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André Ricardo Maciel Botelho
Da geral a tribuna, da redação ao espetáculo. A imprensa esportiva e
a popularização do futebol no Rio de Janeiro (1894 – 1919).
Rio de Janeiro
2005
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC)/Mestrado
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Da geral a tribuna, da redação ao espetáculo. A imprensa esportiva e
a popularização do futebol no Rio de Janeiro (1894 – 1919).
André Ricardo Maciel Botelho
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
História Comparada (PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em História (com concentração em Sociedade e Cultura).
Aprovada por:
Prof. Dr.___________________________________________________- Orientador
Prof. Dr.___________________________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________ - Suplente
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BOTÊLHO, André Ricardo Maciel
“Da geral a tribuna, da redação ao espetáculo. A imprensa esportiva e
a popularização do futebol no Rio de Janeiro (1894 – 1919) ”. André Ricardo
Maciel Botêlho. Rio de Janeiro: UFRJ/ Programa de pós-graduação em História
Comparada, 2005.
125p.
Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGHC.
1.História cultural. 2. História dos esportes 3. Memória e práticas culturais
4. Instituições e formas políticas 5. Dissertação (Mestr. – UFRJ/PPGHC).
I. Da geral a tribuna, da redação ao espetáculo. A imprensa esportiva e
a popularização do futebol no Rio de Janeiro (1894 – 1919)
BOTÊLHO, André Ricardo Maciel. “Da geral a tribuna, da redação ao espetáculo. A
imprensa esportiva e a popularização do futebol no Rio de Janeiro (1894 – 1919) ”.
Orientador: Francisco Carlos Teixeira
Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHC, 2005. Dissertação
Resumo
Dentre os vários temas da história cultural recente do Brasil, o futebol é um dos
menos estudados por parte dos historiadores e pesquisadores. Em geral, a maioria dos
trabalhos sobre o tema foi feita por jornalistas, salvo algumas poucas exceções.
Optamos por analisar de forma comparativa os processos de construção da
identidade numa sociedade e concluímos que o futebol é um dos principais elementos de
identidade nacional dos brasileiros. Desta forma, trata-se de uma temática muito pouco
explorada, diante de sua importância para o imaginário do brasileiro.
Em linhas gerais, esta dissertação aborda três questões fundamentais, desenvolvidas
a partir do processo de pesquisa. São elas: a) como se deu a popularização do futebol no
início da primeira década do século XX; b) Como esta apropriação se chocava com o s
objetivos e representações que um seleto grupo de habitantes procuravam imprimir nos
esportes, gerando assim o novo espaço de conflitos entre diferentes grupos sociais; c) Como
o discurso dessa elite aparecia nos jornais e no controle da organização do futebol carioca
Abstract
Amongst various subjects of recent cultural history of Brazil, football is one of the
least studied by historians and researchers. In general, the majority of works on the subject
has been made by journalists, saved some few exceptions. Therefore football, as one of
main elements of brazilians national identity, remains as a very little explored subject ahead
of its importance for the brazilian imaginary.
In general lines, this "dissertação" approaches three main questions, developed from
the research process. They are :
a) How happened the popularization of football in the first 20th century decade.
b) How this appropriation was faced to the objectives and representations which a select
group of inhabitants looked for to print in sports, thus generating a new space of conflicts
between different social groups.
c) How this "elite" speech appeared in periodicals and in carioca football organization
control.
Sumário
Agradecimento – p.01
Introdução – p. 03
Capítulo 1 – Futebol, brasileiro joga assim – p.10
1.1. No Brasil, todo o mundo joga assim.- p.23
Capítulo 2– Rio de Janeiro uma cidade em transformação apta para um novo esporte.- p.35
2.1 Novo esporte: o futebol – p. 45
2.2 Chutes, gols, clubes e civilização – p.56
Capítulo 3 Do campeonato carioca ao Sul-americano. Do amadorismo ao
profissionalismo – p. 74
3.1 Jornais, cronistas e o futebol – p.83
3.2 O ponto de ebulição e o transbordamento – p.97
Conclusão – p. 112
Fontes – p.115
Bibliografia – p.11
Agradecimentos
Acredito ser incontáveis as pessoas que fazem e fizeram parte do universo
responsável pela concepção desse trabalho. Em um olhar retrospecto é possível vislumbrar
uma constelação de pessoas, lugares e ocasiões que estão aqui, estampados em cada
parágrafo, em cada passagem de todo o discurso que aqui apresento sob a forma de uma
dissertação e que espero que faça não parte de um contexto dinâmico do conhecimento,
mas também que se torne parte do meu legado como historiador.
Gostaria de inicialmente agradecer aos professores Leonardo Bahiense e Carlos
Gilberto Agostinho que se não fossem ligados pelo respeito mútuo e o amor de uma
amizade seriam pessoas certamente incompatíveis. Mas que uma dívida intelectual, aos
nobres amigos e colegas de profissão, devo as sempre prazerosas conversas ao fim dos dias
de labuta e ao início de uma noite regada a risos e aprendizagens. Não foram
intervenções em tom de reverência, mas muitas vezes acertadas críticas que beiravam a
rigidez das mais implacáveis bancas que se tem notícias.
Gostaria de registrar a minha profunda gratidão pelo apoio concedido por duas
mulheres admiráveis e não por acaso ligadas por fortes laços hereditários, Irene e Daniele
Maia Telles que sem exageros vos digo ser meu “porto seguro”.
Para os mais suaves caminhos pelos quais passos largos foram dados, tenho ao meu
lado direito do volante, como um verdadeiro navegador, uma figura das artes, detentor de
um espírito leve Frederico Coelho. E num passado breve, por dizer “não tão distante”
responsável pelos alicerces que sustentam o presente trabalho, o estimado amigo Antônio
Carlos de Sousa Lima se faz lembrar.
São acertadas as palavras daqueles que acreditam ser a família a maior das
responsáveis pelos grandes feitos de um homem. E para essas pessoas um abraço forte hei
de dar. Agora compartilho esse gesto de afeto com meu admirável pai Botelho, minha mãe
Sueli e meu irmão Cazuza.
Deixo para essas últimas linhas o registro de gratidão, respeito e admiração ao
professor Francisco Carlos Teixeira que mais do que um orientador acadêmico soube
valorizar minhas potencialidades, e por muitas vezes apontou o caminho a ser seguido.
Agradeço também, não pelas ralações de trabalho que mantivemos ao longo desses, mas
também, os laços afetivos que certamente preservaremos para o restante de nossa trajetória.
P.S: São dolorosas as perdas da caminhada. E ainda piores as do início do caminho.
Quando preparava os acertos finais dessa dissertação, com o texto finalizado, faltando
somente alguns detalhes ocorreu uma enorme fatalidade. No dia 22 de maio de 2005, num
estúpido acidente de moto, Gilberto Agostino veio a falecer. Infelizmente não pôde
participar desta importante fase de minha vida. Mas certamente estará sempre ao meu lado,
em cada sala de aula em que eu pôr os pés. Como a mais importante referência de minha
profissão . Por tudo isso, este trabalho é em memória desse grande amigo que deixa tantas
saudades.
INTRODUÇÃO
Em futebol, o pior cego é o que a bola. A
mais sórdida pelada é de uma complexidade
shakespeariana. Às vezes, num córner mal ou bem batido,
há um toque evidentíssimo do sobrenatural.
Nelson Rodrigues
Nenhuma disputa entre clubes sul-americanos se equipara em competitividade e
importância à Copa Libertadores da América. Este título é muito almejado pelos principais
clubes do continente que se lançam numa intensa disputa para conquistá-lo. Tanto arrojo
transformou por diversas vezes os estádios onde as partidas da competição foram realizadas
em um grande palco de lastimáveis cenas dos mais variados tipos de violência.
Recentemente, num jogo pela primeira fase do torneio, mais uma vez tais cenas se
repetiram. Em campo, a mais tradicional rivalidade do América do Sul, argentinos e
brasileiros, representados respectivamente pelo Quilmes e o São Paulo Futebol Clube. Era o
segundo encontro das equipes no torneio, e dois jogadores, o zagueiro argentino Desábato e
o atacante Grafite resolveriam suas diferenças na delegacia de polícia.
A diferença, no caso, era a cor da pele. O zagueiro argentino Leandro Desábato,
ainda no primeiro tempo, após trocar empurrões com atacante Grafite o xingou de
“negrinho de merda”. Ao ver as imagens pela televisão, o advogado do São Paulo, José
Carlos Ferreira Alves, imediatamente acionou o delegado Oswaldo Gonçalves pedindo
flagrante por crime de racismo. Ainda em campo, o zagueiro foi intimado a depor no 34º
Distrito Policial, onde ficou preso por duas noites saindo após o pagamento de uma
fiança de 10 mil reais.
A prisão do zagueiro argentino foi somente a ponta de um enorme iceberg que
flutua pelos mares do futebol. A chocante imagem de um jovem jogador algemado, preso e
incomunicável trouxe à tona uma imensa discussão sobre o racismo que permeia o futebol
mundial.
O racismo é uma presença certa no mundo do futebol, ora de forma escancarada
como na partida entre argentinos e brasileiro, ora na forma velada do cotidiano dos
jogadores, técnicos e torcedores. Não é uma novidade para ninguém. Basta apurar os
ouvidos que qualquer observador vai deparar-se com as mais diversas manifestações
racistas, como o coro anti-semita incessantemente entoado por torcedores argentinos.
Fazendo parte do cenário, os observadores se acostumaram, e por isso não se
surpreendem tanto, como seria esperado.
Justamente por ser tão presente no cotidiano futebolístico que os insultos racistas
disparados pelo zagueiro argentino contra o Grafite, pela lógica habitual, deveriam passar
em branco. Mas ao contrário do esperado por todos não foi isso que aconteceu. Naquela
noite, para surpresa do mundo, pela primeira vez um jogador é preso em campo por
agressão racista.
Realmente surpreendente, a prisão de Desábato ganhou contornos muito maiores do
que o esperado, chegando mesmo a migrar das páginas esportivas dos grandes jornais, para
o editorial de política. Importantes políticos argentinos e brasileiros deram depoimentos
sobre o caso, e através deles podemos dimensionar o olhar da sociedade para questões tão
extracampo como o racismo. Ministro do Interior, o argentino Aníbal Fernádez, braço
direito do presidente Nestor Kirchner, deu tom de um racismo velado muito presente na
sociedade, nos campos de futebol e fora deles. Aníbal se declarou indignado com o que
considerou uma arbitrariedade contra um jovem trabalhador que apenas cumpria com sua
obrigação. Torcedor do Quilmes, Fernández afirmou ainda, que a expressão usada por
Desábato, “negrito de mierda”, é corrente em estádios de futebol.
1
A opinião do ministro argentino não chega a ser uma surpresa e nem tão pouco está
sozinha.O vitorioso técnico Luiz Felipe Scolari, em entrevista ao programa Roda Viva,
quando perguntado sobre o caso afirmou de maneira enfática:
"Essa história do Grafite é uma palhaçada. No campo não
existe esse negócio de preconceito. Fizeram esse alvoroço todo
porque o time era argentino. Me xingam de burro...é a mesma
coisa. Dentro de campo, é outra vida".
2
1
O Globo 16/04/2005
2
Programa Roda Viva (Tv Cultura) – 20/05/2005
É possível que a reflexão de Scolari seja verdadeira e que dentro de campo a história
seja diferente, que nele coexistem uma diversidade de regras consuetudinárias a reger e
formar uma dinâmica completamente diferente das que regem o mundo exterior. E que a
contenção da violência presente no jogo seja feita por determinados mecanismos lidos e
reconhecidos somente pelos envolvidos diretamente com o jogo. Por isso, as agressões
racistas passem desapercebidas. Ainda assim, marcas do velado (ou explícito) racismo vão
além dos gramados, e se materializam muitas vezes em opiniões até mais contundentes
sobre a atitude inédita do jogador Grafite.
Seria cômico se não fosse trágico, ser preso e acusado de
racista por chamar Grafite de negro. Qual é a cor do grafite? Preto.
Preto é cor e negro é raça. Se eu chamar um japonês de japonês,
estarei sendo racista? E se eu chamar um japonês de amarelo
estarei sendo racista? E quando um negro, um amarelo ou um
mulato, ou quem sabe até um caboclo me chamarem de branca , ou
branca azeda, como é comum quando se trata de alguém querer
ofender alguém da raça branca, deverei dar parte de todos por que
me ofenderam? Uma pessoa que atende pelo apelido de Grafite não
pode se sentir ofendido por ser chamado de negro, por mais
argentino que o outro seja! Ops, acho que fui racista, ou não?
3
É natural que os ecos da violência do futebol extrapolem as fronteiras que delimitam
os gramados e atinjam em cheio seu imenso público que tem nos times um dos principais
elementos de identidade coletiva. E talvez por isso mesmo, percebam o espaço dos estádios
de futebol como um lugar característico onde as regras inevitavelmente se diferenciem de
todo o resto. Mas ainda que os torcedores considerem esses espaços sob um ponto de vista
mais particularista, portanto, livre das ingerências externas, o futebol muito tempo faz
parte de algo maior.
Por sua indiscutível capacidade de atrair um número cada vez maior de interessados,
o futebol passou a fazer parte do cotidiano mundial não apenas por seus saudáveis aspectos
esportivos. Muito mais do que isso, sua trajetória se confundi com a de diversas
3
Sessão de Cartas dos Leitores do jornal O Globo, 15/04/2005
manifestações culturais que se transformaram em imensos espetáculos capazes de atrair e
entreter multidões cada vez mais expressivas. Um espetáculo que vende, paradoxalmente,
um ideal de ordem e civilidade expressa através do cumprimento das dezessete regras do
jogo. O caso Desábato rompe exatamente com essa estrutura disciplinadora contida no
futebol. E quando a solução escapa da esfera disciplinar restrita ao campo, e passa para a
esfera civil, os holofotes se voltam para o caso despertando uma atenção inexistente no
cotidiano (muitas vezes racista e sempre violenta) do jogo.
O futebol brasileiro e argentino quando se tornam partes de um espetáculo
construído, tem como modelo fundamental de ordem e civilidade o exemplo europeu.
Como introdutores e construtores desse modelo, as elites de ambos os países viram seus
projetos de organização e controle do esporte bretão lhes escaparem e tomarem uma forma
singular e inesperada. E essa singularidade vai permitir ao futebol tornar-se elemento
integrante das construções de identidades nacionais. No caso brasileiro, há um imenso
orgulho de tal singularidade, presente em nosso jeito único e vencedor de jogar. Mesmo
vitorioso, resquícios da Europa idealizada ainda permeiam de maneira incontestável o
universo do futebol nacional. A promessa de uma embalagem mais ordeira e civilizada está
presente no discurso de jornalistas, técnicos, jogadores e torcedores pelo Brasil à fora, ainda
que nossa superioridade dentro de campo seja indiscutível.
Mas diversos traços do futebol vão estar presentes aqui e na Europa. São universais,
e por isso, estão acima de qualquer singularidade e compõe o universo próprio do futebol.
Talvez assim deva ser lido o discurso de Scolari. E nesse panorama universal, a violência é
o grande lugar comum, a derrubar as expectativas de ordem e civilização imaginadas pelos
organizadores desse grande espetáculo.
A violência e o racismo não são exclusividades do futebol sul-americano. E são
incontáveis os exemplos de desordem e violência que mancham a idealizada imagem do
futebol europeu. No capítulo racismo, os torcedores europeus reescrevem a cada jogo um
texto vergonhoso. A hostilidade contra atletas negros é comum em gramados espanhóis,
jogadores como o brasileiro Roberto Carlos e o goleiro camaronês Carlos Kemeni, ouvem
urros da torcidas imitando macacos à cada vez que tocam na bola. E casos com esses não se
limitam a Espanha. A Polônia, possivelmente tenha produzido a mais chocante imagem de
racismo. Toda vez que se aproximava do alambrado que separa os torcedores do campo, o
nigeriano, naturalizado polonês Emmanuel Olisabade era recebido por uma chuva de
bananas. A pressão foi tão grande que o jogador não resistiu e transferiu-se para o futebol
grego.
O futebol europeu não é apenas racista, como também violento. O goleiro Dida,
jogador do Milan da Itália, foi alvo de rojões atirados pelos enfurecidos torcedores do Inter
de Milão, inconformados com a anulação de um gol, na semifinal da Liga dos Campeões de
2005. A violência foi tamanha, que o jogo teve que ser interrompido. E as imagens do
estádio Giuseppe Meazza lembravam uma praça de guerra. Semelhante fim teve o jogo pela
Copa Libertadores 2005. Boca Juniors e Chivas de Guadalajara se enfrentavam no mítico
estádio de La Bombonera. Com a obrigatoriedade de marcar cinco gols no rival, o Boca
Juniors abusou das jogadas violentas, e não obteve nada mais do que um empate em zero a
zero. Inconformada a Torcida passou a arremessar todo tipo de objeto, obrigando o arbitro a
interromper a partida.
Os incidentes violentos nos estádios La Bombonera e Giuseppe Meazza, e as
diversas demonstrações de racismo nas arquibancadas e dentro dos campos, fazem parte
das características universais do futebol e nos ajudam a entender as razões para que o
futebol seja o representante esportivo mais eficiente da globalização.
Mas os aspectos globais do mundo da bola não se restringem somente às mazelas
deste esporte. Jogadores como Pelé, Zidane, Beckenbauer e Maradona desfilaram sua
genialidade pelos mais diversos gramados. Muitos deles e dos atuais astros da bola têm
seus nomes reconhecidos nos mais escondidos rincões do planeta. E também a eles, mestres
do improviso, devemos a alegre difusão do futebol pelo mundo.
Na galeria dos grandes craques do futebol mundial entram aqueles que, com mais
facilidade, conseguiram ler os códigos universais desse jogo. Por isso têm seu valor
reconhecido nos gramados de qualquer estádio. Não são craques por possuírem traços
particulares inerentes a cultura deste ou daquele país e sim por seu todo. Mas ao
contabilizarmos estes craques, a quantidade de brasileiros a configurar essa lista vai ser
notável. Indiscutivelmente somos os melhores do mundo.
Nossos jogadores o cobiçados pelos mais importantes clubes de futebol. E assim
como o ineditismo presente na prisão de um jogador em pleno campo por racismo, o
futebol brasileiro possui, sim, alguns elementos singulares, que ajudam na produção desta
quantidade de excelentes jogadores. É difícil desconsiderar os traços culturais que cada
seleção leva pra campo. Traços presentes na maneira de torcer, organizar um time ou até
mesmo comemorar um gol. Porém, tais traços, não o determinantes para o surgimento de
um novo craque, que este deve possuir características que o insere numa prática
globalizada. Possibilitando com isso o surgimento de bons jogadores em qualquer parte.
A trajetória do futebol brasileiro se inicia ainda nos primeiros anos do século XX.
A história das suas singularidades a partir do futebol carioca, a formação do seu enorme
público, a sua adoção com o esporte símbolo dos brasileiros, bem como, a participação da
imprensa esportiva, na espetacularização do futebol, são os objetivos desse trabalho
dividido em três partes: na primeira parte, procuramos mostrar as características culturais
do futebol brasileiro, que fornecem os elemento de sua diferenciação em relação ao resto do
mundo. Características que fizeram do futebol brasileiro o melhor do planeta. Nesta
primeira parte é feita uma interpretação a principal obra sobre o assunto, O negro no futebol
brasileiro, de Mário Filho. E como ele define o estilo de jogo do brasileiro através de uma
forte influência do sociólogo Gilberto Freyre. Ainda nessa primeira etapa, procuro
comparar essa análise mais personalista a aspectos universais como as diversas faces da
violência no esporte, através dos textos de Norbert Elias e Peter Gay.
O esporte moderno, afirma o sociólogo Norbert Elias, é uma expressão de uma
teoria maior por ele denominado de processo civilizador, como uma forma de violência
pacificada. Configurado pela dinâmica de uma partida de futebol, que se equilibra entre a
alegoria e a realidade da disputa entre os grupos uniformizados. Esta disputa traz em si a
emergência de “identidade” coletiva de aficionados, com suas bandeiras e camisas, ou
dentro dos clubes no embate entre os times. Em geral, a afirmação destas identidades se
mediante a diferenciação, o preconceito e o conflito. Todos controlados por uma espécie de
parlamentarização” da pratica do jogo, que se homogeneíza através de suas regras.
A necessidade de regras claras não significa o controle total da prática. A
transgressão é uma constante nas partidas, não das regras do jogo, mas, sobretudo, dos
padrões de civilidade por praticantes e espectadores. Rapidamente as barreiras que dividem
o fair play das agressões morais e físicas são rompidas.
Para Peter Gay, a agressividade responsável pela transposição destas barreiras é
inerente ao ser humano, que são incapazes de conter determinados impulsos agressivos.
Não por acaso, é cada vez mais latente o papel do futebol como desaguadouro das doenças
que atravessam a sociedade moderna. Entre elas estão a xenofobia, o ressentimento, o
racismo e tantas outras que aparecem no futebol mundial.
Na segunda parte, mostro o surgimento do futebol em terras brasileiras como uma
grande novidade moderna e elegante. Trazida para o Brasil por imigrantes ou estudantes
brasileiros que retornavam das principais escolas européias onde passaram uma temporada
se aperfeiçoando nos estudos. Dentro da ótica construída pela mesma elite praticante, o
futebol estava restrito aos círculos mais elegantes da cidade, reunidos nos mais nobres
clubes da Zona Sul. O segundo capítulo analisa esse esporte elitista e as razões para que os
membros desta elite tomem gosto por ele. E ainda procura as brechas pela qual, o futebol
transbordava este mundo e se tornava cada vez mais popular.
Na última etapa do trabalho, mostraremos a popularização de fato. No início da
década de dez o futebol não poderia mais ser considerado uma pratica estritamente
elitista, restrita aos sócios dos clubes elegantes. Torna-se evidente a presença de negros e
pobres nas arquibancadas. Tumultos e violência começam a manchar o futebol civilizado
idealizado pelos membros da elite. E por fim, o início da construção de uma identidade
nacional através da popularização dos amistosos internacionais, até a coroação dessa
primeira fase do futebol carioca com a disputa do Campeonato Sul-americano realizado no
Estádio das Laranjeiras.
1. Futebol, brasileiro joga assim.
Entendendo que o processo de globalização parte de um principio que prega a total
interligação e integração do mundo. Podemos considerar sua gênese no século XV, quando
os europeus que se lançaram ao mar durante a expansão marítima, conseguiram finalmente
ligar todos os continentes do globo, ampliando assim a área de atuação do comércio
mundial. No entanto, todo significado moderno de globalização exige muito mais do que a
simples descoberta da totalidade do mundo.
Como um processo, que traz em seu bojo, a intensificação das relações sociais no
mundo inteiro. Aumentando assim a velocidade de troca e de deslocamento das
informações, o que possibilita transformação de acontecimentos longínquos, em algo bem
próximo. A globalização alterou as noções de tempo e espaço com tanta intensidade, que
quase fez desaparecer qualquer tipo de separação entre esta ou aquela experiência humana.
Isso traz à tona a possibilidade inédita de considerarmos o surgimento de uma sociedade
mais homogênea, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Atreladas todas essas modificações, inaugura-se um novo estilo de competição pela
supremacia econômica mundial. E neste sentido, o fato de o capitalismo ter passado a
modelo hegemônico, no que diz respeito à nova ordem mundial, exige cada vez mais novas
estratégias de disputa que sejam capazes de garantir a sobrevivência no mercado.
Calcado em pilares econômicos comuns e ao mesmo tempo na rapidez e na
intensidade do fluxo de troca de informações e culturas. O mundo globalizado é
identificado a partir de cinco dimensões fundamentais: a étnica, ligada ao intenso fluxo de
pessoas; a tecnológica, todo tipo de inovações nesse ramo desenvolvida e consumida; a
financeira, a rede econômica interligada através do fluxo de dinheiro e de uma atuação
comum das bolsas de valores; a comunicação, todo tipo de informação e de imagens
produzidas e distribuídas; a ideológica, fluxo de imagens ligadas ao Estado que
compreendem uma visão do mundo que defende elementos como democracia, liberdade e
bem estar.
4
4
GUIBERNAU, Maria Montserrat. Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio
de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 1997.
O mundo tornou-se um espaço onde informação e cultura se integram e se
dispersam de maneira veloz e intensa. Neste sentido a globalização tornou-se um discurso
de dominação que se direciona para a unificação. Buscando um domínio que se expressa
através do controle dos mercados e das culturas pela procura de um espaço único e não
mais pela idéia de integração
5
.
Este discurso de dominação aponta para um sentido único, que inevitavelmente
levanta uma questão sobre a relação existente entre o poder de determinada nação e os
aspectos culturais a ela atrelados, nos levando a crer que há uma desqualificação maciça da
cultura de países periféricos. Podemos assim afirmar, a partir de uma massificação vinda de
cima, que são poucas as culturas que podem ser consideradas realmente como culturas
globais. Dentre elas e se adequando perfeitamente ao modelo capitalista triunfante, esta o
futebol. Extrapolando as fronteiras do mundo especificamente esportivo e adentrando o
cultural, o futebol desperta interesses de um número cada vez maior de pessoas no lugares
mais remotos do planeta.
O futebol pertence ao mundo. No último campeonato mundial estavam reunidos
tanto o país mais populoso (China), os mais ricos (Estados Unidos e Japão) e o maior em
extensão geográfica (Rússia) quanto um dos mais pobres (Senegal) e um dos menos
povoados (Eslovênia). Nada disso importa na hora que a bola rola, os países mais ricos
tornam-se aprendizes e potências esportivas perdem para coadjuvantes, que vez ou outra,
roubam a cena, como nas aberturas dos mundiais de 1990 com Camarões e 2004 com
Senegal que contrariando qualquer prognóstico venceram os respectivos campeões das
edições anteriores.
Possivelmente o encanto deste esporte esteja na sua imprevisibilidade. Sendo um
esporte muito simples, podendo ser praticado por qualquer um em qualquer lugar,
principalmente pelas classes mais baixas, cujo talento pode significar uma melhora
considerável de vida, trazendo fama e dinheiro. Nos EUA, por exemplo, as atenções se
dividem entre três esportes: o beisebol, futebol americano e o basquete. Mesmo
considerando o basquete também um esporte democrático, destacar-se nesta modalidade é
fundamental ter compleição física avantajada. No futebol não, os principais jogadores do
5
Conferir: COSTA, Darc. “Globalização e violência”, pp 127-147 In: (Organizador) FRIDMAN, Luis Carlos.
Política e Cultura. Século XXI. Rio de Janeiro. Relume Dumará Ed.. 2002.
mundo não são fisicamente superiores aos demais, sendo muito comum os franzinos
superarem os grandalhões.
Este encanto arrasta multidões ao seu redor, seja torcendo por seus clubes ou
seleções. Esta capacidade aglutinadora, talvez explique os esforços canalizados por países
sem tradição neste esporte, porém hegemônicos economicamente. o bons exemplos o
Japão e os Estados Unidos que organizaram os últimos campeonatos mundiais num
empenho de promover o futebol entre suas populações. É sintomático que a realização das
copas de 2002 e 1994 tenham se realizado nestes países.
Com um apelo comercial que alcança mais pessoas em mais países que qualquer
outro esporte. O futebol sai na frente na defesa de determinado discurso de globalização
que prega a organização da sociedade voltada para o consumo de bens cada vez mais
distantes da necessidade humanas básicas e cada vez mais carregadas de valores
simbólicos. E neste sentido o futebol tem cumprido com considerável eficiência seu papel
no processo de globalização.
A Federação Internacional de Futebol (FIFA), entidade que organiza o futebol
mundial, se fosse uma empresa multinacional, seria onipresente, deixando para trás
empresas como a Coca Cola e o McDonald’s. E como entidade política conta com 204
filiados, 15 países membros a mais que a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU).
Essa maciça presença em todos os continentes do planeta torna os jogadores verdadeiros
ídolos mundiais, e suas imagens são conhecidas e utilizadas em diferentes lugares e com os
mais diversos fins. Seja vender um refrigerante ou pedir a paz.
De acordo com a FIFA, cerca de 242 milhões de pessoas praticam futebol (4% da
população do planeta), gerando 450 milhões de empregos diretos ou indiretos. O futebol é o
grande estimulante de um vigoroso mercado consumidor, de chuteiras, camisetas, shorts e
refrigerantes, um diversificado leque de produtos que movimenta um enorme mercado
consumidor. No comércio, nenhuma outra atividade cultural globalizada se equipara ao
futebol.
De olho neste potencial de consumo está um grupo de empresas que procuram
vincular suas marcas ao mundo do futebol. Formando a elite dessas empresas, estão os
dezesseis patrocinadores do maior evento futebolístico do mundo. São multinacionais que
vendem uma infinidade de produtos, e na maioria dos casos, tais produtos em nada têm a
ver com o mundo dos esportes. Casos como o da Coca Cola, empresa pioneira no
patrocínio das copas, tem sua marcada ligada ao evento desde de 1950
6
, o McDonald´s com
sua rede de lanchonetes que atendem a cerca de 46 milhões de pessoas por dia em 121
países e a Gillette que atua em 200 países
7
. Cada uma delas desembolsou entre 35 e 50
milhões de dólares para verem seus logotipos atrelados a Copa do Mundo de 2002,
realizada pela primeira vez simultaneamente em dois países, Japão e Coréia. A Adidas,
empresa de material esportivo, sozinha investiu 45 milhões de dólares e doou cerca de cem
mil bolas para projetos filantrópicos da FIFA. Tudo isso para ter seu nome estampado no
mais visto evento esportivo do mundo.
Ter sua empresa ligada a 17º Copa do Mundo foi o mesmo que dizer que cerca de 1
bilhão de telespectadores em mais ou menos 200 países poderiam ter lido seu nome. Esta
Copa foi a maior competição deste esporte realizada em seus 139 anos de existência e a
primeira vez que foi disputada na Ásia. Japão e Coréia não mediram esforços para fazerem
deste evento algo grandioso, foram investidos 6 bilhões de dólares
8
para que as 32 seleções
disputassem 64 jogos em vinte estádios um mais moderno e de arquitetura mais
deslumbrante que o outro.
No Brasil não é diferente, os números que envolvem a grande paixão nacional são
igualmente grandiosos. Foi essa paixão que arrastou cerca de 500 mil pessoas para as ruas
do Rio de Janeiro e Brasília para assistir a passagem dos pentacampeões em seu retorno a
casa. Mas foi pensando em muito mais que estes 500 mil torcedores que a Nike, fabricante
de materiais esportivos, assinou um milionário contrato com a CBF, que lhe deu o direito
de estampar sua marca, por dez anos, nos uniformes da seleção brasileira. A patrocinadora
oficial dos pentacampeões mundiais pagou a importância de 220 milhões de dólares por
este direito, fazendo deste acordo o maior contrato esportivo entre uma empresa privada e
uma seleção.
Tão complicado quanto entender a grandiosidade dos números do mundo do futebol
é entender como um país periférico como o Brasil ocupa um lugar de destaque em relação
ao resto do mundo. Levando em consideração as dificuldades de se impor culturalmente
frente aos países centrais, a completa desorganização das entidades que controlam o futebol
6
GALEANO,Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre. Ed. L&PM. 1995
7
Números e informações obtidos nos respectivos sites oficiais
8
Números informados pela Fifa em seu site oficial.
brasileiro, a falência da maioria dos clubes e o total desleixo do Estado em relação às
políticas esportivas e educacionais. Ainda assim, o desempenho do futebol brasileiro é
espetacular e admirado em todo mundo. Nossa relevância nesse esporte é incontestável e os
números estão para comprovar. Foram cinco títulos de campeão mundial
(1958,1962,1970,1994 e 2002) e poderíamos ter vencido outras tantas se não tivéssemos
sido tão desorganizados. Em que pese a desorganização, contabilizamos dois vice-
campeonatos (no Brasil, em 1950 e na França,1998) e dois terceiros lugares (na França,
1938 e na Argentina, 1978). São conquistas que colocam a equipe brasileira como a
principal seleção do mundo.
Mesmo que existam as zebras de sempre, nas copas do mundo em que o Brasil
participar - estivemos presentes em todas com esse retrospecto inevitavelmente seremos
apontados como favoritos ao título. Dentro da competitividade do mundo capitalista, onde o
melhor é o que importa. O futebol brasileiro dentro de campo justifica cada centavo nele
investido. Mesmo que internamente não apresente um modelo de organização tão eficiente
quanto seu histórico em copas do mundo.
A superioridade do futebol brasileiro é inquestionável. Os meros não mentem e
ainda contamos com a admiração que nosso futebol causa no planeta, como uma espécie e
benção das estatísticas. No entanto, quando entramos no terreno das explicações para essa
ampla superioridade é que são elas. Muito se escreveu na tentativa de encontrar uma boa
resposta para esse enigma. Mas invariavelmente, a melhor explicação para a grandeza do
nosso futebol e os títulos vencidos, está na massificação. O Brasil produz uma enormidade
de jogadores daí a excelência. Este mesmo raciocínio explica a superioridade norte-
americana no basquete, dos romenos na ginástica, dos alemães no handebol.
Joga-se futebol em boa parte do extenso litoral brasileiro, nos terrenos baldios, nas
ruas de asfalto ou paralelepípedos, nas escolas e clubes. Desde muito cedo se joga no
Brasil, e certamente a bola faz parte da infância da maioria dos brasileiros. A maior
fabricantes de brinquedos do país, calcula em um milhão a fabricação de bolas não oficiais
por ano
9
. A prática não se limita somente entre as crianças, pois milhares de adultos
freqüentemente jogam peladas nos mais remotos cantos do país. A Confederação Brasileira
9
Revista Veja. Julho de 2002
de Futebol (CBF) calcula em cerca de 580 mil jogadores entre profissionais e amadores
inscritos em mais de treze mil clubes.
Com regras muito simples e maleáveis. Podendo adaptar-se as mais diversas
situações. A prática do futebol não exige a disponibilidade de apetrechos especiais, como
nos principais esportes coletivos (vôlei e basquete). Praticado numa infinidade de espaços.
Com linhas inteiramente dispensáveis, com traves que podem ser improvisadas com
chinelos, dois troncos de árvores ou postes. Na falta de uniformes, diferenciam-se os times
pelo uso ou não de camisetas. Todas essas facilidades que tornam uma pelada possível e
acessível a qualquer um, numa infinidade de espaços.
O termo pelada”, de acordo com o dicionário Aurélio, significa: Jogo de futebol
ligeiro, sem importância, em geral entre garotos ou amadores, desprovido de apetrechos, e
que se realiza em campo improvisado”
10
. E como se improvisa. E muito deste improviso
presente no futebol despretensioso das peladas acaba marcando, como um carimbo de
autenticidade, o nosso estilo de jogo nos campos profissionais.
Num país pobre como o Brasil, jogar bola é a uma das poucas alternativas de lazer
acessíveis a qualquer um. Neste sentido, uma disseminação deste esporte por todas as
partes da cidade. Seja o dos grandes craques nos clubes e na seleção, ou mesmo, o jogado
nas peladas, o futebol agrega representantes das mais diferentes classes sociais. Está
presente no cotidiano das periferias e favelas, bem como, dos condomínios residenciais de
luxo e escolas particulares.
Livre nos campos de pelada ou acompanhado pelos técnicos das categorias
amadoras nos clubes. O futebol brasileiro segue revelando craques. É uma máxima batida:
da quantidade sai a qualidade. Neste sentido, fica evidente, porque Michael Jordan é
americano e o japonês. Desta maneira, o Brasil colhe os frutos da prática intensiva,
lançando uma infinidade de estrelas do futebol mundial que defenderam nossa seleção.
São nomes como, Leônidas da Silva, Heleno de Freitas, Nilton Santos, Romário, Ronaldo,
Garrincha, Pelé, e tantos outros que aquilatam a cada dia a qualidade do “esporte símbolo
da nação”.
10
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p.1531
Se a massificação garante uma fartura de craques. A habilidade dos jogadores, a
capacidade de improvisos, os dribles e toques geniais. Floreios barrocos, tão do gosto dos
brasileiros”
11
formam nosso estilo de jogar. Se a seleção alemã se vale da força física e a
holandesa da obediência de seus jogadores aos esquemas táticos. O estilo de jogo
desenvolvido pelos brasileiros é marcado pela criatividade, do improviso, elementos
determinantes na conquista de cada uma, das cada vez mais acirradas, Copas do Mundo.
A definição do que seria o sotaque do futebol brasileiro não se evidencia somente
nas vitórias. Quando perdemos, as diferenças em relação aos nossos adversários se
destacam, determinando com mais clareza o nosso estilo de jogo e muitas vezes um olhar
sobre nossa identidade nacional.
Derrotas para times sul-americanos nos trazem a imediata lembrança da fatídica
Copa de 50. Fica claro que eles são mais viris e que o problema da seleção foi a falta de
garra, característica dominante das seleções sul-americanas. Se por acaso os vitoriosos
forem os europeus, logo a explicação parte de sua organização e disciplina tática, bem
como, uma certa dose de frieza frente às dificuldades da partida. Por fim, se a derrota vier
pelos pés dos africanos. uma valorização imediata do estilo livre e despreocupado pela
qual jogam os africanos. Estilo que é nossa principal virtude e que por alguma razão foi
posta de lado.
O brasileiro é visto como aquele que se equilibra. Ligeiro e hábil, diante de qualquer
adversidade improvisa. Por trás desse forte imaginário, desta identidade, está o caminho
para o entendimento pleno de uma nação e conseqüentemente de sua postura em campo.
Mesmo na adversidade, na inferioridade brasileira frente às nações desenvolvidas e das
distâncias que nos separam de cada uma delas, em campo, somos os melhores. É a
afirmação de uma nação mestiça. Expressa num futebol que mescla dança, capoeira e
samba E a partir daí, pode demonstrar seu valor diante do mundo.
Cheio de improvisações e exibicionismos. Nosso futebol é fruto imediato de uma
vulgarização, que se no contato do futebol dos clubes com o das várzeas e campos de
pelada. Produto de uma cultura que combina diversas influências para formação de um
estilo próprio.
11
FREYRE, Gilberto. “Futebol e o Negro” (prefácio de 1947) In: RODRIGUES FILHO, Mário. O negro no
futebol brasileiro. Rio de janeiro: Mauad, 1994.
Esta teoria marca a obra do escritor e jornalista Mário Filho. O livro O negro no
futebol brasileiro (NFB) tornou-se referência obrigatória para qualquer um que queira
pesquisar a trajetória do futebol brasileiro e suas relações com o racismo e a identidade
nacional. Escrito inicialmente para compor a coluna diária Da primeira fila, de O Globo,
em 1942, sob a forma de crônicas.
Editado pela primeira vez em 1947 e uma outra em 1964, esta última definitiva e
acrescida de dois capítulos inéditos. NFB foi construído a partir de pesquisas em
documentos públicos e privados. Documentos pela qual o autor deu pouca importância,
que, para ele os jornais do início do século XX reservavam um diminuto espaço para o
futebol. A outra via, as atas e relatórios produzidos pelas instituições que regiam o futebol,
nem de leve tocavam na questão de raça, afirma Mário Filho em sua tese central.
Desprezada as fontes privadas e oficiais. A exceção do álbum de recortes e
fotografias, pertencentes ao famoso goleiro do Fluminense, Marcos de Mendonça. A
principal fonte do livro é composta pelos relatos orais dos homens que compuseram o
panorama futebolístico nas primeiras décadas do século XX: técnicos, jogadores e
dirigentes.
Acusado de não passar de um relato ficcional
12
, fruto da enorme capacidade
romanesca do autor. E apropriado como verdade histórica pela maioria dos trabalhos,
científicos ou não, sobre o tema. NFB se aproxima mais de um ensaio jornalístico, e como
tal, permite um posicionamento intelectual atrelado à história. Mário Filho defende a
veracidade de suas fontes, dando um tom positivista ao seu livro.
“(...) Eu preferia, porém, ouvir dirigentes, jogadores e
torcedores. Ouvi centenas deles, de todas as épocas do futebol
brasileiro. Quando podia ouvir o próprio não procurava outro.
Reuni, assim, um material de tal ordem que surpreendeu alguém
cuja opinião prezo muito. O material era tanto, com tamanho
requinte de detalhe, que ficava a dúvida. A dúvida de como eu
conseguiria reuni-lo, catalogá-lo, usá-lo, numa narrativa corrente,
12
Sobre o caráter ficcional de NFB. Ver. SOARES, Antônio Jorge. Futebol, raça e nacionalidade no Brasil:
releitura da história oficial. Rio de Janeiro: UGF (Tese de Doutorado), 1998. p.13
sem um claro, uma interrupção. Eu não me teria valido da
imaginação de romancista que ainda não publicou um romance?
Não, eu não usei a imaginação. Nenhum historiador teria tido mais
cuidado do que eu em selecionar os dados, em comprovar-lhe a
veracidade por averiguações exaustivas. Às vezes uma simples
dúvida me fazia inutilizar um capítulo, obrigando-me a novos
trabalhos de pesquisa.
Uma vaidade eu tenho: a de apresentar uma obra que desafia
contestação. Se eu tivesse exagerado, para não dizer deturpado os
fatos, não faltariam desmentidos.”
13
Como indica o título, Mario Filho tem como objetivo, demonstrar a democratização
do futebol para negros, mestiços e brancos pobres. Entendendo por democratização a
participação e o processo de apropriação cultural e também a possibilidade deste esporte
como um caminho alternativo para ascensão social do negro. Para isso NFB traça a
trajetória do negro na luta pela superação do racismo exercido pelas elites brancas e
anglófilas. É exatamente essa elite que restringe ao máximo a participação de negros,
pobres e mulatos nos quadros dos clubes, nas ligas e partidas por ela organizadas.
Limitando assim o futebol a um espaço de distinção social.
Tratando essa luta como uma verdadeira saga. NFB acaba se tornando um épico,
onde o grande herói é o negro, que ao vencer o preconceito, imprime sua marca no futebol,
fundando o que seria a essência do futebol brasileiro, fruto de uma mescla cultural
realizada com a intensa participação de todos às raças formadoras do país.
Portanto, o discurso de Mário Filho pode ser lido como uma valiosa contribuição
para construção da identidade nacional via futebol. A partir, da vitoriosa luta do negro
contra segregação e sua afirmação como grande herói nacional, o brasileiro passa ter
orgulho de seus atletas. O futebol deixa de ser mais um estrangeirismo e entra de vez para o
seleto grupo de manifestações culturais, tal como o samba e a capoeira, que identificam
nossa gente.
Escrito em meio a uma efervescência política e cultural. Onde os intelectuais
buscavam alternativas as idéias de inferioridade racial e determinismo geográfico. Nessa
13
RODRIGUES FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. (1994)op. Cit. Nota ao leitor 1º edição
perspectiva, inserida na política do Estado Novo de Getúlio Vargas, inventava-se uma
intensa tradição positiva do que era ou deveria ser o Brasil. As respostas para definição de
uma identidade nacional seriam encontradas no desprezo as idéias racistas que povoavam o
imaginário do século XIX. Na superação que viria através do relativismo cultural, da
descoberta das singularidades e diferenças que definem esta nação.
NFB pode ser visto como mais uma obra que, em meio a tantas que buscavam
mapear o Brasil – Casa grande e Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Raízes do
Brasil (1936) tentava definir uma identidade nacional. Portanto ao definir a configuração
do Brasil, sob o ponto de vista da questão racial e do papel do jogador negro na construção
do futebol brasileiro, Mario Filho se aproxima da tradição histórica fundada pelos
intelectuais na década de 30.
Na busca de se chegar às origens da sociedade e do comportamento dos brasileiros,
expor sua lógica interna de funcionamento, para conseguir potencializar o que tínhamos de
melhor. Intelectuais orgulhosos da cultura nacional produziram descrições inovadoras
difíceis de serem ignoradas.
Por serem marcos da interpretação do Brasil nos anos 30, as idéias desses
intelectuais romperam as fronteiras do ensaio e adentraram as artes plásticas, a música e a
literatura. Em outras áreas, formadores de opinião e produtores culturais, foram
construindo suas interpretações. Fazendo novas intermediações e tentando extrair dos
fundadores algum dado novo que tenha passado desapercebido.
Mário Filho é um desses intelectuais que embarcam nessa tradição interpretativa.
Considerado um dos grandes expoentes da crônica esportiva e dono de jornal especializado
em esportes, Mário exercia atividades que lhes garantiam uma excelente rede de
relacionamentos. Permitiam a ele circular entre políticos e intelectuais renomados e
influentes, que se encontravam para debater suas idéias nos cafés do Rio de Janeiro e com
certa freqüência, na livraria José Olympio.
Terceira maior editora da época, a José Olympio foi responsável pela edição de
título com Casa Grande e Senzala e Raízes do Brasil. Certamente a intelectualidade
brasileira, tinha nesta livraria um dos seus principais pontos de encontro. Ali se dava o
debate sobre as possibilidades da formação nacional, suas especificidades culturais,
formação, suas características e seu sentido.
Neste clima, inspirado nas interpretações de Gilberto Freyre, que Mario Filho
produz sua principal obra. Não por acaso, a primeira edição de NFB tem Freyre como
prefaciador. Considerado grande mestre e cultuado por diversos cronistas, este prefacio
confirma a admiração de Mário Filho e a grande influência exercida sobre sua obra.
Ao tentar mapear a sociedade brasileira, através da formação da família patriarcal.
Gilberto Freyre revoluciona os estudos das relações raciais no Brasil. Lutando contra os
mitos negativos do racismo, e fundando a noção de democracia racial. Antes dele, a
discussão sobre as questões raciais, giravam em torno de graves preconceitos encontrados
em várias teorias.
A primeira, baseada em autores como Gobineau, apontava a miscigenação como
uma característica irreversível. Principal responsável pelo fracasso do país enquanto nação.
A miscigenação vista sob um prisma biológico, ao proporcionar a mistura de diferentes
“espécies”, levava inevitavelmente a formação de um grupo estéril, sob diversos pontos de
vista. De acordo com esta teoria, a sociedade brasileira estava irremediavelmente impedida
de civilizar-se.
O segundo ponto de vista, está ligado diretamente ao primeiro. Diz respeitos a
teorias que visavam “concertar” esta situação de inferioridade. Partindo da miscigenação
com principal impeditivo da superação dos problemas brasileiros. A única solução
encontrada seria a reversão deste problema, através de uma política de branqueamento. A
eliminação das heranças deixada pelos negros daria um impulso decisivo na modernização
ao país.
Mediante a um profundo levantamento documental, o conjunto da obra de Freyre,
vai criticar severamente essas teorias racistas. E tomando uma direção oposta, seu
pensamento pode ser visto como um elogio da mestiçagem.
Colocando a idéia de raça em segundo plano e superdimensionando a cultura,
constrói-se uma via que permite uma concreta possibilidade para valorização da
contribuição do negro, do europeu e do índio para a formação da identidade nacional. Abre-
se o caminho pela qual o Brasil permite a harmonia de convívio entre as diferentes raças
presentes em sua formação. Todas as atenções recaem sobre o caráter híbrido da sociedade
brasileira de forma completamente positiva.
Mesmo criando uma análise positiva. A construção do discurso em Casa Grande e
Senzala, trabalho germinal da obra de Freyre, não ignora a violência típica de sociedades
escravocratas, presentes na colonização portuguesa. Violência direcionada especialmente
para os negros. Para entender o pensamento de Freyre o professor Ricardo Benzaquém de
Araújo, desenvolveu o conceito equilíbrio de antagonismos. Tal conceito defende que o
Brasil é formado por uma acomodação de antagonismo que resulta numa cultura
multifacetada. De acordo com essa interpretação, o produto da miscigenação, não seria uma
nova nação que independesse da diversidade de culturas formadoras. Pelo contrário, a
nação formada da heterogeneidade, esforça-se por reforçar cada um dos elementos culturais
de origem. Daí a sociedade brasileira teria em si a marca do hibridismo e do sincretismo.
14
A questão da raça é o principal ponto de afinidade entre Mário Filho e Gilberto
Freyre. Afinidade confirmada na estrutura do texto de NFB. Onde se identifica a
característica benéfica da miscigenação e principalmente a contribuição do negro no
aprimoramento e na formação do futebol brasileiro. Guiado pelo conceito de equilíbrio de
antagonismos. O futebol no Brasil se origina, rígido, duro e disciplinado pelas mãos
européias. Em contato com o povo mestiço, este esporte teria sofrido uma indelével
transformação. Amolecido e influenciado por características típicas da formação brasileira,
os dribles e firulas definiriam a singularidade do nosso futebol.
O futebol pobre das ruas, das peladas e das várzeas, enfrentando todo tipo de
dificuldade material para ser praticado, era fruto direto da capacidade de improviso da
cultura brasileira. Seu contraponto imediato era aquele praticado nos campos oficiais dos
clubes e permitido somente as elites. O encontro destes dois espaços antagônicos era
reconhecido por Freyre, como ponto alto de sua teorização na obra de Mário Filho. Isto fica
claro nesse trecho do prefácio da primeira edição de NFB.
“Aqui esta um capítulo da história do futebol no Brasil que
é também uma contribuição valiosa pra história da sociedade e da
cultura brasileiras na sua transição da fase predominantemente
rural para a predominantemente urbana. Além disso, as páginas
mais sugestivas de Mário Filho nos põe diante do conflito entre
14
ARAÚJO, Ricardo Benzaquem. Guerra e paz: Casa Grande e Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos
anos 30. Rio de Janeiro: Ed.34, 1994. p.43.
estas duas forças imensas – a racionalidade e a irracionalidade – no
comportamento ou na vida dos homens. No caso, dos homens do
Brasil. Homens de uma sociedade híbrida, mestiça, cheia de raízes
ameríndias e africanas e não apenas européias.”
15
Se nosso sotaque nas quatro linhas é resultado imediato de um estilo marcado pelo
hibridismo da formação social do Brasil, descrito em Casa Grande e Senzala. O futebol em
si pode ser considerado como conseqüência da decadência do modelo patriarcal, tese
central do livro: Sobrados e Mucambos.
Pensado através do modelo sugerido em Sobrados e Mucambos. O futebol e parte
integrante do modelo reeuropeização, que tentava padronizar e superar a cultura patriarcal.
Importando costumes ingleses e franceses, que reforçavam o desejo de se estabelecer aqui a
civilização ideal.
A urbanização, a industrialização e o futebol faziam parte deste processo que
contribuía para apagar as características negativas da influência asiática, indígena e
principalmente africana que qualificavam nossa sociedade.
A reeuropeização tem como ponto de partida a transferência da corte de D.João VI.
A transferência da corte e seu impacto econômico, cultural e político, vai abafar
provisoriamente o vigor híbrido da sociedade brasileira. Seria como um processo
civilizador
16
, que denegria a liberdade em uma espécie de coerção.
Atingido em sua liberdade. A reeuropeização imposta no século XIX, tentaria
apagar o hibridismo em nome de um padrão civilizado. Este processo foi visto com pesar
por Gilberto Freyre, que afirmava haver graves inadequações entre a Europa e as
características ambientais e culturais brasileiras. Criticava as pesadas roupas de que se
transformavam em verdadeiros martírios no calor sufocante do Rio de Janeiro. A opressora
moda feminina, exigindo cinturas em torno de dez a treze centímetros de diâmetro, se a
mulher quisesse realmente estar de acordo com a tradição européia, evidenciava um total
descompasso da cultura européia e a sociedade tropical.
15
FREYRE, Gilberto. “Futebol e o negro”(prefácio de 1947) In: RODRIGUES FILHO, Mário. O negro no
futebol braslieiro. Op. Cit.
16
ELIAS, Nobert. Sociedade de Corte.
No entanto, a reeuropeização, não se saiu de todo vencedora. Tão entranhado na
cultura brasileira, o cenário híbrido e colorido desbancaria em muitos setores a tentativa de
padronização, que aqui acabou sofrendo um forte processo de alteração e adaptação. Assim
os elementos trazidos pela reeuropeização, seriam transformados e inseridos, dentro dos
moldes que definem nossa formação social.
Outro ponto de nítida afinidade entre Freyre e Mário Filho, é a positiva
possibilidade de ascensão social dos mulatos, através futebol. Forte motivador da luta do
negro pela superação do racismo em NFB. Tal valorização do futebol como alternativa de
ascensão está presente neste trecho de Sobrados e Mucambos:
“ascensão do mulato não o mais claro, como mais
escuro, entre os atletas, os nadadores , os jogadores de
futebol, que são hoje, no Brasil, quase todos mestiços. O
mesmo é certo do grosso do pessoal do Exército, Marinha,
das Forças Públicas e dos corpos de Bombeiros: dos seus
campeões do esporte, (...) pardos e mestiços fortes,
enfrentando vantajosamente os brancos e pretos nos jogos,
nos torneios, nos exercícios militares”
17
1.2. No Brasil, todo mundo joga assim.
O futebol no Brasil é objeto de estudos e interesses diversos. Impossível isolá-lo em
um campo específico de análise sem deixar de lado outros diversos pontos de apreciação
fundamentais na sua história. Questões como a diferença de classes, o preconceito racial,
identidade nacional, relações internacionais, estão sempre muito próximas da longa
trajetória do futebol nacional.
A elaboração de um trabalho que tenha como objetivo principal analisar a
participação efetiva da imprensa esportiva, como uma nova categoria jornalística, na
17
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos.Rio de Janeiro: Record. 200. p463
democratização do futebol brasileiro e conseqüentemente a sua transformação em um
espetáculo de massas. Através, principalmente, do conflito entre “amadorismo” e
“profissionalismo”, exige uma abordagem que tramite na sociologia das práticas culturais,
na história cultural e na história política, a fim de que possamos desenvolver uma
abordagem atual explorando uma nova temática como estratégia para o entendimento de
diversos aspectos da sociedade, de seus conflitos sociais e da constituição de identidades
coletivas. Dinamizando assim um novo espaço de pesquisa no universo historiográfico
brasileiro.
As questões que norteiam este trabalho vão funcionar como ponto de partida para
definição de suas bases teóricas: Por quê o futebol passa a ganhar força no espaço social
brasileiro, ou seja, tornando-se popular se em sua origem era um esporte de caráter
inteiramente elitista? Qual o suporte para que houvesse esta popularização? Quais os
projetos de nação defendidos pelos elementos que compunham estes suportes?
Em A Busca da excitação, Nobert Elias e Eric Dunning, reúnem uma série de
artigos anteriores escrito por estes autores com a proposta de mostrar os esportes como uma
vertente estratégica para a compreensão de um modelo maior desenvolvido por Nobert
Elias denominado Processo civilizador.
A adoção desse novo objeto consiste em colocá-lo em lugar de destaque, como um
fenômeno histórico peculiar, portanto, passível de uma análise empírica e contribuindo para
compreensão de uma fase específica do processo de civilização. Podemos considerar a
contribuição de A Busca da excitação algo similar ao papel desempenhado pela A
Sociedade de Corte à teoria geral deste autor exposta nos dois volumes de O Processo
Civilizador.
Podemos identificar a mesma função exercida pelas normas de etiqueta na
pacificação de uma classe social poderosa composta de nobres guerreiros, donos de grandes
propriedades rurais, relativamente independentes. Este grupo acaba se transformando, pela
aceitação de uma infinidade de normas, numa classe de cortesãos inteiramente dependentes
do rei e submissa a um conjunto de regras que se mostravam essenciais para sua
sobrevivência social na corte.
Esta transformação representou o aspecto principal do processo civilizador
analisado na corte absolutista francesa do século XVI e é encontrada na Busca da
excitação, relativa ao surgimento e a propagação dos esportes oriundos da Inglaterra dos
séculos XVIII e XIX. Esta comparação fica clara nos conceitos utilizados pelo o autor, tais
como “esportificação” e “parlamentarização” como formas de controle da violência e
evidenciam a mudança de uma repressão externa para uma auto-repressão e um
autocontrole que caracterizam o processo civilizador.
Em a Busca da Excitação a retomada do Processo Civilizador apresenta espaço e
período históricos diferenciados do modelo original. A ação parte das peculiaridades do
caso inglês num período posterior, meados do século XVIII e o século XIX, e não mais a
França absolutista de Luis XIV. Elias preocupa-se com a concepção de um esporte
moderno, indicando os aspectos centrais da relação entre o desenvolvimento dos esportes e
o desenvolvimento da estrutura de poder da sociedade inglesa. Desta maneira sua
concepção de esporte se desliga das correntes que remontam a uma genealogia de longa
duração, que apontam para seu surgimento na Roma antiga, entre os Astecas ou mesmo
entre os europeus na Idade Média.
A obra de Elias sugere um rompimento representado por esta nova concepção
esportiva, que acompanha bem de perto as transformações nos comportamentos e no
repúdio a violência que caracterizam o processo civilizador. Comparando os jogos
modernos com os antigos (romanos), Elias ressalta o prazer sentido pelos espectadores com
o alto grau de violência apresentado nas arenas durante os combates entre os gladiadores.
Enquanto os jogos modernos vão se esmerar no controle desta violência através da
regulamentação dos jogos e na criação de diversas regras que visam a contenção desta
violência.
No entanto, em outros capítulos, Elias parte do processo civilizador plenamente
instaurado e neste caso os esportes vão funcionar como instrumento para liberação das
emoções e abrandamento do excesso de autocontrole exigido pelo Estado, propiciando aos
indivíduos a liberação de emoções.
Nestes casos, os esportes tal como outras atividades lúdicas serão responsáveis pela
liberação de uma tensão agradável que contribui para amenizar os efeitos provenientes das
tensões relacionadas com o excitamento e a repressão vinculadas a outras áreas da vida.
Especifica-se assim, um local de liberação de uma excitação mimética que pode ser
apreciada e que pode ter efeito libertador.
Elias questiona porque os esportes vão ter sua gênese na Inglaterra. Tal resposta é
dada a partir do sucesso da pacificação das classes dominantes inglesas durante o século
XVIII, bem como, do desenvolvimento de um governo parlamentar de uma aristocracia e
uma pequena nobreza autogovernada. Enfatiza também a participação destas classes na
prática, consumo e organização das modalidades esportivas, destacando a organização dos
clubes que representaram um papel crucial na constituição dos esportes.
Desenvolve-se assim uma análise das práticas políticas que sofrem o processo de
“parlamentarização” e paralelamente às modificações nos esportes exercido pela mesma
classe de onde saem os políticos. Mantendo-se assim as mesmas regras em ambas as
esferas.
Dentro do pioneirismo inglês, Elias aponta as diversas propriedades que configuram
e determinam o esporte moderno: A busca do equilíbrio entre as duas equipes, representado
na igualdade de chances de vitória para os dois adversários garantidos pelas diversas regras
que regulamentam os esportes; o prazer proporcionado por uma tensão provocada pelo
combate, que é possível se houver um equilíbrio entre os participantes da disputa; o
relaxamento final da tensão, com grandes chances de catarse após a vitória; limitação da
violência física, novamente observada pelo rigor das regras e do controle das equipes com o
objetivo de amenizar a violência presente nas disputas.
Neste sentido, o futebol funciona como um bom exemplo. O endurecimento deste
esporte, não impediu que os jogadores mantivessem os índices de violência dentro de certos
limites. A introdução de regras que visavam penalizar as agressões entre os jogadores,
passaram a ser muito severas. Ainda assim uma análise deste processo não tem eficácia se
feita de maneira isolada. As explicações se encontram nas tensões existentes na sociedade
como um todo. O mesmo se aplicando aos atos de violência cometidos entre os
espectadores.
Na elaboração desta análise dos esportes na Inglaterra, é importante salientar o
papel atribuído ao desempenho das escolas públicas inglesas na disseminação dos
desportos. Espaço onde os esportes são incentivados como forma de ocupação do tempo
ocioso. Dentro desta perspectiva, as práticas esportivas no interior das escolas atendem a
mesma idéia de parlamentarização contida na política inglesa, que os desportos têm
como função última pacificação destes alunos.
Ao voltar-se para disciplinarização dos jovens no interior destas escolas, e da
apropriação dele por diversas instituições com os mesmos objetivos de enquadramento
disciplinar da juventude nas classes populares. É possível pensar a compreensão da
propagação dos esportes, da difusão dos clubes e das associações esportivas, como
elementos de controle.
No entanto, a análise da democratização dos esportes e a sua conseqüente
transformação em espetáculo de massas, bem como, a apreciação dos graus de excitação e
controle das emoções que estão contidos na criação do público consumidor destas práticas,
não podem ignorar o vínculo existente entre a idealização dos desportos e as instituições
escolares que apontavam para o controle e a diversão dos competidores (os estudantes).
Colocando assim os jogos dentro da esfera do amadorismo.
Mas a crescente competitividade, a seriedade dos organizadores e praticantes, e
ainda, a constante busca de resultados favoráveis, vão ser responsáveis pela mudança de
orientação dos desportos modernos, principalmente nos de alto nível. Tal orientação
conspira para o aniquilamento dos valores, atitudes e práticas esportivas dentro da esfera
do amadorismo. Paulatinamente estas são substituídas por práticas que consolidam os
esportes numa ambiência profissional.
Dentro da esfera amadora os esportes têm como principal função garantir a diversão
e o prazer dos competidores, deixando em segundo plano o deleite dos espectadores. Com
esta estrutura inexistem os elementos organizadores da competição, tais como as Ligas e os
campeonatos.
Porém, a resistência destes grupos amadores foi facilmente minada. Do fracasso dos
defensores de uma estrutura amadora surge uma organização profissional que busca elevar
o esporte a um alto nível, que está voltada para o grande público e que procura elaborar as
suas regras com intuito de agradar e atrair esta massa de espectadores que surgia.
As conseqüências sociais da implementação do profissionalismo e
conseqüentemente a extinção do amadorismo é analisada Eric Dunning, visando explicar a
cisão na Liga Inglesa de Rugby, que possui uma liga sediada em Londres que admite o
amadorismo e outra em Leeds, que abriga clubes amadores e profissionais.
Ao analisar esta cisão, Dunning aponta para decisão dos dirigentes Football
Association (Federação inglesa de futebol) de autorizar a inscrição de clubes populares para
participar do campeonato por eles organizados.
Esta abertura permitiu a entrada de clubes patrocinados ou dirigidos por empresários
que vão dar uma orientação para as práticas esportivas na direção da profissionalização.
Neste novo formato, alguns clubes passam a remunerar seus atletas, alegando que estes
estão perdendo um tempo que poderia ser gasto em atividades remuneradas. Não o
pagamento dos atletas passa a se vincular aos esportes, mas também a cobrança de
ingressos para os estádios.
Pouco apouco os esportes iam desenvolvendo um público e também passaram a
recrutar atletas nas camadas populares. Os esportes iam adotando valores burgueses, que
regulamentavam as competições através das entidades responsáveis pela organização dos
campeonatos, pela cobrança de ingressos, pela difusão das partidas numa imprensa
especializada, na programação dos calendários e das tabelas e no pagamento de salários aos
jogadores.
Em contrapartida, Dunning aponta uma espécie de “proletarização” (ou composição
de valores de uma classe popular) que ficava evidente à medida que os esportes
funcionavam como alavanca para ascensão social. Mas também como local de identidade
coletiva no que se refere à adoção de equipes como mbolo representativo, fato que
contribui muito para transformação dos esportes em espetáculos passiveis de serem
consumidos.
Enquanto a profissionalização dos esportes aponta para processos como a
“proletarização” e a adoção de valores burgueses. A esfera amadora tem como componente
principal a diversão, o fair play, a aceitação das regras e a participação nos jogos
desprovida de qualquer interesse relacionado a pagamento de salários. Ter nos esportes a
maior aproximação possível dos chamados combates miméticos voltados para dinamização
de uma excitação agradável.
Dunning nos mostra que a moral do amadorismo consistia em valores
desarticulados. Apesar disso, com o crescimento do profissionalismo que passa a
representar uma ameaça a antiga estrutura esportiva, e principalmente aos grupos
aristocráticos que se reuniam em torno do amadorismo. A profissionalização se aproximava
e promovia as classes populares a organizadores, praticantes e consumidores. Desta
maneira, o amadorismo se estabelece mais como uma reação ao avanço do
profissionalismo, como organização de uma elite aristocrática que ver com temor o avanço
de classes populares. Tal elite procurava, então, conservar as formas de participação nos
esportes dentro de sua esfera social e também acreditavam ser um direito adquirido, a
direção e a organização destas práticas desportivas.
Ao se destacar o conflito entre amadorismo e profissionalismo, e conseqüentemente,
enfatizar a difusão dos esportes e a atração das classes populares como elemento para
configuração de um esporte de massas. Dunning se diferencia e complementa Elias, no
sentido que este último prioriza o nascimento dos esportes como fator fundamental no
apaziguamento de grupos e classes sociais e como elemento estratégico do processo de
civilização.
Para compreensão deste processo de popularização do futebol, bem como seu lugar
no processo civilizador é fundamental a utilização do conceito “Democratização funcional”
elaborado inicialmente por Nobert Elias com objetivo de descrever o momento de conflito e
assimilação do processo civilizador por grupos sociais que ocupavam posições
subordinadas, tal como, as diversas apropriações feitas pela burguesia no interior da
sociedade de corte.
A democratização funcional se refere neste contexto, a uma rie de transformações
direcionadas para um ponto de equilíbrio de poder , no interior dos grupos e entre eles.
Portanto, o fortalecimento da identidade das classes populares e seu fortalecimento entre as
demais classes. Neste sentido, os esportes como elemento constitutivo de uma capacidade
de apropriação dos “avanços civilizados” vai promover este fenômeno com mais eficácia
entre as classes populares, fazendo aumentar a tensão no conflito entre amadorismo e
profissionalismo.
No Brasil, o futebol nasce branco e aristocrático, trazido e praticado dentro de uma
perspectiva inteiramente comandada pela elite econômica do país. Elite que em tudo seguia
o modelo inglês, das regras do jogo às regras sociais. Da mesma maneira que o futebol na
Inglaterra do século XIX, o futebol brasileiro desenvolvia um modelo que excluía as
camadas populares e os homens de cor.
Os modelos de modernidade ligados aos valores da burguesia se manifestam no
futebol brasileiro através da organização dos campeonatos, na formulação das regras que
permeiam e normatizam o acesso dos times às ligas e federações, a programação dos
calendários e na cobrança de ingressos.
No Rio de Janeiro, são representantes deste modelo de modernidade times como: o
Fluminense, O Payssandu, o Rio Cricket, todos eles defensores do amadorismo que
reproduz uma estética burguesa amplamente copiada de padrões europeus e que servia de
maquiagem para um forte preconceito contra negros e qualquer elemento que remontasse os
padrões populares. Expressas através das diversas estratégias criadas para manter o futebol
sob a esfera da elite dominante.
Como antítese deste modelo de modernidade, estão times como o Bangu e o Vasco
da Gama, bem como, os diversos times que começam a se formar nos subúrbios cariocas ,
que representam a constituição de valores ligados as classes mais baixas e que nos dão
pistas da apropriação do jogo por estas mesmas classes (democratização funcional), que se
organizam em torno de seu time e dão sinais claros de um desenvolvimento técnico,
certamente surpreendentes aos olhos da aristocracia dominante. Por fim, os jogadores de
maior destaque acabam sendo arregimentados pelas classes dominantes, dando início a uma
nova configuração do futebol, pautada na busca de resultados e no profissionalismo
crescente.
Os conflitos destes dois modelos de sociedade estão embutidos, e vem à tona
quando se manifestam as tensões entre o “amadorismo” e o “profissionalismo”, que na
verdade escondem um conflito de classes. Mesmo que no início, como é o caso do Bangu, a
certeza da dominação social permitisse que patrões e empregados dividissem o mesmo
espaço social destinado as práticas do futebol, sem que sua inferioridade técnica em relação
ao jogo afetasse sua excelência social.
Dunning analisa esta mesma relação de domínio em relação ao Cricket, que a
princípio mantinha uma inter-relação entre a aristocracia e as classes populares na prática
do esporte. Contudo, a urbanização, a industrialização e a expansão da burguesia,
começaram a alterar a tênue harmonia entre as classes. Ao perceber seu estatuto ameaçado,
começou a defender com mais tenacidade sua posição através da implementação das
práticas do desporto dentro da esfera de amadorismo.
No caso brasileiro, a rápida difusão do futebol entre as classes populares e seu
respectivo desejo de profissionalização demonstra que este esporte se apresenta não
como um meio de ascensão social e fonte de identidades coletivas e individuais, que se
evidenciam através das equipes como elementos representativos, bem como, no
deslocamento do esporte para o eixo dos espetáculos.
É no interior das disputas entre amadorismo e profissionalismo, na intensa
velocidade em que futebol se desloca na direção da apropriação das classes populares, que
por não possuírem condições materiais propícias para o perfeito funcionamento do
Processo Civilizador acabam por levá-lo a falência, no momento em que a excitação
agradável contida na violência pacificadora das torcidas e defendida nos discursos dos
literatos e jornalista defensores destas praticas esportivas, se perde e se reproduz na
apropriação indevida pelas classes populares, na violência sem controle das torcidas ou
mesmo entre os burgueses envolvidos no futebol.
Neste momento outro autor é fundamental para compreensão e a busca de respostas
que dêem conta das questões que permeiam a feitura deste quadro teórico.
Peter Gay assinala, em O cultivo do ódio, que para a sociedade vitoriana os seres
humanos detinham impulsos agressivos dinâmicos constitutivos de um grande potencial
bélico.
Após a publicação, em 1859, de A origem das espécies. A disseminação das idéias
de Charles Darwin, formulador da teoria da evolução das espécies através das disputas
entre os indivíduos e pela sobrevivência dos mais aptos, foi amplamente adotada por
diversos doutrinadores, por vezes de forma inescrupulosa, como justificativa científica para
belicosidade humana. Apontando todo e qualquer conflito entre as grandes potências, ou
entre classes sociais diferenciadas como predeterminados.
É claro, que grupos menos belicosos e igualmente seguidores das idéias formuladas
por Darwin, apontaram para as necessidades de conter tais impulsos agressivos, para que as
sociedades não acabassem se exterminado mutuamente. Porém, a condição competitiva da
natureza e a agressividade inata dos seres humanos compunham o cenário determinante do
século XIX.
O darwinismo social, tão creditado no século XIX, defendia claramente o caráter
agressivo como parte componente da formação humana. A disposição irracional para a
prática de atos violentos estava presente em todos os homens. No entanto, é preciso
ressaltar a diversidade de tons presente na agressividade. Nem toda agressividade
corresponde a um ato de violência pura e sádica. Podemos identificar contornos agressivos
numa crítica literária, num mexerico, na ostentação de riqueza ou numa piada.
dimensões na agressividade que apontam para uma área positiva. Tais usos
podem ser encontrados numa contra-agressão, na reação a um insulto, na afirmação perante
um concorrente. Aspectos dessa agressividade positiva estão presentes também na energia
criativa dos inventores, dos médicos, professores, ou então, na disposição em que um
atacante de um time avança em direção ao gol adversário.
Desde os primórdios das sociedades organizadas, tem se desenvolvido alguns
mecanismos de controle para manutenção da ordem, sendo que nem todos foram articulado
de maneira consciente. É comum a esses diferentes períodos a elaboração de mecanismo
com o objetivo de tentar conter de alguma maneira tais impulsos agressivos, internalizando
temores ou sentimentos de culpas que amenizem a belicosidade.
Entretanto, os mecanismos desenvolvidos até então, em especial, os ligados aos
aspectos religiosos, não davam conta das dimensões positivas da agressividade. Limitavam
junto com a belicosidade, as qualidades de masculinidade, a capacidade criativa, as
qualidades de comando, que são cruciais para formação e o desenvolvimento das
sociedades modernas.
Era necessário desviar essa disposição irracional, canalizar esta energia violenta
mantendo vivo a virilidade e os anseios por competitividade. Desviar seus instintos
agressivos para atividades com propósitos socialmente úteis. Deixar vivo os elementos de
prazer contidos nas batalhas com a necessária convocação de novos adversários para a
ocorrência de combates simulados que reproduzam com a maior fidedignidade possível os
prazeres das disputas.
Tratava-se, então, de organizar atividades que funcionassem como “válvulas de
escape” para mente das classes sociais, em especial, as inferiores. Tais mecanismos
afastariam a classe trabalhadora de atividades contrária a ordem estabelecida e, ao mesmo
tempo, os manteriam longe de atos agressivos comuns aos homens mais rudes.
Visando atender a canalização da violência para fins sociais produtivos, ou pelo
menos, não destrutivos. E também, como apontavam alguns entusiastas dos esportes, a
prática esportiva ajudava a desenvolver os ideais civilizadores, como agradáveis exercícios
de autocontrole. Os esportes trazem consigo aspectos vitoriosos e também alguns fracassos
dessa luta vitoriana para conter os impulsos agressivos.
Os esportes atravessavam as fronteiras do mundo com quase a mesma velocidade
que o comércio de bens e as transações financeiras. Sem barreiras alfandegárias e tendo a
Inglaterra como principal país criador e exportador das principais atividades esportivas, que
atravessavam as fronteiras inalteradas tantos nas regras como no próprio vocabulário. Uma
olhada rápida na difusão do futebol nos mostra a velocidade como esse esporte já no
alvorecer do século XX estava presente em uma considerável quantidade de paises.
A importância que os esportes vinham adquirindo ao longo do século XIX não se
restringe por aí. A capacidade de popularização dessas práticas, em especial, nas fábricas,
que proporcionaram um número crescente de atletas e espectadores. Foi também
responsável por uma aproximação entre as classes trabalhadoras e os patrões nos momentos
de descontração das disputas esportivas. Muito mais que isso, numa época em que se
apregoava que as vitórias eram possíveis graças ao esforço e o talento individual, os
esportes representavam um espaço onde apenas os mais capacitados seriam vencedores.
Havia espaço para o surgimento de novos heróis que seriam adorados pelas massas, e que
possivelmente poderia ser oriundo de qualquer estrato da sociedade.
Contudo, muitas destas observações feitas por entusiastas dos esportes não passaram
de ilusões. A violência foi um fator que endossou a desilusão dos defensores dos esportes.
Os que viam as atividades esportivas como regeneradores das classes trabalhadoras, se
espantaram com o comportamento de jogadores no campo e dos torcedores nas
arquibancadas. A catarse saudável tão esperada, muitas vezes ficou por vir. E o que se viu
foram cenas de violência exacerbada, brigas dentro e fora dos estádios, invasões de campo,
jogadores agredindo-se mutuamente, agredindo juizes ou mesmo sendo agredidos por
torcedores. Enfim, uma infinidade de exemplos de perda do tão esperado autocontrole.
O que também contribuiu para o desencanto daqueles que viam somente aspectos
positivos na constituição das práticas esportivas, foi o fato de que determinados esportes, ao
contrário do que se apregoava, não contribuíram para a harmonia entre as classes.
Algumas atividades físicas mais sofisticadas aguçavam as diferenças entre as
classes. Hipismo, tênis, remo, pólo por exigirem uma qualidade de materiais específicos e
muito caros mantinham distantes as classes trabalhadoras. Impossibilitados de participar
efetivamente desses esportes mais refinados, o máximo de aproximação que as massas
populares tinham era a de espectador. Tal distanciamento contribuiu para que algumas
dessas práticas esportivas não tenham sofrido tão eficientemente o processo de
espetacularização como foi o caso do futebol.
Mesmo nos esportes praticado entre patrões e empregados, a tal igualdade
defendida, se limitava ao espaço de tempo das partidas. O que era determinado pelas
comemorações que automaticamente excluía aqueles que não podiam freqüentar os lugares
mais refinados pertencentes às elites.
Peter Gay salientou, a questão das disputas de classe presente no conflito entre o
profissionalismo e o amadorismo. Destacou o veloz processo de apropriação dos esportes
pelas classes trabalhadoras, devido em parte, a redução da semana de trabalho e pelo
aumento da renda disponível. E como este aumento proporcionou uma reação na burguesia
que visava impedir esta apropriação, e que foi marcada pela ênfase deste grupo ao ideal
amador.
O amadorismo era possível ser concretizados pela burguesia, que possuía tempo
e dinheiro para dedicar-se exclusivamente aos esportes. Descartava completamente a
competição por troféus, fama ou dinheiro. O atleta amador não se vangloriava na vitória e
também não se lamentava amargamente da derrota, o que exigia um total autocontrole. O
que para eles só era possível entre os membros de uma classe mais alta e que seria
impensada entre a massa.
Peter Gay aponta a necessidade de álibis que justifiquem as agressões. A definição
dada por ele diz que um álibi não corresponde à causa da agressão, e sim, a racionalização
de um comportamento. Ou seja, espécie de alvará que permite a conduta agressiva ao
apresentar justificativas de ordem diversa, para tal conduta. Portanto, os álibis
proporcionam exceções privilegiadas, válvulas de escape onde os indivíduos super-
reprimidos podem se liberar. São racionalizações que possibilitam as classes ou os
indivíduos a atacar alguém.
A defesa do amadorismo, de acordo com os conceitos elaborados por Peter Gay,
fornece álibis para o ataque da burguesia às demais classes que pensavam em se
apropriarem dos esportes. No caso brasileiro, as disputas entre os defensores do
amadorismo e do profissionalismo, também funcionaram como um álibi para agressão. E
também se baseou na escolha de um inimigo facilmente reconhecível, aquele em que
recaiam todos os defeitos e culpas, mesmo que sejam distorcidos pelos agressores. O negro
foi o “outro conveniente” adotado nas disputas determinadas no meio esportivo brasileiro
nas décadas de dez e vinte.
2. RIO DE JANEIRO UMA CIDADE EM TRANSFORMAÇÃO APTA PARA
UM NOVO ESPORTE
Fundada no cume do Morro do Castelo, a cidade cresceu ao redor de um cais. Era
um pequeno núcleo populacional que se concentrava onde hoje se encontra a região central
da cidade. A ocupação populacional encontrava-se basicamente no quadrilátero formado
pelos morros do Castelo e São Bento, em um sentido, e do Largo do Passo (Praça XV) até
as redondezas do atual Largo da Carioca.
Seu terreno exuberante e irregular dificultava o crescimento da cidade. Morros,
charcos, mangues e lagoas mantinham o Rio de Janeiro confinado dentro de um espaço
delimitado por estas barreiras naturais. Em seu período colonial, administrações régias
fizeram algumas tímidas intervenções, aterrando áreas pantanosas que determinavam os
limites da cidade. Áreas onde hoje estão a Praça Tiradentes e o Campo de Santana, e ruas
como a Uruguaiana e a Sete de Setembro foram aterradas. Foi proibida a utilização do
Campo de Santana como depósito de lixo. Com isso, foi alterado o destino do excremento
humano e do lixo produzidos na cidade. Carregado em barris por escravos, denominados
tigres, o lixo era todo jogado na baía de Guanabara. E ainda, no apagar das luzes da era
colonial, a cidade em expansão foi presenteada com chafarizes e iluminação a óleo de
peixe, fechando assim as parcas e pouco significativas intervenções na cidade do Rio de
Janeiro.
Este padrão colonial de intervenção urbana era pouco expressivo. A cidade
continuava pequena, modesta, estruturada a partir de uma economia tipicamente agrária,
destacando-se um estilo de vida familiar patriarcal. Mudanças mais significativas deste
perfil vão ocorrer com a transferência da família real portuguesa para o Brasil. Pressionado
por tropas napoleônicas, comandadas pelo General Junot, que avançavam pelo interior de
Portugal, obrigou D. João VI a tomar a decisão de fugir para o Brasil, em 1807.
A resolução da transferência da corte para o Brasil manteve intacto o poder
soberano dos Braganças que instalou a sede do reino português, em terras brasileiras. A
nova condição da cidade deixou clara a necessidade de se modernizar a colônia, permitindo
que ela atendesse plenamente ao estilo de vida da família real e de sua corte, e de sua nova
função de sede do governo Imperial português.
O Rio de Janeiro entrou num período de grande efervescência. Foram as mais
diversas mudanças que atingiram o cenário político-social da cidade. O Decreto da
Abertura dos Portos às Nações Amigas transformou o porto do Rio num importante centro
financeiro-comercial; o crescimento populacional foi outro fator marcante, devido ao
grande número de nobres (cerca de 15 mil) e funcionários da corte portuguesa que
formavam a comitiva do rei; a criação do Banco do Brasil e de novas instituições
administrativas, trazendo para o Rio de Janeiro os ares da metrópole. Os hábitos culturais se
modificaram, pois se fazia necessário satisfazer a demanda de uma aristocracia que
valorizava a cultura européia.
D. João VI encontrou uma cidade pobre, sem planejamento urbano e saneamento
básico, com ruas estreitas, irregulares, sujas e apinhadas de escravos, ambulantes e "tigres".
O Paço Imperial, residência oficial do Vice-Rei, possuía uma arquitetura pobre, sem
adornos, ainda no estilo colonial "porta e janela", sem mobiliário adequado para receber um
monarca e, sobretudo, muito pequeno para abrigar a comitiva real. A visão dos arredores
era igualmente pouco animadora. Era um cenário feio, fétido e desorganizado onde no meio
de um lamaçal de detritos uma infinidade de personagens característicos da cidade
desfilavam. Era uma multidão que se aglomerava em torno de barracas e tabuleiros. E ali de
tudo se vendia: hortaliças, peixes, amuletos, esteiras, vasos, ervas, escravos, animais de
estimação. Curandeiros ofereciam seus préstimos junto a caçadores de escravos. Era uma
mistura de cores, idiomas, raças e de uma multidão de tipos desconhecidos.
Outras residências serviram de abrigo para a corte: o Convento das Carmelitas, onde
ficou D. Maria I; a Casa do Trem (atual Museu Histórico Nacional); o prédio da Cadeia,
vizinho do Paço, que virou residência de aristocratas. Não satisfeito D. João decretou que
as melhores casas da cidade fossem cedidas para os nobres que ainda não tinham moradia.
Cada casa escolhida pelos oficiais do rei deveria ser desocupada imediatamente, sendo a
porta carimbada com as iniciais P.R. (Príncipe Regente), que, no humor nativo, logo se
transformou em "Ponha-se na rua". Alguns ricos comerciantes, proprietários dos melhores
imóveis viram na chegada da corte uma significativa alta no preço dos aluguéis.
A presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro alterou o panorama do cotidiano
da cidade que expandiu o traçado urbano, introduziu novos estilos arquitetônicos e
apresentou à sociedade uma maneira cosmopolita de viver. Entre saraus, festas,
apresentações teatrais, agitavam-se a vida política, social e cultural carioca.
A nova intervenção na cidade, visando alterar o traçado urbano e uma série de
embelezamentos, ficou a cargo do desembargador Paulo Fernandes Viana que foi nomeado
intendente e exerceu a função até 1821. Neste período, foram destruídos antigos prédios
para dar lugar a outros mais modernos. Além da iluminação pública, chafarizes e da
pavimentação de ruas foi concluído o aterro do Campo de Santana, criou-se no local um
pequeno parque. Por fim, fundou-se um novo bairro residencial, a Cidade Nova.
Não era somente os contornos urbanos que se modificava. A partir da transferência,
a cidade vai ser brindada com novos ares de civilização. Afinal de contas, a corte não podia
viver sem seus marcos de diferenciação e grandeza. A adequação seria feita a partir dos
mais prestigiosos símbolos europeus que emprestariam a ao Rio de Janeiro o requinte
exigido pela sua nova condição.
Para reverter a imagem que se tinha da corte americana, uma série de novas
instituições foram implementadas neste período. Fazem parte deste banho de civilização: O
Jardim Botânico; o Museu Nacional, A Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; a Real
Biblioteca.
Uma Academia de Belas Artes idealizada pelo conde da Barca, com artistas
franceses de notoriedade. Organizado nos moldes de uma academia francesa, a Missão teria
dois objetivos a cumprir. Em primeiro lugar, ela seria responsável pelo planejamento de
diversas obras urbanísticas e grandes monumentos, todos seguindo as orientações do
neoclassicismo. Foram abertas as portas para um novo estilo artístico em terras brasileiras.
Antes da chegada dos franceses, a maioria dos artistas brasileiros eram autodidatas e
isolados dos novos estilos europeus (mesmo Portugal não dava muitas atenções as artes
plásticas). Por isso dominava o Barroco, um estilo artístico já ultrapassado nas cortes
européias.
A Missão Francesa vai fazer a substituição do Barroco pelo neoclássico. Este novo
estilo se caracteriza por uma combatividade que se põe a serviço da Revolução e funciona
como um criador de memória. Este modelo se encaixa perfeitamente nos planos de D. João,
que vai buscar na inspiração artística francesa, a formação de uma memória real. Também a
idéia de aproximação da colônia com o mundo civilizado europeu.
A França vai trazer ares de requinte ao Rio de Janeiro. Os cariocas passaram a exigir
mais conforto em suas residências, decoradas com novas mobílias, tapetes e quadros.
Criou-se um pequeno mercado de elite para os novos artistas. Conforto e luxo, antes
desconhecidos na colônia, vão gerar grandes mudanças no consumo do carioca. O
incipiente mercado de produtos de luxo ganha um endereço certo, a Rua do Ouvidor.
Ali, os franceses desbancaram os comerciantes ingleses e seus produtos voltados
para o consumo de massa, e passaram a dividir o espaço com comerciantes portugueses. O
consumidor carioca que quisesse adquirir produtos de luxo, que estivesse de acordo com os
mais sofisticados padrões europeus, encontraria na rua do Ouvidor: joalherias, vestuários,
perucas, cabeleireiros e barbeiros, acessórios, flores, comidas, bebidas, livros. Era a Europa
para deleite de uma pequena elite, ávida por equiparar-se em civilização aos europeus
através do consumo de artigos de luxos.
No entanto, a idéia de civilização européia nos trópicos não teve como modelo
único exclusivamente a França. O cortejo real que fugia de Portugal foi acompanhado e
protegido por uma esquadra inglesa, que garantiu uma viagem sem maiores percalços. Mas
o preço da proteção da coroa de D. João VI foi a abertura dos mercados brasileiros ao
comércio internacional, abolindo as restrições econômicas que alijavam a colônia. Esta era
sem dúvida uma importante medida que fazia cair por terra anos de exclusivismo comercial
da Metrópole. A partir desta medida, todo e qualquer navio poderia trazer e levar
mercadorias para o Brasil. Permitia que os navios brasileiros atracassem em qualquer porto.
Portugal invadido por tropas francesas estava proibido de exportar qualquer
mercadoria para o Brasil. Portanto, mais do que benevolência de D.João, a abertura dos
portos era essencial para sobrevivência da própria corte. Além da possibilidade de
dinamizar o comércio agrícola brasileiro, a abertura beneficiou imediatamente a Inglaterra,
então única “nação amiga” de Portugal.
Com os mercados europeus ocupados por exércitos franceses, portanto fechados aos
ingleses, o Brasil se tornou uma tábua de salvação para os excedentes produzidos pelas
eficazes fábricas da Inglaterra que se amontoavam nos armazéns. Com enorme voracidade,
comerciantes ingleses exportavam de tudo para o Brasil. Quantidades muito acima da
pequena capacidade de absorção do mercado brasileiro. Além da grande quantidade, a
variedade dos produtos ingleses foi outra marca do período. De tudo foi mandado para o
Brasil. Patins de gelo, bacias de cobre para o aquecimento de camas, grossos cobertores de
lã, instrumentos de matemática.
A maior parte das mercadorias importadas dos ingleses teve outras funções em
terras brasileiras. Patins de gelos se transformaram em trincos de portas, cobertores foram
parar na mineração e bacias de cobre nos engenhos de açúcar. Um mercado restrito e com
mercadorias em quantidade deixa claro a dificuldade de se vender todo o estoque. O
esvaziamento só foi possível com preços mais baratos, facilidades de pagamento e a
intervenção publica.
O absoluto domínio inglês no comércio brasileiro ainda recebeu um importante
incentivo: o Tratado de Comércio e Navegação assinado em fevereiro de 1810. Este tratado
representou uma grande vantagem para os comerciantes ingleses em relação aos
concorrentes, inclusive Portugal. Pautado na definição das tarifas alfandegárias,
determinava a taxa de 15% para mercadorias inglesas, 16% para as portuguesas e 24% para
as demais nações. Escancaradamente favorável à Inglaterra, a assinatura deste tratado
representou bem o preço pago por Portugal pelo auxílio inglês. Para se ter uma idéia do que
representou a abertura dos portos em termos comerciais. Em 1807, portanto antes da
abertura, apenas 778 embarcações ancoraram no porto do Rio de Janeiro sendo apenas uma
estrangeira. Em 1811, com a abertura, este número aumentou para cerca de 5000
embarcações das mais diversas bandeiras.
18
Não produtos ingleses invadiram o Rio de Janeiro, os próprios britânicos se
transferiram para cidade, atraídos pelos bons ventos comerciais. E eram ventos tão
favoráveis, que os ingleses nem discutiram com os proprietários os valores dos melhores
pontos comerciais, em geral, pagavam o que lhes pediam. Convenientemente próximo dos
locais de desembarque de mercadorias, os casarões preferidos adquiridos pelos ingleses se
localizavam invariavelmente na rua Direita. É claro que a presença inglesa não se limitou
somente a rua Direita. Ocuparam também outras ruas, tais como: da Alfândega, dos
Pescadores, do Rosário e da Quitanda.
Ao imiscuir-se na sociedade carioca, os ingleses também vão dar uma importante
contribuição para o processo de reeuropeização sofrido pelos cariocas. Uma diversidade de
18
AMADOR, Elmo da Silva. Baía de Guanabara e Ecossistemas Periféricos: Homem e Natureza.
Ed. Do Autor. Rio de Janeiro, 1997. pp.278
funções foi ocupada pelos ingleses na cidade, eram eles, alem de comerciantes: tradutores,
artistas de teatro, mágicos, leiloeiros mecânicos, engenheiros, superintendentes de
companhias de telégrafos e estradas de ferro, foguistas. Uma tão grande diversidade de
profissões a misturar-se com os brasileiros.
A partir de meados do século XIX, a presença destes profissionais se intensificou.
Foi quando os primeiro e incertos passos da industrialização brasileira foram dados,
esforçando-se ao máximo para seguir o modelo vitorioso implementado pelos ingleses.Esta
embrionária industrialização exigia a presença, não de ingleses, como diversas
Companhias britânicas se estalaram no Rio de Janeiro trazendo práticas culturais, que aqui
encontram um terreno fértil.
E logo cai nas graças dos brasileiros, hábitos tipicamente britânicos como: a cerveja
e depois o whisky, o gim e o rum; pela moda inglesa, composta por ternos de lã ou
casimira, pelo uso de gravata e meia; pelo chá, o sanduíche; os clubes, pelo gosto por
cavalos, o turf, pelas corridas no Derby.
Os ingleses desempenham um papel muito importante na introdução das
modalidades esportivas no Rio de Janeiro. Vivendo em uma cidade em que os
divertimentos e os passatempos eram bem aquém dos padrões de seu país de origem, os
ingleses procuraram organizar uma diversão que estivesse de acordo com as de seu país de
origem. As corridas de cavalos, organizadas a partir de 1810, cumprem exatamente esta
função, e com o decorrer do tempo vão figurar entre as primeiras modalidades esportivas
que aqui se desenvolveram.
Após as primeiras experiências com as corridas de cavalo, somente a partir 1825,
estes eventos começam a despertar atenção dos cariocas e deixavam de ser passatempos
exclusivamente ligado aos ingleses. A atividade vai se estruturar de fato como modalidade
esportiva em 1849, com a fundação do primeiro clube dedicado aos esportes na cidade, o
Club de Corridas. Fundado sob os preceitos europeus, o Club de Corridas se inspirou no
Jockei Club francês, que por sua vez tem influencia direta de seu equivalente britânico.
Eram inglesas as regras adotadas nos primeiros páreos em terras cariocas.
Com a desorganização dos primeiros anos do turfe, os fundadores do Club de
Corridas decidiram fechá-lo. Um certo João Guilherme Suckow compra as ações do antigo
clube. Dentro dos mesmos ideais que marcaram a fundação do antigo clube, Suckow vai
inaugura o Jockei Club Brasileiro. Sob sua direção, a inauguração vai reunir cerca de 4.000
pessoas nas arquibancadas, contando ainda com ilustre presença do Imperador e da família
real.
Muito antes da introdução do futebol, o turfe se apresentava como o esporte das
elites. Cumprindo o papel de distinção de classe para os membros da elite carioca, que
buscavam na corrida de cavalos mais um elemento do mundo civilizado, para formação de
sua identidade social. Para os jovens pobres, os jóqueis, ali estava uma possibilidade de
ascensão social, um novo espaço de trabalho, mesmo que os cavalos e seus donos mereçam
maior atenção.
Mais do que uma instituição voltada para as corridas de cavalos, o Jockey era uma
instituição cara, aristocrática e prestigiada. Onde seus membros podiam exercer sua
distinção, onde a mais requintada parcela da sociedade via e podia ser vista, com seus
adornos caros, insígnias de um grupo privilegiado. Não se restringindo ao mundo esportivo,
o turfe, criou lugares, modos de comportamento, que nos deixa perceber novos aspectos da
elite de uma cidade que busca criar espaços específicos para seu deleite. Como fica claro
neste relato de Olavo Bilac:
“O espetáculo do prado as arquibancadas, como o vasto
canteiro de flores humanas, pompeando ao sol, o esplendor das
claras toaletes de verão num delírio de cores, num embaralhamento
deslumbrante de fitas, de plumas, de rendas, o recinto de pesagem,
cheio de força dos sportmen suados e ofegantes, discutindo,
rixando, e berrando (...) junto aos guichês disputando poules a
murro e a ponta pé, e os botequins ressoantes de clamores, de tinir
de copos, de estalar de rolhas, e a raia, embaixo lisa, batida,
iluminada de luz, por onde os cavalos voam...”
19
É importante notar que o autor já aponta uma significativa propriedade do turfe, que
também vai se desenvolver nos outros esportes modernos no Brasil: sua capacidade de se
caracterizar como um espetáculo, onde mais do que o esporte esta em jogo a marca que a
presença no evento confere a seus associados. Os hipódromos vão se constituir em
19
BILAC, Olavo. “Manias: café-cantante”
verdadeiros lugares de diversão no processo de urbanização que a sociedade carioca vai
sofrer ao longo do século XIX.
Além de seu caráter aristocrático e com os hábitos ingleses, sendo bem recebido e
difundido entre as elites sociais do Rio de Janeiro. O turfe ainda apresentava características
que o tornavam adequado para ser assistido por uma sociedade ainda marcada por
elementos de origem rural, governada por uma oligarquia agrícola, que buscava símbolos
de distinção em países mais desenvolvidos.
Como parte integrante deste novo cotidiano devemos ressaltar como os cavalos
participavam intensamente do dia a dia das cidades, servindo de principal meio de
transporte. Não era isso, os cavalos eram, animais apreciados pelos senhores rurais e
também pelas novas classes sociais mais urbanas do século XIX, estes viam nele um
importante símbolo de prestígio.
Era também, dos tempos do Brasil colônia, a disputa quase esportiva, entre
cavaleiros. Gilberto Freyre, em Sobrados e Mucambos, cita uma dessas cavalhadas
organizadas por Mauricio de Nassau, na qual contava com intensa presença feminina.
Dando contornos muito semelhantes nestes eventos , no sentindo de uma maior liberação
sexual “mais burguesa que patriarcal e antes bissexual que monossexual na sua estrutura:
tanto que as mulheres bebiam e comiam com os homens depois de assistirem as paradas
de equitação”
20
Portanto, a rápida integração das corridas de cavalos a sociedade carioca,
também se explica pelo fato desta não representar uma abrupta ruptura com os hábitos por
aqui desenvolvidos.
São nculos especialmente culturais que estabelecem uma ligação entre Rio de
Janeiro, Londres e Paris. E através da importação de mercadorias, bens culturais e
modismos, adotados especialmente pelas elites, os esportes e as atividades físicas
chegaram ao Brasil, como mais um elemento de aproximação com o civilizado mundo
europeu. Esses elementos culturais importados que se integram à sociedade brasileira vão
criar um novo tipo social: burguês e urbano.
Na busca desse banho de civilização, os filhos da elite iam até a fonte. Na falta de
instituições de ensino que se adequasse a tais anseios, era um hábito entre os membros das
famílias mais ricas do Brasil mandar seus herdeiros bacharelar-se nas universidades
20
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro: Ed.Record, 2000. p.528
européias. A importância que o ensino ganha neste período vai incentivar a criação de
muitas instituições nacionais de ensino que nascem neste contexto.
A partir da segunda metade do século XIX, muitos brasileiros buscaram cumprir a
primeira etapa de sua formação em instituições de ensino brasileira. Filhos de fazendeiros,
grandes comerciantes, burocratas de alto escalão, em geral, tinham seus primeiros passos na
educação gerenciados por tutores dentro de casa. Quando atingiam a idade adequada, se
matriculavam em colégios aristocráticos, tais como, o Pedro II ou Sion.
Mesmo atendendo apenas uma minoria, estes colégios contribuíram para o triunfo
da urbanização no século XIX. Com professores oriundos da Europa (quase sempre
franceses), o objetivo destas instituições era se aproximar ao máximo das premissas do
mundo europeu. Em geral, seguia-se uma doutrina conservadora, humanista e católica.
Nos colégios, além da formação de uma cultura humanística indispensável a um
cavalheiro europeu, os rapazes adquiriam as condições exigidas para quem almejasse um
diploma de bacharel, geralmente em cursos como Direito ou Medicina. Era o caminho
quase obrigatório para aqueles que ambicionavam de alguma forma ocupar uma posição de
destaque dentro da sociedade carioca.
Havia ainda um grupo dentro da elite ainda mais especifico. Eram os privilegiados
que concluíam seus estudos em Paris, Londres, Portugal ou Alemanha. Estes traziam em
suas bagagens muito mais do que um diploma, pois, ao retornarem estavam valorizados
socialmente pelo que simbolizava a educação européia.
Assimilaram valores burgueses e adquiriram um novo estilo de vida, contrários aos
rurais ou mesmo patriarcais que marcavam os brasileiros. A influência desses jovens vai
aumentar muito e vai ajudar a alterar o panorama da sociedade carioca.
Logo estes bacharéis foram ocupando os principais cargos políticos e os mais altos
postos da burocracia estatal. Eram jovens que freqüentaram as principais universidades do
Velho Mundo e que só mais tarde procurariam as instituições de ensino nacionais de
Olinda, Bahia, São Paulo ou Rio de Janeiro.
Foi com uma disposição típica da mocidade, munida com que havia de mais novo
do pensamento inglês ou trajando a última moda francesa que essa juventude de tão
sofisticada não tolerava mais o ambiente brasileiro, sobretudo o agrícola. O retorno
destes bacharéis contribuiu para lançar novos elementos de distinção social e forneceu as
bases da decadência do patriarcado rural. É pelas mãos desses estudantes, uma casta
privilegiada da sociedade formada por doutores e bacharéis que se tem uma das mais
importantes contribuições para introdução dos esportes no Rio de Janeiro.
A contínua transferência de poder da velha aristocracia agrária para a burguesia
urbana, para a qual estes estudantes muito contribuíram, foi um fenômeno que marcou
profundamente o século XIX.
Marcado por transformações substanciais em diferentes setores, como: na economia,
o fortalecimento do comércio, o crescimento das cidades e a ininterrupta diminuição da
escravidão; na política, a concentração de poder migrando dos senhores rurais para o
Estado Imperial; na cultura, o avanço de uma política centralizada na soberania monárquica
que vai procurar censurar ou moderar diversos costumes que não estão de acordo com os
novos valores sociais, ao mesmo tempo, procura refrear o poder dos senhores de engenho e
outros grandes proprietários.
São elementos que contribuem decisivamente para que se desenvolva uma
preponderância da cidade sobre a vida rural, e conseqüentemente o total declínio da
sociedade patriarcal e a ascensão do comércio, da Monarquia e até de um ideal burguês no
Brasil do século XIX.
Com o declínio do Brasil colonial, abre-se uma nova estrutura urbana, marcada por
uma infinidade de idealizações burguesas e pautada na modernidade. Sendo moderno o
conjunto de valores e idéias cosmopolitas e uma série de experiências compartilhada por
homens e mulheres derivadas diretamente de um mundo em constante mudança. Tais
mudanças são caracterizadas por transformações em diversos campos: a industrialização, os
novos conhecimentos científicos, explosão demográfica, as intervenções dos Estados e a
conseqüente expansão urbana, os sistemas de comunicação de massa etc. É neste sentido os
esportes modernos vão ocupar um lugar de destaque na cidade. Justamente por atender aos
anseios de modernidade contido neste novo tipo de sociedade.
21
O advento da modernidade no Rio de Janeiro possibilitou aos cariocas se engajar no
modismo europeu da prática de esportes. No entanto, para seguir o ideal europeu, foi
preciso vencer o forte preconceito em relação a atividades que exigissem qualquer esforço
21
Sobre o conceito de modernidade ver. BERNAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São
Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1986. p18
muscular. Durante todo período colonial, as atividades físicas eram consideradas
degradantes e diretamente associada com a escravidão e aos homens de cor. Evitava-se a
exposição ao sol na busca de uma alvura exemplar. Cabia aos escravos a execução das mais
variadas atividades físicas. Eram eles que carregavam fardos muitas vezes maiores que seu
próprio peso ou pequenos objetos que os senhores se negavam a carregar.
Para que a consolidação dos esportes modernos no Rio de Janeiro se completasse,
não bastava a vitória sobre os preconceitos contra as atividades físicas. Fundamental neste
processo era o desenvolvimento de uma nova percepção em relação aos espaços públicos.
O estado precário das ruas, de porte acanhadas, sempre, sujas e mal cheirosas, ocupadas em
profusão por escravos as tornava desprezível aos olhos da aristocracia rural. Na cidade
colonial eram parcos os espaços destinados a manifestações coletivas E por isso se fazia
imprescindível a intervenção no espaço urbano a fim de que se criassem novos locais para
manifestações coletivas.
Dentro deste panorama, somente as festas religiosas davam alguma vida as ruas,
enchendo-as com gente do povo e membros da elite. Gente que se perfumava e se arrumava
para as procissões.
A implementação dos esportes modernos vai depender da transformação gradual
dessa cidade vigiada e restrita, de poucas ocasiões para sociabilidade ao ar livre, privada de
dinamismo e vida cultural. A passagem para um outro tipo de cidade, de espírito laico e
voltado para o prazer proporcionado pela modernidade, que paulatinamente vai
dessacralizando os espaços públicos, é a chave para o entendimento da adoção dos esportes
como hábito civilizado, principalmente pelas elites.
2.1 Novo esporte: o futebol.
São muitas as versões para os primeiros jogos de futebol da história.
22
Afirma-se
que entre os índios na América praticava-se uma espécie de jogo, onde se chutava uma bola
de borracha. também registro de jogos de chutar bola na China. A modalidade de
22
Sobre as origens do futebol ver:
GALEANO, Eduardo. Futebol. Ao sol e à sombra. Porto Alegre Ed L&PM.1995
futebol da China antiga era praticada por soldados que originalmente chutavam as cabeças
dos adversários. Com o tempo, as cabeças foram substituídas por bolas de couros com fios
de cabelos (a China ainda se orgulha deste pioneirismo). Mas o futebol moderno, como
jogamos nos dias de hoje, é uma invenção tipicamente inglesa.
Na Europa medieval existia uma outra modalidade de futebol, provavelmente
desenvolvida na Itália, denominada “gioco del cálcio”. Esta modalidade era praticada em
praças ou ruas e os 27 jogadores de cada equipe deveriam levar a bola até os dois postes
que ficavam nos dois cantos extremos. Além dos objetivos iniciais, inexistia
completamente qualquer outro tipo de regra, o que fazia com que esta modalidade fosse
extremamente violenta. A prática se estendia ao longo de vários dias, e era comum haver
muitos feridos e até mesmo mortos. Muitos reis tentaram interferir e alguns chegaram a
proibir a prática, como foi o caso de Eduardo II, condenando à prisão os praticantes que
insistissem em jogar apesar de haver entre os entusiastas do jogo membros da nobreza,
inúmeros clérigos e personalidades como Oliver Cromwell. Para os nobres, o cálcio era
considerado um esporte para a plebe e, em geral, se dedicavam a esportes mais refinados,
como a caça e esportes eqüestres.
A partir de 1750 aproximadamente, quando a Inglaterra começou a desenvolver
sua Revolução Industrial, o cálcio disputado na Europa foi se adaptando às ruelas das novas
comunidades urbanas. A Inglaterra vivia sob o impacto de um contínuo desenvolvimento
tecnológico. A luz artificial e o melhoramento dos transportes afetaram também o
desenvolvimento dos esportes. E foram os trilhos que possibilitaram realizar partidas em
âmbito nacional. Foi justamente essa expansão que impulsionou os primeiros movimentos
em prol da regulamentação das regras do jogo.
A direção da homogeneização das regras dos esportes ficou a cargo dos alunos e ex-
alunos das Universidades e Escolas inglesas. No decorrer do século XIX, os educadores
europeus pleitearam a adoção de programas de educação física nas escolas públicas, e
foram amplamente ouvidos pelos legisladores que imediatamente se puseram a aprovar leis
neste sentido. Com isso, os jogos foram adotados pelas escolas como um elemento de
disciplinarização dos jovens. Além, é claro, de manter ocupado o tempo ocioso dos alunos.
Dentro das escolas, os jogos populares, antes democráticos e violentos, realizados
nas ruas das cidades, foram ganhando um novo status. Nessas instituições os jogos foram
se transformando e deram origem a muitos dos esportes modernos. E foi a partir da
assimilação por parte dos alunos das velhas universidades inglesas que jogos como o
futebol deixaram de ser democráticos e passaram a pertencer a um grupo muito específico
da elite européia.
O desenvolvimento dos transportes, como foi dito, possibilitou a realização de
jogos entre essas escolas. Como cada instituição tinha seu próprio modo de jogar futebol foi
necessário desenvolver um conjunto unificado de regras que permitissem a realização
destas partidas. Na década de 1850, um conjunto de regras foi debatido entre as
universidades para criar um único código que possibilitou que as principais universidades
inglesas jogassem entre si.
A principal questão envolvendo os “legisladores” do futebol vitoriano estava no
grau de violência permitida. Afinal de contas o futebol não era para afeminados e era
necessário um certo grau de coragem para participar dos jogos. A contenção da violência
foi uma tarefa muito mais ligada aos ex-alunos depois de iniciarem suas vidas
profissionais atuando no comércio ou como profissionais liberais, saudosos dos esportes
praticados no tempo de faculdade procuraram regulamentar definitivamente as regras.
Eles não podiam mais chegar em casa com braços quebrados ou um olho roxo. Mais
próximo da cultura burguesa, o futebol deixava de ser uma demonstração de virilidade e
transformava-se numa forma de lazer.
Ex-alunos de escolas de mais prestigio como Eton, Harrow e Westminster, em 1863,
fundaram a Football Association, órgão definitivo na organização e padronização do
futebol. Devido ao prestigio que as instituições que estes ex-alunos estavam ligados, eles
puderam – sem arriscar o grau masculinidade – abolir e regulamentar determinadas práticas
(seguindo o modelo estabelecido pelos alunos de Cambridge) como a do Hacking, o chute
na canela, até então permitido. Também determinara a proibição do toque com as mãos e o
numero de jogadores por times, com isso definia bem quem era jogador e espectador,
evitando a balburdia do antigo futebol praticado nas ruas. Tais modificações tinham um
objetivo claro, diminuir a violência física presente nos jogos de futebol, estabelecendo os
graus permissíveis de formas de violência inerente às disputas.
Responsáveis pela padronização das regras, os ex-alunos a todos com o que viria a
se tornar o esporte mais popular do mundo. Também foram eles que criaram o espírito de
um futebol jogado pelo prazer da prática esportiva distante das gratificações monetárias.
Uma postura determinante no amadorismo. O ideal amador criava uma infinidade de
obstáculos para popularização e visava manter os esportes dentro dos círculos restritos de
uma classe social abastada.
Entidade responsável pela unificação das regras do jogo a Football Association
detinha o controle das atividades ligadas ao futebol e em pouco tempo já começava a colher
bons frutos. O futebol deixava paulatinamente o ambiente restrito pelos estudantes e se
popularizava numa velocidade vertiginosa. Não demorou até que outras camadas da
população se desvencilhassem dos obstáculos e adotasse o futebol como forma de lazer.
Contribuindo assim para a transformação do futebol no esporte mais popular da Inglaterra,
principalmente entre o proletariado.
Organizados os primeiros campeonatos, era notório a presença destes o nas
arquibancadas, mas principalmente nos campos. Era inegável a ascendência proletária dos
melhores jogadores dos times ingleses.
O futebol passou a fazer parte de uma certa identidade operária, uma certa cultura
masculina, que era compartilhada após o expediente nas conversas em bares e nas idas aos
estádios. Na rivalidade cada vez maior entre os clubes, responsáveis pelas primeiras
divisões em comunidades antagônicas, como acontecia em grandes cidades com
Manchester e Nottingham.
23
A reboque da expansão econômica e tecnológica da Inglaterra, diversos produtos
culturais desenvolvidos por eles, em especial o futebol, logo se disseminaram pelo mundo.
Levados por trabalhadores especializados que fincavam a bandeira imperialista britânica
em diversos países, ao longo do século XIX. Ao contrário de outros bens, os esportes não
enfrentavam barreiras tarifárias que dificultavam o trânsito comercial do emergente
mercado mundial. Assim, rompiam fronteiras, capitaneados pelos ingleses, responsáveis
pelas maiores inovações dessa área, exportavam suas modalidades com vocabulário, regras
e tudo mais.
Mas não se deve somente ao poderio inglês a disseminação do ideal esportivo.
Havia uma excelente receptividade para os esportes. Nos outros países europeus, onde
23
HOBSBAWN, Eric J. Mundos do Trabalho. Novos estudos sobre História operária. Rio de Janeiro. Ed.
Paz e Terra. 2000. pp 288-289
havia o apego maior aos exercícios e a uma cultura do corpo, os esportes se adequavam
perfeitamente. Além de se enquadrarem num certo ideal burguês, onde se pregava a carreira
aberta aos mais talentosos, os esportes abriam as cortinas de um teatro para reafirmar que
somente por mérito se consagrariam os campeões.
Bem antes de se chegar ao século XX, os praticantes de diversas modalidades
esportivas já utilizavam campos com os mesmos tamanhos, entravam com as mesmas
quantidades de atletas por times, com redes, cestas e balizas com as mesmas configurações.
E como em outras áreas, os esportes produziam suas estrelas pela qual a massa pudesse
suspirar.
A grande velocidade em que países como França, Dinamarca, Alemanha ou Rússia
adotava o futebol como prática cotidiana aumentou consideravelmente a partir da década de
1880. Sempre girando ao redor de alguma comunidade escocesa ou inglesa, diversos clubes
foram surgindo. A rapidez dessa difusão levou a criação, em 1886, da maior entidade
responsável por gerir o futebol mundial a Football Association Board (FIFA).
Mas diferentemente do que acontecia na Inglaterra. O futebol ao redor do mundo
manteve inicialmente uma áurea aristocrática muito distante da identidade proletária.
Permanecendo por muito tempo restrito aos jovens letrados e os mais diversos funcionários
especializados das indústrias, sempre reproduzindo os hábitos ingleses ou escoceses,
caracterizando-se como um símbolo de distinção. Limitando-se às instituições de ensino
européias, de onde saíram a maioria dos clubes, o jogo tomava um rumo muito diferente do
estágio encontrado em seu pais de origem.
Foi a partir desta atmosfera elitista que o futebol foi exportado para América do Sul.
Duas maneiras de exportação são mais freqüentes neste processo. A primeira se caracteriza
pela especialização da Inglaterra na difusão de capitais e tecnologia para os mais diversos
países, representados no continente pela mão de obra especializada que se transferia para
gerir as emergentes indústrias e na grande difusão e influência que a cultura trazida por eles
obteve. A segunda estava nos filhos das mais abastadas famílias brasileiras que buscavam
na Europa a educação especializada que inexistia no Brasil. Desta maneira, pode-se afirmar
que a difusão do futebol expressa uma das faces do conhecido imperialismo britânico.
Exatamente neste contexto que o Brasil se insere. Os esportes vieram na esteira de
um processo de reeuropeização que marcou o final do século XIX. Sobre os primeiros
chutes e gols em território nacional, é muito pouco citada a participação dos religiosos na
introdução do jogo em terras brasileiras. E neste sentido, alguns colégios do interior de São
Paulo se destacaram, como é o caso do colégio jesuítico São Luiz, localizado na cidade de
Itu, a cerca de 70 km da capital.
24
No apagar das luzes do século XIX, iniciava-se um importante debate sobre como
melhorar o insuficiente sistema educacional brasileiro.Em meio às discussões destaca-se a
figura, do então deputado pelo Partido Liberal, Rui Barbosa. A educação brasileira neste
período se encontrava numa situação de verdadeira Idade das Trevas. De acordo com
recenseamento de 1872, apenas 15% da população brasileira era alfabetizada. Estudante no
Brasil fazia parte de uma elite muito restrita, mesmo quando se tratavam instituições
públicas.
Em seus pareceres sobre a reforma do ensino primário e das instituições
complementares de instrução pública, que datam de 1882, aparecem as primeiras
referências a introdução de atividades esportivas e exercícios livres nas escolas. A função
pretendida pelos esportes na educação era a de disciplinar e também de se obter uma
formação do caráter, formulando a pedagogia que unia corpo e mente.
Esta iniciativa estava bem de acordo com o pensamento em voga entre os melhores
educadores europeus. A nova concepção na educação tinha que se adequar à nova realidade
mundial, um dos seus objetivos era preparar o aluno para as transformações materiais e
culturais da era da industrialização que se prenunciava. Corporificava todo um plano
político, de promoção da economia, da fundamentação da ordem interna e de segurança
externa, por influência da escola.
Quanto ao sexo masculino, porém, a vossa comissão teve
que ir mais longe, acrescentando a ginástica e exercícios militares.
Ninguém nutre menos a tendência de militarização e guerra do que
nós. Mas a precisão, a decisão e a energia dos movimentos
militares constituem, a par de um excelente meio de cultivo das
24
Sobre a introdução do futebol em colégios de jesuítas ver.
NETO, José Moraes dos Santos. Visão do jogo. Primórdios do futebol no Brasil. São Paulo. Ed.
Cosac&Naify, 2002
forças corpóreas, um dos mais eficazes fatores na educação do
caráter viril.
25
Rui Barbosa reproduzia um ideal europeu ao associar as práticas esportivas aos
preparativos militares. Vincular a aptidão física aos atributos necessários a um bom soldado
descortinava o papel relevante que os esportes cumpririam no processo educacional. Era
fundamental para que o cidadão desenvolvesse um maior senso de honra, além da
organização necessária para se alcançar objetivos traçados. Os esportivos tinham maior
autocontrole, que tinham que conter suas descargas violentas. Essas qualidades os
capacitavam a vencer com maior facilidade os possíveis obstáculos que a vida lhes
proporcionasse. Portanto, Rui Barbosa ao visar uma maior harmonia entre os músculos e a
mente tornou-se um dos pioneiros da defesa dos esportes como elemento civilizatório no
Brasil.
Atrás desse ideal traçado pelo nobre deputado, as melhores instituições de ensino do
país mandaram para Europa seus educadores. saíram em busca de modalidades que
melhor se adequassem aos estudantes brasileiros, e pela primeira vez possibilitaram um
contato com o futebol. Com alunos da elite de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram nos
pátios dos Colégios São Luis e Anchieta (em Friburgo) e Vicente de Paula (Petrópolis) os
locais onde se deram os primeiros chutes em bola no Brasil, possivelmente com a inusitada
participação de padres de batinas a correr lado a lado com os seus alunos.
26
Um certo padre Manuel Gonzáles, do Vicente de Paula é apontado por Anatol
Ronsenfeld como o primeiro a costurar uma bola de couro para que seus alunos pudessem
jogar.
27
Há também referências a um tal Antonio Casemiro da Costa, um entusiasta do jogo,
responsável pela introdução das categorias infantis. Foi também quem convenceu um
sapateiro a produzir as primeiras bolas para serem comercializada no Brasil.
28
O futebol praticado pelos religiosos nos colégios brasileiro estava muito distante do
futebol jogado nos dias de hoje. Conhecido nos colégios paulistas de “bate bolão” o jogo
25
BARBOSA, Rui. Obras completas. Rio de Janeiro. Fundação Casa de Rui Barbosa, volume 10,
Tomo II p. 91.
26
MÉRCIO, Roberto. A História dos Campeonatos Cariocas de futebol 1906-1994. Rio de JaneiroEd.
Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. 1994.
27
ROSENFELD, Anatol. O futebol no Brasil. In: Revista Argumento, nº 4. Rio de Janeiro Ed. Paz e Terra,
1973.
28
NETO, José Moraes dos Santos. Op. Cit. p. 47.
consistia na divisão de dois times com número indeterminado de participantes. E o objetivo
era levar a bola até uma marca na parede do adversário.
Vale lembrar que os religiosos foram os pioneiros na introdução do jogo em outros
diversos lugares da Europa. Como foram os casos, do Colégio Jesuíta de Utrecht, na
Holanda, e os times Celtic e Rangers uma das maiores rivalidades na Escócia e também em
Colégios da Itália. Como fomentadora das práticas esportivas, a Igreja era favorecida pela
sua força ideológica e também pelos abundantes terrenos disponíveis sob sua
administração.
O ano de 1894 é apontado quase com unanimidade, por jornalistas, estudiosos do
tema, historiadores e todos aqueles ligados à formação da memória do futebol brasileiro,
como o de introdução do futebol no país. Mesmo com informações sobre jogos disputados
por marinheiros ingleses nas praias e portos brasileiros, entre empregados das Companhias
inglesas atuantes no Rio e São Paulo. Ou então, as peladas no interior dos colégios
religiosos. Deve-se a Charles Miller a primazia do jogo em terras brasileiras.
No caes de Santos, solemne, como se fosse para uma
missa, meu pae esperava que eu desembarcasse com o clássico
canudo do diploma. Mas, es que, salto-lhe à frente com duas bolas
de futebol, uma em cada mão... O velho, surpreso, indaga:
__ Que é isto, Charles?
__ O meu diploma _ respondo.
__ Como?
__ Yes! Your son has graduated in football...
Temperamento alegre, o velho riu-se do bluff. Estava salva
a pátria...
29
Não é possível saber se de fato houve ou não tal diálogo entre pai e filho que
retornava da Inglaterra. Mas foi assim que Charles Miller descreveu sua chegada em São
Paulo em outubro de 1894. E foi justamente este desembarque, que os memorialistas do
futebol, escolheram como evento inaugural dessa atividade. Foi o retorno de Miller com
29
Entrevista de Charles Miller: O Imparcial, 21/10/1927.
duas bolas de futebol, um par de chuteiras, uma bomba e um livro de regras, e não a
fundação de um clube ou mesmo a realização de uma partida que marca a data de
comemoração do aniversário do futebol brasileiro.
30
A primazia deu a Charles Miller um espaço de honra no panteão dos heróis do
esporte nacional. E como tal, não é de se estranhar que ele tenha se sentido a vontade para
descrever sua volta ao lar em termos tão espalhafatosos. Usando palavras em inglês para
justificar ao pai porque as bolas eram um diploma, reforçam a características culturais
britânicas intrínsecas aos membros da elite brasileira.
E Charles Miller era um típico membro desta elite. Nascido no dia 24 de novembro
de 1874, no bairro do Brás, em São Paulo, capital. Segundo filho de Carlota Alexandra
Fox, descendente direta de ingleses e John Miller, um engenheiro escocês. Como tantos
outros John Miller, veio para o Brasil ocupar um importante cargo numa empresa de capital
estrangeiro, a São Paulo Railway Company. Financiada pelos ingleses esta empresa foi
pioneira na construção de estradas de ferro para transportar café da região de Jundiaí para o
porto de Santos, que se tornava um dos principais portos do Brasil. O desenvolvimento das
lavouras cafeeiras e o desenvolvimento urbano de São Paulo fizeram exigir uma maior
demanda de mão de obra especializada vinda da Europa.
Aos nove anos de idade, como bom membro da elite brasileira, foi mandado para
um internato na Inglaterra onde obteve sua formação educacional. Ali também se deu o
primeiro contato do menino com uma bola de futebol. Dentro de um colégio inglês tornou-
se um entusiasta do futebol descrito por quem o viu jogar, como um atacante de baixa
estatura, veloz, bom driblador e dono de um forte chute.
Na Inglaterra recebeu o apelido de Niper (alguma coisa como “pirralho”), e foi bem
sucedido como jogador. Defendeu as cores Banister Court School, do Corinthian Football
Club, St. Mary’s Footbal Club (atual Southamption Football club) e também a seleção de
Hampshire.
31
Logo ao chegar ao Brasil, certamente Charles Miller sentiu falta da prática de seu
esporte preferido. A exemplo de outros membros da elite paulistana logo se associaria ao
30
Sobre a trajetória de Charles Miller ver:
HAMILTON, Aidan. Um jogo inteiramente diferente! Futebol: A maestria brasileira de um
Legado britânico. Rio de Janeiro. Ed. Gryphus, 2001.
31
Idem, p.18
aristocrático São Paulo Athletic Club (SPAC). No seleto clube, restou a Miller praticar
outro esporte típico dos britânicos, o críquete, mais comum entre os membros do SPAC.
Possivelmente sua performance nessa modalidade nem se comparava aos seus feitos no
futebol, mas é sabido que Miller era também era adepto do críquete.
A exemplo dos ex-alunos ingleses, Miller assumiu a tarefa de convencer seus
colegas de clube (e também os funcionários ingleses da São Paulo Railway, London Banks
e da São Paulo Gás Company) a adotarem o futebol como nova modalidade esportiva.
Levar o novo esporte do interior dos colégios europeus para dentro dos clubes
freqüentados por sua classe social. Aliás, os colégios passaram a formar os bons jogadores
que passariam a integrar os times de clubes como SPAC, o Germânia entre outros. Como
um formidável currículo no futebol inglês, Charles Miller passava a segurança necessária
para quem estava disposto a organizar o futebol na cidade.
Reunindo a nata da sociedade paulistana, os jogos, treinos e reuniões se limitavam
aos membros desta elite. Se outros grupos sociais assistiram a tais eventos certamente foi
por mero acaso. Não se deve creditar a Charles Miller a popularização do futebol, sua
importância esta mais na adoção desta modalidade dentro de seu próprio grupo social.
Podemos concluir, que a participação de Miller na introdução do futebol no Brasil
se restringe ao estimulo que ele deu a prática deste esporte dentro dos clubes. Tirando a
exclusividade dos colégios, ele fomentou uma prática de caráter mais competitiva entre os
clubes.
Deixando a característica recreativa das escolas, o futebol passou a chamar atenção
da imprensa.Este fato possivelmente pode ter reforçado o mito em torno de Charles Miller,
como pai do futebol brasileiro. Contribui também, a organização de alguns arquivos destes
clubes e a força destes grupos dominantes como inventores de tradições.
Com o aumento da competitividade, o jogo ganhou em dinâmica, tornou-se
fundamental o pleno conhecimento das regras e elevou-se o futebol a posição de um dos
esportes preferidos da elite paulistana. Porém, tanto nas escolas quanto nos clubes os
entusiastas do jogo pertenciam à mesma elite dominante do Brasil.
História muito semelhante viveu o introdutor do futebol em terras cariocas. Em
1897, o jovem Oscar Cox, retornava da Europa, onde tinha ido, como a maioria dos
endinheirados brasileiros, completar seus estudos. Durante o tempo em que freqüentou o
Colégio de La Ville, na cidade suíça de Lausanne, travou seus primeiro contatos com o
esporte organizado. Acompanhou de perto as competições atléticas entre as instituições de
ensino e acabou conhecendo o futebol.
Como a febre do futebol havia se instaurado em toda a Europa, Cox em meio a
estudantes das mais diversas nacionalidades, não ficou indiferente ao novo esporte, e logo
ele próprio era um dos maiores entusiastas da nova modalidade esportiva.
A exemplo Charles Miller seu alter ego paulista, ao regressar ao Rio de Janeiro, não
colocaria de lado os hábitos adquiridos na Europa. Com uma bola de futebol e um livro de
regras da Football Association, Oscar Cox logo que pôs os pés em terra firme entrou em
ação. Conversando com amigos, tentava convencê-los a praticar um esporte seguramente
muito estranho aos olhos dos cariocas, mais familiarizados com o remo, as corridas de
cavalos e o críquete. Aliás, entre os ingleses residentes na cidade o críquete era a atividade
esportiva predileta, e com toda certeza seria muito difícil que os ingleses o substituísse por
uma nova modalidade.
Como um bom ex-aluno das instituições européias, logo ele passou a agitar boa
parte da rica juventude estudantil, organizando treinos e jogos e convencendo-os a praticar
esta nova modalidade esportiva. Foi pelos olhos desta juventude que Oscar Cox se tornou o
grande responsável pela introdução do futebol moderno, nos moldes inglês, na cidade do
Rio de Janeiro.
Certamente os rapazes que atenderam aos primeiros chamados para os campos,
deram os primeiros chutes e marcaram os primeiros gols, jamais sonhariam com as
proporções e a imensa importância que este jogo futuramente viria ter neste país. Para
grande maioria deles era apenas mais um modismo passageiro a preencher suas horas de
lazer.
muitas semelhanças nas trajetórias de Cox e Miller. Ambos jovens, nascidos no
Brasil, mas com descendência européia. Os dois buscaram na Europa as bases de sua
educação e de lá trouxeram novos costumes e tradições. Biografias tão parecidas o
responsáveis pela perpetuação de uma certa memória do futebol. De acordo com esses
memorialistas, os primeiros anos do futebol brasileiro foram marcados e controlados pelas
elites, permitido somente aos membros das ricas famílias brasileiras.
Como se Charles Miller e Oscar Cox tivessem colocado o jogo dentro de um grande
caldeirão na qual somente eles e seus pares pudessem mexer. E desta mistura esperava-se a
consolidação de um ideal de civilização para recém-instaurada Republica brasileira,
totalmente baseada numa cultura importada da Europa.
É inegável a importância de jovens como Cox e Miller e seu seleto grupo de rapazes
ricos para os primeiros passos do futebol brasileiro, e sua conseqüente difusão. Mesmo com
participação determinante, havia um contexto mais amplo, dentro do qual o futebol se
expandiu e se popularizou. Muito mais rápido do que poderia imaginar seus maiores
defensores, o futebol caiu nas graças da população. E muito cedo o caldo mexido dentro do
caldeirão elitista entornou.
2.2 Chutes, gols, clubes e civilização.
Como mais um dos estrangeirismos que ocupavam o cotidiano dos rapazes e moças
de boas famílias, o futebol fornecia mais uma das credenciais para este refinado mundo.
Mesmo sem conseguir uma definição clara dos significados daquele jogo, os
contemporâneos de Cox podiam perfeitamente considerar um passatempo violento e
estranho. Nosso pioneiro pode ser considerado um verdadeiro vencedor, em sua batalha
para introduzir o futebol entre seus pares. No entanto, a irresistível atração que a bola
exercia não é suficiente para explicar tal vitória. Essa explicação pode ser encontrada nos
significados que o jogo de bola tinha para a elite brasileira.
Seguindo os passos dos muitos descendentes de europeus, assim que retornou da
Suíça, Oscar Cox se filiou a um dos clubes fundados pelas colônias britânicas do Rio de
Janeiro, o Payssandu Cricket Club. formou os primeiros times e realizou as primeiras
experiências. Mas era preciso mais, havia uma necessidade de tornar o futebol uma
atividade independente, capaz de extrapolar os muros dos clubes e assim deixar de ser mais
um dos divertimentos interno restritos somente aqueles distintos sócios.
Como parte deste espírito de luta pela independência do futebol, do empenho de
Oscar Cox em criar uma ambiência competitiva para seu esporte predileto. Organizou-se
uma partida reunindo os jovens brasileiros contra os ingleses, sócios do aristocrático Rio
Cricket and Athletic Association, mais um clube fundado pela colônia inglesa, localizado
em Niterói.
Para aumentar a notoriedade do fato, Cox esforçou-se para que o evento tivesse a
maior divulgação possível, para isso buscou ajuda na imprensa para anunciar o evento. E
pela primeira vez se noticiava a disputa de um jogo de futebol no Rio de Janeiro,
certamente um grande triunfo, no projeto de disseminação da prática entre a elite do Rio de
Janeiro.
O Correio da Manhã, um dos mais importantes jornais da época, abria, pela
primeira vez, espaço para incluir em suas páginas uma partida de futebol. Tratava-se de
uma pequena nota, escrita pelo jornalista Frederico Cardozo de Menezes, que se preocupou
em fazer uma sutil promoção da partida.
No vasto campo do The Rio Cricket em Icarahy, realiza-se
hoje, pela primeira vez no Rio de Janeiro, uma partida de football.
O jogo principiará às 8 horas da manhã, sendo dois os partidos
com as denominações de Brasil X Inglaterra. O enthusiasmo é
grande, palpitamos pela vitória do primeiro dos bandos.
32
Aparentemente entusiasmado com o jogo, o cronista deixa claro sua torcida pela
vitória do time brasileiro. Não tão entusiasmada estava a torcida. Aquele que seria o marco
inicial de uma paixão de multidões, fenômeno que quarenta e nove anos adiante, nesta
mesma cidade, levariam mais de cem mil pessoas a lotarem um estádio numa final de Copa
do Mundo.
Quinze pessoas - onze tenistas que por acaso estavam no local, Mário Rocha e
Domingos Moitinho amigos dos jogadores; o pai e a ir de Victor Etchegaray
formavam a minguada assistência daquela partida histórica para o futebol do Rio de
Janeiro.
O futebol realmente era uma novidade com pouca importância no universo
esportivo carioca. O dia seguinte àquela importante partida da história do futebol carioca,
os principais jornais se dedicaram exclusivamente ao turfe. O único cronista que se dispôs a
publicar alguma coisa, ainda informou:
A concorrência de espectadores foi seleta, se
encontrando os representantes do Brasil Athletico, Semana
Sportiva, Correio do Sport, Brasil Náutico e desta folha que se
confessa penhorada pelo acúmulo de gentilezas recebidas dos
sócios do Club.
33
Mesmo com outros jornalistas presentes, somente três dias após a realização do
jogo, novamente um único jornal, o Correio da Manhã, dedica quatro parágrafos ao evento.
Neles informa o resultado, faz elogios a Oscar Cox, informa o juiz e os autores dos gols, no
caso: Cawood Robinson abriu o placar para os ingleses e Julio Moraes que com rapidez
conseguiu metter a bola no goal, dando aos brasileiros um ponto
34
.
O resultado também não foi o dos mais empolgantes. Depois de dois tempos de
vinte minutos, com quinze de intervalo, o empate em um a um marcou o embate entre os
jovens brasileiro e os ingleses de Niterói. Nenhum outro resultado poderia ser pior para os
planos de afirmação do futebol carioca. Acostumadas a esporte onde obrigatoriamente se
teria um vencedor como o remo e as corridas de cavalos, o empate o fazia parte da idéia
de esporte presente até então. Era difícil acostumar-se com uma disputa sem que houvesse
um ganhador.
Clyto Portela, Walter Schuback e Max Naegaly, com seus nomes estrangeiros de
difícil pronúncia para maioria dos brasileiros, eram alguns dos jogadores formadores da
equipe carioca. Todos se reuniriam novamente para a prova dos noves. Desta vez, no
campo do Payssandu Cricket Club, no Rio. O solícito cronista fecha sua matéria
promovendo este novo encontro, onde se repetiria o empate.
Oscar Cox sabia da importância da presença de jornalistas para afirmação do
futebol. Por isso insistiu para que eles divulgassem a partida seguinte ao primeiro
empate.Chegando mesmo a mandar um convite a eles.
32
Ver. Correio da Manhã. 22/09/1901. p.03. Seção: Sport. Título: “Uma pequena nota: Football”.
33
Idem.
34
Ver. Correio da Manhã. 25/09/1901. p.03. Seção: Sport
Do sr Oscar Cox capitão do bando do Brasil na peleja que
se realizará sábado, 12 do corrente às 4 ½ horas da tarde, no campo
de cricket, de Payssandu, com o bando da Inglaterra, recebemos
hontem delicado convite para assistir ao match deste interessante
jogo. Agradecidos e lá estaremos.
35
Nada mais estranho. Os três primeiros jogos terminaram com resultados
incompreensíveis aos olhos dos formadores de opinião. O jornalista do único jornal que se
prestou a cobrir o evento, não retornaria ao quarto jogo. O novo esporte da mocidade mais
afeita as modas importadas da Europa, nitidamente representava uma inexplicável prática
para grande maioria da população carioca. Seria necessário muito esforço para a mudança
deste quadro.
Por mais adaptado aos modismos europeus, ainda seria preciso alguns jogos para
uma afirmação mais efetiva da nova modalidade entre os endinheirados da elite carioca.
Ainda assim o Rio de Janeiro vivia quase de maneira contemporânea um movimento que se
expandia por diversas partes do mundo. O futebol era quase uma febre mundial, e já
encontrava adeptos em diversos países, inclusive na América do Sul.
Era muito mais do que um jogo. Expressava uma busca por civilização pautada em
práticas culturais européias. Por isso o materiais como chuteiras, uniformes e bolas
eram importados. Era um estilo de vida que se copiava, que estava embutido no futebol,
por isso era reproduzido com vocabulário e tudo.
Captain capitão; center-forward centroavante; center-
half centro-médio; corner escanteio; footballer jogador de
futebol; forward atacantes; foul falta; free-Kick tiro livre;
full-back (ou back) – zagueiro; goal-keeper – goleiro; gound
campo; half-back (half) médio; half-time intervalo; inside-
forward meia; inside-left meia esquerda; inside-right meia
direita; left-back zagueiro esquerdo; left-half médio esquerdo;
left-wing( ou outside-left) ponta esquerda; linesman
35
Ver. Correio da Manhã. 9/10/1901. p.04. Seção: Sport
bandeirinha; match jogo; off-side impedimento; referee
árbitro; right-back zagueiro-direito; right-half médio-direito;
right-wing – ponta-direita; scratch – selecionado; team – time;
wing – ala; winger – ponteiro; yard – jarda.
Era um produto importado, e como tal, vinha com seu idioma de origem. Enquanto
não se popularizasse, permanecendo sem tradução, quem quisesse desfrutar do novo
modismo tinha que conviver com essa infinidade de termos de língua inglesa. E o universo
das notícias de jornal dos primeiros anos do futebol seguia a risca esta regra, reproduzindo
e difundindo tal vocabulário.
Portanto, é bem compreensível que o futebol fosse uma prática pertencente ao
restrito universo das elites, pelo menos, era assim que pretendiam os primeiros difusores e
formadores de opinião vinculados a este esporte. Talvez estes estrangeirismos levassem a
dificuldades de compreensão das regras e do aspecto do jogo. Justificando até que um
jornalista chamasse a nova modalidade e “boof-ball” e de “foat-boal”.
36
Com tantas palavras em inglês é natural a dificuldade de se familiarizar com o novo
esporte. E conhecer com precisão as regras, técnicas e as táticas do jogo, era um claro sinal
de distinção. Limitado aos poucos brasileiros que tinham a oportunidade de estudar na
Europa. Era justamente o futebol jogado de acordo com as regras oficiais inglesas o fator
determinante para a diferenciação do futebol jogado pelos membros da elite daquele
praticado nos colégios religiosos e na região do cais.
Entre a elite carioca e nos limites dos clubes ingleses o futebol tornara-se uma
verdadeira exaltação da cultura britânica. Portanto era chique comemorar as vitórias com
whisky, nos bares ingleses a beira do campo. Antes de se construir os campos era comum
construir o bar
37
.
Nesses bares os jogadores gritavam palavras de ordem como for he’s a jolly good
fellow”. Tais confraternizações também ocorriam em cafés como o Cantante Guarda Velha,
na rua Senador Dantas.
38
A principal explicação para a forte atração do futebol entre os
36
Ver. O Paíz. 16/08/1904
37
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil.
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro. Ed. Mauad. 2003. p.31
38
AUGUSTO, Sérgio. Botafogo. Entre o céu e o inferno. Rio de Janeiro. Ed. Ediouro.2004. p.71
membros da elite carioca estava no caráter cosmopolita presente no jogo e desejada por
essa juventude.
Os laços com os britânicos não se limitavam somente ao vocabulário e as regras do
jogo. Havia também uma enorme dependência material dos praticantes em relação aos
apetrechos e uniformes para o jogo, a maioria absoluta vinha diretamente da Europa.
Muitos produtos já podiam ser fabricados em industrias nacionais como a Companhia
Progresso Industrial, que forneceriam os uniformes vermelho e branco do seu clube. Mas
usar material importado dava o status pretendido pelos novos entusiastas do jogo, mesmo
sendo infinitamente mais cara. O primeiro uniforme do Fluminense, importado, cinza e
branco, muito caro. Oscar Cox chegou a viajar para Londres e percorreu diversas casas de
tecidos em busca das cores originais dos primeiros uniformes. Sem sucesso nessa busca, o
Fluminense se viu obrigado a organizar uma reunião para votar as novas cores do clube. O
verde, branco e o grená.
39
Eram estreitos laços que uniam a elite carioca e os hábitos da cultura britânica.
Unido muitas vezes não reproduziam práticas típicas da Inglaterra, como por vezes,
realizavam confraternizações em datas comemorativas inglesas. Relevante foi a grande
festa compartilhada por britânicos e brasileiros no dia da coroação do rei Eduardo VII.
Para celebrar a coroação do rei Eduardo VII realisou
hontem a colônia ingleza desta capital, no campo do Rio Cricket
and Athletic Association de Icarahy, uma imponente festa que
saudosas recordações deixou em todos aquelles que tiveram a
felicidade de assistir.
A diversão constou de corridas pedestres, de bicycles,
obstáculos e um match de foot-ball, disputado por um team desta
capital contra o de Nictheroy.
40
39
NETTO, Paulo Coelho. História do Fluminense. Rio de Janeiro.
40
Ver Gazeta de Notícias. 16/09/1902
A partida de futebol entre os ingleses sócios do clube e jogadores brasileiros de
Niterói foi o ponto alto da comemoração. A partida foi vencida pelos ingleses e, de acordo
com o cronista, ovacionada pela platéia. Festa como essa tinha que ter sido realizada no Rio
Cricket o mais inglês dos clubes cariocas, segundo Mário Filho o mais fechado dos clubes
ingleses
41
.
Em São Paulo não era diferente, o local de desenvolvimento do futebol entre eles
também estava restrito aos sofisticados clubes de origem inglesa. Talvez por ter um maior
fluxo de imigração, entre os paulistas houve um progresso bem maior do que entre os
cariocas. Para manter aceso o nascente interesse pelo futebol no Rio de Janeiro, Oscar Cox
imaginou uma partida contra seus vizinhos paulistas.
Realizado no dia dezenove de outubro de 1901, o primeiro confronto entre paulistas
e cariocas se deu no campo do São Paulo Athletic Club. O futuro traria uma grande
dimensão a esta partida, afinal, encontravam-se em lados opostos Charles Miller e Oscar
Cox, os ditos introdutores do futebol em São Paulo e no Rio, respectivamente. A ótima
assistência a este confronto histórico teve que acordar bem cedo, como informam os
jornalistas que escreveram sobre o jogo, o evento teve início às quatro e cinqüenta e cinco
da manhã.
42
Sob os olhos de uma platéia very selected, numerosíssima , destacando-se gentis
senhoritas que davam a nota alegre à festa” , o time do Rio de Janeiro surpreendeu os
paulistas “num admirável jogo de combinação”
43
, empatando as duas partidas. Após os
jogos, um jantar íntimo foi oferecido pelos anfitriões. E novamente brindes homenagens
foram feitas ao rei da Inglaterra Eduardo VII.
O resultado da primeira partida entre cariocas e paulistas foi transmitida para o Rio
de Janeiro, pela agencia telegráfica Havas. O bom desempenho do time comandado por
Oscar Cox chamou outra vez a atenção de expressivos jornais cariocas, como o Jornal do
Brasil. Tendo suas qualidades técnicas exaltadas pelos jornalistas, Cox e seu time se
sentiram estimulado a retornar a capital paulista no ano seguinte para um novo embate. Era
41
FILHO, Mário. Op.cit. p.30
42
Ver Jornal. Comercio de São Paulo 21/10/1901.
43
Idem.
um excelente impulso a favor da construção do modelo de futebol controlado por esta
elite.
44
Em reunião havida na sede do club Natação e Regatas,
ficou resolvida a fundação do Rio Foot-ball Club
Na mesma reunião em que serviu de presidente o sr.
Armando Cerqueira o secretário o sr. Emilio Rocha Lima, foi eleita
a seguinte diretoria, presidente Raul Brandão. O Club informa que
vai adquirir um terreno na rua d. Marianna.
45
Era um momento de muita empolgação, dos onze rapazes responsáveis pela
primeira partida “oficial” contra os ingleses. Eles acabavam de retornar de outra bem
sucedida excursão a São Paulo. Mesmo derrotados, a excursão foi muito bem do ponto de
vista promocional. No Rio de Janeiro, um novo clube era fundado. Chamava-se Rio Foot-
ball Club e era inteiramente dedicado ao futebol. A fundação deste clube seria o empurrão
que faltava. Dispostos a comandar as diretrizes do futebol carioca, eles vão além de um
simples interesse pelo jogo. Vão fazer mais do que praticá-lo esporadicamente, como forma
de lazer. Tomando as rédeas do processo de organização do futebol, Oscar Cox e
companhia vão seguir o exemplo, e fundar seu próprio clube.
No dia 21 de julho de 1902, reunidos na residência de Horacio da Costa dos Santos,
na rua Marquês de Abrantes número 51, vinte rapazes atendem ao convite de Oscar Cox
para uma reunião em defesa da criação de um novo clube. Ali estavam lançadas as bases do
Fluminense foot-ball. Após a fundação, os jovens esportistas trataram logo de conseguir
um terreno para o incremento do jogo. Este primeiro campo do Fluminense se localizava na
Rua Guanabara.
Seguindo os moldes dos clubes ingleses, no qual a maioria daqueles rapazes tinha
amplo acesso, o Fluminense concentrava a fina flor da sociedade carioca. Mas em um
ponto fundamental ele se diferenciava de seu modelo de inspiração. O novo clube era
44
A história Ilustrada do futebol brasileiro.
45
Ver. Correio da Manhã 25/07/1902
dirigido e formado por um quadro com a maioria de brasileiros. Rapazes em busca de um
espaço onde pudessem exercer modismos esportivos apreendidos em escolas européias.
O Fluminense representava mais um importante passo de Oscar Cox na
concretização do futebol carioca. Criava-se ali um local exclusivista, restrito ao pequeno
círculo da juventude educada do Rio de Janeiro. Também um foco de atração de jovens
recém regressos da Europa e entusiastas do futebol. Formava-se, então mais um poderoso
canal de difusão da febre mundial do futebol.
Em outubro de 1902, o Fluminense possuía seu próprio campo, alugado junto ao
Banco da Republica numa chácara na Rua Guanabara. Depois de muita discussão sobre o
local onde deveria ser instalado seu ground”, pois a diretoria tinha planos de alugar um
caro terreno na Rua D. Marianna, em Botafogo. em 1905, Eduardo Guinle compra a
chácara do Banco da República, e constrói a primeira arquibancada em campos do Rio
de Janeiro.
46
Muito em breve, esta mesma arquibancada seria amplamente ocupada. Daí então,
seria parte do programa de final de semana, das mais ilustres famílias cariocas assistir aos
matches. Disputado pelos rapazes que defendiam o escudo do clube trajando de maneira
irretocável um uniforme importado cinza e branco. Bem arrumados, os jogadores se
apresentavam diante de uma platéia não muito numerosa, mas muito requintada.
Era sempre uma elegante platéia a assistir os jogos, ternos bem alinhados e os mais
belos chapéus enfeitavam as arquibancadas. Mas os jogadores não ficavam atrás, os
uniformes eram impecavelmente bem passados, cabelos e bigodes bem aparados. Os
campos onde eram disputados esses jogos iam se transformando num perfeito espaço de
sociabilidade, onde se podia ver e ser vistos. Por isso tanto capricho nas indumentárias que
compunham cenário e imprimia uma áurea de refinamento àqueles envolvidos com o jogo.
Prova maior da intensa força de atração do Fluminense, foi a grande festa de
comemoração do primeiro aniversario do clube. Realizado em sua sede, na rua Guanabara,
onde cerca de trinta jovens ergueram um brinde aos sucessos alcançados pela nova
agremiação. Na ocasião já contava com cerca de 130 associados.
46
NAPOLEÃO, Antonio Carlos. Fluminense Football Club: histórias, conquistas e glórias no futebol. Rio
Janeiro. Ed. Mauad, 2003. p.08.
Muito mais do que a consolidação do jogo entre estes rapazes endinheirados, a
fundação do clube daria a Cox e seus pares maior status para controlar e ditar as regras de
um modelo determinado de futebol. Ordenando a prática do jogo, restringindo o acesso a
tais agremiações.
Cox criava artifícios para domesticar o jogo e assim impedir uma desenfreada
apropriação dessa modalidade esportiva fora de seu círculo social. Desta maneira, buscava-
se evitar a possíveis admiradores dos marinheiros ingleses que jogavam no cais do porto
pudessem participar da prática ou mesmo da organização do futebol. Na verdade, tratava-se
da defesa de um ideal de civilização intrínseco ao jogo desenvolvido pela burguesia
carioca.
Podemos então concluir, que o mérito mais relevante de Oscar Cox e Charles Miller
na história do futebol brasileiro não reside simplesmente na sua introdução por estas terras.
Eles verdadeiramente vão fazer o que Nobert Elias denomina de “parlamentarização”
47
do
futebol, ao se apropriar da organização e manter o dito futebol “oficial” restrito a seus
pares, dentro de um círculo social muito bem definido.
As regras regiam a prática do futebol, funcionavam como uma espécie de verniz,
que dificultavam a apropriação por parte de setores mais populares da sociedade. Estas
regras definiam o futebol como um produto típico da burguesia. Um modismo elegante
onde estava apto a fazer parte dele quem possuísse um perfil definido pelos próprios
participantes. O principal elemento de diferenciação no processo de introdução do futebol
era o seu caráter tipicamente inglês.
A definição deste caráter passava pelo pleno conhecimento das regras desses
esportes, todos traziam e evidenciavam um traço bem peculiar da cultura britânica. Desta
maneira, o aprendizado do estilo, das posturas em campo, da formação e posicionamento
dos times e principalmente das regras do jogo, era um estratagema definidor do perfil dos
credenciados a praticar o futebol no Rio de Janeiro. Somente com o pleno domínio destes
artifícios poderíamos considerar o futebol como um esporte moderno na cidade.
Completamente diferente daquele que ainda era praticado no porto, sob influencia direta
dos marinheiros ingleses. Onde inexistia a áurea de sofisticação impressa pelos jovens
estudantes que tiveram oportunidade de viajar para Europa e estabelecer contato direto com
47
Sobre o conceito de parlamentarização ver. ELIAS, Nobert &DUNNING, Eric. Em busca da excitação.
seus inventores. E assim, importaram esta prática e por isso se perpetuaram como ícones do
futebol brasileiro.
Como pioneiros, os fundadores dos clubes brasileiros procuraram imprimir sua
marca ao jogo. Definindo-o como um esporte moderno, aquele jogado dentro das regras
inglesas da football association, por isso separado daquilo que se estava praticando fora do
controle das elites. Longe dessa imagem ideal desejada pelos pioneiros, o jogo parecia não
ter sentido algum, não passava de uma correria onde vários homens disputavam uma bola e
a chutavam de forma automática. Era necessário conhecer os termos técnicos e regras,
formadores de uma espécie de identidade compartilhada pelos novos jogadores.
Essa primeira imagem espontânea e desorganizada abria uma ampla brecha,
tornando possível a qualquer um a prática do jogo. Por isso era necessária a valorização das
regras através do seu conhecimento. E a partir daí fechar o círculo e evitar que qualquer um
venha a praticar o verdadeiro futebol. Sendo assim somente os verdadeiros conhecedores
não das regras como também da cultura européia poderiam ser considerado
verdadeiramente um sportmen. O conhecimento das regras passa a ser requisito obrigatório
na avaliação das qualidades definidoras de um jogador.
Foi um processo semelhante ao ocorrido na Inglaterra, quando foi fundada a
Football Association, quando os ex-alunos das burguesas escolas inglesas se reúnem com
intuito de organizar e padronizar as regras do futebol. Conseqüentemente tornando-o
menos violento e mais de acordo com os ideais de uma sociedade tipicamente burguesa.
Vivia-se um momento de grande efervescência. Componentes do grupo mais
refinado e cosmopolita da juventude carioca abraçavam a novidade do futebol e também
queriam tomar parte na constituição do esporte. Por isso, aos poucos, na busca da
sofisticação presente nos campos e nas arquibancadas do futebol, alguns rapazes iam
abandonando outros esportes já estabelecidos na cidade em função do futebol. Foram
deixados para trás esportes como o ciclismo e as corridas a pé. Esses jovens vão se
organizar e uma série de clubes são fundados em diferentes bairros da cidade, como o
Andaraí, Vila Isabel, Tijuca e etc.
É também neste período que os mais tradicionais times do Rio de Janeiro vão ser
fundados como o América e o Botafogo. Alguns, especializados em outras modalidades,
vão acrescentar o futebol a seus quadros de esportes, como é o caso do Clube de Regatas
do Flamengo.
Com uma trajetória semelhante à de outros clubes da cidade o The Bangu Athletic
Club foi fruto da iniciativa de ingleses residentes no Rio de Janeiro. A maioria transferida
para trabalhar na fábrica de tecidos Companhia Progresso Industrial do Brasil Ltda.
Localizado no longínquo bairro Bangu. Esses estrangeiros tinham a necessidade de
reproduzir em terras brasileiras as mesmas atividades de lazer realizadas em sua terra natal,
por este motivo vão fundar em abril de 1904 um clube diretamente ligado aos altos escalões
da fábrica.
Porém, alguns anos antes da fundação do clube, no ano de 1893, eram comuns
entre os ingleses da fábrica a realização de partidas de futebol nos gramados dos arredores
da fábrica. Nestes primeiros jogos, desatacavam-se nomes como os de Andrew Procter,
Thomas Hellowell, William French e Thomas Danohue. Em 1897, liderados por Danohue,
começava-se a ventilar a idéia de se organizar um clube para realização de disputas dos
esportes britânicos.
Mesmo diante da de tanta empolgação, o secretário da fábrica o Sr. Eduardo Gomes
Ferreira, alegando ser prejudicial para a sociedade qualquer tipo de competição, vetou a
organização do clube. Somente em 1904, após a saída de Eduardo Gomes do cargo e sob
uma nova direção, se tornou viável a fundação de um clube para prática do futebol.
Também se deve levar em consideração, para mudança de postura da direção da fábrica,
toda a marca de distinção trazida pelos clubes da Zona Sul para a prática do futebol desse
período.
Com o apoio explícito da direção da fábrica, evidente no empréstimo da casa de
número 12 da rua Estevão, foi assinada a ata de fundação do novo clube. O maior
responsável pela mudança de diretriz da diretoria da Companhia foi o então presidente João
Ferrer.
Foi proposto pelo Sr. Jacques que a entrada de cio seja
2.000 e que a mensalidade é de 1.00, pagável no dia de cada
mês, o que foi adotado unanimemente
48
.
48
Ata da reunião de fundação do Bangu. 17/04/1904
Substituto do retrogrado Eduardo Gomes, João foi eleito o primeiro presidente do
clube. E uma das mais significativas medidas desta primeira reunião foi a designação de
um baixo valor para as mensalidades. Cinco vezes mais barato que o Fluminense, o Bangu
tornava-se um clube accessível a membros de todas camadas sociais, especialmente os
próprios operários da fábrica.
49
Como estava muito distante do centro, onde se encontravam os bairros chiques do
Rio de Janeiro, era difícil para os compatriotas dos ingleses atenderem aos convites para
uma partida em campos tão remotos. Este diminuto número de funcionários autenticamente
ingleses levou os diretores e entusiastas do futebol do Bangu a buscar uma solução que
teria que ser doméstica. Sem alternativa, convocaram os operários brasileiros da
Companhia para compor os times de futebol do clube da fábrica.
50
Na verdade, o Bangu, dirigido por membros da elite que reproduziam as mesmas
práticas burguesas da Zona Sul, era uma agremiação que se caracterizava como um clube
diferente dos demais. Sendo “constituído pelos operários e empregados desta Companhia,
destinava-se elle ao cultivo de todos os exercícios athleticos conhecido... Todos os sports
tendentes adesenvolver o physico e moral dos operários”.
51
Para os diretores e também o
cronista o futebol, além de um modismo, cumpriria uma função disciplinadora do caráter
dos praticantes. Ainda assim, cronista destacava a grandeza da festa de inauguração do
clube.
Era de ver-se o aspecto garrido que apresentava o local do
club, a enorme praça que circunda o bellíssimo edifício da fábrica
de tecidos: arcos, galhardetes, coretos, os standartes de todas as
seções da fábrica, as variadas cores dos vestuários das senhoritas a
enorme concorrência de cavalheiros; os uniformes do team, branco
e encarnado. Tudo isso dava a festa uma alegria franca e
communicativa.
52
49
Sobre a história do Bangu ver.
ASSAF, Roberto. Bangu. Rio de janeiro. Ed. Relume Dumará. 2001.pp.76-80.
50
CALDAS, Waldenyr. O Pontapé inicial. Memória do futebol brasileiro. São Paulo.Ed. IBRASA.
1990. p.29
51
Ver. Jornal do Commercio 17/06/1904
52
Idem.
Apesar do novo clube garantir aos operários um considerável espaço, através do
reconhecimento de todos os setores da fábrica através dos estandartes. Incluindo até a
apresentação de uma banda composta exclusivamente pelos funcionários. A cerimônia,
como não poderia deixar de ser, terminou com uma partida de futebol
53
. Porém, festa exigia
uma certa elegância, expresso nos refinados trajes dos convidados. Expressando assim a
marca de fidalguia, representada pelo os esportes e o crescente interesse das mais ricas
famílias cariocas pelo futebol.
Para estes operários era uma oportunidade de entrar num seleto grupo, de alcançar
uma marca de refinamento possibilitada pela novidade britânica. Este ideal de refinamento
aliado aos preços acessíveis transforma o clube num sucesso, contando com cerca de 100
sócios no dia da inauguração.
54
A convocação destes operários lança também um questionamento sobre a
desenvoltura deles para o jogo. Podemos ver em sua convocação um forte indício de que
eles já o praticassem em seus momentos de lazer. De alguma forma haviam copiado os
pioneiros ingleses do bairro e isto lhes conferiu a habilidade necessária para a convocação
por parte dos ingleses. Possivelmente, um dos primeiros sinais de apropriação popular do
jogo, ocorresse no distante bairro de Bangu.
Enquanto isso o Fluminense lançava moda. E outros rapazes da zona sul também
vão buscar no exemplo dos tricolores o requinte impresso pelos sócios de tão distinta
instituição. Esta ambiência foi determinante no surgimento de outro tradicional clube de
futebol do Rio de janeiro: o Botafogo Foot-ball Club.
Os encantos causados por mais uma partida entre ingleses e brasileiros, organizados
por Oscar Cox. Realizada no dia nove de julho de 1904 esta partida chamou atenção da
imprensa carioca. Com uma enorme admiração o cronista declarou que “Poucas, bem
poucas vezes, temos assistido nesta capital a um match que tanto nos impressionasse” .
55
Apresentando a enorme platéia presente no Payssandu Cricket Club como “elegante
multidão”, o jornal descreveu lances do jogo e ainda se lamentou do pouco espaço ofertado
para “as extraordinárias peripécias semelhantes as transformações cinemathographicas”.
Esta matéria mostrava ao mesmo tempo o veloz desenvolvimento do futebol entre as elites
53
Idem.
54
Idem.
55
Jornal do Commercio. 9/07/1904
e também a pouca importância dada a ele pelos jornais, ainda muito ligados a outros
esportes como o Turf e o remo.
O entusiasmo nessa partida não se limitou aos jornalistas. Ele também atingiu e
inspirou outros rapazes a seguir o exemplo de Cox. No bonde a caminho da escola eles
trocaram opiniões sobre a vitória do Fluminense por dois gols a zero, assistida na tarde do
dia anterior. Impressionados com a dinâmica do jogo e a elegância presente no novo
esporte, Flávio Ramos e Emmanuel Sodré, jovens estudantes do quarto ano do Colégio
Alfredo Gomes vão reunir forças para fundação do Botafogo.
Além de estudarem no mesmo colégio os fundadores do Botafogo eram parceiros
em brincadeiras adolescentes no bairro do Humaitá. Os dois rapazes vão convocar colegas
do Ginásio Nacional para fundação de um clube que tivesse como principal marca a origem
exclusivamente brasileira. Era um diferencial em relação ao Fluminense - principal modelo
de inspiração dos novos clubes que surgiam - onde coexistiam brasileiros, estrangeiros e
descendentes de estrangeiros.
Naquela tarde de doze de agosto de 1904, na casa da avó de Flavio, no largo do
Humaitá, oito jovens, com idade em torno de 15 à 16 anos se reuniam para fundação do
Botafogo Foot-ball Club. Além de Flavio e Emmanuel, outros jovens, como Arthur César
de Andrade e Octavio Werneck, fizeram parte da fundação.
Todos filhos de ricas famílias do Rio de Janeiro, estes rapazes começaram a
administrar o novo clube. E uma das primeiras medidas tomadas por eles, foi a definição do
valor a ser pago mensalmente pelos sócios. Cobrando 2$00, o Botafogo ficava numa
situação intermediária, entre o Bangu metade de sua mensalidade e o Fluminense o
dobro.
Antes de chamar-se Botafogo, o clube havia adotado outro nome, demonstrando
todo amadorismo e improviso dos primeiros anos dessa agremiação. Por causa da adoção
do carnê com cerca de 500 recibos, doado por Alfredo Chaves, antes utilizado num clube
de pedestrianismo. Como o antigo clube se chamava Electro Club, restou ao Botafogo
adotar temporariamente este nome.
Ainda uma outra marca da jovialidade e do improviso do Botafogo, eram suas
primeiras partidas. Disputadas no Largo dos Leões e tendo as Palmeiras com marcas
limites do campo e das balizas. Corriqueiramente acontecia, para desespero da vizinhança,
de uma bola varar uma vidraça ou clarabóia.
Nestes primeiros anos a maior parte da verba reunida pelos sócios do Botafogo,
destinava-se à compra de bolas e ao pagamento de indenizações aos vizinhos que tivessem
suas janelas partidas. Sendo um objeto ainda muito raro no Brasil, as bolas eram um artigo
de luxo, que os sócios do Botafogo bem prezavam. A primeira bola havia sido presente de
aniversário de Flavio Ramos. Por isso quando as bolas do clube apresentavam os primeiros
sinais de desgaste, eram entregues a Antonio Barroso, o sapateiro da vizinhança,
fundamental para conservação das bolas. Figura importante no desenvolvimento da
habilidade e destreza dos rapazes do Largo dos Leões.
56
O clube crescia embalado no fascínio que o futebol causava nos jovens moradores
das redondezas. Porém, mesmo com o significativo aumento desses jovens, empenhados
em praticar todos dias esse bravos jogadores não impediram sua primeira derrota do novo
clube. No dia dois de outubro, os jovens amargaram o placar de três a zero no jogo de
estréia contra o Foot-ball Athletico Club, no campo do adversário na esquina das ruas
Haddock Lobo e Campos Sales, onde futuramente se instalaria o campo do
América.
57
Muito em breve, o impúbere time do Botafogo se tornaria uma das potências do
futebol carioca.
Seguiram o exemplo do Fluminense, Bangu e Botafogo, diversos outros clubes nos
mais variados bairros da cidade. São exemplos desta expansão clubes como Riachuelo
Foot-ball Club, Mangueira, Boêmios F.C. (Vila Isabel) etc. Podendo pagar as
mensalidades, estes clubes atraiam uma pequena parcela da sociedade carioca, contribuindo
assim pra disseminação do futebol entre os endinheirados ligados nas novidades importadas
da Europa.
Mas também por estarem localizados longe do burburinho da juventude classe alta
da cidade. Os clubes do subúrbio criavam uma possibilidade de rompimento desta órbita
exclusivista e refinada construída pelos seguidores de Oscar Cox e dos sócios do
Fluminense. Desta maneira, o futebol progredia e se espalhava rapidamente por todos os
56
Sobre o Botafogo ver.
Depoimento de um veterano fundador do Botafogo ao jornal O Paiz “O Botafogo Foot-ball Club completa
hoje o 19º aniversário de sua fundação” 12/09/1923
57
AUGUSTO, Sérgio. Botafogo. Entre o céu e o inferno. Op. Cit.
cantos da cidade. E ainda, nesses primeiros anos o futebol suburbano desenvolvia seu
próprio espaço, atraindo até a atenção de alguns jornalistas que dedicavam uma pequena
parcela do jornal aos jogos dos clubes do subúrbio.
Os principais times da cidade do Rio de Janeiro eram representantes de um modelo
de futebol elitista. Locais onde a juventude endinheirada se encontrava e se divertia. Ali,
eles eram os agentes da civilização, os baluartes de uma modernidade pautada no ideal
europeu. Fazer parte de um desses clubes era imprimir uma marca de distinção e por isso
era necessário estilo e elegância para freqüentar esses clubes onde se privilegiava o a
etiqueta, o que exigia estar de acordo com a moda.
A população carioca, que cada dia se mostra mais
interessada pelo desenvolvimento de tão útil quanto atrahente ramo
da educação physica, fez-se mais uma vez representar, garrida e
selectamente, por gentis senhoritas e distinctas senhoras, trajando
elegantes e custosas “toilettes” e bem trajados cavalheiros de
elevadíssima posição social.
Pode-se calcular em cerca de 1500 as pessoas que
assistiram a luta dos teams. A população que cada vez mais se
interessa pelo desenvolvimento do foot-ball nesta cidade.
58
Era como ir a um grande espetáculo teatral, um grande prêmio no Derby ou mesmo
a uma matinê no Lírico. Um modismo elegante exigente, por isso era necessário estar
muito bem vestido. Possivelmente as senhoritas poderiam encontrar um bom partido e
arranjar um ótimo casamento, tamanha a disponibilidade de representantes da alta
sociedade carioca do início do século XX. Restrito a uma garrida e selecta platéia, o
futebol tentava se fechar em vulneráveis ilhas de refinamento. Muito cedo essas ilhas se
abririam para uma ampla popularização responsável por tornar o futebol o esporte mais
apreciado do Brasil.
O primeiro grande incentivo para a popularização do futebol estava na organização
de um campeonato reunindo as principais equipes do Rio de Janeiro. Este processo só pode
ser colocado em prática com a consolidação dos principais clubes de futebol carioca:
58
Jornal do Brasil 2/07/1906
Fluminense, Payssandu, Rio Cricket, Football Athletic Club e no ano de 1904 Bangu,
Botafogo e América. Foram esses os representantes que se reuniram no dia oito de junho de
1905, na sede do Fluminense e fundaram a primeira liga com intuito de reger e organizar o
campeonato carioca.
A união destes clubes e a formação de uma liga dariam um impulso diferenciado
aos jogos, deslocando o futebol de uma esfera unicamente de lazer e colocando-o em outra,
a da competitiva. A exemplo do que havia acontecido na Inglaterra, onde o futebol deixava
de ser um esporte típico e exclusivo dos estudantes e passava a ser amplamente praticado
por operários. O futebol brasileiro segue o mesmo caminho. Em breve, a reboque desta
competitividade, o futebol se tornaria um espetáculo capaz de atrair um enorme público e
por este caminho sofrer uma intensa transformação, deixando de ser um passatempo restrito
as altas camadas sociais do Rio de Janeiro e passando a pertencer a toda a população
carioca.
3. Do Campeonato carioca ao Sul-Americano. Do amadorismo ao profissionalismo.
O futebol transformava-se rapidamente numa verdadeira mania. O remo, esporte
preferido da abastada juventude do Rio de Janeiro, foi por muitas vezes a modalidade
esportiva a determinar o calendário do futebol carioca. Não era possível marcar um jogo em
dia de regata, nenhum dos grandes clubes poderia cometer tal erro. Isto representaria um
grande risco de ter suas arquibancadas desertas.
59
Os jornais também sabiam da maior valorização do remo em relação ao futebol. Por
isso, abriam um espaço maior para os dois principais esportes da cidade, o turfe e o rowing,
como os enfatuados jornalistas se referiam ao remo. A primeira coluna dedicada
exclusivamente aos esportes náuticos foi dirigida pelo jornalista Benjamim Mota do jornal
O País, em 1895
60
. E no início do novo século o espaço dedicado ao remo pelos principais
jornais era grandioso se comparado às outras modalidades esportivas, com direito a foto da
enfeitada enseada e de sua distinta platéia, bem como dos musculosos remadores, sonho das
meninas que enfeitavam as raias e suspiravam por eles.
Também contava com seus primeiros entusiastas de renome. Como Olavo Bilac,
um dos principais literatos a defender esta modalidade esportiva. Bilac via no remo uma
forte ligação com a idéia de modernidade que marcava o novo século. Grande defensor das
reformas urbanas era natural seu gosto pelo refinado esporte.
Mas pouco a pouco o remo ia perdendo terreno para os amantes da bola. Uma
inversão estava em curso e fazendo com que não fosse possível marcar as regatas para os
mesmos dias de jogos de futebol. Pois as elegantes platéias dos eventos esportivos de então,
já começavam a se dividir entre as duas grandes modalidades da época.
As moças das mais distintas famílias costumavam combinar nas missas seus
encontros, que no início se davam na murada da Avenida Beira-Mar, e depois, com a
ascensão do futebol passaram para as arquibancadas dos jogos. Dali muitas vezes esses
encontros acabavam nos bailes organizados pelos sócios que, em geral, eram freqüentados
59
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. p. 47
60
MELO, Victor Andrade. Cidade esportiva. Primórdios do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
Ed.Relume Dumará,2001. p. 197.
pelos jogadores. Clubes como o Fluminense e o Payssandu, tão ligados aos esportes
ingleses transformaram-se em espaços de sociabilização da aristocracia carioca
.
61
À medida que o futebol vai deixando de ser uma novidade ele vai cada vez mais
ocupando um espaço antes preenchido pelo remo. Através deste triunfo em relação a outras
modalidades esportivas, podemos identificar alguns vestígios que nos levam a crer que sua
prática não era mais tão restrita assim. E provavelmente outras esferas da sociedade
começassem a se identificar com o jogo.
O núcleo central responsável pela difusão e da fundação de agremiações
especializadas no desenvolvimento e na prática do futebol, certamente se localizava na
zona sul da cidade. se desenvolveu como modelo de inspiração times como o
Fluminense, Payssandu ou Botafogo. Portanto, muito mais cedo do que o esperado pelos
sportmens cariocas, o jogo foi se expandindo para longe do território delimitado pelas elites
da cidade. O movimento semelhante, aquele liderado por Oscar Cox, vai se repetir nos
bairros do subúrbio, impulsionando o surgimento de diversas agremiações moldadas nas
mesmas formas dos clubes de elite.
Hoje os clubs do foot ball contam-se as dezenas e não há
recanto de bairro chic, de arrabalde modesto ou de subúrbio
socegado, onde não se tenham agrupado, na fórmula elegante de
um team, bandos de rapazes que o entusiasmo liga e seduz para o
exercício nobilitante do foot ball. O povo já se acostumou a ir
levar-lhes, aos domingos, a homenagem dos seus aplausos e a
sanção da sua presença.
62
Tal movimento foi paulatinamente sendo copiado pelos grupos sociais mais
diversos e de bairros cada vez mais distantes do núcleo central de difusão do futebol. Esta
difusão pode ser lida como um duro golpe no monopólio exercido pelos introdutores da
modalidade, aos anseios de uma juventude rica que vislumbrava n essa prática uma maneira
de passar o tempo, um estilo de vida dentro do idealizado padrão europeu responsável por
61
Idem. p. 50
62
Revista Fon-Fon 4/05/1907 p.10
uma marca de distinção. Por isso, tal estilo deveria estar restrito aos clubes dos bairros
centrais da cidade.
Quando começa a ameaçar sair das esferas elegantes do Rio de Janeiro, o valor de
refinamento associado ao jogo perdia um pouco de sua força. Sua rápida difusão esvaziava
o sentido de modernidade esperado pela elite. Assim, havia uma perda do pretendido
refinamento à medida que passava a ser apropriado por outras classes sociais. E não
podia ser mais firmemente associado a um elemento de distinção, mesmo que ainda fosse
consumido e dirigido por membros da elite da cidade.
Esses novos clubes dos subúrbios da cidade, abriam espaço para novos entusiastas
do jogo que não eram necessariamente membros da alta sociedade. Alguns dos operários do
Bangu são bons exemplos de como o controle da prática alterava os rumos tomados pelo
futebol. Para jogarem nos times principais dos clubes suburbanos, era preciso aprender a
jogar. E a observação era o caminho natural para esses aprendizes. Foi através da imitação
que muitos dos novos admiradores do futebol puderam se tornar um jogador e assim
penetrar no distinto mundo dos sportmem.
Mas o entusiasmo, entre as classes mais baixas, pelo futebol não era identificado
somente nos bairros mais afastados. Aliás, mesmo no mais distante clube de subúrbio, essas
entidades permaneciam fechadas. Somente alguns poucos tinham condições materiais para
pagar as mensalidades e assim obterem livre acesso aos esportes praticados no seu interior.
Por isso era necessária uma espécie de transbordamento. Como se as modalidades
esportivas praticadas dentro deste ambientes restritos transpassasse de alguma maneira este
universo fechado e pudesse ser consumida por outras classes sociais. Os entusiastas que de
fora se puseram a observar o jogo e assim aprenderam a nova modalidade foram atingidos
pelos efeitos desse transbordamento. Pessoas como aquelas que acompanhavam de longe os
jogos se transformaram em elementos difusores. Assim, o futebol foi paulatinamente
deixando de ser mais um dos modismos exclusivos da juventude endinheirada da cidade e
foi se popularizando.
Como o futebol foi nos primeiros anos um componente de distinção, praticá-lo era
uma maneira de marcar sua posição na hierarquia social. Em especial, a partir da
instauração da República e principalmente com a abolição da escravidão. Alguns símbolos
de diferenciação social típico do Brasil patriarcal foram se enfraquecendo no início do
século XX, por isso modismos europeus cada vez mais exerciam a função segregacionista.
Portanto, podemos afirmar que os esportes não são capazes de distinguir com
precisão e por um longo tempo as gradações hierárquicas da sociedade. Num primeiro
momento ele pode marcar simplesmente uma ruptura, entre o refinamento e a rudeza. Mas
sendo muito fácil de copiar e, em alguns casos, não sendo excessivamente dispendiosos, as
fronteiras se tornam tênues e logo desaparecem.
Por isso é difícil manter alguns destes novos símbolos de distinção hermeticamente
fechados. Deste modo, reservados a uma minoria apreensiva por marcar sua diferença em
relação aos demais, assinalando de forma indelével seu lugar na hierarquia social, o
transbordamento de determinadas práticas sociais gera conflitos. Afinal como agentes da
popularização, as camadas médias e baixas da sociedade, desejosas de ascender
socialmente, vão, na medida do possível, procurar se apropriar destes símbolos definidores
de posição na graduação social.
Buscando todo o ideal de modernidade, distinção e civilização presentes no futebol
outros grupos sociais se interessavam no jogo de bola. Nas concorridas partidas
organizadas pelo Fluminense, além da elegante platéia que ocupava as arquibancadas, uma
enorme quantidade de pessoas se exprimia nos morros e arredores, árvores e telhados para
contemplarem os jovens rapazes disputando uma partida de futebol. Formava-se um
público paralelo à refinada assistência acostumada a acompanhar os jogos, como
mostravam as fotos publicadas de alguns desses jogos.
De maneira muito precária essas pessoas se acomodavam para apreciar o espetáculo.
Certamente nunca teriam condições de freqüentar as arquibancadas ao lado dos indivíduos
mais elegantes do Rio de Janeiro. Eram crianças, famílias inteiras, jovens negros. As roupas
que usavam denunciavam a distância em que se encontravam do apreço pela moda daqueles
que podiam assistir das arquibancadas. Ou mesmo, estar em campo, pois, eram proibitivos
os preços do material adequado para os jogos, em geral, importados da Inglaterra.
A busca pelos apetrechos importados da Inglaterra, por vezes era frustrada. Sem
encontrar um modelo idêntico ao original usado nas primeiras partidas, o Fluminense foi
obrigado a mudar as cores de seu uniforme de cinza para o tradicional tricolor atual.
63
Importar chuteiras e uniformes da Inglaterra, com uma produção têxtil brasileira
capaz de suprir tal necessidade demonstra mais um marco de distinção do futebol. Mesmo
tomando gosto pelo novo esporte, tal traço de refinamento ainda era uma barreira à
popularização. No entanto, ainda que impossibilitada de utilizar os mesmo uniformes,
calçar as mesmas chuteiras e chutar bolas semelhantes às usadas pelos atletas dos principais
clubes do Rio havia uma intensa apropriação do jogo por parte da população em geral. Este
desejo e sua respectiva frustração estão presentes na crônica de alguns jornalistas.
O Juquinha depois do jantar, começou a queixar-se ao
pai, que lhe negava uma bola de foot-ball.
O pequeno se julgava um infeliz.
O Joãozinho, seu collega, tinha um automóvel com dois
assentos, e uma bola nova, e, e um relógio de ouro, e um barco a
vapor, uma caixa de desenho com vinte e quatro lápis de cores e
mil coisas mais...
E eu, porque não posso ganhar uma bola? Terminou o
Juquinha.
Porque lhe comprei uma na semana passada e você a
perdeu; disse o pai. Eu não sou rico e o pai do Joãozinho é. Você
está vendo aquelle relógio? Enquanto elle faz tic-tac, o pai de
Joãozinho está ganhando dinheiro, e sem fazer nada.
E mudou de assumpto
Depois de meia hora de palestra, querendo saber que horas
eram, olhou para o relógio. Estava parado e o Juquinha
desapparecera.
64
63
NAPOLEÃO, Antonio Carlos. Fluminense Football Club: histórias, conquistas e glórias no futebol. Rio
Janeiro. Ed. Mauad, 2003. p.32.
64
Revista CARETA 24/09/1910 p.05
Sem condições de freqüentar os elegantes clubes, ou mesmo aquelas agremiações
recém criadas e que nem tinham o mesmo requinte e elegância dos modelos no qual se
inspiraram, sem ao menos poderem pagar as caras entradas para os jogos ou adquirirem os
custosos e inacessíveis materiais esportivos, o carioca ia dando seu “jeitinho” e de longe
ensaiava seus primeiros chutes, dribles e pontapés e tudo isso de pés descalços, com bolas
improvisadas e campos arranjados característicos das peladas e do futebol dos excluídos
das grandes rodas elegantes.
Assim, de maneira improvisada, alguns cariocas iam assimilando de maneira
imprecisa o jogo das minorias prestigiadas e dominantes do Rio de Janeiro. Essa
curiosidade manifestada nas imediações dos campos da elite dava claras pistas de um
contínuo processo de popularização reproduzida ou reinventada nas mais diversas ruas da
cidade.
Popularizando-se o futebol escaparia pouco a pouco do pretendido monopólio da
prática pelas elites. Era necessária uma ação no sentido de regulamentar e mantê-lo no
interior de uma esfera elegante conferindo assim a esperada marca da distinção a seus
praticantes. A estratégia definida pelos ditos introdutores do jogo estava no estabelecimento
das regras para a prática e de um código específico que definiria com exatidão quem estava
apto ou não a pertencer ao grupo de praticantes.
Em 1904, era grande a quantidade de clubes dedicados aos esportes na cidade. Os
dedicados ao futebol, como já foi dito, se espalhavam pelo Rio de Janeiro e, até certo ponto,
reunia as mais diversificadas esferas da sociedade. No entanto, bastava uma breve olhada
nas mensalidades e taxas de inscrição cobrada pelos clubes para facilmente identificar um
dos principais critérios usados na definição do perfil de seus associados. Às vezes,
utilizando critérios diretos, como proibir a entrada de trabalhadores braçais ou negros em
seus quadros. Assim os sócios dos mais prestigiados clubes do Rio de Janeiro eram, em
geral, estudantes, empresários e altos funcionários de empresas multinacionais.
Evitar o transbordamento do futebol para além dos muros dessas agremiações
enfraquecendo assim o caráter de distinção almejado pelos entusiastas do esporte.
Popularizando-se, ele deixaria perpetrar a condição social pretendida pela elite. Com esse
objetivo, os responsáveis pelos mais elegantes clubes do Rio de Janeiro se reuniram para
organizar o futebol praticado na cidade.
No dia oito de junho de 1905, reúnem-se na sede do Fluminense os representantes
do América, Bangu, Botafogo e Football Athletic Club para discutir um projeto de estatuto
elaborado 25 dias antes por Oscar Cox, Arnaldo Cerqueira e José Villas Boas. Dessa
reunião foram definidas as leis fundamentais que regeriam o futebol carioca.
Os principais clubes do Rio de Janeiro, Payssandu e Rio Cricket são agregados em
dezembro do mesmo ano. Era Fundada, naquele momento, a entidade responsável pelo
gerenciamento do futebol da cidade. Denominada Liga Metropolitana de Foot-ball, com
presidência de José Villas Boas e representantes de cada clube fundador na direção, esta
entidade foi a responsável pela promoção de jogos e campeonatos, bem como, pela
definição das regras do jogo e de conduta.
Muito mais que a mera organização de campeonato e jogos de futebol na cidade, a
fundação da Liga era uma resposta à perigosa popularização do jogo. Para seus fundadores
o crescimento desenfreado desta prática esportiva maculava a imagem fidalga esperada
pelos sócios dos clubes membros. Por isso, regras criteriosas seriam usadas para restringir e
controlar meticulosamente a entrada dos clubes nessa entidade.
No ano seguinte, com a fundação da Liga, se disputou o primeiro campeonato
organizado na cidade, onde os clubes inscritos concorreriam à Taça Colombo. De prata
trabalhada, tal jóia foi oferecida pelo dono da Confeitaria Colombo. Foi a partir do
desenvolvimento das disputas entre os clubes de elite do Rio de Janeiro que os dirigentes
definiram as diretrizes pretendidas para o futebol, se esforçando sempre para cuidar da
imagem requintada e especialmente restrita do esporte.
Porém, as rivalidades advindas das disputas seriam paradoxalmente um elemento de
publicidade para o jogo despertando assim o forte potencial de popularidade contida nesse
esporte. Conseqüentemente, enfraquecendo de forma lenta, porém, definitiva, o caráter
exclusivista um dia pretendido pelos jogadores e dirigente.
O entusiasmo pela fundação da Liga Metropolitana não ficou restrito apenas aos
diretamente ligados ao jogo. Os jornalistas também receberam com exaltação a nova
instituição. E passaram a divulgar as resoluções tomadas pela Liga. Era bem vinda a
tentativa de homogeneização das regras do jogo e de conduta de acordo com o padrão
ditado pela elite econômica do Rio de Janeiro.
Tal tentativa se afinava com os discursos defendidos na Imprensa carioca. A crônica
esportiva começou a se aquecer e uma série de matérias sobre o futebol passaram a
aparecer com mais freqüência nos principais jornais. Inclusive uma seqüência de
reportagens que explicavam as verdadeiras origens do jogo.
O Jornal do Brasil começará a publicar algumas notas e
informações sobre o hygienico jogo ao ar livre, a fim de por os
leitores ao corrente da história, dos teams, hygiene e deveres dos
jogadores.
65
Essas matérias tinham por objetivo fazer um minucioso levantamento histórico do
futebol, alertando ao público das suas mais diversas possibilidades de origem histórica. No
entanto, deixavam bem claro que o caráter moderno a ele atribuído e desenvolvido pelo
seleto grupo de praticantes estava diretamente atrelado aos ingleses.
A palavra ingleza foot-ball que está entre nós
perfeitamente consagrada, significa ordinariamente “bola para pé”
e escreve-se indiferentemente “foot-ball”.
Quanto à origem propriamente dita, do jogo, é
extremamente difícil de dizer se foram os soldados de César que o
introduziram na Inglaterra, se ele apareceu mais tarde como
transformação de “chola” ou enfim uma transformação do
“barrete” francesa.(...)
O que é certo, porém é que o foot-ball apareceu sob forma
mais ou menos definitiva em 1833, no afamado colégio de Rugby
da Inglaterra.
(...) mais tarde é que, em virtude de algumas
modificações que o tornaram mais delicado, obteve um
acolhimento mais lisonjeiro. A aristocracia e os professores,
consideravam-no sempre vil e impróprio de ser praticado pelo
povo.
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O cronista busca um passado glorioso e aristocrático para o futebol. Faz referências
aos Césares e aos soldados romanos. Traz também grandes personalidades da história da
Inglaterra, como Eduardo I, Henrique IV e Oliver Cromwell como praticantes. Assim o
cronista garantia uma origem fidalga para o futebol adequando-se perfeitamente à realidade
dos jogadores cariocas e sua lealdade às origens britânica enfatizadas sempre que possível.
Outro ponto importante desta crônica foi a valorização da limitação da violência como
marca de diferenciação. De acordo com a matéria, foi com a consolidação de regras de
abrandamento da violência que se definiu o futebol moderno.
Também foi por intermédio destas reportagens que os jornalistas pregaram o ideal
de civilização embutido na prática esportiva, ideal que deveria ser restrito à juventude
letrada. Com um caráter explicativo das regras do futebol, o cronista não se limitava
somente aos princípios restritos a maneira de jogar. também uma preocupação com o
comportamento correto dos jogadores incluindo aí as questões disciplinares dos atletas.
Um bom jogador, disciplinado, nunca discute as decisões
do referee, mesmo as que lhes forem favoráveis, só o captain tem o
direito de fazê-lo, quando para isso for lhe dada à palavra.
Ressaltando a intensa violência presente na prática do jogo de futebol, os conselhos
do cronista mostram uma preocupação com a questão do autocontrole, primordial para o
atleta. Por isso os fundadores do futebol procuravam manter o esporte restrito às esferas
elitistas da sociedade, por entenderem que o povo não seria capaz de se adequar às práticas
esportivas por não conseguir manter o autocontrole nem entender as regras de cordialidade
necessárias a um jogo civilizado.
A Liga Metropolitana elevava o futebol carioca a um outro patamar. A disputa do
primeiro campeonato estadual pelos principais clubes e a possibilidade de conquistar uma
65
Jornal do Brasil 26/04/1906
66
Jornal do Brasil 27/04/1906
taça alterava amplamente o universo esportivo do Rio de Janeiro. Havia um apelo mais
consistente para os jogos do campeonato fazendo dos jogadores competidores mais
aguerridos e por isso mesmo mais interessados.
Mais competitivo e por isso mesmo mais interessante ao público que era atraído por
essas partidas. Ao deixarem de ser uma simples diversão de amigos endinheirados de um
mesmo bairro ou escola, o futebol ia ganhando um imenso apelo e aos poucos se
desvinculava de seu núcleo original.
Possivelmente a rivalidade surgida entre os times envolvidos na disputa do
campeonato tenha despertado uma intensa paixão gerando assim o forte vínculo dos
cariocas com essas agremiações. Pois, na medida do possível, o novo público procurava
estar nas arquibancadas, ou nas imediações dos gramados para assistir justamente aos jogos
destes times. Esforçando-se para entender e até mesmo fazer parte daquele refinado mundo
e da empolgante novidade.
E muitos se tornaram grandes aficionados. Por isso ao perceberem rapidamente a
grande febre que tomava conta da cidade, os jornais vão ampliar suas atenções ao futebol.
Desta maneira, vão conseguir arregimentar um número crescente de leitores.
Acompanhando bem de perto o desenvolvimento do novo panorama esportivo da cidade, os
principais periódicos passam a ser a mais importante fonte de informação sobre o
andamento do campeonato, ali o público se interava da data, hora, local, escalação e
qualquer outro tipo de informação referente à partida.
3.1 Jornais, cronistas e o futebol.
A ampliação da esfera esportiva gerava também modificações no jornalismo do Rio
de Janeiro. Os principais jornais cariocas percebendo a dimensão que os esportes iam
adquirindo vão procurar não aumentar o espaço dedicado ao futebol como também vão
incrementar suas seções esportivas. Visando, acima de tudo, tornar seu veículo moderno e
de acordo com os modismos da cidade.
Neste sentido, os jornais mais influentes do começo do século XX vão alterar suas
páginas de esportes. O Jornal do Brasil, como vimos anteriormente, vai investir no caráter
didático da competição lançando uma série de reportagens explicativas das regras oficiais
do jogo, as autenticamente inglesas elaboradas pela Football Association, e também vão
contar a sua história.
A Gazeta de Notícias é outro exemplo de jornal que vai se preocupar em alterar sua
pequena seção esportiva. A começar pela alteração do nome, a seção deixa de se chamar
simplesmente “sport” e passa a um novo nome Gazeta dos Sports”. Amplia
significativamente o espaço da seção chegando a ter uma página inteira nos fins de semana
e se auto-intitula “órgão oficial da Liga Metropolitana de Foot-ball”.
Como marca da importância dada pelos jornalistas à nova instituição responsável
pela organização do futebol na cidade, pode então sugerir, que na visão dos editores, atrelar
o nome da Liga a seção esportiva confere amplo prestígio ao jornal. O tulo ostentado pela
Gazeta de órgão oficial da Liga era, com toda certeza, um importante diferencial em
relação à concorrência. Do ponto de vista comercial, era uma eficiente forma de
publicidade para sua seção esportiva.
Outra informação implícita no destaque dado à Liga Metropolitana era a decadência
do remo em detrimento do futebol. Não que o remo tenha desaparecido das páginas
esportivas. No entanto, ele, juntamente com o turfe, vai deixando não de ocupar a maior
parte dos jornais, mas também de ser o esporte a atrair, quase que exclusivamente, a
atenção dos cariocas.
Assim, pouco a pouco, o futebol vai ampliando seu espaço nos mais importantes
periódicos da cidade dando boas pistas de como esse esporte vai fazendo parte das
preferências, não entre as elites intelectuais e econômicas do Rio, como também do
grande público.
A adoção do futebol como assunto relevante nos jornais cariocas fazia parte de uma
mudança estrutural pela qual passava os mais importantes periódicos da cidade. Essas
mudanças vão marcar a transição do Império para República e se caracterizam por dois
processos muito intensos no universo jornalístico do começo do culo: primeiro a redução
do número de jornais produzindo uma intensa concentração, e segundo a adoção de
modelos estrangeiros de se fazer jornal.
Havia no Rio uma infinidade de pequenos jornais, de estrutura simples, contendo
em seu interior uma administração de caráter puramente familiar. Eram jornais com forte
engajamento político, bem de acordo com o efervescente panorama da cidade a partir da
década de 1870. Na virada do século, estes jornais perdem força e cede lugar a uma nova
imprensa. Deixada de lado as relações familiares ou de amizade, um modelo empresarial
passou conduzir o novo jornalismo na cidade.
Portanto, entende-se por concentração a redução do número de periódicos e o
surgimento de um menor número de jornais que através de sua nova organização
empresarial vai reunir condições de conquistar mais público, atrair publicidade e, acima de
tudo, conseguir aumentar sua credibilidade junto ao poder político.
A concentração alterou não só a forma de se fazer o jornal, mas também na
significação que esses impressos ganham na sociedade. Surge então uma correlação entre o
discurso dos jornais e o poder político. Foi também a partir da ampliação do poder político
que os jornais assumiram um papel de grande importância junto à sociedade carioca, e a
manutenção dessas relações vai garantir vida longa a muitos desses jornais.
A segunda grande mudança estrutural dos jornais cariocas está diretamente ligada
ao ato de se produzir estas folhas. No instante em que a imprensa assume um caráter
empresarial, vai haver um esforço grande no sentido de conquistar a maior parcela possível
do mercado consumidor. Foi com esse objetivo que se adotou os padrões estrangeiros de
jornalismo. Expresso através da proliferação de revistas ilustradas, de informação e
comportamento; difusão de ilustrações e caricaturas; grandes letras como chamariz das
principais matérias, grandes ilustrações e fotografias como um suporte para a veracidade do
fato divulgado e também como recurso estético.
Essas mudanças vão dar o tom do modelo de jornal a se seguir. O novo jornalismo
tinha que produzir um jornal barato, com notícias informativas e de última hora, com amplo
espaço para as valorizadas ilustrações e fotografias, diminuindo o espaço dos textos. E a
partir daí, o jornal desenvolvia cada vez mais recursos para captar a atenção de seus
leitores.
Em 1901, o Rio de Janeiro vive um revolucionário processo de transformação que
influencia fortemente as condições de instauração do novo modelo de jornalismo. Como
parte deste processo, o Rio passa por intensa intervenção do Estado que, dentre outras
coisas, vai alterar profundamente seu traçado urbano. Essas reformas atendiam à nova
condição da cidade, afinal como capital da República deveria receber uma atenção especial
do poder público, pois era centro administrativo e um pólo aglutinador das várias regiões
nacionais e elo com as capitais do mundo.
A Proclamação da República foi um marco neste processo de transformação urbana,
pois foi responsável pela consolidação de uma certa identidade cultural da cidade. Sua
função de centro do poder a tornou alvo dos projetos políticos que viriam a transformá-la
numa capital moderna e cosmopolita.
O desempenho dos interventores - responsáveis pela efetivação dos projetos de
modernização - tendia a seguir um padrão de atuação bem definido e, geralmente, era
pautado em bases econômicas e ideológicas que visavam adequar o Rio de Janeiro ao
processo de inserção do Brasil na economia capitalista mundial.
A perfeita adequação ao sistema capitalista passava pela modernização. O ideal de
modernização brasileiro tinha como principal referência a Europa. Desdenhava-se tudo que
lembrasse o tradicional. A burguesia carioca criticava a recém extinta sociedade
escravocrata e por isso se esforçava para construir uma nação sobre outras bases.
E em nome deste ideal, a população assistiu drásticas mudanças. Todas elas
corroboradas por uma série de discursos elaborados de acordo com os anseios presentes nas
classes dominantes. Os discursos higienista, econômico e político refletiam a ordem do dia
na política de transformação. E uns dos principais veículos de disseminação desta nova
ordem foram os jornais com seus textos reformulados, mais ágeis, emanando uma sensação
de veracidade presente nas ilustrações e, mais tarde, nas fotografias. O novo estatuto dos
jornais era indispensável para a credibilidade exigida pelos comandantes de tão profundas
mudanças.
E não era apenas um texto novo, a modernização também alterou a forma de
confeccionar os jornais tornando-os mais acessíveis. Como parte do processo de
aperfeiçoamento da indústria da informação, os parques gráficos dos mais importantes
jornais contaram com a introdução de eficientes impressoras capazes de produzir de cinco a
dez mil exemplares por hora
67
.
A substituição das antigas máquinas manuais por máquinas a vapor, caldeiras de
força mais potentes, deixavam o ambiente mais parecido com uma indústria. E a
conseqüência direta deste aperfeiçoamento foi o processo contínuo de barateamento dos
67
MORAIS, Fernando. Chatôo
jornais. Por isso mesmo, cada vez mais pessoas podiam comprá-lo. Tornava-se então
obrigatório o consumo cotidiano de jornais pelas classes alfabetizadas da cidade, em
especial, a burguesia como grupo mais afinado com a ideologia impressa.
O discurso dos jornais ganhava as ruas com a expansão do mercado e a mensagem
dos jornalistas era cada vez mais poderosa. Nessa relação entre as classes, é importante
ressaltar o poder adquirido por quem monopoliza a palavra. A produção dos discursos
estava a cargo dos jornalistas, o que os distinguia dos demais.
Ao lado da modernização física da industria da informação, também era preciso
desenvolver um discurso mais adequado a um extenso grupo popular, os excluídos da nova
paisagem urbana. O discurso desenvolvido a partir da ideologia de progresso tinha como
viga mestra o desenvolvimento de um processo de civilização.
Progresso e disciplinarização, no Rio de Janeiro da virada do século, tornam-se
conceitos chaves para enquadrar a todos no ideal defendido pelas classes dominantes de
finalmente se igualar aos europeus. E neste sentido, também foi o jornal o porta voz de tal
empreitada.
Por isso, remodelar a cidade era tornar palpável a ideologia de progresso reinante.
Significava na prática a reafirmação de valores da classe dominante. Diante do novo,
negava-se o passado colonial, colocava-se em pólos opostos Império e República. Buscava-
se enfatizar o estilo burguês para a sociedade e como símbolo do novo o ideal de Progresso
e Ordem.
Esta nova concepção de espaço urbano não admitia nenhum resquício de tradição.
Perseguiam-se os mestres de obras, elemento popular e responsável por quase todas as
construções até aquele momento. Em seu lugar, colocava-se o arquiteto de formação
acadêmica, com o aval conferido por um diploma, de preferência de universidade européia,
e não mais pela prática. Reproduzindo o ideal europeu de civilização, esses arquitetos
introduziriam no cenário urbano carioca padrão Art-Noveau na arquitetura dos novos
prédios que surgiam.
A arquitetura era apenas a aparência física da cidade, um dos muitos aspectos do
surto de modernização que a atinge no início do século vinte. A remodelação, também era
representada pela condenação de certos comportamentos tradicionais do dia a dia do
carioca.
O avanço para além do sentido estrito de reurbanização arquitetônica fazia parte um
projeto social e político de grande fôlego. Era preciso deixar claro a consagração do ideal
de progresso como padrão definidor da nova condição sóciopolítico do Brasil. Consolidava-
se assim a vitória de uma determinada elite econômica, representada pela burguesia que
pouco a pouco se impunha como classe dominante a ditar as normas de um novo modelo de
sociedade.
Contribuindo para eficácia de todo este projeto, não bastava a imposição de normas
sociais nas ruas pelas forças do Estado. Era fundamental a construção de uma nova
mentalidade burguesa difundida por um discurso homogêneo unificador das normas, dos
padrões e valores a serem incutidos e disseminados. E cabe a essa reformulada indústria da
comunicação a fundamentação deste discurso, agregando ainda a idéia de nação a partir das
normas urbanas. Por isso, a grande incidência de textos jornalísticos a abordar temas como
a modernização, higienização, nacionalismo entre outros, onde se interpretava o
desenvolvimento sob a perspectiva da ordem e do progresso.
Como sujeito fundamental de uma pretensa modernização vai ganhar imensa
visibilidade a figura do jornalista. Difusores da verdade, dos fatos, eles tornam-se eficientes
agentes cooptados pelas classes dirigentes. As mensagens difundidas pelos jornalistas
criavam uma idéia de consenso que contribuía para perpetuação da dominação de classe.
Assim eles criavam necessidades no público ao difundirem uma dita “verdade”
fundamental para a constituição de um senso comum. Por isso, mesmo com linhas
editoriais completamente diferentes e públicos aparentemente diverso, os jornais
mantinham os discursos unificados. Identificamos os mesmos conteúdos e linhas de
interpretação, bem como, as mesmas campanhas nos mais diferentes jornais. Neles,
identificamos também uma afirmação institucional afinada num mesmo padrão de difusão
da informação.
Do ponto de vista editorial, as mudanças também se mostraram significativas.
Ocorre uma verdadeira revolução responsável por importantes alterações no conteúdo, na
forma de editar as notícias e no teor das informações. A partir daí, surge um jornalismo
com profunda repercussão junto às classes dominantes participantes ativas de todo o
processo. Tais efeitos também são sentidos pela população em geral.
A valorização da imparcialidade levou à separação das seções destinadas
exclusivamente às opiniões. O espaço das notícias de caráter estritamente informativo
ganhou com isso uma nova dimensão, relegando o antes destacado artigo de fundo a uma
posição inferior. O dever apregoado pelos principais jornais da cidade era de informar de
maneira isenta, neutra, imparcial e verdadeira
68
os principais fatos que constituíam a
realidade construída por estes periódicos.
A disputa por leitores levou os jornais a aumentarem seu espaço para as notícias
sensacionalistas e também de natureza policial. Até então, relegada a um plano secundário,
alguns desses temas despertavam uma curiosidade muito grande na população e por isso
chamavam a atenção dos editores. Interessados nas tiragens, assuntos populares como
crimes bárbaros, muitas vezes destronaram temas políticos ou econômicos do lugar de
honra antes ocupados por eles. Muitas vezes a violência da cidade foi parar nas primeiras
páginas dos mais importantes jornais.
A plena concretização dos objetivos implícitos nas diversas alterações dos editoriais
deveria levar em consideração a expansão demográfica da cidade Ampliada em grandes
proporções, a população carioca passava a se apresentar como um possível mercado
consumidor para os reformulados periódicos.
A libertação dos escravos e a intensa imigração estrangeira, sobretudo de
portugueses, foram as principais causas desta explosão demográfica averiguada no Rio de
Janeiro pós a proclamação da República. Entre 1872 e 1890 a população quase dobrou,
passando de 266 mil habitantes para 522 mil, mais 166 mil habitantes que engrossariam
estes números a partir da década seguinte, o que faria da cidade do Rio de Janeiro a única
cidade brasileira com mais de 600 mil habitantes.
69
Nem todos eram consumidores em
potenciais de jornais. Mas é certo que de alguma forma geravam um mercado consumidor,
movimentavam a economia e proporcionavam o desenvolvimento das indústrias da
informação.
A brusca transformação sofrida pela cidade dez anos após a proclamação da
República, dava o tom da intensa expansão da indústria da informação. Com suas imensas
avenidas e prédios afrancesados, a cidade recebia um novo traçado e se estendia para além
68
Todos adjetivos amplamente encontrados nos mais importantes jornais do Rio de Janeiro.
69
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo. Ed. Companhia da letras. 1987.
das áreas contempladas com as reformas. Parte do Rio de Janeiro civilizava-se, chegando
bem próximo do ideal europeu sonhado pelas elites. Criando condições estéticas, sanitárias
e de segurança para o amplo domínio das classes dominantes. Era essa minoria que ditava o
discurso dos jornais.
A pirâmide social carioca da virada do século tinha o cume extremamente afilado.
Era formada, de cima para baixo, por banqueiros, grandes comerciantes, empresários,
proprietários, e depois por um setor médio formado por funcionários públicos, comerciários
e profissionais liberais. Por fim um operariado em formação composto por escritores,
trabalhadores das industrias têxteis e das empresas de transporte, militares e policiais. E
uma ampla base formada por empregados domésticos, vendedores ambulantes e uma
infinidade de profissões indefinidas. Incluindo atividades ilícitas como prostituição e
banditismo.
70
Em meio a esse múltiplo matiz de cores é que se encontrava o público dos jornais.
Imensos investimentos e uma verdadeira revolução editorial foram feitos para alcançar o
maior público possível. Visando este mesmo objetivo, abriu-se maior espaço para o gênero
literário que a ocupou com a disseminação de diversos folhetins. Dando visibilidade aos
escritores que passaram a ver os jornais como importante veículo de reconhecimento. E
para os jornais mais um atrativo para os leitores.
Outra inovação que compactuaria de forma clara com este período de
“industrialização”, e que encontraria nos jornais seu lugar natural, eram as crônicas sociais.
As crônicas (depois colunas sociais) eram responsáveis pela definição e disseminação de
um do padrão cultural a ser seguido naquele momento, contribuindo para padronizar o eixo
da vida burguesa de gostos e etiquetas de acordo com o que era ditado pela moda.
71
A imprensa esportiva também faz parte da revolução vivida pelas redações. Como
uma nova especialização, os cronistas o receber com um enorme entusiasmo a formação
da Liga da Metropolitana. Abrindo espaços cada vez mais generosos para o futebol, os
70
MOURA, Roberto. A indústria cultural e o espetácul-negócio no Rio de Janeiro. In: Entre Europa e
África. A invenção do carioca. Org. Antonio Herculano Lopes. Rio de Janeiro. Ed. Topbooks. 2000.
p.116.
71
NEEDELL, Jefrey D. “Belle Époque tropical: Sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada
do século.” São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1993.
jornais vão se esmerar para fazer compreender a nova prática. Os cronistas, de acordo com
os ideais dos grupos dominantes da Liga, vão agregar valores civilizatórios ao futebol.
Assim, afinado com os consumidores dos mais importantes periódicos do Rio de
Janeiro, o futebol vai representar um lucrativo e promissor setor de editoria dos jornais. Ao
participar da promoção do novo esporte, o jornal vai procurar reproduzir o discurso dos
introdutores. Expondo as expectativas daqueles que dia a dia iam civilizando-se,
absorvendo o estilo europeu e todos os valores agregados no jogo.
No entanto, ao curvar-se ao jogo paradoxalmente a imprensa contribui para a
ampliação de seu público consumidor e também para a transformação do futebol num
grande esporte de massas. Dá visibilidade maior a jogadores e clubes, e transforma o
campeonato organizado pela Liga Metropolitana no mais importante e, de certa maneira, o
oficial da cidade.
O prestígio alcançado pelo futebol, a presença constante nas altas rodas como
assunto predileto aguçaram a visão empresarial dos jornais. Por isso, adotam uma postura
diferente nas coberturas esportivas. Sem o desleixo de tempos atrás, os jornalistas vão se
esforçar em bem noticiar os eventos futebolísticos da cidade. Os jogos reunindo os ricos
rapazes cariocas deixaram de ser simples divertimento e passaram a ser levado mais a sério
por todos. Afinal estava em jogo a disputa de uma Taça. Portanto, a competitividade passou
a ser um ingrediente a mais, com um poder de atração não sobre a população em geral
como também nos jornalistas. Esse poder de atração se materializa na ampla cobertura
dada ao primeiro campeonato de futebol disputado no Rio de Janeiro.
Foi um indiscutível sucesso a disputa do primeiro campeonato de futebol do Rio de
Janeiro. Os jogos foram um grande sucesso de público, os cronistas escreviam em suas
colunas o desenvolvimento que este ramo da educação phisyca adquiriu ou, ante a
aceitação que este alcançou, na nossa mocidade foi as das mais animadoras”.
72
O campeonato que se iniciou em maio de 1906 com uma sonora goleada de 7 à 1 do
Fluminense sobre o Payssandu, tinha o sistema de jogos de ida e volta. Encerrando-se em
fins de outubro, reafirmou a superioridade do Fluminense sobre os demais clubes. Absoluto
desde a primeira goleada, perdendo somente uma partida para o mesmo Payssandu. O
Fluminense sagrou-se campeão vencendo o Bangu. Ao fim, a imprensa esportiva curvava-
72
Jornal do Brasil 27/04/1906
se diante do sucesso. Os cronistas chegavam a afirmar “O foot-ball, por ocasião do
encerramento da estação de 1906, tornou-se desde daquela data o sport preferido dos
jovens cariocas”.
73
O primeiro campeonato tinha sido um sucesso indiscutível. Por causa deste sucesso
a Liga Metropolitana de Futebol inicia o novo ano ainda mais forte. Visando a consolidação
total do controle do futebol, a Liga vai executar uma série de mudanças. A primeira delas
transforma a Liga num centro esportivo nacional, no momento em que ela passa a aceitar a
afiliação de outras ligas estaduais.
A outra significativa mudança acabou gerando muita controvérsia. A restrição a
determinadas profissões e a exclusão de negros dos quadros do futebol carioca, causou
divergência entre os clubes e uma divisão e o desagrado de alguns times. Por outro lado, o
posicionamento da entidade máxima do futebol carioca demonstrava a posição de liderança
da organização do futebol assumida pelos clubes refinados. As regras de conduta
elaboradas por eles, ganhavam as páginas dos jornais e status de comportamento dominante
e esperado dos jogadores e torcedores dentro dos jogos.
Mas não era somente o comportamento dos envolvidos com os jogos que estava em
jogo. O grande objetivo das novas determinações da Liga era definição exata do perfil dos
sócios da entidade. De alguma maneira os dirigentes queriam oficializar a exclusão, fazer
dela uma regra comum entre os clubes. Em maio, antes do início do campeonato seguinte, a
Liga publica a nova orientação da entidade.
Comunico-vos que o Diretório, em sessão de hoje,
resolveu por unanimidade que não sejam registradas como atleta
amador as pessoas de cor. Para os fins convenientes, ficou
deliberado que a todos os clubes filiados se oficiaria nesse sentido
a fim de que, ciente desta resolução e de acordo com ela possam
proceder.
74
73
Idem 1/11/1906
74
Gazeta de Notícias 14/05/1907
O comunicado é uma demonstração clara da transferência para o mundo esportivo
de toda a ideologia reinante fora dele. Demonstra também que instituições liberais
formadas na virada do século no contexto republicano ganhariam um perfil nacional,
esculpido pelas elites exclusivistas. Assim a utopia de uma cidade moderna, a verdadeira
civilização dos trópicos, carregava a marca da subestimação da maioria por suas marcas
raciais e econômicas. O mundo oficial” do futebol reproduzia esta ideologia civilizatória
ao tentar definir o perfil de seus atletas.
O estabelecimento de regras o explícitas nos claras pistas de que o futebol
começava a sair do controle, caminhando a passos largos e desde cedo para uma
irreversível popularização. Os dirigentes precisavam tocar o alerta para manter o futebol
sob controle.
Era inimaginável para os membros da Liga um futebol jogado fora dos círculos
elegantes, ou pelo menos, isto era indesejado. Mesmo que alguns afirmassem ver no
futebol um elemento educador e civilizador. Ainda que entusiastas do jogo de bola
afirmassem ter os esportes à tarefa nobre de formar uma nação sadia, valorizando a
máxima: mens sana in corpore sano. Havia, na contra mão deste entusiasmo esportivo, um
forte preconceito.
Era lugar comum entre as elites brasileiras acreditar numa apatia inata ao povo,
manifestada claramente na enorme massa de excluídos constituída por mendigos,
inadaptados, agitadores sociais e desocupados a vagar pelas ruas das cidades. Por fim, a
afirmação cientifica da inferioridade racial dos negros, era justificativa suficiente para o
repudio da sociedade para massa de negros egressa da Abolição. Nesse contexto,
entendemos o posicionamento segregacionistas dos dirigentes do futebol carioca ao afastar
os trabalhadores braçais e os negros.
A medida não foi aceita de maneira unânime por todos os representantes da
entidade. Com seu perfil estrangeiro cada vez mais atenuado, o time do Bangu tornava-se
um time muito mais voltado para os operários. Embora ainda fosse dirigido pelos ingleses,
o clube havia se transformado numa das principais opções de lazer do bairro. Sendo assim,
não era de se estranhar que o time, os funcionários da fábrica e os moradores tivessem uma
relação muito próxima.
Com o intenso processo de proletarização do time aumentavam as chances de
encontrarmos um jogador com o perfil contrário as novas normas da Liga Metropolitana. O
time do Bangu muitas vezes foi formado com operários da fábrica de tecido, isto era
comum desde os tempos de sua fundação, e foi o motivo principal da perseguição da Liga
Metropolitana.
Na disputa do primeiro campeonato, não era somente os operários que
incomodavam os demais clubes. Entre os jogadores escalados, havia um negro. Era apenas
um em meio a um time maciçamente composto por brancos. Mas era o suficiente para
marcar a profunda diferença entre o clube do longínquo subúrbio e os mais refinados clubes
da Zona Sul.
Com uma formação heterogênea demais para os padrões elitistas do futebol carioca,
o Bangu parecia ser o alvo preferencial das novas resoluções tomadas pelos dirigentes da
Liga. A animosidade para com o clube suburbano não era algo novo e esteve presente
durante todo o primeiro campeonato. Reclamações contra a distância e principalmente aos
procedimentos adotados pela apaixonada torcida local.
Foi o que aconteceu num jogo contra o Payssandu. Sem obedecer às normas de
comportamento estabelecidas para um civilizado esportista, o jogo acabou em grande
confusão. Bem longe de estar de acordo com os valores nobres atribuídos às partidas de
futebol, os sócios do Bangu eram vistos, pelos demais clubes, como um elemento não bem
quisto pela liga.Um dos principais jornais, como porta-voz de um futebol civilizado e
burguês, idealizado pelos dirigentes da liga, assim noticiou o fato:
O match jogado domingo último entre o Payssandu
Cricket Club e o Bangu Athletic Club, match este que foi
uma verdadeira decepção para quem acompanha com
interesse o desenvolvimento do foot-ball no Rio de Janeiro.
A Liga ao que sabemos, tomará enérgicas
providências para que os fatos sensuráveis que se deram na
referida prova, e no qual se acham envolvidos diversos
jogadores do Bangu não mais se reproduzam em bem da
moralidade e civilidade do salutar sport.
75
Como as antipatias contra o Bangu não eram, portanto, uma novidade. A nova
política de exclusão desenvolvida pela liga vai atingir em cheio o clube suburbano. As leis
de exclusão racial não eram apenas eficazes instrumentos para evitar o convívio no interior
dos clubes de elites com negros ou trabalhadores indesejáveis. Serviu também para evitar a
coexistência com clubes mais democráticos e abertos a presença de uma maior diversidade
social.
Em apoio aos seus sócios, o Bangu afastou-se da liga, por discordar da nova
orientação racista da entidade. O afastamento do Bangu representa bem os objetivos da
Liga Metropolitana em manter um perfil exclusivista de seus afiliados. Porém, ela não
conseguiu conter a onda de novos clubes suburbanos que continuavam a surgir. Nem as
diversas disputas elaboradas entre eles. Iniciativas que ainda ganhavam espaço nos jornais
em seções como a Liga Suburbana do Jornal do Brasil.
Mas não significa dizer que havia uma total popularização do futebol pela cidade.
Mesmo sendo times de subúrbio, muitos desses clubes procuravam manter um certo
refinamento. Portanto, ainda estava presente a áurea de refinamento requerida pelos
fundadores, mesmo que estas entidades fossem mais flexíveis do que aquela formada pelos
times da Zona Sul.
Longe de promover a popularização do futebol entre as mais diversas classes. A
Liga Metropolitana de Futebol fechava os olhos aos muitos clubes que surgiam nos
subúrbios e as suas disputadas partidas. Normas de exclusão eram a marca da liga.
Impedia-se assim a entrada de trabalhadores braçais, ou mesmo, a eliminação dos homens
de cor dos campos mais refinados da cidade. Ficava bem claro o caráter restritivo dos
dirigentes dos oito clubes que compunham a Liga. Reflexo de uma política de
hierarquização social presente nos mais diversos campos da política nacional.
Diante do fim de alguns dos sinais mais evidentes de separação dos ex-escravos que
abarrotavam os centros urbanos brasileiros, além, de uma infinidade de trabalhadores das
75
Jornal do Brasil 14/07/1906
mais diversas profissões, a Liga estava determinada a selecionar bem os seus membros. O
futebol brasileiro espelhava uma sociedade desigual, onde os jovens sócios dos principais
clubes cariocas ocupavam um degrau superior na hierarquia social da cidade.
A clara distinção social perdida com a Abolição e a instauração da República era
refeita sob auspícios da construção de um novo povo. Os círculos endinheirados que
haviam perdido seus referenciais de dominação encontraram nos clubes de futebol uma
maneira de expressar sua superioridade sobre os demais grupos sociais.
As qualidades desse grupo social se baseavam em teorias higiênicas que
determinavam, como critério de superioridade, a prática de exercícios físicos. A educação
física, como afirmavam os seus defensores, seria a solução para dar fim a preguiça
congênita do povo brasileiro. Seria a solução para construção de uma nação forte e viril.
Como uma espécie de justificativa moral, provada nos campos de futebol, para a
ascendência de um determinado grupo sobre os demais. Esta ideologia delimita claramente
um espaço onde a juventude de clubes refinados como o Fluminense se apresentam como
uma fatia superior ao resto da população.
Mesmo com uma clara política restritiva o futebol se difundia pelos mais
longínquos bairros da cidade. Ainda assim, o campeonato organizado pela liga era um
grande sucesso. Os jogos reuniam os grupos mais elegantes da cidade, nos estádios as
damas desfilavam os mais novos vestidos, bem como, os rapazes faziam dos estádios um
autêntico salão. Os cronistas descreviam assim alguns destes jogos:
Nos grandes matchs, recebe a polychromia
estonteante dos vestidos femininos e das leves roupas claras
dos rapazes de bom gosto, que sob um céu azul e sobre a
relva ganha em esplendor. O povo se acostumou a ir levar-
lhe, aos domingos, a homenagem dos seus aplausos e a
sanção de sua ilustre presença.
76
Ao descrever uma partida de futebol a partir das roupas e do bom comportamento
(boas maneiras) do torcedor, o cronista lança um olhar diferenciado para os esportes.
76
Revista Fon-Fon 4/05/1907
Deixando de lado o caráter esportivo propriamente dito, o futebol aparecia como mais um
o evento da moda. Por isso se justifica a sua presença em revistas como a “Theatro e
Sport”.
Tendo como público alvo a fina flor da juventude carioca, a “Theatro e Sport” era
uma verdadeira revista de comportamento. Sua maior preocupação era noticiar a presença
das mais ilustres personalidades ao circuito de espetáculos carioca. Como o espetáculo da
moda no Rio de Janeiro do início do século, o futebol migrava das seções e periódicos
esportivos para as colunas sociais.
Praticado e assistido por uma minoria abastada, com plenas condições de comprar
ingressos e comparecer aos estádios e também com condições de se associar aos mais
refinados clubes do Rio de Janeiro. Por isso não era surpresa a existência de uma seção na
revista “Theatro e Sport” dedicada a comentar sobre o comportamento das platéias
futebolísticas.
Descrevendo com assídua freqüência as roupas usadas nos jogos, listando grandes
personalidades e também mostrando o forte comparecimento feminino nos estádios. O
futebol era presença garantida nos noticiários de comportamento, um sinal de refinamento
para os inúmeros praticantes. Futebol era para elite carioca um diferencial em relação as
demais categorias sociais da cidade.
3.2 O ponto de ebulição e o transbordamento.
Transformado num grande modismo o futebol demarcava um espaço muito estrito e
ocupado por uma burguesia muito rica atrás de um lugar de distinção na nova sociedade
que inaugura o novo século. Ainda assim seu alicerce era bastante frágil. A teoria higiênica
e o ideal de civilização presente nos discursos elaborados pelos entusiastas do jogo
começavam a conviver com uma infinidade de contradições.
O franco desenvolvimento do campeonato trazia a reboque os sinais dessas
incoerências. As rivalidades entre os clubes se acentuavam mais a cada dia, deteriorando a
imagem civilizada e nobre defendida pelos dirigentes, jornalistas e jogadores ligados a
prática do futebol. Alguns dos principais problemas atrelados e reconhecidos pelos
cronistas e difusores do futebol começavam a ser registrado no futebol brasileiro. Dentre
eles a violência.
John, que na álgebra nunca passou da escripturação por
partilhas dobradas, acudiu o úmero direito, e foi me contando
vantagens de ser a gente sempre o primeiro em tudo.
__ Tenho um braço quebrado __ disse __ porque na escola
sempre quis ser o primeiro no foot-ball.
__ E foste?
__ Fui, sim, o primeiro a entrar na enfermaria.
77
Os jornalistas tinham ciência do nível de violência presente no futebol e de como
uma série de regras foi desenvolvida na Inglaterra justamente para conter esta violência
natural ao futebol. A crônica mostra exatamente isso, através do diálogo entre um inglês e
um brasileiro a cerca das coisas do futebol. No entanto, era parte do discurso dos
entusiastas do futebol o papel civilizador atribuído ao futebol.
A disputa do campeonato passava a agregar uma violenta competição, contrária ao
ideal de cavalheirismo e amadorismo exigido aos dirigentes, torcedores e atletas, pelos
defensores do futebol. A competitividade desmedida para os padrões esperados teve
reflexos na disputa do segundo campeonato organizado pela liga Um relatório produzido
pelo Fluminense inúmera uma série de “indisciplinas” cometidas ao longo do campeonato.
Tendo como principal alvo o Botafogo, o relatório descreve episódios que vão de
comportamentos condenáveis como vaiar os árbitros e jogadores até a agressão física de um
juiz.
78
A preocupação especial com Botafogo, talvez se explique, pelo fiasco da final do
campeonato carioca de 1907.
Sem a presença de Bangu e Rio Cricket que haviam se desentendido com a liga. No
caso do Bangu a causa foi a proibição da participação de negros pela liga, já que sua equipe
contava com dois jogadores negros em seu plantel, Francisco Carregal e Manoel Maia. O
77
Revista Fon-Fon 15/04/1907
78
“Do relatório do Fluminense de 1907”, Actas de assembléias gerais do Fluminense F. C., v.1.
Botafogo antes mesmo da final se indispunha com a liga, criticando a proibição dos
jogadores negros e mantendo um no seu segundo time, Paulino de Souza.
Fluminense e Botafogo chegavam ao final do campeonato com a diferença de uma
vitória. De acordo com o regulamento, em caso de empate por pontos perdidos levaria o
título àquele que tivesse um maior saldo de gols. O Botafogo somava 14 gols contra 16 do
Fluminense. Faltava apenas um jogo ao Botafogo contra a Associação Athlética
Internacional justamente o lanterna do campeonato. Os alvinegros davam como certa a
vitória na última rodada, e dada à fragilidade do adversário, as chances de ser por um placar
dilatado eram ainda maiores o que os levaria ao primeiro título.
Mas estranhamente no dia do jogo a Associação Atlética Internacional não
compareceu ao campo, caracterizando assim sua derrota por W.O (Walk-Over),
impossibilitando ao Botafogo ultrapassar o Fluminense no saldo de gols. O Botafogo
sugere uma nova partida contra o Internacional, a fim de resolver o impasse. Mas o
Fluminense não aceita, insiste no cumprimento do regulamento, alegando também ter
vencido o Internacional por W.O.
O presidente do Botafogo, Souza Ribeiro que também era sócio do Fluminense
argumenta que na ocasião da vitória do tricolor das Laranjeiras o Internacional estava
suspenso pela liga o que era muito diferente de uma simples desistência. Diante da postura
intransigente por parte dos sócios do clube das Laranjeiras, restou uma última cartada dos
alvinegros: uma partida final para decidir o campeão. E por mais uma vez o Fluminense
não aceitou, alegando que deveria se fazer valer o regulamento.
Com mais esta negativa, o embate entre os dois clubes levou a uma grave cisão na
liga e o campeonato de 1907 chegou ao fim sem um vencedor.A pendenga se arrastou por
oitenta e nove anos e foi resolvida em 1996, quando a Federação carioca de Futebol
declarou os dois campeões. Mesmo com uma trajetória bem sucedida, e dos apelos de
alguns entusiastas do futebol que viam na saída de alguns membros não o fim da
instituição, e sim da desorganização existente, a dissolução foi inevitável.
As rivalidades produzidas a partir da paixão dos associados pelos seus respectivos
clubes falaram mais alto do que a crença nos ideais de união e civilidade esperados pelos
fundadores da liga. Ainda que alguns jornalistas e outros apaixonados por um futebol
imerso em valores de civilidade e ordem, o esgotamento da Liga Metropolitana de Football
foi inevitável.
Extinta a Liga Metropolitana, em face da crise surgida com o desacordo entre
Fluminense e Botafogo os finalistas do campeonato de 1907, os clubes resolveram criar
uma nova entidade. Reunindo-se, em fevereiro de 1908, América, Fluminense, Botafogo,
Payssandu, Rio-Cricket e Riachuelo, criavam a Liga Metropolitana de Sports Athleticos.
O desmoronamento em pouco mais de dois anos da antiga liga, demonstram a
imensa fragilidade dos argumentos que serviam de sustentação para os argumentos dos
entusiastas dos esportes. A competitividade e as rivalidades entre os clubes foram agentes
altamente corrosivos para o ideal de união desejado pelos atletas dos clubes elegantes.
Pouco a pouco os sócios e dirigentes desses clubes foram deixando de lado o entusiasmo
por princípios que não mais se adequavam totalmente à realidade da disputa do
campeonato.
Mesmo enfraquecido os ideais, o controle efetivo da competição continuava nas
mãos de uma juventude elegante responsável pelos rumos administrativos do jogo. Ainda
que os arredores dos estádios estivessem repletos de espectadores muito distintos do perfil
elegante pré-estabelecido pelos convidados dessa nobre festa, o futebol claramente deixava
de ser uma prática exclusiva desta classe social.
As garantias de sofisticação e a capacidade de evidenciar distinções classistas
asseguradas pelos membros da liga estavam suspensas em bases pouco vigorosas e logo se
perderiam. Pois, longe de ser praticado somente pela fina juventude associada aos mais
importantes clubes da cidade, o futebol já era uma febre também entre os mesmos
trabalhadores, negros e pobres que os dirigentes tanto queriam se distinguir. O máximo que
a liga conseguia era manter a marca de sua superioridade em um discurso irreal e um frágil
monopólio do esporte.
Além do campeonato carioca organizado pela nova Liga, o futebol carioca assistiria
uma outra novidade em seus campos. Com uma força suficiente para quebrar os paradigmas
envolvidos na realidade futebolística da cidade, o novo evento serie uma espécie de estopim
para a popularização do futebol. Tratava-se da visita da seleção Argentina ao Brasil.
O jogo teve um forte apelo, pois mesmo habituado a jogos envolvendo brasileiros e
ingleses residentes na cidade, seria a primeira vez que uma seleção estrangeira jogava no
Brasil. Conseguindo reunir uma espantosa multidão que lotou não o estádio, mas
também todo o seu entorno. Era a primeira vez que um público deste tamanho e tão
múltiplo torcia por uma mesma equipe extrapolando assim o que habitualmente acontecia
nos jogos domésticos
O enorme interesse despertado por este jogo mereceu especial atenção da imprensa.
Mesmo aumentando consideravelmente seu espaço dedicado aos esportes, até então
nenhuma atividade havia merecido o privilégio de ocupar a primeira página. E mesmo com
três derrotas consecutivas para os argentinos a partida conseguiu congregar todas as
atenções. E foi justamente por isso que a Gazeta de Notícias dedicou-lhe a honra de ocupar
a primeira página da edição de nove de julho de 1908.
Foi o primeiro de uma série de jogos envolvendo equipes brasileiras e seleções
estrangeiras que marcariam o início da nova década. Tais jogos dariam o tom da aceleração
do processo de popularização do futebol. Com um poder impar de atração, estas partidas
contribuíam para alteração do perfil dos entusiastas do jogo e freqüentadores dos estádios.
Formando assim um blico cada vez mais heterogêneo, dando ao futebol um novo status,
bem diferente daquele refinado e restrito até então construído.
A força de sedução presente nos jogos internacionais possibilitam visualizar dois
processos distintos atrelados a esses jogos. Havia uma forte articulação de grupos muito
diferentes em nome de um mesmo propósito, a vitória da equipe brasileira. Através dessa
articulação percebemos a consolidação, por meio do futebol, da identificação dos
torcedores pertencentes as mais diversas camadas sociais, na constituição de uma
identidade nacional. A reboque dessa construção aumentava consideravelmente o interesse
e a propagação do futebol no Rio de Janeiro.
Após o retorno dos argentinos ao seu país, os campos cariocas retornavam a rotina
da disputa de seu campeonato. Apenas dois anos depois do primeiro jogo efetivamente
internacional envolvendo um time brasileiro, o país novamente se preparava par uma ilustre
visita. Desta vez, com um peso simbólico infinitamente maior do que o selecionado
argentino, os cariocas se preparavam para o primeiro confronto com um time
autenticamente inglês. Os rumores deste jogo eram recebidos com grande entusiasmo pela
torcida e também pela imprensa que logo se pôs a divulgar e promover o evento.
Em face do sucesso de público dos jogos contra os argentinos havia uma nítida
preocupação com a organização deste jogo. “Estando os bilhetes de ingresso a venda por
intermédio de alguns sócios, em vista da extraordinária procura que tem tido e para evitar
atropelos nos dias de jogo”
79
. Tanta euforia era mais do que esperado, afinal os ingleses
representavam o ideal de futebol bem jogado, e naquele momento se teria a oportunidade
única de assistir a grande escola do esporte mundial, na verdade, o seu berço. Por isso os
jornais se esmeravam na cobertura e na promoção do evento.
Havia uma verdadeira idolatria aos britânicos entre os dirigentes e jogadores. Além
da adoção do próprio futebol como esporte, outras modalidades esportivas faziam parte do
leque de lazer ligada a rica juventude carioca. A ascendência britânica não se restringia aos
esportes e seus mais variados valores agregados, mas se estendia a diversos setores
culturais da sociedade brasileira.
Era tão intensa essa idolatria que se chegava ao cúmulo de se reverenciar até a
Monarquia inglesa, um de seus mais influentes símbolos. Como ficou claro na alteração da
data de uma das partidas do Campeonato Carioca daquele ano, entre as equipes do Rio
Cricket and athletic Club e o Botafogo F. C. que foi suspenso por motivo do falecimento de
sua Majestade o Rei Eduardo da Inglaterra
80
Antes da visita dos argentinos, os paulistas haviam tentado sem sucesso trazer o
Nothingan Forest, da Inglaterra para algumas partidas no Brasil. No entanto, coube ao
Fluminense de Oscar Cox, em 1910, primazia de trazer um clube inglês para o disputar uma
série de partidas contra os principais clubes daqui. Tratava-se do Corintthians, um time
amador, formado por estudantes das universidades de Oxford e Cambridge. Conhecidos
pelo excelente futebol que jogavam, os brasileiros não esperavam ganhar dos ilustres
visitantes e viam a partida apenas como uma oportunidade de desenvolver sua técnica
aprendendo com os mestres ingleses.
81
A bordo do navio Aragon, os ingleses chegaram ao Rio de Janeiro a última parada
de uma excursão que incluiu África do Sul, Paris e Praga.
82
Logo que chegaram foram
79
Jornal do Brasil 14/08/1910
80
Jornal do Brasil 13/05/1910
81
Jornal do Brasil 14/08/1910
82
HAMILTON, Aidan. Um jogo inteiramente diferente! Futebol: A maestria brasileira de um
Legado britânico. Rio de Janeiro. Ed. Gryphus, 2001. p.86
recebidos com diversas homenagens e seguiram para o hotel Metrópole, em Laranjeiras.
Seus jogos foram uma grande atração. Com uma campanha vitoriosa e impecável goleando
nos três jogos com placares elásticos: 10 à 1, 8 à 1 e 5 à 2 sobre o Fluminense, seleção
carioca e seleção brasileira respectivamente.
Deixado como ultima atração da passagem do Corinthians pelo Rio de Janeiro, o
jogo contra a seleção brasileira foi certamente o mais concorrido dos três, assim o Jornal do
Brasil descreveu o evento.
O enthusiasmo que despertou a vinda do Corynthian’s
team ao rio de Janeiro, para a disputa de alguns matchs de foot-ball
foi como se podia prever, extraordinária.
Dia a dia a concorrência ao campo da rua Guanabara
augmentou e hotem chegou ao auge, vendo-se alli o que o Rio
possue de mais elegante e mais distincto.
As archibancadas regurgitavam de espectadores que, com
interesse, acompanhavam a lucta entre um team composto por
rapazes da nossa sociedade e o valoroso team inglez campeão
mundial.
83
Assim como o jogo contra os argentinos, este também despertou um grande
interesse, das mais diversas classes sociais. A essa reunião sportiva compareceu o Sr
Presidente da República, acompanhado de sua senhora e membros das suas casas civil e
milita. Também compareceram o Sr Ministro da Inglaterra e senhora, sendo a sua chegada
saudada com o hymno inglez.”
84
. Havendo uma união das mais diversas classes sociais nas
imediações do estádio, o jornal O Paiz, chegou a afirmar ter sido este jogo uma verdadeira
febre de patriotismo.
85
A visita de equipes estrangeira serviu como elemento aglutinador de uma
heterogênea multidão em prol de um mesmo objetivo, a vitória de um selecionado ou time
brasileiro sobre o estrangeiro. Por isso, estes jogos marcaram o inicio de uma sólida
83
Jornal do Brasil 29/08/1910
84
Idem.
demonstração de identidade nacional ligada à seleção brasileira e de euforia em torno de
uma partida de futebol.
Seguiram-se a seleção Argentina e ao Corinthians diversos outros times dos mais
variados lugares: as seleções do Chile, Uruguai e Portugal, e ainda o retorno dos argentinos
em 1912. Novamente uma verdadeira multidão se exprimia para ver aquele jogo que no
futuro viria a ser a maior rivalidade da América do Sul. O jogo entre uma equipe formada
pela Liga Metropolitana e os argentinos era uma mostra definitiva do poder de tais eventos
e do impulso que eles davam a popularização do futebol.
...por ser o match em que as probabilidades de Victória dos
cariocas eram maiores as archibancadas do campo da rua
Guanabara receberam em peso a nossa mais fina roda mundana,
todo o Rio sportivo, apresentando um aspecto das concorrências
enormes que na Inglaterra e nos Estados Unidos comparecem aos
matchs de foot-ball.
A pelouse, todas as dependências do bello field, as
escarpas dos morros fronteiros, e até os telhados das archibancadas
e das casas próximas, eram ocupados por uma multidão que
ansiosamente acompanhava o desenvolvimento do jogo.
Essa multidão irriquieta, que se manifesta com
espontaneidade applaudindo os que mereciam, aquelle numero
considerável de pessoas, que se premiam, nas archibancadas, na
pelouse, aqui e ali, para melhor acompanhar as peripécias do jogo,
emprestam ao local um effeito soberbo.
86
Como afirmou entusiasticamente o cronista, a possibilidade de uma vitória foi um
elemento fundamental para o tamanho do público presente, que mais uma vez contou com a
presença do presidente da República
87
. Um certo ufanismo estava por trás da multiplicidade
das multidões que compareciam aos jogos internacionais. Um público que não esperava
85
O Paiz 29/08/1910
86
Jornal do Brasil 16/09/1912
87
Idem
mais aulas com os mestres estrangeiros e sim uma vitória para ratificar sua paixão pelo jogo
e seu país.
Mesmo com o imenso apoio da torcida os argentinos mais uma vez derrotaram o
brasileiros com extrema facilidade, pelo elástico placar de 5 à 0. No entanto, não demoraria
e essa primeira vitória brasileira logo viria, contra um combinado português em 1913. Mais
uma vez sob alvo dos olhares ansiosos e atentos de uma concorrência superior a 10.000
pessoas” espalhadas pelas arquibancadas, muros das residências e morros vizinhos. A
grande maioria daqueles espectadores, segundo o cronista, tinha sido “arrastada pelo
patriotismo”.
88
Às manifestações patrióticas em torno dos times estrangeiros somava-se um incrível
entusiasmo dos defensores do esporte em relação ao progresso do futebol no Brasil. Os
jornais saudavam em suas folhas essa evolução e abriam espaços para que alguns
jornalistas a explicassem a partir de teorias que levavam em conta aumento da prática do
jogo entre os brasileiros.
A mocidade de todos os tempos tem as suas horas de
trabalho ou estudo, tem as suas horas de ócio empregadas aos mais
diversos fins, e vão tendo em todo mundo as horas consagradas aos
sports.
89
“Decididamente os sports progridem a olhos vistos em nossa capital, ocupando
inegavelmente um lugar de honra o nosso foot-ball”.
90
As repercussões da vitória sobre os
portugueses foram altamente positivas possíveis e levaram os sócios dos clubes, dirigentes
e entusiastas do futebol a debaterem fórmulas para viabilizar o desenvolvimento do esporte
no Brasil.
Um dos vetores mais interessantes dessa discussão foi a repercussão nos meios
esportivos da publicação de uma notícia dada por um jornal argentino. Informando que a
federação de Santiago convocou todas as instituições esportivas do país para formar a
equipe de futebol chilena, com os melhores jogadores do país que apresentasse as seguintes
88
Jornal do Brasil 15/07/1913
89
Jornal do Brasil 22/07/1913
90
Jornal do Brasil 27/07/1913
condições: 1º serem de nacionalidade chilena; 2º devem ser os melhores ou do mesmo nível
que os jogadores de Santiago; devem ter disponibilidade para servirem a seleção em
qualquer lugar e momento.
A organização do time chileno que breve estaria no Rio de Janeiro chamou a
atenção para a organização de uma seleção nacional, composta pelos melhores jogadores e
conseqüentemente mais competitiva. Definitivamente não queríamos mais ser aprendizes,
chegava a hora de impor o nosso futebol.
Depois de eloquentíssimas palavras, somos impelidos a
traduzir o pensamento que ocupa a mente do leitor: E nós
brasileiros o que vamos fazer, o que fazemos e o que temos feito?
O problema de nossa representação em jogos
internacionais carece de ser resolvido com urgência ou pelo menos
remediado nesse momento.
Quais são os terinos que tem feito os scratches organizados
pelo Fluminense F. C. para enfrentar o Corinthians que chega
amanhã e jogarão na quinta-feira?
Com pesar assim dissemos:
Quais serão os scratches que vão jogar contra os chilenos e
quem vai organizar?
A Liga Metropolitana precisa cuidar do assunto e com
urgência.
91
Havia uma verdadeira preocupação patriótica com a organização de uma seleção
que melhor representasse o país contra os adversários estrangeiros. Mais uma vez
convidado pelo Fluminense, os ingleses do Corinthians retornavam ao Brasil para uma
nova série de três jogos. Alertados pelos cronistas esportivos, a Liga tratou de desenvolver
um método para a escolha dos jogadores da seleção brasileira. Seguindo três regras distintas
para cada um dos três jogos, os dirigentes da Liga esperavam obter uma resposta sobre em
91
Jornal do Brasil 17/08/1913
que se encontra o desenvolvimento do futebol no país. No primeiro jogo o time seria
formado exclusivamente por brasileiros, no jogo seguinte seriam apenas os estrangeiros
e, por fim, o terceiro teria apenas os melhores independente de suas nacionalidades.
92
E para espanto de alguns e alegria da maioria foi justamente com o primeiro time
que os brasileiros, pela primeira vez, derrotavam uma equipe inglesa. Dada a memória da
retumbante da última passagem deles dois anos antes – chegando a nos aplicar uma goleada
vergonhosa de 10 à 1 – essa a vitória teria um significado de superação do futebol nacional,
já que tinha sido conquistada com um time totalmente formado por brasileiros.
Periódicos como o Jornal do Commercio de maneira otimista dizia “nunca vimos
em campo um team carioca, um scratch representativo de nacionalidade tão bem
organizado como o que jogou hontem” chegando mesmo a elogiar excelente “linha de
forwards” do time brasileiro.
93
Mesmo em meio a um clima de intensa euforia houve quem visse no jogo um mero
acaso. Atribuindo a vitória brasileira a fatores extracampo que teriam atrapalhado os
jogadores do Corinthians tais como: o cansaço da viagem; o longo tempo em que ficaram
sem treinar, ou mesmo, o fato dos ingleses serem mais novos.
94
Os jogos seguintes -
confirmando a visão dos analistas mais céticos de que ainda éramos aprendizes - foram
vencidos facilmente pela equipe inglesa.
Em setembro daquele mesmo ano a seleção brasileira vencia a badalada equipe
chilena. Consolidando de vez um novo estatuto do futebol brasileiro que deixava de ser
formado por meros aprendizes e assim se colocando no mesmo patamar que os adversários.
O sucesso que os jogos internacionais alcançaram chamou atenção de todos no Rio de
Janeiro, suscitando um intenso debate em torno dos jogos.
Para a maioria dos formadores de opinião da época através desses eventos seria
possível se mostrar para as demais nações o perfil de nossa sociedade. Assim afirmou o
membro da liga e presidente do São Cristóvão Antonio Miranda o futebol era como um
capítulo da diplomacia moderna”.
95
Por isso, a Liga Metropolitana se apressou em elaborar
um projeto para manter o controle sobre os jogos internacionais.
92
Jornal do Brasil 22/08/1913
93
Jornal do Commercio 22/08/1913
94
Jornal do Brasil 22/08/1913
95
Jornal do Brasil 21/12/1913
Além da organização a liga propunha, atendendo a uma forte pressão dos
jornalistas, que a seleção fosse composta somente com jogadores brasileiros. E para não
deixar dúvidas de quem comandava o futebol brasileiro a Liga considerava jogo
internacional aqueles em que ela fosse a organizadora. E ainda cabia a ela 5% do total da
renda.
96
O ano de 1913 foi um ano muito importante para o desenvolvimento do futebol
carioca. Os jogos internacionais e as vitórias sobre o Corinthians e a seleção do Chile
trouxeram uma áurea de otimismo e patriotismo em torno da seleção brasileira. Foi
responsável por uma importante mudança na maneira como o brasileiro olhava para seu
time, ou seja, estava claro que o nosso futebol havia progredido. E muitos jornalistas
atribuíam este aperfeiçoamento a visita das equipes estrangeiras, sem ignorar, que era
absolutamente maior o número de pessoas a olhar para o futebol brasileiro.
O crescente processo de popularização se evidenciava cada vez mais, desde os
primeiros jogos internacionais. Elevava-se tanto o status do futebol que até propagandas
com o tema foram elaboradas, o futebol vendia produtos que iam desde cigarros até o
famoso xarope Bromil.
97
A familiaridade com o futebol era tão grande que cronistas
utilizavam seus jargões até mesmo para ilustrar uma estória de amor entre uma rapaz e uma
mulher mais velha.
La femme de trente ans, de Balzac, e a adorável
Mulher de quarenta, de Olavo Bilac, acabam de vencer mais
uma vez:
Aquelle rapaz era o enfant gaté do elemento feminino
d’aquela pensão situada em rua que tem o nome de um titular
do Botafogo, e que fica entre a praia e a praça José de
Alencar. Das hóspedes, porém, a mais enthusiasmada pelo
afagado pensionista, era uma em quem, em vez de
primaveras, são os outonos que pesam. Pois bem, foi essa
exatamente a vencedora do match. As suas rivais, apesar da
96
Jornal do Brasil 21/12/1913
97
O malho 08/03/1911
plena mocidade, não conseguiram marcar um goal! Foram
fácil e redondamente batidas...
E notem: a vitoriosa não é absolutamente rica, foi,
portanto o cupido, unicamente cupido, quem fez os shoots, e
cupido, nesses jogos, são sempre um gambler nunca perde.
98
A seleção brasileira fundamental no processo de formação da identidade nacional,
unindo uma massa heterogênea em torno de um mesmo propósito. Este fato ficava ainda
mais evidente no ano seguinte, quando uma multidão se apertava dentro e fora do cais para
esperar o desembarque da seleção que retornava da Argentina
99
. Vencedora de seu primeiro
torneio internacional, justamente contra a Argentina, as pessoas reunidas no cais saudavam
os vencedores da Copa Roca e dava uma prova inconteste da popularização do futebol. A
ufanista recepção destes jogadores dava a falsa impressão da vitória dos ideais de
civilização e união projetados pelos fundadores do futebol no Brasil e mantidos, dentro do
possível, pelos seus dirigentes.
Longe do brilho e do entusiasmo dos jogos internacionais, o futebol doméstico
seguia seu cotidiano nas disputas dos Campeonatos organizados pela Liga Metropolitana. E
no esforço desta mesma Liga de manter as distinções de classes separadas em diferentes
campos e clubes. Ainda que juntos por ocasião dos jogos internacionais, esses efêmeros
momentos de união logo se esvaía após o retorno dos estrangeiros. Se dentro do campo as
marcas da fidalguia continuavam as mesmas fora dele, era cada vez maior o número de
espectadores extramuro.
A presença destes espectadores era tão incômoda aos refinados sportmens que o
América resolveu tomar uma providência contra eles. Como o seu estádio era cercado por
morros, possibilitando a indesejada presença, foi construída uma cerca com tapagens de
madeira, que impedirá a presença do elemento turbulento nos matches que ali se
realizarem”.
100
Escapando-lhes das mãos, não adiantava construir muros para manter o futebol
imerso e exclusivo a uma pequena parcela da sociedade. Admirado e imitado por toda a
98
Cupido foot-baller um goal extraordinário”. Revista Fon-Fon 20/12/1913
99
Careta 10/10/1914
100
Jornal do Brasil 28/07/1912
cidade, o número de espectadores os morros e arquibancadas, bem com, o de praticantes era
a cada dia maior. E sem poder especificar nitidamente uma prática que simbolizasse
exclusivamente uma determinada classe social, o futebol era amplamente apropriado por
membros dos mais diversos segmentos sociais, e assim se transformava num verdadeiro
fenômeno de massas.
As massas que passaram a fazer parte do espetáculo, eram muito mal vistas pelos
antigos e aristocráticos freqüentadores dos estádios. Representantes da nova ordem do
futebol, os novos torcedores eram um claro prenúncio do fim da altivez construída para o
esporte nos anos iniciais. Alvos preferenciais dos cronistas esportivos, a aumento de
espectadores passou a ser o argumento para desordem e os eventos violentos que viessem a
manchar o nobre esporte bretão.
Para os verdadeiros sportmen essa nova leva de torcedores não estavam preparados
para assistir, ou sequer, freqüentar os clubes refinados dos principais times do Rio de
Janeiro A comprovação deste raciocínio se encontrava nos mais diversos tumultos
provocados pelos torcedores, que para opinião pública havia aumentado graças ao processo
de popularização do futebol. Com um público cada vez maior e mais apaixonado era muito
difícil de controlar a multidão, o cronista atribui a estes dois fatores os atos de violência
cada vez mais comuns.
Muito má impressão causou nos espíritos dos sportman
cariocas as cenas desenroladas ontem a tarde no ground da rua
General Severiano, por ocasião da disputa do match acima. Além
de várias brigas nas arquibancadas, em que a polícia teve que
intervir, e de muitas outras dentro do campo, depois de
terminado o match. Grande parte da numerosa assistência
achou-se com direito de referee, não depois de terminado
o jogo, como durante.
E para que a diretoria do Botafogo conseguisse que o
Sr. Gilbert e os demais players do Payssandu saíssem sem
sofrer agressão alguma, foi preciso lançar mão da polícia e da
guarda civil.
101
O motivo de tal revolta da torcida, havia sido um pênalti não marcado pelo juiz
contra o Payssandu, levando a torcida do botafogo a loucura. O fato foi noticiado pelos
principais jornais e, dentre outras crítica, estava o fato da torcida do Botafogo ter se
comportado de forma pouco civilizada ao vaiar o juiz. O Botafogo tomou medidas drásticas
com relação aos atos de violência que marcaram o jogo contra o Payssandu, a diretoria
deliberou a eliminação de um associado e a dispensa de um empregado”.
102
Medida mais drástica havia sido tomada pelos dirigentes do Fluminense, quando
contratou uma força policial para conter os ânimos de seus torcedores. No entanto, os
rotineiros tumultos que marcavam os jogos da Liga, nem sempre partiam da arquibancada.
Tendo muitos dessas briga sendo iniciada pelos próprios jogadores.
Marca de um jogo que aglutinava cada vez mais rivalidades, a violência entre os
jogadores era ainda mais incompreensível aos olhos dos cronistas. Como os times, em
geral, eram compostos por membros das mais requintadas e influentes famílias do Rio de
Janeiro, quase sempre, estudantes universitários, esses desentendimentos ganhavam
contornos de escândalos e eram explorados pelos jornais. Como aconteceu no jogo entre o
América e o Botafogo, em que um atleta do Botafogo proporcionou a assistência uma
cena pouco digna, agredindo a bofetadas, com auxílio de seu irmão, half-back, o outside-
right do América”.
103
A briga que tinha começado no campo se estende pela arquibancada,
chegando ao seu auge, quando um sócio do Botafogo junto a outros torcedores invade o
campo para agredir o capitão do América.
101
Jornal do Brasil 28/07/1913
102
Jornal do Brasil 02/08/1913
103
Jornal do Brasil 26/06/1911
Conclusão
Os estudantes que se “banharam de civilização” nas escolas européias, bem como,
os estrangeiros de passagem pelo porto do Rio de Janeiro e nem mesmo os imigrantes que
se estabeleceram na cidade certamente foram os responsáveis pela introdução do futebol em
terras brasileiras. Mas evidentemente, no final do século XIX, nenhum deles imaginavam
que estavam introduzindo no país mais do que um modismo estrangeiro, mas sim um dos
maiores símbolos nacionais, capaz de arregimentar as mais fortes paixões.
Traduzindo em terras brasileiras os mais vigorosos preceitos de civilização, onde os
esportes eram um ponto estratégico, de um ideal eugênico e modernizador das nações. Por
isso o futebol era uma exclusividade de poucos, praticados em clubes de elite da Zona Sul e
visto como mais uma extravagância dos jovens endinheirados da cidade. A restrição aos
clubes da elite ocorreu por um breve período. Logo o futebol caiu nas graças de uma
imensa parcela pobre da população, que ignorou solenemente os termos, os uniformes, as
chuteiras, apetrechos “ditos” necessários a pratica do jogo. Essa apropriação tornou o
esporte não um elemento exclusivo e estrangeiro, mas popular e nacional.
Mesmo que a duras penas a elite pioneira tenha tentado manter como um elemento
de diferenciação de classes e hábitos culturais. Controlando a sua prática, organizando os
campeonatos e perseguindo as dissidências, a plena manutenção da autoridade sobre o jogo
se mostrou impossível. A improvisação, a reinvenção criativa da prática do jogo se
multiplicou nos campos improvisados de pelada nos subúrbios mais longínquos da cidade.
Em clubes suburbanos que imitavam o padrão elitista, e determinava uma elite entre os
pobres, que viam no futebol uma marca de distinção a ser imitada.
A difusão de sua prática pela cidade, alterou os desígnios e representações que a
elite praticante do futebol procurava imprimir a esta prática, surgindo daí um novo espaço
de ação e conflito entre os novos grupos sociais que se estruturavam na época. Ricos e
pobres, branco e pretos e outros grupos antagônicos colocavam dentro de campo os mais
variados sentidos que a prática do novo esporte acarretava no cotidiano de cada um e da
cidade. Desaguando tais conflitos, na posterior disputa entre o amadorismo e o
profissionalismo.
O futebol sem dúvida tornou-se um esporte muito popular, não aqui como no
resto do mundo. Porém, no caso brasileiro, ele mereceu pouca atenção da historiografia.
Por maior importância que o jogo tenha para os nós, muito recentemente, surgiram
trabalhos relevantes sobre o tema. Ainda sim, diminutos em relação a sua popularidade . E
a grande maioria destes trabalhos tem muitos pontos em comum. Mesmo com toda a
diferença entre eles, Mário Filho é a base comum a grande maioria. Principalmente no que
tange a periodização clássica do futebol brasileiro.
No primeiro período (1894 – 1919), o futebol é uma exclusividade das elites,
praticadas somente pelos jovens endinheirados da cidade; o segundo período (1920 –
1933), marca a aproximação dos negros e pobres e sua luta pela democratização deste
esporte. E finalmente a redenção, marcada pelo processo de profissionalização que se inicia
em 1933 e possibilita a democratização de fato, como uma vitória dos negros e pobres.
O panorama traçado por Mario Filho, por mais próximo da realidade que tenha
chegado, exprime sua visão de cronista esportivo, através dos discursos produzidos
justamente pela elite excludente. Mario Filho ignora plenamente outras possibilidades de
interpretação para a trajetória inicial do futebol brasileiro.
Fez parte dos objetivos do presente trabalho buscar novos indícios, muitos deles
camuflados nos discursos da elite nos principais periódicos da cidade. Discursos que
refletia o esforço deste grupo em manter o novo esporte sob seu mais estrito comando.
Muito cedo esta tensão veio à tona, revelando a possibilidade de esquadrinhar uma nova
periodização que revela uma popularização mais precoce, antecipando o desfecho
idealizado por Mario Filho em pelo menos 20 anos.
E ainda que essa popularização tenha se refletido nas arquibancadas e no aumento
do espaço dedicado aos esportes na grande maioria dos jornais. Não foi possível, neste
trabalho, mostrar o processo de popularização dentro dos próprios clubes elitistas. A
maneira como o negro e o pobre, após se apropriarem da prática, conquistaram, e até
mesmo, superaram as elites em seus próprios campos.
Conquistas que se evidenciam em times como o do Vasco da Gama, vitorioso com
uma maioria de pretos e pobres do campeonato carioca de 1923. Ou mesmo, nas trajetórias
Friedenreinch, herói da conquista do campeonato sul-americano e Carlos Alberto, símbolo
do Fluminense, que para entrar em campo pintava o rosto com de arroz. Exemplos que
pela excelência destes jogadores, servem como um indício que a prática do jogo entre os
mais pobres era uma realidade de muito tempo. Tempo suficiente para dar tão bons
frutos.
FONTES
Grande Imprensa
Careta, 1901-1919
Correio da Manhã. 1900-1923
Fon-Fon, 1910-1919
Gazeta de Notícias, 1902-1919
Jornal do Brasil, 1900-1919
Jornal do Commercio, 1900-1920
Kosmo, 1904-1909
Malho, O, 1902-1919
Paiz, O, 1901-1919
Revista theatro e sport, 1914-191
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro. Ed, Iplanrio / Zahar, 1988
ASSAF, Roberto. Bangu: bairro operário, estação do futebol e do samba.Rio de
Janeiro. Ed. Relume Dumará, 2001.
ASSAF, Roberto. Almanaque do Flamengo. São Paulo. Ed. Abril,2001.
BARBOSA, Marialva. Imprensa e poder público ( os
Diários do Rio de janeiro 1880 à1920) UFF. Niterói 1996.
BARRETO, Lima. Feiras e Mafuás. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1956.
BENZAQUEN, Ricardo de Araújo. Guerra e Paz: Casa-Grande &Senzala e a obra
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