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A Desejada das Gentes, de Machado de Assis
Fonte:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
(http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/literat.html)
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A Desejada das Gentes
— AH! CONSELHEIRO, aí começa a falar em verso.
— Todos os homens devem ter uma lira no coração, — ou não sejam
homens. Que a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o
digo eu, mas de longe em longe, e por algumas reminiscências particulares...
Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do Reino e dos
cabelos grisalhos? é porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a
Secretaria de Estrangeiros. . . Lá está o outeiro célebre. . . Adiante há uma
casa..
— Vamos andando.
— Vamos... Divina Quintília! Todas essas caras que aí passam são outras,
mas falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a lira
que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília!
— Chamava-se Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de
Medicina, uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da
cidade.
— Há de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta?
— Isso. Que fim levou?
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— Morreu em 1859. Vinte de abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou
contar-lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o
senhor. Olhe, a casa era aquela... Morava com um tio, chefe de esquadra
reformado, tinha outra casa no Cosme Velho. Quando conheci Quintília...
Que idade pensa que teria, quando a conheci?
— Se foi em 1855...
— Em 1855.
— Devia ter vinte anos.
— Tinha trinta.
— Trinta?
— Trinta anos. Não os parecia, nem era nenhuma inimiga que lhe dava essa
idade. Ela própria a confessava e até com afetação. Ao contrário, uma de
suas amigas afirmava que Quintília não passa-va dos vinte e sete; mas como
ambas tinham nascido no mesmo dia, dizia isso para diminuir-se a si
própria.
— Mau, nada de ironias; olhe que a ironia não faz boa cama com a saudade.
— Que é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna? Veja lá;
começo a ficar sentencioso. Trinta anos; mas em verdade, não os parecia.
Lembra-se bem que era magra e alta; tinha os olhos como eu então dizia,
que pareciam cortados da capa da última noite, mas apesar de noturnos, sem
mistérios nem abismos. A voz era brandíssima, um tanto apaulistada, a boca
larga, e os dentes, quando ela simplesmente falava, davam-lhe à boca um ar
de riso. Ria também, e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me
doeram muito durante certo tempo.
— Mas se os olhos não tinham mistérios...
— Tanto não os tinham que cheguei ao ponto de supor que eram as portas
abertas do castelo, e o riso o clarim que chamava os cavaleiros. Já a
conhecíamos, eu e o meu companheiro de escritório, o João Nóbrega, ambos
principiantes na advocacia, e íntimos como ninguém mais; mas nunca nos
lembrou namorá-la. Ela andava então no galarim; era bela, rica, elegante, e
da primeira roda. Mas um dia, no antigo Teatro Provisório entre dois atos
dos Puritanos, estando eu num corredor, ouvi um grupo de moços que
falavam dela, como de uma fortaleza inexpugnável. Dous confessaram haver
tentado alguma cousa, mas sem fruto; e todos pasmavam do celibato da
moça que lhes parecia sem explicação. E chalaceavam: um dizia que era
promessa até ver se engordava primeiro; outro que estava esperando a
segunda mocidade do tio para casar com ele; outro que provavelmente
encomendara algum anjo ao porteiro do céu; trivialidades que me
aborreceram muito, e da parte dos que confessavam tê-la cortejado ou
amado, achei que era uma grosseria sem nome. No que eles estavam todos
de acordo é que ela era extraordinariamente bela; aí foram entusiastas e
sinceros.
— Oh! ainda me lembro!... era muito bonita.
— No dia seguinte, ao chegar ao escritório, entre duas causas que não
vinham, contei ao Nóbrega a conversação da véspera. Nóbrega riu-se do
caso, refletiu, e depois de dar alguns passos, parou diante de mim, olhando,
calado. — Aposto que a namoras? perguntei-lhe. — Não, disse ele; nem tu?
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Pois lembrou-me uma cousa: vamos tentar o assalto à fortaleza? Que
perdemos com isso? Nada, ou ela nos põe na rua, e já podemos esperá-lo, ou
aceita um de nós, e tanto melhor para o outro que verá o seu amigo feliz. —
Estás falando sério? — Muito sério. — Nóbrega acrescentou que não era só
a beleza dela que a fazia atraente. Note que ele tinha a presunção de ser
espírito prático, mas era principalmente um sonhador que vivia lendo e
construindo aparelhos sociais e políticos. Segundo ele, os tais rapazes do
teatro evitavam falar dos bens da moça, que eram um dos feitiços dela, e
uma das causas prováveis da desconsolação de uns e dos sarcasmos de
todos. E dizia-me: — Escuta, nem divinizar o dinheiro, nem também bani-
lo; não vamos crer que ele dá tudo, mas reconheçamos que dá alguma cousa
e até muita cousa, — este relógio, por exemplo. Combatamos pela nossa
Quintília, minha ou tua, mas provavelmente minha, porque sou mais bonito
que tu.
— Conselheiro, a confissão é grave, foi assim brincando...?
— Foi assim brincando, cheirando ainda aos bancos da academia, que nos
metemos em negócio de tanta ponderação, que podia acabar em nada, mas
deu muito de si. Era um começo estouvado, quase um passatempo de
crianças, sem a nota da sinceridade; mas o homem põe e a espécie dispõe.
Conhecíamo-la, posto não tivéssemos encontros freqüentes; uma vez que
nos dispusemos a uma ação comum, entrou um elemento novo na nossa
vida, e dentro de um mês estávamos brigados.
— Brigados?
— Ou quase. Não tínhamos contado com ela, que nos enfeitiçou a ambos,
violentamente. Em algumas semanas já pouco falávamos de Quintília, e com
indiferença; tratávamos de enganar um ao outro e dissimular o que
sentíamos. Foi assim que as nossas relações se dissolveram, no fim de seis
meses, sem ódio, nem luta, nem demonstração externa, porque ainda nos
falávamos, onde o acaso nos reunia; mas já então tínhamos banca separada.
— Começo a ver uma pontinha do drama. . .
— Tragédia, diga tragédia; porque daí a pouco tempo, ou por desengano
verbal que ela lhe desse, ou por desespero de vencer, Nóbrega deixou-me só
em campo. Arranjou uma nomeação de juiz municipal lá para os sertões da
Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o quatriênio. E juro-lhe que
não foi o inculcado espírito prático de Nóbrega que o separou de mim; ele,
que tanto falara das vantagens do dinheiro, morreu apaixonado como um
simples Werther.
— Menos a pistola.
—Também o veneno mata; e o amor de Quintília podia dizer-se alguma
cousa parecido com isso, foi o que o matou, e o que ainda hoje me dói. . .
Mas, vejo pelo seu dito que o estou aborrecendo.. .
— Pelo amor de Deus. Juro-lhe que não; foi uma graçola que me escapou.
Vamos adiante, conselheiro; ficou só em campo.
— Quintília não deixava ninguém estar só em campo, — não digo por ela,
mas pelos outros. Muitos vinham ali tomar um cálix de esperanças, e iam
cear a outra parte. Ela não favorecia a um mais que a outro, mas era lhana,
graciosa e tinha essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para
homens ciumentos. Tive ciúmes amargos e, às vezes, terríveis. Todo
argueiro me parecia um cavaleiro, e todo cavaleiro um diabo. Afinal
acostumei-me a ver que eram passageiros de um dia. Outros me metiam
mais medo, eram os que vinham dentro da luva das amigas. Creio que houve
duas ou três negociações dessas, mas sem resultado. Quintília declarou que
nada faria sem consultar o tio, e o tio aconselhou a recusa, — cousa que ela
sabia de antemão. O bom velho não gostava nunca da visita de homens, com
receio de que a sobrinha escolhesse algum e casasse. Estava tão acostumado
a trazê-la ao pé de si, como uma muleta da velha alma aleijada, que temia
perdê-la inteiramente.
— Não seria essa a causa da isenção sistemática da moça?
— Vai ver que não.
— O que noto é que o senhor era mais teimoso que os outros. . .
— ... Iludido, a princípio, porque no meio de tantas candidaturas
malogradas, Quintília preferia-me a todos os outros homens, e conversava
comigo mais largamente e mais intimamente, a tal ponto que chegou a correr
que nos casávamos.
— Mas conversavam de quê?
— De tudo o que ela não conversava com os outros; e era de fazer pasmar
que uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir, fosse comigo
tão severa e grave, tão diferente do que costumava ou parecia ser.
— A razão é clara: achava a sua conversação menos insossa que a dos outros
homens.
— Obrigado; era mais profunda a causa da diferença, e a diferença ia-se
acentuando com os tempos. Quando a vida cá embaixo a aborrecia muito, ia
para o Cosme Velho, e ali as nossas conversações eram mais freqüentes e
compridas. Não lhe posso dizer, nem o senhor compreenderia nada, o que
foram as horas que ali passei, incorporando na minha vida toda a vida que
jorrava dela. Muitas vezes quis dizer-lhe o que sentia, mas as palavras
tinham medo e ficavam no coração. Escrevi cartas sobre cartas; todas me
pareciam frias, difusas, ou inchadas de estilo. Demais, ela não dava ensejo a
nada, tinha um ar de velha amiga. No princípio de 1857 adoeceu meu pai em
Itaboraí; corri a vê-lo, achei-o moribundo. Este fato reteve-me fora da Corte
uns quatro meses. Voltei pelos fins de maio. Quintília recebeu-me triste da
minha tristeza, e vi claramente que o meu luto passara aos olhos dela...
— Mas que era isso senão amor?
— Assim o cri, e dispus a minha vida para desposá-la. Nisto, adoeceu o tio
gravemente. Quintília não ficava só, se ele morresse, porque, além dos
muitos parentes espalhados que tinha, morava com ela agora, na casa da Rua
do Catete, uma prima, D. Ana, viúva; mas, é certo que a afeição principal ia-
se embora e nessa transição da vida presente à vida ulterior podia eu
alcançar o que desejava. A moléstia do tio foi breve; ajudada da velhice,
levou-o em duas sema-nas. Digo-lhe aqui que a morte dele lembrou-me a de
meu pai, e a dor que então senti foi quase a mesma. Quintília viu-me
padecer, compreendeu o duplo motivo, e, segundo me disse depois, estimou
a coincidência do golpe, uma vez que tínhamos de o receber sem falta e tão
breve. A palavra pareceu-me um convite matrimonial; dois meses depois
cuidei de pedi-la em casamento. D. Ana ficara morando com ela e estavam
no Cosme Velho. Fui ali, achei-as juntas no terraço, que ficava perto da
montanha. Eram quatro horas da tarde de um domingo. D. Ana, que nos
presumia namorados, deixou-nos o campo livre.
— Enfim!
— No terraço, lugar solitário, e posso dizer agreste, proferi a primeira
palavra. O meu plano era justamente precipitar tudo, com medo de que,
cinco minutos de conversa me tirassem as forças. Ainda assim, não sabe o
que me custou; custaria menos uma batalha, e juro-lhe que não nasci para
guerras. Mas aquela mulher magrinha e delicada impunha-se-me, como
nenhuma outra, antes e depois...
— E então?
— Quintília adivinhara, pelo transtorno do meu rosto, o que lhe ia pedir, e
deixou-me falar para preparar a resposta. A resposta foi interrogativa e
negativa. Casar para quê? Era melhor que ficássemos amigos como dantes.
Respondi-lhe que a amizade era, em mim, desde muito, a simples sentinela
do amor; não podendo mais contê-lo, deixou que ele saísse. Quintília sorriu
da metáfora, o que me doeu, e sem razão; ela, vendo o efeito, fez-se outra
vez séria e tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. — Estou
velha, disse ela; vou em trinta e três anos. — Mas se eu a amo assim mesmo,
repliquei, e disse-lhe uma porção de cousas, que não poderia repetir agora.
Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações de amizade; disse
que, posto que mais moço que ela, tinha a gravidade de um homem mais
velho e inspirava-lhe confiança como nenhum outro. Desesperançado, dei
algumas passadas, depois sentei-me outra vez e narrei-lhe tudo. Ao saber da
minha briga com o amigo e companheiro da academia, e a separação em que
ficamos, sentiu-se, não sei se diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a
ambos, não valia a pena que chegássemos a tal ponto. — A senhora diz isso
porque não sente a mesma cousa. — Mas então é um delírio? — Creio que
sim; o que lhe afianço é que ainda agora, se fosse necessário, separar-me-ia
dele uma e cem vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele faria a mesma
cousa. Aqui olhou ela espantada para mim, como se olha para uma pessoa
cujas faculdades parecem transtornadas; depois abanou a cabeça, e repetiu
que fora um erro; não valia a pena. — Fiquemos amigos, disse-me,
estendendo a mão. — É impossível; pede-me cousa superior às minhas
forças, nunca poderei ver na senhora uma simples amiga; não desejo impor-
lhe nada; dir-lhe-ei até que nem mais insisto, porque não aceitaria outra
resposta agora. Trocamos ainda algumas palavras, e retirei-me... Veja a
minha mão.
— Treme-lhe ainda...
— E não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive, nem
a dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado, devia ter
provocado aquele desengano desde as primeiras semanas, mas a culpa foi da
esperança, que é uma planta daninha, que me comeu o lugar de outras
plantas melhores. No fim de cinco dias saí para Itaboraí, onde me chamaram
alguns interesses do inventário de meu pai. Quando voltei, três semanas
depois, achei em casa uma carta de Quintília.
— Oh!
— Abri-a alvoroçadamente: datava de quatro dias. Era longa; aludia aos
últimos sucessos, e dizia cousas meigas e graves. Quintília afirmava ter
esperado por mim todos os dias, não cuidando que eu levasse o egoísmo até
não voltar lá mais, por isso escrevia-me, pedindo que fizesse dos meus
sentimentos pessoais e sem eco uma página de história acabada; que ficasse
só o amigo, e lá fosse ver a sua amiga. E concluía com estas singulares
palavras: "Quer uma garantia? Juro-lhe que não casarei nunca." Compreendi
que um vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; com a diferença
que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples eleição de
caráter. Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida com
diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbolo. Respondi à
carta dela nesse sentido; e declarei que era tal a minha obediência e o meu
amor, que cedia, mas de má vontade, porque, depois do que se passara entre
nós, ia sentir-me humilhado. Risquei a palavra ridículo, já escrita, para poder
ir vê-la sem este vexame; bastava o outro.
— Aposto que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou
eu me engano ou estava morta por casar com o senhor.
— Deixe a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo.
— Deixe-me adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o
senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que aproveitasse
com a absolvição. Mas, enfim, correr à casa dele.
— Não corri; fui dous dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha carta
com um bilhete carinhoso, que rematava com esta idéia: "não fale de
humilhação, onde não houve público." Fui, voltei uma e mais vezes e
restabeleceram-se as nossas relações. Não se falou em nada; ao princípio,
custou-me muito parecer o que era dantes; depois, o demônio da esperança
veio pousar outra vez no meu coração; e, sem nada exprimir, cuidei que um
dia, um dia tarde, ela viesse a casar comigo. E foi essa esperança que me
retificou aos meus próprios olhos, na situação em que me achava. Os boatos
de nosso casamento correram mundo. Chegaram aos nossos ouvidos; eu
negava formalmente e sério; ela dava de ombros e ria. Foi essa fase da nossa
vida a mais serena para mim, salvo um incidente curto, um diplomata
austríaco ou não sei que, rapagão, elegante, ruivo, olhos grandes e atrativos,
e fidalgo ainda por cima. Quintília mostrou-se-lhe tão graciosa, que ele
cuidou estar aceito, e tratou de ir adiante. Creio que algum gesto meu,
inconsciente, ou então um pouco da percepção fina que o céu lhe dera, levou
depressa o desengano à legação austríaca. Pouco depois ela adoeceu; e foi
então que a nossa intimidade cresceu de vulto. Ela, enquanto se tratava,
resolveu não sair, e isso mesmo lhe disseram os médicos. Lá passava eu
muitas horas diariamente. Ou elas tocavam, ou jogávamos os três, ou então
lia-se alguma cousa; a maior parte das vezes conversávamos somente. Foi
então que a estudei muito; escutando as suas leituras vi que os livros
puramente amorosos achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram
violentas, largava-os com tédio. Não falava assim por ignorante; tinha
notícia vaga das paixões, e assistira a algumas alheias.
— De que moléstia padecia?
— Da espinha. Os médicos diziam que a moléstia não era talvez recente, e ia
tocando o ponto melindroso. Chegamos assim a 1859. Desde março desse
ano a moléstia agravou-se muito; teve uma pequena parada, mas para os fins
do mês chegou ao estado desesperador. Nunca vi depois criatura mais
enérgica diante da iminente catástrofe; estava então de uma magreza
transparente, quase fluida; ria, ou antes, sorria apenas, e vendo que eu
escondia as minhas lágrimas, apertava-me as mãos agradecida. Um dia,
estando só com o médico, perguntou-lhe a verdade; ele ia mentir, ela disse-
lhe que era inútil, que estava perdida. — Perdida, não, murmurou o médico.
— Jura que não estou perdida? — Ele hesitou, ela agradeceu-lho. Uma vez
certa que morria, ordenou o que prometera a si mesma.
— Casou com o senhor, aposto?
— Não me relembre essa triste cerimônia; ou antes, deixe-me relembrá-la,
porque me traz algum alento do passado. Não aceitou recusas nem pedidos
meus; casou comigo à beira da morte. Foi no dia 18 de abril de 1859. Passei
os últimos dois dias, até 20 de abril ao pé da minha noiva moribunda, e
abracei-a pela primeira vez feita cadáver.
— Tudo isso é bem esquisito.
— Não sei o que dirá a sua fisiologia. A minha, que é de profano, crê que
aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física. Casou meio
defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente
divino.
FIM
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