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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
CAUSAÇÃO MENTAL E IMPLICAÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS
Monica Aiub Monteiro
São Carlos
2006
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CAUSAÇÃO MENTAL E IMPLICAÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
CAUSAÇÃO MENTAL E IMPLICAÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS
Monica Aiub Monteiro
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Filosofia da
Universidade Federal de São Carlos, como
parte dos requisitos para obtenção do Título
de Mestre em Filosofia.
Orientador: Dr. João de Fernandes
Teixeira.
São Carlos
2006
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
M775cm
Monteiro, Monica Aiub.
Causação mental e implicações psicoterapêuticas /
Monica Aiub Monteiro. -- São Carlos : UFSCar, 2006.
117 p.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2006.
1. Filosofia da mente. 2. Cérebro. 3. Psicoterapia. I.
Título.
CDD: 128.2 (20
a
)
6
Resumo
A idéia de causação mental remete a Descartes e a constituição do problema
mente-cérebro como um problema filosófico. Iniciando o percurso nesta origem do problema,
a questão da causação mental é situada como uma questão contemporânea, intimamente
ligada à escolha de um tratamento para as chamadas desordens mentais. A contribuição
cartesiana para a insolubilidade do problema da causação encontra-se no próprio conceito de
causalidade. A visão mecânica do mundo, movido por leis de causalidade linear, não permite
vislumbrar a possibilidade de outros tipos de interação, como emergência e causalidade
circular, entre outras. Revisitando o conceito de causação, as contribuições de Stuart Mill
permitem abandonar o paradigma do modelo mecânico da causação linear, optando pelo
modelo químico, que possibilita pensar em outras formas de causação, assim como
compreender as interações mental-físico, e a constituição do mental como propriedade
emergente. Situando as teorias da mente que abordam a causação mental, o materialismo
emergentista de Bunge permite a compreensão da causalidade, mas torna irrelevante a
distinção entre mental e físico. Sem redução dos estados mentais a estados cerebrais, os
sistemas neurais plásticos interagem entre si e com outros sistemas, promovendo relações de
causação e a emergência de propriedades que garantem ou facilitam a sobrevivência do
organismo. A plasticidade é uma característica de alguns organismos vivos e seu
desenvolvimento dá-se a partir da aprendizagem de novas conexões neurais, que por sua vez,
levam à emergência de novas propriedades. O movimento e a plasticidade permitidos pelo
emergentismo favorecem a compreensão das maneiras pelas quais uma psicoterapia poderia
apresentar resultados para o organismo, provocando movimento e alterações no todo do
sistema neural plástico. Desta maneira, torna-se possível explicar situações de controle do
físico sobre o mental, como a ação de drogas ou o resultado de lesões. Por outro lado, é
7
possível também explicar como os processos mentais intervêm sobre os estados físicos, como
a possibilidade do efeito placebo ou o estresse psicológico alterando o sistema imunológico.
Conciliando a teoria de Bunge com algumas propostas e pesquisas acerca de temas como
psicossomática, biofeedback, efeito placebo, estresse e sistema imunológico, conclui-se que
alguns argumentos de Bunge contribuem para fundamentar essas práticas observadas
clinicamente. A psicoterapia apresenta-se como uma forma eficaz no tratamento das
desordens mentais, mas considerando que estas podem possuir origens diferentes: celular ou
sistêmica, em parte dos casos de desordens com origens sistêmicas, a psicoterapia é não
somente necessária, como suficiente. Contudo, para casos de origem celular, ou provocados
por lesões, psicoterapias podem ser necessárias, porém não suficientes, fazendo-se preciso o
uso paralelo de outros tratamentos. Considerando as dificuldades em identificar apenas com
um diagnóstico clínico a origem das desordens, e considerando tanto os aspectos “físicos”
como os “mentais”, o mais indicado é um trabalho paralelo, que permita um olhar para os
aspectos internos, subjetivos, apresentados em linguagem de primeira pessoa; assim como
para os aspectos externos, objetivos, apresentados em linguagem de terceira pessoa e
observáveis com o auxílio dos instrumentos existentes. Contar com diferentes perspectivas
amplia as possibilidades de tratamentos.
Palavras-chave: Filosofia da Mente, Causação Mental, Mente, Cérebro, Psicoterapia,
Emergentismo.
8
SUMÁRIO
Introdução..................................................................................................................................9
Capítulo 1 – Causação mental: Situando a questão.............................................................15
A formulação do problema.........................................................................................15
A versão contemporânea do problema......................................................................27
Capítulo 2 – O conceito de causação mental.........................................................................35
Modelos de causação: breve histórico.......................................................................35
O modelo: mecânico ou químico?..............................................................................41
Ainda o modelo: físico ou mental?.............................................................................48
Capítulo 3 – Algumas teorias do século XX..........................................................................51
Justificando a escolha..................................................................................................51
Kim e a superveniência: por que Kim não responde ao
problema da causação?...................................................................................54
Bunge e a emergência: plasticidade e causação........................................................67
Capítulo 4 – Para além da herança cartesiana.....................................................................78
Descartes, psiquismo e tratamentos...........................................................................79
Para além da herança cartesiana...............................................................................87
Capítulo 5 – Implicações psicoterapêuticas do modelo emergentista................................91
Complementando a questão.....................................................................................100
Conclusão...............................................................................................................................107
Referências Bibliográficas....................................................................................................112
9
INTRODUÇÃO
A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma notória a regulação dos hormônios
sexuais, provocando não só mudanças no impulso sexual, mas também variações no
ciclo menstrual. A perda de alguém que se ama profundamente, mais uma vez um
estado de um processamento cerebral amplo, leva a uma depressão do sistema
imunológico, a ponto de os indivíduos se tornarem mais propensos a infecções e, em
conseqüência direta ou indireta, mais suscetíveis a desenvolver determinados tipos de
câncer. Pode-se morrer de desgosto, tal qual na poesia (DAMÁSIO, 1996).
A proposta inicial deste trabalho é investigar a causação mental e suas
implicações em opções psicoterapêuticas. Partindo da epígrafe pode-se morrer de desgosto,
tal qual na poesia, se os processos mentais interferem nos processos físicos a ponto de gerar
doenças ou diminuir as defesas do organismo, esses mesmos processos poderiam aumentar
tais defesas, evitando doenças, se bem empregados em tratamentos psicoterápicos. Se
processos físicos geram processos mentais, alguns hábitos incorporados poderiam melhorar a
capacidade de pensamento e avaliação das situações.
Como ocorrem essas interações? Temos algum domínio sobre elas? Elas
possuem funções específicas? Existem formas de alterar suas funções? Como medicamentos
poderiam alterar estados mentais ou como estados mentais poderiam alterar estados físicos?
Essas são algumas das questões que dependem de uma teoria da causação mental para serem
respondidas.
A partir do trabalho em psicoterapia, foram observadas situações em que
problemas de relacionamento geram dores de cabeça, dificuldades no trabalho resultam em
crises de asma, vivências de rejeição levam a alterações nas taxas de lítio; assim como
depressões provocadas por anemia, ausência de vontade de viver resultante de distúrbios na
10
tireóide, medos advindos de excesso de adrenalina produzidos pelo organismo, entre outros
exemplos. Nesses casos, ocorre, de alguma maneira, uma inter-relação entre o mental e o
físico.
Os profissionais que trabalham com essas questões, delimitam as escolhas dos
tratamentos de acordo com as teorias que fundamentam suas atividades. Alguns trabalham
exclusivamente com medicamentos, atingindo os processos bioquímicos de seus pacientes,
mas negligenciando aspectos que talvez causem tais processos, aspectos que lhes escapam
dada a opção do tratamento; outros arriscam trabalhar exclusivamente com psicoterapia,
negligenciando aspectos bioquímicos; e ainda outros, lançam mão de ambas alternativas de
tratamento, atingindo efeitos e causas físicas e mentais ao mesmo tempo.
Se há relações e interferências entre o mental e o físico, se processos físicos
poderiam ter gerado a mente, se esta poderia retroagir sobre o físico, são assuntos abordados
na temática causação mental.
Ao pensar sobre os processos psíquicos e orgânicos surge uma primeira
dificuldade: a ausência de uma teoria que ofereça uma explicação para o problema mente-
cérebro. O problema mente-cérebro não se refere apenas a como o cérebro produz estados
mentais, mas também, como o mental interfere no funcionamento cerebral e no corpo. É a
chamada causação mental.
Existem sistemas na natureza que apresentam relações de causação ascendente
e descendente. As partes produzem o todo e o todo retroage sobre as partes. Se o
funcionamento cerebral é capaz de produzir o mental (causação ascendente), esse mental pode
11
retroagir sobre o cérebro (causação descendente). Isso explicaria como um significado, ou
uma ressignificação, poderia afetar o cérebro e o corpo. Fármacos e psicoterapias atuam sobre
causas ascendentes e descendentes.
Ao formular o problema mente-cérebro, Descartes (1641) considerou mente e
corpo como substâncias diferentes, interligadas pela glândula pineal. O corpo, res extensa,
uma substância divisível em partes mecânicas; e a mente, res cogitans (coisa pensante),
indivisível e independente, ambas com existências distintas.
Essa idéia de uma mente independente de um corpo afastou a medicina da
abordagem orgânica mente-corpo, predominante desde Hipócrates, tornando a prática e a
investigação médicas fundamentadas no princípio cartesiano, ignorando e negligenciando,
durante muito tempo, as conseqüências psicológicas das doenças, assim como os efeitos dos
conflitos psicológicos no corpo. Sua dedicação à compreensão da fisiologia e da patologia do
corpo, relegando a mente a um segundo plano, ainda que exceções devam ser consideradas,
implicou numa crescente tendência a tratar quaisquer tipos de sofrimento, inclusive os de
ordem psíquica, com drogas.
Se a causa de uma doença seria advinda de uma interação entre o psiquismo
individual e as circunstâncias da vida e do meio, entre a história passada e o momento vivido,
e se seu mecanismo poderia ser explicado pela descrição dos aspectos fisiológicos e
patológicos, o uso de fármacos atingiria apenas o mecanismo bioquímico, controlando o
quadro, mas não atingindo a causa, e, portanto, arriscando a tornar seus procedimentos meros
paliativos. Em alguns casos, os medicamentos agiriam como anestésicos, aliviando a dor
12
momentânea. Essa dor talvez fosse o estímulo para buscar a “cura”, o analgésico poderia
desestimular tal busca.
Em muitos casos, o uso de medicamentos associado à psicoterapia atingiria
uma dupla causalidade, ou causalidade mista, com resultados que agiriam sobre mente-corpo
em sua causalidade ascendente e descendente. Essa dupla causalidade, uma vez trabalhada
adequadamente, poderia trazer resultados mais significativos, por atuar sobre possíveis causas
em constante interação.
Para isso, necessitar-se-ia, inicialmente, abandonar a visão cartesiana, que
separa mente-corpo, e aceitar uma visão que permitisse compreender não apenas a interação
mente-cérebro, mas uma interação mente-cérebro-corpo-mundo.
Embora Descartes possa ser considerado como “tetravô” da psicossomática,
que aceita as interferências do mental no físico, as implicações da opção do dualismo
cartesiano, tanto na medicina quanto na psicologia, as implicações da opção do dualismo
levaram, tanto a medicina, quanto a psicologia a considerarem o corpo (res extensa) como
objeto da ciência, e portanto, seu objeto de estudo; e a mente, objeto da religião, da filosofia,
e, portanto, negligenciada.
Os resultados da postura cartesiana aparecem, embora de forma implícita, nas
atuais explicações que tratam a mente como um software e o corpo como hardware, ou nas
que explicariam a relação mente-cérebro sem recorrer à neurobiologia, ou ainda naquelas que
explicam a mente por fenômenos cerebrais, deixando de lado todo o organismo e o ambiente
físico e social.
13
A opção por uma explicação para a questão mente-cérebro que considerasse a
mente como emergente dos processos funcionais cerebrais, que considerasse o cérebro e o
corpo como um organismo em constante interação com o ambiente, que aceitasse a causação,
tanto ascendente quanto descendente, poderia levar a uma opção terapêutica que tomasse não
somente o corpo como objeto de estudo, mas esse todo mente-cérebro-corpo-mundo,
considerando, inclusive, os contextos e circunstâncias, assim como os aspectos
neurobiológicos.
Desta forma, a compreensão da questão mente-cérebro e a justificação para
uma opção terapêutica não poderiam ser dissociadas. O estudo da causação mental poderia
proporcionar a interação entre as várias áreas que estudam a questão do psiquismo, e com isso
priorizar um trabalho terapêutico que considere esse todo.
Para o desenvolvimento desta proposta, o trabalho foi dividido em cinco
partes: um primeiro capítulo situando a questão da causação mental. Partindo da formulação
do problema com Descartes, este capítulo apresenta algumas questões contemporâneas que
envolvem a causação mental, assim como, em caráter introdutório, algumas abordagens ao
problema.
O segundo capítulo destina-se ao estudo do conceito de causação,
acompanhando seu percurso histórico, desde Aristóteles até os contemporâneos, mostrando,
principalmente, como a concepção cartesiana de causação linear não é a única, muito menos
aquela que responde às necessidades do universo pesquisado. Por não ser pertinente o estudo
14
minucioso de cada teoria, foram privilegiados os trabalhos de Descartes, Hume e Mill, e
levantados alguns problemas contemporâneos.
No terceiro capítulo, um estudo sobre as teorias do século XX que tratam a
causação mental, com destaque para as teorias da superveniência e emergentismo. Foram
estudados os argumentos de Kim e Bunge, na tentativa de esboçar uma proposta capaz de
subsidiar a reflexão acerca das implicações psicoterapêuticas.
O quarto capítulo explicita os motivos para a superação da herança cartesiana,
sobretudo no que se refere ao modelo mecânico da causação mental. Por fim, no quinto
capítulo, Implicações Psicoterapêuticas do Modelo Emergentista, foram estabelecidas
relações entre as teorias da causação mental e as escolhas psicoterapêuticas. A força do
argumento cartesiano, presente em grande parte das teorias sobre causação mental e também
em grande parte das terapias, foi apontada como um entrave para a construção de uma teoria
que consiga sustentar o desafio de justificar práticas terapêuticas fundamentadas na causação
mental. A opção pelo emergentismo associado à idéia de causação funcional, que supera a
dicotomia entre físico e mental, foi apresentada como proposta de um início de reflexão e não
como uma possibilidade definitiva. A abordagem skinneriana do comportamento verbal,
assim como a física quântica, foram citadas como possíveis caminhos.
15
1. CAUSAÇÃO MENTAL: SITUANDO A QUESTÃO
Tradicionalmente, o conceito de causação mental implica em saber como uma
substância mental, o pensamento, é capaz de interagir com uma substância física, o corpo. As
questões sobre essa interação acompanham reflexões filosóficas sobre a natureza da mente.
Dependendo da concepção adotada, constroem-se diferentes explicações acerca das relações
mente-corpo e das várias maneiras de tratar os problemas implícitos nessas relações.
Com o objetivo de situar a questão da causação, este capítulo será dividido em
duas partes. A primeira apresentará a formulação do problema mente-cérebro, com Descartes,
em 1641, relacionando os argumentos cartesianos com algumas questões atuais. A segunda
parte apresentará algumas versões contemporâneas da formulação da questão, terminando por
destacar a implicação do estudo da causação para as questões psicoterápicas.
A FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
Em 1641 Descartes publica Meditações da Filosofia Primeira, formulando,
pela primeira vez, o problema mente-cérebro na qualidade de um problema filosófico
1
, ou
1
Ao propor o dualismo de substâncias, Descartes apresenta duas substâncias de naturezas diferentes que
interagem entre si por uma relação de causalidade linear. Com isso, o problema mente-corpo recebe o estatuto de
problema filosófico, pois não há como compreender a possibilidade de interação causal entre naturezas distintas.
A resposta cartesiana é a glândula pineal como responsável por promover a interação. Contudo, de que natureza
é composta a glândula pineal? Se ela for material ou imaterial, permanece o problema. Se ela possuir uma
terceira natureza, ainda assim o problema persiste, pois seriam necessárias infinitas substâncias para explicar a
relação causal entre mente e corpo. Esse problema, proposto por Descartes, apresenta-se nas discussões
contemporâneas sobre as relações mente-corpo, atualizadas em relações mente-cérebro, cérebro-comportamento,
mente-comportamento.
16
seja, um problema que não pode ser explicado nem pela experimentação, nem pela
demonstração. Ele formula o dualismo de substâncias, afirmando a existência de duas
substâncias no universo: física (res extensa) e mental (res cogitans – inextensa)
2
. Traça uma
distinção radical entre mente e corpo, com uma distância tão grande que dificulta a
compreensão de como o mental e o físico interferem um no outro, sem, contudo, abandonar a
concepção comum acerca da interação entre ambos. Com isso dita o tom da discussão
moderna sobre as relações mente-cérebro.
Entre os argumentos fundamentais de Descartes, a mente é mais fácil de
conhecer que o corpo:
Mas, enfim, eis que insensivelmente cheguei onde queria; pois, já que é coisa
presentemente conhecida por mim que, propriamente falando, só concebemos os
corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imaginação nem
pelos sentidos, e que não os conhecemos pelo fato de os ver ou de tocá-los, mas
somente por os conceber pelo pensamento, reconheço com evidência que nada há
que me seja mais fácil de conhecer que meu próprio espírito. Mas, posto que é
quase impossível desfazer-se tão prontamente de uma antiga opinião, será bom que
eu me detenha um pouco neste ponto, a fim de que, pela amplitude de minha
meditação, eu imprima mais profundamente em minha memória este novo
conhecimento (DESCARTES, 1641/1973: 113).
Isso significa que podemos ter acesso a nossos pensamentos, mas não a nossos
processos corporais como, por exemplo, o que ocorre com os neurônios quando pensamos.
Pensamos e expressamos nossos pensamentos em primeira pessoa, podemos descrevê-los,
2
A Res Extensa cartesiana relaciona-se ao corpo, ao fisiológico, conforme podemos observar em As Paixões da
Alma: “Para tornar isso mais inteligível, explicarei, em poucas palavras, a forma toda de que se compõe a máquina do nosso
corpo. Não há quem não saiba que existem em nós um coração, um cérebro, um estômago, músculos, nervos, artérias, veias e
coisas semelhantes; sabe-se também que os alimentos ingeridos descem ao estômago e às tripas, de onde o seu suco, correndo
para o fígado e para todas as veias, se mistura com o sangue que elas contêm, aumentando, por esse meio, a sua quantidade.”
(1973: 228)
e a Res Cogitans ao pensamento, ao psíquico, como apresentado em Objeções e Respostas: “Ainda que
eu tenha um corpo que me seja mui estreitamente ligado, no entanto, porque, de um lado, possuo uma idéia clara e distinta de
mim próprio, na medida em que sou apenas uma coisa que pensa, e não extensa, e que, de outro, possuo uma idéia clara e
distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa, e que não pensa, é certo que eu, isto é, meu espírito, ou
minha alma, pela qual sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo, e que pode ser ou existir sem ele. Ao
que é fácil adicionar: Tudo o que pode pensar é espírito, ou se chama espírito. Mas como o corpo e o espírito são realmente
distintos, nenhum corpo é espírito. Logo, nenhum corpo pode pensar.” (1973: 163).
Desta forma, o debate
contemporâneo sobre a questão mente-corpo, mente-cérebro, por tratar da relação entre o corpo fisiológico e o
psíquico, reedita o problema cartesiano.
17
temos acesso a eles. A descrição dos processos mentais, feita pela ciência, ocorre em terceira
pessoa e não permite acesso aos conteúdos do pensamento. A ausência de uma ponte que
efetue a transposição entre primeira e terceira pessoas, entre o que pensamos e o que ocorre
em nosso cérebro e nosso corpo enquanto pensamos, constitui uma dificuldade para a
compreensão das interações mente-corpo.
Um segundo argumento cartesiano afirma que a substância física é divisível, o
mesmo não ocorre com o mental:
Para começar, pois, este exame, noto aqui, primeiramente, que há grande diferença
entre espírito e corpo, pelo fato de ser o corpo, por sua própria natureza, sempre
divisível e o espírito inteiramente indivisível. Pois, com efeito, quando considero
meu espírito, isto é, eu mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa que pensa,
não posso aí distinguir partes algumas, mas me concebo como uma coisa única e
inteira. E, conquanto, o espírito todo pareça estar unido ao corpo todo, todavia um
pé, um braço ou qualquer outra parte estando separada do meu corpo, é certo que
nem por isso haverá ai algo de subtraído a meu espírito. E as faculdades de querer,
sentir, conceber, etc., não podem propriamente ser chamadas suas partes: pois o
mesmo espírito emprega-se todo em querer e também todo em sentir, em conceber,
etc. Mas ocorre exatamente o contrário com as coisas corpóreas ou extensas: pois
não há uma sequer que eu não faça facilmente em pedaços por meu pensamento,
que meu espírito não divida mui facilmente em muitas partes e, por conseguinte
que eu não reconheça ser divisível. E isso bastaria para ensinar-me que o espírito ou
a alma do homem é inteiramente diferente do corpo, se já não o tivesse
suficientemente aprendido alhures (DESCARTES, 1641/1973: 148).
Esse é um argumento mais forte, não podemos dividir uma crença ou um
pensamento, uma idéia vem-nos inteira. Indivisibilidade, inextensão, não espacialidade,
inescrutabilidade, privacidade são, de acordo com Descartes, características do mental. O
físico é extenso e divisível. Portanto, há uma assimetria de propriedades entre o físico e o
mental. Existem duas ordens ou séries: a do físico e a do mental. À ordem física aplica-se o
princípio de causalidade e valem as leis da natureza. Haveria leis psicológicas? O princípio de
causalidade seria aplicável ao mental? Como ocorre a passagem entre o físico e o mental? A
solução proposta por Descartes ao problema encontra-se na glândula pineal, responsável pela
interação entre mental e físico.
18
A razão que me persuade que a alma não pode ter, em todo o corpo, nenhum outro
lugar, exceto essa glândula, onde exerce imediatamente suas funções é que
considero que as outras partes do nosso cérebro são todas duplas, assim como
temos dois olhos, duas mãos, duas orelhas, e enfim todos os órgãos de nossos
sentidos externos são duplos; e que, dado que não temos senão um único e simples
pensamento de uma mesma coisa ao mesmo tempo, cumpre necessariamente que
haja algum lugar onde as duas imagens que nos vêm pelos dois olhos, onde as duas
outras impressões que recebemos de um só objeto pelos duplos órgãos dos outros
sentidos, se possam reunir em uma antes que cheguem à alma, a fim de que não lhe
representem dois objetos em vez de um só. E pode-se conceber facilmente que
essas imagens ou outras impressões se reúnem nessa glândula, por intermédio dos
espíritos que preenchem as cavidades do cérebro, mas não há qualquer outro local
no corpo onde possam assim unir-se, senão depois de reunidas nessa glândula
(DESCARTES, 1649/1973: 239).
Descartes pensou corpo e alma como substâncias distintas: um corpo extenso,
incapaz de sentimentos e pensamentos, uma alma inextensa, conhecendo e sentindo. Todavia,
aceitou a opinião comum sobre a interação causal entre mente e corpo. Dado que mentes e
corpos são espécies radicalmente diferentes, como podem interagir causalmente? Como a
substância inextensa – a alma – pode interagir causalmente com a substância extensa – o
corpo? Se a idéia de causação física supõe uma causa que possa impelir o corpo, e isso requer
um contato físico, sendo a alma imaterial, esse contato não poderia existir, e desta forma, a
alma não poderia interagir com o corpo. Para explicar essa possibilidade, Descartes apontou a
glândula pineal como a interface entre a alma e o corpo. Essa glândula, uma pequena parte de
nosso cérebro, seria responsável por uma rede causal, pela ligação entre mente e corpo. Sendo
essa glândula parte de nosso cérebro, ela também seria parte da substância extensa, do mundo
físico. Como, então, poderia interagir com a mente, substância inextensa?
Ele apontou o local onde essa passagem poderia ocorrer, mas não como ela
ocorreria. Assim como é possível conceber a existência de um quiliógono – polígono de mil
faces, mas não é possível imaginar como ele seria, pois as tantas faces se mesclariam e não
seria possível visualizar sua imagem sem que esta se transformasse numa imagem confusa e,
consequentemente, insuficiente para diferenciá-lo de outras tantas figuras de muitos lados,
19
também existe a possibilidade da concepção de uma relação entre físico e mental, mas as
mesmas dificuldades encontradas no exemplo do quiliógono são encontradas no que se refere
à relação mente e corpo. É possível saber que há interação entre o físico e o mental, mas é
cognitivamente inacessível a forma como acontece, por falta de condições para imaginar a
ocorrência de tal interação.
Quando quero pensar em um quiliógono, concebo na verdade que é uma figura
composta de mil lados tão facilmente quanto concebo que um triângulo é uma
figura de três lados; mas não posso imaginar os mil lados de um quiliógono como
faço com os três lados de um triângulo, nem, por assim dizer, vê-los como
presentes com os olhos de meu espírito. E conquanto, segundo o costume que tenho
de me servir sempre de minha imaginação, quando penso nas coisas corpóreas,
ocorra que, concebendo um quiliógono, eu me represente confusamente alguma
figura, é, todavia, evidente que essa figura não é um quiliógono, posto que em nada
difere daquela que me representaria se pensasse em um miriágono, ou em qualquer
figura de muitos lados; e que ela não serve, de maneira alguma para descobrir as
propriedades que estabelecem a diferença entre o quiliógono e os demais polígonos
(DESCARTES, 1641/1973: 138) .
Desta maneira, Descartes formula o problema mente-cérebro, propondo um
dualismo de substâncias e, ao mesmo tempo, aceitando a idéia de uma causação mente-
cérebro. O problema proposto perpassa séculos de estudos e debates e persiste, ainda na
qualidade de um problema, mas com extensão ampliada. Talvez as teorias neurológicas,
atualmente em desenvolvimento, constituam um caminho para explicá-lo, mas ainda que isso
ocorra, que obtenhamos uma explicação verdadeira, talvez essa explicação seja ininteligível
em linguagem de senso comum. Afirmar que a passagem do físico para o mental é inacessível
significa não termos acesso à transposição entre sinais cerebrais e conteúdos mentais. Um
EEG capta a atividade elétrica do cérebro, mas sua análise não nos permite ter acesso aos
pensamentos da pessoa cuja atividade cerebral foi registrada. O mesmo ocorre com a
ressonância magnética. Assim, mesmo captando a atividade elétrica e química do cérebro, não
é possível ter acesso aos pensamentos. Identificar atividades correlacionadas a tais
20
pensamentos é a tentativa, mas os resultados não parecem ser suficientes para compreender
como ocorre o pensamento.
Susan Greenfield, em O Cérebro Humano, relata os esforços da ciência para
atingir esse objetivo, apresentando uma descrição iniciada no familiar uso dos raios X,
passando por angiografia, tomografia axial computadorizada, tomografia por emissão de
pósitrons, imagens por ressonância magnética funcional, magnetoencefalografia; ou seja,
diferentes técnicas desenvolvidas com o objetivo de obter imagens do cérebro e, talvez, a
partir delas, ampliar nosso conhecimento acerca do funcionamento cerebral e das relações
entre estados mentais e físicos.
Como podemos então estudar a função das diferentes regiões cerebrais? O que
realmente precisamos é de uma fotografia instantânea ou, melhor ainda, um vídeo
do interior do cérebro quando uma pessoa está pensando, falando ou
desempenhando qualquer uma da grande variedade de funções usuais. A história de
como esse ideal está se tornando realidade começa com um procedimento familiar:
o uso dos raios X. (...)
Com a utilização dessas técnicas torna-se cada vez mais evidente que durante a
execução de uma tarefa específica várias regiões cerebrais diferentes funcionam de
modo simultâneo. Não apenas uma área cerebral destinada a uma função, mas sim
diversas áreas cerebrais, que parecem contribuir na execução de uma função
particular. E, se algum aspecto da tarefa muda ligeiramente, por exemplo, ouvir
palavras e não as dizer – , então uma configuração diferente de regiões cerebrais
aparece (GRENFIELD, 2000: 33-39).
Que peso devemos atribuir ao sujeito numa ciência da mente? Num caso de
depressão, por exemplo, há modificação da neurotransmissão, mas essa é acompanhada por
elementos subjetivos, fenomênicos, significativos? Tais elementos devem fazer parte de uma
ciência da mente? Existem fenômenos que são desencadeadores da depressão? Por que
pessoas que passam por situações similares não deprimem? Se há significados diferentes, o
que é significado? Como o significado, que é estritamente subjetivo, pode influenciar a
neurotransmissão? O problema mente-cérebro debruça-se sobre essas questões, sobre como o
21
cérebro produz estados mentais, mas também sobre a via inversa, ou seja, como o mental
pode interferir no mundo físico. Esse estudo constitui a chamada causação mental.
Os sistemas na natureza apresentam tipos diferentes de causação. A causação
ascendente diz respeito a um movimento onde A causa B. Considerando A o físico e B o
mental, a causação ascendente consistiria em interferências do físico sobre o mental.
Causação descendente refere-se ao movimento em sentido inverso. Se A causou B, B retroage
sobre A, estabelecendo uma relação de causalidade que provocará alterações em A. Seguindo
o exemplo dado, se A é o físico que causou o mental B, no movimento de causação
descendente, B retroagirá sobre A, provocando alterações em A. Essas mútuas interferências
poderiam explicar o motivo pelo qual a atribuição de significados ou a produção de
determinadas idéias interfere no corpo, alterando processos químicos e orgânicos do cérebro,
como, por exemplo, uma confusão de idéias que resulta em excessivo cansaço, em depressão,
em uma crise de asma, ou uma gastrite. Assim também, poderia explicar quais as razões de
nossas idéias serem afetadas quando estamos muito cansados, com uma dor de cabeça ou com
náuseas.
Considerando ainda a possibilidade dessas mútuas interferências gerarem
alterações constitutivas dos sistemas implicados, sendo capazes de produzir as partes
constituintes do todo do sistema e este todo retroagir sobre as partes, seria possível imaginar
que o cérebro é capaz de produzir o mental e esse mental retroagir sobre o cérebro. Isso não
apenas poderia explicar os casos em que significados afetam o cérebro, como também revelar
como o físico se transforma no mental, ou o mental no físico, mas a passagem entre ambos
continuaria problemática.
22
Há um pressuposto bastante forte em toda a filosofia cartesiana: uma fé
inquestionável na veracidade do princípio de causa e efeito, ou, em outras palavras,
no princípio da causalidade. Sem o princípio de causalidade, Descartes não poderia
sustentar sua visão de um universo mecânico onde tudo funcionaria através de causa e
efeito – um princípio fundamental que deve nortear nossos raciocínios e investigações
científicas. Inspirado na física do século XVII, Descartes acreditava num universo
mecânico. Para se ter uma boa imagem do que é universo mecânico e o papel
fundamental que nele tem o princípio de causalidade, basta imaginarmos um
dispositivo do tipo de uma alavanca e engrenagem. Cada vez que se puxa a alavanca,
isso causa um movimento na engrenagem. O universo seria um imenso sistema
mecânico – algo como uma imensa relojoaria criada por Deus – onde tudo seria
governado pela lei de causa e efeito. Tudo no universo funcionaria dessa maneira,
inclusive nós mesmos. A impossibilidade de imaginar algum tipo de interação causal
entre mente e corpo comprometeria o caráter universal do princípio de causalidade.
Foi isto que fez com que a relação mente-corpo se tornasse um problema
(TEIXEIRA, 2000: 30).
A versão cartesiana para a solução do problema mente-cérebro, ou seja, o
dualismo de substâncias, não encontra mais lugar nas discussões contemporâneas por ser
insuficiente para explicar como poderia existir uma relação causal entre substâncias
completamente diferentes. Se a glândula pineal for uma substância material, como a mente
poderia agir sobre ela? Se for uma substância imaterial, como poderia agir sobre o corpo? Se
fosse uma terceira substância, entre o material e o imaterial, como ambos agiriam sobre ela?
Para manter-se coerente restaria ao dualismo de substâncias abrir mão do princípio de
causalidade ou dissociar mente e comportamento. Contudo, o modo de pensar cartesiano,
assim como suas questões fundamentais sobre a relação mente-corpo, continuam presentes,
sendo a dicotomia mente-cérebro a sua herança.
O neurologista Antonio Damásio, em O Erro de Descartes, mostra que os
desdobramentos do modo de pensar cartesiano levam a uma filosofia equivocada.
Esse é o erro de Descartes: a separação abissal entre o corpo e a mente, entre a
substância corporal infinitamente divisível, com volume, com dimensões e com um
funcionamento mecânico, de um lado, e a substância mental, indivisível, sem
volume, sem dimensões e intangível, de outro; a sugestão de que o raciocínio, o
juízo moral e o sofrimento adveniente da dor física ou agitação emocional
poderiam existir independentemente do corpo. Especificamente: a separação das
operações mais refinadas da mente, para um lado, e da estrutura e funcionamento
do organismo biológico, para o outro (DAMÁSIO, 1996: 280).
23
Sua crítica a Descartes é também, e principalmente, uma crítica à medicina e à
ciência cognitiva, quando estas separam corpo e mente:
A idéia de uma mente desencarnada parece ter também moldado a forma peculiar
como a medicina ocidental aborda o estudo e o tratamento da doença. A divisão
cartesiana domina tanto a investigação como a prática médica. Em resultado, as
conseqüências psicológicas das doenças do corpo propriamente dito, as chamadas
doenças reais, são normalmente ignoradas ou levadas em conta muito mais tarde.
Mais negligenciado ainda é o inverso, os efeitos dos conflitos psicológicos no
corpo. É curioso pensar que Descartes contribuiu para a alteração do rumo da
medicina, ajudando-a a abandonar a abordagem orgânica da mente-no-corpo que
predominou desde Hipócrates até o Renascimento (DAMÁSIO, 1996: 282).
Talvez o maior erro tenha sido dos leitores de Descartes. Ele não aceitou a
metáfora que considera o corpo como um navio e a mente como um timoneiro que o controla.
Na sexta Meditação (1641), Descartes leva-nos a entender que a separação entre físico e
mental é muito mais uma separação metodológica do que uma separação de substâncias.
Segundo ele, ambos estão amalgamados, mas devem ser tratados, metodologicamente, de
maneira diferente.
Ora, nada há que esta natureza me ensine mais expressamente, nem mais
sensivelmente do que o fato de que tenho um corpo que está mal disposto quando
sinto dor, que tem necessidade de comer ou de beber, quando nutro os sentimentos
de fome ou de sede, etc. E, portanto, não devo, de modo algum, duvidar que haja
nisso alguma verdade.
A natureza me ensina, também, por esses sentimentos de dor, fome, sede, etc., que
não somente estou alojado em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas que,
além disso, lhe estou conjugado muito estreitamente e de tal modo confundido e
misturado, que componho com ele um único todo. Pois, se assim não fosse, quando
meu corpo é ferido não sentiria por isso dor alguma, eu que não sou senão uma
coisa pensante, e apenas perceberia esse ferimento pelo entendimento, como o
piloto percebe pela vista se algo se rompe em seu navio; e quando meu corpo tem
necessidade de beber ou de comer, simplesmente perceberia isto mesmo, sem disso
ser advertido por sentimentos confusos de fome e de sede. Pois, com efeito, todos
esses sentimentos de fome, de sede, de dor, etc., nada são exceto maneiras confusas
de pensar que provêm e dependem da união e como que da mistura entre o espírito
e o corpo (DESCARTES, 1641/1973:144).
Ele acreditava na distinção entre substâncias? Assim sendo, um cérebro na
proveta teria uma mente? Haveria uma mente sem nenhum substrato físico? Diante dessas
confusões, os leitores de Descartes consolidam o cartesianismo com dicotomias: mente-corpo;
24
mente-cérebro; mente-comportamento; natureza-cultura. Os reflexos dessa herança cartesiana
estão impregnados na nossa cultura. Como exemplos podemos citar o conceito de estímulo e
resposta do behaviorismo de Watson, onde o meio do caminho entre ambos é uma caixa preta,
que suprime o mental após separá-lo do comportamento, visto este não poder ser objeto de
ciência. Outro exemplo apresenta-se em parte da neurociência, que secciona mente e corpo;
nesse caso, trata-se a mente como cérebro, mas mantém-se o seccionamento em relação ao
corpo e ao ambiente, tornando a divisão, que deveria ser metodológica, real. Esse é o espírito
da crítica de Damásio.
A psiquiatria encontra o problema mente-cérebro desde seu início. Michel
Foucault, em Doença Mental e Psicologia, aborda o tratamento dado às doenças mentais, que
a princípio dividia-se em buscas de causas mentais ou orgânicas, supondo um paralelismo
entre corpo e mente:
Se se define a doença mental com os mesmos métodos conceituais que a doença
orgânica, se se isolam e se se reúnem os sintomas psicológicos como os sintomas
fisiológicos, é porque antes de tudo se considera a doença, mental ou orgânica,
como uma essência natural manifestada por sintomas específicos. Entre estas duas
formas de patologia, não há então unidade real, mas somente por intermediário
destes dois postulados, um paralelismo abstrato. Ora o problema da unidade
humana e da totalidade psicossomática permanece inteiramente aberto
(FOUCAULT, 2000: 13).
Foucault relata que seguidores de Pinel desenvolveram o chamado tratamento
moral, enfatizando o caráter psíquico da doença mental, relegando, a segundo plano, possíveis
causas orgânicas ao optar por tratamentos que atingiam diretamente o aspecto psíquico-moral,
mas, ainda assim, impondo castigos físicos, duchas de água fria, rodas e gaiolas nas quais os
doentes eram submetidos a tratamentos cruéis, ou seja, atacando o corpo para atingir a mente.
Pinel, em Bicêtre, utiliza técnicas semelhantes, depois de ter “libertado os
acorrentados” que aí se encontravam ainda em 1793. Certamente, ele fez ruir as
25
ligações materiais (não todas entretanto), que reprimiam fisicamente os doentes.
Mas reconstituiu em torno deles todo um encadeamento moral, que transformava o
asilo numa espécie de instância perpétua de julgamento: o louco tinha que ser
vigiado nos seus gestos, rebaixado nas suas pretensões, contradito no seu delírio,
ridicularizado nos seus erros: a sanção tinha que seguir imediatamente qualquer
desvio em relação a uma conduta normal. E isto sob a direção do médico que está
encarregado mais de um controle ético que de uma intervenção terapêutica. Ele é,
no asilo, o agente das sínteses morais. (...) em pleno século XIX ainda, Leuret
submeterá seus doentes a uma ducha gelada na cabeça e empreenderá neste
momento, com eles, um diálogo durante o qual forçá-los-á a confessar que sua
crença é apenas delírio. O século XVIII havia também inventado uma máquina
rotatória onde se colocava o doente a fim de que o curso de seus espíritos
demasiado fixo numa idéia delirante fosse recolocado em movimento e
reencontrasse seus circuitos naturais. O século XIX aperfeiçoa o sistema dando-lhe
um caráter estritamente punitivo: a cada manifestação delirante faz-se girar o
doente até desmaiar, se ele não se arrependeu. (...)
Ora, é a partir deste momento que a loucura deixou de ser considerada um
fenômeno global relativo, ao mesmo tempo, por intermédio da imaginação e do
delírio, ao corpo e à alma. No novo mundo asilar, neste mundo da moral que
castiga, a loucura tornou-se um fato que concerne essencialmente à alma humana,
sua culpa e liberdade... (FOUCAULT, 2000: 82-83).
Quando hoje encontramos conflitos entre correntes psiquiátricas e psicológicas
defendendo o uso exclusivo de tratamentos que atinjam elementos orgânicos através de
medicamentos, ou tratamentos direcionados apenas ao psiquismo, ou ainda propondo um
tratamento que contemple ambas as possibilidades; discutindo o efeito placebo em psiquiatria
e em psicoterapia, encontramos uma reedição do problema mente-cérebro.
A psicossomática também se depara com o problema ao correlacionar estados
físicos e mentais, sem, no entanto, arriscar-se a dizer como se dá a passagem. Inspira-se em
Descartes, considerado o pai da medicina psicossomática, assumindo, num certo sentido, a
dualidade cartesiana.
A psicossomática médica é o receptáculo dos restos incompreendidos da medicina.
Segundo os manuais de diagnóstico psiquiátrico, tem um “componente”
psicossomático a doença que não comporta uma explicação científica reconhecida.
Podem ter uma “vertente” psíquica os sintomas não justificados por evidências
orgânicas ou exames laboratoriais. O emaranhado celular, como sede causal das
doenças, não está jamais excluído. Esse raciocínio pressupõe que, com o avanço da
pesquisa, reduz-se a participação do psiquismo – como estrutura abstrata e
destacada da anatomia – na gênese das doenças (SCHILLER, 2003: 28).
26
Há que se distinguir entre causa e mecanismo das doenças. Se o estudo das
doenças tem seu foco apenas em sintomas, negligenciando causas, o tratamento direciona-se
também aos sintomas, ou seja, a seus mecanismos. Neste caso, os resultados podem ser
insatisfatórios, pois a causa continua existindo e gerando o problema, sendo o tratamento
direcionado apenas a amenizar sintomas. Entre as causas, é possível encontrar a causação
física: um evento físico gerando outro, por exemplo, uma disfunção hormonal gerando
bradicardia – neste caso basta regular a função hormonal e estará resolvido o problema da
bradicardia. Também é possível encontrar a causação mental: preocupações, situações de
estresse advindas de problemas emocionais podem gerar bradicardia. Nesse caso, o tratamento
adequado suporia trabalhar essas preocupações e problemas emocionais, e não apenas um
medicamento para acelerar os batimentos cardíacos, que no caso, apenas atingiriam os
sintomas.
É clássico o estudo que demonstrou a altíssima incidência de placas de ateroma nas
artérias de recrutas americanos na frente de batalha. A causa das placas reside na
interação entre o psiquismo individual e as circunstâncias da vida ou do meio – a
história passada e o momento vivido. O mecanismo da doença, este sim, é a
presença da obstrução ou da contração das artérias que irrigam a musculatura
cardíaca. (...)
Se interferimos nos processos celulares, nosso tratamento se limita a um controle
do quadro clínico. As causas, e portanto a cura, ficam em segundo plano
(SCHILLER, 2003: 28).
Medicações psiquiátricas alteram conteúdos mentais como, por exemplo,
medicamentos que auxiliam a pessoa a livrar-se de idéias suicidas. Como e por que isso
ocorre? Existem doenças que podem ser tratadas com substâncias químicas, mas por outro
lado, existem condições sociais que levam o indivíduo a desenvolver doenças, como, por
exemplo, uma esquizofrenia. Há situações em que o recurso às drogas amortece a angústia
que o impelia a um trabalho analítico, que talvez possibilitasse a solução do problema.
Recorrer a uma causalidade mista, em parte física e em parte mental, possibilitaria uma
mescla de medicação e psicoterapia. Até que ponto a atribuição de uma causa mental não
27
supõe apenas desconhecimento de uma causa física? O que deve ser abrangido quando
tentamos explicar os fenômenos mentais? Como a filosofia da mente aborda essa questão?
A VERSÃO CONTEMPORÂNEA DO PROBLEMA
A resposta dualista ao problema da causação mental, na versão cartesiana do
dualismo de substâncias, foi abandonada, conforme já exposto, por ter sido incapaz de provar
como a substância imaterial pode interagir com o corpo. O dualismo de propriedades, por sua
vez, explica a mente como uma propriedade especial que emerge da substância material,
porém, tal substância não pode ser descrita em termos físicos. A mente gera estados
subjetivos e há conexão causal entre mente e cérebro. O cérebro, por ter propriedades físicas e
mentais, é capaz de conciliar as experiências internas e externas. A experiência subjetiva
ocorre sempre em primeira pessoa e o discurso da ciência em terceira pessoa, o desafio
consiste em conciliar ambas perspectivas. No artigo “What is it like to be a Bat?”
3
(1974),
Nagel defende a impossibilidade da linguagem intersubjetiva compreender a experiência
subjetiva. Os problemas resultantes dessa explicação são a tendência ao pampsiquismo, uma
vez que tudo no mundo poderia ter ou produzir uma mente, e a impossibilidade da linguagem
da ciência explicar a mente, pois a experiência subjetiva é única e intransferível.
As teorias materialistas partem do princípio: “todos os estados mentais nada
mais são que estados cerebrais”. Os estados mentais podem ser: qualitativos (qualia), ou seja,
sensações ou atitudes proposicionais, isto é, desejos, medos, dúvidas, crenças, etc. Entre as
3
O que é ser como um morcego?
28
teorias materialistas destacam-se as Teorias da Identidade, que afirmam a equação: estados
mentais são estados cerebrais; Teorias Reducionistas que defendem que estados mentais
podem ser reduzidos a estados cerebrais, entre elas o Fisicalismo que visa reduzir teorias e
termos da psicologia a teorias e termos físicos, defendendo a equação: estados mentais são
estados cerebrais que são estados físicos. É preciso distinguir entre os processos de redução
ou identificação do mental ao físico: type-type identity (identidade de tipos) – defende que
tipos de estados mentais são idênticos a determinados tipos de estados cerebrais; token-token
identity (identidade ponto a ponto) – o mesmo estado mental pode ser produzido por
diferentes estados cerebrais. As citadas teorias materialistas apresentam o “problema da
tradução”, que consiste na dificuldade em traduzir da linguagem da neurociência para uma
linguagem da psicologia. Segundo Levine (1983), um hiato explicativo, ou explanatory gap,
entre o físico e o mental. Nossas experiências conscientes não são traduzíveis em termos
computacionais ou neurológicos. Teixeira (2000) exemplifica o problema:
Suponhamos que o fato de minha sogra ter se mudado para minha casa esteja
associado com o aparecimento de minha depressão. Consulto um psiquiatra que me
prescreve antidepressivos – drogas que restabelecem o nível de certos
neurotransmissores no meu cérebro. Essas drogas atuam imediatamente no meu
cérebro, mas, curiosamente, seus efeitos psicoterápicos levam alguns dias para
começar a se manifestar. A depressão desaparece, mas apenas temporariamente.
Três semanas depois ela retorna, apesar de eu continuar a tomar essas drogas
regularmente. Ora, por que a droga torna-se inócua? E por que a depressão retorna
apesar dos níveis de neurotransmissores serem restabelecidos?
A primeira resposta que surge é: posso continuar a tomar antidepressivos, eles não
mais farão efeito precisamente porque minha sogra continua a morar na minha casa.
(...) O significado de minha sogra ter se mudado para minha casa seria a causa de
minha depressão. Outras pessoas, em circunstâncias semelhantes, poderiam não
entrar num estado depressivo. Alguém poderia dizer: mas o significado de sua
sogra ter se mudado para sua casa alterou o seu cérebro e produziu a depressão.
Essa é, possivelmente, uma hipótese correta. O problema é que ela não explica a
relação entre o significado e a alteração cerebral – ela não explica a natureza da
passagem de fenômenos mentais para fenômenos cerebrais ou como esses podem se
alterar mutuamente. O reducionista teria dado uma grande volta para chegar
exatamente onde estava, ou seja no ponto de partida do principal problema da
filosofia da mente. Retornamos ao problema da tradução para o que foi chamado
pelos filósofos da mente contemporâneos depois de Levine (1983) de problema do
hiato explicativo ou explanatory gap (TEIXEIRA, 2000: 76).
29
O Materialismo Eliminativista considera que a psicologia está para a
neurociência assim como a alquimia está para a química. Os eliminativistas sustentam a
possibilidade da eliminação dos termos teóricos e intensionais da psicologia, bem como a
eliminação da folk psychology (psicologia popular). Os termos teóricos a serem eliminados
seriam: apego, inteligência, assertividade, mente... estes seriam substituídos por termos da
neurociência. Causação mental seria apenas mais um termo a ser eliminado. Os problemas
dessa teoria consistem na ausência de uma teoria dos estados intencionais, de uma teoria
materialista da consciência e da experiência subjetiva. Os críticos argumentam que, apesar
dos avanços na neurociência, não foram eliminados os termos da folk psychology.
Tentando apresentar uma alternativa para o problema da causação mental que
não estivesse comprometida com o fisicalismo de tipo nem com propostas dualistas, Davidson
(1970) propõe o Monismo Anômalo, baseado no princípio da interação causal: alguns eventos
mentais interagem causalmente com eventos físicos; no princípio do caráter nomológico da
causalidade: eventos relatados como causa e efeito incluem-se em leis estritas; e no
anomalismo do mental: não há leis estritas sobre a base de como eventos mentais podem ser
preditos e explicados.
Davidson defende que devemos entender eventos como singulares, datados,
irrepetíveis. Identifica eventos físicos e mentais como sendo os mesmos, apenas descritos em
linguagem diferente: os eventos físicos no idioma físico, e os mentais no idioma mental
(intencional). A identidade proposta é do tipo token-token, ou seja, não de tipos de eventos,
mas de eventos singulares, ocorrências. A causalidade mental é garantida ao fazer dos
eventos mentais eventos físicos, explicando o poder causal de ocorrências mentais por estas
terem propriedades físicas. Assim, eventos mentais têm poder causal físico. Questiona-se:
30
qual o papel dos eventos mentais na causalidade física? A resposta poderia tornar o mental
insignificante, considerando-o um epifenômeno.
Outra forma de materialismo é o não-reducionista, que supõe não reduzir os
estados mentais a estados cerebrais. Destacam-se nesta forma o Emergentismo e a Teoria da
Superveniência. A Teoria da Superveniência (KIM, 1990) estabelece uma relação de
dependência entre fenômenos e propriedades de fenômenos e sua base física: fatos e
propriedades B (nível mais alto) supervêm de fatos e propriedades A (nível mais básico)
quando: existe co-variação entre fatos e propriedades B e A; existe dependência entre fatos e
propriedades B e A; fatos e propriedade B não são redutíveis a A. (TEIXEIRA, 2000: 79). As
vantagens dessa teoria encontram-se na substituição do reducionismo pela idéia de
dependência e co-variação e em descartar o localizacionismo, substituindo-o por uma
concepção integracionista de funcionamento cerebral. As críticas à Teoria da Superveniência
apontam uma possível necessidade de apelar para a mente como um epifenômeno ou abdicar
do não-reducionismo.
Para o Emergentismo (BUNGE, 2002), a mente é uma propriedade que emerge
do funcionamento neural, mas não se reduz a ele. Ela emerge porque não está contida nos
neurônios, assim como a propriedade da água de ser molhada não está contida nas moléculas
de hidrogênio e oxigênio que a compõem. A mente ocorre a partir do funcionamento e
interação destes neurônios. Desta forma, os fenômenos mentais são vinculados a uma base
biológica, mas não são redutíveis a ela. Uma vez causada por esse sistema, a propriedade
emergente (mente) retroage sobre o mecanismo cerebral, causando transformações em seu
funcionamento. Assim, o Materialismo Emergentista poderia explicar, sem recorrer a
fenômenos sobrenaturais, o mental e suas relações com o físico.
31
Poderíamos, então, clonar um ser humano, e sua própria estrutura biológica
encarregar-se-ia de replicar propriedades mentais? Para que isso fosse possível teríamos que
propiciar os mesmos fatores contextuais e circunstanciais que levaram à emergência do
mental na pessoa que foi clonada. Ou seja, para que o mental possa emergir da base física, são
necessários contextos e circunstâncias, uma interação com o ambiente, uma série de
vivências. Assim sendo, a alteração desses contextos poderia modificar um estado mental e,
conseqüentemente, essa nova interação entre a propriedade emergente modificada e sua base
física levaria a outras alterações. Esse seria um possível caminho para explicar como estados
físicos e mentais interagem, gerando influências recíprocas, como, por exemplo, estados
mentais alterados por drogas alucinógenas, desequilíbrios hormonais ou neuronais; ou estados
físicos, modificados por idéias.
Uma alternativa ao materialismo reducionista e ao dualismo é o
Funcionalismo, segundo a qual os estados mentais são definidos por suas funções – que para
Dennett (1997) consistem em processar informações. Se essas funções puderem ser
produzidas por outros materiais, ou satisfeitas por outros sistemas, tais produções ou sistemas
equivalerão a estados mentais. Desta forma, o Funcionalismo admite a possibilidade de
instanciação do mental a partir de quaisquer outras coisas que pudessem substituir suas
funções. Assim sendo, o mental não se reduz ao físico, justamente por ser definido por seu
papel funcional.
O que torna alguma coisa uma mente (ou uma crença, uma dor ou um temor) não é
aquilo de que é feita, mas o que ela pode fazer. Consideramos este princípio
incontroverso em outras áreas, especialmente na nossa avaliação de artefatos. O que
transforma alguma coisa em uma vela de ignição é o fato de ela poder ser colocada
em uma situação particular e produzir uma centelha quando lhe for exigido. Isto é
tudo que importa; sua cor, material ou complexidade interna podem variar à
vontade, assim como sua forma, desde que esta forma permita que a vela satisfaça
as dimensões específicas de seu papel funcional. No mundo das coisas vivas, o
32
funcionalismo é amplamente considerado: o coração é algo que serve para bombear
o sangue, e um coração artificial ou o coração de um porco pode muito bem realizar
a tarefa, e portanto podem ser substitutos para um coração doente no corpo humano
(DENNETT, 1997: 65-66).
O papel funcional caracteriza-se pela interação de um estado mental com
outros presentes no organismo e no sistema ou pela interação com a produção de
determinados comportamentos. A mente ocorre no cérebro, mas não é o cérebro, nem se reduz
a ele. O cérebro é o hardware e a mente o software; a mesma analogia serve para mentes e
organismos. Os conteúdos mentais requerem um nível de explicação próprio, que escapa à
redução física. Putnam propõe a múltipla instanciação (multiple realizability), ou seja, a
possibilidade de rodar um mesmo software em diferentes tipos de hardware, ou de substrato
físico. Isso possibilita a replicação de mentes com substratos físicos diferentes do biológico. É
possível uma ciência da mente que se preocupe só com estados mentais?
Estados mentais são proposições e estas são expressas por sentenças. O
pensamento é um conjunto de proposições que se tornaram sentenças em nossa cabeça.
Conhecer o modo como essas proposições se relacionam equivale a entender a própria
estrutura de pensamento. Propriedades são símbolos; pensar é manipular símbolos. A ciência
da mente consiste no estudo de regras e relações que coordenam essa manipulação simbólica
– sintaxe. Os símbolos adquirem significado através da relação do cérebro com o meio
ambiente. O significado de um símbolo não lhe é intrínseco e depende da relação causal entre
organismo e ambiente. Símbolos não dependem de intérpretes e suas propriedades sintáticas
derivam-se do fato de eles constituírem algo físico. Isto torna as sentenças da linguagem do
pensamento entidades concretas, que desempenham um papel causal na determinação da
cognição e do comportamento. As críticas ao funcionalismo enfatizam os seguintes aspectos:
desconsiderar a importância do cérebro como base biológica; a metáfora da
mente/computador não abarcar estados mentais e significados; ausência dos qualia.
33
No que se refere à causação mental, o funcionalista afirma que uma
propriedade funcional é uma característica delimitada por um papel causal de uma
propriedade física em relação a uma rede de propriedades físicas, isso equivale a dizer que
propriedades funcionais são propriedades de segunda ordem. Desta forma, explicam a
causação física, ou seja, como um certo tipo de fibra nervosa poderia, por exemplo, causar
coceira, mas não explicam como poderia ocorrer a causação mental, visto ser a propriedade
mental uma propriedade funcional advinda do papel causal dos estados físicos (AMARAL,
2001).
Ao defender que um estado mental pode ser produzido por diferentes estados
cerebrais, e que, um mesmo estado neurológico pode produzir vários estados mentais, o
funcionalismo permitiria pensar na possibilidade de uma causação mental alterando estados
físicos e/ou mentais alterando funções, considerando que as alterações funcionais
dependeriam de uma contextualização que permitisse definir a atribuição de uma função. O
significado do que pensamos e dizemos depende de características do meio circundante, e não
apenas do que está em nossas cabeças (PUTNAM, 1998).
Essa primeira aproximação ao problema da causação mental, abordando
apenas algumas correntes da filosofia da mente, mostra que o problema proposto por
Descartes permanece vivo. Afastado o dualismo de substâncias cartesiano, por sua
impossibilidade em responder a questão, ela permanece pertinente e ainda não resolvida. As
abordagens dualistas, materialistas (reducionistas ou não), funcionalistas deparam-se com o
problema e com a dificuldade em resolvê-lo. Ao mesmo tempo em que as Teorias da
Identidade são enfraquecidas pela possibilidade de Múltipla Instanciação apresentada pelo
34
Funcionalismo, a teoria funcionalista não responde qual o papel do mental em uma rede
causal física. O Monismo Anômalo ao identificar eventos mentais e eventos físicos, atribui à
causação mental uma rede causal física, podendo, de acordo com o argumento de Kim (1989),
tornar a mente supérflua, um epifenômeno. O próprio Kim, ao propor a Teoria da
Superveniência (1990) como alternativa, arrisca-se a cair no mesmo problema, o
epifenomenalismo, ou abandonar a perspectiva não reducionista.
Embora o problema da causação mental permaneça sem resposta, sua efetiva
influência no modo de lidar com a medicina, mais especificamente a psicossomática, com a
psicologia, a psiquiatria e outras psicoterapias, incentiva a continuidade na busca de
alternativas. Não se trata de um problema inócuo, a opção por uma teoria explicativa
determina modos de lidar com questões relevantes, e muitas vezes determinantes para nossa
existência.
35
2. O CONCEITO DE CAUSAÇÃO MENTAL
Uma vez situada a questão, o segundo passo para abordar as diferentes teorias
contemporâneas acerca da causação mental é percorrer a rota de elaboração de tais teorias.
Para fazê-lo é necessário mais um passo atrás, examinando a construção histórica dos
conceitos de causa, princípio causal, causalidade e causação, a fim de delimitar seus
significados e compreender o sentido que assumem em cada teoria.
Segundo Mario Bunge (1961), causação é uma categoria da causalidade que
implica em vínculo causal, conexão, nexo causal particular, como por exemplo, a relação
existente entre uma chama particular e uma queimadura particular por ela produzida.
Diferentemente, um princípio causal corresponde a uma lei geral de causação: a mesma causa
produz sempre o mesmo efeito. Já a doutrina que afirma a validade universal do princípio
causal, “tudo tem uma causa”, corresponde ao causalismo ou causalidade propriamente dita.
O significado de causalidade abordado aqui será o correspondente a causação, ou seja, nexo,
conexão, vínculo causal.
MODELOS DE CAUSAÇÃO
Breve Histórico
O conceito de causa, do qual advém os demais (causação, causalidade,
princípio causal), é formulado inicialmente por Aristóteles (Física, II, cap. 3, 194a - 195b), ao
afirmar que para a produção de um efeito são necessárias quatro causas: material –
receptáculo passivo, aquilo de que é feita a coisa –, formal – o modelo, a essência, a
36
substância, a qualidade da coisa –, eficiente – o que dá início ao movimento, a força motriz, a
compulsão externa –, e final ou teleológica – o objetivo, o fim, a meta.
As duas primeiras – material e formal – são consideradas causas do “Ser” –
essência racional da substância, significando que compreender a causa formal é compreender
a articulação interna de uma substância, a razão de ser o que é. O receptáculo, o material onde
a forma se substancia, é a causa material. São consideradas causas do Ser por serem
suficientes para explicar a realidade considerada estaticamente.
Para “ser o que se é”, é preciso tornar-se, o que remete à causa eficiente: um
agente que compele outro agente ou uma coisa a agir de certa forma, uma coisa que pode ser
causadora de um efeito em outra, uma substância executando uma mudança, a fonte primária
da mudança, o que provoca a passagem da potência ao ato. A causa final consiste no objetivo
para o qual se torna aquilo que se é. Ambas são causas do “devir” – vir a ser, tornar-se – por
permitirem explicar a realidade dinamicamente.
A idéia de causação refere-se a um vínculo causal, um nexo causal entre duas
coisas, ou seja, à produção de um efeito por sua causa. Isso corresponde diretamente a uma
realidade em devir e, conseqüentemente às causas eficiente e final. Segundo Aristóteles, a
sabedoria ocupa-se das causas e princípios primeiros “[a] filosofia é por todos conhecida
como tendo por objeto as causas primeiras e os princípios” (Met. I, 1). Mais adiante, ainda na
Metafísica, afirma: “A mais elevada das ciências, e superior a qualquer subordinada, é,
portanto, aquela que conhece aquilo em vista do qual cada coisa se deve fazer.” (Met. I, 2).
37
“O mais alto grau do saber é contemplar o porquê” (Anal. post. I, 14). Quando
respondemos à pergunta sobre o porquê das coisas, encontramos suas causas. O
conhecimento, para Aristóteles, inicia-se na sensação, mas adquire caráter de universalidade e
necessidade na forma de conceito. Por esse motivo, a busca das causas, da resposta acerca dos
porquês, é tarefa de uma análise lógica. O conceito aristotélico de causa eficiente, ou seja,
uma coisa que pode ser ativamente causadora de um efeito em outra coisa, é associado à idéia
de causação, a fonte primária de uma mudança.
Uma segunda concepção histórica de causa desenvolve-se no século XVII,
quando ocorre uma mudança de perspectiva acerca das relações causais, apontando-as como
instâncias de leis determinísticas. Os antecedentes dessa concepção encontram-se nos estóicos
que associavam causação a regularidade e necessidade. A causa eficiente implica numa
causalidade natural que supõe uma lei comportamental para o mundo. Se duas coisas
pertencem a um tipo similar e encontram-se em circunstâncias similares, gerarão efeitos
similares.
Descartes, ao considerar as leis da natureza em si mesmas como causas
eficientes, sustentou a concepção que a relação da causa com seus efeitos é uma relação de
elementos dados com um conseqüente: uma relação lógica. De outro lado, ele considerou
mentes como livres e como causas particulares, em sentido de iniciarem mudança. Segundo
ele, a causa é o que permite deduzir o efeito, dar razão ao que existe, justificando sua
existência. A mente pode chegar à causa a partir do estudo dos efeitos. Nas Respostas às
Segundas Objeções, Descartes mostra claramente a relação causa e efeito, considerando a
causa como a origem necessária do efeito.
38
Pois que nada exista em um efeito que não tenha existido de forma semelhante ou
mais excelente na causa é uma primeira noção, e tão evidente, que não há nada
mais claro; e esta outra noção comum, que de nada nada se faz, a compreende em
si, porque, se se concorda que exista algo no efeito que não existiu na sua causa,
cumpre concordar também que isso procede do nada; e se é evidente que o nada
não pode ser a causa de algo, é somente porque, nesta causa, não haveria a mesma
coisa do que no efeito.
Constitui também uma primeira noção que toda a realidade, ou toda a perfeição,
que só está objetivamente nas idéias, deve estar formal ou eminentemente nas suas
causas; e toda opinião que jamais nutrimos sobre a existência das coisas fora de nós
apóia-se tão-somente nela. Pois de onde nos poderia advir a suspeita de que
existissem, se não do simples fato de suas idéias virem pelos sentidos ferir nosso
espírito? (DESCARTES, 1974: 165).
A concepção cartesiana, embasada no contexto da ciência do século XVII –
para Galileu, a causa eficiente é a condição necessária e suficiente para o aparecimento de
algo, aquela cuja presença segue o efeito e em cuja eliminação o efeito desaparece –, leva a
uma construção de um conceito de causalidade determinística, tornando possível uma
previsão de efeitos a partir do estudo de suas causas, e a conseqüente previsão e alteração de
efeitos, com alterações em suas respectivas causas. Essa concepção é predominante na ciência
moderna. Claude Bernard, em Introdução a medicina experimental (1875/1978), seguindo a
linha cartesiana, afirmava que:
o princípio absoluto das ciências experimentais é um determinismo necessário e
consciente nas condições dos fenômenos. Se um fenômeno natural, seja qual for, é
dado , nunca um experimentador poderá admitir que haja uma variação na
expressão daquele fenômeno, sem que ao mesmo tempo tenham sobrevindo
condições novas na sua manifestação: além disso, ele tem a certeza a priori de que
essas variações são determinadas por relações rigorosas e matemáticas. A
experiência mostra-nos somente a forma dos fenômenos; mas a relação de um
efeito com uma causa determinada é necessária e independente da experiência, e
forçosamente matemática e absoluta (p. 7).
De Aristóteles a Claude Bernard, o princípio causal é uma necessidade do
pensamento, um princípio regulador a priori, um pressuposto da ciência. Contudo, David
Hume questiona esse princípio que propõe a idéia de causação implicando em sucessão,
contigüidade e conexão necessária. Podemos definir causa como um objeto precedente e
contíguo a outro ou quando objetos organizam-se por relações de prioridade e contigüidade na
mente: a idéia de um traz a idéia de outro, ou a impressão de um traz a idéia do outro.
39
(...) nossa idéia de necessidade e causação provém inteiramente da uniformidade
que se pode observar nas operações da natureza, onde objetos semelhantes
aparecem constantemente juntos e o intelecto é levado pelo costume a inferir um
deles do aparecimento do outro. Nestas duas circunstâncias consiste toda aquela
necessidade que atribuirmos à matéria. Além da conjunção constante de objetos
similares e da conseqüente inferência de um a outro, não temos a menor noção de
qualquer necessidade ou conexão (HUME, 1973: 162).
A crítica humeana reduz causação a associação regular. A conexão necessária
não é descoberta no mundo, mas projetada no mundo por nossas mentes. Ao fazer a crítica à
causalidade e afirmar que toda relação causal é produto da mente humana, Hume observa a
causa, não como existente no mundo, mas como um processo de associação de idéias
derivado do hábito. Se causa e efeito possuem existências distintas e independentes, sendo
relacionados por nossas mente, as idéias de uma causa e seus efeitos também são distintas.
Assim, a regularidade não é necessária e, portanto, não se pode falar em causas necessárias e
suficientes para questões de fato, mas em probabilidades. Conseqüentemente, a experiência de
constante conjunção não deriva de inferências racionais de causas e efeitos, mas de crenças
construídas pelo hábito.
A relação causal, que antes tornava possível a previsibilidade dos efeitos, a
partir da crítica humeana perde esse papel. Não há relação de causalidade observável
empiricamente. Nas questões de fato, “todos os raciocínios parecem fundar-se na relação de
causa e efeito”, porém,
Quando olhamos os objetos à nossa volta e consideramos a operação das causas
nunca podemos descobrir, num único exemplo, qualquer poder ou conexão
necessária, qualquer qualidade que ligue o efeito à causa e faça com que um deles
seja conseqüência infalível do outro. Observamos, apenas, que um deles se segue
realmente ao outro. O impulso de uma bola de bilhar é seguido pelo movimento da
segunda. Isso é tudo que se apresenta aos nossos sentidos exteriores. Essa sucessão
de objetos não produz nenhum sentimento ou impressão interior na mente: por
conseguinte, num exemplo único e particular de causa e efeito nada existe que
possa sugerir a idéia de poder ou conexão necessária (HUME, 1973: 154).
40
O alerta humenano incide sobre a capacidade humana de estabelecer causas a
priori e, consequentemente, ser capaz de justificar qualquer coisa, com qualquer outra coisa.
Não é possível verificar empiricamente que a causa produz ou engendra o efeito, mas apenas
que o acontecimento chamado causa é associado ao acontecimento chamado efeito. Em outras
palavras, Hume mostra que a relação causa e efeito nada mais é do que uma relação
estabelecida por nossas mentes, que não existe de fato na natureza, e, portanto, que toda
previsibilidade é somente provável a partir do hábito constituído sobre a observação de dois
eventos em seqüência:
A existência de qualquer ser só pode ser provada por meio de argumentos derivados
de sua causa ou de seu efeito; e esses argumentos baseiam-se inteiramente na
experiência. Se raciocinamos a priori, qualquer coisa pode parecer capaz de
produzir qualquer outra. Tanto quanto nos é dado saber, a queda de um seixo pode
apagar o Sol, ou o desejo de um homem controlar os planetas em suas órbitas. Só a
experiência nos ensina a natureza e os limites da causa e do efeito e nos permite
inferir a existência de um objeto na existência de um outro (p. 168).
A proposição humeana questiona a idéia de determinação, ou de causalidade
propriamente dita. Causalidade é nexo causal ou apenas relação? Determinado é aquilo que
possui características definidas e, portanto, pode caracterizar-se de forma precisa, inequívoca.
A conexão necessária é uma conexão constante e unívoca entre coisas ou acontecimentos,
entre estados de coisas ou idéias. A determinação é o processo mediante o qual um objeto
torna-se o que é, um processo mecânico, que considera qualidades fixas, definidas, regulares,
inequívocas, em conexões unívocas e constantes. Hume mostra que a regularidade é apenas
acidental, não é necessária. Conseqüentemente, a necessidade não está nos objetos, está na
mente e é projetada neles. Portanto, a noção de causalidade é produzida por associações de
idéias, por uma crença fundamentada no hábito. A relação causal que, em Descartes, permitia
interações causais entre os domínios mente e corpo, para Hume, passa a instanciar-se apenas
no domínio mental.
41
Uma das dificuldades da proposta de Hume consiste na referência objetiva para
um mundo externo. Se o universo físico, compreendido como constituído de estados que
sucedem uns aos outros de acordo com uma equação fixada, é ininteligível como uma
estrutura em si, e só existe na mente. A mente é colocada como exterior ao universo físico,
isso corresponde a abandonar o materialismo. Para que seja possível projetar propriedades
sobre o sistema físico, a mente não pode ser propriedade da matéria. Esta é a dificuldade
humeana, que segundo Putnam (1984), possui uma versão contemporânea nas teorias
materialistas que tentam dividir realidade em realidade e projeção, estabelecendo que algo
presente na mente pode ter uma correspondência com algo fora da mente (relação entre signos
e referentes).
Essa versão contemporânea da teoria humeana de associação de idéias
encontra-se presente no materialismo neo-associacionista. A grande mudança é que não
somente estados mentais conscientes são associados. A conexão entre dois estados mentais
conscientes pode ser mediada por uma longa série de associações não conscientes de mais de
uma espécie. Outra mudança é que a “idéia” (conceito) é identificada com um programa, em
vez de uma simples entidade mental. As circunstâncias sobre as quais pensamos ou dizemos
que A causa B são caracterizadas por propriedades objetivas (sucessão regular e contigüidade
espaço e tempo), mas os efeitos nem sempre ocorrem após as causas, às vezes são simultâneos
no tempo, gerando ininteligibilidade das relações causais.
O MODELO: MECÂNICO OU QUÍMICO?
Stuart Mill estabelece uma relação causal a partir de leis gerais, onde espécies
de causas correspondem a espécies de efeitos. Se A é causa de B, quer dizer que A inicia uma
42
mudança em B; ou que dada a ocorrência de B, A necessariamente ocorreu. Aponta a
possibilidade de uma composição de causas, princípio em que o efeito é um conjunto de
diversas causas, ou a soma de seus efeitos separados.
É raro, se é que isso acontece alguma vez, que entre um conseqüente e um único
antecedente, subsista essa seqüência invariável. Geralmente é entre um conseqüente
e a soma de vários antecedentes, sendo exigida a concorrência de todos para
produzir o conseqüente. Em tais casos, é muito comum separar-se apenas um dos
antecedentes sob a denominação de causa, chamando os outros meramente de
condições. Assim se uma pessoa come uma determinada iguaria e morre em
conseqüência disso, isto é, não teria morrido se não a tivesse comido, dir-se-ia que
o fato de comer aquela iguaria foi a causa da morte. Não é necessário, todavia, que
haja alguma conexão invariável entre comer a iguaria e a morte; mas há,
certamente, entre as circunstâncias que ocorreram, uma ou outra combinação da
qual a morte é invariavelmente conseqüente, como por exemplo, o ato de comer a
iguaria combinado com uma determinada constituição física, um determinado
estado atual de saúde, e talvez mesmo um certo estado da atmosfera; todas essas
circunstâncias talvez constituam neste caso particular as condições do fenômeno,
ou , em outras palavras, o conjunto de antecedentes que o determinou e sem o qual
não teria acontecido. A causa real é o todo desses antecedentes e não temos,
filosoficamente falando, direito de dar o nome de causa a um deles somente,
independentemente dos outros (MILL, 1974: 181).
Com essas observações, Mill continua seu argumento apontando a
possibilidade de múltiplas causas, mas evidenciando distinções entre causas e condições,
advindas da distinção entre eventos e estados. Ainda assim, não prioriza nenhum deles como
causa, pois todos os demais, independentemente de condições, são indispensáveis ao efeito.
Assim, “a causa (...) é a soma de todas as condições positivas e negativas tomadas em
conjunto, todas as contingências de qualquer espécie, as quais, quando realizadas, o
conseqüente segue invariavelmente.” (p. 182). Acrescenta a essa idéia a incondicionalidade da
causa: “Seqüência invariável, portanto, não é sinônimo de causação, a não ser que a
seqüência, além de invariável, seja incondicionada” (p. 183).
Considerando que um mesmo fenômeno pode ser seguido por diversos tipos de
efeitos simultâneos, a combinação de causas e de efeitos e suas múltiplas relações é revista.
Ao tratar da composição das causas, Stuart Mill mostra as diferenças entre os modelos
43
mecânico e químico. No modelo mecânico, referente a fenômenos de transmissão de
movimento de um corpo para outro,
uma causa nunca anula ou frustra a outra, ambas têm seu efeito integral. Se um
corpo é impelido em duas direções por duas forças, uma tendendo a dirigi-lo para o
norte e a outra para o leste, é impelido a se mover em um dado tempo em ambas as
direções à mesma distância a que as duas forças separadamente o teriam levado, e é
deixado precisamente onde teria chegado se tivesse sido movido primeiro por uma
das duas forças e depois pela outra (p. 187).
No modelo químico, a combinação dá-se de outra maneira: “a combinação
química de duas substâncias produz, como é bem conhecido, uma terceira substância, com
propriedades, quer das duas substâncias separadamente, ou de ambas tomadas conjuntamente.
Não se pode observar nenhum traço das propriedades do hidrogênio ou do oxigênio nas de seu
composto, a água.” (MILL, 1974: 187-8).
Há ainda a combinação de elementos complexos, de organismos vivos, onde a
simples soma das ações desse organismo nunca corresponderia à ação do todo do organismo.
As leis da vida nunca serão dedutíveis das simples leis dos elementos mas os fatos
prodigiosamente complexos da vida podem todos ser dedutíveis de leis da vida
comparativamente simples, leis que (dependendo na verdade de combinações, mas
de combinações comparativamente simples, de antecedentes) podem, em
circunstâncias mais complexas, ser estritamente combinadas uma com a outra e
com as leis físicas e químicas dos elementos. Os detalhes dos fenômenos vitais,
mesmo agora, fornecem inumeráveis exemplos da composição das causas, e, na
proporção em que esses fenômenos são mais cuidadosamente estudados, surgem
mais razões para se acreditar que as mesmas leis que operam nas combinações mais
simples de circunstâncias continuam, de fato, a serem observadas nas mais
complexas. Isto é igualmente verdadeiro nos fenômenos da mente e até nos
fenômenos sociais e políticos resultados das leis da mente (p. 190).
As observações de Mill permitem uma ampliação no conceito de causação. A
causação simples, referente à conexão de um efeito a uma causa, vista no mundo por
Aristóteles, na interação mente e mundo em Descartes, e somente na mente em David Hume,
perde sua exclusividade, permitindo a possibilidade de múltiplas causas para um efeito, e de
44
múltiplos efeitos para uma causa. Se as causas forem combinadas no modelo mecânico, o
resultado do efeito será equivalente à soma das causas, aceitando-se a possibilidade de causas
negativas (que anulem os efeitos, ou tenham efeitos contrários umas às outras). Assim, o
modelo de causação múltipla pode ser pensado, incluindo a possibilidade de uma
superabundância causal, mas isso não invalida o conhecimento das causas como uma forma
de “prevenção” de efeitos, a partir de interferências nestas causas. Apenas amplia o foco do
pesquisador e, com isso, permite uma leitura mais próxima ao vivido pelo organismo
pesquisado, buscando identificar causas, e não somente uma única causa, para a ocorrência
dos efeitos.
Se a combinação das causas seguir o modelo químico, além da possibilidade
da causação múltipla, permite o surgimento de novas propriedades, que não se encontrem
presentes nos elementos anteriores ao efeito: as moléculas de hidrogênio e oxigênio, quando
combinadas, geram a água, que possui a liquidez como propriedade. Embora tal propriedade
não se encontre presente nos elementos hidrogênio e oxigênio quando isolados, quando
combinados permitem a emergência dela. Desta forma, a leitura da relação de causalidade de
Stuart Mill possibilita a concepção de emergência. Se a propriedade emergente agir sobre suas
causas, surge então a possibilidade da causalidade circular, caracterizada quando o efeito
afetar sua própria causa e quando houver uma interação entre os elementos componentes de
seu sistema.
Desta forma, o conceito de causação aqui abordado abandona o modelo
mecânico, que supõe uma causa para um efeito, e aproxima-se do modelo químico, que
permite a compreensão de causação múltipla, emergência, causação descendente, causação
circular, possibilidades que serão apresentadas mais adiante.
45
As críticas feitas à causação, em especial a crítica empirista, tornam-se, desta
maneira, improcedentes, pois aplicam-se a um modelo mecânico de causação, considerando-a
como sucessão invariável, uniforme, unívoca e contínua. Isso se refere a um critério de
hipóteses nomológicas sobre sucessões temporais, mas não a um critério de conexão causal
(BUNGE, 1961: 74).
Bertrand Russell aborda causação como relação constante entre certas classes
de causas e certas classes de efeitos. Se um corpo cai livremente, haverá uma relação
constante entre altura e tempo, mas não é necessário que o corpo venha a cair da mesma altura
para poder predizer o tempo que levará para cair. A causação é compatível com a
contigüidade, embora contigüidade e antecedência sejam distintas de causação. Russell rejeita
a noção de causação como mera regularidade, por ser incompatível com o senso comum e
com a ciência, considerando que os dados sensoriais apresentam “regularidades de seqüência
razoavelmente confiáveis”, essas regularidades indicam probabilidades e suas possíveis
exceções. Sua noção de causação implica em seqüências prováveis substituindo as invariáveis
necessárias, ou seja, o princípio de causalidade não é necessário, trata-se de uma
generalização da experiência. Contigüidade não implica necessariamente em causação, não há
relação necessária entre tempo e causalidade. Para ser verificado, o princípio de causalidade
deve ser aplicável a sistemas isolados. O princípio ou lei de causalidade pode ser aceito a
partir da existência de equações diferenciais capazes de descrever certos processos. Não se
trata de uma dedução acerca de leis da natureza, mas da observação de uma uniformidade
baseada na indução. Entre a causa e seus resultados, há todo um processo e é ele que interessa
à ciência.
46
Assim, o caráter de necessidade da causação, com as contribuições de
Hume, Mill e Russell, é substituído pelo caráter de probabilidade, o que implica em uma
distinção entre determinação e causação.
Estabelecendo relações e diferenças entre determinação e causação, Bunge
(1961) apresenta o conceito de causação como um conceito complexo. Ele define
determinação como uma propriedade ou característica que consiste em precisão e possui
condições, acordantes com seu tipo. Uma determinação quantitativa supõe a relação
antecedente e conseqüente, sendo o conseqüente determinado pelo antecedente; a
determinação causal, ou causação simples, é um tipo de determinação que necessita de uma
causa eficiente; já a causação recíproca, ou interdependência funcional, tem sua determinação
comparada às glândulas do corpo, pois uma age sobre a outra e as reações desta interferem na
primeira; a causação mecânica é determinada por causa eficiente e ação mútua; na
determinação estatística, obtém-se um resultado final a partir da ação conjunta de entidades
independentes; a determinação estrutural ocorre por uma relação entre parte e todo; a
determinação teleológica, por relações entre fins e meios; e a determinação dialética, ou
autodeterminação qualitativa, dá-se a partir da totalidade de um processo, por uma luta interna
e por uma eventual síntese dos componentes essenciais opostos.
Em sua teoria, os diversos tipos de determinação estão geneticamente
vinculados entre si e os tipos mais elevados dependem dos inferiores, sem serem reduzidos a
eles por completo (1961: 32). Concebendo como determinismo a teoria ontológica que possui
como componentes necessários e suficientes o princípio genético (nada pode surgir de nada
nem converter-se em nada) e o princípio da legalidade (nada sucede em forma incondicional
nem completamente irregular), Bunge considera o princípio causal como um princípio de
47
determinação que se realiza por condições externas. Apresentando a causação a partir de uma
leitura da categoria de determinação, divide-a em causalismo, semicausalismo e acausalismo.
Defendendo um caráter determinístico da causação, aponta-a como uma
aproximação de primeira ordem com um campo limitado de validade, mas passível de intervir
nos processos da realidade, ao que ele denomina semi-causalismo.
Bunge conclui que a causalidade (entendida como nexo causal particular) é
limitada para explicar todo tipo de mudança, o princípio causal (lei geral de causação) é
compatível com a mudança radical, e a causação (vínculo causal) permite a emergência da
novidade. A causação, como apenas um dos princípios de determinação, participa da
produção da novidade, mantendo seu lugar na ciência. Desta forma, a atitude proposta por ele
diante do problema da causação consiste em empregar a categoria de causação reconhecendo
seu caráter limitado, dar lugar a outras categorias de determinação abstendo-se de chamar
causais categorias como autodeterminação, ação recíproca e outras que desdobram a
causalidade e pertencem ao determinismo geral (1961: 366).
Ainda no caminho traçado por Mill e enfatizado por Bunge, o efeito reaciona
sobre o fator inicial, possibilitando causação em sentidos distintos: ascendente e descendente.
Fatores causais agindo sobre efeitos consistem na causação ascendente. Fatores reagentes
atuando sobre suas próprias causas, na causação descendente. Não há necessariamente
simetria temporal nas relações causais. Elas podem ocorrer no tempo precedendo eventos,
mas podem ser simultâneas aos eventos.
48
Dada a complexidade do mental, seria impossível abordá-lo apenas a partir da
causação simples, de um modelo mecânico. Assim sendo, o ponto de partida para a reflexão
acerca da causação mental é o conceito de causação proposto por Stuart Mill e trabalhado por
Bunge, um modelo complexo, que se aproxima mais de um modelo químico do que de um
modelo mecânico, e que comporta múltiplas formas de causação.
AINDA O MODELO: FÍSICO OU MENTAL?
Outro ponto relativo ao conceito de causação refere-se às relações causais nele
implicadas, que se manifestam de diversos modos. Os modos básicos são quatro: causação
física-física [FF] – abordada, por exemplo, pela medicina convencional para explicar
desordens físicas, resultando em tratamentos que utilizam intervenções físicas. Esse tipo de
causação é facilmente compreendido: levei uma bolada num jogo de vôlei e fiquei com um
hematoma no braço, comi demais e fiquei enjoada, meu coração não bombeia adequadamente
o sangue, logo, o sangue não circula. A causação física-mental [FM] – como, por exemplo,
desordens psíquicas com origens químico-orgânica, tratadas com drogas psico-ativas,
intervenções cirúrgicas. É também de fácil compreensão: bebi excessivamente e isso gerou
alterações em meus estados mentais, a ponto de confundir completamente as idéias; usei
drogas e em seguida tive alucinações; confusões mentais geradas por distúrbios glandurares.
A causação mental-mental [MM] – observada, por exemplo, em desordens psíquicas de
origem em confusões de idéias, tratadas por terapia pela fala, ressignificação, hipnose e outros
procedimentos psicoterapêuticos, também é facilmente compreendida: derivo idéias de idéias,
crenças pautadas em crenças. Quando uma crença é falsa, as demais, derivadas dela, podem
levar a equívocos. Por fim, a causação mental-fisica [MF] – facilmente compreendida em
exemplos como: por crer que a noite paulistana é perigosa para uma adolescente sozinha, saio,
49
na madrugada, para buscar minha filha numa festa. Quando abordada pela psicossomática, em
desordens físicas de origem psíquica, como, por exemplo, uma paralisia histérica, com
tratamento psicoterápico, consistindo em intervenções mentais, torna-se um caso mais difícil
de compreender, cujas explicações deixam a desejar.
Alguns elementos clínicos evidenciam a possibilidade da causação mental-
física como imaginação, hipnose, biofeedback, efeito placebo, e podem ser terapêuticos em
várias condições médicas, conforme os trabalhos de Baber, Sheikh e outros, indicados por
Velmans:
Particularly puzzling is the evidence that under certain conditions, a range of
autonomic body functions including heart rate, blood pressure, vasomotor activity,
blood glucose levels, pupil dilation, electrodermal activity, and immune system
functioning can be influenced by conscious states. In some cases these effects are
striking. Baars & McGovern (1996) for example report that (2002:2).
Ainda no texto de Velmans, o efeito placebo é destacado como um dos
resultados médicos que exemplificam a interação mente-corpo, o que poderia ser resultado de
uma causação mental-mental, afetando somente o que as pessoas sentem, mas não atingindo
as desordens orgânicas; ou de uma causação mental-física, atuando diretamente sobre estados
físicos. A ausência de uma teoria aceitável sobre a interação mente-corpo impede a explicação
dessas situações como exemplos de causação mental-física, sendo aceita apenas como
causação mental-mental.
Esses dois modos de causação – mental-mental e mental-física – serão objeto
deste trabalho, por suporem a possibilidade de, partindo de estados mentais, um nexo causal
provocar um efeito. O que está diretamente relacionado às psicoterapias.
50
Além das modalidades física e mental e suas respectivas combinações, a
causação assume também o movimento ascendente e descendente. É chamada causação
ascendente quando causas geram efeitos, e descendentes quando efeitos retroagem sobre suas
causas, alterando as mesmas. De simples a múltipla, conforme já apresentado, a causação
pode também assumir o caráter circular:
a noção de causalidade circular caracteriza aqueles processos em que: (a) o efeito
de uma causa afeta a própria causa, alterando-a e sendo alterado por ela
simultaneamente e, mais importante, (b) existe uma interação coletiva entre os
elementos básicos, no plano microscópico, a qual possibilita a emergência de um
padrão no plano macroscópico denominado parâmetro de ordem das variáveis
coletivas (HASELAGER; GONZALEZ, 2002: 226).
51
3. ALGUMAS TEORIAS DO SÉCULO XX
O problema da causação mental, como já apresentado no primeiro capítulo, é
formulado por Descartes, juntamente com o problema mente-corpo. Ao formular o dualismo
de substâncias, sendo o corpo uma substância física, extensa e a mente uma substância
inextensa, pensante, Descartes aponta para uma dificuldade insuperável em sua ontologia:
Como é possível a interação entre substâncias distintas? Como é possível pensar em poder
causal de uma sobre a outra? A resposta oferecida por Descartes, conforme indicado no
primeiro capítulo, é insuficiente para a questão, que permanece, e em sua versão
contemporânea, re-editando o problema da relação mente-corpo, e, conseqüentemente, o da
causação mental.
JUSTIFICANDO A ESCOLHA
A fim de situar o problema da causação mental em sua versão contemporânea,
serão abordadas algumas teorias do século XX, a partir das quais serão estudadas as
implicações psicoterapêuticas do problema, tema central deste trabalho. Traçar um plano
expondo as atuais teorias da mente e analisar, em cada uma delas, a abordagem da causação
mental, seria um trabalho demasiadamente extenso, com os riscos de um sobrevôo de
superfície, e insuficiente para subsidiar a reflexão acerca das implicações psicoterapêuticas da
causação mental. Desta forma, faz-se necessária uma escolha, uma delimitação entre as
teorias. Os critérios adotados para a escolha dessas teorias consistem, a princípio, em
52
descartar teorias que dissolvam o problema, ou seja, que o considerem um pseudo-problema,
assim como aquelas que o afirmam insolúvel, quase “místico”, atribuindo a relação mente-
corpo e a causação mental a uma “quintessência”, no sentido cartesiano, uma substância
inexplicável, inescrutável.
Assim sendo, nesse sobrevôo de superfície, serão descartadas as teorias do
dualismo de substâncias, por atribuírem a causação mental à “quintessência” cartesiana. Serão
descartadas também as teorias do dualismo de propriedades, que supõem a mente como uma
propriedade emergente da substância material, mas que não pode ser descrita em termos
físicos. Em outras palavras, o cérebro instancia propriedades físicas e propriedades mentais,
alterações no cérebro podem gerar alterações nas propriedades mentais, havendo, então, uma
espécie de conexão entre propriedades mentais e propriedades cerebrais, mas isso não poderia
ser explicado numa linguagem em terceira pessoa, pois as propriedades mentais ocorrem em
primeira pessoa.
O sentimento é que eu (e portanto qualquer “eu”) não posso ser um mero objeto
físico, porque possuo meus estados mentais: eu sou o sujeito deles, de um modo tal
que nenhum objeto físico pode ser sujeito de seus atributos. Eu tenho um tipo de
internalidade que as coisas físicas não têm; assim, além da conexão que todos meus
estados mentais reconhecidamente têm com meu corpo, eles são também meus –
isto é, eles têm um certo self como sujeito, sendo mais do que meros atributos de
um objeto. Se qualquer estado mental deve ter um self como sujeito, ele não pode
ser idêntico a um mero atributo de algum objeto como um corpo, e o self do qual
ele é seu sujeito não pode ser um corpo (NAGEL, 1964: 138).
Além dessa dificuldade com a transposição de uma linguagem em primeira
pessoa para uma linguagem em terceira pessoa, que impediria a explicação de uma suposta
causação mental, o dualismo de propriedades, ao considerar que da matéria emergem
propriedades físicas e propriedades mentais, culminaria num pampsiquismo, pois qualquer
matéria, inclusive pedras e montanhas, poderia produzir mentes. Conforme a crítica de
Teixeira:
53
Ora, mas ao sustentar que a produção de experiências subjetivas e conscientes não
pode surgir de nenhuma característica física específica do cérebro – por estar além
delas ou ser irredutível a elas – o dualista de propriedades incorre num dilema. Ou
bem ele admite a existência de características específicas do cérebro que seriam
responsáveis pela produção da subjetividade e da consciência – tornando sua
posição autocontraditória – ou bem ele admite que qualquer elemento do mundo
material poderia, em última análise, produzir uma mente. Essa segunda alternativa é
a única que pode ser adotada pelo dualista de propriedades para escapar do risco da
autocontradição (TEIXEIRA, 2000: 92).
Entre as teorias monistas, o monismo idealista, por reduzir estados cerebrais a
estados mentais, levando o cogito cartesiano às últimas conseqüências, também será
descartado, dada a inviabilidade do estudo da relação mente-cérebro, visto só existir mente.
Assim também o materialismo eliminativista será descartado, por dissolver o conceito de
mente e, como conseqüência, negligenciar o problema mente-cérebro.
As teorias monistas materialistas, agora aproximando o foco, são teorias que
afirmam que a mente é uma manifestação da atividade cerebral, reduzindo os estados mentais
a estados cerebrais. Em suas variações, o materialismo apresenta teorias da identidade:
estados mentais são estados cerebrais; materialismo reducionista: estados mentais são
redutíveis a estados cerebrais, e emergentismo ou teorias da superveniência: estados mentais
emergem de estados cerebrais.
A versão das teorias da identidade, assim chamadas por identificarem estados
mentais a estados cerebrais, pode assumir o caráter de tipos (type-type), identificando, tipos
de estados mentais, ou a sensação X, a tipos de estados cerebrais, ou ativação de uma fibra Y.
Toda vez que a fibra Y for ativada, provocará o estado X. Ou o caráter ponto-a-ponto (token-
token), algum evento cerebral provoca um estado mental, sendo que esse estado poderá ser
provocado por diferentes eventos. As teorias da identidade trabalham as relações entre estados
cerebrais e estados mentais identificando-os, contudo, não é possível estabelecer uma
54
transposição da linguagem em terceira pessoa – utilizada para abordar estados cerebrais –,
para uma linguagem em primeira pessoa – utilizada para tratar dos estados mentais e, com
isso, também não é possível demonstrar a suposta identidade. Em outras palavras, é possível
verificar, através de uma neuroimagem, áreas ativadas no cérebro, mas não é possível ter
acesso ao conteúdo mental produzido por essa ativação e, consequentemente, não é possível
identificar os estados cerebrais equivalentes aos seus respectivos estados mentais. Dada essa
impossibilidade, talvez resolvida com novas descobertas tecnológicas, não há como explicar
as relações entre estados mentais e cerebrais. Por esse motivo, as teorias da identidade não
serão o foco neste momento.
As teorias reducionistas propõem-se a descrever estados mentais como estados
cerebrais, e estes como estados físicos. Também chamadas fisicalismo, essas teorias reduzem
as explicações dos estados mentais a explicações físico-químicas do funcionamento cerebral.
Neste caso, somente uma causação física-física ou física-mental seria possível, e a alteração
de estados mentais estaria sujeita à alteração de estados físicos do cérebro. As abordagens
terapêuticas fundamentadas numa opção fisicalista seriam as terapias medicamentosas, as
intervenções cirúrgicas, e todos os demais tratamentos físico-químicos. Por não ser possível a
abordagem da causação mental nessas teorias, elas não serão aqui abordadas.
KIM E A SUPERVENIÊNCIA:
Por que Kim não responde ao problema da causação?
Restando, após esse sobrevôo de superfície, as formas de materialismo não-
reducionista, a teoria da superveniência e suas implicações na questão da causação mental
55
será evidenciada agora. O ponto de partida para essa abordagem é o trabalho de Kim, Mind in
a Physical World (1998). Pergunta Kim, por que para nós é importante que a causação mental
exista?
Sua primeira resposta aponta para a possibilidade de ações humanas
evidentemente requererem que nossos estados mentais – crenças, desejos e intenções –
tenham efeitos causais no mundo físico: em ações voluntárias nossas crenças e desejos ou
intenções e decisões, de algum modo causam nossos membros a mover-se em vias
apropriadas, assim rearranjando os objetos a nossa volta. Ou seja, a causação mental suporia
nossa capacidade de interferir, deliberadamente, no mundo e no curso de nossas vidas.
Seu segundo argumento evoca a possibilidade do conhecimento humano
pressupor a realidade da causação mental: a percepção é nossa única janela sobre o mundo.
Ela requer a causacão da percepção experimental e a construção de crenças sobre objetos
físicos e eventos ao nosso redor. Validar as crenças, o conhecimento do mundo e construir
uma psicologia, dependem da validação da causação mental. Citando Fodor (1990) se nossas
crenças e desejos não são responsáveis por nossas ações, então tudo o que cremos é falso, e o
mundo perde o sentido.
... if it isn’t literally true that my wanting is causally responsible for my reaching,
and my itching is causally responsible for my scratching, and my believing is
causally responsible for my saying…, if none of that is literally true, then
practically everything I believe about anything is false and it’s the end of the world
(1990: 156).
Constatada a importância e o significado do estudo da causação mental, Kim
aponta grandes problemas que envolvem a questão: Como é possível que a mente exerça
poder causal em um mundo que é fundamentalmente físico?
56
A superveniência é uma relação de covariância entre propriedades de
diferentes níveis, se houver indiscernibilidade no nível subveniente, há indiscernibilidade no
nível superveniente (KIM, 1990). Dizer que propriedades mentais supervém sobre
propriedades físicas quer dizer que se instanciada alguma propriedade mental M em t, por
uma propriedade de base física P, qualquer coisa que tenha P em t, necessariamente tem M
(KIM, 1998: 39).
Kim propõe o seguinte argumento (1998)
4
:
Se M ocorre, há uma base P que a ocasiona; se M* ocorre, há uma base P* que a
ocasiona. Como P e P* são propriedades físicas, então não há nenhum problema
especial na admissão de uma relação de causalidade entre elas. No entanto, nossa
intuição inicial quanto ao poder causal de M em relação a M* mostra-se em sérias
dificuldades em dois momentos: (I) M parece supérflua, dada a suficiência de P*
para a ocorrência de M*; (II) por isso, se M tem poder causal sobre M*, tal se deve,
quiçá, ao poder causal que M tem sobre P*, que por sua vez é suficiente para M*.
Só que, neste caso, há causação descentende (viz., de M a P*). Porém, mesmo que
aceitássemos que M causa P*, aceitando assim a causação descendente, não se
poderia ignorar que M, ela mesma, tem uma base subveniente P. Mas se P é
suficiente para M e M é suficiente para P*, então P é suficiente para P*, por
transitividade. Se entendermos a causação como fundada na noção de suficiência
nomológica, P qualifica como causa para P*. Alternativamente, se preferirmos
entender causação em termos de contrafactuais também temos ótimas razões para
acreditar que P causa P*, pois se P não ocorre, M não ocorre, e se M não ocorre, P*
não ocorre. (Isso não quer dizer, entretanto, que defendamos a existência de uma
relação de causalidade entre P e M, pois isso é exatamente o que negamos; porém,
tudo o que queremos mostrar é que se entendemos M como causa de P*, então
teremos que aceitar que P também causa P*). A moral da história é que a causação
descendente gera a superabundância causal; cada evento cerebral tem tanto uma
causa física como uma causa mental! Se nossa argumentação faz sentido, uma saída
aparentemente mais atraente parecer ser aquela de acordo com a qual M não tenha
poder causal frente ao poder causal de sua base subveniente, P (KIM, 1998).
Traduzindo em esquemas:
Se M ocorre, é porque há uma base P que a ocasiona:
M
P
4
Traduzido por AMARAL, 2001.
57
Se M* ocorre, é porque há uma base P* que o ocasiona:
M*
P*
P é suficiente para P*, não há problemas para admitir tratando-se de
propriedades físicas:
P P*
Contudo há dificuldades em M ser suficiente para M*
M M*
Hipóteses:
(I) M parece supérflua, dada a suficiência de P* para a ocorrência de M*:
M M*
P P*
(II) Por isso, se M tem poder causal sobre M*, se deve ao poder causal que M
tem sobre P*, que por sua vez é suficiente para M* - causação descendente:
M M*
P P*
58
Conclusão M não tem poder causal frente ao poder causal de sua base
subveniente:
M M*
P P*
Contrafactuais: Se P não ocorre, M não ocorre; se M não ocorre, P* não
ocorre, logo:
P P*
Portanto, causação descendente gera superabundância causal:
M M*
P P*
Uma primeira questão que surge na tentativa de Kim em elaborar uma resposta
para o problema é o anomalismo do mental, que consiste na constatação que não há leis
causais nos fenômenos psicológicos. Não há leis conectando eventos mentais com eventos
físicos, nem há leis conectando eventos mentais com outros eventos mentais. Isso gera
dificuldades: eventos em relação causal instanciam uma lei causal, mas não há leis para
eventos mentais. Assim, as relações causais podem ser obtidas somente entre eventos físicos,
regidos por leis físicas. Alguns desses eventos são também eventos mentais. Eventos mentais
são causalmente eficazes por suas propriedades físicas. Assim sendo, eventos mentais seriam
apenas um epifenômeno, um subproduto da atividade cerebral.
59
Em outras palavras, o problema se delineia da seguinte maneira: estados
mentais podem alterar nossos comportamentos? Podem possibilitar um rompimento de uma
cadeia determinística de eventos cerebrais? Se não há leis de causalidade para o mental, a
mente é apenas um epifenômeno da atividade cerebral, conseqüentemente não há motivos
para se pensar em causação mental, pois ela não seria nem necessária, nem suficiente para
iniciar ações ou interferir em processos cerebrais, muito menos para modificar elementos do
mundo circundante. Com essa leitura de Kim aplicada à questão das psicoterapias,
poderíamos concluir que todo trabalho psicoterapêutico seria irrelevante, se não há causação
mental, então também não determinamos nossas ações e, consequentemente, não há escolha,
liberdade, decisão ou autonomia.
Kim apresenta três abordagens para o problema. Segundo Fodor (1989), é
possível querer admitir leis que são mais que “estritas”, talvez leis tacitamente qualificadas
por cláusulas “ceteris paribus”, somando efeitos individuais em relações causais e mostrando
que há leis não-estritas dessas espécies envolvendo propriedades mentais. Para LePore;
Loewer (1987) e Horgan (1989), – algumas formas de dependência contrafactual possibilitam
a inclusão de leis causais. E a de Davidson (1980), consistente com a segunda, que define a
noção de relevância ou eficácia causal fraca, que implica em causação regular por leis estritas.
Superveniência do mental sobre o físico oferece características anômalas ao mental,
explicando a relevância causal deste.
O monismo anômalo, proposto por Donald Davidson (1980), afirma que o
fenômeno mental é diferente do físico. O mental é normativo, regulado por princípios de
racionalidade, sem lugar no domínio físico, portanto, não há leis preditivas do domínio mental
60
– nisto consiste o anomalismo do mental. Há interação causal entre físico e mental (eventos)
como supõe o dualismo de propriedades?
As propriedades mentais são fisicamente irredutíveis e permanecem fora do
domínio físico, então, supondo que o domínio físico é causalmente fechado, como elas podem
exercer força causal, ou impor alguma espécie de relevância causal no domínio físico?
A superdeterminação causal e o fechamento causal do mundo físico, princípios
constituintes da estrutura metafísica indispensável à perspectiva científica do mundo
contemporâneo, consistem também num sério problema à questão da causação: se M (estado
mental) causa P* (estado físico), mas P* também tem causa física , em que M (causa mental)
contribui? Há uma supertedeterminação causal: M causa P* e P causa P*.
A superveniência implica em propriedades mentais que supervem sobre
propriedades físicas, no sentido que, se alguma coisa instanciou alguma propriedade mental
M em t, há uma base física na propriedade P. A causação mental poderia ser explicada com
uma propriedade M* superveniente na base física P*? M* foi causado por M (causa mental)
ou por P* (propriedade física)? M causou M* porque causando P*. M causou M* por ser
instanciado nessa ocasião.
Para causar uma propriedade a ser instanciada, é preciso causar sua
propriedade de base. Quando uma propriedade mental M causa uma propriedade física P*,
houve causação mental-física. Mas se P não ocorre M não ocorre, se M não ocorre P* não
ocorre. P e M são elegíveis como causa suficiente de P*, o que implica em superabundância
causal. P implica em M que implica em P*. M é a conexão intermediária entre subvenientes e
61
supervenientes. Com a idéia de superdeterminação causal surge a dificuldade: como causas
mentais podem gerar eventos físicos?
Surge então o segundo princípio: o fechamento causal do mundo físico. P
causou P* e M superveio sobre P e M* superveio sobre P*. Com isso observa que a
regularidade entre: M e M*, M e P* não são meramente acidentais. A propriedade de base é
necessariamente suficiente para a propriedade superveniente. A necessidade envolvida aqui é
padrão como necessidade nomológica – tanto que se superveniência mente-corpo sustenta; é
sustentada em todos os mundos como parte do nosso mundo pela mesma lei fundamental da
natureza.
Qual, então, a conexão entre superveniência e causação mental? O fechamento
causal do mundo físico: uma propriedade mental só ocorre se instanciada por uma base física.
Seja ou não a superveniência mente-corpo causadora do mental, o aspecto físico é suficiente
para a causação mental, o que implica no fechamento causal do físico. Isto ocorre porque se P
causa P*, M supervem de P e M* supervem de P*, então P e P* são suficientes para M e M*,
sendo M desnecessário para M*.
Supondo que a causação mental-mental – propriedade M causa propriedade
M* – a ser instanciada implique no aparecimento de P*, surgindo um genuíno processo causal
P – P*, ocorre o dilema: Se a superveniência mente-corpo não ocorre, a causação mental é
ininteligível; se ela ocorre, a causação mental também é ininteligível. Então a causação mental
é ininteligível. Kim não apresenta solução plausível para isso. Superveniência é o argumento
contra a causação mental ou, como afirma Kim (1998), a vingança de Descartes sobre os
fisicalistas, um desafio.
62
Os conceitos de superveniência e emergência implicam em fenômenos mentais
que supervem ou emergem de substratos neurais, causados por processos de níveis inferiores.
Se todo fenômeno mental é causado por um fenômeno neurobiológico, como supõe Searle
(1997), a descrição dos sistemas pode ser feita em diferentes níveis: MM*, PP*, PM,
P*M*.
O problema da causação mental é equivalente ao problema do ceticismo
epistemológico. Se C (desejo de beber água) explica causalmente E (ir à cozinha), então C é
causa de E (causação mental-físico). Ou há eventos neuronais correspondentes a C e E? O
problema apresenta várias opções: a) cada qual é causa suficiente e o efeito causalmente
superdeterminado; b) cada qual é causa parcial, sendo ambos necessários; c) um é parte do
outro; d) ambos são um único fato com diferentes descrições; e) um é redutível ao outro; f)
um é causa derivada, dependente da causa neural. O problema da exclusão causal supõe
presença de várias histórias de explicações causais, exigindo, segundo Kim (1998), a escolha
de uma.
When we are faced with two purported causes, or causal explanations, of a single
event, the following alternative accounts of the situation are initially available: (a)
each is a sufficient cause and the effect is causally overdetermined, (b) they are
each necessary and jointly help make up a sufficient cause (that is, each is only a
“partial cause”), (c) one is part of the other, (d) the causes are in fact one and the
same but given under different descriptions, (e) one (presumably the mental cause
in the present case) is in some appropriate sense reducible to the other, and (f) one
(again the mental cause) is a derivative cause wit its causal status dependent in
some sense on the neural cause, N. Perhaps there are others, but it is clear that for
our present case, most of them, including (a), (b), and (c), are nonstarters. The
general point I want to stress is this: the presence of two causal stories, creates an
unstable situatin requiring us to find an account of the problem of
“causal/explanatory exclusion.” (KIM, 1998: 64-65).
Considerando que Kim tem o modelo químico de Mill como referência, não
estaria ele retornando a uma concepção mecânica da causação? Caso contrário, qual o
63
problema da superabundância causal, ou seja, um evento P* ser causado ao mesmo tempo por
M e por P? Mesmo aceitando a possibilidade da causação múltipla, como saber se, de fato, M
e P são causas?
Uma saída para definir a escolha seria o teste dos contrafactuais (Horgan,
1997), se C é causa de E, se C não ocorrer, E também não ocorrerá. Kim cita Horgan:
Regarding causal-exclusion reasoning, I advocate robust causal compatibilism – as
indeed I think any philosopher must do who espouses nonreductive materialism. I
certainly acknowledge that my compatibilism needs articulation and defense; that is
an important philosophical project…
First, how might the view be articulated and defended? Robust causal
compatibilism is a byproduct of a general conception of causal properties and of
causal explanation that I think is credible and well motivated apart from worries
about causal exclusion. The leading idea is that causal properties are ones that
figure in roust, objective, patterns of diachronic counterfactual dependence among
properties…
Higher-order causal natural-kind properties, according to such views, are ones that
figure centrally in the relevant higher-order dependence-patterns and nomic
generalizations. As such, these properties need not be nomically coextensive with
lower-order causal properties – not even locally coextensive by conforming to
species-relative or structure-relative bicondicional bridge laws. Instead, higher-
order causal properties can perfectly well cross-classify lower-order ones, even
locally for a given species of creatures and for single individuals within a species
(1998: 68).
Explorando o argumento de Frank Jackson e Philip Pettit, Kim alia causação,
superveniência e epifenômeno. Segundo eles, o mental precisa de eficácia causal, ela é a
relevância causal necessária para o mental desenvolver seu programa explicativo. Ex.: o vaso
quebrou por sua fragilidade – é a estrutura molecular do vaso que é frágil, não ele. Há uma
propriedade F, causalmente ineficaz em causar a instanciação de outra propriedade G, que
pode ainda ser relevante na causação de uma instanciação de G, em virtude do fato que G
ocorre porque F ocorre. F é propriedade causalmente eficaz com respeito a G, ou F programa
por ou assegura a presença de algumas propriedades P as quais são causalmente eficazes com
respeito a G, embora F assegure eficácia causal com relação a G. A fragilidade do vaso não é
64
causalmente eficaz para quebrá-lo, mas assegura sua quebra. Neste caso, uma somatória de
fatores, causas, implicaria no efeito.
Nas objeções de Lewis, para explicar um evento é preciso ter algumas
informações sobre sua história causal. Simples alterações sobre a história causal de um
evento, podem trazer alterações substanciais, um evento implica em si mesmo, em partes de
sua história e relações causais (KIM, 1998: 75-76). Um evento é dependente de parte de sua
história, todavia, histórias causais não são fechadas sobre dependência causal, e em
conseqüência, epifenômenos de um evento não são partes de sua história causal. Assim,
epifenômenos podem ser uma causa real de eventos, como uma dor (epifenômeno) ter uma
causa real (neuronal) de eventos para explicá-lo. O epifenômeno de uma causa real de um
evento é uma informação causal sobre o evento.
Jackson, Petit e Horgan tratam a causação mental como apenas um caso
especial da causação em ciências especiais, envolvendo propriedades e eventos de ordem
superior. Segundo Burge, há aqui um falso problema, pois o fechamento do mundo físico
excluir a causação mental-físico, não é o que se observa na química e na biologia: o
fechamento do mundo físico não exclui a eficácia de propriedades mentais. Citado por Kim
(1998), o texto de Burge:
The existence of a closed system reflects a pattern of causal relations and of causal
explanation that needs no supplementation from the outside. There are no gaps. It
does not follow from his that such a system excludes or overrides causal relations
or causal explanation in terms of properties from outside the system. Indeed, if it
did follow, as often been pointed out, there wouldbe no room for causal efficacy in
the special sciences, even in natural sciences like chemistry and physiology. For
here is no gap (other than perhaps quantum gaps) in the causal relations explained
in terms of the properties of physics. But few are tempted by the idea that physical
events cannot be caused in virtue of physiological properties of physical events (p.
77).
65
Robert Van Gulick, segundo Kim, aponta para a possibilidade de uma relação
microfísica causal: o argumento da superveniência, se correto, mostra que onde há
superveniência há um potencial problema sobre a eficácia causal das propriedades
supervenientes em relação às propriedades de base. Propriedades apresentam diferentes níveis
e ordens. Propriedades mentais são realizadas por propriedades físico-neurais, ou usualmente,
propriedades mentais são desenvolvidas de propriedades físicas as quais são ocupantes.
Lycan mostra diferentes níveis físico-químicos e funcionais (supervenientes),
uma hierarquia de níveis da natureza, cada nível marcado por nexos de generalizações
nômicas e supervenientes sobre todos os demais níveis, numa espécie de continuum. A
natureza, hierarquicamente organizada, corresponde a um estado funcional ocupante de um
realizador. Para Block, o epifenômenalismo supõe status causais de propriedades de segunda
ordem, definidas funcionalmente. A propriedade dormitiva é uma propriedade de segunda
ordem com relação a realizadores químicos (propriedades de primeira ordem), cuja força
causal implica em fazer a pessoa dormir. Lycan apresenta realizadores neurais da dor são
como propriedades de segunda ordem com respeito a propriedades de níveis inferiores, e
assim sucessivamente, em níveis microfísicos, onde reside o genuíno poder causal? Se a
causação pode ser aceita em ciências especiais como a química e a biologia, porque não na
psicologia?
A possibilidade de funcionalização é condição necessária para redução (KIM,
1998: 99). Funcionalizar M é tornar M não rígido. Os emergentistas defendem que é possível
prever as propriedades emergentes em suas bases microfísicas. A chave para tal é a
construção funcional do fenômeno.
66
Propriedades mentais são propriedades de organismos superiores, logo
supervem de níveis inferiores. Macropropriedades que supervem de micropropriedades. A
supervem de B, B determina A. A é redutível a B? Propriedades mentais são realizadas por
propriedades físicas, no funcionalismo fisicalista. O funcionalismo defende que propriedades
mentais são propriedades funcionais com papel causal entre inputs sensoriais e outputs
comportamentais. O funcionalismo fisicalista aponta propriedades físicas como ocupantes ou
realizadores desse papel causal. Para um organismo, estar com dor é estar com algum estado
interno que é tipicamente causado por tecidos danificados e que tipicamente causam gemidos,
estremecimentos, e outras características do comportamento de dor. Nesse sentido a dor é uma
propriedade de segunda ordem.
Para um sistema X ter essa propriedade é por X ter alguma propriedade de
primeira ordem P que satisfaça certas condições D, onde no caso D, que P tem uma dor típica
e efeitos típicos. F é uma propriedade de segunda ordem sobre série B de base (1
a
. ordem). Se
F é a propriedade de ter alguma P em B que D (P), quando D condição ser membro de B. A
propriedade funcional: sonolência pode ser encontrada em: Valium (diazepam) ou Seconal
(secobarbital) – ambos possuem propriedade sonolência, mas cada qual realizado por
diferentes propriedades de primeira ordem.
Para o funcionalismo, propriedades mentais são especificadas por papéis
causais de primeira ordem. A múltipla realização do mental supõe o realizacionismo físico.
Este explica a tese da superveniência: o mental supervem sobre o físico porque propriedades
mentais são propriedades funcionais de segunda ordem com realizadores físicos. Assim,
explica a correlação mental-físico.
67
É o mental receptível para espécies de funcionalizações requeridas para
explicações redutíveis, ou em princípio, resiste como funcionalização? Se a concepção
funcionalista do mental é correta, correta para todas propriedades mentais, então a redução
mente-corpo é em princípio possível, se não praticamente exeqüível. Isto é contrário ao
funcionalismo anti-reducionista.
Nas relações entre propriedades funcionais e conceitos funcionais, se M é
propriedade de segunda ordem e P é propriedade de primeira ordem, se M é extrínseca e
relacional propriedade e P é intrínseca, se M tem papel causal e P é ocupante deste papel,
como pode M=P? Uma genuína explicação da redução não pode ser satisfeita com leis
assumidas como premissas inexplicáveis de derivações redutíveis. Por isso exatamente que
precisamos explicar. Uma via de explicação consiste em elevar leis para identidades, essa não
ocorre se as propriedades existentes podem ser reduzidas a propriedades funcionais causais,
propriedade de segunda ordem definidas sobre propriedades reduzidas à base. Para uma
ordenação, há designações, conceitos de segunda ordem.
Para a múltipla realização, se M (propriedade de ter propriedade P1 e P2),
tendo M = tendo P1 ou P2 não implica em: propriedade M = propriedade disjuntiva P1 v P2.
Um sintoma médico pode ser causado por duas situações patológicas: artrite reumática e lupus
causam dor nas juntas. Se Mary está com dor nas juntas, tem artrite reumática ou lupus, mas
também pode ter artrite reumática e lupus. O argumento de Hempell da dedução nomológica,
afirma que há duas possibilidades de explicação, sabemos que uma ou outra é correta, mas
não qual delas. Mostra associações entre existência de: projectivas espécies nômicas, espécies
de eventos elegíveis como causas. P1 e P2 são heterogêneas, não tem o mesmo significante.
São proposições realizáveis multiplamente, causalmente e nomologicamente espécies
68
heterogêneas, e isso, na realidade, é a razão para sua não projeção e não elegibilidade como
causas. Nesta via, proposições multirealizáveis são separadas em diversos realizadores em
diferentes espécies e estruturas, e em diferentes mundos possíveis.
Assim, há três condições do fechamento do domínio físico:
uma entidade agregada sobre entidade física, é física;
alguma propriedade que é formada como micro-base em termos de
entidades e propriedades no domínio físico, é física;
alguma propriedade definida como propriedade de segunda ordem
sobre propriedades físicas, é física.
Aceitar a funcionalização de todas propriedades mentais, significa abraçar o
reducionismo e resolver o problema da causação mental: não há poder causal nas
propriedades mentais. Porém, algumas propriedades mentais (fenômenos da experiência
consciente) resistem à funcionalização, e o problema persiste: como uma propriedade mental
pode causar uma propriedade física?
Assim, a teoria da superveniência, que parecia ser uma resposta para a questão
da causação mental, dado o fechamento causal do mundo físico coloca-se como um problema:
se para cada estado mental há uma base física que o ocasiona, e as bases físicas estão ligadas
causalmente, como os estados mentais influenciam na rede causal física? Aceitar o
reducionismo e a mente como um epifenômeno seria um caminho, mas a teoria da
superveniência teria que desistir de ser um materialismo não reducionista. Ainda assim, a
causação mental não faria sentido. Eis novamente o dilema: se a superveniência falha, a
69
causação mental falha, se ela funciona, a causação mental também falha. De uma maneira ou
de outra, Kim não explica a possibilidade da causação mental.
As aproximações com um modelo funcionalista fisicalista, propondo a múltipla
realização do mental, caminho apresentado por Kim, também ficam comprometidas, a menos
que houvesse uma explicitação de uma noção alternativa para propriedade funcional, distante
das noções de superveniência, e exclusão causal.
BUNGE E A EMERGÊNCIA: PLASTICIDADE E CAUSAÇÃO
Para o materialismo emergentista de Bunge (2002), o sistema nervoso central
não é uma entidade física, nem uma máquina, mas um biossistema, complexo, dotado de
propriedades e leis peculiares dos seres vivos. As funções mentais são funções do sistema
nervoso central, emergentes do físico, mas que não se limitam a processos puramente físicos.
Trata-se de uma dupla emergência: propriedades mentais de um sistema nervoso central que
não estão presentes em seus componentes celulares, são propriedades sistêmicas que vão
aparecendo ao logo do processo evolutivo biológico. Dos componentes celulares do cérebro e
suas conexões neuronais, surgem sistemas com propriedades emergentes como a capacidade
de perceber, sentir, recordar, desejar, pensar, não presentes nas células. Semelhante à relação
de causalidade proposta por Mill, a explicação de Bunge para o surgimento dos estados
mentais supõe a emergência de propriedades não encontradas em sua base física.
70
Em sua tese, todos os estados, resultados e processos mentais são estados,
resultados ou processos nos cérebros dos vertebrados superiores; estes estados, resultados e
processos são emergentes com respeito aos componentes celulares do cérebro; as relações
denominadas psicofísicas (psicossomáticas) são relações entre subsistemas diferentes do
cérebro, ou entre alguns deles e outros componentes do organismo. Aceitando esses três
elementos da tese, é possível pensar em fenômenos mentais sem abandonar a tese biológica de
interações psicossomáticas, porque passam a ser entendidas como ações recíprocas entre
subsistemas distintos de um mesmo organismo, por exemplo, córtex cerebral e sistema
nervoso autônomo. Ao invés de falar que o amor influi em nossos raciocínios, pode-se dizer
que o hemisfério cerebral direito pode afetar o esquerdo, e que os hormônios sexuais podem
atuar sobre os sistemas neurais que pensam (BUNGE, 2002: 42-43).
O sistema é formado por uma composição (conjunto de seus componentes), o
entorno (conjunto das coisas que não compõem o sistema mas atuam sobre esses
componentes ou são influenciados por eles) e a estrutura (conjunto das relações, conexões ou
enlaces entre os componentes, ou entre esses e o entorno). O que faz o comportamento é o
organismo em sua totalidade ou algum subsistema seu. Nem a função psíquica, nem a conduta
existem por si mesmas. A mente é uma coleção de funções de um sistema nervoso central.
Seus estados mentais constituem um subconjunto de estados cerebrais, incluídos no conjunto
de estados possíveis ao organismo. Esses sistemas não possuem locais fixos, são sistemas
itinerantes de neurônios, formados para cada ocasião em especial. Assim, processos e estados
mentais são processos cerebrais.
El principal supuesto de que partimos es que la conducta es la manifestación
externa de procesos neuronales, y que éstos incluyen algunos que no son
ostensivos, ejemplo de los cuales pueden ser sentir, imaginar, soñar, desear y
razonar. En cualquier caso, ni la función psíquica ni la conducta existen por sí
mismas. El que controla la conducta y la sensación, el que imagina, desea, razona,
71
planea, etc. Por decirlo de otro modo, no existe mente independiente del cérebro, y
mucho menos paralela a él o en interacción con él. La mente no és más que una
colección de funciones (actividades, sucesos) de um SNC extremamente complejo.
Formularemos estas ideas en términos de un espacio de estados, como suele hacerse
en toda la ciencia (BUNGE, 2002: 52-53).
Uma pessoa não é uma entidade invariável, evolui durante a vida, pois possui
plasticidade – capacidade do sistema nervoso central de modificar sua composição ou sua
organização e, em conseqüência, modificar algumas de suas funções. Assim, o controle
genético pode ser modificado por cincunstâncias ambientais e pela conduta. Isso não significa
modificar a dotação genética, mas inibir a expressão dos genes. Os sistemas são auto-
organizáveis. São funções do cérebro: o conhecimento do mundo externo e o auto-
conhecimento
5
.
Seu conceito de mental articula-se sobre a definição de sistema neural plástico.
Os estados mentais são estados em movimento, e são estados neurais. O mesmo processo
mental pode ser ocasião de um processo em um sistema neural itinerante em uma ocasião, em
outra ocasião, de outro sistema. Entendendo o mental como uma função neuronal, a interação
mente-matéria é plenamente possível, pois são processos físicos interagindo uns com os
outros.
El sistema nervioso central y los sistemas endocrinos se encuentran enlazados tan
estrechamente que algunas neuronas producen mensajeros químicos; esto sugiere la
hipótesis especulativa de que la neurona primitiva era a la vez una neurona y una
microglándula (que en algunos casos terminó especializándose). (Cf. Scharrer y
Scharrer, 1963).
¿Cuál es, entonces, la justificación que nos permite afirmar que la mental es una
función neural y no endócrina? ¿Por qué no suponemos que la mente es un
conjunto de funciones del sistema neuroendocrino, y no del SNC? Por la siguiente
5
O auto-conhecimento do cérebro poderia revelar-se como um problema epistemológico: a auto-referência – a
circularidade de um cérebro que conhece a si mesmo. Teixeira debate o problema no texto A ilusão da
Neurociência, apresentando a questão: “Eis o problema epistêmico: uma ciência do cérebro teria de abranger
todo e qualquer tipo de ciência que o cérebro fosse capaz de produzir. Caso contrário, não poderíamos resolver
os paradoxos da auto-referência.” Sua conclusão defende que: “A ciência do cérebro deve ser uma ciência de
como nós representamos nosso próprio cérebro. Não se trata de uma circularidade fútil, mas a recognição de que
questões epistemológicas não podem ser ignoradas por aqueles que praticam neurociência seriamente.” (2004:
114-118)
72
razón: las hormonas influyen en los estados cerebrales, pero no hacen que
percibamos, sintamos, deseemos, pensemos, etc. Por ejemplo, un cambio en la
concentración de noradrenalina (norepinefrina) provoca un cambio de humor o de
ánimo, con lo que facilita algunas funciones cerebrales mientras que dificulta otras.
Pero otros sitemas, como el cardiovascular y el digestivo, también están
estrechamente conectados con el SNC y, sin embargo, no les atribuímos ninguna
función psíquica. En último extremo, aunque ciertas conductas, como la
locomoción, sean efectuadas por el animal completo, no por ello estamos
extendiendo la mente a todo el cuerpo. (Esto son solo casos particulares del eterno
problema de delimitar las fronteras de un sistema, y sin embargo cada una de ellas
puede ser, a su vez, un subsistema, como es el caso de los átomos en las moléculas
o de las pernsonas en la sociedad.) (BUNGUE, 2002: 57-58).
Em sua concepção de emergência, Bunge recorre a um reducionismo. A
interação de estados mentais e estados físicos é possível, dado que ambos são processos
físicos, neuronais. Não se pode, contudo, pensar em causação mental, dado que não há
diferenças entre processos mentais e físicos. Há apenas tipos diferentes de processos
orgânicos, plásticos, que implicam na constituição do todo do organismo, considerando,
inclusive, seu entorno e estrutura.
Bunge não aceita do funcionalismo a múltipla realização do mental,
instanciado em qualquer substrato. Em sua concepção, o surgimento do mental supõe
elementos biológicos, somente existentes em organismos vivos, que permitem a plasticidade.
O elemento plasticidade permite a emergência de novos estados ou sistemas, sua interação
com outros sistemas, possibilitando, inclusive, alterações no sistema de origem. Não se trata
de um modelo estático, e a causação poderia ser compreendida nessa plasticidade orgânica.
Se denomina plasticidad a la capacidad que tiene el SNC de cambiar su
composición o su organización (estructural) y, en consecuencia, de modificar
alguna de sus funciones (actividades) incluso en presencia de un médio
(aproximadamente) constante (cf. Paillard, 1976). La plasticidad parece ser uma
característica que el córtex cerebral asociativo tiene desde el nacimiento hasta la
senectud, hasta el extremo de que podemos caracterizar a este sistema como “el
órgano capaz de formar nuevos órganos funcionales” (Leontiev, 1961, apud Luria,
1966). En términos psicológicos, la plasticidade es la capacidad de aprender y
olvidar. Desde un ponto de vista monista el aprendizaje es la activación de sistemas
neurales que antes no se ocupaban de la tarea em cuestión, lo cual se consigue
presumiblemente estableciendo o reforzando algunas conexiones sinápticas. (Según
Hebb, 1949, las neuronas que disparan juntas tienden a continuar unidas formando
asambleas neuronales o sistemas.) (BUNGE, 2002: 64).
73
Bunge apresenta como pressupostos básicos da plasticidade o fato de todos os
animais que possuem um sistema nervoso possuírem sistemas neuronais comprometidos, ou
seja, pré-programados para regular o meio interno e as biofunções do animal recém-nascido; e
alguns desses animais também possuírem sistemas neuronais plásticos (não comprometidos,
auto-organizáveis). Os sistemas neuronais plásticos de um animal encontram-se conectados
uns aos outros, formando outro sistema. A este supersistema Bunge denomina supersistema
neural plástico do animal. Os animais com supersistema neural plástico são capazes de
adquirir biofunções novas durante a vida. As funções que adquirem conectividade regular ou
constante são denominadas aprendidas. Assim, aprendizagem é uma função neurofisiológica.
Resumiendo, el sistema nervioso central (SNC) es un procesador de información
genuino; pero además es un procesador vivo y, por tanto, es cualitativamente
distinto de los procesadores de información artificiales. (...) el SNC de los
vertebrados superiores no es solo un procesador de información; también es un
generador de información. Todas estas razones hacen que aunque la neurociência
pueda beneficiarse de la teoria de la información no se puede restringir a ella. Pues,
caso de hacerlo, no seremos capaces de encontrar la respuesta a ninguna cuestión
específica (neurofisiológica) (BUNGE, 2002: 77).
As funções do sistema neuronal dividem-se, segundo Bunge, em funções de
controle e de cognição. As funções de controle são divididas em controle do sistema interno
(como, por exemplo, do aparelho digestivo); controle de partes móveis externas (como, por
exemplo, o sistema motor); e controle de entradas sensoriais (como, por exemplo, as pupilas).
As funções cognitivas englobam o conhecimento do mundo externo e o auto-conhecimento,
que supõe tanto o conhecimento dos sentimentos e emoções quanto a auto-consciência. As
funções desenvolvem uma cadeia de bio-controle, capaz de detectar desequilíbrios no
organismo e ativar mecanismos reguladores. Uma vez regulado, verificar se há desequilíbrio
residual e ativar processos reguladores superiores.
74
A experiência introspectiva, os estados e processos mentais são, para Bunge,
uma atividade cerebral. Ele cita exemplos como: visão (normal ou alucinação) – uma
atividade de sistemas neurais do sistema visual; aprendizagem – formação de sistemas, ou
conexões neurais, novos; recordação – reativação de conexões neurais.
Parte de la actividad del cérebro no es mental, habiendo sistemas neurales que no
son capaces de encargarse de funciones (actividades, procesos) mentales. Por
ejemplo, solo algunas de las actividades del componente cortical del sistema visual
son mentales; las de los componentes comprometidos o preporgramados (por
ejemplo, la retina y el nervio óptico) no lo son. Los únicos sistemas neurales
capaces de aprender son los no comprometidos; el aprendizaje es una actividad del
córtex asociativo, porción del córtex que no es ni sensorial ni motora. Además,
enunciaremos la hipótesis de que los sistemas neurales no comprometidos (o
plásticos) son el “asiento” o “correlato neural” de lo mental. Más precisamente,
supondremos que cualquier estado o proceso mental es un estado de actividade o
proceso de algún sistema neural no comprometido (plástico) sin contar sus
funciones “domésticas”: esto es, lo mental es la función específica de alguno de
estos sistemas. Formulamos el supuesto del modo seguiente:
DEFINICIÓN 3.5. Se b un animal dotado de un sistema neural plástico P.
Entonces
1) b experimenta un proceso mental (o efectúa una función mental) durante el
intervalo de tiempo t si y solo si P tiene un subsistema v tal que v se encuentra
durante t ocupado em um proceso específico (es decir, π
s
(v,t) Ø);
2) todos los estados (o estádios) de un proceso mental de b son estados mentales
de b (BUNGE, 2002: 92).
Desta definição deriva que todos os animais dotados de sistemas neurais
plásticos, e somente eles, são capazes de ter estados mentais (ou experimentar processos
mentais). Segundo ele, não há sentido pensar que o cérebro é a base física da mente, pois os
elementos do que denominamos mente são funções, processos, cerebrais. Assim, afirma que
as funções mentais do supersistema neural plástico de um animal estão entrelaçadas umas
com as outras, formando um sistema funcional.
Afirma também que todas as desordens mentais são desordens neuronais:
Según el monismo psicofísico todos los estados mentales, sean normales o
anormales, son orgânicos; todos son estados del SNC. La diferencia no existe entre
75
desordenes orgânicos y psicológicos, sino la diferencia entre enfermedad cuyo
origen se encuentra en las células (por ejemplo, deficiencia de dopamina o tiroidea)
y enfermedad originada en sistemas (o subsistemas), por ejemplo, conexiones
deficientes. Gracias a la plasticidad de gran parte del córtex humano los desordenes
sistêmicos o de conducta se pueden curar frecuentemente volviendo a aprender (son
ejemplos la terapia de la conducta o un mero cambio de médio), siempre y cuando
las conexiones neurales correspondientes no sean excesivamente rígidas. Las
neuronas enfermas exigen, sin embargo, un tratamiento bioquímico (o
psicofarmacológico) en lugar de una logoterapia: las células no escuchan (BUNGE,
2002: 97).
As desordens mentais dividem-se em originadas em células, que podem ser
inatas ou degenerativas; e originadas nos sistemas, que podem ser advindas de lesões ou
aprendidas. Desta forma, a divisão entre neurologia, psiquiatria e psicologia não é tão natural
como normalmente aceita se fundamentada nas teorias dualistas.
Não há identidade entre mente e cérebro, “La identidad existente entre cerebro
y mente no es mayor que la existente entre pulmón y respiración. En nuestra versión de la
‘teoria de la identidad’, el conjunto de los acontecimientos mentales es un subconjunto del de
los acontecimientos que ocurren en los sistemas neurales plásticos del animal” (BUNGE,
2002: 99).
Pensar em interações entre mente e matéria, considerando-as substâncias
distintas, é difícil de explicar, pois seria necessário demonstrar como ocorre a passagem de
uma substância à outra e como uma pode agir, ou ter influência sobre a outra. Contudo, se as
compreendermos a partir da proposta de Bunge, como sistemas neurais plásticos e sistemas
neurais comprometidos, seria possível compreender interações entre regiões corticais e
subcorticais – áreas sensoriais e motoras; o biofeedback ou a alteração do organismo por
drogas também seriam explicados.
Es paradójico que mientras los dualistas no tienen derecho a pretender que los
sucesos mentales influyan sobre los procesos corporales que no son mentales
(porque no tienten una noción clara de esta influencia), los monistas sí están
76
capacitados para opinar a este respecto: sí tiene sentido hablar así cuando se habla
de efectos psicosomáticos. Como el monista piensa que los sucesos mentales son
sucesos neurales de cierto tipo, éstos pueden influir sobre otros sucesos, e incluso
causarlos, en cualquier subsistema del mismo cuerpo gracias a la acción integradora
del SNC. Resumiendo: como los sucesos mentales son sucesos neurales, y
definimos la relación causal para parejas de sucesos en cosas concretas, tenemos el:
Corolário 3.6. Los sucesos mentales pueden causar sucesos no mentales en el
mismo cuerpo, y a la inversa.
Em consecuencia, los trastornos de biofunciones que no son mentales (por ejemplo,
biofunciones metabólicas) pueden influir sobre los estados mentales y, a la inversa,
los sucesos mentales, por ejemplo9, los deseos, pueden influir sobre los estados
corporales que no son mentales. Esta es la razón de que la neurologia, la
neuroquímica, la psiquiatria, la educación y la publicidad tengan algo en común
(BUNGE, 2002: 102).
O modelo linear, mecânico, de causação não teria a possibilidade de instanciar
o mental. O mental ocorre devido à estrutura plástica dos organismos vivos, que permite uma
relação de causalidade não apenas linear e mecânica, mas sistêmica, múltipla, ascendente,
descendente e circular. Porém, dado que estados mentais e estados físicos são resultados de
processos neuronais, a dificuldade estaria em distinguir entre o que é causação física e o que é
causação mental. O que, diante da proposta de Bunge, não teria relevância.
Propostas como esta, que compreendem a plasticidade e a dinâmica das
interações, questionando a rigidez dos conceitos causação, físico e mental, teriam origem na
leitura de Mill, que propôs um modelo mental muito mais próximo a um modelo químico que
mecânico, justamente por observar o fator possibilidade do surgimento da novidade.
A emergência da novidade e as múltiplas interações entre os sistemas, numa
relação de plasticidade, defendidas por Bunge (2002), poderiam delinear caminhos para a
compreensão de uma relação de causação e implicações psicoterapêuticas. Abrangendo
aspectos funcionais da causação e as inúmeras probabilidades de combinações e interações
entre propriedades e sistemas (composição, entorno e estrutura), o que definiria mental e
físico, seria muito mais o papel funcional que ocupam, do que uma estrutura definida em e
por si mesma.
77
Com influência direta do modelo químico de Stuart Mill, Bunge supera
a relação de causalidade linear para explicar o funcionamento do mental. Assumindo uma
proposta monista materialista emergentista, considera o humano como um ser biológico, que
no processo evolutivo, interagindo com o meio, desenvolveu propriedades emergentes, às
quais, entre elas está o que denominamos mente.
Sendo característica dos seres biológicos a plasticidade e uma relação causal
também plástica, tanto o que denominamos mente quanto o que denominamos corpo são uma
e a mesma coisa, discerníveis apenas por seus papéis funcionais. Assim, sendo, alterações no
entorno, na forma de organizar os conceitos, nas emoções ou na “estrutura física”, como por
exemplo ingestão de substâncias ou lesões, alterariam não apenas uma instância funcional,
mas o todo do organismo.
78
4. PARA ALÉM DA HERANÇA CARTESIANA
A proposta inicial deste trabalho tem sua origem nas observações empíricas do
trabalho em psicoterapia e seus resultados. A causação mental é observável empiricamente,
mas dada a ausência de uma robusta teoria que explique as relações mente-cérebro – questão
que se mantém como um problema –, consequentemente, a abordagem da questão causação
mental também permanece problemática. Na tentativa de compreender uma possível relação
de causação que pudesse fundamentar a prática terapêutica, o debruçar-se sobre algumas
teorias da causação fez-se necessário.
Paralelamente, a opção por diferentes tratamentos – medicina geral,
psiquiatria, psicoterapia (talking cure), entre outros – também é fundamentada por teorias
explicativas, eleitas para justificar a autenticidade de tais práticas.
O mundo contemporâneo traz, como herança, o pensamento cartesiano,
principalmente no que se refere ao modelo de ciência, que divide a realidade entre física e
mental – sendo a física material e a mental inescrutável –, e o mundo físico explicado por leis
de causalidade linear, um modelo mecânico do universo, do humano e de suas relações. O
estatuto de ciência é atribuído ao estudo desse universo e sua causalidade linear, havendo
pouco espaço para o que não couber nessa referência. O fechamento causal do mundo físico
comporta a exclusão do que não for o físico, ou não tiver bases nele, servindo como
justificativa à fundamentação científica, exatamente a base, que é física.
Paradoxalmente, Descartes também deixa como herança as questões da
interação entre o físico e o mental, e dá ao mental o estatuto de agente sobre o físico, com
79
uma racionalidade capaz, não apenas de explicar os fenômenos físicos, mas a partir de seu
conhecimento, intervir sobre eles. Conforme já abordado no primeiro capítulo, talvez o
problema esteja nos leitores de Descartes, que confundiram um estatuto epistemológico,
supondo uma cisão metodológica, com um estatuto ontológico, cindindo, de fato, o universo e
o humano.
A ciência, herdeira direta de Descartes, trabalha com resultados empíricos: a
filosofia, com a análise conceitual. Mas o mundo contemporâneo faz necessária a
aproximação entre esses dois domínios, dissociados na Modernidade, e a filosofia da mente,
disciplina oriunda do século XX, mescla análise conceitual e resultados empíricos, permitindo
assim, um novo olhar.
A opção pelo monismo materialista emergentista de Bunge, justificada no
capítulo anterior, será observada como possibilidade de fundamento a práticas
psicoterapêuticas, mas para isso faz-se necessário superar a herança cartesiana e lançar um
novo olhar para a questão. Contudo, essa herança é tão prezada na ciência moderna e
contemporânea que antes de ultrapassá-la é preciso observar os motivos existentes para
fazê-lo.
DESCARTES, PSIQUISMO E TRATAMENTOS
A exclusão das causas psíquicas do domínio da ciência é herdeira da dicotomia
entre mente e corpo (que mais tarde tornou-se dicotomia entre mente e cérebro)
proposta por Descartes no século XVII. (...) Tratar da interação entre mente e corpo
tornou-se impossível na medida em que o psíquico não pode ser causa de nenhum
fenômeno no mundo material. A passagem entre o físico e o mental – a verdadeira
80
dimensão do problema mente-corpo – não nos é cognitivamente acessível no
mundo cartesiano. (...) Uma psicologia cartesiana torna-se, assim, uma psicofísica,
ou seja, o estabelecimento de uma correlação entre o físico e o mental – a mesma
correlação que encontraremos na psicossomática contemporânea entre grupos de
doenças orgânicas e perfis psicológicos (TEIXEIRA, 2005:3).
Libet (2003) afirma que o fenômeno mental, incluindo experiências
conscientes, não pode ser observado por um estudo físico do cérebro, pois experiências
subjetivas são acessíveis somente ao indivíduo, em primeira pessoa. Porém, em suas
pesquisas para encontrar correlatos neurais de experiências subjetivas, mede o tempo de
disparo de uma reação em impulsos cerebrais, comparando-a com o tempo de registro
consciente. A conclusão de suas pesquisas é que somos controlados por nossos cérebros,
porque os impulsos cerebrais antecedem, temporalmente, as experiências subjetivas.
Observando o experimento de Libet, é possível perceber o paradoxo da herança cartesiana,
quando assumida pela neurociência cognitiva: somos controlados por nossos cérebros, é uma
conclusão resultante da ciência desenvolvida graças à herança cartesiana, que traz, em seu
conteúdo, conclusões anti-cartesianas: o domínio do mundo físico, quando Descartes defendia
um racionalismo. “The voluntary act is, in this view, not free of the inexorable adherence to
deterministic physical processes. In this view, the feeling of an independent freedom of choice
and control is merely an illusion.” (LIBET, 2003).
Também é possível observar a herança cartesiana na psiquiatria, que em seu
surgimento não fazia a distinção entre físico e mental, mas assumia a interação causal entre
ambos, utilizava-se de tratamentos que misturavam ambos, como duchas frias para acalmar as
idéias. Com Pinel e seus seguidores, a psiquiatria passa a ter outro caráter. Utilizando o
chamado tratamento moral, fazendo uso das técnicas já existentes, cujo caráter não era nem
mental, nem físico, inserem o objetivo de modificação de idéias e comportamentos,
81
identificando como causa da loucura, confusões mentais. Foucault (1964, 1994, 2000) mostra
esse caminho:
Estes tratamentos (séc. XVII e XVIII) não eram nem psicológicos nem físicos:
eram ambos ao mesmo tempo – a distinção cartesiana da extensão e do pensamento
não tendo afetado a unidade das práticas médicas; submetia-se o doente à ducha ou
ao banho para refrescar seus espíritos ou suas fibras; era-lhe injetado sangue fresco
para renovar sua circulação perturbada; procurava-se provocar nele impressões
vivas para modificar o curso de sua imaginação. Ora, estas técnicas que a fisiologia
da época justificava foram retomadas por Pinel e seus sucessores num contexto
puramente repressivo e moral. A ducha não refrescava mais, punia (...) neste mundo
da moral que castiga, a loucura vai receber status, estrutura e significado
psicológicos (2000: 80-86).
A psiquiatria, em sua história, altera essa característica. Sua vertente
contemporânea, a biopsiquiátrica, com tratamentos medicamentosos, mostra a nítida opção
por um modelo de causação física-mental. Os medicamentos atuam diretamente sobre o
cérebro e seus processos, trazendo modificações no quadro dos estados subjetivos – mentais e
comportamentais. As opções por tratamentos de choque, leucotomias, ou terapias
medicamentosas fundamentam-se na possibilidade da causação física, ou na possibilidade de
alterações de estados mentais por alterações em suas bases físicas. Alguns psiquiatras optam
por interações entre terapias medicamentosas e psicoterapias, o que muitos estudos têm
mostrado apresentar excelentes resultados, diminuindo os índices de recidiva.
Como a psiquiatria aceita o fechamento causal do mundo físico, as explicações
dos sistemas físicos, feitas em termos físicos, parecem ser suficientes para explicar fenômenos
mentais. Por exemplo, a partir do exame de cérebro humano, traçados os efeitos de estímulos
no sistema nervoso central, é possível explicar estados mentais como depressões ou manias.
Consequentemente, o tratamento direcionado aos aspectos físicos deveria ser suficiente para
resolver o problema. Todavia, estudos como os de Hollon, Thase e Markowitz (2002)
mostram como a interação entre psicoterapia e medicamentos diminui significativamente a
82
recidiva em casos de depressão e distúrbio bipolar. Contudo, os dados empíricos não são
suficientes para a adoção de tratamentos integrados, justamente pela ausência de uma teoria
da causação mental que justifique a legitimidade da psicoterapia. Como afirma Teixeira:
O problema das talking cures – sejam elas psicanalíticas ou cognitivo-
comportamentais – está na ausência de uma teoria da causação mental. Em outras
palavras, a desconfiança, e no limite até a rejeição das psicoterapias pela
biopsiquiatria reside no fato de não ter sido formulada, até o momento, uma
hipótese consistente acerca de como estas práticas podem afetar/modificar a
atividade cerebral. Estranhamente, encontramos nos trabalhos de neurobiólogos
eminentes como Damásio (1996) o reconhecimento da existência de uma
causalidade psíquica, ou seja, de que estados mentais podem afetar o
funcionamento cerebral, mas nenhuma justificativa de como isto se daria
(TEIXEIRA, 2005: 5).
Segundo Velmans (2002), a causação mental é evidente na prática clínica, mas
a ausência de uma teoria aceitável da interação mente-corpo na psicologia e na ciência teve
um efeito prejudicial em sua aceitação em muitas áreas da clínica teórica e prática. A
evidência da causação mental dentro das questões clínicas precisa ser explicada.
Entre as evidências clínicas da causação mental, Velmans destaca imaginação,
hipnose, biofeedback, efeito placebo. Este último seria a evidência mais aceita de efeitos de
estados mentais em resultados médicos conforme os trabalhos de Skrabnek e McCormick
(1989), Wall (1996), Hashish (1988). Assim como em outros exemplos de interação mente-
corpo, há interpretações conflituosas dos processos causais envolvidos. Skarabanek e
McCormick defendem que os placebos podem afetar como as pessoas sentem, ou seja, estados
mentais, mas não as desordens orgânicas, ou estados físicos. Eles aceitam a causação mental-
mental, mas não aceitam a causação mental-físico.
Wall (1996) cita evidências que tratamentos placebos podem produzir efeitos
orgânicos. Hashish (1988) cita um exemplo em que uma máquina de ultrassom reduz não só a
83
dor, mas também a tensão da mandíbula e o inchaço, depois da extração de dente do ciso.
Wall destaca a evidência que placebos podem remover a sensação de dor que acompanha
desordens físicas bem definidas, e não somente sentimentos de desconforto, ansiedade e
outros que possam acompanhá-los (Velmans, 2002).
Os problemas teóricos propostos pela causação mental são bem ilustrados por
estudos (Sheikh, 2001) que demonstram o papel da imaginação como uma ferramenta efetiva
no exercício do controle mental sobre estados corporais, como batimentos cardíacos, pressão
sanguínea, atividade vasomotor, entre outras. Como é possível que imagens possam afetar
estados cerebrais? Qual o mecanismo que permite imagens conscientes afetarem outros
estados conscientes? Na prática clínica, os efeitos da imaginação no cérebro, corpo e outras
experiências conscientes são explicados em termos de mudança de foco e redireção da
atenção.
Na medicina mente-corpo as explicações rotineiras substituem mente-corpo por
cérebro-corpo aceitando que a mente e a consciência nada mais são que processos cerebrais.
O materialismo reducionista, e em alguns casos, eliminativista, faz-se presente como teoria de
base. Como a imaginação afeta o funcionamento do sistema imune é um mistério, mas como a
consciência faz-nos mover os dedos é igualmente um mistério. Por quê?
Em primeiro lugar, não há consciência dos processos cérebro-corpo, nem a
possibilidade da consciência controlar esses processos, não há acesso às experiências de
primeira pessoa, e a linguagem em terceira pessoa é insuficiente para descrevê-las. Um forte
indício dessa possibilidade da consciência controlar processos físicos é o fato que relaxar a
imaginação pode baixar o batimento cardíaco, mas não há percepção de como isso ocorre. No
84
biofeedback, há alguma percepção de como a consciência pode controlar o aquecimento de
um simples neurônio motor, mas não há consciência constante de como o controle do sistema
articulatório ocorre diariamente.
Como notado, há experiências e evidências clínicas que os processos
conscientes podem afetar processos cerebrais/corporais, e a importância da experiência
consciente é realmente notada em nossa vida cotidiana. Isso pode ser explicado pelo
conhecimento biomédico das relações mente-cérebro-corpo. Mas um sentido aprofundado
coloca a experiência consciente num impasse. Como pode a experiência ter uma influência
causal no mundo físico que é causalmente fechado? Como pode haver um controle consciente
de coisas que não são da consciência? E como pode a experiência afetar processos que as
precedem?
Algumas psicoterapias trabalham especificamente com a causação mental-
mental, deslocando os sintomas para reordenar as idéias, ou alterando estados mentais para
alterar comportamentos. A teoria da mente como um epifenômeno, nesses casos, é descartada,
e a aproximação de um cartesianismo com prioridade para o mental é evidente.
O dualismo cartesiano explica a relação consciência-cérebro como uma
influência consciente agindo autonomamente sobre o cérebro, com isso, não reconhece essas
questões como problemas.
Os materialistas reducionistas negam as evidências clínicas acerca da causação
mental, atribuindo toda interferência a processos físicos. Não há nada além do cérebro, desta
forma, a eficácia causal e uniforme, verificada em experiências conscientes, nada mais
85
significa que interferências de processos físicos sobre outros processos também físicos. O
fechamento causal do mundo físico descarta qualquer interferência do mental.
O monismo ontológico, combinado com o dualismo epistemológico permite
conciliar a evidência que experiências conscientes são causalmente efetivas, com o princípio
do fechamento causal do mundo físico. Seu caminho assume que cada indivíduo tem uma
“vida mental” e há duas vias para conhecê-la: em primeira pessoa e em terceira pessoa. Para
perspectiva em primeira pessoa, experiências conscientes aparecem como causalmente
efetivas; para a perspectiva em terceira pessoa, as mesmas seqüências causais podem ser
explicadas em termos neurais. Não é o caso de afirmar uma via como certa e a outra como
errada. As duas são complementares. As diferenças entre nossos conhecimentos sobre a
perspectiva de primeira pessoa versus a de terceira pessoa encontram-se em combinações
observacionais – um sujeito observador externo. Por exemplo, uma imagem visual traz
relaxamento. Para o sujeito, a imagem é a causa da experiência subjetiva de relaxamento; para
o observador externo, a causa são os correlatos neurais.
Apesar de conhecermos pouco sobre a natureza física dos correlatos neurais da
experiência consciente, as explicações funcionais sobre a fenomenologia da própria
consciência levam a crer que experiências conscientes humanas são representacionais, o que é
razoável para assumir que correlatos neurais de experiências são também estados
representacionais.
Embora essa suposição não tenha sempre sido explícita, é largamente admitida
na teoria psicológica. A psicofísica, por exemplo, supõe que alguns aspectos da experiência
têm um correlato modificado em algum estado do cérebro. Esse correlato, acompanhado por
86
esta informação “codificada” na experiência, é decodificado no cérebro. Um estado
representacional deve, todavia, representar alguma coisa, que deve ter algum conteúdo. Para
que um estado físico seja o correlato de uma experiência é plausível assumir que este
represente alguma coisa (do contrário não será um correlato daquela experiência). Finalmente,
para estados físicos serem correlatos de uma experiência, é razoável supor que eles tenham
alguma parcela mínima dela. Há, por atributo, sempre discriminável na experiência, uma
distinção, correlata, de estados físicos e representações com algumas informações estruturais.
Se essas suposições são bem fundamentadas, sua experiência e os correlatos
neurais delas podem ser relatados em primeira ou terceira pessoas. Primeira e terceira pessoas
têm informações complementares, são necessárias as histórias em primeira pessoa e em
terceira pessoa. Desta forma a causação física-física trata-se de um puro relato em terceira
pessoa; a causação mental-mental em relatos em primeira pessoa, mas a causação físico-
mental ou mental-físico mesclam ambas as perspectivas, começam numa e terminam em
outra, sendo complementares.
Algumas experiências representam estados do mundo externo (exteroceptivas),
algumas, estados do corpo (interoceptivas), e outras, estados da mente-cérebro (vontades,
pensamentos, pensamentos sobre pensamentos, etc.). Todavia, esses conteúdos
representacionais contêm experiências que revelam estados de nossa mente-cérebro – o que é
frequentemente percebido, sentido, pensado, imaginado. Se nossos pensamentos são
conscientes, o que sabemos deles? Como entender o papel causal dos conteúdos da
consciência?
87
PARA ALÉM DA HERANÇA CARTESIANA
A verdadeira herança cartesiana reside na concepção de causalidade que ela inspira;
uma noção tradicional e senso comum de uma causalidade linear que não nos
permite vislumbrar uma saída para a interação mente matéria e matériamatéria.
Ou seja, o problema a ser enfrentado consiste em saber como, dado que para cada
estado mental existe um estado físico que o produz, como pode o primeiro (a
mente) retroagir sobre o segundo (o cérebro)? Produzir esta explicação esclareceria
– entre outras coisas – porque a psicoterapia é necessária além do tratamento
psicofarmacológico no caso de alguns transtornos graves: a talking cure seria
responsável por essa retroação. Mas, para isto, é preciso saber como essa retroação
é possível, ou seja, é preciso explicar a possibilidade da existência da causação
mental, o que requer, por sua vez, uma teoria robusta das relações entre mente e
cérebro. Um primeiro passo nesta direção poderia ser dado pela modificação de
nossas próprias idéias cotidianas acerca da causalidade (TEIXEIRA, 2005: 10).
Conforme exposto nos capítulos anteriores, o primeiro passo para uma teoria
da causação mental seria rever o conceito de causalidade. Abandonando a herança cartesiana
de um modelo mecânico de causalidade linear – que não nos permite compreender os
fenômenos verificáveis clinicamente, nem explicar as interações mente-corpo – e assumindo a
possibilidade apresentada pelo emergentismo de outros níveis de causalidade como a
múltipla, a circular (HAKEN, 1996; FREEMAN, 1999), a retroação causal; níveis estes
fundamentados num modelo plástico, mais aproximado a modelos encontrados na biologia e
na química, seria possível compreender não apenas a causação mental, mas também justificar
a necessária complementaridade entre tratamentos farmacológicos e psicoterapias.
Segundo a teoria emergentista (BUNGE, 2002), a mente é uma propriedade
que emerge do funcionamento neural, mas não se reduz a ele. Ela não está contida nos
neurônios de base, ocorre a partir do funcionamento e interação destes e emerge deles,
podendo ter características e propriedades não encontradas nos neurônios de origem, tendo
como base um modelo químico de causação, já proposto por Stuart Mill. Isso explicaria
fenômenos mentais vinculados a uma base biológica, sem serem reduzidos a ela. Tal
88
propriedade emergente age sobre o mecanismo cerebral, causando transformações em seu
funcionamento. Assim como um novo membro nasce em uma família, vem dela e a modifica,
a mente viria do cérebro e teria essa capacidade de modificá-lo. Porém, diferentemente desse
novo membro de uma família, que herdou o DNA de seus pais, a mente não era um elemento
presente nos neurônios, mas emergiu do funcionamento dos mesmos, como se o sistema
neuronal tivesse, entre seus resultados, a produção dela. Uma vez causada por esse sistema, a
mente seria um sistema com capacidade de agir sobre aquele que lhe deu origem,
transformando-o. Trata-se da idéia de organismos biológicos, com micro e macro estruturas,
das quais emergem outras micro e macro estruturas que funcionam como sistemas plásticos,
com mútuas interações.
A alteração de um sistema ou de um elemento deste (composição, entorno e
estrutura) poderia modificar um estado mental e, consequentemente, essa nova interação entre
a propriedade emergente modificada e sua base física levaria a outras alterações. Esse seria
um possível caminho a ser trilhado na intenção de explicar como estados físicos e mentais
interagem, gerando influências recíprocas, como, por exemplo, estados mentais alterados por
drogas alucinógenas, desequilíbrios hormonais ou neuronais; ou estados físicos, modificados
por idéias.
Um dos entraves às tentativas de construção dessa teoria é justamente a
herança cartesiana, que tanto contribuiu para o desenvolvimento da ciência, mas,
paradoxalmente, apesar de uma validação do papel do mental no mundo físico, deixou-o
exilado, dada a confusão entre a cisão metodológica proposta por Descartes e a cisão
ontológica, cultivada por seus herdeiros.
89
O emergentismo de Bunge possibilita uma abordagem diferenciada ao
problema, compreendendo o ser humano como um organismo biológico passível de
plasticidade, compreendendo estados mentais e físicos como emergentes de um processo
evolutivo, surgido para proporcionar condições de sobrevivência a este organismo, mediante
as modificações em seu entorno, formando, com esse entorno e sua estrutura de ser biológico,
um sistema. Compreendendo, ainda, que não há predominância de estados mentais sobre
estados físicos ou vice-versa, mas a composição de um sistema dinâmico, flexível, cujas
partes retroagem sobre o todo ao mesmo tempo em que são influenciadas por ele.
Essa abordagem abandona o modelo mecânico da causação e passa a explicá-la
de maneira complexa, plástica, com infinitas possibilidades de atuação. Esse modelo elimina a
dicotomia mente-cérebro, supera a visão cartesiana de um dualismo, substituindo-a por um
monismo materialista, sem, contudo, reduzir o que denominamos estados mentais a processos
neuronais. Uma vez emergente, o estado mental assume funções e interage com o todo do
organismo e do sistema, provocando alterações nos mesmos, que, por sua vez, também
implicarão em movimento dos estados mentais.
O emergentismo permite que a relação entre o que ocorre em primeira pessoa e
o que ocorre em terceira pessoa seja somente uma mudança de perspectiva de um sujeito. “La
diferencia entre los mundos externo e interno no es absoluta, sino relativa al cérebro; lo que
para mi es interno es externo para ti, y a la inversa.” (BUNGE, 2002: 100). Desta forma, para
compreender as experiências conscientes, acessíveis somente ao indivíduo em primeira
pessoa, é necessário obter a história dessas experiências em primeira pessoa. Todavia, essa é
apenas uma perspectiva da experiência e é preciso complementá-la com a perspectiva em
90
terceira pessoa, ou seja, o que a visão externa mostra sobre os elementos biológicos presentes
na experiência. Bunge afirma que da mesma maneira que olhamos o mundo externo e não
conseguimos ver uma série de elementos sem o auxílio de instrumentos adequados – por
exemplo, microscópios, lentes para vermos os micro-organismos –, não o conseguimos para o
que ocorre dentro de nós. Apesar de termos acesso a nossas experiências conscientes em
primeira pessoa, não enxergamos o que ocorre em nossos cérebros e corpos durante essas
experiências. Assim, as linguagens de primeira e terceira pessoa são complementares e
necessitam ser consideradas para a compreensão do processo como um todo.
Para o emergentismo, não somos controlados por nossos cérebros. Apesar de
possuirmos mecanismos herdados geneticamente, nossa herança adapta-se às necessidades do
meio. Por termos a já definida plasticidade, o que ocorre em nosso organismo relaciona-se
com o entorno e constrói diferenciadas estruturas a fim de permitir a sobrevivência de nosso
organismo. O pensar é uma propriedade emergente do ser humano, e compõe seus
mecanismos de sobrevivência, adaptação e transformação.
Com essa dinâmica é possível compreender a causação e os resultados de
práticas psicoterapêuticas, assim como fenômenos observados em clínica como biofeedback,
efeito placebo, hipnose, imaginação, relações entre estresse e imunidade, entre outros, que
serão abordados no capítulo a seguir.
91
5. IMPLICAÇÕES PSICOTERAPÊUTICAS DO MODELO EMERGENTISTA
Um evento psíquico determina em vários órgãos uma infinidade de reações
químicas que resultam na vertigem, no rubor, na palpitação. Uma palavra
pronunciada que rompe o silêncio por um instante e em seguida se desfaz causa
uma secreção hormonal material, concreta e mensurável.
O aumento da produção de adrenalina pelas glândulas supra-renais determina a
aceleração dos batimentos cardíacos; um enfarte do coração ocorre pela obstrução
de algum ramo das artérias coronárias. Conhecer esses fenômenos orgânicos
significa conhecer os mecanismos, não as causas: estas podem estar vinculadas a
uma crise conjugal ou a um transtorno financeiro (SCHILLER, 2000: 131).
O ser humano, em seus primórdios, estabelecia a relação entre doença e cura
como uma relação de harmonia entre o psiquismo e a natureza. O xamã era o mediador entre
o humano e o universo, responsável por identificar a doença, entendida como punição, e
promover a cura – o restabelecimento da harmonia. A idéia de curador estava mesclada a
procedimentos envolvendo palavras, músicas, dietas e meditação.
O início da medicina, com a escola hipocrática, vinculado ao surgimento da
filosofia e à necessidade de uma explicação racional e observável na natureza, proporciona
um olhar pesquisador, exigindo uma atitude racional de observação e uma orientação
terapêutica fundamentada em uma relação de causalidade. A doença era, ainda, o
desequilíbrio, mas agora um desequilíbrio entre homem, natureza e sociedade. Era preciso
estudar não somente o indivíduo, mas seu entorno natural e social. Corpo e mente, na teoria
hipocrática, eram um todo e o cérebro era o órgão responsável pelo pensamento e pelas
emoções. A cura era obtida ainda com a restauração do equilíbrio do organismo e deste com o
meio. Conforme já observado no primeiro capítulo, a relação mente-cérebro não se
caracterizava ainda como problema.
92
No decorrer da história, a medicina passa a observar cada vez mais os aspectos
objetivos que envolvem a doença, até compreendê-la como um desvio do normal. Os padrões
de normalidade são estabelecidos por generalizações de pesquisas empíricas e o modelo
médico romântico é criticado justamente por depender excessivamente da observação clínica,
impedindo as generalizações. O mental passa a ser visto como um epifenômeno, sem impacto
sobre o organismo e os fatores materiais, que não são suscetíveis de serem medidos, são
mantidos fora do tratamento clínico. A semiologia das doenças destina-se a observar os sinais,
as manifestações externas destas e a relação entre mente e comportamento é compreendida a
partir de elementos observáveis fisicamente.
Com o objetivo de estudar as inter-relações entre aspectos psicológicos e
fisiológicos do funcionamento normal e anormal do corpo, e integrar a terapia somática e a
psicoterapia, surge a psicossomática. Conforme já exposto no primeiro capítulo, Schiller
(2003) demonstra que a psicossomática médica recebe o que a medicina não consegue
explicar apontando evidências orgânicas.
Segundo ele, há psicossomáticas e não uma única psicossomática. Entre elas, a
médica, a psicológica e a psicanalítica. A psicossomática médica confunde causas com
mecanismos das doenças e não é capaz de perceber que as causas, muitas vezes, residem na
interação entre o indivíduo e suas circunstâncias. O mecanismo da doença, como aumento da
pressão arterial, entupimento das artérias, diminuição da capacidade respiratória, entre outros,
é entendido como causa e o tratamento fica limitado a intervenções sobre o mecanismo, não
permitindo, com isso, que as causas sejam atingidas, o que implica na manutenção da doença
(2003:28).
93
Isso ocorre dada a dicotomia estabelecida entre mente e corpo e a necessidade
de justificar com causas físicas, mensuráveis, os tratamentos. É um resultado da exclusão de
tudo o que não for observável como manifestação física. A psicologia, segundo Schiller, na
tentativa de atingir o estatuto de ciência, utiliza o mesmo recorte da medicina, excluindo o que
não couber nos perfis de normalidade traçados a partir dos dados observáveis e mensuráveis.
Ele aponta o nascimento da psicanálise como uma reação ao tratamento da medicina moderna,
que cuida dos pacientes a partir de leis naturais, como organismos isolados. O conceito
psicanalítico de sintoma – aquilo que é passível de se modificar por conta da interpretação
supõe uma causalidade ancorada na história do sujeito e a necessidade do conhecimento desta
história para um diagnóstico adequado. Com isso, aponta a inadequação dos perfis associados
a doenças (2003: 30).
Embora completamente distinta dos elementos da magia e do xamanismo,
presentes nas sociedades primitivas, a visão da psicossomática, que apresenta ser humano
como um organismo que interage com seu ambiente, é capaz de explicar alguns fenômenos
encontrados nas sociedades primitivas e outros presentes na sociedade contemporânea, onde é
comum ouvir que o estresse produz doenças, mas que, por não se poder provar, os tratamentos
ficam restritos à administração de medicamentos, o que, conforme observado, atinge o
mecanismo, mas não a causa de tais doenças.
A teoria emergentista pode colaborar com a fundamentação dos fenômenos
observados na psicossomática. Exemplos simples como de uma batida na cabeça gerando
amnésia; do bloqueio de atividades mentais e motoras gerado pelo bloqueio de artérias; de
estímulos através de eletrodos provocando correntes elétricas no cérebro que excitam ou
bloqueiam condutas violentas; de extração de partes do córtex que eliminam ataques
94
epiléticos; de iogues que controlam os batimentos cardíacos; de substâncias químicas que
causam ou combatem psicoses; de manipulação da conduta por atividades mentais; entre
outros, demonstram que é possível tanto um controle do físico pelo mental; quanto o controle
do mental pelo físico. A conclusão de Bunge é que se o mental pode ser controlado, é porque
não é imaterial.
Entre las drogas nos encontramos gran variedad, que va desde estimulantes suaves,
como los que contiene el te, pasando por las píldoras para el sueño y los
alucinógenos (como la marihuana, el ópio y el LSD), hasta las dorgas que producen
psicosis (como la cocaína) o la combaten (como el haloperidol). Todos estos
productos químicos afectan a las funciones mentales modificando el metabolismo
del SNC de diversos modos que van desde cambiar las propiedades de la membrana
neuronal hasta tomar parte em las reacciones bioquímicas. Por esto, al modificar la
conducción de la membrana, hay drogas que producen amnhesia mientras otras
facilitan el recuerdo, y al bloquar la síntesis de algunos neurotransmisores uma
droga produce esquizofrenia mientras que outra la cura. (...)
Por último, la manipulación puramente conductual o psicológica de las actividadees
mentales no es menos física que ésta porque la entrada sensorial y la salida
conductual controladas por el profesor (o el predicador, o el propagandista o el
psiquiatra) modulan la conectividad neural, reforzando algunas conexiones y
debilitando otras. Resumiendo, podemos controlar lo mental; mejor dicho, está
siendo controlado de diversos modos gracias a que no es immaterial; si lo fuera
debería ser inmune a cualquier intento de manipulación. (...)
Lo que esos fenômenos consiguen demostrar es que el sistema autónomo no es tan
absolutamente autónomo como nosotros acostumbramos a imaginarnos:
demuenstran que la comunicación entre el córtex y los sistemas subcorticales es
una vía de doble dirección (BUNGE, 2002: 104-106).
É possível falar em interações psicossomáticas exatamente no sentido em que
Bunge apresenta. Se o ser humano é um organismo plástico inserido em um entorno, as
modificações provocadas no interior do organismo são refletidas no exterior, incluindo o
entorno, assim como o que se passa nesse entorno provoca movimentação interna. Desta
forma, a história do indivíduo, o meio circundante, o ambiente social onde está inserido,
provocam alterações internas, e estas se relacionam a movimentos e alterações externos, numa
via de mão dupla. O que denominamos processos mentais, e que muitas vezes consideramos
algo interno, privado, imaterial e inescrutável, talvez seja mais público, explícito e material do
que imaginamos, porque se apresente em nosso corpo, em nossa conduta, no que pensamos,
dizemos, fazemos e somos.
95
Neste aspecto, os tratamentos para os desequilíbrios – que dada a teoria em
discussão não cabe a distinção entre físicos e mentais – deveriam integrar a pesquisa e o
conhecimento do interno e do externo; das experiências subjetivas do indivíduo e de uma
análise dos demais mecanismos biológicos deste, observados com os instrumentos
disponíveis: exames laboratoriais, clínicos, entre outros. É o que, de certa maneira, propõe a
psicossomática, compreender os mecanismos e as causas das doenças.
Ao tratar dos tipos de processos mentais, Bunge afirma que todos os animais
são dotados de um processo valorativo (bio-valor), mas que os animais capazes de
plasticidade, ou aprendizagem, são capazes de modificar seu processo e sistema valorativos,
gerando o que ele denomina psico-valor. Estes mecanismos permitem a escolha e o
direcionamento da conduta, o que faz com que a conectividade neural seja reforçada ou
debilitada, provocando alterações constitutivas do organismo. Esse processo explicaria como
modificações na representação de um indivíduo promovem alterações verificáveis em suas
características físicas, como o aumento da capacidade imunológica, a modificação das taxas
de glicose e colesterol, entre outros exemplos amplamente encontrados na literatura.
Segerstrom e Miller (2004) desenvolveram um estudo das relações entre
estresse psicológico e sistema imune – revisando mais de trezentos estudos realizados nos
últimos trinta anos – a partir do qual concluem:
The results of this meta-analysis support this assertion in one sense: Stressors with
the temporal parameters of the fight-or-flight situations faced by humans
evolutionary ancestors elicited potentially beneficial changes in the immune
system. The more a stressor deviated from those parameters by becoming more
chronic, however, the more components of the immune system were affected in a
potentially detrimental way.
Further research is needed to support two other ideas elicited by this quote: the idea
that subjective experience such as worry is more likely to result in stress-related
96
immune change than objective experience and the idea that stress-related immune
change results in stress-related disease. Though the results of the meta-analysis
were not encouraging on the first point, many of these studies suffered from
methodological limitations. We hope that these results will inform investigations
that go beyond the relationship between a stressful event and an immune parameter
to investigate the psychological phenomena that mediate that relationship. Finally,
these results can also inform investigations into stress, immunity, and disease
process. Whether the disease is characterized by natural or specific immunity, its
cytokine profile, and its regulation by anti-inflammatory agents such as cortisol,
may determine the disparate effects of different kinds of stressors
(SEGERSTROM; MILLER, 2004: 620).
Contudo, situações semelhantes geram estresse incontrolável e suas
conseqüências em alguns organismos e não produzem efeitos em outros. Essa variação
poderia ser explicada, segundo o emergentismo, dada a plasticidade dos organismos. O recém
nascido possui um sistema neural comprometido, responsável por sua sobrevivência, mas
também possui um sistema neural plástico, que é moldado de acordo com suas experiências.
Além disso, todos os animais possuem memória de alguns de seus estados passados, mas
nenhum conserva a memória de todos eles. Assim sendo, as modificações nas representações
poderiam alterar a memória dessas representações, mas como elas correspondem a uma
memória neural, isso provocaria também modificações nessa estrutura neural, e como não se
trata de uma estrutura neural localizada, a modificação dar-se-ia no todo do organismo.
(...) la memória humana no es como la de los computadores; el recuerdo introduce
modificaciones importantes en el pasado, no lo revive fielmente; unas veces
embellece los recuerdos sin saberlo, otras los petencia, casi siempre les da una
coherencia y plausibilidad que no tenían cuando surgieron. (...) el recuerdo humano
incluye una reconstructión, creación y destrucción. (...)
Si no hay almacenamiento de los estados y sucesos pasados, entonces debe existir
cierta propensión para que resulten activados ciertos sistemas neurales, ya sea
espontáneamente o porque otros los estimulan. Esta propensión puede descansar
sobre la mayor o menor fuerza entre las conexiones neuronales, fuerza que puede
aumentar con el uso y disminuir con el desuso. (...)
La conclusión a la que hemos de llegar es, por supuesto, que la memória no es un
mero registrar pasivo, sino una actividad de determinados sistemas neurales. (...)
Como todos los demás fenômenos mentales, hemos de estudiar la memória a todos
los niveles, comenzando por el nivel molecular: todos los sistemas de memoria
pueden resultar influidos por câmbios en la composición química del cerebro, pero
algunos de ellos pueden se meros sistemas químicos. (...) Además, podemos
considerar que el propio genoma es un sistema de memoria; en este caso se trataría
de un sistema que recuerda parte de la historia pasada de la espécie (BUNGE, 2002:
152-156).
97
Ainda questiona Bunge se, assim sendo, recordar fatos passados poderia
reativar sistemas corporais, recordar eventos externos poderia ativar mapas externos, ou seja,
o que ocorre em nossas conexões neurais quando recordamos nossas histórias? Poderíamos
restabelecer conexões neurais, ou desativá-las. Considerando ainda que nossas recordações
supõem, não uma lembrança idêntica ao vivido, mas uma ficção, uma criação, a cada
relembrar estaríamos construindo novos caminhos neurais. Se Bunge estiver correto, o
trabalho psicoterapêutico de relembrar o vivido representa muito mais que ordenar idéias ou
ressignificá-las.
Ainda no quesito memória, Bunge insere a idéia de aprendizagem. Conforme já
exposto, é justamente a capacidade de aprendizagem que permite a aquisição de novas
funções neurais, que corresponde aos sistemas neurais plásticos. “La plasticidade es uma
disposición neural; el aprendizaje su realización” (2002:156). Desta forma, a aprendizagem é
uma coleção de mudanças ocorridas no sistema neural plástico do animal. Ele defende que
não há aprendizagem social, há indivíduos, membros de uma sociedade que aprendem a
adaptar-se ao grupo, mas a aprendizagem é individual, pois supõe modificações ocorridas no
sistema neural. Aprender é ampliar conexões neurais. Isso pode ocorrer quantitativamente –
ampliar conexões já existentes, o que ocorreria quando desenvolvemos tarefas rotineiras,
quando agimos da maneira como já estamos habituados; ou qualitativamente – o que supõe a
emergência de novas conexões ou novos sistemas neurais; o que exige a criatividade.
Assim sendo, uma psicoterapia que trabalhe com a aprendizagem de maneiras
diferentes de expressar ou lidar com as situações atuaria não somente no que é denominado
conduta, mas também sobre o sistema neural, alterando suas conexões.
98
Nuestras funciones mentales las tenemos modeladas desde el nacimiento de
diversos modos más o menos sutiles. Están modeladas por las cosas con las que nos
relacionamos y por las cercanas; por nuestros semejantes y nuestros animales, por
nuestros profesores y maestros, y, sobre todo a partir de cierta edad, por nosotros
mismos, por nuestra búsqueda activa de ciertos estímulos y cosas que hacer, y por
la evitación de otras. Por supuesto, tambén existen modos más brutales y rápidos de
efectuar cambios radicales en nuestras funciones mentales, como las lesiones
cerebrales y la cirugía cerebral, las conmociones, estimulaciones eléctricas y las
drogas (BUNGE, 2002: 170).
Se como Bunge afirma, terapias como o eletrochoque, cirurgias cerebrais,
administração de drogas atuariam sobre o sistema neural rápida e brutalmente, provocando
alterações, elas constituiriam tratamentos mais rápidos e eficazes. Contudo, apesar das
alterações ocorrerem mais rapidamente, os resultados obtidos nem sempre seriam os
esperados, pois não existe acesso ao tipo de conexão debilitada ou acentuada por esses
processos e, consequentemente, não há garantias de provocar modificações necessariamente
relacionadas ao problema em questão. Da mesma forma, modificações nas representações,
geram alterações no sistema neural plástico, em conexões não necessariamente localizáveis, o
que tornaria a escolha uma opção entre intervenções rápidas e brutais, ou intervenções mais
amenas, como a construção gradativa de um processo de aprendizagem; assim como uma
escolha acompanhada da avaliação de seus efeitos sobre o todo do organismo.
Considerando, ainda com Bunge (2002: 97), que as desordens mentais são de
duas prováveis naturezas: originadas nas células (inatas ou degenerativas) ou originadas nos
sistemas (por lesões ou aprendidas); a maior parte das desordens originadas nos sistemas
poderia ser tratada com psicoterapia, sem necessidade de intervenções mais agressivas.
Contudo, é importante atentar para o fato que uma vez que o organismo foi afetado pela
desordem, os tratamentos de ordem física também são necessários, para que sejam atingidos
os mecanismos, os efeitos e as causas das desordens.
99
Tanto os processos conscientes, quanto os chamados inconscientes são,
para Bunge, processos neurais. O processo consciente de auto-avaliação pode provocar
mudanças internas radicais, e por tratar-se de um processo neural, as mudanças se dão no todo
do organismo.
Assim sendo, as psicoterapias, acusadas muitas vezes de possuírem
apenas um efeito placebo, teriam seus efeitos justificados, ou seus efeitos seriam tão
plausíveis quanto os efeitos da ação de medicamentos e outras intervenções terapêuticas.
Estima-se que até os anos 1950 um medicamento era deliberadamente prescrito
como placebo a 40% dos pacientes. Estudos demonstram que, de um modo
genérico, 40% dos pacientes respondem a placebo, e este número é superior a 50%
quando se trata de alívio da dor. (...)
A figura do médico pode desencadear o efeito placebo, o clínico que sabe ouvir é o
que mais cura (SCHILLER, 2000:136).
O efeito placebo é um dos elementos extremamente significativos para
compreender os efeitos da causação no modelo emergentista. A alteração de um “estado
mental” provocando alterações em “estados físicos”. Pesquisas como as de Hróbjartsson e
Gotzsche (2001), comparando placebo com não tratamento, mostram que o placebo pode ter
um poderoso efeito clínico, sem, contudo, ser considerado substituto para outras formas de
tratamento. Os benefícios do placebo no tratamento da dor não justificam o uso exclusivo do
placebo como tratamento, pois as causas da doença ou da dor não seriam atingidas. Embora os
baixos custos do placebo possam gerar uma tendência a sua utilização exclusiva, outros
tratamentos fazem-se necessários. Contudo, seus efeitos evidenciam um poder causal do que
denominamos estado mental sobre os denominados estados físicos.
(...) we found little evidence that placebos in general have powerful clinical effects.
Placebos had no significant pooled effect on subjective or objective binary or
continuous objective outcomes. We found significant effects of placebo on
continuous subjective outcomes and for the treatment of pain but also bias related
100
to larger effects in small trials. The use of placebo outside the aegis of a controlled,
properly designed clinical trial cannot be recommended (HRÓBJARTSSON;
GOTZSCHE, 2001: 1598).
Considerando a hipótese emergentista de sistemas neurais plásticos, apesar de
constituirmos uma mesma espécie, nosso processo de aprendizagem – ou desenvolvimento da
plasticidade – depende de nosso entorno, de nossa história, de como significamos o vivido e
de como nosso sistema neural estabelece as conexões e gera as propriedades emergentes.
Nossas atividades – físicas ou mentais – nos permitem a construção daquilo que somos.
Assim sendo, psicoterapias, por trabalharem nossa memória, nossa representação, nossa
aprendizagem, trabalhariam também nosso sistema neural plástico, ativando ou debilitando
conexões neurais e, por esse motivo, sua aplicação como tratamento seria justificável, embora
outras opções terapêuticas também possam ser justificadas pelos mesmos motivos.
COMPLEMENTANDO A QUESTÃO
Poderíamos suscitar a questão: não estaríamos, desta forma, reconstruindo o
problema cartesiano? De que maneira um terapeuta poderia provocar um movimento nos
processos mentais de uma outra pessoa? Haveria um papel causal no momento em que o
terapeuta, por intermédio da fala, intervém no pensamento de seu cliente? Haveria um poder
causal no movimento do pensamento do próprio paciente ao relatar suas questões, ou seja, ao
contar sobre o que lhe incomoda, o movimento de seu próprio pensamento poderia provocar
alterações no todo da estrutura?
101
Na teoria de Bunge essa questão seria respondida com o conceito de
plasticidade. O terapeuta seria um elemento constituinte do entorno que provocaria o
movimento na estrutura interna de seu cliente. Como resposta à intervenção, a pessoa teria sua
estrutura modificada, não diretamente pela intervenção externa, mas pelo fato desta ter
provocado a estrutura interna a movimentar-se.
Essa resposta poderia ser complementada pela teoria do comportamento verbal
de Skinner (1978) que compreende pensamento como comportamento,
O ponto de vista mais simples e mais satisfatório é o de que o pensamento é apenas
comportamento – verbal ou não, encoberto ou aberto. Não se trata de nenhum
processo misterioso responsável pelo comportamento, mas do próprio
comportamento em toda a complexidade de suas relações de controle, relativas
tanto ao homem que se comporta como ao meio em que ele vive. Os conceitos e
métodos que surgiram da análise do comportamento verbal ou de outro tipo, são
mais apropriados para o estudo daquilo que, tradicionalmente, chamamos de mente
humana.
(...) Assim concebido, o pensamento não é uma causa mística ou precursora da
ação, ou um ritual inacessível, mas a própria ação sujeita à análise com os conceitos
e as técnicas das ciências naturais e, em última análise, a ser explicado em termos
de variáveis de controle (SKINNER, 1978: 533-534).
O pensamento entendido como comportamento permite compreender os
processos de causação mental da mesma maneira que compreendemos a causação física, pois
se trata da mesma coisa. O que ocorre com o pensamento é o fato de ser um comportamento
encoberto, ou seja, não observável facilmente por outros. Seja por facilidade, seja para emitir
uma resposta que evite punição, ou por outras de suas múltiplas causas, é comum que a fala
não manifeste o pensamento em sua totalidade.
O comportamento verbal é usualmente o efeito de múltiplas causas. Variáveis
separadas combinam-se para ampliar seu controle funcional e novas formas de
comportamento surgem da recombinação de velhos fragmentos. Tudo isso exerce
influência sobre o ouvinte, cujo comportamento, por sua vez, exige análise.
(...) um falante é também um ouvinte. Ele reage a seu próprio comportamento de
várias maneiras importantes. Parte do que ele disse está sob o controle das outras
partes de seu comportamento verbal. Referimo-nos a esta interação quando dizemos
que o falante qualifica, ordena ou elabora seu comportamento no momento em que
102
ele é produzido. A mera emissão de respostas constitui uma descrição incompleta
quando o comportamento é composto (SKINNER, 1978: 26).
Não se trata de uma causação linear, mas de causação múltipla, não há
distinção entre mente e corpo. Se pensamento é entendido como comportamento, ele é tão
material quanto os músculos que se movem. Não é idêntico ao cérebro, mas uma função
deste. Por isso, um evento mental é um tipo de evento físico.
Ao observar que “Quando nenhum ouvinte está presente, a probabilidade de
reforço é baixa, e não é provável que a resposta seja emitida. Quando surge um ouvinte, a
probabilidade de reforço aumenta, bem como a probabilidade de aparecimento da resposta”
(SKINNER, 1978: 74), Skinner evidenciaria porque a presença de um outro, no caso o
terapeuta, poderia provocar um resultado diferente do que aconteceria caso esses pensamentos
ocorressem apenas ao falante. E, com isso, seria explicado, também, porque, mesmo sem
interferências diretas, uma psicoterapia é capaz de apresentar resultados.
Quando um falante também se torna ouvinte, abre-se o palco para o drama no qual
uma só pessoa representa vários papéis. As vantagens iniciais para a coordenação
do grupo estão ausentes, mas há vantagens compensadoras. Isso tem sido
reconhecido tradicionalmente quando o comportamento de um falante consigo
mesmo, como ouvinte, particularmente quando seu comportamento não é
observável por outros, é posto de lado como uma realização humana especial
chamada “pensamento”. (SKINNER, 1978: 516).
Ao mesmo tempo, o falante tem o terapeuta e a si mesmo como ouvintes. Há as
vantagens da presença do outro, mas um outro que procura apenas interferências precisas,
justificáveis no processo terapêutico. Contudo, o ouvir a si mesmo possibilita ao cliente
pensar sobre suas questões, e como pensamento é comportamento, na concepção skinneriana,
esse comportamento pode provocar outros comportamentos, como, por exemplo, outras falas,
ou ações.
103
Teixeira (2005) relaciona o modelo do “pandemonium” de Dennett (1991) ao
modelo skinneriano. Ocorre como se, subjacente a nossos pensamentos, tivéssemos diversos
fragmentos que competissem uns com os outros até tornarem-se conscientes. Nosso cérebro
produziria diferentes versões, e apenas algumas seriam adotadas.
Tudo se passa como se o tempo todo realizássemos testes de ações e suas
conseqüências num ambiente virtual. Os testes são respostas operantes – as versões
abandonadas e esquecidas – que levam finalmente à seleção de um pensamento que
é um comportar-se; um comportar-se na medida em que rompe o limiar que lhe
permite o acesso à esfera da consciência fenomênica.
A identificação destes dois sentidos da sentença “Pensar é comportar-se”, seja
como comportamento enquanto evento físico no mundo resultando de uma seleção
por conseqüências, seja do comportamento como um conjunto de respostas
operantes causalmente inertes; deve contribuir para mostrar que adotar o
behaviorismo radical como filosofia da psicologia significa rejeitar a distinção entre
pensamento e ação, que passa a ser vista como um sucedâneo da distinção
cartesiana entre mente e corpo (TEIXEIRA, 2005: 87).
Quando Skinner afirma que “O nível de energia do mando pode variar do
muito alto ao muito baixo” e que “Essas propriedades variam em conseqüência de muitas
condições da história passada e presente do falante.” (1978: 63), parece não distinguir entre a
ação de fenômenos internos e externos ao falante. Poderíamos, com isso, compreender os
estados mentais como elementos do sujeito falante que se relacionam com outros elementos
da estrutura deste sujeito, assim como com elementos pertencentes a seu entorno.
Considerando que este sujeito e seu entorno constituem um todo, seus estados mentais
também são parte constituinte deste todo móvel e plástico. Por isso, sua história passada,
presente e futura caracteriza um processo contínuo de construção, que se constitui através de
interação constante entre os diferentes elementos deste todo. Desta forma, é possível explicar,
através do conceito de comportamento verbal de Skinner, porque um trabalho terapêutico
apresenta resultados.
104
Como implicações deste processo, a história e o entorno restringem-se ao que
cada um de nós registra acerca dos efeitos de comportamentos dos outros sobre nossa própria
estrutura. Isso já consiste em um comportamento, que é, exatamente, nosso pensamento.
Quando estudamos grandes obras, estudamos o efeito sobre nós dos registros
remanescentes do comportamento das pessoas. É o nosso comportamento com
relação a tais registros que observamos; nós estudamos o nosso pensamento e não o
deles. Felizmente, o pensador contemporâneo pode ser submetido a um tipo
diferente de análise. No que concerne à ciência do comportamento, o homem que
pensa é simplesmente o homem que se comporta.
(...) Tudo faz parte de um campo mais amplo: o do comportamento de uma criatura
muito complexa em contato com um mundo de uma variedade infinita. (SKINNER,
1978:537).
Outra abordagem complementar significativa diz respeito à física quântica.
Uma das descobertas fundamentais das últimas décadas é justamente a da
instabilidade de partículas elementares. (...)
Na época em que a mecânica clássica reinava inconteste, podia-se falar de nível
fundamental. No presente, a física se abriu e somos levados a falar de pluralidade
de níveis interconexos, sem que nenhum deles possa mais se colocar como
prioritário ou fundamental (PRIGOGINE, in PESSIS-PASTERNAK, 1993: 36-37).
Relacionando a citação de Prigogine com a idéia anterior, do pensamento como
comportamento, realizando testes virtuais simultâneos e interconexos antes de selecionar
aquele que será adotado, surge a possibilidade de considerar a ocorrência e não-ocorrência
simultânea de comportamentos. Partindo do princípio que nenhum dos níveis é mais
fundamental ou prioritário que outro, a seleção dos comportamentos ocorreria de acordo com
a relação com o entorno, não seguindo uma ordem hierárquica que permitiria uma avaliação
das conseqüências antecipadas dos atos, mas uma espécie de paralelismo quântico. O casal
Tripicchio (2004) defende a intersecção mente-cérebro pela coerência quântica:
Para nós, os autores, a intersecção entre mente-cérebro se faz pela coerência
quântica. Semelhantes estados têm lugar nos fenômenos de supercondutividade,
onde a resistência elétrica cai a zero, e de superfluidez, onde o atrito do fluido ou
viscosidade cai a zero. Acreditamos que tal coerência ocorra em determinadas
regiões cerebrais, constituindo-se no fenômeno do Condensado Bose-Einstein
(BEC) (...) o gás ultracongelado, cujo estado não é gasoso, nem líquido, e nem
105
sólido. O gás ultracongelado faz os átomos, que normalmente vibram
desordenadamente, terem um comportamento como se fosse um conjunto,
harmônico, afinado e bem direcionado. (...) Este estado da matéria poderia ser o
mecanismo que permite à vida violar a Segunda Lei da Termodinâmica
promovendo assim, uma entropia negativa. (TRIPICCHIO; TRIPICCHIO, 2004).
A atividade cerebral entendida na acepção da física newtoniana, não poderia
considerar as superposições de alternativas que permitem compreender o funcionamento
cerebral como um modelo químico-biológico. A ação química e a emergência são
inexplicáveis a partir dos princípios da física newtoniana. Aceitando a proposição da
mecânica quântica, que trabalha com campos probabilísticos, esses fenômenos podem ser
compreendidos como campos vibracionais que excitam a matéria. Uma porção de matéria
excitada, com energia extra introduzida ao sistema, provocaria uma excitação de outras
moléculas do sistema, em uníssono. O máximo de ordenação corresponde à fase condensada,
que torna os conjuntos de moléculas uma inteireza.
Comparem um cristal e uma cidade. O primeiro é uma estrutura de equilíbrio, pode
ser conservado no vácuo. A segunda tem também uma estrutura bem definida, mas
esta depende de seu funcionamento. Um centro religioso e um centro comercial não
têm a mesma função nem a mesma estrutura. Aqui, a estrutura resulta no tipo de
interação com o ambiente. Se isolássemos uma cidade, ela morreria. Estrutura e
função são inseparáveis (PRIGOGINE, 1996: 65).
Às novas organizações espácio-temporais surgidas em situações de não
equilíbrio, Prigogine (1996) chama “estruturas dissipativas”, que, segundo ele, correspondem
o surgimento da novidade. “Num tom metafórico, pode-se dizer que no equilíbrio a matéria é
cega, ao passo que longe do equilíbrio ela começa a ver.” (1996: 71).
O caminho apontado pela física quântica apresenta campos vibracionais da
matéria atuando sobre outros campos vibracionais, provocando entropia e ressonâncias –
como ocorre na música uma harmonia constituída de dissonâncias e consonâncias
contrastantes que formam um todo indissociável – que levariam ao surgimento da novidade,
106
em campos probabilísticos que viriam a constituir a inteireza da estrutura. Essas estruturas,
chamadas por Prigogine de “dissipativas”, substituiriam o conceito de causação por um outro
tipo de interação. Contudo, ainda haveria interação, por ressonância, por entropia. Como a
cidade – que em seus movimentos contrastantes é cidade, que a partir de suas contradições
gera a novidade, mas que para gerá-la, necessita do desequilíbrio motivador – assim também,
a estrutura constituída pelo organismo humano e seu entorno viveria em constante
movimento, onde interno e externo, pensamento e comportamento, não teriam papéis
funcionais diferentes para a promoção da emergência.
Relacionando o exposto à questão: como explicar a eficácia das intervenções
psicoterapêuticas, tanto a abordagem skinneriana do comportamento verbal, quanto a
abordagem da física quântica, substituindo uma relação de causalidade por uma relação de
ressonância, contribuiriam para a compreensão do processo terapêutico e exigiriam o
abandono da acepção de causação como exclusivamente causalidade linear, assim como das
leituras dualistas da relação mente-corpo. Contudo, por não constituírem o objeto deste
trabalho, são aqui apenas indicadas como possíveis caminhos, a serem desenvolvidos em
pesquisas futuras.
107
Conclusão
A idéia de causação mental remete a Descartes e a constituição do problema
mente-cérebro como um problema filosófico. Iniciando o percurso por esta origem do
problema, este trabalho situou a questão da causação mental como uma questão
contemporânea, intimamente ligada à escolha de um tratamento para as chamadas desordens
mentais.
Essa aproximação de problemas é justificável e verificável desde o início, pois
tanto a causação mental como a relação mente-cérebro são problemas formulados por
Descartes, no momento em que elabora o dualismo de substâncias.
No decorrer do trabalho, foi evidenciado o paradoxo causado pelos herdeiros
de Descartes, ao confundirem a cisão metodológica com uma cisão existencial. Ao mesmo
tempo em que essa leitura do argumento cartesiano propiciou avanços na ciência, excluiu de
seus domínios o mental, essa substância inextensa, inescrutável. Para Descartes, o mental
interage com o físico, sendo capaz de ação causal sobre ele, mas para seus herdeiros, isso se
tornou inadmissível.
Mais do que o dualismo de substâncias, a contribuição cartesiana para a
insolubilidade do problema da causação encontra-se no próprio conceito de causalidade. A
visão mecânica do mundo, movido por leis de causalidade linear, não permite vislumbrar a
possibilidade de outros tipos de interação, como emergência, causalidade circular, e outras
108
possibilidades já verificadas, mas ainda com pouca força diante do argumento que serve de
base para a construção do paradigma da ciência na modernidade.
Revisitando o conceito de causação, as contribuições de Stuart Mill permitem
uma nova abordagem ao problema, ampliando as possibilidades de relações de causação.
Abandonando o paradigma do modelo mecânico da causação linear e optando pelo modelo
químico de causação, que permite pensar em causação múltipla, descendente, circular, entre
outras formas de causação, a proposta de Stuart Mill é um passo significativo para uma teoria
da causação mental, pois não a limita à causação linear, permitindo a compreensão de como o
mental pode interagir com o físico, e da própria constituição do mental como propriedade
emergente.
Situando as teorias da mente que permitem uma abordagem da causação
mental, em especial teorias pautadas neste novo modelo, foram examinadas as teorias da
superveniência, de Kim, e do emergentismo de Bunge. A teoria da superveniência gera um
dilema, conforme demonstrado, que apresenta como resultado a não compreensão da causação
mental.
O materialismo emergentista, com a concepção de plasticidade do sistema
neural, permite a compreensão da causalidade, mas torna irrelevante a distinção entre mental e
físico. Sem redução dos estados mentais a estados cerebrais, os sistemas neurais plásticos
interagem entre si e com outros sistemas, promovendo relações de causação e a emergência de
propriedades que garantem ou facilitam a sobrevivência do organismo. A plasticidade é uma
característica de alguns dos organismos vivos e seu desenvolvimento dá-se a partir da
109
aprendizagem de novas conexões neurais, que por sua vez, levam à emergência de novas
propriedades.
O movimento e a plasticidade permitidos pelo emergentismo favorecem a
compreensão das maneiras pelas quais uma psicoterapia poderia apresentar resultados para o
organismo, provocando movimento e alterações no todo do sistema neural plástico. Desta
maneira, torna-se possível explicar situações de controle do que denominamos físico sobre
aquilo que denominamos mental, como a ação de drogas, o resultado de lesões, de cirurgias,
entre outras formas de intervenção física. Isso, segundo Bunge, seria uma prova de que o
mental não é imaterial. Segundo sua teoria, essas modificações ocorrem porque ocorrem
modificações nas conexões neurais e, consequentemente, em todo o sistema que compõe o
organismo.
Por outro lado, seria possível também explicar como os chamados processos
mentais intervêm sobre os chamados estados físicos. Como, por exemplo, os iogues que
controlam seus batimentos cardíacos, a possibilidade do efeito placebo, ou como o controle do
estresse psicológico altera o sistema imunológico.
Conciliando a teoria de Bunge com algumas propostas e pesquisas acerca de
temas como psicossomática, biofeedback, efeito placebo, estresse e sistema imunológico,
foram apresentados alguns argumentos de Bunge que contribuem para fundamentar essas
práticas observadas clinicamente. Dadas as observações clínicas e os argumentos oferecidos
por Bunge, é possível compreender e justificar os tratamentos psicoterapêuticos, sem, com
isso, considerá-los suficientes.
110
A psicoterapia apresenta-se como uma forma eficaz no tratamento das
desordens mentais, mas considerando que estas podem possuir, como observa Bunge, origens
diferentes: celular ou sistêmica, para a maior parte dos casos de desordens com origem
sistêmica, a psicoterapia é não somente necessária, como suficiente. Contudo, para os casos
de origem celular – entre os quais ele aponta as inatas, como, por exemplo, a epilepsia; e as
degenerativas, como a esclerose múltipla –, ou para casos de origem sistêmica provocados por
lesões, as psicoterapias podem ser necessárias, porém não suficientes, fazendo-se preciso o
uso paralelo de outros tratamentos.
Considerando as dificuldades em identificar apenas com um diagnóstico
clínico a origem das desordens, e considerando também tanto os aspectos “físicos” como os
“mentais” – uma vez estes somente se distinguem por suas características funcionais, o mais
indicado é um trabalho paralelo, que permita um olhar para os aspectos internos, subjetivos,
apresentados em linguagem de primeira pessoa; assim como para os aspectos externos,
objetivos, apresentados em linguagem de terceira pessoa e observáveis com o auxílio dos
instrumentos existentes.
Como afirma Bunge, a diferença entre o interno e o externo é uma diferença de
perspectiva. Contar com diferentes perspectivas amplia as possibilidades de tratamento. Se a
causa que desencadeia o mecanismo de uma doença está no entorno do sujeito, os
medicamentos administrados agem sobre esses mecanismos, amenizando seus efeitos,
contudo, não atingem a causa, que continua provocando as mesmas conexões neurais, e
consequentemente, não atingem um estado de equilíbrio para este organismo.
111
As doenças, entendidas não como desequilíbrios relativos a um padrão de
normalidade, mas como desequilíbrios de um determinado organismo em seus componentes,
em sua estrutura ou em seu entorno, possuem como cura o restabelecimento do equilíbrio do
organismo, que pode ocorrer através de modificações nos componentes, na estrutura ou no
entorno. Isso implica em plasticidade do organismo para lidar com as adversidades que
provocam o desequilíbrio. Mas isso implica também na compreensão da constituição desse
organismo e no conhecimento das possibilidades de aprendizagem, plasticidade, do mesmo.
O ser humano é um ser plástico, capaz de criar a novidade, porque é um ser
biológico, um organismo vivo, segundo Bunge. A leitura de uma causalidade linear,
mecânica, não permite que o mental seja compreendido, nem instanciado. Mas sua
compreensão como ser vivo e plástico, em constante movimento, permite compreender o que
denominamos mental e suas interações com o todo de nossos modos de ser.
112
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