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THAIS DE ASSIS ANTUNES
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA CATÓLICA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL:
UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO
PUC-CAMPINAS
2005
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THAIS DE ASSIS ANTUNES
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA CATÓLICA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL:
UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO
Dissertação apresentada ao Programada de Pós-
gradução Strictu-Sensu em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em Psicologia
ORIENTADOR
Dr. Mauro Martins Amatuzzi
PUC-CAMPINAS
2005
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THAIS DE ASSIS ANTUNES
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA CATOLICA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL UM
ESTUDO FENOMENOLÓGICO
BANCA EXAMINADORA
Or. Mauro Martins AmaUi/./.i (I*
residente)
l)r. José Paulo («iovanctti
(Membro)
PUC-CAM1MNAS
2005
Dedico este trabalho a meus pais OSMAR e REGINA,
sem os quais seria impossível minha caminhada até aqui.
A vocês, meu eterno agradecimento e infinito amor.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço a “Força Maior” que me acompanha desde sempre, em todas as
etapas de minha vida e que me deu segurança e coragem para alcançar meus
objetivos.
Agradeço a todos os professores da PUC-Campinas a começar pelo professor
Dr. Lineu Correa Fonseca e Professora Dra. Vera Engler Cury que me iniciaram no
mundo da pesquisa.
Agradeço em especial ao professor Dr. Mauro Martins Amatuzzi que me
conduziu com muito carinho e paciência nesta caminhada.
Agradeço ao professores: Antônios Térzis e Geraldo A. Fiamenghi Junior
pelas colaborações na Qualificação deste trabalho. E aos professores: José Paulo
Giovanetti e Fernando Gonzalez Rey pela participação na banca de defesa.
Agradeço a todos os colaboradores desta pesquisa pela disponibilidade e
seriedade com que participaram deste estudo.
Agradeço a toda minha família, meu namorado e amigos que estiveram
acompanhando meu crescimento profissional e pessoal pelas criticas positivas que
me ajudaram a enxergar mais longe.
Agradeço ao CNPq pela ajuda financeira para a realização desta pesquisa
sem a qual seria impossível chegar até aqui.
v
ANTUNES, T.A. (2005). Experiência religiosa católica e desenvolvimento pessoal: um estudo
fenomenológico. Campinas-SP. Dissertação (Mestrado). CCV. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas.
RESUMO
A tarefa da Psicologia da Religião no âmbito das ciências humanas é estudar os aspectos psicológicos
relacionados à experiência religiosa humana Ela não procura definir o que é a conduta religiosa, mas
sim como os significados desta conduta se dão no interior da estrutura psicológica. Psicologicamente,
a religião pode ser uma mola propulsora ou bloqueadora do desenvolvimento humano. Para uma
ciência que procura entender o homem na sua totalidade, excluir do pensar psicológico a dimensão
religiosa do ser humano, é deixar de avaliar e entender a real influência do desenvolvimento religioso
no funcionamento mental, na saúde e no tratamento psicológico. Neste sentido, o objetivo deste
trabalho foi analisar, fenomenologicamente, a experiência religiosa de católicos em sua relação com o
desenvolvimento pessoal. Para isso, foi utilizada uma abordagem qualitativa e, através de depoimentos
colhidos em entrevistas não diretivas ativas, realizou-se análises fenomenológicas. Foram
entrevistadas quatro pessoas, maiores de 18 anos, indicadas por líderes religiosos e consideradas, por
estes líderes, “católicas praticantes envolvidas”. O resultado deste estudo mostrou que a experiência
religiosa dos participantes está relacionada com o desenvolvimento pessoal. Esta relação ocorre num
sentido de mudanças subjetivas, particulares e singulares que trouxeram como conseqüência,
mudanças no comportamento dos entrevistados, os quais relataram sentir uma melhora na qualidade de
vida. Dessa maneira, podemos entender que a experiência religiosa proporcionou, para estes sujeitos,
crescimento pessoal.
Palavras-chave: Experiência Religiosa, Desenvolvimento Pessoal, Pesquisa Fenomenológica.
vi
ANTUNES, T.A. (2005). Catholic Religious Experience and Personal Development: a
phenomological study. Campinas-SP. Master’s Thesis.CCV. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas.
ABSTRACT
The Psychology of Religion within the area of Human Sciences aims at studying the psychological
aspects related to human religious experience. It does not seek to define religious behaviour but how
the meanings of such behaviour take place inside the psychological structure. Psychologically
speaking, religion can either trigger or block human development. For a science that seeks to
understand man as a whole, to exclude the religious dimension of the human being from the
psychological thinking is not to evaluate and understand the real influence of the religious
development in mental functioning, in health and in psychological treatment. In this aspect, the aim of
this study was to analyse phenomenologically the religious experience of Catholics in their
relationship with personal development. For this, a qualitative approach was used, and, through
statements collected in non-directive active interviews, phenomological analyses were made. Four
people over 18 were interviewed. They were indicated by religious leaders and considered by them
“practicing Catholics”. The result of the study showed that the participants’ religious experience is
related to personal development. Such a relationship occurs in subjective and specific changes that
resulted into the change of the behaviour of the subjects, who reported an improvement in life quality.
Thus, we can understand that the religious experience gave these subjects a personal development.
Key Words: Religious Experience, Personal Development, Phenomenological Research.
vii
SUMÁRIO
Conteúdo Página
Agradecimentos iv
Resumo v
Abstract Vi
Apresentação 01
PARTE I 04
Fundamentação Teórica e Pesquisas 05
Religião 05
Experiência Religiosa 07
Experiência religiosa e desenvolvimento pessoal 10
Cristianismo/ Catolicismo 12
Tipos de religiosidade 15
Tipos de adesão entre católicos 17
Desenvolvimento Psicológico e Religiosidade 18
Objetivo 21
PARTE II. 22
Método 23
Colaboradores 25
Instrumento 25
Procedimento 26
Forma de análise dos resultados. 27
PARTE III 30
Apresentação André 31
Apresentação Maria. 32
Apresentação Fátima 33
Apresentação Dona Neuza. 34
Análise André 35
Análise Maria 43
Análise Fátima 53
Análise Dona Neuza 61
Resumo geral dos depoimentos 70
Análise geral dos depoimentos 75
Discussão dos resultados 81
Considerações Finais 88
viii
Referências Bibliográficas 90
Anexos 94
Termo de consentimento livre e esclarecido 95
Ficha de dados pessoais. 96
Tabela de pontuação escrita 97
Entrevista André. 98
Entrevista Maria. 109
Entrevista Fátima 122
Entrevista Dona Neuza 132
1
APRESENTAÇÃO
“Psicologicamente, a religião pode ser uma mola propulsora ou
bloqueadora do desenvolvimento humano. Para uma ciência que
procura entender o homem na sua totalidade, excluir do pensar
psicológico a dimensão religiosa do ser humano, é deixar de avaliar e
entender a real influência do desenvolvimento religioso no
funcionamento mental, na saúde e no tratamento psicológico” (Linares,
2001, p.112).
O parágrafo a cima refere-se aos estudos de Linares sobre o significado da
experiência religiosa na vida das pessoas (dissertação de mestrado realizado na PUC-
Campinas em 2001). Tal autora apontou em seu trabalho, a questão da influência religiosa
sobre o desenvolvimento psicológico. Para alcançar seus objetivos, a pesquisadora entrevistou
quatro pessoas de religiões diferentes e fez uma análise fenomenológica sobre os depoimentos
colhidos. De maneira semelhante, o presente estudo teve como objetivo fazer uma análise da
influência da experiência religiosa no desenvolvimento pessoal. Diferente de Linares, porém,
este estudo enfatizou apenas o catolicismo enquanto experiência religiosa. A escolha pela
religião católica deu-se em função do grande número de adeptos no Brasil e também por
opção da pesquisadora em aprofundar seus conhecimentos sobre esta religião em especial.
Em relação à justificativa pessoal para pesquisar sobre tal assunto, é necessário
relatar que, apesar da autora não ter tido nenhum tipo de experiência religiosa marcante, as
questões ligadas ao desenvolvimento espiritual humano sempre a instigaram no sentido de
querer compreender como a religião atua no desenvolvimento pessoal ou psicológico de quem
a vivência. Tal interesse vem desde a graduação em psicologia, quando pode observar através
de seus estudos o grande envolvimento da religiosidade no comportamento humano.
Infelizmente, este assunto não pode ser aprofundado durante a faculdade por questões
curriculares, no entanto, isso não foi motivo para que a autora deixasse de estudar tal tema.
2
Visando o ingresso na pós-graduação, a pesquisadora entrou em contato, na PUC-Campinas,
com um grupo de pesquisa que tem como um dos focos de interesse, a Psicologia da Religião
e, isso despertou, novamente, seu interesse pelo assunto.
A pesquisadora acredita também na grande relevância social e científica do tema,
principalmente para os profissionais das áreas de ciências humanas, uma vez que, não
podemos pensar no homem como ser completo sem levar em consideração seu aspecto
religioso.
Benkö em seus estudos, afirma que “Deus não é objeto de investigação
estritamente científica, porém, ressalta que toda vivência religiosa, envolve um ser humano e
como experiência humana, pode ser objeto de investigação científica” (Benkö, 1981, p.14).
Tendo tal afirmação como pressuposto, a autora considerou a investigação da experiência
religiosa em relação ao desenvolvimento pessoal bastante pertinente, uma vez que, se tratou
de analisar uma experiência humana num contexto específico de vida, ou seja, em seu aspecto
religioso.
Atualmente o fenômeno religioso continua sendo objeto de pesquisas em vários
campos da ciência. Para Paiva, “o fenômeno religioso é objeto legítimo e fecundo da
investigação psicológica” (Paiva,1989, p.25). Este autor em 1986 fez um levantamento da
literatura internacional sobre estudos psicológicos envolvendo religião, e encontrou 2827
pesquisas sobre o tema. Assim também fez Amatuzzi (1998), ao apresentar um levantamento
para o período de 1991 a 1997, encontrando 2043 referências sobre o tema “religião”. Cabe
ressaltar, no entanto, que atualmente as pesquisas sobre Psicologia e Religião estão
concentradas, na sua grande maioria, em periódicos internacionais, sendo poucos os estudos,
nessa área, no Brasil (Valle, 1998). Além disso, se examinarmos com atenção os currículos
dos cursos de Psicologia, salvo algumas exceções, não encontraremos nenhuma disciplina
3
denominada Psicologia Religiosa, em que se pudesse acolher e estudar essa dimensão da vida
humana (Giovanetti, 1999).
Neste sentido, se faz extremamente necessário a elaboração de mais pesquisas
sobre o tema “Psicologia e Religião” de acordo com a realidade brasileira.
Esta pesquisa visou contribuir para uma maior compreensão sobre a influência da
experiência religiosa católica no desenvolvimento pessoal, tendo como pano de fundo, uma
visão sobre o catolicismo, que é religião predominante no Brasil. A autora acredita que, este
estudo pode contribuir para um maior conhecimento em relação ao tema e também para o
avanço das pesquisas nas áreas da Sociologia, Psicologia, Ciência da Religião e Teologia.
Este estudo foi dividido em cinco capítulos. No primeiro, consta a fundamentação
teórica na qual é possível encontrar um levantamento bibliográfico sobre o assunto abordado.
No segundo capítulo, encontra-se a metodologia utilizada neste estudo, ou seja, a
caracterização dos sujeitos entrevistados para a coleta de dados através da entrevista diretiva
ativa. No terceiro capítulo foi colocada a apresentação e análise dos depoimentos.
A síntese e análise geral dos depoimentos, bem como a discussão dos resultados
estão no quarto capítulo. No quinto capítulo constam as referências bibliográficas e os anexos.
4
PARTE I
5
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PESQUISAS
A tarefa da Psicologia da Religião no âmbito das ciências humanas é estudar a
origem e a natureza da mente religiosa humana. Ela não procura definir o que é a conduta
religiosa, e sim por que, e como alguns fenômenos religiosos se dão no interno da estrutura
psicológica de um sujeito. A Psicologia da Religião, portanto, não se preocupa com o teor
filosófico ou teológico do religioso enquanto tal; indaga isto sim, sobre a estrutura psicológica
que está por trás das formas de vivência e experiência religiosa. Assim como a sociologia e a
antropologia da religião tomam como seu objeto próprio, respectivamente, a estrutura e a
dinâmica social e antropológica da religião, “a psicologia da religião vê como sua tarefa
descrever e explicar psicologicamente a estrutura e a dinâmica do agir religioso do ser
humano” (Valle, 1998, p.51).
Religião:
O conceito de religião é algo muito abrangente. Diversos autores propuseram
diferentes definições para o tema, mas nenhum foi tido como completo para que fosse
encerrada a busca pela melhor definição (Valle, 1998). Tal variedade de conceitos nos revela
a amplitude do tema e conseqüentemente, a dificuldade de se chegar a um acordo sobre este
assunto. Para tentar organizar melhor estes conceitos, Clark citado por Valle (1998), reuniu
em 1958, cerca de quarenta e oito definições psicológicas sobre o que seria a religião.
Valle (1998) faz uma interessante diferenciação sobre “religiosidade”, enquanto
experiência subjetiva, e “religião”, que seria sua matriz instituída. Para o autor, as funções
psicológicas e socioculturais das duas não são idênticas, mas se completam. Este diz ainda
que, são inúmeros os autores que se preocupam com o problema de definir o religioso, ou
seja, aquilo em que se baseia a “religião”, como forma comunitária institucionalizada, e a
6
“religiosidade” como forma individualizada.
Para Amatuzzi (1999) a palavra religião tem dois sentidos: o primeiro está
relacionado a Deus, sendo que para ser considerada uma pessoa religiosa é necessário que esta
tenha fé em Deus. O segundo sentido é mais global, ou seja, ser religioso é estar ligado de
maneira completa a tudo, numa totalidade; é estar re-ligado a uma fonte, ou ter feito assim
uma releitura do mundo, compreendendo e vivendo seu significado mais radical, mesmo que
o significado “Deus” não se faça explicitamente presente.
Já Vergotte (2001), define a religião, do ponto de vista psicológico, como a
manifestação de um elo afetivo dos homens religiosos com sua divindade. O fator psicológico
que anima esse elo não é o desejo de auto-conservação e nem o desejo de bem-estar
psicológico. Essas duas formas de desejo não conduzem à divindade, mas à religião como
meio, o que é o contrário da verdadeira relação religiosa.
Para Willwoll, o ato religioso em sua plena maturidade “é um envolver-se da alma
espiritual, com a totalidade de suas disposições com Deus, como supremo valor
transcendente e operante na sua vida, ante o qual a alma se situa em atitudes, que
mutuamente se exigem e se completam de distância, de respeito e de amor que deseja a
união” (citado por Benkö, 1981, p.16).
Nesta pesquisa, a autora não trabalhou com o fenômeno religioso em geral, mas
com uma experiência bem específica, a de ser católico. Dentre as diversas religiões que
existem hoje no mundo, uma das mais praticadas, na América Latina, é a cristã. E dentre as
diversas denominações cristãs, a que mais se liga à história brasileira é a católica. Neste
sentido, a pesquisadora estudou, mais especificamente, a experiência de ser católico romano,
isso quer dizer que a autora não lidou com a religião católica em si (religião no sentido
objetivo), mas sim com a experiência pessoal de ser um católico (religião no sentido subjetivo
e enquanto relacionada com o catolicismo).
7
Experiência Religiosa:
Do ponto de vista etimológico, o vocábulo “experiência” tem vários significados,
nascidos mais do cotidiano do que da especulação. A palavra “experiência” vem do grego
“empeiria”, matriz de “empírico” e de “empirismo”. Por essa via passou ao latim
experientia”, donde o nosso vocabulário português “experiência” (Valle, 1998).
São muitos os sentidos que o senso comum atribui à palavra “experiência”. Em
seu significado mais básico, refere-se à apreensão direta empírica da realidade pelo sujeito.
Seria um modo imediato de saber que, antecede ao ajuizamento reflexivo do objeto aprendido
(Valle, 1998). Neste sentido, o termo experiência, de maneira geral, está relacionado a um
conhecimento imediato.
Para Paul Tillich, “a experiência religiosa dá-se na experiência geral; sendo
assim, as diversas modalidades de experiência podem ser diferenciadas, mas não separadas
(citado por Croatto, 2001, p.44), sendo que o que muda é a relação com o sagrado ou com o
mistério.
Valle (1998), em seu livro “Psicologia e Experiência Religiosa”, utilizou o
vocábulo alemão “erlebnis” para explicar o que seria, para ele, a experiência religiosa. A
palavra “Erlebnis” significa “experiência”, e é utilizada pelos alemães sempre que a
experiência está no sentido de algo “fundo”, vivenciado desde “dentro” e dotado de um
sentido ou valor evidente em si para o sujeito. Esta palavra traz em si um sentido de
emocionalidade e é traduzida nos dicionários por vivência. Neste sentido, a ênfase está mais
na vivência da pessoa, do que naquilo que lhe é ensinado ou aprendido a partir de fora, ou
seja, pelos sentidos fisiológicos ou pressões sociais. O presente estudo tomou o termo
“experiência religiosa” de maneira semelhante à definição de Valle, no entanto, cabe ressaltar
que tal tema pode ser compreendido de diferentes maneiras. Pode-se entende-lo como uma
experiência única, extremamente significativa na vida de um indivíduo, uma experiência
8
marcante em um determinado momento de sua vida que pode, ou não, trazer como
conseqüência, mudanças em diversos aspectos do modo de viver da pessoa. Uma outra forma
de se entender a expressão “experiência religiosa”, de maneira geral, é pensando nos valores,
conceitos, tradições e costumes transmitidos ao indivíduo pela religião a qual este pertence. A
experiência religiosa, agora num sentido mais geral, se daria, então, de acordo com a vivência
do sujeito dentro do grupo religioso. E é neste sentido que a pesquisadora procurou trabalhar a
experiência religiosa católica, isto é, a experiência religiosa de uma pessoa que se identificou
com a igreja católica. Ou seja, entendeu-se a experiência religiosa católica, nesta pesquisa,
como se referindo ao conjunto de significados que foram se formando no indivíduo pelo fato
dele ter se encontrado com a tradição religiosa cristã na sua modalidade católica romana, e ter
se inserido nela, vivenciando sua religiosidade nesse contexto.
Para que se possa conhecer um pouco mais a noção de experiência religiosa, é
necessário explorar outros aspectos que podem estar implicados na experiência pessoal
católica.
Baseando-se no pensamento de Buber, Amatuzzi apresenta a experiência religiosa
como uma experiência que se dá na vida cotidiana, que tem por objetivo o transcendente, o
divino. Segundo Amatuzzi (1998), a experiência religiosa é “algo que não pertence ao plano
das idéias, e diante da grandeza do experienciado, a pessoa se sente como nublada,
infinitamente pequena e entregue” (p.59). Esta experiência, pois, repercute diariamente na
vida da pessoa abrindo para a mesma um mundo inteiramente novo, o qual ela pode aceitar ou
rejeitar. Também Meslin (1992), procura discutir a Experiência Religiosa não apenas como
uma prova sofrida pelo sujeito, mas também como algo procurado pelo sujeito, a partir da
imitação voluntária de um modelo” (p.91). Sua tentativa é de não reduzir a experiência
religiosa a uma atitude passiva, mas salientar o aspecto dinâmico que envolve a procura do
homem pelo divino. Todos os conceitos citados pelos autores, também se aplicam a
9
experiência religiosa católica.
Em seu artigo titulado “Experiência religiosa: busca de uma definição”, Amatuzzi
(1998) procurou diferenciar “experiência religiosa” e “conhecimento religioso”. Suas
reflexões propõem que ao usar o termo “experiência”, normalmente deseja-se designar “não
qualquer conhecimento, mas aquele obtido na prática, na lida concreta com objetivos
particulares, e não nos livros ou no mero exercício dedutivo da razão raciocinante” (p.53). E
a partir daí, o termo “experiência” pode ser usado para designar o conhecimento que existe na
relação com o objeto, que faz parte desta relação e que lhe constitui a consciência imediata.
Enquanto tal inclui dois aspectos: consciência do contato com o religioso, e consciência de
significados aí contidos. Pode-se dizer que a experiência é um conhecimento imediato, e ao
mesmo tempo transporta um conhecimento tácito. Isto é diferente de uma dedução intelectual,
embora possa originar uma reflexão ou uma elaboração posterior (Amatuzzi, 1998).
Essas considerações de Amatuzzi orientaram a pesquisadora na leitura dos
depoimentos que foram colhidos: trata-se de ler neles, mais a experiência vivida de ser
católico do que o conhecimento explícito desta religião.
De maneira geral, Amatuzzi (1998), sugere que na Experiência Religiosa, há uma
consciência da relação com o objeto divino, transcendente, e não um conhecimento imediato
ou direto desse objeto, pois o divino sempre conserva sua face oculta. Assim, a Experiência
Religiosa está relacionada a um conhecimento extremamente pessoal, decorrente da própria
maneira de lidar com o divino. Também Otto (1981), explica que a experiência religiosa é
caracterizada pelo contato com algo exterior ao sujeito, o qual se pressente de certo modo e
que não se pode desenvolver plenamente em conceitos, sendo necessário observar a reação
especial que, este contato provoca em seu sentimento.
Em um outro trabalho, Amatuzzi (2001) faz uma diferenciação entre vivência
religiosa e experiência religiosa. Para o autor, vivência religiosa “é tudo aquilo que o
10
indivíduo pode contar a respeito de seus movimentos no campo religioso, independentemente
de qual seja sua posição religiosa” (p.31). Já a experiência religiosa, “seria uma experiência
particular, pessoal, de percepção de uma nova dimensão de realidade, da qual lhe advém seu
sentido último e global; experiência de contato (vivido como real embora indireto) com um
pólo absoluto de referência do sentido último de todas as coisas (freqüentemente denominado
Deus)” (p.31). Vale destacar novamente, que nessa maneira de conceituar, aquilo que neste
estudo foi chamado de experiência religiosa católica se aproxima mais do que Amatuzzi
chama, neste texto, de vivência religiosa.
Experiência religiosa e desenvolvimento pessoal:
Nesta mesma linha de estudo, Hill e Butter (1995) apontam a variável religião
como extremamente construtiva e útil para o estudo do comportamento. Os numerosos
estudos sobre religião e saúde mental ou bem-estar psicológico, em sua maioria, sugerem um
impacto positivo da religião sobre a saúde mental do individuo. Ignorar a religião como uma
fonte de conhecimento já é coisa do passado e embora a Psicologia não interaja com a religião
como parceria, estes autores argumentam que o estudo científico da religião pelos
profissionais de psicologia, se encontra atualmente bem vivo e produtivo.
Em seus estudos sobre o significado da experiência religiosa na vida das pessoas,
Linares (2001), observa que o próprio fato dos sujeitos estarem ligados a uma determinada
prática religiosa, já deixa transparecer que existe um modelo a seguir, e que no dia-a-dia
assumem posturas intimamente relacionadas a esse modelo. Ela também verificou que na
maioria das religiões estudadas, os depoimentos apontaram para um crescimento pessoal
contínuo e um despertar para as necessidades do outro, num processo constante de integração
do mundano com o transcendente.
Observa-se que os estudos de Linares (2001) corroboram com os achados de Hill
11
e Butter (1995) quando dizem que tanto a vivência religiosa como as práticas do
comportamento saudável são entidades de multi-facetas, cada uma envolvendo uma grande
variedade de crenças contraditórias, valores, atitudes e comportamentos. Linares destaca ainda
que pontuar a vivência religiosa como um fator significativo para a vida humana, não exclui o
que alguns estudos apontam como efeito nocivo da religião, nem desconhecem as
características de personalidade dos indivíduos que a experimentam.
Outro autor de grande importância no que se refere à Psicologia da Religião foi
W. James. Para este autor, a religiosidade não é sempre algo sadio e construtivo em termos de
concretude pragmática. Como médico e ex-professor de fisiologia, afirma que “existem
anomalias neurofisiológicas e patologias psíquicas que se evidenciam com facilidade em
ambientes e em personalidades religiosas”. Utilizando uma terminologia de sua época, James
distingue e descreve cuidadosamente dois tipos de religiosidade: a doentia (“sick soul”) e a
saudável (“healthy minded”). O autor prefere não concentrar sua atenção em portadores de
disfunções cerebrais ou comportamentais, e sim nos sadios, inaugurando dessa forma uma
tradição nova que marca os estudos psicológicos da religião até hoje. Por mais que possa
assumir variedades aberrantes (que James também descreve com fino senso de observação), a
religião é um fenômeno humano universal de valência psicológica e cultural positiva (James
1982 citado por Valle 1998 p. 78).
Buber citado por Amatuzzi (1998) em seus estudos sobre religiosidade questiona
se um conceito de Deus ajuda ou prejudica a experiência religiosa, ou seja, se uma apreensão
intelectual do divino prejudica necessariamente a relação religiosa concreta. Sua conclusão é a
seguinte:
“tudo depende da medida em que esse conceito de Deus possa fazer justiça
à realidade por ele indicada, fazer-lhe justiça enquanto realidade. Quanto
mais abstrato for o conceito, tanto mais requererá ser equilibrado pela
experiência viva com qual está intimamente ligado, e isso é mais do que
12
estar concatenado com um sistema intelectual” (p.60).
Esse mesmo autor, sempre pensando com Buber, coloca também como
características negativas da experiência religiosa, que esta não se confunde com a magia, nem
com a gnose, e nem com a subjetivação da fé, uma vez que, esses três conceitos correspondem
a atitudes não religiosas.
Através dos diversos conceitos propostos pelos autores, pode-se pensar que a
experiência religiosa, de maneira geral, é mentalmente saudável para seus praticantes.
O Cristianismo/ Catolicismo
O Cristianismo teve início com o ministério de Jesus de Nazaré. Depois de sua
morte, seus discípulos proclamaram que ele fora exaltado e estava vivo junto a Deus
(ressurreição e ascensão). Assim para os crisos, Jesus é a intervenção pessoal de Deus
(Browker, 2000).
Jesus de Nazaré foi um judeu que proclamou ser o filho de Deus, ou o messias
prometido no Antigo Testamento. Sua vida foi marcada por pregações e ensinamentos
baseados nas escrituras judaicas, mas segundo Gaarder (2001) logo ficou claro que Ele estava
formulando uma doutrina independente, pois com freqüência dizia: “# vós aprendestes o que
foi dito a vossos antepassados # Eu, porém, vos digo #”. O fato de Jesus chamar-se a si
mesmo de Filho de Deus, indica que este se considerava um ser divino. Segundo os
evangelhos, Jesus relacionava a idéia de Filho do Homem com as profecias de Isaías sobre o
“servo sofredor”, que ao assumir o sofrimento para si, haveria de restaurar o relacionamento
deteriorado entre Javé (Deus) e seu povo (Gaarder, 2001).
Após sua morte, seus discípulos continuaram a divulgar e levar seus ensinamentos
para as mais variadas partes do mundo. Foi dessa maneira que “nasceu” a religião Cristã,
tendo como base o Judaísmo e se diferenciado deste por acreditar em Jesus como sendo o
13
messias enviado por Deus (Küng, 2004).
Segundo o Dicionário Bíblico Mackenzie,(1983) o termo “Cristão” não é uma
palavra do tempo de Jesus. Esta começou a ser usada somente alguns poucos anos depois de
sua morte. O cristianismo antes, era chamado de “o caminho”, e os cristãos de “seguidores do
caminho”, (Bíblia de Jerusalém, 2003, por exemplo, Atos9, 2; 19,9-23; 22,4; 24,14,22). De
acordo com referido dicionário, esse uso não aparece em outra parte e não possui precedente
conhecido. Deve refletir uma indicação particular e provavelmente local. Parece ser uma
abreviação de ‘o caminho de Deus’ ou ‘o caminho do Senhor’. Demonstra que a primitiva
concepção cristã da fé é mais do que uma série de proposições de ensinamentos ou de um
código de princípios morais: era à vontade revelada de Deus que opera na história mediante
Jesus Cristo e guia da vida humana. O cristianismo é mais do que uma fé, é uma maneira de
viver.
Para Küng (2004), Cristão é todo aquele que, em seu desenvolvimento espiritual,
tenta se orientar pelo exemplo de vida de Jesus. Portanto nenhuma organização, instituição ou
igreja pode honestamente considerar-se cristã se não toma Jesus como referência.
O Cristianismo hoje está dividido em muitas comunidades eclesiais, com
diferentes organizações, doutrinas, ordens e atitudes sociais. Pode-se dizer que a igreja cristã
permaneceu única e indivisa até 1054, quando se dividiu em duas, católica e ortodoxa.
Durante o século XVI ocorreu a Reforma Protestante, na qual diversas comunidades da Igreja
se levantaram em protesto contra certos aspectos da doutrina e da prática da igreja católica.
Como conseqüência, houve novas divisões dentro do Cristianismo (Gaarder, 2001; Küng,
2004).
A igreja católica romana é a maior de todas as igrejas. Existem cerca de um
bilhão de cristãos no mundo. Aproximadamente metade deles permanece no catolicismo.
Sendo uma das organizações mundiais mais fortes e mais rigidamente estruturadas, a igreja
14
católica é governada por leis estabelecidas com precisão. Sua hierarquia, composta pelo papa,
bispos e padres, possui grande autoridade sobre a camada inferior, os leigos (Gaarder, 2001).
É importante destacar que desde a década de 1960 a igreja católica vem passando por
uma vibrante renovação. O papa João XXIII foi, em parte, o inspirador desse movimento,
quando em 1962 organizou um encontro geral dos bispos, ou concílio, no Vaticano. Esse
encontro recebeu o nome de Concílio do Vaticano II e durou de 1962 a 1965. Até antes deste
concílio, a igreja ocidental permaneceu essencialmente da maneira como se configurou na alta
Idade Média, e somente após o término do mesmo é que se conseguiu modificar ou reorientar
alguns conceitos até então enraizados (Küng, 2004).
O concílio do Vaticano II teve importância para a igreja católica no sentido de
reorientar a igreja para o evangelho, restaurar a colegialidade da igreja antiga (o bispo de
Roma, o papa, é um dos membros do colégio episcopal, e atua com primazia, mas em
comunhão com este colégio) e restaurar a unidade da igreja de Cristo, dilacerada por causa do
absolutismo papal. O autor Kans Küng, faz algumas críticas em relação às reformas propostas
pela igreja: os resultados do Concílio, deste ponto de vista, “foram modestos, pois a reforma
do papado e da cúria romana não pode nem sequer ser discutida, limitando-se, portanto, a
uma modificação cosmética” (Küng, 2004, p.237).
Os resultados do Concílio foram publicados em diversos livros e servem como
orientação para a educação cristão-católica. Dentre os materiais considerados pelo Vaticano
como “legítimos”, está o “Catecismo da Igreja Católica”, publicado em português no ano de
1993. Neste livro, os fieis podem encontrar toda a doutrina e diretrizes pastorais da igreja.
Para compreender melhor a religião católica e a maneira como esta considera o
desenvolvimento pessoal de seus fieis, é preciso compreender suas diretrizes, portanto o livro
“Catecismo da Igreja Católica” (CIC) foi tomado como referência para esta parte do trabalho
no que se refere aos padrões do que pode ser considerado católico.
15
A atitude dos católicos em relação a sua igreja, só pode ser compreendida se for
tomada em consideração a firme convicção resultante da fé na divindade de Cristo. Essa
atitude é baseada nas promessas de Jesus, sendo que a sua segurança é tão forte como a
autoridade sobre a qual a Igreja fundamenta-se (Brantl, 1964).
Viver a experiência religiosa é, para o católico, o meio de se ter uma “relação”
com o divino, ou seja, a experiência religiosa seria uma forma “concreta” de se alcançar Deus
(Brantl, 1964). A igreja pontua que a realização dos sete sacramentos é fundamental para
aquele que deseja viver a experiência religiosa de maneira completa. (Brantl, 1964). Segundo
os ensinamentos católicos, os sacramentos são rituais administrados por um padre ou bispo
(eventualmente por um diácono ou mesmo um cristão leigo), que tem um caráter de sinal
visível de uma realidade divina. Esses ritos se espalham pelos momentos mais importantes da
vida, dando a eles uma nova dimensão de acordo com a fé religiosa.
Tipos de religiosidade:
Gordon W. Allport foi um dos “mais eminentes nomes da Psicologia
mundial do século XX” (Valle, 1998, p.86). Este autor foi um destaque
nos estudos psicológicos da personalidade e da conduta humana,
incluída a questão da religiosidade. Toda descrição allportiana da
religiosidade é uma espécie de corolário de sua visão global da
personalidade, no entanto, o autor se preocupou em explicitá-la e em
assinalar aquilo que a torna um comportamento distinto dos demais
(Valle, 1998).
A Allport interessava entender a religiosidade que não se detém no que é
extrínseco (superficial). Sua atenção estava mais voltada para seu caráter profundo e
intrínseco, só que sempre usando um minucioso e bem-documentado modo de falar
16
psicológico. Ainda segundo Allport, “a religiosidade intrínseca, sendo a experiência pessoal
de um valor supremo, de próprio direito, é um sentimento que flui da vida como um todo,
com suas motivações e seu sentido. Em contraste, a religiosidade extrínseca é estritamente de
utilidade para o self enquanto lhe oferece garantia de segurança, posição social, consolação e
endosso do caminho de vida que a pessoa já escolheu” (Allport citado por Valle, 1998, p. 94).
Quanto às características da religiosidade Intrínseca e Extrínseca, Allport (citado
por Valle, 1998, p.270) faz a seguinte comparação:
Religiosidade Intrínseca Religiosidade Extrínseca
Devoção; forte compromisso pessoal;
universalista; ética; amor ao próximo.
Religião de conveniência; surgimento em momentos de
crise e necessidade.
Altruísta, humanitária, não-egocêntrica. Etnocêntrica, exclusivista, fechada grupalmente.
Influencia a vida diária e lhe dá sentido Não se integra no cotidiano.
A fé possui importância central; é
aceita sem reservas; o credo é seguido
inteiramente.
Fé e crenças são superficiais; as crenças sofrem uma
seleção subjetiva.
A fé tem um significado último: é um
bem final, um valor supremo; uma
resposta última.
Utilitária; sem visar outras finalidades; a serviço de
outras necessidades pessoais e sociais.
As pessoas são vistas como indivíduos. Vê as pessoas em termos de categorias de sexo, idade
e status.
Auto-estima elevada Auto-estima baixa ou confusa.
Vê Deus como amoroso e misericordioso. Deus é visto como duro e punitivo.
Aberta a experiências religiosas intensas;vê
positivamente a morte. Sentimentos de poder.
Visão negativa da morte; sentimentos de impotência e
de controle externo.
De maneira resumida (citado por Valle, 1998, p. 267):
9 Religiosidade intrínseca: “A fé como um valor supremo com validade própria,
orientada para a unificação do ser. A pessoa toma a sério o mandamento da fraternidade e
busca transceder todas as necessidades auto-centradas”.
9 Religiosidade extrínseca: “É uma religião estritamente utilitarística; é útil ao
self por lhe oferecer segurança, prestígio social, consolo e confirmação da orientação de vida
já assumida”.
17
Tipos de adesão entre católicos:
A partir de conversas e reflexões da autora com grupos de católicos, esta
conseguiu formular o que seria, para este estudo, um “católico praticante” e um “católico não
praticante”.
Numa definição bem genérica, católico seria a pessoa que adere aos rituais
(sacramentos), à disciplina (normas morais) e à doutrina (dogmas) da igreja católica. No
entanto, para se pensar em uma diferenciação entre “católico praticante” e “católico não
praticante”, deve-se ultrapassar essa caracterização genérica. De fato, o “católico não-
praticante” é aquele que se denomina católico, mas que não freqüenta regularmente os
sacramentos da igreja (ritos), não segue as normas morais ou disciplinares da religião, e se dá
a liberdade de não aceitar todas as doutrinas. Este seria o que se pode chamar, de “católico de
rótulo”, ou seja, é o indivíduo que precisa de um rótulo religioso por algum motivo em
particular.
Dentre os “católicos praticantes”, também se pode encontrar os “praticantes de
rótulo”, superficiais, ou como denominou Allport, religiosos “extrínsecos”. Estes seriam
aqueles que freqüentam os ritos (no caso, principalmente a missa dominical), sem se
preocuparem em compreendê-lo ou em aprofundar seu entendimento; visam apenas cumprir
com uma obrigação religiosa. Podem, além disso, seguir as normas morais ou disciplinares da
igreja, mas o fazem como se submetendo as imposições, sem crítica, usando estas normas
apenas como uma espécie de tranqüilizador moral.
A partir dessas reflexões, seria mais correto conceituar o verdadeiramente
religioso, o “praticante envolvido” ou o religioso intrínseco (segundo Allport), como aquele
que participa ativamente das atividades religiosas (ritos, disciplina e doutrina) com convicção
e com uma compreensão refletida que se aprofunda cada vez mais. Cabe realçar, que
convicção e compreensão vão além da simples adesão externa, pois supõem um envolvimento
maior.
Em suas observações, a autora também pôde perceber que o praticante superficial
manifesta uma prática mais rígida do que o praticante envolvido, e isto exatamente porque o
primeiro não tem reflexão ou crítica em relação a sua própria religiosidade, o que gera uma
atitude mecânica, por assim dizer, de cumprimento de rituais religiosos.
Para estudo, a autora utilizou os tipos de religiosidade propostos por Allport
Denominando assim os religiosos intrínsecos por “católicos praticantes envolvidos” e os
religiosos extrínsecos por “católicos praticantes superficiais”.
18
Desenvolvimento Psicológico e Religiosidade
Sendo a Psicologia uma ciência que, estuda o Homem em suas relações consigo
mesmo e com o mundo que o cerca, não se pode deixar de pensar sobre como esta ciência
compreende o desenvolvimento psicológico ou crescimento pessoal. Alguns autores
elaboraram teorias para descrever como este processo ocorre.
Carl Rogers enfatizou em sua teoria, a importância de se levar em consideração o
desenvolvimento pessoal de seus clientes. Em seu livro “Tornar-se Pessoa”, Rogers (2001)
propõe a utilização da relação terapêutica para promover tal desenvolvimento.
Também Jung, foi um dos primeiros psicólogos a elaborar uma teoria sobre
desenvolvimento psicológico do adulto. Seus dados são baseados principalmente em seu
trabalho clínico e em sua teoria psicológica. (citado por Goldstein, 1993).
Neste estudo, considerou-se desenvolvimento pessoal, todo o movimento interno
da pessoa no sentido de promover maior bem estar psíquico. Assim sendo, pode-se dizer que
uma pessoa obteve um desenvolvimento pessoal, à medida que esta caminha para uma
maturidade emocional que lhe trará conseqüentemente novos comportamentos e um maior
bem estar em relação aos aspectos emocionais de sua vida.
Para autores como Goldstein (1993), não se pode falar de desenvolvimento
psicológico sem mencionar a questão da religiosidade. Neste sentido, pode-se pensar numa
forte relação entre crescimento pessoal e religião, não apenas no que se refere ao
desenvolvimento biológico, uma vez que, pesquisas apontam para um aumento da
religiosidade proporcionalmente ao avanço da idade cronológica (Moberg, 1965 citado por
Goldstein, 1993), mas também no que se refere ao desenvolvimento emocional e espiritual.
Segundo os estudos de Amatuzzi (2001) sobre desenvolvimento religioso, pode-se
concluir que a presença do religioso, psicologicamente falando, é passível de efeitos pessoais
contraditórios: ela pode ser promotora ou bloqueadora de desenvolvimento humano. Isso
19
dependerá tanto da qualidade desse religioso como da função psicológica com a qual ele
surge.
Um grande contribuidor para a Psicologia do Desenvolvimento, foi Maslow.
Segundo Goldstein (1993), Maslow realizou um estudo sobre as características de pessoas
psicologicamente saudáveis e auto-realizadas. Seus resultados mostraram que as pessoas
consideradas auto-realizadas eram aquelas que, em geral, tinham entre outras características,
conseguido resolver as questões de caráter filosófico e religioso que permeiam a existência
humana, além disso, partilhavam ainda de um senso de experiência mística.
Alfred Adler escreveu apenas um artigo no qual discute diretamente o tema
Psicologia e Religião. Embora não tenha se dedicado tanto a esta área, diversos autores têm
usado sua teoria da Psicologia Individual e o seu conceito de interesse social como ponto de
ligação entre desenvolvimento e religião. Adler afirma que a energia primária, (tão efetiva em
estabelecer os objetivos religiosos), foi a do sentimento social que torna os seres humanos mais
próximos uns dos outros e deve ser vista como uma herança da evolução, como resultado do impulso
pelo anseio evolutivo” (Adler, 1987, citado por Goldstin, 1993 p.89).
Existe, na visão de muitos autores, um paralelismo entre o pensamento moral e o
pensamento religioso. Kohlberg e Power (1981) argumentam que o desenvolvimento moral
pertence a um domínio separado do religioso. Ele acredita, entretanto, que existe um
desenvolvimento paralelo das estruturas do raciocínio moral e religioso. Alcançar uma
determinada estrutura do raciocínio moral é condição necessária, mas não suficiente para
alcançar uma estrutura religiosa paralela. Segundo estes autores, a função ética do
pensamento religioso é dar suporte às estruturas do raciocínio moral que se desenvolvem com
certa independência das estruturas religiosas.
Fowler (1980), teólogo e estudioso do desenvolvimento humano, baseou sua
teoria na análise de entrevistas realizadas ao longo de sete anos, com cerca de 400 pessoas.
Embora a teoria de Fowler adote o modelo de desenvolvimento formal-estrutural proposto por
20
Piaget e também por Kohlberg, ela difere na ênfase que coloca na afetividade, sentimentos e
imaginação. A fé, para Fowler, não envolve necessariamente os conceitos de religião e crença,
mas sim a maneira dinâmica de a pessoa dar significado à sua vida. Nota-se na teoria de
Fowler uma grande relação entre desenvolvimento psicológico e desenvolvimento
religioso/espiritual através do ciclo de vida. Também neste sentido, Viktor Frankl, psicólogo e
criador da “logoterapia”, coloca a importância de dar-se um significado a vida como meio de
resolução de conflitos psíquicos. Sua obra mais marcante neste assunto foi o livro “Em busca
de sentido”, no qual o autor relata sua experiência num campo de concentração nazista e os
meios que encontrou para sobreviver em uma situação precária como esta (Frankl, 2002).
Uma outra obra também bastante importante deste mesmo autor é o livro
intitulado “A Presença Ignorada de Deus”. Esta obra mostra como o ser humano não é tão-
somente movido por impulsos inconscientes, como afirmou Freud, mas também manifesta
uma espiritualidade inconsciente. Frankl comprova sua teoria, recorrendo à consciência moral
e à interpretação de sonhos e corrobora sua argumentação através de casos ocorridos em sua
própria prática terapêutica. Empiricamente o autor mostra como há no ser humano uma
religiosidade e uma relação com Deus em termos inconscientes. O autor define essa situação
como “a presença ignorada de Deus” (Frankl, 2003).
O que as teorias do desenvolvimento da religiosidade, da fé ou espiritualidade têm
em comum com as teorias do desenvolvimento psicológico, é o fato de que as primeiras
encaram o homem como sendo capaz de alcançar um estágio de desenvolvimento onde a
transcendência é o denominador comum (Goldstein, 1993).
Diferente da Psicologia que é uma ciência empírica, a religião católica entende
que o desenvolvimento do ser humano ocorre a partir do crescimento espiritual, sendo este,
portanto, um conceito religioso que transcende a abordagem estritamente científica.
21
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho foi analisar, fenomenologicamente, a experiência
religiosa de católicos em sua relação com o desenvolvimento pessoal através de depoimentos
colhidos em entrevistas.
22
PARTE II
.
23
MÉTODO
Cada uma das ciências humanas
pode estudar tanto a experiência religiosa como suas
múltiplas expressões.
O enfoque fenomenológico, contudo
é específico, distingue-se de todas as outras forma de
aproximação e, além disso, as enriquece”.
(José Severino Croatto, 2001)
A maneira pela qual se conduziu este estudo aponta, naturalmente, para a
utilização da abordagem qualitativa, que segundo González Rey (2002, p.73), visa “uma
análise acerca da realidade plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histórica,
que representa a subjetividade humana”.
Ainda segundo este mesmo autor, as construções qualitativas se convertem em
recursos indispensáveis para se entrar em uma zona de sentido oculta pela aparência, o que é o
caso da pesquisa relacionada à experiência religiosa e desenvolvimento pessoal. Esse
princípio tem diferentes repercussões na metodologia que se diferencia da maneira tradicional
de realização de pesquisas das ciências naturais; destaca-se o lugar ativo do pesquisador e do
sujeito pesquisado como produtores de pensamento.
Na pesquisa qualitativa, a preocupação com o processo é muito maior do que
com o produto, o interesse do pesquisador é verificar como e, de que maneira, o problema se
manifesta no cotidiano (Dencker, 2001). Neste estudo, mais especificadamente, em como a
experiência religiosa foi vivenciada pelo participante e, em quem sentido ela trouxe
crescimento pessoal.
Quanto á generalização na pesquisa qualitativa, esta têm caráter processual,
dinâmico e se define pela qualidade da construção teórica, visando o conhecimento dos
aspectos do assunto estudado, sendo que a preocupação é conceitual e não estatística. A
generalização é definida por Gonzalez Rey (2002) pela abrangência e pelo poder gerador na
24
produção de novas idéias. Este autor ressalta que ao considerar a generalização como
qualidade da construção teórica, os critérios de sua definição deixam de ser correlacionais, de
repetição ou de padronização. Por isso a individualidade é fonte legítima para a produção de
generalizações.
Neste sentido, a pesquisadora acredita que a metodologia qualitativa foi
extremamente útil na compreensão do objeto deste estudo que consiste na subjetividade do
sujeito. De acordo com Auhagen (2000, p.40), “o método de depoimentos pessoais baseados
na forma de respostas livre sustenta achados interessantes no tema do sentido da vida”.
A autora considera importante destacar que a pesquisa qualitativa possui
algumas tendências, e dentre elas interessa-lhe mais especificamente a fenomenológica.
Segundo Amatuzzi (2003), as pesquisas em ciências humanas chamadas de
fenomenológicas pretendem lidar com significados de experiências e trabalham com
desdobramento de sentidos, buscando o significado dos fenômenos para os humanos com eles
envolvidos. Esse tipo de pesquisa pretende dar conta do que acontece, pelo clareamento do
fenômeno. Não se pretende verificar, mas construir uma compreensão de algo se baseando
numa análise sistemática de registros de experiência.
A abordagem fenomenológica dispõe de mais de uma tendência, porém, para este
estudo, foi utilizada a tendência empírica (Amatuzzi, 1996), pois as conclusões foram,
principalmente, baseadas na análise dos depoimentos dos participantes.
A pesquisa fenomenológica é a pesquisa do vivido, portanto, este pode não ter
sido acessado antes. O “vivido” não é necessariamente “sabido” de antemão. È no ato da
relação pessoal, quando surge a oportunidade de dizê-lo, que é acessado. Dessa maneira,
pode-se dizer que a pesquisa fenomenológica não possui sujeitos que fornecem informações,
mas colaboradores que pensam juntos o assunto e o fazem com a novidade da primeira vez
(Amatuzzi, 2003).
25
COLABORADORES
Segundo Martinez, a escolha dos colaboradores de uma pesquisa depende da
natureza do conhecimento que se deseja alcançar, ou seja, dos objetivos do estudo. Segundo
este autor, para se conhecer a “estrutura ou sistema dinâmico (...), ou seja, a rede de relações
que configura um todo organizado como é o caso da maioria das estruturas psíquicas”
(Martinez, 1994, p.127) é necessário escolher casos típicos ou representativos, o que é
diferente do caso de uma amostra representativa quando queremos conhecer como se distribui
uma determinada característica na população. Tendo esta pesquisa um caráter
fenomenológico/exploratório, a amostra se constituiu de quatro pessoas “católicas praticantes
envolvidas” (conforme conceito discutido na fundamentação teórica) que foram indicadas por
líderes religiosos. Os participantes deveriam ter mais de 18 anos e poderiam ser de ambos os
sexos.
INSTRUMENTO
No que diz respeito aos procedimentos metodológicos, as pesquisas qualitativas
de campo, exploram, particularmente, as técnicas de observação e entrevistas devido à
propriedade com que esses instrumentos penetram na complexidade de um problema
(Richardson, 1999). Desta maneira, o instrumento utilizado neste estudo foi a entrevista não
diretiva ativa.
Este tipo de entrevista visa obter do entrevistado os aspectos mais relevantes de
sua experiência sobre algum tipo problema. Por meio de uma conversação guiada, pretende-se
obter conteúdos vivenciais que possam ser usados em uma análise qualitativa. Tal modelo de
entrevista procura saber, dentre outras coisas, como algo acontece, em lugar de determinar a
freqüência de certas ocorrências (Monteiro, 2003).
26
De maneira semelhante à Monteiro, também Mucchielli (1991, p.28) diz que a
entrevista não diretiva, como técnica qualitativa de coleta de dados, é o inverso do
questionário que se baseia em perguntas”. Esta primeira é aberta e centrada, ou seja, ela se
baseia não nas reações do entrevistado à perguntas precisas, mas na expressão livre de suas
idéias sobre um assunto. Para um entrevistador ser “não diretivo” “é preciso que este não
imponha nada ao entrevistado, mas obtenha dele expressões espontâneas, absolutamente não
devidas a induções vindas da situação do encontro ou de suas próprias atitudes,
comportamentos e reações no momento deste encontro” (Mucchielli, 1991, p.28).
Esta modalidade de entrevista tem como princípios gerais: não dirigir o
entrevistado, apenas mantê-lo interessado no que fala; levar o entrevistado a precisar,
desenvolver e aprofundar os pontos que coloca espontaneamente e facilitar o processo da
entrevista (Richardson, 1999 e Mucchielli, 1991).
Em todo encontro não diretivo, o entrevistador intervém não sobre o conteúdo,
mas sobre a organização do conteúdo daquilo que lhe é dito. Ele faz sínteses, contudo, não
fica passivo, ao contrário disso ele é ativo. É ativo, pois, deve apoiar sem cessar seu
interlocutor na reflexão. Para fazer bem isso, além da compreensão do conteúdo é necessário
“ser capaz de relacionar sempre a compreensão do que é dito com o objeto da entrevista”.
Isso quer dizer, portanto, que há análises a fazer e a devolver ao interlocutor durante a
entrevista (Mucchielli, 1991 p.31).
PROCEDIMENTO
Primeiramente foi realizado um contato inicial com líderes religiosos católicos,
com objetivo de estes indicarem possíveis participantes que tenham o perfil desejado
(“católicos praticantes envolvidos”).
A partir das indicações, foram escolhidas 4 que realmente tinham o perfil
27
desejado para este estudo.
Após a seleção dos participantes, foi agendado um horário e local (que foi
escolhido pelo colaborador) para a realização da entrevista.
No primeiro contato com os colaboradores, a pesquisadora esclareceu todo o
processo de pesquisa e, no caso de concordância, foi solicitada a assinatura do termo do
consentimento livre e esclarecido e autorização para gravação da entrevista em fita de áudio
para posterior análise (Anexo I).
Tendo compreendido e concordado com os procedimentos de pesquisa, o
colaborador foi solicitado a responder as perguntas da ficha de dados pessoais (anexo II) para
melhor organização dos dados pela pesquisadora. Somente após essa etapa de esclarecimento
e coleta de dados pessoais é que foi realizada a entrevista com o participante.
A entrevista foi aberta e ativa, tendo a seguinte pergunta como disparadora:
“Estou fazendo uma pesquisa sobre experiência religiosa e desenvolvimento/ crescimento
pessoal, o que você pode me contar sobre isso de acordo com a sua experiência?” O
entrevistado teve, aproximadamente, uma hora para a entrevista.
Segundo Amatuzzi, “uma entrevista que pretende captar a experiência vivida,
deve clarear para a pessoa entrevistada os significados mais originais de sua experiência,
não por imposição de estruturas de pensamento, mas por um retorno à origem propriamente
experiencial da vivencia, como que conferindo suas posteriores elaborações com essa
origem” (Amatuzzi, 1998, p.53).
Depois de serem gravadas em fitas de áudio, as entrevistas foram transcritas e
para isso foi utilizado um código escolhido pela pesquisadora (anexo III).
FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS
A análise das entrevistas foi de natureza fenomenológica e, neste sentido, foi
28
privilegiado o intencional ou vivido.
Os dados coletados durante a entrevista foram analisados, qualitativamente e,
portanto, seguiram um processo indutivo, ou seja, o pesquisador não se preocupou em buscar
evidências que comprovem hipóteses teóricas, no entanto, o fato de não existirem hipóteses
ou questões formuladas a priori não implicou na inexistência de um quadro teórico. O
desenvolvimento do estudo foi afunilando-se (no início houve questões ou focos de interesse
mais amplos, que no final foram se tornando mais diretos e específicos) (Dencker, 2001).
Inspirando-se em Forghieri (1993), Amatuzzi (1996), esquematizou seis passos
para efetuar a análise dos depoimentos. São eles:
1) leitura do todo do depoimento para entrar em contato com seu sentido global;
2) sublinhar as frases que expressam o vivido em relação ao objetivo da pesquisa;
3) transcrever o vivido de cada uma dessas frases levando-se em conta o conjunto
do depoimento;
4) confirmar com o sujeito que ofereceu o depoimento se essas transcrições estão
corretas e corrigir com ele o que for necessário;
5) fazer uma síntese articulando todos os elementos da experiência vivida;
6) se houver outros depoimentos, repetir o mesmo procedimento para cada um, e
compara-los em suas sínteses buscando invariantes, isto é, o que existe de comum, e as
variantes ou particularidades, isto é o que existe de próprio a cada um. Através disso se pode
formular uma estrutura do vivido, para além das particularidades de cada depoimento.
Para Amatuzzi (2003), depoimento é o nome que se convencionou dar as
manifestações quando são tomadas exatamente como apoio empírico para pesquisas. Desta
maneira, pode-se dizer que um depoimento é definido como um relato verbal, especialmente
escolhido para uma determinada pesquisa.
29
Sendo o presente estudo uma análise da experiência religiosa católica e sua
relação com o desenvolvimento pessoal, a autora considerou o método fenomenológico
empírico o meio mais adequado para efetuar tal percurso. Para isso, foram utilizados os
passos propostos por Forghieri e esquematizados por Amatuzzi com exceção do passo 4 que
consiste na confirmação da análise com o sujeito. Este passo foi excluído porque os
participantes não conseguiram responder a confirmação a tempo
Por se tratar de uma pesquisa orientada para a descoberta, pretendeu-se entrar em
contato com a realidade única vivida por cada participante para que se pudesse, a partir daí,
chegar a uma estrutura do vivido, ou a uma elaboração sobre a natureza do fenômeno.
30
PARTE III
31
Apresentação do depoimento de André
Esta foi a primeira entrevista realizada no dia 21 de fevereiro de 2005 as
13h30minh. O local foi escolhido pelo entrevistado, que sugeriu sua própria casa para
realização da entrevista.
O participante foi indicado por uma pessoa conhecida da entrevistadora que
participa semanalmente da comunidade católica.
A entrevista durou 50 minutos aproximadamente e só foi finalizada quando o
entrevistado disse que precisaria sair para trabalhar.
André tem aproximadamente 41 anos, é casado, tem dois filhos e trabalha numa
empresa multinacional como gerente de recursos humanos.
A entrevistadora começou com a pergunta disparadora (“estou fazendo um
trabalho sobre religião e crescimento pessoal, o que você pode me disser sobre isso de acordo
com a sua experiência?”) e permitiu que o entrevistado relatasse sua experiência religiosa.
Este começou falando sobre sua infância, família e sobre a questão religiosa dentro de sua
casa. Falou também sobre sua adolescência e dos envolvimentos amorosos que teve nesta
época de sua vida.
Quando estava com aproximadamente 20 anos, conheceu sua atual esposa a qual
participava da comunidade católica. Para conquistá-la, André começou a freqüentar a igreja e
dessa forma foi se aproximando cada vez mais da religião. André e a então namorada,
casaram-se aos 21 anos e passaram por algumas dificuldades financeiras que afetaram o
casamento no início. Afastaram-se da igreja durante um tempo e depois voltaram a freqüentar.
André relatou uma época em que teve uma promoção no emprego. Segundo ele,
houve uma mudança muito rápida na sua condição social e financeira, o que mexeu
profundamente com sua cabeça. Nesta época, seus filhos tiveram sérios problemas de saúde
32
(bronquite), e a partir disso, André começou a questionar muito sua vida religiosa e até
mesmo sua fé.
Nesta época, André e a esposa começaram a freqüentar grupos de casais dentro da
igreja católica. Essa experiência segundo o entrevistado foi muito positiva e acabou
despertando nele um antigo desejo: tocar bateria.
André relatou que sua experiência religiosa começou com a música e que muitas
mudanças aconteceram depois dessa experiência que o fizeram crescer enquanto pessoas.
Apresentação do depoimento de Maria
Esta foi a segunda entrevista realizada no dia 06 de abril de 2005 as
16h00minh. O local escolhido pela entrevistada foi uma sala de atendimento psicoterapeutico.
A entrevistada foi indicada por um padre da comunidade religiosa de um bairro em Campinas.
A entrevista teve duração de 1 hora e 15 minutos aproximadamente e foi
finalizada quando a entrevistada relatou não ter mais nada a contar sobre a sua experiência
religiosa.
Maria tem 26 anos, é solteira, não tem filhos e mora com os pais. É formada
em Pedagogia e trabalha numa escola pública com crianças do maternal.
A entrevista teve início com uma breve explicação sobre o trabalho e o pedido
de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Posteriormente, a entrevistadora
fez a pergunta disparadora: “estou fazendo um trabalho sobre religião e crescimento pessoal,
o que você pode me disser sobre isso de acordo com a sua experiência?”.
Maria começou a contar sobre sua experiência religiosa e como esta ocorreu ao
longo de sua vida. Iniciou falando sobre sua família e como era a questão religiosa em sua
casa. Relatou sentimentos de controvérsia entre os membros da família no que se refere às
orientações religiosas, bem como nas práticas estabelecidas pela igreja católica. Falou
33
também sobre seu interesse pela religião desde criança e sobre como conseguiu amadurecer
sua experiência religiosa até os 26 anos.
Durante sua adolescência, procurou participar de diversos grupos de jovens e
sempre sentiu uma grande preocupação no que se refere à vida religiosa de sua família,
desejando sempre manter a família unida dentro da igreja.
Segundo seu relato, seu desenvolvimento pessoal foi acontecendo junto com seu
desenvolvimento religioso, ou seja, Maria percebia que quanto mais se desenvolvia
espiritualmente, maior era o seu crescimento enquanto pessoa.
Ao final da entrevista, Maria disse que esta a ajudou a refletir sobre sua trajetória
na vida religiosa, bem como em sua vida pessoal. Relatou se sentir bastante a vontade para
falar sobre o assunto e se dispôs a colaborar mais com a pesquisadora caso fosse necessário.
Apresentação do depoimento de Fátima
Esta foi a terceira entrevista realizada no dia 29 de maio de 2005 as
10h00minh. O local escolhido pela entrevistada foi sua própria casa. Fátima foi indicada por
um dos membros de uma comunidade religiosa de Campinas.
A entrevista teve duração de 1 hora aproximadamente e foi finalizada quando a
entrevista relatou não ter mais nada a contar sobre a sua experiência religiosa.
Fátima tem 40 anos, é casada, tem 2 filhos e mora com o marido e os filhos.
Sua formação é em Farmácia, mas atualmente não esta exercendo sua profissão. Fátima
trabalha atualmente em casa cuidando dos filhos e também realiza trabalhos com crianças na
comunidade religiosa a qual pertence.
A entrevista teve início com uma breve explicação sobre o trabalho e o pedido de
assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Posteriormente, a entrevistadora fez
a pergunta disparadora: “estou fazendo um trabalho sobre religião e crescimento pessoal, o
que você pode me dizer sobre isso de acordo com a sua experiência?”.
Fátima iniciou me contando sobre sua história de vida familiar e sobre sua busca
pela espiritualidade. Segundo seu relato, a família e principalmente a mãe, tiveram certa
influência na sua experiência religiosa, pois cada membro da família tinha um ponto de vista
34
diferente sobre questões de religião. Fátima sentiu-se mais atraída pela religiosidade mística e
oriental da mãe, e foi a partir desta influência que ela iniciou sua busca por um crescimento
espiritual.
Fátima não relatou sua experiência religiosa relacionando-a com sua idade
cronológica preferindo relatar sua experiência como um processo de amadurecimento que foi
acontecendo ao longo de sua vida.
Algumas de suas colocações durante a entrevista mostraram que Fátima ainda está
em processo de crescimento pessoal e que sua experiência religiosa é a base para que este
desenvolvimento continue acontecendo.
Ao final da entrevista, pude observar que a experiência religiosa de Fátima está
relacionada com seu esforço para ser uma pessoa mais madura, ou seja, ela realmente entende
a religiosidade como um caminho para seu desenvolvimento pessoal.
Apresentação do depoimento de Dona Neuza
Esta entrevista foi realizada no dia 29 de junho de 2005 as 10h30minh. O local
escolhido pela entrevistada foi sua própria casa. D.Neuza foi indicada por um padre de uma
igreja católica de Campinas.
D.Neuza tem 75 anos, é casada, tem dois filhos também casados e mora com o
marido. Seu grau de instrução é o 1
O
grau incompleto (até a 4
O
. série do ensino fundamental).
Durante toda sua vida, trabalhou como vendedora, e agora que esta aposentada dá aulas de
pintura, além de cuidar da casa.
A entrevista teve duração de 1 hora aproximadamente e foi finalizada quando a
entrevistada relatou não ter mais tempo para continuar a falar sobre suas experiências
religiosas.
D.Neuza a princípio, sentiu um pouco de dificuldade em compreender o que eu
estava querendo saber, e por conta disso, pediu para eu não gravar a entrevista logo de início.
Aceitei o pedido da entrevistada e resolvi explicar, mas detalhadamente, o que eu realmente
estava precisando saber com aquela entrevista e, somente depois de ter certeza de que a
entrevistada havia de fato entendido meus objetivos, é que dei início a gravação (com
autorização de D.Neuza).
A entrevista com Dona Neuza começou com o relato de sua história vida. Percebi
que houve uma necessidade, por parte da entrevistada, em descrever alguns aspectos de sua
vida antes de falar sobre sua experiência religiosa. A maior parte da entrevista é marcada por
35
esse relato da história de vida e somente ao final do depoimento é que Dona Neuza falou
sobre sua experiência religiosa e a relação/ compreensão que ele faz com seu crescimento
pessoal.
Acredito que embora Dona Neuza tenha ‘utilizado’ a maior parte da entrevista
para contar sua história de vida, seu depoimento sobre sua experiência religiosa foi
demasiadamente rico e suficiente para uma boa analise do assunto.
Análise do depoimento de André (A)
Vivencia familiar na infância e juventude:
Ao pensar sobre sua infância e adolescência, André enfatiza sua família e as
influências que recebeu dos pais sobre conduta de vida. Podemos compreender que tais
opiniões foram significativas para seu comportamento durante a adolescência, pois sentia que
deveria seguir as orientações dos pais com relação à maneira de se relacionar com as pessoas.
“# os pais, tentam posicionar para o filho alguma coisa no sentido religioso”.
Em relação a sua espiritualidade, André sente que a essência ou nascimento de sua
religiosidade surgiu dentro da sua família e, que esta ultima, foi responsável por transmitir os
primeiros ensinamentos religiosos. Sente esta questão como algo muito importante, mesmo
que posteriormente tenha questionado muitos aspectos da vida religiosa dos pais, em termos
de raízes, ele sente que sua família foi quem lhe transmitiu as primeiras experiências
religiosas.
“# a questão religiosa nasce dentro da sua casa, de uma forma ou de outra”.
Ao contar sobre a religiosidade dos pais, André critica a forma de vivencia
religiosa de sua família, sentindo-a, muitas vezes, como algo superficial e inconsistente.
“# e os meus pais, eles se diziam ser católicos. Mas assim..., dentro da minha casa,
eu nunca vi o catolicismo #”.
Enquanto criança sentia certa ambigüidade entre a educação recebida em casa e os
ensinamentos da igreja. Relata que a família lhe transmitia certos valores que não coincidiam
com os recebidos na igreja, e que isso o fazia se sentir confuso quanto a sua religiosidade. “#
e ai começa a dar uma confusão#”. Neste sentido, podemos entender que a experiência
religiosa infantil de André, descrita por ele como confusa, mostra na verdade um sentimento
de insegurança quanto aos valores de vida que foram recebidos. Ele sentia que seus
referenciais de conduta de vida (família e igreja) não coincidiam entre si, pois de um lado
recebia os ensinamentos oficiais da igreja (tais como aprendeu por ocasião da primeira
36
comunhão), e de outro havia as orientações dos pais sobre se divertir, aproveitar a vida,
namorar sem compromissos. “# quando você faz a primeira comunhão, aquilo te dá certa
concepção sobre a religião, e por outro lado, seus pais dizem outra coisa para você, coisas
que não batem com a religião”.
Observamos que André não possuía uma orientação de vida coerente em um
momento importante de sua vida, ou seja, na infância, fase na qual os valores são
normalmente transmitidos. Neste sentido, podemos compreender as origens dos sentimentos
de insegurança que acompanharam André durante sua infância, adolescência e até mesmo na
fase adulta. Como resultado, observa-se que André sente necessidade, enquanto adulto, de ser
coerente com aquilo que fala, ou seja, não basta se dizer católico como os pais, é preciso
praticar a religião no seu dia a dia. “# eu chego aqui para você de uma forma e amanhã você
me encontra na rua e eu estou de uma maneira totalmente diferente, você vai desacreditar em
mim, vai dizer: esse cara não é católico nada! Então são as tuas ações que passam para a
pessoa essa confiança. Não adianta nada eu vir aqui discutir com você, falar alguma coisa e
sair daqui e não praticar aquilo que eu disse, #”.
André justifica sua vida amorosa passada, solta e sem compromissos, pela
influência de opinião dos pais. À luz do que ele pensa hoje, entende que essas influências não
foram positivas para seu desenvolvimento espiritual. Observamos também que, hoje André
tem outra compreensão sobre o que seria ‘aproveitar a vida’, indo contra os argumentos dos
pais, para os quais, ele deveria ‘aproveitar a vida’ sem responsabilidades e sem compromissos
afetivos. Essa nova compreensão de relacionamentos demonstra mudanças em sua conduta de
vida e também em seu desenvolvimento enquanto pessoa.
“# sempre fui muito influenciado pelos meus pais, nós sempre ouvíamos assim:
que o homem precisa se divertir”, # namorar uma hoje, namorar uma outra amanhã. O
homem tinha que casar bem mais tarde, tinha que aproveitar a vida #”.
Embora se sentisse em conflito com relação a sua orientação de vida, André
continuou mantendo os comportamentos que lhe foram transmitidos pelos pais até conhecer a
namorada, que posteriormente veio a se tornar sua esposa. André a sentia como uma pessoa
muito religiosa, diferente das mulheres com quem já havia se relacionado. Seus sentimentos
por ela, o fizeram retomar algo que estava perdido ou esquecido dentro de si mesmo, e isso ia
contra o conceito de ‘aproveitar’ a vida colocado pelos pais. “# até o dia em que eu conheci a
minha esposa. Ela era # diferente, ela vivia dentro da igreja, e ai eu me apaixonei por ela #”.
Novamente observamos que André entra em conflito sobre seus valores, mas desta vez, o
sentimento de paixão pela namorada, o ajudou a refletir sobre essa situação.
37
André fala sobre o início do namoro e relata que foi para conquistar a esposa que
ele foi se aproximando e conhecendo mais a vida religiosa. Ele entende que foram os
sentimentos pela esposa que o fizeram se aproximar da vida religiosa e conseqüentemente
desenvolver sua espiritualidade a partir das atividades da igreja. “# e com aquela ânsia de
conquistá-la, eu passei a freqüentar os locais que ela freqüentava, e aos poucos # eu fui me
interessando pelas atividades”.
Ao se referir à esposa, observa-se que André tem um sentimento de admiração por
esta, principalmente no que se refere a aspectos da vida religiosa. Podemos entender aqui, que
André se sentiu apaixonado por esta mulher e, ao perceber que ela tinha atitudes e
comportamentos diferentes das demais mulheres com quem ele havia se envolvido, algo
mudou em relação a sua concepção de relacionamento afetivo. “# ela dava aulas de
catequese, participava de grupo de jovens, tinha determinados compromissos religiosos que
eu passei a admirar #”. André passou a valorizar o modo de vida da namorada e a se envolver
cada vez mais com este estilo de vida, o qual, segundo seu relato, o fez crescer enquanto
pessoa. “# e isso foi me levando assim como um hábito religioso”.
À medida que foi conhecendo e se envolvendo com o estilo de vida da namorada,
André passou a sentir uma profunda admiração por pessoas que viviam a religião católica
como parte efetiva de suas vidas. André compara o relacionamento que teve com outras
mulheres com o namoro que teve com sua atual esposa, e isso o fez perceber a diferença de
atitudes e valores de mulheres que não vivem a religião no seu dia a dia de outra que tinha a
religiosidade como parte concreta de sua vida. Observamos que, embora André tenha citado
os relacionamentos com outras mulheres como exemplo, pode-se perceber que ele, na
verdade, considera sua própria orientação de vida na infância como exemplo de uma
religiosidade superficial.
“# eu já tinha contato com outras mulheres #”, você percebe nitidamente a
sutileza das ações, a sutileza do conversar, de uma pessoa que realmente considera a religião
como parte da sua vida, de uma outra, # que usa a religião como rótulo .”
Experiência matrimonial:
Ao falar sobre o início de seu casamento, André lembra de uma época em que ele
e a esposa se afastaram da igreja por motivos de desentendimentos dentro da comunidade
religiosa. André considerou a decisão de se afastar da igreja uma atitude saudável, e isso,
segundo seu depoimento, o ajudou a refletir e a entender melhor algumas de sua atitudes
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dentro da comunidade, o que proporcionou um amadurecimento quanto a seus
relacionamentos interpessoais dentro da igreja. De maneira ampla, podemos pensar que André
encontrou um meio para lidar com questões de relacionamento interpessoal.
Casamos..., nos afastamos de religião, voltamos [para a igreja]..., quer dizer...,
tudo isso é normal!
André sente que ele, diferente da esposa (a qual teve uma orientação religiosa
desde a infância), ao se afastar da igreja, não conseguiu manter as orientações que lá havia
aprendido. André acredita que a esposa foi capaz de continuar mantendo os ensinamentos
católicos mesmo estando afastada da igreja, por esta ter tido uma orientação religiosa mais
direcionada. Percebia que a mulher tinha uma maneira diferente de lidar com os problemas
cotidianos, e segundo a concepção de André, isso se deve a prática dos ensinamentos
católicos por parte da mulher. Tais percepções foram ajudando André em seu
desenvolvimento pessoal, pois foi através dessas percepções que ele pode avaliar sua
orientação de vida.
# a minha mulher #, mesmo estando afastada da igreja #, ter uma percepção [em
relação às coisas da igreja] diferente de como lidar com as situações, e ai entra a influência
da religião, de acreditar naquilo que o catolicismo prega” # “algumas coisas..., ela sabia
conduzir muito bem..., os problemas..., #”.
André sentia que era importante estar próximo de pessoas religiosas para poder
receber influências destas pessoas. Assim como foi influenciado pelos pais durante sua
adolescência, poderia ser agora influenciado positivamente pelas pessoas da igreja Ele sentia
uma necessidade de receber influencias coerentes em relação a religião (o que aconteceu na
infância) para poder se desenvolver nesta questão.
“# a oportunidade de estar perto de pessoas que te transmitem segurança em
relação aos aspectos religiosos...,é isso que começa a motivar você cada vez mais a se
dedicar a uma vida religiosa”.
Dificuldades emocionais e religiosas:
Em um determinado momento de sua vida, André passou por uma experiência de
questionamento em relação a sua fé. “# comecei a fazer vários questionamentos...,” # eu
passei a jogar os problemas para Deus e pensava: “Será que Deus gosta disso”? Porque
Deus deixa acontecer isso?
39
Este foi um período, segundo seu relato, em que sua vida profissional estava em
ascendência e que os ganhos materiais passaram a ter muita importância para ele. “# eu tive
uma mudança de status muito grande, muito rápido. Com 28 anos eu era gerente, passei ter
um trabalho melhor, ganhava mais”. André justifica que, suas duvidas em relação a
religiosidade, foram causadas pelo excesso de trabalho e também pelo apego que passou a ter
a coisas materiais. Sentia que, embora estivesse crescendo profissionalmente, estava se
afastando cada vez mais de sua família e também de Deus, o que acabou prejudicando seu
desenvolvimento espiritual. “# eu passei não ligar muito pra religião”. Ele se sentiu confuso
com essa situação “#, e isso tudo mexeu muito com a minha cabeça #” e por isso passou a
questionar a Deus.
André relata que esta foi uma fase difícil de sua vida, no entanto, ressalta que esta
foi uma experiência importante para o seu crescimento pessoal, pois mesmo se sentindo
confuso, ele foi capaz de refletir sobre o que estava acontecendo em sua vida naquele
momento. ‘# foi uma época muito dolorosa..., comecei ter dificuldades no casamento, #
questionava Deus #”.
André passou a sentir que o excesso de trabalho e o ganho de mais dinheiro eram
incompatíveis com a vida religiosa que pretendia ter. Ele não conseguia lidar com o lado
espiritual e material ao mesmo tempo.
Após refletir sobre sua situação, André decidiu se desapegar de coisas materiais e
dedicar mais tempo para sua família e para Deus. Sentiu que ao colocar a religião e a família
como prioridades em sua vida, algo mudou dentro dele mesmo. André dá alguns exemplos de
como era apegado a coisas materiais e como tudo isso passou a não ter mais tanta importância
na sua vida depois da experiência religiosa. Passou a sentir mais segurança em relação às
pessoas que estavam próximas e essas o faziam se sentir seguro em relação a religião.
“# a partir do momento que eu me desliguei de coisas materiais, que essas
coisas não iriam mais fazer parte da minha vida, que eu não iria mais dar tanta importância,
as coisas começam a mudar#”.
Vivencia Religiosa:
Ao longo de sua história, André relata como foi o início de sua experiência com
Deus e como esta experiência o ajudou em seu crescimento pessoal.
André explica que tudo começou a partir de um antigo desejo de tocar bateria
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“# mas o que me fez ficar mais assim próximo..., passar a acreditar
profundamente na presença de Deus na vida, foi quando eu comecei a tocar [instrumento].
Eu sempre quis aprender a tocar bateria, e eu não tinha oportunidade #”.
Segundo André, foi através do instrumento que se deu a sua relação com o
transcendente, ou seja, André sentia que ao tocar bateria na igreja, ele estava tendo uma
ligação direta com Deus, ou seja, estava exercitando sua religiosidade.
Esta vivencia de André, mostra que o instrumento musical foi o elo entre ele e o
divino, possibilitando assim, um acesso concreto à sua religiosidade. André não teve a
religião como conseqüência da vontade de aprender música, mas o oposto disso, ele tinha a
religião como foco e a música como forma de expressa-la. Isso fica bem claro quando ele
disse que ele e sua família são músicos católicos e não apenas músicos. “# E aquilo ali então
começou a fazer parte da minha vida. Meus filhos passaram a aprender música também, e
hoje somos músicos católicos!”
André sente que sua relação com Deus necessita de atitudes concretas para ter
sentido em sua vida, e explica que além de tocar bateria, uma outra forma de exercitar sua
relação com o divino, seria servindo ao próximo, pois desta, maneira estaria também servindo
a Deus. André sente que não basta apenas praticar os rituais estabelecidos pela religião
católica, para ele, o crescimento pessoal ultrapassa os limites da igreja. André explica que em
sua vida, os rituais são importantes para fortalecer a relação com Deus, mas não são
suficientes para gerar um encontro espiritual com o transcendente.
“Para mim, dedicar a Deus é servir a Deus. Como é que eu vou servir a Deus?
Não é dentro de uma igreja, ir a igreja, é muito mais para você fortalecer a fé, #, servir a
Deus é dedicar tempo para servir o próximo, tocar para Deus # e servir a Deus é servir ao
próximo, #. Você pode ir à igreja todo dia..., não significa nada”.
Com relação a sua conduta de vida, André explica que utiliza a Bíblia (livro
sagrado do Cristianismo) para se orientar em momentos de dúvidas. Ele encontra na Bíblia,
diretrizes para sua vida, e esta serve como um guia de crescimento pessoal, uma vez que, é
nela que ele encontra as respostas para suas questões existenciais.
“# uma vez você realizando aquilo que está escrito na bíblia, seguindo os 10
mandamentos, # é um caminho para alcançar a salvação”.
Conseqüências da experiência religiosa para vida:
André conta que depois de sua experiência religiosa, ele passou a enxergar muitas
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situações de sua vida de maneira diferente. Relata, por exemplo, que sentimentos como falta
de paciência e intolerância, foram aos poucos diminuindo “# depois você começa a ficar mais
paciente #”.
André sente como se sua experiência religiosa lhe tivesse proporcionado uma
releitura de seus sentimentos, fazendo-o amadurecer quanto a sua intolerância para com seus
filhos e a ter uma outra compreensão quanto ao que seria realmente importante em sua vida.
Passou a se preocupar com a imagem que estaria transmitindo para seus filhos e resolveu
mudar alguns comportamentos. “# olha a minha influência na cabeça dos meus filhos #”, e
passou também a se preocupar com algumas atitudes que estava tendo em relação a si
mesmo, e como conseqüência, deixou de dar tanta importância para algumas coisas que
foram consideradas por ele como ‘bobas’. “Porque nada podia estar fora do lugar, # eles [os
filhos] perdiam certo tempo com coisas bobas #”.
André também sentiu que sua maneira de se relacionar e até mesmo de enxergar
a esposa mudou depois da experiência religiosa. “# e também o meu relacionamento com a
minha mulher, eu passei a enxergá-la não somente como uma esposa, mas como uma coisa
muito mais pura#”.
Ele sente a esposa, não somente como a mulher com quem estabeleceu um
contrato matrimonial, mas passou a enxergá-la através daquilo que primeiramente os uniu,
ou seja, o sentimento de amor. Passou a senti-la como sua companheira, não se importando
com as conseqüências físicas que irão mudar em seu corpo por conseqüência do tempo. “#
hoje eu sei que do lado da minha mulher eu vou ver estrias, que ela vai engordar porque teve
filhos. Então o gosto é diferente! #”. Neste sentido, observamos que André desenvolveu e
modificou sua percepção em relação aos sentimentos pela família.
No que se refere a sua vida profissional, André conta que sua experiência
religiosa o ajudou a se relacionar de maneira diferente em seu ambiente de trabalho. Relatou
que passou a enxergar sua equipe de trabalho com outros olhos, procurando compreender
questões do seu dia a dia no trabalho numa dimensão mais humana do que simplesmente
profissional. Neste sentido, podemos entender que André teve um crescimento quanto a sua
sensibilidade para lidar com questões que antes o faziam olhar apenas para o lado
profissional do problema, deixando, muitas vezes, de considerar o lado humano da questão.
“# e no meu trabalho eu senti uma diferença muito grande! # você começa a ter
mais habilidade para tratar essas pessoas, desses assuntos ligados a pessoas, por que ai você
não esta só no âmbito profissional, está no âmbito mais humano, aquele âmbito de contato,
entende mais a vida, você consegue se colocar mais no lugar daquele profissional#”.
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André fala também, de como a religião o ajuda a controlar alguns
comportamentos no seu dia a dia, como a questão da fidelidade à mulher e à família. Podemos
supor que para André conseguir controlar alguns comportamentos é algo muito difícil, e para
isso ele precisa da ajuda de Deus. André sente que a religião pode ajudá-lo a ter um maior
controle de seus próprios sentimentos e comportamentos, pois como já havia dito
anteriormente, a religião serve como um guia para sua vida.
“# se você não quer que os males da vida te atinjam..., não faça algumas coisas”.
# se eu sei que tudo isso vai me prejudicar, porque que eu vou atrás disso? Se eu sei que algo
vai me deixar com a consciência pesada, porque eu vou atrás disso #”.
Observamos que André encontrou na experiência religiosa, um sentido para evitar
fazer certas coisas que o poderão prejudicar futuramente. Sente que a religião o ajuda a ter
autocontrole sobre sentimentos e comportamentos.
Crescimento pessoal a partir da experiência religiosa:
Quando fala de crescimento pessoal, André sente que a dedicação de momentos
de sua vida para Deus faz com que ele amadureça enquanto pessoa, ou seja, há um
crescimento pessoal, um crescimento subjetivo. “Bom, a partir do momento que você começa
a dedicar parte da sua vida para Deus, você tem crescimento pessoal”. “# Você cresce como
pessoa #.”
“# mas eu te digo que o salto maior que eu tive foi o desapego. Passei a servir
mais [a Deus], dedicar tempo da minha vida, de colocar na agenda..., e dizer: nesse horário
aqui vou me dedicar a Deus”. Pode-se observar aqui uma necessidade concreta de ter um
horário para o exercício da espiritualidade. Sente que necessita da religiosidade no seu
cotidiano.
Neste parágrafo, podemos entender que André não se permite envolver demais
com coisas materiais, sente que Deus pode ajudá-lo, no entanto, ele precisa ter
responsabilidades com aquilo que ganha de Deus, como o dinheiro, por exemplo. “# O
dinheiro é uma conseqüência. Ele não vai vir em cima daquilo que você faz. # agora esse
dinheiro que você vai ganhar, # Vai fazer o que com ele, né?”
Quando a entrevistadora pergunta a André se ele conseguiria encontrar uma
palavra para definir sua experiência religiosa, este responde: “Espírito Santo”, e diz que não
vai explicar porque escolheu essa palavra. Tal atitude demonstra que ele sente que sua
espiritualidade não pode ser descrita em palavras, que esta é extremamente subjetiva e
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particular, sendo difícil explicá-la. Ele se limita a dizer o que o fez crescer enquanto pessoa, e
sente que foi o ‘Espírito de Deus’ quem proporcionou esta experiência, mas não deseja
explicá-la, pois sente que é particular.
“Uma palavra?...., Vou dizer duas palavras, mas não vou te responder nada:
“Espírito Santo”!”
André deixa claro em seus depoimentos, que seu crescimento pessoal aconteceu
através de mudanças na sua maneira de lidar com as pessoas e também na maneira de lidar
com alguns problemas do seu dia a dia que não dizem respeito apenas a área pessoal. Sentiu
que seu crescimento pessoal ocorreu na mudança de percepção em relação ao mundo de uma
maneira geral. Sentiu que cresceu enquanto pessoa a medida que mudou sua relação com as
pessoas que o cercam. Além disso, sentiu que seu desenvolvimento pessoal ocorreu quando
passou a sentir seu mundo de uma maneira mais humana. “Para mim crescimento pessoal é
uma série de coisas.”
Observa-se que neste contexto, que houve uma mudança de sentido em relação a
maneira de enxergar a vida, ou seja, houve uma transformação em seu interior que o fez sentir
e entender o mundo de maneira diferente. Tal transformação é tão intensa, que ele consegue
senti-la fisicamente. “A religião permite um crescimento interior, um crescimento de
sentimentos, uma mudança de sentimentos, de se colocar no lugar do outro, de entender um
pouco mais a vida, de entender as dificuldades que a vida proporciona, #” e também ao
mesmo tempo, te dá sabedoria para saber como lidar com as situações. “# eu sinto isso todos
os dias!”
Observamos que de uma maneira geral, André teve um crescimento interno que
proporcionou mudanças de significado para sua vida, o que gerou conseqüentemente,
mudanças de comportamentos que foram percebidos por outras pessoas.
Análise do depoimento de Maria (M)
Ao iniciar seu relato sobre experiência religiosa, M. se expressa da seguinte
forma: “Bom...,é uma longa história”. Já nesta primeira expressão, observo que a entrevistada
procura preparar-me para ouvir um relato que tomou um tempo significativo de sua vida.
Sua história começa a partir da religiosidade familiar e neste aspecto, podemos
observar que M. sentia a religião como algo importante no contexto familiar. “Minha família
sempre foi muito religiosa” e, mesmo os pais não pertencendo a mesma religião antes de se
casarem, Maria relata que a espiritualidade, de maneira geral, era vivenciada em sua casa,
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principalmente, por parte dos parentes maternos que eram católicos e com os quais ela se
sentia mais próxima. “# eu sou mais ligada com a família da minha mãe que tem esse lado
[religioso] bem forte #”. Essa religiosidade sentida por M. como ‘forte’, foi também para ela
muito contraditória, pois, ao mesmo tempo em que observava os pais e avós maternos
realizando alguns rituais e práticas da Igreja católica, ela também observava que algumas
vezes esses rituais pareciam não ter tanta importância para família, principalmente se, para
realizar tais rituais, eles precisassem deixar de trabalhar por algum período “# por exemplo,
semana santa, o que a Igreja diz é que não se trabalha na sexta #, mas eles estavam sempre
trabalhando. De raiz, a religião era importante..., mas muita coisa não era o mais
importante, era uma coisa mais formal”.
Maria procura compreender as atitudes dos familiares e explica que tal
comportamento tem origem numa história de vida cheia de restrições econômicas que
acabaram gerando uma grande preocupação quanto ao trabalho. È importante observar aqui
que, embora M. compreenda as atitudes dos avós, ela muitas vezes estranha tal
comportamento, chegando a ficar confusa sobre sua própria idéia de religião. “# era esquisito,
minha avó tem muita fé # mas assim..., tradicional, e dependendo da situação, no caso do
trabalho, por exemplo, isso era mais importante. Talvez pela própria história de vida deles #
então trabalho era trabalho, sempre em primeiro lugar, mesmo que não precisasse de
dinheiro”.
Em relação aos parentes paternos M. relata que não tinha um contato direto com
os avós, e que a única forma que encontrava de ficar próxima à eles era indo à igreja
evangélica freqüentada pela avó “as vezes quando eu era pequena, eu acabava indo com
minha avó para a igreja, ficava na escolinha dominical # era tão pouco que eu ficava com a
minha avó que eu acabava ficando, #”. Observa-se neste relato, que M. somente freqüentava
a igreja escolhida pela avó porque esta era a única oportunidade que tinha de ficar próxima da
mesma. Nesta época, M. ainda não compreendia muitas coisas da vida religiosa porque era
criança e, dessa maneira, acabava freqüentando diferentes templos religiosos para
acompanhar a família. “Eu não entendia porque eu ficava ali # não entendia direito # eu não
via aquilo como religião, pra mim aquilo era um lugar, não entendia..., e eu acabava vivendo
assim #”.
Esses sentimentos em relação à religiosidade familiar encontram-se presente em
todo depoimento de Maria e, sobre este aspecto, podemos pensar que de alguma maneira tais
sentimentos tiveram influência na experiência religiosa e também no desenvolvimento pessoal
de Maria.
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A entrevistada se recorda de uma situação em sua vida (estava com
aproximadamente sete anos) em que começou a freqüentar retiros religiosos junto com sua
família. Ela considera esta, uma fase muito importante, pois, sentiu que neste período, sua
família estava bastante unida na religião católica, o que significava para M. um
direcionamento religioso único, ou seja, uma orientação religiosa mais direcionada, o que é
fundamental para uma criança de sete anos. “# foi uma fase muito boa de vida que eu tive, a
nossa unidade de família estava na religião, não só a unidade, mas também o equilíbrio. Foi
uma fase muito diferente, muito!”. Além da união familiar M. começou a sentir que havia
uma relação entre bem-estar na família e práticas da religião, principalmente quando o pai
deixou de ser alcoólatra por causa da ajuda da igreja. “a gente já estava na religião, mas neste
momento a gente começou a viver melhor, é como se fala né? Praticante! # Meu pai era
alcoólatra, então esse período depois [quando o pai deixou de ser alcoólatra] foi muito
gostoso, foi uma fase boa que a gente esteve unidos na igreja #’. Observa-se que M. sentiu
que a união religiosa lhe proporcionou maior bem-estar familiar, além disso, a igreja também
significava para ela, uma oportunidade de conhecer e se relacionar com pessoas novas, pois,
segundo seu relato, ela não tinha contato com outras pessoas fora da sua família, o que a fazia
se sentir excluída do contato com outras crianças.“ # a gente não tinha muita amizade # fora
da família não tinha amigos, era difícil ter # eu estudava mas não fazia educação física por
que era de manhã, e de manhã eu trabalhava com minha mãe, e por isso e não tinha contato
com as crianças, sabe com amigos? Pessoas da mesma idade? Eu não tinha, não podia ir à
casa de ninguém, ninguém vinha em casa # e foi na igreja que eu comecei a me envolver com
outras pessoas”. Dessa maneira podemos entender que para M a igreja representava a sua
vida social, pois, era lá que ela se relacionava com outras crianças, realizava trabalhos,
organizava e participava de festas, o que a deixava muito feliz. “# foi uma fase boa que a
gente esteve unidos na igreja, levando pessoas, # se envolvendo # e se doando # ajudando os
outros, # então era uma festa!, ia todo mundo junto #, os momentos de festa na igreja era
momento de festa realmente #, era uma alegria verdadeira #”. Neste contexto podemos
pensar que a atividade social, proposta pela igreja, teve influência no desenvolvimento
pessoal de Maria.
Após esse período, que durou aproximadamente dois anos, M. passou por uma
fase bastante difícil em relação a sua família. A entrevistada começou a perceber que os
interesses particulares dos familiares passaram a serem outros que não mais os interesses
religiosos. Seu irmão e seu pai começaram a praticar corrida de kart, e este esporte passou a
exigir tempo e dedicação que antes eram destinados a igreja. Maria começou a sentir que o
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afastamento do pai e do irmão acabou causando uma ruptura na unidade familiar, que foi
sentida por ela como um abandono do pai em relação à família. “Meu irmão começou a correr
de kart e começou a competir # como meu pai também gostava, começou a separar a família.
#. Então primeiro: separou a família, segundo: eles ficavam só nisso, e era direto treino, #
então afastou bastante a família # eu senti assim # foi mudando totalmente a família, além de
afastar da religião, das coisas da igreja e principalmente de Deus. Então foi uma ruptura de
tudo quanto é lado.” Como já havia mencionado anteriormente, M. fazia relações entre a
igreja e a união familiar, dessa forma, é possível entender que ao sentir o afastamento do pai
e do irmão na igreja, M. automaticamente relacionou este fato com um afastamento familiar, o
que gerou nela um sentimento de magoa muito profundo em relação ao pai. “Acabam ficando
as magoas # do lado da minha mãe, meu também # e do lado de lá, [referindo-se ao pai e
irmão] eu senti um gelo #, porque afastava #”. É interessante observar que embora M. não se
sentisse bem com tal situação, ela não questionava nada em sua família, o que fazia era
apenas dizer aos pais que não gostava de praticar corrida de kart. Segundo sua compreensão
enquanto adulta, M. relata que muitas vezes optava por não brigar com os pais e com o irmão
para não precisar se revoltar com a própria família, ou seja, ela optava por se calar para não
precisar ficar contra seus familiares. “Eu lembro que eu vivia falando: pai eu não gosto de
correr, # eu só via que aquilo era minha obrigação e aceitava, não questionava nada. Hoje
eu sei que eu não eu tinha consciência na época. Eu usava isso como subterfúgio, acabava
arrumando uma desculpa pra mim mesma para não me revoltar com aquela situação. Mas
isso pensando hoje, eu sentia muita falta do meu pai, minha mãe, minha irmã, meu irmão.”
Enquanto adulta M. também é capaz de compreender melhor algumas situações que passou
durante a infância (crescimento pessoal), isso fica claro em seu depoimento principalmente
quando ela fala da maneira encontrada pela mãe para compensá-la da ausência do pai.
Segundo M., sua mãe sempre lhe dava doces para manter a filha a seu lado, no entanto, tal
comportamento da mãe gerou em M. um falso sentimento de conforto, pois, as conseqüências
disso foi o aumento de peso da filha e uma dificuldade muito grande de M. em desassociar a
comida com a sensação de conforto e segurança. “A minha mãe acaba que me compensando,
me dava muito doce, porque como eu ficava com ela eu tinha tudo o que eu queria. E foi ai
que eu comecei a ficar gordinha, de comer doce # e eu acredito que pra ela também acabava
sendo inconsciente, porque eu ficava com ela. E isso foi muito marcante! A gente acaba
passando por cima, mas foi bastante marcante!”. Nesta frase, observa-se certa dificuldade
por parte da entrevistada em aceitar que esta foi uma fase difícil de sua vida, ela prefere dizer
que foi uma fase ‘marcante’, mas podemos perceber que existe uma magoa muito grande em
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relação aos pais, e que as conseqüências desta fase são sentidas por ela até hoje.
Ainda falando de sua infância, M. nos conta sobre uma séria doença que teve dos
três aos treze anos. Quando estava com três anos, ela recebeu o diagnostico de Epilepsia
infantil, e em função desta doença foi obrigada a tomar diversos medicamentos. Nesta época
sua avó materna fez uma promessa a Nossa Senhora de Fátima pedindo a cura da neta em
troca de uma viagem à Portugal onde iria caminhar de joelhos em volta da igreja de Fátima
em agradecimento a graça alcançada. Além disso, a avó também prometeu que a neta iria
receber o sacramento da primeira eucaristia na igreja de Fátima. Essa ultima promessa, no
entanto, não agradou a M. que na época estava com doze anos e queria receber a primeira
eucaristia na igreja em que já estava desde os sete anos. Maria relata que se sentiu muito triste
quando soube que não iria festejar a primeira eucaristia com seus amigos, além disso, disse ter
ficado com raiva da avó por esta ter sido a responsável por tal sentimento. “E eu cheguei a
Fátima, fiz a primeira comunhão emburrada e ficava me perguntando por que eu não poderia
fazer com meus amigos? Porque a gente não tinha muito contato com outras crianças, # e
assim..., o curso de primeira comunhão era o lugar onde tinha mais criança, onde eu podia
ter mais contato, e ai eu precisa fazer a primeira comunhão em Fátima. # e eu não queria de
jeito nenhum, queria fazer com meus amigos”. A partir do que foi dito por M. podemos
compreender seus sentimentos se pensarmos numa criança de doze anos que não mantinha
contato com outras crianças fora da igreja devido a super-proteção da mãe e que estava fora
de seu de seu ambiente social (igreja) sem compreender direito o motivo disso, além de tudo,
M. novamente sentiu que por algum motivo fora de seu limite de compreensão, ela foi
afastada da igreja e, conseqüentemente, foi afastada de um ambiente qual se sentia segura e
acolhida.
Logo após a experiência da primeira eucaristia, M. conta que uma outra
experiência religiosa também foi bastante marcante em sua vida. Maria relata que após a
celebração da primeira comunhão ela se recusou a tomar os remédios para epilepsia e, a luz
do que entende hoje, acredita que essa decisão de não tomar os remédios quando criança teve
uma intervenção divina. Maria acredita que foi Nossa Senhora quem falou por ela. “E ela [a
mãe] insistiu para eu tomar o remédio e eu não tomei, e eu creio hoje que eu não falei por
mim, eu era criança, ingênua de tudo, e eu não iria falar com tanta firmeza, com tanta
convicção, fui muito teimosa! # E eu creio que foi pelas mãos de Maria, ela é como uma mãe,
que cuida com carinho, dá atenção, sabe o que passa #”. Maria relata que sua fé aumentou
muito quando ela chegou ao Brasil, principalmente quando foi fazer os exames para saber em
que grau estava sua doença e os médicos disseram que ela estava curada. “E eu não tomei [os
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remédios] durante o tempo que a gente ficou lá, não tomei quando cheguei aqui, e fui fazer os
exames. Os resultados não mostram nada, eu não tinha mais nada!”.
Nesta mesma época, outros acontecimentos foram fortificando ainda mais a
religiosidade de M, entre eles, o afastamento do pai e do irmão em relação ao kart e a volta da
união familiar dentro da igreja. “# e a parti de lá a vida voltou normalmente, meu irmão foi
parando com o kart, parou a minha epilepsia, e aconteceu um mundo de coisas de família
sabe?”
Maria sentiu que todos esses acontecimentos positivos em sua vida tiveram a
intervenção divina de Nossa Senhora, e isso justifica o fortalecimento de sua fé e as
conseqüências desta para seu desenvolvimento pessoal.
Um outro momento marcante da vida de M. aconteceu quando ela e sua mãe
começaram a freqüentar um grupo de oração a convite de uma amiga da mãe. Essa amiga
insistiu diversas vezes até que a mãe de M. aceitou o convite para ir ao grupo. Maria conta
que conhecer essa mulher e freqüentar o grupo de oração foi uma das melhores coisas que já
havia acontecido em sua vida “# e pra mim isso foi uma das maiores graças da minha vida,
porque a partir desse momento eu comecei a conhecer uma moça que começou a convidar a
minha mãe para ir ao grupo de oração”, no entanto, a mãe acabou deixando de freqüentar o
grupo, o que geraram diversas brigas entre M. e sua mãe, pois, M dependia da autorização da
mãe para ir até o local onde o grupo se reunia. Maria nos conta que mesmo sem a autorização
da mãe ela acabava indo ao grupo, explica que desobedecia a mãe por não concordar com as
alegações de que ela não poderia ir toda semana à igreja. Além disso, M. relata que sentia um
grande vazio dentro de si mesma quando não podia freqüentar o grupo. Esse sentimento pode
ser compreendido se pensarmos que para M. o sentimento de fé interior por si só não lhe
basta, para que a religiosidade faça sentido em sua vida, ela necessita praticar, ou seja, precisa
exteriorizar sua fé e isso somente era possível dentro da igreja ou do grupo de oração. “# eu
comecei a sentir que aquilo começou a fazer parte de mim, e quando eu não ia # aquilo fazia
falta # eu chorava, sentia um desespero, sabe?! Um desespero para minha mãe me deixar ir #
eu sentia que a quilo já fazia parte de mim. Deus me tocou de tal forma, que eu não podia
mais não ir. È aquilo que diz na Bíblia: ‘tu me seduzistes e eu me deixei seduzir”, # aquilo
fazia a minha vida ter sentido”. Neste contexto entendemos que ir à igreja tinha um sentido
muito profundo para M., pois, era na igreja que ela encontrava a verdade que dava sentido a
sua vida, e indo mais a fundo em sua vivencia podemos pensar que é através desse ‘sentido a
vida’ que ela consegue se desenvolver psicologicamente.
Embora as vivências religiosas já fizessem parte da vida de M. desde a infância,
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ela coloca a etapa em que começou a freqüentar o grupo de oração e as demais atividades da
igreja como marco inicial da sua experiência religiosa. “# e ai eu passei a participar, a fazer
coisas na igreja, eu fazia teatro na escola e na igreja # e a partir daí eu comecei a marcar
minha história #”. Maria relata que para conseguir autorização da mãe para freqüentar a
igreja, ela começou a realizar trabalhos dentro da igreja “# ligava na escola para marcar
teatro, porque ai a minha mãe me deixava ir, porque era escola, # se fosse para trabalhar,
ela liberava, mas se fosse para eu ir à igreja ela não liberava, # foi uma época muito difícil
nesse sentido, e eu brigava mesmo, principalmente se fosse para eu ir à igreja”. Observamos
neste relato de M. que suas ações neste momento de sua vida foram diferentes das ações que
costumava ter enquanto criança, agora ela optava por ‘brigar’ por questões que considerava
importante para si mesma, diferente do que fazia em sua infância, quando preferiu se calar a
ter que contrariar os pais. Esse comportamento, apesar de normal para a idade em que se
encontrava (14 anos proximadamente), revela um progresso em seu crescimento pessoal, pois,
ela conseguiu expressar seus sentimentos em relação à proibição dos pais para freqüentar a
igreja e, além disso, encontrou estratégias para poder praticar sua religiosidade sem ignorar a
autoridade dos pais. “# ligava na escola para marcar teatro e depois marcava também na
igreja, porque ai a minha mãe me deixava ir #”.
Quando estava com 18 anos M. resolveu que iria fazer o curso para receber o
sacramento da Crisma em uma outra igreja, que não era a mesma que ela estava até então. È
interessante notarmos que M. sentiu a escolha dessa nova igreja como uma proposta divina
em sua vida, ou seja, ela acredita que a escolha dessa nova igreja teve influencia de Deus e
que este a inspirou a ficar nesta igreja porque havia um propósito para ela dentro desta igreja.
“# e fui no domingo seguinte na missa e era o último dia de inscrição # comecei a fazer, e
senti que Deus dá oportunidades para gente escolher o nosso caminho # ele sabe tudo, ele é
tudo # eu só sei que é [risos]. E era para eu ter ido pra lá, já to lá há dez anos, então não foi
assim a toa”. A luz do que entende hoje, M. sente que o período de dez anos que vivenciou
sua religiosidade nesta nova comunidade lhe proporcionou um grande crescimento pessoal na
medida em que pode participar da experiência religiosa e pessoal de muitas pessoas e sentir
que muitas pessoas também participaram de sua experiência religiosa. “# e em dez anos eu fiz
parte da história de muita gente e muita gente fez parte da minha história. E eu acredito que
eu ter ido pra lá foi até um salvamento # então eu vejo como um livramento, como um motivo
grande de crescimento #”. Maria percebeu que ao fazer parte da história de vida das pessoas
que a cercavam, ela foi tendo um amadurecimento em sua concepção de mundo. Podemos
perceber isso através de algumas situações descritas por ela que mostram um maior auto-
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conhecimento. “# então eu vejo um grande de crescimento # por que na outra comunidade
que eu tava [na primeira] era um povo totalmente diferente da segunda comunidade, era uma
característica da comunidade, os jovens se vestiam muito bem, classe média alta, ou se não
fossem tinham um padrão de vida bom # eu não tinha condições de acompanhar # eu não
dava importância para as mesmas coisas # eram valores muito deferentes #”.
Observamos através do relato de M. que, embora ela tenha dito que não se
importava em ter valores diferentes dos do grupo ao qual pertencia, algumas de suas
colocações, no entanto, mostram que na verdade ela se sentia muito excluída dentro da
comunidade religiosa “# a minha vida inteira eu sempre sofri muita humilhação por ser
gordinha, por ser ingênua, por ser a diferente #”. Da maneira como compreende hoje, todo
esse processo de exclusão que sofreu dentro da comunidade lhe proporcionou um crescimento
pessoal significativo, pois, foi a partir de seus sentimentos em relação a situação que
vivenciou que ela pôde ampliar sua identidade pessoal. “# porque me fez ser quem eu sou, #
claro que eu sofri # chorei, muitas vezes me senti sozinha”. Observamos também que apesar
do sentimento de exclusão por parte do grupo, M. conta que muitas vezes se sentiu acolhida e
amparada espiritualmente. “# eu me sentia só em relação às pessoas, mas eu não me sentia
só, porque eu tinha encontrado o meu caminho # e foi uma fase boa em outro sentido, porque
eu me apeguei muito a Nossa Senhora, como nunca tinha me apegado tanto. Então foi muito
bom porque eu senti o colo dela, e eu falava assim: ‘mãezinha vem-me por de dormir’ e eu
chamava: ‘ Maria vem-me por de dormir’”. Neste sentido observa-se que, assim como na
infância, também na fase adulta ela encontra segurança em sua religiosidade e a utiliza como
auto-apoio para situações difíceis.
Apesar de considerar sua participação no grupo religioso como algo de grande
importância para seu crescimento pessoal, M. relata que muitas vezes se incomodava ao
perceber que além de se sentir excluída dentro do grupo, este também excluía outras pessoas.
“# tinha uma amiga minha que todos excluíam, # eu não gostava que ficassem discriminado
ela, não gostava!, e nunca gostei # é que eu, a minha vida inteira eu sempre sofri muita
humilhação por ser gordinha, por ser ingênua, por ser a diferente, então eu não gostava e
não gosto até hoje [que discriminem as pessoas]. Esse incomodo descrito por M., pode ser
entendido como uma identificação de sentimentos, ou seja, M. se incomodava com a exclusão
da amiga porque ela mesma se sentia excluída, ou seja, o sentimento de raiva que sentia em
relação à exclusão da amiga, era na verdade um sentimento de raiva pela sua própria exclusão.
Maria conta que houve um momento em sua vida em que ela resolveu se
mobilizar diante das situações que não concordava dentro da igreja. “# e ai eu comecei uma
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outra revolução #”. Essa atitude de M. demonstra que em determinadas situações, o
sofrimento pode ser o ‘combustível’ necessário para que a pessoa resolva tomar alguma
atitude para mudar situações desagradáveis e gerar crescimento pessoal. “# eu sou uma pessoa
e eu quem faço a minha história, por isso eu posso colher e posso pensar. E foi na igreja que
eu comecei a pensar e a viver tudo isso #”. Neste sentido, podemos entender que M. se sente
responsável por suas ações e acredita que são essas ações que irão determinar sua história
vida.
Como exemplo de atitudes concretas rumo ao crescimento pessoal, M. destaca
uma ocasião em que precisava resolver um assunto importante dentro do grupo religioso e
este não a permitia falar sobre o problema. Para que pudesse ser ouvida pelo grupo M. falou
em voz alta e usou palavras que conseguiram expressar aquilo que ela estava sentindo em
relação ao grupo. “# e ninguém prestava atenção em mim, até que eu dei um berro: eu quero
falar, dá para me escutar, # será que dá para a gente para um minuto e sermos verdadeiros
uns com os outros? Dá para a gente parar de encenar algumas coisas aqui? #”. Tal atitude
foi sentida por M. como algo composto de dois sentimentos ambíguos, pois, ela disse que
chorou muito e ficou bastante ansiosa “# eu chorei um monte #” o que demonstra sentimentos
vivenciados por ela negativamente. No entanto, M. também sentiu que tal atitude foi muito
positiva e benéfica para seu bem-estar psicológico, pois, foi através desta atitude que ela
percebeu que poderia expressar aquilo que estava sentindo como algo incomodo dentro de si e
mesmo assim ser aceita pelo grupo “# foi muito bom porque foi um crescimento, mas foi
doido porque eu fiquei exposta, mas no final me deram razão #”.
Maria sente que só encontrou força dentro de si mesma para conseguir tomar esse
tipo de atitude dentro do grupo porque entende que a fé só tem sentido em sua vida se esta for
praticada em seu dia a dia “# para mim a fé só tem sentido na vida, porque se não, não tem
sentido #”. Maria sente que para ser coerente com aquilo que considera verdadeiro, é
necessário colocar o que aprende dentro da igreja no seu cotidiano. “# tem que ter uma
coerência entre o que você acredita e o que você faz # . Ainda sobre essa questão de fé, Maria
entende que muitas de suas dificuldades emocionais poderiam ser resolvidas por Deus através
de sua fé, no entanto, M. se permite errar algumas vezes, pois, se sente na condição de
humana e dessa forma, poderá pedir ajuda à Deus quando se perceber fazendo algo errado. “ #
eu posso cair na mentira, # eu sei que vou pecar, que vou cair no pecado, porque se eu não
fosse pecadora, Deus não seria Deus, só ele é que é perfeito, não tem jeito. Então eu vou cair
no pecado, mas não faz sentido eu não querer procurar melhorar, não quere buscar a
salvação #”.
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O relato de M mostra-nos que sua experiência religiosa lhe trouxe crescimento
pessoal em diversas áreas, mas uma em especial é destacada por ela. Maria diz que sua
religiosidade lhe trouxe equilíbrio emocional. “# a fé te dá um equilíbrio, e hoje eu tenho um
melhor equilíbrio de saber que você vai errar #” Aqui podemos entender que M. sente que
sua fé lhe ajuda a enfrentar as dificuldades de seu dia a dia, com maior segurança. Ela sente
que o transcendente lhe oferece apoio incondicional “# você pode errar, mas você tem a
certeza, a verdade do seu lado, não que você esteja certo, mas sente muita segurança #” e
isso lhe parece muito importante para seu crescimento pessoal. “# e eu vivi esses dez anos
assim..., crescendo enquanto pessoa, conversando comigo #”.
Durante esses dez anos em que fez parte da comunidade a qual pertencia M. pode
conhecer diversas pessoas, inclusive pessoas de outras comunidades religiosas. No entanto, é
preciso destacar que embora participasse de diversos grupos religiosos M. nunca se sentiu
presa a esses grupos, seu relato demonstra que ela apenas se sentia presa a sua fé, e que a
participação nesses grupos era apenas conseqüência desta fidelidade religiosa e não o
contrário disso. “# eu fui conhecendo um monte de gente, criando laços, arrumei emprego pro
pessoal lá do teatro, então eu não me prendia a um só grupo, eu me prendia a minha fé # esse
foi um período bom de crescimento, de dor e sofrimento, mas de muitas alegrias também”.
Esse sentimento de M. mostra que sua religiosidade é experienciada por ela de maneira plena
e que ela não tem fé para se inserir num grupo social (no caso a igreja), mas sim que ela se
insere num grupo social porque tem fé. Maria define sua religiosidade como algo
extremamente subjetivo e particular. “E eu vi Deus assim, uma experiência que você pode
chamar de única, só minha, especial #.” ela sente que sua experiência de crescimento pessoal
não pode ser comparada com nenhuma outra experiência porque esta pertence a ela
unicamente.
Em um determinado momento da entrevista M. pede para rezarmos juntas e
explica que as vezes se sente confusa para falar e expressar aquilo que realmente quer dizer e,
neste sentindo, a fé e a oração a ajudam a se sentir mais segura. “# é que eu sou meio confusa
para falar #, às vezes me sinto assim, e a fé me ajuda, me ajuda bastante #”.
Durante toda sua entrevista M. demonstra que sua experiência religiosa a ajudou
muito em seu crescimento pessoal e entende que sua história de vida foi construída junto com
essa experiência religiosa. Sente também que sua espiritualidade a ajudou e ainda esta
ajudando a compreender de maneira mais clara algumas questões de cunho existencial. “# eu
disse para o padre: ‘padre, eu não sei quem eu sou!, padre eu não sei quem eu sou, eu quero
saber quem eu sou! Eu não sei o que eu espero, eu não sei quem eu sou #”. Maria sente que
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foi dentro da igreja e através de sua fé que ela está conseguindo algumas respostas para
questões subjetivas e bastante profundas dela mesma. “# e eu acredito que sozinha eu não
teria nem chegado a perceber que eu não sabia quem eu era #”.
Durante a entrevista M. conta que foi através de uma oração que ela começou a
perceber que não tinha resposta para muitas perguntas sobre ela mesma “# foi na oração que
eu percebi que eu não sabia quem eu era #”. Neste momento, a fé de M. foi fundamental,
pois, foi através dela que M. encontrou segurança para procurar ajuda. “# o padre que me
falou para procurar uma psicóloga # e até para criar coragem para dar os passos foi difícil,
quer dizer, primeiro eu fui falar com padre, olha eu não sei quem eu sou. Porque falar isso
para uma pessoa é difícil, né?porque se você não sabe nem quem você é, o que você sabe
então? Você não sabe o básico! E se não fosse o padre me encaminha eu não ia atrás, mas
como ele me encaminhou, eu fui atrás. Então na religião eu encontrei a força para agir.”
Esta ultima frase de M. é bastante significativa para esta pesquisa. A partir dela podemos
entender que foi através da experiência religiosa que M. encontrou forças para tomar decisões
importantes em sua vida, o que reflete um grande amadurecimento do ponto de vista
psicológico.
Ao final do nosso encontro, solicitei a M. que tentasse resumir sua experiência
religiosa em poucas palavras. Sua resposta foi: “# animo no sentido de vida. No sentido de
Espírito Santo. Espírito no sentido original da palavra que quer dizer animo. # Espírito é o
que leva a gente para frente! E foi Ele, [o Espírito Santo] quem me tocou #”. Maria explica
que foi o Espírito Santo de Deus quem lhe proporcionou um crescimento pessoal, pois, a
maneira com que ela entende, foi Deus quem lhe deu força e coragem para enfrentar os
desafios que a vida lhe proporcionou e isso, para ela, foi fundamental para seu
desenvolvimento psicológico/pessoal.
Análise do depoimento de Fátima (F)
Quando inicia o relato de sua experiência religiosa, F. começa contando sobre sua
percepção, enquanto criança e, posteriormente enquanto adulta, sobre à religiosidade da
própria família. De acordo com sua compreensão, seu desenvolvimento religioso, dentro da
comunidade católica, ocorreu dentro daquilo que é esperado em termos de prática da vida
religiosa na igreja. “# começou como um processo natural. Fui batizada na igreja católica,
tive uma família católica participante, nós participávamos da missa aos domingos, depois eu
fiz primeira comunhão #”. No entanto, alguns aspectos da religiosidade de seus pais a
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chamavam a atenção devido à incongruência que estes a transmitiam. Fátima sentia que os
pais estavam constantemente buscando a Deus, no entanto, essa busca era feita em diversas
religiões. “# existia certo misticismo dentro da minha família #”. Observa-se aqui, que a
palavra ‘misticismo’ tem uma conotação negativa para a entrevistada.
Fátima, enquanto criança percebia o pai como um homem muito religioso, isso
porque, segundo sua compreensão, ele sempre procurava ajuda do divino para solucionar seus
problemas. “# meu pai sempre foi um homem muito fiel a Deus, e quando ele passou por um
problema de saúde, ele buscou outras religiões, principalmente dentro do espiritismo, ele
recebia passe e aquelas coisas todas #”.
Ao falar sobre a mãe, F. também a descreve como uma pessoa religiosa, no
entanto, sentia que a espiritualidade da mãe não era semelhante a do pai, pois esta primeira
constantemente se envolvia com outras religiões, diferente do pai, que era católico e só se
envolvia com outras religiões em ocasiões especifica, como no caso do problema de saúde
que teve. “# ela [a mãe] se dizia católica, mas recebia muita influência desse negócio de
esoterismo, ela buscava Deus em outras coisas, em coisas mais imediatas #”.
Fátima acredita que, durante sua infância e juventude, foi mais influenciada pelo
tipo de religiosidade da mãe do que do pai. “# meus irmãos e eu também, recebemos uma
grande influência dela [da mãe] nesta questão # meu pai continuava chamando a gente [os
filhos] para irmos á missa aos domingos #”.
Fátima relata ainda que, embora tivesse tido uma instrução religiosa dentro da
igreja católica por ocasião da primeira eucaristia, ao chegar à adolescência ela já não se sentia
tão atraída em manter os hábitos e costumes que havia aprendido. “# a gente já estava na
adolescência e não queria mais ir [á igreja], íamos raramente, mais para fazer um agrado
para o meu pai do que por nós mesmos #”. A luz do que compreende hoje, isso ocorreu
devido à má formação religiosa que recebeu dentro da igreja católica. “# Eu nem sabia
direito o valor daquilo, me lembro que a minha primeira eucaristia teve uma formação muito
fraca, faltou muito sedimento, fundamento na religião e doutrina #”. Essa questão da má
formação religiosa dentro da igreja é muito importante para compreendermos a experiência
religiosa de F., pois, esta está, diretamente, ligada a seu desenvolvimento pessoal.
Para que se possa compreender a relação existente entre a experiência religiosa e o
desenvolvimento pessoal da entrevistada é preciso, primeiramente, entender que esse processo
de desenvolvimento ocorreu, paralelamente, a uma busca pela espiritualidade. Neste sentido,
se faz extremamente necessário compreender como foi essa experiência de busca pelo
transcendente na vida de Fátima.
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Seu relato sugere que, tudo começou a partir da forte influência religiosa que a
mãe exercia sobre ela. Fátima sentia-se seduzida em relação a busca pelo sagrado e, como não
conseguia senti-lo dentro de sua religião de origem (católica), ela acabava por procura-lo em
outras crenças. “# como eu não encontrava Deus dentro do catolicismo, # eu ia buscar nos
cristais, nos duendes, nessas coisas #”. Fátima entende hoje que, na verdade, essa
necessidade de encontro com o sagrado estava muito relacionada com sentimentos íntimos e,
segundo sua análise, essa busca por Deus em diversas religiões na verdade revelava um
profundo sentimento de insegurança pessoal. “# acho que era uma insegurança que existia na
família, # eu analisando agora acho que era isso, a insegurança faz você procurar alguma
coisa que seja mais forte do que você, para que você encontre alguma coisa em que se
agarrar #”. Neste sentido, podemos compreender que para ter uma relação mais direta e
concreta com seu transcendente, F. precisava de objetos e instrumentos que lhe transmitissem
segurança, daí a necessidade de possuir cristais e duendes. Fátima procura ressaltar que,
embora tenha passado por diversas dificuldades durante essa busca por Deus, ter vivenciado
tal experiência foi muito importante naquele momento de sua vida, pois, através de tal
experiência, ela pode ter um grande crescimento pessoal. “# aquele era um momento
necessário, até para o crescimento da família e tal”.
Uma outra etapa muito importante, no que se refere ao desenvolvimento pessoal
de F., foi seu casamento. Ao descrever como foi a realização de seu matrimonio, F. revela
que, embora tenha se casado na igreja católica, não vivenciou o sacramento do matrimonio no
sentido religioso. Para ela, a cerimônia teve um sentido muito mais social e, portanto
ritualístico, do que espiritual. “# Casei na igreja católica, mas eu não convidei Jesus e Maria
para o meu casamento, eu não sabia a importância disso na época como eu sei hoje. Então
foi aquela coisa mais da cerimônia, do social, porque o matrimonio, o sacramento em si eu
achei muito superficial”. Fátima justifica a superficialidade de seus sentimentos religiosos
durante seu casamento, atribuindo-os à forte influência que ainda mantinha das religiões
nomeadas por ela como místicas. “# e nesta época eu ainda estava muito envolvida nestas
coisas esotéricas, sempre buscando à Deus, mas nisso #”.
Durante alguns anos da vida de casada, F. continuou sua busca pelo
transcendente, mas, segundo seu relato, essa busca não a ajudava superar alguns sentimentos
negativos que a perturbavam. “# eu sentia que mesmo com essa busca, eu estava sempre
vazia, me sentia muito infeliz, largada, deprimida, mesmo tendo um marido maravilhoso, uma
família maravilhosa, nossa condição financeira estava boa. #”. Neste sentido, podemos
refletir sobre a busca espiritual de F. e pensar que, para ela, a busca pelo sagrado não foi
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suficiente para seu bem estar psicológico e, segundo sua compreensão atual, esse bem estar
emocional estaria relacionado a um verdadeiro encontro com o divino.
Sobre sua conduta de vida, F. revela que, embora não tenha seguido até então,
uma orientação religiosa católica, muitos valores e princípios cristãos, foram introjetados por
ela durante sua infância. “# apesar de eu não ter ido buscar a Deus dentro da religião
católica eu sempre tive os princípios, seguia os mandamentos # de ser honesto, e coisas assim
# Nos livros que eu lia, tinha um que estava escrito assim: Jesus viveu na Índia. Ai começou
umas coisas tão estranhas, falava de Nossa Senhora de uma maneira tão mundana, falando
assim que Ela tinha interesse que Jesus tivesse certa repercussão política, e coisas tão
horríveis que eu ainda nem tinha me convertido para o catolicismo, mas já achei um horror
aquele livro, então isso se deve aos fundamentos que sempre existiram em mim #”. Neste
relato, observamos uma forte influência da cultura religiosa católica sobre as crenças de
Fátima.
Ainda sobre seu casamento, F. coloca que sentiu algumas dificuldades ao se
adaptar a vida do marido, principalmente no que se referem as constantes transferências de
cidades devido a sua profissão. “# eu morei em Mato Grosso, morei em Recife, e eu sempre
fui acompanhando meu marido. Abri mão da minha carreira, eu era farmacêutica e gostaria
de ter ido para área de formação, área universitária, mas não deu para ir devido a essas
mudanças que aconteciam na minha vida. Então eu fui abrindo mão de algumas coisas #”.
Fátima relata também que, durante essas transferências de cidade, ela sentia necessidade de
freqüentar a igreja católica mais próxima de sua casa, no entanto, essa necessidade logo
acabava depois de algumas idas a igreja. “# às vezes quando eu ia à missa, principalmente
quando ocorriam essas mudanças de cidade, eram momentos difíceis, porque eu não queria,
porque eu era muito imatura, e ai eu ficava pensando só em mim, e quando eu ia a missa,
porque tinha uma igreja na frente da minha casa, eu chorava muito, me emocionava muito,
mas não tinha uma continuidade, sabe? eu ainda não tinha sentido aquele toque de Deus na
minha vida #”. Podemos pensar que, F. vivia uma época de grande instabilidade emocional
em sua vida devido às dificuldades em estabelecer ‘raízes’ e relacionamentos estáveis em um
único lugar. Dessa maneira, podemos supor que, a necessidade em freqüentar a igreja católica
num momento de instabilidade emocional, estava relacionada também a sentimentos de
insegurança carregados desde a sua infância e que a não continuidade de freqüências poderia
ser explicada pela falta de significados que aquele ambiente estaria proporcionando a ela.
Os sentimentos de insegurança e a busca constante pelo transcendente,
continuaram durante algum tempo até que F. resolveu, a convite de uma prima do marido, ir a
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um seminário religioso católico. Segundo sua avaliação, este seminário foi fundamental para
seu desenvolvimento pessoal, pois, nele, ela pode refletir e debater sobre temas espirituais,
que antes não era capaz compreender. “# essa experiência foi muito boa, porque ai eu
comecei a contestar, # eu colocava questões de reencarnação, vida após a morte, e aquilo
para mim era real, verdadeiro, não tinha como não acreditar #”. Fátima sentiu que, esta foi
uma oportunidade de crescimento pessoal, à medida que passou a sentir-se mais segura em
relação à sua religiosidade, e pode, assim, conhecer mais profundamente as vivencias práticas
e doutrinárias do catolicismo. “# quando eu falava sobre reencarnação, vidência, essas
coisas: elas me mostravam com ‘A Palavra’ o que Deus pensava sobre isso. E eu comecei a
entender que Deus abominava essas coisas, # e tudo isso foi me penetrando sabe? #”. Neste
sentido, é importante destacar que, esta foi a primeira vez, em toda a história de busca pelo
transcendente, que F. encontrou respostas que realmente tiveram sentido para sua vida “# e
aquilo veio de encontro com algumas explicações que eu precisava saber, então essa questão
da reencarnação, sabe? isso eu precisava saber que eu estava negando a ressurreição de
Jesus.Porque se ele morreu por nós, para nos salvar, eu não preciso voltar numa outra vida
para me salvar #” e, de acordo com sua compreensão, somente depois dessa experiência é
que F. começou a ter mais clareza sobre suas crenças “# essas coisas você vai tendo
consciência #”. Além de sentir-se mais segura e confiante, F. revela que, ao final do
seminário, ainda passou por uma experiência corporal de sua espiritualidade “# teve uma hora
que eles chamam de: ‘a presença do espírito santo’. Nesse momento eu senti uma coisa muito
diferente, uma sensação que eu nunca mais senti..., foi como se fosse uma energia dentro de
mim, que vinha das pontas dos meus pés e corria por dentro. Sabe aquela sensação de
formigamento nos pés e nas mãos? Quando parece que fica adormecido? Era mais ou menos
isso, eu não sei te explicar direito, só sentindo para você entender. Eu sentia aquilo no meu
corpo inteiro, principalmente no peito, e depois senti meu coração disparar. Eu sei que essa
foi uma manifestação física que eu senti naquele momento durante a missa #”.
Após essas vivencias dentro do seminário, F. sentiu que muitas coisas mudaram
em sua vida. Percebeu que seus sentimentos eram outros e que a sua maneira de compreender
o mundo também era outra, no entanto, seus sentimentos, embora positivos, a faziam sentir
medo por serem novos. “# no começo eu fiquei um pouco com medo, com receio de ler ‘A
Palavra’ [Bíblia] todos os dias, era um medo de não entender talvez #”. Neste momento de
sua vida, os sentimentos de medo e insegurança relatados por F., já não estavam mais
relacionados a uma busca pelo sagrado. Nesta etapa, podemos pensar que, a causa de seu
medo e insegurança, era, na verdade, um receio de ter um encontro profundo com Deus, ou
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seja, a busca havia terminado e agora, o próximo passo seria estabelecer uma relação mais
profunda com algo que antes, ela apenas procurava e não se relacionava.
Durante essa nova fase de sua vida, algumas questões de cunho moral e orientação
de vida foram introjetadas por F., assim com outras questões foram rejeitadas por ela, ou seja,
muitos de seus antigos valores e crenças foram abandonados para que novos valores
pudessem fazer sentido e serem coerentes com sua nova maneira de compreender as questões
existenciais. “# a partir desse dia [em que ela teve as experiências na igreja] todos os livros
que eu tinha de esoterismo eu não quis mais, joguei fora, não quis dar para ninguém, joguei
fora.Duendes, tudo o que eu tinha e que, pudesse me ligar de alguma forma a minha vida
passada eu joguei fora #”.
Conforme foi se aprofundando na religião católica, F. começou a sentir que suas
necessidades de contato com Deus foram aumentando. Ela já não sentia mais vontade de
procurar o divino porque parecia já o ter encontrado. Sua necessidade, naquele momento,
passou a ser o estabelecimento de uma relação mais intima com o sagrado. “# o que eu sei é
que eu sinto muita necessidade de ir [à igreja] # e hoje eu sei que a comunhão diária faz você
ter uma relação muito profunda com Deus #”.
A partir desse momento, F. passou a ter uma grande preocupação com a
religiosidade dos filhos. “# eu gosto de ficar explicando sobre a missa para eles [os filhos]
entenderem o porquê que eles estão lá. Eu gosto de colocar alguns momentos importantes
como na hora da consagração, eu me preocupo em fazer com que eles aproveitem mais do
que eu aproveitei #”. A justificativa de F. para o sentimento de preocupação com a orientação
religiosa dos filhos é baseada em sua própria experiência de vida. Dessa forma, ela procura
transmitir uma educação religiosa bastante estruturada para que os filhos possam sentir-se
seguros quanto a sua espiritualidade. “# hoje eu entendo como a família é importante em
termos de religiosidade, principalmente para os filhos, que precisam de uma segurança
dentro da família. Eles precisam saber qual religião pertence a família, então é aquela coisas
assim: minha família e eu somos católicos, ou eu sou evangélico, ou eu sou mulçumano, #, o
que importa é eles terem uma definição. Não importa qual a religião, mas eles precisam
saber qual é a religião deles e da família, porque eles irão crescer sabendo que a minha
família é da religião tal. Isso não vai impedi-los de buscarem outras coisas, outras religiões,
mas vai dar uma base mais sólida para eles,e assim eles não ficarão tão perdidos como eu
fiquei #”.
Ao analisar sua experiência religiosa, F. enfatiza que sentiu uma grande mudança
em relação a seus sentimentos. Seu desenvolvimento pessoal ocorreu, neste sentido, à medida
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que ela conseguiu encontrar novas soluções, baseadas em novos sentimentos, para lidar com
seus problemas cotidianos. “# nesse período a minha vida mudou muito, meu estado de
espírito mudou, embora eu continue até hoje às vezes me sentindo um pouco ‘down’, sabe?
Mas isso é porque eu tenho uma tendência muito forte de carregar os problemas dos outros.
Se tem alguém com algum problema eu já quero resolver, mesmo o problema não tendo nada
a ver comigo e isso me deixa muito sem energia, meia cabisbaixa,mas não é uma coisa
assim que me deixa vulnerável porque hoje eu tenho o apoio de Jesus #”. Em termos de
desenvolvimento psicológico, podemos pensar que, no caso de F., o envolvimento com a
religiosidade promoveu um maior auto-apoio, condição necessária para que F pudesse
enfrentar as dificuldades cotidianas. Neste contexto, F. entende que, embora tenha sofrido
com a busca pelo transcendente, esse caminho de espiritualidade lhe proporcionou um grande
crescimento em termos de amadurecimento psicológico. “# eu acho que essa minha busca
pela espiritualidade me trouxe, principalmente, amadurecimento. Porque eu acho que você só
se desenvolve se você começa a conhecer, a entrar em contato com as coisas #”. Segundo sua
compreensão, foi somente ao vivenciar plenamente a presença de Deus em sua vida que ela
pode sentir que havia, de fato, encontrado o que estava procurando desde a juventude, em
termos de espiritualidade. “# você cresce quando você entende aquilo e tem sentimentos
envolvidos. Então, foi nesse momento de busca, de sofrimento, de mudanças que eu acabei
crescendo #”.
Fátima entende que, toda sua busca rumo a uma religiosidade que lhe oferecesse
uma aproximação maior a Deus foi necessária para que ela pudesse viver a experiência do
sagrado como vive hoje. “# toda essa minha busca foi necessária # antes eu era uma pessoa
mais insegura, ainda sou, mas hoje eu tenho Jesus do meu lado, hoje eu sinto o meu anjo da
guarda me dando a mão. Então eu não sou uma pessoa super segura de tudo o que eu faço,
eu tenho os meus medos, meus defeitos, mas hoje eu luto, não fujo com tanta facilidade como
eu fazia antes, e tudo isso mudou porque eu sinto que tem alguém mais forte lutando ao meu
lado, junto comigo #”. Ao fazer essa comparação sobre como se sentia antes e como se sente
depois dessa experiência religiosa, F. entende que, a sua ‘essência’ não mudou, ou seja,
algumas características psicológicas não mudaram o que mudou foram seus sentimentos para
lidar com a vida. Neste sentido, observa-se que a crença em algo superior ao humano,
fortalece os sentimentos responsáveis pela transformação do comportamento. O que pode,
sem dúvida, resultar num avanço do desenvolvimento pessoal.
Fátima conta que hoje é capaz de avaliar os diversos aspectos de sua experiência
religiosa e, segundo sua conclusão, essa experiência foi muito rica em termos de crescimento
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pessoal, no entanto, para que pudesse chegar a esse crescimento, ela passou por algumas
etapas de aprendizado que valem a pena serem descritas.
Durante os primeiros anos de vivencia religiosa dentro do catolicismo, F viveu o
que os outros chamam de ‘fanatismo religioso’. “# nos primeiros momentos de conversão
você fica sendo a chata, começa a pegar no pé de todo mundo, fica querendo que todo mundo
siga aquilo que você acha que é o certo, você é a dona da verdade e a chata. Então, imagina
uma pessoa como eu que era totalmente esotérica e derepente começa a pregar? # Você
começa a querer converte a família inteira, só que ai as pessoas começam a te excluir, né?
Ai, ai vem a Fátima vamos cortar o assunto. Mas eu sei que eu era muito chata mesmo! #”.
Através deste depoimento, pode-se observar que F. foi capaz de perceber que, além de
comprometer a relação com seus familiares e amigos, seu comportamento estava, também,
prejudicando sua relação com o marido e filhos. “# o meu marido ficava triste quando eu
dizia que amava a Deus a cima de qualquer coisa, ele ficava muito triste, então, esse tipo de
coisa eu também não faço mais #”. É importante destacarmos que todo esse processo de
reflexão e mudança de comportamento, evidência um grande progresso no desenvolvimento
pessoal de Fátima.
Durante toda a entrevista, F. procurou demonstrar que o significado mais
importante que ela atribui a sua experiência religiosa foram as mudanças de sentimentos em
relação às pessoas que estão ao se redor, bem como as mudanças na sua percepção de mundo.
“# o que realmente mudou, o que fez eu mudar foi o amor. Esse sentimento de amor pelas
pessoas tomou conta de mim, às vezes eu acho que ele é até exagerado, anormal # hoje eu me
sinto bem mais segura nas coisas que eu falo e que eu faço # todos os sentimentos que eu
acho que não são bons, eu tento cortar, eu tento lutar #”.
Fátima revela que a estratégia encontrada, através de sua experiência religiosa
para solucionar seus problemas, foi não mais pensar por si mesma, mas ao invés disso, seguir
o exemplo de vida de Jesus. “# eu penso como Jesus iria reagir naquela situação X e o coloco
no meu lugar. È como se a Fátima saísse de campo para Jesus entrar. Eu me anulo mesmo!
Não no sentido de me anular para ser usada pelos outros, mas no sentido de permitir a
entrada de Jesus. E eu falo assim: entrar aqui em mim e faça aquilo que eu Senhor quer que
eu faça #”. Essa conduta adotada por F. revela uma necessidade de parâmetros e modelos a
serem seguidos quanto a sua espiritualidade, o que é aceitável e incentivado dentro do
catolicismo, que sendo uma religião Cristã, adota o exemplo de vida de Jesus de Nazaré como
um modelo a ser seguido pelos fieis.
Ao final da entrevista, F resume em poucas palavras como foi sua experiência
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religiosa e diz: “# eu diria que eu nasci de novo! Porque hoje eu sou uma outra pessoa e tudo
isso por causa das coisas que eu te falei, da minha busca e tal #”. Neste sentido, podemos
entender que as palavras de Fátima revelam um profundo sentimento de mudança interior, que
é tão subjetivo e particular que, a faz sentir já não ser a mesma pessoa que antes, daí a
utilização do termo ‘nascer de novo’.
Análise do depoimento de Dona Neuza (DN)
A estratégia escolhida por Dona Neuza para relacionar sua experiência religiosa
com seu crescimento pessoal foi através de sua história de vida. Neste sentido, a análise do
depoimento será realizada de acordo com cada etapa da história de vida até chegarmos na
experiência religiosa.
Percepção e vivencias da infância e adolescência:
Dona Neuza descreveu sua infância como uma etapa muito difícil de sua vida.
Segundo seu depoimento, as lembranças que possui da infância estão, na sua maioria,
relacionadas ao trabalho e a carência de afeto que sentia em relação aos pais. “# eu nasci
numa família de imigrantes italianos, era um ambiente muito pobre, no qual a luta pela
sobrevivência foi muito dura. Tive uma infância triste, pobre, sofrida, com muito trabalho #
eu era muito carente! Carente de carinho de pai e de mãe, de irmão, mas como era aquela luta,
era cada um por si, não dava para meus pais ficarem dando atenção para todos os filhos.”
Seus sentimentos com relação à família e ao trabalho, muitas vezes, se mostram
ambíguos, pois, no início da entrevista, ela coloca a seguinte frase: “# eu trabalho desde os
meus cinco anos de idade, mas, veja bem, eu não estou me queixando #” e ao meio de
depoimento ela diz: “# a possibilidade de eu poder sair daquele ambiente em que eu vivia,
influenciou muito na minha decisão de me casar, quando eu pensava que eu iria poder ser
mais livre, que eu poderia trabalhar menos # e eu pensava: graças a Deus agora, depois do
casamento, eu vou ter um lugar só para mim.”. Neste sentido, podemos observar que existe
uma preocupação em não aceitar tais sentimentos como queixa, mas sim como fatos.
Além das limitações afetivas que teve com relação à família, Dona Neuza sentia
que também possuía limitações em relação a comunicação e, segundo sua compreensão, tais
limitações foram conseqüência de uma instabilidade emocional inata. “# eu era extremamente
gaga por causa do emocional, mas, eu sei que eu nasci assim: muito sensível # E por causa
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disso, eu quase não falava, sofri humilhações na escola e eu chorava muito, e quando eu ia
me queixar para minha mãe, ela dizia: ah, para com isso menina!, que bobagem, tanta coisa
mais importante para a gente se preocupar! E ai eu me lembro que eu me recuava, ficada
ainda mais calada #”. Podemos pensar que a defesa utilizada por Dona Neuza para lidar com
tais questões foi à repressão de seus sentimentos e a conseqüente somatização disso tudo na
fala. Neste sentido, podemos pensar que tal fato esteja relacionado a gagueira “# e ai eu me
lembro que eu me recuava, ficada ainda mais calada #”.
Com relação a sua adolescia, Dona Neuza revela que seus sentimentos não foram
muito diferentes de sua infância. Ela continuou trabalhando bastante para ajudar a família,
porém, nesta fase, sentia que suas necessidades passaram a ser outras. “# o trabalho de adulto
só começou quando eu fiz onze anos, e como meus pais estavam passando por muita
dificuldade financeira por causa da guerra, e como ele era imigrante, a situação ficava ainda
pior. E eu não via a hora de começar a trabalhar de verdade para ajudá-los, ai eu fui ser
pajem, que hoje chama de baba, né? De um menino filho de um amigo dele [do pai], ai depois
eu ainda fui trabalhar em fabricas e em vários lugares que eram muito duros para minha
idade”. Aqui observamos que, embora Dona Neuza na época fosse apenas uma criança, ela já
se sentia na obrigação de ajudar os pais financeiramente, o que demonstra uma maturidade
além da esperada para sua idade causada, provavelmente, pelas dificuldades enfrentadas na
época.
Mas que eu me lembro que foi muito marcante, e aos finais de semana eu queria
ir à matine, porque naquela época o cinema estava no auge e todo mundo queria ir na
matine. Só que meu pai não deixa, ele dizia que aquilo não era ambiente bom e que eu
precisava ajudar minha mãe a limpar a casa no final de semana. Dessa forma, eu não
descansava, só trabalhava #” . Neste trecho, novamente observamos que Dona Neuza não
conseguia realizar seus desejos e reprimia suas vontades para trabalhar e ajudar a família.
Seu segundo emprego foi numa fábrica de chapéus e, neste novo ambiente de
trabalho, Dona Neuza começou a perceber que possuía uma boa habilidade manual que a
ajudava a realizar seu trabalho mais facilmente. No entanto, embora se sentisse feliz por essa
habilidade, começou a perceber que este dom provocava sentimentos de inveja em seus
companheiros de trabalho, o que a fazia se sentir excluída pelos mesmos. “# eu sempre tive
muita habilidade manual, habilidade para fazer trabalhos de bordado, pintura, acabamento e
coisas assim. Mas sabe Thais, eu me lembro que tinha muita gente que trabalhava comigo,
que não gostava dessa minha habilidade porque com isso, eu acabava fazendo os chapéus
mais rápido dos que as outras e, conseqüentemente, ganhava mais por isso, já que o salário
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era por produção. E eu me lembro que, quando eu estava na escola, acho que eu tinha uns 7
ou 8 anos, eu sempre fazia desenhos muito bonitos, eu sempre tive muita habilidade para
pintura, e a professora mostrava meus desenhos para todo mundo. Nossa!, as outras crianças
me odiavam por causa disso. Então, eu notei que quando a gente tem muita habilidade com
uma coisa, a gente ganha de um lado, mas perde de outro [referindo-se as pessoas a sua
volta]”. Dona Neuza sentiu que sua habilidade manual a afastava das pessoas.
Experiências e sentimentos matrimoniais:
Um outro aspecto importante da adolescia de Dona Neuza, refere-se a sua vida
afetiva. Ela relata que aos catorze anos começou a namorar um rapaz que posteriormente veio
a ser marido. A compreensão deste relacionamento como um todo é muito importante para
entendermos seu processo de crescimento pessoal através da experiência religiosa. “# quando
eu cheguei aos quatorze anos, eu encontrei um homem que se apaixonou perdidamente por
mim e me prometeu céus e terras. Ele era de uma família que se dizia muito importante, mas
hoje eu sei que nada são. E eu sabia que eu não gostava dele, eu queria largar dele. Eu
namorei um ano e pouco e eu vi que a nossa relação não casava, que não arrepiava a pele. E
você sabe que naquela época, sexo era um tabu tremendo e ninguém entendia que a energia
sexual é uma energia brutal, muito forte, mas, dentro de uma sociedade hipócrita que nós
vivíamos, com total restrição para mulher, àquela que não se casasse virgem, era
considerada a mulher mais pecadora do mundo, e essa foi a minha época. Neste trecho, Dona
Neuza procura ressaltar que não tinha a intenção e nem vontade de se casar com o então
namorado, mas, de alguma forma, ela se sentiu na obrigação de fazer isso por questões de
ordem moral. Aqui, novamente observamos que seus sentimentos foram reprimidos e que ela
não conseguiu fazer valer a sua vontade, optando por se casar para não ter de enfrentar alguns
tabus sociais da época., além de enxergar no casamento, uma oportunidade de mudança de
vida familiar. “ # Eu me lembro que, apesar de não quere me casar com o homem com quem
eu me casei, na época, a possibilidade de eu poder sair daquele ambiente em que eu vivia,
influenciou muito na minha decisão de me casar. Nossa!, quando eu pensava que eu iria
poder ser mais livre, que eu poderia trabalhar um pouco menos, tudo isso influenciou muito #
Se na época eu pudesse enxergar as coisas como eu enxergo hoje, saberia que aos olhos de
Deus, nada escapa, mas eu era muito inexperiente para entender isso #”. Segundo sua
compreensão hoje, se na época ela já tivesse tido sua experiência religiosa, talvez tivesse tido
uma outra opção de vida.
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Ao falar de seus sentimentos em relação ao marido num período pós-casamento,
Dona Neuza expressa uma profunda mágoa e um sentimento forte de traição no sentido de ser
sentir enganada pelas promessas do marido. “# eu me casei e me dediquei muito a esse
homem, mesmo sem amá-lo, eu nunca deixei de ser uma boa esposa para ele. # antes de
casar, eu sempre falava para ele que eu não gostava dele, que talvez eu até pudesse um dia
gostar dele, mas que naquele momento, eu não gostava. E ele dizia: não! Eu vou te fazer feliz,
eu tenho tudo para te oferecer e coisas assim. E eu acreditei, eu era muito ingênua, era uma
menina semi-analfabeta # E eu nem imaginava as pancadas que a vida iria me dar.”
Podemos observar que Dona Neuza se sentiu enganada, realmente traída pelas promessas de
felicidade feitas pelo então namorado.
“# Esse homem, que antes me prometeu céus e terras, me agredia muito, não
fisicamente, mas verbalmente, que é muito pior do que a agressão física porque ela te mata.
Te ferem locais que não cicatrizam nunca. Eu acho que ele mudou assim depois do
casamento, porque ele viu que, de fato, eu não o amava, embora eu me dedicasse muito a
ele”. Aqui podemos observamos que os sentimentos de mágoa e ressentimento do casal estão
vinculados a uma forte frustração de ambas as partes, tanto do marido que esperava obter o
amor da esposa depois do casamento, quanto da esposa que não conseguiu ter tal sentimento
pelo marido e esperava que o mesmo pudesse lhe proporcionar uma vida diferente da que teve
com sua família de origem. “# eu fui percebendo que ele queria fazer de tudo para se vingar
de mim, como se eu tivesse obrigação de amá-lo. Hoje eu sei que quem se casou enganada fui
eu, não ele, porque ele sabia, desde o início que eu não o amava, mas ele sim fez promessa a
mim que não foi capaz de cumprir. Ele queria que eu sentisse amor por ele, mas eu não
conseguia, eu não tinha nem atração física por ele, então tudo ficava mais difícil #”. A
compreensão que Dona Neuza tem, sobre as atitudes do marido para com ela, esta relacionada
a um sentimento de vingança, uma vez que, ela se sente culpada por não amar o marido e
acredita que ele deseja se vingar dela por causa disso.
Embora não conseguisse sentir amor pelo marido, Dona Neuza teve dois filhos
com este homem e procurou poupa-los das brigas que tinha com o marido. Para que os filhos
não vivessem num ambiente de brigas como o que ela havia vivido, Dona Neuza optou por
ouvir as reclamações do marido em silencio para que assim a discussão não se prolongasse. “#
eu sempre procurei poupa-los das nossas brigas. Eles nunca presenciaram nenhuma briga
minha com o pai deles porque eu sempre acabava engolindo sapo para que eles não
sofressem, # Deixava o pai deles me xingar e ficava quieta para não prolongar a briga. Eu
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não queria que eles sentissem o que eu senti na minha infância, não queria que eles vissem os
pais brigando #”.
Nesta época, a vida profissional de Dona Neuza estava em crescimento. Ela
trabalhava numa loja de roupas como vendedora e estava recebendo um salário suficiente para
manter a família. No entanto, assim como na adolescência, também neste momento ela sofreu
muita descriminação por ter muita habilidade com publico. “# e eu estava trabalhando numa
loja como vendedora de roupas. Nesse trabalho, novamente eu encontrei muita gente que não
gostava de mim porque eu vendia muito e ganhava bem mais do que quem vendia pouco, eu
sempre tive muita habilidade para trabalhar com publico. Novamente eu comecei a sentir
que, quando alguém não gosta de mim, eu me sinto mal, como acontecia quando eu trabalhei
na fabrica de chapéus. Mas eu sei que foi com o salário que eu ganhava nessa loja, que eu
consegui juntar dinheiro para comprar essa casa que eu moro hoje #”. Podemos observar
que, embora sofresse com a exclusão dos companheiros de trabalho, ela se sentiu
recompensada por que foi capaz de comprar a casa em que mora atualmente. Após conseguir
comprar esta casa, Dona Neuza teve que enfrentar um outro problema: o sentimento de
inferioridade por parte do marido. “# ele não se sentia bem porque eu ganhava mais do que
ele, você imagina que naquela época, mulher trabalhar já era uma vergonha para o marido,
ganhar mais do que ele então, nossa! Era terrível! E ele se sentia mal por causa disso, mas o
que eu podia fazer?, eu tinha que trabalhar! Então era uma baita pressão no trabalho e uma
baita pressão em casa. Ele não se conformava, ele sentia raiva de mim porque eu ganhava
mais do que ele, eu percebia que ele, inclusive, não queria que eu guardasse dinheiro para
comprar esta casa, porque isso seria muito humilhante para ele.
Diante de todos os conflitos que experienciou em sua vida, Dona Neuza relata que
não conseguia encontrar nenhum tipo de apoio que a ajudasse a enfrentá-lo. “# Nesta época,
eu não freqüentava igreja, me dizia católica porque a minha família era católica, mas não
sentia a presença de Jesus comigo, # eu sofri muito, sofri feito um cão!, não tinha no que me
apoiar, principalmente no meu casamento.”
Experiência Religiosa:
Dona Neuza sentiu necessidade de revelar alguns aspectos de sua vida e os
diversos sentimentos que a acompanharam durante muitos anos para que pudéssemos
compreender em que sentido sua experiência religiosa lhe trouxe crescimento pessoal.
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A primeira vez que Dona Neuza teve um contato mais intimo com a religião foi
numa viagem a Portugal onde ela conheceu a cidade de Fátima. Dona Neuza revela que, a
princípio, não teve vontade de conhecer a cidade e que só concordou com o passeio por
insistência do guia turístico. “# Chegamos a Lisboa e encontramos um guia que nos ofereceu
um pacote que incluía um passeio de duas horas em Fátima. Na hora eu pensei: o que eu vou
ficar fazendo duas horas em Fátima? Nem imaginava como seria importante para eu
conhecer aquela cidade #”.
Segundo o relato da entrevistada, ao chegar próximo da igreja de Fátima, Dona
Neuza começou a observar a fé das pessoas que ali estavam e isso lhe mobilizou uma emoção
que antes não havia sentido. “# chegamos naquela praça e eu vi aquela multidão, aquela
gente toda rezando, # você não imagina a energia que tem naquele lugar, é uma coisa
inexplicável, a fé daquelas pessoas é contagiante #”. Podemos pensar aqui que, o termo
‘contagiante’ utilizado por Dona Neuza significa que ela pode intojetar uma emoção, nunca
sentida anteriormente, através da observação da emoção de outras pessoas, ou seja, foi através
da espiritualidade alheia que ela entrou em contato com a sua própria espiritualidade.
Esta experiência em Fátima é sentida por Dona Neuza como um marco inicial de
sua vida religiosa. “# eu não sei te disser o que, mas eu senti que alguma coisa dentro de mim
estava diferente. Era uma força passava dentro do meu corpo, algo que me deixa inquieta,
mas o que eu sei é que eu entrei em Fátima de um jeito e sai de outro. E foi ai que começou a
minha experiência com Deus, com Jesus e Nossa Senhora #”.
Neste passeio à Fátima, Dona Neuza comprou um tercinho religioso e o guardou
na bolsa. Depois de conhecer Portugal, Dona Neuza foi viajar para Espanha e nestes pais ela
vivenciou uma outra experiência que fortaleceu ainda mais sua fé. Segundo seu relato, sua
bolsa havia sido roubada na cidade de Barcelona, que na época estava em guerra. Tal fato
deixou Dona Neuza bastante abalada, uma vez que, iria precisar encerrar a viagem e ter
diversos problemas por causa de seu passaporte. “# Eu fiquei desesperada, como eu iria ficar
num país estrangeiro sem passaporte, ainda mais em guerra? # Bom, fomos até uma
delegacia de polícia fazer um boletim de ocorrência e eu e lembro que o policial me
perguntou o que eu tinha dentro da minha bolsa. Eu me lembrei de tudo, falei até de um
batom que eu havia comparado lá, mas não tinha me lembrado de falar do terço, só no final é
que eu lembrei e pedi para o policial registrar que tinha um tercinho de Fátima dentro da
bolsa também. # voltamos para Lisboa e eu resolvi entrar numa igreja e pedir para Nossa
Senhora de Fátima que me ajudasse a encontrar a minha bolsa, eu me lembro que ainda
estava com um sentimento de desconfiança, e pensei: se essa santa for poderosa mesmo, a
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minha bolsa vai aparecer # Ficamos mais uns dois dias em Portugal, e quando já estávamos
prestes a voltar para o Brasil, a embaixada entrou em contato comigo dizendo que a minha
bolsa havia sido encontrada #”.
A explicação encontrada por Dona Neuza para justificar o aparecimento de sua
bolsa foi religiosa. Tal explicação veio acompanhada de muitos sentimentos novos para Dona
Neuza. “# na hora eu me ajoelhei no chão e comecei a chorar. Eu não podia acreditar que a
minha bolsa havia sido encontrada e que eu tinha duvidado do poder de Nossa Senhora.
Naquela hora eu senti que eu já não era mais a mesma pessoa. Eu chorei tanto de
arrependimento por ter duvidado de Nossa Senhora e também por não ter dado valor quando
o guia me ofereceu o passeio em Fátima, nossa!, não sei te explicar como foi o sentimento
que estava dentro de mim naquela hora, o que eu sei é eu era uma nova pessoa.” Podemos
entender que essa experiência foi sentida por dona Neuza como uma relação direta com o
transcendente, ou seja, ela sentiu que de alguma maneira Nossa Senhora queria ter um contato
mais intimo com ela e por isso auxiliou no aparecimento da bolsa. Neste sentido, pode-se
entender que o fator que mais mobilizou o fortalecimento da fé foi, na verdade, o sentimento
de desconfiança e posterior sentimento de culpa para com a santa “# eu não podia acreditar
que a minha bolsa havia sido encontrada e que eu tinha duvidado do poder de Nossa Senhora
#”. Dona Neuza sentiu que essa desconfiança havia rompido uma relação recém-formada com
Nossa Senhora e que o sentimento de culpa e a crença na religião católica havia de alguma
forma, restaurado essa mesma relação. “# naquela hora eu senti que eu já não era mais a
mesma pessoa # eu chorei tanto de arrependimento por ter duvidado de Nossa Senhora e
também por não ter dado valor quando o guia me ofereceu de ir para Fátima, nossa! Não sei
te explicar como foi o sentimento que estava dentro de mim naquela hora, o que eu sei é eu
era uma nova pessoa. #”. Ao sentir que era uma nova pessoa, Dona Neuza revela que sua
experiência religiosa foi tão intensa e propulsora de mudanças subjetivas, que ela já não se
reconhecia mais como a mesma pessoa de antes. Aqui se entende que, embora Dona Neuza
não estivesse conseguindo compreender o que de fato estava acontecendo em seu interior, ela
era capaz de sentir que sua percepção em relação a si mesma não era mais as mesmas.
Ao retornar para o Brasil, Dona Neuza continuou tendo outras experiências com o
divino que, em muito, reforçaram sua fé e a fez crescer psicologicamente à medida que
aprendeu a lidar com seus problemas de maneira mais equilibrada. “Eu tive e ainda tenho
muitas experiências de Deus na minha vida # quando eu voltei para o Brasil, eu já não era
mais a mesma pessoa, a minha fé havia tomando conta de mim, eu não tinha mais controle.
Desde então, eu freqüento a igreja e sigo os costumes do catolicismo. A minha vida foi
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mudando cada vez mais, eu fui sentindo que aquele sentimento de fé me fortalecia me fazia
ser diferente, não sei se é diferente, mas foi me fazendo agir de outra maneira #”. Ao revelar
que essas experiências religiosas a fizeram sentir e agir de maneira diferente pode-se pensar
numa possível relação com seu crescimento pessoal.
Crescimento pessoal:
Ao final da entrevista, Dona Neuza procurou colocar a sua compreensão sobre o
tema deste estudo e diz: “# eu tenho 75 anos e vou te dizer uma coisa muito importante: a
gente só cresce enquanto pessoa quando a gente realmente sente que tem algo mais forte nos
ajudando a crescer #”. Esse algo mais forte colocado por Nona Neuza é entendido como a
presença de uma força transcendente que, segundo sua compreensão, a faz crescer enquanto
pessoa e que é responsável pelo seu amadurecimento psicológico. “# você pode ter muitas
experiências na sua vida que te ensinem a resolver problemas ou a melhor maneira de
ganhar dinheiro ou coisas assim, mas nenhuma destas experiências te ajuda a amadurecer os
seus sentimentos, nenhuma te ensina a olhar para uma pessoa que te fez sofre durante uma
vida toda com olhos de perdão e compreensão. Sente que nenhuma outra experiência poderia
ter proporcionado essa mudança interior, subjetiva e extremamente pessoal. Nesse sentido,
pode-se dizer que a experiência religiosa de Dona Neuza, lhe proporcionou desenvolvimento
psicológico. “# Porque foi exatamente esse crescimento que a religião me proporcionou. Eu
aprendi a sentir o mundo de outra maneira, eu não aprendi a me comportar da maneira mais
adequada para ter uma boa conseqüência por isso, não! Eu aprendi a sentir as pessoas, as
situações de outra forma. Neste trecho observamos que Dona Neuza tem uma compreensão
muito clara sobre seu processo de crescimento pessoal, ela é capaz de compreender
exatamente quais as mudanças que lhe proporcionaram esse crescimento e entende que seu
amadurecimento psicológico ocorreu à medida que ela passou a entender e a sentir o mundo
de maneira menos pesada e com a ajuda de uma força superior a ela. Depois da experiência
religiosa, ela já não sentia que precisar resolver seus problemas, sozinha, pois, agora, havia
aprendido a compartilhar suas dificuldades com Deus. “# eu enxergo o mundo com os olhos
que Deus quer que eu enxergue # eu não preciso ficar me preocupando com o ‘porque’ das
coisas, eu simplesmente entrego tudo para Deus e deixo com que ele me deixe apenas a parte
que é minha responsabilidade cuidar, o resto, eu deixo nas mãos Dele. Observamos aqui um
amadurecimento a medida que ela não deixa de resolver seus problemas, mas procura gastar
energia emocional apenas com o que é de sua responsabilidade. “# hoje eu sigo o que Jesus
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fala: Seja uma nova criatura., perdoe, perdoe sempre. “Mas antes eu era uma pessoa triste,
revoltada, não aceitava a vida que eu estava levando e sofria muito com isso”.
Ao resumir em poucas palavras como entende toda a sua história de vida, Dona
Neuza pontua: “# eu te garanto, quem experimenta a Deus, nunca mais é a mesma pessoa #
Apesar de eu não ter nada, eu sinto que eu tenho tudo, eu sou muito feliz porque não me deixo
mais atingir por problemas do dia a dia, eu encontrei outras maneiras de lidar com eles,
quando tem alguém que me faz mal, eu rezo muito por essa pessoa para que o Espírito Santo
toque o coração dela assim como tocou o meu #”. Esse relato novamente vem confirmar que,
segundo a compressão de Dona Neuza, foi somente através da experiência religiosa que ela
conseguiu encontrar outras maneiras lidar com seus problemas e assim, crescer enquanto
pessoa.
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RESUMO GERAL DOS DEPOIMENTOS
Ao entrar em contato com as quatro entrevistas realizadas, pode-se perceber que
todas possuem semelhanças quanto a sua estrutura, ou seja, os participantes seguiram a
mesma linha de raciocínio para relatarem suas experiências religiosas. Todos procuraram
identificar, através de suas histórias de vida, como ocorreu o processo de crescimento
pessoal relacionando-o com suas experiências religiosas. Neste sentido, todos os
entrevistados optaram por começar seus depoimentos relatando as vivencias da infância para
chegar até suas experiências atuais.
Nos depoimentos de André, Maria e Fátima, é possível perceber que, a questão da
religiosidade familiar se fez presente e que, esta questão, é muito importante para a
compreensão do crescimento pessoal quando relacionado com a experiência religiosa de cada
entrevistado. Os três participantes relataram terem vivenciado, de maneiras diferentes, a
experiência religiosa dentro do contexto familiar e, atribuem à família os primeiros contatos
com a religiosidade. “# os pais, tentam posicionar para o filho alguma coisa no sentido
religioso#”. [depoimento de André].
“# começou como um processo natural. Fui batizada na igreja católica, tive uma
família católica participante #”. [depoimento de Fátima].
“# Minha família sempre foi muito religiosa #” [depoimento de Fátima].
Ainda em relação a esses depoimentos, observamos sentimentos de incoerência
percebidos pelos entrevistados com relação às orientações religiosas por parte de seus
familiares, sendo que, para todos eles, embora a família tenha sido a primeira fonte de contato
com a religiosidade, esta se mostrou muito incoerente e desestruturada no que se refere às
questões religiosas, o que gerou, em todos, sentimentos de desorientação espiritual durante a
infância e também na idade adulta.
“# e os meus pais, eles se diziam ser católicos. Mas assim..., dentro da minha
casa, eu nunca vi o catolicismo # quando você faz a primeira comunhão, aquilo te dá certa
concepção sobre a religião, e por outro lado, seus pais dizem outra coisa para você, coisas
que não batem com a religião”. [depoimento de André].
“# meu pai sempre foi um homem muito fiel a Deus, e quando ele passou por um
problema de saúde, ele buscou outras religiões, principalmente dentro do espiritismo, ele
recebia passe e aquelas coisas todas #”. [depoimento de Maria].
De raiz, a religião era importante..., mas muita coisa não era o mais importante,
era uma coisa mais formal. # e ai começa a dar uma confusão #” [depoimento de Fátima].
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Neste sentido, André e Fátima procuram transmitir para seus filhos, um tipo de
vivencia religiosa diferente da que tiveram em suas famílias de origem, os entrevistados se
mostram muito preocupados em conseguir passar paras os filhos, uma religiosidade mais
estruturada e direcionada. No relato de Fátima, em especial, podemos perceber que esta falta
de estrutura religiosa, dentro da família, gerou uma busca particular em direção ao encontro
com o transcendente, e segundo seu depoimento, essa busca só ocorreu porque ela não se
sentia segura com os ensinamentos religiosos que recebeu dos pais e também na igreja
enquanto criança. “# eu gosto de ficar explicando sobre a missa para eles [os filhos]
entenderem o porquê que eles estão lá. Eu gosto de colocar alguns momentos importantes
como na hora da consagração, eu me preocupo em fazer com que eles aproveitem mais do
que eu aproveitei #”.
O depoimento de Dona Neuza, neste sentido, se fez diferente dos demais. Nele
podemos notar uma outra direção para se falar sobre a experiência religiosa. A entrevistada
procurou enfatizar seus sentimentos nas diversas etapas de sua vida, no entanto, só veio a falar
de suas experiência religiosa ao final da entrevista e, diferente dos outros entrevistados, só
teve contato com a religião católica na fase adulta, o que deixou seu depoimento diferenciado
no que se refere a estrutura de conteúdo. Pode-se notar que Dona Neuza sentiu necessidade de
contar uma parte de sua história de vida, mesmo essa não estando relacionada diretamente
com a experiência religiosa em um determinado período de sua vida, o que nos faz pensar que
tal depoimento, diferente dos demais, teve um enfoque mais terapêutico para a entrevistada,
pois, ela pode contar sua história e só ao final da entrevista relaciona-la com sua experiência
religiosa para então pensar no seu crescimento pessoal. Diferente das demais entrevistas, nas
quais as experiências religiosas estavam presentes durante todas as etapas de vida.
No que se refere a vida social, podemos perceber que os relatos de André e Maria
se assemelham, uma vez que, ambos encontraram na religião um suporte para vida social, ou
seja, para o relacionamento com outras pessoas. André encontrou na igreja a namorada que
posteriormente veio a se tornar sua esposa e, segundo seu relato, foi importante que ele
encontrasse a namorada dentro da igreja, pois, foi somente ao comparar-la com outras
mulheres, fora da igreja, que André pode perceber a importante que ele dava para mulheres
que tinham uma orientação religiosa no seu dia a dia. “# até o dia em que eu conheci a minha
esposa. Ela era # diferente, ela vivia dentro da igreja, e ai, eu me apaixonei por ela # eu já
tinha contato com outras mulheres #”, você percebe nitidamente a sutileza das ações, a
sutileza do conversar, de uma pessoa que realmente considera a religião como parte da sua
vida, de uma outra, # que usa a religião como rótulo”.
72
No caso de Maria, a igreja também era o lugar onde ela poderia se socializar. Era
somente na igreja que ele encontrava crianças para brincar, pois, devido a super-proteção da
mãe, ela não tinha permissão para brincar com outras crianças. Aqui, observamos que a
experiência religiosa dos participantes estava muito misturada com outros aspectos de sua
vida, inclusive o social, o que pressupõe um desenvolvimento pessoal baseado na
religiosidade, ou seja, um crescimento psicológico ocorrendo junto com o desenvolvimento
espiritual. “# a gente não tinha muita amizade # fora da família não tinha amigos # eu
estudava, mas não fazia educação física por que era de manhã, e de manhã eu trabalhava
com minha mãe, e por isso e não tinha contato com as crianças, sabe com amigos? Pessoas
da mesma idade? eu não tinha, não podia ir na casa de ninguém, ninguém vinha em casa # e
foi na igreja que eu comecei a me envolver com outras pessoas”.
Um outro aspecto bastante importante para entendermos o crescimento pessoal
dos entrevistados, é a sua prática religiosa. Nós quatro depoimentos, percebe-se a importância
de se praticar a religiosidade no dia a dia. Todos os entrevistados enfatizaram que a
experiência religiosa não faz sentido sem uma prática religiosa. Para André, tocar bateria na
igreja é um meio de se encontrar com Deus, de ter um relacionamento real com o
transcendente, ou seja, é uma forma concreta de exercitar sua religiosidade. “# mas o que me
fez ficar mais assim próximo...., passar a acreditar profundamente na presença de Deus na
vida, foi quando eu comecei a tocar [instrumento]. Eu sempre quis aprender a tocar bateria,
e eu não tinha oportunidade #”.
Para Maria, o encontro com Deus ocorre através do relacionamento com outras
pessoas e por isso, ela precisar colocar em prática as condutas de vida que aprende na igreja
para que sua religiosidade faça sentido. “# para mim a fé só tem sentido na vida, no dia a dia,
porque se não, não tem sentido #”.
Fátima vivencia sua espiritualidade através das crianças da igreja, desse modo,
sente que ao ensinar as crianças sobre religião, está vivenciado o encontro com Deus. Sua
preocupação esta em transmitir uma religiosidade mais coerente para as crianças durante a
catequese e também para os próprios filhos.
Dona Neuza vivencia a religiosidade através de orações. Para ela, freqüentar as
missas diariamente e seguir o exemplo de Jesus Cristo é o que torna sua religiosidade mais
prática. “# hoje eu sigo o que Jesus fala: Seja uma nova criatura. , perdoe, perdoe sempre#”.
As experiências religiosas dos participantes também se assemelham muito quanto
as vivencias corporais da fé. Todos eles relataram terem sentido, fisicamente, sensações
estranhas ao corpo durante a vivencia da religiosidade. Para todos os entrevistados, essas
73
sensações foram entendidas como uma forma de comunicação com Deus, ou seja, uma forma
que Deus encontrou de se manifestar para eles.
“E ela [a mãe] insistiu para eu tomar o remédio e eu não tomei, e eu creio hoje
que eu não falei por mim, eu era criança, ingênua de tudo, e eu não iria falar com tanta
firmeza, com tanta convicção, fui muito teimosa! # E eu creio que foi pelas mãos de Maria,
ela é como uma mãe, que cuida com carinho, dá atenção, sabe o que passa#” [depoimento de
Fátima].
“# eu não sei te disser o que, mas eu senti que alguma coisa dentro de mim estava
diferente. Era uma força passava dentro do meu corpo, algo que me deixa inquieta, mas o
que eu sei é que eu entrei em Fátima de um jeito e sai de outro. E foi ai que começou a minha
experiência com Deus, com Jesus e Nossa Senhora #”. [depoimento de Dona Neuza].
Eu senti uma coisa muito diferente, uma sensação que eu nunca mais senti..., foi
como se fosse uma energia dentro de mim, que vinha das pontas dos meus pés e corria por
dentro. Sabe aquela sensação de formigamento nos pés e nas mãos? Quando parece que fica
adormecido? Era mais ou menos isso, eu não sei te explicar direito, só sentindo para você
entender. Eu sentia aquilo no meu corpo inteiro, principalmente no peito, e depois senti meu
coração disparar. Eu sei que essa foi uma manifestação física que eu senti naquele momento
durante a missa #” [depoimento de Fátima].
Após relatarem suas histórias de vida, os entrevistados procuram relacioná-las
com seu desenvolvimento pessoal e, neste sentido, muitos aspectos do crescimento
psicológico mostraram-se semelhantes, sendo que, todos enfatizaram a questão da mudança
de vida e visão de mundo, como resultado de um crescimento pessoal.
André relatou que, após ter vivenciado sua religiosidade, o maior crescimento que
teve enquanto pessoa foi a mudança de percepção em relação à família e ao trabalho. Na
prática, sentiu que seus comportamentos foram se modificando e isso fazia com que ele se
sentisse bem, ou seja, teve uma maior qualidade de vida A religião permite um crescimento
interior, um crescimento de sentimentos, uma mudança de sentimentos, de se colocar no
lugar do outro, de entender um pouco mais a vida, de entender as dificuldades que a vida
proporciona, # e também ao mesmo tempo, te dá sabedoria para saber como lidar com as
situações. “# eu sinto isso todos os dias!”.
Maria enfatizou que seu desenvolvimento pessoal ocorreu principalmente no
campo do auto-conhecimento, pois, ao entrar em contato com a espiritualidade, ela começou a
refletir sobre questões existenciais e sente que sem a religião essas questões, que são muito
importantes para ele, ficariam sem respostas. “# E eu vivi esses dez anos assim..., crescendo
74
enquanto pessoa, conversando comigo # e eu acredito que sozinha eu não teria nem chegado
a perceber que eu não sabia quem eu era # foi na oração que eu percebi que eu não sabia
quem eu era # na religião eu encontrei a força para agir#’.
Fátima sente que, seu crescimento pessoal ocorreu através de uma busca pelo
transcendente e que sem essa busca, ela não conseguiria enxergar o mundo como enxerga
hoje. Sente que sua experiência religiosa lhe proporcionou uma nova maneira de lidar com os
problemas cotidianos, e a luz do que compreende hoje, foi somente ao entrar em contato com
uma religiosidade que fazia sentido em sua vida, que ela pode transformar seus
comportamentos e sentir o mundo de outra maneira. “# eu acho que essa minha busca pela
espiritualidade me trouxe, principalmente, amadurecimento. Porque eu acho que você só se
desenvolve se você começa a conhecer, a entrar em contato com as coisas você cresce
quando você entende aquilo e tem sentimentos envolvidos. Então, foi nesse momento de
busca, de sofrimento, de mudanças que eu acabei crescendo #. “# toda essa minha busca foi
necessária # antes eu era uma pessoa mais insegura, ainda sou, mas hoje eu tenho Jesus do
meu lado, hoje eu sinto o meu anjo da guarda me dando a mão. Então eu não sou uma pessoa
super segura de tudo o que eu faço, eu tenho os meus medos, meus defeitos, mas hoje eu luto,
não fujo com tanta facilidade como eu fazia antes, e tudo isso mudou porque eu sinto que tem
alguém mais forte lutando ao meu lado, junto comigo # eu diria que eu nasci de novo! Porque
hoje eu sou uma outra pessoa e tudo isso por causa das coisas que eu te falei, da minha busca
e tal #”.
Para Dona Neuza, seu desenvolvimento pessoal ocorreu junto com seu
desenvolvimento religioso e, de acordo com sua compreensão, esse desenvolvimento só
ocorreu quando ela pode sentir que na religião encontraria apoio para lidar com suas
dificuldades emocionais. Nesse sentido, pode-se entender que Dona Neuza cresceu enquanto
pessoa à medida que, conseguiu desenvolver um auto-apoio para lidar com questões de sua
história de vida, que não estavam resolvidas. “# a gente só cresce enquanto pessoa quando a
gente realmente sente que tem algo mais forte nos ajudando a crescer # você pode ter muitas
experiências na sua vida que te ensinem a resolver problemas ou a melhor maneira de
ganhar dinheiro ou coisas assim, mas nenhuma destas experiências te ajuda a amadurecer os
seus sentimentos, nenhuma te ensina a olhar para uma pessoa que te fez sofre durante uma
vida toda com olhos de perdão e compreensão # foi exatamente esse crescimento que a
religião me proporcionou. Eu aprendi a sentir o mundo de outra maneira, eu não aprendi a
me comportar da maneira mais adequada para ter uma boa conseqüência por isso, não! Eu
aprendi a sentir as pessoas, as situações de outra forma #”.
75
ANÁLISE GERAL DOS DEPOIMENTOS
A análise dos depoimentos possibilitou verificar que, a experiência religiosa dos
entrevistados envolve elementos comuns e incomuns no processo de desenvolvimento
pessoal.
Ao entrar em contato com as quatro entrevistas realizadas, pode-se perceber que
todas possuem semelhanças quanto a sua estrutura, ou seja, os participantes seguiram a
mesma linha de raciocínio para relatarem suas vivencias religiosas. Todos procuraram
identificar, através de suas histórias de vida, como ocorreu o processo de crescimento pessoal
relacionando-o com suas experiências religiosas. Neste sentido, todos os entrevistados
optaram por começar seus depoimentos relatando as vivências da infância para chegar até
suas experiências atuais.
Nos depoimentos de André, Maria e Fátima, é possível perceber que, a questão da
religiosidade no núcleo familiar se fez presente e que, esta questão, é muito importante para a
compreensão do crescimento pessoal quando relacionado com a experiência religiosa de cada
entrevistado. Os três participantes relataram terem vivenciado, de maneiras diferentes, a
experiência religiosa dentro do contexto familiar e, atribuem à família os primeiros contatos
com a religiosidade. “# os pais, tentam posicionar para o filho alguma coisa no sentido
religioso#”. [depoimento de André].
“# começou como um processo natural. Fui batizada na igreja católica, tive uma
família católica participante #”. [depoimento de Fátima].
“# Minha família sempre foi muito religiosa #” [depoimento de Maria].
Ainda em relação a esses depoimentos, observamos sentimentos de incoerência
percebidos pelos entrevistados com relação às orientações religiosas por parte de seus
familiares, sendo que, para todos eles, embora a família tenha sido a primeira fonte de contato
com a religiosidade, esta se se mostrou muito incoerente e desestruturada no que se refere às
questões religiosas, o que gerou, em todos, sentimentos de desorientação espiritual durante a
infância e também na idade adulta.
“# e os meus pais, eles se diziam ser católicos. Mas assim..., dentro da minha
casa, eu nunca vi o catolicismo # quando você faz a primeira comunhão, aquilo te dá certa
concepção sobre a religião, e por outro lado, seus pais dizem outra coisa para você, coisas
que não batem com a religião”. [depoimento de André].
“# meu pai sempre foi um homem muito fiel a Deus, e quando ele passou por um
problema de saúde, ele buscou outras religiões, principalmente dentro do espiritismo, ele
76
recebia passe e aquelas coisas todas #”. [depoimento de Maria].
De raiz, a religião era importante..., mas muita coisa não era o mais importante,
era uma coisa mais formal. # e ai começa a dar uma confusão #” [depoimento de Fátima].
Neste sentido, André e Fátima procuram, em sua vida adulta, transmitir para seus
filhos, um tipo de vivência religiosa, diferente da que tiveram em suas famílias de origem, os
entrevistados se mostram muito preocupados em conseguir transmitir paras os filhos, uma
religiosidade mais estruturada e direcionada. No relato de Fátima, em especial, podemos
perceber que esta falta de estrutura religiosa, dentro da família, gerou uma busca particular em
direção ao encontro com o transcendente, e segundo seu depoimento, essa busca só ocorreu
porque ela não se sentia segura com os ensinamentos religiosos que recebeu dos pais e
também na igreja enquanto criança. “# eu gosto de ficar explicando sobre a missa para eles
[os filhos] entenderem o porquê que eles estão lá. Eu gosto de colocar alguns momentos
importantes como na hora da consagração, eu me preocupo em fazer com que eles
aproveitem mais do que eu aproveitei #”.
O depoimento de Dona Neuza, neste sentido, se fez diferente dos demais. Nele
podemos notar uma outra direção para se falar sobre a experiência religiosa. A entrevistada
procurou enfatizar seus sentimentos nas diversas etapas de sua vida, no entanto, só veio a falar
de sua experiência religiosa ao final da entrevista e, diferente dos outros entrevistados, só teve
contato com a religião católica na fase adulta, o que deixou seu depoimento diferenciado no
que se refere a estrutura de conteúdo. Pode-se notar que Dona Neuza sentiu necessidade de
contar uma parte de sua história de vida, mesmo essa não estando relacionada diretamente
com a experiência religiosa, o que nos faz pensar que tal depoimento, diferente dos demais,
teve um enfoque mais terapêutico para a entrevistada, pois, ela pode contar sua história e só
ao final da entrevista relaciona-la com sua experiência religiosa para então pensar no seu
crescimento pessoal. Neste sentido, a entrevista de Dona Neuza se diferenciou das demais
entrevistas, no que se refere à organização de idéias para o relato da experiência religiosa.
No que se refere a vida social, podemos perceber que os relatos de André e Maria
se assemelham, uma vez que, ambos encontraram na religião um suporte para vida social, ou
seja, para o relacionamento com outras pessoas. André encontrou na igreja a namorada que
posteriormente veio a se tornar sua esposa e, segundo seu relato, foi importante que ele
encontrasse a namorada dentro da igreja, pois, foi somente ao compará-la com outras
mulheres, fora da igreja, que André pode perceber a importante que ele dava para mulheres
que tinham uma orientação religiosa no seu dia a dia. “# até o dia em que eu conheci a minha
esposa. Ela era # diferente, ela vivia dentro da igreja, e ai eu me apaixonei por ela # eu já
77
tinha contato com outras mulheres #”, você percebe nitidamente a sutileza das ações, a
sutileza do conversar, de uma pessoa que realmente considera a religião como parte da sua
vida, de uma outra, # que usa a religião como rótulo”. (depoimento de André).
No caso de Maria, a igreja também foi o lugar onde ela pode se socializar. Foi
somente na igreja que, durante sua infância, ela encontrou crianças para brincar, pois, devido
a super-proteção da mãe, ela não tinha permissão para brincar com outras crianças. Aqui,
observamos que a experiência religiosa dos participantes estava muito misturada com outros
aspectos de sua vida, inclusive o social. No caso de Maria, em especial, podemos observar
que a sua religiosidade favoreceu o seu desenvolvimento pessoal, ou seja, um crescimento
psicológico (sociabilidade) ocorrendo junto com o desenvolvimento espiritual (participação
em atividades da igreja). “# a gente não tinha muita amizade # fora da família não tinha
amigos # eu estudava, mas não fazia educação física por que era de manhã, e de manhã eu
trabalhava com minha mãe, e por isso e não tinha contato com as crianças, sabe com
amigos? Pessoas da mesma idade? eu não tinha, não podia ir na casa de ninguém, ninguém
vinha em casa # e foi na igreja que eu comecei a me envolver com outras pessoas”.
(depoimento de Maria)
Um outro aspecto bastante importante para entendermos o crescimento pessoal
dos entrevistados, é a sua prática religiosa. Nos quatro depoimentos, percebe-se a importância
de se praticar a religiosidade no dia a dia. Todos os entrevistados enfatizaram que a
experiência religiosa não faz sentido sem uma prática religiosa. Para André, tocar bateria na
igreja é um meio de se encontrar com Deus, de ter um relacionamento real com o
transcendente, ou seja, é uma forma concreta de exercitar sua religiosidade. “# mas o que me
fez ficar mais assim próximo..., passar a acreditar profundamente na presença de Deus na
vida, foi quando eu comecei a tocar [instrumento]. Eu sempre quis aprender a tocar bateria,
e eu não tinha oportunidade #”. (depoimento de André)
Para Maria, o encontro com Deus ocorreu através do relacionamento com outras
pessoas e, por isso, ela precisou colocar em prática as condutas de vida que aprendeu na igreja
para que sua religiosidade fizesse sentido. “# para mim a fé só tem sentido na vida, no dia a
dia, porque se não, não tem sentido #” (depoimento de Maria).
Fátima pratica sua espiritualidade através de aulas para as crianças da igreja e,
desse modo, sente que ao ensinar as crianças sobre religião esta tendo um encontro verdadeiro
com Deus. Sua preocupação está em transmitir uma religiosidade coerente e estruturada para
as crianças durante a catequese e também para os próprios filhos.
Dona Neuza pratica sua a religiosidade através de orações e, para ela, freqüentar
78
as missas diariamente e seguir o exemplo de Jesus Cristo é o que torna sua religiosidade mais
concreta. “# hoje eu sigo o que Jesus fala: Seja uma nova criatura, perdoe, perdoe sempre#”.
As experiências religiosas dos participantes também se assemelham muito quanto
às sensações físicas, entendidas pelos participantes como manifestações concretas da presença
de Deus. Todos eles relataram terem sentido, fisicamente, sensações estranhas no corpo
durante a experiência da religiosidade. Para todos os entrevistados, essas sensações foram
entendidas como uma forma de comunicação com Deus, ou seja, uma forma que Deus
encontrou de se manifestar concretamente para eles.
“E ela [a mãe] insistiu para eu tomar o remédio e eu não tomei, e eu creio hoje
que eu não falei por mim, eu era criança, ingênua de tudo, e eu não iria falar com tanta
firmeza, com tanta convicção, fui muito teimosa! # E eu creio que foi pelas mãos de Maria, eu
era só uma criança, não iria conseguir sozinha, foi ela quem falou por mim, ela foi a minha
boca. Ela é como uma mãe, que cuida com carinho, dá atenção, sabe o que passa#”
[depoimento de Fátima].
“# eu não sei te disser o que, mas eu senti que alguma coisa dentro de mim estava
diferente. Era uma força passava dentro do meu corpo, algo que me deixa inquieta, mas o
que eu sei é que eu entrei em Fátima de um jeito e sai de outro. E foi ai que começou a minha
experiência com Deus, com Jesus e Nossa Senhora #”. [depoimento de Dona Neuza].
"# eu senti uma coisa muito diferente, uma sensação que eu nunca mais senti...,
foi como se fosse uma energia dentro de mim, que vinha das pontas dos meus pés e corria por
dentro. Sabe aquela sensação de formigamento nos pés e nas mãos? Quando parece que fica
adormecido? Era mais ou menos isso, eu não sei te explicar direito, só sentindo para você
entender. Eu sentia aquilo no meu corpo inteiro, principalmente no peito, e depois senti meu
coração disparar. Eu sei que essa foi uma manifestação física que eu senti naquele momento
durante a missa #” [depoimento de Fátima].
Após relatarem suas histórias de vida, os entrevistados procuram relacioná-las
com seu desenvolvimento pessoal e, neste sentido, muitos aspectos do crescimento
psicológico mostraram-se semelhantes, sendo que, todos enfatizaram a questão da mudança
de vida e visão de mundo, como resultado de um crescimento pessoal, ou seja, todos os
entrevistados entenderam que suas experiências religiosas trouxeram mudanças de
comportamentos e sentimentos, fatores estes que, para esta pesquisa, foram entendidos como
crescimento psicológico.
Podemos entender também que, em todos os relatos observa-se uma religiosidade
latente, colocada pela família durante a infância. Esta religiosidade um dia foi vivenciada de
79
forma explícita e, isso colaborou de certa forma, para que os entrevistados tivessem um
amadurecimento emocional, ou seja, um desenvolvimento pessoal a partir de mudanças
subjetivas e comportamentais.
André relatou que, após ter vivenciado sua religiosidade, o maior crescimento que
teve enquanto pessoa foi a mudança de percepção em relação à família e ao trabalho. Na
prática, sentiu que seus comportamentos foram se modificando e, isso fazia com que ele se
sentisse bem, ou seja, teve uma maior qualidade de vida A religião permite um crescimento
interior, um crescimento de sentimentos, uma mudança de sentimentos, de se colocar no
lugar do outro, de entender um pouco mais a vida, de entender as dificuldades que a vida
proporciona, # e também ao mesmo tempo, te dá sabedoria para saber como lidar com as
situações. “# eu sinto isso todos os dias!”.
Maria enfatizou que seu desenvolvimento pessoal ocorreu principalmente no
campo do auto-conhecimento, pois, ao entrar em contato com a espiritualidade, ela começou a
refletir sobre questões existenciais e sente que sem a religião essas questões, que são muito
importantes para ele, ficariam sem respostas. “# E eu vivi esses dez anos assim..., crescendo
enquanto pessoa, conversando comigo # e eu acredito que sozinha eu não teria nem chegado
a perceber que eu não sabia quem eu era # foi na oração que eu percebi que eu não sabia
quem eu era # na religião eu encontrei a força para agir#’.
Fátima sente que, seu crescimento pessoal ocorreu através de uma busca pelo
transcendente e que sem essa busca, ela não conseguiria enxergar o mundo como enxerga
hoje. Sente que sua experiência religiosa lhe proporcionou uma nova maneira de lidar com os
problemas cotidianos, e a luz do que compreende hoje, foi somente ao entrar em contato com
uma religiosidade que fazia sentido em sua vida, que ela pode transformar seus
comportamentos e sentir o mundo de outra maneira. “# eu acho que essa minha busca pela
espiritualidade me trouxe, principalmente, amadurecimento. Porque eu acho que você só se
desenvolve se você começa a conhecer, a entrar em contato com as coisas você cresce
quando você entende aquilo e tem sentimentos envolvidos. Então, foi nesse momento de
busca, de sofrimento, de mudanças que eu acabei crescendo #”. “# toda essa minha busca foi
necessária # antes eu era uma pessoa mais insegura, ainda sou, mas hoje eu tenho Jesus do
meu lado, hoje eu sinto o meu anjo da guarda me dando a mão. Então eu não sou uma pessoa
super segura de tudo o que eu faço, eu tenho os meus medos, meus defeitos, mas hoje eu luto,
não fujo com tanta facilidade como eu fazia antes, e tudo isso mudou porque eu sinto que tem
alguém mais forte lutando ao meu lado, junto comigo # eu diria que eu nasci de novo! Porque
hoje eu sou uma outra pessoa e tudo isso por causa das coisas que eu te falei, da minha busca
80
e tal #”.
Para Dona Neuza, seu desenvolvimento pessoal ocorreu junto com seu
desenvolvimento religioso e, de acordo com sua compreensão, esse desenvolvimento só
ocorreu quando ela pode sentir que na religião encontraria apoio para lidar com suas
dificuldades emocionais. Nesse sentido, pode-se entender que Dona Neuza cresceu enquanto
pessoa à medida que, conseguiu desenvolver um auto-apoio para lidar com questões de sua
história de vida, que não estavam resolvidas. “# a gente só cresce enquanto pessoa quando a
gente realmente sente que tem algo mais forte nos ajudando a crescer # você pode ter muitas
experiências na sua vida que te ensinem a resolver problemas ou a melhor maneira de
ganhar dinheiro ou coisas assim, mas nenhuma destas experiências te ajuda a amadurecer os
seus sentimentos, nenhuma te ensina a olhar para uma pessoa que te fez sofre durante uma
vida toda com olhos de perdão e compreensão # foi exatamente esse crescimento que a
religião me proporcionou. Eu aprendi a sentir o mundo de outra maneira, eu não aprendi a
me comportar da maneira mais adequada para ter uma boa conseqüência por isso, não! Eu
aprendi a sentir as pessoas, as situações de outra forma#”.
Através da descrição dos aspectos comuns e não comuns dos depoimentos, penso
que, de maneira geral, as análises revelaram que a experiência religiosa dos participantes está
relacionada com um desenvolvimento pessoal no sentido de mudanças subjetivas em suas
vidas. Neste contexto, podemos pensar que, todos os participantes atribuíram mudanças de
sentimentos e comportamentos em relação a diversos aspectos de suas vida à experiência
religiosa que tiveram. Esse assunto será mais refletido na parte “discussão do trabalho”.
81
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este estudo teve como objetivo compreender fenomenologicamente, a experiência
religiosa de católicos em sua relação com o desenvolvimento pessoal, ou seja, compreender
em que sentido as experiências religiosas, relatadas pelos entrevistados, lhes proporcionou
crescimento psicológico.
Por se tratar de uma pesquisa fenomenológica qualitativa, procurei enfocar a
experiência religiosa dos colaboradores através de suas vivências primeiras, ou seja, procurei
ir além da descrição material das experiências, aproximando-me o máximo possível da
vivência dos sujeitos.
Para enriquecer esta discussão, é importante aprofundar e confrontar alguns
pontos de relevância da análise dos depoimentos com afirmações e teorias de outros
estudiosos deste assunto.
Amatuzzi (1998a) descreve seu conceito de experiência como sendo um
conhecimento adquirido no dia a dia, na prática cotidiana, no lidar concretamente com os
objetos, e não através dos livros ou do exercício da razão.
Valle (1998) entende que, a palavra experiência esta relacionada à percepção
empírica e imediata das coisas, das pessoas, do mundo, de Deus ou do sagrado. A experiência
religiosa seria um conhecimento diferente que nos toca diretamente e que atinge o mais fundo
do nosso ser.
Neste contexto, se a palavra experiência, de maneira geral, é entendida como um
conhecimento obtido na prática e não nos livros, que atinge o indivíduo no seu centro mais
profundo e o leva a estabelecer relações com aquilo que o toca, o que pensar então de uma
experiência bem específica: a experiência religiosa? Podemos pensar também em que sentido
essa experiência específica pode contribuir para um desenvolvimento psicológico.
Foram estas as questões que deram início a este estudo e, para discuti-las
procurei analisar cada depoimento não apenas como um relato verbal, mas como a
manifestação das vivências de um sujeito que, ao falar, relata uma totalidade dinâmica e
única.
Experiência Religiosa
Amatuzzi (2001) em seu trabalho: “Esboço de teoria do desenvolvimento
religioso”, traz importantes contribuições quanto a alguns conceitos dentro da Psicologia da
82
Religião. Dentre eles, destaca-se, para este estudo, o conceito de experiência religiosa que,
segundo o autor, vem a ser a experiência da pessoa no campo das indagações pelo sentido
último. O autor explica que cada um pode ter uma história a contar quanto a isso, no entanto,
para alguns, nessa história ocorreram experiências religiosas num sentido mais específico.
Trata-se de acontecimentos marcantes ou transformadores no campo religioso, que foram
assumidos com esse significado, ou seja, relacionados com o sentido ultimo. Nessa acepção
mais específica, uma determinada experiência religiosa corresponde à vivência de um
encontro pessoal com outra dimensão da realidade de onde decorre a compreensão mais
radical de todas as coisas, e que é, em geral, referida a um pólo transcendente do sentido,
denominado Deus.
Foi nesse sentido de experiência religiosa, descrito por Amatuzzi, que se baseou o
presente estudo. Nos quatro depoimentos, observamos que a relação entre experiência
religiosa e crescimento pessoal é abordada a propósito de acontecimentos concretos,
vivenciados no campo religioso e, compreendidos pelos participantes como um encontro com
o transcendente.
É interessante observar que envolvendo o divino, o transcendente ou o mais
profundo do Eu, a experiência religiosa aparece como algo que ultrapassa o plano das idéias,
sendo difícil para os sujeitos descrevê-la tal e qual como foram vivenciadas. Por ir além do
plano das idéias, usar apenas a linguagem verbal ou escrita para transmiti-la, é como reduzi-la
a um contexto empobrecido de significado. Dessa forma, não podemos atribuir à experiência
religiosa um caráter passivo ou uma relação mágica de causa e efeito na qual, por acaso, o
sujeito vivencia algo diferente, novo e de repente não é mais o mesmo. A respeito desse
caráter dinâmico, Meslin (1992) revela que a experiência religiosa é procurada pelo homem e
se concretiza a partir da imitação voluntária de um modelo.
Amatuzzi (1997) procura explicar alguns conceitos de Martin Buber sobre a
religiosidade humana e diz o seguinte: “A experiência religiosa pode, em primeiro lugar, ser
entendida como inquietação religiosa. Esta é a experiência das dimensões do vazio que nos
habita, seja ele aceito como mola propulsora de uma busca que não sabemos onde vai dar,
seja ele negado por um raciocínio simples, de que se trata no fundo de uma sensação ilusória
decorrente basicamente de nossa própria capacidade de pensamento abstrato” (p.32). Sobre
essa inquietação religiosa, observamos que o depoimento de Fátima revela bem o conceito do
autor citado a cima, uma vez que, foi para encontrar respostas para essa inquietação espiritual
que a participante iniciou sua busca religiosa, ou seja, foi por uma inquietação subjetiva de
ordem religiosa, que Fátima deu início a sua vivência espiritual.
83
Neste mesmo artigo, Amatuzzi (1997) faz uma lista com doze pontos que lhe
pareciam ser um pensamento de estilo buberiano sobre a experiência religiosa e dentre eles,
gostaria de destacar dois que corroboram com os depoimentos colhidos neste estudo. Primeiro
o autor diz que existem qualidades características da experiência religiosa e que, uma delas é
a qualidade abrumadora desta experiência, isto é, ela é uma experiência que faz o sujeito
vivenciar uma realidade totalmente diferente do cotidiano, da qual resulta também um olhar
totalmente diferente sobre si mesmo ou sobre o significado da própria vida. Esta questão
aparece em todos os depoimentos colhidos e é o foco deste estudo, pois, foi ao vivenciar a sua
religiosidade no dia a dia que os participantes modificaram seus olhares sobre si mesmo e
sobre suas vidas de maneira geral. “Diante da grandeza do experienciado, os participantes se
sentiram como nublados, infinitamente pequenos e entregues” (Amatuzzi, 1997 p.33).
Podemos entender que os participantes, nesse sentido, se sentiram entregues ao transcendente
e a conseqüente sensação de mudança interior que a experiência religiosa lhes proporcionou.
O segundo ponto colocado por Amatuzzi (1997) é que: “a experiência religiosa
tem uma repercussão direta na vida da pessoa. Ela é tal que transforma ou modifica a vida”
(p. 35). Esta colocação vem explicar o sentido de mudança subjetiva relatado pelos sujeitos
deste estudo, ou seja, as transformações internas, vivenciadas por eles foram tão significativas
que a conseqüência desta foi um crescimento pessoal no sentido de mudança de visão de
mundo com a conseqüente modificação de suas ações cotidianas. “A experiência religiosa
abre a pessoa para um mundo inteiramente novo e diferente do cotidiano, do qual só é
possível dar conta a partir de dentro dele mesmo (Amatuzzi 1997 p.37)”. Essa colocação de
Amatuzzi vem explicar esse sentido de mudanças subjetivas relatadas pelos participantes, ou
seja, a experiência religiosa proporcionou a eles uma mudança de visão de mundo que só
pode ser compreendida a partir de dentro da própria vivência da pessoa (diretamente ou por
compreensão empática).
Analisando os depoimentos nesta perspectiva, verificamos que os quatro sujeitos
abordam a experiência religiosa como algo procurado, uma experiência que exige
investimento pessoal, pois, implica em busca e continuidade. Portanto, não aparece como uma
prova sofrida pelo sujeito e, revela também a imitação voluntária de um modelo. Esta questão
fica bastante evidente no depoimento de Fátima, no qual, a participante relata que em
momentos difíceis de sua vida, ela deixa de pensar por si mesma e procura pensar o que Jesus
faria para resolver seu problema.
84
Religiosidade e Crescimento Pessoal
Para Amatuzzi (1997), o senso religioso ou religiosidade latente seria aquilo que
em nós, seres humanos concretos e históricos, está na base das questões de sentido que
colocamos enquanto questões que podem ser radicalizadas até à ultimidade do sentido.
Isso foi verificado no presente estudo ao observarmos que em todos os
depoimentos, encontramos uma religiosidade latente, anterior às experiências religiosas
relatadas pelos sujeitos. Esta religiosidade latente um dia foi vivenciada de forma explícita e
isso colaborou de certa forma, para que os entrevistados tivessem um amadurecimento
emocional, ou seja, um desenvolvimento pessoal a partir de mudanças subjetivas que
trouxeram como conseqüência mudanças comportamentais.
Para André, a principal mudança ocorreu em relação à maneira dele enxergar a
família e o trabalho. Segundo seu relato, foi somente após um contato mais intimo com o
transcendente que ele passou a ter mais paciência com os filhos e a sentir a esposa de maneira
mais afetiva. Em seu trabalho, passou a se colocar no lugar de seus funcionários (empatia) e a
estabelecer uma relação mais humana com os mesmos.
Para Maria, a experiência religiosa lhe ajudou a sentir-se mais segura em suas
ações. Seu depoimento mostra que, a crença em Deus a fortalece e a auxilia a tomar decisões
difíceis, além de ajudá-la a refletir sobre suas questões existenciais.
Para Fátima, vivenciar a religiosidade lhe proporcionou uma sensação de paz, de
encontro com uma espiritualidade que sempre procurou, mas não havia encontrado até então.
Essa sensação de encontro com Deus dentro do catolicismo fez com que ela sentisse as
pessoas a sua volta de maneira mais amorosa.
Para Dona Neuza, a experiência religiosa proporcionou a oportunidade de viver
uma vida sem mágoas e ressentimentos do passado. A conseqüência dessa experiência foi,
principalmente, um novo olhar em relação a seu marido e uma nova maneira de lidar com
seus problemas cotidianos.
Amatuzzi (2001) supõe ainda que, se formos fiéis ao movimento de indagação
pelo sentido, deixando-nos conduzir pela busca que ele contém, acabaremos formulando a
pergunta pelo sentido último, mais radical. O senso religioso acaba se concretizando assim, e
a forma como isso acontece varia de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem ir desde o
assumir de uma religião já sistematizada externamente até uma tomada de posição a-religiosa
ou atéia, passando por formas mais exclusivamente pessoais ou individuais de vivência de
espiritualidade. Neste sentido, podemos pensar que a busca pelo transcendente relatada por
85
Maria, foi uma busca por respostas de sentido ultimo em relação á sua existência, ou seja,
Maria foi fiel ao movimento de indagação pelo sentido, deixando-se conduzir pela busca que
ele contém, e com isso acabou formulando a pergunta pelo sentido ultimo “# foi na oração
que eu percebi que eu não sabia quem eu era # eu disse para o padre: ‘padre, eu não sei
quem eu sou! # e eu acredito que sozinha eu não teria nem chegado a perceber que eu não
sabia quem eu era #”. Maria só veio a encontrar as respostas para suas questões dentro do
catolicismo, e foi por esse motivo que ela permaneceu adepta a essa religião, ou seja, foi
porque o catolicismo respondeu a suas questões existenciais que Maria o adotou como sua
religião de escolha.
Para reforçar a compreensão de mudanças subjetivas relatadas pelos participantes,
cito Catalan (1999). Este autor ressalta que uma experiência religiosa autêntica, tende a ser
transformadora. Esta experiência poderia ser entendida como uma conversão que não tem
nada de mágico e que possibilita ao indivíduo um voltar-se para Deus e um desviar-se de tudo
o que possa interferir negativamente nessa relação.
Destaco ainda que, tanto como uma experiência inesperada (como no caso de
Dona Neuza) com elementos de revelação ou como uma experiência trabalhada (como no
caso de Fátima e André), os depoimentos confirmam os benefícios decorrentes da experiência
religiosa, propostos por Argyle (1990), ou seja, a presença de um bem-estar subjetivo e uma
sensação de significado interior. Neste sentido, fica evidente que a experiência religiosa
possibilitou aos sujeitos uma mudança muito mais existencial do que meramente cognitiva. É
o que Denne e Thompson (1991), denominam de experiência de transição de uma falta de
sentido e propósito na vida para uma vida com significado e propósito. Essa transição acarreta
assumir maiores responsabilidades por si mesmo, por uma vida ativa e autoconfiante; acarreta
também maior conscientização de aspectos da experiência, decisões marcantes, e progresso
em direção a uma relação mais equilibrada consigo mesmo e com mundo.
Psicologia e Experiência Religiosa
Vergote (2001) em seu texto: ‘Necessidade e desejo da religião na ótica da
Psicologia’, levanta a questão: é a religião necessária psicologicamente? (p.15). Este mesmo
autor explica que essa questão, até alguns anos atrás, não tinha sentido e não era aventada,
mesmo havendo pessoas que zombassem da religião. Vergote diz também que, quando a
“Psicologia coloca a questão de saber se a religião é necessária, então a palavra
86
‘necessário’, nesse contexto, está relacionada ao bom funcionamento psicológico do homem”
(p.15).
Para este mesmo autor, a religião seria importante segundo dois pontos de vista
diferentes: primeiro do ponto de vista da Psicologia Social e segundo do ponto de vista da
Psicologia Clínica.
No que se refere ao ponto de vista social, podemos entender que a religião se faz
necessária, uma vez que, ajuda a controlar alguns comportamentos que são socialmente
inadequados, tais como: adultério, criminalidade, entre outros. Neste sentido, a religião atua
como uma auxiliadora nas questões morais, o que com certeza é muito importante para se
viver em sociedade.
Nos depoimentos analisados para esta pesquisa, podemos encontrar dados que
corroboram com o ponto de vista de Vergote. André relatou que a religião o ajuda a manter-se
fiel à sua esposa e família mesmo num ambiente que proporciona dificuldades para isso.
Segundo seu relato, é na religião que ele encontra motivação para manter uma conduta
socialmente adequada.
No que se refere à Psicologia clínica, Vergote explica que ainda existe muita
divergência quando a questão religiosidade se faz presente. Para alguns autores, a religião é
prejudicial à saúde mental, uma vez que, esta está relacionada a psicopatologias. Como
argumentos, alguns autores citam a questão dos delírios religiosos, a culpabilização da
sexualidade e as neuroses coletivas de culpa que dela resultam, o encorajamento de
experiências suspeitas e perigosas como visões e aparições. Com opiniões opostas,
encontramos autores que defendem a religião e a considera importante do ponto de vista
psicológico. Vergote (2001) afirma também que a fragmentação de aspectos socialmente
importantes para o homem, tais como: família, economia, ciência, entre outros, é
desumanizadora e, nesse sentido, produz doenças psíquicas, como a depressão. Não se pode
curar psicologicamente esses estados sem se dar um sentido a vida. É preciso também
restaurar o homem em sua unidade e apoiar a terapia numa visão global do homem e, nisso, a
religião tem muito a oferecer. O depoimento de Dona Neuza vem confirmar as afirmações
acima, pois, segundo ela, foi somente quando encontrou sentido para sua vida dentro da
religião católica que ela pode curar suas mágoas de uma vida, até então, cheia de tristezas e
más recordações.
87
Relação com outra pesquisa da área
Os resultados desta pesquisa corroboram com o estudo de Linares (2001) quanto
ao significado de mudança interior que a experiência religiosa provoca na vida das pessoas.
Apesar de a citada autora ter estudado o significado da experiência religiosa em pessoas de
diferentes denominações religiosas, ela encontrou resultados semelhantes a este estudo (que
enfatizou somente a experiência religiosa de católicos) no que diz respeito aos benefícios que
a experiência religiosa trás para a vida das pessoas, ou seja, em sua pesquisa, Linares
observou que não importa qual a denominação religiosa que a pessoa pertença, pois, o
significado subjetivo que a experiência religiosa trás, é o mesmo.
Concluindo
É importante ressaltar que os resultados dessa pesquisa não sugerem uma relação
simples e direta entre experiência religiosa e transformação existencial, nem apontam,
exclusivamente, para uma relação geral e positiva entre experiência religiosa e
comportamento saudável. O que podemos concluir deste estudo é que a experiência religiosa
dos participantes contribuiu para uma mudança subjetiva com conseqüente modificação de
comportamentos. Tais mudanças podem ser entendidas como uma faceta do crescimento
pessoal. Podemos afirmar com segurança que a vivência religiosa proporcionou uma melhora
na qualidade de vida dos participantes na medida em que estes modificaram suas maneiras de
enxergar e compreender o mundo a sua volta. Concordo com Hill e Butter (1995) quando
dizem que tanto a experiência religiosa como a prática do comportamento saudável são
entidades de multi-facetas, cada uma envolvendo, uma variedade de crenças, valores,
atitudes e comportamentos (p.141).
Termino esta conclusão destacando que, a legitimação da experiência religiosa
como uma variável de pesquisa nos revela que desprezar a centralidade e a importância dessa
variável na vida humana, seria negligenciar uma faceta da nossa própria existência.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo mostrou que a experiência religiosa dos participantes está relacionada
com o desenvolvimento pessoal. Esta relação ocorre num sentido de mudanças subjetivas,
particulares e singulares que trouxeram como conseqüência, mudanças no comportamento dos
participantes, os quais relataram sentir uma melhora na qualidade de vida. Dessa maneira,
podemos entender que a experiência religiosa proporcionou, para estes sujeitos, crescimento
pessoal.
A pesquisa fenomenológica da experiência religiosa é um esforço de retorno à
experiência básica para além de suas sistematizações. É um esforço de dizer sempre de novo a
pureza original dessa experiência e seus desdobramentos. Neste sentido, vale a pena reforçar a
grande importância de continuações dos estudos dentro desta área para que se possa conhecer
melhor este valioso aspecto da dimensão humana: o religioso.
Neste sentido, considero que é dever da Psicologia, enquanto ciência que se
preocupa com as dimensões psíquicas do homem, compreender as questões de ordem
religiosa e auxiliar o homem em sua suas questões de sentido ultimo.
Considero importante também destacar que, este estudo contou com número
pequeno de participantes e, sendo assim, outros aspectos podem ser enriquecidos com novas
pesquisas de aprofundamento do tema. Além disso, temos que levar em conta que para esta
pesquisa, todos os sujeitos estavam envolvidos seriamente com uma prática religiosa, ficando
abertas as questões: será que se os sujeitos fossem escolhidos aleatoriamente, independente de
estarem ou não, envolvidos com a religião católica, o resultado seria o mesmo? Será que
existiria semelhança de resultados se essa pesquisa fosse realizada com participantes de outras
religiões cristãs e não cristãs. Será que as experiências religiosas relatadas pelos sujeitos
poderiam ao invés de contribuírem para um crescimento pessoal estarem contribuindo para
uma alienação da realidade que os cerca, ou seja, as mudanças subjetivas relatadas pelos
89
participantes estarem servindo como um tipo de defesa para não entrarem em contato com
uma realidade dura e de difícil acesso? Podemos pensar ainda que a religiosidade foi somente
um meio para que os sujeitos obtivesse crescimento pessoal e que poderia haver outros
caminhos que os levassem a ter esse mesmo crescimento sem, no entanto, estar relacionado
com um experiência religiosa?
Diante dessas questões, penso se não haveria alguma maneira de explorarmos a
profundidade de reflexões psicológicas desses sujeitos a respeito de suas experiências
religiosas? Ou seja, seria possível que a Psicologia promovesse um tipo de acompanhamento
reflexivo no sentido de um aprofundamento psicológico do alcance da experiência religiosa?
Acredito que pesquisas sistemáticas envolvendo essas questões possam contribuir,
e muito para que as questões levantadas neste primeiro trabalho sejam aprofundadas, pois
cada vez mais, me convenço de que a dimensão espiritual faz parte da natureza humana, da
mesma forma que a física e a psíquica e, como tal, necessita igualmente ser investigada.
90
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São Paulo: Ed Loyola.
94
ANEXOS
95
ANEXO I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu_____________________________________________________________ nacionalidade
__________________,estado civil ________________,portador do RG__________________
Residente à Rua____________________________________ nº____________ na cidade de
______________, através do presente instrumento autorizo a realização e gravação de
entrevista pela Psicóloga Thais de Assis Antunes CRP 06/73769, para fins exclusivos de
pesquisa. Estou ciente de que esta pesquisa pode contribuir para um maior conhecimento na
área da Psicologia da Religião, especialmente para profissionais que trabalham com pessoas
religiosas. O estudo tem como objetivo compreender a experiência religiosa de católicos na
sua relação com o desenvolvimento pessoal. Estou ciente também de que o presente estudo
não oferece riscos para seus participantes. Poderei, sempre que quiser entrar em contato com a
pesquisadora para maiores esclarecimentos, pelo telefone (19) 97209589.
Campinas,_______de_____________200_
Assinatura da pesquisadora Assinatura do participante
96
ANEXO II
FICHA DE DADOS PESSOAIS
Nome:
Idade: Sexo:
Estado Civil:
Local de Nascimento:
Grau de instrução:
Tempo que freqüenta a comunidade católica:
Menos de 1 ano ( )
De 1 a 3 anos ( )
De 4 a 6 anos ( )
De 7 a 10 anos ( )
Mais de 10 anos ( )
Freqüência com que participa das atividades religiosas:
1 vez por semana ( )
2 vezes por semana ( )
3 vezes por semana ( )
Todos os dias ( )
Como começou a freqüentar a comunidade católica?
Família ( )
Amigos ( )
Escola ( )
Iniciativa própria ( )
97
ANEXO III
TABELA DE PONTUAÇÃO ESCRITA
Linguagem oral Código utilizado
Pausa breve ...
Pausa longa ....
Silêncio (silêncio)
Palavras do entrevistado
Itálico
Palavras da entrevistadora
Times new roman
Explicações da entrevistadora
[ ]
Frases interrompidas
#
98
Anexo IV
1
a
. Entrevista: André.
T: Thais (Entrevistadora)
A: André (entrevistado)
T: A. eu estou fazendo um trabalho sobre Psicologia e religião. Gostaria que você me
contasse um pouco sobre a sua experiência religiosa, enfocando como se deu esse processo,
como que você começou a vivenciar a sua vida religiosa, desde a sua infância, com seus pais,
sua família. O que você entende por experiência religiosa e se você acha que a sua experiência
religiosa te trouxe crescimento pessoal e em que sentido.
A: Olha ..., a questão religiosa, na minha opinião, ela nasce dentro da sua casa, de uma
forma ou de outra. Os pais..., de maneira geral, tentam posicionar para o filho alguma coisa
no sentido religioso. O que difere de uma família para outra, é que cada pai passa uma coisa.
E os meus pais..., assim como muitos pais, não eram..., eles se diziam ser católicos, porém
iam a centros espíritas, freqüentavam outras igrejas, mas assim..., eram católicos!
Colocaram-me na primeira comunhão, primeira eucaristia, essa coisa toda normalmente.
Mas assim..., dentro da minha casa, eu nunca vi o catolicismo..., eles diziam que eram
[católicos] como todo mundo diz hoje, quando alguém pergunta qual é a religião e a pessoa
não tem nenhuma, ai ela diz que é católica.
T: É mais ou menos como um rótulo?
A: É..., quando a pessoa não faz nada, ela diz que é católica. Meus pais, no entanto, nunca se
confessaram, nunca participaram de uma missa, e faziam coisas..., digamos assim..., que não
são permitidas pela igreja católica.
Muito bem..., eu cresci e sempre fui muito influenciado pelos meus pais, e como éramos três
irmãos, nós sempre ouvíamos assim: que o homem precisa se divertir..., e se divertir pra eles
é namorar uma hoje, namorar uma outra amanhã. O homem tinha que casar bem mais tarde,
tinha que aproveitar a vida, vamos dizer assim. E ai começa a dar uma confusão, porque
quando você faz a primeira comunhão, aquilo te dá certa concepção sobre a religião, e por
outro lado, seus pais dizem outra coisa para você, coisas que não batem com a religião e ai
você começa a perceber que a vida, que a vida religiosa não é bem aquilo..., você começa
99
aperceber isso... Que os seus pais, que os meus pais no caso, não queriam passar isso pra
mim.
Bom...., como eu era muito influenciado pelos pais, eu namorava..., trocava de namorada
como se trocava de camisa, se uma namorada terminasse comigo, aquilo não me afetava em
nada. Por quê? Por causa da influência dos meus pais.
Muito bem, até o dia em que eu conheci a minha esposa. Ela era um pouco diferente, ela
vivia dentro da igreja, e ai eu me apaixonei por ela, e com aquela ânsia de conquista-la, eu
passei a freqüentar os locais que ela freqüentava, e aos poucos..., com isso, eu fui me
interessando pelas atividades. Ela dava aulas de catequese, participava de grupo de jovens,
tinha determinados compromissos religiosos que eu passei a admirar. E isso foi me levando
assim como um hábito religioso. Comecei a valorizar a mulher que se guarda para uma
pessoa, sabe...? eu achei aquilo incrível! A minha mulher casou virgem, para você ter uma
idéia! E ai as sua ações são diferentes, porque como eu já tinha contato com outras
mulheres..., você percebe nitidamente a sutileza das ações, a sutileza do conversar, de uma
pessoa que realmente considera a religião como parte da sua vida, de uma outra, que como
você mesmo disse..., usa a religião como rótulo.
Bom....., e isso foi me envolvendo. E eu fui indo, né? Casamos..., nos afastamos de religião,
voltamos [para a igreja]..., quer dizer..., tudo isso é normal! As vezes você não concorda com
certas coisas, principalmente quando começa a conviver em comunidades. Ai você diz que
não aceita isso e que vai sair. Beleza! só que você precisa se explicar [explicar porque vai
sair da comunidade]..., é assim na comunidade e na sua casa, lá tem pessoas de todo jeito.
Muito bem...., casamos, tivemos filhos. Nós nos casamos muito cedo, eu tinha 21 anos e ela
20. Os problemas começaram a aparecer, as dificuldades não são mais aquelas de solteiro,
são outras.
Muito bem...., isso é um pouco assim..., da minha adolescência. Agora eu vou falar um pouco
sobre depois do casamento. A minha mulher, principalmente, ela é uma mulher que mesmo
estando afastada da igreja..., [ela continua atuando com se estivesse dentro da igreja]. O fato
de ela ter certa percepção [em relação as coisas da igreja] diferente de como lidar com as
situações, e ai entra a influência da religião, de acreditar naquilo que o catolicismo prega,
sabe? Detectar aquilo que o catolicismo prega..., detectar que algumas coisas..., ela sabia
conduzir muito bem..., os problemas..., essas coisas todas.
Até o tempo em que nós nos mudamos pra cá , pra Campinas, e eu tive uma mudança de
status muito grande, muito rápido. Com 28 anos eu era gerente, passei ter um trabalho
100
melhor, ganhava mais..., e isso tudo mexeu muito com a minha cabeça, até o ponto que...., eu
passei não ligar muito pra religião. Sabe..., eu não tinha tempo...., comecei a fazer vários
questionamentos..., meus filhos quando eram pequenos tinham muito problema de bronquite.
E diante dos problemas eu passei a jogar os problemas para Deus e pensava: “Será que
Deus gosta disso? Porque Deus deixa acontecer isso? E era aquela coisa assim..., desafiando
mesmo, né? E ai..., foi uma época muito dolorosa..., comecei ter dificuldades no casamento,
viajava muito..., questionava Deus..., ganhava bem, mas vivia sempre apertado..., não sabia
economizar, as prioridades passaram a serem outras, muito mais uma prioridade material do
que qualquer outra coisa. Até o ponto em que..., a gente começou a freqüentar grupos de
casais, essa coisa toda...., mas o que me fez ficar mais assim próximo..., não vamos falar de
religião..., mas assim..., passar a acreditar profundamente na presença de Deus na vida, foi
quando eu comecei a tocar [instrumento]. Eu sempre quis aprender a tocar bateria, e eu não
tinha oportunidade..., ai um dia eu falei: vou aprender a tocar bateria! Ai eu fui na igreja, vi
que tinha uma bateria lá, e pensei: eu vou tocar essa bateria! Comecei a fazer aula. Quem
me dava aula era uma pessoa de dentro da igreja, da própria comunidade que eu pertenço. E
aquilo ali então começou a fazer parte da minha vida. Meus filhos passaram a aprender
música também, e hoje somos músicos católicos!
T: Bom..., então deixa eu ver se entendi direito..., na verdade o ápice da sua experiência
religiosa aconteceu junto com essa vontade de aprende música, então como se uma coisa fosse
levando a outra.
A: Exatamente! Na realidade..., na vida da gente as coisas acontecem assim, de forma muito
ocasional, né!, Você não esta esperando uma coisa e derepente aquilo acontece. Então..., a
partir do momento que eu me desliguei de coisas materiais, que essas coisas não iriam mais
fazer parte da minha vida..., não é que não iriam mais fazer parte..., é que eu não iria mais
dar tanta importância, as coisas começam a mudar na minha vida. Você começa a se
desapegar um pouco das coisas. E juntando isso a essa vontade de aprender e também as
oportunidades que vão aparecendo na sua vida, e a oportunidade de estar perto de pessoas
que te transmitem segurança em relação aos aspectos religiosos...,é isso que começa a
motivar você cada vez mais a se dedicar a uma vida religiosa. Por exemplo, se você começa a
se aproximar de mais pessoas..., de pessoas que realmente praticam, que se identificam com
uma determinada religião, como no meu caso o catolicismo..., a tendência é você também
começar a pensar, a acreditar em certas coisas. Você é mundo em que você vive! Você é o
101
seu mundo, você vive ali e vai ser como aquelas pessoas. Mesmo que você não queira ser
daquela forma, você acaba que agindo mesmo que sem perceber iguais aquelas pessoas que
estão no seu meio.
T: E assim..., o que mudou na sua vida?..., Porque você falou que teve vários processos, né? E
eu percebi que foi a partir da música que você foi se aproximando mais, e foi ficando em
comunidade e assim se aproximando mais da religião. E o que mudou na sua vida? No seu dia
a dia, no seu cotidiano? Na sua cabeça? Como que ficou a sua vida? Teve alguma mudança
perceptível?
A: Muito..., a começar pela falta da paciência [ele tinha falta de paciência antes]..., depois
você começa a ficar mais paciente, a aceitar um pouco mais as coisas. Por exemplo, eu era
aquele tipo de pessoa que se na hora que eu chegasse em casa, as coisas estivessem
desarrumadas, eu ficava louco! Na hora que meus filhos ouviam o barulho do carro, eles
saiam desesperados para arrumar os quartos.
Então veja bem!, Olha a minha influência na cabeça dos meus filhos. Porque nada podia
estar fora do lugar. Então eu os levava a perderem certo tempo com coisas bobas. O que é
que tem de mais o seu computador estar desarrumado? O que tem demais a sua cama estar
desarrumada? Você não arrumou a sua cama hoje, e daí? Isso vai fazer mal a quem? Sabe
como é? Então esse tipo de coisa mudou, e também o meu relacionamento com a minha
mulher, eu passei a enxergá-la não somente como uma esposa, mas como uma coisa muito
mais pura. Hoje eu sei que do lado da minha mulher eu vou ver estrias, que ela vai engordar
porque teve filhos. Então o gosto é diferente! Tem aquilo que muitos falam né?O casamento
começa a virar uma rotina! Até isso muda! O casamento não é uma rotina, porque você
começa a ver a sua família diferente, o gosto pela sua esposa, pelos seus filhos, isso muda
totalmente, e o mais importante é o desapego, você se desliga totalmente de dinheiro, de
coisa materiais, de pessoas, porque às vezes a gente também se apega as pessoas e isso não é
bom.
A religião te dá possibilidade, agora isso tudo tem que ter um equilíbrio sabe? Para você não
radicalizar, para você não se fechar muito, porque quando você trabalha você vive no meio
de um monte de pessoas, e você precisa saber conduzir isso e até entender cada pessoa. Mas
eu te digo que o salto maior que eu tive foi o desapego. Passei a servir mais (a Deus), dedicar
tempo da minha vida, de colocar na agenda..., e dizer: esse horário aqui, eu vou me dedicar a
102
Deus.
T: E esse tempo seria o que? Seriam os rituais? Ir à missa, ou ir ao grupo de oração? O que
seria esse tempo?
A: Para mim..., não estou dizendo que na igreja católica é assim! Para eu, dedicar a Deus é
servir a Deus. Como é que eu vou servir a Deus? Não é dentro de uma igreja, ir à igreja, a
um grupo de oração, é muito mais para você fortalecer aquilo que as pessoas chamam de fé,
essa coisa toda, comungar, essa coisa toda. Mas assim, servir a Deus é dedicar tempo para
servir o próximo, tocar para Deus..., resolver uma situação que não esta resolvida, ajudando
uma pessoa. Então é isso..., é dedicar tempo para você servir a Deus, e servir à Deus é servir
ao próximo, é nessa linha. Você pode ir à igreja todo dia..., não significa nada.
T: E essa experiência que você teve essa experiência religiosa..., porque muitas coisas
mudaram..., a sua maneira de enxergar a vida, de enxergar a família, enxergar o trabalho.
A: Muitas..., até de aceitar algumas coisas. Por exemplo: morre um irmão seu, e ai? Você se
prepara para isso, você fica mais preparado para isso, para lidar com uma situação dessas,
você está mais preparado para lidar com uma doença, com a perda de um emprego. Porque
ai é uma questão de fé. Fé é uma coisa assim: a palavra fé é muito complexa, tem pessoas
para as quais a palavra fé esta ligada muito ao positivismo, vamos dizer assim: pensar
positivo!, Legal! Mas no âmbito religioso, a questão de ter fé é acreditar que você vai ter
uma vida quando essa vida não for mais na Terra. È você alcançar a salvação, essa coisa
toda, né! Então fé para mim é isso: é a fé religiosa. Esse outro lado de que a gente tem que
ter fé de que a coisa vai ser boa, é um outro ângulo, pode ser que um padre não concorde
comigo, que uma pessoa mais experiente na questão católica também não concorde comigo,
mas hoje tem padre que tem dois tipos de fé..., tem fé nesse conceito [no religioso] e numa
questão positivista, que segundo outras linhas, vamos dizer assim, isso é importante para
vida. Então eu uso a fé não só por acreditar que um dia eu possa alcançar a salvação. E para
alcançar a salvação, enquanto humano, você vai passar por uma série de aprovações.
T: O que seria salvação para você? O que você entende por salvação?
A: Salvação no mundo católico é o seguinte: você morre, e em razão dos seus atos, você vai
103
encontrar a salvação. Você vai ter um encontro com Deus, ou seja, você pode ir para o
inferno ou para o céu, é uma coisa bem básica. Você quer ir para o céu ou para o inferno?
Eu quero ir para o céu, e pra ir para o céu tem que alcançar a salvação e tem que seguir a
sua religião, tem que seguir os 10 mandamentos, tem que não sei o que ..., tem tudo isso, né?
T: Então seria assim: a salvação é o ponto máximo. Tem diversas etapas que você vai
passando pela vida, dificuldades....
A: É, não vamos dizer etapas, né? Toda religião tem seus princípios, seus valores, uma vez
você realizando aquilo que está escrito na bíblia, seguindo os 10 mandamentos: não roubar,
não matar, não adulterar, essa coisa toda, é um caminho para alcançar a salvação. No
entanto, não significa que você, por exemplo: se você pegar na bíblia, tem vários exemplos...,
o de Madalena, que era uma prostituta! Mas ela alcançou a salvação, né? Então, quantas
pessoas muitas vezes são as piores pessoas possíveis, só que em determinados momentos elas
olham pra dentro de si e vê aquilo tudo sujo e mudam.
T: Em relação a seus sentimentos, sensações. Como você sente a vida depois dessa
experiência religiosa? Depois de ter percebido que através da religião a sua vida poderia ser
de uma maneira diferente? Você conseguiria me descrever isso?
A: Sim, sim. Eu trabalho numa empresa, sou gerente de RH, e no meu trabalho eu senti uma
diferença muito grande! Como eu trabalho com todo tipo de pessoa, desde pessoas
extremamente intelectualizadas, até pessoas bem menos intelectualizadas..., você começa a
ter mais habilidade para tratar essas pessoas, desses assuntos ligados a pessoas, por que ai
você não esta só no âmbito profissional, está no âmbito mais humano, aquele âmbito de
contato, entende mais a vida, você consegue se colocar mais no lugar daquele profissional. É
mais um trabalho psicológico! Eu falo psicológico porque psicologia não é uma religião, né?
Podemos falar assim..., mas assim, neste aspecto é fantástico, é fantástico! As pessoas
começam a te ver diferente também, começam a acreditar em você. Agora a forma como
você...., quer dizer..., você é aquilo que você apresenta ser. Então por exemplo: eu chego aqui
para você de uma forma e amanhã você me encontra na rua e eu estou de uma maneira
totalmente diferente, você vai desacreditar em mim, vai dizer: esse cara não é católico nada!
Então são as tuas ações que passam para a pessoa essa confiança. Não adiante nada eu vir
aqui discutir com você, falar alguma coisa e sair daqui e não praticar aquilo que eu disse
104
né?Como meu pai diz: não fale aquilo que você não consiga manter Então para mim foi
fantástico, principalmente no campo profissional!
T: Tá, e assim, em termos de crescimento pessoal?Ocorreu esse processo de crescimento
pessoal? De evolução psíquica?
A: Bom, a partir do momento que você começa a dedicar parte da sua vida para Deus, você
tem crescimento pessoal. Porque que você trabalha? Eu te pergunto, porque você trabalha?
T: Bom..., é por dinheiro em primeiro lugar...
A: Por dinheiro! É isso que todo mundo faz, mas se as pessoas trabalham por dinheiro,
porque que não estão todos ricos?
Bom, o que eu quero dizer com isso? Ai já é o que eu penso tá?! Se você desapega do seu
trabalho, desapega das coisas materiais. Não é deixar de estudar, deixar de buscar
formação, não é isso! É não deixar que aquilo torne para você o essencial, a prioridade. Tem
que buscar um equilíbrio! A partir do momento que as coisas passam a ser mais importante
do que Deus, a tendência é as coisas serem mais difíceis. Porque Deus não quer nada de
ruim, você pode ser a pior pessoa na face da Terra, mas Deus não deseja mal para você. Mas
a forma de você conseguir as coisas vão ser mais dolorosas, né?.
Então..., eu pergunto assim para você: "o que é mais importante, o seu trabalho ou Deus?"
T: Bom..., são coisas tão diferentes, né?
A: Exatamente! São diferentes. Os dois são importantes, você precisa saber equilibrar isso.
O trabalho faz parte da sua vida, mas você não pode enfocar aquilo, viver com aquilo, não!
Você fazendo a sua parte, não finalizando aquilo e dedicando parte da sua vida para Deus,
sabe? Tem que ter tempo para as pessoas, entende?
T: Então é isso que é o crescimento pessoal que a religião trás para a pessoa, quer dizer...,
você aprende a lidar com a sua vida de uma maneira diferente.
A: Diferente..., agora vou ficar mais rico, mais pobre tal..., não! Você cresce como pessoa. Se
você ficar mais rico, tiver um patrimônio, isso é conseqüência das suas ações.
105
T: Então crescer como pessoa seria mudar hábitos? Mudar a maneira de se relacionar com
outro, é isso?
A: A maneira de se relacionar de enxergar a vida, a maneira de priorizar as coisas. O
dinheiro é uma conseqüência. Ele [o dinheiro] não vai vir em cima daquilo que você prega,
daquilo que você faz. Deus quer que você ganhe o maior dinheiro possível. Agora esse
dinheiro que você vai ganhar..., você vai investir em que? Vai fazer o que com ele, né?
T: Tá. E que seria, se é que você acha que existe, o lado ruim da experiência religiosa?
A: Bom..., eu acho que a experiência religiosa passa a ser ruim a partir do momento que não
tem um equilíbrio....
Então..., eu conheço várias pessoas que são fanáticas e tal. Eu tenho medo de religião. Eu
tenho medo, sabe? Quantos casos você não ouviu falar que fulano de tal conseguiu convencer
não sei quantas pessoas a tomar um veneno porque o mundo ia acabar no outro dia e se não
tomassem não iriam alcançar a salvação. Até onde chega a religião?! É complicado!
T: É..., isso tudo que você esta me dizendo é muito relevante! Realmente o equilíbrio é a
palavra chave.
A: É inacreditável o que as pessoas fazem em nome de Deus! E hoje, as pessoas no mundo
em que vivem estão sujeitas a ficarem desempregadas, e tudo é Deus.
T: E você acha que a igreja, a católica no caso, transmite esse equilíbrio? Pela sua
experiência, você acha que isso é transmitido para as pessoas?
A: No meu ponto de vista sim. Quem não passa isso, não são as pessoas dentro da igreja, os
padres e tal. São as pessoas de fora, aquelas que estão entre a igreja e o povo...
T: Seriam os líderes religiosos? Aqueles que não têm a religião como profissão, mas que
trabalham com o povo, é isso?
A: Sim, sim. São essas pessoas. Mas dentro da igreja não! O que existe são padres que
106
seguem linhas diferentes, mas em nenhum momento eles irão discordar do que é certo e
errado.
T: Ok..., e para a gente finalizar! Se você tivesse que escolher uma palavra para você me
descrever a sua experiência religiosa, você conseguiria encontrar essa palavra?
A: Uma palavra?...., Vou dizer duas palavras, mas não vou te responder nada: “Espírito
Santo”!
T: Ok, mas deixa-me ver se eu entendi: você esta me dizendo que foi a través do espírito
santo que você pode sentir a sua espiritualidade, o seu crescimento pessoal, é isso?
A: Não só pessoal! Porque o que é crescimento pessoal? Para mim crescimento pessoal é
uma série de coisas..., do âmbito dessa pesquisa que você esta fazendo, o que você chama de
crescimento pessoal?
T: É..., realmente crescimento pessoal é algo muito abrangente, mas o que eu estou chamando
de crescimento pessoal para este estudo é o que muda na vida da pessoa, o que muda com a
experiência religiosa.
A: A religião permite isso mesmo, permite um crescimento interior, um crescimento de
sentimentos, uma mudança de sentimentos, de se colocar no lugar do outro, de entender um
pouco mais a vida, de entender as dificuldades que a vida proporciona, né?! E também ao
mesmo tempo, te dá sabedoria para saber como lidar com as situações. Então isso é
realmente fantástico! Eu sinto isso todos os dias!
T: É uma religiosidade que permite ser sentida todos os dias....
A: Exatamente, mas você precisa reservar momento para isso. Então por exemplo: quando eu
tenho alguma dificuldade, eu paro e bato papo com espírito santo. E você poderia fazer
isso..., conversar com espírito santo sobre a sua pesquisa.
Um exemplo é o seguinte: eu comprei uma casa há uns dois anos aqui no jardim chácara das
arvores [nome fictício]. Eu comprei uma casa ali, e essa casa..., eu só vou terminar lá para
107
outubro. Comprei essa casa para vender. Bom..., se eu fosse uma pessoa totalmente apegada a
essa casa que eu moro hoje, eu não iria ter paciência para vendê-la, eu iria perder dinheiro.
Você tem que deixar as coisas acontecerem., não tem que ter pressa, não tem que ter aquela
ganância para as coisas acontecerem.
Bom, e o que aconteceu? Passou um ano e meio e eu consegui vende-la, consegui vender no
preço que eu queria. Agora eu preciso sair dessa casa, mas nem estou preocupado em
quando eu vou conseguir terminar a outra casa, sabe aquela coisa? Porque se não você
começa a colocar aquilo a cima de tudo, da sua família, da sua esposa, dos filhos, não pode!
Isso não pode acontecer!. E outra, além disso, tudo, você tem que ser fiel, né? Ser fiel
significa ficar de consciência tranqüila..., ficar de consciência tranqüila, para mim pode ser
uma coisa, pra você pode ser outra. Então, tudo isso, são coisas que a religião vai te
ensinando.
Sabe..., outro dia eu fui para o Rio de Janeiro. Cheguei no hotel, abri a gaveta e tinha um
livro do Buda. Comecei a ler o livro. Minha mulher é muito religiosa e disse: nossa! eu não
quero nem ver isso! Mas eu achei que não tinha nada de mais eu ler. Peguei abri e lá estava
escrito assim: “se você não quer que os males da vida te atinjam..., não faça algumas
coisas”. Então por exemplo: se eu sei que aquela comida faz mal para mim, porque eu vou
comer? Se eu sei..., porque eu sou casado, que uma moça linda passa perto de mim, muito
mais cheia de grana do que a sua mulher, me trata muito melhor do que a minha mulher, e eu
fico cativado por aquela mulher...., ai eu começo a me envolver com ela e sou casado.
Olha..., eu tenho dois filhos, um de 16 e outro de 15 anos. Imagina se o meu filho descobre
que eu tenho uma amante! Muito mais bonita do que minha mulher, mais rica..., como eu vou
explicar para eles que eu tenho uma amante? Sendo que em casa eu me dou bem com a
minha mulher! onde eu vou enfiar a minha cara? Então..., se eu sei que tudo isso vai me
prejudicar, porque que eu vou atrás disso? Se eu sei que algo vai me deixar com a
consciência pesada, porque eu vou atrás disso? Eu acho muito interessante esses exemplos e
quando eu vou para o âmbito religioso, o âmbito católico..., é isso também!
T: Ok, ok…., quer dizer, eu to entendendo tudo isso como um aprendizado, uma mudança
muito grade na vida proporcionada pela experiência religiosa.
A: Não é uma filosofia, ta?! Não é uma filosofia! A religião católica não é uma filosofia!
Filosofia é budismo, seicho no ye, coisas assim. É uma coisa que faz parte da vida mesmo, é
108
mais prático. Você é aquilo que você faz!
T: Bom A., como foi para você falar sobre isso?
A: Foi tranqüilo. Eu acho que a entrevista me ajudou a resgatar um pouco minha história
passada e a comparar com o meu presente. Não me preparei para a entrevista! Eu sabia que
era uma pesquisa de mestrado, né? E que eu iria falar sobre religião. Agora eu aconselharia
você a fazer uma pesquisa dessas com padres.
T: Poderia ser, talvez para um outro estudo..., focalizando outros aspectos.
A: Legal!
T: Bom A., a entrevista para mim foi muito boa! Eu consegui colher os dados e assim que eu
terminar a análise, eu entro em contato com você novamente para lhe mostrar o que eu
entendi e também para tirar alguma dúvida caso eu tenha.
A: Ok, você tem meu telefone e e-mail, né?
T: Tenho, eu entro em contato, até mais e muito obrigada.
109
ANEXO V
2
a
. Entrevista: Maria
T: Thais (Entrevistadora)
M: Maria (entrevistado)
T: Maria, eu estou fazendo um trabalho sobre as relações entre religiosidade e crescimento
pessoal. Gostaria que você me falasse um pouco sobre isso de acordo com a sua experiência
religiosa. Queria que você me falasse sobre a sua história de vida em relação à religião, e em
que sentido ela te trouxe crescimento pessoal. Você pode me contar sobre a sua família, a sua
infância, como você começou a entrar na vida religiosa, enfim, como foi tudo isso para você?
M: Bom...,é uma longa história [risos]. Minha família sempre foi muito religiosa. Meu pai era
da Congregação Cristã e a minha mãe era católica. A família da minha mãe também era
católica, e ai, quando eles se casaram meu pai resolveu mudar de religião, e ai ficou todo
mundo católico. Principalmente porque eu sou mais ligada com a família da minha mãe que
tem esse lado bem forte. Mas acabava sendo assim..., muita coisa para colocar regra,
católicos tradicionais, sabe? Missa todo domingo, não faltava e era tudo muito ligado ao
trabalho..., então era muito misturado os nossos valores. Então por exemplo, semana santa, o
que a Igreja diz é que não se trabalha na sexta feita tudo, mas eles estavam sempre
trabalhando. De raiz a religião era importante..., mas muita coisa não era o mais importante,
era uma coisa mais formal.
T: Era como se a religião fosse usada como um rótulo?
M: Era mais ou menos assim, porque era esquisito. Minha avó tem muita fé, muita mesmo,
mas assim..., tradicional, e dependendo da situação, no caso do trabalho por exemplo, isso
era mais importante. Talvez até pela própria história de vida deles. Porque meus avós vieram
durante a guerra embaixo de um navio, sem nada, então acho que isso tem a ver, mas a fé
dela era muito grande, mas acabava que o trabalho estava em primeiro lugar. Mas eu
assim..., sempre fiquei muito com meus avós, então eu acredito que seja por causa disso.
Tiveram que trabalhar muito, então trabalho era trabalho, sempre em primeiro lugar, mesmo
que não precisasse de dinheiro, porque meus avôs têm assim..., hoje eles têm casas, tem
renda. Do lado da minha mãe era assim, do lado do meu pai era o inverso, eles eram muito
110
de família, eram evangélicos da Congregação. Então as vezes quando eu era pequena, eu
acabava indo com minha avó para a igreja, ficava na escolinha dominical. Eu não entendia
porque eu ficava ali, mas ficava, era tão pouco que eu ficava com a minha avó que eu
acabava ficando, mas não entendia direito. Agora,, eu não via aquilo como religião, para
mim aquilo era um lugar, não entendia..., e eu acabava vivendo assim..., muitas coisas da
religião católica, mas sempre trabalhando nos feriados, festas, porque eu trabalhava com a
minha mãe. Então tinha esse outro lado, esse viés da vivencia. E eu assim..., não julgo errado
ou certo, e o tempo foi passando...., e por volta de quando eu tinha uns cinco ou seis anos,
meu pai se envolveu muito com um senhor que trabalha para o padre Aroldo, ele tem uma
chácara numa cidade no interior de São Paulo, e ele trabalha muito com os jovens. E eu me
lembro que era assim..., a minha irmã mais velha ia para o retiro, mas ela não queria ir de
jeito nenhum, e eu já queria ficar de qualquer jeito, só que eu não podia porque era a partir
de sete anos. Eu chorei muito, dei um ‘baile’, e ai me convenceram que no outro domingo eu
iria poder ir. Me passaram a perna, né?!, Só falaram aquilo para eu ir embora [risos]. Ai
quando eu comecei a ir [quando já tinha idade para poder freqüentar o retiro], foi uma fase
muito boa de vida que eu tive, a nossa unidade de família estava na religião, não só a
unidade, mas também o equilíbrio. Foi uma fase muito diferente, muito!,
T: Então assim, deixa-me ver se entendi: vocês estavam passando por uma fase muito boa da
família, e você estava sentindo a família dentro de uma só religião, é isso? O que seria essa
unidade de família?
M: É, a gente já estava na religião, mas neste momento a gente começou a viver melhor, é
como se fala, né? Praticante! Por que na religião católica tem aqueles que se dizem não
praticantes, então tinha retiro direto, meu pai e minha mãe do lado, a gente não tinha muita
amizade fora da família, não tinha amigos, era difícil ter. E foi na igreja que eu comecei a me
envolver com outras pessoas, além disso, meus pais são muito diferentes, então assim, dava
atrito! Meu pai já tinha separado da minha mãe um tempo antes. Meu pai era alcoólatra...,
então esse período depois [quando pai deixou de ser alcoólatra] foi muito gostoso, foi uma
fase boa que nós estivermos unidos na igreja, levando pessoas, mas assim: também se
envolvendo, envolvendo e se doando..., porque, acabava se doando mesmo, ajudando os
outros, até essa chácara que eu te falei, metade dela foi meu pai quem ajudou a construir,
então era uma festa! ia todo mundo junto.
111
T: Então eu estou entendo que a religião, ou melhor, a sua experiência religiosa foi muito
importante por causa dessa união familiar que você teve.
M:É foi. Mas depois disso (silêncio) acho que eu tinha nove anos, meu irmão começou a
correr de kart e meu pai gosto. Ele [o irmão] corria lá no taquaral, começou a competir e
gastava muito dinheiro. Como meu pai também gostava, começou a separar a família. Minha
mãe tinha que trabalhar para cobrir os gastos, minha irmã e meu irmão iam com meu pai e
eu ficava com a minha mãe. Então primeiro: separou a família, segundo: eles ficavam só
nisso e era direto, treino, treino, treino..., então afastou bastante a família. Antes a gente ia a
retiros, tinha pelo menos 1 por mês, então dava pra gente ir, mas depois que ele começou a
correr eu senti assim: [silencio], é por isso que eu gosto de as vezes parar para pensar,
porque é ai que a gente toma consciência das coisas. E foi mudando totalmente a família,
além de afastar da religião, das coisas da igreja e, principalmente de Deu, foi uma ruptura
de tudo quanto é lado. Fora isso, acaba ficando as magoas, né? Do lado da minha mãe, meu
também, porque eu tinha que trabalhar, minha mãe não podia ficar sozinha e do lado de lá
eu senti um gelo sabe? porque afastava, né?Bom, acho que nessa época eu já tinha uns 10
anos.
T: E você lembra assim..., qual era o sentimento que ficava? Porque disse que ficou uma
mágoa, né?, como era isso para você?
M: Ah, eu posso assim..., especular algumas coisas. Por exemplo eu lembro que eu vivia
falando: pai eu não gosto de correr, mas eu nem conhecia, então eu nem queria conhecer eu
só via que aquilo era minha obrigação e aceitava, não questionava nada. Hoje eu sei que eu
queria muito ter ido, mas eu não sei se eu tinha consciência na época. Eu usava isso como
subterfúgio, acabava arrumando uma desculpa pra mim mesma para não me revoltar com
aquela situação. Mas isso pensando hoje, eu sentia muita falta do meu pai, minha mãe, minha
irmã, meu irmão. E por outro lado a minha mãe acaba que me compensando, dava-me muito
doce, porque como eu ficava muito com ela eu tinha tudo o que eu queria. E foi ai que eu
comecei a ficar gordinha, de comer doce, comer doce, e ela dava, e eu acredito que pra ela
também acabava sendo inconsciente, porque eu ficava com ela. E isso foi assim..., muito
marcante! A gente acaba passando por cima, mas foi bastante marcante!
Depois disso, acho que foi com 12 anos..., eu fui fazer primeira comunhão, só que a minha
avó. Bom.., eu vou ter que voltar um pouquinho, ta?
112
T: tudo bem, sem problemas.
M: Então, dos três aos onze ou doze anos eu tinha que tomar remédio neurológico porque eu
tinha epilepsia infantil. E minha avó tinha feito uma promessa para Nossa Senhora de Fátima
que se eu ficasse curada a gente iria para Portugal, e ela iria cumprir sabe aquelas
promessas de andar de joelho em volta da igreja? dá umas mil voltas? Então, e eu fui fazer a
primeira comunhão lá, fui com a família e fiz minha primeira comunhão lá. E antes de fazer a
primeira comunhão a gente foi passando em algumas cidades lá em Portugal. Eu e toda
minha família, meu pai, minha mãe, meus irmão, meus avós paternos e meus tios que são
meus padrinhos. E nas cidades que a gente foi passando, tinha duas igrejas no caminho que a
minha avó tinha feito promessa e ia cumprir: uma eu não me lembro o nome e a outra era em
Fátima, que ela ia andar de joelho. Ela deu trilhões de voltas, nem sei quantas, ficou com o
joelho todo em carne viva, mesmo com lenço machucou tudo, sabe?. E eu cheguei em Fátima,
fiz a primeira comunhão emburrada e ficava me perguntando porque eu não poderia fazer
com meus amigos? porque a gente não tinha muito contato com outras crianças, eu estudava
mas não fazia educação física por que era de manhã, e de manhã eu trabalhava com minha
mãe, e por isso e não tinha contato com as crianças, sabe com amigos? pessoas da mesma
idade? eu não tinha, não podia ir na casa de ninguém, ninguém vinha em casa, então eu não
tinha. E o curso de primeira comunhão era o lugar onde tinha mais criança, onde eu podia
ter mais contato, e ai eu precisa fazer a primeira comunhão em Fátima. Porque eu fiz o curso
aqui no Brasil e mandaram os papeis para Portugal para eu receber a comunhão lá,
entende? e eu não queria de jeito nenhum, queria fazer com meus amigos, não tinha uma
noção que assim..., Fátima! nossa! [risos], não tinha noção disso.E eu sei que eu fiz primeira
comunhão, fiquei brava, emburrada, fui a primeira a comungar, um monte de gente olhando,
e assim..., sai de lá [silencio] e no caminho...., a minha mãe falou assim: vamos logo que você
precisa tomar o remédio! e eu falei:eu não vou tomar o remédio! E ela insistiu para eu tomar
o remédio e eu não tomei o remédio. E eu creio, hoje, que eu não falei por mim, eu era
criança, ingênua de tudo, e eu não iria falar com tanta firmeza, com tanta convicção, fui
muito teimosa! E eu não tomei durante o tempo que a gente ficou lá, não tomei quando
cheguei aqui, e fui fazer os exames. Os resultados não mostram nada, eu não tinha mais
nada! E eu creio que foi pelas mãos de Maria, ela é como uma mãe que cuida com carinho,
dá atenção, sabe o que passa..., e a parti de lá, assim, a vida voltou normalmente, meu irmão
foi parando com o kart, parou a minha epilepsia, e aconteceu um mundo de coisas de família
sabe? problemas..., muitos problemas. E teve, logo depois, eu devia ter uns quinze anos, a
113
minha mãe tinha uma barraca de vender roupas, tinha uma feira e teve um sorteio para um
espaço que era muito bom! melhor do que o que ela já estava, e estava assim: a promessa!
era a oportunidade única! e teve o sorteio. Meu pai foi o primeiro nome a sair, foi sorteado,
e foi uma felicidade super grande! E para minha mãe foi uma escolha complicada porque o
dia era de quinta-feira e nesse dia só tem feira ruim, e a que ela estava era de quarta, e a
feira que ela estava era ótima, acho que uma das melhores, e ai ela teve que escolher. Ela
escolheu a de quinta porque era uma feira nova. E pra mim isso foi assim, uma das maiores
graças da minha vida, porque a partir desse momento eu comecei a conhecer uma moça que
começou a convidar a minha mãe para ir no grupo de oração. E a minha mãe nunca ia, até
um dia em que a gente foi. Começamos a ir, ai tinha uma semana que ia outra que não ia, eu
comecei a sentir que aquilo começou a fazer parte de mim, e quando eu não ia, sabe? aquilo
fazia falta, e eu comecei a ir,mas a minha mãe cansou. Mas ai alguns jovens começaram a ir
junto e foi bom. Meu pai começou a ir à missa, ela [a mãe] voltou, ai confessou com o padre e
tal, e eles voltaram a ir à missa, porque eles tinham meio que parado, né?
E eu queria sempre ir no grupo de oração, mas minha mãe não queria, e eu queria sempre
porque antes ia eu, minha mãe, meu irmão e minha irmã, e eu queria ir e ela passou a não
querer, e eu querendo muito, ai deu várias brigas, eu falava: não! eu quero ir, você não quer
deixar eu ir para igreja, eu quero ir! E eu chorava, sentia um desespero, sabe?! um
desespero para minha mãe deixar e ela não deixava, e falava: não, não vai hoje, não tem que
ficar indo sempre na igreja, mas eu sentia que a quilo já fazia parte de mim. Deus me tocou
de tal forma que eu não podia mais não ir. È aquilo que diz na Bíblia: ‘tu me seduzistes e eu
me deixei seduzir’. E eu chorava, brigava sempre que ela não me deixa ir. E falava que eu ia
de ônibus, teve uma vez que eu até cheguei a sair de casa. E eu queria ir, e a minha mãe não
me dava uma explicação do porque eu não poderia ir, ela só dizia que não era para eu ir
sempre. E a partir daí foi uma fase bastante marcante porque eu passei a ter consciência de
que Jesus Cristo veio para isso. E ai eu passei a participar, a fazer coisas na igreja, eu fazia
teatro na escola e na igreja e acho que desde que eu comecei a ir, quando eu tinha, acho que
quatorze anos, eu comecei a ir em retiro de carnaval, nunca tinha participado de carnaval,
nem visto na tv, isso era uma coisa nula para gente, porque a gente era muito reservado em
casa, a gente vivia numa redoma de vidro!. Porque meu pai sempre foi muito de fazer
bagunça e minha mãe sempre foi muito recatada. Meu pai casou com minha mãe porque ele
queria uma mulher que fosse virgem, que fosse certinha, porque meu pai era da bagunça,
né?quando ele começou a namorar a minha mãe, ele namorava mais seis moças, então com a
minha mãe era o oposto, né?
114
Então foi a partir daí que eu comecei a participar de retiro do carnaval. O meu primeiro ano
não foi participando, foi trabalhando com o teatro e depois eu dei uma ajuda na limpeza.
Então eu nunca participei, acho que só um ano que eu participei, o resto foi só trabalhando.
Acho que só uns dois anos depois eu peguei a coordenação da limpeza porque ninguém
queria, ai eu resolvi assumir.
E a partir daí eu comecei a marcar minha história, comei a fazer. Ligava na escola para
marcar teatro, porque ai a minha mãe deixava eu ir porque era escola, né? Se fosse para
trabalhar ela liberava mas, se fosse para eu ir à igreja ela não liberava. Foi uma época
muito difícil nesse sentido e eu brigava mesmo, principalmente se fosse para eu ir à igreja.
Nunca briguei para ir para baladas, festas, nunca fui numa discoteca, shows acho que só vi
dois, um da Marissa Monte e outro do Capital Inicial. Então foram dois, com vinte e seis
anos. Eu nunca briguei por isso, nunca quis ir nestes lugares, mas se fosse para ir para igreja
eu brigava mesmo, porque aquilo fazia a minha vida ter sentido.
Depois disso..., deixa- me lembra..., acho que eu tinha uns dezoito anos, eu estava no Menino
Jesus de Praga e ai eu passei em frete a igreja do Liceu, nunca tinha prestado atenção na
naquela igreja. Voltando da feira, eu e a minha mãe, nós passamos em frete daquela igreja e
eu falei: mãe eu quero fazer Crisma aqui. Sabe quando as palavras vêm assim? mas acho que
a minha mãe não estava entendo, nem eu estava entendo, porque assim do nada eu falei
aquilo. Ai eu falei novamente: mãe quero fazer crisma aqui. E ela disse: mas e se acabaram
as inscrições? Ah, não tem problema, eu espero o ano que vem. E fui no domingo seguinte na
missa e era o último dia de inscrição. Comecei a fazer e senti que Deus dá oportunidades
para gente escolher o nosso caminho. Só que não tem jeito..., Ele sabe tudo, Ele é tudo, é
assim meio louco, mas é..., eu só sei que é [risos]. E era para eu ter ido pra lá, já to lá há dez
anos, então não foi assim a toa. E em dez anos eu fiz parte da história de muita gente, muita
gente mesmo, e muita gente fez parte da minha história. E eu acredito que eu ter ido pra lá
foi até um salvamento, um livramento de uma outra situação que iria ser complicado pra
mim. Lá no Menino Jesus de Praga, a comunidade foi andando, foi andando, você entende?
Só uma pessoa que estava com o grupo de lá saiu de lá, e marcou assim a igreja aqui em
Campinas porque acabou não seguindo a fé, desanda, sabe? Então foi um negócio assim...,
bem complicado. Não sei se eu falo [risos].
T: você só precisa falar aquilo que você sentir vontade de falar, se você não estiver vontade
não precisa falar.
115
M: Não, não. Acaba não vindo ao caso porque não precisa envolver outras pessoas, mas
assim..., era uma situação muito difícil e precisou envolver o bispo para resolver esse
problema. E se eu tivesse lá eu não sei como eu estaria hoje. Então eu vejo como um
livramento, como um motivo grande de crescimento, por que na outra comunidade que eu
estava [na primeira] era um povo totalmente diferente da segunda comunidade, era uma
característica da comunidade, os jovens se vestiam muito bem, classe média alta, ou se não
fossem, tinham um padrão de vida bom...
T: isso no Liceu, né?
M: É, no Liceu. E eu via que eu..., não é que eu não tinha condições de acompanhar, porque
o tanto que eu trabalhava até dava pára acompanhar, mas eu não dava importância para as
mesmas coisas. Então por exemplo: tinha pessoas lá que não tinham o que comer, mas a
roupa delas precisavam ser de marca, entende? Éram valores muito deferentes, então isso foi
um choque grande, mas eu não estava muito ai, acho que foi importante conhecer as pessoas
da igreja, eles são muito bons de liturgia, sabe? muito conhecimento?. Fora isso, era um
lugar que eu precisa estar, eu cresci muito, até talvez por exclusão das pessoas diferentes de
mim, espiritualmente também, porque eles lá tinham um aprofundamento na fé, então mesmo
que eu não vivesse totalmente, ou vivesse do modo deles, por que eu não posso julgar.
T: Então você entendia que mesmo numa exclusão poderia haver um crescimento pessoal
nisso?
M: Sim, porque fez eu ser quem eu sou, e foi por causa disso.
Assim, claro que eu sofri,, chorei, muitas vezes me senti sozinha, e nas vezes que eu me
sentia sozinha..., teve uma época que eu tive depressão, minha mãe tem depressão, então ela
tem uma personalidade meio melancólica, sabe? tudo sofre, tudo é ruim, então tem esse tipo
de coisa na família, mas eu não me sentia só, eu me sentia só em relação às pessoas, mas eu
não me sentia só porque eu tinha encontrado o meu caminho. E eu chorava, chorava e dizia:
‘meu Deus do céu’, e via aquela imagem bonita de Nossa Senhora e dizia sempre: ‘ai
mãezinha vem comigo’. E foi uma fase boa em outro sentido, porque eu me apeguei muito a
Nossa Senhora, como nunca tinha me apegado tanto. Então foi muito bom porque eu senti o
colo dela, e eu falava assim: ‘mãezinha vem me por de dormir’ e eu chamava: ‘ Maria vem
me por de dormir’.Então era fé sabe? A fé te dá um equilíbrio e hoje eu tenho um melhor
116
equilíbrio de saber que você vai errar, que você pode errar, mas que você tem a certeza, a
verdade do seu lado, não que você esteja certo, mas sente muita segurança. E eu vivi esses
dez anos assim, crescendo enquanto pessoa, conversando comigo. E eu tive algumas amigas
muito boas, que precisavam de mim, que eu precisava delas também. E eu cresci tentando
superar algumas coisas, porque eu sou assim: eu sou difícil de segurar, não paro quieta, não
tem jeito, acho que eu era até hiperativa! [risos]. Mas eu corri Campinas, fui para a Catedral
conhecer o povo de lá e através do barzinho de Jesus [reunião de Jovens católicos],eu fui
conhecendo um monte de gente, criando laços, arrumei emprego pra pessoal lá do teatro.
Então eu não me prendia a um só grupo, eu me prendia a minha fé. Esse foi um período bom
de crescimento, de dor e sofrimento, mas de muitas alegrias também. E eu vi Deus assim,
uma experiência que você pode chamar de única, só minha, especial assim.
E durante muito tempo eu vivi assim, só eu e a minha irmã, e eu ficava preocupada quando
ela não ia a missa, ela assim: qualquer coisinha ela não queria ir, eu falava: não! vamos
mesmo assim, e meu irmão era mais novo, ele sempre ficava muito preso com meus pais e
não tinha vontade de ir à igreja. Ai eu levei minha irmã, e foi onde ela conheceu o marido
dela. Não ficou nem um tempo lá, já conheceu, já namorou já ta casada, e assim, foi pouco
tempo que ela ficou lá. Ai os momentos de festa na igreja era momento de festa realmente,
então foi no natal, e no dia 29 de dezembro eles começaram a namorar. Então no natal, na
véspera, dia 24 e 25 a gente ficava direto na igreja. Fica arrumando, fazia muita encenação,
era festa para gente, era uma alegria verdadeira pode estar festejando o nascimento de
Jesus. Então ficava aquele clima, sabe? aquele arzinho doce? E era assim muito bom. Mas ai
a minha irmã casou e ficou meio capenga, sabe? Tem dia que vai, dia que não vai, mas ela
não deixou a igreja, ela deixou a missa.
E depois disso a gente começou a formar uma comunidade de aliança, é tipo assim: tinha
alguns jovens de 15 ou 20 pessoas que estavam com vontade de caminhar juntos na fé, tinha
reunião em comum, tinha missa, e a gente ia sempre junto, era mais o pessoal da Renovação
[Renovação Carismática da Igreja Católica]. E ai, com o tempo, essas coisinhas foram
deteriorando [falando das diferenças de valores dentro do grupo], além disso, muita gente foi
fazer faculdade e já não davam mais tanta importância para o grupo, e as pessoas foram
saindo.
Eu tinha uma amiga que todos excluíam, e ela era sempre de bem com a vida, tudo sempre
estava bom pra ela, mas era assim, ao mesmo tempo em que tava tudo bom ela era meio
encrenqueira e mentirosa, era uma pessoa que a gente sempre tinha que ter um pé atrás,
sabe? Mas eu não gostava que ficassem discriminado ela, não gostava! e nunca gostei. È que
117
eu, a minha vida inteira eu sempre sofri muita humilhação por ser gordinha, por ser ingênua,
por ser a diferente, então eu não gostava e não gosto até hoje [que discriminem as pessoas].
E eu penso assim: ela pode até estar errada, mas não é por isso que você tem o direito de
humilhar e rebaixar a pessoa. Então essas coisas na igreja foram fazendo com que eu
pensasse dessa forma, foi me dando sentido ao que eu devo fazer. E eu não gostava, eles a
‘cutucavam’ sempre que podiam até durante a oração. Porque a renovação tem um estilo de
oração próprio, e as vezes durante a oração eles davam uma indireta. Nossa! eu queria
morrer! E ai eu comecei uma outra revolução, porque eu sou uma pessoa e eu quem faço a
minha história, por isso eu posso colher e posso pensar. E foi na igreja que eu comecei a
pensar e a viver tudo isso. E ai eu comecei a desencanta., não dá fé, da religião, mas daquele
grupo, e até hoje eu gosto do Liceu, porque o dom do perdão é algo assim sobrenatural,
porque você perdoar uma pessoa que te fez mal não é fácil. E as vezes eu fico muito ansiosa e
não consigo me expressar, e teve um dia que me marcou muito: a gente foi na casa de uma
pessoa que era do grupo e quando a gente tava indo para lá, a pessoa que era do canto
[musical], foi embora, todo mundo foi embora e deixou eu, minha irmã e meu cunhado lá. O
padre veio e ele tava pressionando muito e deu uma bronca na gente. Eu sei que ficou nos
três para receber uma bronca que era para todo mundo. Ai a gente chegou lá na casa dessa
pessoa e eu fiquei tentando falar, fiquei tentando falar..., minha irmã e meu cunhado
brigando lá fora porque tinham levado bronca do padre, e todo mundo falando [ninguém a
ouvia] e eu falava: ‘gente minha irmã ta lá fora brigando porque o padre brigou com a
gente’, e eu fiquei repetindo isso um tempo e ninguém prestava atenção em mim, até que eu
dei um berro: ‘eu quero falar, dá para me escutar? acabamos de sair da missa, vocês nos
deixaram sozinhos e agora meu cunhado e minha irmã estão brigando lá fora por causa
disso, será que dá para a gente para um minuto e sermos verdadeiros uns com os outros?dá
para a gente parar de encenar algumas coisas aqui?’ Nossa! Eu chorei um monte, porque
para eu fazer isso..., eu não consigo matar nem uma barata, só em caso de risco de vida se
alguém for morrer por causa da barata, ai eu mato [risos]. E assim, foi muito marcante, foi
muito bom porque foi um crescimento, mas foi doido porque eu fiquei exposta, mas no final
me deram razão e falaram: ‘nossa é verdade a gente precisa parar para conversar’. E para
mim isso tava me incomodando muito porque tava criando uma fantasia com a fé, e para mim
a fé só tem sentido na vida, porque se não, não tem sentido. E se você escolher não ter
sentido, escolher viver de qualquer jeito você vive, mas não me obrigue a viver junto, porque
para mim a fé só tem sentido na verdade, isso é meio complicado! [risos]. É que as vezes tem
gente que está no pé da fé, esta começando, e tem aquele entusiasmo, e isso é natural, mas
118
vai ter uma hora que ela vai ter que escolher um caminho, e não é fácil..., porque assim: é
bom, a diferença é boa, porque aquele que está animado, que está começando te dá um
animo para você que esta lá na frente e já está cançado, que já está as vezes até perdendo a
esperança, ele te dá um animo. E por isso que a unidade é o fundamento da igreja católica e
a grande preocupação da igreja. E eu tinha força, e tenho ainda, só que eu pagar sozinha por
uma responsabilidade que é de todos não dava não! Então é mais ou menos isso, não sei se
eu expliquei direito?
T: Bom, Maria, é mais ou menos assim: você está me dizendo que para você a fé só tem
sentido se ela é praticada no seu dia a dia, ou seja, você sente que precisa vive-la
concretamente no seu dia a dia. È isso?
M: É mais ou menos isso, então por exemplo, eu sei que mentir é errado. E não só é errado
porque é errado, mas porque mentir é não falar a verdade, e se eu vou à igreja buscar a
verdade, então não faz sentido eu mentir.
T: quer dizer, precisa ter uma coerência.
M: sim, tem que ter uma coerência entre o que você acredita e o que você faz. Mas por
exemplo: nós somos pecadores, e nós caímos na mentira. Então é assim, eu posso cair na
mentira, mas não faz sentido eu não querer sair da mentira (silencio). Eu sei que vou pecar,
que vou cair no pecado, porque se eu não fosse pecadora, Deus não seria Deus, só ele é que é
perfeito, não tem jeito. Então eu vou cair no pecado, mas não faz sentido eu não querer
procurar melhorar, não quere buscar a salvação. Cada um entende de um jeito, dependo da
sua identidade, história de vida, personalidade, tem alguma coisa que constitui a pessoa.
Cada pessoa é única e para mim a ansiedade é um trauma, porque me faz cair num monte de
pecado. Sou preocupada demais, falta de confiança, medo, a gordura..., em vez de eu
buscar..., eu sei que eu tenho que buscar a resolução da minha ansiedade em Deus, só que no
dia a dia eu esqueço e vou para ó doce, entende? Eu sei que vou cair, mas eu sei onde está a
verdade, se eu sei que eu estou errando, não faz sentido eu querer por um pano e tentar
mascarar..., então é preciso melhorar para mudar. E essa situação é muito forte para mim, e
eu sei que muita gente depois me agradeceu por eu ter dado o berro que eu dei [se referindo
ao acontecimento no grupo da igreja mencionada a cima] porque eu estava com a ansiedade à
flor da pele e ninguém estava me escutando, ai eu queria pular no pescoço de um lá [risos].
119
Continuo?
T: Pode falar até você sentir que já basta.
M: A minha experiência foi assim muito louca, tem coisas que nem dá para contar se não
ficaria aqui até amanhã [risos]. Mas tem uma coisa que eu queria te falar [risos].
T: Pode falar.
M: É que já faz uns 10 minutos que eu estou aqui me cobrando o porque que eu não pedi
para a gente rezar primeiro. Porque é assim, ia me dar mais tranqüilidade, mas ai se desse
para gente fazer no final...
T: Ok, não tem problema, podemos fazer isso sim.
M: [risos]. É que eu sou meio confusa para falar..., as vezes para as pessoas eu não sou, mas
é que eu as vezes me sinto assim, e a fé me ajuda, me ajuda bastante. Porque as vezes você
quer fala ‘a’ mas sabe que tem que dizer ‘b’ então acaba falando ‘b’, sabe? E eu sei que
quero dizer ‘a’ mas acabando falando ‘b’ porque é conveniente.
T: E isso você sente na sua vida ou você esta sentindo isso só agora?
M: Não, não agora! agora eu realmente estou dizendo o que eu penso, o que eu quero dizer.
[silencio].
T: E assim M., se a gente for pensar em todo esse histórico que você me contou, toda a sua
experiência, porque desde criança você tem todo um histórico de crescimento dentro da
religião, e várias vezes você disse: ‘eu cresci com isso, eu sofri mas eu cresci com isso’, e tal.
Hoje, atualmente, se você pegar tudo isso que você me contou e pensar em termos de
crescimento psicológico, ou crescimento pessoal, o que você pode me disser sobre isso? Ou
seja, como que a religião te trouxe crescimento pessoal? Teve alguma mudança? Como ficou
a sua pessoa depois dessa experiência religiosa?
M: bom..., eu vejo assim: eu fui me fazendo, só que ainda tem uma parte de mim que eu não
120
sei.... Por exemplo, quando eu estava no Liceu, eu disse para o padre: ‘padre, eu não sei
quem eu sou!, padre eu não sei quem eu sou, eu quero saber quem eu sou! Eu não sei o que
eu espero, eu não sei quem eu sou’! E eu acredito que sozinha eu não teria nem chegado a
perceber que eu não sabia quem eu era. A minha mãe até hoje não sabe quem ela é, ela não
vive! Vive mudando de religião por causa do meu pai, eles se separaram um tempo e ela
acabou virando evangélica por causa do meu pai, e até agora é assim, ela vai pulando. E eu
com bem menos idade, cheguei e falei: ‘eu não sei quem eu sou! eu preciso amadurecer e me
conhecer’, e foi numa oração.
T: Mas assim, foi numa oração que você percebeu isso, ou seja, que você não se conhecia, ou
foi numa oração que você encontrou a resposta?
M: Não, foi na oração que eu percebi que eu não sabia quem eu era. E ai o padre que me
falou para procurar uma psicóloga. É lógico que eu posso, assim, isso eu já fiz, tem uns
livros de cura interior que eu li e fui percebendo um monte de coisas da minha história. Esse
livro mexeu muito comigo. O autor é um padre, não é um psicólogo, mas mexeu muito comigo
porque eu comecei a descobrir um monte de traumas que eu tinha. E esse livro diz que Deus
fez o homem e deu a ele o dom da medicina, é tipo assim: não fique esperando sentado, eu
preciso da psicóloga. E eu descobri que eu precisava buscar isso quando estava fazendo uma
oração. E até para criar coragem para dar os passos foi difícil, quer dizer, primeiro eu fui
falar com padre: olha eu não sei quem eu sou. Porque falar isso para uma pessoa é difícil,
né? porque se você não sabe nem quem você é, o que você sabe então? Você não sabe o
básico! E se não fosse o padre me encaminhar eu não teria ido atrás, mas como ele me
encaminhou eu fui atrás. Então na religião eu encontrei a força para agir. E quando eu fui
escolher a psicóloga eu coloquei alguns critérios; eu queria que ela fosse católica e
preferencialmente da renovação carismática, porque ela vai me entender melhor. Eu não
queria psicanálise por opção, eu não queria..., não era isso que eu precisava, era um outro
tipo de tratamento.
T: Você está me dizendo que a sua experiência religiosa te ajudou a buscar, e pelo que me
disse, ainda esta buscando uma resposta para as suas pergunta existenciais. E eu entendo que
isso deve ter proporcionado um crescimento pessoal muito grande.
121
M: Se eu não tivesse tido essa experiência de tudo o que eu passei na vida, de todo o
sofrimento..., tô até com vontade de chorar [risos].
T: A religião te trouxe...
M: Animo. Nossa! já falei muito!
T:E Maria, para a gente fechar, se você pudesse definir para mim com uma ou duas palavras o
que foi a sua experiência religiosa, você definiria como?
M:Então, animo no sentido de vida. No sentido de Espírito Santo. Espírito no sentido original
da palavra que quer dizer animo. E é um animo assim: que Deus criou, e o Espírito é o que
leva a gente para frente! E foi Ele, [o Espírito Santo] quem me tocou.
T: Ok, e M., como você esta se sentindo? Como foi essa experiência de estar me contando
sobre a sua experiência religiosa? Como foi esta entrevista para você?
M:Bem..., eu estou um pouco emocionada, mas eu gosto muito de parar, é que as vezes eu
não tenho coragem, as vezes eu fujo, mas eu gosto muito de parar para saber quem eu sou de
verdade. Eu estou agora com as mãos molhadas e estou ansiosa, mas foi muito bom..., muito
bom mesmo, porque foi uma das primeiras vezes que não senti um entrave para falar o que eu
penso, eu me senti bem à-vontade.
T: Quem bom..., tem mais alguma coisa que você queira me falar?
M: Não, acho que já falei tudo [risos].
T: Bom, então eu te agradeço muito pela entrevista, ela foi muito rica e tenho certeza que vai
me ajudar bastante nesta pesquisa. Se eu precisar de mais alguma informação posso te
procurar?
M: Claro, você me liga!
T: Então ta combinado!, muito obrigada mais uma vez!.
122
ANEXO VI
3
a
. Entrevista: Fátima.
T: Thais (Entrevistadora)
F: Fátima (entrevistada)
T: Fátima, eu estou fazendo uma pesquisa sobre experiência religiosa e crescimento pessoal
dentro do campo da Psicologia. O que você poderia me dizer sobre isso, de acordo com a sua
experiência pessoal? Você pode começar me contando sobre a sua história de vida, desde a
infância até sua vida adulta, para que eu entenda melhor.
F: Na verdade começou como um processo natural. Fui batizada na igreja católica, tive uma
família católica participante, nós participávamos da missa aos domingos, depois eu fiz
primeira comunhão, mas assim: existia um certo misticismo dentro da minha família. Eles
buscavam à Deus, meu pai sempre foi um homem muito fiel à Deus, e quando ele passou por
um problema de saúde, ele buscou outras religiões, principalmente dentro do espiritismo, ele
recebia passe e aquelas coisas todas. Mas a influência maior [em relação ao misticismo]
vinha por parte da minha mãe. Ela se dizia católica, mas recebia muita influencia desse
negócio de esoterismo, ela buscava Deus em outras coisas, em coisas mais imediatas, só que
eu não entendia que aquele era um momento necessário, até para o crescimento da família e
tal.
Então eu acho que isso influenciou bastante. Eu sou de uma família grande, somos em cinco
homens e só eu de mulher que sou gêmea do ultimo filho, e meus irmãos e eu também,
recebemos uma grande influência dela [da mãe] nesta questão. Depois ela começou a se
envolver muito nisso, fez amizade com uma mulher que lia a mão, começou a freqüentar a
casa dela, e meu pai sempre na dele, respeitando o jeito dela mas continuava chamando a
gente [os filhos] para irmos á missa aos domingos mas a gente já estava na adolescência e
não queria mais ir, íamos raramente, mais para fazer um agrado para o meu pai do que por
nós mesmos. Eu nem sabia direito o valor daquilo, me lembro que a minha primeira
eucaristia teve uma formação muito fraca, faltou muito sedimento, fundamento na religião,
doutrina. Mas o meu pai nunca desistiu de convidar, por isso eu ia algumas vezes.
Mas assim, essa influencia da minha mãe não ficava só naquela senhora que lia a mão, eu
procurava, procurava, acho que era uma insegurança que existia na família, nos filhos...,
mas isso é o que eu acho, dentro do meu ‘achismo’, eu analisando agora acho que era isso, a
123
insegurança faz você procurar alguma coisa que seja mais forte do que você, para que você
encontre alguma coisa em que se agarrar. Então, como eu não encontrava Deus dentro do
catolicismo, porque eu achava que a missa era chata, eu não conseguia entender, então para
achar Deus, eu ia buscar nos cristais, nos duendes, nessas coisas, mas nada de terreiro,
candomblé, eu nunca me senti bem com essas coisas, quando eu ia nesses lugares para
acompanhar alguém eu quase desmaiava, passa mal, acho que era Deus me puxando pelo
braço. Então eu cai em muitas fria, muitas frias, para aprender mesmo, sabe? Que aquele
caminho era errado.
Bom, casei, tinha vinte anos quando me casei. Casei na igreja católica, mas eu não convidei
Jesus e Maria para o meu casamento, eu não sabia a importância disso na época como eu sei
hoje. Então foi aquela coisa mais da cerimônia, do social, porque o matrimonio, o
sacramento em si eu achei muito superficial. E nesta época eu ainda estava muito envolvida
nestas coisas esotéricas, sempre buscando à Deus mas nisso. Então eram livros, não era só
uma coisa que me chamava a atenção, eram todas essas teorias orientais, místicas, mas
sempre voltada para o lodo espiritual. Mas eu sentia que mesmo com essa busca, eu estava
sempre vazia, me sentia muito infeliz, largada, deprimida, mesmo tendo um marido
maravilhoso, uma família maravilhosa, nossa condição financeira estava boa. Eu morei em
Mato Grosso, morei em Recife, e eu sempre fui acompanhando meu marido. Abri mão da
minha carreira, eu era farmacêutica e gostaria de ter ido para área de formação, área
universitária, mas não deu para ir devido a essas mudanças que aconteciam na minha vida.
Então eu fui abrindo mão de algumas coisas e fui crescendo, trabalhando dentro daquilo que
a gente acreditava, mas apesar de eu não ter ido buscar a Deus dentro da religião católica eu
sempre tive os princípios, seguia os mandamentos, né? De ser honesto, e coisas assim. Na
verdade, nada do que eu li foi tão ruim a ponto de me desvirtuar para um lado tão negativo, a
não ser por essas religiões tipo candomblé que eu acabei conhecendo um pouco, bem
superficialmente, mas ai eu achei que isso acabava indo muito fora daquilo que Deus manda.
Também nunca achei que Jesus estava dentro de uma casa espírita. Os livros que eu lia, tinha
um que estava escrito assim: Jesus viveu na Índia. Gente! Ai começou umas coisas tão
estranhas, falava de Nossa Senhora de uma maneira tão mundana, falando assim que Ela
tinha interesse que Jesus tivesse uma certa repercussão política, e coisas tão horríveis que eu
ainda nem tinha me convertido para o catolicismo mas já achei um horror aquele livro, então
isso se deve aos fundamentos que sempre existiram em mim.
T: Me parece que os valores transmitidos na infância permaneceram mesmo quando você
124
estava buscando outros caminhos.
F: É, mesmo eu buscando outros caminhos Jesus estava comigo.
Bom, mas ai o que aconteceu? Eu acabei sentido aquele vazio, então as vezes quando eu ia a
missa, principalmente quando ocorria essas mudanças de cidade, eram momentos difíceis,
porque eu não queria, porque eu era muito imatura, e ai eu ficava pensando só em mim, e
quando eu ia a missa, porque tinha uma igreja na frente da minha casa lá em Campo
Grande, eu chorava muito, me emocionava muito, mas não tinha uma continuidade, sabe? eu
ainda não tinha sentido aquele toque de Deus na minha vida. Ai quando eu fui embora, acho
que eu estava com uns vinte e dois anos, eu fui embora para Recife e lá eu engravidei. O meu
marido tinha uns parentes que moravam lá, e uma prima dele, que eu gosto muito, me
convidou para fazer um ‘seminário no espírito’. Como eu era muito aberta à espiritualidade,
eu fui, e era um seminário que durava uns quatro ou cinco meses, e eu deixava o meu filho
uma tarde inteira com a babá e ia. Essa experiência foi muito boa, porque ai eu comecei a
contestar. Eu contestava com o pessoal que fazia parte do meu grupo, com as pessoas que me
orientavam dentro do grupo, eu colocava questões de reencarnação, vida após a morte, e
aquilo para mim era real, verdadeiro, não tinha como não acreditar. E essas pessoas iam
argumentando aquilo que eu falava com a palavra de Deus [Bíblia] , então por exemplo:
quando eu falava sobre reencarnação, vidência, essas coisas: elas me mostravam com a
palavra o que Deus pensava sobre isso. E eu comecei a entender que Deus abominava essas
coisas, que Ele não gosta que a gente fique em cima do muro, e tudo isso foi me penetrando
sabe?, só que eu ainda não entendia, porque como eu lhe disse, a minha primeira comunhão
foi muito fraca, pouco profunda. Então o que precisa é de uma formação melhor para as
crianças e para os jovens, eles precisam da unidade familiar dentro da igreja, não só de ir à
missa, mas ter um lugar onde acolhe as crianças enquanto os pais estão na missa, por
exemplo.
Porque eu falei disso mesmo? Ah, estava falando do seminário, né? Então, ai eu comecei a
fazer várias contestações, manipulava a Bíblia com outros livros, mas isso porque eu não
tinha buscado o livro certo, né?E aquilo veio de encontro com algumas explicações que eu
precisava saber, então essa questão da reencarnação, sabe? isso eu precisava saber que eu
estava negando a resureissão de Jesus. Porque se ele morreu por nós, para nos salvar, eu
não preciso voltar numa outra vida para me salvar. Então essas coisas você vai tendo
consciência, mas foi um choque!
No final do seminário, teve um encerramento com uma missa. Bom, nessa missa teve algumas
125
pessoas que ficaram ao meu redor, entre elas essa moça que me orientou bastante, que eu no
começo argumentava e tal. E teve uma hora que teve o que eles chamam de: ‘a presença do
espírito santo’. Nesse momento eu senti uma coisa muito diferente, uma sensação que eu
nunca mais senti de novo..., foi como se fosse uma energia dentro de mim, que vinha das
pontas dos meus pés e corria por dentro. Sabe aquela sensação de formigamento nos pés e
nas mãos? Quando parece que fica adormecido? Era mais ou menos isso, eu não sei te
explicar direito, só sentindo para você entender. Eu sentia aquilo no meu corpo inteiro,
principalmente no peito, e depois senti meu coração disparar. Eu sei que essa foi uma
manifestação física que eu senti naquele momento durante a missa.
No começo eu fiquei um pouco com medo, com receio de ler a palavra [Bíblia] todos os dias,
era um medo de não entender talvez.
Teve um dia lá perto de casa, que eu derepente parei o carro e ofereci carona para uma
senhora. Eu senti vontade de fazer aquilo, não sei porque. Ela estava indo para igreja e a
gente começou a conversar. Ai ela me disse que, naquele momento da minha vida, eu deveria
ir à missa todos os dias.
Hoje eu sei que a comunhão diária faz você ter uma relação muito profunda com Deus. Então
quando dá, e eu faço isso há mais de dez anos, eu vou a missa diária, e se não dá para ir
todos os dias eu vou três vezes por semana ou duas fora o domingo. Mas assim: o que eu sei é
que eu sinto muita necessidade de ir. Porque aos domingos quando eu vou [à missa] eu
percebo que eu me distraio um pouco com as crianças [seus filhos] . Eles não são tão
pequenos, mas eu gosto de ficar explicando sobre a missa para eles entenderem o porque que
eles estão lá. Eu gosto de colocar alguns momentos importantes como na hora da
consagração, eu me preocupo em fazer com que eles aproveitem mais do que eu aproveitei.
Então, as vezes, mesmo que você esteja com sono, que não esteja com tanta vontade, que
tenha que abrir mão de algumas coisas, é legal você ir, porque quando você sai de lá, você
sai feliz, sai mais leve e isso porque eu fui conversar com Jesus, falei ‘oi’ para ele. Então a
minha meditação, a minha concentração acaba ficando prejudicada porque eu fico me
preocupando mais com eles, por isso é que eu gosto de ir à missa durante a semana para me
satisfazer neste sentido, para colocar os meus agradecimentos, as minhas necessidades e
coisas nesse sentido.
Bom, posso te falar que virou um ‘mar de rosas’? Não!, mas mudou tudo! A partir desse dia
[que ela teve as sensações na igreja] todos os livros que eu tinha de esoterismo eu não quis
mais, joguei fora, não quis dar para ninguém, joguei fora.Duendes, tudo o que eu tinha que
pudesse me ligar de alguma forma a minha vida passada eu joguei fora. È que nem aquela
126
história do cego de nascença, ele pegou e jogou as vestes fora em sinal de mudança de vida.
Então foi bem isso, a participação na missa diária me dava um suplemento de leituras, de
meditação, fiz oficina de oração que tinha um método de um Frei que era muito bom. Eu
gostei porque não tinha um ‘achismo’, a pessoa que ia lá aplicar ela não falava o que ela
pensava ou o que ela achava disso ou daquilo, ela simplesmente colocava o método que tinha
sido desenvolvido pelo Frei. E isso foi muito bom! eu até fiz isso duas vezes e numa delas eu
descobria a importância de Nossa Senhora. Porque até ai eu estava enamorada de Jesus.
Mas assim: o que eu posso dizer para você é que nesse período a minha vida mudou muito,
meu estado de espírito mudou, embora eu continue até hoje as vezes me sentindo um pouco
‘down’, sabe? mas isso é porque eu tenho uma tendência muito forte de carregar os
problemas dos outros, se tem alguém com algum problema eu já quero resolver, mesmo o
problema não tendo nada a ver comigo e isso me deixa muito sem energia, meia
cabisbaixa,mas não é uma coisa assim que me deixa vulnerável porque hoje eu tenho o apoio
de Jesus.
T: Fátima, e a partir de tudo isso, de toda essa história de vida, de busca pela espiritualidade,
como você enxerga ou como você entende a questão do desenvolvimento pessoal a partir da
sua experiência religiosa?
F: Eu acho que essa minha busca pela espiritualidade me trouxe principalmente
amadurecimento. Porque eu acho que você só se desenvolve se você começa a conhecer, a
entrar em contato com as coisas, né? Com a parte prática das coisas, não apenas a teoria ou
o ‘ouvi falar de tal coisas’, não!, você cresce quando você entende aquilo e tem sentimentos
envolvidos. Então, foi nesse momento de busca, de sofrimento, de mudanças que eu acabei
crescendo. Porque isso foi a melhor coisa que aconteceu para o meu casamento, foi
necessário, toda essa minha busca foi necessária. Eu vejo tudo isso, mesmo a parte ruim,
como bendita, entende? programada por Deus? Porque antes eu era uma pessoa mais
insegura, ainda sou, mas hoje eu tenho Jesus do meu lado, hoje eu sinto o meu anjo da
guarda me dando a mão. Então eu não sou uma pessoa super segura de tudo o que eu faço,
eu tenho os meus medos, meus defeitos, mas hoje eu luto, não fujo com tanta facilidade como
eu fazia antes, e tudo isso mudou porque eu sinto tem alguém mais forte lutando ao meu lado
junto comigo.
T: Me parece que a sua espiritualidade te deixou mais segura para enfrentar a vida.
127
F: Sim, eu me sinto muito mais segura. E outra coisa: hoje eu entendo como a família é
importante em termos de religiosidade, principalmente para os filhos, que precisam de uma
segurança dentro da família. Eles precisam saber qual religião pertence a família, então é
aquela coisas assim: minha família e eu somos católicos, ou eu sou evangélico, ou eu sou
mulçumano, sei lá, o que importa é eles terem uma definição. Não importa qual a religião,
mas eles precisam saber qual é a religião deles e da família, porque eles irão crescer
sabendo que a minha família é da religião tal. Isso não vai impedi-los de buscarem outras
coisas, outras religiões, mas vai dar uma base mais sólida para eles,e assim eles não ficarão
tão perdidos como eu fiquei. Então, não é que eu não deixo os meus filhos procurarem outros
caminhos,quando eles vem com algum coisa fora do catolicismo, eu explico: olha, esse
símbolo quer dizer isso, isso e isso. Ai eu pergunto para eles o que eles pensam dessa
explicação que eu dei, sempre vou perguntando o que eles acham e o que aquilo pode trazer
de bom para a vida deles.Eles sempre colocam que os amigos têm o símbolo tal, que ouvem a
musica tal, mas ai eu sempre pergunto: você colocou na penera? Vale a pena ter isso? Você
precisa fazer sempre o que os outros fazem?
Então, quando você vai comungando, principalmente quando faz isso diariamente, porque
quando não dá para eu ir me faz muita falta, e aquilo me ajudou, me ajudou não, me
transformou! E quando você faz isso [comungar] diariamente, você vai se transformando
naquilo que você recebe..., entre aspas, né?se transformando assim: você vai entrando mais
em unidade com Deus, aquela coisa de você viver como Jesus gostaria que você vivesse.
Então por exemplo: me marido brigou comigo, e antes eu tinha um gênio difícil, eu era uma
pessoa muito nervosa, mandona, mais autoritária sabe?, não que eu não seja ainda, porque
eu acho que tem característica que ainda continuam, mas eu sei ponderar bem mais, não
entro mais em competição com eu marido, porque eu agora entendo que não é uma
competição, o casamento é uma unidade. Então, mudou mil coisas comigo e com ele.
Lembro-me que antes eu me sentia tão cuidada por ele [o marido] que ele parecia mais meu
pai, e isso me incomodava, principalmente o fato dele me mandar fazer as coisas ou de me
proibir de fazer isso ou aquilo. Não que ele sempre fizesse isso, porque ele é um cara muito
equilibrado, justo, ponderado, ele sempre teve muita paciência comigo, ele é 10 anos mais
velho do que eu. [risos].
T: Bom Fátima, eu estou entendo que a sua visão de mundo mudou, a sua forma de entender
as pessoas mudou...
128
F: Sim, mas eu já era assim, eu já era de querer fazer tudo pelo outro. O que mudou foi a
intensidade disso, a maneira como eu me sinto em relação a isso.
T: E você conseguiria me descrever como foi isso? Como que essa sua experiência religiosa
provocou essa intensificação? Quais os sentimentos que estão envolvidos? O que acontece
dentro de você?
F: Não sei seu eu saberia te descrever isso. Mas foi assim: nos primeiros momentos de
conversão você fica sendo a chata, começa a pegar no pé de todo mundo, fica querendo que
todo mundo siga aquilo que você acha que é o certo, você é a dona da verdade e a chata.
Então, imagina uma pessoa como eu que era totalmente esotérica e derepente começa a
pregar! é como Paulo, né? Você começa a querer converte a família interira, só que ai as
pessoas começam a te excluir, né? Ai, ai vem a Fátima vamos cortar o assunto. Mas eu sei
que eu era muito chata mesmo! E para meu marido foi muito difícil. Ele não era um cara de
viver final de semana na igreja, mas não era um cara místico também, então para ele foi
difícil aceitar essa nova Fátima. Ai quando eu comecei a trabalhar com as crianças [ela dá
aulas de pré-catequese na igreja] , ele não queria ir a missa comigo, mas agora ele vai
sozinho se precisar, porque?, porque ele quer! Então eu não falo mais nada de religião para
ele, não precisa. Eu aprendi que são as atitudes da gente que irão mostrar o que é o amor a
Deus. Mas assim, o que realmente mudou, o que fez eu mudar foi o amor. Esse sentimento de
amor pelas pessoas tomou conta de mim, as vezes eu acho que ele é até exagerado, anormal.
Porque as vezes você começa a se sentir mal porque tem mais condições materiais do que
outras pessoas, ou porque você tem algo que o outro não tem, é assim. Mas ao mesmo tempo
você começa a ver que ocorre um despego das coisas materiais. Só que eu, nessa ânsia de
querer ajudar os outros, muitas vezes acabei fazendo com que a pessoa sentisse que eu não
dava valor para o trabalho dela, sabe?, porque por exemplo, se eu sabia que alguém estava
precisando de dinheiro, eu contratava os serviços dela e pagava mais, entende?, para
ajudar!, só que a pessoa se sentia ofendida com isso.
Mas deixa eu te disser uma coisa que eu lembrei agora: então, sobre o meu marido, ele
ficava triste quando eu dizia que amava a Deus a cima de qualquer coisa, ele ficava muito
triste, então, esse tipo de coisa eu também não faço mais.
T: Parece que a sua experiência passou por vários processos, etapas.
129
F: Sim, e eu foi aprendo com cada uma dessas etapas. Porque eu comecei a perceber que se
eu falasse para o meu marido que eu amava Deus a cima de todas as coisas, eu estaria
provocando nele uma bronca em relação a Deus e a igreja, e eu não queria isso. Então,
quando ele chega e eu estou fazendo alguma coisa da igreja, eu paro o que estou fazendo
para dar atenção a ele. Eu me lembro que as primeiras crianças que eu cuidava lá na igreja
foram uma transformação para mim. Antes eu tinha vergonha de cantar com as crianças, ai
depois é que eu fui aprender a tocar violão para poder tocar para Jesus. Então até hoje eu
não toco direito, mas não é porque eu não gosto, é que eu quero tocar para elas [as crianças]
é por isso que eu resolvi tocar violão, e não para ficar tocando qualquer música.
T: É com se a musica fosse um caminho para se estabelecer uma relação com Deus?
F: É, antes, quando eu comecei, tinha umas trinta crianças e eu morria de vergonha de pegar
no violão, tinha vergonha de tocar, e as crianças me ensinaram que eu não deveria me sentir
assim porque eu estava tocando para Deus. E tudo isso foi me enriquecendo, porque eu fui
me colocando no lugar das crianças. Tem vezes que eu estou com dor de cabeça, ou com
cólica, mas eu vou a igreja, e ai quando eu vejo as crianças, quando elas me vêem chegando
com o violão..., eu me transformo, é uma alegria só. A minha timidez, que eu tenho, e as vezes
as pessoas olham para mim e eu estou com cara fechada,e elas me acham antipática e tal,
mas não é isso, é timidez, eu sou bem tímida! Então, as crianças estão me ajudando muito
com isso também, porque as vezes eu chego e começo a falar aquelas besteirinhas que
criança gosta, que dão risada, sabe?, tipo: fulano soltou um pum!, e elas se acabam de tanto
rir, coisas assim. Então eu as ensino e elas me ensinam muita coisa, porque o que eu quero é
que elas se sintam bem e feliz naquele lugar, quero que elas sintam a presença de Jesus, que
elas o vejam como amigo, como alguém de confiança, porque com as crianças precisa ser
assim para dar certo.
Mas deixa eu voltar, bom, como que eu me sinto hoje?, hoje eu me sinto bem mais segura nas
coisas que eu falo e que eu faço. Porque eu já estou nessa comunidade há oito anos, e as
meninas que estavam lá comigo saíram e deixaram a pré-catequese, que é de quatro a sete
anos nas minhas mãos. Não que elas deixam na minha mão por elas saíram, não!, é que elas
foram cuidar de outras atividades, e como eu sempre gostei muito de ler, estudar, elas
acharam que eu daria conta. Se eu tivesse continuado meus estudos na universidade, talvez
eu iria para parte de pesquisa, estudar microorganismos, mas acho que não era esse tipo de
microorganismo que Deus queria que eu estudasse [risos].
130
Mas tinha os momentos que eu ficava de saco cheio, principalmente quando eu queria que os
outros fossem iguais a mim...., mas tudo isso acontecia no meu interior, não era uma coisa
que eu verbalizava, era uma luta minha contra a tentação. Mas assim, o que foi importante
no crescimento espiritual para mim?, foi que todos os sentimentos que eu acho que não são
bons, eu tento cortar, eu tento lutar. Por exemplo: quando colocaram uma pessoa para
trabalhar comigo na pré-catequese, eu não gostei. Me senti acuada, mas era uma pessoa que
eu já conhecia, que eu até tinha uma certa relação com ela. Era minha ex-cunhada, eu era
madrinha do filho dela, então não era para eu ter implicância com ela, concorda?, mas eu
sentia aquela implicância natural, eu não gostava do jeito dela agir, do jeito dela falar, não
gostava de nada. Mas isso porque ela tinha um jeito de pensar diferente do meu. E isso me
incomodou, só que quando eu percebi isso, eu lutei para não ser assim. Claro que eu não
verbalizei isso porque eu sabia que estava errada. Não errada de sentir aquilo, mas sim de
permitir que aqueles sentimentos estivessem em mim. Então eu sabia que eu tinha que morrer
naquela situação para que Jesus pudesse viver. Então é assim: eu penso como Jesus iria
reagir naquela situação X e o coloco no meu lugar. È como se a Fátima saísse de campo
para Jesus entrar. Eu me anulo mesmo! Não no sentido de me anular para ser usada pelos
outros, mas no sentido de permitir a entrada de Jesus. E eu falo assim: entrar aqui em mim e
faça aquilo que eu Senhor quer que eu faça. É claro que muitas vezes não é fácil, porque as
vezes eu não quero ouvir, então é uma luta constante. Mas a religião me trouxe essa força,
essa percepção de que as vezes eu estou errada der ter certos sentimentos. E outra coisa: me
trouxe uma percepção maior em relação as pessoas, porque as vezes, eu sou permissiva
demais, e acabei aprendendo que com isso, muitas vezes as pessoas acabam abusando da sua
amizade. Então Deus manda alguns anjos, [risos] que são seus amigos de verdade, para te
darem um toque. Antigamente, quando alguém vinha me dar um toque, eu já achava que a
pessoa estava me criticando, mas hoje eu vejo diferente, eu sei que na verdade a pessoa esta
querendo me ajudar, então, hoje, quando o meu marido me fala alguma coisa, eu sei que é
para eu meditar, para refletir sobre aquilo e não para jogar fora como se fosse uma critica
boba.
Mas eu sei que é isso! A religião me trouxe muita coisa boa, até mesmo de perdoar as
pessoas, de ver as situações de outro ângulo, porque veja bem: como é que eu vou comungar
se eu sei que eu não estou bem com alguém?, a gente tem que comungar para receber corpo
e sangue de cristo, e para isso, a gente tem que estar bem, tem que estar com o espírito limpo,
não adianta nada a gente comungar só por comungar, é preciso realmente sentir que Deus
esta naquela hóstia, se não tem valor nenhum, eu preciso sentir que Deus esta na minha vida.
131
T: Você sente que é preciso praticar a religião, ou seja, não adianta somente ir a missa, ou
fazer qualquer outro ritual, é preciso ter a experiência concreta de Deus.
F: É, isso seria o ideal! Mas só de você ir a missa já é muito bom, de poder ter um contato
com a palavra já é muito bom. Porque tudo isso leva a uma transformação, desde que você
esteja com o seu coração aberto.
T: Fátima, se você pudesse definir essa sua experiência em duas ou três palavras, quais
seriam?
F: Eu diria que eu nasci de novo! Porque hoje eu sou uma outra pessoa e tudo isso por causa
das coisas que eu te falei, da minha busca e tal.
T: Ok Fátima, tem mais alguma outra coisa que você queira me contar sobre a sua
experiência religiosa?
F: Bom, teria mais uns dois dias para poder te contar tudo em detalhes, [risos], mas acho que
o essencial é isso que eu já te falei.
T: E como foi para você falar sobre tudo isso? Como você sentiu essa entrevista?
F: Eu achei muito legal! gostei bastante! Acho que as vezes é bom a gente para e pensar um
pouco na vida, na nossa história. Foi bem legal para mim!
T: Que bom!, eu vou pegar o seu e-mail e quando eu terminar meu trabalho e volto a entrar
em contato com você.
F: Ok, fique a vontade, quando precisar é só entrar em contato comigo.
T: Fátima, eu agradeço muito a sua atenção e o tempo que você dedicou para que eu pudesse
entrevistá-la. Muito obrigada!
F: Imagina, obrigada eu.
132
ANEXO VII
4
a
. Entrevista:Dona Neuza.
T: Thais (Entrevistadora)
N: Dona Neuza (entrevistada)
T: Então D.N, estou fazendo um trabalho sobre Psicologia da Religião e quero entender,
através da experiência religiosa de católicos, qual a relação que existe entre essa experiência e
o seu desenvolvimento pessoal. Por isso, gostaria que a senhora me contasse sobre a sua
história de vida enfocando o aspecto religioso, pode ser?
N: Pode, mas o que você entende como desenvolvimento pessoal?
T: Desenvolvimento pessoal seria tudo aquilo que a senhora entende como um
amadurecimento enquanto pessoa, ou seja, o que mudou na vida da senhora com esta
experiência religiosa? Essa experiência fez a senhora crescer enquanto pessoa? Se fez, em que
sentido?
N: Hum, entendi! Acho que terei muitas coisas para contar para você.
Bom, eu nasci numa família de imigrantes italianos, era um ambiente muito pobre, no qual a
luta pela sobrevivência foi muito dura. Tive uma infância triste, pobre, sofrida, com muito
trabalho. Para você ter uma idéia, eu trabalho desde os meus cinco anos de idade, mas, veja
bem, eu não estou me queixando!
Então, eu era muito carente! Carente de carinho de pai e de mãe, de irmão, mas como era
aquela luta, era cada um por si, não dava para meus pais ficarem dando atenção para todos
os filhos. E era muito difícil, tinha muita doença na família, eu era extremamente gaga por
causa do emocional, mas eu sei que eu nasci assim: muito sensível, sabe? E por causa disso,
eu quase não falava, sofri humilhações na escola e eu chorava muito, sabe? e quando eu ia
me queixar para minha mãe, ela dizia: ah, para com isso menina!, que bobagem, tanta coisa
mais importante para a gente se preocupar! E ai eu me lembro que eu me recuava, ficada
ainda mais calada.
Bom, quando eu cheguei aos quatorze anos, eu encontrei um homem que se apaixonou
perdidamente por mim e me prometeu céus e terras. Ele era de uma família que se dizia muito
133
importante, mas hoje eu sei que nada são. E eu sabia que eu não gostava dele, eu queria
largar dele. Eu namorei um ano e pouco e eu vi que a nossa relação não casava, que não
arrepiava a pele. E você sabe que naquela época, sexo era um tabu tremendo e ninguém
entendia que a energia sexual é uma energia brutal, muito forte, mas, dentro de uma
sociedade hipócrita que nós vivíamos, com total restrição para mulher, aquela que não se
casasse virgem, era considerada a mulher mais pecadora do mundo, e essa foi a minha
época.
Bom, antes de casar, eu sempre falava para ele que eu não gostava dele, que talvez eu até
pudesse um dia gostar dele, mas que naquele momento, eu não gostava. E ele dizia: não!, eu
vou te fazer feliz, eu tenho tudo para te oferecer e coisas assim. E eu acreditei, eu era muito
ingênua, era uma menina semi-analfabeta. E as distorções de valores que eu passei foram
muito grandes. Por exemplo: hoje eu sei que tem muitos pais desesperados porque os filhos
não estudam. E eu tinha uma vontade louca de estudar e nunca pude, por que eu tinha que
ajudar meus pais, eu fui pajem de quatro irmãos. Eu tinha que carregar um dos meus irmãos
que era muito gordo e por causa disso, mais tarde eu tive um sério problema de coluna e
também porque com sete anos, eu carregava lenha para minha mãe, e isso destruiu minha
coluna porque eu tava em fase de crescimento. Bem, isso até uns onze anos, porque na época,
isso era trabalho de criança, o trabalho de adulto só começou quando eu fiz onze anos, e
como meus pais estavam passando por muita dificuldade financeira por causa da guerra, e
como ele era imigrante, a situação ficava ainda pior. E eu não via a hora de começar a
trabalhar de verdade para ajudá-los, ai eu fui ser pajem, que hoje chama de baba, né?, de um
menino filho de um amigo dele [do pai], ai depois eu ainda fui trabalhar em fabricas e em
vários lugares que eram muito duros para minha idade. Mas que eu me lembro que foi muito
marcante, e aos finais de semana eu queria ir à matine, porque naquela época o cinema
estava no auge e todo mundo queria ir na matine. Só que meu pai não deixa, ele dizia que
aquilo não era ambiente bom e que eu precisava ajudar minha mãe a limpar a casa no final
de semana. Dessa forma, eu não descansava, só trabalhava. Nessa época, eu estava
trabalhando nos Chapéus Cury e, graças a Deus, eu sempre tive muita habilidade manual,
habilidade para fazer trabalhos de bordado, pintura, acabamento e coisas assim. Mas sabe,
Thais, eu me lembro que tinha muita gente que trabalhava comigo, que não gostava dessa
minha habilidade porque com isso, eu acabava fazendo os chapéus mais rápido dos que as
outras e, conseqüentemente, ganhava mais por isso, já que o salário era por produção. E eu
me lembro que, quando eu estava na escola, acho que eu tinha uns 7 ou 8 anos, eu sempre
134
fazia desenhos muito bonitos, eu sempre tive muita habilidade para pintura, e a professora
mostrava meus desenhos para todo mundo. Nossa!, as outras crianças me odiavam por causa
disso. Então, eu notei que quando a gente tem muita habilidade com uma coisa, a gente
ganha de um lado, mas perde de outro [referindo-se as pessoas a sua volta].
Bom, esta era a minha vida até eu me casar. Eu me lembro que, apesar de não quere me
casar com o homem com quem eu me casei, na época, a possibilidade de eu poder sair
daquele ambiente em que eu vivia, influenciou muito na minha decisão de me casar. Nossa!,
quando eu pensava que eu iria poder ser mais livre, que eu poderia trabalhar um pouco
menos, tudo isso influenciou muito, sabe? Se na época eu pudesse enxergar as coisas como
eu enxergo hoje, saberia que aos olhos de Deus, nada escapa, mas eu era muito inexperiente
para entender isso, né?
Então, quando chegou aos dezenove anos, eu parti para o casamento. Só pensava em sair da
daquele ambiente, era muita briga, muita discussão, a mamãe tinha cinco enteados, filhos do
primeiro casamento do meu pai e tudo isso era um rolo só, a minha mãe tinha um gênio
muito forte e por isso gerava muita briga devido falta de dinheiro, falta de afeto, falta de
tudo. E eu pensava: graças a Deus agora, depois do casamento, eu vou ter um lugar só para
mim. Bem, eu me casei e me dediquei muito a esse homem, mesmo sem ama-lo, eu nunca
deixei de ser uma boa esposa para ele. E eu nem imaginava as pancadas que a vida iria me
dar. Esse homem, que antes me prometeu céus e terras, me agredia muito, não fisicamente,
mas verbalmente, que é muito pior do que a agressão física porque ela te mata, te fere em
locais que não cicatrizam nunca. Eu acho que ele mudou assim depois do casamento, porque
ele viu que, de fato, eu não o amava, embora eu me dedicasse muito a ele. E eu fui
percebendo que ele queria fazer de tudo para se vingar de mim, como se eu tivesse obrigação
de amá-lo. Hoje eu sei que quem se casou enganada fui eu, não ele, porque ele sabia, desde o
início que eu não o amava, mas ele sim fez promessa a mim que não foi capaz de cumprir. Ele
queria que eu sentisse amor por ele, mas eu não conseguia, eu não tinha nem atração física
por ele, então tudo ficava mais difícil, né? Eu acredito que o casamento é baseado em várias
coisas, e a atração física é uma delas, mas na minha opinião, o mais importante é a
educação, o respeito pelo outro, e eu sentia que ele não tinha esse respeito por mim, várias
vezes ele me ofendia por nada, sem que eu nem tivesse conversando com ele, acho que ele
trazia problemas do trabalho e acabava descontando em mim. Mas eu sei que tudo isso
acontece, agora a maneira como você vai lidar com isso é que faz a diferença. Então, se por
exemplo o marido teve um dia duro e sem querer ofende a mulher, ele pode chegar e explicar
135
essa situação a ela, pedir desculpas. E isso vale também para a esposa, porque naquele
tempo, ninguém nem ouvia falar de tenção pré-menstrual, isso tudo era frescura!, mas hoje
as pessoas entendem que na verdade é hormônio, né? Mas resumindo, para mim o casamento
é baseado na educação e, isso eu não tinha na no meu casamento. Nesta época, eu não
freqüentava igreja, me dizia católica porque a minha família era católica, mas não sentia a
presença de Jesus comigo, sabe? eu sofri muito, sofri feito um cão!, não tinha no que me
apoiar, principalmente no meu casamento.
Bom..., meus filhos nasceram, tive dois filhos, eu sempre procurei poupa-los das nossas
brigas. Eles nunca presenciaram nenhuma briga minha com o pai deles porque eu sempre
acabava engolindo sapo para que eles não sofressem, sabe? Deixava o pai deles me xingar e
ficava quieta para não prolongar a briga. Eu não queria que eles sentissem o que eu senti na
minha infância, não queria que eles vissem os pais brigando. Eu me lembro d uma cena que
marcou muito a minha vida: eu vi meu pai pegar a faca para matar a minha mãe. Você não
imagina o que é isso para uma criança!, e eu não quis que meus filhos passassem por isso,
entende? Hoje meus filhos não sabem de nada, eles até acham que eu exagero muito quando
conto a minha estória de vida para eles, mas isso porque eu quis poupa-los de um sofrimento.
Mas eu nem quero mais contar nada para eles, isso tudo é passado, e o passado é passado.
Hoje eu sigo o que Jesus fala: Seja uma nova criatura., perdoe, perdoe sempre. Mas antes eu
era uma pessoa triste, revoltada, não aceitava a vida que eu estava levando e sofria muito
com isso.
Bom, além de ter problemas em casa, eu também tinha muitos problemas no serviço. Nesta
época meus filhos já estavam mais grandinhos e eu estava trabalhando numa loja como
vendedora de roupas. Nesse trabalho, novamente eu encontrei muita gente que não gostava
de mim porque eu vendia muito e ganhava bem mais do que quem vendia pouco, eu sempre
tive muita habilidade para trabalhar com publico. Novamente eu comecei a sentir que,
quando alguém não gosta de mim, eu me sinto mal, como acontecia quando eu trabalhei na
fabrica de chapéus. Mas eu sei que foi com o salário que eu ganhava nessa loja, que eu
consegui juntar dinheiro para comprar essa casa que eu moro hoje. Eu trabalhei muito, mas
muito mesmo!, quase não folgava para poder vender mais, era uma loucura! E com isso eu
acabei desenvolvendo um problema sério de saúde, um não, né?!, vários!. Eu já tinha
problemas nas costas desde criança por causa do trabalho que eu tinha antes, ai depois que
eu comecei a trabalhar muito tempo de pé, isso piorou muito, além disso, eu tinha varizes,
que me causava uma dor terrível nas pernas, o médico da empresa inclusive, me falou que eu
136
não poderia trabalhar em pé em hipótese alguma, mas o que eu podia fazer?, se eu não
trabalhasse, não tinha como colocar comida em casa, por que meu marido sempre ganhou
muito pouco. Eu não o humilhei por isso, sempre soube que ele tinha muitas limitações, mas
nunca o humilhei por causa disso, só que ele não se sentia bem por eu ganhar mais do que
ele, você imagina que naquela época, mulher trabalhar já era uma vergonha para o marido,
ganhar mais do que ele então, nossa!, era terrível!, e ele se sentia mal por causa disso, mas o
que eu podia fazer?, eu tinha que trabalhar! Então era uma baita pressão no trabalho e uma
baita pressão em casa. Ele não se conformava, ele sentia raiva de mim porque eu ganhava
mais do que ele, eu percebia que ele, inclusive, não queria que eu guardasse dinheiro para
comprar esta casa, porque isso seria muito humilhante para ele.
Você sabe que muitas vezes, eu pensei em voltar para a casa dos meus pais, e eu tenho
certeza que se eu fosse contar para o meu pai tudo o que se passava na minha vida, ele
imediatamente iria falar para eu voltar para a casa dele. Mas eu não queria isso, não queria
levar preocupação para os meus pais e nem voltar a ter aquela vida que eu tinha antes, eu
não queria que os meus pais tivessem o desgosto de ver a situação que estava a minha vida.
Mas por que eu estou te contando tudo isso? Estou te contando para você poder entender
como aconteceu o processo de mudança na minha vida depois que eu conheci a Jesus. Mas é
importante você ter bem claro, que até essa época, eu não tinha religião, eu era muito
revoltada e triste, enfrentada todos os meus problemas, que como você viu não são poucos,
sozinha.
Bem, até que no ano de 1981, o meu marido recebeu um dinheiro do sindicato dos
ferroviários. Era um dinheiro que estava atrasado e foi acumulando, sabe? Nesta época,
meus filhos já estavam casados, eu já tinha esta casa que eu moro hoje, então, eu ainda
precisava guardar dinheiro para reformá-la, mas isso podia esperar mais um pouco, não era
nada urgente. Ai meu marido falou que gostaria de pegar esse dinheiro para viajar á
Portugal, ele sempre teve o sonho de conhecer Portugal. Eu perguntei para ele se o dinheiro
iria ser suficiente para esta viagem e ele disse que sim, que não daria para gastarmos com
coisas supérfluas, mas que para a passagem e hospedagem daria. Então nos fomos.
Chegamos em Lisboa e encontramos um guia que nos ofereceu um pacote que incluía um
passeio de duas horas em Fátima. Na hora eu pensei: o que eu vou ficar fazendo duas horas
em Fátima? Nem imaginava como seria importante para eu conhecer aquela cidade. Bem, eu
aceitei, então fomos para Fátima, e naquele dia, era um domingo de Ramos, e eu nem sabia o
que era domingo de Ramos. Ai, chegamos naquela praça e eu vi aquela multidão, aquela
gente toda rezando, nossa!, você não imagina a energia que tem naquele lugar, é uma coisa
137
inexplicável, a fé daquelas pessoas é contagiante. E como manda a tradição católica, no
domingo de ramos a gente pega uma folha de ramo para queimar, e eu fiz isso, e na hora que
eu queimei aquela folha de ramo, algum coisa aconteceu dentro de mim. Eu não sei te disser
o que, mas eu senti que alguma coisa dentro de mim estava diferente. Era uma força passava
dentro do meu corpo, algo que me deixa inquieta, mas o que eu sei é que eu entrei em Fátima
de um jeito e sai de outro. E foi ai que começou a minha experiência com Deus, com Jesus e
Nossa Senhora. Bem, eu comprei um tercinho em Fátima como recordação e coloquei dentro
da minha bolsa. Passeamos mais um pouquinho e depois fomos embora. A gente comprou
aquele euro-passe e fomos fazer mais alguns passeios na Itália, França e Espanha. Estava
tudo indo muito bem, até que na volta, a gente estava em Madri, na Espanha e eu estava
tomando um café, coloquei minha bolsa na cadeira ao lado e fiquei lá tomando café. Quando
eu fui pegar o dinheiro para pagar a conta, cadê a minha bolsa? Havia sido roubada! Eu
lembro que duas ciganas se aproximaram de mim para oferecer toalhas e eu recusei, mas
acredito que elas pegaram a minha bolsa sem que eu percebesse. Naquela época, a Espanha
estava em guerra e um passaporte brasileiro valia muito dinheiro porque é o passaporte
mais fácil de se falsificar. Eu fiquei desesperada, como eu iria ficar num pais estrangeiro
sem passaporte, ainda mais em guerra? Bom, fomos até uma delegacia de polícia fazer um
boletim de ocorrência e eu e lembro que o policial me perguntou o que eu tinha dentro da
minha bolsa. Eu me lembrei de tudo, falei até de um baton que eu tinha comparado lá, mas
não tinha me lembrado de falar do terço, só no final é que eu lembrei e pedi para o policial
registrar que tinha um tercinho de Fátima dentro da bolsa também. Bom, o policial me trouxe
várias ciganas para eu reconhecer, mas não era nenhuma delas. O que a gente fez, foi pegar
uma autorização como o policial para voltarmos até Portugal e de lá entrar em contato com
a embaixada brasileira para voltarmos para o Brasil. Nossa, eu fiquei muito triste porque
sabia que a nossa viagem havia terminado ali, né? Pois bem, voltamos para Lisboa e eu
resolvi entrar numa igreja e pedir para Nossa Senhora de Fátima que me ajudasse a
encontrar a minha bolsa, eu me lembro que ainda estava com um sentimento de desconfiança,
e pensei: se essa santa for poderosa mesmo, a minha bolsa vai aparecer.
Ficamos mais uns dois dias em Portugal, e quando já estávamos prestes a voltar para o
Brasil, a embaixada entrou em contato comigo dizendo que a minha bolsa havia sido
encontrada. Na hora eu me ajoelhei no chão e comecei a chorar. Eu não podia acreditar que
a minha bolsa havia sido encontrada e que eu tinha duvidado do poder de Nossa Senhora.
Naquela hora eu senti que eu já não era mais a mesma pessoa. Eu chorei tanto de
arrependimento por ter duvidado de Nossa Senhora e também por não ter dado valor quando
138
o guia me ofereceu de ir para Fátima, nossa!, não sei te explicar como foi o sentimento que
estava dentro de mim naquela hora, o que eu sei é eu era uma nova pessoa.
Bom, eu fui buscar a minha bolsa, já estava feliz por terem encontrado meu passaporte, mas
a minha surpresa maior foi ter encontrado tudo dentro da bolsa, inclusive dinheiro, eu não
podia acreditar, era bom demais para ser verdade!, nem mesmo o policial conseguia
entender, ele me disse que aquilo era realmente um milagre, ainda mais naquela época que
estava tendo guerra. Naquele instante eu ouvi uma voz dentro de mi que dizia: a sua bolsa
sempre esteve guardada. Eu não conseguia entender aquilo que eu estava ouvindo, é tudo
muito estranho, e mais estranho ainda era terem encontrado a minha bolsa. Mas eu nem dei
importância para aquilo que eu estava ouvindo porque desde criança eu tenho essas coisas,
de ficar ouvindo vozes, de ter visões, sabe? então, eu não dou muita bola para que isso não
aumente.
Mas eu sei que eu perguntei para o delegado como eles haviam encontrado a minha bolsa, e
ele me disse que uma senhora havia encontrado a minha bolsa numa rua, perto de cestos de
lixo e levou para a polícia. Aquilo foi um milagre, eu sei que foi um milagre! A partir disso,
eu me transformei Quando eu voltei para o Brasil, eu já não era mais a mesma pessoa, a
minha fé havia tomando conta de mim, eu não tinha mais controle. Desde então, eu freqüento
a igreja e sigo os costumes do catolicismo. A minha vida foi mudando cada vez mais, eu fui
sentindo que aquele sentimento de fé me fortalecia, me fazia ser diferente, não sei se é
diferente, mas foi me fazendo agir de outra maneira, entende?
T: Nossa!, acho que entendo, mas que experiência interessante a da senhora!
N: eu tive e ainda tenho muitas experiências de Deus na minha vida. Um outro fato
interessante, foi que em 1986 eu estava descansando, mas não estava dormindo, e derepente
eu ouvi como um zumbido no ouvido. Eu me levante e comecei a ouvir uma voz que chamava
pelo nome, era uma voz forte e aquilo me marcou muito. Ai eu comecei a olhar e vi a figura
de um homem, ele estava vestido como um profeta, com aquelas roupas que a gente vê em
filmes bíblicos, sabe? Bom, nessa ocasião eu só ouvi a voz e vi a figura deste homem. Em
1987 eu fui chamada para participar de um grupo de oração, isso foi muito importante
também, sabe? porque foi ai que eu vim a conhecer a sagrada escritura [Bíblia].
Bom, desde que eu comecei a ter fé e a participar mais ativamente das atividades católicas eu
passei a ter desejo de conhecer a Terra Santa [Israel]. E por incrível que pareça surgiu a
oportunidade de eu ir com um grupo da igreja para Israel. Eu estava muito feliz e ansiosa
139
para ir, só que quando faltavam apenas quatro dias para eu embarcar, aconteceu de eu ficar
muito doente. A minha coluna travou e eu não conseguia nem me mexer, era uma dor
terrível! Eu fiquei desesperada, não havia remédio que aliviasse aquela dor e os médicos já
haviam dito que eu não poderia viajar de forma alguma. Bom, este grupo de oração o qual eu
pertencia, veio até a minha casa e as pessoas começaram a orar por mim. Elas ficaram 2
dias inteiros, manhã, tarde e noite orando pela minha saúde. Quando foi na véspera da
minha viagem, ou seja, um dia antes do embarque, eu acordei curada, como por um novo
milagre na minha vida, eu estava curada, não tinha mais nada, não sentia dor alguma. Foi o
poder da oração quem me ajudou a fazer aquela viagem. Bom, eu fui viajar e agradeci muito
a Deus por isso. Tive a oportunidade de conhecer a Terra Santa, de sentir a energia
poderosíssima que tem naquele lugar e de restaurar a minha fé no Cristianismo.
Agora eu te pergunto, você acha que depois de tantas manifestações da presença de Deus na
minha vida eu poderia continuar a ser aquela pessoa revoltada, triste e amargurada com a
vida que eu era?
T: Bom, imagino que não!, mas assim: em termos de crescimento enquanto pessoa, de
amadurecimento pessoal, como a senhora entende isso? Qual a relação que a senhora
estabelece?
N: Olha Thais, eu tenho 75 anos e vou te dizer uma coisa muito importante: a gente só cresce
enquanto pessoa quando a gente realmente sente que tem algo mais forte nos ajudando a
crescer. Você pode ter muitas experiências na sua vida que te ensinem a resolver problemas
ou a melhor maneira de ganhar dinheiro ou coisas assim, mas nenhuma destas experiências
te ajudam a amadurecer os seus sentimentos, nenhuma te ensina a olhar para uma pessoa
que te fez sofre durante uma vida toda com olhos de perdão e compreensão. Porque foi
exatamente esse crescimento que a religião me proporcionou. Eu aprendi a sentir o mundo de
outra maneira, eu não aprendi a me comportar da maneira mais adequada para ter uma boa
conseqüência por isso, não!, eu aprendi a sentir as pessoas, as situações de outra forma.
Eu por exemplo, não culpo mais o meu marido por ele ter falado muitas coisas no passado
que me machucaram, o que eu faço hoje, é orar por ele. E isso se estende para todas as
situações da minha vida. Apesar de eu não ter nada, eu sinto que eu tenho tudo, eu sou muito
feliz porque não me deixo mais atingir por problemas do dia a dia, eu encontrei outras
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maneiras de lidar com eles, quando tem alguém que me faz mal, eu rezo muito por essa
pessoa para que o Espírito Santo toque o coração dela assim como tocou o meu.
T: Nossa! me parece que essas experiências religiosas realmente transformou a senhora, e
pelo que estou entendendo, elas trouxeram crescimento pessoal a medida em que a senhora
passou a enxergar o mundo com outros olhos, é isso?
N: Sim, eu enxergo o mundo com os olhos que Deus quer que eu enxergue. Sabe?, eu não
preciso ficar me preocupando com o ‘porque’ das coisas, eu simplesmente entrego tudo para
Deus e deixo com que ele me deixe apenas a parte que é minha responsabilidade cuidar, o
resto, eu deixo nas mãos Dele.
T: Como a senhora poderia relacionar essas experiências religiosas com este crescimento
pessoal em poucas palavras?
N: Eu diria que tudo tem seu tempo e que Deus esta sempre nos chamando, acontece que
muitas vezes não ouvimos este chamado porque não estamos preparados para ele, mas
quando abrimos nossos corações, o espírito de Deus entra dentro dele e não sai nunca mais.
Porque isso eu te garanto, quem experimenta a Deus, nunca mais é a mesma pessoa.
T: Bom dona Neuza, tem mais alguma coisa que a senhora queira me contar sobre essas
experiências?
N: Querer eu até queria porque não tive tempo de contar nem metade das histórias que eu
tenho com Deus. Foram tantos os acontecimentos milagrosos que aconteceram na minha
vida, que eu fosse te contar, não caberia nesse teu estudo. Mas acredito que o que eu te falei
já seja suficiente para você poder entender um pouquinho da minha história.
T: OK, Dona Neuza, eu te agradeço muito pelo tempo e pela paciência que a senhora teve em
me contar sobre a sua história de vida que, alias, é muito rica! Muito obrigada mesmo.
N: Imagina, se você precisar de mais alguma coisa, pode me falar.
T: Pode deixar, muito obrigada mesmo.
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