo em vista sua configuração disposta no art.
53 do mesmo Texto, já que se constituem pela união de pessoas (no caso, entes federativos)
que se organizam para fins não econômicos.
Naquilo que não for expressamente derrogado pelo direito público, o consórcio
público de natureza privada reger-se-á pelo Direito Civil.
c. Constituição: fase notarial
A mesma complexidade no procedimento constitutivo do consórcio público de
natureza pública se apresenta no caso dos consórcios de natureza privada. Acrescido ainda a
fase de constituição regular, nos termos da legislação comum, da associação civil.
379
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 466.
183
Por disposição expressa do inciso II do art. 6º da Lei 11.107/05, é necessário que,
após a ratificação do protocolo de intenções – atendendo os preceitos da legislação civil – o
consórcio público de natureza privada, para efetivamente adquirir personalidade jurídica,
deverá providenciar a inscrição do ato constitutivo com o respectivo registro em Cartório.
O art. 45 do Código Civil dispõe sobre as fases necessárias para a constituição de
associações civis, que expressamente determina que começa a existência legal das pessoas
jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Este registro declarará: (i) a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o
fundo social, quando houver; (ii) o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores,
e dos diretores; (iii) o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial
e extrajudicialmente; (iv) se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de
que modo; (v) se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
e (vi) as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
d. Definição das competências transferidas: área de atuação material
O objetivo principal do consórcio público é a soma de esforços dos entes
federativos para a realização de interesses comuns independe da natureza jurídica pública ou
privada sob a qual foi instituída essa pessoa jurídica.
Todavia, quanto ao campo material de atuação, a sujeição ao direito privado
restringe sua participação. Em se tratando de associação civil, os consórcios públicos de
direito privado poderiam atuar em área idênticas àquelas possíveis à Administração Pública
Indireta, também sob as normas privativistas, se lhes tivessem atribuído inserção institucional
pública. Mas não foi o caso.
Ainda assim (sendo ou não considerada impressão técnica do legislador), o fato é
que aos consórcios públicos de natureza privada foram atribuídas as mesmas finalidades de
cooperação integrada entre os entes federativos para a realização de interesse comum
atribuídas aos consórcios públicos de natureza pública.
184
Portanto, é preciso que sejam indicadas linhas limítrofes para atuação de um e
outro.
Não se pode, então, admitir atuação material dos consórcios públicos-privados em
áreas consideradas como poderes de direção, ou seja, não lhes atribui os poderes de
planejamento, regulação e fiscalização dos serviços, mas apenas a execução e prestação das
atividades desses poderes decorrentes.
Acertadamente, Marcus Pinto Correia Gomes diz que “em alguns casos a
personalidade jurídica deverá mesmo ser de direito público, quando se tratar de matéria
intransferível ao setor privado, pois no rigor técnico vale distinguir o consórcio público, que é
o acordo de vontades, a unir os entes consorciados, e a entidade a ser criada a partir disso”
380
.
380
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005.
185
CAPÍTULO III
CONTRATO DE CONSÓRCIO PÚBLICO
1. Umas das fases do ato constitutivo
a. Contrato de Consórcio Público
O contrato de consórcio público “disciplina as relações entre todas as entidades
federativas que dele participam, estipulando direitos, obrigações e deveres que cada uma das
partes terá para com o consórcio e para com as outras partes, visando a consecução das
atividades de interesse comum”
381
.
Adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “na realidade, a lei não trata de
contratação de consórcios públicos, mas de constituição de pessoa jurídica, o que se dá por
meio de todo um procedimento que abrange várias fases, das quais o contrato é uma delas”
382
.
A constituição do contrato de consórcio público coincide, por disposição legal
(art. 5º da Lei 11.107/05), com a criação da pessoa jurídica. Portanto, o contrato de consórcio
público depende da previa subscrição do protocolo de intenções estabelecido entre os entes
federativos consorciados e também da ratificação deste documento pelos respectivos
Legislativos.
De fato, somente após a ratificação do protocolo de intenções é que poderá ser
celebrado o contrato de constituição do consórcio público.
A extinção do contrato de consórcio pode-se dar por uma série de fatores. Como
qualquer relação de direito obrigacional, o contrato por extinguir-se (i) por vontade das partes;
381
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos – comentários à Lei 11.107/2005.,
2006, p. 68.
382
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativos. 2006, p. 464.
186
(ii) por cumprimento da obrigação principal, (iii) por decurso do tempo pré-determinado e,
por fim, (iv) por descumprimento das obrigações por qualquer das partes.
Outro aspecto a analisar refere-se aos bens destinados aos consórcios pelo
consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa
previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação,
bem como a retirada de membro ou extinção do consórcio público não prejudicará as
obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do
prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.
Por isso diz o art. 12 da Lei 11.107/05 que até que haja decisão que indique os
responsáveis por cada obrigação, os entes consorciados responderão solidariamente pelas
obrigações remanescentes, garantindo o direito de regresso em face dos entes beneficiados ou
dos que deram causa à obrigação.
Em verdade, num Estado de Direito, ante à impossibilidade de continuidade das
obrigações sem a existência de qualquer das partes obrigadas, é preciso apreender a intenção
do legislador no sentido de impor garantia de terceiros interessados na relação obrigacional
extinta, que não pode sofrer prejuízo, ou seja, “a extinção do consórcio não prejudicará as
obrigações assumidas mediante contrato de programa, devendo ser pagas as indenizações
devida” e, ainda, “ em casos de alteração crucial, os consorciados arcarão solidariamente com
as obrigações restantes – se estas existirem – até a decisão definidora da responsabilidade de
cada integrante nas obrigações assumidas”
383
.
b. Suporte financeiro: contrato de rateio
Diz o art. 8° da Lei 11.107/05 que os entes consorciados somente entregarão
recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio
384
. Trata-se de ajuste vinculado a
um determinado contrato de consórcio público.
383
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada p. 98-99.
384
§ 1
o
O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será
superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente
projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços
públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos.
§ 2
o
É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas
genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito.
§ 3
o
Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são partes legítimas para
exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.
187
O contrato de rateio, junto ao contrato de programa, foram duas novas
modalidades contratuais inseridas no Direito Administrativo pela Lei dos Consócios Públicos.
Trata-se, portanto, o contrato de rateio de uma outra espécie de contrato
administrativo que os consórcios públicos podem firmar – o que de modo algum podem ser
confundidos com o próprio contrato de consórcio, nem mesmo com o protocolo de intenção.
Em suma,
[...] é o meio pelo qual os entes da Federação consorciados
comprometem-se a fornecer recursos para a realização de
despesas do consórcio público, que depende da previsão de
recursos orçamentários que suportem o pagamento das
obrigações contratadas, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e criminal dos gestores do consórcios público e
da entidade da Federação contratante
385
.
Cleber Demetrio Oliveira da Silva conceitua o contrato de rateio como sendo “o
instrumento legitimador das obrigações financeiras dos entes participantes do consórcio, que
deverá ser minudentemente observado pelos gestores dos entes consorciados, sob pena de
responderem pessoalmente pelos danos que vierem a causar ao erário”
386
.
O contrato de rateio assegurará o repasse das obrigações financeiras de cada
participante. Tem por objeto a disciplina acerca das “obrigações econômico-financeiras que
têm sua gênese nas cláusulas que compõem um contrato de consórcio público, firmado por
ente interfederativos”
387
.
Trata-se de elemento condicionante à destinação de recursos financeiros aos
consórcios públicos, ou seja, somente após a celebração deste contrato de rateio assinado por
§ 4
o
Com o objetivo de permitir o atendimento dos dispositivos da Lei Complementar n
o
101, de 4 de maio de
2000, o consórcio público deve fornecer as informações necessárias para que sejam consolidadas, nas contas dos
entes consorciados, todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de
forma que possam ser contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos
econômicos e das atividades ou projetos atendidos.
§ 5
o
Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em
sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por
meio de contrato de rateio.
Art. 9
o
A execução das receitas e despesas do consórcio público deverá obedecer às normas de direito financeiro
aplicáveis às entidades públicas.
Parágrafo único. O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal
de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio,
inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas,
sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio.
385
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias., 2005, p. 203-204.
386
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
387
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 80.
188
todas as entidades consorciadas é que será autorizado a destinação dos recursos financeiros
necessários ao cumprimento dos propósitos do consórcio.
Para tanto, certamente não basta a previsão orçamentária, embora seja, em regra,
condicionante clara para a realização de qualquer despesa pública ou transferência de recursos
estatais. “A contratualização do rateio indica a existência de deveres recíprocos, inclusive
quanto ao custeio das atividades do consórcio”. Diferentemente do que ocorre com o contrato
de consórcio, “a Lei Federal chega a prever medidas para o descumprimento do contrato de
rateio, notadamente a suspensão ou mesmo a exclusão do inadimplente (art. 8º, § 5º)”
388
.
Questão interessante é se poderiam os consorciados no protocolo de intenções estabelecer
outras penalidades.
Constitui instrumento mediante o qual os entes consorciados entregarão recursos
ao consórcio público. Esses recursos devem ser devidamente previstos na lei orçamentária de
cada consorciado, sob pena de exclusão do consórcio, após prévia suspensão (§ 5º do art. 8º),
e sob pena de improbidade administrativa (art. 10, XV, da Lei nº 8.429/92, com a redação
dada pelo artigo 18 da Lei nº 11.107/05).
Em razão da necessária previsão do correspondente valor na lei orçamentária do
ente federado-consorte, nada mais natural a determinação de que este contrato de rateio seja
firmado anualmente, afinal, sua dotação não pode ser superior àquela prevista pelo orçamento.
A esta regra da anuidade, são previstas duas exceções: (i) no caso de contratos que
tenham por objeto projetos contemplados em plano plurianual; e (ii) no caso de gestão
associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos, por não serem
os recursos provenientes do orçamento do ente consorciado.
Para fins de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o parágrafo 4º do
artigo 8º da Lei 11.107/05 exige que o consórcio público forneça as informações necessárias
para que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas
com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser
contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos
econômicos e das atividades ou projetos atendidos.
388
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
752, 26 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005
189
Os recursos advindos dos entes consorciados deverão, por força de lei, ser
efetivamente empregados nas atividades que guardem relação com a finalidade do consórcio
criado, discriminadas especificamente nos controles financeiro e contábil do consórcio.
O ente federativo que desejar firmar contrato de rateio deverá obedecer aos
princípios regentes da Administração Pública, em especial o da legalidade. “Quer-se com isso
concluir que a assinatura de contrato de rateio por parte de um ente federativo deverá ser
precedida da indispensável autorização legislativa, consubstanciada na necessária previsão de
dotação na lei orçamentária respectiva (para a celebração do contrato de rateio no exercício
seguinte) ou de lei que abra créditos especiais (para a celebração de contrato de rateio dentro
do mesmo exercício)”
389
.
Em resumo, o contrato de rateio é celebrado entre cada ente consorciado e o
consórcio público; é formalizado em cada exercício financeiro; tem prazo de vigência
condicionado à previsão das dotações orçamentárias que lhe darão suporte; exceto no caso de
programas e ações contempladas em plano plurianual, ou no da gestão associada de serviços
públicos custeados por tarifas ou preços públicos; os entes consorciados, isoladamente ou em
conjunto, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato
de rateio; será possível a exclusão do consórcio, após prévia suspensão, do ente consorciado
que não consignar, em sua lei orçamentária, ou em créditos adicionais, as dotações
necessárias para atender às despesas assumidas pelo contrato de rateio.
Apenas para registro final, qualquer cláusula que verse sobre determinada
contribuição financeira ou econômica deverá, necessariamente, constar do contrato de rateio,
sob pena de nulidade se previsto fora dele.
A intenção do legislado foi a de “afastar quaisquer hipóteses encorajadoras de
improvisos entre as partes do consórcio”, o que de outra parte, fará com que seja incentivado
“o planejamento e a programação por parte de cada uma das entidades federativas que
pretendem celebrar consórcios públicos”
390
.
389
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
390
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., 2006, p. 82.
190
c. Contrato de programa
O contrato de programa trata-se de uma modalidade contratual própria do Direito
Administrativo brasileiro. Por meio dele, nos termos da Lei 11.107/05, o ente federativo
consorciado pode atribuir a outro ente a gestão associada de serviços ou transferir-lhe, total ou
parcialmente, a prestação de serviços. Sua celebração é meio para a prestação de serviços
públicos por meio de gestão associada ou para transferência de serviço.
Diz Solange Gonçalves Dias que “surge o contrato de programa para regular,
como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constitua par com
outro”
391
Neste caso, as posições que os entes federados encontram-se na gestão associada
ou na transferência de serviços são similares àquelas desfrutadas por poder concedente e
concessionário na concessão de serviço público, ou seja, com direitos e obrigações assumidos
por cada um deles.
Trata-se de um instrumento específico, cujo objetivo é conferir maior segurança
jurídica à gestão associada.
Determina o art. 13 da Lei que deverão ser constituídas e reguladas por contrato
de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da federação
constituir para com outro ente, ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada
em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.
Importa, aqui, destacar mais um contrato que é previsto na Lei Federal e em
caráter condicionante para utilização de algumas alternativas contempladas para os consórcios
públicos.
O contrato de programa “claramente busca resguardar aquilo que não é objeto do
contrato de rateio: os demais compromissos sem caráter imediatamente financeiro”
392
. Ou
seja, “as obrigações reguladas pelo contrato de programa são obrigações de cunho
operacional, ligadas a encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à implementação dos
391
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 131.
392
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n.
752, 26 jul. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17/12/2005
191
objetivos do consórcio firmado, diferentemente das obrigações financeiras que são
estabelecidas por meio do contrato de rateio”
393
.
A expressão contrato de programa, no âmbito do Direito Administrativo, costuma
ser utilizada no mesmo sentido em que se fala em contrato de gestão, ambos fundamentados
no artigo 37, § 8º, da Constituição.
Agora, na Lei 11.107/05, a expressão está utilizada com outro sentido, que
bastante se aproxima da própria noção de convênio e que nada tem a ver com a norma do
referido dispositivo constitucional. O contrato de programa é referido, inicialmente, no artigo
4º, inciso XI, alínea “d”, ao indicar as cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções.
Da combinação dos dispositivos legais, extrai Maria Sylvia Zanella Di Pietro
[...] a conclusão de que a gestão associada pode ser feita: a)
mediante a constituição de consórcio público, como pessoa
jurídica, na forma disciplinada pela Lei nº 11.107; e, b)
mediante acordos de vontade, como o convênio de cooperação,
o contrato de programa ou outro instrumento que tenha por
objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão
associada. Por sua vez, o contrato de programa pode ser
celebrado em duas hipóteses: a) no próprio âmbito do consórcio
público; nesse caso, o contrato de programa será celebrado
entre o consórcio e um de seus consorciados, quando este
último assumir a obrigação de prestar serviços por meio de seus
próprios órgãos (Administração Direta) ou por meio de
entidade da Administração Indireta; b) fora do âmbito do
consórcio; neste caso, a gestão associada não exigirá a
constituição de consórcio público, como pessoa jurídica de
direito público ou privado, sendo a gestão associada
disciplinada por meio de contrato de programa
394
.
De fato, as partes são livres para fixar os resultados que pretendem com essa
parceria; e estes deverão constar do contrato de programa. Vale aqui lembrar eventual
hipótese de que tal resultado tenha referência econômica, em caso de obtenção de lucro,
possibilidade que não se afasta.
O contrato de programa é uma das possibilidades dos consórcios públicos
realizarem seus objetivos, no caso específico da gestão associada para prestação de serviço
público ou transferência de encargos.
393
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
394
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
192
De outra parte, é importante destacar que só pode fazer parte do contrato de
programa entidade parte da Administração Pública direta ou indireta e precisa ser integrante
do consórcio público; isto em razão de aproveitamento da máquina administrativa. Assim,
podem ser partes do contrato de programa (i) entes federativos entre si, (ii) ente federativo e
um consórcio público, (iii) ente federativo e entidade da Administração Pública Indireta.
E, a partir do momento que uma dessas pessoas não faça mais parte da
Administração Pública, o contrato será considerado extinto, conforme disposto no parágrafo
5° do art. 13
395
.
Mas a recíproca não é verdadeira. No mesmo artigo, mas no parágrafo 4º, está
previsto que o contrato de programa continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio
público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos.
Sobre o tem, comentam Odete Medauar e Gustado Justino de Oliveira que “o
legislador pretendeu privilegiar a regularidade e a continuidade da prestação dos serviços
público, beneficiando assim eventuais direitos e expectativas dos usuários”. Todavia, “a
interpretação que pode ser conferida ao preceito é a de que, no caso da extinção do consórcio
público ou do convênio de cooperação que lhe serviu de base, o contrato de programa
continuará vigente até o advento de seu termo”
396
.
Isto acontece, uma vez que se busca a eficiência e agilidade da máquina
administrativa, ou seja, não há necessidade da existência de um consórcio público para que
haja o estreitamento e associação entre entes da Administração pública na realização de
serviços públicos – daí permanecer vigente o contrato de programa (que em última análise
nada mais é do que um acordo entre as partes para cumprimento de um exercício de interesse
comum) mesmo em caso de extinção do consorcio público.
Alerta-se para distinção pela característica da ultratividade do contrato de
programa em relação ao contrato de consórcio público. Neste último caso, quando extinto
deverá indenizar por todas as obrigações já constituídas.
395
§ 5º Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de
programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta
de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados.
§ 6º O contrato celebrado na forma prevista no § 5o deste artigo será automaticamente extinto no caso de o
contratado não mais integrar a administração indireta do ente da Federação que autorizou a gestão associada de
serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação.
396
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada. p. 111.
193
Outro elemento a ser analisado é o objeto deste contrato, é a gestão associada de
serviços públicos que deverá envolver a prestação de serviços públicos ou a transferência,
total ou parcial, de encargos, serviços, pessoal e bens necessários à continuidade dos serviços
transferidos.
Todavia, adverte o parágrafo 3°, art. 13 da Lei 11.107/05 que não poderá ser
transferido pelo contrato de programa ao contratado o exercício dos poderes de planejamento,
regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados, pois estas funções cabem ao
próprio consórcio público no controle sobre o funcionamento do contrato de programa, sob
pena de nulidade daquele contrato.
Aponta-se, em última análise, como finalidades do contrato de programa o
cumprimento dos objetivos da República previstos no art. 3º, parágrafos 2º e 3º do Texto
Constitucional, desde que para tanto envolva a prestação de serviço público ou a transferência
de encargos. Afinal, trata-se de mais uma medida e tentativa de estabelecer o pacto federativo
de cooperação entre os entes no aproveitamento da máquina pública para cumprimento desses
fins.
O consórcio público em cada caso pode optar pela celebração de convênios,
contratos ou contratos de programas na busca pela omitização dos resultados que busca.
194
CAPÍTULO IV
QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES
1. Fiscalização pelo Tribunal de Contas
Em harmonia com os preceitos constitucionais de obrigatório controle externo da
Administração Pública por parte do Tribunal de Contas, o consórcio público também deverá
prestar contas ao Tribunal competente para apreciar as contas do Representante legal desse
consórcio.
Nos termos do parágrafo único do art. 9º da Lei 11.107/05, o consórcio público
está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas
competente para apreciar as contar do Chefe do Executivo representante legal do consórcio.
Num raciocínio lógico decorrente deste dispositivo, é verdade que mudando a
representação legal do consórcio, inevitavelmente mudará o Tribunal de Contas competente à
fiscalização.
Menciona-se ainda que a parte final deste mesmo dispositivo autoriza o controle
externo a outros órgãos competentes das demais entidades federativas consorciadas.
Alerta-se para a possibilidade de conflito de competência entre os Tribunais de
Contas quando do controle do consórcio público que é constituído por entes da Federação,
que, independentemente do consórcio, já estão sob o controle do seu próprio Tribunal.
Tal advertência é feita, também, por Maria Sylvia Zanella Di Pietro avisando que
poderá acontecer que o mesmo consórcio seja controlado por vários entes federativos que dele
façam parte; como pode acontecer de a mesma pessoa jurídica fazer parte de diferentes
consórcios e ter de controlar todos eles”. Acrescenta ainda a autora que o art. 9º “não tem e
não pode ter o condão de afastar o controle efetuado pelo Tribunal de Contas competente para
apreciar as contas dos demais entes federativos partícipes do consórcio, sob pena de
195
infringência às normas constitucionais sobre fiscalização pelo Pode Legislativo, com o auxílio
do Tribunal de Contas”
397
.
Sem dizer ainda, no caso de sucessão de representantes legais, haja divergência
nas conclusões dos, também sucessores, Tribunais de Contas.
Não há qualquer referência na Lei sobre o tema. Nem mesmo se vislumbra
hipótese semelhante na legislação vigente.
2. Responsabilidade Civil
Por ser pessoa jurídica, o consórcio público deve responder por todos os seus atos,
independentemente daquelas que o represente ou o constitua.
Sob o aspecto da responsabilidade civil, dois ângulos devem ser considerados: o
primeiro refere-se a cota-parte da responsabilidade de cada ente federado nas obrigações
consorciadas, e, outro, refere-se à responsabilidade do agente público que responde em nome
do consórcio público.
Quanto ao primeiro ponto, ressalta-se o caput do artigo 10
398
, que foi vetado
quando da sanção presidencial e previa responsabilidade solidária dos membros do consórcio
frente as obrigações assumidas pelo consórcio.
Assim, ante esta lacuna, deveremos aplicar a regra constitucional da
responsabilidade civil do Estado. De todo modo, “a norma tem que ser interpretada à luz do
397
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2006, p. 467.
398
"Art. 10. Os consorciados respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelo consórcio.” [...]
Razões do veto: "A intenção do legislador, aparentemente, era dizer que os consorciados respondem
subsidiariamente; contudo, constou que os consorciados respondem solidariamente.
Na responsabilidade subsidiária, a administração direta somente responde por obrigações quando comprovada a
insolvência patrimonial do ente que integra a administração indireta. Ou seja, a entidade da administração
indireta responde por si e, no caso de ter assumido obrigações maiores que seu patrimônio é que, liquidado
primeiro este, poderá a administração direta ser demandada pelas eventuais obrigações remanescentes.
Já na responsabilidade solidária, como previsto no art. 10, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação
tanto do consórcio como dos entes consorciados. Isso fará que dívidas do consórcio sejam automaticamente
transferidas para os consorciados, num evidente prejuízo aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade
fiscal.
Com o veto, o regime a ser aplicado aos consórcios públicos será o da responsabilidade subsidiária, que é o
ordinário da administração indireta. Esse conceito é manso, pacífico e não deixa margens para nenhuma dúvida,
como deixa clara a doutrina brasileira, de onde se destaca a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
‘... doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos administrativos ou judiciais
de atos que lhe fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra elas teriam que ser propostos – e não contra o
Estado. Disto se segue igualmente que, perante terceiros, as autarquias são responsáveis pelos próprios atos. A
responsabilidade do Estado, em relação a eles, é apenas subsidiária’."
196
artigo 37, § 6º, da Constituição, que prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de
direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos, por ato que seus agentes
causarem a terceiros, não prevê responsabilidade solidária”
399
.
Assim, perante terceiros, a responsabilidade é sempre da pessoa jurídica e não de
seus membros. Por isso, a solidariedade a que se refere o parágrafo unido do art. 10 da Lei
11.107/05 só vale entre os consorciados, não produzindo efeitos perante terceiros.
Até que seja definido, no ato de constituição, a cota-parte de responsabilidade de
cada ente consorciado naquela associação, responderão solidariamente pelas obrigações do
consórcio público decorrentes.
Em sentido contrário, assevera Solange Gonçalves Dias que “o consórcio público
responde por si, uma vez que adquire personalidade jurídica e, portanto, se obriga em nome
próprio, por conta própria, e implica responsabilidade subsidiária dos consorciados, que
responderão apenas no caso de o patrimônio do consórcio não ser suficiente para responder
pelas obrigações”
400
.
Referem-se aqui os casos possíveis de retirada ou saída de membros dos
consórcios e, na pior das hipóteses, na extinção do próprio consórcio público.
Quanto ao segundo ponto que tange aos agentes públicos incumbidos da gestão de
consórcio, acrescenta Cleber Demetrio Oliveira da Silva, que,
[...] a Lei Federal n.º 11.107/05 estabelece que os mesmos não
responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo
consórcio. Dessa forma, não se poderá exigir a
responsabilização civil ou administrativa de um representante
legal de consórcio, se a obrigação contraída pela gestão
associada defluiu de ato praticado em conformidade com a lei
ou com o seu estatuto. Contudo, responderá o aludido agente
público pelos atos praticados pelo consórcio que violarem
normas legais ou estatutárias
401
.
399
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista Eletrônica de
Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho / agosto / setembro, 2005.
Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2005.
400
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 135.
401
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros..
Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
197
3. Licitação: novas regras
A Lei 11.107/05 deu novas regras à licitação, destacando-se as disposições sobre
hipóteses de dispensa do procedimento licitatório, para prever que na celebração de contrato
de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a
prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de
consórcio público ou em convênio de cooperação.
Com isso tem-se a dispensada a exigência de licitação para a celebração de
contratos de programa pela impossibilidade evidente de disputa entre os interesse púbico em
questão.
Sobre a nova redação do art. 24, inciso XXVI da Lei 8.666/93, diz Rodrigo Pagani
de Sousa que “não se trata de hipótese em que a ausência do dever de licitar decorre de mera
opção legislativa, mas sim de ausência desses dever em virtude da sua incompatibilidade com
a operação que se pretende implementar, que é a cooperação intergovernamental para a
prestação de serviço público”
402
, ou seja, não cabe licitação entre as distintas esferas da
federação para a oferta de um serviço em gestão associada.
E, ainda quando o objeto do contrato interessar a mais de uma entidade pública,
caberá ao órgão contratante, perante a entidade interessada, responder pela sua boa execução,
fiscalização e pagamento. No caso, os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual,
nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades
dos entes da Federação consorciados.
Adverte-se que as alterações propostas pela Lei 11.107/05 à Lei de Licitações
aplicam-se tão somente às hipóteses em que são partes das negociações os consórcios
públicos ou os convênios de cooperação.
Também o Decreto 5.504, de 5 de agosto de 2005, que estabelece a exigência de
utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados,
nas contratações de bens e serviços comuns, realizadas em decorrência de transferências
voluntárias de recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos
congêneres, ou consórcios públicos, expressamente determina em seu art. 1º que os
402
SOUSA, Rodrigo Pagani de. Convênio Administrativo de Delegação de Serviço Público de Saneamento
Básico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, p. 170.
198
instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convênios, instrumentos
congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos
da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações
a serem realizadas por entes públicos ou privados, com os recursos ou bens repassados
voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de
acordo com o estabelecido na legislação federal pertinente.
Em exame ao dispositivo, Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira afirmam
que
[...] independentemente do disposto no Decreto 5.504/2005, no
caso dos consórcios públicos dotados de personalidade pública,
esta obrigação emerge do próprio regime jurídico a que tais
entes (associações públicas) encontram-se submetidos. Já para
os consórcios dotados de personalidade privada (associação
civil), esta exigência voltada à realização de licitação
previamente ao uso de recursos públicos decorre do estipulado
no art. 6º, § 2º da Lei Federal 11.107/2005
403
-
404
.
4. Aplicação legislativa às situações jurídicas pré-existentes
Dispõe o art. 19 que o conteúdo da Lei não se aplicará aos convênios de
cooperação, contratos de programa para gestão associada de serviços públicos ou
instrumentos congêneres, que tenham sido celebrados anteriormente a sua vigência.
Em exame ao dispositivo, Solange Gonçalves Dias afirma que “a Lei não gera
obrigatoriedade às entidades anteriormente constituídas nem impõe a sua normatização às
novas associações, posto que não exclui a possibilidade de agremiação consorcial
despersonalizada, por exemplo; a adesão ao regramento legal é voluntária”
405
.
Por isso o dispositivo legal afirma que aqueles instrumentos de gestão associada já
consolidados antes da publicação da lei não deverão observá-la.
403
Art. 6º § 2o No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará
as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de
contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
404
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Obra citada., 2006, p. 43.
405
DIAS, Solange Gonçalves. Obra citada., p. 107.
199
Em sentido contrário, todas as espécies de associações interfederativas que
queiram ser constituídas como consórcios públicos, necessariamente deverão observar os
ditames da Lei 11.107/05.
Todos aqueles eventuais consórcios interestaduais e intermunicipais que estavam
em funcionamento antes da vigência desta lei serão considerados como consórcios
administrativos, e, não, consórcios públicos, já que até o momento não havia no sistema
jurídico brasileiro regulamentação específica para estes consórcios.
Está claro que os consórcios públicos não são o único instrumento autorizado à
prestação associada de serviços públicos, ou seja, ainda é possível com o mesmo objetivo
utilizar-se dos convênios de cooperação, dos contratos de programa, dos próprios consórcios e
convênios administrativos, dentre outras modalidades de associação interfederativa.
Logo, a cooperação interfederativa pode concretizar-se pelos mais diversos
modos, sendo a Lei 11.107/05 apenas um desses.
200
CONCLUSÃO
O Estado brasileiro pelo federalismo de cooperação buscou, por meio de suas
regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo equilibrado
e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, num constante processo de
escolhas políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Compreendendo, de um
lado, o consórcio púbico como instrumento político de Estado e , de outra parte, como
instrumento de descentralização administrativa, por meio do qual atenderá, além da prestação
de serviços públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas
públicas.
O federalismo cooperativo brasileiro permite, em razão do perfil de distribuição
de competências constitucionais, atuação interfederativa em colaboração recíproca para a
solução de questões sociais e econômicas. Ante a complexidade destas questões, necessária a
reorganização do Estado para atendimento integrado dessas demandas.
Afinal, a cooperação parte do pressuposto da interdependência dos interesses
coletivos comuns, que os entes federados devem atender.
A colaboração mútua interfederativa deve ser meio de definição de
implementação de políticas públicas. Portanto, um dos desafios é compatibilizar a autonomia
das unidades federativas com a necessidade de se promover o desenvolvimento nacional. É
preciso traçar parâmetros para que os entes federados atinjam, de modo equilibrado e
harmônico, os objetivos traçados pela República Federativa do Brasil.
É parte deste processo a escolha de políticas públicas. Reconhece-se com isso, o
consórcio público como instrumento político de Estado. Este equilíbrio só é possível pelo
planejamento, que, em última instância, é elemento característico do Estado Federal. Afinal, a
diversidade de interesses intrínseca à forma federativa, para que seja articulada junto às
competências constitucionais, depende de planejamento estatal. E, neste contexto, toma-se o
consórcio público como instrumento de implementação do próprio federalismo e deve, então,
assumir, dentro outras funções, o planejamento.
Conclui-se, assim, pelos consórcios púbicos como instrumentos que podem
auxiliar na atuação do Estado brasileiro na implementação de seus objetivos. Sugere-se, para
201
obtenção de resultados produtivos, a adoção de políticas que respondam tanto a critérios
administrativos como político-institucionais. De fato, será necessária real articulação das
relações verticais e horizontais entre os entes federados.
O Estado brasileiro deve experimentar variados instrumentos de cooperação entre
os entes federados, a fim de amenizar as complexidades federativas que nos são próprias. Para
isso, a regulamentação dos consórcios públicos foi um grande avanço - mesmo com as críticas
que lhe forma feitas - para cobrir uma lacuna que há tempos vem pedindo por providências.
Reforça-se o caráter político do consórcio público, pois restringi-lo ao um
instrumento meramente técnico-administrativo é subestimar sua capacidade de integração, ou
seja, utilizá-lo somente como solução meramente técnica não contemplará problemas de
naturezas diversas que lhe são inerentes. Logo, o resultado seria insatisfatório. Por isso se
propõe esta medida como instrumento também de ação governamental e, não somente, como
nova forma de contrato administrativo.
Defende-se a idéia de que os consórcios públicos foram instituídos no sistema
jurídico nacional sem prejuízo de outras formas de cooperação e de consorciamento já
existentes, de forma que as unidades federativas devem insistir na constituição dos mais
variados instrumentos de cooperação, sejam os convênios administrativos, as regiões
metropolitanas ou associações intermunicipais. Mas se for constituído consórcio público para
os fins específicos do art. 241, deverá este observar os ditames da Lei n° 11.107/ 05.
A partir de então, afirma-se que na ordem jurídica brasileira estão consagrados
instrumentos que permitem associar recursos materiais, financeiros e humanos da cada um
dos entes federados, a fim de que possam, conjuntamente, realizar ações e desempenhar
medidas que isoladamente não seriam possíveis, ou até mesmo, não alcançariam os mesmos
resultados. Ou, ainda, mesmo que fosse possível aos entes agirem isoladamente, o
consorciamento pode ser mais econômico, otimizando as estruturas. Por isso, a constituição
dos consórcios públicos deve-se dar nos mais diversos âmbitos, para o exercício das mais
diversas funções.
Luta-se pela afirmativa de que os consórcios públicos são a melhor opção para a
implementação coordenada de políticas públicas diversas, com transversalidade de conteúdo e
de território, ainda que cientes de que não sejam eles a solução final para resolver todos os
problemas de relação interfederativa no Estado brasileiro.
202
Afinal, a cooperação entre interfederativa deve superar seu status constitucional
de mera declaração de intenções ou programas de governo, para assumir o papel de
instrumento institucional voltado à implementação do bem-comum.
Desta forma, a cooperação que se propõe para justificar a formação do consorcio
público não pode ser compreendida como forma de delegação de competência entre os entes
federativos, mas, sim, de somatória de esforços para a realização em conjunto de tarefas de
interesse comum.
Cabe, a partir de agora, à comunidade jurídica bem como a sociedade cobrar das
unidades federadas providências na definição de uma agenda mínima de esforços para o
alcance de melhores resultados, por meio dos consórcios públicos. Neste processo de
construção institucional do consórcio público relativizam-se os binômios descentralização-
centralização e cooperação-competição. Assim, a cooperação deve fundar-se em interesses (e,
também problemas) comuns, que, sob a ótica dos integrantes, serão mais bem trabalhados em
conjunto. Assim, afirma-s que a simetria entre os parceiros é elemento essencial para o êxito
dessa cooperação.
A opção pela formação por parte dos entes federados de consórcio público deve
levar em consideração três elementos: primeiro, os objetos que se propõe cumprir; segundo,
deve considerar o fator econômico, no que tange à produção de resultados, e, por fim, devem
ser reestruturadas as capacidades quanto prestação de atividades administrativas pelo próprio
poder público.
A cooperação entre os governos deve proporcionar parcerias de longa duração,
possibilitando a implementação de variadas espécies de atividades. Nota-se que a viabilização
da cooperação interfederativa na formatação e implementação de políticas públicas, em regra,
é prejudicada por questões político-eleitorais. Todavia, incentiva-se a abertura de em direção
ao amadurecimento político do Estado brasileiro.
Por fim, ante a inovação da ordem jurídica brasileira, mesmo após a apresentação
de elementos caracterizadores de seu regime jurídico, não se tem um modelo pronto e
acabado, somente o tempo de amadurecimento das instituições jurídicas nacionais poderão,
por meio de experiências concretas, consolidar a medidas.
Feitas as conclusões sistemáticas sobre o tema, para fins de compreensão
estrutural, apontam-se as principais conclusões sobre a teorização do tema:
203
Apesar da dificuldade em conciliar o princípio federalista, que pressupõe a
descentralização, com o indicativo de planejamento global, que demanda centralização de
decisões e de controle, apresentam-se os consórcios públicos como instrumentos
diferenciados para incrementar a agenda de desenvolvimento do Estado brasileiro, pois
constituem meios para a ampliação do alcance e da efetividade das políticas públicas e dos
recursos nelas aplicados.
A expressão gestão associada é empregada no art. 241 da CF para se referir à
colaboração entre entes federados; não devendo ser compreendida em sentido restrito,
designando, apenas, uma forma específica de prestação de serviço público por meio de
colaboração. A legislação definirá a amplitude dessa associação. A expressão gestão
associada deve ser considerada como modalidade de acordo comum para atuação conjunta de
entes federativos para a decisão e implementação de matérias de interesse público comum.
Enfim, ela deve ser considerada dentro do contexto de parcerias, no sentido de união de
esforços para atender um interesse comum dos partícipes.
Consórcios públicos e convênios de cooperação são, ambos, instrumentos de
conjugação de esforços entre os entes federados.
É competência de cada uma das pessoas políticas interessadas que autorizem -
por meio de lei - a celebração de consórcios públicos ou convênios de cooperação, definindo
as atividades que serão por ela alcançadas, bem como os termos e condições em que serão
promovidas.
Na legislação específica sobre consórcios públicos, o legislador federal
apresentou as normas gerais que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na
criação e funcionamento desses consórcios.
Há distinção entre consórcios públicos - este inserido ao texto constitucional no
art. 241 - e os consórcios administrativos - figura genérico de associação para fins muito
similares. Do mesmo modo que há diferença entre os convênios administrativos e os
convênios de cooperação.
As Administrações Públicas são membros dessa entidade, e, não, meros
gestores. É uma corporação instrumental de direito público que associa, exclusivamente,
pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.
A característica essencial do consórcio público é ser um instrumento de
cooperação inter-administrativa, de personalidade jurídica coletiva, sob a forma de associação
204
pública. Isto porque, um dos critérios indicativos da natureza pública dos entes é o do fim
público que deverão atingir.
O que caracteriza o consórcio público é a personalidade jurídica pública, em
razão dos fins que pretende cumprir e, não, somente dos seus integrantes.
Consórcios públicos devem ser analisados sobre duas vertentes: a primeira,
enquanto pessoa jurídica está dotada de capacidades em sentido técnico, sendo sujeito de
direitos e obrigações; e, a segunda, enquanto ente instrumental que é regido pelo princípio da
especialidade de suas funções e seus fins.
Uma característica que decorre desta instrumentalidade é a funcionalidade com
a qual o consórcio público há de se desenvolver, a ponto de distingui-lo das demais figuras de
cooperação administrativa, como as associações municipais, as regiões metropolitanas, os
convênios administrativos.
O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração
governamental de todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de
responsabilidade para o efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais. Impõe-se a
vigência de normas que harmonizem e previnam possíveis conflitos. Daí o legislado, mais
uma vez, pela redação do art. 241, acresce outro instrumento de cooperação ao texto
constitucional.
A possibilidade de cooperação e de gestão associada consta expressamente do
art. 241 do texto constitucional, sem especificar, contudo, o tipo de atividade objeto do ajuste
absorveu grande parte das competências comuns previstas no art. 23, pois o cerne da
cooperação interfederativa é a possibilidade de transferência de encargos e meios - pessoal e
bens - entre os entes para a realização e gestão dos serviços associados.
É de competência de cada pessoa política definir, por meio de lei, a forma para
exercício de suas atribuições constitucionais, se diretamente, se por meio de gestão associada
ou se mediante transferência de serviços para outro ente.
Uma coisa é a competência para estabelecer diretrizes gerais que norteiem a
celebração de convênios e consórcios entre entes federados. Outra, bem diversa, é a decisão
de participar, ou não, de tais ajustes, com a definição de seus objetivos e a estipulação de suas
condições.
205
Não se pode conceber consórcio público em que somente uma das partes
beneficie-se da parceria. Não há necessidade de igualdade nos benefícios, mas é razoável que
haja proporção nos resultados obtidos, que devem se interpretados como toda possibilidade de
benefício - ainda que indireta, como nos casos de aprimoramento técnico ou até mesmo de
administração gerencial.
Também como objeto de discussão pontual, em linhas gerais foram as conclusões
acerca da regulamentação jurídica específica dos consórcios públicos:
Os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades dos entes que
dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para consecução de
interesses públicos, relação, por certo, submetida ao regime publicista. Foi este o regime
jurídico imposto pela lei.
A personalidade jurídica do consórcio público não se confunde com a natureza
jurídica do contrato de consórcio público.
Ainda que difícil conceber a personalidade jurídica privada para os consórcios
públicos, há autorização legislativa para sua criação e funcionamento.
Discorda-se da doutrina que atribui a natureza de autarquia aos consórcios
públicos, sob o argumento de que por ter personalidade de direito público. Entende-se ser a
associação pública uma nova espécie de personalidade jurídica criada por lei, com
características próprias, conforme disposto na Lei 11.107/05.
Por sua vez, atribui-se natureza contratual aos contratos para funcionamento
dos consórcios públicos, ainda que sejam considerados contratos plurilaterais, enquanto
acordo de vontade negocial destinado a regular seus direitos, cujo consentimento provém de
todas as partes, que objetivam atingir fim comum por meio de prestações recíprocas.
O contrato do consórcio público deverá ser constituído por meio de contrato
elaborado com base num protocolo de intenções, que representará as intenções das entidades
consorciantes.
O contrato de rateio como objeto próprio e exclusivo a gestão dos recursos que
serão implementados pelos consórcios públicos.
O contrato de programa será um ato administrativo próprio para a gestão
associada de serviços públicos e transferência de bens, serviços e pessoas, que conterá os
206
compromissos estabelecidos entre as partes interessadas, cujo teor está predeterminado pela
lei.
Por fim, pelos aspectos político e administrativos que são próprios da essência do
consórcio públicos, necessária será o empenho de toda a comunidade jurídica a concretização
da mais nova medida de efetivação da cooperação intergovernamental no incremento ao
desenvolvimento nacional.
207
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, Fernando Luiz; COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Reforma do Estado e o
contexto federativo brasileiro. São Paulo: Fundação Konrad-Adenaue-Stiftung, 1999.
ALFONSO, Luciano Parejo. La vigencia, fuerza y eficacia de la carta europea de
salvaguarda de los derechos humanos como norma local y los mecanismos de control y
garantía de su cumplimiento. Disponível em:
http://www.creb.it, acesso em 17 de abril de
2004, às 18h 38m.
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São Paulo
Atlas, 2005.
ALVARENGA, José Eduardo. Consórcios: a nova pessoa jurídica da administração indireta.
Disponível no site: www.direitonet.com.br. Acesso em 17 de dezembro de 2005.
ALVES, Alaor Caffé. Saneamento básico. São Paulo: Edipro, 1998.
AMARO, Fernanda Pereira. O serviço público sob a perspectiva da garantia constitucional de
direitos humanos fundamentais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional, n° 50,
jan / mar, pp. 115-138. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
ANAFRE. Mais descentralização, mais autonomia, na partilha do poder local. Disponível
em: http://www.anafre.pt. Acesso em 21 de abril de 2004, às 15h 29m.
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001.
ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência
política no federalismo cooperativo in Federalismo na Alemanha. Berlim Fundação Konrad-
Adenauer-Stifung, 1995, pp. 107-116.
ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais; determinantes da
descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2004.
AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos
consórcios intermunicipais. In: Revista de Direito Administrativo – RDA, n° 238, out / dez,
pp. 375-384.Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global:
perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. Curitiba: Juruá, 2006.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. São
Paulo: Malheiros, 2005.
208
____________________,.. Discriminação constitucional de competências legislativas: a
competência municipal. In: Direito Tributário: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba,
São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 271-280.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense,
1986.
BARRAQUÉ, Bernard. Subidiary water in a complex Europe: decision levels, federalism and
decentralisation. In: Anais do Seminário internacional de Estudos sobre Gestão de Recursos
Hídricos, Foz do Iguaçu, 19-23 de abril de 1999. Disponível no site:
http://www.ufrgs.br/iph/barraque_subsidiary_water_in_a_complex_europe.pdf. Acesso em 23
de janeiro de 2006.
BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 1989.
____________________,.; TAVARES, André Ramos. As tendências do Direito Público no
limiar de um novo século. São Paulo: Saraiva, 2000.
BELTRÃO, Helio. Descentralização e liberdade. Brasília: Editora Universidade de
Brasíia/Instituto Hélio Beltrão, 2002.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da
Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.
____________________,.. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max
Limonad, 2003.
____________________,.Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Federalismo regional num país periférico, in BONAVIDES, Paulo;
LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coords.), Constituição e
Democracia – estudos em homenagem ao Professor J.J. Canotilho. São Paulo: Malheiros,
2006, pp. 449-471.
BOOKCHIN, Murray. Municipalismo libertário. São Paulo: Nu-Sol, 1999.
BORGES, Alice Gonzáles. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. In: Revista
Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Ano XII, n° 140, outubro, Curitiba, 2005, pp. 843-57.
BOTHE, Michel. Federalismo – um conceito em transformação histórica in Federalismo na
Alemanha. Berlim: Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, pp. 03-14.
BREMAEKER, François E. J. de. Despesas municipais com as funções de competência da
União e dos Estados em 2002. IBAM /APMC / NAPI / IBAMCO, 2003.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva,
2002.
209
____________________,.. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas,
In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito Público: estudos em
homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pp. 549-59.
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Volume I. Coimbra: Almedina,
1997.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte: Dey Rey,
2001.
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte : Del Rey, 2001.
COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento
democrático. Brasília: Editora Brasiliense, 1986.
CUNHA, Rosani Evangelista da. Federalismo e relações intergovernamentais: os consórcios
públicos como instrumento de cooperação federativa. In: Revista do Serviço Público – RSP,
Ano 55, n°’3, jul – set, Brasília: ENAP, 2004, pp. 05-34.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva,
2003.
____________________,.. O Estado Federal. São Paulo: Editora Ática, 1986.
____________________,.Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta
legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerDalmoAbreuDallari.pdf. Acesso:
30 de março de 2005.
DALLARI, Sueli Goandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Editora
Hucitec, 1995.
DEGUIT, Leon. Traité de Droit Constitutionnel. 3em édition, vol. III, La théorie générale de
l’état. Paris: Ancienne Librairie Fontemoing, 1930.
DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades Jurídico-Institucionais dos consórcios públicos.
Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo : Atlas, 2006.
____________________,.. O consócio público na lei n° 11.107, de 6.4.05. In: Revista
Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, julho /
agosto / setembro, 2005. Disponível na Internet: Http://www.direitodoestado.com.br. Acesso
em 20 de setembro de 2005.
____________________,.Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002.
DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios administrativos: gestão, teoria e prática. Curitiba:
Juruá, 2004.
210
ELAZAR, Daniel J. Expolring Federalism. Tuscaloosa: The University of Alabama Press,
1991.
ETCHEVERRY, Raúl Aníbal. Contratos asociativos, negócios de colaboración y consórcios.
Buenos Aires: Astrea, 2005.
FAVOREU, Louis. La libre administration dês collectivités territoriales est-elle une liberte
fondamentale?, In: Cahiers du Conseil Constitucionnel, n° 12. Disponível no site:
www.conseil-constitutionnel.fr. Acesso em 09 de setembro de 2005.
FEDERACIÓN ESPAÑOLA DE MUNICIPIOS Y PROVINCIAS. Otros entes locales
complejos – los consórcios. CartasLocales.es. Disponível no site:
http://www.cartalocal.es/index.php/cartalocal/colaboraciones/otros_entes_locales_complejos_
los_consorcios.html. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
FERNÁNDEZ FARRERES, Germán. Reflexiones sobre ele valor juridico de la doctrina de
la subsidiariedad en el derecho administraivo español. In: Uma avaliação das tendências
contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.),
pp. 491-529. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
FERRAZ, Luciano. Novas formas de participação social na administração pública: conselhos
gestores de políticas públicas. In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 2, n° 7,
out / dez, pp. 59-67. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2002.
FERRERI, Janice Helena. A federação, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova
federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006.
FIGUEIREDO, Marcelo. O saneamento básico e o direito – uma visão dos principais
problemas jurídicos, In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme Costa (Coord.). Direito
Público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, pp. 511-21.
FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador e GUTIÉRREZ SUÁREZ, Rafael.
Intergovernmental partnerships at the local level in Spain: mancomunidades da consortia in
a comparative perspective. Disponível no site:
http://www.oecd.org/dataoecd/11/14/1902663.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
FONT, Javier; PARRADO DÍEZ, Salvador. Eligiendo sócios en la Administración municipal
española: los consoricos e las mancomunidades. In: Revista Cuadernos de Gobierno y de
Administración de la Universidad Rey Juan Carlos, n. 03, 2000. Disponível no site:
http://www.uned.es/113016/equipo%20docente/cv-parrado_archivos/documento%2025%20-
%urjc%202000.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões sobre a prestação de serviços públicos por entidades
do terceiro setor. In: Revista de Direito Administrativo – RDA, n° 238, out / dez, pp. 345-362.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
211
FRANÇA. LA DOCUMENTATION FRANÇAISE. Dossier réalisé en février 2004.
Disponível em: http://www.ladocumentationfrancaise.fr. Acesso em: 20 de abril de 2004, às
10h 13m.
FRANÇA. SENADO. Disponível em: http://www.senat.fr/leg/pjl03-004.html . Acesso em 20
de abril de 2004, às 10h 30m.
GARCIA, Maria. Federalismo brasileiro: a repartição de rendas tributáras e o Município. Uma
proposta, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1995.
GOMES, Marcos Pinto Correia. Os consórcios públicos na Lei nº 11.107/05 . Jus Navigandi,
Teresina, a. 9, n. 752, 26 jul. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7062>. Acesso em: 17 de dezembro de 2005.
GONZÁLES ENCINAR, José Juan. El Estado Unitario-Federal. Madri: Editorial Tecnos,
1985.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica.
São Paulo : RT, 2000.
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Contratos de gestão e outros tipos de acordos celebrados
pela administração. Palestra proferida no II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP
“Licitação e Contrato – Direito Aplicado”, de 14 a 18 de junho de 2004. São Paulo.
Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/. Acesso em 04/10/2005.
____________________,.. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003.
____________________,.. Perspectivas para o federalismo, in BASTOS, Celso Ribeiro
(Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
GUIMARÃES, Mariana Costa. Breves considerações acerca do conceito de serviço público e
de atividade econômica na visão da doutrina administrativa brasileira. In: Revista Zênite de
Licitações e Contratos – ILC, Ano XII, n° 139, Curitiba: Zênite, 2005.
GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível
em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf. Acesso em: 23 de
janeiro de 2006.
GUTIÉRREZ COLOMINA, Venâncio. El protagonismo municipal en el desarrollo local: el
parque tecnológico de Andalucía. In: Revista CIDOB d'afers internacionals, 1999, Núm. 47.
Disponível no site: http://www.cidob.org/castellano/publicaciones/ Afers/47gutierrez.cfm.
Acesso em 23 de janeiro de 2006.
HESSE, Joachin Jens. República Federal da Alemanha: do federalismo cooperativo à
elaboração de política conjunta in Federalismo na Alemanha. Berlim: Fundação Konrad-
Adenauer-Stifung, 1995, p.117-137.
HURON, David; SPINDLER, Jacques. Démocratie locale et pouvoir fiscal : deux préalables
à l’autonomie locale en France. CRIFP/IDEFI/CNRS, Université de Nice-Sophia Antipolis.
212
Rencontres internationales Démocratie et Management local – 2003. Disponível em:
http://www.univ-pau.fr. Acesso em: 18 de abril de 2004
JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Formas alternativas de gestão pública, in OSÓRIO,
Fábio Medina; SOUTO, Marcos Jurena Villela, Direito Administrativo – estudos em
homenagem a Diogo Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, pp. 627-
642.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.
____________________,.Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta
legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerMarcalJustenFilho.pdf. Acesso
em 30 de março de 2005.
____________________,.. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos
criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena
Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo
Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade – novos paradigmas.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.
LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público e outros problemas. Volume 1. Brasília;
Ministério da Justiça, 1997.
LIMA, Edilberto Carlos Pontes. Transferências orçamentárias da União para estados e
municípios: determinantes e beneficiários. In: REZENDE, Fernando; OLIVEIRA, Fabrício
Augusto (Org.). Descentralização e Federalismo fiscal no Brasil: desafios da reforma
tributária, pp. 127-202. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2003.
LÓPEZ-MEDEL BÁSCONES, Jesús. Autonomía y descentralización local. Madri: La ley-
actualidad/El Consultor, 2003.
MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º
da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>. Acesso em: 17/12/2005.
____________________,.. Consórcios públicos: Comentários ao art. 1º da Lei nº
11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6801>. Acesso em: 17/12/2005.
____________________,.. Consórcios, protocolo de intenções e a natureza contratual na Lei
n° 11.107/2005. In: Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Ano XII, n° 139,
setembro, Curitiba, 2005, pp. 768-72.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004,
elaborado a pedido do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando
sobre a proposta legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site:
http://www.cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/Parecer
FlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf . Acesso em 30 de março de 2005.
213
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo:
Malheiros, 2002.
MAURANO, Adriana. A redefinição do papel do Estado e a introdução de novas figuras
jurídicas no direito brasileiro. Disponível no site:
http://jus2.uol.com/br/doutrina/imprimir.asp?id=6073. Acesso em 17 de dezembro de 2005.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora RT, 2006.
____________________,.. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Editora RT,
2003.
____________________,.. Serviços Públicos e serviços de interesse econômico geral. In:
Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO,
Diogo de Figueiredo (Coord.), pp. 115-126. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
____________________,.; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios Públicos –
comentários à Lei 11.107/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002.
____________________,.. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo : Malheiros, 1998.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A globalização e o Direito Administrativo. In: Uma
avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO,
Diogo de Figueiredo (Coord.), pp. 543-563. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
____________________,.Coordenação gerencial na Administração Pública – Administração
Pública e autonomia gerencial. In: Revista de Direito Administrativo, n. 214. São Paulo :
Renovar, out-dez/1998.
MOREIRA, Egon Bockmann. Os consórcios empresariais e as licitações públicas
(considerações em torno do art. 33 da Lei n° 8666/93), In: Revista Brasileira de Direito
Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set, 2004, pp. 61-81. Belo Horizonte, 2004.
MOREIRA, Vidal. Administração autônoma e associações públicas. Coimbra: Coimbra
Editora, 1997.
MOTA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2001.
MUKAI, Toshio. A lei dos consórcios públicos é constitucional?, In: Revista Negócios
Públicos, Ano II, n° 06, Curitiba, 2005, p. 20.
MUKAI, TOSHIO. Concessões e permissões de serviços públicos. São Paulo: Saraiva, 1995.
NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997.
PAREJO ALFONSO, Luciano. La vigencia, fuerza y eficacia de la carta europea de
salvaguarda de los derechos humanos como norma local y los mecanismos de control y
garantía de su cumplimiento. Disponível em: http://www.creb.it, acesso em 18 de abril de
2004, às 14h 34m..
214
PARRADO-DÍEZ, Salvador. Spanish public partnerships: an emerging phenomenon. Paper
to be presented for OECD-PUMA Expert meeting: “Making Partnerships Accountable -
Vertical and Horizontal Forms of Partnerships among Public Organisations Reconsidered.
Paris, 3-4 September 1998. Disponível em:
http://www.uned.es/113016/archivos/documento60-ocde-partnerships-1998.pdf. Acesso em
23 de janeiro de 2006.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Instituições, bom Estado e reforma da gestão pública. In:
REDE – Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado, n° 01, mar/abr/mai de 2005, Salvador.
Disponível no site: www.direitodoestado.com.br. Acesso em 07 de julho de 2005.
POLTRONIERI, Renato. Parcerias público-privadas e a atuação administrativa. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2005.
PORTO NETO, Benedito. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004, elaborado a pedido
do Governo Federal, por intermédio do Ministério das Cidades, versando sobre a proposta
legislativa de criação de consórcios públicos. Disponível do site: http://www
cidades.gov.br/media/ConsorcioPublico/ParecerBenedictoPortoNeto.pdf. Acesso: 30 de
março de 2005.
PRESTES, Vanêsca Buzelato. Considerações sobre o problema da hierarquia entre as
normas infraconstitucionais no sistema federativo brasileiro - reflexões sobre a lei municipal.
Disponível em: http:// www.portoalegre.rs.gov.br
PROUDHON, Pierre-Joseph. Do Princípio Federativo. São Paulo: Nu-Sol:Imaginário, 2001.
REALE, Miguel. Parecer sobre o Projeto de Lei n° 3884/2004. Disponível no site:
http://www.miguelreale.com.br/ Acesso em 29 de dezembro de 2005.
RIVERO, Jean. Curso de Direito Administrativo Comparado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
____________________,.Direito Administrativo. Coimbra: Editora Almedina, 1981.
ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Descentralização e
cooperação intermunicipal no Brasil. Disponível no site:
http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/carlosRocha_carlosFaria.pdf. Acesso em 27 de abril de
2006.
ROLIM, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessionárias e permissionárias em
juízo. São Paulo: Editora RT, 2004.
RUIZ, Fernando. Municipalismo – Política – Cidadania, in Revista de Guimarães, n.º 103,
1993, pp. 433-439. Sociedade Martins Sarmento – Casa de Sarmento. Disponívle em:
http://www.csarmento.uminho.pt. Acesso em 18 de abril de 2004, às 15h 18m.
SÁNCHEZ-CARO, Javier. Régimen jurídico de las nuevas formas de gestión en la sanidad
española (la perspectiva Del Instituto Nacional de la Salud). In Revista de Administración
Sanitária. Volumen IV. Número 14. Abril/junho, 2000, pp. 91-139. Disponível no site:
http://www.dinarte.es/ras/ras14/pdfs/admi03.pdf . Acesso em 23 de janeiro de 2006.
215
SANDOVAL, Carlos A. Molina. Consórcios de Cooperación. Buenos Aires: Lexis Nexis
Argentina, 2005.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma
municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2001.
SCHULTZE, Rainer-Olaf. Federalismo in Federalismo na Alemanha. Berlim: Fundação
Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, pp. 15-32.
SCHIRATO, Vitor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. In: RDA – Revista de
Direito Administrativo, n° 239, jan./mar. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 209-240.
SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei 11.107/05: marco regulatório dos consórcios
públicos brasileiros. Disponível na internet:
http://www.direitonet.com.br/textos/x/13/01/1301/. Acesso em 20 de setembro de 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.
SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Mecanismos de atuação estatal – parcerias público-
privadas (PPP’s). In: Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, ano 02, n° 07, jul / set,
2004, pp. 125-132. Belo Horizonte, 2004.
SILVA, Sandra Krieger Gonçalves. O Município na Constituição Federal de 1988. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.)
Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005.
SOUSA, Rodrigo Pagani de. Convênio Administrativo de Delegação de Serviço Público de
Saneamento Básico. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, 2006.
SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Estado, Governo e Administração Pública. In: Uma
avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo, MOREIRA NETO,
Diogo de Figueiredo (Coord.), pp. 531-359. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. O saneamento básico e sua execução por empresa estadual, in
Revista Diálogo Jurídico. Ano I – vol. I – n º. 5 – agosto de 2001, Salvador.
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros
instrumentos congêneres . Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 20, out. 1997. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=456>. Acesso em: 17/12/2005.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.
TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana: instituição e gestão
contemporânea – dimensão participativa. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
216
THE GLOBAL DEVELOPMENT RESEARCH CENTER. Tools and Legislation for
Environmental Management available to Local Governments. Disponível em:
http://www.gdrc.org. Acesso em: 18 de abril de 2004, às 17h 33m.
TORRES, Silvia Faber. O princípio da subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo.
Rio de Janeiro, Renovar, 2001.
TRAMONTIN, Odair. Incentivos públicos a empresas privadas e guerra fiscal. Curitiba:
Juruá, 2002.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Dey Rey,
1997.
VILLEGAS MORENO, José Luis. El consorcio administrativo en el âmbito local
venezolano: aproximación a una descentralización cooperativa. Província n.8, enero-junio
2002, pp. 99-109. Disponível em: http://www.saber.ula.ve/db/ssaber/Edocs
/pubelectronicas/provincia/pnum8/jose_villegas.pdf. Acesso em 23 de janeiro de 2006.
217
ANEXOS
218
LEI Nº 11.107, DE 6 DE ABRIL DE 2005.
Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1
o
Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse
comum e dá outras providências.
§ 1
o
O consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito
privado.
§ 2
o
A União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte
todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios consorciados.
§ 3
o
Os consórcios públicos, na área de saúde, deverão obedecer aos princípios, diretrizes
e normas que regulam o Sistema Único de Saúde – SUS.
Art. 2
o
Os objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos entes da
Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais.
§ 1
o
Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá:
I firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios,
contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;
II nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover desapropriações e
instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse
social, realizada pelo Poder Público; e
III ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação
consorciados, dispensada a licitação.
§ 2
o
Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer atividades
de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou
outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica,
pelo ente da Federação consorciado.
§ 3
o
Os consórcios públicos poderão outorgar concessão, permissão ou autorização de
obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público,
que deverá indicar de forma específica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as
condições a que deverá atender, observada a legislação de normas gerais em vigor.
Art. 3
o
O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da
prévia subscrição de protocolo de intenções.
Art. 4
o
São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:
I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;
II – a identificação dos entes da Federação consorciados;
III – a indicação da área de atuação do consórcio;
219
IV a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de
direito privado sem fins econômicos;
V os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio público a
representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo;
VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a
elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;
VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o
número de votos para as suas deliberações;
VIII a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio
público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação
consorciado;
IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem
como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de excepcional interesse público;
X as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de
parceria;
XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:
a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;
b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;
c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da
prestação dos serviços;
d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão
associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da
Federação consorciados;
e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem
como para seu reajuste ou revisão; e
XII o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de
exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.
§ 1
o
Para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como área de atuação
do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que
corresponde à soma dos territórios:
I dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios
ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos;
II – dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for,
respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o
Distrito Federal;
III –
(VETADO)
IV dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo
Distrito Federal e os Municípios; e
V –
(VETADO)
220
§ 2
o
O protocolo de intenções deve definir o número de votos que cada ente da
Federação consorciado possui na assembléia geral, sendo assegurado 1 (um) voto a cada ente
consorciado.
§ 3
o
É nula a cláusula do contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições
financeiras ou econômicas de ente da Federação ao consórcio público, salvo a doação,
destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de
direitos operadas por força de gestão associada de serviços públicos.
§ 4
o
Os entes da Federação consorciados, ou os com eles conveniados, poderão ceder-lhe
servidores, na forma e condições da legislação de cada um.
§ 5
o
O protocolo de intenções deverá ser publicado na imprensa oficial.
Art. 5
o
O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do
protocolo de intenções.
§ 1
o
O contrato de consórcio público, caso assim preveja cláusula, pode ser celebrado por
apenas 1 (uma) parcela dos entes da Federação que subscreveram o protocolo de intenções.
§ 2
o
A ratificação pode ser realizada com reserva que, aceita pelos demais entes
subscritores, implicará consorciamento parcial ou condicional.
§ 3
o
A ratificação realizada após 2 (dois) anos da subscrição do protocolo de intenções
dependerá de homologação da assembléia geral do consórcio público.
§ 4
o
É dispensado da ratificação prevista no caput deste artigo o ente da Federação que,
antes de subscrever o protocolo de intenções, disciplinar por lei a sua participação no
consórcio público.
Art. 6
o
O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das
leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
§ 1
o
O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a
administração indireta de todos os entes da Federação consorciados.
§ 2
o
No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio
público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação,
celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Art. 7
o
Os estatutos disporão sobre a organização e o funcionamento de cada um dos
órgãos constitutivos do consórcio público.
Art. 8
o
Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público
mediante contrato de rateio.
§ 1
o
O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de
vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que
tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados
em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros
preços públicos.
§ 2
o
É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato de rateio para o
atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou operações de crédito.
221
§ 3
o
Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o consórcio público, são
partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio.
§ 4
o
Com o objetivo de permitir o atendimento dos dispositivos da Lei Complementar n
o
101, de 4 de maio de 2000
, o consórcio público deve fornecer as informações necessárias para
que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas com
os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser
contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos
econômicos e das atividades ou projetos atendidos.
§ 5
o
Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado
que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes
para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio.
Art. 9
o
A execução das receitas e despesas do consórcio público deverá obedecer às
normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas.
Parágrafo único. O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e
patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder
Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e
economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle
externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio.
Art. 10.
(VETADO)
Parágrafo único. Os agentes públicos incumbidos da gestão de consórcio não
responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio público, mas
responderão pelos atos praticados em desconformidade com a lei ou com as disposições dos
respectivos estatutos.
Art. 11. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato formal
de seu representante na assembléia geral, na forma previamente disciplinada por lei.
§ 1
o
Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente
serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio
público ou no instrumento de transferência ou de alienação.
§ 2
o
A retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações já
constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio
pagamento das indenizações eventualmente devidas.
Art. 12. A alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de
instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes
consorciados.
§ 1
o
Os bens, direitos, encargos e obrigações decorrentes da gestão associada de serviços
públicos custeados por tarifas ou outra espécie de preço público serão atribuídos aos titulares
dos respectivos serviços.
§ 2
o
Até que haja decisão que indique os responsáveis por cada obrigação, os entes
consorciados responderão solidariamente pelas obrigações remanescentes, garantindo o
direito de regresso em face dos entes beneficiados ou dos que deram causa à obrigação.
Art. 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição
de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da
Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a
prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.
222
§ 1
o
O contrato de programa deverá:
I – atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e, especialmente
no que se refere ao cálculo de tarifas e de outros preços públicos, à de regulação dos serviços
a serem prestados; e
II prever procedimentos que garantam a transparência da gestão econômica e
financeira de cada serviço em relação a cada um de seus titulares.
§ 2
o
No caso de a gestão associada originar a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos, o contrato de
programa, sob pena de nulidade, deverá conter cláusulas que estabeleçam:
I os encargos transferidos e a responsabilidade subsidiária da entidade que os
transferiu;
II – as penalidades no caso de inadimplência em relação aos encargos transferidos;
III – o momento de transferência dos serviços e os deveres relativos a sua continuidade;
IV – a indicação de quem arcará com o ônus e os passivos do pessoal transferido;
V – a identificação dos bens que terão apenas a sua gestão e administração transferidas e
o preço dos que sejam efetivamente alienados ao contratado;
VI o procedimento para o levantamento, cadastro e avaliação dos bens reversíveis que
vierem a ser amortizados mediante receitas de tarifas ou outras emergentes da prestação dos
serviços.
§ 3
o
É nula a cláusula de contrato de programa que atribuir ao contratado o exercício dos
poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados.
§ 4
o
O contrato de programa continuará vigente mesmo quando extinto o consórcio
público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos.
§ 5
o
Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação,
o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que
integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou
conveniados.
§ 6
o
O contrato celebrado na forma prevista no § 5
o
deste artigo será automaticamente
extinto no caso de o contratado não mais integrar a administração indireta do ente da
Federação que autorizou a gestão associada de serviços públicos por meio de consórcio
público ou de convênio de cooperação.
§ 7
o
Excluem-se do previsto no caput deste artigo as obrigações cujo descumprimento
não acarrete qualquer ônus, inclusive financeiro, a ente da Federação ou a consórcio público.
Art. 14. A União poderá celebrar convênios com os consórcios públicos, com o objetivo
de viabilizar a descentralização e a prestação de políticas públicas em escalas adequadas.
Art. 15. No que não contrariar esta Lei, a organização e funcionamento dos consórcios
públicos serão disciplinados pela legislação que rege as associações civis.
Art. 16. O
inciso IV do art. 41 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil,
passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 41. ...................................................................................
................................................................................................
IV – as autarquias, inclusive as associações públicas;
223
........................................................................................" (NR)
Art. 17. Os arts. 23, 24, 26 e 112 da Lei n
o
8.666, de 21 de junho de 1993, passam a
vigorar com a seguinte redação:
"Art. 23. ...................................................................................
................................................................................................
§ 8
o
No caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores mencionados no caput
deste artigo quando formado por até 3 (três) entes da Federação, e o triplo, quando formado
por maior número." (NR)
"Art. 24. ...................................................................................
................................................................................................
XXVI – na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de
sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos
termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação.
Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20%
(vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos,
sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na
forma da lei, como Agências Executivas." (NR)
"Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2
o
e 4
o
do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24,
as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o
retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8
o
desta Lei deverão ser
comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na
imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
......................................................................................" (NR)
"Art. 112. ................................................................................
§ 1
o
Os consórcios públicos poderão realizar licitação da qual, nos termos do edital, decorram
contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades dos entes da Federação
consorciados.
§ 2
o
É facultado à entidade interessada o acompanhamento da licitação e da execução do
contrato." (NR)
Art. 18. O art. 10 da Lei n
o
8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar acrescido dos
seguintes incisos:
"Art. 10. ...................................................................................
................................................................................................
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços
públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação
orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei." (NR)
Art. 19. O disposto nesta Lei não se aplica aos convênios de cooperação, contratos de
programa para gestão associada de serviços públicos ou instrumentos congêneres, que tenham
sido celebrados anteriormente a sua vigência.
Art. 20. O Poder Executivo da União regulamentará o disposto nesta Lei, inclusive as
normas gerais de contabilidade pública que serão observadas pelos consórcios públicos para
224
que sua gestão financeira e orçamentária se realize na conformidade dos pressupostos da
responsabilidade fiscal.
Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2005; 184
o
da Independência e 117
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos
Antonio Palocci Filho
Humberto Sérgio Costa Lima
Nelson Machado
José Dirceu de Oliveira e Silva
225
MENSAGEM Nº 193, DE 6 DE ABRIL DE 2005.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi
vetar parcialmente, e por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 1.071, de
1999 (no 148/01 no Senado Federal), que "Dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos e dá outras providências".
A Casa Civil manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos:
Art. 4o, § 1º
III – dos Municípios e dos Estados, quando o consórcio público for constituído por 1 (um) ou
mais Estados e Municípios;
V – dos Municípios, do Distrito Federal e dos Estados, quando o consórcio for constituído
pelo Distrito Federal, 1 (um) ou mais Estados e Municípios.
Razões do veto
"O inciso III trata de consórcios públicos entre Estados e Municípios, como ocorre no inciso I,
mas com a diferença de que o território dos Municípios não precisa estar contido no território
do Estado. A distinção é clara, porque a parte final do inciso I afirma que se tratam de
‘Municípios com territórios nele contidos’, ou seja, Municípios com territórios contidos no
território do Estado que se consorcia.
A redação original do inciso III, tanto no projeto de lei do Poder Executivo, como no texto
aprovado no Senado Federal previa que os Municípios, nesse caso, teriam os seus territórios
contíguos, isto é, fariam divisa com o território do Estado.
O dispositivo, dessa forma, tinha por objetivo permitir que um Estado pudesse auxiliar um
Município que, mesmo se situando em outro Estado, lhe fosse vizinho, a fim de procurar
solução integrada para algumas de suas políticas públicas, o que, inclusive, é a realidade
brasileira atual.
Entretanto, por meio de emenda, o Congresso Nacional retirou o requisito que o Município
fosse contíguo ao Estado, o que permite – a se manter a redação atual – que um Estado se
consorcie com Municípios de outro Estado mesmo que não haja relações de vizinhança que
legitime esse consorciamento.
Evidentemente que a manutenção desse dispositivo é perigosa para a paz federativa, uma vez
que um Estado poderá interferir nos assuntos municipais de outro Estado sem ter, ao menos,
uma relação de vizinhança que legitime a sua ação.
O mesmo raciocínio se aplica à necessidade de veto do inciso V.
Deflui-se, então, que a manutenção deste dispositivo é perigosa - como no caso anterior - para
a paz federativa, por permitir que um Estado venha a se imiscuir nos assuntos municipais de
outro Estado, como também descaracteriza a mens legis do dispositivo, que passou a se
confundir com as dos incisos II e IV do mesmo parágrafo, prejudicando a boa aplicação da
Lei."
226
Art. 10
"Art. 10. Os consorciados respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelo
consórcio.
Razões do veto
"A intenção do legislador, aparentemente, era dizer que os consorciados respondem
subsidiariamente; contudo, constou que os consorciados respondem solidariamente.
Na responsabilidade subsidiária, a administração direta somente responde por obrigações
quando comprovada a insolvência patrimonial do ente que integra a administração indireta.
Ou seja, a entidade da administração indireta responde por si e, no caso de ter assumido
obrigações maiores que seu patrimônio é que, liquidado primeiro este, poderá a administração
direta ser demandada pelas eventuais obrigações remanescentes.
Já na responsabilidade solidária, como previsto no art. 10, o credor pode exigir o
cumprimento da obrigação tanto do consórcio como dos entes consorciados. Isso fará que
dívidas do consórcio sejam automaticamente transferidas para os consorciados, num evidente
prejuízo aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade fiscal.
Com o veto, o regime a ser aplicado aos consórcios públicos será o da responsabilidade
subsidiária, que é o ordinário da administração indireta. Esse conceito é manso, pacífico e não
deixa margens para nenhuma dúvida, como deixa clara a doutrina brasileira, de onde se
destaca a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
“doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos
administrativos ou judiciais de atos que lhe fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra
elas teriam que ser propostos – e não contra o Estado. Disto se segue igualmente que, perante
terceiros, as autarquias são responsáveis pelos próprios atos. A responsabilidade do Estado,
em relação a eles, é apenas subsidiária"
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima
mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores
Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 6 de abril de 2005.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo