mim e ainda debocha daqueles idealistas: "Vocês têm é inveja do sucesso dos outros..." A
digitalização das imagens foi um presente dos deuses. Perdão, perdão, dos demônios. Eu faço o
que quero com as fotos, mas elas continuam com a mesma força de convencimento de antes.
Podem dizer, à vontade, que as imagens são fraudadas. O meu público continua acreditando nelas:
"Ninguém me contou não. Eu vi na TV, com estes olhos que a terra há de comer..." A credulidade
continua a mesma do tempo em que a frase feita foi cunhada. E como o meu público está a
caminho de ser a humanidade toda, ninguém, absolutamente ninguém, terá como conseguir um
número de vítimas maior do que o meu. Nosso amado líder esclareceu em sua fala inicial que a
estratégia de agora é "destruir as próprias bases do BEM, ou seja, os valores éticos e morais". É o
que eu tenho feito, incansavelmente. E só eu possuo uma arma poderosíssima: a mensagem
subliminar. Primeiro, eu mesmo espalhei a idéia de que essa arma nem existe. Ela seria uma
criação delirante de mentes fantasiosamente moralistas. Enquanto os inocentes úteis sustentam
candidamente essa afirmação, eu utilizo a arma tranqüilamente. Querem um exemplo? Eu não
prostituo ninguém, como faz, com resultados desprezíveis, o gigolô. Eu só bato incessantemente
em duas teclas: sexo, sexo, sexo e ganhe dinheiro a qualquer custo, ganhe dinheiro a qualquer
custo, ganhe dinheiro a qualquer custo. A resultante natural dessa doutrinação não declarada é,
inevitavelmente, a prostituição em larga escala. E como eu atuo sobre todas as faixas etárias,
consigo a mais deliciosa forma de perversão humana: a prostituição infantil. De vez em quando
ainda me dou ao luxo de produzir reportagens "condenando" a prostituição. Existem alguns
bobocas que imaginam que isso possa ser contraproducente para a nossa causa. São uns
mentecaptos, que não enxergam um palmo diante do nariz. Basta centrar o "combate" em
prostitutas de luxo e ao entrevistá-las mostrar o padrão de riqueza que elas ostentam. A receita é
infalível. Quanto mais pobre a vidiota, mais se acende nela o desejo de copiar aquele modelo. O
único risco que eu corro nesse campo é o de ser acusado de extremista, porque eu atuo nos
extremos: da primeira infância (via programas infantis onde as menininhas já se vestem com as
bundinhas à mostra) à terceira idade (via exaltação e glorificação das "velhas senhoras"). Eu ainda
me arrepio ao lembrar a satisfação que senti quando fiz com que um auditório inteiro aplaudisse,
delirantemente, uma velha, respeitosamente velha, artista (?) de teatro de revista quando ela
declarou, ao vivo, na TV, alto e bom som: "Fui prostituta, com muita honra". Outro ponto onde
tenho tido muito sucesso é na desmoralização da honestidade. O esquema comporta inúmeras
formas de operação. Primeiro, apresenta-se, sempre que possível, o honesto como um chato
insuportável. Isso é muito útil para a deformação do caráter da sociedade, mas é só um aperitivo.
Mais sibilina é a fórmula de só mencionar "moralismo hipócrita", nunca moral, simplesmente. Mas
o prato de resistência e que me garante sucesso profundo e duradouro é a exaltação dos desonestos
bem sucedidos. Essa fórmula é de uma abrangência enorme. O festejado tanto pode ser um reles
assaltante de trem inglês, que buscou refúgio no paraíso dos ladrões, como um trambiqueiro
internacional, também fugido da Justiça de seu país, que passa a ser nominado como
megainvestidor. Tudo isso em relação a criaturas reais. O maior filão, porém, é o da ficção onde a
glorificação do desonesto pode ser levada ao paroxismo, sob a capa de criação artística. O
importante é a continuidade da ação de solapamento de todos os valores. Ela é que garante
distorções permanentes no caráter das pessoas, permitindo que asseguremos a existência de
depravados, batalhadores de nossa causa, em todos os campos da atividade humana. E só nós da
mídia podemos dar uma contribuição significativa para a obtenção de resultados com a amplitude e
profundidade que a vitória integral de nossa causa exige. Eu poderia passar aqui horas e horas,
talvez dias, relatando a infinidade de meus feitos em prol daquele objetivo, mas tenho receio de
levar o auditório à exaustão emocional. Não posso, entretanto, encerrar esta apresentação sem
render minhas homenagens àquele que é talvez o maior herói da degradação humana, que já
retornou ao nosso convívio infernal. Refiro-me ao emérito jornalista Chatô, Rei do Brasil, que
conseguiu a façanha de ser um crápula total, absolutamente destituído do mais leve vestígio de
decência e, apesar disso, ser até hoje cultuado como uma das glórias do jornalismo brasileiro.
Honra ao mérito para aquele titã de nossa causa. Muito obrigado pela atenção de todos.
Silêncio absoluto durante alguns minutos.