Download PDF
ads:
MIDIA, A MODERNA ESFINGE
Decifra-me ou te devoro
Lycio de Faria
Rio de Janeiro, 2004
(Edição do Autor)
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons
Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5
Brasil. Para ver uma cópia desta licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/ ou envie uma carta
para Creative Commons, 559 Nathan Abbott Way, Stanford, California
94305, USA.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ads:
Lycio de Faria
MÍDIA, A MODERNA ESFINGE
"Decifra-me ou te devoro"
1
Esfinge - Criatura com corpo de leão e
cabeça humana. O nome é grego e a
esfinge é famosa nas lendas gregas
como um ser onisciente [...].
Enciclopédia Britânica
2
Prefácio
O objetivo deste pequeno livro é tentar estimular a discussão sobre o papel da mídia
(sobretudo a televisão) na formação da cultura do egoísmo, da permissividade, da
irresponsabilidade e da violência, que se vem tornando predominante, notadamente no
Brasil, pondo em risco os próprios fundamentos da vida civilizada.
A idéia do livro surgiu da leitura de um desses textos que circulam na Internet,
sem declaração de origem - O CAMPEONATO DO DIABO. É apenas uma história,
simples ficção, mas que busca ressaltar a imensa responsabilidade da mídia (ou
melhor, do mau uso da mídia) na formação, ou deformação, do caráter das pessoas,
considerando esta última como a raiz de todos os males.
Tudo o que está ali dito coincide com o que penso sobre os problemas que
afligem a quase todo mundo.
Outra coincidência foi em relação à metáfora que costumo usar a propósito de
minha visão sobre essa matéria. Sinto-me como um estudante de medicina que não
tivesse assistido às aulas de terapêutica. sabe fazer o diagnóstico. O
CAMPEONATO DO DIABO também faz o diagnóstico, sem indicar um tratamento
específico para o mal.
Preso ainda àquela incapacidade, ocorreu-me que a eliminação da dificuldade
talvez esteja em se difundir o mais possível o referido diagnóstico, na esperança de
que alguém encontre a fórmula salvadora.
Logo, porém, uma dúvida me assaltou: e se o diagnóstico não for correto? Essa
pude de pronto descartar. Nenhum mal poderá decorrer da difusão pretendida e, em
qualquer hipótese, sempre restará a boa intenção. O único perigo é que ela vá ajudar a
pavimentar o próprio Inferno, como referido no velho ditado: "De boas intenções está o
Inferno calçado."
Resolvi correr o risco. Bem pequeno, aliás, tendo em vista a igualmente bem
pequena probabilidade de o livro conseguir alguma atenção.
Rio de Janeiro,
outubro de 2004
3
O CAMPEONATO DO DIABO
O diabo reuniu as suas hostes e falou:
- Senhores e senhoras. Eu convoquei esta reuno porque estou muito preocupado com a
situação da humanidade. Como todos sabem, nossa missão é atormentar os humanos o mais
possível, até a vitória do MAL sobre o BEM. Nossa luta tem sido árdua. Na Idade dia,
especialmente com a Inquisição, quase vencemos. Mas veio o Renascimento e tivemos que recuar.
A civilização aprimorou-se e quase perdemos a luta. Voltaram a ser respeitados, nos principais
países do planeta, os valores éticos e morais, que são as maiores forças de nossos adverrios. Não
desanimamos , porém, e no século XX faltou muito pouco para atingirmos nosso intento. O
momento culminante foi a aliaa de nossos grandes agentes: Hitler e Stalin. Houve momentos de
quase desespero na comunidade do BEM. Aquela dupla parecia imbatível. Infelizmente fomos
traídos. O canalha mor, Stalin, que havia demonstrado qualidades aparentemente insuperáveis,
exterminando miles de seus próprios conterrâneos, abandonou a aliança. Soube-se que a razão
da atitude do Stalin foi um desprezo incoercível que ele sentia pelo Hitler. O desprezo decorria do
fato de o Hitler estar lhe parecendo um poltrão, assassinando apenas judeus, povos dominados,
mulheres, crianças, etc... Tudo pessoas indefesas, consideradas inimigos, sub-raças. O sagrado
povo germânico não era atingido. Foi preciso que tentassem matá-lo para que ele se virasse
também contra sua própria gente. Um fraco! Indigno, segundo Stalin, do título de paladino do
MAL que muitos lhe atribuíam. O destino entretanto nos foi adverso. Hitler foi derrotado e voltou
a esta casa por suas próprias mãos. Além disso, apesar de todos os nossos esforços em contrário, a
bomba atômica acabou ficando, primeiro, nas mãos de nossos inimigos. Foi uma deceão, mas
perseveramos e conseguimos afinal que agentes nossos vendessem o segredo aos russos. Com isso
o jogo ficou empatado durante muitos anos. Até a guerra, nosso clima preferido, passou a ser fria,
sem as deliciosas carnificinas que tanto apreciamos. Foram anos e anos de tédio, tão grande que
nossos irmãos soviéticos começaram a brigar entre si. O império que havíamos construído com
tanto carinho ruiu de repente. Foi difícil suportar o mau cheiro que exalava de toda aquela
podridão que ficou à mostra. Foi a vez de nossa comunidade ficar à beira do desespero. Eu mesmo
quase desanimei. Cheguei a chorar (lágrimas de fogo, naturalmente) quando testemunhei a alegria
de tantos humanos com a queda do muro de Berlim. Tivemos que reformular todo nosso
planejamento. Nada mais de lances espetaculares. Nossa estratégia passou a ser outra, inteiramente
diferente. A palavra de ordem passou a ser: Finjam-se de bons! Trabalhem em surdina, nunca
revelando seus verdadeiros intentos. O objetivo é destruir as próprias bases do BEM, ou seja, os
valores éticos e morais. E posso dizer, com incontrolável orgulho, que essa fórmula foi (modéstia à
parte) um toque de nio. Estamos hoje muito próximos da vitória final. Parcelas imensas da
humanidade já estão corrompidas. O egoísmo impera. A violência, irmã dileta dele, está atingindo
níveis que pareciam antes inalcançáveis. O BEM, entretanto, insiste em sobreviver. o muitos os
seus partidários que, apesar de toda essa realidade, continuam lutando, impedindo nosso triunfo
total. A finalidade desta reunião é tentarmos identificar o melhor de nossos agentes para nele
concentrarmos o apoio de todos, até a vitória final. É uma espécie de campeonato. Examinaremos
as qualidades de todos e o que for considerado o mais eficiente será declarado CAMPEÃO. Para
conseguirmos chegar ao âmago de cada comportamento, teremos um "advogado do diabo" que
contestará os argumentos dos candidatos. Reconheço que essa expressão, "advogado do diabo",
não é muito adequada ao nosso caso. Mas vamos usá-la, à falta de outra melhor e por não
podermos, obviamente, pronunciar aqui o nome oposto ao meu. Que se apresente o primeiro
candidato.
- Eu represento os pivetes. Sou o mais jovem de seus agentes. Roubo bolsas, bicicletas,
jóias, tudo o que aparecer. Eventualmente até mato um velhinho aqui, uma velhinha ali, mas
quando estou "doidão", por ter cheirado cola. Geralmente sou discreto, escolhendo minhas vítimas
com muito cuidado. Dou preferência a mulheres franzinas, criaas e velhinhos ou velhinhas.
Estes, quanto mais caquéticos melhor, estrebucham menos quando preciso sangrá-los. Seguindo
4
sua orientação, sempre me finjo de bonzinho. estou com dezessete aninhos, tenho um pouco
mais de um metro e oitenta de altura e peso quase noventa quilos, mas se me apanham choro como
um be, faço uma cara de vítima e berro logo: "Sou di menor, sou di menor". Acho que mero o
título de campeão. Mas tem de ser depressa. Logo, logo, completarei dezoito anos e se o
conseguir esconder esse detalhe posso até acabar impedido de operar, durante seguidas férias na
cadeia.
- Meus parabéns. Vopromete. Quando crescer (se é que isso ainda é possível) você será
certamente um agente muito bom. Por enquanto é cedo para aspirar ao título. Você faz muito pela
causa, mas sua ação é limitada. E, paradoxalmente, você até fortalece o inimigo, quando lhe inspira
o nobre sentimento de piedade.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o explorador de menores. Sou o maior beneficiário da inimputabilidade (êta
palavrinha bonita!) dos anjinhos que estão a meu serviço. Não faço nada diretamente. Fico sempre
escondido e muito raramente conseguem me identificar. Meu esquema tem ainda a vantagem de
possibilitar a renovão dos quadros. Sempre que um menor eventualmente sai da linha eu o
liquido, tranilamente, e ainda espalho que a chacina é coisa de grupos de extermínio, integrada,
obviamente, por policiais. Pode haver alguma dúvida de que eu sou o campeão da maldade?
- Vossa Excelência (sinto-me na obrigação de tratá-lo com a deferência que o senhor
merece), Vossa Excelência, repito, seria realmente um candidato dificilmente sobrepujável, não
fosse o defeito que mencionei em relação ao candidato anterior. Seu campo de atuação é,
inquestionavelmente, maior do que o de um pivete, considerado isoladamente, mas ainda está
longe da amplitude que nossa causa requer. Peço que o auditório não se deixe impressionar com o
caso do Brasil, onde o explorador de menores age com tanta desenvoltura. Satã, nosso amado líder,
tentou muito implantar em diversos países o código de menores por ele arquitetado, mas teve
sucesso no Brasil. Só ali acreditam que a total e absoluta irresponsabilidade dos menores seja uma
proteção para eles. Vossa Excelência me desculpe a franqueza, mas esse é o meu papel.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o traficante de drogas. Nem sei para que os senhores perdem tempo com este
concurso. Nem vou me alongar sobre meu trabalho. Todos conhecem muito bem a minha
eficiência. Duvido que possa existir alguém pior do que eu. Se algum ingênuo tiver dúvidas que
pergunte aos pais de jovens que eu consigo tornar viciados. Ou, melhor ainda, aos pais de criaas
naquela situação. Sim, porque eu muito me orgulho de não restringir minhas atividades aos
adolescentes. E posso adiantar aqui que estão muito avançadas as pesquisas que me permitirão
produzir pirulito de maconha. Será a glória. Maconha que não precisará ser fumada. Umas poucas
chupadinhas no pirulito e o serviço estará feito...
- Aparentemente o senhor tem toda razão. Não podemos, entretanto, deixar de ouvir os
outros candidatos. A criatividade demoníaca não tem limites e, de repente, surge uma idéia mais
avaada. Isso naturalmente sem desmerecer da qualidade de seu trabalho, que tanto fez pela
nossa causa.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o falsificador de remédios. O meu antecessor que me perdoe, mas eu acho que
sou, pelo menos, tão ruim como ele. E minha atividade é mais requintada. O traficante sabe a quem
está fazendo mal. Essa é uma condição inexistente para mim. Eu mato as esperanças das pessoas (e
as próprias pessoas) sem nem saber onde ou quando. Por outro lado, não discrimino meus alvos.
Tanto posso falsificar insulina, que é destinada a uma doea razoavelmente controlável, como
falsificar remédios contra o câncer, que é incurável mesmo, na maioria dos casos. Aliás, esse seria
um campo ideal de atuação, porque os remédios contra o câncer são muito caros. O problema é a
concorrência desleal dos produtores de chás milagrosos. Curandeiros são quase imbatíveis,
inclusive porque se apresentam como benfeitores e oblico parece que adora ser enganado...
- Evidentemente o senhor é um forte candidato ao título. Sua atividade é deletéria num grau
bastante apreciável. Vale a pena registrar o fato de que o seu caso ilustra expressivamente como
temos tido sucesso em nossos esforços. Há relativamente pouco tempo dificilmente se encontraria
alguém rdido o bastante para falsificar remédios. Era um tarado aqui, outro ali, sem grande
5
significação. Hoje, não. Os falsificadores de remédios contam-se às centenas, talvez milhares.
Estão organizados em verdadeiras empresas especializadas. Umas falsificam os comprimidos ou
cápsulas, outras as bulas, outras as embalagens, etc. É um progresso fantástico. Uma beleza! Tudo
isso é muito bonito mas infelizmente não está universalizado como desejaríamos. As estatísticas
indicam que apenas no Brasil e em muito poucos outros países os números são significativos.
Além disso, essa atividade maléfica tem um defeito insanável. atinge os doentes, que
necessitam de remédios. A enorme quantidade de gente sadia o é atingida e isso pode ser fatal
para nossos interesses.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o estelionatário. Também me chamam de vigarista, o que me enche de orgulho. O
mal que eu produzo é pequeno, se considerado em termos diretos. Indiretamente, porém, minhas
atividades têm grande significado pois eu fomento a degradação das pessoas e isso é ótimo para
nossa causa. As chamadas vítimas de meus atos são, na verdade, gananciosos sem escrúpulos que
pensam estar enganando quem lhes parece um otário. Uma vantagem adicional é a raiva provocada
pela constatação das perdas sofridas. Ninguém reconhece que estava tentando me ludibriar e isso
ainda mais aumenta a raiva que sentem. E todos sabem como a raiva é boa conselheira. Se os
senhores pensarem bem. verão que eu sou um autêntico campeão.
- Toda atividade maléfica merece nosso respeito e consideração. A sua, entretanto, também
sofre de um defeito insanável. O senhor não perverte ningm. Suas vítimas já eram pervertidas.
eram dos nossos. que incompetentes, sem iniciativa. atuam (e desastradamente) quando
provocados. O senhor não me parece elegível como campeão. O máximo que eu lhe atribuiria seria
um certificado de participação nesta disputa.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o gigolô. Muitos não avaliam a intensidade do mal que eu ocasiono porque tendem
a concentrar sua atenção nas mulheres adultas por mim subjugadas. até quem o me veja
como um malfeitor autêntico que, segundo esses observadores, as mulheres não deixam a
prostituição porque no fundo, no fundo, não querem e até gostam da profissão. Muitas sonham
com a glória atingida por algumas matriarcas que se permitem proclamar, ao vivo, na televisão, o
orgulho que sentem por se terem prostituído. Esses innuos o vêem, ou não querem ver, como é
útil para nossa causa o trabalho que desenvolvo junto às meninas. Aí, minha atuão maléfica é
insuperável. De uma só vez eu corrompo as criaas e os que pagam pelos favores delas. E muitos
desses são "respeitáveis" integrantes da sociedade, tendo sua degradação moral um inestimável
efeito multiplicador. E não me venha o senhor "advogado do diabo" dizer que a difusão é pequena.
Eu atuo no mundo inteiro e desde que o mundo é mundo.
- Realmente, o senhor está com toda a razão quanto à difuo. Creio que não existe uma
biboca no mundo, por menor que seja, imune à prostituição. Já sua alegação de que toda ela é fruto
de seus esforços não corresponde à realidade. Infelizmente, ou melhor dizendo, felizmente, existe
muita prostituição espontânea. Especialmente hoje, quando nem o sexo masculino escapa... Por
outro lado, sua alegada antigüidade tem também uma faceta negativa para nossa causa, pois prova
apenas que é um mal crônico, mas o de gravidade suficiente para destruir o BEM, como todos
nós aqui desejamos.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o advogado. Meus ritos são muito maiores do que o de todos os candidatos
anteriores. Eles pertencem a categorias intrinsecamente más. Não existem pivetes, exploradores de
menores, traficantes de drogas, falsificadores de remédios, estelionatários ou gigolôs que possam
ser considerados bons. Comigo é diferente. A profiso é neutra. A malignidade é uma decisão
consciente e portanto muito mais meritória. Estabelecida essa premissa, peço nia para expor
minha causa. Estou seguro de que os senhores jurados, do alto de sua incomensurável sabedoria,
me concederão um veredicto favovel, num ato da mais sublime JUSTA!!!!!!!
- Um momento, por favor. Eu peço ao nobre colega que não se esqueça de que não estamos
em um estúdio cinematográfico fazendo um filme americano de segunda categoria. Essa sua
encenação é aqui itil. Queremos fatos. De exibicionismo estamos fartos.
6
- Que seja como deseja o meu ilustrado oponente. Fatos não me faltam. Eu terei até de ser
seletivo porque se eu fosse enumerar todo o mal que sou capaz de produzir (e que sempre que
posso produzo) levaria um tempo demasiadamente dilatado. Entretanto, até ser seletivo é difícil,
tantos foram os campos de atuão que se abriram à minha escolha quando decidi ser maligno.
- Perdão novamente, nobre colega. Nós dispensamos seu exibicionismo e dispensamos
também sua prolixidade. Por gentileza, vá direto ao assunto que interessa e nos poupe seus floreios
lingüísticos.
- Es bem, está bem, sapiente causídico. Não me valerei de florilégios oratórios pois minha
causa deles não carece. fiz minha escolha. Estou firmemente convencido de que o meu feito de
maior sucesso para nossa causa é o de conseguir absolver um criminoso fazendo com que ele
retorne, impune, à sociedade, apto a continuar sua faina destrutiva. Notem, senhores jurados, que
isso não ocorre por acaso, ou fortuitamente. O fato é a resultante de um árduo trabalho de
solapamento da decência, iniciado nos bancos das faculdades de Direito. Primeiro foi necessário
fazer com que se admitisse ser legítimo ao advogado r todo seu conhecimento e inteligência a
serviço da libertação de quem ele sabe ser um criminoso. Foi muito duro, mas conseguimos dar a
isso o nome de direito de defesa. Tivemos sucesso também no estabelecimento do conceito de que
um julgamento justo não é aquele em que o u, respeitada sua condição humana, receba a pena
legal e previamente estabelecida para o crime que cometeu. Hoje aceita-se pacificamente a tese de
que se comprova justo o julgamento em que o criminoso possa ficar isento de punição, se
possuir recursos suficientes para pagar um bom advogado, sem escrúpulos morais. Mais difícil foi
fazer admitir como coisa natural que o advogado não indague sobre a origem dos recursos com os
quais são pagos seus honorários. Com isso torna-se possível defender um ladrão e receber parte do
produto do roubo como honorários, com a maior tranqüilidade. A fórmula cobre satisfatoriamente
até mesmo o latrocínio. Não fosse isso seria muito árdua a tarefa de cooptar advogados para a
nossa causa. Hoje, felizmente, essas teses o como dogmas, aceitas até mesmo por venerandos
juizes. Os que contra elas se insurgem são logo aquinhoados com as pechas de ignorantes ou
mesmo imbecis, o que tem sido muito eficiente para a nossa causa. Com base no supracitado efeito
multiplicador de meu trabalho, requeiro, por ser de J U S T I Ç A, que me seja adjudicado, sem
mais delongas, o título de campeão objeto deste conclave.
- "Sem mais delongas" é muita petulância sua, nobilíssimo colega. Requeiro à Corte que, se
mantido nesses termos, o pleito seja considerado extemporâneo ou mesmo impertinente. Não
obstante, são indiscutíveis os ritos do candidato e assim assegurado o seu direito de retorno à
tribuna para debate com outros eventuais finalistas.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o médico e pleiteio que se reconheça para minha profissão a mesma condição
preliminarmente argüida pelo advogado. Médicos também podem ser bons ou maus e ...
- Meritíssimo Satã. Uma questão de ordem. Com o maior respeito aos integrantes das
bandas podres das diversas profissões, não creio que seja produtivo ficar-se aqui ouvindo cada um
deles isoladamente. Seria um enfadonho rosário (perdão pela palavra) de casos singulares
muito semelhantes. Cada um faz o mal que pode (o que é elogiável), mas as conseqüências desses
males são, de modo geral, pequenas, de pouco efeito multiplicador. São importantes nos
mundinhos em que orbitam seus autores, mas isso. Nossa causa precisa de muito mais. Nosso
principal objetivo aqui (vale a pena repetir) é a identificação de um agente capaz de infligir males
de amplitude suficiente para o aniquilamento, o a-ni-qui-la-men-to, do que ainda existe de bom na
face da Terra. Proponho assim que se preferência à audiência dos que tenham condições de
atuação em larga escala.
- Deferido.
- Que se apresente outro candidato (atento à norma que acaba de ser estabelecida).
- Eu sou o governante. Convém mais uma vez lembrar que os governantes tanto podem ser
bons como maus. A escolha do mal é uma opção individual, baseada no livre arbítrio outorgado
pelo Criador (perdoem-me essa referência nauseante) a todas as criaturas humanas. Minha posição
é excepcionalmente favorável para o fortalecimento de nossa causa. Quando eu me corrompo,
além de todo o mal que causo diretamente, produzo ainda uma conseqüência de valor inestimável,
7
que é o mau exemplo. No Brasil estamos quase atingindo a perfeição. A maior parte da
população já está convencida de que o Governo é o culpado de todos os males. São muito poucos
os que não se servem dessa desculpa para justificarem seus próprios procedimentos indecorosos.
quem chegue ao requinte de declarar abertamente: "Eu não tenho culpa de nada. O único
culpado do mal que faço é o Governo que não me coloca na cadeia, como seria de sua obrigão".
Por mim nem se precisaria ouvir mais ninguém. É insofisvel que eu sou o campeão e ...
- Perdão, Excelência, por interrompê-lo. Eu queria fazer de público um elogio ao autor da
idéia de dar preferência à audiência dos que têm condições de atuação em larga escala. O caso de
Vossa Excelência demonstra a genialidade da proposição.
- Mas... foi o senhor mesmo quem teve essa idéia. Isso é um auto-elogio!
- Sem a menor vida. Eu estou apenas seguindo um dos dogmas da sem-vergonhice: "Se
ninguém te elogia, elogia-te a ti mesmo". Mas o senhor não fica muito atrás de mim nesse campo,
com sua proposta de interromper as audiências. O senhor é indubitavelmente um candidato de
peso, mas não podemos correr o risco de não conhecermos eventual oponente igualmente
qualificado.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o legislador. Inicialmente desejaria registrar meu descontentamento com a -fé
do candidato que me antecedeu nesta tribuna. Ele se apresenta como governante, como se apenas
os integrantes do Poder Executivo tivessem direito a esse título. Eu sou tão governante quanto ele,
embora seja mais conhecido como político, um pejorativo de que muito me orgulho. Essa confusão
semântica é muito comum e esconde uma verdade irretorquível: s os legisladores corruptos
somos a raiz de todos os males governamentais. Sem nossas leis capciosas ou casuísticas, como
poderiam os governantes executivos agir impunemente como agem? Quem frauda mais os
orçamentos para depois se apropriar das verbas? Quem inventou a aposentadoria com apenas oito
anos de mandato? Quem mais desmoraliza as instituições, levando o povo a descrer da
democracia, um dos pilares da decência? Quem ...
- Protesto, Meritíssimo Satã. Protesto veementemente. o consigo me conter ouvindo um
reles legislador se arvorar em paladino da imoralidade. Onde está o equilíbrio entre os poderes da
República? Onde está o respeito pelo Judiciário? A ação dos magistrados inescrupulosos é mais
deletéria do que a de qualquer político, seja legislativo, seja executivo. Vou mais longe. s nem
precisamos atuar. Nossa inércia (que no Brasil é proverbial) causa mais malefícios à sociedade
do que qualquer outra coisa. Usando as pomposas expressões do legislador, eu pergunto: Quem
garante os sagrados direitos dos bandidos (desde que não sejam pobres, naturalmente)? Quem
garante a mais absoluta impunidade para os grandes crimes, inclusive os dos governantes?
- Calma, senhores, calma. Essa desunião só beneficia aos nossos inimigos. A fase atual dos
procedimentos é meramente expositiva. O plenário é soberano e ele é quem fará a escolha final.
Poupem suas energias para combater os inimigos.
- Que se apresente outro candidato.
- Eu sou o jornalista. Ou melhor, sou o homem da dia, classificação que é mais precisa.
A palavra jornalista ainda carrega uma conotação restritiva, dando a idéia do uso apenas da palavra
escrita, quando o que mais se utiliza hoje é a fala e a imagem, especialmente a televisiva. Eu ouvi
atentamente as exposões de meus antecessores e confesso que tive pena da ingenuidade deles.
Eles me parecem seres de outro planeta. o de um planeta ultra desenvolvido como é comum se
ver nos filmes de ficção científica, mas de um planeta primitivo, de rudimentar tecnologia de
comunicações. Meus antecessores, qualquer um deles, por mais que se esforcem, conseguem
atingir um número verdadeiramente ridículo de pessoas. Comigo é diferente. Quando destilo meu
veneno, atinjo milhares, milhões, bilhões de pessoas, INS-TAN-TA-NE-A-MEN-TE! Tenho ainda
uma vantagem adicional: a descomunal força persuasiva da televisão. Antigamente, o ouvinte ou o
leitor, por mais simplório que fosse, tinha perfeita consciência da diferença entre realidade e
fantasia. O vidiota de hoje não tem essa capacidade. "Deu" na televisão, então é verdade absoluta,
não se discute. uns poucos percebem a infinidade de manipulações a que se presta a televisão.
Eles clamam como uns loucos contra os abusos que eu pratico, mas inutilmente. Ninguém lhes dá
atenção. Eu, então, dou gargalhadas. Eles mostram a verdade e eu rio. O meu blico acredita é em
8
mim e ainda debocha daqueles idealistas: "Vocês têm é inveja do sucesso dos outros..." A
digitalização das imagens foi um presente dos deuses. Perdão, perdão, dos demônios. Eu faço o
que quero com as fotos, mas elas continuam com a mesma força de convencimento de antes.
Podem dizer, à vontade, que as imagens são fraudadas. O meu público continua acreditando nelas:
"Ningm me contou não. Eu vi na TV, com estes olhos que a terra há de comer..." A credulidade
continua a mesma do tempo em que a frase feita foi cunhada. E como o meu blico está a
caminho de ser a humanidade toda, ninguém, absolutamente ninguém, terá como conseguir um
número de vítimas maior do que o meu. Nosso amado líder esclareceu em sua fala inicial que a
estratégia de agora é "destruir as próprias bases do BEM, ou seja, os valores éticos e morais". É o
que eu tenho feito, incansavelmente. E eu possuo uma arma poderosíssima: a mensagem
subliminar. Primeiro, eu mesmo espalhei a idéia de que essa arma nem existe. Ela seria uma
criação delirante de mentes fantasiosamente moralistas. Enquanto os inocentes úteis sustentam
candidamente essa afirmação, eu utilizo a arma tranilamente. Querem um exemplo? Eu não
prostituo ninguém, como faz, com resultados desprezíveis, o gigolô. Eu bato incessantemente
em duas teclas: sexo, sexo, sexo e ganhe dinheiro a qualquer custo, ganhe dinheiro a qualquer
custo, ganhe dinheiro a qualquer custo. A resultante natural dessa doutrinação não declarada é,
inevitavelmente, a prostituição em larga escala. E como eu atuo sobre todas as faixas etárias,
consigo a mais deliciosa forma de perversão humana: a prostituão infantil. De vez em quando
ainda me dou ao luxo de produzir reportagens "condenando" a prostituição. Existem alguns
bobocas que imaginam que isso possa ser contraproducente para a nossa causa. São uns
mentecaptos, que o enxergam um palmo diante do nariz. Basta centrar o "combate" em
prostitutas de luxo e ao entrevistá-las mostrar o pado de riqueza que elas ostentam. A receita é
infalível. Quanto mais pobre a vidiota, mais se acende nela o desejo de copiar aquele modelo. O
único risco que eu corro nesse campo é o de ser acusado de extremista, porque eu atuo nos
extremos: da primeira infância (via programas infantis onde as menininhas se vestem com as
bundinhas à mostra) à terceira idade (via exaltação e glorificação das "velhas senhoras"). Eu ainda
me arrepio ao lembrar a satisfação que senti quando fiz com que um auditório inteiro aplaudisse,
delirantemente, uma velha, respeitosamente velha, artista (?) de teatro de revista quando ela
declarou, ao vivo, na TV, alto e bom som: "Fui prostituta, com muita honra". Outro ponto onde
tenho tido muito sucesso é na desmoralizão da honestidade. O esquema comporta inúmeras
formas de operação. Primeiro, apresenta-se, sempre que possível, o honesto como um chato
insuportável. Isso é muito útil para a deformação do caráter da sociedade, mas é um aperitivo.
Mais sibilina é a fórmula de só mencionar "moralismo hipócrita", nunca moral, simplesmente. Mas
o prato de resistência e que me garante sucesso profundo e duradouro é a exaltação dos desonestos
bem sucedidos. Essa fórmula é de uma abranncia enorme. O festejado tanto pode ser um reles
assaltante de trem inglês, que buscou refúgio no paraíso dos ladrões, como um trambiqueiro
internacional, também fugido da Justiça de seu país, que passa a ser nominado como
megainvestidor. Tudo isso em relação a criaturas reais. O maior filão, porém, é o da ficção onde a
glorificação do desonesto pode ser levada ao paroxismo, sob a capa de criação artística. O
importante é a continuidade da ão de solapamento de todos os valores. Ela é que garante
distorções permanentes no caráter das pessoas, permitindo que asseguremos a existência de
depravados, batalhadores de nossa causa, em todos os campos da atividade humana. E nós da
mídia podemos dar uma contribuição significativa para a obtenção de resultados com a amplitude e
profundidade que a vitória integral de nossa causa exige. Eu poderia passar aqui horas e horas,
talvez dias, relatando a infinidade de meus feitos em prol daquele objetivo, mas tenho receio de
levar o auditório à exaustão emocional. Não posso, entretanto, encerrar esta apresentação sem
render minhas homenagens àquele que é talvez o maior herói da degradação humana, que
retornou ao nosso convívio infernal. Refiro-me ao emérito jornalista Chatô, Rei do Brasil, que
conseguiu a façanha de ser um crápula total, absolutamente destituído do mais leve vestígio de
decência e, apesar disso, ser até hoje cultuado como uma das glórias do jornalismo brasileiro.
Honra aorito para aquele titã de nossa causa. Muito obrigado pela atenção de todos.
Silêncio absoluto durante alguns minutos.
9
- Senhor "advogado do diabo", estamos aguardando sua manifestação.
- Meritíssimo Satã, Vossa Malignidade me perdoe, mas nem sei o que dizer. O relato que
acabamos de ouvir é tão expressivo que não comporta senão um resultado: a escolha, por
aclamação, do homem da mídia como nosso CAMPEÃO. Se as forças do BEM não descobrirem
um meio de neutralizar a banda podre da mídia, a extinção dele será inexorável, o irá muito
longe...
10
Minhas preocupações decorrem de um verdadeiro truísmo: "Sem educação, não
é possível haver progresso." É quase impossível encontrar-se alguém que não admita
a absoluta veracidade da afirmação. É quase o óbvio.
Por outro lado, é tão arraigada a idéia de que a educação é dada pela família,
pela escola e pela igreja, que praticamente nem se imagina que isso possa ter
mudado.
No entanto, foi justamente o que ocorreu, em função do extraordinário
desenvolvimento dos meios de comunicação, que muito recentemente ganharam
um qualificativo: "de massa".
Os instrumentos por meio dos quais se molda o caráter das pessoas (se "faz a
cabeça delas", como hoje se diz, com a vulgaridade tão comum em nosso tempo) foi se
modificando ao longo dos anos, mas nunca de modo abrupto, tornando lenta a
percepção do fenômeno.
Durante séculos, desde os primórdios da civilização, imperou o púlpito. Seu
domínio sobre as mentes era quase total. Hoje pode-se até rir do conceito, mas durante
muitos, muitíssimos, anos o poder político, personalizado na figura do soberano, foi
apresentado - e aceito - como "direito divino". E ai de quem ousasse pensar de modo
diferente. Houve época em que o antibiótico para aquela infecção mental era de uma
objetividade e eficiência assombrosas. Os micróbios eram queimados, juntamente com
o seu portador, em enormes fogueiras, em praça pública. E sob o generalizado e
entusiástico aplauso dos não infectados.
Esse império da oralidade começou a ruir com o advento da impressão.
Certamente nem passou pela cabeça de Gutenberg o que iria resultar daqueles
pequenos cubos de madeira com uma letrinha esculpida em uma das faces. O púlpito
não desapareceu, mas, embora muito a contragosto, teve de abrir mão de seu
monopólio na divulgação de idéias. A rainha passou a ser a palavra escrita,
reproduzida aos milhares. Um simples livro podia mover multidões. Os livros e seus
autores podiam até ser queimados, mas as idéias por eles disseminadas eram como a
Fênix e ressurgiam das cinzas. Havia ainda uma grande vantagem nessa fase, era a
impossibilidade prática de retorno do monopólio. Todos, ou pelo menos um grande
número de pessoas, podiam difundir suas idéias.
Tudo isso, que parecia definitivamente estabilizado, alterou-se com o surgimento
dos chamados "meios de comunicação de massa". Primeiro o dio e (em termos
históricos) imediatamente após, a televisão. Esta não era mais uma simples rainha. Era
uma deusa. Em alguns lugares, platinada...
O fulgor que emana da face da deusa é de tal intensidade que chega a tornar
quase cegos os simples mortais.
Minha primeira tentativa de abordar esse tema foi num conto despretensioso,
intitulado FÁBULA CONTEMPORÂNEA. Era apenas uma alegoria, mas mesmo assim
tentei divulga-lo por, ingenuamente, imaginar que poderia ser de alguma utilidade. Nem
o Observatório da Imprensa se dispôs a publicá-lo.
Não consigo, porém, resistir à tentação de transcrevê-lo aqui, por ainda entender
que ele é bem ilustrativo. Se preferir, caro leitor, pode pulá-lo, pois ele não é essencial
ao objetivo do livro.
11
FÁBULA CONTEMPORÂNEA
O falcão, mal o sol raiou, saiu de seu esconderijo no alto da montanha e ficou
contemplando a paisagem. "Lindo esse mundo", pensou, olhando em baixo a maravilhosa
floresta que fora criada, algum tempo antes, por Alguém que ele não saberia dizer quem era.
O espetáculo, porém, mexeu com sua imaginação criativa. Especialmente o brilho do sol,
que reinava, absoluto, sobre toda a criação.
Abriu as asas, com a majestade própria dos falcões, desceu até à floresta e convocou alguns
dos animais, seus amigos prediletos, para uma reunião. Foi direto ao assunto:
- Meus amigos, eu os convoquei para lhes transmitir uma idéia que tive hoje, quando, logo
ao raiar do sol, contemplei esta floresta de beleza indescritível. Os seres que não voam não podem
sequer imaginar como ela é bela. Mas os bichos que a povoam estão muito desorganizados e,
assim, não desfrutam de tudo o que este mundo pode oferecer. Minha idéia é fazer algo para mudar
essa situação e para isso preciso da colaboração de vocês.
- Vossa Excelência permite um aparte?
- Fale, companheiro, mas não gostei do "Excelência", pois essa palavra ainda nem existe. O
tratamento de "Majestade", que acabo de criar, é mais adequado à posição de Faraó, que me cabe
por poder pairar acima de todos vocês.
- Perdoe a nossa falha, majestade. O que eu queria perguntar é porque o macaco o foi
convocado para esta reunião.
- Ah, querido súdito, não sei o que deu no macaco, mas ele está insuportavelmente snob.
Desceu das árvores, passou a andar ereto, não se considera mais bicho e diz que vai emigrar para
outras plagas onde tenha tranilidade para desenvolver sua inteligência.
- Todos os macacos fizeram isso?
- Não, aquele alto, de cabeça grande e que, por isso, se julga melhor do que os outros.
- Mas onde estão os outros, que também não vemos, há tempo.
- Eles estão proibidos de descer das árvores. O cabeçudo disse que quem não obedecer ele
"pega, mata e come". Como o macacão é fortíssimo, ninguém ousa a ele se opor. Voltemos, porém,
ao nosso assunto, pois para desenvolvê-lo não precisamos de macaco algum. Meu projeto para
organizar a bicharada é criarmos uma confraria que, desde logo, proponho que se chame
Companheiros de Rá, Ísis e Osíris. Como seremos o único grupo organizado, daremos as ordens.
Quem se opuser, morre. Todos terão de temer a ira suprema.
- Mas como os outros saberão que pertencemos à confraria, falamos em nome dos seres
supremos e devemos, assim, ser respeitados e temidos?
- Usaremos nomes e vestes especiais. Você, chacal, terá o codinome de Anúbis; você, boi,
passa a se chamar Ápis; você, jararaca, será Atum; você, gata, fica batizada de Bastet; e você,
crocodilo, será chamado de Sobek. Eu, como encarnação maior dos seres supremos, serei
conhecido ora como Rá, às vezes como Hórus, em outras ocasiões como Amon, tudo para
confundir mais ainda a ralé, que não poderá sequer me olhar diretamente. Com o mesmo objetivo,
minhas vestes serão as mais suntuosas e cobertas de ouro. Aliás, esse metal passa a ser de uso
exclusivo da confraria. Quem ousar desobedecer a esse primeiro mandamento, será fulminado.
Também de nosso uso exclusivo serão os hieglifos, que eu já inventei, mas guardava em segredo
até agora. Só nós saberemos o que eles significam. Assim, a bicharada reles saberá das coisas
ouvindo nossas palavras.
- Perdoe-me a interrupção, divino Rá, mas gostaria de um esclarecimento. A confraria é
fechada ou novoscios podeo ser admitidos?
- Não, a confraria não é fechada. Novos sócios poderão vir a ser aceitos, mas só com prévia
e expressa autorização minha. Também eu (e eu) escolherei os nomes e vestes que passarão a
usar.
O projeto foi um sucesso. A floresta se desenvolveu, foram construídos imensos palácios,
enormes estátuas, pirâmides e templos, muitos e muitos templos.
12
A confraria também cresceu, na mesma proporção dos templos, mas nada mudou em
relação ao monopólio do saber.
Quando os animais comuns tinham dúvidas, o único recurso para se esclarecerem era
recorrer a um dos membros da confraria. Estes, abnegadamente, não deixavam uma consulta sem
resposta.
Certo dia, um minúsculo hamster procurou um templo com uma dúvida nunca antes
formulada: por que os membros da confraria não trabalhavam, eram gordos e saudáveis,
moravam em palácios ou nos suntuosos templos e viviam cobertos de ouro? O progresso fora
muito bom para eles, mas, para o comum dos animais, a desorganização anterior não parecia pior
do que as condições em que agora viviam.
Bondosamente, o consultado respondeu: a vontade de Amon e suas razões são
inescrutáveis."
O hamster nada disse, porque não era burro nem temerário, mas pensou: "Como são
inescrutáveis as razões de Amon? Está na cara que ele gosta de quem monopoliza os
hieróglifos. Juro que hei de inventar um meio de acabar com esse monopólio da informação e da
comunicação. Com ele eu vou virar esta floresta de pernas para o ar."
Coitado do hamster. Pouco depois morreu, em uma das inúmeras pragas que
periodicamente assolavam a terra e com ele morreram as esperanças de mudar a organização da
floresta.
Em uma outra floresta, longe dali, mas não muito, os animais também se organizaram, mas
de um modo um tanto diferente. A maior diferea foi em relação à confraria dominante. Era
inteiramente aberta e nela qualquer um, desde que fosse bom de bico, poderia entrar. A maior
semelhança era em relação aos templos e aos participantes da confraria que os controlavam. O
mais famoso era o localizado em um recanto chamado Delfos. Os seres supremos tinham nomes
diferentes - Zeus, Hades, Afrodite, Atena, Poseidon, etc. - e nenhum bicho tinha o direito de se
arrogar representante direto de qualquer deles.
A segunda floresta também prosperou muito, sobretudo na área intelectual, mas quando um
outro hamster começou a questionar o monolio da informação e da comunicão, ele foi preso e
condenado a beber cicuta.
Depois disso, por motivos que nunca ficaram bem esclarecidos, a segunda floresta entrou
em decadência.
Foi a vez de se organizarem os descendentes de uma loba, moradora em uma terceira
floresta.
Os lobinhos eram os bichos mais espertos que haviam existido. Sua organização era
fantástica e eles não tinham a menor cerimônia em se apropriar de tudo o que lhes parecia bom das
florestas vizinhas. Com relação aos seres supremos, por exemplo, nem se deram ao trabalho de
imaginar outros. Pegaram os que existiam na segunda floresta e simplesmente mudaram seus
nomes. Zeus passou a ser Júpiter, Hades virou Plutão, Afrodite transformou-se em Vênus, Atena
em Minerva e Poseidon em Netuno.
Da primeira floresta apropriaram-se do sistema de centralização absoluta do poder.
Também, como no outro caso, mudaram o nome do principal representante do ser supremo e o
Farpassou a se chamar sar.
Ocorre que também entre os bichos a história se repete e acabou surgindo, na figura de uma
ave do paraíso, alguém para contestar a opressão que se espalhava por todas as florestas
conhecidas.
A ave do paraíso não pregava violência. Ao contrário, sua mensagem era apenas de amor.
Mesmo assim, os lobinhos se assustaram e pregaram a dissincia em uma cruz.
Nova repetição da história. A tentativa de sufocar idéias diferentes acabou tendo justamente
o resultado inverso ao pretendido. O império dos lobinhos entrou em decadência e o mundo
mergulhou em trevas.
Os únicos que permaneceram organizados foram os discípulos da ave do paraíso.
Acabaram formando uma nova confraria, que pretendia atuar em todas as florestas do mundo
conhecido.
13
Eram também muito espertos e, nutrindo-se dos ensinamentos do passado, logo
monopolizaram o conhecimento, a informação e a comunicão.
As regras que vigiam ao tempo do desaparecido império da primeira floresta ressurgiram
como que por milagre. Quando os animais comuns tinham dúvidas, o único recurso para se
esclarecerem era recorrer a um dos membros da confraria. A diferença é que estes não mais
intermediavam a infinidade de seres supremos que antes existira. Agora todos representavam um
único ser supremo, cujas ordens estavam registradas em um calhamaço que só eles podiam ler.
No princípio, as coisas até que o foram ruins, porque os seguidores da ave do paraíso
tinham bom coração e realmente procuravam ajudar aos animais menos favorecidos.
Aos poucos, porém, os anuns, aquelas aves negras, de catadura, foram ingressando na
confraria e acabaram dominando-a completamente. Nessa ocasião, as vestes dos confrades
voltaram a ser o principal instrumento de indicação de sua categoria. que agora eram negras,
"mais negras que a asa da graúna."
Os anuns eram de uma ferocidade brutal, embora se apresentando como seguidores da ave
do paraíso, que havia sido a personificação da candura. Chegaram ao cúmulo de queimar seus
desafetos em fogueiras no meio da floresta.
Esse tipo de trevas perdurou por vários séculos mas, um dia, um simples pica-pau
descobriu que podia, com seu potente bico, desenhar letras em pequenos blocos de madeira.
De início, ele nem imaginou a força do que ele estava criando, mas reuniu seus
companheiros e, solenemente, anunciou:
- Acabo de inventar a Imprensa.
Alguém na platéia observou:
- Acho que os anunso vão gostar nada disso.
- Pouco me importa. E, para provar, o primeiro livro que vou imprimir é justamente o
calhamaço de onde os anuns tiram sua força.
Alguém mais exclamou, em tom de advertência:
- Já estou sentindo cheiro de pica-pau assado na fogueira.
Para surpresa geral, entretanto, os anuns nem se importaram. Ariram.
- O que o pica-pau inventou é um simples brinquedo. Aquelas lambuzeiras que ele produz
nem se comparam com nossos sublimes alfarrábios manuscritos. Nossa palavra é a única que
continuará valendo.
Quando os anuns perceberam o poder que tinha a palavra escrita, reproduzida aos milhares,
era tarde. Seu monopólio do conhecimento, da informação e da comunicação chegara ao fim.
Eles ainda tentaram impedir a impressão de livros e queimaram muitos deles, junto com seus
autores e editores, mas tudo foi em vão.
Tempos depois, uma enorme águia de bico recurvo, pregou 95 teses nas portas de um
templo da confraria dos anuns, que existia em uma clareira chamada Wittenburg, numa floresta
negra.
A confraria dos anuns rachou ao meio e nunca mais voltou a ter o poder de que antes
desfrutava, de modo absoluto.
As trevas que haviam coberto o conjunto das florestas começaram a se dissipar e cada vez
um mero maior de animais comuns começaram a ler e a pensar. Com isso, começaram também a
ver que muitas coisas não eram justas e precisavam ser modificadas.
Na floresta franca foi onde as leituras produziram a maior tensão. Esta foi tão violenta que
os animais comuns acabaram perdendo a cabeça (metaforicamente) e deceparam (literalmente) as
cabeças dos integrantes da confraria dos pavões que ali era a dominante.
Foram muitos anos de turbulência, mas as mentes acabaram serenando e relativa paz voltou
a reinar no conjunto das florestas. Longe se estava das desejadas liberdade e justiça para todos,
mas muito já evoluíra a organização dos animais, desde aquela manprimordial em que o falcão
reunira seus amigos prediletos.
A paz era preria e muitas injustiças continuavam prevalecendo, mas a maioria dos
animais parecia despreocupada, achando que o tempo resolveria todos os problemas.
14
Foi quando uma hiena megalomaaca escreveu um livro - Minha Luta - conclamando
todos os animais da floresta negra em que morava a se reunirem em uma novíssima confraria para
dominarem todas as florestas.
O livro não fez o sucesso que a hiena esperava, mas conseguiu reunir em torno dela
bastantes feras dispostas a segui-la incondicionalmente. As vestes que as distinguiam eram bem
mais simples do que as das confrarias do passado. Eram apenas camisas pardas.
O grupo era bem grande, mas não o suficiente para dar execão aos planos mirabolantes
que estavam em sua origem. Foi quando um bichinho nojento, chamado fuinha, ingressou na
confraria e logo se fez amigo do hrer, título que a hiena se autoconcedera.
A pretensão inicial do fuinha foi ser designado responsável pela promoção do grupo,
garantindo ter meios para fazê-lo crescer vertiginosamente. Desanimado e incrédulo, o hrer
perguntou:
- Como você pretende fazer isso?
- Com o rádio, meu Führer, o primeiro meio de comunicação realmente de massa, que foi
inventado há relativamente pouco tempo e que ninguém até agora usou para fins políticos.
- Você está delirando. O dio é apenas um brinquedo. Aqueles guinchos que ele produz
nem se comparam com nossos sublimes livros. A palavra escrita é a única que continuará valendo.
O fuinha, porém, sabia do que estava falando e fez do microfone a sua arma. Em poucos
anos, a confraria da hiena era a organização mais forte que a bicharada havia conhecido e começou
a invadir e dominar todas as florestas vizinhas.
A força era tanta que ninguém imaginava possível detê-la. Somente um bode, velho, mas
de enorme sabedoria e coragem maior ainda e que morava em uma ilha próxima ao covil da hiena,
resolveu enfrentá-la.
Mesmo os mais dedicados companheiros do bode estavam temerosos.
- É melhor negociar com a hiena, pelo menos salvaremos a pele.
- De jeito nenhum. Só os loucos ou os idiotas imaginam possível negociar com uma hiena
hidrófoba. Além disso, nós temos a mais poderosa frota de golfinhos que existe e, como estamos
em uma ilha, a hiena não terá como nos atingir. Vamos reunir nossas forças e mais tarde
destruiremos aquela fera ensandecida.
- Você é que deve estar louco, bode. A hiena dispõe de mero incalculável de tubarões
que acabarão por afundar nossos golfinhos. Além disso, ela tem a seu serviço a maior frota de
urubus (amestrados por um gordíssimo porco). Eles virão pelos ares e não teremos como nos
defender.
- Nós temos colibris e eu confio neles.
No final, o bode estava certo. Os colibris enfrentaram valentemente os urubus e impediram
que a floresta da ilha fosse tomada. Ficou famosa a frase do velho bode: "Nunca tantos deveram
tanto ao poucos."
Depois de muita luta, as feras foram derrotadas e a hiena matou-se.
A paz voltou a reinar e, para evitar novas loucuras, a bicharada fundou a Organização das
Florestas Unidas – UFA.
o muito tempo mais tarde, um lince, famoso pela acuidade de sua visão, procurou a
coruja, que presidia a UFA:
- Precisamos fazer alguma coisa. As gralhas estão se apossando da televisão.
- Que mal você vê nisso, meu caro lince?
- As gralhaso irresponsáveis.
- Não se preocupe, a televisão é apenas um brinquedo,o tem como nos prejudicar...
15
O mais relevante aspecto da televisão é sua abrangência. Um livro é um
fenômeno, se for lido por um milhão de pessoas, embora isso represente apenas uma
parcela infinitesimal dos mais de seis bilhões de habitantes do planeta. um evento
televisivo de interesse mundial pode atingir, instantaneamente, cinqüenta por cento, ou
até mais, daquele total. Em toda a história da humanidade, jamais existiu algo com
essa amplitude.
Aliado a isso existe o seu também descomunal poder de persuasão. O sociólogo
Pierre Bourdieu sintetizou magistralmente esse fenômeno: "... a imagem tem a
particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito do real,
ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver."
quem entenda que isso ocorreria com os muito ingênuos, mas a
magnitude dos modismos (inclusive de comportamento) gerados pelas novelas, por
exemplo, não parece confirmar aquele otimismo. Os resultados eleitorais conseguidos
por marqueteiros eficientes também parecem desmentir o otimismo. Não é à toa que os
políticos hoje não os dispensam e cobrem-nos de ouro. A influência é tanta que não
seria exagerado o temor de que em futuro não distante as disputas eleitorais deixem de
ser em torno de idéias e passem a ser exclusivamente em torno de imagens. Nessa
hipótese, não se pode saber se a democracia será enterrada ou cremada, mas pode-se
antecipar que não sobreviverá.
O sociólogo Pierre Bourdieu foi um dos mais esclarecidos analistas do fenômeno
televisivo e do risco que o mau uso desse extraordinário instrumento representa para
todas as esferas culturais. Seu livro SOBRE A TELEVISÃO (aqui editado pela Zahar) é
um primor de racionalidade e objetividade. Mereceria ser distribuído aos milhares, aos
milhões, mas parece que aqui a conjugação racionalidade/objetividade não dá IBOPE.
Infelizmente, ele morreu há cerca de dois anos. Escrevi na época o seguinte
16
RÉQUIEM
A inteligência humana está de luto. Morreu Pierre Bourdieu.
Pelo mesmo motivo estão exultantes os indigentes mentais que reconhecem o dinheiro
como valor humano. Isso se constata de forma dolorosamente clara ao ler os comentários sobre o
triste evento, feitos por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o notório Boni, da TV Globo.
Segundo Boni, o que Bourdieu dizia sobre a televisão revelava "um acadêmico brilhante,
mas bastante distante da realidade. Na prática, o que ele dizia o tinha aplicação."
E o que dizia Pierre Bourdieu sobre a televisão?. Coisas do tipo:
"Foi assim que a tela da televisão se tornou hoje uma espécie de espelho de Narciso, um
lugar de exibição narcísica";
"A televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabas de uma
parcela muito importante da população";
"Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão devem-se ao fato de que a
imagem tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito do
real, ela pode fazer ver e fazer crer no que fez ver";
"A televisão não é muito propícia à expressão do pensamento"; "Será que a televisão, ao
dar a palavra a pensadores que supostamente pensam em velocidade acelerada, não está condenada
a ter apenas fast-thinkers, pensadores que pensam maispido que sua sombra?"
Para Boni, tudo isso são delírios que nada têm a ver com a realidade! Para ele, reais são,
certamente, apenas a riqueza e o poder que a TV proporciona a seus manipuladores.
Infelizmente, parece que o mercantilismo irresponsável está ganhando a guerra contra o
altruísmo inteligente.
Que Deus se apiede des.
Como preito à memória daquele grande batalhador por um mundo efetivamente
civilizado, com menores índices de mercantilismo explícito, transcrevo mais uma de
suas observações:
"De fato, penso que a televisão, através dos diferentes mecanismos que me esforço por
descrever, expõe a um grande perigo as diferentes esferas da produção cultural, arte, literatura,
ciência, filosofia, direito; creio mesmo que, ao contrário do que pensam e dizem, sem dúvida com
toda boa-fé, os jornalistas mais conscientes de suas responsabilidades, ela expõe a um perigo não
menor a vida política e a democracia."
17
Bourdieu era um intelectual de alta qualificação e seu trabalho refletia
naturalmente essa condição.
Eu não tenho a pretensão de me comparar a ele, pois nem me considero um
intelectual (embora, desde muito jovem, tenha acentuado interesse pelas letras).
Minha visão é a de um cidadão comum, mas com razoável experiência de vida e
com a capacidade de observação que daí decorre.
Procuro aqui registrar o que vejo como pernicioso, mesmo correndo o risco de
ser taxado de excêntrico ou, pejorativamente, de ingênuo, como é tão comum quando
as observações desagradam mais acentuadamente os pretensos detentores do
monopólio da sapiência.
É o caso, por exemplo, do famoso "jeitinho brasileiro", que a mídia exalta
incessantemente.
Tão elogiado tem sido o "jeitinho" que talvez a maioria das pessoas nem mais se
preocupe em analisar o conceito. Recebem a idéia como pronta e definitiva e até se
orgulham dessa "virtude", exclusiva dos habitantes desta terra extraordinária.
Na verdade, porém, o "jeitinho" tem muito pouco de sua faceta inocente e "muito
muito" da execrável esperteza, um dos fundamentos da famigerada "Lei de Gerson", a
que manda "levar vantagem em tudo".
É a banalização do delito, dando-lhe uma aura de naturalidade que mina, quase
imperceptivelmente, os conceitos de decência e de respeito ao próximo, cuja
observância é fundamental em uma sociedade que se deseja civilizada.
A isso se alia um outro procedimento usual na mídia: a sistemática
desmoralização do princípio, igualmente fundamental do ponto de vista da civilização,
de respeito à lei.
Este se efetiva com a mais tranqüila e infindável repetição, com laivos até de
humorismo, de que aqui há leis que "pegam" e leis que "não pegam" como se as
próprias bases da organização social fossem mudas de plantas raras que podem
fenecer ao acaso.
O pior é que tudo isso já se está tornando de tal forma arraigado no inconsciente
das pessoas que eventual objeção (como a deste livro) é vista, especialmente pelos
midiáticos, como exótica e, pior ainda, como impatriótica, por afetar a essência de
nossa pitoresca brasilidade.
Mais grave, entretanto, e mais dificilmente combatível, por afetar interesses
vultosíssimos, é a generalizada aceitação da mentira como um recurso quase
inevitável. "Em determinadas situações, apenas" é a única ressalva com que se
procura manter alguma aparência de dignidade.
As ocorrências nesse campo são tantas e tão freqüentes que seria impraticável
seu relato de forma abrangente.
O mais importante, porém, é ressaltar a profundidade do efeito deletério desse
procedimento na formação do caráter nacional.
A ficção às vezes é mais eficiente nesse sentido, por quebrar a aridez dos
relatos formais. Esse foi o intento do texto que se segue.
18
O ELOGIO DA MENTIRA
Estava o velho Erasmo (de Rotterdam) posto em sossego em sua mansão celestial, de seus
séculos colhendo doce fruto, quando ouviu que à sua porta batiam.
"Quem poderá ser, a esta altura da eternidade? Talvez Camões, aquele poeta genial que,
infelizmente, não conheci em vida, pois nasceu ele quando eu quase me despedia do mundo.
Cismou agora de escrever novo poema épico, cultuandoo mais um povo apenas — Os Lusíadas
mas abrangendo todos os povos do mundo. A nova obra monumental teria por título Os
Humanos. Minha colaboração, diz ele, é indispensável porque demonstrei, com minha obra mais
famosa O Elogio da Loucura conhecer profundamente aquela que, milênios, reina
absoluta sobre toda a humanidade. Um despautério, pois não tenho mais engenho e arte para
empreender trabalho de tal magnitude. Ele, porém, insiste e fico um tanto sem jeito de dizer-lhe
um o definitivo."
Quem batia, entretanto,o era Camões, era a própria Loucura.
Posso entrar, mestre?
Claro, minha querida, mas que surpresa! Como veio parar aqui? Vo não é deste
mundo! Deixou a Terra? Como podem os humanos viver sem você?
Ah, mestre, é uma longa história...
Sente-se e me conte tudo. Custa-me a crer que os humanos tenham aceito a abdicação de
sua soberana de tanto tempo.
Euo abdiquei, fui deposta.
O mundo enlouqueceu!
Ao contrário, mestre, os humanos me expulsaram e têm agora outra soberana.
Como pode ter isso acontecido? Você esqueceu o velho conselho que lhe dei?
Qual deles, mestre? Foram tantos...
O mais importante de todos: "Não tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo."
o, mestre, o esqueci. O que aconteceu foi que a minha rival soube dele e usou-o
com maior eficiência.
E quem é essa rival tão poderosa?
A Mentira, mestre, ela é quem reina agora, absoluta. Os humanos a adoram.
Custa-me a crer, repito. Os humanos sempre abominaram a mentira, taxando-a até de
pecado. Você, não, você sempre foi respeitada e houve época em que a tiveram por santa. Como
pôde ter ocorrido mudança tão radical?
É que surgiu uma novidade, nem imaginada possível no seu tempo. Chama-se mídia.
— Mídia? O que é isso? Tem alguma relação com o velho Rei Midas, que transformava em
ouro tudo aquilo em que tocava?
— Mídia é uma abreviação para "meios de comunicão de massa", que possuem um poder
descomunal. Não tem, entretanto, nenhuma relação com o velho Midas que o senhor mencionou, a
não ser a avidez que aquele rei tinha pelo ouro, antes de pedir a Dionísio que lhe concedesse o dom
de tudo transformar no precioso metal.
A mídia gosta de ouro?
Bem, hoje, ouro é apenas maneira de dizer. O de que a dia gosta mesmo é de
dinheiro.
E as duas palavras não o sinônimas?
No seu tempo eram. Hoje, não mais. O dinheiro pode ser de papel e avirtual.
Papel? Alguém admite receber papel, e não ouro ou prata, como dinheiro?
Todo mundo.
Mas você falou também em virtual, ou seja, não existente fisicamente. Os humanos
também aceitam como dinheiro essa coisa que eu nem sei como qualificar?
Exatamente.
E você me diz que os humanos não estão loucos?
19
Exatamente. Nesse ponto nada existe de loucura. Tudo funciona muito naturalmente.
Até quando eu também o sei...
— Não importa. Se os humanos agora entendem que algo virtual pode valer tanto quanto o
ouro, é problema deles. Voltemos ao que nos interessa. Como de a Mentira desbancar você,
minha querida Loucura. Durante séculos se disse que era mais fácil pegar um mentiroso do que um
coxo. O que mudou?
Ninguém mais quer saber de coxos, pensam em coxas...
Mas o que tem isso a ver com a Mentira? Eu cada vez entendo menos. Por tudo o que
você me diz, eu fico achando que os humanos estão mais loucos do que nunca. Vo mesma,
porém, me afirma que foi desbancada e que a Mentira é quem impera. Me explica melhor essa
confusão, especialmente o papel dessa tal de mídia que você inventou.
Não, mestre, não fui eu quem inventou a mídia. Aliás, ninguém a inventou, ela foi
surgindo aos poucos, por aglutinação de diversas partes criadas por diversos inventores.
Um Frankenstein, portanto?
— Não mestre, nada disso. A mídia até que tem muitas qualidades, o problema é o uso que
fazem dela.
— Não me confunda mais ainda. Se a mídia é boa e poderosa, como pôde a Mentira crescer
tanto e chegar a usurpar a coroa que você, minha querida Loucura, detinha há tantos séculos?
Ela seduziu a maioria dos integrantes da dia. Começou pela propaganda, o vetusto
réclame, o velho anúncio, o atual marketing. No princípio eram mentirinhas de brincadeira, com as
quais ninguém se importava. Do tipo:
Veja ilustre passageiro
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem a seu lado
E no entanto acredite
Quase morreu de bronquite
Salvou-o o Rum Creosotado."
Depois foram sofisticando a enganação, como na propaganda de cigarros. Todo mundo está
farto de saber que o cigarro faz um mal enorme à saúde, mas nos anúncios de todas as marcas
(todas, sem qualquer exceção) os fumantes são jovens belos e saudáveis e estão sempre cercados
de moçoilas mais belas e saudáveis ainda. Tudo descaradamente falso, mas aceito com a maior
naturalidade. Até eu fui enganada, achando que mesmo ali continuava a reinar, que fumar é,
indubitavelmente, uma rematada loucura. Doce ilusão. Quem prevaleceu foi a Mentira, que ainda
se dava ao desplante de chamar de loucos os que tinham a pretensão de querer desmascará-la. O
campo seguinte foi a política.
Mas, minha querida, os políticos sempre mentiram, desde que o mundo é mundo, sem
que o reinado da Loucura fosse afetado.
Certo, certíssimo, mas quando suas falsidades eram descobertas eles ficavam
desmoralizados. Caíam no ostracismo. Houve até um Presidente dos Estados Unidos que chegou a
ter de renunciar, não porque fosse um safado de primeira (isso seria perfeitamente desculpável)
mas porque foi apanhado em deslavada mentira. Hoje, não, nem existe mais a figura do
ostracismo, desde que as mentiras sejam belas como rolas. Os políticos chegam ao cúmulo de
contratar marqueteiros...
Pero por interrompê-la, querida, mas o que é um marqueteiro?
Marqueteiro é um eufemismo usado para designar mentirosos profissionais incumbidos
de ensinar aos políticos como enganar os eleitores.
Mas isso é uma loucura!
Loucura, nada, mestre, mentira, pura e simples, que muito respeitada e melhor
remunerada.
Voltando à propaganda. o existe uma lei que proíbe a chamada "propaganda
enganosa" e pune os seus infratores?
20
A lei existe, mas é do tipo que "não pegou".
Como "não pegou"? As leis, por acaso, são mudas de plantas, que podem pegar ou não
pegar?
Parece estranho, não? de onde eu vim, porém, é a coisa mais natural do mundo. O
conceito, graças ao permanente e entusiástico apoio da mídia, está tão arraigado que as pessoas
até se orgulham da aberrão.
Está bem, você me convenceu. Na propaganda e na política a Mentira impera absoluta.
Mas nos outros campos, como estão as coisas?
Que outros campos? Nada agora está imune à ação do marketing, por interdio dos
meios de comunicação de massa, ou seja, da mídia. Há uma expressão, conceituada como da mais
alta sabedoria, e por isso reverenciada ao extremo, que sintetiza a situação: "Quem não se
comunica se trumbica." Sublime, não?
Prefiro não opinar. Não desejo me "trumbicar" (embora eu nem imagine o que isso
possa significar).
— Não se acanhe, mestre, se não deseja que conheçam sua opinião, minta, pois essa é hoje
a regra.
Para você, então, a verdade não mais existe?
— Não, não é bem assim. A verdade continua existindo, mas poucos conseguem vê-la, tal a
quantidade de mentiras que a cerca.
Vo exagera, os humanos não sobreviveriam a uma loucura desse porte.
O mestre não se emenda. Loucura! Que loucura? Eu não estou mais na Terra, fui
expulsa. Quem manda agora é a Mentira. Nem mais na beleza feminina se pode confiar. Não se
tem mais como saber o que é verdadeiro e o que é puro silicone.
E aquele velho ditado cigano, "As cartas não mentem jamais", também foi suprimido?
Que cartas, mestre? Não existem mais cartas, a nova humanidade só conhece e-mails...
Os diversos procedimentos apontados são negativos, mas nenhum deles
suplanta em perniciosidade o de exaltação dos bem sucedidos, sem preocupações
quanto à forma como o sucesso foi obtido.
São os ricos e famosos com que a mídia se ocupa de forma que se pode
qualificar, sem exagero, de exuberantemente promocional e com uma freqüência que
dispensa outros qualificativos, por ser notória.
Nada de mal com a riqueza e a fama e é a salutar mostrar o que o estudo, o
trabalho, a inteligência, o esforço individual podem conseguir. São bons exemplos,
muito estimulantes.
O problema surge quando a riqueza ou a fama, ou ambas, foram obtidas por
meios escusos ou até criminosos. Desgraçadamente, a freqüência desses casos é
também notória. São péssimos exemplos que, mais desgraçadamente ainda, calam
talvez mais fundo do que os bons na consciência do público.
De pouco adianta clamar contra o crime e a impunidade se os impunes são
publicamente festejados.
É, sem a menor sombra de dúvida, a mais deletéria das mensagens: O CRIME
COMPENSA. E o mais dramático é que ela é absorvida não apenas pelos pobres de
espírito, mas também pelos mais esclarecidos, inclusive os situados nos mais altos
escalões da hierarquia social, pois, em termos financeiros, quanto maior for o crime,
mais ele compensa. Que o digam os políticos e os magistrados que se deixaram
corromper.
Lamentavelmente, nossa mídia está cheia (abarrotada, mesmo) daquela espécie
de exemplos, com destaque na área dita "do colarinho branco".
21
Uma dificuldade adicional é o ser prudente, ser muitíssimo arriscado para os
que não dispõem de poderosos meios de defesa, nominar expressamente os
delinqüentes, dado o poder de retaliação que a riqueza indubitavelmente possui.
Notadamente a riqueza de origem criminosa.
Felizmente, isso é quase desnecessário, pois dificilmente haverá quem não
conheça o nome de algum desses "heróis". Bastaria que a mídia não os festejasse, não
os exaltasse, não os apresentasse como exemplos.
Registro apenas dois casos, a título meramente ilustrativo. O primeiro por sua
tipicidade e o segundo por sua notoriedade.
Sob o título Artigos de Luxo - Alta do dólar não inibe consumo de seleto
grupo, um dos jornais de mais antiga tradição no Rio de Janeiro publicou, não faz
muito tempo, reportagem sobre uma socialite brasiliana. Com direito a chamada na
primeira página e, também ali, sorridente fotografia a cores. Detalhe: exibindo vistosos
adereços de ouro.
Na primeira página o texto era:
"Se dependesse delas, estariam garantidas as vendas do comércio. São pessoas que,
alheias à disparada da moeda americana, não se furtam a gastar US$ 3.000 em bolsas de grife ou
de viajar religiosamente ao exterior. 'Compro mesmo e não tenho vergonha. Não quero nem saber
quanto o dólar está valendo', diz a empresária [... ...], imune à crise. As lojas das marcas mais
famosas festejam a reposição de estoques."
Na página interna, na seção Economia e Negócios, a manchete destacava:
Gastos chegam a mais de US$ 1 mil em acessórios e roupas.
O texto dispensa comentários:
"Você pensou em gastar US$ 400 num aplique de cabelo, US$ 3 mil em bolsas Louis
Vuiton ou US$ 33 numa garrafa de champanhe Veuve Clicquot? Pois quem continue
concretizando estes desejos, mesmo com o dólar a R$ 3 ou mais. Sem culpa. 'Compro mesmo e
não tenho vergonha. o quero nem saber quanto o dólar está valendo', dispara a empresária [...
...], de 39 anos. 'Com W, por favor, porque sou emergente', diz às gargalhadas.
A socialite de Brasília, como gosta de ser chamada, não mede esforços quando o assunto é
gastar. Aliás, perde a não, como ela mesma diz, mas admite que diminuiu algumas
extravagâncias. Continua viajando para os Estados Unidos de dois em dois meses, nem que seja
para comprar 'um simples chaveiro Gucci', mas a fatura do cartão de crédito internacional, antes de
US 10 mil, caiu para US$ 1 mil. 'Antigamente gastava muito fora. Mas por que comprar as
bolsas da Louis Vuiton à vista na Avenida, se posso ter os mesmos modelos no Brasil e ainda
pagar em três vezes sem juros?'
A disparada do lar nas últimas semanas aumentou a poupança da empresária, que
aluga um apartamento para funcionários de uma embaixada em Brasília por US$ 4 mil, assim
mesmo, emlares. O lucro da venda de uma mansão, em Búzios, há três meses, por US$ 300 mil,
não foi maior porque a moeda americana ainda estava no patamar de R$ 2,80. 'Uma pena', diz.
Além de não poupar, ela também não abre mão do estoque de champanhe e caviar e de
apliques de cabelos 'sagrados' importados da Índia. W tem mais de 15 tipos, de todas as cores e
tamanhos. 'Os indianos dizem que o cabelo é sagrado, por isso importo de lá. Gasto US$ 800 em
cada.' "
Como ilustração, novo retrato ostentando vistoso casaco de peles. Outro
detalhe: o era informado o ramo de atividades que proporcionava tantos recursos à
empresária.
22
Até aí, menos mal. Era apenas a consagração da futilidade irresponsável.
Poucos dias depois, o mesmo jornal publicou uma outra notícia, mas agora sem
chamada de primeira página: "Socialite é condenada a seis anos de prisão".
Não foi, porém, mencionado que a criminosa era a mesma emergente da
reportagem anterior. o leitor mais atento lembraria do nome da primeira "heroína" e
saberia então que sua atividade "empresarial" era a corrupção.
O segundo caso é expressivo pela dimensão e profundidade da impudência.
"Resumo da ópera, em português":
1 - Trem inglês é assaltado e os ladrões levam milhões de libras.
2 - Ladrão é preso, julgado e condenado a 30 anos de prisão.
3 - Ladrão foge da prisão.
4 - Ladrão foge para o Brasil.
5 - Ladrão é recebido, de braços abertos, empregado, patrocinado e promovido
pela maior rede de comunicações do Brasil.
6 - Ladrão passa anos e anos aqui, explorando, comercialmente, sua fama de
ladrão.
7 - Ladrão dá entrevistas, explicando, despudoradamente, como se fica rico
assaltando trens e como permanecer em liberdade.
8 - Ladrão atua como "garoto propaganda" no marqueting de dispositivos contra
roubo. [Não se sabe se a desfaçatez maior é a dele ou a dos anunciantes e dos
veículos de divulgação.]
9 - Ladrão volta à Inglaterra e entrega-se à polícia, para cumprir o restante de
sua pena. [Na certa achou o Rio um lugar pouco seguro, com tanto ladrão à solta.]
10 - Mídia brasileira considera tudo isso muito natural e pitoresco.
Ressalvem-se as manifestações de uns poucos, como o sarcasmo do cronista
Mário Prata, por ocasião do retorno do herói à sua terra natal:
"Sábio foi o Biggs, repito. Preferiu a masmorra inglesa às pachorrentas e inúteis vidas de
nossos pais e do nosso País.
Me desculpem os mais jovens pelo desabafo, mas é que eu estou achando que já deveria ter
assaltado um trem pagador há mais tempo. Na Inglaterra, é claro.
Quando eu morrer, não me enterrem na lapinha. Quando eu morrer, me enterrem em
Liverpool."
O último aspecto a ressaltar é o da violência, a mais preciosa gema da coroa da
cultura do egoísmo, da permissividade e da irresponsabilidade.
"Rio, cidade da cocaína e da carnificina", chega a dizer um jornal inglês.
A Governadora fluminense, consorte do garotinho responsável pela segurança
no Estado, reagiu com indignação, não quanto ao fato em si, mas preocupada com os
prejuízos que o conhecimento externo, do ponto a que chegaram nossos problemas,
pode causar à indústria do turismo.
O próprio Presidente da República ajudou a engrossar o coro da indignação, em
uma de suas patuscas metáforas. Textualmente: "Se um cidadão toma um cascudo da
mulher, porque chegou tarde, ele não vai chegar dizendo: 'Minha mulher me deu um
cascudo'. Vai dizer: 'Minha mulher ficou brava comigo". A gente quer preservar a nossa
família e a nossa imagem".
A verdade, porém, é que ninguém suporta mais tanta violência.
A mídia então promove manifestações populares em que milhares saem às ruas
gritando BASTA!, soltando pombinhas brancas e adotando outras providências de
reconhecido efeito prático. Espera-se que a violência fuja, apavorada com o alarido.
23
Ao mesmo tempo, a mídia continua, impávida, produzindo, dia e noite sem
parar, dezenas, centenas, milhares de programas (inclusive de puro entretenimento)
em que a violência é apresentada como a única solução possível para os conflitos de
interesses.
MATAR, MATAR, MATAR, é a mensagem. Só para o bem, naturalmente.
Mas isso o contribui em nada para o clima de violência generalizada que se
está tornando sufocante, pois está cientificamente provado que as pessoas não são
influenciáveis. exaustivas pesquisas sobre isso e todas comprovam que a mídia
é formadora de opinião para o bem, única e exclusivamente. A doutrinação tem
efeitos positivos. Não existem más influências. Os maus hábitos têm geração
espontânea, ou são coisa do Diabo...
24
Posfácio
Este livrinho se iniciou com o registro de uma esperança e termina com o
de outra: a esperança de que também os integrantes da mídia se conscientizem da
magnitude de sua responsabilidade na formação (ou deformação) do caráter das
pessoas (em sua velha acepção de honradez, de decência) e consigam expurgar da
corporação os integrantes de sua banda podre. Antes que eles sufoquem até as
nossas últimas esperanças.
25
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo