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MONTESSORI
MARIA
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Hermann Röhrs
MONTESSORI
MARIA
Organização e tradução
Danilo Di Manno de Almeida
Maria Leila Alves
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ISBN 978-85-7019-535-7
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino
formal e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos
fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Maria de Fátima Guerra Sousa
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Röhrs, Hermann.
Maria Montessori / Hermann Röhrs; tradução: Danilo Di Manno de Almeida,
Maria Leila Alves. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
142 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-535-7
1. Montessori, Maria, 1870-1952. 2. Educação – Pensadores – História. I. Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Hermann Röhrs, 11
Uma vida a serviço da infância, 11
A experiência fundamental, 12
Montessori e a Educação Nova, 15
As Casas das Crianças, 18
O material didático, 21
O fundamento científico de sua ação, 23
Percepção, 26
O desenvolvimento pela atividade independente, 27
Considerações sobre a influência de Montessori
na educação brasileira, 33
Introdução, 33
A influência de Maria Montessori
na educação brasileira, 38
A presença da obra de Montessori no Brasil, 39
As mãos e o tapete:
o corpo no método montessoriano, 45
Textos selecionados, 51
Pedagogia científica: a descoberta da criança
1. A pedagogia científica, 52
2. Antecedentes do método, 55
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6
ANTONIO GRAMSCI
3. A descoberta da infância, 61
4. O ambiente da escola, 63
5 Liberdade e disciplina, 65
6. A saúde da criança, 74
7. A livre escolha, 77
8. O desenvolvimento dos sentidos da criança, 78
9. Os exercícios e as lições, 80
10. O educador, 84
11. A observação da criança, 89
12. A linguagem, a escrita e a leitura, 90
A criança
13. Antecedentes do método, 93
14. A descoberta da infância, 94
15. O ambiente da escola, 109
16. Liberdade e disciplina, 115
17. A livre escolha, 117
18. O desenvolvimento dos sentidos da criança, 125
19. O educador, 126
20. A linguagem, a escrita e a leitura, 128
21. O desenvolvimento da criança, 130
Cronologia, 133
Bibliografia, 137
Obras de Montessori, 137
Obras sobre Montessori, 137
Obras de Montessori em português, 138
Obras sobre Montessori em português, 138
Outras referências bibliográficas, 140
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7
COLEÇÃO EDUCADORES
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
ANTONIO GRAMSCI
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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9
COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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ANTONIO GRAMSCI
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11
COLEÇÃO EDUCADORES
MARIA MONTESSORI
1
(1870-1952)
2
Hermann Röhrs
3
Uma vida a serviço da infância
Maria Montessori é a figura de proa do movimento da nova
educação. Existem poucos exemplos de tal empreitada visando ins-
taurar um conjunto de preceitos educativos de alcance universal, e
muito raros são os que exerceram uma influência tão poderosa e tão
vasta nesse domínio. Esta universalidade é ainda mais surpreenden-
te, pois, no estágio inicial de suas pesquisas, ela havia concentrado
seus esforços nas crianças pequenas e só mais tarde ampliou o cam-
po de suas pesquisas para incluir as crianças mais velhas e a família. A
infância era, a seu ver, a fase crítica na evolução do indivíduo, o
período durante o qual são lançadas as bases de todo desenvolvi-
mento ulterior. É por isso que ela atribuía um alcance universal às
observações que podemos fazer sobre esse período da vida. Maria
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée. Paris,
Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 1-2, pp. 173-188, 1994 (89/90).
Tradução de Danilo Di Manno de Almeida, com colaboração de Carolina Di Manno de Almeida.
2
O artigo é a tradução de um capítulo das obras intituladas Die Reformpädagogik: Ursprung
und Verlauf unter internationalem Aspekt . 3.ed. Weimheim, 1991. pp. 225-241, e Die
Reformpädagogik und ihre Perpektiven für eine Bildungsreform. Donauwörth, 199. pp. 61-80.
3
Hermann Röhrs (Alemanha) é historiador de educação comparada, antigo chefe do departa-
mento de educação da Universidade de Mannheim, antigo diretor do instituto de educação da
Universidade de Heidelberg e do Centro de pesquisa em educação comparada de Heidelberg.
Professor honorário desde 1984, doutor honoris causa da Universidade Aristóteles de
Tessalônica (Grécia) em 1991. Autor de diversas obras de história e de educação comparada,
das quais Tradition and reform of the university under an international perspective [Tradição e
reforma da universidade sob uma perspectiva internacional] (1987) e Vocational and general
education in western industrial societies [O ensino profissional e o ensino geral nas socieda-
des industriais] (1988). Seus livros foram traduzidos em várias línguas: inglês, coreano,
grego, italiano e japonês.
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12
ANTONIO GRAMSCI
Montessori foi também exemplar no que sempre se esforçou, con-
jugar teoria e prática: suas Casas das Crianças e seus materiais didá-
ticos testemunham essa exigência. Nenhum outro representante do
movimento da Educação Nova aplicou suas teorias em uma escala
tão vasta. O programa variado que ela lançou ao campo foi único.
O mais notável é que o debate em torno de suas ideias é tão
apaixonado e suscita tantas controvérsias quanto à época em que
apareceram suas primeiras obras (em 1909, instigada por duas ami-
gas muito próximas, Anna Macheroni e Alice Franchetti). A partir
dos anos que se seguiram, começaram a traduzir seus livros nas
principais línguas do mundo. A série de conferências, claras e esti-
mulantes, que ela proferiu no mundo inteiro facilitou a difusão de
seus ideais.
A vontade de apreender esse fenômeno – a relação entre a
teoria e a prática, o indivíduo e seu trabalho, o que foi emprestado
e o que é original – não marcou menos ontem que hoje, como
revela o número de publicações na República Federativa da Ale-
manha, que trataram recentemente dessas questões (Böhm, 1991).
Foi preciso esperar a reedição de suas obras completas para poder
ter um julgamento sobre o conjunto de sua obra.
A permanência do interesse suscitado por seus trabalhos não é
devido a um desejo reverente de proteger e preservar o passado,
mas resulta de um autêntico espírito de pesquisa. É assim por dois
motivos: em primeiro lugar, o atrativo que a personalidade de Maria
Montessori exerce, atrativo que sobrevive a ela na sua obra e confere
a suas ideias um fascínio particular; em seguida, o objetivo que atri-
buiu a seu trabalho, a saber, fornecer à educação das crianças uma
base científica sólida constantemente verificada pela experiência.
A experiência fundamental
Maria Montessori nasceu em 1870 em Chiaravalle, próximo à
Ancone, na Itália, e morreu em 1952 em Nordwjik, na Holanda.
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13
COLEÇÃO EDUCADORES
Em 1896, é a primeira mulher italiana a concluir medicina, com um
estudo sobre neuropatologia. Em seguida, trabalha durante dois anos
como assistente na clínica psiquiátrica da Universidade de Roma,
onde é principalmente encarregada de estudar o comportamento
de um grupo de jovens com retardos mentais. O tempo passado
com essas crianças lhe permite constatar que suas necessidades e seu
desejo de brincar permaneceram intactos, o que a leva a buscar
meios para educá-los. É nesta época que descobre as obras dos
médicos franceses Bourneville, Itard, Séguin e a de Pereira, espanhol
que viveu em Paris e conheceu Rousseau e Diderot. Ela adquire um
interesse particular pelos estudos de Itard – que tentou civilizar a
criança selvagem encontrada nas florestas de Aveyron estimulando e
desenvolvendo seus sentidos – e de Édouard Séguin, aluno de Itard.
Em geral, permaneceu discreta sobre as fontes de sua inspiração,
mas nos seus escritos descreve de maneira aprofundada seus esforços
para conciliar suas teses com aquelas de Séguin, principalmente as
que são expostas no seu livro Idiocy and its treatment by the physiological
method [A idiotia e seu tratamento pelos métodos fisiológicos]
4
pu-
blicado depois que ele emigrou para os Estados Unidos e no qual
descreve seu método, pela segunda vez.
Inspirada pela experiência que tinha adquirido na clínica em con-
tato com as crianças, que tinha visto brincar no assoalho com peda-
ços de pão por falta de brinquedos, e pelos exercícios postos em
prática por Séguin para refinar as funções sensoriais, Maria Montessori
decidiu se dedicar aos problemas educativos e pedagógicos. Em
1900, ela trabalhou na Scuola Magistrale Ortofrenica, instituto encar-
regado da formação dos educadores das escolas para crianças defici-
entes e retardadas mentais. Após ter estudado pedagogia, ocupou-se
da modernização de um bairro pobre de Roma, San Lorenzo, en-
4
Sua relação com seu professor Séguin é tratada com profundidade em Kramer, R. Maria
Montessori: a biography. New York, 1976; também em Hellbrügge, T. Unser Montessori-
Modell. Munich, 1977, p. 68 e seg.; e em Böhn, W. Maria Montessori, Hintergrund und
Prinzipien ihres pädagogischen Denkens, Bad Heilbrunn: Obb, 1991. p. 58.
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ANTONIO GRAMSCI
carregando-se da educação das crianças. Para atender às suas neces-
sidades, ela fundou uma casa das crianças (Casa dei Bambini) onde
estas podiam aprender a conhecer o mundo, e a desenvolver sua
aptidão para organizar a própria existência.
San Lorenzo marcou o começo de uma espécie de movimen-
to de renascimento que contribuiu para avivar sua fé na possibili-
dade de melhorar a humanidade por meio da educação das crian-
ças. Ainda que sua ação fosse fundada sobre princípios científicos,
Maria Montessori não considerava a infância menos que uma con-
tinuação do ato da criação. Essa combinação de pontos de vista
diferentes constitui o aspecto verdadeiramente fascinante de sua
obra: fazendo experiências e observações precisas em um espírito
científico, ela via na fé, na esperança e na confiança, os meios mais
eficazes de ensinar às crianças a independência e a confiança em si.
As Casas das Crianças que foram criadas nos anos seguintes torna-
ram-se algumas vezes verdadeiros locais sagrados para onde os
educadores se rendiam em peregrinação; elas constituíram sempre
modelos mostrando como resolver os problemas pedagógicos.
A reflexão e a meditação tiveram um papel importante tanto
na sua vida pessoal quanto no seu programa educativo. Recusan-
do-se a adotar métodos estranhos à sua abordagem, rejeitando os
compromissos, ela estava certa de defender a causa de todas as
crianças, de atender às suas necessidades, e sabia passar sua mensa-
gem com inteligência, clareza e resolução. Apesar da precisão de
sua linguagem, ela passava aos olhos de muitos como uma espécie
de padre dos direitos das crianças, em um mundo hostil. Seu des-
tino pessoal (deu a luz a uma criança natural) contribuiu certamen-
te à atmosfera de mistério que envolvia seu trabalho. Mas é preci-
samente graças à sua atividade que ela encontrou o meio de resol-
ver esse problema de maneira exemplar. (Kramer, 1976, p.88)
Seus colaboradores mais próximos – Anna Macheroni e, por
algum tempo, Helen Pakhurst – se dedicaram completamente à
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15
COLEÇÃO EDUCADORES
tarefa. Seu filho, e em seguida seu neto, Mario Montessori, se dedi-
caram também. Entretanto, seus compromissos não eram moti-
vados pela preocupação de manter uma tradição familiar, mas
pela preocupação em preservar uma herança bem mais ampla, “a
educação dos seres humanos”. (Montessori, 1977)
Montessori e a Educação Nova
A ação empreendida por Maria Montessori em San Lorenzo
revelou-se extremamente frutífera. Tendo sida encarregada por
Talamo, o diretor da empresa de construção, de fundar um centro
de jovens para salvar das ruas crianças cujos pais trabalhavam, ela
realizou o “milagre da criança nova”, cuja “infância” exaltada, in-
fluía por sua vez favoravelmente sobre os pais. A “criança verda-
deira” era a prova viva do permanente processo de criação, de
renascimento e de renovação: qualquer um que tivesse o desejo e o
poder de refletir seriamente sobre a questão descobriria a sua di-
mensão profundamente religiosa.
Maria Montessori foi uma das figuras autênticas da Educação
Nova enquanto movimento internacional. De fato, a reforma que
recomendava não se limitava a uma simples substituição mecânica
dos métodos antigos por novos, supostamente melhores. Nenhum
termo dá mais conta do processo que a interessava fundamental-
mente que reformatio, no seu sentido original de reorganização e
renovação da vida.
Não é fácil definir a posição de Montessori com relação aos
outros adeptos da nova educação. Contrariamente à maioria, ela era
muito influenciada por Rousseau. Várias passagens de seus livros
parecem variações sobre temas de Rousseau, e sua crítica do mundo
dos adultos que, a seus olhos, não levavam em conta as crianças,
lembra igualmente a atitude de Rousseau. É ainda influenciada por
Rousseau que ela combatia as amas de leite, as correias, as armações,
as cintas protetoras e os andadores utilizados para ensinar as crianças
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ANTONIO GRAMSCI
a andar muito cedo, chegando à seguinte conclusão: “Importa dei-
xar a natureza agir o mais livremente possível, e assim, mais a criança
será livre no seu desenvolvimento, mais rapidamente e mais perfei-
tamente atingira suas formas e suas funções superiores”.
Está claro que ela não havia estudado de forma sistemática as
obras de Rousseau – mas, da mesma forma que fazia suas um
bom número de críticas à cultura e à sociedade de seu tempo,
deve ter lido pelo menos certas partes de Emílio, de toda maneira
o primeiro livro. Da mesma forma, é difícil delimitar sua atitude
com relação aos educadores que como ela, participavam do mo-
vimento da Educação Nova, Dewey, Kilpatrick, Decroly, e, em
particular, Ferrier. Ainda que tenha tido contato com alguns deles
no quadro de suas atividades no seio da New Education Fellowship,
isso não resultou, de fato, em nenhuma colaboração. Os únicos
nomes que encontramos mencionados nas suas obras são os de
Washburne e Percy Nunn – este último principalmente quando ela
elabora seu conceito de “espírito absorvente”.
Percy Nunn, que presidia à época a seção inglesa da New
Education Fellowship, encontrou-a na ocasião do ciclo de confe-
rências que ministrou em Londres. Sua teoria do hôrmico e da
memória desenvolvida em seu livro Education: its data and first principles
(Nunn, 1920)
5
ajudou Maria Montessori a elaborar sua concepção
do espírito humano em desenvolvimento, que determina o curso
da existência em interação constante com o ambiente, e, fazendo
assim, assume ele mesmo uma forma definida.
Ela sofreu igualmente a influência de Ovide Decroly. Tanto
suas vidas como suas obras apresentam diversos pontos em co-
mum: eles tinham quase a mesma idade (Montessori nasceu em
1870, Decroly em 1871), os dois estudaram medicina e criaram,
5
N.T: a hormé, do inglês hormic, tal como elaborado por Percy Nunn, significa [...] urge,
impulso ou compulsão; mnêmê na tradução francesa corresponde a memória. Ver: Nunn,
P. Education: its data and first principles. Disponível em: : <
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COLEÇÃO EDUCADORES
cada um, estabelecimentos de ensino em 1907, Casa dei bambini, em
Roma, e École pour la vie, em Bruxelas. Pelo fato de pertencerem ao
New Education Fellowship, eles tiveram frequentemente a ocasião
de se encontrar e discutir
6
. Entretanto, na ocasião do encontro,
cada um já tinha elaborado a maior parte de suas ideias, de forma
que as numerosas semelhanças que podemos observar em suas
caminhadas são devidas, essencialmente, ao fato de ambos terem
estudado as obras de Itard e Séguin.
O conceito fundamental que sustenta a obra pedagógica de
Montessori é que as crianças necessitam de um ambiente apropri-
ado onde possam viver e aprender.
A característica fundamental de seu programa pedagógico é que
ele dá igual importância ao desenvolvimento interno e ao desenvol-
vimento externo, organizados de forma a se complementarem.
Entretanto, o fato de que certa atenção seja atribuída à educação
externa, que os filósofos e pedagogos da escola idealista considera-
vam como uma simples consequência do sucesso da educação in-
terna, testemunha a orientação científica de seu programa. Nesse
ponto, a influência de Séguin foi certamente decisiva, assim como a
de Pereira, que tinha demonstrado o papel dos sentidos no desen-
volvimento da personalidade. A ideia de que é possível educar e
transformar os seres humanos unicamente manipulando os dados
sensoriais que lhes são transmitidos, ideias que Diderot examinou na
sua Carta sobre os cegos e sua Carta sobre os surdos e os mudos, e que
inspirou o programa de Rousseau, no que se refere à educação sen-
sorial, teve um papel igualmente importante nas teorias de Montessori.
Para entender bem a profunda originalidade das ideias de
Montessori, é necessário compará-las com o método elaborado
pelas irmãs Agazzi. Os trabalhos de Rosa e Carolina Agazzi
constituem uma das tentativas mais notáveis para fazer progredir a
6
Essa hipótese provavelmente se confirmaria por meio do estudo e publicação dessa
correspondência, o que ainda não foi feito.
MARIA MONTESSORI EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:4217
18
ANTONIO GRAMSCI
educação das crianças. O interesse desses trabalhos para nós hoje
vem do fato de terem acontecido no mesmo ambiente no qual
Montessori elaborou suas ideias.
Desde 1882, Rosa Agazzi e sua irmã dirigiram um lar para
crianças (il nouvo asilo) em Monpiano (Brescia), que é considerada a
primeira casa de crianças criada na Itália (Pasquali, 1903). Anteci-
pando a caminhada de Montessori, Rosa Agazzi se esforçou em
intensificar e dominar o processo educativo modificando o qua-
dro de vida das crianças (Agazzi, 1932).
Montessori preconizava, para a etapa inicial do processo
educativo, a utilização de um material didático constituído de várias
séries de objetos padronizados; Rosa Agazzi preferia que as própri-
as crianças reunissem objetos de sua escolha: suas experiências com
o objeto eram assim mais completas e o processo de abstração só
começava depois desse primeiro estágio. No entanto, seria inexato
afirmar que a diferença entre as duas abordagens consiste em que as
irmãs Agazzi valorizavam a experiência direta e Maria Montessori a
abstração. Igualmente, esta última se preocupava muito com o está-
gio experimental. Mas ela reconhecia, ao mesmo tempo, que é ne-
cessário encorajar, aprofundar essas tendências, esses centros de in-
teresse por meio de exercícios, e que o sucesso da empreitada de-
pende do despertar do senso de responsabilidade nas crianças. É o
que ela trouxe de verdadeiramente novo: não só levava em conta as
preferências e os centros de interesse das crianças, a exemplo de
vários adeptos da Educação Nova, que fundavam sua ação unica-
mente sobre esse princípio, mas esforçava-se em encorajar nas cri-
anças a autodisciplina e o senso de responsabilidade.
As Casas das Crianças
As Casas das crianças eram ambientes especialmente equipados
para atender às necessidades desse público, que podiam transfor-
mar e melhorar exercendo seu senso de responsabilidade. Nesses
locais, tudo era adaptado às crianças, às suas atitudes e perspectivas
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19
COLEÇÃO EDUCADORES
próprias: não só os armários, as mesas e as cadeiras, mas também as
cores, os sons e a arquitetura. Era esperado delas que vivessem e se
movessem nesse ambiente como seres responsáveis e que partici-
passem do trabalho criador como das tarefas de funcionamento, de
maneira a subir uma “escala” simbólica que conduzia à realização.
Liberdade e disciplina se equilibravam, e o princípio funda-
mental era que uma não podia ser conquistada sem a outra. Con-
siderada sob este ângulo, a disciplina não era imposta do exterior,
era antes um desafio a ultrapassar para se tornar digno da liberda-
de. Montessori escrevia a respeito disso: “Nós chamamos de dis-
ciplinado um indivíduo que é senhor de si, que pode,
consequentemente, dispor de si mesmo ou seguir uma regra de
vida” (Montessori, 1969, p. 57).
A ideia central da autodeterminação segundo a qual a liberdade
só é possível se nos submetemos às leis que descobrimos e adota-
mos – o que Rousseau chamava de “vontade geral” – não é expres-
samente formulada nas suas obras. Por volta da passagem do sécu-
lo, a filosofia italiana era certamente dominada pelo pensamento
positivista, mas as tendências idealistas e neokantianas eram igual-
mente representadas, principalmente por Alessandro Chiapelli,
Bernardino Varisco e Benedetto Croce. É pouco provável que
Montessori tenha estudado seriamente esses filósofos; no entanto, ela
fez suas crianças participarem ativamente da disposição do ambiente,
das regras e dos princípios que governavam o funcionamento da casa;
dessa maneira, era feita justiça à ideia de autonomia moral.
Mas Montessori foi ainda mais longe: assumiu sistematicamente
as implicações lógicas dessas ideias, ou seja, ocupou-se de aplicá-las
e colocá-las em prática nas situações da vida cotidiana, aspecto mui-
tas vezes negligenciado pelos educadores. O programa que estabele-
ceu com esse intento compreendia “exercícios no ambiente cotidia-
no”, ou “exercícios de vida prática”, como os chamou na primeira
das conferências que fez na França (Montessori, 1976, p. 105).
Existiam, principalmente, exercícios de paciência, de exatidão e de
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ANTONIO GRAMSCI
repetição, todos destinados a reforçar o poder de concentração. Era
importante que esses exercícios fossem feitos a cada dia no contexto
de uma “tarefa” verdadeira, e não como simples jogos ou passa-
tempos. Eles eram complementados por uma prática da imobilida-
de e da meditação, que marcavam a passagem da educação “exter-
na” para a educação “interna”.
Em seus escritos, Montessori não se cansa de ressaltar a impor-
tância do empreendimento que consiste em desenvolver atitudes em
vez de simples competências; segundo ela, a atividade prática deve
criar uma atitude, e isso graças à contemplação: “A atitude vem a ser
a da conduta disciplinada”. Era, a seu ver, a tarefa essencial à qual as
Casas das Crianças deveriam se dedicar:
O pivô de tal construção da personalidade foi o trabalho livre, corres-
pondente às necessidades naturais da vida interior; por conseguinte,
o trabalho intelectual livre prova que ele é a base da disciplina interior. A
maior conquista das “Casas das Crianças” era a de obter crianças
disciplinadas. (Montessori, 1976, p. 107)
Ela sustenta essa afirmação por uma comparação com a edu-
cação religiosa:
Isso leva a pensar nos conselhos que a religião católica dá para conser-
var as forças da vida espiritual, quer dizer, o período de “concentra-
ção interior”, da qual depende a possibilidade de dispor em seguida
de “força moral”. É por meio da meditação metódica que a persona-
lidade moral adquire os potenciais de solidificação sem os quais o
homem interior, distraído e desequilibrado, não pode ser seu pró-
prio mestre nem se dedicar a nobres fins. (Montessori, 1976, p. 104)
Como Rousseau, Montessori considerava que “ajudar aos fracos,
idosos e doentes” era um dever importante a ser cumprido no estágio
do desenvolvimento pessoal, no qual as “relações morais” (Montessori,
1966, p. 58) definem e marcam o começo de uma nova vida, en-
quanto pessoa moral.
Ela estimava que a adolescência é o período em que essa etapa
deve ser ultrapassada, mas nas Casas das Crianças, estas se preparavam
para isso de muitas maneiras. As primeiras atividades nas quais se
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COLEÇÃO EDUCADORES
engajavam eram então de importância decisiva, tanto no plano moral
quanto no plano físico para as fases seguintes de seu desenvolvimento.
O “período sensível” da primeira infância oferece a ocasião
única de incentivar um desenvolvimento real. Montessori conside-
rava a educação social como um elemento importante dessa pri-
meira fase, visto que a autodeterminação deve receber sua orienta-
ção de outrem para que o indivíduo possa atingir a perfeição en-
quanto ser social. No último capítulo de seu livro A descoberta da
criança, ela descreveu esse processo:
Nenhum coração sofre com o bem de outrem, mas o triunfo de um,
fonte de encantamento e de alegria para os outros, cria frequentemente
imitadores. Todos têm um ar feliz e satisfeito de fazer “o que podem”,
sem que o que os outros fazem suscite uma vontade ou uma terrível
emulação. O pequeno de três anos trabalha pacificamente ao lado de
um menino de seis; o pequeno está tranquilo e não inveja a estatura do
mais velho. Todos crescem na paz. (Montessori, 1969, p. 33)
O material didático tinha igualmente a função de ajudar a crian-
ça a “crescer na paz” a fim de que adquirisse um senso elevado de
responsabilidade. Esse material, que constituía um dos elementos
do “ambiente preparado” da casa das crianças, era metodicamente
concebido e padronizado, de maneira que a criança que tinha esco-
lhido livremente se ocupar de um dos objetos propostos se encon-
trasse localizada em uma situação previamente determinada e fosse
conduzida, sem saber, a encarar o seu desígnio intelectual. O melhor
exemplo que podemos dar disso é o exercício de encaixar: cilindros
de diferentes tamanhos e cortes devem ser introduzidos nas cavida-
des adaptadas; uma única solução é possível e, assim, a criança pode
apreender seu erro quando o cilindro não pode ser introduzido.
O material didático
Um dos princípios fundamentais sobre os quais repousava o uso
de material didático era que as atividades deveriam ser metodicamente
coordenadas, de maneira que as crianças pudessem facilmente avaliar
seu grau de êxito enquanto as realizavam. Era pedido às crianças, por
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ANTONIO GRAMSCI
exemplo, que andassem ao longo de grandes círculos traçados no
chão, que formavam uma série padronizada de desenhos interessan-
tes, segurando uma vasilha cheia até a borda de tinta azul ou vermelha;
se transbordasse, elas podiam perceber que seus movimentos não
eram suficientemente coordenados e harmoniosos. Da mesma for-
ma, todas as funções corporais eram conscientemente desenvolvidas.
Para cada um dos sentidos, havia um exercício cuja eficácia
poderia ser ainda aumentada pela eliminação de outras funções
sensoriais. Por exemplo, existia um exercício de identificação pelo
toque de diferentes tipos de madeira, que era possível tornar ainda
mais eficaz vendando os olhos das crianças.
Esses exercícios eram praticados em grupo e seguidos de uma
discussão, o que reforçava seu alcance do ponto de vista dos as-
pectos sociais da educação das crianças. É assim que as diferentes
atividades eram destinadas a conjugar seus efeitos; como Montessori
escreveu “para [que a criança] progrida rapidamente, é necessário
que a vida prática e a vida social estejam intimamente misturadas à
sua cultura” (Montessori, 1972, p. 38).
Se esse posicionamento era o de Helen Parkhurst, ele era tam-
bém, evidentemente, o de Maria Montessori, de quem era aluna:
ela se esforçava em desenvolver os aspectos sociais da educação,
embora a preocupação essencial que guiava sua ação não tenha
sido aquela que certas concepções educativas de origem sociológi-
ca concernentes a uma categoria diferente de problemas inspira-
vam
7
. Isso para responder aos que rejeitaram de maneira parcial as
ideias pedagógicas de Helen Parkhurst e de Maria Montessori
acusando-as de serem irremediavelmente individualistas.
O material didático devia operar “como uma escala”, para
retomar a expressão a que se afeiçoava Maria Montessori: devia
7
Essa questão foi tratada no artigo intitulado: “Maria Montessori und die Progressive
Education in den USA” [Maria Montessori e a educação progressiva nos Estados Unidos],
em: Pehnke, A. (Ed.). Ein Plädoyer für unser reformpädagogisches Erbe. Neuwied, 1992,
pp. 65-78. Também é tratada em Böhn, op. cit., p. 86.
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COLEÇÃO EDUCADORES
permitir à criança tomar a iniciativa e progredir na sua via da rea-
lização. De outra parte, ele era impregnado de um espírito e de
uma atitude intelectual específicas, que deviam se comunicar com
as crianças e, consequentemente, modelá-las.
O material sensorial pode ser considerado desse ponto de vista como
‘uma abstração materializada’... Quando a criança se encontra diante
do material, ela responde com um trabalho concentrado, sério, que
parece extrair o melhor de sua consciência. Parece realmente que as
crianças estão atingindo a maior conquista de que seus espíritos são
capazes: o material abre à inteligência vias que, nessa idade, seriam
inacessíveis sem ele. (Montessori, 1969, pp. 197-198)
Adotando essa abordagem, o mestre pode deixar o centro do
processo educativo e agir a partir da sua periferia. Sua tarefa mais
urgente é praticar uma observação científica e empregar sua intui-
ção em descobrir as possibilidades e as novas necessidades. O de-
senvolvimento das crianças deve ser dirigido de maneira respon-
sável de acordo com o espírito científico.
O fundamento científico de sua ação
Montessori foi uma das primeiras a tentar fundar uma verda-
deira ciência da educação. Sua abordagem consistiu em instaurar a
“ciência da observação” (Montessori, 1976, p. 125). Exigia dos edu-
cadores e de todos os participantes do processo educativo que rece-
bessem uma formação nesses métodos, e que o próprio processo
educativo se desenvolvesse em um quadro permitindo controle e
verificação científica.
A possibilidade de observar como fenômenos naturais e como rea-
ções experimentais o desenvolvimento da vida psíquica na criança trans-
forma a própria escola em ação, em uma espécie de gabinete científico
para o estudo de psicogenética do homem. (Montessori, 1976, p. 126)
A arte fundamental da observação precisa, que Rousseau já
considerava como a competência mais importante requerida para
ensinar, recorre à precisão da percepção e da observação.
Montessori imaginou um “novo tipo de educador”: “No lugar da
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palavra [ele deve] aprender o silêncio; no lugar de ensinar, ele deve
observar; no lugar de se revestir de uma dignidade orgulhosa que
quer parecer infalível, se revestir de humildade” (Montessori, 1976,
p. 123). Esse tipo de observação atenciosa à distância não é uma
aptidão natural: é necessário aprender
e saber observar é a verdadeira marcha rumo à ciência. Porque se não
vemos os fenômenos, é como se eles não existissem. Ao contrário, a
alma do sábio é feita de interesse apaixonado pelo que ele vê. Aquele
que é iniciado a ver começa a se interessar, e esse interesse é a força
motriz que cria o espírito do sábio. (Montessori, 1976, p. 125)
Montessori concebeu um método que qualificaríamos hoje de
hermenêutico-empírico. No entanto, ela não conseguiu colocar uma
única dessas ideias integralmente em prática em seu próprio tra-
balho. Suas experiências careciam de um quadro teórico sólido e
elas não eram conduzidas nem avaliadas de forma a permitir uma
confirmação objetiva. Suas descrições não eram isentas de subjeti-
vidade e suas conclusões eram frequentemente parciais ou mesmo
expressas de maneira dogmática.
Apesar disso, ela se distinguia na criação de situações educativas,
mesmo que frequentemente estas fossem manifestamente mais a
expressão de sua personalidade radiante que o fruto de uma refle-
xão e de uma preparação rigorosas. Suas observações eram feitas
com cuidado, segundo métodos científicos que garantiam a obje-
tividade, mas o essencial do seu trabalho dependia de um talento
muito pessoal, único, para manejar e interpretar os processos
educativos.
Sua descrição dos fenômenos educativos e as conclusões que
tirava deles devem ser considerados sob esta ótica. Ela descreve,
por exemplo, uma menininha que tenta quarenta e quatro vezes
seguidas encontrar a cavidade que corresponde a um pino em
madeira antes de direcionar, com alegria, sua atenção para outro
lugar. Mas em nenhum lugar é mencionado o seu meio intelectual,
social, nem seus progressos posteriores.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Montessori trata da mesma forma todo tipo de fenômenos, de
despertares e “explosões”. Se adotarmos os seus próprios critérios –
ainda que estes sejam formulados de maneira vaga e geral – para
julgar o trabalho científico e teórico que ela realizou no campo da
educação, não é certo que esse julgamento seja positivo. O sucesso de
sua ação dependia de outros fatores: sua humildade, sua paciência, e
(frequentemente evocado) seu poder de encantamento diante da vida.
Esta capacidade de imaginação, que transcende a observação
precisa, é na verdade um modo de vida filosófica. A despeito de
todas as críticas que formulou contra a filosofia e o ensino de
filosofia, ela mesma adotou a atitude filosófica. Em uma passa-
gem na qual se debruça sobre a necessidade de dar ao professores
uma experiência prática da pedagogia, escreve a respeito dos estu-
dantes de biologia e medicina, e do papel do microscópio: “Eles
sentiram, observando no microscópio, nascer essa emoção feita
de espanto que desperta a consciência e o entusiasmo apaixonado
pelo mistério da vida”. (Montessori, 1976, p. 133)
É importante levar em consideração ao mesmo tempo a aber-
tura da sensibilidade de Montessori aos “mistérios da vida” e sua
abordagem essencialmente científica, sob pena de se emaranhar
nas contradições e alimentar a controvérsia sempre animada quan-
to ao valor e o significado de sua obra; é necessário, no entanto,
reconhecer que, mesmo se nenhum aspecto fosse negligenciado, as
divergências de opinião não se apagariam todas por conta disso.
Alguns posicionamentos e conclusões de Maria Montessori
se parecem mais com os de Pestalozzi, em seus momentos filo-
sóficos, do que com a análise objetiva de um doutor em medici-
na. Mas é precisamente essa amplitude de visões que confere a
muitos de seus escritos sua potencialidade profética, que, aliás,
não é sempre sem ambiguidade e é o que explica sua grande
popularidade no mundo inteiro, na Índia como na Europa. Sua
influência era maior quando ela vinha pessoalmente, ministrava
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conferências e cursos, e encontrava um grupo de discípulos de-
votos, decididos a viver e manter viva a sua doutrina. (Schültz-
Benesch, 1962, Böhm, 1991, p. 15)
Percepção
Maria Montessori não apenas pôs em prática um método sis-
temático de desenvolvimento das faculdades perceptivas como
também elaborou uma teoria da percepção que tem muitos pon-
tos em comum com a abordagem de Pestalozzi. Assim, no que
diz respeito ao material didático, ela notou que não é necessário
que “a atenção das crianças seja retida por objetos quando começa
o delicado fenômeno da abstração” (Montessori, 1976, p. 80). Ela
queria que seu material didático fosse concebido de forma a per-
mitir a situação concreta e imediata e a favorecer a abstração.
Se esses materiais não incentivam a generalização, correm o risco, com
suas ‘armadilhas’, de amarrar a criança à terra. Se isso ocorre, a criança
permanece ‘fechada no círculo vicioso de objetos inúteis’ [para favo-
recer a abstração].
Maria Montessori escreve:
No seu conjunto, o mundo repete mais ou menos os mesmos
elementos. Se estudarmos, por exemplo, a vida das plantas ou dos
insetos na natureza, temos uma ideia aproximada da vida das plan-
tas ou dos insetos no mundo inteiro. Ninguém conhece todas as
plantas. Mas basta ver um pinheiro para conseguir imaginar como
vivem todos os pinheiros. (Montessori, 1976, p. 80)
Na mesma ordem de ideia, ela escreveu em outro lugar: “Quan-
do encontramos um rio ou um lago, é necessário ver todos os rios
e todos os lagos do mundo para saber o que é?”. Emitindo essa
ideia e formulando-a como o faz, ela se mostra surpreendente-
mente próxima a Pestalozzi. Assim como ele, ela aconselha não
negligenciar as formas de percepção direta.
Nenhuma descrição, nenhuma imagem de nenhum livro podem
substituir a vista real das árvores em um bosque com toda a vida que
acontece em volta delas. (Montessori, 1966, p.40)
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A seu ver, é fundamental obter a “cooperação da atenção
interior”. É por isso que se esforçava em estruturar a base motivacional
do material didático de tal maneira que ele estivesse em contato com
a esfera e a consciência da criança. Convém notar que Montessori
explicava esse processo comparando-o a um ato de fé, processo
aparente que, no entanto, se reproduz em outro nível: “Não basta [...]
ver para crer; é necessário crer para ver”. Escreveu igualmente mais adian-
te: “É em vão que se explica ou mesmo que se faz ver um fato, por
mais extraordinário que ele seja, se não existe a fé. Não é a evidência,
é a fé que faz penetrar a verdade” (Montessori, 1966, p. 216).
Ela conseguiu incontestavelmente estabelecer um laço entre
sua concepção de ciência e essa forma de fé, que é conhecimento
interior e visão melhorada.
O desenvolvimento pela atividade independente
Um dos conceitos de base do sistema educativo de Maria
Montessori é a “atividade independente”. “Um indivíduo é o que é,
não por causa dos professores que ele teve, mas pelo que realizou,
ele mesmo”. Em outro contexto, chegou até mesmo a introduzir a
ideia de “autocriação”, que aplicava não somente à percepção sen-
sorial e ao intelecto, mas também à coordenação de todos os aspec-
tos humanos do desenvolvimento da personalidade.
Esse processo somente pode ser bem sucedido se desenvolvi-
do na liberdade, a qual entende-se, anda junto com a disciplina e a
responsabilidade. As crianças são dotadas de uma compreensão
intuitiva das formas de plenitude pela atividade independente.
As crianças parecem ter a sensação de seu crescimento interior, a cons-
ciência das aquisições que fazem desenvolvendo-se a si mesmas. Elas
manifestam exteriormente, por uma expressão de felicidade, o cres-
cimento que se produziu nelas. (Montessori, 1976, p. 92)
Na maior parte dos exemplos que forneceu para ilustrar essa
ideia, Montessori fala da grande satisfação manifestada pelas cri-
anças pelo fato da plenitude que alcançaram de maneira indepen-
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dente. Conclui que “essa tomada de consciência sempre crescente
favorece a maturidade. Se damos a uma criança o sentimento de
seu valor, ela se sente livre e seu trabalho não lhe pesa mais”
(Montessori, 1966, p. 40).
Considerada sob esse ângulo, a liberdade é aquilo a que é pre-
ciso primeiramente renunciar, e, então, reconquistar progressiva-
mente para a realização de si. Sendo todos os indivíduos solidários,
eles só podem, portanto, chegar à realização de si na independên-
cia. Esse processo é inteiramente consciente, e requer a mobilização
de todas as faculdades do indivíduo, reforçando-as. Essa realiza-
ção de si conduz no fim das contas à autoeducação, que é a verda-
deira finalidade. A reflexão, a concentração meditativa, mas tam-
bém um esforço intenso são indispensáveis para tentar resolver os
problemas postos pelo material didático.
Chegamos ao que Maria Montessori entendia por “espírito ab-
sorvente”, que constitui, com o da “normalização”, em um dos
conceitos fundamentais de seu sistema. Conforme a sua terminolo-
gia de inspiração médica, ela chamava as crianças de “embriões inte-
lectuais”. Ressaltava com isso que, por um lado, as crianças estão
engajadas em um processo de desenvolvimento, por outro, o de-
senvolvimento intelectual e o desenvolvimento físico são paralelos.
As crianças são, desde o começo, seres dotados de inteligência. No
entanto, durante o primeiro estágio de desenvolvimento, após o nas-
cimento, o aspecto físico predomina, ainda que as necessidades fun-
damentais só possam ser satisfeitas se o ser intelectual que está na sua
origem é reconhecido e aceito.A criança vai então ser cuidada após
o seu nascimento, considerada antes de tudo como um ser dotado
de uma vida psíquica”. (Montessori, 1972, p.61)
A educação das crianças deve ser conduzida de maneira
equilibrada desde o começo, caso contrário, as primeiras impres-
sões produzem maneiras deformadas ou falseadas de compreen-
são, de expectativa, de comportamento, que depois se perpetuam.
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Essas primeiras impressões não são somente gravadas permanen-
temente no espírito das crianças, resultam também no desenvolvi-
mento de estruturas, de esquemas, em função dos quais todas as
experiências posteriores são confrontadas e assimiladas.
As crianças são desde o nascimento naturalmente abertas ao
mundo. Por isso, elas correm constantemente o risco de se perder,
diferentemente dos animais que têm um estoque de reações instinti-
vas que lhes garante um desenvolvimento apropriado; por outro
lado, os animais não são livres porque a liberdade não é um estado
natural, mas uma condição a ser conquistada. “O homem, diferen-
temente dos animais, não têm movimentos coordenados fixos; deve
construir tudo sozinho” (Montessori, 1972, p. 67). Sob esse aspecto,
podemos encontrar certa analogia entre as ideias de Maria Montessori
e a antropologia moderna. Antropologia pedagógica (Milão, 1910) é a
primeira obra que ela consagrou a esse tipo de questões.
Quando ela fala da “vida psico-embrionária”, recorre a uma
analogia com o “embrião físico” a fim de ressaltar que o mundo
intelectual do indivíduo deve igualmente ser construído progressi-
vamente por meio de impressões e experiências. O meio – e a
maneira como ele é organizado para preencher sua função educativa
– é, portanto, tão importante quanto a alimentação do corpo du-
rante o período pré-natal.
O primeiro passo da educação é prover a criança de um meio que lhe
permita desenvolver as funções que lhes foram designadas pela natu-
reza. Isso não significa que devemos contentá-la e deixá-la fazer tudo
o que lhe agrada, mas nos dispor a colaborar com a ordem da natureza,
com uma de suas leis, que quer que esse desenvolvimento se efetue
por experiências próprias da criança. (Montessori, 1972, p. 82)
O “espírito absorvente” é ao mesmo tempo a capacidade e a
vontade de aprender. Isso quer dizer que o espírito é orientado
rumo aos acontecimentos do mundo ao redor, em harmonia com
esses acontecimentos, a tal ponto que em relação à diversidade, os
aspectos que têm um valor educativo diferem de acordo com
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cada caso particular: “[...] em todos, o desenvolvimento físico pre-
cede as aventuras da vida” (Montessori, 1972, p. 69). O importan-
te, é que as impressões recebidas e a abertura mental andem juntas,
de forma que os imperativos do processo de aprendizagem
correspondam às sensibilidades e às tendências naturais de cada
fase do desenvolvimento.
Estreitamente ligada a esses conceitos antropológicos está a
ideia de “períodos sensíveis”. Trata-se de períodos de maior
receptividade do ponto de vista do aprendizado por interação
com o meio. Segundo essa teoria, existem períodos determinados
durante os quais a criança está naturalmente receptiva a certas in-
fluências do meio, que a ajudam a dominar certas funções naturais
e a atingir uma maior maturidade. Existe, por exemplo, períodos
sensíveis para o aprendizado da linguagem, o domínio das rela-
ções sociais etc. Se lhes consentimos a atenção que convém, eles
podem ser explorados para promover períodos de aprendizagem
intensa e eficaz. Senão, as possibilidades que oferecem são para
sempre perdidas.
O desenrolar harmonioso do desenvolvimento interior e ex-
terior pode produzir igualmente uma independência ampliada:
Se nenhuma síndrome de regressão se revela, a criança manifestará
tendências muito claras e muito fortes em direção à independência
funcional [...] Em cada indivíduo está em curso uma força vital que o
leva a procurar a realização de si. Percy Nunn chamava essa força de
hormico. (Montessori, 1952, p. 77)
Isso explica igualmente por que Montessori colocava tanta es-
perança em uma reforma da educação conforme as suas ideias.
Para ela, a educação do “homem novo” devia começar com a cri-
ança, que carrega o gérmen. Tão grandes eram as suas esperanças
que ela estava convencida de que aí estava o caminho da salvação.
Ela acreditava igualmente na renovação e na conquista da perfeição:
Se a salvação vem, começará pelas crianças, já que elas são as criadoras
da humanidade. As crianças são investidas de poderes não conheci-
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dos, que podem ser as chaves de um futuro melhor. Se queremos
verdadeiramente uma renovação autêntica, então o desenvolvimen-
to do potencial humano é a tarefa que deve ser atribuída à educação.
(Montessori, 1952, p. 52)
Essa fé no potencial humano – reforçado ainda pelo “espírito
absorvente”, quando os métodos pedagógicos adequados são uti-
lizados – é uma das pedras angulares da teoria da educação de
Maria Montessori. O segundo ponto importante é a vontade de
influir sobre esse processo, num espírito de responsabilidade cien-
tífica, e de descobrir os pontos fracos e os momentos decisivos
do desenvolvimento da personalidade a fim de melhor conduzi-
lo. Segundo Montessori, esse processo não é linear, é antes dinâmi-
co, pontuado de “explosões” – despertares, revelações, transfor-
mações, sínteses criativas – que o levam a novos níveis de evolu-
ção do qual não podemos nem mesmo pressentir a natureza. Ela
escreve sobre isso: “O desenvolvimento é uma série de nascimen-
tos sucessivos”. (Montessori, 1952, p.16)
Sua própria vida e a evolução de suas ideias foram governa-
das por encontros, inspirações e experiências de renascimento: seus
encontros com pessoas cujas preocupações lhe eram próximas
foram frequentemente mais determinantes do que a adesão a teo-
rias estabelecidas. Sua grande produtividade se explica, em última
análise, pela ação do princípio “hôrmico” na sua vida e no seu
pensamento. Ela quis exercer sobre o mundo certa influência com-
binando harmoniosamente a teoria e a prática; procurou na práti-
ca a confirmação de suas teorias e elaborou sua prática em con-
formidade com os princípios científicos, atingindo assim a perfei-
ção: essa é a razão do sucesso reconhecido das concepções
educativas de Maria Montessori.
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ANTONIO GRAMSCI
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DE
MONTESSORI NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Introdução
Tecer considerações sobre a influência de Maria Montessori
na educação brasileira exige que revisitemos a história das teorias
que têm norteado a educação em nosso país. Isto porque Maria
Montessori se insere no movimento da Escola Nova, que visou
superar o modelo de escola tradicional que não havia conseguido
escolarizar a população que adentrava a escola.
Há um entendimento (às vezes equivocado e às vezes intenci-
onal) de que a melhoria da escola e do ensino depende tão somen-
te de questões relacionadas a teorias e métodos, desconsiderando
questões da qualidade de vida da população, do modelo de distri-
buição de renda, do não investimento no profissional da educação
e na organização do ensino e outros.
Essa é uma das razões pelas quais as tentativas de democrati-
zação da escola e do ensino no Brasil pautaram-se quase sempre
em opções por teorias pedagógicas. Poucas vezes uma política
educacional se enuncia com o diagnóstico e a análise da situação
sociopolítica do país, a não ser em casos como o de poucos go-
vernos estaduais e municipais progressistas que, no final da ditadu-
ra militar se propuseram a instaurar uma educação transforma-
dora, como demonstra Cunha (2001).
Também são poucos os estudiosos que consideram o papel
relativo que a escola desempenha na transformação da sociedade,
compreendendo a exigência de condições estruturais objetivas para
a instauração de uma escola efetivamente democrática, em que
Danilo Di Manno de Almeida
Maria Leila Alves
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ANTONIO GRAMSCI
todos, e não apenas parte dos cidadãos, tenham acesso à cultura
elaborada pelo conjunto da sociedade.
Para recuperar brevemente a história das teorias da educação
no Brasil, como referência teórica para a análise que estamos de-
senvolvendo, lançamos mão de um estudo clássico “As teorias da
educação e o problema da marginalidade”, de Dermeval Saviani,
um dos estudiosos a que nos referimos, que aborda o papel rela-
tivo que a escola desempenha nos processos históricos de trans-
formação social. Seu ponto de partida, nesse estudo, tem a inten-
ção de caracterizar o que é considerado marginal nas teorias
funcionalistas da educação, que vão se sucedendo na história brasi-
leira – a exemplo do que ocorreu em outros países – todas elas
teorias não críticas, uma vez que têm como pressuposto que a
superação das desigualdades sociais depende basicamente da es-
cola, ou melhor, têm como pressuposto de que o papel da escola
é exercer uma função equalizadora na sociedade.
Como na pedagogia tradicional, de acordo com a análise de
Saviani, o marginal é o ignorante, acreditava-se que a escola, desem-
penhando o seu papel de difusora dos conhecimentos, combateria a
ignorância, democratizando dessa forma a sociedade. Nessa peda-
gogia o saber é centrado no professor e transmitido ao aluno, um
receptor passivo que, fazendo uso, principalmente dos recursos de
sua memória, devolve os conhecimentos dominados por ele nas
avaliações e provas pelas quais passa necessariamente em seu processo
de escolarização. Isso delineia o formalismo escolar em que a disci-
plina imposta, o não questionamento da matéria estudada, a não
exigência de uma relação dinâmica com os conteúdos do currículo
escolar resulta no silenciamento do estudante e na atuação meramen-
te reprodutiva do professor, que também não diz a sua palavra.
Já a pedagogia da Escola Nova, propondo superar os pro-
blemas da pedagogia tradicional – que efetivamente não dava mos-
tras de alcançar um desenvolvimento social mais igualitário pela
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COLEÇÃO EDUCADORES
ação da escola – e mantendo a crença no poder equalizador da
escola, emerge oficialmente no cenário educacional brasileiro com
o Manifesto dos Pioneiros da Educação, em 1932 (acompanhan-
do também um pouco tardiamente o movimento de países eco-
nomicamente mais avançados). Nesta pedagogia é considerado
marginal o desajustado. No contexto emergente da filosofia da
existência, a psicologia diferencial ganha fôlego, vindo a exercer
um papel significativo no encaminhamento do processo pedagó-
gico, ao considerar as diferenças mais do que as semelhanças entre
os estudantes, como princípio organizador do ensino
8
. Incluir os
marginais significava, pois, respeitar os aspectos existenciais de vida
de cada ser humano, e assim, as diferenças entre os alunos passa-
ram a ser a referência principal a ser considerada no processo de
ensino-aprendizagem. Nessa pedagogia, a questão central é o ajus-
tamento dos estudantes, deslocando-se conforme Saviani:
o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do
aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os
métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do
esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do
diretivismo para o não diretivismo; da quantidade para a qualidade;
de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência lógica
para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principal-
mente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-
se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é
aprender, mas aprender a aprender (Saviani, 2000, p. 9).
8
Em outro estudo denominado “Escola e democracia I: a teoria da curvatura da vara”,
publicado no mesmo livro do texto que estamos discutindo, Saviani, em um movimento
de radicalização, toma emprestada a metáfora utilizada por Lênin e faz uma comparação
entre o método tradicional e os métodos novos. Para isso, elabora três teses que
atribuem ao primeiro, que se fundam na concepção filosófica essencialista, todas as
virtudes, e aos últimos, que se fundam em uma concepção filosófica que privilegia a
existência sobre a essência, todos os vícios.Tempos depois, escreve “Escola e demo-
cracia II: para além da teoria da curvatura da vara”, estudo publicado no mesmo livro, em
que procura voltar a vara para a posição normal, resgatando as virtudes dos métodos
novos. Para saber mais consultar “Escola e democracia” (Saviani, 2003).
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ANTONIO GRAMSCI
Embora o problema que estamos analisando se situe na pas-
sagem da “pedagogia tradicional” para a “pedagogia nova”, con-
forme explicitado, o fato de convivermos, no cotidiano escolar,
com uma miscelânea das várias teorias tratadas nesse estudo de
Saviani, para fins de clareza e de compreensão mais ampla, não
ficamos apenas nessas duas pedagogias já tratadas, mas trazemos a
seguir, brevemente, os novos elementos que se sucedem em sua
análise das teorias da educação.
Compondo ainda o rol das teorias não críticas emergiu, a se-
guir, a “pedagogia tecnicista” que respondeu a outro momento do
modo capitalista de produção, na qual se entende que o modelo de
produtividade da fábrica deve ser copiado ipsis literis pela educação
escolar. Nessa pedagogia, o marginal é o improdutivo, que se torna
o foco dos novos procedimentos pedagógicos. A hipótese que norteia
essa pedagogia é que a escola deve tornar todos os indivíduos pro-
dutivos em busca do desenvolvimento social igualitário.
É importante chamar a atenção para o fato de que embora
essa pedagogia esteja em plena vigência
9
, no modelo pedagógico
dos novos tempos – os tempos de globalização hegemônica –, o
tecnicismo assume formas mais sutis, como a de exortar as com-
petências em nível ideológico, exortação esta que assumida inte-
gralmente pela mídia, tem atingido a maioria da população.
Saviani discute também, no referido texto, as teorias crítico-
reprodutivistas, que denunciam as formas de que a sociedade ca-
pitalista lança mão para garantir a sua continuidade, elegendo para
sua análise, a teoria de Althusser sobre o sistema de ensino enquanto
9
A grande aspiração das empresas privadas em geral, e da escola, em particular, é
conseguir ser reconhecida e pontuada como instituição de qualidade total. As escolas
classificadas conseguem, com certeza, garantir essa qualidade em seus processos
administrativos. A qualidade do ensino, em parte, pode se aprimorar em estabelecimen-
tos que desenvolvem processos administrativos mais organizados, mas, apesar disso, a
aprendizagem dos alunos, nessas instituições, em grande parte, tem sido garantida com
auxílios externos – dentre os mais utilizados – as aulas particulares, garantidas pelas
famílias dos alunos, e não por efeito da qualidade total da instituição.
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COLEÇÃO EDUCADORES
violência simbólica; a teoria da escola enquanto aparelho ideológi-
co do Estado, de Bourdieu e Passerón, que demonstram como a
classe dominante inculca suas verdades na cabeça dos dominados
como forma de preservar a dominação e a teoria da escola dualista
desenvolvida por Baudelot e Establet, que analisa o fato de que
mantendo duas redes de escolarização – a rede secundária-superior
e a rede primária-profissional, a primeira para as classes privilegiadas
e outra para as classes subalternas, somente a classe dominante se
apropria da cultura de elite.
Considerando que a crença ingênua das teorias não críticas e a
descrença total das teorias crítico-reprodutivistas no poder da insti-
tuição escolar a favor ou contra as mudanças, objetivamente não
consideram as potencialidades da escola para a transformação social,
Saviani esboça, apoiado em Gramsci, a teoria crítico-social dos con-
teúdos, que considera a importância do patrimônio social da huma-
nidade na formação dos cidadãos, de forma a construir uma nova
hegemonia.
Em que pese o fato de as opções pelas teorias pedagógicas
presentes nas orientações oficiais das políticas educacionais brasi-
leiras centrarem-se quase que exclusivamente nas teorias não críti-
cas, mesmo estas, longe de transformarem significativamente as
práticas pedagógicas, são assumidas pelo discurso formal e de-
pois de um período de “modismo pedagógico”, aquietam-se por
força da resistência dos professores, resistência muitas vezes sá-
bias, e muitas vezes, representando posicionamentos que jogam
contra os interesses de seus parceiros - os alunos, e contra seus
próprios interesses, em direção à conquista da qualidade social da
escola. Como afirma Arroyo (2001) a escola é uma instituição
pesada e lenta que se presta muito pouco às vontades políticas
revolucionárias. Em suas palavras: “Há uma cultura escolar e pro-
fissional que é muito difícil de mudar. A escola é mais forte do que
todos os nossos sonhos. Por isso, mexer na estrutura da escola é o
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ANTONIO GRAMSCI
grande desafio. Na escola que está aí com sua história e sua cul-
tura.” (Arroyo, 2001, p. 277)
No entanto, como afirmamos anteriormente o que se preten-
deu realçar nessa breve digressão histórica das teorias da educação
é o processo de passagem da pedagogia tradicional para a peda-
gogia nova.
O movimento da Escola Nova instaurado em nosso país (mais
no discurso que na prática, pelo menos no que se refere às redes
públicas de ensino) se contrapôs radicalmente às práticas pedagó-
gicas tradicionais que Paulo Freire denominou de “pedagogia ban-
cária”. Esse movimento, embora eivado de contradições, tanto no
âmbito do próprio movimento, como na produção teórico-práti-
ca de Maria Montessori, certamente alicerçou os princípios e pro-
postas da educadora em sua vasta e detalhada metodologia cientí-
fica elaborada inicialmente para o trabalho com crianças conside-
radas “anormais” e utilizada nas Casa dei Bambini com crianças
abandonadas e, posteriormente, estendendo-se para as demais cri-
anças, para outros níveis de ensino e paradoxalmente, provavel-
mente impulsionadas pelas condições matérias privilegiadas, para
as instituições privadas.
A influência de Maria Montessori na educação brasileira
Segundo o historiador Cambi (1999, p. 475), as doutrinas de
Montessori “tiveram mais influências no exterior do que na Itália,
onde encontraram forte resistência, em consequência da hegemonia
idealista na cultura filosófica e pedagógica”.
Contrastava a esse idealismo o positivismo de suas ideias. O estu-
do experimental da natureza da criança a que se dedicou Montessori
oferece as bases ao seu método, no qual como explicita Cambi:
dá ênfase, em particular, às atividades senso-motoras da criança, que
devem ser desenvolvidas seja por meio de ‘exercícios da vida prática’
(vestir-se, lavar-se comer etc.) seja por meio de um material didático
cientificamente organizado (encaixes sólidos, blocos geométricos,
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COLEÇÃO EDUCADORES
materiais para o exercício do tato, do senso cromático, dos ouvidos
etc.) (Cambi, 1999, p. 531).
A inspiração das primeiras obras de Montessori ancora-se nos
princípios dogmáticos do pensamento positivista, como afirma
Cambi (1999, p. 475). Apesar disso, contraditoriamente, Montessori
defende a autoformação das crianças. De fato, comenta Cambi:
nas “Casas das Crianças” a criança não é guardada ou educada, mas
preparada para um livre crescimento moral e intelectual, através do
uso de um material científico especialmente construído e a ação das
professoras que estimulam e acompanham o ordenamento infantil
e o crescimento da criança, sem imposições ou noções, antes favore-
cendo o desenvolvimento no jogo, por meio do jogo... (Cambi,
1999, p. 496).
Além do estudo experimental da natureza da criança, Montessori
desenvolveu também reflexões mais gerais sobre a educação, discu-
tindo o papel formativo do ambiente, a concepção da mente infan-
til como “mente absorvente” e o princípio de “liberação da cri-
ança” do universo opressor dos adultos, embora nos lembre que:
A criança deve desenvolver livremente suas próprias atividades para
amadurecer suas próprias capacidades e atingir o comportamento
responsável, mas tal liberdade para Montessori, não deve ser con-
fundida com o espontaneísmo. (Cambi, 1999, p. 532)
A presença da obra de Montessori no Brasil
As informações históricas sobre a inserção do método de
Maria Montessori no Brasil são escassas. Para discutir essa inserção,
lançamos mão das informações encontradas no livro de Gersolina
Antonia Avelar Renovação educacional católica: Lubienska e sua influência
no Brasil (1978), como também das encontradas no livro Introdução
ao estudo da Escola Nova (1978), do grande divulgador do movi-
mento da Escola Nova no Brasil, Lourenço Filho.
Avelar (1978), tratando da influência de Lubienska na educação
brasileira, lembra que são muitas as escolas que aplicam o método
Montessori-Lubienska no país e que todos os anos o Instituto Pe-
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ANTONIO GRAMSCI
dagógico Maria Montessori e a Escola Experimental Irmã Catarina
preparam, em São Paulo, novos professores especializados na edu-
cação montessoriana.
Segundo essa estudiosa, não foi em 1955, com a primeira Se-
mana Pedagógica dirigida por Pierre Faure, que chegou ao Brasil o
método Montessori. Considerando D. Carolina Grossamann como
a fundadora da primeira escola montessoriana no Brasil, informa
que ela, em 1935, fundou em São Paulo, o Jardim Escola São Paulo.
No entanto, Avelar lembra que, vinte anos antes, já em 1915, o
Dr. Miguel Calmon Dupin e Almeida divulgou as ideias de
Montessori na Bahia, com a palestra intitulada “As promessas e os
resultados da pedagogia moderna”, sendo que, posteriormente,
obteve da educadora italiana autorização para que se publicasse no
Brasil sua obra A pedagogia científica: a descoberta da criança, em 1924.
Outro dado importante que Avelar traz é que, entre 1925 e
1930, a professora italiana Joana Scalco, radicada em Curitiba, tro-
cou correspondência com Montessori e insistiu junto aos órgãos
oficiais para que se implantasse experimentalmente escolas
montessorianas no Brasil
10
.
Dentre outros dados históricos sobre Maria Montessori que
Avelar informa no referido livro, constam informações de que,
em junho de 1950, foi fundada, na cidade do Rio de Janeiro, a
Associação Montessori no Brasil, pela professora Piper de Lacerda
Borges Almeida; enquanto que, em São Paulo, alunos da Escola
Normal Anhanguera enviaram uma carta à educadora, por oca-
sião do seu octogésimo aniversário, carta esta que foi publicada
pela Revista da Educação, em 1951.
Já Lourenço Filho faz menção à professora Armanda Álvaro
Alberto que, inspirada inicialmente em Maria Montessori, organi-
zou, na década de 1920, na Escola Regional de Meriti, aquilo que
10
Avelar se refere ao fato que a Revolução de 1930, entre uma série de outros obstácu-
los, impediu que o governo enviasse uma professora brasileira para se especializar com
Montessori na Itália, para iniciar a experiência montessoriana no Brasil.
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COLEÇÃO EDUCADORES
“parece ter sido no Brasil a mais completa experiência de educa-
ção renovada pela intenção socializadora, os procedimentos didá-
ticos e a cooperação da família na obra da escola” (Lourenço
Filho, 1978, p. 176).
Efetivamente, foram empregados nesta escola procedimen-
tos visivelmente montessorianos, como a “disseminação dos co-
nhecimentos de higiene e educação doméstica”; ou endossados os
“processos ativos” no cotidiano escolar, Porém, convém destacar
aqui a compreensão mesma do aporte montessoriano. Armanda
Alberto dirá, na Conferência Nacional de Educação (Curitiba,
1927), que os métodos educativos,
dos Estados Unidos, da Itália, desde que se baseiam na liberdade, que
consente a plena expansão da individualidade, e no trabalho que leva a
criança a observar, a experimentar, a descobrir por si – são os únicos
dignos de serem adotados hoje em dia (Alberto, 1927, p. 177).
No entanto, o requinte do método montessoriano, que deman-
da material especializado, formação de professores para sua aplica-
ção, espaço amplo e adequado para as atividades propostas, encon-
trou condições de inserção, quase somente nas escolas privadas des-
tinadas às classes mais favorecidas da sociedade brasileira. A própria
Armanda Alberto tinha clareza disso, pois, segundo ela, “sem a inici-
ativa particular, o Brasil não resolverá tão cedo o problema da edu-
cação de seu povo, simplesmente porque faltam à União e aos Esta-
dos os recursos financeiros suficientes” (Alberto, 1927, p. 177).
Aplicada para as classes mais desfavorecidas da Itália, o método
montessoriano não encontrará condições objetivas para atender a essas
camadas no Brasil. Armanda Alberto refere-se a esta questão afirmando
em sua comunicação que “a escola regional de Meriti tem por máxima
aspiração ser reproduzida em todo o país. Que os fazendeiros, os
industriais, os capitalistas, fundem escolas para os filhos de seus co-
lonos, sitiantes, operários, empregados” (Alberto, 1927, p. 177).
Objetivamente, como já vimos, as propostas da Escola Nova só
atingiram significativamente a rede privada de ensino.
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ANTONIO GRAMSCI
Divergindo de seu propósito inicial, a disseminação do méto-
do montessoriano no Brasil se fez, efetivamente, na rede privada e
para as classes mais abastadas. Podemos nos deparar, indo pelos
bairros mais aquinhoados das grandes cidades, com escolas de
educação infantil e primeiras séries do ensino fundamental que tra-
zem o nome de Montessori ou indicam, em letras garrafais, que
nelas o ensino se desenvolve no método montessoriano.
Essas escolas estão situadas principalmente nas capitais dos
estados brasileiros e em algumas grandes cidades. Em 2009, esta-
vam espalhadas pelo Pará (1), Maranhão (3), Piauí (1), Pernambuco
(1), Alagoas (1), Bahia (9), Minas Gerais (3), Mato Grosso do Sul
(2), São Paulo (8), Rio de Janeiro (9), Paraná (1), Santa Catarina (4),
Rio Grande do Sul (3) e Distrito Federal (3)
11
.
Poucas, no entanto, são as experiências do método Montessori
em redes públicas de ensino. Com o título “Montessori diante
dos problemas da educação hoje” Maria Augusta Faitarone rea-
lizou sua dissertação de Mestrado, no Programa de Mestrado
em Educação da Unimep, tendo como objeto da pesquisa a rede
de escolas municipais de educação infantil de Valinhos, SP, esco-
lhida porque, desde 1973, a Secretaria de Educação desse muni-
cípio implantou o Sistema Montessori em suas escolas. Seu estu-
do tratou, pois, de duas décadas de história, o que viabilizou o
exame de processos e de resultados em situação prática. Consta-
tou que a experiência consolidou-se em função do tempo de-
corrido. Sem desconsiderar o perigo de otimismo pedagógico
que cria “milagres” inexistentes no campo educacional, a autora
expressa a convicção de que as dificuldades na consecução dos
objetivos educacionais talvez pudessem ser minoradas com a
retomada das propostas filosófico-metodológicas de Maria
Montessori.
11
Segundo nos informa a Organização Montessori no Brasil (ver: <http://www.omb.org.br/>).
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COLEÇÃO EDUCADORES
Quando se visita as escolas ou quando se frequenta os cursos
oferecidos pelas mesmas, pode-se constatar que elas mantêm,
irrepreensivelmente, muitas das práticas desenvolvidas pela educa-
dora italiana. Notamos, também, que a metodologia montessoriana
tem se mesclado, em algumas de suas escolas, com propostas atuais,
como por exemplo, as inspiradas na psicogênese da língua escrita,
desenvolvidas por Emilia Ferreiro e Ana Teberoski, para orientar
a inserção das crianças no mundo da escrita.
No artigo “O ingresso à cultura letrada: seu processo no ensi-
no montessoriano” Márcia Righetti, diretora da Aldeia Montessori
– Instituição montessoriana de educação, situada no Rio de Ja-
neiro – analisa que a educadora italiana considera o processo da
leitura e da escrita como o caminho das representações do mun-
do, que a criança faz, do real ao ortográfico. Analisa ainda as
congruências de pensamento que existem entre Montessori, Fer-
reiro e Piaget, considerando que a psicogenética reafirma duas das
posições fundamentais de Montessori: autoeducação e educação
como ciência. Em suas palavras:
Tanto Maria Montessori como Piaget e Ferreiro têm como foco de
trabalho a criança, o sujeito que aprende, que constrói o seu próprio
conhecimento a partir da forma como interage e absorve do ambien-
te os estímulos que dão consistência a este processo, transformando-
os em aprendizagens, na Revista OMB, setembro de 2003
12
.
No entanto, pode-se afirmar, que esta não é a leitura que fazem
muitas das escolas que adotam o Método Montessori, as quais lançam
mão dos mais rudimentares e fragmentados processos de treinamen-
to
13
, contrariamente tanto à inspiração do construtivismo piagetiano,
12
Ver: <www.omb.org.br>. Acesso em: 06 out. 2009.
13
Atuando como professores do curso de pedagogia da Universidade Metodista de São
Paulo, temos tido acesso a essas informações em orientações de trabalhos de conclusão
de curso, como também em processos de acompanhamento de estágio.
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ANTONIO GRAMSCI
no qual se ancora a psicogênese da língua escrita, como também às
prescrições da própria Montessori para o ensino da escrita
14
.
Para aprofundar um pouco mais a discussão sobre a relação
entre Montessori e Piaget, tomemos um estudo experimental de na-
tureza comparativa, chamado “Influência do método Montessori na
aquisição da noção de seriação“ (Guirado et al., 1978). Esse estudo
parte da constatação de que, recentemente, tem havido interesse cres-
cente de estudiosos em relacionar a produção teórica desses dois
cientistas. Esse interesse, no entanto, tem se mostrado essencialmente
especulativo, havendo poucos trabalhos de natureza experimental.
Por essa razão, Marlene Guirado e outros pesquisadores do mencio-
nado estudo, procuram comparar o desempenho operatório, numa
prova de noção de seriação de crianças provindas de dois meios
escolares. Um grupo composto pela metade da amostra é caracteri-
zado por crianças de escolas de orientação montessoriana e outro
grupo, por crianças de escolas que seguem outras orientações. Todas
as crianças da amostra frequentavam pré-escolas e eram equiparáveis
de acordo com as idades (6, 7, 8, ou 9 anos) e nível socioeconômico.
Os resultados obtidos trazem elementos que corroboram as
críticas feitas por Piaget ao método Montessori, no sentido de que
suas atividades estão mais voltadas ao aperfeiçoamento do desem-
penho com materiais do que à aquisição de estruturas operatórias.
Em outra revista da Organização Montessori do Brasil (OMB),
intitulado “Maria Montessori: conhecendo fundamentos, derru-
bando mitos” (abril, 2007) Edimara de Lima, referindo-se ao fato
de que os documentos do Ministério de Educação no Brasil, cal-
cados na experiência da reforma espanhola, recomendam a utili-
zação de ciclos, a utilização de classes multi-idades ou agrupadas,
ou multisseriadas, afirma que estes são preceitos montessorianos
14
Observar, na antologia de Maria Montessori que vem logo a seguir, neste volume, as
manifestações da educadora, principalmente as contidas no número 12: “A linguagem, a
escrita e a leitura”. A antologia foi extraída dos livros Pedagogia científica: a descoberta
da criança e A criança.
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COLEÇÃO EDUCADORES
que vigoram há 100 anos: “Passado um século, muitos ainda veem
nesta forma uma revolução tão transformadora que a acham im-
possível”
15
(OMB, 2007, p. 12). E. mais adiante, pode-se ler:
Os procedimentos do aprender, tão explorados pelos teóricos espa-
nhóis, são exaustivamente utilizados nas salas montessorianas. O
aprender a ‘fazer’ sempre foi valorizado pela sala montessoriana; nas
nossas escolas não existe a desqualificação do trabalho manual e todas
as competências são igualmente desenvolvidas (OMB, 2007, p. 12).
Como se pode perceber, os seus argumentos realçam a im-
portância das contribuições de Montessori, colocando-a como
precursora de muitos dos procedimentos que compõem as reco-
mendações das nossas políticas educacionais atuais.
As questões acima discutidas merecem ser problematizadas mais
profundamente, visto que temos que levar em conta os limites im-
postos pelo contexto científico-cultural de mais de um século à pro-
dução pedagógica de Maria Montessori. Considere-se que tal como
são entendidos hoje os agrupamentos heterogêneos de estudantes,
recomendados pelas políticas atuais como estratégias pedagógicas,
visam primordialmente potencializar a interação, a atividade conjun-
ta, a troca de ideias e de experiências, a troca de conhecimentos, o
que o ensino individualizado, prescrito na metodologia montessoriana,
não intenciona potencializar. Também o “aprender a aprender” a
que se refere Lima, não contempla em Maria Montessori o ângulo
interativo do trabalho em conjunto das crianças, do trabalho parti-
lhado entre elas, da produção coletiva.
As mãos e o tapete: o corpo no método montessoriano
Finalizando a nossa apresentação, faremos uma breve referên-
cia ao tema do corpo na obra montessoriana.
Esse enfoque sobre a temática do corpo nesta metodologia
parece ser importante para nos ajudar a perceber, por outros ân-
15
Cf. www.omb.org.br. Acesso em 6 de outubro de 2009.
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ANTONIO GRAMSCI
gulos, as condições efetivas da educação, em um país em que a
miséria corporal convive com a formação educacional; em um
país em que a apropriação de pensamentos estrangeiros soa como
toque de salvação...
Há indícios de que uma prática educativa preocupada
prioritariamente com o corpo, como é o caso de Montessori (ati-
vidades sensoriais, movimento da criança, ambiente escolar ade-
quado etc.), nos ajuda a encarar, por ângulos diversos, a questão
educacional – pois não será difícil colocar em evidência alguns
traços corporais de sua metodologia. Dessa forma, nossa estraté-
gia consiste em ver o movimento do corpo, antes de percebê-lo
no momento da execução sistemática e organizada do método. O
que não nos impedirá, contudo, de retomar a questão metodológica,
depois de termos observado o corpo no interior do método.
Efetivamente, a sistematização e organização do método
montessoriano, como vemos nas escolas existentes, deixa apenas
entrever rastros de que o fundamento e a motivação do método
começam com o corpo. A adequação cotidiana de tarefas e ações
escolares, num ritmo que atende às exigências atuais de uma edu-
cação obcecada pela competência, talvez tenha feito obliterar o
traço corporal desta metodologia. Um deslocamento temporal, o
surgimento de concepções teóricas e a mudança de condições eco-
nômicas, sociais, culturais etc., trazem novas compreensões, que
exigiriam respostas que, provavelmente, essa metodologia não
pudesse dar hoje. Contudo, do ponto de vista do corpo – para
além de uma crítica a um possível assistencialismo de Montessori
– o que queremos pôr em destaque, num primeiro momento, é o
tratamento que ela dá ao corpo da criança. E neste aspecto, consi-
derando as condições corporais de seu tempo, talvez a sua contri-
buição educacional ainda tenha muito a nos ensinar... a cuidar e a
curar do/o corpo na educação. E, mais, a estar atentos aos trata-
mentos dados ao corpo no interior das escolas.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Claro, não nos esquecemos de que acabamos de dizer que a
transposição para o Brasil da metodologia montessoriana se fez
em direção às classes mais favorecidas – provocando um desvio
em relação à sua intenção e ação iniciais. Por outro lado, não a
idealizamos, nem preconizamos a adoção contemporânea deste
modelo. Não queremos, com as ultimas considerações, fazer a
revolução classista da metodologia, levando-a aos oprimidos. Nem
desejamos reatualizá-la ou ritualizá-la. Interessa apenas acompa-
nhar em breves tomadas as cenas do corpo em seu método.
Retomemos. Maria Montessori chegou à pedagogia pelo cor-
po. E pelo corpo mais sofrido... corpo deficiente
16
. A temática do
corpo na pedagogia de Montessori retrocede às investigações
médicas dos séculos passados, chegando a J.M. G Itard, médico
que levou as gerações futuras a insistir na tese da educabilidade
dos “deficientes mentais”. Mas, passa antes por Edouard Séguin,
que influenciará Alfred Binet em seu trabalho psicológico e pe-
dagógico sobre os “anormais”
17
. Ambos têm em comum o se-
guinte aspecto: criar um espaço pedagógico e psicológico para o
tratamento dos “anormais” e dos “deficientes”. Embora sendo
médica, Maria Montessori compreendeu que o “deficiente men-
tal” era responsabilidade da educação e não exclusivamente da
medicina. Assim, assumiu a responsabilidade de “colocar em
prática, na perspectiva pedagógica, o fruto das pesquisas, não só
de Binet, mas dos outros nomes importantes da época” (Gaio et
al. 2008, p. 210). A Casa dei Bambini acolherá os corpos “defici-
entes” e dará a eles um tratamento que a exclusiva dimensão
médico-clínica não seria capaz. A ação pedagógica será assumida
16
Ver aspectos da história da Educação Especial na Mesa Redonda PUC/Minas Gerais,
24 a 28 de maio, 2004 . Católica “Educação inclusiva – processos escolares” e o texto de
Fernanda Leal Pantuzzo e Margaret Pires do Couto inclusão ou exclusão: eis a questão:
a inserção dos portadores de necessidades especiais na rede regular de ensino público;
igualmente, ver Mazzota, M. J S. Educação especial no Brasil: histórias e políticas
públicas. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
17
Ver a obra Alfred Binet, nesta coleção.
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ANTONIO GRAMSCI
como “cura pedagógica”. Das mãos dos médicos para as mãos
do educador. A medicalização da educação será atenuada pelo
cuidado pedagógico.
No ambiente escolar, propõe-se um tratamento atento para o
corpo. Atenção com espaço educativo, com o ambiente... Afinal,
trata-se do acolhimento do corpo infantil. Espaço de ações cor-
porais, ginástica, movimento. Questionar “andar sobre a linha”?
Esquecer a sua intenção corporal? Bem mais liberadora do que
constrangedora do corpo, caminhar sobre a linha significaria por
em movimento exercícios de controle de respiração, concentração,
sentido de equilíbrio e, no final das contas, acabaria fortalecendo
os músculos da perna.
Proteção do corpo infantil? A preocupação com a criação de
um espaço em que a criança esteja o mais possível isenta do con-
trole do adulto, seria um sintoma de que o corpo infantil importa
mais do que as ideias adultas sobre as crianças? Seria sob esta pers-
pectiva corporal que devemos entender que “para transformar a
educação, é preciso voltar-se para a criança e não para aquilo que
devemos ensinar a ela”?
Se a mão é vista como “agente de interação entre o espírito
e o corpo
18
, é porque a metodologia alcança a sua finalidade mais
precípua? Revela-se uma preocupação com o corpo o fato de
valorizar o sensorial no manuseio de objetos, que se tornam meios
para o refinamento de cada um dos sentidos?
É preciso dar um passo a mais, adentrado à pratica do méto-
do e não ficar somente na sua motivação. Afinal, esse corpo aco-
lhido, retirado por algumas horas da hostilidade de sua convivên-
cia social italiana, encontrará, apesar de tudo, uma escola, um mé-
todo, uma intenção educacional, um programa.
18
Martin, K. Preparing for Life: Montessori’s Philosophy of Sensory Education. Montessori
Life, v. 5 n. 3 p. 24-27, Summer, 1993. Disponível em: <www.eric.ed.gov/ERICWebPortal/
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49
COLEÇÃO EDUCADORES
E assim, se a manipulação dos objetos não contribui para o
desenvolvimento do pensamento operatório, como vimos, o que
diríamos do desejo infantil, da sua imaginação, da sua paixão?
O corpo no interior da prática pedagógica montessoriana, as-
similado ao método, frequentando diariamente a metodologia, ma-
nipulando objeto após objeto, numa sequência previamente con-
cebida, desejará o quê, no final de um tempo?
A grande questão que fica para nós e para as práticas educacio-
nais montessorianas é a de dar o mesmo espaço para o corpo.
Quando a Casa se abre, ela se abre ao corpo sofrido deficiente. Quando
o método se instaura, o risco é de introduzir outras deficiências para o
corpo acolhido. Como permanecer corpo ao longo do curso escolar?
A dificuldade, portanto, está em garantir que o mesmo calor do
acolhimento do corpo sofrido das crianças seja mantido na aplica-
ção sistemática do método. Nesta pedagogia, poder-se-ia conce-
der ao tapete (objeto utilizado como disciplinador na aplicação da
metodologia) aquilo que se concedeu às mãos (agente de interação
entre mente e corpo)? O tapete também poderia ser algo mais do
que um objeto, submetido ao corpo – e no lugar de limitar o espa-
ço para o corpo, servir ao corpo, permitindo que esse explorasse
todas as suas potencialidades? No lugar de manipulação de objetos
(encaixes, blocos, bastões), viria a interação do corpo com os obje-
tos, rompendo os limites da metodologia. Ora, não é a isso que se
destina o tapete. Este está assimilado à metodologia. O corpo limi-
tado ao tapete. Mas, diante de um tapete, pode ser que as crianças
também comecem a sonhar. E o tapete do método passe a ser, na
imaginação criativa, um tapete voador...
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ANTONIO GRAMSCI
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COLEÇÃO EDUCADORES
TEXTOS SELECIONADOS
Produzimos esta antologia de textos de Montessori a partir de
duas obras que consideramos as mais importantes no conjunto de
seus escritos, ou seja, os estudos que abordam, detalhadamente, os
princípios e propostas de sua pedagogia. Trata-se de Pedagogia cien-
tífica*: a descoberta da criança e de A criança.
A escolha dos trechos e sua distribuição em eixos temáticos
tiveram a intenção de rastrear, nesses dois livros, os trechos em
que a autora explicita mais claramente suas posições pedagógicas,
de forma que a antologia possa trazer, para quem a ler, uma per-
cepção mais detalhada de suas opções metodológicas.
Os eixos temáticos encontrados, nem todos eles presentes nas
duas obras, são os seguintes: 1) A pedagogia científica; 2) Antece-
dentes do método; 3) A descoberta da infância; 4) O ambiente da
escola; 5) Liberdade e disciplina; 6) A saúde da criança; 7) A livre
escolha; 8) O desenvolvimento dos sentidos da criança; 9) Os exer-
cícios e as lições; 10) O educador; 11) A observação da criança; 12)
A linguagem, a escrita e a leitura 13) O desenvolvimento da criança.
Os trechos selecionados e a sua distribuição em eixos temáticos
tiveram a intenção de rastrear, nesses dois livros, fragmentos em que
a autora explicita mais claramente suas posições pedagógicas, de
forma que a antologia mostre ao leitor, de modo mais detalhado, as
opções metodológicas da autora.
MONTESSORI, M. Pedagogia científica: a descoberta da criança. Tradução de Aury
Azélio Brunetti. São Paulo: Flamboyant, 1965.
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ANTONIO GRAMSCI
1. A pedagogia científica*
1.1 Não pretendemos apresentar um tratado de pedagogia cien-
tífica; estas notas não têm outra finalidade senão a de expor os resul-
tados de uma experiência que abriu, aos novos métodos, uma via
prática. Esses métodos presumem dotar a pedagogia de uma utili-
zação mais ampla das experiências científicas sem, contudo, afastá-la
dos princípios especulativos que lhe constituem as bases naturais.
A psicologia fisiológica – ou experimental – que, de Weber e
Feschner a Wundt e Binet, erigiu-se em nova ciência, parecia destinada
a esclarecê-la, como anteriormente a fisiologia esclarecera a pedagogia
científica. E a antropologia morfológica, aplicada à observação física
dos escolares, surgia como outro ponto cardeal da nova pedagogia.
No início do século, na Itália, escolas de pedagogia científica
prepararam educadores sob orientação de médicos, obtendo gran-
de êxito e, pode-se assim dizer, a adesão de todos os educadores
do país. Assim é que, antes da penetração dos novos métodos na
Alemanha e na França, já as escolas italianas de antropologia inte-
ressavam-se pela observação metódica das crianças durante os
sucessivos períodos de crescimento e pelas medidas tomadas com
instrumentos de precisão.
Sergi, desde 1880, difundia o princípio de que toda uma renova-
ção dos métodos educacionais se imporia em consequência de ob-
servações cientificamente dirigidas. Então, já escrevia: “impõe-se uma
medida urgente: a renovação dos métodos de educação e de instrução.
Lutar por essa causa é lutar pela regeneração do homem” (p. 9).
1.2 [Sergi dizia que] “para a elaboração de métodos naturais,
visando o nosso escopo, são-nos necessárias numerosas observa-
ções exatas e racionais dos homens e, sobretudo, das crianças; é
aqui que devemos situar as bases da educação e da cultura [...]
Tomar as medidas da cabeça, da estatura etc., não é, evidentemen-
te, fazer obra de pedagogia, mas é trilhar a via que a ela conduz,
pois não é possível educar alguém sem o conhecer diretamente”.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A autoridade de Sergi fazia crer que a arte de educar o
indivíduo seria consequência quase natural da experiência ape-
nas, o que induziu os seus discípulos (como ocorre frequente-
mente) a uma confusão de ideias: a confusão entre o estudo
experimental do escolar e a sua educação. E, uma vez que o
estudo experimental surgia como o caminho para atingir a edu-
cação, a antropologia pedagógica foi desde logo denominada
pedagogia científica.
Por essa razão, as escolas ditas de pedagogia científica ensinavam
os educadores a proceder às mensurações antropométricas, a usar os
instrumentos de estesiometria, a recolher os dados de anamnese. As-
sim se formou o corpo dos educadores científicos (p. 10).
1.3 Na França, na Inglaterra e, principalmente, na América,
experimentou-se estudar nas escolas elementares a antropologia e
a psicologia pedagógica, na esperança de obter da antropometria
e da psicometria a renovação da escola. Ao progresso que resul-
tou desse esforço seguiu-se a intensificação do estudo do indiví-
duo - desde a psicologia de Wundt até os testes de Binet - perma-
necendo, contudo, sempre o mesmo equívoco. Além do mais, não
foram propriamente os educadores que se dedicaram a essas pes-
quisas, mas sim os médicos, e estes se interessaram mais pela sua
própria ciência do que pela pedagogia. Os médicos orientaram
mais a sua contribuição experimental no sentido da psicologia e da
antropometria que no sentido, tão esperado, da pedagogia científi-
ca. Em conclusão, jamais o psicólogo ou o antropólogo ocuparam-
se em educar as crianças na escola, como também os educadores
não se tornaram cientistas de laboratório (p. 10).
1.4 Para que a escola pudesse praticamente progredir, era preci-
so, pelo contrário, que houvesse unidade de vistas entre os estudos e
os propósitos, atraindo os cientistas para o nobilíssimo campo da
escola e proporcionando, ao mesmo tempo, aos educadores um
nível cultural mais elevado. Com essa finalidade, fundou-se, em Roma,
uma escola pedagógica universitária, justamente com o intuito de
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ANTONIO GRAMSCI
tirar a pedagogia dos limites de simples matéria secundária da Facul-
dade de Filosofia, - essa era ainda a sua posição na Itália, - para com
ela construir uma Faculdade independente, que abrangeria, como a
Faculdade de Medicina, as mais variadas disciplinas: a higiene peda-
gógica, a antropologia, a pedagogia, a psicologia experimental.
Porém, enquanto essas ciências desenvolviam-se progressivamen-
te, a pedagogia permanecia no mesmo estado filosófico obscuro
em que nascera sem ser atingida e muito menos transformada.
Hoje, entretanto, é o interesse da humanidade e da civilização
que anima os que se preocupam com a educação. Todos os que
deram sua contribuição a essa causa são dignos do respeito da
humanidade civilizada (p. 11).
1.5 [...] pensou-se que, transportando as pedras da dura e árida
experiência de laboratório da antiga e abalada escola, poder-se-ia
reedificá-la. É que a ciência materialista e mecanizada foi olhada
por muitos com demasiada ilusão. Mas, é justamente por se ter
trilhado uma falsa via que se torna necessário ir além para encon-
trar a verdadeira arte de preparar as gerações futuras.
Não é fácil preparar educadores segundo as normas das ciên-
cias experimentais. Mesmo que lhes tenhamos ensinado, com to-
das as minúcias, a antropometria e a psicometria, teremos apenas
fabricado mecanismos cuja utilidade será problemática. Iniciando-
os na experimentação não teremos, certamente, preparado novos
educadores. E, sobretudo, teremos deixado os educadores apenas
no limiar das ciências experimentais, sem os fazer penetrar na par-
te mais nobre e profunda onde se formam os cientistas (p. 11).
1.6 Para edificar uma pedagogia científica é preciso seguir ou-
tra via que não a trilhada até aqui.
Necessário é que a preparação dos professores seja simultânea
à transformação da escola. Preparamos professores capacitados
na observação e na experimentação; é preciso, porém, que encon-
trem, na escola, oportunidade para observar as crianças e aplicar
seus conhecimentos.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Portanto, um ponto fundamental da pedagogia científica deve
ser a existência de uma escola que permita o desenvolvimento das
manifestações espontâneas e da personalidade da criança. Se deve
surgir uma pedagogia do estudo individual do escolar isto somen-
te será possível graças à observação de crianças livres, isto é, de
crianças observadas e estudadas em suas livres manifestações, sem
nenhum constrangimento.
Em vão se aguardaria uma renovação pedagógica decorrente
do exame metódico dos escolares de acordo com a orientação
seguida pela antropologia pedagógica experimental (p. 25).
2. Antecedentes do método
2.1 De modo geral, é de grande importância definir o méto-
do, a técnica; da sua aplicação deve-se aguardar os resultados, que
surgirão da experiência. Assim, uma das características das ciências
experimentais é a de realizar a experiência sem ideia preconcebida
quanto ao seu resultado [...] Nesse momento, o experimentador
deve despojar-se de todo preconceito; e a cultura formalística faz
parte, também, dos preconceitos.
Portanto, se desejamos tentar uma pedagogia experimental,
não devemos recorrer às ciências afins; pelo contrário, estas de-
vem ser momentaneamente esquecidas, de modo que, com a mente
livre, possamos proceder sem nenhum obstáculo à pesquisa da
verdade no campo próprio e exclusivo da pedagogia. Não deve-
mos, pois, partir de ideias preestabelecidas sobre a psicologia in-
fantil, mas sim de um método que permita plena liberdade à cri-
ança, a fim de que possamos descobrir, através da observação das
suas manifestações espontâneas, a sua verdadeira psicologia. E,
talvez, esse método nos reserve grandes surpresas (pp. 25-26).
2.2 Eis, portanto, o problema: estabelecer o método próprio
para a pedagogia experimental. Esse método não pode ser o em-
pregado para as outras ciências experimentais. Muito embora seja
a pedagogia científica integrada pela higiene, pela antropologia e
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ANTONIO GRAMSCI
pela psicologia, constituem essas ciências apenas pormenores no
estudo total do indivíduo a educar.
O presente trabalho trata precisamente do método na peda-
gogia experimental e resulta de minhas experiências realizadas nos
asilos infantis ou nas primeiras classes elementares.
Na verdade, apresento apenas um início do método, que apli-
quei a crianças de 3 a 6 anos de idade. Creio, porém, que esta
tentativa, pelos surpreendentes resultados obtidos, justificará a con-
tinuação e ampliação da obra empreendida (p. 26).
2.3 [...] sendo Assistente de Clínica Psiquiátrica na Universida-
de de Roma [...] interessei-me pelas crianças idiotas recuperadas
no próprio estabelecimento hospitalar. Nessa época, estando a
organoterapia tireoidiana ainda em fase de desenvolvimento, as
diferentes respostas clínicas obtidas com o seu emprego solicita-
vam constante e cuidadosa atenção dos médicos para as crianças
retardadas submetidas a essa terapêutica.
Realizando, em seguida, estágios regulares nos serviços médicos
de hospitais de clínica geral e em ambulatórios de pediatria, tive a
atenção voltada especialmente para o estudo das doenças da infân-
cia. [...] interessando-me pelas crianças mentalmente deficientes, vim
a conhecer o método especial de educação idealizado por Édouard
Séguin para esses pequenos infelizes, compenetrando-me da ideia,
então nascente, admitida mesmo nos círculos médicos, da eficácia
da “cura pedagógica” para várias formas mórbidas, como a sur-
dez, a paralisia, a idiotia, o raquitismo etc. O fato de se preconizar
a união da pedagogia à medicina no campo da terapêutica era a
conquista prática do pensamento da época e nesta direção difun-
dia-se o estudo da atividade motora.
Porém, contrariamente à opinião de meus colegas, tive a intuição
de que o problema da educação dos deficientes era mais de ordem
pedagógica do que médica; enquanto nos congressos médicos de-
fendia-se o método médico-pedagógico para o tratamento e edu-
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COLEÇÃO EDUCADORES
cação das crianças excepcionais, eu apresentava no Congresso Peda-
gógico de Turim, em 1898, um trabalho defendendo a tese da edu-
cação moral. Devo, sem dúvida, ter tocado uma corda muito sensí-
vel, pois esta ideia difundiu-se com a rapidez do relâmpago, passan-
do do meio médico ao círculo do ensino elementar (pp. 27-28).
2.4 [...] durante dois anos, preparei, com o auxílio de colegas,
os professores destinados a observar e educar as crianças excepci-
onais, dentro de novos métodos especiais. Além disso, o que é
mais importante, após ter estado em Londres e em Paris estudan-
do a educação dos deficientes mentais, dediquei-me eu mesma ao
ensino dessas crianças e orientei as educadoras de crianças excepci-
onais do nosso Instituto. Trabalhava muito mais do que uma pro-
fessora elementar, ensinando as crianças, ininterruptamente, das 8
às 19 horas. Esses dois anos de prática constituem, verdadeira-
mente, o meu primeiro título em pedagogia.
Quando, em 1898 e 1900, consagrei-me à instrução das crian-
ças excepcionais, tive logo a intuição de que esses métodos de
ensino não tinham nada de específico para a instrução de crianças
excepcionais, mas continham princípios de uma educação mais
racional do que aqueles que até então vinham sendo usados, pois
que uma mentalidade inferior era suscetível de desenvolvimento.
Esta intuição tornou-se minha convicção depois que deixei a escola
dos deficientes; pouco a pouco adquiri a certeza de que métodos
semelhantes, aplicados às crianças normais, desenvolveriam suas
personalidades de maneira surpreendente.
Foi então que me dediquei a um estudo realmente profundo
desta pedagogia “reparadora”; empreendi o estudo da pedagogia
normal e dos princípios em que se funda, e inscrevi-me como
estudante de filosofia na universidade. Uma grande fé me anima-
va, embora não soubesse se conseguiria algum dia fazer triunfar
minha ideia. Abandonei, pois, todas as demais ocupações como se
fosse preparar-me para uma missão desconhecida (pp. 28-29).
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ANTONIO GRAMSCI
2.5 Os trabalhos pedagógicos de Itard são descrições
minuciosas, muito interessantes, das tentativas e experiências leva-
das a efeito nesse terreno, e deve-se admitir que representam os
primeiros passos no caminho da pedagogia experimental.
Da observação científica, Itard deduziu uma série de exercícios
capazes de modificar a personalidade, corrigindo defeitos que
mantinham determinados indivíduos em estado de inferioridade.
Efetivamente, Itard conseguiu fazer falar e ouvir a crianças
semissurdas, as quais, sem este auxílio, estariam fadadas a perma-
necer para sempre anormais.
Itard pode ser considerado o fundador da pedagogia cientí-
fica, e não Wundt e Binet que são, na realidade, os fundadores de
uma psicologia fisiológica, que pode ser, também, facilmente apli-
cada nas escolas.
Porém, o mérito de ter completado um verdadeiro sistema
educativo para crianças deficientes pertence a Édouard Séguin, que foi
professor e só mais tarde médico. Partindo das experiências de Itard,
Séguin aplicou-as, modificando-as e completando o método, em dez
anos de experiências realizadas com crianças retiradas do manicômio
e reunidas numa pequena escola, à Rue Pigalle, em Paris (p. 29).
2.6 [...] notei o desejo de todos os professores, tanto em Paris
como em Londres, de conhecer novas experiências, de estudar
novos rumos, pois o fato enunciado por Séguin, isto é, que, real-
mente, era possível educar os deficientes aplicando os seus mé-
todos, permanecia praticamente no terreno das quimeras.
Compreende-se facilmente a causa disso, pois persistia a con-
vicção de que as crianças deficientes, por serem inferiores, deveriam
ser educadas com métodos empregados para as crianças normais.
A ideia de que uma “nova educação” surgia no mundo pedagógi-
co ainda não havia conseguido impor-se, nem tampouco se admi-
tia que uma nova educação pudesse elevar as crianças deficientes a
um nível superior. Muito menos se compreendia que um método
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COLEÇÃO EDUCADORES
educativo capaz de elevar o nível mental dos deficientes pudesse,
também, ser utilizado para as crianças normais (p. 31).
2.7 Procedi [...] por minha conta, a novas experiências. Como
não é possível abordá-las todas nesta obra, citarei apenas uma: a
experiência que realizei empregando um método realmente original
para ensinar a ler e a escrever. Este era um ponto falho tanto na
obra de Itard como na de Séguin.
Usando esse método consegui que alguns deficientes do ma-
nicômio aprendessem a ler e a escrever corretamente; mais tarde,
apresentando-se ao exame nas escolas públicas, juntamente com
os escolares normais, obtiveram aprovação.
Tais resultados eram tidos como miraculosos pelos observa-
dores. Eu, porém, sabia que se esses deficientes haviam alcançado
os escolares normais nos exames públicos era, unicamente, por
haverem sido conduzidos por uma via diferente: tinham sido au-
xiliados no seu desenvolvimento psíquico, enquanto as crianças
normais haviam sido, pelo contrário, sufocadas e deprimidas. Eu
acreditava que, se algum dia, esta educação especial, que tão extra-
ordinariamente desenvolvera os deficientes, pudesse aplicar-se ao
desenvolvimento das crianças normais, o milagre espalhar-se-ia
por todo o mundo e o abismo entre a mentalidade dos deficientes
e a dos normais desapareceria totalmente. Enquanto todos
admiravam o progresso dos meus deficientes, eu meditava sobre
as razões que faziam permanecer em tão baixo nível os escolares
sãos e felizes, a ponto de poderem ser alcançados pelos meus
infelizes alunos nas provas de inteligência (p. 33).
2.8 Estando já em dia com os problemas científicos da época
voltava-me agora para novos estudos relacionados com a
psicoterapia. Tinha compreendido que: a educação científica não
se poderia alicerçar sobre o estudo e as mensurações dos indivídu-
os a educar, mas sobre uma ação permanente, capaz de modificá-
los. [...] Séguin, com meios analíticos semelhantes aos de Fechner,
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ANTONIO GRAMSCI
mais ricos, porém, não somente estudara centenas de crianças de-
ficientes recolhidas nos asilos de Paris, mas transformara-as em
criaturas humanas capazes de trabalhar utilmente para a sociedade
e de receber uma instrução intelectual e artística.
Eu também já tinha transformado crianças deficientes, expul-
sas de escola, refratárias a qualquer tentativa de educação, tornan-
do-as capazes de competir com os outros alunos normais; isto é,
foram transformados em indivíduos socialmente úteis e instruídos
e se comportavam, desde então, como crianças inteligentes. A edu-
cação científica, aquela que realmente se alicerça na ciência, modifi-
ca e melhora os indivíduos.
Semelhante educação científica, apoiada em pesquisas objeti-
vas e nos postulados básicos da psicologia, deveria transformar
também as crianças normais. Como? Certamente, elevando-as aci-
ma do nível comum, tornando-as melhores ainda.
Tais foram minhas conclusões, O importante não é observar,
mas “transformar”. A observação fundara uma nova ciência psi-
cológica; não “transformara”, porém, nem alunos nem escolas.
Acrescentara alguma coisa às escolas comuns, deixando-as, no en-
tanto, bem como seus métodos de instrução e educação, estacio-
nadas em seu estado primitivo.
Os “novos métodos”, se fundamentados em bases científicas,
deveriam orientar, em sentido completamente contrário, a escola e
seus métodos. Deveriam fazer surgir um “novo modo de educar”
(pp. 36-37).
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COLEÇÃO EDUCADORES
3. A descoberta da infância
3.1 Foi uma genial ideia a de recolher os filhos, de 3 a 7 anos,
dos moradores de um conjunto residencial e reuni-los numa sala
sob a direção de uma professora domiciliada no mesmo local.
Cada conjunto residencial deveria ter sua escola. Como esses
edifícios pertenciam a um Instituto (proprietário de 400 lotes em
Roma), a empresa se apresentava com imensas possibilidades de
desenvolver-se. A primeira escola foi fundada em janeiro de 1907,
numa casa popular do quarteirão San Lorenzo onde se alojavam
cerca de mil pessoas. Nesse mesmo quarteirão, o Instituto possuía já
58 estabelecimentos e, na opinião de seu diretor, as escolas não tar-
dariam a surgir.
Esta primeira escola a domicílio, batizada com um nome
auspicioso: Casa dei Bambini (Casa das Crianças), ficou sob minha
responsabilidade. Percebi logo a importância social e pedagógica de
tal instituição: minhas previsões pareciam, então, exageradas, mas
atualmente já estão reconhecendo que eu dizia a verdade (p. 38).
3.2 Deixando à parte a diferença de idades é possível estabele-
cer-se um paralelismo entre crianças deficientes e crianças normais,
isto é, entre crianças que não tiveram a força de evoluir (as defici-
entes) e crianças que ainda não tiveram tempo para isso (crianças
ainda pequenas). Com efeito, as crianças retardadas são considera-
das como crianças cuja mentalidade acusa as características quase
que normais das crianças alguns anos mais novas. Apesar de este
confronto não levar em conta a “força inicial”, diferente em cada
natureza, o paralelismo não é ilógico.
É evidente que os pequeninos não tenham ainda adquirido a
coordenação dos movimentos musculares; assim se explica seu
caminhar inseguro, sua dificuldade em executar os atos habituais
da vida, tais corno vestir-se, calçar-se, dar um laço, abotoar, calçar
as luvas etc.; os órgãos dos sentidos que permitem, – por exem-
plo, a acomodação da vista – não se acham ainda completamente
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ANTONIO GRAMSCI
desenvolvidos; a linguagem apresenta os característicos defeitos
da linguagem infantil; a dificuldade em concentrar-se, a instabilida-
de etc., são outras tantas características no gênero (pp. 38-39).
3.3 Eis, pois, o significado da minha experiência pedagógica,
adquirida durante dois anos passados nas Casa dei Bambini. Re-
presenta ela o resultado de uma série de tentativas no sentido de
educar a primeira infância com métodos novos. [...] Logo que
soube ter à minha disposição uma escola de crianças, propus-me
proceder cientificamente, seguindo um caminho diferente do da-
quele que, até então, confundia o estudo das crianças com sua edu-
cação, qualificando de pedagogia científica o estudo de crianças
submetidas à escola comum, estacionária. A pedagogia inovadora,
fundada sobre estudos objetivos e precisos, devia, pelo contrário,
“transformar a escola” e agir diretamente sobre os alunos, levan-
do-os a uma nova vida.
Enquanto a “ciência” se limitasse a “conhecer melhor” as cri-
anças, sem praticamente livrá-las dos inúmeros males que havia
descoberto nas escolas comuns e nos antigos métodos de educa-
ção, não seria legítimo proclamar a existência de uma pedagogia
cientifica. Enquanto os investigadores se limitassem a ventilar “no-
vos problemas”, não haveria fundamento para afirmar que estava
surgindo uma “pedagogia científica”: é a solução dos problemas
que ela deve aportar, e não só a evidência das dificuldades e dos
perigos, tanto tempo ignorados dos responsáveis pela educação
das crianças. A higiene e a psicologia experimental tinham diagnos-
ticado o mal; isso, porém, não criou uma nova pedagogia.
O estudo da psicologia infantil não pode revelar os caráteres
naturais, nem, consequentemente, as leis psicológicas que presidem
o crescimento da criança, porque, nas escolas, as condições de vida
anormais propiciam caráteres de defesa ou de fadiga, ao invés de
impulsionar as energias criadoras que aspiram à vida (pp. 40-41).
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COLEÇÃO EDUCADORES
4. O ambiente da escola
4.1 O método pela observação implica, evidentemente, a ob-
servação metódica do crescimento morfológico dos alunos. O
que tenho dito é, em decorrência, parte integrante deste método;
não é tudo, porém.
O método de observação há de fundamentar-se sobre uma
só base: a liberdade de expressão que permite às crianças revelar-
nos suas qualidades e necessidades, que permaneceriam ocultas ou
recalcadas num ambiente intenso à atividade espontânea.
Enfim, é necessário que, simultaneamente ao observador, co-
exista também o objeto a observar; e se, por um lado, faz-se mis-
ter uma preparação para que o observador possa entrever” e “re-
colher” a verdade, por outro, urge predispor as condições que
tornam possível a manifestação dos caráteres naturais da criança.
Esta última parte do problema, que, até então, nenhum
pedagogo tinha levado em consideração, pareceu-me ser a mais
diretamente pedagógica, visto referir-se à vida ativa da criança.
Comecei, pois, a estudar um padrão de mobília escolar que
fosse proporcionada à criança e correspondesse à sua necessidade
de agir inteligentemente.
Mandei construir mesinhas de formas variadas, que não balan-
çassem, e tão leves que duas crianças de quatro anos pudessem facil-
mente transportá-las; cadeirinhas, de palha ou de madeira, igualmente
bem leves e bonitas, e que fossem uma reprodução, em miniatura,
das cadeiras de adultos, mas proporcionadas às crianças. Encomen-
dei poltroninhas de madeira com braços largos e poltroninhas de
vime, mesinhas quadradas para uma só pessoa e mesas com outros
formatos e dimensões, recobertas com toalhas brancas, sobre as
quais seriam colocados vasos de folhagens ou de flores.
Também faz parte dessa mobília uma pia bem baixa, acessível
às crianças de três ou quatro anos, guarnecida de tabuinhas laterais,
laváveis, para o sabonete, as escovas e a toalha. Todos esses mó-
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ANTONIO GRAMSCI
veis devem ser baixos, leves e muito simples. Pequenos armários,
fechados por cortina ou por pequenas portas, cada um com sua
chave própria; a fechadura, ao alcance das mãos das crianças, que
poderão abrir ou fechar esses móveis e acomodar dentro deles
seus pertences. Em cima da cômoda, sobre uma toalha, um aquá-
rio com peixinhos vermelhos. Ao longo das paredes, bem baixas,
a fim de serem acessíveis às crianças, lousas e pequenos quadros
sobre a vida em família, os animais, as flores, ou ainda quadros
históricos ou sacros, variando-os em conformidade com as dife-
rentes datas ou comemorações (pp. 42-43).
4.2 As crianças, movimentando-se, deslocarão mesas e cadei-
ras, provocando barulho e desordem. Isto, porém, não passa de
preconceito análogo à crença que muitas gerações alimentaram
sobre a necessidade de enfaixar os recém-nascidos e encerrar os
bebês em caixotes para ajudá-los a ensaiar os primeiros passos;
análogo, igualmente, à crença moderna de que, na escola, os ban-
cos devem estar pregados ao pavimento. Tudo isto se fundamenta
na concepção de que a criança deve crescer na imobilidade, e no
exótico preconceito de que é necessário manter uma posição es-
pecial para que a educação se verifique proveitosa.
As mesas, as cadeiras, as pequenas poltronas, leves e transpor-
táveis permitirão à criança escolher uma posição que lhe agrada;
ela poderá, por conseguinte, instalar-se comodamente, sentar-se
em seu lugar: isto lhe constituirá, simultaneamente, um sinal de
liberdade e um meio de educação.
Se uma criança deixar cair ruidosamente uma cadeira, terá com
este insucesso uma prova evidente de sua própria incapacidade:
em bancos, porém, seus movimentos passariam despercebidos.
Assim, a criança terá ocasião de se corrigir e, aos poucos, verifica-
remos o seu progresso: cadeiras e mesas ficarão imóveis em seus
lugares. Isto quer dizer que a criança aprendeu a mover-se, en-
quanto que, no método antigo, num processo totalmente inverso,
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a disciplina tendia a obter da criança imobilidade e silêncio. Imobi-
lidade e silêncio que impediam o aluno de aprender a mover-se
com cuidado e distinção; e quando este se achava em sala onde as
cadeiras não eram presas no pavimento, arrastava-as logo ruidosa-
mente. Aqui, pelo contrário, a criança aprende um controle e habi-
lidade de movimentos que lhe hão de ser úteis, mesmo quando
fora da escola: continuando a ser criança, seus movimentos tor-
nar-se-ão livres, porém corretos (p. 44).
4.3 Quando falamos de “ambiente”, referimo-nos ao conjunto
total daquelas coisas que a criança pode escolher livremente e manu-
sear à saciedade, de acordo com suas tendências e impulsos de ativi-
dade. A mestra nada mais deverá fazer que ajudá-la, no início, a
orientar-se entre tantas coisas diversas e compenetrar-se do seu uso
específico; deverá iniciá-la à vida ordenada e ativa no seu próprio
ambiente, deixando-a, em seguida, livre na escolha e execução do
trabalho. Geralmente, as crianças têm preferências díspares: uma se
ocupa com isto enquanto outra se distrai com aquilo, sem que ocor-
ram desavenças. Assim, decorre uma vida social admirável e cheia
de enérgica atividade, em meio a uma reconfortante alegria; as crianças
resolvem por si mesmas os problemas da “vida social” que a ativi-
dade individual livre e pluriforme suscita a cada passo. Uma força
educativa difunde-se por todo este ambiente, e dele participam to-
das as pessoas, crianças e mestras (p. 59).
5. Liberdade e disciplina
5.1 [...] a carteira escolar é constituída de modo que a criança seja
visível ao máximo na sua imobilidade. O objetivo oculto de todo
esse cuidado de separação era prevenir os atos de perversão sexual
em plena classe, até mesmo nos jardins de infância. Que se pode
dizer de tal prudência numa sociedade onde é tida como escandalosa
a simples enunciação dos princípios de moral sexual na educação,
para não contaminar a inocência? Mas a ciência presta-se a essa hipo-
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ANTONIO GRAMSCI
crisia construindo máquinas! E não é tudo; a complacência vai mais
longe: a ciência aperfeiçoa as carteiras escolares de modo a obrigar a
criança ao máximo de imobilidade. Assim, a fim de que o escolar
fique bem ajustado na carteira, de modo que esta o obrigue a manter
posição higienicamente conveniente, eis o assento, o apoio para os
pés e a carteira propriamente dita dispostos de maneira a impedir a
criança de se manter em pé. Mas a um determinado movimento o
assento baixa, a tampa da carteira levanta-se, o apoio para os pés
báscula, e a criança tem o espaço necessário para pôr-se ereta.
Com essa orientação, a carteira escolar aperfeiçoa-se. Todos os
cultores da chamada pedagogia científica idearam novos modelos;
muitas nações orgulharam-se da sua própria carteira nacional e, na
luta da concorrência, monopólios e patentes foram adquiridos.
Indubitavelmente, vários ramos da ciência contribuíram para
a construção desta carteira escolar: a antropologia, com as
mensurações do corpo e a determinação da idade; a fisiologia, no
estudo dos movimentos musculares; a psicologia, no que concerne
à precocidade e às perversões do instinto, e, sobretudo, a higiene,
procurando impedir a escoliose adquirida.
Era, portanto, uma carteira escolar verdadeiramente científica,
tendo como princípio de sua construção o estudo antropológico
da criança.
Esse é um exemplo da aplicação literal da ciência à escola (pp.
17-18)
5.2 O que se impõe é a conquista de uma liberdade; não o
mecanismo de uma carteira. Mesmo que a carteira escolar fosse
benéfica ao esqueleto da criança, não deixaria, entretanto, de ser
contrária à higiene ambiente, em razão da dificuldade da sua
remoção para a necessária limpeza.
Atualmente, os móveis tornam-se cada vez mais simples e le-
ves, a fim de que a sua remoção e limpeza diárias sejam facilitadas.
Mas a escola permanece surda a essas transformações.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Deve-se refletir sobre as perigosas consequências que pode-
rão advir ao espírito da criança, cujo corpo se vê condenado a
desenvolver-se de modo tão artificial e vicioso, a ponto de os
ossos se deformarem (p. 19).
5.3 [...] o professor, atarefado, procurando fazer penetrar os
conhecimentos nas cabeças dos escolares [...] necessita da discipli-
na da imobilidade, da atenção forçada do auditório; e o professor
tem a liberdade de manejar a seu bel-prazer os prêmios e os casti-
gos para coagir os seus ouvintes.
Tais prêmios e castigos exteriores são, permitam-me a expres-
são, a carteira escolar da alma, isto é, o instrumento de escravidão
do espírito, destinado, não a corrigir as deformações, mas, pelo
contrário, a provocá-las.
De fato, as recompensas e os castigos são para coagir as crianças
a seguirem as leis do mundo, assim como as de Deus. “As leis do
mundo”, para as crianças, são quase sempre ditadas pelo arbítrio do
adulto que se investe de uma exagerada, ilimitada autoridade.
Frequentemente, o adulto exerce o poder autoritário porque é
forte e quer que a criança, por ser fraca, lhe obedeça (p. 20).
5.4 Na vida social existem, é verdade, recompensas e punições
“diferentes” das que vemos à luz da vida espiritual, e o adulto
esforça-se por adaptar desde logo a alma infantil à engrenagem
deste mundo; recompensa e pune para habituar a criança a sub-
meter-se rapidamente.
Mas se atentarmos à moral social vemos o jugo abrandar-se
pouco a pouco, isto é, vemos o triunfo gradual da natureza sensa-
ta, da vida consciente; o jugo do escravo cede em relação ao do
servo, e este em relação ao do trabalhador.
Todas as formas de escravidão tendem aos poucos a desapa-
recer. A história do progresso civil é, ao mesmo tempo, uma his-
tória de conquistas e de libertações, e chamamos de regressão tudo
o que não corresponde a esse conceito. Ora, perguntamos então
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se a escola deve permanecer num estado de fixidez permanente
que a sociedade consideraria regressivo (pp. 20-21).
5.5 Quanto ao castigo, à punição, não pretendemos negar-lhe
a função social nem a eficácia individual, mas tão-somente, a efici-
ência moral e a necessidade universal de sua aplicação. A punição
pode ser útil para as pessoas inferiores, mas estas são poucas e o
progresso social não as atinge. O código ameaça-nos com casti-
gos se não formos honestos dentro dos limites assinalados pela lei.
Ora, não somos honestos somente por temor do código, mas
porque compreendemos que assim devemos proceder.
Sem entrarmos em questões psicológicas, podemos, toda-
via, afirmar que o deliquente, antes de cometer o crime, tem
conhecimento da existência de um castigo, sabe que o código
pode puni-lo. Ele o desafiou ou foi apanhado na sua armadilha,
julgando que poderia escapar; mas, na sua consciência, originou-
se uma luta entre o delito e o castigo. Seja ou não eficaz para
impedir os delitos, o código penal é indubitavelmente destinado
a uma limitada categoria de indivíduos: os delinquentes. A enor-
me maioria dos cidadãos é honesta, mesmo ignorando a ameaça
das penalidades.
A verdadeira punição do homem normal é a perda da consci-
ência de sua própria força e da grandeza, que lhe constituem a
humanidade interior; tal punição atinge frequentemente os homens,
mesmo quando se acham no gozo da abundância do que vulgar-
mente se chama “recompensa” (pp. 23-24).
5.6 [...] como manter a disciplina numa classe de crianças com-
pletamente livres em seus movimentos?
Inicialmente, convém dizer que é bem outra a nossa concep-
ção de disciplina. A disciplina deve, também ela, ser ativa. Não é
um disciplinado o indivíduo que se conserva artificialmente silen-
cioso e imóvel como um paralítico. Indivíduos assim são aniquila-
dos, não disciplinados.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Disciplinado, segundo nossa concepção, é o indivíduo que é
senhor de si mesmo, e, em decorrência, pode dispor de si ou se-
guir uma regra de vida.
Tal concepção de disciplina ativa não é fácil nem de se enten-
der nem de praticar; encerra, não obstante, um elevado princípio
de educação bem diferente de uma condenação à imobilidade.
Requer-se da mestra uma técnica especial para introduzir a crian-
ça nesta via de disciplina em que ela deverá depois caminhar a vida
toda, em marcha incessante para a perfeição. Assim como a criança
que aprende a mover-se corretamente e disciplina seus movimentos
está sendo preparada não somente para a escola, mas também para
a vida, tornando-se um indivíduo correto por hábito e por prática
em suas relações sociais cotidianas, assim também a criança deverá
amoldar-se a uma disciplina que se não circunscreva tão somente ao
meio escolar, mas abarque igualmente o âmbito social.
Sua liberdade deve ter como limite o interesse coletivo, e como
forma aquilo que denominamos educação das maneiras e dos ges-
tos. Devemos, pois, interditar à criança tudo o que pode ofender ou
prejudicar o próximo, bem como todo gesto grosseiro ou menos
decoroso. Tudo o mais – qualquer iniciativa, útil em si mesma ou de
algum modo justificável – deverá ser-lhe permitido; mas deverá
igualmente ser observada pelo mestre; eis o ponto essencial. O mes-
tre há de ter não só a capacidade de um preparador de laboratório,
como também o interesse de um observador ante os fenômenos
naturais. Segundo nossa metodologia devera ser mais ”paciente”
que “ativo”; e sua paciência se alimentará de uma ansiosa curiosida-
de científica e de respeito pelos fenômenos que há de observar, Ê
necessário que o mestre entenda e viva seu papel de observador. [...]
A humanidade, que já se pode vislumbrar na infância como o
sol na aurora, deve ser respeitada com religiosa veneração; e todo
ato, para ser eficazmente educativo, deverá favorecer o completo
desenvolvimento da vida (pp. 45-46).
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5.7 A primeira noção que as crianças devem adquirir em vista
a uma disciplina ativa é a noção do bem e do mal. E é dever da
educadora impedir que a criança confunda bondade com imobi-
lidade, maldade com atividade; isto seria retroceder aos antigos
métodos de disciplina.
Nosso objetivo é disciplinar a atividade, e não imobilizar a
criança ou torná-la passiva.
Uma classe em que todas as crianças tivessem uma atividade
útil, inteligente e consciente, sem manifestar nenhuma indelicadeza,
parecer-me-ia uma classe bem disciplinada.
Enfileirar as crianças, marcar a cada uma o seu lugar e preten-
der que elas fiquem aí bem quietinhas, observando a ordem
convencionada, tudo isto se seguirá naturalmente; porém, como
uma manifestação de educação coletiva.
Ocorre-nos também, por vezes, dever ficar sentados e imó-
veis ao assistir, por exemplo, um concerto ou uma conferência. E
bem sabemos como isto constitui um sacrifício para nós.
Pode-se, pois, enfileirar as crianças, marcando a cada uma o
seu lugar; mas, pode-se, igualmente, explicar-lhes o motivo desta
conduta, de modo a fazê-las assimilar um princípio de ordem
coletiva; eis o que importa.
Imbuídas desta ideia, elas se levantam, falam, mudam de lu-
gar, mas de um modo diferente que antes; isto é, elas querem
levantar-se, falar etc., nesse estado de repouso e de ordem que já
lhes é próprio. Empreendem uma ação conscientemente, sabendo
que há outras que lhes são proibidas: a pouco e pouco aprenderão
a discernir entre o bem e o mal.
O movimento das crianças disciplinadas torna-se sempre mais
coordenado e perfeito à medida que os dias vão passando. Efeti-
vamente, elas aprendem a disciplinar seus próprios gestos, e por
sua vez, a mestra tirará suas conclusões observando como as cri-
anças substituem seus primeiros movimentos desordenados por
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movimentos espontaneamente disciplinados. Eis o livro que deve-
rá orientar suas iniciativas, o único que há de ler e estudar para se
tornar uma boa educadora. Em virtude destes exercícios, a criança
seleciona suas próprias tendências, anteriormente confusas na de-
sordem inconsciente de seus movimentos (pp. 50-51).
5.8 Para ser eficaz, uma atividade pedagógica deve consistir
em ajudar as crianças a avançar no caminho da independência;
assim compreendida, esta ação consiste em iniciá-la nas primeiras
formas de atividade, ensinando-as a serem autossuficientes e a não
incomodar os outros. Ajudá-las a aprender a caminhar, a correr,
subir e descer escadas, apanhar objetos do chão, vestir-se e pente-
ar-se, lavar-se, falar indicando claramente as próprias necessida-
des, procurar realizar a satisfação de seus desejos: eis o que é uma
educação na independência.
Quando servimos as crianças, cometemos um ato servil para
com elas; isto é tão nefasto quanto querer sufocar algum de seus
movimentos espontâneos úteis.
Cremos que as crianças são semelhantes a fantoches inanima-
dos; lavamo-las e alimentamo-las assim como elas lavam e dão de
comer às suas bonecas. Não nos damos conta de que a criança só
não age porque não sabe agir; ela deve agir, e nosso dever para com
ela é, indubitavelmente, ajudá-la na conquista de atos úteis. A mãe
que dá de comer à criança sem fazer o menor esforço para que ela
aprenda a segurar a colher e levá-la à boca, ou que a convide a
reparar no seu próprio modo de comer, não é boa mãe. Subestima
a dignidade humana de seu filho; trata-o como um fantoche, sendo
que ele é uma criatura humana. Ensinar uma criança a comer, lavar-
se, vestir-se, é um trabalho muito mais longo e difícil, que requer
muito mais paciência que alimentá-la, lavá-la e vesti-la (pp. 52-53).
5.9 Basta aplicar estes princípios para ver nascer na criança
uma calma bem característica. Na verdade, nasce “uma criança
nova”, moralmente mais elevada, e que, anteriormente, era consi-
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derada incapaz. Um sentimento de dignidade acompanha sua li-
bertação interior: doravante, ela se interessa pelas suas próprias
conquistas, permanecendo sobranceira a um sem número de pe-
quenas tentações exteriores que, anteriormente, teriam estimulado,
irresistivelmente, seus sentimentos inferiores.
Devo confessar que também eu estivera influenciada pelos mais
absurdos preconceitos da educação comum: crera, igualmente, que,
para obter da criança um esforço de trabalho e sabedoria, seria
necessário estimular, com um prêmio exterior, seus mais baixos
sentimentos, tais como a gulodice, a vaidade, o amor próprio.
Fiquei admirada ao observar que a criança a quem se possibilita
uma elevação, abandona, espontaneamente, seus baixos instintos.
Em decorrência, exortei as mestras a renunciarem aos prêmios e
castigos, que não mais se adaptavam às nossas crianças.
Nada, porém, é mais difícil à mestra que renunciar aos hábitos
inveterados e velhos preconceitos (pp. 54-55).
5.10 Do ponto de vista biológico, o conceito de liberdade na
educação da primeira infância deve ser considerado como a condi-
ção mais favorável ao desenvolvimento tanto fisiológico quanto
psíquico. Se o educador estiver imbuído do culto da vida, respeitará
e observará, com paixão, o desenvolvimento da vida infantil, A vida
infantil não é uma abstração; é a vida de cada criança. A única mani-
festação biológica verdadeira é a vida do indivíduo. E é a cada um
destes indivíduos, observados um a um, que devemos ministrar a
educação, isto é, o auxílio ativo ao desenvolvimento normal da vida.
[...] O fator ambiente pode modificar, isto é, ajudar ou des-
truir, jamais criar. As origens do desenvolvimento são interiores. A
criança não cresce porque se alimenta, porque respira, porque se
encontra em condições de clima favorável; cresce porque a vida,
exuberante dentro em si, se desenvolve; porque o germe fecundo
de onde esta vida provém evolui em conformidade com o impul-
so do destino biológico fixado pela hereditariedade.
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[...] Quando falamos da “liberdade” da criança pequena, não
nos referimos aos atos externos desordenados que as crianças,
abandonadas a si mesmas, realizariam como evasão de uma ativi-
dade qualquer, mas damos a esta palavra “liberdade” um sentido
profundo: trata-se de “libertar” a criança de obstáculos que impe-
dem o desenvolvimento normal de sua vida.
A criança sente-se impulsionada para uma grande empresa: cres-
cer e tornar-se adulto. Mas, como não tem ainda consciência de suas
necessidades interiores, os adultos, na impossibilidade de interpretá-
las fazem as vezes dela; e nossa vida social, familiar e escolar funda-
mentada sobre não poucos erros cria verdadeiros obstáculos à ex-
pansão da vida infantil. Corrigir estes erros, estudando mais profun-
damente as necessidades íntimas e ocultas da primeira infância, com
o intuito de ajudá-la, é libertar a criança (pp. 57-58).
5.11 A obediência não poderá ser obtida senão através de uma
formação da pessoa psíquica; é necessário, para obedecer, não
somente querer obedecer, mas também saber obedecer. Ordenar
qualquer coisa é pretender uma atividade correspondente, factícia
ou inibidora; a obediência, em decorrência, compreende uma
formação da vontade e uma formação intelectual. Preparar esta
formação por exercícios é, se bem que indiretamente, impelir a
criança à obediência (p. 293).
5.12 Estamos ainda influenciados por preconceitos e ideias
fixas: verdadeiros escravos do pensamento. Cremos que a liberda-
de de consciência e de pensamento consiste na negação de alguns
princípios, entre os quais os princípios religiosos; visto não existir
liberdade quando se luta por abafar alguma coisa; só há liberdade
quando é permitida uma ilimitada expansão da vida. Aquele que,
verdadeiramente, não crê, não poderá temer aquilo em que não
crê, nem combater o que, para ele, não existe.
De um ponto de vista prático, nosso método tem a vantagem
de poder orientar conjuntamente crianças cujos graus de prepara-
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ção são muito diferentes: em nossa primeira Casa dei Bambini, ao
lado de pequerruchos de dois anos e meio - ainda inadaptados aos
mais simples exercícios sensoriais, achavam-se crianças de mais de
cinco anos que, pelo seu preparo, já poderiam ser recebidas na
terceira série elementar. Cada uma se aperfeiçoava por si mesma,
progredindo na medida de suas possibilidades (p. 298).
6. A saúde da criança
6.1 “Mens sana in corpore sano”. Este famoso ditado latino é, em
geral, interpretado em seu sentido literal, ou seja: é necessário ter
um corpo sadio para possuir um espírito sadio. Poder-se-ia afir-
mar o contrário. Com efeito, a saúde do corpo depende da do
espírito; pensemos na calma interior, na satisfação moral, na clare-
za de ideias que permitem aspirar a objetivos exteriores com ele-
vação espiritual muito mais alta. “Não só de pão vive o homem”.
E ante as pobres criancinhas que enchiam as primeiras Casa dei
Bambini de San Lorenzo, meu primeiro pensamento foi procu-
rar-lhes fortificantes e uma alimentação substanciosa. Durante um
ano, porém, foi impossível realizar este plano. Não obstante, as
crianças viveram em tal ambiente de alegria, que, no fim de um
ano, suas faces estavam coradas e belas, cheias de saúde; via-se no
brilho de seus olhos a exuberância de uma vida melhor. A satisfa-
ção da vida interior, a possibilidade de se expandir é, sem dúvida,
um fator importante, até mesmo o segredo da saúde física. O
espírito sadio torna o corpo sadio; isto é, o corpo, para ter saúde,
deve permanecer unido a um espírito normal lúcido. A saúde é
todo um complexo: uma doença, uma fraqueza física, que depen-
de de fatores psíquicos, provoca multidão de fenômenos
encontradiços não somente em adultos, mas muito mais ainda em
crianças. A dificuldade que estas experimentam em se adaptar a
um ambiente criado pelo adulto; a opressão que, tão frequente-
mente, o adulto exerce sobre elas sem mesmo dar-se conta disso,
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oprime a alma infantil, que não pode defender-se nem com pala-
vras nem com atos: tudo isso enfraquece, ao mesmo tempo, o
corpo e o caráter da criança. Fazer com que se “sintam compreen-
didas”, assistidas satisfatoriamente em suas reais necessidades, é
abrir-lhes as portas da saúde (p. 60).
6.2 Durante longo tempo, o influxo da natureza sobre a edu-
cação da criança foi considerado apenas como um fator moral. O
que se pretendia era somente desenvolver certos sentimentos que
as maravilhas da natureza poderiam suscitar: flores, plantas, ani-
mais, paisagens, vento, luz...
Posteriormente, ensaiou-se orientar a atividade do menino para
a natureza, iniciando-o no cultivo dos chamados “campicelli
educativi”. Entretanto, a concepção de “viver” na natureza, e não
somente conhecê-la é uma das conquistas mais recentes em assun-
tos de educação. O que importa, sobretudo, é liberar a criança dos
laços que a isolam na vida artificial das cidades.
Hoje, porém, em nome de uma higiene infantil, ganha sempre
mais relevo aquele aspecto da educação física que consiste em le-
var as crianças a um contato mais direto com o ar livre dos jardins
públicos, com o sol e a água à beira-mar.
[...] A natureza, realmente, causa temor à maioria das pessoas. Ar
e sol são temidos como inimigos mortais. Tem-se pavor da brisa
noturna como de uma serpente oculta sob a relva. Teme-se a chuva
quase tanto quanto um incêndio. E se, hoje em dia, as exortações à
higiene impelem um pouco mais o homem civilizado, esse prisionei-
ro satisfeito, para uma vida em meio à natureza livre, é sempre timi-
damente e com grandes precauções que ele o faz (p. 66).
6.3 As energias musculares das crianças, mesmo das menores,
estão bem acima de nossas suposições: é preciso libertar sua natu-
reza, para que ela possa revelar-se.
A criança das cidades logo se sente cansada após uma breve
caminhada; e concluímos: está fraca. Mas tal debilidade provém
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do ambiente artificial em que vive, do enjoo, dos vestidos e roupas
inadequadas, do incômodo de ter os pés fechados dentro de sa-
patos de couro a pisar os calçamentos, da vizinhança taciturna e
séria de tantas pessoas que se acotovelam pelas ruas, indiferentes, e
que sem sorrir, passam por ela que está tão feliz. As atrações das
vitrinas e dos vestidos da última moda, as diversões de um clube,
são coisas para ela sem expressão. Por isso, deixa-se levar, indife-
rente, como que dominada por uma profunda indolência.
Quando, porém, as crianças têm liberdade de contato com a
natureza, logo sua força se revela (p. 67).
6.4 O amor à natureza, como qualquer outro hábito, cresce e
se aperfeiçoa com o exercício; não é, com certeza, infundido auto-
maticamente, mediante uma exortação pedante feita à criança inerte
e presa entre quatro paredes, habituada a ver ou ouvir que a cruel-
dade para com os animais é uma necessidade. São as experiências
que as impressionam mais: a morte da primeira pomba abatida
ante seus olhos por uma pessoa de sua família é mancha negra no
coração de quase todas as crianças. Devemos-lhes antes uma repa-
ração que uma lição. Cumpre-nos curar essas feridas inconscientes,
essas enfermidades morais já incubadas no íntimo desses peque-
nos prisioneiros de um ambiente artificial (p. 69).
6.5 Uma das principais finalidades práticas de nosso método
tem sido a de fazer penetrar a educação muscular na própria vida
das crianças, integrando-as na vida cotidiana; e assim, passamos a
incluir, de cheio, a educação dos movimentos no conjunto único e
indivisível da educação da personalidade infantil.
A criança, como podemos constatar, é habitualmente presa de
incessante movimentação a necessidade de movimento nela irresistível,
vai aparentemente atenuando-se; é que os poderes inibidores, de-
senvolvendo-se, harmonizam-se com os impulsos motores, possi-
bilitando a obediência à vontade. A criança mais evoluída será aque-
la cujos impulsos motores forem mais obedientes; quando uma von-
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tade exterior age sobre a sua, ela conseguirá dominar seu impulso.
Este princípio está na própria base da vida de relação; é, precisa-
mente, a característica que distingue não somente o homem, mas
todo o reino animal, do mundo vegetal. O movimento é essencial à
vida; nenhum método de educação poderá ser esquematizado como
sendo moderador, ou, pior ainda, inibidor do movimento, mas tão
somente como um auxílio ao bom emprego das energias e ao seu
desenvolvimento normal (pp. 78-79).
6.6 A criança, ao chegar à escola, troca de roupa sozinha. Ca-
bides parafusados à parede e comodamente à altura das mãos de
crianças de três anos estão à sua disposição. Pequenas pias, que não
atingiriam a altura dos joelhos de um adulto, e todos os acessórios,
sabonetes, escovas para unhas, toalhas, se acham ao alcance dos
petizes; na falta de lavabos, disporão de uma bacia colocada sobre
uma mesa baixa tendo ao lado um jarro e um pequeno balde para
despejar a água servida. Haverá uma gaveta para escovas de sapa-
tos, saquinhos com escovas para roupa... tudo apropriado às
crianças. Quando possível, haverá um espelho, numa altura em que
possa refletir-se o espaço situado a meia distância entre o pé e o
joelho de um adulto, no qual a criança poderá contemplar-se, sen-
tada num banquinho, a fim de ver se os seus cabelos se desalinharam
quando tirou o chapéu ou durante o trajeto da casa à escola; para
isso disporão, igualmente, de escova e pente. Em seguida, a crian-
ça veste seu avental ou blusa de trabalho; e ei-la pronta para entrar
em classe (pp. 82-83).
7. A livre escolha
7.1 Em conformidade com suas preferências, cada criança irá
escolhendo, espontaneamente, um ou outro dos objetos já conhe-
cidos, anteriormente apresentados pela mestra.
O material está ali exposto; a criança só precisa estender a mão
para pegá-lo. Poderá, em seguida, levá-lo e colocá-lo onde quiser:
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sobre a mesa junto à janela ou num canto escuro, sobre um
tapetinho estendido no chão; ou ficar com ele todo o tempo que
quiser, repetindo o exercício.
Que motivo a impelirá a escolher um objeto de preferência a
outro? Não é um desejo de imitação, porque cada objeto constitui
um único exemplar; se uma criança, portanto, escolher um objeto,
só ela o terá; ninguém mais.
Não se trata, pois, de imitação. Isto é comprovado até mes-
mo pelo modo com que o objeto é manipulado: a criança acaba
por concentrar-se no seu exercício, com tal intensidade que não se
distrai com o que a rodeia, e continua a trabalhar, repetindo o
exercício uniformemente dezenas e dezenas de vezes consecutivas.
Este é o fenômeno da concentração e da repetição do exercício, ao
qual se acha intimamente relacionado o desenvolvimento interior.
Ninguém pode concentrar-se por imitação; a imitação acha-se liga-
da ao exterior. Aqui, ao invés, trata-se de um fenômeno totalmente
oposto, qual seja a abstração do mundo exterior e a ligação
estreitíssima com o mundo íntimo e secreto da criança (pp. 95-96).
8. O desenvolvimento dos sentidos da criança
8.1 O método para a educação dos sentidos, que aqui apre-
sentamos, abre, sem dúvida, um caminho novo às pesquisas psi-
cológicas; com efeito, não existia método ativo para a preparação
racional de indivíduos às sensações.
Além de seu valor puramente científico, observemos o
elevadíssimo interesse pedagógico que se encerra na educação dos
sentidos.
A educação geral propõe-se, com efeito, um objetivo biológi-
co e uma finalidade social: trata-se de auxiliar o desenvolvimento
natural do indivíduo e prepará-lo para o seu ambiente. A educa-
ção profissional ensina o indivíduo a utilizar esse ambiente. O de-
senvolvimento dos sentidos precede o das atividades superiores
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intelectuais, e criança, dos 3 aos 6 anos de idade, acha-se num
período de formação.
Podemos, pois, auxiliar o desenvolvimento dos sentidos às cri-
anças precisamente nesta idade, mediante uma graduação e adapta-
ção dos estímulos, como também devemos auxiliá-las na formação
da linguagem antes que esta esteja completamente desenvolvida.
Toda a educação da primeira infância deve estar penetrada des-
te princípio: auxiliar o desenvolvimento natural da criança (p. 98).
8.2 A educação sensorial é igualmente necessária como base
para a educação estética e a educação moral. Multiplicando as sen-
sações e desenvolvendo a capacidade de apreciar as mínimas quan-
tidades diferenciais entre os vários estímulos, afina-se mais e mais a
sensibilidade. A beleza reside na harmonia, não nos contrastes; e a
harmonia é afinidade; e, para percebê-la, é necessária certa finura
sensorial. As harmonias estéticas da natureza e da arte não são
percebidas pelos homens de sentidos grosseiros. O mundo torna-
se-lhes estreito e áspero. No ambiente em que vivemos existem
fontes inexauríveis de fruição estética ante as quais os homens pas-
sam como insensatos ou como irracionais, procurando prazer nas
sensações fortes porque só estas lhes são acessíveis.
[...] Os sentidos são órgãos de “apreensão” das imagens do mundo
exterior, necessárias ao entendimento, como a mão é o órgão de
apreensão das coisas materiais necessárias ao corpo. Mas, sentidos e
mãos podem afinar-se além das exigências normais de suas funções,
tornando-se, cada vez mais, dignos servidores do grande princípio
Interior de ação que os mantém a seu serviço. A educação destinada
a elevar a inteligência, deverá elevar, sempre mais, esses dois meios de
atividade, capazes de se aperfeiçoar indefinidamente (p. 102).
9. Os exercícios e as lições
Que as tuas palavras sejam contadas. (Dante, O Inferno, 10)
9.1 A lição é um apelo à atenção: é a apresentação de um
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objeto cujo nome e uso a mestra indica às crianças. O objeto, se
corresponder às necessidades interiores da criança e se lhe parecer
um meio de autossatisfação, mantê-la-á numa atividade prolongada
porque, após ser escolhido por ela, prenderá sua atenção em repe-
tidos exercícios.
As palavras não são sempre necessárias: não raro, será sufici-
ente demonstrar simplesmente como se manuseia um objeto. Mas,
quando for necessário falar e iniciar as crianças no manuseio de
diferentes materiais, a característica dessas lições deverá ser a bre-
vidade; sua perfeição reside na procura do “mínimo necessário e
suficiente”. Dante poderia aconselhar os mestres quando dizia: “...
que tuas palavras sejam contadas...”.
Uma lição será tanto mais perfeita quanto menos palavras ti-
ver; será mister um cuidado especial em preparar as lições, contar
e escolher as palavras que se hão de proferir.
Convém ainda que a explanação seja simples e despida de tudo
o que não seja estritamente verdadeiro. A mestra não se perca em
palavrório inútil, eis a primeira qualidade; a segunda, deriva da
primeira: cada palavra tem o seu peso e deve exprimir a verdade.
A terceira qualidade da lição é a objetividade; é necessário que
a personalidade da mestra desapareça e que unicamente fique em
evidência o objeto sobre o qual ela quer atrair a atenção das crianças.
Uma lição, breve e simples, consistirá numa explicação do objeto
e seu respectivo manuseio.
A mestra observará, então, se a criança se interessa pelo objeto
apresentado, como ela se interessa, durante quanto tempo etc.; e
cuidará de jamais deixar de seguir a criança que pareça não se ter
interessado muito pelas suas explicações. Se a lição, preparada e
dada com brevidade, simplicidade e veracidade, não foi compre-
endida, a mestra deverá, então, ater-se a dois pormenores: 1) não
insistir, repetindo a lição; 2) não dar a entender à criança que ela se
enganou ou que não compreendeu; porque isto poderia estagnar,
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por muito tempo, esse misterioso impulso à ação que constitui a
própria base de toda evolução (pp. 108-109).
9.2 É necessário começar com pouquíssimos objetos em mú-
tuo contraste para, em seguida, estabelecer uma graduação entre
uma quantidade de objetos cuja diferença se torna, gradativamente,
mais sutil e imperceptível. Assim, por exemplo, se se trata de reco-
nhecer diferenças táteis, iniciar-se-á o exercício com duas superfí-
cies somente, uma das quais seja perfeitamente lisa, e a outra áspe-
ra; tratando-se de comparar os pesos dos objetos, apresentar-se-á,
primeiramente, um tablete dos mais leves da série e outro dos
mais pesados; para os ruídos, oferecer-se-ão os dois extremos de
uma série graduada; para as cores, escolher-se-ão as tintas mais
vivas e mais contrastantes, como o vermelho e o amarelo; para as
formas, um círculo e um triângulo; e assim por diante (p. 114).
9.3 Se bem que o sentido do tato se encontre difundido por
toda a superfície da pele, os exercícios em que pretendemos iniciar
as crianças limitam-se à ponta dos dedos, e, especialmente, dos
dedos da mão direita.
Tal limitação faz-se necessária, em vista das exigências da vida
prática. Trata-se também de uma necessidade educativa, pelo fato
de preparar o homem para a vida no ambiente em que deverá
exercitar incessantemente o sentido do tato, principalmente pelas
pontas do dedo.
É uma técnica particularmente útil ao nosso objetivo educativo
porque, como veremos, os diversos exercícios da mão constituem
uma preparação indireta e longínqua para a escrita.
Fazemos, pois, com que as crianças aprendam a lavar bem as
mãos com sabonete, numa pequena bacia; em seguida fazemo-las
imergir as mãos numa bacia com água morna. Enxugam-nas, fi-
nalmente, e esta massagem completa as etapas preparatórias do
banho. Depois, ensinamos às crianças o modo de tocar uma su-
perfície; para isso, tomamos os seus dedos e os deslizamos, bem
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de leve, sobre a superfície. Outro pormenor desta técnica é ensi-
nar a criança a manter os olhos fechados enquanto toca um objeto,
convencendo-a de que assim poderá sentir melhor e, sem ver,
poderá perceber os vários objetos tocados. É um aprendizado
muito rápido, e que traz não pouca satisfação à criança. Já no início
destes exercícios acontecia que crianças, fechando os olhos,
aproximavam-se de nós procurando tocar-nos mui de leve, com a
ponta dos dedos. Elas exercitam verdadeiramente seu sentido tátil,
pois jamais cessam de tocar superfícies lisas; chegam a tornar-se
habilíssimas em discernir as diferentes qualidades de lixas (p. 115).
9.4 Os exercícios sensoriais relativos ao gosto e ao olfato são
pouco suscetíveis de uma sistematização atraente.
Eis a experiência que adotamos, e que as crianças puderam re-
petir entre si. Nós as fazíamos cheirar violetas e jasmins; ou então,
servíamo-nos de rosas tiradas dos seus vasos de flores. Em seguida,
vendávamos os olhos duma criança, dizendo-lhe: “Agora, você vai
receber um presente”. E uma coleguinha lhe achegava ao nariz um
ramo de violetas, por exemplo, que a criança deveria reconhecer.
Posteriormente, surgiu a ideia mais simples de deixar ao ambi-
ente uma grande parte nesta tarefa educativa.
Alguns saquinhos de perfumes, amarrados com fitas, foram
afixados junto à parede, como ornamento, à moda chinesa. Flores
do jardim, sabonetes perfumados com perfumes naturais - amên-
doas ou alfazemas - foram postos ao redor das crianças.
Mais tarde, fizemos plantações de ervas aromáticas, um verda-
deiro vergel de verdura, a fim de que a cor das flores vistosas não
ajudassem o reconhecimento do perfume. Os mais interessados em
identificar os diversos perfumes eram os petizes de 3 anos; para
admiração nossa, constatamos como outros, ainda menores, nos
traziam ervas que não tínhamos cultivado, nem as considerávamos
odoríferas. Mas, ante a insistência das crianças que as aspiravam com
entusiasmo, descobrimos que, realmente, exalavam um perfume sutil.
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Quando a atenção é cuidadosamente solicitada pelos diversos
estímulos sensoriais, o olfato também se torna mais “inteligente-
mente” exercitado; torna-se um órgão de exploração do ambiente
(p. 122).
9.5 A educação do ouvido nos leva às relações do indivíduo
com o meio em movimento, o único capaz de produzir sons e
ruídos. Onde tudo é imóvel, reina um silêncio absoluto. O ouvido
é, pois, um sentido que não pode receber percepções senão pelo
movimento produzido em seu meio.
Uma educação do ouvido parte da “imobilidade” à percep-
ção dos ruídos e sons provocados pelo movimento; parte, pois,
do “silêncio”.
Exporemos mais adiante a importância dada aos silêncios pelo
nosso método; o silêncio torna-se o controle de uma imobilização
voluntária de movimentos da qual é a consequência.
É ainda o resultado de “esforços coletivos” porque, para ob-
ter o silêncio em determinado lugar, será necessário que todas as
pessoas e todos os objetos que aí se encontram permaneçam numa
absoluta imobilidade.
Não há dúvida de que a procura do silêncio provoca um vivo
interesse, como se verifica entre as crianças; elas sentem-se satisfeitas
com esta “procura por si mesma” (análise dos fatores independentes).
O ouvido se afina (atinge uma maior acuidade auditiva) esfor-
çando-se, em decorrência, à apreciação dos menores estímulos, e
tanto maior será a capacidade sensorial “quanto menor for o ruído
percebido” (p. 135).
9.6 Houve tempos em que, nas escolas, esperava-se obter
silêncio mediante ordens categóricas!
Não se refletia na significação dessa palavra. Não se sabia que
exigir “imobilidade” equivalia a suspender o ritmo vital durante
aqueles momentos de silêncio. O silêncio é a suspensão de todo
movimento [...] Não é, como geralmente se pensava de um modo
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muito rudimentar, a suspensão de “ruídos que excedem o ruído
normal na classe”.
O “silêncio” nas escolas comuns significa “cessação de ruído”;
a pausa de uma reação, a negação da desordem e da algazarra.
Ao passo que o silêncio deve ser entendido de um modo po-
sitivo, como um “estado superior” à ordem normal das coisas,
como uma inibição instantânea que exige um esforço, uma tensão
da vontade, que elimina os ruídos da vida cotidiana, como que
isolando a alma das vozes exteriores.
Este é o silêncio a que chegamos em nossas escolas: silêncio
profundo, conseguido até mesmo em classe de mais de quarenta
crianças de três a seis anos de idade.
Uma ordem jamais teria podido alcançar a maravilhosa con-
quista da vontade que controla até o mínimo gesto num período
da vida em que o movimento parece irresistível, a característica
mais insinuante da idade.
A obra coletiva pôde ser realizada mediante a procura de uma
satisfação interior entre essas crianças habituadas a agir cada uma
por conta própria.
É necessário ensinar o silêncio às crianças: para isto é
necessário executar diversos exercícios que contribuem surpre-
endentemente para criar nos petizes uma capacidade de
autodisciplina (pp. 138-139).
10. O educador
10.1 [...] creio que devemos preparar no educador mais o es-
pírito que o mecanismo do cientista, o que vale dizer que a direção
dessa preparação deve estar voltada para o espírito.
Jamais pretendemos, evidentemente, transformar o educador
elementar num assistente de antropologia ou de psicologia científica,
nem, tampouco, num higienista. Desejamos, porém, dirigi-lo no ca-
minho da ciência experimental, ensinando-o a manejar um pouco
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cada um dos seus instrumentos, limitando esse aprendizado ao
objetivo em vista e orientando-o na via do espírito científico.
Devemos despertar na consciência do educador o interesse pelas
manifestações dos fenômenos naturais em geral, levando-o a amar a
natureza e a sentir a ansiosa expectativa de todo aquele que aguarda o
resultado de uma experiência que preparou com cuidado e carinho.
Os instrumentos são como as letras do alfabeto e é preciso saber
manejá-los para poder ler na natureza; assim como o livro, que en-
contra no alfabeto o meio de compor as palavras reveladoras dos
mais profundos pensamentos, assim, também, a natureza, graças ao
mecanismo da experiência, revela a infinita série dos seus segredos.
Ora, qualquer pessoa que saiba soletrar as palavras de uma
cartilha pode, a rigor, ler as de uma obra de Shakespeare. Da mes-
ma forma, quem é iniciado unicamente na técnica da experimenta-
ção é comparável ao que apreende apenas o sentido literal das
palavras que soletra na cartilha. Deixaríamos os educadores nesse
nível se limitássemos a sua preparação ao mecanismo.
Pelo contrário, devemos torná-los os intérpretes do espírito
da natureza, como aqueles que, tendo aprendido a ler, conseguem
captar, através dos sinais gráficos, o pensamento de Shakespeare,
de Goethe ou de Dante.
Como se vê, a diferença é grande e o caminho longo (pp. 12-13).
10.2 [...] a criança que terminou o estudo da cartilha tem a ilusão
de que sabe ler: de fato, lê os nomes das casas comerciais, os títulos
dos jornais e todas as palavras ou frases que casualmente, seus olhos
divisem. O engano em que labora é muito simples e compreendê-
lo-ia logo se, entrando numa biblioteca, quisesse entender o sentido
do que lê nos livros, Veria, então, que “saber ler mecanicamente”
nada significa e sairia da biblioteca para voltar à escola.
O mesmo ocorreu com a ilusão de preparar novos educado-
res para uma nova pedagogia, ensinando-lhes a antropometria e a
psicologia experimental (p. 13).
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10.3 O interesse em educar a humanidade deve estabelecer, en-
tre o observador e o observado, laços mais íntimos que os existen-
tes entre o zoologista, ou o botânico, e a natureza. Sendo mais ínti-
mos tais laços serão necessariamente mais agradáveis. O homem
não pode, sem dificuldades e atritos, afeiçoar-se ao inseto ou à rea-
ção química. Mas a afeição de homem para homem ocorre com
maior facilidade; é tão simples, que não só os espíritos privilegiados,
mas as próprias massas podem, sem esforço, atingi-la.
É preciso que o educador, suficientemente dotado do “espíri-
to do cientista”, sinta-se confortado à ideia de que, muito em bre-
ve, experimentará a satisfação de tornar-se um observador da
humanidade (p. 14).
10.4 De nada vale [...] preparar apenas o educador; é preciso
preparar também a escola. É necessário que a escola permita o
livre desenvolvimento da atividade da criança para que a pedago-
gia científica nela possa surgir: essa é a reforma essencial. [...] a
concepção de liberdade que deve inspirar a pedagogia é universal:
é a libertação da vida reprimida por infinitos obstáculos que se
opõem ao seu desenvolvimento harmônico, orgânico e espiritual.
Realidade de suprema importância, despercebida até o presente
pela maioria dos observadores.
Não há necessidade de discutir, basta provar. Quem dissesse
que o princípio de liberdade orienta, atualmente, a pedagogia e a
escola, provocaria o riso, do mesmo modo que o provocaria uma
criança que afirmasse, diante da caixa contendo as borboletas, que
elas estão vivas e podem voar.
Um princípio de repressão, exagerado às vezes, a ponto de con-
duzir à tirania, constituiu o fundamento de grande parte da pedagogia
e serviu também de base ao próprio princípio da escola (pp. 16-17).
10.5 A convicção de que o educador deve colocar-se no mesmo
nível do educando levava-o a uma espécie de apatia: ele sabe que
educa personalidades inferiores e é por isso que não consegue educar.
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Da mesma forma, os professores dos “jardins de infância”
julgam que se devem colocar no mesmo nível das crianças partici-
pando dos seus jogos, chegando mesmo a usar, muitas vezes, uma
linguagem pueril.
É necessário, justamente, proceder de maneira contrária, sa-
bendo fazer despertar na alma infantil o homem que aí se acha
adormecido.
Tive essa intuição, e creio que não foi o material didático, mas
a minha voz chamando-as que as fez despertar, levando-as a usar
aquele material e, consequentemente, a educarem-se (pp. 31-32).
10.6 A mestra que desejar consagrar-se a este método educa-
cional, deverá convencer-se disto: não se trata de ministrar conhe-
cimentos às crianças, nem dimensões, formas, cores etc., por meio
de objetos. Nem mesmo é nosso objetivo ensinar as crianças a
servir-se, “sem erros”, do material que lhes é apresentado nos di-
versos métodos de exercícios. Seria reduzir nosso material ao nível
de outro qualquer, sendo igualmente necessária, nesse caso, cola-
boração incessantemente ativa da mestra, preocupando-se esta em
ministrar seus conhecimentos, atarefada em corrigir os erros de
cada criança, até que cada uma tivesse acertado os seus exercícios.
Numa palavra, queremos dizer que o material não constitui um
novo meio posto entre as mãos da antiga mestra ativa para ajudá-
la em sua missão de instrutora e educadora.
Não; o que vimos é uma radical transferência da atividade que
antes existia na mestra, e que agora é confiada, em sua maior parte,
à memória da criança.
A educação é compartilhada pela mestra e pelo ambiente. A
antiga mestra “instrutora” é substituída por todo um conjunto, muito
mais complexo; isto é, muitos objetos (os meios de desenvolvimen-
to) coexistem com a mestra e cooperam para a educação da criança.
A diferença profunda que existe entre este método e as “lições
objetivas” dos métodos antigos é não constituírem “os objetos”
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um auxílio para a mestra que os deverá explicar, mas são, eles
próprios, “meios didáticos”.
Esse conjunto estabelece um auxílio para a criança que escolhe
os objetos, pega-os, serve-se deles e exercita-se com eles segundo
suas próprias tendências e necessidades, conforme o impulso do
seu interesse. Os objetos, assim, tornam-se “meios de desenvolvi-
mento” (p. 143).
10.7 O trabalho da nova mestra é o de um guia. Ela guia
ensinando o manuseio do material, a procura de palavras exatas,
orientando cada trabalho; guia ao impedir qualquer desperdício
de energia ou, eventualmente, restabelecendo o equilíbrio.
Verdadeiro guia no caminho da vida, ela não instiga nem es-
tanca; satisfaz-se com sua tarefa ao indicar a esse valioso peregrino,
que é a criança, o caminho certo e seguro.
Para ser um guia seguro e prático, será necessário exercitar-se
muito. Tendo compreendido que os períodos de iniciação e inter-
venção são diferentes, fica por vezes indecisa sobre o grau de
maturidade da criança e sobre a oportunidade de passar de um
período a outro. Às vezes, espera demasiadamente que a criança se
exercite por si mesma em distinguir as diferenças, antes de intervir
ensinando-lhe a nomenclatura (p. 154).
10.8 O dever de nossas mestras é bem mais simples que o das
outras educadoras. O “necessário” é indicado, ao mesmo tempo
em que se lhe ensina a evitar o “supérfluo”, que entrava o progresso
das crianças; numa palavra, é-lhes dado um limite.
[...] Os preconceitos sobre a facilidade e sobre a dificuldade
dos conhecimentos constituem um dos tantos cuidados de que
livramos nossas mestras. A facilidade e a dificuldade das coisas
não podem ser julgadas senão à luz de uma experiência direta.
[...] Uma palavra se faz, pois, necessária, a fim de combater esses
preconceitos. Observar uma forma geométrica, não é analisá-la; ora,
é com a análise que as dificuldades começam. Se se falasse às crianças,
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por exemplo, sobre lados e ângulos, explicando os seus respectivos
conceitos, entrar-se-ia realmente no domínio da geometria, o que,
certamente, seria prematuro para a primeira infância (pp. 157-158).
11. A observação da criança
11.1 Ficamos muitas vezes estupefatos por ver crianças não so-
mente observar espontaneamente o seu ambiente, percebendo agora
coisas que antes não distinguiam, como também fazer comparações
com aquelas guardadas na memória. Alguns de seus raciocínios reve-
lam um acúmulo de observações, uma espécie de “pedra de toque”
que nós não possuímos. Elas confrontam as coisas exteriores com as
imagens que estão fixadas em seu espírito, externando apreciações de
surpreendente exatidão. Em Barcelona, certo dia, um operário en-
trou numa classe, trazendo um vidro para pôr na janela. Uma criança
de cinco anos exclamou: “Esse vidro não serve; é muito pequeno”.
Foi somente experimentando-o que o operário verificou que, real-
mente, houvera engano de um centímetro na medida (p. 164).
11.2 A mente de uma criança certamente não está vazia de co-
nhecimentos nem de ideias quando se inicia a educação dos seus sen-
tidos; mas as imagens mantêm-se confusas, “à beira do abismo”. [...]
A criança começa a distinguir as propriedades dos objetos, a quanti-
dade da qualidade; separa o que é forma do que é cor; distingue
dimensões, segundo a sua predominância, em objetos compridos ou
curtos, grossos e finos, grandes e pequenos. Separa-os em grupos,
chamando-os pelo próprio nome: branco, verde, vermelho, azul,
amarelo, violeta, preto, alaranjado; marrom, róseo. Distingue a cor
em sua intensidade, dominando claro e escuro os seus extremos. O
gosto é diferenciado do olfato, a beleza da feiura, os sons dos ruídos.
Como aprendeu a pôr “cada coisa em seu lugar” no mundo
exterior, assim também pode chegar, graças à educação dos seus
sentidos, a estabelecer uma classificação fundamentada sobre essas
imagens mentais. É a primeira manifestação da ordem do espírito
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que se forma: é o ponto de partida para que a vida psíquica se
desenvolva, evitando os obstáculos.
A “conquista do mundo exterior”, com suas imagens sensí-
veis, será doravante mais fácil e coordenada. A ordem que se co-
meçou a estabelecer preparou as condições de vida.
É assim que procederam aqueles homens que o mundo cha-
mou de “Iluminados”. Começaram por distinguir as coisas, classi-
ficando-as em grupos; em seguida, inventaram nomes para
especificá-las e constataram que o plano resultou muito bem. En-
tão, uniram aquele conhecimento exato à linguagem científica.
Assim foi o começo de todas as ciências que estudam as coisas
existentes (pp. 166-167).
12. A linguagem, a escrita e a leitura
12.1 Nossa concepção pedagógica, que consiste em “ajudar o
desenvolvimento natural” da criança, deverá deter sua marcha ante
as aquisições artificiais trazidas pela civilização? Referimo-nos ao
aprendizado da escrita e da leitura. Trata-se de “ensinar” clara-
mente o que não depende mais da própria natureza do homem.
Já é tempo de abordar o problema da cultura pela educação,
e enfrentar, consequentemente, os esforços necessários, ainda que
em detrimento dos impulsos naturais. Todos sabemos que a escri-
ta e a leitura constituem, na escola, o primeiro esforço, o primeiro
tormento de um ser humano necessitado de submeter a própria
natureza aos imperativos da civilização.
Aqueles que se preocupam com as crianças, pensarão ser mais
acertado retardar o mais possível uma tarefa tão penosa; acham a
idade dos oito anos apenas admissível para conquista tão difícil.
Geralmente, começa-se a ensinar o alfabeto e a escrita às crianças
de seis anos, e considera-se quase erro pôr a primeira infância em
contato com o alfabeto e a linguagem gráfica.
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A linguagem gráfica, à semelhança de “uma segunda denti-
ção”, só é utilizável num período avançado do desenvolvimento:
é a linguagem que permite exprimir o pensamento já organizado
logicamente, e recolher ideias de pessoas ausentes. Enquanto a
criança for incapaz, pela sua imaturidade, de utilizar tal linguagem,
poderá ser dispensada do penoso trabalho de aprendê-la. (p. 179)
12.2 Por muito tempo se pensou que para aprender a escrever
era indispensável saber fazer pauzinhos. Parecia natural que para es-
crever as letras do alfabeto, que são arredondadas, conviria principiar
pelas hastes retas, munindo-as depois de tracinhos em ângulo agu-
do. A seguir, com toda a boa fé, espantaram-se por ver quão difícil
era para a criança tirar a dureza dos ângulos, para fazer as belas
curvinhas do “O”; e, no entanto, quanto esforço, da nossa parte e da
parte delas, para forçá-las a escrever com ângulos agudos.
Despojemo-nos um momento de tais preconceitos. Será para
nós um motivo de grande satisfação o poder aliviar a humanidade
de amanhã de todo esforço no aprendizado da escrita.
Será mesmo necessário começar pelos pauzinhos? Quem raci-
ocina logicamente, contestará: não! A criança demonstra, pelo es-
forço bastante penoso que lhe custa este exercício, que o tracinho
vertical não constitui a dificuldade menor a vencer.
Para dizer a verdade, é esse um dos exercícios mais difíceis de
fazer. Somente um calígrafo poderia regularmente encher uma
página de hastes, ao passo que, para a escrita que usamos, qualquer
pessoa que saiba escrever mediocremente, poderá fazê-lo em tempo
igual, com uma escrita apresentável. Com efeito, a qualidade da
linha reta é única, percorrendo a distância mais breve entre dois
pontos; pelo contrário, todos os desvios, qualquer que seja a dire-
ção que tomem, formam uma linha que não é reta;
consequentemente, os infinitos desvios são mais fáceis do que aquela
única, que é a perfeição (p. 180).
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12.3 A escrita é uma atividade complexa, que precisa ser analisa-
da. Parte dela relaciona-se com o mecanismo motor, parte com o
trabalho da inteligência. No mecanismo motor é necessário ainda
distinguir dois grupos: um destinado a manipular o instrumento da
escrita, outro a desenhar a forma das letras. Estes dois grupos cons-
tituem o “mecanismo motor” da escrita que pode, além disso, ser
substituído pela máquina; neste caso, porém, é um “mecanismo” de
outro gênero, que deverá ser desenvolvido pela datilografia.
O fato de uma máquina permitir ao homem escrever esclarece
bem a distinção entre a função mais elevada da inteligência que
emprega a linguagem gráfica para se exprimir, e o mecanismo
graças ao qual se obtém a linguagem gráfica (p. 190).
12.4 O conhecimento da escrita e da leitura é bem distinto do
“conhecimento dos sinais alfabéticos”. Ele é adquirido somente
quando “o vocábulo” corresponde ao sinal gráfico, assim como o
início da linguagem falada não é indicado senão pela primeira apa-
rição de “vocábulos” tendo uma significação, e não somente por
sons que poderiam representar vogais ou sílabas.
[...] Criar palavras é, em princípio, mais apaixonante que lê-las!
E também muito mais “fácil” que “escrevê-las”, porque para
escrevê-la é necessário este trabalho de mecanismos que não estão
ainda bem fixados. Como exercício preliminar oferecemos, pois,
à criança um alfabeto [...]; escolhendo as letras desse alfabeto e
pondo-as umas ao lado das outras, a criança chega a compor pa-
lavras. Seu trabalho manual consiste em pegar as formas numa
caixa e depositá-las sobre um tapete. A palavra é composta “letra
por letra”, correspondentemente aos sons que representam. Como
as letras são objetos deslocáveis, será fácil corrigir a composição
obtida; isto representa uma análise estudada da palavra, e é um
meio excelente para aperfeiçoar a ortografia.
Este exercício da inteligência liberada de mecanismos constitui
verdadeiramente um estudo; sem os impasses criados por uma
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“necessidade de executar” a escrita. E a energia intelectual, impul-
sionada por esse interesse novo, pode assim exprimir-se sem fadi-
ga num trabalho cuja quantidade nos maravilha (pp. 203-204).
12.5 A experiência levou-me a fazer uma distinção bem clara
entre escrita e leitura e demonstrou-me que as duas conquistas não
eram absolutamente simultâneas; a escrita, conquanto esta asserção
contradiga certo preconceito, precede a leitura. Não denomino
leitura o ensaio que a criança faz em verificar as palavras que escre-
veu, isto é, quando traduz os sinais em sons, como, antes, havia
traduzido os sons em sinais, porque a criança conhecia já a palavra
que ïntimamente repetia ao escrevê-la. Denomino leitura a inter-
pretação de uma ideia latente em sinais gráficos.
A criança que não ouviu ditar uma palavra, mas que a reco-
nheceu ao vê-la composta mediante as letras móveis, e que sabe
sua significação (se for uma palavra que conheça), esta criança leu.
A palavra lida corresponde, na linguagem gráfica, à palavra da
linguagem articulada que serve para receber a linguagem transmi-
tida pelos outros.
Mas enquanto a criança não receber a ideia transmitida pelas
palavras escritas, ela não lê (p. 214).
MONTESSORI, M. A criança. Tradução de Luiz Horácio da Matta, 2.ed. Rio de
Janeiro: Nórdica, s.d.
13. Antecedentes do método
13.1. Não se vê o método: o que se vê é a criança. Vê-se o
espírito da criança que, libertado dos obstáculos, age segundo sua
própria natureza. As qualidades infantis que se entreviram pertencem
simplesmente à vida, assim como as cores dos pássaros e o perfu-
me das flores. Não são, absolutamente, consequência de um “mé-
todo educacional”. É evidente, porém, que esses fatos naturais
podem ter sido influenciados pelo trabalho educativo que teve
por meta protegê-las, cultivando-as de modo a facilitar-lhes o de-
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senvolvimento. O homem pode agir, através do cultivo, até mes-
mo sobre as flores nas quais as cores e os aromas são naturais,
assegurando o aparecimento de determinadas características ou
desenvolvendo em termos de força e beleza as características pri-
mitivas apresentadas pela natureza.
Ora, os fenômenos surgidos na Casa das Crianças são caráteres
psíquicos naturais. Todavia, não são aparentes como os fatos natu-
rais da vida vegetativa, porque a vida psíquica é tão dinâmica que
suas características podem até mesmo desaparecer em consequência
de condições inadequadas do ambiente e ser substituídas por ou-
tras (p. 160).
13.2. Faz-se necessário [...] antes de proceder a uma ação
educativa, implantar condições ambientais que favoreçam a apari-
ção das características normais que estão ocultas. Para isso, basta
simplesmente “afastar os obstáculos” e este deve ser o primeiro
passo, o alicerce da educação.
Não se trata, consequentemente, de desenvolver características
existentes, mas de primeiro descobrir a natureza e depois auxiliar
o desenvolvimento da normalidade (p. 161).
13.3. Outra circunstância notável é o oferecimento às crianças
de um material científico adequado e atraente, aperfeiçoado para a
educação sensorial, e de meios – como os sólidos articulados –
que permitem uma análise e um aperfeiçoamento dos movimen-
tos, bem como a concentração da atenção, inexequíveis quando o
ensinamento feito de viva voz pretende despertar as energias por
meio de solicitações exteriores (p. 161).
14. A descoberta da infância
14.1 Iniciou-se há alguns anos um movimento social a favor
da infância, sem que alguém em particular tomasse tal iniciativa.
Ocorreu algo semelhante a uma erupção natural em terreno vulcâ-
nico, na qual se produzem espontaneamente fogos dispersos aqui
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COLEÇÃO EDUCADORES
e acolá. Assim nascem os grandes movimentos. Não há dúvida
quanto à contribuição da ciência: foi a iniciadora desse movimen-
to. A higiene começou a combater a mortalidade infantil; posteri-
ormente, demonstrou que a criança era vítima da fadiga estudantil,
mártir desconhecida condenada à pena perpétua, pois sua infância
terminava no momento da conclusão da escola elementar.
A higiene escolar descreve crianças desventuradas, de espírito
oprimido e inteligência cansada, ombros encurvados e peito estreito,
urna infância predisposta à tuberculose. Finalmente, após trinta anos
de estudos, consideramos as crianças seres humanos abandonados
pela sociedade e, sobretudo, por aqueles que lhes deram e conser-
vam a vida. O que é a infância? Um incômodo constante para o
adulto preocupado e cansado por ocupações cada vez mais absor-
ventes. Já não existe lugar para as crianças nas residências mais aca-
nhadas das cidades modernas, onde as famílias se acumulam em
espaço reduzido. Não há lugar para elas nas ruas porque os veícu-
los se multiplicam e as calçadas estão apinhadas de pessoas apressa-
das. Os adultos não dispõem de tempo para se ocuparem com
elas, pois são oprimidos por compromisso urgentes. Pai e mãe são
ambos obrigados a trabalhar e, quando falta emprego, a miséria
atinge tanto adultos como crianças. Mesmo nas melhores condi-
ções, a criança fica confinada em seu quarto, entregue a desconheci-
dos assalariados, não lhe sendo permitido acesso às partes da casa
onde habitam as pessoas às quais deve a vida. Não existe qualquer
refúgio no qual a criança se sinta compreendida, onde possa exerci-
tar a atividade própria da infância. Deve comportar-se bem, man-
ter-se em silêncio, sem tocar em coisa alguma porque nada lhe
pertence. Tudo é inviolável propriedade exclusiva do adulto, veda-
do à criança. O que possui ela? Nada (pp. 7-8)
14.2. Quando a criança sentava-se nos móveis dos adultos, ou
no chão, era repreendida; tornava-se necessário que alguém a pe-
gasse no colo para que pudesse sentar. Eis a situação de uma crian-
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ANTONIO GRAMSCI
ça que vive no ambiente dos adultos: um importuno, que procura
algo para si e não encontra, que entra e logo é repudiado. Uma
situação semelhante à de um homem privado de direitos civis e de
ambiente próprio: um ser marginalizado pela sociedade, que to-
dos podem tratar sem respeito, insultar e castigar, por força de um
direito concedido pela natureza – o direito do adulto (p. 8).
14.3. Em decorrência de um curioso fenômeno psíquico, o
adulto nunca se preocupou em preparar um ambiente adequado
ao seu filho; dir-se-ia que se envergonha dele na estrutura social. O
homem, ao elaborar suas leis, deixou o próprio herdeiro sem leis
e, portanto, fora delas. Abandona-o, sem orientação, ao instinto de
tirania existente no fundo de todo coração adulto. Eis o que deve-
mos dizer a respeito da infância que vem ao mundo trazendo
novas energias que, na verdade, deveriam constituir o sopro
regenerador capaz de dissipar os gases asfixiantes acumulados de
geração em geração durante uma vida humana cheia de erros.
Repentinamente, porém, na sociedade há séculos cega e insen-
sível – provavelmente desde a origem da espécie humana - surge
uma nova consciência relativa ao destino da criança. A higiene acor-
reu em seu socorro como para um desastre, uma catástrofe que
causasse inúmeras vítimas; lutou contra a mortalidade infantil no
primeiro ano de vida – as vítimas eram tão numerosas que os
sobreviventes podiam ser considerados salvos de um dilúvio uni-
versal. A vida da criança assumiu um novo aspecto quando, no
início do século XX, a higiene começou a penetrar nas classes po-
pulares. As escolas transformaram-se de tal maneira que as com
pouco mais de uma década de existência pareciam datar de um
século. Através da meiguice e da tolerância, os princípios educativos
introduziram-se tanto nas famílias como nas escolas (pp. 8-9).
14.4. Muitos dos reformadores atuais levam a criança em con-
sideração, reservando-lhes jardins nos projetos de urbanização, cons-
truindo-lhes áreas de recreação nas praças e parques. Pensa-se na
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criança quando se edificam teatros; para ela publicam-se livros e
revistas, organizam-se viagens, fabricam-se móveis de dimensões
adequadas. Desenvolvendo-se, enfim, uma organização conscien-
te das classes, procurou-se organizar as crianças, incutindo-lhes a
noção de disciplina social e dignidade que resulta em favor do
indivíduo, como ocorre em organizações do gênero dos escotei-
ros e das “repúblicas infantis”. Os revolucionários reformadores
políticos da atualidade tentam assenhorear-se da infância a fim de
transformá-la num instrumento dócil de seus desígnios. Hoje em
dia a infância está sempre presente, seja para o bem ou para o mal,
tanto para ser lealmente auxiliada como para o objetivo interessei-
ro de usá-la como instrumento. Nasceu como elemento social,
poderoso e introduzindo-se em toda a parte. Já não é apenas um
membro da família, já não é o menino que, aos domingos, vestido
como seu melhor traje, deixava-se levar docilmente pela mão pa-
terna, preocupado em não sujar a roupa domingueira. Não. A
criança é uma personalidade que invadiu o mundo social. [...] todo
movimento tem em seu favor um significado. E, como já foi dito,
este não foi provocado nem dirigido por iniciadores, ou coorde-
nado por alguma organização, consequentemente, podemos dizer
que chegou a hora da criança (p. 9).
14.5. Um importantíssimo problema social apresenta-se, por-
tanto, em toda a sua plenitude: o problema social da infância.
Urge avaliar a eficácia de tal movimento: sua importância para
a sociedade, para a civilização, para toda a humanidade, é imensa.
Todas as iniciativas esporádicas, nascidas sem ligações recíprocas,
são provas evidentes de que nenhuma delas tem importância cons-
trutiva: constituem apenas a comprovação do nascimento ao nosso
redor de um impulso real e universal no sentido de uma grande
reforma social. Tal reforma é tão importante que anuncia novos
tempos e uma nova era civil – somos os únicos sobreviventes de
uma época já ultrapassada, na qual os homens preocupavam-se
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apenas com criarem para si próprios um ambiente fácil e cômodo:
um ambiente para a humanidade adulta.
Encontramo-nos agora no limiar de urna nova era em que
será necessário trabalhar em favor de duas humanidades diferen-
tes: a dos adultos e a das crianças. E caminhamos para uma civili-
zação que deverá preparar dois ambientes sociais, dois mundos
distintos: o mundo dos adultos e o das crianças (p. 10).
14.6. [...] o problema social da infância penetra com suas raízes
na vida interior, chegando até nós, adultos, para despertar-nos a
consciência, para renovar-nos. A criança não é um estranho que o
adulto possa considerar apenas exteriormente, com critérios obje-
tivos. A infância constitui o elemento mais importante da vida do
adulto: o elemento construtor.
O bom ou o mal do homem na idade madura está estreita-
mente ligado à vida infantil na qual teve origem. Sobre ela recairão
todos os nossos erros, que sobre ela repercutirão de maneira inde-
lével. Morremos, mas nossos filhos sofrerão as consequências do
mal que lhes terá deformado para sempre o espírito. O ciclo é
contínuo e não pode ser interrompido. Tocar na criança significa
tocar no ponto mais sensível de um todo que tem raízes no passa-
do mais remoto e se dirige para o infinito do futuro. Tocar na
criança significa tocar no ponto mais delicado e vital, onde tudo se
pode decidir e renovar, onde tudo redunda na vida, onde estão
trancados os segredos da alma, porque ali se elabora a educação
do homem (pp. 10-11).
14.7. O problema social da infância é como uma pequena planta
que mal brotou do solo e que atrai pela sua frescura. Constatare-
mos, porém, que esta planta possui raízes resistentes e profundas,
difíceis de extirpar. É preciso escavar, escavar profundamente, para
descobrir que tais raízes se espalham em todas as direções e se
estendem longe, como um labirinto. Para arrancar a planta seria
necessário remover toda a terra.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Essas raízes são o símbolo do subconsciente na história da
humanidade. É preciso remover coisas estáticas, cristalizadas no
espírito do homem, que impedem de compreender a infância e de
adquirir um conhecimento intuitivo de sua alma.
A impressionante cegueira do adulto, sua insensibilidade em
relação aos filhos – frutos de sua própria vida – certamente pos-
suem raízes profundas que se estendem através das gerações; e o
adulto, que ama as crianças, mas que as despreza inconscientemen-
te, nelas provoca um sofrimento secreto que é um espelho de
nossos erros e uma advertência quanto à nossa conduta. Tudo isso
revela um conflito universal, ainda que inadvertido, entre o adulto
e a criança. O problema social da infância nos faz penetrar nas leis
da formação do homem e nos ajuda a criar uma nova consciência,
levando-nos, consequentemente, a uma orientação da de nossa vida
social (p. 11).
14.8. O progresso alcançado em poucos anos nos cuidados e
educação das crianças foi tão rápido e surpreendente que pode ser
atribuído mais a um despertar de consciência que à evolução das
condições de vida. Não foi apenas o progresso devido à higiene
infantil, que se desenvolveu em especial na ultima década do sécu-
lo passado; personalidade da própria criança manifestou-se sob
novos aspectos, assumindo a mais alta importância.
Hoje em dia é impossível aprofundar-se em qualquer que seja
o ramo da medicina, da filosofia e mesmo da sociologia, sem se
ter em mente as contribuições que lhes possam advir do conheci-
mento da vida infantil.
Poder-se-ia tirar um pálido exemplo dessa importância a par-
tir da Influência esclarecedora da embriologia sobre todos os co-
nhecimentos biológicos e, em especial, os relativos à evolução dos
seres. No caso da criança, porém, deve-se reconhece uma influência
infinitamente superior a essa em todas as questões relacionadas
com a humanidade.
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Não é a criança física, mas a psíquica que poderá dar ao aper-
feiçoamento humano um impulso dominante e poderoso. É o
espírito da criança que poderá determinar qual será o verdadeiro
progresso humano e, talvez, o início de uma nova civi1ização. A
escritora e poetisa sueca Ellen Key profetizou que o nosso século
seria o século da criança (p. 15).
14.9. Ninguém [...] foi capaz de prever que a criança guardasse
em si própria um segredo vital que poderia desvendar os mistéri-
os da alma humana, que trouxesse dentro de si uma incógnita in-
dispensável para oferecer ao adulto a possibilidade de solucionar
seus próprios problemas individuais e sociais. Este ponto de vista
poderá transformar-se no alicerce de uma nova ciência que se de-
dique a pesquisar a infância, cuja influência poderá fazer-se sentir
em toda a vida social do homem (p. 16).
14.10. A psicanálise abriu um campo de investigação antes
desconhecido, penetrando nos segredos do subconsciente, mas não
resolveu praticamente qualquer problema angustiante da vida prá-
tica; não obstante, é capaz de preparar o homem para compreen-
der a contribuição que a criança oculta pode prestar.
Pode-se dizer que a psicanálise atravessou o invólucro da cons-
ciência, que a psicologia considerava algo insuperável, assim como o
eram na história antiga as Colunas de Hércules, que representavam
um limite além do qual a superstição situava o fim do mundo.
A psicanálise ultrapassou o limite - penetrou no oceano do
subconsciente. Sem tal descoberta seria difícil ilustrar a contribuição
que a criança psíquica pode prestar ao estudo mais aprofundado
dos problemas humanos (pp. 16-17).
14.11. Sabe-se que, no início, aquilo que mais tarde se tornou a
psicanálise não passava de uma nova técnica de tratamento das
doenças psíquicas – desde o começo, portanto, foi um ramo da
medicina. A descoberta do poder do subconsciente sobre os atos
humanos constituiu uma contribuição verdadeiramente brilhante
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da psicanálise. Foi quase um estudo de reações psíquicas que pene-
tram além da consciência e trazem à luz, com sua resposta, fatos
secretos e realidades impensadas, revolucionando os conceitos
antigos. Revelam, pois, a existência de um mundo desconhecido,
vastíssimo, o qual se pode dizer, está ligado ao destino dos indiví-
duos. Todavia, esse mundo desconhecido não foi explorado. Ape-
nas ultrapassadas as Colunas de Hércules, ninguém se aventurou
na imensidão do oceano. Uma sugestão comparável ao precon-
ceito grego deteve Freud nos limites da patologia.
O subconsciente já surgira no campo da psiquiatria no século
passado, na época de Charcot.
Quase como por ebulição interna de elementos descontrolados
que abrem caminho através da superfície, o subconsciente rompia
barreiras para manifestar-se, em casos excepcionais, nos estados
mais graves de doença psíquica. Consequentemente os estranhos
fenômenos do subconsciente, tão contrastantes com as manifesta-
ções do consciente, eram considerados simplesmente sintomas de
doença. Freud fez o contrário: encontrou a maneira de penetrar
no subconsciente com o auxílio de uma técnica laboriosa. Contu-
do, também ele se manteve quase exclusivamente no campo pato-
lógico. Isto porque pessoas normais dificilmente estariam dispos-
tas a submeter-se aos penosos exames da psicanálise, ou seja, a
uma espécie de intervenção cirúrgica na alma (p. 17).
14.12. A missão de ingressar no vasto campo inexplorado tal-
vez caiba a diferentes campos científicos e a diversas abordagens
conceituais – o estudo do homem desde as origens, procurando
decifrar na alma da criança seu desenvolvimento através dos con-
flitos com o ambiente, bem como para desvendar o segredo dra-
mático ou trágico das lutas através das quais a alma humana con-
servou-se contorcida e tenebrosa.
Tal segredo já foi abordado pela psicanálise. Uma das desco-
bertas mais impressionantes decorrentes da aplicação da técnica
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psicanalítica foi a da origem das psicoses na remota idade infantil.
As recordações extraídas do inconsciente revelavam sofrimentos
infantis diferentes dos normalmente conhecidos e tão afastados
da opinião dominante que resultaram na parte mais impressio-
nantemente revolucionária dentre todas as descobertas da psicaná-
lise. Eram sofrimentos de natureza puramente psíquica: lentos e
constantes. E totalmente despercebidos como fatos capazes de
resultar numa personalidade adulta psiquicamente doente. Era a
repressão da atividade espontânea da criança, devida ao adulto
que a domina e, por isso, relacionada com o adulto que maior
influência exerce sobre a criança: a mãe (p. 18).
14.13. Não se trata de percorrer a difícil senda da investigação
de indivíduos doentes, mas de abrir espaço na realidade da vida
humana, orientada no sentido da criança psíquica. O que se apresen-
ta no problema prático é toda a vida do homem, em sua evolução
a partir do nascimento. Desconhece-se a página da história da hu-
manidade que narra a aventura do homem psíquico: a criança sensí-
vel que encontra seus obstáculos e se vê imersa em conflitos insupe-
ráveis com o adulto mais forte que ela, que a domina sem a com-
preender. É a página em branco, na qual ainda não se escreveram os
sofrimentos ignorados que perturbam o campo espiritual puro e
delicado da criança, estruturando-lhe no subconsciente um homem
inferior, diferente do que lhe teria sido destinado pela natureza.
Esse complexo problema é ilustrado pela psicanálise, mas não
lhe está ligado. A psicanálise limita-se ao conceito de doença e de
medicina curativa. No que concerne à psicanálise, o problema da
criança implica uma profilaxia porque se relaciona com o trata-
mento normal e geral da infância como um todo - tratamento que
contribui para evitar obstáculos, conflitos e suas consequências,
que são as doenças psíquicas das quais se ocupa a psicanálise, ou os
simples desequilíbrios morais, que ela considera extensivos a quase
toda a humanidade.
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Cria-se assim em torno da criança um campo de exploração
científica totalmente novo e independente até de seu único parale-
lo, que seria a psicanálise. Trata-se essencialmente de uma forma
de auxílio à vida psíquica infantil e integra-se ao contexto da nor-
malidade e da educação: sua característica, porém, é a penetração
de fatos psíquicos ainda ignorados na criança, somada ao desper-
tar do adulto – que assume perante a criança atitudes erradas que
têm origem no subconsciente (p. 20).
14.14. A criança não pode expandir-se como deve ocorrer
com um ser em via de desenvolvimento. E isto porque o adulto a
reprime. Adulto é um termo abstrato. A criança é um ente isolado
na sociedade; consequentemente, se o adulto exerce uma influên-
cia sobre ela, é imediatamente identificado: o adulto que está mais
próximo. Primeiro a mãe, depois o pai, por fim os professores.
São os adultos aos quais a sociedade atribui uma tarefa exata-
mente oposta, porque lhes confere o mérito da educação e desen-
volvimento da criança (p. 21).
14.15. Também para a criança existe o desconhecido. Existe urna
parte da alma da criança que sempre foi desconhecida e que se deve
conhecer. Ocorre também em relação à criança a descoberta que con-
duz ao ignorado, pois além da criança observada e estudada pela
psicologia e pela educação existe igualmente a criança ainda ignorada.
É necessário partir à sua procura com um espírito de entusiasmo e de
sacrifício, como fazem aqueles que, ao saberem da existência de ouro
oculto em algum lugar, acorrem a regiões desconhecidas e removem
montanhas à procura do metal precioso. Assim deve proceder ao
adulto, procurando esse algo desconhecido que se esconde na alma da
criança. É urna tarefa na qual todos devem colaborar, sem diferenças
de casta, raça ou nacionalidade, pois trata-se de extrair o elemento
indispensável ao progresso moral da humanidade.
O adulto não tem compreendido a criança e o adolescente;
em consequência, trava contra eles uma luta perene. O remédio
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não consiste em fazer o adulto aprender alguma coisa ou integrar
urna cultura deficiente. Não. É preciso partir de urna base diferente.
É necessário que o adulto encontre em si mesmo o erro ignorado
que o impede de ver a criança.
Se essa preparação não foi efetuada e se ainda não foram adotadas
as atitudes adequadas a tal preparação é impossível ir-se adiante.
O fato de fazer uma introspecção não é tão difícil quanto se
supõe pois o erro, embora inconsciente, causa o sofrimento da
angústia e a menor sugestão do remédio faz sentir uma aguda
necessidade deste. Da mesma forma como uma pessoa com
uma luxação no dedo sente necessidade de recolocá-lo na posi-
ção normal, pois sabe que a mão está incapacitada de trabalhar e
que a dor não terá alívio, sente-se a necessidade de corrigir o
consciente tão logo o erro seja percebido, pois então se tornam
intoleráveis a debilidade e o sofrimento prolongadamente su-
portados. Isto feito, tudo prossegue facilmente. Logo que surja
em nós a convicção de que nos atribuíamos méritos exagerados,
de que nos acreditávamos capazes de agir além de nossa tarefa e
de nossas possibilidades, tornar-se-á possível e interessante reco-
nhecer as características de almas diferentes das nossas, como
são as das crianças (pp. 23-24).
14.16. O adulto tornou-se egocêntrico em relação à criança;
não egoísta, mas egocêntrico, porquanto encara tudo que se refere
à criança psíquica segundo seus próprios padrões, chegando assim
a uma incompreensão cada vez mais profunda. Ë esse ponto de
vista que o leva a considerar a criança um ser vazio, que o adulto
deve preencher com seu próprio esforço, um ser inerte e incapaz,
pelo qual ele deve fazer tudo, um ser desprovido de orientação
interior, motivo pelo qual o adulto deve guiá-lo passo a passo, do
exterior. Enfim, o adulto é como que o criador da criança e
considera o bem e o mal das ações desta do ponto de vista de suas
relações com ela. O adulto é a pedra de toque do bem e do mal.
É infalível, é o bem segundo o qual a criança deve moldar-se; tudo
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o que na criança se afasta das características do adulto é um mal
que este se apressa em corrigir.
Com esta atitude que, inconscientemente, anula a personalida-
de da criança, o adulto age convencido de estar cheio de zelo,
amor e sacrifício (p. 24)
14.17. A criança que nasce não ingressa num ambiente natural,
mas entra no ambiente da civilização, onde se desenvolve a vida
dos homens. É um ambiente sobrenatural, construído acima da
natureza e às suas expensas, pelo impulso de obter auxílios minu-
ciosos à vida do homem e facilitar-lhe a adaptação.
Entretanto, que providências tomou a civilização para auxiliar
o recém-nascido, o homem que exerce o esforço supremo de
adaptação quando com o nascimento, passa de uma vida a outra?
A traumatizante passagem do nascimento deveria requerer um
tratamento científico para o recém-nascido, pois em nenhuma outra
época da vida o homem enfrenta semelhante ocasião de luta e
contraste, bem como de sofrimento.
Todavia, não é tornada qualquer providência que facilite essa
passagem crucial, embora devesse existir na história da civilização
humana uma página anterior a todas as outras, que relatasse o que
o homem civilizado faz em auxílio do ser que nasce. Mas essa
página está em branco (p. 31).
14.18. [...] nós, embora amando profundamente a criança,
alimentamos um instinto quase de defesa contra ela, que prevalece
desde o primeiro momento em que ela nos chega. E não é apenas
um instinto de defesa, mas de avareza, que nos faz acorrer a zelar
pelas coisas que possuímos, mesmo quando estas nada valem.
A partir do instante do nascimento da criança, o espírito do
adulto se exprime sempre nesse sentido: cuidar para que a criança
não estrague, não suje, não incomode
Creio que quando a humanidade adquirir plena compreensão
da criança, encontrará um modo muito mais perfeito para cuidar
dela (p. 34).
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14.19. O fato é que existe uma lacuna na história da civilização
com relação à fase inicial da vida, uma página em branco, na qual
ninguém ainda escreveu porque ninguém pesquisou as primeiras
necessidades do homem Não obstante. a cada dia nos tornamos
mais conscientes da impressionante verdade evidenciada por tan-
tas experiências, ou seja, que as perturbações nos estágios iniciais (e
mesmo no período pré-natal) influem em toda a vida do homem.
A vida embrionária e a infantil são depositárias (como atualmente
todos reconhecem) da saúde do adulto e da raça. Por que, então,
não se leva em consideração o nascimento, a crise mais difícil a ser
superada na vida?
Não damos atenção ao recém-nascido: para nós, ele não é um
homem. Quando chega ao nosso mundo, não o sabemos receber,
embora o mundo que criamos lhe seja destinado, a fim de que ele
lhe dê continuidade e o faça avançar no sentido de um progresso
superior ao nosso (p. 37-38).
14.20. Antes mesmo de podermos falar em meios de expres-
são, a sensibilidade da criança muito pequena possui uma estrutura
psíquica primitiva, que pode permanecer oculta.
Todavia, seria errôneo concluir que - no caso da linguagem,
por exemplo, isso não corresponda à verdade. Do contrário, che-
gar-se-ia à afirmação de que essa linguagem já existe totalmente
formada no espírito, embora os órgãos motores da palavra ainda
não sejam capazes de expressão. O que existe é a predisposição de
construir uma linguagem. Algo semelhante ocorre com a totalida-
de do mundo psíquico, cuja linguagem constitui uma manifestação
externa. Na criança existe a atitude criativa, a energia potencial,
para construir um mundo psíquico às expensas do ambiente.
Tem para nós um interesse deveras especial a recente desco-
berta efetuada na biologia dos chamados períodos sensíveis estrei-
tamente ligados aos fenômenos do desenvolvimento. De que de-
pende o desenvolvimento? Como cresce um ser vivo?
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Quando se fala de desenvolvimento, de crescimento, fala-se de
um fato constatável exteriormente, mas que há bem pouco tempo foi
penetrado em alguns pormenores de seu mecanismo interno (p. 51).
14.21. Caso não seja prestado qualquer auxílio à criança, se o
meio ambiente não for preparado para recebê-la, ela estará em
permanente perigo sob o ponto de vista da sua vida psíquica. A
criança está no mundo como um “exposto”, isto é, como um
abandonado; está exposta a contatos perniciosos, a lutas pela exis-
tência psíquica, inconscientes, mas reais, cujas consequências são
fatais para a estrutura definitiva do indivíduo.
O adulto não a auxilia porque ignora até mesmo o esforço ao
qual ela se submete e, consequentemente, não percebe o milagre que
se está realizando: o milagre da criação a partir do nada, levado a
efeito por um ser aparentemente desprovido de vida psíquica.
Resulta disso um novo modo de tratar a criança, até então
considerada um corpinho vegetativo, necessitado unicamente de
cuidados higiênicos. Devem prevalecer, ao contrário, as impres-
sões das manifestações psíquicas e, portanto, a ação em favor da-
quilo que se aguarda e não do que já aconteceu. O adulto não
pode continuar cego diante de uma realidade psíquica que está em
curso no recém-nascido: é necessário que acompanhe a criança e a
auxilie desde o início de seu desenvolvimento. Não deve ajudá-la a
estruturar-se, pois tal tarefa compete à natureza; deve respeitar
delicadamente as manifestações desse trabalho, fornecendo-lhe os
meios necessários à estruturação - os meios que a criança não con-
seguiria apenas com suas próprias energias (pp. 60-61).
14.22. Observando quais são as características que desapare-
cem na normalização, constata-se com surpresa que constituem a
quase totalidade das características infantis identificadas, ou seja,
não só as que poderiam ser consideradas defeitos infantis, mas
também as que se julgam qualidades. Portanto, não só a desordem,
a desobediência, a preguiça, a gula, o egoísmo, a belicosidade, o
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capricho, mas também a chamada imaginação criativa, o gosto
pelas histórias, o apego às pessoas, a submissão, o brinquedo etc.
Até mesmo características estudadas cientificamente e identificadas
como próprias das crianças, tais como a imitação, a curiosidade, a
inconstância, a instabilidade da atenção. Vale dizer que a natureza
da criança, tal como era conhecida anteriormente, é urna aparência
que encobre outra natureza primitiva e normal (p. 179).
14.23 Na verdade, o simbolismo da criança a impele a servir-se
de qualquer objeto como de um interruptor elétrico que acende a
miragem fantástica na mente: um botão é um cavalo, uma cadeira é
um trono, um lápis é um avião. Basta este exemplo para permitir a
compreensão do motivo pelo qual se oferecem brinquedos às cri-
anças, pois eles permitem uma atividade real, mas provocam ilusões
e não passam de imagens imperfeitas e improdutivas da realidade.
Com efeito, os brinquedos parecem constituir a representação
de um ambiente inútil, incapaz de conduzir à mínima concentração
do espírito, e não têm finalidade, consistindo numa oferta de obje-
tos a uma mente que vaga na ilusão. A atividade das crianças inicia-se
de imediato em torno de tais objetos, como se um sopro animador
fizesse brotar uma pequena chama de um braseiro escondido sob as
cinzas - mas logo a chama se extingue e o brinquedo é jogado fora.
Não obstante, os brinquedos são as únicas coisas que o adulto fez
para a criança psíquica, oferecendo-lhe assim um material no qual
pode exercitar livremente sua atividade. Na verdade, o adulto só dá
liberdade à criança nas brincadeiras, ou melhor, só com os seus brin-
quedos - e está convencido de que estes constituem o mundo no
qual a criança encontra a felicidade (p. 182).
14.24. Existem crianças passivas, cujas energias psíquicas não
têm força suficiente para fugir à influência do adulto e, em vez disso,
entregam-se a ele, que tende a substituí-las em suas atividades, e tor-
nam-se extremamente dependentes dele. Embora não tenham cons-
ciência do fato, a falta de energia vital facilmente as torna queixosas.
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São crianças que sempre se lamentam de alguma coisa, parecendo
pequenos sofredores, e são considerados seres delicados de senti-
mento e sensíveis a seus afetos. Estão sempre aborrecidas, sem se
darem conta disto, e recorrem aos outros, aos adultos, porque não
conseguem escapar por si mesmas do tédio que as oprime. Como
se sua vitalidade dependesse dos outros, apegam-se sempre a al-
guém. Pedem que o adulto as ajude, querem que ele brinque com
elas, que lhes conte histórias, que cante, que nunca se afaste delas.
Perto dessas crianças, o adulto se torna escravo delas: uma obscura
reciprocidade mantém ambos subjugados - mas a aparência leva a
acreditar que se compreendam e se amem profundamente. São es-
sas crianças que estão continuamente a perguntar “por quê?”, sem
dar tréguas, como se motivadas por uma ânsia de conhecer; obser-
vando-se bem, porém, percebe-se que não escutam a resposta e
continuam a indagar. O que parece curiosidade de saber é, na verda-
de, um meio para manterem perto de si a pessoa de que têm neces-
sidade para se suportarem (p. 190).
15. O ambiente da escola
15.1. As crianças pequenas revelam um amor característico pela
ordem. Já entre um ano e meio e dois anos de idade elas demons-
tram claramente, embora de forma confusa, sua exigência de or-
dem no ambiente. A criança não pode viver na desordem porque
esta lhe causa um sofrimento que se manifesta através do choro
desesperado e até mesmo de uma agitação persistente que pode
assumir o aspecto de verdadeira doença. A criança pequena ob-
serva de imediato a desordem que os adultos e as crianças maiores
ignoram com facilidade. Evidentemente, a ordem no ambiente
exterior toca-lhe uma sensibilidade que vai desaparecendo com a
idade, uma das sensibilidades temporárias próprias aos seres em
evolução, que nós denominamos períodos sensíveis. Este é um
dos períodos sensíveis mais importantes e mais misteriosos.
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Se, porém, o ambiente não é adequado e a criança se encontra
entre adultos, essas manifestações tão incessantes que se desen-
volvem pacificamente podem converter-se em angústia, enigma e
capricho.
Para poder surpreender uma manifestação positiva dessa sen-
sibilidade, ou seja, uma expressão de entusiasmo e alegria ligada à
sua satisfação é necessário que pessoas adultas sejam permeáveis a
tais estudos de psicologia infantil, tanto mais que o período sensí-
vel à ordem manifesta-se já nos primeiros meses de vida (p. 66).
15.2. [...] observa-se em nossas escolas que também crianças
muito mais velhas, de três ou quatro anos de idade, após termina-
rem um exercício, recolocam as coisas no lugar, trabalho que está,
indubitavelmente, entre os mais agradáveis e espontâneos. A or-
dem das coisas significa conhecer a posição dos objetos no ambi-
ente, lembrar-se do lugar onde cada um deles se encontra, ou seja,
orientar-se no ambiente e dominá-lo em todos os detalhes. O
ambiente pertencente ou dominado pelo espírito é aquele que se
conhece, aquele onde é possível movimentar-se de olhos fechados
e ter à mão tudo que nos cerca: é um local necessário à tranquilidade
e felicidade da vida. Evidentemente, o amor pela ordem de for-
ma como o entendem as crianças não é aquele que estendemos e
exprimimos com palavras frias.
Trata-se, para o adulto, de um prazer externo, de um bem-estar
mais ou menos indiferente. A criança, porém, forma-se à custa do
ambiente e tal formação construtiva não se efetua segundo uma
fórmula vaga, pois exige uma orientação precisa e definida.
A ordem, para as crianças, é comparável ao plano de
sustentação sobre o qual devem apoiar-se os seres terrestres para
conseguirem caminhar, equivale ao elemento líquido no qual vi-
vem os peixes. Nos primeiros anos de vida recolhem-se os ele-
mentos de orientação do ambiente no qual o espírito deverá atuar
para as suas futuras conquistas.
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Que tudo isso se reflita num prazer vital é demonstrado por
algumas brincadeiras das crianças muito pequenas que nos surpre-
endem pela falta de lógica e relacionam-se com o puro prazer de
encontrar os objetos em seus devidos lugares (p. 70).
15.3. [...] a natureza insere na criança a sensibilidade à ordem,
como consequência de um sentido interior que não é a distinção
entre as coisas, mas a identificação das relações entre as coisas – e,
por isso, unifica o ambiente num todo cujas partes são independen-
tes entre si. Tal ambiente, conhecido em seu todo, possibilita a ori-
entação para movimentar-se e alcançar objetivos. Sem essa conquis-
ta, ficaria faltando o fundamento da vida de relacionamentos. Seria
como possuir móveis sem ter uma casa onde colocá-los. Assim, de
que serviria a acumulação das imagens se não existisse a ordem que
as organiza? Se o homem conhecesse apenas os objetos, mas não
suas relações, situar-se-ia num caos sem saída. Foi a criança que
funcionou em favor da mente do homem, a fim de dar-lhe aquela
possibilidade que mais parece um dom da natureza: a capacidade
de orientar-se, de dirigir-se para procurar seu caminho na vida. No
período sensível à ordem, a natureza ministrou a primeira lição: de
modo semelhante à lição ministrada pelo professor que mostra à
criança a planta da sala de aula a fim de iniciá-la no estudo dos
mapas geográficos que representam a superfície da terra. Ou po-
der-se-ia dizer que a natureza consignou ao homem, com essa lição,
uma bússola para orientar-se no mundo, assim como deu à criança
a capacidade de reproduzir exatamente os sons de que se compõe
a linguagem — aquela linguagem de desenvolvimento infinito, que
o adulto fará evoluir no decorrer dos séculos. A inteligência do
homem não surge do nada: edifica-se sobre os alicerces elaborados
pela criança em seus períodos sensíveis (pp. 72-73).
15.4. Nossas experiências certamente não levam a diminuir im-
portância do ambiente na elaboração da mente. É sabido que nossa
pedagogia considera o ambiente de uma importância tão grande a
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ponto de constituir o fulcro central de toda a estrutura pedagógica.
Sabe-se também que as sensações são por nós encaradas de uma
forma tão fundamental e sistemática como jamais foi feito em ne-
nhum outro método educativo. Existe, porém, uma diferença sutil
entre o velho conceito da criança passiva e a realidade: a existência
da sensibilidade Interior da criança. Há um período sensível muito
prolongado, até a idade de quase cinco anos, que, de maneira verda-
deiramente prodigiosa, torna a criança capaz de assenhorear-se das
imagens do ambientes A criança é, portanto, um observador que
assume ativamente as imagens por meio dos sentidos, o que é muito
diferente de dizê-la capaz de recebê-las como um espelho. Quem
observa o faz por um impulso interior, por um sentimento, por um
gosto especial: portanto, escolhe as imagens (pp. 77-78).
15.5. [Condições adequadas para o trabalho escolar] Uma é o
ambiente agradável proporcionado às crianças, no qual elas não so-
friam coação. E devia ser extremamente agradável, para crianças
criadas em locais miseráveis, aquela casa branca e limpa, com mesinhas
novas, as cadeirinhas e pequenas poltronas fabricadas especialmente
para elas, os pequenos canteiros gramados do pátio ensolarado.
Outra é o caráter negativo do adulto: os pais analfabetos, a
professora operária sem ambições ou preconceitos. Tal situação
poderia ser considerada um estado de “calma intelectual”.
Sempre se admitiu que um educador deve ser calmo. Mas esta
calma era encarada em termos de caráter, de impulsos nervosos.
Trata-se aqui, porém, de uma calma mais profunda: um estado de
vazio, ou melhor, de desimpedimento mental, que produz limpidez
interior. É a “humildade intelectual”, muito próxima da pureza de
intelecto que predispõe a compreender a criança e que deveria, por
conseguinte, constituir a preparação essencial da professora (p. 161).
15.6. Outro tipo de crianças pertencentes a condições sociais
excepcionais são os filhos dos ricos. Poderia parecer bastante mais
fácil educá-las que as paupérrimas crianças da primeira escola ou os
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órfãos do terremoto de Messina. Em que deveria consistir, pois, a
sua conversão? As crianças ricas são de fato privilegiadas, cercadas
dos mais preciosos cuidados de que dispõe a sociedade. Entretanto,
para esclarecer tal preconceito, reporto-me a algumas páginas de
um dos meus livros, no qual professoras que dirigiam nossas escolas
na Europa e nos Estados Unidos fornecem simplesmente suas pri-
meiras impressões sobre as dificuldades encontradas.
A beleza do ambiente infantil, a magnificência das flores não
atraem a criança rica, as alamedas de um jardim não lhe são convi-
dativas e a correspondência entre criança e material não se produz.
A professora fica desorientada pelo fato de que as crianças
não se atiram, como era esperado, sobre os objetos a fim de escolhê-
los segundo suas próprias necessidades (p. 167).
15.7. Por que motivo o trabalho, que deveria ser a suprema
satisfação e a base primordial da saúde e da regeneração (como
ocorre com as crianças), é rejeitado pelo adulto, que jamais chega a
acreditar na sua dura necessidade, imposta pelo ambiente? Porque
o trabalho social se apoia sobre bases falsas e o instinto profundo
– desviado pela posse, pelo poder, pela hipocrisia e pelo mono-
pólio – permanece oculto no homem, como um caráter recessivo.
Nessas condições, o trabalho depende unicamente de circunstân-
cias exteriores ou da luta de homens desviados, transformando-se
num trabalho forçado, que gera poderosas inibições psíquicas. Em
consequência, o trabalho é duro e repugnante.
Mas quando, em circunstâncias excepcionais, o trabalho está li-
gado ao impulso íntimo do instinto, adquire - até mesmo no adulto
- características muito diferentes. Nesse caso, torna-se encantador e
irresistível, levando o homem a um nível muito acima de desvios e
perturbações. Tal é o trabalho de quem realiza uma invenção, de
quem cumpre esforços heroicos na exploração da terra, de quem
executa obras de arte; nesses casos, o homem é possuído de um
poder extraordinário, por meio do qual reencontra o instinto da
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espécie nos desígnios da própria individualidade. Esta, então, torna-
se semelhante a um forte jato de água, que rompe a superfície dura
e se ergue num impetuoso impulso, tornando a cair, depois, como
chuva benéfica e refrescante, sobre a humanidade (pp. 220-221).
15.8. Lentamente, porém, a civilização subtraiu à criança o am-
biente social. Tudo é excessivamente regrado, demasiado fechado e
rápido. Não só o ritmo acelerado de vida do adulto passou a cons-
tituir um obstáculo à criança, mas o advento da máquina, que arrasta
para longe como um vento impetuoso, privou-a até mesmo dos
últimos recantos onde refugiar-se. Em consequência, a criança está
impossibilitada de viver ativamente. Os cuidados que lhe dedicam
consistem em salvar-lhe a vida dos perigos que se multiplicam e que
a atormentam exteriormente. Mas, na realidade, a criança é um fugi-
tivo no mundo, um ser inerte, um escravo. Ninguém pensa na neces-
sidade de criar para ela um ambiente de vida adequado; não se
reflete que ela tem exigências de ação e de trabalho (pp. 224-225).
15.9. A criança também é um trabalhador e um produtor. Em-
bora não possa participar do trabalho do adulto, tem um trabalho a
desenvolver, uma grande missão, importante e difícil: a de produzir
o homem. Se do recém-nascido inerte, mudo, inconsciente e inca-
paz de movimentar-se forma-se um adulto perfeito, com a inteli-
gência enriquecida pelas conquistas da vida psíquica e resplandecente
com a luz que lhe é dada pelo espírito, isto se deve à criança. O
homem é construído exclusivamente por ela. O adulto não pode
intervir nesse trabalho; a exclusão do adulto do mundo da criança é
mais evidente e absoluta que a exclusão da criança do trabalho pro-
dutor da “super-natureza” social na qual reina o adulto. O trabalho
infantil é de espécie e potencialidade muito diferentes, poder-se-ia
dizer até mesmo opostas: é um trabalho inconsciente, realizado por
uma energia espiritual que se está desenvolvendo, um trabalho cria-
tivo que lembra a simbólica descrição da Bíblia, na qual, falando do
homem, a escritura diz apenas que “foi criado” (p. 228).
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15.10. O que importa conhecer, porém, é o trabalho infantil.
Quando a criança trabalha, não o faz para alcançar uma meta ex-
terior. Seu objetivo é trabalhar e quando, na repetição de um exer-
cício, põe termo à própria atividade, esse ponto final independe
de atos exteriores. Quanto à reação individual, a cessação do tra-
balho não tem relação com a fadiga, porque, pelo contrário, uma
característica da criança é a de sair do trabalho completamente
refeita e cheia de energia.
Com isso, fica indicada uma das diferenças entre as leis natu-
rais do trabalho da criança e do adulto: a criança não segue a lei do
menor esforço e sim uma lei oposta, pois consome uma quantida-
de enorme de energia em um trabalho sem objetivo e emprega
não apenas energia propulsora como também energia potencial
na execução de todos os pormenores (p. 231).
15.11. Os pais não são os construtores da criança, mas seus
guardiões. Devem protegê-la e cuidá-la num sentido deveras pro-
fundo, como uma missão sagrada que supera os interesses e con-
ceitos da vida exterior. Os pais são guardiães sobrenaturais, como
os anjos da guarda de que fala a religião, subordinados única e
diretamente ao céu, mais fortes que qualquer autoridade humana e
unidos à criança por laços indissolúveis, se bem que invisíveis. Para
o cumprimento de tal missão, os pais devem purificar o amor que
a natureza lhes depositou no coração e compreender que esse amor
é a parte consciente de um sentimento mais profundo, que não
deve ser contaminado pelo egoísmo ou pela inércia. Os pais de-
vem entender e abraçar a questão social que hoje em dia se impõe:
a luta para que o mundo reconheça os direitos da criança (p. 246).
16. Liberdade e disciplina
16.1. Um dia, entrei na escola e avistei um menino sentado
numa poltroninha no meio da sala, sozinho e sem fazer nada. Tra-
zia no peito a pomposa condecoração da professora. Esta me
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informou que o menino estava de castigo. Pouco antes, porém, ela
havia premiado outro menino, prendendo-lhe ao peito a conde-
coração. Este, ao passar pelo menino castigado, entregara-lhe a
condecoração, quase como se fosse algo inútil e incômodo para
quem deseja trabalhar.
O castigado contemplava com indiferença o penduricalho,
olhando tranquilamente ao redor, isto é, sem realmente sentir o
castigo. Este primeiro fato já reduzia a zero, prêmios e castigo.
Entretanto, quisemos observar mais a fundo, depois de uma
larguíssima experiência constatamos que o fato se repetia de ma-
neira tão constante que a professora terminou por sentir uma es-
pécie de vergonha tanto de premiar como de castigar crianças que
permaneciam igualmente indiferentes a prêmios e castigos.
A partir de então, não se distribuíram mais prêmios nem cas-
tigos. O mais surpreendente foi a frequente rejeição do prêmio.
Tratava-se de um despertar da consciência, de um senso de digni-
dade que antes não existia (p. 144).
16.2. Malgrado essa destreza e desenvoltura de maneiras, as cri-
anças, em conjunto, davam a impressão de ser extraordinariamente
disciplinadas. Trabalhavam tranquilas, cada uma atenta às próprias
ocupações; andavam de um lado para outro, a passos ligeiros, para
trocar os materiais ou colocar no lugar seus trabalhos. Saíam da sala,
davam uma olhadela pelo pátio e voltavam. Satisfaziam os desejos
expressos pela professora com surpreendente rapidez. A professo-
ra dizia: “Cumprem de tal maneira o que lhes digo que começo a
sentir-me responsável por cada palavra que pronuncio”.
Com efeito, se ela pedisse que fizessem o exercício do silêncio,
mal terminava de falar e as crianças se punham imóveis.
Essa aparente dependência não as impedia de agir por si
mesmas, dispondo do seu tempo e do seu dia. Escolhiam sozi-
nhas os objetos, arrumavam a escola e, se a professora chegava
atrasada, ou saía, deixando-as sozinhas, tudo corria igualmente bem.
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Era esse o principal motivo de atração para quem as observasse: a
ordem e a disciplina estreitamente ligadas à espontaneidade.
Qual seria a origem daquela disciplina perfeita, vibrante mes-
mo ao manifestar-se através do silêncio mais profundo? Daquela
obediência que adivinhava a fim de estar sempre preparada para
executar?
A calma nas aulas das crianças que trabalhavam era impressio-
nante e comovente. Ninguém a provocara, de modo que ninguém
jamais conseguiria obtê-la a partir do exterior (p. 152).
17. A livre escolha
17.1 Na prática, o espírito infantil é ignorado pelos adultos e se
lhes apresenta como um enigma, porque é julgado apenas pelas re-
ações da impotência prática e não pela energia psíquica poderosa
por si mesma. Faz-se necessário refletir que há um motivo causal
decifrável para cada manifestação da criança. Não existe fenômeno
que não tenha seus próprios motivos, suas razões de ser. É fácil
julgar cada reação obscura, cada momento difícil da criança, dizen-
do: “É um capricho”. Tal capricho deve assumir perante nós a im-
portância de um problema a solucionar, de um enigma a decifrar. É
difícil, sem dúvida, mas extremamente interessante. Trata-se, sobre-
tudo, de uma atitude nova, que representa uma elevação moral do
adulto, fazendo deste um estudioso em lugar do tirano cego, do juiz
despótico que, na verdade, ele é em relação à criança (p. 85).
17.2. O conflito entre adulto e criança começa quando esta
atinge o ponto de desenvolvimento que lhe permite agir.
Até então, ninguém pode impedir totalmente a criança de ver
e ouvir, ou seja, de realizar a conquista sensorial do seu mundo.
Todavia, quando a criança age, anda, toca nos objetos, o qua-
dro que então se apresenta é completamente diferente. Embora
amando profundamente a criança, o adulto sente nascer em si um
irresistível instinto de defesa contra ela. Ora, os dois estados psí-
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quicos — o da criança e o do adulto — diferem tanto entre si que
a convivência do adulto com a criança se torna quase impossível
caso não se recorra a adaptações. Não é difícil compreender que
tais adaptações serão completamente desfavoráveis à criança, que
se encontra num estado de absoluta inferioridade social A repres-
são dos atos incômodos da criança no ambiente onde impera o
adulto será a resultante absolutamente fatal do fato de o adulto
não estar consciente de sua própria atitude defensiva, mas consci-
entemente convencido apenas de seu amor e generosa dedicação...
A defesa inconsciente aflora à consciência que se mascara e a ava-
reza que se apresenta ansiosa, a defender os objetos úteis ou caros
ao adulto, transforma-se de imediato no “dever de educar a crian-
ça, a fim de fazê-la aprender os bons hábitos”. E o temor ao
pequeno perturbador do bem-estar do adulto tornar-se-á “a ne-
cessidade de fazer a criança repousar bastante, a fim de lhe asse-
gurar a saúde” (pp. 88-89).
17.3. A mãe do povo, em sua simplicidade, contenta-se com
defender-se abertamente por meio de tapas, gritos, insultos, man-
dando a criança sair de casa para a rua, alternando tais atitudes
com carinhos expansivos e beijos sonoros que correspondem, no
quadro da vida, ao terno amor pela criança.
O formalismo é inerente às atitudes morais predominantes na
sociedade mais elevada, onde são apreciadas e, consequentemente,
exclusivamente admitidas apenas algumas formas de sentimento:
o amor, o sacrifício, o dever, o controle dos atos exteriores. Toda-
via, as mães das classes superiores desembaraçam-se de seus filhos
incômodos tanto quanto ou ainda mais que as mães do povo,
porque os entregam a uma ama que os levam a passear e os fazem
dormir muito.
A paciência, a gentileza e até mesmo a submissão das mães
elevadas na escala social para com as enfermeiras constituem um
verdadeiro compromisso tácito de tudo perdoar e aturar, desde
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que a criança perturbadora seja mantida à distância dos pais e dos
objetos que lhes pertencem (p. 89).
17.4. Deste conjunto de fatos resulta que o adulto deve pro-
curar interpretar as necessidades da criança, a fim de acompanhá-
la e assisti-la com seus cuidados, preparando-lhe um ambiente ade-
quado. Só assim é possível dar início a uma nova era na educação:
a do auxílio à vida. E só assim poderá, afinal, encerrar-se a época
em que os adultos consideravam a criança pequena um objeto que
se apanha e transporta para qualquer lugar e, depois de crescida,
deve apenas obedecer e seguir os adultos. É necessário que o adul-
to se convença a manter-se numa posição secundária e se esforce
para compreender a criança, no intuito de tomar-se seu compa-
nheiro e auxiliar-lhe a vida. Eis a orientação educativa no que se
refere às mães e a todos os educadores que se aproximam da
criança. Se a personalidade da criança deve ser educada em seu
desenvolvimento e ela é mais fraca, torna-se necessário que a per-
sonalidade mais forte do adulto se faça passiva e, recebendo e
seguindo a orientação que a própria criança lhe oferece, considere
uma honra poder compreendê-la e segui-la (p. 92).
17.5. A criança não desenvolve a capacidade de andar ereta
esperando que ela chegue, mas “andando”. O primeiro passo, acon-
tecimento festejado com tanta alegria pela família, é realmente uma
conquista da natureza e assinala a passagem do primeiro para o
segundo ano de idade. Ë quase o nascimento do homem ativo
que substitui o homem inerte: inicia-se para a criança uma vida
nova. A fisiologia considera o estabelecimento dessa função um
dos marcos fundamentais que permitem julgar a normalidade do
desenvolvimento. A partir de então, porém, é o exercício da crian-
ça que entra em jogo. A conquista do equilíbrio e do deslocamen-
to seguro é o resultado de prolongados exercícios e,
consequentemente, do esforço individual. Sabe-se que a criança se
lança a caminhar com um impulso irresistível e corajoso. Quer
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andar temerariamente, é um verdadeiro soldado que se atira à vi-
tória sem se preocupar com os riscos (p. 94).
17.6. A criança entre um ano e meio e dois anos de idade é
capaz de percorrer quilômetros a pé e, também, de superar tre-
chos difíceis, ladeiras e escadas. Só que ela caminha com uma fina-
lidade totalmente diferente da nossa. O adulto anda para chegar a
uma meta externa e segue diretamente para ela; além disso, tem no
passo um ritmo já estabelecido, que o transporta quase mecanica-
mente. A criança anda para elaborar suas próprias funções e, por-
tanto, tem um objetivo criativo por natureza. É lenta e ainda não
possui um ritmo de passadas ou uma finalidade. Sente-se, porém,
atraída pelas coisas e afasta-se ocasionalmente do caminho. O au-
xílio que o adulto poderia proporcionar seria abrir mão de seu
próprio ritmo, de sua meta (p. 95).
17.7. Existe um período da vida extremamente predisposto à
sugestão: o período da infância, no qual a consciência infantil está
em formação e a sensibilidade a elementos exteriores se encontra
em estado criativo. Então, o adulto pode insinuar-se, quase pene-
trar sutilmente, animando com a própria vontade a sublime posse
que é a vontade da criança e que constitui sua maleabilidade.
Em nossas escolas ocorria que, se ao mostrar-se à criança como
fazer um exercício empregava-se demasiada paixão ou exagera-
vam-se os movimentos com demasiada energia ou excessiva exa-
tidão, via-se desaparecer nela a capacidade de julgamento e de agir
segundo sua própria personalidade. Percebia-se quase um movi-
mento dissociado do eu que deveria comandá-lo, ou que ela fora
invadida por outro eu, estranho e mais forte, o qual, embora com
uma ação discreta, tivera o poder de arrancar, direi mesmo de
derrubar a personalidade infantil dos tenros órgãos que a ela per-
tencem. Não é apenas voluntariamente que o adulto sugestiona a
criança, mas também sem o querer nem saber - sem que tenha
ideia do problema (pp. 108-109).
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17.8. Uma das mais inesperadas – e, portanto, mais surpreen-
dentes – manifestações das crianças que agiam livremente em nos-
sas escolas foi o amor e a exatidão com que cumpriam suas tare-
fas. No menino que se encontra em condições de vida livre mani-
festam-se as ações com as quais ele procura não só captar as ima-
gens visíveis no ambiente, mas também o amor à exatidão na exe-
cução das ações. Então, o espírito aparece como que impelido
para a existência e realização de si mesmo. A criança é um desco-
bridor: um homem que nasce de uma nebulosa, como um ser
indefinido e maravilhoso, que busca sua própria forma (p. 116).
17.9. Faz-se necessário encarar uma realidade impressionante:
a criança possui uma vida psíquica que passou desapercebida em
suas delicadas aparições e o adulto conseguiu, sem dar-se conta
disso, anular-lhe os desígnios.
O ambiente do adulto não é um ambiente de vida para a cri-
ança, mas, sobretudo, um acúmulo de obstáculos entre os quais ela
desenvolve defesas, adaptações deformadas, onde é vítima de su-
gestões. É a partir dessa realidade exterior que foi estudada a psi-
cologia da criança e avaliadas suas características para servirem de
base à educação. Consequentemente a psicologia infantil deve ser
reexaminada radicalmente. Por tudo que já vimos, sob cada res-
posta surpreendente da criança existe um enigma a ser decifrado, e
cada um de seus caprichos é a impressão exterior de uma causa
profunda que não se pode interpretar como choque superficial
defensivo, contra um ambiente inadequado, mas como o expoente
de uma característica superior e essencial que procura manifestar-
se (p. 129).
17.10. Em 6 de janeiro de 1906 foi inaugurada a primeira es-
cola para crianças pequenas normais com três a seis anos de idade
– não posso dizer com o meu método, porque este ainda não
existia, mas ali em breve nasceria. Naquele dia, porém, havia apenas
cerca de cinquenta criancinhas paupérrimas, de aspecto rude e tí-
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mido, muitas delas chorando, quase todas filhas de analfabetos,
que tinham sido confiadas aos meus cuidados.
O projeto inicial era de reunir os filhos pequenos de operários
que residiam num conjunto de habitações populares, afim de que
não ficassem abandonados pelas escadas, não sujassem as paredes e
não criassem desordem. Para isso, reservaram uma sala no próprio
conjunto, para servir de refúgio, de creche. E fui chamada a encarre-
gar-me daquela instituição que “poderia ter um bom futuro”.
Tive a indefinível impressão de que estava por nascer uma
obra grandiosa (pp. 133-134).
17.11. Outra observação revelou pela primeira vez um fato
muito simples. As crianças usavam o material, mas era a professo-
ra quem o distribuía e depois tornava a guardá-lo.
Ela me contou que quando fazia a distribuição, as crianças se
levantavam e se aproximavam dela; quantas vezes fossem mandados
de volta a seus lugares, tornavam a levantar-se e aproximar-se. A
conclusão da professora foi de que as crianças eram desobedientes.
Observando-as, compreendi que seu desejo era recolocar os
objetos em seus respectivos lugares e dei-lhes liberdade de fazê-lo.
Desse modo, surgiu uma espécie de vida nova: arrumar os objetos
e corrigir cada eventual desordem era uma atração fortíssima. Se
um copo de água caía das mãos de uma das crianças, outras acor-
riam a recolher os cacos e enxugar o piso.
Um dia, porém, a professora deixou cair a caixa que continha
cerca de 80 tabuinhas de diferentes cores graduadas. Recordo-me
do quanto ela ficou embaraçada, pois era difícil identificar tantas
graduações de cores. Mas logo as crianças acorreram e, com gran-
de espanto nosso, recolocaram rapidamente em seus lugares todas
as variações de cor, revelando uma maravilhosa sensibilidade às
cores, superior à nossa (p. 141).
17.12. Foi a partir da livre escolha que se tornaram possíveis
observações sobre as tendências e necessidades psíquicas das crianças.
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Uma das primeiras consequências interessantes foi constatar
que as crianças não utilizavam todo aquele material científico que
eu mandara preparar, mas apenas alguns dos objetos. Escolhiam
quase que as mesmas coisas, algumas com evidente preponderân-
cia, enquanto outras ficavam abandonadas, acumulando poeira.
Eu os apresentava todos e fazia que a professora os ofereces-
se e explicasse sua utilização, mas as crianças não os pegavam es-
pontaneamente.
Compreendi então que no ambiente da criança tudo deve ser
medido, além de colocado em ordem, e que da eliminação da
confusão e do supérfluo nascem justamente o interesse e a con-
centração (p. 142).
17.13. [...] o impulso que origina o amor da criança pelo ambiente
impele-a a uma atividade incessante, a um fogo contínuo, comparável
à combustão permanente dos elementos do corpo em contato com
o oxigênio, causa da temperatura moderada e natural dos corpos vi-
vos. A criança ativa tem a expressão de uma criatura que vive em
ambiente adequado, isto é, no ambiente fora do qual não conseguiria
realizar-se a si mesma. Se não possui esse ambiente de vida psíquica,
tudo na criança permanece débil, tudo desviado e fechado, e ela se
transforma num ser impenetrável e enigmático, numa criatura vazia,
incapaz, caprichosa, entediada, excluída da sociedade. Ora, se é im-
possível para a criança encontrar os motivos de atividade que seriam
destinados a desenvolvê-la, ela vê só “as coisas” e deseja a “posse”
delas. Pegar, possuir: eis algo que é fácil e para o qual a luz intelectual e
o amor se tornam inúteis. A energia inflama-se noutra direção. “Eu
quero”, diz a criança ao ver um relógio de ouro no qual não sabe ler
as horas. “Não, quem quer sou eu!“, replica outra criança, disposta a
quebrá-lo, a inutilizá-lo, para também possuí-lo. E assim tem início a
competição entre as pessoas e a luta que destrói as coisas.
Quase todos os desvios morais são consequência desse pri-
meiro passo que decide entre o amor e a posse, e que pode levar
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a dois caminhos divergentes, sempre para a frente, com toda a
força da vida. A parte ativa da criança projeta-se para fora como
os tentáculos de um polvo, apertando e destruindo os objetos que
agarra com paixão. Os sentimentos de propriedade apegam-na
veementemente às coisas e ela as defende como se defendesse a si
mesma (pp. 192-193).
17.14. Outro desvio é o medo, que se considera uma das ca-
racterísticas naturais da criança. Quando se diz criança medrosa
subentende-se o medo ligado a uma perturbação profunda, quase
independente das condições ambientais, e que, a exemplo da timi-
dez, faz parte do caráter. Existem crianças passivas que, pode-se
dizer, são como que revestidas de uma aura angustiosa de medo.
Outras, pelo contrário, são fortes e ativas e, embora frequente-
mente corajosas diante do perigo, capazes de apresentar medos
misteriosos, ilógicos e irresistíveis. Tais atitudes podem ser explicadas
como consequência de fortes impressões colhidas no passado,
como o medo de atravessar a rua, o medo de que existam gatos
embaixo da cama, o medo de ver uma galinha, isto é, estados
semelhantes às fobias que a psiquiatria tem estudado nos adultos
Todas essas formas de medo existem especialmente nas crianças
que “dependem do adulto” - e este se aproveita do estado nebu-
loso da consciência da criança para imprimir-lhe artificialmente
medo de entidades vagas que agem nas trevas e, dessa maneira,
impõem-lhe obediência. [...] Tudo quanto estabelece contato com
a realidade e permite experiências com as coisas do ambiente, fa-
cilitando sua compreensão, afasta o estado perturbador do medo.
Em nossas escolas normalizadoras, o desaparecimento dos me-
dos subconscientes ou, também, o seu não aparecimento, constitui
um dos resultados mais evidentes (pp. 203-204).
17.15. Os desvios psíquicos, embora tenham infinitas caracte-
rísticas particulares, semelhantes aos ramos visíveis de uma planta
vigorosa, dependem sempre das mesmas raízes profundas - e é
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nessas que se encontra o segredo único da normalização. Na psi-
cologia comum e na educação corrente, pelo contrário, as ramifi-
cações particulares são consideradas defeitos específicos, que de-
vem ser estudados e enfrentados separadamente, como se fossem
independentes uns dos outros.
Um dos principais dentre eles é a mentira. Forma uma espécie
de manto que oculta o espírito e é quase como um enxoval, tantas
são as roupas, tantas e tão diversas são as mentiras, cada uma com
importância e significado tão diferentes. Existem mentiras nor-
mais e mentiras patológicas. A antiga psiquiatria ocupou-se da
mentira demente, isto é, irrefreável, ligada ao histerismo, no qual
ela encobre de tal forma o espírito que a linguagem se transforma
numa teia de mentiras (p. 206).
18. O desenvolvimento dos sentidos da criança
18.1. A criança nos demonstrou que a inteligência não se elabora
lentamente, do exterior, como foi concebido por uma psicologia
mecanicista, que ainda exerce a máxima influência prática tanto na
ciência pura como na educação e, consequentemente, no tratamento
da criança, isto é: as imagens dos objetos exteriores batem à porta
dos sentidos e quase entram à força, penetrando por transmissão
devida a um impulso externo, instalando-se lá dentro, no campo
psíquico, reunindo-se e associando-se paulatinamente, organizando-
se, influindo na elaboração da inteligência. [...] Tal conceito pressu-
põe a criança psíquica como uma coisa passiva à mercê do ambiente
e por isso, sob o completo domínio do adulto. Deve-se acrescentar
a isso outro postulado comum: criança psíquica não só é passiva,
mas, como se diz na educação antiga, é como um recipiente vazio e,
portanto, um objeto a ser cheio e modelado (p. 77).
18.2. Um dia, ocorreu-me a ideia de aproveitar o silêncio para
colocar à prova a acuidade auditiva das crianças. Assim, pensei em
chamá-las com voz abafada, de uma certa distância. Quem ouvis-
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se seu nome chamado deveria vir para perto de mim, procurando
andar sem fazer barulho. Com quarenta crianças, tal exercício de
paciente expectativa implicava um esforço que eu acreditava im-
possível. Por isso, levei comigo balas e chocolates para recompen-
sar as crianças que de mim se aproximassem. Elas, porém, recusa-
ram os doces. Pareciam dizer: “Não estrague nossa bela impres-
são! Ainda estamos no prazer espiritual - não nos tire dele!”
Compreendi que as crianças eram sensíveis não só ao silên-
cio como também a uma voz que as chamava de maneira quase
imperceptível. Vinham devagar, andando nas pontas dos pés,
com cautela, evitando esbarrar em algo – e seus passos não eram
ouvidos. [...]
Nossas crianças aprenderam a movimentar-se entre as coisas
sem esbarrar nelas, a correr sem produzir ruído, tornando-se es-
pertas e ágeis E sentiam prazer na própria perfeição. O que lhes
interessava era descobrirem a si mesmas, as suas possibilidades, e
se exercitarem numa espécie de mundo oculto como é o da vida
que se desenvolve (p. 146).
19. O educador
19.1. Enganar-se-ia o professor que imaginasse poder prepa-
rar-se para sua missão apenas por meio de alguns conhecimentos
e estudos. Acima de tudo, exigem-se dele determinadas disposi-
ções de ordem moral.
O ponto essencial da questão depende de como se deve ob-
servar a criança e do fato de não se poder limitar a um exame
exterior, como se fosse o caso de um conhecimento teórico a
respeito da maneira de instruir e educar a infância.
Insistimos em afirmar que o professor deve preparar-se inte-
riormente, estudando-se a si mesmo com metódica constância, a
fim de conseguir suprimir os próprios defeitos mais enraizados,
que constituem um obstáculo às suas realizações com as crianças.
Para descobrir esses defeitos ocultos na consciência, necessitamos
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de ajuda externa, de certa instrução; é indispensável que alguém
nos indique o que devemos ver em nós mesmos.
Nessa ordem de ideias, diremos que o professor deve ser ini-
ciado. Preocupa-se excessivamente com as “tendências da crian-
ça”, com a maneira de “corrigir os erros da criança”, com a “he-
reditariedade do pecado original”, quando devia começar por es-
tudar os próprios defeitos, as suas más tendências (p. 174).
19.2. A preparação interior não passa de uma preparação ge-
nérica. Difere muito daquela que “busca a própria perfeição”, como
é entendida pelos religiosos. Para se chegar a ser educador não é
necessário pretender “ser perfeito, sem fraquezas”. Uma pessoa
que procura continuamente elevar a própria vida interior talvez
não se dê conta dos defeitos que a impedem de compreender as
crianças. É preciso que alguém nos ensine e que nos deixemos
orientar. Se desejamos educar, devemos ser educados.
A instrução que ministramos aos professores consiste em indi-
car-lhes a condição espiritual mais conveniente à sua missão, como o
médico indica qual é o mal que aflige o organismo (pp. 174-175).
19.3. A tirania não merece discussão: coloca o indivíduo na
fortaleza inexpugnável de autoridade reconhecida. O adulto do-
mina a criança em virtude de um direito natural reconhecido, que
ele possui pelo simples fato de ser adulto. Discutir tal direito signi-
ficaria atacar uma forma de soberania estabelecida e consagrada.
Se na comunidade primitiva o tirano é um representante de Deus,
para a criança o adulto constitui a própria Divindade, em torno da
qual é impossível qualquer discussão. Quem poderia desobedecer,
isto é, a criança, tem que calar-se e adaptar-se a tudo (p. 177).
19.4. A preparação que nosso método exige do professor é o
autoexame, a renúncia à tirania. Deve expelir do coração a ira e o
orgulho, deve saber humilhar-se e revestir-se de caridade. Estas são
as disposições que seu espírito deve adquirir, a base essencial da
balança, o indispensável ponto de apoio para seu equilíbrio. Nisso
consiste a preparação interior: o ponto de partida e a meta (p. 178).
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19.5. [...] isto não significa que todos os atos da criança devam
ser aprovados, nem que se deva abster absolutamente de julgá-la,
ou mesmo que se deva descurar de desenvolver-lhe a inteligência e
os sentimentos - pelo contrário, o professor jamais deve esquecer-
se de que é um mestre que a sua missão positiva é educar.
Mas é necessário um ato de humildade, é preciso eliminar um
preconceito aninhado em nossos corações.
Não se deve suprimir em nós aquilo que nos pode e deve auxi-
liar na educação, mas sim o nosso estado interior, a nossa atitude de
adultos, que nos impede de compreender a criança (p. 178).
20. A linguagem, a escrita e a leitura
20.1. Eis que na aquisição da linguagem, enquanto os sons do
ambiente permanecem confusos e indistinguíveis no caos, os sons
singulares de uma linguagem articulada e incompreensível isolam-
se repentinamente, fazendo-se ouvir distintos, atraentes, fascinan-
tes - e o espírito ainda incapaz de pensar escuta uma espécie de
música que enche o seu mundo. Então, as próprias fibras da crian-
ça o escutam. Não todas as fibras, mas só as fibras ocultas que até
então haviam vibrado unicamente para gritar desordenadamente;
desperta com um movimento regular, seguindo uma disciplina e
uma ordem que mudam seu modo de vibrar (p. 57).
20.2. Uma vez estabelecido um alfabeto, deve derivar-se
logicamente dele uma linguagem escrita, que é uma consequência
natural. Para isso, é necessário que a mão saiba traçar sinais. Toda-
via, os sinais alfabéticos são simples símbolos que não represen-
tam qualquer figura e, por conseguinte, facílimos de desenhar. Eu,
porém, nada refleti sobre tudo isso quando se registrou, na Casa
das Crianças, o seu mais importante acontecimento.
Ocorreu que, um dia, um menino começou a escrever. Ficou
tão maravilhado que se pôs a gritar: “Escrevi! Escrevi!” E as crian-
ças correram para rodeá-lo, interessadas, fitando as palavras que o
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colega traçara no chão servindo-se de um pedaço de giz branco.
“Eu também! Eu também!”, gritaram outras, afastando-se a correr.
Iam procurar meios para escrever e alguns se juntaram diante de um
quadro-negro. Outros se estenderam no chão. E assim começou a
desenvolver-se a linguagem escrita, como uma explosão (p. 155).
20.3. Enquanto preparávamos o material para ensinar o alfa-
beto impresso e repetir o teste com os livros, as crianças começa-
ram a ler todos os impressos que existiam na escola, inclusive al-
guns realmente difíceis de decifrar, como certo calendário onde
estavam impressas palavras escritas com letras góticas. Ao mesmo
tempo, os pais vieram queixar-se de que as crianças paravam na
rua para ler os letreiros das lojas e não era mais possível andar ao
lado delas. Era evidente que as crianças se interessavam por deci-
frar os sinais alfabéticos e não por conhecer algumas palavras. Viam
uma escrita diferente e tratavam de conhecê-la, conseguindo ex-
trair dela o sentido de uma palavra. Era um esforço de intuição
comparável ao que impele os adultos e estudarem demoradamente
os sinais de escritas pré-históricas gravadas na pedra, até que o
sentido deles extraído fornece a prova de terem decifrado
caracteres desconhecidos. Eis a motivação da nova paixão que
nascia nas crianças (p. 157).
20.4. [...] as crianças compreenderam o significado de um li-
vro. Depois disso, pode-se dizer que os livros foram saqueados.
Muitas crianças, encontrando uma leitura interessante, arrancavam
a página e a levavam para casa. Aqueles livros! A descoberta de seu
valor foi deveras perturbadora. A ordem e tranquilidade habituais
foram alteradas e fazia-se necessário disciplinar aquelas mãozinhas
frementes que destruíam por amor. Antes mesmo de ler os livros
e de respeitá-los, as crianças, com algum auxílio, tinham corrigido
a ortografia e aperfeiçoado de tal forma a escrita que foram com-
paradas às crianças da terceira série nas escolas primárias (p. 158).
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21. O desenvolvimento da criança
21.1. É interessante salientar que duas das três grandes etapas
consideradas pela fisiologia como expoentes do desenvolvimento
normal da criança relacionam-se a aspectos motores.
São o início do deslocamento e da fala. A ciência, pois, consi-
derou essas duas funções motoras como uma espécie de horósco-
po no qual se lê o futuro do homem. Com efeito, as duas comple-
xas manifestações indicam que o homem (a criança) conseguiu a
primeira vitória do eu sobre os seus instrumentos de expressão e
de atividade. Ora, a linguagem é uma característica verdadeira-
mente humana, pois é a expressão do pensamento. O mesmo não
acontece com o deslocamento, que é comum a todos os animais.
O animal, ao contrário do vegetal, “desloca-se no ambiente” e
quando tal deslocamento é confiado a órgãos especiais, que são os
membros articulados, então o caminhar torna-se a característica
fundamental. No homem, porém, embora o “deslocar o corpo
no espaço” tenha uma importância tão grande a ponto de fazer
dele o invasor do mundo inteiro, o andar não é o movimento
característico de ser inteligente.
Em vez disso, as verdadeiras “características motoras” ligadas à
inteligência são a linguagem e a atividade da mão a serviço da inteli-
gência para realizar o trabalho. Sabe-se que os primeiros vestígios do
homem nas eras pré-históricas são avaliados pela existência de pe-
dras lascadas e pedras polidas que foram seus primeiros instrumen-
tos de trabalho. É essa, portanto, a característica que assinala um novo
rastro na história biológica dos seres vivos sobre a terra (pp. 97-98).
21.2. A mão é um órgão de estrutura delicada e complexa que
permite à inteligência não só manifestar-se como também: estabe-
lecer relações especiais com o ambiente. Pode-se dizer que o ho-
mem “apodera-se do ambiente com a mão” e o transforma sob
a orientação da inteligência, cumprindo assim sua missão no gran-
de quadro do universo.
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Seria lógico, portanto, ao querer-se avaliar o desenvolvimento
psíquico da criança, levar em consideração o início de suas expres-
sões de movimento, que se poderiam chamar de intelectuais: o
aparecimento da linguagem é de uma atitude de mão dirigida ao
trabalho (p. 98).
21.3. Os movimentos construtivos da criança partem de um
quadro psíquico, elaborado com base numa consciência. A vida,
psíquica, que deve exercer o comando, possui sempre um caráter
de preexistência sobre os movimentos a ela ligados.
Consequentemente, quando uma criança deseja movimentar-
se, sabe previamente o que quer fazer. E sempre quer fazer uma
coisa conhecida, isto é, algo que ela já viu alguém fazer. O mesmo
se pode dizer em relação ao desenvolvimento da linguagem. A
criança assume a linguagem que ouve falar ao seu redor e, quando
diz uma palavra, é porque a aprendeu ouvindo alguém dizê-la e a
manteve presente na memória. Contudo, utiliza-a segundo sua pró-
pria necessidade do momento.
Tal conhecimento e utilização da palavra ouvida não é, porém,
uma imitação de papagaio repetidor. Não se trata de uma imitação
imediata, mas, sobretudo, de uma observação armazenada ou de
um conhecimento adquirido. A execução é um ato distinto e separa-
do do primeiro. Esta diferença é muito importante porque esclarece
um aspecto das relações entre adulto e criança, permitindo compre-
ender mais intimamente as atividades infantis (pp. 100-101).
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CRONOLOGIA
1870 - Nasce Maria Montessori, em 31 de agosto, na cidade de Chiaravalle,
Itália.
1874 - Wundt publica Fundamentos da psicologia fisiológica.
1890 - Ingressa na Universidade de Roma, onde enfrentou todos os preconceitos
por ser a primeira mulher a frequentar a universidade; William James
publica Princípios de psicologia.
1896 - É a primeira mulher a se formar em medicina na Itália; representa as
mulheres da Itália em Conferência em Berlim; em Roma, realiza campa-
nha para a saúde da higiene da mulher.
1897 - Ingressa na equipe da Universidade de Roma, como voluntária assistente
na psiquiatria.
1898 - Dá a luz a seu filho Mario, com o médico, Giuseppe Montesano, que será
diretor da Escola Ortofrênica.
1899 - Funda-se a “Liga Nacional para a cura e educação das crianças de menta-
lidade deficiente”; Montessori participa de um congresso em Turim, cujo
tema é a educação de deficientes; é nesta ocasião que defende a tese de
que os deficientes e anormais precisavam muito menos da medicina do
que de um bom método pedagógico; é criado, na Bélgica, o Instituto de
Paidologia; e em Berlim, o Instituto de Psicologia Infantil; Freud publica A
interpretação dos sonhos.
1900 - Criada, por Guido Baccelli – que fora professor de Maria Montessori e
ocupava então o lugar de ministro da Instrução Pública – a Scuola Magistrale
Ortofrenica (internato para crianças anormais e com organização que per-
mitia fornecer os mestres que desejassem entregar-se a tal especialidade).
Era dirigida por G. Montesano e pela própria Montessori; em Conferência
em Londres, manifesta-se contra a exploração de crianças nas minas de
Sicília.
1903 - Inscreve-se na Faculdade de Filosofia da Universidade de Roma. Estuda
filosofia, psicologia experimental e pedagogia.
1904 - Leciona antropologia na Universidade de Roma.
1905-1906 - Visita a França, por volta de 1906, onde se encontra com Désiré-
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Magloire Bourneville, integrante da Comissão dos Anormais, presidida
por Alfred Binet, na França; em contato com esse dissidente de Alfred
Binet, inicia importante trabalho e longa atividade em favor das crianças
“deficientes”.
1907 - Inaugura em janeiro a primeira Casa dei Bambini, em Roma; meses depois,
em abril, inaugura a segunda Casa; finaliza seus escritos Antropologia peda-
gógica.
1909 - Publica seu primeiro livro, O método da pedagogia científica; publica, igual-
mente, A descoberta da criança.
1912 - Publica-se em inglês O método Montessori.
1914 - Visita os Estados Unidos da América.
1915 - Nos Estados Unidos criam-se o Fundo Promocional Nacional
Montessoriano, presidido por Helen Pakhusrt, que criará o Plano Dalton,
(após romper com Montessori) e a Associação Educacional Montessori,
sob os cuidados de Alexander Graham Bell. Ambos, Fundo e Associação,
durarão apenas um ano.
1916 - Divide seu tempo entre Barcelona e os Estados Unidos (Nova York,
Columbia University; em 1917, na Universidade do Texas); na Espanha,
o seu método será empregado em duas escolas públicas, sendo este país
sua principal base de desenvolvimento do método até 1927.
1917 - Faz conferência na Sociedade de Pedagogia de Amsterdam; funda imedi-
atamente a Sociedade Montessoriana Holandesa; a Holanda será, desde
então, o centro de desenvolvimento do método e o quartel-general da
Associação Montessoriana, em uma referência mundial.
1918 - É recebida na Holanda pela rainha. Seu método é implantado nas escolas
do país.
1920 - Profere cursos em vários países como Áustria, Alemanha, Holanda e
Inglaterra; nesta década, socialistas procuram liderar o emprego do Méto-
do Montessori.
1922 - Publica A criança em família. Golpe de estado fascista na Itália. Mussolini
assume plenos poderes. Adolphe Ferrière publica A escola ativa.
1923 - Recebe distinção doctor honoris causa em Duham, Inglaterra.
1924 - Encontra-se com Mussolini por intermédio do filósofo italiano Giovanni
Gentile, ministro da educação do governo fascista italiano; inicia-se uma
cooperação, recebendo apoio deste governo a seu método até o ano de
1934; nesta ocasião, Montessori rompe com o governo por entender que
havia muita interferência em seu método, que, transcendia a seu ver inte-
resses políticos; por entender que havia desenvolvido um verdadeiro méto-
do global, passou a exercer mundialmente sua influência, viajando para
vários países, promovendo sua metodologia.
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1926 - Visita a América Latina (Argentina).
1929 - Funda a Associação Montessori Internacional durante conferência internaci-
onal em Elsinore, na Dinamarca. Esta conferência tinha como tema “a
nova psicologia e o currículo”, encontrando-se presentes Ovidio Decroly,
Jean Piaget, Helen Parkhusrt, Kurt Lewin e Percy Nunn, entre outros.
1932 - É publicado, por Jean Piaget, O julgamento moral na criança.
1934 - É exilada por Mussolini, por se recusar a utilizar crianças como soldadas
na II Guerra.
1936 - Muda-se para a Holanda na eclosão da Guerra Civil Espanhola; salvo suas
viagens internacionais e visitas a outros países, ficará lá até a sua morte;
Jean Piaget publica O nascimento da inteligência na criança.
1937 - Funda o Movimento Montessori na Índia e, junto com o filho, realiza
cursos para formação de professores; Jean Piaget publica A construção do
real na criança.
1938 - Ministra cursos na Índia, a convite da Sociedade Teosófica (Fraternidade
Teosófica em Educação); publica O segredo da infância.
1939 - É convidada para retornar à Índia e lá permanece até o fim da Segunda
Guerra Mundial.
1946 - Publica A educação, um mundo novo.
1948 - Publica vários livros: Como educar o potencial humano, Da infância à adolescên-
cia, A Santa Missa explicada às crianças. Visita a Índia novamente.
1949 - Retorna à Holanda. Publica Formação do homem e A mente absorvente da
criança.
1950 - Publica Educação e paz.
1951 - Faz-se presente àquele que será seu último compromisso público no
Congresso Internacional em Londres.
1952 - Publica-se Educação para a liberdade. Morre em Noordwijr, Holanda.
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BIBLIOGRAFIA
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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