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UFRJ
A CONTRIBUIÇÃO DA ARQUITETURA NA CONCEPÇÃO DE
EDIFICAÇÕES PENAIS NO RIO DE JANEIRO
Lídia Quièto Viana
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciências em Arquitetura, Linha de pesquisa
Qualidade do Lugar e Cultura Contemporânea: uma
proposta de revisão conceitual na perspectiva das redes
de fluxo.
Orientador: Paulo Afonso Rheingantz
Co-Orientadora: Alice de Barros Horizonte Brasileiro
Rio de Janeiro
Março 2009
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ii
A CONTRIBUIÇÃO DA ARQUITETURA NA CONCEPÇÃO DE
EDIFICAÇÕES PENAIS NO RIO DE JANEIRO
Lídia Quièto Viana
Orientador: Paulo Afonso Rheingantz
Co-Orientadora: Alice de Barros Horizonte Brasileiro
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em Arquitetura, Linha
de pesquisa Qualidade do Lugar e Cultura Contemporânea: uma proposta de revisão conceitual
na perspectiva das redes de fluxo.
Aprovada por:
_______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz [Orientador]
[PROARQ/FAU/UFRJ]
_______________________________________________
Prof. Dr. Alice de Barros Horizonte Brasileiro [Co-Orientadora]
[DTC/FAU/UFRJ]
_______________________________________________
Prof. Dr. Giselle Arteiro Nielsen Azevedo
[PROARQ/FAU/UFRJ]
_______________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Menezes deToledo
[UERJ]
Rio de Janeiro
Março 2009
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iii
Viana, Lídia Quièto.
A Contribuição da Arquitetura na Concepção de Edificações
Penais no Rio de Janeiro/ Lídia Quièto Viana. – Rio de Janeiro:
UFRJ/FAU, 2009.
xi, 303 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Paulo Afonso Rheingantz
Co-Orientador: Alice de Barros Horizonte Brasileiro
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ PROARQ/ Programa de
Pós-graduação em Arquitetura, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 259-267.
1. Arquitetura Penal. 2. Rio de Janeiro. 3. Qualidade do
Lugar. 4. Projeto de Arquitetura. I. Rheingantz, Paulo Afonso. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-graduação em
Arquitetura. III. Título.
iv
DEDICATÓRIA
Ao meu querido João Pedro
v
AGRADECIMENTOS
Aos meus sábios orientadores, por serem acima de tudo, professores com olhos
de ver, que tanto me ensinaram com a educação das habilidades e das
sensibilidades e com quem espero poder continuar aprendendo sempre.
Ao Prof. Paulo Afonso Rheingantz, meu orientador, pela orientação constante,
segura e incansável – mesmo quando distante –, pelo incentivo, apoio e pela
incursão no caminho da objetividade entre parentesis.
À Prof. Alice Brasileiro, minha co-orientadora, por ter me acolhido com tanta
dedicação na ausência do Paulo, pela orientação e disponibilidade constantes, por
sua sensatez, pela compreensão e empatia que estabelecemos e tanto contribuiu
nos momentos críticos da pesquisa.
Ao meu eterno professor, William Bittar, por ter despertado a minha curiosidade
sobre as prisões, pela ajuda nas pesquisas, principalmente sobre o caso
brasileiro, por ter acreditado sempre, por sua presença e amizade constantes.
À CAPES e ao CNPq, pela bolsa de estudos que permitiu maior dedicação à
pesquisa.
Ao engenheiro Eduardo König, pelas ricas informações que muito contribuiram
para o desenvolvimento do trabalho, mostrando a importãncia da experiência nos
projetos das unidades penais.
Ao arquiteto Claudio Taulois, pelo rico material, gentimente cedido, e pelas
valiosas informações que muito contribuiram para o desenvolvimento do trabalho.
Ao Prof. Wilson Jorge, pelas informações cedidas.
A todos os funcionários da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de
Janeiro e São Paulo, pela contribuição inestimável para o desenvolvimento do
trabalho, fornecendo informações que possibilitaram a apreensão e o
conhecimento mais profundo de um ambiente tão singular.
À Prof. Giselle Arteiro, que acompanha minhas pesquisas sobre as prisões desde
a graduação, pelas observações pertinentes na qualificação, pelo apoio e
acolhimento na ausência do Paulo.
À Suzana Martins, por ter possibilitado o acesso a textos raros sobre o tema,
indisponíveis para o público.
À Prof. Vera Tâgari, pelo esclarimento de tantas e difíceis dúvidas.
À Prof. Lais Bronstein, pelo rico aprendizado e material cedido.
À Prof. Claudia Krause, pelo apredizado, incentivo e apoio.
À Prof. Claudia Nóbrega pelo material cedido.
Ao Prof. Luiz Carlos Toledo, pelo material cedido e pelas pertinentes observações
na qualificação
vi
Às amigas que ganhei do PROARQ, Marise Machado, Patrícia Biasi e Denise
Nunes, pela amizade, incentivo, apoio e por compartilharem gentilmente seu
conhecimento em nossas ricas discussões.
Ao meu tio e grande amigo, Adeilton Bairral, pela presença constante em minha
vida, pelas ricas discussões sobre o trabalho e seus caminhos, pela amizade e
apoio.
À minha querida mãe, Neuza Quièto Viana, pelo apoio e carinho de sempre e pela
valiosa e incansável ajuda nas traduções e revisões do trabalho.
Ao meu amigo, Amaro Guimarães, pela sua contribuição, carinho e amizade.
A Bernardo Pires Ferreira, pela facilitação no estabelecimento de alguns contatos.
À Maria da Guia, pela paciência e atenção.
Aos demais professores, colegas e funcionários do PROARQ pela troca de
experiências.
vii
RESUMO
A CONTRIBUIÇÃO DA ARQUITETURA NA CONCEPÇÃO DE
EDIFICAÇÕES PENAIS NO RIO DE JANEIRO
Lídia Quièto Viana
Orientador: Paulo Afonso Rheingantz
Co-Orientador: Alice de Barros Horizonte Brasileiro
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em
Arquitetura.
Fundamentado em abordagens derivadas das transformações do pensamento científico
contemporâneo: história crítica, tipologia arquitetônica e abordagem experiencial, este trabalho
apresenta a evolução da arquitetura penal, no Brasil e no mundo, enfatizando unidades na Cidade
do Rio de Janeiro em uso atualmente. Justifica-se pela escassez de pesquisas na área, pelas
evidências de crise no sistema penal brasileiro e pela constatação, por profissionais da área, da
superficialidade com que o tema vem sendo tratado atualmente em alguns casos. Tem como
objetivo principal determinar de que forma a arquitetura e a concepção do espaço penal
podem contribuir na resolução dos problemas atuais das edificações penais, enfatizando o
caso do Rio de Janeiro. Compreendendo que o sistema e espaço penal se constituem a partir de
valores culturais, locais e temporais, a pesquisa apresenta as questões relacionadas à prisão, que
foram direcionando a sua configuração, a aplicação dos modelos e tipologias e suas
transformações, a evolução no Brasil, o atual sistema penal brasileiro, as diretrizes para a
concepção de suas edificações e as contribuições derivadas do entrelaçamento do estudo de
projetos, normas, relatos de profissionais da área e experiências em campo. O desenvolvimento
da pesquisa trouxe a constatação do caráter transdisciplinar e da importância do entrelaçamento
entre o conhecimento técnico, acadêmico e prático na arquitetura penal. Apresenta, como
resultado, alguns aspectos do espaço penal onde a arquitetura pode atuar positivamente:
segurança, salubridade, humanização do espaço, contribuindo principalmente na finalidade da
Instituição: a ressocialização do preso.
Palavras-chave: Arquitetura penal, Rio de Janeiro, Qualidade do Lugar, Projeto de Arquitetura
Rio de Janeiro
Março 2009
viii
ABSTRACT
THE CONTRIBUTION OF ARCHITECTURE IN CONCEPTION OF
PENAL BUILDINGS IN RIO DE JANEIRO
Lídia Quièto Viana
Orientador: Paulo Afonso Rheingantz
Co-Orientador: Alice de Barros Horizonte Brasileiro
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências em
Arquitetura.
Based in approaches derived of contemporary scientific though reader: critical history, architectural
typology and Experiential Cognition, this work presents the evolution of prison architecture in Brazil
and in the world, emphasizing penal units in Rio de Janeiro actually in use.
Justify for the scarcity in researches in this area, in the evidences of penal system crisis, and in the
confirmation, of the area professionals, of the superficiality that the theme have been treated
actually in some cases. The principal objective is determinate how the architecture and the
conception of penal space can contribute in resolution of actually problems in the penal
buildings, emphasizing the case of Rio de Janeiro. Comprising that the penal system and
space is constitute from cultural, local and temporal values, the research presents prison related
questions that have been directing its configuration, the application of models and typologies and
transformations, the evolution in Brazil, the actual Brazilian penal system, the directresses for the
conception of its buildings, and the contribution derived of the interlacement of the study of
architectural projects, rules, relates of area professionals and experiences in the place. The
development of research brought the confirmation of the transdisciplinar character and the
importance of the interlacement of the technical, academic and practical knowledge in prison
architecture. Present as result, some aspects in penal space where architecture can actuate
positively: security, salubrity, and space humanization, contributing principally in the finality of
Institution: the prisoner resocialization.
Key-words: Prison Architecture, Rio de Janeiro, Quality of Place, Architectural Planning
Rio de Janeiro
Março 2009
ix
SUMÁRIO
Ficha catalográfica iii
Dedicatória iv
Agradecimentos v
Resumo em português
vii
Resumo em inglês viii
Sumário ix
Lista de quadros xi
Lista de Figuras
xii
APRESENTAÇÃO
xx
INTRODUÇÃO
01
CAPITULO 1
VISÃO DE MUNDO E ESPAÇO PENAL 08
1.1. A Construção do pensamento Contemporâneo 11
1.2. História Crítica 20
1.2.1. Arqueologia do Saber 23
1.2.2. Genealogia do Saber 27
1.3. Abordagem tipológica na Arquitetura Contemporânea 30
1.4. Abordagem Experiencial: transformando a atitude de conhecer
35
CAPITULO 2 – MATERIAIS E MÉTODOS 41
2.1. Aplicação do Conceito de Arqueologia do Saber 44
2.1. Aplicação do Conceito de Genealogia do Saber 45
2.3. Entrevistas 46
2.4. Observação Incorporada 48
2.5. Percurso do Trabalho
50
CAPITULO 3
VISÃO DE MUNDO E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO PENAL 52
3.1. Precedentes: condições de existência 54
3.2. Instituição da Pena de Liberdade 72
3.3. Transformações e Ajustes
84
CAPITULO 4
ARQUITETURA PENAL: TIPOLOGIAS E MODELOS 95
4.1. Primeiras experiências 97
4.2. Modelos Penais e Arquitetura 106
4.3. Modelos Penais e suas Variações 129
4.4. Tipologias e Releituras na Arquitetura Penal 136
x
CAPITULO 5
EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PENAL NO BRASIL 147
5.1. Período Colonial: precedentes 149
5.2. Império: a visão sanitária 154
5.3. Instituição da República: visão progressista 159
5.4. Transformações Recentes 167
5.5. Linha do Tempo 180
5.6. O Atual Sistema Penal Brasileiro
184
CAPITULO 6
PROJETOS, RELATOS E IMPRESSÕES NO RIO DE JANEIRO 194
6.1. Projetos, Relatos e Impressões 196
6.2. Considerações sobre a Contribuição da Arquitetura
241
CONSIDERAÇÕES FINAIS
250
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
259
ANEXO 1
Fichas de Entrevistas Semi-Estruturadas 268
ANEXO 2
Fichas de Entrevistas Não-Estruturadas 271
ANEXO 3
Relato Experiencial: Bangu IV 276
ANEXO 4
Relato Experiencial: Talavera Bruce 285
ANEXO 5
Relato Experiencial: Unidade Materno Infantil 293
ANEXO 6
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa 298
xi
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Desdobramentos do pensamento contemporâneo 10
Quadro 2 Arqueologia do Saber 24
Quadro 3 Genealogia do Saber 28
Quadro 4 Modelo e Tipo 32
Quadro 5 Processo cognitivo 38
Quadro 6 Materiais e métodos 43
Quadro 7 Percurso do trabalho, fundamentos e suas questões 51
Quadro 8
Elementos positivos de projeto em algumas unidades penais no Rio
de Janeiro
247
Quadro 9 Objetivos, materiais e métodos e resultados 252
xii
LISTA DE FIGURAS
Figura Título Página
Capítulo 3
Fig. 01 – Cidade medieval 57
Fig. 02 – Nível inferior das prisões, na Escócia 60
Fig. 03 – Prisão de Pierrefons, Château, França 60
Fig. 04 –
Prisão não identificada, na França
61
Fig. 05 – Prisão de Newgate, Londres 61
Fig. 06 – Execução pública, suplício 62
Fig. 07 – Planta da pequena prisão do arquiteto Joseph Furttenbach,1635 67
Fig. 08 – Planta da grande prisão do arquiteto Joseph Furttenbach,1635 67
Fig. 09 – Casa de Correção San Michele, 1705 69
Fig. 10 – Casa de Correção de Milão, 1775 70
Fig. 11 – Casa de Força Ghent, 1772 71
Fig. 12 – Prisão panóptica de Bentham 74
Fig. 13 – Interior de uma prisão panóptica 74
Fig. 14 – Prisão Walnut Street, EUA 75
Fig. 15 – Planta da prisão Walnut Street, EUA 75
Fig. 16 – Prisão de Cherry Hill, EUA 76
Fig. 17 – Prisão de Pentonville, Londres 76
Fig. 18 – Galeria de celas de Auburn 77
Fig. 19 – Prisão de Fresnes 81
Fig. 20 – Youth Prison, EUA, 1968 83
Fig. 21 – Prisão de Blundeston, Inglaterra 86
Fig. 22 – Bloco de vivência da prisão de Blundeston, Inglaterra 88
Fig. 23 – Dayroom, prisão no Arizona, EUA 87
Fig. 24 – ADX Supermax, EUA, 1994 87
Fig. 25 – Penitenciária de Orange, EUA, 1991 88
Fig. 26 – Supermax, Califórnia 89
Fig. 27 – Pátio individual, Pelican Bay 89
Fig. 28 – Prisão de Minnesota, EUA, pátios para banho de sol individual 90
Fig. 29 – Prisão de Pelican Bay, EUA 90
Fig. 30 – Prisão privatizada americana 91
Fig. 31 – Prisão privatizada na Inglaterra, 1997 91
Fig. 32 – Prisão de Manchester, 1993 92
xiii
Capítulo 4
Fig. 33 – Malefizhaus, Alemanha, 1627 98
Fig. 34 – Planta do primeiro pavimento, térreo e subsolo da prisão de Kassel,
Alemanha, 1720
99
Fig. 35 – Projeto de um hospital, 1626 101
Fig. 36 – Hospital dos Inválidos, 1670 101
Fig. 37 – Biblioteca de Boulée, 1784 101
Fig. 38 – Projetos de museus, 1778, 1779 101
Fig. 39 – Terceiro projeto de Newgate, Inglaterra, 1769 102
Fig. 40 – Casa de Força Ghent, 1772 103
Fig. 41 – Casa de Força Ghent, 1772 104
Fig. 42 – Projeto da prisão de Milbank, Inglaterra, 1812 105
Fig. 43 – Escola de Medicina, Paris, 1771 106
Fig. 44 – Concert Hall, 1770 106
Fig. 45 – “Lunatic Tower”, Viena, 1784 107
Fig. 46 – Hotel-Dieu, França, 1785 107
Fig. 47 – Projeto de Ledoux, fábrica, 1808 107
Fig. 48 – Projeto de Durand, biblioteca, 1809 107
Fig. 49 – Gloucester house, 1789. Planta do segundo pavimento 108
Fig. 50 – Penitenciária de Virgínia. Planta original de Bugniet, 1765 109
Fig. 51 – Penitenciária de Virgínia, Richamond, 1803 109
Fig. 52 – Panóptico de Bentham, 1791 111
Fig. 53 – Edinburgh Bridewell, 1791 112
Fig. 54 – Edinburgh Bridewell, 1791 112
Fig. 55 – Penitenciária do Ocidente, EUA, 1833 113
Fig. 56 – Projeto para hospital, 1720 120
Fig. 57 – Projeto para Hotel-Dieu, 1774 120
Fig. 58 – Planta da Penitenciária de Cherry Hill, 1822 116
Fig. 59 – Penitenciária de Cherry Hill, 1822 117
Fig. 60 – Prisão de Pentonville, Londres 118
Fig. 61 – Corte da galeria de celas de Pentonville. 119
Fig. 62 – Ponto central de Pentonville. 119
Fig. 63 – Capela da Penitenciária de Pentonville 119
Fig. 64 – Planta da Penitenciária Nacional do México 120
Fig. 65 – Pátios individuais da Penitenciária Nacional do México 120
Fig. 66 – Galeria de celas e torre central (ao fundo) da Penitenciária Nacional
do México
120
Fig. 67 – Planta da Prisão de Auburn 121
Fig. 68 – Galeria de celas da Prisão de Auburn 121
Fig. 69 – Prisão de Sing Sing, EUA, 1826 122
xiv
Fig. 70 – Galeria de celas da Prisão de Sing Sing, EUA, 1826 122
Fig. 71 – Planta da Penitenciária de Ohio, EUA, 1834 123
Fig. 72 – Prisão La Santé, França, 1862 124
Fig. 73 – Prisão Rendsburg, Alemanha, 1870 124
Fig. 74 – Fachada do Greenwich Hospital, Inglaterra, 1696 124
Fig. 75 – Planta do Greenwich Hospital, Inglaterra, 1694 125
Fig. 76 – Perspectiva da Colônia Mettray, França, 1840 125
Fig. 77 – Planta da Colônia Mettray, França, 1840 126
Fig. 78 – Herbert Hospital, 1860 126
Fig. 79 – Hospital para crianças, 1872 126
Fig. 80 – Wormwood Scrub Prison, Inglaterra, 1874 127
Fig. 81 – Prisão de Fresnes, França, 1898 128
Fig. 82 – Prisão de Fresnes, França, 1898 128
Fig. 83 – Capela da Prisão de Fresnes, França, 1898 128
Fig. 84 – Prisão de Minnesota, 1914 131
Fig. 85 – Eastern State Penitentiary da Pensilvânia, 1927 132
Fig. 86 – Prisão Lewisburg, EUA, 1927 132
Fig. 87 – Instituição Correcional de Ohio, EUA, 1955 133
Fig. 88 – Prisão na Angola, 1955 134
Fig. 89 – bloco em “T”, Blundeston 135
Fig. 90 – bloco linear, prisão de Minnesota 135
Fig. 91 – Foto aérea de Stateville, EUA, 1916 135
Fig. 92 – Bloco de celas de Stateville, EUA, 1916 135
Fig. 93 – Entrada do módulo de vivência, Pelican Bay supermax 137
Fig. 94 – Posto de observação do módulo de vivência, Pelican Bay supermax 137
Fig. 95 – Tipologias de estabelecimentos penais 138
Fig. 96 – Unidades Fleury Mérogis, França, 1967 139
Fig. 97 – Fleury Mérogis, França, 1967 139
Fig. 98 – Bloco de oficinas e bloco de celas ligado ao corredor, Fleury Mérogis,
França, 1967
140
Fig. 99 – cela, Fleury Mérogis, França, 1967 140
Fig. 100 – Prisão de Feltham, Inglaterra, 1975 141
Fig. 101 – Prisão de Feltham, Inglaterra, 1975 141
Fig. 102 –
Prisão em Malmesbury, África do Sul
142
Fig. 103 – Supermax, Africa do Sul 142
Fig. 104 –
York County prison, 2006
142
Fig. 105 – Instituição Correcional Federal, EUA, 1985 143
Fig. 106 – Bloco de celas, Instituição Correcional Federal, EUA, 1985 143
Fig. 107 – United States Penitentiary - Florende, EUA. 1994 144
Fig. 108 – Detalhe da cela, United States Penitentiary - Florende, EUA. 1994 145
xv
Capítulo 5
Fig. 109 – Casa de câmara e cadeia de Ouro Preto e Pelourinho 149
Fig. 110 – Pelourinho e as Igrejas ao fundo, Ouro Preto 149
Fig. 111 – Planta de Jacareí, SP com a casa de câmara e cadeia marcada 150
Fig. 112 – Planta de uma Vila em mato Grosso com a casa de câmara e cadeia
marcada
150
Fig. 113 – Desenho de uma cidade colonial 150
Fig. 114 – Casa de câmara e Cadeia de Mariana 152
Fig. 115 – Planta de situação da casa de câmara e Cadeia de Mariana 152
Fig. 116 – Casa de câmara e Cadeia de Salvador 152
Fig. 117 – Planta de situação da casa de câmara e Cadeia de Salvador 152
Fig. 118 – Desenho de Chamberlland da Prisão do Aljube. 153
Fig. 119 – Cadeia Velha, RJ; em 1919. 153
Fig. 120 – Tribunal da Relação, RJ. 153
Fig. 121 – Fachada da “Cadeia Nova”, 1728 156
Fig. 122 – Plantas da “Cadeia Nova”, 1746 156
Fig. 123 – Projeto da Casa de Correção do Rio de Janeiro, 1834. 157
Fig. 124 –
Hospício Pedro II, RJ
158
Fig. 125 – Hospício Pedro II, RJ 158
Fig. 126 – Santa Casa de Misericórdia, RJ 158
Fig. 127 – Santa Casa de Misericórdia, RJ 158
Fig. 128 – Asilo de Mendicidade, RJ 159
Fig. 129 – Asilo de Mendicidade, RJ 159
Fig. 130 – Casa de Detenção do Recife, PE 159
Fig. 131 – Casa de Detenção do Recife, PE 159
Fig. 132 – Penitenciária do estado de São Paulo 160
Fig. 133 – Vista aérea da Penitenciária do Estado de São Paulo 160
Fig. 134 – Penitenciária José Alkimim 162
Fig. 135 –
Penitenciária José Alkimim, logo após a sua inauguração
162
Fig. 136 –
Penitenciária José Alkimim, vista de um dos blocos de celas e o muro
do pátio
162
Fig. 137 –
Penitenciária José Alkimim, cela.
162
Fig. 138 – Lazareto da Ilha Grande 163
Fig. 139 – Ruína galeria de celas do Instituto Penal Candido Mendes, RJ. 163
Fig. 140 – Foto aérea do Complexo Penitenciário Frei Caneca 163
Fig. 141 – Complexo Penitenciário Frei Caneca. 163
Fig. 142 – Penitenciária Estevão Pinto 165
Fig. 143 – Penitenciária Estevão Pinto, vista do pátio interno. 165
Fig. 144 – Vista geral da Casa de Detenção, SP 166
Fig. 145 – Penitenciária Lemos Brito, BA, 1956 167
xvi
Fig. 146 – Penitenciária Lemos Brito, BA, 1956 167
Fig. 147 – Estatuto do Comando Vermelho 168
Fig. 148 – Foto aérea das novas unidades de Bangu 170
Fig. 149 – Foto aérea do Complexo Penitenciário Nelson Hungria. MG 171
Fig. 150 – Muro divisor entre as unidades do Complexo Nelson Hungria, MG. 171
Fig. 151 – Pátio interno das unidades do Complexo Nelson Hungria, MG. 171
Fig. 152 – Foto do Complexo penitenciário Lemos Brito após suas ampliação 172
Fig. 153 – Unidade padrão em São Paulo, modelo em cruz 172
Fig. 154 – Penitenciária Industrial de Guarapuava 173
Fig. 155 – Penitenciária Industrial de Guarapuava 173
Fig. 156 – Penitenciaria Industrial de Cascavel 173
Fig. 157 –
Manifestação de presos no Carandiru
175
Fig. 158 –
Ônibus queimado nas ruas de São Paulo, uma ação do PCC fora das
unidades penais.
175
Fig. 159 – CRP Presidente Bernardes, SP 176
Fig. 160 – CRP Presidente Bernardes, SP 176
Fig. 161 – Projeto da penitenciária federal de Brasília, DF 177
Fig. 162 – Penitenciária Federal de Catanduvas, PR 178
Fig. 163 – Foto aérea da APAC Santa Luzia 179
Fig. 164 – Fluxograma dos estabelecimentos penais brasileiros 186
Capítulo 6
Fig. 165 – Foto aérea do Complexo Penitenciário de Bangu 197
Fig. 166 – Setorização das novas unidades de Bangu 198
Fig. 167 – Complexo Penitenciário de Bangu. 199
Fig. 168 – Projeto original de Bangu I 200
Fig. 169 – Perspectiva do projeto original de Bangu I. 201
Fig. 170 – Planta baixa de Bangu I 202
Fig. 171 – Esquema volumétrico de uma galeria de celas de Bangu I 202
Fig. 172 – Foto aérea de Bangu I 202
Fig. 173 – Bangu I. 203
Fig. 174 – foto de uma das galerias de Bangu I ocupada pela Polícia Militar após
uma rebelião
203
Fig. 175 – Planta baixa e corte da galeria de celas de Bangu I e II 204
Fig. 176 – Planta baixa da cela de Bangu I e II 204
Fig. 177 – Esquema de montagem dos elementos pré-moldados das celas de
Bangu I e II
205
Fig. 178 – Galeria de celas de Bangu I 207
Fig. 179 – Esquema de uma galeria de celas mais tradicional 207
Fig. 180 – Planta baixa de Bangu II, já modificada 208
Fig. 181 – Foto aérea de Bangu II 208
xvii
Fig. 182 – Foto de uma das galerias de Bangu I ocupada pela Polícia Militar
após uma rebelião.
209
Fig. 183 – Corte da galeria de celas de Bangu II 210
Fig. 184 – Encaixe da peças pré-moldadas, planta da cela de Bangu II 210
Fig. 185 – Detalhamento da luminária de uma cela de Bangu II 210
Fig. 186 – Detalhe dos brises 211
Fig. 187 – Corte da área de apoio e ginásio 211
Fig. 188 – Detalhe da junção das placas de acabamento da cobertura de áreas
comuns
211
Fig. 189 – Projeto do novo Complexo Penitenciário de Bangu 213
Fig. 190 – Perspectiva esquemática das novas unidades de Bangu 213
Fig. 191 – Planta baixa de Bangu III e IV 214
Fig. 192 – Bloco de administração interna e apoio 215
Fig. 193 – Primeiro pavimento do bloco de oficinas/educacional 216
Fig. 194 – Segundo pavimento do bloco de oficinas/educacional 216
Fig. 195 – Bloco do ambulatório médico e cantina 216
Fig. 196 – Planta baixa e corte da galeria de celas e corte de Bangu III e IV 217
Fig. 197 – Cela de Bangu III e IV 218
Fig. 198 – Cela no Carandiru 218
Fig. 199 – Transição da galeria de celas para a circulação principal 219
Fig. 200 – “Cabanas” no pátio do Carandiru 220
Fig. 201 – Fachada principal do bloco intramuros 220
Fig. 202 – Foto aérea da Penitenciária Talavera Bruce e da Unidade materno
Infantil com planta esquemática
223
Fig. 203 – Acesso e bloco da guarda externa 224
Fig. 204 – Bloco da guarda externa 224
Fig. 205 – Capela 224
Fig. 206 – Edificação para a revista de visitantes e entrada para Talavera Bruce 224
Fig. 207 – Planta esquemática da Penitenciária Talavera Bruce e da unidade
materno Infantil
225
Fig. 208 – Planta esquemática da Penitenciária Talavera Bruce e da unidade
materno Infantil
226
Fig. 209 – parte da fachada do bloco de administração 227
Fig. 210 – parte da fachada do bloco de administração 227
Fig. 211 – Pátio principal 228
Fig. 212 – Pátio entre os blocos 228
Fig. 213 – Pátio entre os blocos 228
Fig. 214 – Palestra sobre o câncer de mama no auditório da unidade 229
Fig. 215 – Evento na unidade em dia de visita 229
Fig. 216 – Corredor de acesso a confecção 229
Fig. 217 – Venda de artesanato em dia de visita 229
xviii
Fig. 218 – Salão de beleza 229
Fig. 219 – Corredor principal, mostrando uma das gaiolas e entrada da galeria
marcada
230
Fig. 220 – Corredor principal, ao fundo portão de acesso a um dos pátios, à
esquerda a abertura para a escada de acesso a galeria marcada
230
Fig. 221 – Corte esquemático da galeria dos alojamentos (20 presas) 231
Fig. 222 – Planta esquemática da galeria dos alojamentos (20 presas) 231
Fig. 223 – Croqui da galeria de celas dos alojamentos (20 presas) 231
Fig. 224 – Galeria de celas coletivas (5 presas) 231
Fig. 225 – Planta esquemática do edifício anexo 232
Fig. 226 – Foto da galeria de celas não visitada 232
Fig. 227 – Corte esquemático da galeria de celas 233
Fig. 228 – Planta esquemática da galeria de celas 233
Fig. 229 – Cela 234
Fig. 230 – Detalhe da parede de uma cela 234
Fig. 231 – Cela 234
Fig. 232 – Detalhe com gato de uma das presas 234
Fig. 233 – Edificação principal, Talavera Bruce, desenhada por uma presa e a
planta baixa à direita
236
Fig. 234 – Edificação anexa, Talavera Bruce, desenhada por uma presa e a
planta baixa à direita
236
Fig. 235 – Acesso a Unidade Materno Infantil 237
Fig. 236 – Planta esquemática da unidade materno Infanti 237
Fig. 237 – Entrada da unidade 238
Fig. 238 – Corredor da unidade 238
Fig. 239 –
Lactário da unidade
238
Fig. 240 –
Corte esquemático do alojamento
239
Fig. 241 –
Foto de um dos alojamentos
239
Fig. 242 – Foto de um dos alojamentos 239
Fig. 243 – Unidade materno infantil 240
Fig. 244 – Planta de Bangu III e IV com a marcação das meias paredes de
fechamento do corredor de acesso às galerias de celas
243
Fig. 245 – Galeria de celas com “gaiolas” marcadas 243
Fig. 246 – Corte esquemático de galerias “fundo contra fundo” 244
Fig. 247 – Corte esquemático de galerias com corredor central 244
Fig. 248 – Corte esquemático de galerias com celas/alojamentos somente em
um dos lados
244
Fig. 249 – Corte esquemático de galerias com celas/alojamentos somente em
um dos lados
244
Fig. 250 – Centro de Ressocialização, SP 246
Fig. 251 – Piso do pátio de uma prisão na Áustria 246
Fig. 252 – Pátio de uma prisão na Áustria 246
xix
Fig. 253 – Cela de uma prisão feminina 247
Fig. 254 – Cela da APAC Santa Luzia, MG 247
Anexo 3
Fig. 01 – Mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu 277
Fig. 02 –
Complexo Penitenciário de Bangu: avenida principal
279
Fig. 03 – Croqui do percurso: início da avenida principal do complexo 279
Fig. 04 –
Novas unidades de Bangu
281
Fig. 05 – Croqui do percurso 281
Anexo 4
Fig. 01 – Mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu 286
Fig. 02 –
Mapa da Unidade materno Infantil e Penitenciária Talavera Bruce
288
Fig. 03 – Croqui da entrada dos dois estabelecimentos 288
Anexo 5
Fig. 01 – mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu 294
Fig. 02 –
Mapa da Unidade materno Infantil e Penitenciária Talavera Bruce
295
Fig. 03 – Croqui da entrada dos dois estabelecimentos 295
Anexo 6
Fig. 01 Desenho de uma presa da edificação principal da Penitenciária
Talavera Bruce
299
Fig. 02 Planta baixa esquemática da edificação principal da Penitenciária
Talavera Bruce
300
Fig. 03 Desenho de uma presa da edificação anexa da penitenciária Talavera
Bruce
301
Fig. 04 Planta baixa esquemática da edificação anexa da Penitenciária
Talavera Bruce
302
APRESENTAÇÃO
1 Apresentação
xxi
APRESENTAÇÂO
Em outras palavras, a poesia da ciência é baseada em nossos desejos e interesses, e o
curso seguido pela ciência nos mundos que vivemos é guiado por nossas emoções, não por
nossa razão, na medida em que nossos desejos e emoções constituem as perguntas que
fazemos ao fazermos ciência. (MATURANA, 2001: 147)
Esta pesquisa é o desenvolvimento de um estudo iniciado há seis anos, para a
fundamentação do meu trabalho final de graduação na FAU/UFRJ. O interesse por
temas de enfoque social é antigo, influenciado pela participação em trabalhos voluntários
praticados desde o período escolar e na própria filosofia das escolas onde estudei que
enfatizavam a responsabilidade social de cada indivíduo enquanto cidadão.
O interesse pelo tema arquitetura penal surge do desenvolvimento de uma pesquisa para
a disciplina Arquitetura no Brasil II, por ter sido este um tema nunca abordado ao longo
do curso de graduação. O desenvolvimento do trabalho mostrou a escassez de material
bibliográfico que despertou a minha curiosidade para o complexo tema, muitas vezes
visto por professores e colegas como uma anti-arquitetura ou edificações com pouca
elaboração projetual – meras “caixas”. O interesse pelo estudo da prisão foi muitas vezes
visto com surpresa em eventos e bancas e, não raro, questionado o motivo da
preferência pela prisão frente às coisas belas que poderiam ser estudadas.
A questão penitenciária não faz parte do dia a dia da maior parte da população, é uma
realidade particular, pouco conhecida. O preconceito latente pelos presos, incentivado
pela mídia – que somente aborda o tema prisional em momentos de crise – e presente no
imaginário cultural – conformando a imagem do preso como um indivíduo perigoso e
agressivo – associados à idéia de retribuição e um posicionamento individualista afastam
cada vez mais essa realidade. No entanto, como denunciava um grafite de rua: “enquanto
a metade da população não dorme com fome, a outra metade não dorme com medo dos
que tem fome”. A importância da temática se mostrava cada vez mais evidente,
principalmente porque a violência estava “batendo em nossa porta”
1
,
O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no
qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não
sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte
deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige muita atenção e
1
Além das ações do tráfico de drogas que pararam cidades como São Paulo e Rio de Janeiro,
assaltos e seqüestros, se tornam freqüentes também ações de organizações de presos fora das
unidades penais.
1 Apresentação
xxii
aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno,
não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço
2
. (CALVINO, 1990: 150)
Em 2003, se iniciava a pesquisa para a fundamentação do trabalho final de graduação,
orientada pelo professor William Bittar. Ao longo da pesquisa, foi possível compreender
um pouco mais da história do programa relativo ao tema escolhido e, principalmente,
apreender um pouco mais esse ambiente a partir de visitas e entrevistas com
profissionais da Secretária de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP).
Logo ficou evidente que as unidades penais, em todos os períodos históricos estudados,
apresentavam complexos estudos do espaço e sistemas de instalações, além de estarem
profundamente associados aos seus contextos. No entanto apresentavam-se ainda
muitas lacunas, seja pelo fato do material bibliográfico se apresentar fragmentado,
impossibilitando um entendimento mais profundo da evolução do programa e sua relação
com os diversos contextos; seja pela dificuldade na autorização de visitas e informações
sobre as unidades em uso e seus projetos, por questão de segurança.
Quando o trabalho final de graduação foi concluído em julho de 2004, algumas questões
se apresentavam mais claras: o entendimento do sistema penal brasileiro, os tipos de
unidade penal em uso, alguns princípios de projetos – como a setorização, circulação –
relativos à segurança, e um pouco da sua rotina. No entanto, algumas inquietações
persistiam. A partir de alguns contatos pessoais com funcionários da SEAP consegui
realizar mais algumas entrevistas e visitas nas unidades do Complexo de Bangu
3
no final
de 2004. O depoimento de funcionários – principalmente dos agentes penitenciários –
trouxe novos questionamentos sobre o papel da arquitetura: nas unidades, no seu
funcionamento e na sua função social. O contato com um dos arquitetos da SEAP, em
2005, ressaltou a importância do conhecimento do cotidiano do ambiente penal e as
dificuldades decorridas do fato de muitos profissionais que atuam na área não terem esse
conhecimento, assim como a importância da contribuição da arquitetura na humanização
do ambiente penal, nas suas condições sanitárias e na sua função social.
As visitas e entrevistas realizadas e a participação, como ouvinte, em palestras sobre
modificações de projeto em algumas unidades penais, trouxe o questionamento original
da pesquisa: a Avaliação Pós-Ocupação e a Observação Incorporada, aplicadas na
avaliação de desempenho de estabelecimentos penais em operação no Estado do Rio de
Janeiro, podem contribuir para a concepção e a humanização do ambiente penitenciário?
Ao longo do curso do mestrado a dificuldade na visitação das unidades e acesso a
informações de projeto trouxe o redirecionamento da pesquisa, alterando o foco da
2
Grifo nosso.
3
Hoje intitulado Complexo do Gericinó.
1 Apresentação
xxiii
Avaliação de Desempenho – que necessitava da permanência de longo período em
campo – para a arquitetura e concepção do espaço.
A concepção espacial da unidade penal e a sua constituição a partir de seus elementos
arquitetônicos, como em qualquer arquitetura, se relacionam a uma série de fatores que
vem a constituir o ambiente penal. São responsáveis por isolar ou afastar os indivíduos,
possibilitar ou não a visão do exterior, a iluminação natural, a ventilação, direcionar
percursos e a visão, influenciando fortemente o uso do espaço e as sensações nele
experimentadas. Desse modo, a pesquisa apresenta as contribuições trazidas pela
arquitetura para o funcionamento e função social das unidades penais, visando a
melhoria do ambiente penal, uma atuação mais responsiva na elaboração do espaço
penal e a discussão mais profissional e menos preconceituosa sobre o tema prisional.
Todos nós estamos a todo tempo construindo o nosso mundo – que se configura por
coisas belas e feias, infernos e paraísos – e cabe a nós essa responsabilidade de atuar –
a partir de nossas ações e nossas relações com o outro – para que as nossas
construções contribuam para um mundo mais “belo”. Nesse processo de construção não
há saberes mais ou menos importantes ou válidos, mas um entrelaçamento de saberes
de diferente natureza que configuram algumas respostas, interpretações e novas
inquietações em um processo contínuo e infindável. E como diria Rubem Alves, cabe a
nós entender que “o olhar não se encontra nos olhos” (Folha de São Paulo, 26/10/2004:
10) e precisamos saber ver para enxergar alguma beleza no feio, e quem sabe, tornar o
feio mais bonito.
A sabedoria desenvolve-se no respeito pelos outros, no reconhecimento de que o poder
surge pela submissão e perda de dignidade, no reconhecimento de que o amor é a emoção
que constitui a coexistência social, a honestidade e a confiança, e no reconhecimento de
que o mundo que vivemos é sempre, e inevitavelmente, um afazer nosso
4
.
(MATURANA, 159: 2001)
4
Grifo nosso
INTRODUÇÃO
1Introdução
2
INTRODUÇÂO
A arquitetura consiste de algum modo em ordenar o ambiente que nos rodeia, oferecer
melhores possibilidades ao assentamento humano; portanto, as relações que têm a missão
de estabelecer são múltiplas, inter-atuantes entre si; referem-se ao controle do ambiente
físico, à disposição de certas possibilidades de circulação, à organização das funções, de
seu agrupamento ou segregação, de suas relações; responde a certos critérios econômicos,
se move em, e move, certas dimensões tecnológicas, provoca modificações da paisagem,
etc., mas organizar estas relações é algo completamente diferente de sua simples soma, é
o significado que deriva do modo de dar-lhes forma, é colocar-se dentro da tradição da
arquitetura como disciplina, com um novo gesto de comunicação, com uma nova vontade de
transformação da história. (GREGOTTI 1974 apud PATETTA 1997:76)
O presente trabalho está vinculado à linha de pesquisa do PROARQ/UFRJ, Qualidade do
Lugar e Cultura Contemporânea: uma Proposta de Revisão Conceitual na Perspectiva
das Redes de Fluxo, coordenada pelo Professor Paulo Afonso Rheingantz, e resulta da
reflexão acerca da evolução da arquitetura penal – no Brasil e no mundo –, sua relação
com diversos contextos históricos e suas transformações sociais, culturais e jurídicas,
com ênfase na atualidade e foco em algumas unidades penais do Rio de Janeiro. Seu
propósito é identificar as relações estabelecidas entre o objeto de estudo e as questões
que vem direcionando seu percurso e transformações, como: a percepção do mundo, as
teorias da arquitetura e o seu funcionamento prático. Desse modo, a arquitetura penal é
vista aqui como elemento pertencente a uma rede sócio-cultural em constante
transformação.
Se considerarmos a história segundo essa visão ampla, não existe uma arquitetura que
negue o passado ou outra arquitetura que a tenha precedido, não há uma arquitetura que
possa emergir sem exaltar ao mesmo tempo tudo o que ela mesma parece superar. (...) A
linguagem usada é parte inseparável dos mesmos elementos do ofício, e por ela relativa
aos princípios, às técnicas, aos materiais e ao modo de usá-los, aos elementos da
arquitetura e às relações que entre eles se estabelecem nas obras (GRASSI 1966 apud
PATETTA 1997:76).
As regras sociais existem desde os mais remotos tempos, em qualquer grupo social, por
menor que seja. São códigos culturais balizados por valores morais que se estabelecem
a partir da convivência dos indivíduos em defesa dos direitos e da segurança coletiva
determinando as condutas aceitáveis ou não. Para se fazerem valer, estabelecem
punições para as condutas ilícitas que variam cultural e temporalmente. Hoje, essas
punições variam entre a morte do indivíduo, o isolamento, prestação de serviços sociais e
multas. No caso brasileiro, o isolamento é a pena máxima, aplicada aos crimes
considerados mais graves, sendo estas aplicadas em unidades penais.
A prisão, em outros tempos, foi vista como solução, seja na instituição da pena restritiva
de liberdade a partir do isolamento do indivíduo no fim do século XVII, ou no início do
1Introdução
3
século XX a partir da idéia de bem estar social conferida pelo Estado. A decadência do
poder do Estado reduziu o alcance das práticas de proteção social, que associadas ao
estabelecimento do tráfico de drogas e ao alto índice de desemprego vêm configurando
uma realidade pouco esperançosa para as classes baixas, e até mesmo para a classe
média. Grande parte dos jovens de classes mais baixas não vê nenhum valor para a vida,
como mostra um depoimento “Se morrer nasce outro. Ou melhor, ou pior” (Veja,
abril/2006: 89). Já os jovens de classe média vêm perdendo suas regalias devido ao
empobrecimento da família. Inconformados, muitos acabam se envolvendo com o tráfico,
modificando o perfil da população carcerária que vem crescendo continuamente.
A crise no sistema penal e a superlotação em seus estabelecimentos são evidentes.
Mesmo lentamente, o poder público tem procurado realizar uma reforma prisional,
buscando a humanização e melhores condições do espaço penal, já que muitas unidades
penais em estado precário, não fazem cumprir o principal objetivo designado pelo Estado
para esses espaços: a ressocialização do detento. As incertezas da sociedade pós-
industrial e a falta de um questionamento sistemático e profundo por parte da sociedade
evidenciam uma superficialidade, que também se reflete no sistema penal, gerando
ambientes pouco apropriados para os seus fins. A revisão, o entendimento e a
atualização dos paradigmas do espaço penal são necessários para aprimorar a relação
entre arquitetura, prática, sistema penal e contexto.
Ao longo do desenvolvimento do trabalho, constatou-se a escassez de material
bibliográfico que aborde o tema da arquitetura penal – seja sobre a sua evolução
histórica, projetos recentes, a relação do uso do espaço com sua concepção – e
principalmente sobre a contribuição e o papel da arquitetura neste programa
arquitetônico. O estudo das edificações em uso – seja por seus projetos ou experiências
em campo – assim como o relato de diversos funcionários da SEAP, evidencia a
superficialidade com que a concepção do espaço penal muitas vezes vem sendo
abordada. A principal questão (problema) que esta pesquisa pretende responder surge
principalmente das discussões com funcionários da SEAP, arquitetos e engenheiros que
participaram de projetos de unidades penais – sua prática.
De que forma a arquitetura pode contribuir na concepção do espaço penal
possibilitando a melhoria da aplicação do atual sistema penal brasileiro?
A partir desse questionamento, configurou-se o objetivo geral da pesquisa:
Determinar de que forma a arquitetura e a concepção do espaço penal podem
contribuir na resolução dos problemas atuais das edificações penais, enfatizando o
1Introdução
4
caso do Rio de Janeiro. Esse objetivo permeia toda a pesquisa, buscando identificar,
ao longo do tempo, as questões que influenciaram o surgimento dos modelos e tipos
penais, a contribuição de diversas tipologias já adotadas no Brasil e no mundo. Por
reconhecer a amplitude do tema e a diversidade de situações possíveis nos diversos
sistemas penais existentes, este objetivo, presente ao longo de todo o trabalho, será
aplicado com ênfase à concepção penal direcionada ao território nacional, especialmente
em relação à contribuição arquitetônica de algumas unidades na cidade do Rio de
Janeiro, analisadas com mais profundidade.
Em complemento, os objetivos específicos são:
(1) Relacionar a concepção do ambiente penal com diferentes visões de mundo – como
as transformações na percepção de mundo e do crime vêm modificando a forma de punir
e configurando o espaço penal;
(2) Relacionar as tipologias arquitetônicas com a concepção do ambiente penal – de que
forma o espaço penal adapta as tipologias existentes para a finalidade penal;
(3) Apresentar o sistema penal brasileiro e a evolução histórica – como evoluiu o sistema
penal brasileiro e sua relação frente às tipologias e modelos aplicadas no mundo;
(4) Analisar as normas para elaboração das unidades penais hoje utilizadas no Brasil
(5) Refletir sobre a contribuição da arquitetura nesse contexto
Para alcançar os objetivos, foram usados métodos fundamentados nas abordagens
teóricas derivadas de três vertentes de pensamento contemporâneas: Historicismo
Crítico, Tipologia Arquitetônica e Abordagem Experiencial. A escolha da abordagem
teórica partiu de conceitos fundamentados nas transformações que a ciência vem
sofrendo, alterando a percepção do mundo e a forma do pesquisador atuar
cientificamente, pelo fato de que o tema em questão não pode ser estudado
isoladamente, mas junto às questões que o direcionam e influenciam.
Em comum, estas abordagens partem do entendimento do mundo como uma rede de
acontecimentos entrelaçados e transdisciplinares. Desse modo, não se focam apenas no
objeto em si, mas também nas suas relações com as questões que o cercam. O
historicismo crítico possibilitou a identificação das questões que vêm direcionando e
transformado o ambiente e o espaço penal; a tipologia permitiu o estudo do ambiente e
do espaço penal em relação a outros programas, assim como a sua variação derivada da
prática; a abordagem experiencial possibilitou uma apreensão mais profunda do ambiente
1Introdução
5
penal, seu funcionamento prático e seus projetos, possibilitando também a aproximação
com funcionários e presos.
O trabalho foi desenvolvido a partir dos fundamentos teóricos derivados da nova
concepção da ciência (vistos no Capítulo 1), seguidos pela descrição de como os
conceitos apresentados foram aplicados na pesquisa (no Capítulo 2). A seguir (no
Capítulo 3) é feito um delineamento da evolução dos conceitos associados à temática
prisional que possibilitaram o surgimento de modelos e tipologias penais no mundo; a
partir daí, são focalizados os modelos penais e suas transformações que deram origem a
outras tipologias (Capítulo 4). Aproximando o foco de nosso país, é analisada a evolução
das temáticas e tipologias aplicadas no Brasil em relação às tipologias já apresentadas, o
atual sistema penal brasileiro, as diretrizes de seus projetos (Capítulo 5), e na sequência,
é focalizado o entrelaçamento dessas informações – contexto histórico, tipologia, projeto,
normas do sistema penal brasileiro – com os projetos arquitetônicos, o relato de
funcionários e a experiência da pesquisadora em campo (Capítulo 6). Como conclusão
do trabalho, é reforçada a importância que a Arquitetura possui na definição do projeto de
um estabelecimento penal e suas principais contribuições. Nos anexos, são apresentadas
as fichas de entrevistas aplicadas ao longo da pesquisa.
A organização da dissertação em seus capítulos é mais bem detalhada a seguir:
Capítulo 1 – Fundamentos Teóricos: apresenta as abordagens teóricas utilizadas para
o desenvolvimento do trabalho; o conceito de arqueologia do saber do Foucault foi
utilizado com o objetivo de identificar questões temporais associadas ao surgimento dos
modelos e tipologias penais (Capítulo 3); o conceito de genealogia do saber do Foucault
e tipologia arquitetônica de Quincy (1832 apud Argan, Rossi, Montaner, Moneo), foi
utilizado com objetivo de permitir a comparação entre as tipologias e modelos da
arquitetura penal e dos demais programas (Capítulo 4); ambos os conceitos utilizados
anteriormente são aplicados quanto a evolução da arquitetura penal brasileira (Capítulo
5); a Abordagem Experiencial é principalmente aplicada nas experiências em campo e
entrevistas realizadas e permeia o trabalho, mas se aplica principalmente ao Capítulo 6;
Capítulo 2 – Materiais e Métodos`: apresenta e descreve os métodos utilizados para o
desenvolvimento da pesquisa. O estudo se configura principalmente pela pesquisa
bibliográfica, se utilizando de procedimentos práticos – entrevistas e visitas de campo –
com o objetivo de experienciar o ambiente penal, possibilitar um maior envolvimento da
pesquisadora com os usuários do espaço – funcionários e presos – e levantar
informações mais especificas sobre: o projeto da unidade penal e seu funcionamento,
situações cotidianas, problemas e soluções encontrados na prática;
1Introdução
6
Capítulo 3 – Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal: apresenta a evolução da
visão de mundo e do pensamento penal que criaram condições de existência para o
surgimento dos modelos e tipologias penais. Como já foi dito, a lei é baseada em valores
culturais e morais que variam ao longo do tempo, assim como a punição. Essas
mudanças vão trazendo a necessidade de transformações no espaço físico da prisão,
dando origem aos modelos já aplicados, sua variação e o surgimento de novos modelos
e tipologias;
Capítulo 4 – Arquitetura Penal: Tipologias e Modelos: apresenta os modelos e
tipologias penais, sua relação com as teorias da arquitetura, aplicação e ressignificação a
partir da prática. Depois de apresentadas as questões que possibilitaram o surgimento
dos modelos e tipologias penais, esse capítulo trata da ocorrência e da aplicação,
buscando compará-los a outros programas. Desse modo, são identificadas as
adaptações feitas para a finalidade prisional e aquelas derivadas da experiência prática.
Enquanto o Capitulo 3 trata do surgimento, ainda muito associado às idéias e teorias,
este capítulo trata da aplicação dos modelos e tipologias;
Capítulo 5 – Evolução da Arquitetura Penal Brasileira: apresenta a contextualização
da realidade brasileira e sua relação com os fatos e tipologias anteriormente
apresentados no Capítulo 3 e 4. A evolução do sistema penal brasileiro, assim como os
tipos aplicados às suas edificações tem forte relação com as práticas do exterior –
inicialmente usando as leis e o modelo penal de Portugal. Muitas modificações no
tratamento penal, no sistema aplicado e na concepção dos modelos e tipologias
arquitetônicas têm origem nos modelos europeus e americanos, sendo mais tarde
aplicados no Brasil;
Capítulo 6 – O Atual Sistema Penal Brasileiro: Relatos e Impressões: apresenta as
normas do atual sistema penal brasileiro, suas recomendações de projeto e a experiência
prática de funcionários da SEAP, arquitetos e engenheiros que trabalharam em alguns
projetos, assim como a experiência da pesquisadora em campo. O entrelaçamento
dessas informações busca responder a principal questão deste trabalho e identificar as
contribuições da arquitetura na concepção de unidades penais no Rio de Janeiro.
As Considerações Finais apresentam as contribuições de cada capítulo associadas aos
métodos aplicados, alguns possíveis desdobramentos e uma síntese das principais
contribuições da arquitetura na concepção de edificações penais, ressaltando a sua
importância associada ao saber experiencial.
Os Anexos apresentam as fichas de entrevistas aplicadas ao longo da pesquisa.
1Introdução
7
De uma forma geral, este trabalho pretende preencher algumas lacunas encontradas na
escassa bibliografia do tema, possibilitando um melhor entendimento da evolução da
arquitetura penal, sua história e questões relacionadas no Brasil e no mundo,
evidenciando seus motivos. Da mesma forma, pretende apresentar os atuais caminhos
para o tratamento penal e as soluções arquitetônicas empregadas para tanto,
possibilitando uma visão mais desmistificada e um conhecimento mais profundo do tema
abordado, colaborando para uma atuação mais responsiva e abrindo caminho para novas
inquietações e pesquisas. Cabe ressaltar que a pesquisa é de cunho bibliográfico, os
métodos práticos – entrevistas e visitas, são aplicados com o objetivo de complementar
alguns pontos abordados.
É almejada, como principal resultado da pesquisa, a identificação da maneira pela qual a
Arquitetura possa efetivamente contribuir para a melhoria do sistema penal, por meio da
concepção física-espacial das unidades – seja pela tipologia aplicada ou pela
configuração de elementos arquitetônicos. Além disso, é também ambicionado que a
arquitetura das unidades penais possa ser vista como um “vetor atuante” do sistema
penal; um fator que interfira quanto ao sucesso ou não na implantação de novas
unidades e recuperação das já existentes. Nesse ponto, caberá ao arquiteto, com sua
sensibilidade, conceber o projeto de arquitetura de uma unidade penal não somente
como um mecanismo de contenção ou de segurança, mas principalmente, como fator
contribuinte para a salubridade do ambiente e a pretendida ressocialização do detento.
Diante de um tema tão pouco explorado, espera-se contribuir no preenchimento de
algumas de suas muitas lacunas e abrir campo para mais estudos na área.
1
CAPÍTULO
Fundamentos Teóricos
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
9
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
“A ciência faz parte do complexo de cultura a partir do qual, em cada geração, os homens
tentam encontrar uma forma de coerência intelectual. Ao contrário, esta coerência alimenta
em cada época a interpretação das teorias científicas, determina a ressonância que
suscitam, influencia as concepções que os cientistas se fazem do balanço da sua ciência e
das vias segundo as quais devem orientar suas investigações” (PRIGOGINE & STENGERS,
1997: 01).
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz
efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política
“geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm
o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. “[...] por verdade não quero dizer “o
conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras
segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui aos verdadeiros efeitos
específicos de poder”.” (FOUCAULT: 1979: 10-11).
O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções
são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou
sinais captados e codificados pelos sentidos (MORIN, 2000:18).
Este capítulo apresenta e descreve os conceitos utilizados no desenvolvimento da
pesquisa, que analisa a arquitetura penal e sua estruturação ao longo do tempo até os
dias atuais, com foco nas unidades do Rio de Janeiro. A pesquisa se estrutura a partir de
três campos do conhecimento: (1) a história – e a interferência de seus acontecimentos
no conceito acerca da prisão e a concepção de seu espaço – a partir do conceito de
arqueologia do saber de Foucault (2008); (2) a história da arquitetura – e sua
interferência na tipologia penal - a partir do conceito de genealogia do saber de Foucault
(1979) e de tipologia arquitetônica de Quincy (1832 apud Argan 2004, Rossi 1998, Moneo
1984 e Montaner 2001); (3) o processo cognitivo – e a experiência em campo de
pesquisa – a partir da abordagem experiencial desenvolvida pelo grupo ProLUGAR
9
.
Para contextualização das abordagens adotadas e melhor compreensão dos fatos e
pensamentos que lhes deram condição de existência foram usados autores como: Santos
(1996), Capra (1996, 2006), Prigogine e Stengers (1997), Morin (1984, 2000, 2003),
Heidegger (1977), Nietzsche (1976), Colquhoun (2004), Argan (2004), Varela (1995),
Maturana (2001), Thompson (1999, 2001), Pedro (1996), entre outros.
9
Grupo de pesquisa Qualidade do Lugar e Paisagem do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura (PROARQ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), certificado pelo
Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa CNPq, cujo site é
http://www.fau.ufrj.br/prolugar/index.htm.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
10
Desse modo, procuramos atualizar as abordagens dos diferentes campos do saber em
que se fundamenta este trabalho, apresentadas a seguir, como mostra o Quadro 1:
Quadro 1 – desdobramentos do pensamento contemporâneo
Desdobramentos aplicados à ciência do saber
Arqueologia
do Saber
Relação entre o espaço penal e
a visão de mundo (ou a
episteme) dos diversos períodos
História crítica
Genealogia do
Saber
Arquitetura Tipologia
Arquitetônica
Relação entre o espaço penal e
outras arquiteturas de uma
mesma visão de mundo (ou
episteme)
Construção do
Pensamento
Contemporâneo
Cognição Abordagem
Experiencial
Relação entre o espaço penal, o
conhecimento prático (de
profissionais da área) e a
experiência (do pesquisador) no
lugar
A pesquisa parte do pressuposto de que a ciência é uma explicação sobre as coisas do
mundo, sujeita às interferências do contexto local, cultural e temporal; desse modo, se
fixa em abordagens derivadas do pensamento contemporâneo. O texto ainda apresenta o
tema a partir de abordagens que se contrapõem à visão mecanicista do mundo,
adotando: a transdisciplinaridade, a contextualização, a interpretação, a experiência e a
emoção.
Compreendendo o pesquisador como um ser humano, as bases e fundamentos que
sustentam a visão teórica adotada evidenciam a postura do autor diante do tema
pesquisado e dos problemas do seu tempo. “A partir do momento que lidamos com um
ser vivo, nós sabemos que o modo de descrição pertinente deve incluir o “ponto de vista”
do ser vivo sobre o seu mundo...” (STENGERS, 2002: 58). Aceitando o homem como um
ser dotado de racionalidade, sentidos e sentimentos, a pesquisa soma a subjetividade –
inerente ao ser humano – ao pensamento racional na construção do conhecimento
científico e na interação homem-ambiente.
Poder-se-ia crer na possibilidade de eliminar o risco de erro, recalcando toda afetividade. De
fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso dizer que
já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência
é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez,
são a mola da pesquisa filosófica ou científica (MORIN, 2000:18).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
11
1.1. A Construção do Pensamento Contemporâneo
O desenvolvimento do humanismo e a exacerbação da razão humana deram à Ciência
Moderna (cartesiana) um status de verdade absoluta, fundamentada no pensamento de
Copérnico (1473-1543), Gilbert (1540-1603). Bacon (1561-1626), Galileu (1564-1642),
Descartes (1596-1650), Pascal (1623-1662) e Newton (1642-1717). A Ciência Moderna
pretende explicar os acontecimentos do mundo real, conformando uma visão de mundo
estabelecida exclusivamente pela razão humana e seus estudos científicos, substituindo
os dogmas religiosos e o senso comum, que não apresentavam uma explicação lógica,
por outros fundados na neutralidade e imparcialidade da verdade científica. “A noção de
universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele
fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se em metáfora dominante na era
moderna”. (CAPRA, 2006: 49) Uma visão determinista e causal que, segundo Laing
(1982), desconsiderava a experiência do discurso científico, focada no objeto meramente
como matéria. Segundo Bauman (2007: 104) “... o mundo era uma cadeia divina de seres
em que cada criatura tinha seu lugar útil e legítimo, mesmo que a capacidade mental
humana fosse demasiadamente limitada para compreender a sabedoria, a harmonia e o
caráter ordenado do projeto divino”.
Este aviltamento da natureza acaba por aviltar o próprio cientista na medida em que reduz o
suposto diálogo experimental ao exercício de uma prepotência sobre a natureza. O rigor
científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor que quantifica e que, ao
quantificar, desqualifica, um rigor que, ao objetivar os fenômenos, os objectualiza e os
degrada... (SANTOS, 1996: 32)
... o mito de um universo totalmente determinista tem se convertido na ideologia de uma
dominação da natureza de onde nada poderia escapar ao controle do espírito e da técnica
dos humanos (...) Contrariamente, me parece “realista” crer que o real transborda em
riqueza e complexidade ao formal e ao racional. Renunciar ao determinismo ontológico é
abrir-se a idéia que a nossa lógica necessária é insuficiente para conceber a riqueza do real
(MORIN, 1984: 123).
10
O mundo visto como um sistema mecânico foi explicado e comprovado por leis físicas a
partir da organização de suas partes (PRIGOGINE & STENGERS, 1997; CAPRA, 2006;
SANTOS, 1996) e os cientistas passaram a se ocupar em distinguir a verdade –
fundamentada na ciência – do erro em diversos campos do saber. Desse modo, o
10
Tradução livre da autora (... el mito del un universo totalmente determinista se há convertido em
la ideologia de la dominacción de la naturaleza donde nada podría escapar al controle del espíritu
y de la técnica de los humanos (...) Contrariamente a mi parece “realista” creer que lo real
desborda em riqueza y complejidade a lo formal y lo racional. Renunciar a lo determinismo
ontológico és abrir-se a la idéia que la nuestra lógica necessária, és insuficiente para concebir la
riqueza de lo real).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
12
desenvolvimento das outras ciências estava submetido às suas regras, utilizando muitos
de seus procedimentos. Entre eles a divisão do saber em partes estanques. “Com o firme
estabelecimento da visão mecanicista do mundo no século XVIII, a física tornou-se
naturalmente a base de todas as ciências...” [e complementa com a visão de Descartes]
“... Toda filosofia é como uma árvore. As raízes são a metafísica, o tronco é a física e os
ramos são todas as outras ciências” (CAPRA 2006: 62). Os diversos campos do saber –
ou ciências – passaram a se limitar a si mesmos, reduzindo suas explicações ao seu
próprio campo.
Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização. (...) Sendo um
conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, isto é, segrega uma
organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os
que as quiserem transpor. É hoje reconhecido que a excessiva parcelização e
disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado (SANTOS,
1996: 46).
A Ciência Moderna se colocou perante a sociedade como uma forma dominante de
validação do conhecimento, fundamentada na neutralidade do pesquisador, que devia se
apresentar dissociado do mundo, operado somente pela razão e pelos fatos. Para fazer
ciência (DESCARTES, 1637), qualquer pesquisador deveria se portar como um
“observador-padrão”, neutro; corpo e mente são completamente dissociados e
independentes, e a natureza, algo amorfo, passivo, a ser dominada e controlada pelo
homem. Mas “A definição de “ciência” nunca é neutra, já que, desde que a ciência dita
moderna existe, o título de ciência confere àquele que se diz “cientista” direitos e
deveres” (STENGERS, 2002: 35).
A idéia de representação também está presente na Modernidade e em sua pretensão de
que conhecer significa representar a realidade
11
com exatidão, dissociada de qualquer
subjetividade, uma visão neutra e transparente. Representar está associado a uma idéia
de mundo como algo estático, determinável. Mas o mundo, em sua relação com o
homem, se apresenta em um contínuo processo de transformação. Segundo Pedro
(1996:92), “o sujeito se modifica à medida que conhece o mundo – conhecer é criar,
nascer junto e não apenas, re-conhecer”. O funcionamento do cérebro está fundado na
enação de mundos diferentes, a percepção do homem não apenas reflete o mundo, mas
o concebe de forma particular, relacionada à vivência individual – o mundo é o que
percebemos dele. (VARELA, 1995). Isso porque: “o sujeito que vê e aquilo que é visto
11
O termo realidade se refere a tudo que é real, ou tudo que existe. No pensamento moderno a
idéia de realidade se associa à idéia de racionalidade e à realidade, ou o real, é tudo aquilo que
pode ser provado com a razão. Neste trabalho o termo realidade se apresenta com uma
conotação e uma perspectiva mais abrangentes: como o que é valido para cada um, em
determinada circunstância.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
13
surgem simultaneamente”. (VARELA, THOMPSON & ROSH, 2003: 227), ou seja: o
sujeito percebe o mundo a partir do que se apresenta a ele, filtrado por suas emoções e
sua história – sua interação mútua.
A partir do século XX, porém, a ciência – especialmente a física – passa por uma
profunda reestruturação de suas bases conceituais fundamentadas nos estudos de
Einstein, Heisenberg, Bohr, Gödel, Prigogine, Stapp, entre outros, e passa a considerar a
possibilidade de que o mundo e suas “coisas” podem não operar exatamente como se
imaginava. A forma de perceber o mundo se modifica, abrindo caminho para novas
interpretações que alteram a concepção de diversas outras ciências, fazendo surgir
novos campos de conhecimento. Santos (1996) sugere a aproximação entre o saber
científico e o senso comum; Capra (1996, 2006) propõe a visão do mundo como um
processo sistêmico; Morin (1984) propõe o saber como conhecimento transdisciplinar;
Prigogine e Stengers (1997) propõem uma nova aliança entre homem e natureza;
Maturana e Varela (1995) propõem que homem e meio fazem parte de um mesmo
processo vital, Foucault (1970) propõe a história como um feixe de acontecimentos
associados a uma episteme.
Desde o século XVII, a física tem sido o exemplo brilhante de uma ciência “exata”, servindo
como modelo para todas as outras ciências. (...) No século XX, entretanto, a física passou
por várias revoluções conceituais. (...) O universo deixou de ser visto como uma máquina
composta de uma profusão de objetos distintos, para apresentar-se agora como um todo
harmonioso e indivisível, uma rede de relações dinâmicas que incluem o observador
humano e sua consciência de um modo essencial. (...) Agora que os físicos ultrapassaram
largamente os limites desse modelo, é chegado o momento de as outras ciências ampliarem
suas filosofias adjacentes (CAPRA, 2006:44, 45).
A teoria da relatividade mostrou a influência do meio e a impossibilidade de se prever, de
forma absoluta, acontecimentos futuros (STENGERS, 2002; SANTOS, 1996; CAPRA,
2006). O princípio da incerteza mostrou a impossibilidade de um observador neutro, já
que sempre há a interferência do observador no objeto: “não conhecemos do real senão
a nossa intervenção nele” (SANTOS, 1996: 26). O teorema da incompletude mostrou que
pode haver proposições verdadeiras, ainda que não se possa demonstrá-las, ou seja:
“certos problemas não podem ser solucionados por nenhum conjunto de
regras/procedimentos” disponíveis (HAWKING, 2001:139). O estudo da microfísica
mostrou que, em sistemas abertos, seus componentes podem se auto-organizar de modo
a alcançar um estado mais satisfatório de forma irreversível, “Em vez da eternidade, a
história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a
interpretação, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da ordem, a desordem;
em vez da necessidade, a criatividade e o acidente” (SANTOS, 1996: 28).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
14
A idéia de mundo passa de uma máquina composta por partes independentes para um
sistema ecológico
12
, onde cada uma de suas partes participa de um todo único e
indivisível, que inclui o homem, a natureza, as coisas e, fortemente, suas relações.
“Enquanto na mecânica clássica, as propriedades e o comportamento das partes
determinam as propriedades do todo, a situação na mecânica quântica é inversa: é o
todo que determina o comportamento das partes” (CAPRA, 2006: 80). Heisenberg propôs
que “O mundo apresenta-se, pois, como um complicado ciclo de eventos, no qual
conexões de diferentes espécies se alternam, se sobrepõe ou se combinam, e desse
modo determinam a contextura do todo”. Stapp (apud CAPRA, 2006: 76), afirma que
“Uma partícula elementar não é uma entidade não-analisável que tenha existência
independente. É em essência, um conjunto de relações que se estendem a outras
coisas”; já Bateson preconiza que “qualquer coisa devia ser definida por suas relações
com outras coisas e não pelo que é em si mesma” (CAPRA, 2006: 76). Desse modo, a
visão de mundo passa a estar mais associada a uma lógica de rede, focada não nos seus
componentes mas, principalmente, nas suas relações.
Os factos observados têm vindo a escapar ao regime de isolamento prisional que a ciência
os sujeita. Os objectos têm fronteiras cada vez menos definidas; são constituídos por anéis
que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objectos, a tal ponto que os
objectos em si são menos reais que as relações entre eles (SANTOS, 1996: 33).
O universo material é visto como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados.
Nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia é fundamental; todas elas
resultam das propriedades das outras partes, e a consistência global de suas inter-relações
determina a estrutura de toda a teia (CAPRA, 1996: 38).
A idéia de uma verdade única e universal é fortemente discutida em diversos campos,
abrindo caminho para as discussões sobre a interpretação, percepção e forma de agir no
mundo – que faz retornar o papel de observador como sujeito –, sua experiência e sua
relação, com o meio, o contexto e o tempo – fatores que condicionam ou possibilitam
suas abordagens. Segundo Nietzsche (1976), seria ingênuo pensar em uma só
interpretação legítima para o mundo, pois não há para o mundo um único sentido. Ele se
corporifica a partir de uma situação e da interpretação de cada um. Assim, a percepção
do mundo e, conseqüentemente, o conhecimento, são sempre perspectivos, não têm
uma existência em si, são resultados de um processo de criação através do e no homem.
12
Cf. Capra (1996: 16) “A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência
fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos
todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes
desses processos)”.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
15
A verdade e a falsidade não mais existem, pois tudo é interpretação, e toda interpretação
é relativista.
Segundo Foucault (1979), interpretar seria se apropriar de sistemas de regras e lhes dar
significação, submetendo-os a outras regras mais particulares. Um sistema de regras não
possui uma essência, algo próprio universalmente inteligível, mas significados relativos a
quem os utiliza e lhes dá direção e sentido, legitimando-os. Desse modo, cada grupo teria
a suas próprias “regras”, ou seja, mecanismos legitimados que distinguem o que é ou não
pertinente a partir de questões políticas, econômicas, culturais e sociais, sendo, portanto,
códigos particulares – estabelecidos, assim, pela relação entre homem e meio – e não
leis universais. A idéia geral será sempre transformada a partir da interpretação
fundamentada no senso comum – uma idéia local, temporal.
A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nessa forma de
conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo. (...) O
senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na
ação e no princípio da criatividade e responsabilidade individuais. O senso comum é prático
e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo
social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante (SANTOS, 1996: 56).
Segundo Heidegger (1977), o erro, porém, está em querer provar a verdade, pois a
realidade se mostra sempre carregada de significações, e o espírito somente pode
perceber sua estrutura, que é a evidência da ação do fazer e não da interpretação ou
compreensão. A verdade é o jogo integrador, uma unidade que dá sentido ao todo. Ela
não pode ser provada porque simplesmente é. Ela acontece no ser do mundo e no
mundo do ser. Assim, a verdade não pode ser singular ou absoluta, mas temporal,
constituída na história. E o ser é a abertura para o desvelamento da verdade, “(...) tudo é
o que é, “é” enquanto condição de possibilidade de poder” (HEIDEGGER, 2000: 66). A
história, a tradição e a experiência passam a ter importante papel, na medida em que se
percebe que o homem e o meio estão fortemente associados, e que a verdade se
constitui dessa relação biunívoca.
A idéia de um observador neutro fica cada vez mais distante, uma vez que as emoções
são disposições corporais dinâmicas que nos fazem optar pelo domínio das ações que
vamos operar. Todas as ações são originadas e realizadas em algum domínio emocional
(MATURANA, 2001:130) “... razão e emoção são fios de uma mesma trama que
possibilita que a mente seja o que é” (PEDRO, 1996: 128). Segundo Dennett (1991), nós
temos acesso limitado ao que acontece em nossas mentes. Assim, não há
intencionalidade em nossos atos, mas ajustes feitos a partir de feedbacks que estão
relacionados com a experiência e, não, com um objetivo prévio. Assim, o pesquisador,
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
16
enquanto ser humano, não é capaz de diferenciar o que é externo a si, pois sempre verá
o mundo a partir de sua percepção, que é constituída pela sua experiência. Segundo
Maturana e Varela (1994), homem e meio são faces de um mesmo processo vital, onde o
homem cria uma relação de circularidade na forma como vê o mundo e age nele num
processo contínuo de produção de si mesmo.
Se formulo uma pergunta sobre a partícula, ele me dá uma resposta sobre a partícula; se
faço uma pergunta sobre a onda ele me dá uma resposta sobre a onda. O elétron não
possui propriedades objetivas independentes da minha mente. (...) Nunca podemos falar da
natureza sem, ao mesmo tempo, falarmos sobre nós mesmos (CAPRA, 2006: 81).
De acordo com Maturana (2001) e Varela, Thompson e Rosch (2003), a ciência é uma
explicação da experiência humana no mundo, e não de uma realidade independente do
homem. Os questionamentos do pesquisador, que são a origem de suas pesquisas,
surgem da própria práxis de viver, das suas experiências, assim como seus métodos e
instrumentos de pesquisa e a interpretação de seus resultados. “... se o procedimento
científico pode ser praticado, é porque ele descobre pontos de acordo notáveis entre
nossas hipóteses teóricas e as respostas experimentais” (PRIGOGINE & STENGERS,
1997: 03). Da mesma forma, cada pesquisador, ainda que aplique os mesmos métodos
em um mesmo tema, tende a ter uma visão diferenciada, seja por sua interpretação dos
resultados, ou por um questionamento inicial diferente – que estão associados à sua
história pessoal.
As decisões que dizem respeito ao valor e à utilização da ciência não são decisões
científicas; constituem o que nós poderíamos chamar de decisões ’existenciais’; são
decisões sobre a maneira de viver, pensar, sentir e se comportar (FEYERABEND apud
STENGERS, 2002: 49).
Segundo Maturana (2001), no processo da evolução restam ou persistem sistemas que
apresentam acoplamento estrutural
13
eficaz na interação entre homem e meio e, dessa
forma, constata-se que este é de fato, uma deriva natural do que não se adéqua e não,
um processo de adaptação dos sistemas vivos por determinação do meio. Portanto, “A
cognição humana, enquanto ação eficaz, embora pertença ao domínio biológico, é
sempre vivida na cultura”. (PEDRO, 1996: 143) É a partir dos valores culturais
compartilhados, do senso comum, muitas vezes imperceptível, que se dá o julgamento de
pertinência ou não nessa interação. “... a descrição da atividade científica não pode, sem
13
Esse termo, acoplamento, será mantido da edição brasileira do livro A Mente Incorporada
(VARELA, THOMPSON & ROSH: 2003), apesar do seu caráter funcionalista que não condiz com
a proposta dos autores. A partir do comentário de Vicente del Rio, em aula ministrada no ano de
2008 no PROARQ/FAU/UFRJ, de que deveria ser verificado o significado e o sentido do texto
original em Inglês, o Pro LUGAR vem utilizando o termo entrelaçamento em seu lugar.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
17
violência, ser separada do mundo a que pertence” (PRIGOGINE & STENGERS, 1997:
09).
A visão do saber como algo diferente de uma verdade universal, associado ao meio, ao
cientista e à sua experiência, trouxe a abertura para a interpretação, ou seja, visões
fragmentadas e significados diferenciados. O desenvolvimento das teorias lingüísticas –
Semiótica
14
, Estruturalismo
15
, Pós-Estruturalismo
16
e Desconstrução
17
– vem a reforçar
essa idéia, provocando mudanças na crítica cultural pós-moderna através da renovação
do interesse pelo significado e pelo simbolismo. Jacques Derrida trabalha dentro da
abordagem da Teoria da Organização
18
, afirmando que Não se trata de renunciar a um
ponto de vista em favor a outro, que seria único e absoluto, mas de encarar a diversidade
de possíveis pontos de vista (DERRIDA, 1975 In NESBITT, 2006: 170). Jonathan Culler
(1982) propõe que “Desconstruir uma posição não é destruí-la... é desfazer e deslocá-la,
situá-la de modo diferente” (CULLER, 1982: 150).
A idéia da diferença se torna muito presente, o objeto passa a ser visto a partir de um
ponto de vista ou de uma premissa negativa, ou seja: uma coisa é o que é enquanto não
é o que as outras coisas são – quanto se diferencia do todo e se torna particular e
identificável. Desse modo, cada elemento – ou fragmento – passa a ser significativo e
dotado de características próprias, que estão associadas ao sistema do qual fazem parte
– trazem vestígios do que já foram e uma idéia do que serão. “Só é possível perceber a
presença do movimento na medida em que, a cada instante, já estão escritos os traços
14
Estudo científico da linguagem como um sistema entre signos que tem uma dimensão estrutural
(sintática – relação signo/significado e significante e suas relações sintáticas) e outra de
significação (semântica). (SAUSSURE: 1986).
15
Focaliza os códigos, as convenções e os processos responsáveis pela inteligibilidade da obra –
significado socialmente inteligível. Ocupa-se das “condições de significação”, relação do texto com
as estruturas e processos particulares para explicar a forma e o significado das obras. A
linguagem é vista como um sistema que depende do meio para ter significação. (PETERS: 2000).
16
Funda a crítica do signo, questionando se o signo se compõe de duas partes (significante e
significado) ou se ele não depende também da presença de todos os outros significantes, que ele
não ativa e dos quais se diferencia. Separa o significante do significado e afirma que o significado
é indeterminado, inesgotável. O leitor deve ter papel ativo como produtor de significado, já que a
realidade é totalmente constituída (produzida e sustentada) por representações, antes que
refletidas por elas. (PETERS: 2000).
17
É uma manifestação do pós-estruturalismo, examina a fundamentação logocêntrica do
pensamento e os fundamentos das disciplinas. Age nas margens para revelar e desmontar as
oposições e pressupostos vulneráveis que estruturam um texto. Busca deslocar certas categorias
filosóficas e tentativas de supremacia que privilegiam um termo em relação a outro em oposições
binárias como ausência/presença. (CULLER: 1982).
18
A abordagem se desenvolve a partir da premissa de que a natureza das organizações sociais
está diretamente associada à cultura. Desenvolveu-se a partir da crise da modernidade e o
estabelecimento do pensamento pós-moderno e as decorrentes alterações culturais, buscando
compreender que alterações traria, essa mudança, nas organizações sociais.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
18
do passado e do futuro (...) o instante presente não é algo dado, mas o produto das
relações entre passado e futuro” (CULLER. 1982: 97). Essa visão busca retomar a
complexidade do mundo e dos processos do conhecimento frente ao reducionismo
modernista. “Se tentarmos reabsorvê-lo [o mundo], reduzi-lo, serão produzidas
metástases, excrescências...” (BAUDRILLARD, 2003:18).
A idéia de que cada elemento é único e faz parte de um todo se reforça: “trata-se do
fragmento, mas que cria em torno dele um verdadeiro espaço simbólico, um vazio ou um
branco. (...) São fragmentos em rede” (BAUDRILLARD, 2003:39).
19
A idéia de rede ou de
sistema não permite o estabelecimento de continuidade linear, pois quando um elemento
se apresenta é rapidamente volatizado pelo sistema, ou seja, interpretado e re-aplicado,
numa espécie de processo que se dá através da lógica da interface. Segundo Bauman
(2007: 09) “A sociedade é cada vez mais vista e tratada como uma “rede” em vez de uma
estrutura (...): ela é percebida e encarada como uma matriz de conexões e desconexões
aleatórias e de um volume essencialmente infinito de permutações possíveis”. Este
contexto do simulacro se constrói de ligações imprevisíveis e não de sucessões
deterministas, apresentando, segundo Jamenson (1996), o tempo fragmentado em
“presentes perpétuos”.
Segundo Bauman (2007: 12) “Nada pode verdadeiramente ser, ou permanecer por muito
tempo, indiferente a qualquer outra coisa: intocado e intocável. O Bem-estar de um lugar,
qualquer que seja, nunca é inocente em relação à miséria de outro”. Os conhecimentos e
saberes não se fecham no limite dos seus campos, mas se encontram abertos a novas
conexões a outros saberes. Interferem-se, se entrecruzam, se alterando mutuamente, de
forma que cada novo conhecimento – ou sua modificação – faz repensar os demais. Não
necessariamente os invalida, mas os modifica, re-interpreta. Não há porto seguro ou
pensamentos definitivos, mas uma contínua transformação que gera incerteza e
insegurança. Não é mais possível determinar e controlar o mundo e suas coisas.
O medo é reconhecidamente o mais sombrio dos demônios que se aninham nas sociedades
abertas de nossa época. Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que
produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável. Essa insegurança e
essa incerteza, por sua vez, nascem de um sentimento de impotência: parecemos não estar
mais no controle (...) e, para piorar ainda mais as coisas, faltam-nos ferramentas (...)
(BAUMAN, 2007: 32).
Neste contexto, o historicismo determinista e suas metanarrativas, assim como uma visão
linear e sucessiva dos fatos ou uma observação distante, se tornam insustentáveis.
19
A citação de Baudrillard é usada somente para exemplificar e reforçar a idéia do pensamento
sistêmico utilizado por diversos autores neste período, como, Capra (1996), e Castells, (1996),
entre outros autores já citados no trabalho.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
19
Questões culturais, sociais e psicológicas, antes negadas no saber científico – apesar de
estarem nele camufladas – e tratadas somente em seus campos de conhecimento,
passam a ser parte do saber científico na visão do mundo como um sistema ecológico.
As áreas de conhecimento vão ficando cada vez menos delimitadas, e cada vez mais
transdisciplinares
20
. Ao se desvencilhar da verdade universal, o pensamento pós-
moderno fez emergir conhecimentos e saberes antes ocultados ou excluídos. Foucault
(1979: 96) chamou esses conhecimentos de saberes dominados, ou seja, “blocos de
saber histórico que estavam presentes e mascarados no interior dos conjuntos funcionais
e sistemáticos” – o saber regional, particular, comum, ordinário, diferencial.
Segundo Santos (1996: 58) “Duvidamos suficientemente do passado para imaginarmos o
futuro, mas vivemos demasiadamente o presente para podermos realizar nele o futuro.
Estamos divididos, fragmentados”. É preciso desvendar os fragmentos e, a partir do
conhecimento de suas particularidades, estabelecer possíveis relações associadas a um
ponto comum, como afirma Foucault (1979: 98): “Não quero abolir as inúmeras e
gigantes diferenças, mas, apesar e através dessas diferenças, me parece que existe um
ponto comum”. A fragmentação pós-moderna se fixa em temas, investigando seus
aspectos mais diversos associados a diferentes campos disciplinares de modo a
compreender sua complexidade e as questões que participam de sua formação. Cada
tema é estudado a partir dos demais saberes que o cercam, não importa de que campo
da ciência faça parte, mas a sua relação com o foco abordado.
No paradigma emergente, o conhecimento é total, tem como horizonte a totalidade universal
de que fala Wigner ou a totalidade indivisa de que fala Bohm. Mas sendo total, é também
local. Constitui-se em redor de temas que, em dado momento são adotados por grupos
sociais concretos como projetos de vida local. (...) A fragmentação pós-moderna não é
disciplinar e sim temática. Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao
encontro uns dos outros (SANTOS, 1996: 47).
Desse modo, considerando nossa postura frente ao “saber científico”, explicitada até
aqui, o tema Concepção do Espaço Prisional é abordado neste trabalho sob saberes de
diferentes campos do pensamento contemporâneo – história crítica, tipologia
arquitetônica e a abordagem experiencial – que serão a seguir apresentados.
20
Cabe ressaltar aqui a diferença entre os conceitos de transdisciplinaridade e
interdisciplinaridade. O primeiro, como o seu prefixo já diz, transcende as disciplinas e desfaz seus
limites, voltando sua atenção para o conteúdo do conhecimento; o segundo se entre as
disciplinas, ou seja: utiliza diferentes disciplinas estabelecendo relações entre elas, mas ainda
reconhece seus limites e os identifica (MORIN, 1984: 311).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
20
1.2. História Crítica
Toda história é inevitavelmente condicionada por um modo de abordá-la; não se pode
escrever uma história absoluta, assim como não se pode realizar uma arquitetura absoluta –
mesmo num breve período de tempo, a imagem caleidoscópica altera seu desenho
(FRAMPTON, 2003: VII).
A construção da história na modernidade segue a lógica científico-positivista, busca
purificar os fatos, “decantando encadeamentos naturais” (PEDRO: 1996), selecionando
elementos e acontecimentos pertinentes ao resultado final encontrado no presente. Essa
abordagem histórica busca se configurar (ou então revestir) como verdade absoluta e
neutra, como a ciência e suas explicações do mundo. Consiste no exame objetivo e
exaustivo dos fatos de modo a apreender a essência de um momento histórico e
representá-lo de forma fiel, distanciada e, por isso, verdadeira e absoluta. Usa a lógica
evolucionista, de modo a selecionar e ordenar os fatos, sucessivamente direcionando-os
à causa final, de modo a criar discursos legitimadores.
(...) uma história [determinista] que lançaria sobre o que está atrás dela um olhar de fim de
mundo. Esta história dos historiadores constrói um ponto de apoio fora do tempo; ela
pretende tudo julgar segundo uma objetividade apocalíptica; mas é que ela supõe uma
verdade eterna, uma alma que não morre uma consciência sempre idêntica a si mesma
(FOUCAULT: 1979: 17).
O historicismo crítico se configura como uma abordagem da história fundamentada nas
linhas de pensamento pós-modernas, se contrapondo às metanarrativas da modernidade.
Segundo Colquhoun (2004:23) “A idéia de que os valores mudam e se desenvolvem com
o tempo histórico está hoje tão arraigada no senso comum que é até difícil imaginar um
ponto de vista diferente”, assim afirma que a crítica pós-moderna colocou duas posturas
para a história: (1) a história não é absolutamente determinada; (2) a aceitação da
tradição
21
é, de certa forma, a condição do significado arquitetônico (COLQUHOUN,
2004: 33). Desse modo passa a abordar cada período como algo construído pelo
passado e conformador do futuro, aceitando que cada momento histórico tem uma
história própria, da qual também participa e que não há como determinar o futuro ou,
precisamente, a origem do presente. “A singularidade de nossa cultura, que é produto de
nosso desenvolvimento histórico, deve ser conciliada com o palpável fato de que ela
opera dentro de um contexto histórico e contém em si mesma sua própria memória
histórica” (COLQUHOUN, 2004: 35).
21
C.f. Colquhoun (2004:36) a tradição: “disciplina autônoma – uma disciplina que incorpora em si
mesma um conjunto de normas estéticas que são o resultado de uma acumulação histórica e
cultural que tira daí seu significado”.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
21
Segundo Montaner (2004: 23) “A história há de ser sempre contemporânea, não podendo
se separar de sua identidade com a crítica, a interpretação e o juízo de valores estéticos”.
22
Ainda segundo o autor (2004: 11) a crítica “Constitui uma atividade com o mais amplo
sentido cultural. Sua missão é a de interpretar e contextualizar, e pode entender-se como
uma hermenêutica que desvela origens, relações, significados e essências”.
23
A
abordagem crítica busca desmistificar o objeto de análise, ir fundo em suas raízes,
descobrir que métodos, teorias, pensamentos o conformaram tal como é, de modo a
desvendar o que se encontra implícito no objeto. Para tanto, é necessário que se
quebrem as barreiras das disciplinas e do saber e se aborde a questão de forma
transdisciplinar
24
(MONTANER, 2004: 19). O objeto de análise – seja a arquitetura ou um
período histórico – não é autônomo ou independente, se configura a partir de relações
com diversos campos do saber, não pode ser reduzido, deve ser abordado em sua
complexidade. Da mesma forma, não pode ignorar suas particularidades e as diferentes
interpretações, ainda que se apresentem pontos invariáveis (MONTANER, 2004: 21).
A história crítica se baseia, principalmente, no conceito de Wirkliche Historie
25
de
Nietzsche, sendo também influenciado pelo paradigma Marxista, que busca investigar e
trazer à luz fatos que se ocultam por trás das categorias unificadoras. “Uma crítica
marxista coerente da ideologia (...) não pode deixar de desmistificar as realidades
contingentes e históricas, desprovidas de objetividade e universalidade, que se
escondem por trás dos termos unificadores...” (TAFURI, 1973 In NESBITT, 2006: 394).
Isto contribui para explicar o interesse de diversos autores por temas que sempre
estiveram à margem da história e da sociedade, sendo raramente estudados. Segundo
Foucault (1979: 19), “Uma das características da história é a de não escolher: ela se
coloca no dever de tudo compreender sem distinção de altura; de tudo aceitar, sem fazer
diferença. Nada lhe deve escapar, mas também nada deve ser excluído”. A história não
22
Tradução livre da autora (La historia há de ser siempre contemporânea, no pudiéndose separar
de su identidad com la crítica, la interpretación y el juicio de valores estéticos).
23
Tradução livre da autora (Constituye uma actividad com el más amplio sentido cultural. Su
misión es la de interpretar y contextualizar, y puede entenderse como uma hermenêutica que
desvela orígenes, relaciones, significados y esencias).
24
O autor utiliza o termo multidisciplinar, aqui substituído por transdisciplinar por melhor se
adequar a sua abordagem. O termo multidisciplinar pressupõe uma abordagem interdisciplinar,
diferente da idéia proposta pelo autor. C.f. “Este objetivo se complementa com el estabelecimiento
de interpretaciones multidisciplinares que rompam las barreiras del professionalismo y la
especialización que limitan las prácticas culturales”.
25
C.f. Nietzsche (1976), a história “efetiva”, aquela que incorpora questões que a atravessam, e
mesmo fazem parte do seu processo de construção e destruição. É um olhar mais aproximado das
questões que cercam seus acontecimentos e formam suas variâncias.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
22
deve, portanto, excluir fatos ou temas para comprovar princípios ou estabelecer modelos,
mas construir a história de modo efetivo.
A bem dizer, hoje em dia, a principal tarefa da crítica da ideologia é desfazer os mitos
impotentes e ineficazes que com tanta freqüência subsistem como ilusões que permitem a
sobrevivência de “esperanças anacrônicas no projeto” (TAFURI, 1973 In NESBITT, 2006:
396).
... todo objeto arquitetônico deve ser valorizado nas direções e esperanças dos projetos
coletivos, dentro de um sentido ético e linhas de força da história. (...) A crítica, portanto,
deve desconfiar dos argumentos de poder, deve mostrar os mecanismos de gestão e deve
recordar que os pactos entre os setores dominantes tem imposto uma realidade inapelável
que tem convertido muitas possibilidades em heterodoxias ou utopias não realizadas
26
(MONTANER, 2004: 20).
A história deve levar em conta a realidade de cada período. Realidade essa que tornou
possível o estudo e a aceitação de certas abordagens, temas e pensamentos, sem,
entretanto, considerar essa realidade ingenuamente, como fator determinante e absoluto.
Segundo Stengers (2002: 53) “... o historiador, aqui, se define ele próprio pelo recuo no
tempo, pela diferença entre o que a história das ciências o torna capaz de questionar e o
que essa história definiu como incontestável”, ou seja, o pesquisador está incorporado à
história, seus questionamentos partem da realidade da qual ele faz parte, assim como,
suas abordagens, teorias e métodos. A realidade, o contexto e o tempo do pesquisador
não configuram somente a sua visão de mundo, mas a sua maneira de intervir, operar no
seu campo de trabalho e interpretar teorias e conceitos utilizados. Isso porque segundo a
autora:
... um paradigma não é uma simples maneira de “ver” as coisas, de interrogar ou de
interpretar resultados. Um paradigma é, antes de mais nada, da ordem, da prática. O que se
transmite não é uma visão de mundo, mas uma maneira de fazer, uma maneira não só de
analisar os fenômenos, de lhes conferir um significado teórico, mas também de intervir...
(STENGERS, 2002: 64).
O principal viés teórico desta pesquisa está apoiado no historicismo crítico, mais
precisamente no trabalho de Michel Foucault e, se justifica, por permitir que as análises
históricas aqui apresentadas, sobre a arquitetura penal, sejam devidamente
contextualizadas em suas épocas e analisadas a partir da sua própria visão de mundo,
valores e pensamentos, em contrapartida a uma avaliação distanciada.
26
Tradução livre da autora (... todo objeto arquitectónico deve ser valorado em las direcciones y
esperanzas de los projetos colectivos, dentro de um sentido ético y de unas líneas de fuerza de la
historia. (...) La crítica, por lo tanto, debe desconfiar de los argumentos del poder, debe mostrar los
mecanismos de gestión y debe recordar que los pactos entre los sectores com decisión han
impuesto uma realidad inapelable que há convertido muchas possibilidades em heterodoxias o
utopias no realizadas).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
23
1. 2. 1. Arqueologia do Saber
O conceito de arqueologia do saber desenvolvido por Foucault (1985, 2008) pode ser
considerado uma abordagem histórica fundamentada na análise de formações
discursivas e sua relação com os diversos campos do saber – científicos ou não. Essa
abordagem está bastante associada aos seus primeiros trabalhos e se baseia fortemente
em conceitos desenvolvidos por Nietzsche (1976), assim como nas linhas de pensamento
estruturalistas. Associa o significado às suas condições de significação e sua
possibilidade de existência a partir da historicidade em que estavam inseridos, de seus
saberes e do senso comum.
"... o que se quer trazer à luz é o campo epistemológico, a episteme onde os
conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas
formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a
de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; neste relato,
o que deve aparecer são, no espaço do saber, as configurações que deram lugar às formas
diversas do conhecimento empírico. Mais que de uma história no sentido tradicional da
palavra, trata-se de uma "arqueologia" (FOUCAULT, 1999: XVIII).
A arqueologia pretende estudar a ordem e as regras inconscientes que dão significado às
coisas dentro de uma rede. São leis inerentes a certas realidades que direcionam a forma
de agir e perceber o mundo definindo os códigos culturais. Participam da configuração da
rede leis governamentais, a linguagem, a técnica, valores, hierarquias, assim como
teorias científicas e filosóficas. Desse modo, se configura como uma abordagem
transdisciplinar que busca a partir do cruzamento de informações de natureza diversa dar
luz a uma visão de mundo local e temporal, suas regras são singulares e só podem ter
valor dentro da realidade estudada. As formações discursivas analisadas participam de
diversos campos de conhecimento, de diferentes formas e distintas funções. Tem como
foco, portanto, não a verdade científica, mas o saber.
Bem diferente, ainda nisto, das descrições epistemológicas ou “arquitetônicas” que analisam
a estrutura interna de uma teoria, o estudo arqueológico está sempre no plural: ele se
exerce em uma multiplicidade de registros; percorre interstícios e desvios; tem seu domínio
no espaço em que as unidades se justapõem, se separam, fixam suas arestas, se
enfrentam, desenham entre si espaços em branco (FOUCAULT, 2008: 177).
O autor entende como saber o “conjunto de elementos, formados de maneira regular por
uma prática discursiva e indispensável à constituição de uma ciência, apesar de não se
destinarem necessariamente a lhe dar um lugar”... (FOUCAULT, 2008: 204). Associa o
saber diretamente ao seu contexto, valores, pensamentos, assim como à própria ciência
e sua constituição – se a ciência se constitui a partir de saberes, e estes a partir da
prática discursiva, o saber científico não é algo puro ou neutro, o campo epistemológico
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
24
está nele presente, precisa ser considerado. “O saber não está contido somente em
demonstrações; pode estar também em ficções, reflexões, narrativas, regulamentos
institucionais, decisões políticas” (FOUCAULT, 2008: 205). O saber, portanto, se constitui
a partir das possibilidades que se apresentam em certas realidades, sendo também
constituído pelo conhecimento vulgar (Quadro 2).
... um saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo
discurso. (...) Há saberes que são independentes das ciências (que não são nem seu
esboço histórico, nem o avesso vivido); mas não há saber sem uma prática discursiva
definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma (FOUCAULT,
2008: 203).
O que a arqueologia tenta descrever não é a ciência em sua estrutura específica, mas o
domínio, bem diferente, do saber. Além disso, ela se ocupa do saber em sua relação com
as figuras epistemológicas e as ciências, pode, do mesmo modo, interrogar o saber em uma
direção diferente e descrevê-lo em um outro feixe de relações (FOUCAULT, 2008: 218).
Quadro 2 – arqueologia do saber
A abordagem usa o conceito de arquivo, - que seria uma espécie de domínio, ou campo
de abrangência local e temporal que abrigaria a tradição, o senso comum, os
pensamentos científicos, o conhecimento – e que funcionaria como uma espécie de filtro
na identificação de novas abordagens ou conhecimentos. “Não entendo por esse termo a
soma de todos os textos que uma cultura guardou em seu poder... [mas]... do que faz
com que tantas coisas ditas por tantos homens, há tantos milênios, não tenham surgido
apenas segundo leis do pensamento” (FOUCAULT, 2008: 146).
Deste modo, o arquivo, tanto especifica o campo de aceitação dos saberes como
caracteriza a prática discursiva. “O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o
sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”
(FOUCAULT, 2008: 147). Assim, aceita a regularidade discursiva, como uma visão de
mundo, a condição de existência do saber – que perde seu valor e sentido fora da
regularidade (FOUCAULT, 2008: 163). A regularidade não pressupõe homogeneidade,
mas uma conformação de elementos heterogêneos que atendem a uma idéia ou regra
geral comum, que direciona – mas não determina – seus caminhos, seus pensamentos e
sua intervenção. Cada novo elemento modifica as relações na rede podendo trazer
alterações em suas regras, de modo que a rede é dinâmica – está sempre sujeita às
transformações.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
25
... todo enunciado se relacionava a uma certa regularidade – que nada, por conseguinte,
podia ser considerado como pura e simples criação... Mas vimos também que nenhum
enunciado podia ser considerado como inativo e valer como sombra ou decalque pouco
reais de um enunciado inicial... o menor enunciado – o mais discreto ou banal – coloca em
prática todo o jogo das regras segundo as quais são formados seu objeto... As regras
jamais se apresentam nas formulações; atravessam-nas e constituem para elas um espaço
de coexistência; não podemos, pois, encontrar o enunciado singular que as articularia
(FOUCAULT, 2008: 165).
A dinâmica das formações discursivas está associada às contradições. Destas irão surgir
novos conhecimentos a fim de explicá-las, configurando novas visões de mundo e, assim,
novos saberes
27
– lógica de rede. Desse modo, a contradição não é um erro, mas a
“verdade” originada do saber de uma época que os supera conformando assim,
conhecimentos futuros. Tal fato leva à admissão da idéia de sucessão histórica, que aqui
se dá de modo diverso ao pensamento determinista, como uma espécie de
fundamentação. “A precedência não é um dado irredutível e primeiro... Não basta a
demarcação dos antecedentes para determinar uma ordem discursiva: ela se subordina,
ao contrário, ao discurso que se analisa” (FOUCAULT, 2008: 161). Só é analisável em si
mesma.
Longe de ser indiferente à sucessão, a arqueologia demarca os vetores temporais de
derivação. (...) O que ela [a arqueologia] suspende é o tema de que a sucessão é um
absoluto: um encadeamento primeiro e indissociável a que o discurso estaria submetido
pela lei da sua finitude; e também o tema de que no discurso só há uma forma e um único
nível de sucessão (FOUCAULT, 2008: 190).
A abordagem arqueológica, portanto, busca estabelecer as relações que conformam as
sucessões a partir da continuidade, como um processo complexo que se dá a partir de
alterações em pontos do sistema; não como uma transformação geral a partir de um
elemento único modificando a um só tempo todos os elementos e suas relações. Busca
um feixe de acontecimentos, não uma origem – essa modificação não se dá de forma
maciça, mas a partir de fragmentos associados. “Não se deve mais procurar o ponto de
origem absoluta ou de revolução total, a partir do qual tudo se organiza, tudo se torna
possível e necessário, tudo se extingue para recomeçar” (FOUCAULT, 2008: 165). Uma
nova formação discursiva se conforma a partir de um emaranhado de fatos que
27
Cf. Foucault (2008: 170), ”tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe
de ser aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere, enfim sua verdade aberta, constitui a
própria lei de sua existência: é a partir dela que ele emerge; é ao mesmo tempo para traduzi-la e
supera-la que ele se opõe a falar; é para fugir dela, enquanto ela renasce sem cessar através
dele, que ele continua e recomeça indefinidamente, é por ela estar sempre aquém dele e por ele
jamais poder contorna-la inteiramente que ele muda, se metamorfoseia, escapa de si mesmo em
sua própria continuidade. A contradição funciona então, ao longo do discurso, como o princípio de
sua historicidade”.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
26
modificará uma série de conceitos, objetos, pensamentos, mas não é possível ignorar os
traços do seu passado, sua tradição.
A idéia de um corte que divide de uma só vez, e em um momento dado, todas as formações
discursivas, interrompendo-as com um único movimento e reconstituindo-as segundo as
mesmas regras, não poderia ser mantida. A contemporaneidade de várias transformações
não significa sua exata coincidência cronológica... (FOUCAULT, 2008: 196).
A história arqueológica fundamenta-se no estudo das relações entre fragmentos, a partir
do conceito de Episteme, que diz respeito às formas que nos permitem o acesso ao
conhecimento num dado momento histórico, ou seja, às condições discursivas que
constituem uma epistemologia. A configuração do conhecimento de uma Episteme é
baseada em concepções tão fundamentais, que são imperceptíveis para os envolvidos –
são códigos sócio-culturais que estão presentes em todas as nossas ações, intervenções
e realizações: técnicas, práticas, valores, linguagem, são ordens empíricas (FOUCAULT,
1985: 10). A episteme se relaciona aos processos de uma prática histórica, e se configura
no interior das práticas discursivas, “não é o que se pode saber em uma época, tendo em
conta insuficiências técnicas, hábitos mentais, ou limites colocados pela tradição; é aquilo
que na positividade das práticas discursivas, torna possível a existência das figuras
epistemológicas e das ciências” (FOUCAULT, 2008: 215). É, de certa forma, a idéia de
mundo presente nos homens de cada época, de modo inconsciente, que direciona suas
ações.
Suspeitamos talvez, que a episteme seja algo como uma visão do mundo, uma fatia de
história comum a todos os conhecimentos e que imporia a cada um as mesmas normas e
os mesmos postulados, um estágio geral da razão, uma certa estrutura de pensamento a
que não saberiam escapar os homens de uma época – grande legislação escrita,
definitivamente, por mão anônima. (...) A episteme não é uma forma de conhecimento ou
um tipo de racionalidade que, atravessando as ciências mais diversas, manifestaria a
unidade soberana de um sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das relações
que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas são
analisadas no nível das regularidades discursivas (FOUCAULT, 2008: 214).
A aplicação da abordagem da história arqueológica no presente trabalho é fundamental
por permitir que se analise a relação da idéia de encarceramento, suas instituições, sua
arquitetura e suas transformações, o surgimento de novos conceitos em diversos
períodos a partir de suas visões de mundo, conformando uma compreensão mais
aproximada e profunda do tema estudado. Para complementar a análise arqueológica,
será utilizado o conceito de Genealogia, que se fixa na relação entre os objetos de uma
mesma episteme e suas características particulares, explicitado a seguir. (FOUCAULT,
1979),
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
27
1. 2. 2. Genealogia do Saber
O conceito de genealogia se desenvolve a partir da interpretação dos conceitos de
Nietzsche e da valorização da dimensão da existência. Foucault passa a questionar como
as práticas sociais engendram certos domínios do saber, desmascarando a neutralidade.
“A razão? Mas ela nasceu de uma maneira inteiramente “desrazoável” – do acaso. A
dedicação à verdade e ao rigor dos métodos científicos? Da paixão dos cientistas, (...) da
necessidade de suprir a paixão – armas lentamente forjadas ao longo das lutas pessoais”
(FOUCAULT: 1979: 12). A partir de tais questionamentos, o autor parte do conceito de
arqueologia, propõe que os acontecimentos precisam de condições de existência para se
estabelecer e prossegue estudando o modo como as transformações ocorrem no interior
das epistemes, levando de uma a outra.
A abordagem genealógica, fundamentada no conceito de genealogia de Nietzsche,
baseia-se em três princípios: (1) Como se formaram as séries de discurso; (2) Qual foi a
norma específica de cada série; (3) Quais foram as suas condições de aparecimento, de
crescimento e variação. Esta abordagem é bastante associada às linhas de pensamento
pós-estruturalistas, fato que se torna claro em sua palestra A Ordem do Discurso (1970),
onde afirma que a verdade, o conhecimento e o saber, assim como a linguagem, a
escrita e o sistema jurídico são jogos de diferenças, onde prevalece o que pode ser
legitimado pela episteme. Contudo, não se propõe a estudar a Episteme, mas se fixa nas
suas relações e no seu jogo de diferenças.
Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a genealogia é
a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da
sujeição que emergem desta discursividade [é o] acoplamento do saber erudito e do saber
das pessoas, só foi possível e só se pôde tentar realizála à condição de que fosse
eliminada a tirania dos discursos englobantes com suas hierarquias e com os privilégios da
vanguarda teórica. [...] o acoplamento do conhecimento com as memórias locais, que
permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização deste saber nas táticas
atuais (FOUCAULT: 1979: 97).
O conceito de Genealogia parte da existência da gênese – um conjunto de objetos
associados por algum elemento ou característica comum – ou seja, se fundamenta na
reincidência dialética de um tipo ou modelo ao longo do tempo, que se dá através da sua
interpretação e aplicação - releitura adaptada a outras particularidades – um outro tempo,
local ou finalidade (Quadro 3). A investigação parte, portanto, da análise da gênese para
estabelecer possíveis pontos geradores da mutação do tipo dentro de um momento
histórico – semelhanças e particularidades que abrigam a idéia comum da mutação
relacionada à conjunção de acontecimentos de uma episteme. O estudo minucioso de
cada caso particular do tipo permite traçar os pontos comuns com a rede da qual fazem
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
28
parte e, a partir de suas peculiaridades, estabelecer pontos que se sobrepõem,
permitindo a identificação do traço geral da mutação. Os fatos históricos podem identificar
as condições de existência para o surgimento de novos elementos e, o estudo da
ocorrência, identificar a mudança que cada particularidade trouxe.
Quadro 3 – genealogia do saber
Ela [A genealogia] deve construir seus “monumentos ciclópicos” não a golpes de “grandes
erros benfazejos”, mas de “pequenas verdades inaparentes estabelecidas por um método
severo”. A genealogia não se opõe a história como a visão altiva e profunda do filósofo ao
olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico
das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa de “origem”
(FOUCAULT: 1979: 12).
A genealogia seria o estudo dos acontecimentos a partir de seu estabelecimento, sua
origem, mas não aquela associada ao termo Ursprung
28
. Isso porque entendendo o
processo com a lógica da rede o elemento original seria aquele puro, mas seu
estabelecimento, sua existência, forçosamente traria a sua transformação a partir da sua
relação com os outros elementos: “diante de tal aparição, deixa de haver o
distanciamento do juízo, creio que isso é da ordem do devir e da metamorfose. (...) que é
também uma perda da origem, também do fim” (BAUDRILLARD: 2003:18, 49). A
genealogia, portanto, pretende analisar os fatos em sua ocorrência – a partir de
acontecimentos associados que os fizeram emergir e as relações que se estabeleceram,
trazendo a interpretação do objeto original a partir do seu uso e sua “ressignificação”.
Desse modo a genealogia procura demorar-se nas meticulosidades e seus acasos, a fim
de desmascarar as verdades ocultadas na metafísica.
Se o genealogista tem o cuidado de escutar a história em vez de acreditar na metafísica, o
que ele aprende? Que atrás das coisas há “algo inteiramente diferente”: não seu segredo
essencial e sem data, mas o segredo que elas são em essência, ou que sua essência foi
construída peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas (FOUCAULT: 1979:
12).
Busca-se a partir dos fragmentos dispersos e singulares, revelar a relação que os associa
a uma rede comum. Procura-se, portanto a proveniência (Herkunft), ou seja, o que torna
algo ou alguém pertencente a um grupo, não por suas semelhanças, mas por pequenas
singularidades que se entrecruzam, uma tradição. O valor não está na verdade ou no
28
Ursprung, do alemão, origem. Alinha-se a idéia de essência, Zeitgeist, que seria uma identidade
primeira, livre de interferências externas, pura. (FOUCAULT: 1979: 12)
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
29
discurso estabelecido, mas na ação – sua interpretação e aplicação –, na forma como
esse conhecimento é exteriorizado, e nos acertos e falhas que levaram esse percurso a
se dar dessa maneira e o diferencia do que foi no passado, singularizando-o. Os desejos,
os desvios, as verdades que surgem e se apagam, esse conflito constante inscrito e
marcado em seu percurso imprevisto. “A genealogia, como análise de proveniência está,
portanto, no ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo
inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo” (FOUCAULT: 1979: 15).
Ou seja, deve mostrar de que forma as mudanças nas linhas de pensamento, a partir da
experiência, trazem ajustes ao elemento original – o modelo – e se mostram inscritas no
objeto.
É o descortinar do fato que a genealogia procura tratar, visto como um trecho de uma
série de acontecimentos contínuos, pois não há um fim, mas uma constante
transformação onde emergem acontecimentos derivados de relações entre os tantos
acontecimentos da série e suas diferenças. A emergência (Entestehung) surge de
situações específicas onde por algum motivo, fatos ou conhecimentos são abandonados
em decorrência do aprofundamento de e “ressignificação” de outros. São essas
“ressignificações” que provam o estabelecimento de um conhecimento e o seu valor, pois
a emergência se dá no interstício formado entre essas relações, esse não-lugar é o ponto
comum que as associa e que estabelece um discurso. “...então o devir da humanidade é
uma série de interpretações. E a genealogia deve a sua história [...] como emergências
de interpretações diferentes” (FOUCAULT: 1979: 17). Assim a proveniência designa a
marca e a qualidade do acontecimento, enquanto a emergência designa seu ponto
fundamental, a interseção que os une.
A história efetiva se distingue daquela dos historiadores pelo fato de que ela não se apóia
em nenhuma constância: nada no homem – nem mesmo seu corpo – é bastante fixo para
compreender outros homens e se reconhecer neles. (...) A história será “efetiva” na medida
em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser. (...) Ela aprofundará aquilo
sobre o que se gosta de fazê-la repousar e se obstinará contra sua pretensa continuidade
(FOUCAULT: 1979: 18).
A abordagem genealógica se associa fortemente à idéia de tipo apresentado a seguir e
se mostrou importante para o desenvolvimento desse trabalho por analisar os objetos a
partir de sua ocorrência, abordando-os na sua efetiva existência – permite assim que se
considere a experiência e suas implicações nos modelos e tipos arquitetônicos penais.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
30
1.3. Abordagem Tipológica na Arquitetura Contemporânea
Porém, por mais diferentes que essas soluções [pós-modernas] possam ser, elas possuem
uma coisa em comum – todas rejeitam a proibição modernista à imitação. Todas até certo
ponto, afrouxam a ligação que o pensamento historicista estabelece entre as formas
artísticas e o Zeitgeist (COLQUHOUN, 2004: 225).
Mais do que corpos teóricos o que encontramos são situações propostas que têm buscado
sua consistência nas condições particulares de cada acontecimento (SOLÁ-MORALES,
1993: 14).
29
A obra de arquitetura não pode ser considerada como um eixo único e isolado, singular e
“irrepetível”, uma vez que sabemos o quanto está condicionada pelo mundo que lhe rodeia
e por sua história. Sua vida se propaga e se faz presente em outras obras em virtude da
condição específica da arquitetura, ao implicar nesta uma cadeia de eixos solidários aos
quais descreve uma mesma estrutura formal (MONEO, 1984: 25).
30
A arquitetura pós-moderna apresenta, como linha comum, um desejo de ultrapassar a
teoria moderna, saindo do reducionismo para entrar na complexidade, opondo-se à
abstração formalista, aos princípios funcionalistas e à ruptura completa com a história.
Desenvolve-se de forma transdisciplinar a partir de enquadramentos ideológicos e da
importação de paradigmas de outras áreas do conhecimento – como a história,
fenomenologia, lingüística, filosofia, etc. O desenvolvimento da teoria crítica atesta que a
história não é absolutamente determinada para um fim, mas acredita que é a tradição que
cria a condição do significado da arquitetura. A valorização da tradição traz o interesse
pela essência da arquitetura e o estudo das linguagens históricas a partir da forma e sua
constituição tradicional, em contraposição à forma definida pela função.
A ênfase no estudo de formas históricas, da essência e do significado da arquitetura traz
grande importância à abordagem do tipo, bastante semelhante à abordagem
genealógica. A idéia de tipo pressupõe um grupo estabelecido de elementos, de alguma
forma associados, ou a idéia de gênese. “O conceito de tipo se baseia fundamentalmente
na possibilidade de agrupar os objetos servindo-se daquelas similitudes estruturais que
lhes são inerentes, poderia dizer-se inclusive, que o tipo permite pensar em grupos”
29
Tradução livre da autora (Más que cuerpos teóricos lo que encontramos son situaciones
propuestas de hecho que han buscado su consistencia en las condiciones particulares de cada
acontecimiento).
30
Tradução livre da autora (La obra de arquitectura no puede ser considerada como um hecho
único y aislado, singular e irrepetible, uma vez que sabemos cuanto está condicionada por el
mundo que lê rodea y por sua história. Su vida se propaga y se hace presente em otras obras em
virtud de la especifica conditión de la arquitectura, al implicar esta uma cadena de hechos
solidários a los cuales describe uma misma estructura formal).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
31
(MONEO, 1984: 15).
31
Desse modo, o conceito de tipo se baseia no elemento típico,
mais generalista, que funciona como uma base de criação que irá se caracterizar e
apresentar sua identidade – aquilo que o diferencia dos demais elementos de sua gênese
– a partir de seus elementos particulares adaptados à sua realidade. “O conceito de
vagueza ou genericidade do tipo que, portanto, não pode influir diretamente sobre a
invenção e a qualidade estética das formas, explica também a gênese, o modo de
formação do tipo” (ARGAN, 2004: 66).
Essa abordagem, ao contrário da abordagem funcionalista do modelo – que adota a
repetição – busca, através da existência dos modelos anteriormente adotados,
estabelecer seu traço comum a partir dos rastros deixados ao longo do tempo que
permanecem ainda presentes, apesar de suas peculiaridades. “A história da arquitetura
do passado tende a ser analisada como um produto do passado em que se ressaltam
suas inovações e diferenças com respeito à arquitetura do presente” (SOLÁ-MORALES:
1985 In NESBITT: 2006: 254). Entende-se que somos constituídos a partir da nossa
experiência do passado, mas agregamos a ela nossos conhecimentos do presente, lhe
dando novo sentido e direção que irão formar as bases e condições de mudanças
futuras. “... é o conhecimento do passado que constitui o termo de comparação e medida
para o futuro” (ROSSI, 1998: 37). Entendemos que nada é natural ou provém do nada,
como já afirmava Quincy:
... em tudo é necessário um antecedente; nada em nenhum gênero, vem de nada, e isso
não pode deixar de se aplicar a todas as invenções do homem (...) é como uma espécie de
núcleo em torno do qual se aglomeram e se coordenaram em seguida os desdobramentos e
as variações de forma que o objeto era suscetível. (QUINCY, 1832 apud ROSSI, 1998: 26)
Os significados culturais de um período se inter-relacionam, e o significado de qualquer
palavra ou qualquer forma artística singular, depende da exisncia de todas as outras. (...)
a história está presente não somente como um processo em que uma fase anula a fase
anterior, mas também como uma série de rastros que sobrevivem em modos atuais de se
ver o mundo. (COLQUHOUN, 2004: 233)
A abordagem tipológica, então, se dá a partir do entendimento que, passado e presente
fazem parte de um mesmo ciclo de transformação, onde seus elementos se relacionam
continuamente, não estão dissociados nem tampouco se invalidam, mas ao contrário
estão profundamente associados. “... a arquitetura ao contrastar estruturas antigas e
novas, descobre o fundo e a forma em que o passado e o presente se reconhecem
reciprocamente” (SOLÁ-MORALES, 1985 In NESBITT, 2006: 257). Uma nova
31
Tradução livre da autora (El concepto de tipo se basa fundamentalmente em la possibilidad de
agrupar los objectos sirviéndose de aquellas similitudes estructurales que les son inherentes,
podria dicirse incluso, que el tipo permite pensar em grupos).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
32
interpretação gera novo significado a partir da sua aplicação às antigas formas, de modo
que cada novo objeto arquitetônico está associado à sua história e seus rastros, assim
como à sua realidade presente e local, são variações interligadas. “Também por isso
todas as grandes arquiteturas se repropõem à arquitetura da antiguidade, como se a
relação fosse fixada para sempre; mas cada vez se repropõe com uma individualidade
diferente” (ROSSI, 1998: 152). A idéia do tipo é, portanto, particular, local e temporal, não
pode ser aplicada ou instituída em uma realidade diversa. “... o tipo, entendido como
estrutura formal, está, pelo contrário, ligado intimamente com a realidade, com uma
amplíssima gama de interesses que vão da atividade social à construção” (MONEO,
1984: 16).
32
Segundo Argan (2004), “... o tipo é sempre deduzido da experiência da história” (ARGAN,
2004: 68). O estabelecimento do tipo depende, portanto, da permanência de caracteres
comuns a todos os elementos da série do qual pertencem, sendo parte de um sistema.
Como na genealogia, a abordagem se fixa na aplicação e interpretação de um modelo,
“ressignificando-o” (Quadro 4). A abordagem tipológica se estabelece a partir de um
processo de analogia formal, ou seja, formas reconhecidas através da tradição
apresentando pequenas variações particulares e contextuais pertinentes às exigências do
seu tempo, seu local, enfim, de sua particularidade. “... quando um tipo se fixa na prática
ou na teoria arquitetônicas, ele já existe numa determinada condição histórica da cultura,
como resposta a um conjunto de exigências ideológicas, religiosas ou práticas” (ARGAN,
2004: 66). Desse modo, o estabelecimento do tipo pressupõe que existam condições
sócio-culturais para tal, da mesma forma, reafirma a dissociação entre forma e função, já
que permite diferenciadas leituras associadas a questões de natureza diferente da sua
forma original.
Quadro 4 – modelo e tipo
Formas tradicionais, esvaziadas
do seu valor formal, se relaciona
com a experiência e não com a
função
Ele [o tipo] resulta da experiência de formas realizadas como formas artísticas, mas as
apresenta esvaziadas daquilo que é seu específico valor formal ou artístico: mais
precisamente, priva-as de seu caráter e de sua qualidade de forma e as reporta ao valor
indefinido de uma imagem ou de um signo (ARGAN: 2004: 66).
32
Tradução livre da autora (... el tipo, entendido como estructura forma, está, por el contrario,
ligado intimamente com la realidad, com uma amplíssima gama de intereses que van de la
atividad social a la construcción).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
33
Segundo Colquhoun (2004) as formas se relacionam aos usos e às tarefas realizadas
nos lugares abrigados pela arquitetura. Por isso, independem de um único momento
histórico. Não é possível isolá-lo completamente, uma vez que ele depende de todos os
outros, de uma conjunção de fatos. “... é exatamente por meio da persistência das formas
anteriores que o sistema pode comunicar significado. Essas formas, ou tipos, interagem
com as tarefas apresentadas à arquitetura, em qualquer época da história, formando todo
o sistema” (COLQUHOUN: 2004: 234). Segundo Rossi (1998: 25), “O tipo vai se
constituindo, pois, de acordo com as necessidades e com as aspirações de beleza: único
mas, variadíssimo em sociedades diferentes, ele está ligado à forma e ao modo de vida”.
Por mais que queira reproduzir o modelo original, as condições locais e temporais vão
sempre lhe dar um direcionamento diferente, um novo modo de ver e intervir:
... nenhum tipo se identifica com uma forma, mesmo sendo todas as formas arquitetônicas
redutíveis a tipos. (...) O tipo é, pois, constante e se apresenta com características de
necessidade; mas, mesmo determinadas, elas reagem com a técnica, com as funções, com
o estilo, com o caráter coletivo e o momento individual do fato arquitetônico (ROSSI, 1998:
27).
O estabelecimento de um tipo arquitetônico está intimamente associado ao modo de
viver: “... a estabilidade de uma sociedade – estabilidade que se reflete tanto nas
atividades, como nas técnicas e nas imagens – é, em ultimo caso, a responsável da
persistência da imagem no espelho da arquitetura” (MONEO, 1984: 16).
33
Segundo
Corona Martinez (2000:112), as transformações no tipo dependem de: (1) adaptações
dimensões, orientações no lote, etc; (2) variações – mudanças no modo de vida; (3) a
relação entre a variação e o ato de projetar. Desse modo, a aplicação da abordagem
tipológica pressupõe a existência de um modelo e propõe a sua interpretação. É,
portanto, uma crítica, como também uma intervenção fundamentada na experiência,
permitindo a liberdade da interpretação a partir da percepção de cada um e sua
adaptação de acordo com a pertinência de cada caso. “Se é assim, e os tipos refletem
modos de vida próprios de uma sociedade, os tipos arquitetônicos pertencem de pleno
direito à área da satisfação do usuário, à dimensão sincrônica do presente” (CORONA
MARTINEZ, 2000: 110).
A idéia de tipo está associada a uma visão holística, característica da cultura
contemporânea, em contrapartida à visão de modelo associada a uma visão mecanicista,
a idéia de um tipo ideal que funciona como uma referencia.
““Tipo” é a idéia genérica,
33
Tradução livre da autora: (la estabilidad de uma sociedad – estabilidad que se refleja tanto en
las actividades como en las técnicas y en las imágenes – es, em último término, la responsable de
la persistência de la imagen em el espejo de la arquitectura).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
34
platônica, arquetípica, é a forma básica comum da arquitetura; “modelo” é aquilo que é
possível ir repetindo tal qual, como um carimbo que possui uma série de caracteres
recorrentes” (MONTANER, 2001b: 110). Enquanto o tipo se estabelece de forma
analógica e inconsciente – a partir de questões subjetivas como a experiência e a
memória individual e coletiva – o modelo se estabelece por meio da mimese e do
pensamento racional, associado a um ideal distante da realidade, uma situação utópica e
intemporal. É estático, deve ser eterno. Um tipo tem, como referência, um outro tipo que
é transformado, modificado, até mesmo destruído, dando origem a um outro; o modelo
tem, como norma, o ideal.
A palavra tipo não representa tanto a imagem de uma coisa a ser copiada ou imitada
perfeitamente quanto a idéia de um elemento que deve, ele mesmo, servir de regra ao
modelo (...) o modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que deve
se repetir tal como é; o tipo é, pelo contrário, um objeto, segundo o qual cada um pode
conceber obras que não se assemelhe entre si. Tudo é preciso e dado no modelo; tudo é
mais ou menos vago no “tipo” (QUINCY 1832 apud ROSSI, 1998: 25).
O tipo, que encontrava sua razão de ser na história, na natureza e no uso, não devia,
portanto, ser confundido com o modelo, a repetição mecânica de um objeto. O tipo
manifestava a permanência no objeto, simples e único, daquelas características que o
conectavam com o passado, dando razão assim de uma identidade cunhada anos atrás,
mas sempre presente na imediatez do objeto (MONEO, 1984: 17).
34
Este enfoque teórico, adotado com base no conceito de tipo, se faz necessário por
permitir a comparação entre projetos de diferentes programas – ou funções – e
momentos históricos, possibilitando identificar as transformações sofridas através do
tempo e as adaptações – interpretações. A articulação das análises do mesmo tipo
possibilitam a identificação de suas semelhanças, assim como as diferenças que dão o
caráter de cada obra e sua identificação como tal.
Tal atitude ante a tipologia propõe uma nova dimensão histórica da obra de arquitetura que
ajuda a situá-la no terreno público não como objeto autônomo, mas como elementos criados
no processo de desenvolvimento no tempo da história. Segundo palavras de George Kubler:
“a história é demasiado imprecisa e breve para poder ser considerada simplesmente como
uma sucessão temporal, estruturada mediante períodos de idêntica consistência” (MONEO,
1984: 23).
35
34
Tradução livre da autora: (El tipo, que encontraba su razón de ser em la história, la naturaleza y
el uso, no debia, por tanto, ser confundido com el modelo, la repetición mecânica de um objecto.
El tipo manifestaba la permanência em el objecto, simple y único, de aquellas características que
lo conectaban com el pasado, dando razón así de uma identidad açuñada años atrás, pero
siempre presente em imediatez del objecto).
35
Tradução livre da autora (Uma tal actitud ante la tipologia propone uma nueva dimensión
histórica de la obra de arquitectura que ayuda a situarla en el terreno de lo público no como um
objecto autônomo, sino como elementos creados en el processo de desarrollo en el tiempo de la
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
35
O conceito de tipo pressupõe uma interpretação a partir de uma releitura do objeto
arquitetônico, que pode ser derivada de: (1) uma visão temporal do contexto; (2) uma
mudança – intencional ou não – do caráter de uso de uma determinada área urbana; (3)
de possibilidades econômicas; (4) da visão corporativa – governamental ou privada; ou
(5) decorrente da interação pessoa–ambiente, ou seja, da experiência prática e da
vivência no lugar, que será abordada nesse trabalho junto ao contexto. Isso porque a
adaptação do espaço tem como finalidade melhor atender aos propósitos da atividade
humana no lugar, processo que se dá através da cognição, da constatação dos
problemas e acertos de ordem prática que surgem do próprio uso do espaço em
determinada situação e contexto. Para um melhor entendimento da relação pessoa-
ambiente no espaço penal e do processo cognitivo derivado dessa relação será utilizada
a Abordagem Experiencial, apresentada a seguir.
1.4. Abordagem Experiencial: transformando a atitude de conhecer
O sujeito, que a ciência moderna lançara na diáspora do conhecimento irracional, regressa
investido da tarefa de fazer erguer sobre si uma nova ordem científica (SANTOS, 1996: 43).
Somos igualmente atores e espectadores das transformações que possibilitam novas
modalidades de relações entre nós próprios e o mundo, de modo que qualquer relato será
sempre duplamente parcial: singular, uma vez que o que podemos compreender depende
de nossa situação, sempre local, no mundo, e não definitivo, por dizer respeito a um
acontecimento da nossa contemporaneidade (PEDRO, 1996: 96).
No discurso moderno o espaço é visto como algo genérico, abstrato, meramente
constituído por uma relação funcional, matemática e quantitativa entre suas partes e
elementos resultando em uma arquitetura autônoma, ideal, dissociada de qualquer
sensibilidade – em relação ao contexto ou aos seus usuários (MONTANER, 2001: 31). A
idéia de mundo como um sistema ecológico, por sua vez, passa a tratar o espaço físico
como um lugar a partir de uma visão fenomenológica
36
, ou seja, da indissociabilidade
entre homem e ambiente. O conceito de lugar, ao contrário do conceito de espaço,
considera a experiência humana, tornando o espaço um lugar de vivências, sensações,
de caráter único, particular e qualitativo (Quadro 5). “... o lugar é definido por
substantivos, pelas qualidades das coisas e dos elementos, pelos valores simbólicos e
históricos; é ambiental e está relacionado fenomenologicamente com o corpo humano”
história. Pues según palabras de George Kubler “la história es demasiado imprecisa y breve para
poder ser considerada simplesmente como una sucessión temporal, estructurada mediante
períodos de identica consistancia”).
36
Na abordagem de Merleau-Ponty (2001), Heidegger (1954) e Husserl (1984)
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
36
(MONTANER, 2001: 32). Lefebvre (1991) fala da arquitetura como algo que é produzido
e reproduzido a partir da interação dos indivíduos e da interpretação que cada um dá ao
espaço a partir de sua experiência no lugar e sua história de vida.
A arquitetura produz corpos vivos, cada um com atributos distintos. O fundamento ativo de
um tal corpo, sua presença, não é visível nem legível como tal, nem é objeto de qualquer
discurso, pois reproduz a si mesma dentro daqueles que usam o espaço em questão, dentro
de suas experiências vividas. (LEFEBVRE, 1991: 300)
Segundo Tuan (1983), o espaço só é concreto ou real quando interagimos com ele, pois
a realidade se constitui a partir das nossas experiências – pensamento e sentimento. “O
que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o
conhecemos melhor e o dotamos de valor. (...) O espaço transforma-se em lugar à
medida que adquire definição e significado” (TUAN, 1983: 06; 151). O significado ou
interpretação que damos ao espaço ao idealizá-lo ou experienciá-lo varia com tempo, a
cultura e a nossa própria experiência de vida, memórias, imaginação, que vão, de certo
modo, direcionar as nossas sensações no lugar atribuindo-lhe conotações qualitativas.
Considerando a arquitetura como um lugar de existência da pessoa, suas propriedades e
fenômenos se criam exatamente da presença da pessoa e sua vivência no lugar – a
pessoa é o sujeito da experiência.
A Abordagem Experiencial, desenvolvida pelos pesquisadores do ProLUGAR, baseia-se
na abordagem atuacionista proposta por Varela, Thompson e Rosch (2003) e no
pressuposto de que “não é possível ter acesso a uma realidade independente do
observador, pois ela não é algo pré-determinado, estático e imutável, mas o resultado de
uma explicação que não é independente do observador” (RHEINGANTZ et al, no prelo:
10). Desse modo, compreende a relação pessoa-ambiente como uma interação que se
dá de forma biunívoca num processo constante. “... caracteriza a experiência do homem
no lugar, ou o modo como a um só tempo cada lugar influencia a ação humana; como a
presença humana dá sentido e significado a cada lugar” (RHEINGANTZ et al, no prelo:
10). O lugar não existe sem o ser humano, assim como o ser humano não pode existir
dissociado de um lugar – suas ações estão impregnadas pela sua experiência no lugar e
o lugar constituído a partir de suas necessidades e aspirações, derivadas da sua
experiência de vida.
Essa abordagem pressupõe uma visão ecológica de um mundo onde pessoa e ambiente,
observador e objeto observado, são inseparáveis (RHEINGANTZ, 2004), em
contraposição a visão behaviorista: “Os behavioristas ignoram largamente a interação
mútua e a interdependência entre um organismo vivo e seu meio ambiente natural, o qual
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
37
também é, ele próprio, um organismo” (CAPRA, 2006: 167). A compreensão que os
cientistas têm a respeito do mundo não é necessariamente como ele é, mas sim como
cada indivíduo o percebe, razão pela qual atualmente sugere-se o conceito de
interpretação em substituição ao de representação. "O que observamos não é a natureza
em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento" (HEISENBERG,
1959: 42)
37
. Desse modo, recupera-se o senso comum, pois, assim como, sujeito e
mundo estão continuamente modificando-se e influenciando-se, o entendimento do
mundo pela cognição está continuamente se fazendo, constituindo configurações
provisórias, mais do que verdades definitivas (PEDRO: 1996).
... a cognição não é a representação de um mundo que existe de maneira independente,
mas, em vez disso, é uma contínua atividade de criar um mundo por meio do processo de
viver. As interações de um sistema vivo com seu meio ambiente são interações cognitivas, e
o próprio processo da vida é um processo de cognição (CAPRA, 1996: 197).
O aprendizado da vida deve dar consciência de que a “verdadeira vida”, para usar a
expressão de Rimbaud, não está tanto nas necessidades utilitárias – às quais ninguém
consegue escapar –, mas na plenitude de si e na qualidade poética da existência, porque
viver exige, de cada um, lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e, mais amplamente, a
mobilização de todas as aptidões humanas (MORIN, 2003: 54).
Segundo Maturana e Varela (1995), pessoa e meio são partes de um mesmo processo
vital – idéia da autopoiese – a partir da circularidade de sua interação. A pessoa constitui
seu próprio mundo na sua prática de viver, de modo que age a partir da forma como
percebe o mundo e percebe o mundo a partir de suas ações, ou seja, sua experiência e
história. Varela et al (2003: 210) propõem que cognição é atuação: “uma história de
acoplamento estrutural que produz um mundo”, ou seja, o ser humano não se transforma
para se adaptar ao meio mas, simplesmente, abandona situações que não se adéquam,
em face de outras mais satisfatórias ao entrelaçamento entre homem e meio. “... o mundo
e a pessoa que o percebe, especificam-se mutuamente” (VARELA et al, 2003: 176). Pode
ser vista, portanto, como uma deriva natural e não uma evolução (VARELA et al, 2003:
201).
Como toda ação humana se dá nesse entrelaçamento, toda ação é ação incorporada: (1)
pelas emoções e sentimentos da pessoa; (2) pelo contexto biológico, psicológico e
cultural – local, história, experiência – indissociáveis do ser humano (VARELA et al: 2003:
177; RHEINGANTZ et al, no prelo: 13). Desse modo, pode-se dizer que o processo
cognitivo funciona como um elo que associa pessoa – dotada de emoções e sentimentos
–, lugar – vivenciado pelo homem – e situação/ocasião – tempo, momento da experiência
37
Tradução livre da autora (lo que observamos no es la naturaleza en sí misma, sino la
naturaleza presentada a nuestro método de investigación).
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
38
do homem no lugar (Quadro 5): “O mundo se efetiva na conexão e na articulação dos
acontecimentos e ocorrências temporal e espacialmente simultâneas, bem como, nas
possibilidades ativadas em cada situação vivenciada” (ALCANTARA, 2008: 19). Isso
porque nem a pessoa, nem o tempo ou o lugar são permanentemente os mesmos, estão
em contínuo processo de transformação a partir da interação e experiência mútua.
Cheguei à conclusão que seja o que for que espaço e tempo signifiquem, lugar e ocasião
significam mais; pois espaço, na visão do homem, é lugar, e tempo, na visão do homem, é
ocasião. Mantidos fora do mecanismo esquizofrênico do pensamento determinista, tempo e
espaço permanecem como abstrações congeladas. (VAN EYCK, 1961: 238 apud FORTY,
2000: 271)
Quadro 5 – Processo Cognitivo
A cognição e o ato de conhecer são, portanto, ações incorporadas, conscientes da
experiência de vida do observador – seu background – que guia suas interpretações,
emoções, sensações e sua interação com um determinado lugar ou ambiente. “O
observador acontece no observar e, quando morre o ser humano que o observador é, o
observador e o observar chegam ao fim”. (MATURANA: 2001: 126) O observador “não
pode produzir explicações ou afirmações que revelem ou conotem nada
independentemente das operações através das quais ele ou ela gera suas explicações e
afirmações” (MATURANA: 2001: 127). Todas as ações operadas pelo ser humano fazem
parte da dinâmica de estados do organismo, sendo fenômenos semelhantes, mas que se
estabelecem a partir de diferentes relações, fazendo surgir as distinções do observador.
Por isso, “Se queremos compreender qualquer atividade humana, devemos atentar para
a emoção
38
que define o domínio de ações no qual aquela atividade acontece e, no
38
Cabe ressaltar a diferente conotação usada pelo autor entre emoção e sentimento, também
compartilhada por Damásio (1996: 145), ressaltada por Rosa Pedro (1996: 130) e Denise
Alcabtara (2008: 16). Para os autores, a emoção se dá como alterações no corpo, reações que
podem se dar de forma mecânica, como relações de causa e efeito no processo biológico. Já o
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
39
processo, aprender a ver quais ações são desejadas naquela emoção” (MATURANA:
2001: 130).
De acordo com Varela, Thompson e Rosch (2003), a ciência é uma explicação da
experiência humana no mundo, e não de uma realidade independente do homem. Na
mesma linha de raciocínio, Maturana (2001: 128) observa que “pensar é agir no domínio
do pensar, andar é agir no domínio do andar (...), e explicar cientificamente é agir no
domínio do explicar científico” (MATURANA: 2001: 128). Em outras palavras, a ciência
passa a ser constituída a partir de ações humanas como conhecer, observar, explicar –
ações incorporadas – e se origina de questões particulares, curiosidades, paixões do
pesquisador . Estas questões particulares se desenvolvem em função direta da
perspectiva do pesquisador, associadas à sua experiência. Em função de sua experiência
e de seus interesses, diferentes pesquisadores, mesmo aplicando os mesmos
procedimentos em uma determinada experiência ou situação, tendem a ter diferentes
interpretações e explicações de suas experiências sejam elas meramente vivenciais ou
científicas. Conforme Maturana, (2001: 134), “há tantos tipos diferentes de explicação
quantos diferentes critérios usarmos (...) para aceitar os diferentes tipos de reformulação
(...) como explicações”.
A atenção e a incorporação das emoções, sensações e estímulos produzidos durante a
observação, bem como a indissociabilidade entre pessoa e ambiente são as principais
contribuições da abordagem experiencial ao estudo das relações pessoa-ambiente. Com
base no pressuposto de Latour (2001: 338) – “não existe um mundo lá fora, não porque
inexista um mundo, mas porque não há uma mente lá dentro” – e no entendimento de
que os comportamentos e as ações observados não se resumem a uma relação de
causa e efeito, a abordagem experiencial busca compreender as razões que justificam os
comportamentos observados, inclusive as emoções embutidas nestas ações. A
abordagem experiencial se ocupa “do modo como o observador pode orientar suas ações
na sua situação local, admitindo-se que essas situações locais mudam constantemente
em função da atividade do observador” (RHEINGANTZ, 2004: 07). Desse modo, a
abordagem experiencial pode vir a contribuir para superar o distanciamento da tradição
behaviorista nas relações pessoa-ambiente, e busca compreender as razões e
motivações dos comportamentos dos seres humanos em sua interação com o ambiente
(RHEINGANTZ et al, no prelo).
sentimento, combina a reação emocional ao afeto da pessoa e os motivos pelos quais certas
sensações emergiram dessa experiência, como memórias de outras experiências. Como exemplo,
podemos citar a tensão causada ao entrar no espaço penal: a tensão é a reação do organismo
causada pela lembrança de episódios agressivos que envolvem esse ambiente, pelo sentimento
de medo.
Fundamentos Teóricos – Capítulo 1
40
Segundo Thompson (1999, 2001), o indivíduo se constitui a partir de sua interação com o
mundo, suas coisas e com as outras pessoas. “No caso humano, o corpo vivo precisa
completar a si mesmo não só nas coisas do mundo, mas em outros seres humanos”
(THOMPSON, 1999: 09)
39
. Em outras palavras, a consciência do observador não está em
sua mente, mas é inerente ao corpo e às suas relações interpessoais – empatia
cognitiva. “A empatia, como a percepção, é uma forma de experiência direta: da mesma
forma que o senso de percepção nos mostra as coisas do mundo em si, e não a
representação das coisas, a empatia nos mostra a experiência do outro, e não a
representação dela” (THOMPSON, 1999: 12).
40
Na mesma linha de raciocínio, Alcantara
(2008: 46) sugere que “Ao interagir empaticamente com os outros sujeitos à sua volta, a
atuação passa a ser um sistema único de elementos autônomos ligados
intrinsecamente”.
A abordagem experiencial da relação pessoa-ambiente, adotada na presente pesquisa,
permite que se identifiquem os atributos qualitativos e as associações entre a
conformação espacial do lugar/ambiente e as experiências dos indivíduos, possibilitando
intervenções e projetos novos que, de fato, sejam pertinentes em relação aos desejos de
seus usuários e ao contexto/programa estudado. A experiência do pesquisador no lugar
traz informações mais significativas do que a interpretação distanciada ou a
representação, por permitir àquele uma interação com o ambiente e a constatação de
suas próprias sensações no lugar. A empatia cognitiva permite proximidade com os
usuários na aplicação dos métodos de pesquisa e sua observação atenta, fatores
fundamentais para o profundo entendimento do contexto estudado – que foge à realidade
do pesquisador. Essa abordagem é fundamental para o desenvolvimento da pesquisa
por proporcionar ao pesquisador a vivência no ambiente penal e uma profunda
apreensão de sua rotina e realidade através da experiência compartilhada de
funcionários e presos no lugar. Apresentados os fundamentos teóricos da pesquisa, será
explicitada a sua forma de aplicação no Capítulo 2 – Materiais e Métodos, a seguir.
39
Tradução livre da autora (In the human case, the lived body must complete itself not simply in
things or the world, but in other human beings.)
40
Tradução livre da autora (Nonetheless, empathy, like perception, is a form of direct experience:
just as sense perception gives us the worldly thing itself, not a representation of the thing, so
empathy gives us the experience of another, not a representation of it).
2
CAPÍTULO
Materiais e Métodos
Materiais e Métodos – Capítulo 2
42
2. MATERIAIS E MÉTODOS
A ciência do paradigma emergente (...) é também assumidamente tradutora, ou seja,
incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem para outros
lugares cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora do seu contexto de origem. É um
conhecimento sobre as condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a
partir de um espaço-tempo local. Um conhecimento desse tipo, é um conhecimento
imetódico, constitui-se a partir da pluralidade metodológica. Cada método é uma linguagem
e a realidade responde na língua em que é perguntada. (SANTOS, 1996: 48)
Este capítulo descreve como os objetivos pretendidos neste trabalho serão alcançados.
Assim, são apresentados os materiais, métodos e instrumentos utilizados ao longo da
pesquisa, justificando sua escolha e forma de aplicação de acordo com as finalidades das
etapas referidas. Considerando o caráter transdisciplinar do trabalho, que não se limita ao
campo da arquitetura, mas o influencia, estão previstos métodos de diferentes naturezas,
com relevante destaque para aqueles que utilizam pesquisa bibliográfica, elemento
fundamental na elaboração das análises apresentadas nos Capítulos 3, 4 e 5. Por esta
razão, diferentemente de um tradicional elenco de métodos “práticos” de pesquisa, no
presente trabalho, grande parte da investigação ocorreu por meio deste procedimento de
cunho teórico. Este processo foi importante, não só porque permitiu a obtenção de novas
informações propriamente ditas, mas também porque contribuiu para a formulação de
raciocínios elaborados a partir da sua análise em conjunto.
Cabe ressaltar a principal questão (problema) que esta pesquisa pretende responder: De
que forma a arquitetura pode contribuir na concepção do espaço penitenciário
possibilitando a melhoria da aplicação do atual sistema penal brasileiro? A partir
desse questionamento, configurou-se o principal objetivo da pesquisa: determinar de
que forma a arquitetura e a concepção do espaço penitenciário podem contribuir
na resolução dos problemas atuais das edificações penais, enfatizando o caso do
Rio de Janeiro.
A pesquisa é fundamentada em abordagens derivadas do pensamento contemporâneo,
focando principalmente as áreas de conhecimento da história, arquitetura e cognição,
segundo as bases teóricas apresentadas no capítulo anterior a partir da aplicação dos
materiais e métodos apresentados no quadro 7:
Materiais e Métodos – Capítulo 2
43
Quadro 6 – Materiais e métodos
Desdobramentos aplicados
à ciência do saber
Principais
Bases Teóricas
Materiais e
Métodos
Arqueologia do
Saber
Foucault (2008)
Pesquisa
bibliográfica com
foco nas questões
que permeiam a
percepção do
crime, as formas
de punição, suas
transformações e
o rebatimento na
concepção do
espaço penal
História
Crítica
Genealogia do
Saber
Foucault (1979)
Arquitetura
Tipologia
Arquitetônica
Argan (2004),
Rossi (1998),
Moneo (1984),
Montaner (2001),
Colquhoun
(2004)
Pesquisa
bibliográfica com
foco em projetos
de edificações
penais e sua
relação com
outros programas
Construção do
Pensamento
Contemporâneo
Cognição
Abordagem
Experiencial
Maturana (2001),
Varela,
Thompson e
Rosch (2003),
Rheingantz,
Alcântara,
Brasileiro,
Azevedo e Araujo
(no prelo)
Entrevistas com
base no conceito
de empatia;
observação
incorporada
Cabe ressaltar que esta é uma pesquisa de cunho bibliográfico que se utiliza de
procedimentos práticos – entrevistas e visitas de campo – somente para alguns pontos
do seu desenvolvimento. Apresentada a estrutura que fundamenta a pesquisa, serão
especificados os materiais e métodos aplicados à pesquisa nos itens seguintes.
Materiais e Métodos – Capítulo 2
44
2.1. Aplicação do Conceito de Arqueologia do Saber
Conforme demonstrado no Capítulo 1, Fundamentos Teóricos, o conceito de Arqueologia
do Saber (FOUCAULT: 1985) busca investigar, a partir de fatos históricos, a origem do
surgimento de discursos e saberes, que aqui é aplicado ao surgimento dos modelos da
arquitetura penal. O conceito fundamenta-se na periodização e busca identificar, nesta
pesquisa, que fatos permitiram o surgimento da prisão a partir da visão de mundo de
cada período. Desse modo, identificam-se os acontecimentos e condições discursivas
que constituíram epistemologias criando a possibilidade do espaço penal se estabelecer
e se transformar, alterando o seu caráter ao longo do tempo.
Esse conceito se relaciona ao objetivo (3) Relacionar a concepção do ambiente penal
com diferentes visões de mundo – como as transformações na percepção de mundo e do
crime vêm modificando a forma de punir e configurando o espaço penal. Aplica-se ao
Capítulo 3: Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal e ao Capítulo 5: Evolução da
Arquitetura Penal no Brasil. Compreende-se, assim, de que forma os vestígios dessa
percepção do mundo, seus valores e a percepção da própria instituição penal estão
materializadas no espaço físico e na forma de conceber o projeto de arquitetura.
Desse modo, a utilização de pesquisa bibliográfica e documentos sobre fatos históricos,
sociais, filosóficos, culturais, criminalistas, jurídicos e tecnológicos de cada período é
adotada para que a partir do entendimento de cada uma das realidades abordadas,
sejam analisados os modelos penais – levantados através de pesquisa bibliográfica e na
internet – originados nos devidos períodos, relacionando-os às respectivas visões de
mundo. Assim, os projetos são analisados a partir da visão de mundo em que foram
concebidos, de acordo com os valores e pensamentos nela presentes, a fim de melhor
compreender o papel da prisão e suas transformações ao longo do tempo.
A partir do levantamento de informações e cruzamento dos dados obtidos, torna-se
possível identificar de que forma a concepção penal vem materializando a visão da
instituição e contribuindo para a aplicação e o cumprimento da pena, dentro de suas
finalidades em cada período. Compreendendo o mundo e suas transformações como um
ciclo único de interação que engloba todas as coisas que se encontram em constante
transformação, cada um de seus elementos se torna resultante de todas as gerações.
Desse modo, o papel da prisão hoje, a configuração do seu espaço e a sua participação
na aplicação do pensamento penal se relacionam à sua história e ao seu papel dentro de
cada realidade, configurando o Capítulo 3 e 5.
Materiais e Métodos – Capítulo 2
45
2.2. Aplicação do Conceito de Genealogia do Saber
Conforme demonstrado no Capítulo 1, Fundamentos Teóricos, o conceito de Genealogia
do Saber (FOUCAULT, 1979) parte da existência da gênese, ou seja, a reincidência
dialética de um tipo ao longo do tempo, que aqui se aplica à arquitetura penal, e se dá
através da sua interpretação e aplicação - releitura adaptada a outras particularidades.
Desse modo, são analisados os tipos penais em sua ocorrência, identificando sua origem
– muitas vezes associada a outros programas de arquitetura – e compreende-se como se
deu a sua apropriação, ou seja, que elementos foram adaptados para o seu programa
específico, tornando-o identificável como tal.
Esse conceito se relaciona ao objetivo (4) Relacionar as tipologias arquitetônicas com a
concepção do ambiente penal – de que forma o espaço penal adapta as tipologias
existentes para a finalidade penal e aplica-se ao Capítulo 4 Arquitetura Penal: Tipologias
e Modelos. Compreende-se assim, de que forma a arquitetura penal vem se apropriando
e dando o seu caráter às tipologias, às linguagens e às teorias da arquitetura presentes a
partir das diferentes realidades e visões de mundo apresentadas no Capítulo 3.
Assim, a utilização de pesquisa bibliográfica sobre as teorias, pensamentos e linguagens
da arquitetura, relacionada às realidades de cada período, é direcionada para que se
obtenha o entendimento do pensamento arquitetônico de cada período e, a partir de
então, analisar a ocorrência dos modelos penais – levantados através de pesquisa
bibliográfica e na internet – ao longo dos períodos estudados. Assim, os projetos são
analisados a partir das linhas de pensamento arquitetônico de cada período, a fim de
melhor compreender as especificidades da arquitetura penal e seus elementos, bem
como, suas transformações ao longo do tempo, sempre relacionadas à respectiva visão
de mundo.
A partir desse levantamento de informações, imagens de projetos e cruzamento dos
dados obtidos, é possível identificar de que forma a arquitetura penal vem refletindo o
pensamento arquitetônico de cada período, direcionando-o para as suas finalidades
específicas. Desse modo, identifica-se o papel da configuração do espaço penal na
aplicação da pena e a sua contribuição dentro do pensamento arquitetônico de cada
período, que se apresenta no Capítulo 4.
Materiais e Métodos – Capítulo 2
46
2.3. Entrevistas
... todo conhecimento é auto-conhecimento. A ciência nada descobre, cria, e o ato criativo
protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto tem de se
conhecer intimamente antes que conheça o que com ele se conhece do real. Os
pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antes nem
depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa
mesma explicação. (...) A ciência é autobiográfica. (SANTOS, 1996: 52)
Esse instrumento se relaciona ao objetivo (5) Refletir sobre a contribuição da arquitetura
na concepção do espaço penal frente às necessidades e experiência dos profissionais da
área. Aplica-se principalmente ao Capítulo 6, Relatos e Impressões no Atual Sistema
Penal Brasileiro, a fim de identificar, a partir de suas aplicações a funcionários e
profissionais envolvidos com a temática em questão, a contribuição da concepção do
espaço penal no uso e funcionamento da edificação e as peculiaridades de seu projeto e
dia a dia. Sua utilização foi essencial por permitir a apreensão da experiência – a partir do
conceito de Empatia de Thompson (Capítulo I), a apreensão profunda da experiência do
outro a partir da interação entre indivíduos – de profissionais da área que conhecem
profundamente a rotina do ambiente penal e seus pontos mais críticos. Durante a
aplicação desse instrumento o pesquisador buscou uma aproximação com os
entrevistados a fim de melhor observar suas emoções durante os relatos, resultando em
respostas mais profundas sobre a vivência no ambiente penal.
Segundo Sommer e Sommer (1991) as entrevistas se classificam em: estruturadas, semi-
estruturadas, não-estruturadas. Neste trabalho utilizam-se entrevistas semi-estruturadas
e não-estruturadas. As entrevistas resultaram em importantes informações para a
pesquisa, sendo fundamentais para verificação de algumas assertivas previamente
estabelecidas, assim como equivocadas. Este instrumento permitiu uma maior
aproximação da pesquisadora com os usuários do espaço, profissionais da área de
segurança e de projeto, por permitir que o entrevistado discorra livremente pelo assunto
abordado, possibilitando um maior e mais profundo entendimento de sua realidade
particular. As entrevistas foram aplicadas não só para responder a questões específicas,
mas também a partir de oportunidades que se apresentaram.
Entrevistas não-estruturadas:
As entrevistas não estruturadas foram elaboradas a partir de tópicos (Anexo 2), reunindo
questões especificamente relacionadas com a experiência de cada um dos profissionais
entrevistados. A aplicação se deu em dois grupos profissionais da área:
Materiais e Métodos – Capítulo 2
47
Arquitetos e engenheiros – abordando questões de suas experiências de trabalho
na área, como: a contribuição do projeto de arquitetura, peculiaridades do programa,
dificuldades de execução, localização das edificações e detalhes de alguns projetos
por eles executados. Nesse caso as entrevistas se realizaram em seus ambientes de
trabalho, junto à observação de plantas e outros desenhos dos projetos das unidades
em que participaram. Alguns desses profissionais foram funcionários da SEAP e
outros somente elaboraram projetos de unidades. Muitas informações e questões
foram elucidadas a partir da elaboração de desenhos – croquis – pelos entrevistados,
para exemplificar ou demonstrar o que estavam relatando, ou quando faziam
comparações entre projetos e seus elementos. Valiosas informações foram obtidas
sobre as peculiaridades de projeto e seu processo de elaboração, facilitadas pela
evidencia dos desenhos.
Agentes penitenciários – abordando questões como: a segurança e a vigilância
dos presos em relação à configuração da edificação, funcionalidade e adequação do
edifício nas atividades diárias da edificação, rotina de trabalho na unidade e suas
dificuldades, pontos negativos e positivos. Nesse caso as entrevistas foram
realizadas nas unidades visitadas e na Secretária de Administração Penitenciária de
São Paulo (SAP). As entrevistas realizadas nas unidades foram mais informais,
realizadas ao percorrer a unidade, de modo que muitas questões novas surgiram, a
partir da apreensão do ambiente e da observação de certas situações. Os
entrevistados foram relatando livremente uma série de situações à medida que
fazíamos o percurso e as perguntas iam sendo inseridas em seus relatos. As
entrevistas com os agentes da SAP se realizaram na própria secretaria, de modo
mais formal, principalmente pela falta de imagens e do próprio ambiente. Os agentes
penitenciários se mostraram como principal fonte de pesquisa para a apreensão do
ambiente penal.
Entrevistas semi-estruturadas:
As entrevistas semi-estruturadas foram elaboradas a partir de um roteiro de perguntas
(Anexo 1) direcionado a experiência dos profissionais, apresentando flexibilidade para a
inserção de novas questões e a facilitação do entendimento das perguntas. A aplicação
se deu em dois grupos de profissionais da área:
Psicólogos da SEAP – abordando questões como: a segurança em relação à
configuração da edificação, adequação do edifício nas suas atividades específicas,
rotina de trabalho na unidade e suas dificuldades. Algumas entrevistas foram
realizadas nas unidades visitadas e outras na SEAP. Como no caso dos agentes, as
Materiais e Métodos – Capítulo 2
48
entrevistas realizadas ao longo do percurso das unidades foram mais ricas, como
também mais informais.
Funcionários da área de saúde da SEAP – abordando questões como: a
segurança em relação à configuração da edificação, incidência de doenças nos
presos relacionadas a configuração da edificação, rotina de trabalho na unidade e
suas dificuldades. Essas entrevistas foram realizadas na SEAP, se configurando em
entrevistas mais formais e gerais pela falta do ambiente ou da utilização de desenhos
que exemplificassem situações específicas. Ao longo da entrevista, alguns
entrevistados citaram e descreveram algumas unidades e suas configurações,
ilustrando melhor suas respostas e mesmo comparando situações.
O contato com esses profissionais se deu inicialmente por meio de um conhecimento
pessoal da pesquisadora com duas funcionárias da SEAP, e a partir daí, a rede de
contatos pôde ser expandida para os demais profissionais afins, que se mostraram
disponíveis a contribuir com a presente pesquisa.
2.4. Observação Incorporada
Nenhum debate pode estar purificado dos humores, manias, obsessões, inclusive acritudes
dos próprios debatedores. Não pode haver debate puro, quer dizer, esvaziado de toda
subjetividade e afetividade (MORIN, 1984: 111)
73
A observação em campo de alguns estabelecimentos penais do Rio de Janeiro se
relaciona com o objetivo geral da pesquisa: Determinar de que forma a arquitetura e a
concepção do espaço penal podem contribuir na resolução dos problemas atuais das
edificações penais, enfatizando o caso do Rio de Janeiro. Aplica-se principalmente ao
Capítulo 6, Relatos e Impressões no Atual Sistema Penal Brasileiro, a fim de experienciar
o lugar, proporcionando um maior conhecimento e vivência do ambiente penal por parte
da pesquisadora, com foco na relação do espaço físico com o funcionamento da unidade,
suas normas, usos e finalidades. Do mesmo modo que as entrevistas, as visitas foram
viabilizadas pelo conhecimento prévio e a rede de contatos estabelecida entre a
pesquisadora e funcionários da SEAP. Foram visitados os seguintes estabelecimentos:
Bangu IV, Talavera Bruce e Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá.
73
Tradução livre da autora (Ningún debate puede estar purificado de los humores, manías,
obsesiones, acritudes inclusos, de los propias de los debatientes. No puede haber debate “puro”,
es dicer, vaciado de toda subjetividad y afectividad).
Materiais e Métodos – Capítulo 2
49
Conforme demonstrado no Capítulo 1, Fundamentos Teóricos, a Abordagem Experiencial
(RHEINGANTZ et al, no prelo), adotada pela pesquisadora nas visitas e no próprio
desenvolvimento da investigação, visa obter relatos da experiência do indivíduo no
ambiente de forma mais consciente de suas sensações, contendo assim, significados
somente possíveis a partir da experiência no lugar. O distanciamento do profissional que
concebe o espaço com relação ao seu contexto e realidade gera, muitas vezes,
ambientes dissociados de seus propósitos, conformando espaços genéricos; desse
modo, pretende-se com essa abordagem propiciar ao pesquisador a experiência do lugar,
ao invés de uma interpretação distanciada do ambiente. A Observação Incorporada se
aplica nesta pesquisa como uma atitude do pesquisador que permeia toda a pesquisa,
considerando as suas impressões, sensações e emoções na sua observação e relato.
A Observação Incorporada é um procedimento de pesquisa em desenvolvimento por
pesquisadores do grupo ProLUGAR e se configura como uma aplicação prática da
Abordagem Experiencial. Constitui-se a partir do relato da experiência do indivíduo no
ambiente, de uma forma mais atenta e consciente de suas sensações e emoções,
incorporando a reflexão do pesquisador sobre a própria experiência, somando emoção a
razão (ALCANTARA e RHEINGANTZ, 2007b; 2004). “Ao se ocupar em atentar para o
modo como guia suas ações durante a observação, o pesquisador pode dar mais
atenção ao seu saber intencional” (ALCANTARA, 2008: 72). Uma maneira diferente de
olhar o lugar que se deixa por ele impregnar que não exclui ou renega os métodos
racionais, mas aceita que o pesquisador age pela razão associada à emoção, não
havendo neutralidade.
A atitude se torna operante por meio de anotações, relatos e registros das observações em
cadernos de campo diários – podendo se constituir de textos, croquis, palavras soltas e
impressões – os quais são posteriormente sintetizados em relatórios com o objetivo de
trazer à luz elementos e descobertas subjetivas complementares à análise dos outros
métodos utilizados... (RHEINGANTZ et al, no prelo)
A observação incorporada esteve principalmente presente nas visitas às unidades
penais. Ao percorrer a unidade junto com os funcionários, foram feitas diversas
anotações sobre as sensações da pesquisadora em campo – não é permitido o uso de
gravadores; foram descritas impressões e elaborados desenhos que buscavam registrar
o ambiente visitado – não é permitido o uso de câmeras fotográficas. Logo após a visita –
para que nada fosse “perdido” – as informações foram complementadas com outras
lembranças e elaborados mais desenhos. A percepção dos sons, do cheiro – muito
característico – que dão caráter ao lugar, assim como das sensações que vão
Materiais e Métodos – Capítulo 2
50
modificando a percepção do ambiente e de seus usuários por parte do pesquisador foram
registradas, possibilitando uma avaliação mais profunda da experiência e do ambiente.
A experiência em campo proporcionou a apreensão da relação dos presos com o espaço
penal e a constatação da importância do estabelecimento desses laços no
comportamento do preso e sua ressocialização. Notou-se que ao se apropriar do lugar o
preso o toma como seu, cuida, limpa – isso se nota não só pela aparência, mas também
pelo cheiro – e se orgulha dos objetos por ele confeccionados, fazendo crescer a sua
auto-estima e o interesse em se “recuperar”. Nos ambientes onde não há esse
relacionamento preso-espaço nota-se um comportamento mais agressivo, até mesmo
pelo tom da fala dos presos. O conhecimento prévio de unidades penais permitiu à
pesquisadora a rápida identificação da proximidade dos setores de vivência, a partir da
identificação do cheiro ou de áreas comuns,a partir do som. O registro das sensações em
campo permitiu que posteriormente a pesquisadora pudesse reviver a sua experiência,
facilitando as análises das unidades visitadas.
2.5. O percurso do trabalho
O trabalho se desenvolve a partir da abordagem de conceitos apresentados no Capítulo
1, que permeiam todo o trabalho. A partir da aplicação do conceito de Arqueologia do
Saber pretende-se compreender as condições de existência dos modelos penais em
diferentes momentos históricos, evidenciando as temáticas relacionadas ao tema nos
tempos atuais no Capítulo 3. A partir do entendimento das visões de mundo, que
possibilitaram o surgimento dos modelos penais, pretende-se identificar através do
conceito de Genealogia do Saber, a interpretação dada às tipologias da arquitetura que
geraram as especificidades do programa, abordado no Capítulo 4. A partir de então, a
análise se direciona para o caso brasileiro no Capítulo 5, apresentando a evolução
histórica do programa a partir de fatos históricos que possibilitaram suas transformações
e sua relação com as tipologias apresentadas no Capítulo 4. Finalizando, o Capítulo 6
apresenta o sistema penal brasileiro atual e, a partir de entrevistas e a observação em
campo, apresenta o entrelaçamento da pesquisa sobre algumas unidades penais no Rio
de Janeiro contrapondo a teoria, a experiência prática e vivência do ambiente penal.
O percurso do trabalho e os principais fundamentos e questionamentos que delineiam a
sua configuração, organização e estrutura estão apresentados a seguir, como mostra o
quadro 8. Apresentados os métodos e, após este breve relato sobre o percurso do
trabalho, no próximo capítulo será desenvolvida a relação entre fatos que, ao longo do
Materiais e Métodos – Capítulo 2
51
tempo, foram criando condições para o surgimento de diversas formas de concepção
para o espaço penal.
Quadro 7 – percurso do trabalho, fundamentos e suas questões
Arqueologia do saber: surgimento dos tipos
de arquitetura penal
Genealogia do saber e Abordagem
Tipológica: estudo dos tipos de arquitetura
penal no decorrer de sua aplicação e uso
Fundamentos Teóricos: apresentação dos
conceitos aplicados no desenvolvimento da
pesquisa
Entrelaçamento entre a pesquisa
bibliográfica e a Abordagem Experiencial:
estudo de algumas unidades penais da
cidade do Rio de Janeiro, a partir de análises
de projeto, relatos de profissionais da área e
da observação do pesquisador
Materiais e Métodos: apresentação da
forma como os conceitos foram aplicados no
desenvolvimento da pesquisa
Capítulo 3: Como a percepção do mundo
e seus pensamentos derivados interferem
na concepção da arquitetura e do
ambiente penal?
Capítulo 4: Como se originam as
tipologias penais? As tipologias penais têm
relação com as tipologias de outros
programas? O que as diferencia?
Capítulo 5: como a arquitetura penal
brasileira vem se apresentando através do
tempo? Que fatos possibilitaram tais
configurações?
Capítulo 6: Que normas direcionam o
tratamento penal e a elaboração de suas
unidades no Brasil atual? Como funcionam
as unidades na prática? Que contribuição a
arquitetura traz para o seu funcionamento?
Capítulo 1: Que conceitos e linhas de
pensamentos dão base para a pesquisa?
Capítulo 2: Como utilizar os conceitos que
dão base à pesquisa para alcançar os
objetivos almejados?
3
CAPÍTULO
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
53
3. VISÃO DE MUNDO E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO PENAL
Fazer aparecer, em sua pureza, o espaço em que se desenvolvem os acontecimentos
discursivos não é tentar restabelece-lo em um isolamento que nada poderia superar; não é
fechá-lo em si mesmo; é tornar-se livre para descrever, nele e fora dele, jogos de relações
(FOUCAULT, 2008:32).
... se desejamos saber por que certas coisas são como são em nossa desalentadora
arquitetura, devemos dirigir nossa atenção ao povo; pois nossos edifícios, todos, são
apenas uma enorme tela detrás da qual se oculta o conjunto de nosso povo – ainda que
especificamente os edifícios sejam imagens individuais daqueles a quem, como classe, o
povo tenha delegado e confiado seu poder construtivo. Portanto, e de acordo com isto, o
estudo crítico da arquitetura chega a ser não só o estudo direto de uma arte – pois ela é
uma fase menor de um grande fenômeno – mas também, in extenso, um estudo das
condições sociais que a originaram. (SULLIVAN, 1934 apud PATETTA, 1997: 75).
Este capítulo apresenta a relação entre a visão de mundo, a filosofia penal e a
conformação de seu espaço físico. Considerando que a percepção que temos do mundo
se constrói na nossa interação, pretende-se neste capítulo identificar as transformações
sociais, culturais e políticas que possibilitaram a transformação dos espaços penais,
identificando de que forma a configuração do espaço penal contribui na execução da
pena e suas relativas finalidades.
A lei é um código social estabelecido por um grupo que convive e vem a estabelecer
regras de conduta que cerceiam a ação dos indivíduos em detrimento do grupo e seus
valores morais. A prisão surge, então, como um meio de punição ao não cumprimento da
lei, com vistas a resguardar o direito e a segurança dos indivíduos. A história da prisão
caminha junto à história das sociedades e da vida urbana. São os padrões sociais e o
conviver que definem o caráter de suas regras. Se, no passado, as regras eram
discutidas por pequenos grupos, o crescimento das cidades e a complexidade crescente
das sociedades trouxeram a necessidade de sua organização, sendo a prisão o
instrumento de correção, ainda hoje aplicado.
Buscando a compreensão do percurso pelo qual o espaço penal vem passando através
de suas transformações e o seu próprio papel dentro de diversos contextos, este capítulo
foi organizado em três partes, onde se pretende abordar: (1) os precedentes do espaço
penal adotado como ambiente de restrição de liberdade e as transformações que
permitiram o seu estabelecimento; (2) o estabelecimento do espaço penal como ambiente
de restrição de liberdade; (3) as mutações que a conformação do espaço penal vem
sofrendo após o seu estabelecimento, a partir das mudanças na visão de mundo.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
54
3.1. Precedentes: condições de emergência
Primórdios
Apesar de a prisão existir desde épocas mais remotas, seu caráter era muito diferente do
atual. Na antiguidade as prisões tinham como função isolar e manter os indivíduos presos
até o seu julgamento. As penas estabelecidas nesta época eram a pena de morte, as
corporais e as infamantes
75
. As mutilações e a tortura eram utilizadas para se "arrancar" a
verdade do condenado e os trabalhos forçados também eram muito comuns. Pode-se
dizer, então que, a prisão tinha como função somente a espera para os suplícios, a
mutilação e a morte do indivíduo.
Os espaços de custódia da antiguidade não apresentavam uma arquitetura própria. Eram
usadas edificações abandonadas, muitas vezes em ruínas, subterrâneos e calabouços,
chegando-se até a ocupação de antigos poços coletores de água como prisão – um deles
é ainda conhecido como “a fossa dos condenados”. Nesta época, não se cogitava a pena
de privação da liberdade, já que todas as condenações tinham como finalidade o
cumprimento de uma pena, que muitas vezes terminava com a morte do indivíduo.
Idade Média
O declínio do Império Romano e as constantes invasões bárbaras vão aos poucos
esvaziando as antigas cidades, que não são mais capazes de oferecer segurança a seu
povo. A partir do século V, a população das cidades começa a migrar para o campo. O
cristianismo se estabelece depois de longo período à margem, sendo visto mesmo como
subversivo, o que obriga seus seguidores a buscar o isolamento em grutas e cavernas,
dando origem aos mosteiros isolados. O modelo do mosteiro e a reclusão buscada pelos
clérigos vão sendo seguidos pela população comum sob o signo de “ilhas de paz”,
isoladas das turbulentas e violentas cidades. “Não importa quais fossem as confusões do
mundo exterior, o mosteiro estabelecia, dentro de suas paredes, um tanque de ordem e
serenidade”. (MUMFORD, 1998: 270) A vida se orienta pela subsistência e proteção do
corpo. Muitos trocam a liberdade pela servidão, em troca da proteção dos senhores de
terras.
Segundo Mumford (1998), a própria ampliação do cristianismo está associada à forma de
vida que pregam – o voto de pobreza, o jejum, o isolamento – e sua adequação à dura
situação em que a população atravessava e da qual não se vislumbra saída. A crença
pagã na “Vida, Prosperidade e Saúde” já não é condizente com a realidade, ao contrário
75
Eram penas retributivas, onde o condenado que havia praticado o crime seria difamado em
público.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
55
da crença cristã que inclui essa realidade, não só lhe dando significado – como castigo
de Deus pelos pecados do homem – como ainda lhe atribui o valor positivo da
recompensa da salvação em sua vida espiritual. Os homens passam a reconhecer os
percalços da vida como fatos originados por seus próprios atos e esse sentimento de
culpa faz com que as dificuldades sejam vistas como uma penitência dada por Deus, o
que as torna mais facilmente aceitas.
O pensamento cristão se utiliza do dualismo maniqueísta (o bem e o mal) fundamentando
conceitos morais a partir da visão do homem como um ser inteligente, dotado do livre-
arbítrio. Segundo Santo Agostinho (Sec. IV: 1995)
76
, o mal (pecado) é a ausência do bem
(inteligência do homem) e o homem, por ser o único Ser que possui inteligência, é
também o único ser capaz de escolher entre o bem e o mal (livre-arbítrio). Desse modo, o
mal não é um ofício de Deus, mas do homem e de suas paixões (que seriam a ausência
de Deus).
Pois bem, se sabes e acreditas que Deus é bom – e não nos é permitido pensar de outra
forma – Deus não pode praticar o mal. (...) Não há nenhuma outra realidade que torne a
mente cúmplice da paixão a não ser a própria vontade e o livre-arbítrio. (SANTO
AGOSTINHO, Sec. IV: 1995: 01 – 11)
Esses valores morais e o modo de vida monástico, fundamentado no valor prático da
restrição da ordem, da disciplina e da honestidade – vão se enraizando nos pequenos
povoados estabelecidos a partir do século V, assim como a própria configuração física e
espacial dessas cidadelas caracterizadas por um aglomerado de pequenas habitações de
vassalos e servos em torno da morada do senhor feudal (WOODHEAD, 1990a: 75).
Apesar do forte poder da Igreja sobre a conduta e os valores morais do homem – únicos
e inflexíveis – que desse modo vão conformando as regras sociais, as pequenas
cidadelas ainda apresentam um caráter local, configurando um grupo de regras próprias.
A maioria das regras dessas cidadelas é estabelecida a partir de um conselho formado
por senhores de terras – os “vilões” – uma espécie de parlamento que, de tempos em
tempos ou em situações de necessidade, se reúne para discutir e estabelecer regras de
conduta (leis) e processar infrações sobre os mais diversos assuntos: questões de terras,
injúrias e rixas pessoais, roubo, assassinato, etc. (WOODHEAD, 1990b: 13). As leis são
transmitidas oralmente, não havendo códigos escritos, o que permite distorções em
76
Data da publicação original do livro Livre-Arbítrio, publicado no Brasil em 1995 pela editora
Paulus, São Paulo.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
56
situações convenientes (WOODHEAD, 1990b: 39). Predomina o Direito Germânico
77
,
apresentando influências do Direito Ordálico
78
em alguns grupos sociais, que já
aplicavam as provações que iriam predominar futuramente.
O “julgamento” é realizado publicamente e podem ser ouvidas testemunhas. Porém, sua
condução ainda está muito associada a práticas místicas. Muitas vezes o réu é
submetido a provações, como por exemplo, sofrer um ferimento, de modo que a sua cura
prova a sua inocência e caso a ferida inflame, é considerado culpado e nesse caso
recebe a sua pena (WOODHEAD, 1990b: 14). As punições às infrações são em geral
punições corporais, tidas como uma retribuição do mal causado pelo réu, como uma
vingança do grupo social. Também são aplicadas multas (quando o indivíduo não podia
pagar eram convertidas em mutilações), a execução, a escravidão ou o banimento
permanente, que retira do indivíduo todos os seus direitos legais, o que o força a deixar a
cidade.
O aprisionamento não é finalidade da pena, servindo apenas para isolar e impedir a fuga
do réu até que este receba a sua pena, tendo assim somente fins de custódia temporária.
Os espaços utilizados para tanto são improvisados, havendo poucos registros dos
espaços penais deste período (JOHNSTON, 2000: 06).
A partir do século IX, porém, o isolamento já não é capaz de, por si só, oferecer proteção,
“Se o mosteiro havia conduzido a retirada, a cidade conduziu o contra-ataque”
(MUNFORD, 1998: 273). As invasões bárbaras que, inicialmente, tinham como objetivo
saquear, modificam seu caráter e passam a ocupar as terras, o que as direciona para o
campo. Os senhores de terras passam a construir castelos e fortificações em locais
estratégicos, configurando a paisagem clássica da Idade Média dos campos povoados de
castelos e fortificações (Fig. 01). Posteriormente, com o crescimento das cidadelas em
torno dos castelos, passam a construir muralhas de proteção (MUNFORD, 1998: 274). A
insegurança – gerada pelas freqüentes invasões bárbaras – leva os camponeses a
procurar refúgio e a proteção da muralha, que aumentam o poder do senhor e vêm a
estabelecer, de fato, o sistema feudal.
77
Configura-se por “julgamentos,” feitos por conselhos e, penas baseadas em atos de retribuição
do crime como castigo.
78
Configura-se pela influência da metafísica, seus julgamentos se baseavam nas provações pelas
quais o réu deveria passar.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
57
Fig. 01 – cidade medieval
Fonte: MUNFORD. 1998: 268
A segurança alcançada nas cidades pelas muralhas restabelece a paz, a vida urbana e
comercial, atraindo a população. Com o rápido crescimento das cidades e sua grande
atração, formam-se aglomerados em torno das muralhas. Posteriormente as muralhas
vão sendo estendidas, incluindo a nova população (MUNFORD, 1998: 276). Com as
novas técnicas de cultivo e a relativa paz entre os povos, a produção excedente pode ser
comercializada, trazendo a circulação monetária (ALLAN, 1990: 33). A justiça ainda é
bastante fragmentada, variando localmente, assim como a moeda.
A Igreja passa por um período de crise, com a perda de crédito diante dos abusos dos
clérigos – abuso de gastos, uso de bens da Igreja em proveito próprio, violação explícita
do voto de castidade (ALLAN, 1990: 51). É preciso retomar a ordem e reafirmar os
valores cristãos, que vêm sendo questionados por se apresentarem de modo superficial,
como crenças pouco fundamentadas, que por si só não mais se sustentam. Desse modo,
se inicia a reforma monástica que abrange desde valores – estabelecendo a filosofia
escolástica – até questões administrativas e legislativas – instaurando posteriormente a
Cúria (ALLAN, 1990: 52).
Com o estabelecimento de regras de conduta, é necessário também que a Igreja
consigne “penalidades” para as suas infrações. Essas penalidades são fundamentadas
nas regras estabelecidas por São Benedito no século VI e têm como finalidade
penitenciar e trazer, através da privação, da reflexão e dos ensinamentos cristãos, o
arrependimento, principalmente através do isolamento (JOHNSTON, 2000: 18). A Igreja é
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
58
a primeira instituição a usar o aprisionamento sem direcioná-lo à retribuição, como
finalidade na resolução de problemas disciplinares (JOHNSTON, 2000: 17; PEVSNER,
1997: 160). Muitos monges passam longos períodos trancados em seus dormitórios –
pequenos cômodos com uma cama, uma mesa de estudos, luz para que pudessem ler e
uma pequena abertura por onde recebiam comida e material de estudos (JOHNSTON,
2000: 19)
O pensamento escolástico busca fundamentar as crenças cristãs desacreditadas unindo
a fé à razão, de modo a usar os conhecimentos da razão, mantidos em poder da Igreja,
para fundamentar os valores e crenças cristãs, estabelecendo uma sólida visão de
mundo (comportamento, leis, normas) carregada de valores morais inquestionáveis: os
dogmas (HIRSCHBERGER, 1959: 265). O dogma, visto como uma verdade divina, não
pode ser contestado, pois foi revelado por Deus e alcançado pelo homem através da
inteligência – sendo, assim, um sistema lógico divino. Desse modo une-se a teologia –
baseada na revelação – à filosofia – baseada no exercício da razão.
Para que o pensamento cristão tenha crédito pleno, porém, é preciso que a Igreja dê o
exemplo. Desse modo, no final do século XI a Igreja institui a Cúria, um instrumento
administrativo criado para acompanhar e ordenar os abusos e o caos interno (ALLAN,
1990: 52). Sua abrangência, porém, ultrapassa seus limites e objetivos iniciais. A justiça
européia, ainda muito fragmentada, vem buscando se estabelecer lentamente por meio
de tradições das aldeias e direitos tradicionais de nobres e senhores de terras. As cortes
civis e reais utilizavam penas demasiadamente duras. Por apresentar o mais ordenado,
coerente e humano corpo de leis e regras da Europa, a população comum passa recorrer
à Cúria para questões legais diversas – passando por cima do poder do senhor e do
próprio rei –, consolidando o poder da Igreja (ALLAN, 1990: 54).
Já no início do século XII a lei canônica é codificada. Seus fundamentos se baseiam no
sistema dialético denominado Sic et Non (Sim e Não)
79
. A aplicação deste sistema à lei
canônica resulta em um documento denominado Decretum – “A Concordância de
Cânones Discordantes”, que se torna uma espécie de manual jurídico semi-oficial da
Igreja e que abordava amplas questões. Os monarcas tentam fazer com que a população
resolva seus problemas na sua jurisdição – seu reino – buscando manter o seu poder e o
dos senhores feudais, de julgar e executar de acordo com a sua conveniência. Mas a
Igreja designa “juízes-delegados” que percorrem toda a Europa, fazendo a sua lei
prevalecer sobre qualquer outra. A Igreja caminha para a sonhada posição de exercer a
79
Esse sistema, exposto pelo francês Pedro Abelardo em 1121 consiste em contrapor afirmações
contraditórias, avaliar seus méritos e escolher entre elas (ALLAN, 1990: 53).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
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“Plenitude e Poder” – a soberania universal dada por Deus ao papado, estando acima de
qualquer instância (ALLAN, 1990: 54).
Nesse período as ordens religiosas buscam endurecer as penalidades e já se encontram,
em algumas Abadias, celas de penitência – pequenos cubículos entre as grossas
paredes, com pequenas aberturas para os altares das igrejas, permitindo que os monges
assistissem as missas sem sair das celas (JOHNSTON, 2000: 20). Os monges
permanecem presos até que provem ter recebido o perdão divino através de algum sinal
de Deus. A partir do século XII as instituições monásticas passam a ter locais construídos
intencionalmente com o propósito de aprisionamento, em geral nos subterrâneos das
instituições, as conhecidas masmorras. Como locais de penitência a Igreja recomenda
pequenas celas individuais escuras e proíbe as penas de morte (JOHNSTON, 2000: 21).
Com o estabelecimento do Decretum, a prisão monástica passa a abrigar também as
pessoas comuns. Os presos que vão para as masmorras, em geral, são considerados
irrecuperáveis, na maioria das vezes reincidentes, e de lá não saem com vida, o que traz
a expressão vade in pace (vá em paz), por serem estas as últimas palavras ouvidas
antes de entrar (JOHNSTON, 2000: 21). Os presos sofrem privações, muitos ficam a pão
e a água ou fazem jejum forçado. Ainda assim, a prisão religiosa é mais branda que as
demais – as penas de morte são proibidas e a tortura é usada somente com fins de
correção – e é por sua iniciativa que surgem as prisões subterrâneas.
A intensificação da vida urbana, a codificação de normas de conduta e a existência de
um aparato judiciário mais eficiente trazem a necessidade de locais próprios para o
aprisionamento e, data deste período, grande parte das prisões medievais contidas em
castelos e fortalezas. Já se aplica a pena restritiva de liberdade, que pode ser temporária
ou perpétua e, quando acontece, tem a finalidade de castigar o indivíduo, apresentando
condições subumanas. Em geral as prisões se localizam nos níveis inferiores ou
subsolos, principalmente das torres, apresentando um acesso restrito. Costumam ocupar
dois pavimentos seno que, as condições do aprisionamento e a seriedade da pena
definem a localização do réu. Quanto pior a infração, mais baixo é o nível. Grande parte
desses locais é adaptada, apresentando anteriormente outras finalidades, como
depósitos (JOHNSTON, 2000: 08).
Os níveis superiores muitas vezes recebem alguma luz e ventilação, fato que não ocorre
nos níveis mais baixos. Nesses locais, a única abertura é um alçapão localizado no teto
(PEVSNER, 1997: 160; JOHNSTON: 2000: 10), por onde os presos entram através de
uma escada de mão ou amarrados por cordas (Fig. 02 e 03), ou uma abertura lateral na
parede elevada do piso, ou shafts de iluminação e ventilação (Fig.02). Algumas prisões
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
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apresentam pequenas “alcovas” ou nichos nas paredes externas (Fig.03) com uma
abertura utilizada para as necessidades dos presos que são despejadas no fosso ou nas
galerias subterrâneas de esgoto (JOHNSTON, 1973: 07; 2000: 10).
Fig. 02 – nível inferior de prisões na Escócia.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 11
Fig. 03 – prisão de Pierrefons, Château, França.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 10
São também utilizados amplos espaços nas prisões onde se acumulam gaiolas (Fig.04),
que muitas vezes permanecem elevadas do piso, outras mantêm os presos mais
perigosos acorrentados (JOHNSTON, 2000: 08). Por outro lado, alguns presos possuem
grande liberdade, podendo circular pelo castelo ou mesmo trabalhar como funcionários.
A ampliação das muralhas, o crescimento das cidades e o aumento da circulação entre
elas, promovida pela intensificação do comércio, trazem uma maior necessidade de
controle, principalmente por haver agora diversas entradas. Esse controle é realizado em
edificações – Gates – que funcionam como “portarias” das cidades (Fig. 05). Nessas
portarias o fluxo é filtrado e os estranhos são detidos em prisões no seu interior, que
costumam se localizar no pavimento térreo. A separação dos prisioneiros é feita por sexo
e por sua condição de pagar taxas, tendo melhores condições os que melhor pagam por
elas (JOHNSTON, 2000: 12).
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61
Fig. 04 – prisão não identificada na França.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 09
Fig. 05 – prisão de Newgate, Londres.
Fonte: JOHNSON: 2000: 12
A Igreja encontra-se no seu apogeu, no século XII, e vem promovendo as Cruzadas pela
Terra Santa, que arrastam multidões de fiéis ávidos na luta pela conquista de Jerusalém,
exterminando as minorias religiosas com que se deparam (ALLAN, 1990). As Cruzadas
se arrastam por quase dois séculos, porém com o passar do tempo seu objetivo original
vai se deturpando. Os monarcas incentivam a fundação de novas cidades e a Igreja
expande seus territórios, muitos cruzados conquistam novas terras para si e lá ficam,
além do que, altos impostos são cobrados dos que não participam de tais incursões, de
modo a financiá-las (MONTESQUIEU, 1995; ALLAN, 1990
; MUNFORD, 1998). Com tudo
isso, a igreja começa a ser vista, por muitos, como um estado secular e não mais como
uma sentinela de Deus, perdendo sua força. Seitas heréticas se multiplicam e, frente a
tudo isso, a igreja instaura a Inquisição (MUNFORD, 1998: 371).
A Inquisição tem como função apurar e julgar indivíduos por heresia e, quando
condenados, são entregues ao Estado, que deveria punir. A população é incentivada a
apurar e entregar indivíduos hereges, que são então inquiridos com direito à defesa
(LIMBORCH: 1816: 197). No caso de haver testemunhas fidedignas e da meia-prova, o
indivíduo é condenado e submetido à tortura para que a dor do corpo o redima do
pecado, salvando a sua alma pelo perdão divino (CASTRO, 1778). A execução da pena
se dá em praça pública para dar o exemplo aos outros indivíduos (Fig. 06).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
62
Fig. 06 – execução pública, suplício
Fonte: SENNA, 1996:40
A partir de meados do século XIV a Europa atravessa uma grande crise. A peste negra
mata mais de um terço da população, que vê a desgraça como um castigo divino
(MUNFORD, 1998: 376). O reduzido número de trabalhadores se vê valorizado e pede
por melhores condições e direitos igualitários; os altos impostos dificultam a circulação de
mercadorias, fato que, junto às diferentes moedas e a alta inflação, prejudicam
consideravelmente o comércio. Começa a Guerra dos 100 anos, trazendo de novo a
insegurança nos campos. A monarquia, pressionada, começa a ceder frente às
exigências da população comum, que vai ganhando voz. Em meio a tantos percalços, a
população insegura retoma a fé e a Igreja toma partido disso, instaurando o Tribunal do
Santo Ofício no século XV
(ALLAN, 1990).
A Inquisição retorna, ordenada por procedimentos organizados, utilizando o direito
ordálico
80
. O réu é resguardado pela Igreja, geralmente em celas das edificações
monásticas, onde são realizados testemunhos secretos e confissões arrancadas pela
tortura, que agora é aplicada por equipamentos próprios (MUNFORD, 1998: 346). Os
culpados são postos em praça pública e então o carrasco lê o resultado de seu
julgamento, mostrando as provas ou a confissão para que então se inicie o cumprimento
da pena. A pena consta de provas – verdadeiros requintes de crueldade – pelas quais o
indivíduo deve passar para provar que Deus olha por ele (LIMBORCH, 1816: 198).
80
Como já mencionado, configura-se pela influencia da metafísica. Seus julgamentos se
baseavam nas provações pelas quais o réu deveria passar.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
63
Milhares são mortos na fogueira, decapitados, mutilados, assistidos pelo povo ávido que
tem esse espetáculo como principal distração e atividade de lazer da época (CASTRO,
1778).
A melhor prova de maldade do indivíduo é o abandono que dele faz Deus ao retirar- lhe a
sua ajuda para superar as provas a que é submetido - da água, do fogo, do ferro candente,
etc.- (...) O culpado, isto é, quem não supera a prova, convence a si mesmo de sua própria
maldade e abandono de Deus. Se não tivesse pecado- se não tivesse cometido um delito-
sairia feliz da mesma, não há a menor dúvida. (VALDEZ apud BITTENCOURT, 2000)
Os espaços prisionais, buscando atender ao procedimento da Inquisição, vão ganhando
maior organização e complexidade. Já se usam três tipos de aprisionamento: (1) Murus
largus, onde o preso tem alguma liberdade, podendo circular pelos corredores da prisão;
(2) Murus strictus, onde o preso não sai de sua cela e fica a pão e água; (3) Murus
strictisssimus, que é o mais rígido, onde os presos são acorrentados pelos pés e pelas
mãos dentro de suas celas (JOHNSTON, 2000: 26). As edificações passam também a
abrigar locais para julgamentos e confissões, junto aos locais de aprisionamento.
A partir do século XV, se torna comum também a prisão do Estado que se destina aos
presos por crimes contra o poder do rei ou dos senhores de terras, delitos de traição ou
adversários políticos. Neste caso, podem ser aplicadas as penas comuns (morte,
mutilações), a perda da liberdade – que podia ser temporal ou definitiva – ou o indivíduo
pode receber o perdão real. Os estabelecimentos mais conhecidos são a "Torre de
Londres", a "Bastilha de Paris", "Los Plomos" e a "Ponte dos Suspiros" – porão do
Palácio Ducal de Veneza (JOHNSTON, 2000; BITENCOURT, 2000).
A queda de Constantinopla, no século XV, impede o acesso por mar e terra às Índias e à
Ásia, incentivando a expansão marítima e fazendo com que o mundo se abra para
Europa.
Renascimento e Humanismo
A Igreja vai perdendo poder e territórios, e para manter seus custos – que se elevam
bastante com a Inquisição – passa a estabelecer cotas de pagamento para a salvação. A
partir do século XVI a reforma protestante ganha força, com a frase tema “só a fé salva”,
busca retomar os valores cristãos e Lutero afirma que "Deus não é um juiz severo, mas
um pai compassivo" (DULEMEAU, 1973: 12). Os monarcas, pressionados pela
população, investem em serviços públicos, como calçamento das ruas, limpeza das
cidades evitando as pestes, construção de equipamentos urbanos como hospitais, asilos
e prisões; é a consolidação dos Estados Nacionais e do Absolutismo. Conforme Munford
(1998: 408), alteram-se definitivamente os valores e as relações de poder, como mostram
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
64
as inscrições nas portadas da Abadia de Telema e o complemento nos portões do
palácio: “Faze o que quiseres” “Enquanto agradar o príncipe”.
A abertura das universidades medievais permite a difusão do conhecimento, antes detido
pela Igreja, em diversas áreas como nas artes, na medicina, na matemática e na filosofia,
abrindo uma nova visão do mundo (MUNFORD, 1998: 377). Os novos conhecimentos se
fixam nos estudos da natureza e do homem e abrem as portas para o humanismo, que
faz do homem, enquanto um ser natural, o centro das atenções intelectuais, criando uma
posição antropocêntrica em reação ao teocentrismo, que tem o homem como um ser
vindo de Deus. A crença na razão traz a contestação dos dogmas da Igreja, afirmando
que verdades precisam ser testadas e avaliadas, não são uma questão de fé
(MOUSNER, 1957).
Buscando essa forma de testar e avaliar os fenômenos para uma melhor compreensão
dos fatos da vida e entendimento do mundo é que, a partir do século XVII, se
desenvolvem os métodos científicos e seus procedimentos (MUNFORD, 1998: 377). O
método científico, proposto por Descartes (1637), vem a ser uma forma de analisar o
objeto fundamentado na forma de perceber o mundo; nesse contexto, uma forma lógica e
racionalista: o método deve orientar a razão do homem para que se encontre a verdade.
Seus procedimentos são a observação, a análise, a formulação de hipóteses explicativas,
a verificação das hipóteses e a conclusão. A ciência observa e descreve o mundo
constatando pelo método, leis universais aplicadas a situações diversas, por serem
verdades comprovadas e, por isso, indiscutíveis (PEDRO, 1996).
A Reforma protestante se espalha dando origem a diversas organizações religiosas,
entre elas o Calvinismo. Acredita-se que a pena privativa de liberdade surge em uma
sociedade desenvolvida com o pensamento calvinista cristão, tanto que a prisão privativa
de liberdade usada nesta época é a prisão canônica. Tais espaços penais atendem ao
propósito da clausura, porém ainda se utiliza a fustigação corporal, o isolamento, a
escuridão, etc. O Direito Canônico contribui para o estabelecimento dos primeiros
conceitos modernos de recuperação do delinqüente dando origem ao termo
“penitenciária”, por sua vez originado da palavra penitência (BITENCOURT, 2000: 404).
Como o crime é um pecado contra os homens e contra Deus, é necessário se penitenciar
para se redimir e receber o perdão.
Durante os séculos XVI e XVII a Europa empobrece com as guerras religiosas; as
cidades são destruídas, os núcleos urbanos se estendem e os miseráveis são obrigados
a viver de esmolas, roubos e assassinatos. A delinqüência cresce rapidamente, os presos
- principalmente mendigos – realizam trabalhos forçados de ordem pública e cumprem
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
65
penas já conhecidas. Em 1554 são expulsos da cidade pela primeira vez, enviados para
as províncias (BITENCOURT, 2000: 408). O número de presos, porém, é tão grande que
não é possível utilizar as antigas penas – que também já não se justificam diante de
tantas mudanças sociais, culturais e ideológicas – não é possível matar tanta gente. O
humanismo traz menos violência na execução das penas e a crise traz a necessidade da
força de trabalho do preso e sua produção.
A partir da segunda metade do século XVI, começam a ser construídas prisões que
buscam a correção e recuperação do preso pelo isolamento e trabalho. Essa mudança
no pensamento penal leva ao desenvolvimento das penas restritivas de liberdade, no
futuro. Na Inglaterra, uma minoria do clero, preocupada em se defender da criminalidade,
cria a primeira instituição penal de correção, implantada no castelo de Bridwell, cedido
pelo rei. Baseia-se no trabalho e na disciplina para recuperar o recluso, em geral
pequenos delinqüentes, e tem como principal objetivo a prevenção. É o primeiro caso da
aplicação da pena restritiva de liberdade. O seu sucesso traz, em pouco tempo, a
construção das houses of correction ou Bridwells em vários lugares da Inglaterra. Em
1575, já existe uma lei definindo a sanção para os vagabundos e o alívio para os pobres,
fato que determina a construção de pelo menos um estabelecimento por condado. Esses
estabelecimentos têm como finalidade regenerar, em muitos casos dar uma chance a
esses indivíduos, amparar e não castigar. Em 1697 surge a primeira workhouse,
seguindo os princípios dos Bridwells em Bristol e em 1707 uma em Woncester e outra em
Dublin (JOHNSTON, 2000; SENNA, 1996; VAZ, 2005; MADGE, 1962).
Em 1596 criam-se as Rasphuis – casas de correção – em Amsterdã. As casas de
correção de Amsterdã possuem arquitetura própria, sendo construídas para este fim, pela
primeira vez. A eficiência de seu modelo faz com que ele seja copiado em vários países.
Por outro lado, os grandes delinqüentes continuam a receber as antigas penas. É nessa
época também criada a pena de galés
81
, prisão flutuante
82
, que consiste em destinar
grandes delinqüentes e prisioneiros de guerra a trabalhar nas galés militares,
constituindo-se em uma das mais cruéis penas (JOHNSTON, 2000; SENNA, 1996; VAZ,
2005; MADGE, 1962).
.A partir de meados do século XVI muitas propostas e escritos se fazem sobre a prisão,
asilos, manicômios e reformatórios, em relação às suas condições humanas e à sua
organização. O advogado Credán Tallada publica em 1574 o livro Visita de La Cárcel y
81
Consiste em manter os presos com calcetas presas a correntes nos pés e submetidos a
trabalhos forçados ou a esmolar o seu sustento em áreas públicas.
82
Semelhante a pena de galés, tinha o trabalho forçado e o uso da força bruta dos presos como
motor para navios.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
66
los Presos, que defende a classificação dos presos por sexo, gravidade do delito e classe
social, para a diferenciação do tratamento – níveis de vigilância e configuração física das
celas – além de propor outros locais, como salas para tortura, oração e banho de sol.
Também propõe que todas as celas, mesmo as que abrigariam os delinqüentes mais
perigosos, não devem ser privadas de luz e ventilação (JOHNSTON, 2000: 40).
Em meados do século XVII, se institui em Florença o Hospício de San Felipe Néri que,
baseado na idéia de Hipólito Francini, destina-se ao tratamento de crianças e jovens
rebeldes. Utiliza o regime celular, com isolamento absoluto em atividades coletivas, de
modo que o interno usa um capuz para que os outros não possam ver o seu rosto. Na
mesma época, Jean Mabillon, monge beneditino francês, escreve um livro sobre a
experiência do Direito Penal Canônico que traz considerações sobre questões discutidas,
mais tarde, com o iluminismo. Defende a reintegração do condenado à comunidade, a
pena proporcional ao delito cometido e a condição mental do condenado (JOHNSTON,
2000; SENNA, 1996; VAZ: 2005; MADGE, 1962).
O arquiteto alemão Joseph Furtttenbach publica em seu livro Architectura Universalis
(1635), dois projetos de prisão (Figs. 07 e 08), onde ele propõe que a severidade do
tratamento do preso deveria variar com a gravidade do crime cometido (JOHNSTON,
2000: 30). Como grande parte dos pensadores e dos projetos, propõe ainda um local de
tortura para os presos que cometam crimes mais graves ou que ofereçam maior perigo.
Utiliza dois pavimentos para possibilitar a separação dos presos. Apesar das muitas
reflexões e propostas, poucas instituições foram construídas de acordo com as novas
recomendações e o tratamento penal ainda se assemelhava muito ao da idade média,
em algumas instituições. Porém, essas propostas foram a base para a reforma carcerária
que se seguiu, no final do século XVIII.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
67
Fig. 07 – planta da pequena prisão do arquiteto Joseph Furttenbach,1635.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 30
Fig. 08 – planta da grande prisão do arquiteto Joseph Furttenbach,1635.
Fonte: PEVSNER, 1997: 160
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
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Iluminismo
O desenvolvimento da ciência e a posição do homem na nova visão de mundo que se
estabelece, traz uma idéia mecanicista do mundo e uma fé no progresso contínuo da
humanidade, que se dá através dos feitos racionais do homem. O mundo agora está em
movimento e todo movimento apresenta direção: o futuro. A Revolução Industrial, no final
do século XVIII, traz a intensificação de uma percepção mecanicista do mundo, a partir
da transformação nas atividades produtivas, e transforma artesãos em operários.
Pensamentos e instituições do passado são contestados e busca-se uma nova
organização social e ideológica (BENÉVOLO 1998: 158). As antigas estruturas feudais se
chocam com as ambições do capitalismo emergente e a nova classe burguesa. O grande
número de pessoas “letradas” tem conhecimento suficiente para contestar e propor
mudanças baseadas na liberdade do homem e seus direitos civis (MOUSNIER;
LABROUSSE, 1958).
O poder absoluto, concentrado em uma só instância, é fortemente contestado. Rousseau
(1762; 1978)
83
aborda as relações sociais e os direitos individuais e defende os direitos
igualitários dentro de um grupo social. Montesquieu (1777; 1995)
84
elabora a “doutrina
dos três poderes” defendendo a divisão da autoridade em três instâncias: o poder
legislativo, executivo e judiciário, buscando assim que um limitasse os poderes do outro.
Defende, também que, as leis não devem ser arbitrárias, mas se relacionar com a
realidade social na qual se insere. Locke (1689; 1998)
85
afirma que o homem é, por
natureza, livre e dotado de razão, e abdica de sua liberdade individual para viver na
sociedade civil, esse pacto deve garantir os direitos naturais do homem e não restringir.
É uma verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder tende a abusar dele. Para que
não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo
poder. (MONTESQUIEU, 1777: 1995: 34)
(...) é preciso encontrar uma forma de associação que defenda e proteja as pessoas e os
bens de cada associação, de qualquer força comum, e pela qual, cada um, unindo-se a
todos, não obedeça senão a si mesmo, ficando assim tão livre como antes. Tal é problema
que o contrato social soluciona (ROUSSEAU, 1762: 1978: 30)
As mudanças alteram a visão e a forma de julgar o crime. Os julgamentos passam a ser
baseados em verdades “claras e distintas”, alcançadas pela razão e as leis consideradas
83
Data da publicação original do livro “O Contrato Social”, publicado no Brasil em 1978, pela
EditoraAbril Cultural, São Paulo.
84
Data da publicação original do livro “O Espírito das Leis”, publicado no Brasil em 1995, pela
Editora Brasília, Brasília.
85
Data da publicação original do livro “Dois Trabalhos sobre o Governo Civil”, publicado no Brasil
em 1998, pela Editora Martins fontes, São Paulo.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
69
integralmente, não permitindo interpretações ou distorções. O juiz tem poder somente
para classificar o crime, dentre as leis, e dar a sentença de execução já prescrita. Essa
realidade é também questionada e a discussão sobre o tema trará os fundamentos para o
estabelecimento do Positivismo Jurídico. Diversas instituições passam por reformas,
buscando implantar uma nova concepção de gestão que muitas vezes demandava
alterações físicas nos edifícios sem, porém, estabelecer um novo modelo. “O espírito da
renascença pode ser compreendido na direção da comodidade do corpo” (PEVSNER,
1997: 160)
86
A Casa de Correção de San Michele (Roma, 1701), idealizada pelo Papa Clemente XI, é
a adaptação de um antigo hospício, (Fig. 09). Ela é destinada a abrigar jovens
delinqüentes, órfãos, pobres e idosos (JOHNSTON, 2000: 36; MADGE, 1962: 05). O
regime adotado é o misto: trabalho em comum durante o dia e isolamento noturno,
sempre em silêncio absoluto. Acredita-se na religião associada ao trabalho para a
reabilitação do preso. Suas celas individuais são dotadas de latrinas, um colchão, luz e
ventilação natural, além de apresentar locais comuns para o trabalho. É a primeira
instituição a aplicar os novos conceitos da filosofia penal.
Fig. 09 – Casa de Correção San Michele, 1705.
Fonte: MADGE, 1962: 05
86
Tradução livre da autora (The spirit of Renasssance can be sensed in the way the “comodita del
corpo”)
latrina
área de trabalho
cela
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
70
Já a Casa de Correção de Milão (entre 1750 e 1778), projetada por Francesco Croce,
apesar de apresentar um projeto mais elaborado – utilizando a planta em “T” ou cruz
87
e abrangente (Fig. 10) – com alas femininas e de menores – apresenta poucos avanços
em relação à Casa de Correção de San Michele (JOHNSTON, 2000: 37). Adota o mesmo
regime e apresenta as mesmas condições de conforto – latrinas nas celas, iluminação e
ventilação natural.
Fig. 10 – Casa de Correção de Milão, 1775.
Fonte: MADGE, 1962: 07
A Casa de Força de Ghent. (Bélgica, 1772), projetada pelo arquiteto Malfaison e pelo
padre Kluchman, não utiliza princípios inovadores, mas é a primeira a reunir todos os
princípios defendidos na época, na mesma gestão (Fig. 11). Os delinqüentes eram
separados por sexo, idade, grau de criminalidade e duração da pena. Usava o trabalho
comum durante o dia e o isolamento noturno. Segundo Johnson (2000: 39), essa é a
primeira edificação penal de larga escala a ser construída, assim como, a primeira
contribuição da arquitetura na concepção do espaço penal. A concepção desta edificação
87
Já utilizados na época em hospitais e outros programas.
trabalho fem.
alo
j
amento fem.
trabalho fem.
alo
j
amento fem.
enfermaria
ala
Masc.
alo
j
amento masc.
alo
j
amento masc.
trabalho masc. trabalho masc.
p
átio
p
átio
ala
menores
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
71
permite a separação dos presos segundo as categorias da época, permite as condições
de conforto desejadas,além de apresentar uma organização funcional do espaço.
Fig. 11 – Casa de Força Ghent, 1772.
Fonte: MADGE, 1962: 06
Tais edificações ainda tiram pouco partido da arquitetura como um instrumento de
concepção específico para as instituições penais, mas apresentam modelos de gestão
avançados para a época e melhorias bastante consideráveis quanto à questão sanitária e
ao conforto. Características específicas desse tipo de projeto, como a observação do
preso pelo guarda a uma distância segura, ainda não são contemplados.
3.2. Instituição da Pena Privativa de Liberdade
A defesa em favor da aplicação de penas mais humanas aumenta consideravelmente o
número de presos,devido à diminuição da aplicação da pena de morte, enquanto os
avanços científicos fazem crescer o interesse pelas causas do crime. Novas prisões são
solicitadas e diversos estudos são realizados, concluindo que o comportamento criminoso
estava,geralmente,associado a fatores externos ao indivíduo. A visão racionalista e
progressista tende a excluir tudo que não se encaixa nesse modelo e as instituições
sociais como hospitais, manicômios e prisões se multiplicam para abrigar o grande
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
72
número de indivíduos e isolá-los segundo suas classificações, já que se pensava que o
“vicio” era contagioso (VAZ, 2005: 48).
Destaca-se a pesquisa do reformador John Howard, The State of the Prison, publicada
em dois volumes em 1777 e 1792, que relatavam suas observações após 17 anos
visitando instituições penais em diversos países. Sua pesquisa atesta o péssimo estado
das instituições, seu abandono e sua ineficácia, dando início à reforma prisional. Era
necessária uma mudança, já que as antigas prisões aumentavam a delinqüência e a
reincidência. “Alguns grandes erros em gerenciá-los: os rostos (ou as expressões) das
imagens a seguir declaram, sem palavras, que são muito miseráveis: muitos que foram
saudáveis mudaram em poucos meses para objetos emaciados e abatidos”. (HOWARD,
1777: 07
)
88
Em 1779 o Parlamento inglês estabelece o Ato Penitenciário, que determina que o
governo constitua dois estabelecimentos prisionais – feminino e masculino – que usem os
seguintes princípios: graduação da pena por bom comportamento, isolamento noturno,
dieta suficiente, trabalhos pesados de dia, limpeza e atendimento religioso (VAZ, 2005).
Essas normas são baseadas nos hábitos e na rotina das indústrias. Outros reformadores
abordam questões como a educação, a vigilância e a melhoria das condições.
Neste contexto, a descoberta do corpo como “objeto e alvo de poder” traz a sua
manipulação fortemente influenciada pela lógica militarista. O corpo passa a ser visto
como uma máquina composta de engrenagens que, se bem operadas, funcionam com
perfeição. E, para que um grupo de corpos funcione corretamente, é necessária a correta
organização do grupo – alcançada pela disciplina. Segundo Foucault (1983:125), “... o
soldado tornou-se algo que se fabrica; de uma massa uniforme, de um corpo inapto, fez-
se a máquina de que se precisa; corrijam-se aos poucos as posturas; lentamente uma
coação calculada percorre cada parte do corpo”.
O espaço começa assim a se codificar, recebendo divisões e subdivisões altamente
organizadas. Isso acontece em todas as instituições: escolas, quartéis, hospitais, entre
outros. “A disciplina, arte de dispor em fila, e da técnica para a transformação dos
arranjos. Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os
distribui”. (FOUCAULT, 1983: 133). Pensa-se no espaço do indivíduo, no conjunto de
espaços dos espaços individuais sob o mesmo uso, o conjunto de espaços de diversos
usos e finalmente na organização hierárquica desses espaços que resultavam na
88
“Some great errors in management of them: the follow images countenances declare, without
words that they are very miserable: many who went in healthy are in few months changed to
emaciated dejected objects.”
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
73
arquitetura: a geometria que dá forma ao conjunto. Acredita-se que a correta distribuição
dos indivíduos no espaço é essencial para se obter a disciplina – conformadora dos “bons
modelos” de homens. Busca- se decompor os grupos, atuando sobre a individualidade, e
ainda fixar os indivíduos em seus lugares específicos, facilitando a sua localização e
vigilância. A posição do indivíduo dá a sua posição em relação ao todo, e desse modo, o
classifica.
Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar um indivíduo. Evitar as distribuições por
grupos; decompor as implantações coletivas... O espaço disciplinar tende a se dividir em
tantas parcelas quanto corpos ou elementos há a repartir (FOUCAULT, 1983: 131).
A racionalização passa a fazer parte de diversas instituições e espaços de modo geral,
do zoológico à prisão. O Panóptico – que vê tudo – é um modelo de prisão, criado em
1791 por Jeremy Bentham, filósofo social inglês que acredita que uma prisão possa ser
observada de um só ponto (Figs. 12 e 13). Aborda pela primeira vez a noção de
observação direta do preso sem que este saiba que está sendo observado, assim como a
idéia da observação distante, que mantém em segurança o guarda (JOHNSTON, 2000:
49). Tal fato, não só facilita a vigilância, como torna-a mais eficiente e reduz bastante
seus custos.
Na periferia a construção de um anel; no centro uma torre, esta é vazada por janelas que se
abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra para o exterior, que permite que a luz atravesse a
cela lado a lado. Basta então um vigia na torre central para observar todas as celas. (...) A
visibilidade é uma armadilha (FOUCAULT, 1983: 177).
O projeto de Bentham não é construído, apesar de ser amplamente utilizado, o que
possibilita a exploração de diversas formas de apresentação – circular, semicircular, em
cruz, estrela, hexagonal, formas que apresentam uma centralidade: o ponto de
observação – e variações que seguem o mesmo tema (Figs.12 e 13). Seus princípios
são, ainda hoje, usados em algumas penitenciárias, apesar desse modelo apresentar
problemas como a inflexibilidade da sua forma, que não permite ampliações. Este modelo
não só atende funcionalmente à filosofia penal da época – regimes de rigorosa disciplina
– mas principalmente, é a concretização dos princípios que norteavam essas instituições:
a máquina de vigilância disciplinadora dos homens imperfeitos.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
74
Fig. 12 – prisão panóptica de Bentham
Fonte: JOHNSTON, 2000: 51
Fig. 13 – interior de uma prisão
panóptica
Fonte: FOUCAULT, 1983: 21
No início do século XIX, a pena restritiva de liberdade é vista como a solução para a
reforma do delinqüente. Acredita-se na sua reabilitação e na capacidade da prisão de
cumprir todas as finalidades da pena.
Aproximadamente na mesma época, em outro continente, surge nos Estados Unidos, no
final do século XVIII, o primeiro sistema penitenciário estabelecido pelo governo
americano, tendo como principal referência os estabelecimentos de Amsterdam e os
Bridwells ingleses. É introduzido um novo caráter à pena de prisão, antes usada como
um meio de custódia e, posteriormente, uma pena privativa de liberdade: o Sistema
Pensilvânico, Filadélfico ou Celular.
Este sistema penitenciário é criado sob influência dos quakers
89
, os responsáveis pela
construção da primeira prisão americana (1776) – Walnut Street (Figs.14 e 15). O
sistema tem como objetivo reformar as prisões, baseadas nas idéias de Howard, de
Beccaria e de Bentham, principalmente em relação ao isolamento do preso, sua principal
característica. O sistema é também baseado nos conceitos religiosos do Direito
Canônico.
89
Membros de seita religiosa fundada no século XVII (EUA e Inglaterra). Não admitem nenhum
sacramento, não prestam juramento à justiça, têm como principal característica o desvio do
puritanismo.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
75
Fig. 14 – prisão Walnut Street, EUA.
Fonte: MADGE, 1962: 08
Fig. 15 – planta da prisão Walnut Street, EUA.
Fonte: MADGE, 1962: 08
O sistema é estabelecido em 1790 – ano em que é construído um novo bloco na prisão
com celas individuais – pelo governo, que acredita que o isolamento do delinqüente, a
crença em Deus e o afastamento total do álcool trazem a reflexão em tais indivíduos,
criando assim meios e dando os caminhos para sua “salvação”. O sistema, porém, não é
estabelecido por completo e o isolamento é destinado, somente, aos condenados mais
perigosos, ficando os outros em celas comuns, trabalhando em conjunto durante o dia e
sendo a lei do silêncio obrigatória para todos (MADGE, 1962).
Com o crescimento da população penal, o sistema fracassa em poucos anos. É solicitada
então, a construção de duas novas prisões: a ocidental, concluída em 1818, adota o
isolamento absoluto sem ao menos permitir o trabalho nas celas, tornando o regime
impraticável; a prisão oriental, concluída em 1829 que, em função dos problemas com a
prisão ocidental, passa a afrouxar o regime e permitir o trabalho na própria cela
(FOUCAULT, 1983; BITENCOURT, 2000).
O emprego do isolamento e do silêncio reduz bastante os gastos com a vigilância e
impede o emprego de trabalhos realizados em grupo como, por exemplo, o trabalho
industrial que se estabelece nesse período. Apesar de ser um sistema economicamente
muito eficiente e, sua organização institucional manter uma dominação extremamente
eficaz sobre os presos, contradiz o seu principal objetivo: recuperar os condenados. O
Sistema Pensilvânico é, principalmente, adotado na Europa, já que o número de
trabalhadores livres é suficiente para a sua produção e consumo, não necessitando
assim da mão de obra dos presos – o emprego do trabalho na prisão poderia colocar em
risco o trabalho de homens livres.
As instituições que utilizam esse sistema, em geral, adotam um modelo arquitetônico
semelhante ao de Cherry Hill (Fig. 16) nos Estados Unidos – formulado por John
Haviland (1829) e considerado a síntese do sistema celular –; e Pentonville (Fig. 17) em
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
76
Londres – fundamentada nas idéias de Elizabeth Fry (1842). São grandes unidades para
os padrões da época, com capacidade para 400 e 450 presos respectivamente, utilizam
pavilhões que permitem fácil ampliação, assim como sua construção por etapas –
pavilhão por pavilhão. São muito eficientes na separação dos presos chegando a utilizar
espaços para banho de sol individual – no primeiro caso cubículos contíguos às celas e
no segundo em construções circulares entre os blocos. É interessante notar que, no
centro dessas edificações radiais localiza-se sempre o posto de vigilância, ponto nodal do
sistema aplicado.
Fig. 16 – prisão de Cherry Hill, EUA
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006:
89
Fig. 17 – prisão de Pentonville, Londres
Fonte : ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 89
A partir de uma análise do sistema Pensilvânico, feita por uma expedição enviada pelo
governador de Nova York em 1796, é criado o Sistema Auburniano, que fica mais
conhecido como silent system, por adotar o sistema do silêncio absoluto entre os presos.
A partir da análise feita, substitui a pena de morte e os castigos corporais pela pena de
prisão. A prisão de Auburn (Fig. 18), porém, só é construída em 1816. Seguindo uma
ordem de 1821, os presos são classificados em três categorias: (1) delinqüentes
reincidentes, que necessitam de isolamento contínuo em celas individuais; (2) os menos
corrigíveis, que necessitam de celas individuais somente três dias da semana e têm
permissão para trabalhar; (3) delinqüentes primários possivelmente "corrigíveis", que só
necessitam de celas individuais em um dia da semana e têm permissão para trabalhar
em conjunto (BITENCOURT, 2000: 93).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
77
Fig. 18– galeria de celas de Auburn
Fonte:www.prisonsociety.org/about/history.shtml
As celas pequenas e escuras impossibilitam o trabalho impedindo a única distração que
lhes é permitida, tornando o isolamento absoluto desastroso. Em três anos, ao invés de
uma reabilitação, tem-se como resultado mortos e loucos, com exceção de 2 presos em
um universo de 80. Em 1824, é então abolido o isolamento absoluto, permite-se o
trabalho coletivo em silêncio e o isolamento se destina somente ao período noturno
(FOUCAULT, 1983; BITENCOURT, 2000: 93).
"O modelo auburniano pretende servir de modelo ideal à sociedade, um microssomo de
uma sociedade perfeita onde indivíduos se encontrem isolados em sua existência moral,
mas são reunidos sob um enquadramento hierárquico estrito, com o fim de resultarem
produtivos ao sistema" (BITENCOURT, 2000: 95), ou seja, muito eficaz para o governo,
para a imposição do seu poder, mas de pouca eficácia na correção e reabilitação do
preso, que é tratado como uma máquina, seguindo as regras de um rigoroso sistema,
que já traz as influências da revolução industrial.
Como nas fábricas e nos estabelecimentos de trabalho coletivo da época, a disciplina é a
base principal do sistema. No caso da prisão, ela é ainda mais acentuada, em função da
necessidade de controlar um grande número de pessoas que, de alguma forma,
oferecem perigo à sociedade, e que precisam ficar confinadas dividindo um mesmo
espaço. Essa disciplina tem como base os quartéis e a vida militar em seu interior, que
pregava a obediência sem questionamentos ou reflexões, tornando a relação uma
simples questão de subserviência do delinqüente ao poder das autoridades. Analisando a
instituição pelo seu regime e suas regras, pode-se concluir que a disciplina de um preso,
muitas vezes mantida por meio de severos castigos corporais, não se deve à sua reflexão
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
78
e ao seu arrependimento por tal ato, bem como à sua reabilitação, mas ao seu medo, à
sua capacidade de seguir regras e de obedecer.
O sistema utiliza o silêncio como forma de reflexão e meditação, influência do modelo
monástico, mas como no sistema Pensilvânico, o silêncio é uma forma eficaz e
econômica de manter o poder sobre os presos, garantindo a disciplina, facilitando e
custeando a vigilância. O trabalho, por sua vez, é um modo eficaz de educar o preso,
ensinando-lhe um ofício, e de trazer a sua reabilitação, capacitando-o a se reintegrar à
sociedade com uma nova opção de vida. O trabalho na prisão gera bons produtos, além
de disponibilizar mão de obra barata sendo, assim, bastante lucrativo. Porém, todas as
facilidades dessa produção colocam em risco o emprego dos trabalhadores livres, que se
opõem a esse sistema através de seus sindicatos. A pressão é tanta que leva as
autoridades a suspender essa atividade, sendo responsável pelo fracasso do sistema
(BITENCOURT, 2000: 98).
O sistema Auburniano é, principalmente, adotado nos Estados Unidos por ser
economicamente mais vantajoso, já que as celas coletivas possibilitam abrigar um maior
número de pessoas em um espaço menor, além de gerar uma produção maior,
importante para o desenvolvimento do país, naquele momento.
Com o passar do tempo, a pena de morte vai sendo abandonada e a pena privativa de
liberdade se estabelece. Os sistemas penais vão sofrendo reformas regularmente, diante
de análises entre erros e acertos. O sistema progressivo surge como uma reformulação
dos sistemas anteriores com base no sistema Auburniano e nas suas reformas. Além da
função social e econômica, o novo estabelecimento apresenta uma função científica. A
adoção do sistema progressivo torna a pena mais individualizada, sendo então
necessária a observação constante do preso, assim como estudos criminológicos e
psicológicos para aplicação de penas adequadas a cada indivíduo de acordo com seu
histórico, personalidade e tipo de crime cometido, a fim de que seja feita a passagem de
cada indivíduo de um estágio para o outro da pena.
A principal característica deste sistema é o ganho progressivo de regalias, baseado na
boa conduta do preso e no progresso de sua reabilitação, podendo até ser reintegrado à
sociedade antes do final da pena. Outra característica do sistema progressivo é a
classificação dos presos quanto à gravidade do seu delito e a diminuição do rigor em
relação à disciplina, valorizando mais a vontade do preso (BITENCOURT, 2000: 99).
O Sistema Progressivo Inglês é desenvolvido pelo capitão Alexander Maconochie,
governador da ilha Norfolk, em 1840. Para essa ilha australiana são mandados os presos
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
79
reincidentes da pena de transportation, onde o trabalho e a boa conduta podem diminuir
a pena. Todos os presos, ao serem condenados, recebem uma cota de marcas ou vales
que devem adquirir ao longo da pena, de acordo com a gravidade do seu delito. Todos os
dias são avaliadas a sua produtividade e a sua conduta - quanto maior a sua
produtividade e melhor sua conduta, mais vales ou marcas são recebidas. O mau
comportamento, a desobediência e baixa produtividade são punidas com multas, em
vales diminuídos dos já adquiridos. Quando se alcança a cota estabelecida passa-se à
fase seguinte, a liberdade condicional (BITENCOURT, 2000: 100).
O sistema é dividido em três fases: (1) Isolamento celular diurno e noturno: chamado de
período de provas, que tem como objetivo a reflexão do preso sobre o seu delito. Nessa
fase, o trabalho é obrigatório e a alimentação reduzida. (2) Trabalho em comum sob a
regra do silêncio: nesta fase o preso é transferido de estabelecimento para o public
workhouse sob o regime de trabalho coletivo, em absoluto silêncio e isolamento noturno
(BITENCOURT, 2000: 100). Nesta fase o preso é mantido, até conseguir os vales
necessários para receber o ticket leave que lhe dá a liberdade condicional. (3) Liberdade
condicional: nesta fase, o preso obtém uma restrita liberdade, que deve ser cumprida por
certo período com obediência; após esse período, o condenado recebe sua liberdade
definitiva.
O Sistema Progressivo Irlandês, por sua vez, é concebido por Walter Crofton a partir do
sistema de Maconochie. A principal diferença entre os sistemas é a implantação das
"prisões intermediárias", com o objetivo de uma melhor preparação do condenado para a
sua reintegração à sociedade (BITENCOURT, 2000: 102). As "prisões intermediárias"
são uma prova de aptidão, uma quarta fase entre a segunda fase (reclusão) e a liberdade
condicional.
Assim, o sistema é dividido em quatro fases: (1) Reclusão diurna e noturna: segue o
mesmo regime do sistema progressivo inglês e é cumprido em prisões centrais e locais.
(2) Reclusão celular noturna e trabalho coletivo diurno: segue o mesmo regime do
sistema progressivo inglês, mas desta fase ainda não alcança a liberdade condicional. (3)
Período intermediário: essa fase é cumprida em prisões especiais, sem muros ou trancas
com menos rigor, e os trabalhos são realizados no seu exterior. (4) Liberdade
condicional: com as mesmas características do sistema anterior (BITENCOURT, 2000:
103).
Diversos países seguem as alterações do sistema progressivo, criando estabelecimentos
penais com finalidades diferentes, a partir do final do século XIX, cada um atendendo a
uma fase do sistema. Assim se estabelecem os presídios ou casa de correção – que
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
80
abrigam presos provisórios; as prisões de segurança máxima – muito usadas nos
Estados Unidos, conhecidas como supermax; e as prisões de regime aberto e semiaberto
– que atendem aos últimos estágios da pena.
No final do século XIX, o sentimento nacionalista surge como afirmação dos princípios
liberais aplicados à nação. Esta deve então ser entendida como um grupo de indivíduos
dotados de liberdades “naturais” que dividem um território – o Estado – interesses e a
língua (BENÉVOLO, 1998: 372). As colônias européias ganham independência e
governos republicanos se estabelecem. O Estado passa a ter vital importância na vida
social: o controle e a ordem, da mesma forma, seus equipamentos como: escolas,
hospitais, entre outros, já que o governo é o representante da nação. Suas obras são em
geral grandiosas, enaltecendo sua soberania, a identidade nacional e a constante
necessidade de controle da ordem pública.
Neste contexto, a primeira instituição construída para presos provisórios especificamente
é a prisão de Fresnes (Fig. 19), na França, projetada por Francisque Henri-Poussin em
1898. Assume um partido novo, que fica conhecido como telephone-pole-plan, espinha
de peixe ou blocos paralelos. Adota uma distribuição pavilhonar com blocos paralelos,
que facilitam a ventilação e a iluminação natural que são ligados por um corredor
perpendicular. Seus blocos apresentam equipamentos comuns, como locais de trabalho e
postos médicos no pavimento térreo. Os espaços entre os blocos são usados para banho
de sol e exercícios. Esse modelo se difunde amplamente pelo mundo, apresentando
diversas variações (JOHNSTON, 2000: 117).
O Estado moderno e suas instituições têm grande papel social. O crescimento acelerado
e desordenado devido à industrialização das cidades traz condições de insalubridade,
miséria e o aumento da criminalidade e da desordem pública – crescendo o número de
roubos, “vagabundos”, manifestações públicas, etc. É necessário restabelecer a ordem
pública e coletiva e o Estado – maior poder social – assume esta responsabilidade. “A
atração hipnótica da grande cidade deriva-se da sua posição original, como instrumento
do Estado nacional e símbolo de seu poder soberano: nas mais remotas dentre todas as
funções urbanas” (MUNFORD, 1998: 575)
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
81
Fig. 19 – Prisão de Fresnes
Fonte: JOHNSTON, 2000: 117
A modernidade e os Estados Totais têm como papel principal o crescimento do coletivo,
através da urbanização das cidades, fornecimento de infra-estrutura, habitação social e
estabelecimento de instituições públicas como hospitais, prisões, escolas e manicômios.
Desse modo, a criminalidade e seus estudos passam a ter grande importância perante a
função social e disciplinar do Estado.
A Filosofia Penal Moderna
90
, adotada em vários países ocidentais se baseia na verdade
universal através da ciência positivista – fundamentada no evolucionismo – e busca
funcionar como tal. Os estudos científicos e biológicos ditam a verdade sobre a
normalidade, de modo que anomalias físicas, mentais, ou comportamentais são vistas
como problemas que se dão em nível biológico – seja como herança (genótipo) ou por
efeitos do meio (fenótipo) na sua base biológica – devendo, portanto, ser tratados através
dos métodos científicos. Assim, como nos laboratórios, esses indivíduos ditos “anormais”
devem permanecer isolados, para que em um ambiente neutro, possam ser estudados e
analisados e, distante de interferências externas que possam ter motivado a infração,
possam ser tratados e avaliados. Segundo Baratta, “a infração foi prorrogada pela escola
como uma positiva concepção determinista da realidade em que o homem está inserido,
e que, no final, todo o seu comportamento é uma expressão” (2004:32)
91
.
90
Considera-se a filosofia penal moderna como a aplicação dos sistemas restritivos de liberdade
com fim de ressocialização – sistema progressivo – fundamentados em métodos científicos que se
configuraram a partir do fim do século XIX.
91
Tradução livre da autora (El delito era así reconducido por la escuela positiva a una concepción
determinista de la realidad en la que el hombre resulta inserto y de la cual, en fin de cuentas, es
expresión todo su comportamiento).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
82
O regime penal utilizado é o progressivo e acredita-se na evolução do indivíduo
direcionada a um fim pré-determinado – a ressocialização. A administração e o
gerenciamento do progresso do preso trazem a necessidade de observação constante,
assim como estudos criminológicos e psicológicos freqüentes. Esses estudos buscam
estabelecer a relação causal-explicativa do delito, delinqüente e as causas para os fatos.
Desse modo, ao longo do período moderno, diversas instituições são construídas em
grandes proporções buscando abrigar todas as fases do tratamento penal, abrigando a
idéia de conjunto presente no período.
... todas as bem sucedidas instituições da metrópole repetem, em sua própria organização,
o gigantismo sem meta do todo. Ao reagir contra as antigas condições de escassez e
penúria, a economia metropolitana chegou assim ao outro extremo e concentrou-se na
quantidade, sem prestar atenção à necessidade de regular o ritmo, a distribuir a quantidade
ou assimilar a novidade. (MUNFORD, 1998: 573)
A partir do final da década de 1920, enormes prisões são construídas. A grandiosidade
dos projetos busca abrigar as diversas fases do sistema penal em uma só edificação,
evitando a transferência do preso. Estes modelos também visam a economia de gastos,
utilizando alguns equipamentos comuns como o hospital, áreas de trabalho e cozinha
para todas as instituições contidas em seu interior, como é o caso da Penitenciária
Estadual de Michigan nos Estados Unidos (1924), do Carandiru em São Paulo (1954), da
francesa Fleury-Mérogis (1968) e Youth Prison nos Estados Unidos (Fig. 20). Esses
modelos não são bem sucedidos devido a suas proporções exageradas e por utilizarem
grandes equipamentos comuns que obrigavam o preso a circular pela unidade,
impedindo o controle necessário.
O sistema progressivo vai sendo substituído por uma individualização de cunho científico,
onde pessoas especializadas tratam de diversas etapas do processo penal, julgando e
avaliando o preso, sem conhecimentos criminológicos. O próprio sistema progressivo se
torna questionável, já que a avaliação feita aos presos quanto à sua reabilitação é feita
sob constante observação, em condições muito diferentes da realidade do mundo
exterior. A boa conduta também é questionável, podendo ser aparente ou mal avaliada
(BITENCOURT: 2000: 104).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
83
Fig. 20 – Youth Prison, EUA, 1968
Fonte : JOHNSTON, 2000 : 150
Desse modo, a partir da década de 50 são propostos modelos de prisões de menores
proporções com capacidade máxima de 1200 presos, na Europa e Estados Unidos – as
unidades do período moderno abrigam de 4000 a 6000 presos
92
. Da mesma forma,
busca-se desmembrar o complexo – que abriga os vários tipos de unidades – em
unidades independentes e mais direcionadas – como as unidades para tratamento de
menores e doentes mentais (GILL, 1967: 07).
3.3. Transformações e ajustes
A exacerbação do nacionalismo e o estabelecimento dos governos totalitários em todo o
mundo levam ao extremo os poderes governamentais em nome do bem-estar da nação,
culminando no nazismo. A busca do estabelecimento de uma verdade única, da
purificação – de raças, sociedades, cultura – e sua evolução e progresso para o
estabelecimento de uma grande nação, justificavam legalmente os meios utilizados para
tanto. O combate às “anomalias” gera o isolamento e a execução de um enorme número
de pessoas, além de se tornarem comuns as práticas de tortura.
92
C.f. Gill (1965: 07) “A Penitenciária Estadual de Stateville, tipo panopticon, em Illinois, e a nova
prisão Joliet State sua associada, têm acomodações para 4600 detentos; a prisão do estado de
Michigan, em Jackson, abriga 5800 prisioneiros”.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
84
… Na era do Nacional Socialismo o Professor Edmund Mezger, que naturalmente já aceitou
a existência de duas leis penais, um para o cidadão normal - a validade dos princípios
básicos do direito penal - e outro para os cidadãos “especiais" – com a legítima redução das
garantias - em favor de um idealismo. (RODRIGUEZ, 2007: 05)
93
O fim da segunda guerra e a extinção gradual dos governos totalitários traz grande
reflexão acerca do poder do Estado e suas práticas, assim como dos diretos humanos.
Na Inglaterra, o Ato Penitenciário de 1948 defende que o objetivo da prisão é a reforma
do condenado (VAZ, 2005; BRODIE et al, 1999). Em 10 de dezembro de 1948 é adotada
pela Assembléia das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
fixando os direitos de todo e qualquer indivíduo, à dignidade independente de diferenças
– entre raças, classes sociais, sexo, etc. Desse modo, busca-se que a diversidade seja
vista como natural, seja aceita e respeitada, apesar de ainda buscar ser uma verdade
universal. Tornam-se comuns manifestações e organizações contra o abuso de poder e a
tortura em todo o mundo, inclusive quanto às condições dos estabelecimentos penais,
também abordadas no documento:
Artigo II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos
nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
Artigo IX: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X: Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por
parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI: 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à
sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato
delituoso. (NAÇÔES UNIDAS, 1948: não paginado)
O estabelecimento dos direitos humanos, o número crescente de estudos de culturas
particulares e seu reconhecimento, aliados à descentralização dos Estados, trazem a
particularidade para as práticas públicas e, conseqüentemente, para a filosofia penal e os
estudos criminológicos. Entende-se que as leis – ou contratos sociais – variam de acordo
com os valores e regras sócio-culturais que não são unânimes. “O fim do absoluto e o
desenvolvimento de uma cultura mais pluralista” (GARLAND, 2001: 88)
94
.
93
Tradução livre da autora (… en la época de nacionalsocialismo el profesor Edmund MEZGER,
quien desde luego aceptaba ya existencia de dos derechos penales, uno para el ciudadano normal
– con vigencia de los principios básicos del derecho penal –, y otro para los ciudadanos
“especiales” - con la legitimada reducción de garantías - a favor de un idealismo).
94
Tradução livre da autora (The endings of absolutes and the development of a more pluralistic
culture).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
85
Observa-se assim a diferenciação da legislação e do tratamento penal em diferentes
países e, dentro dos países, fragmentado entre os estados. Nessa situação encontram-se
Brasil e Cuba, admitindo diferentes sistemas estaduais, os Estados Unidos, onde alguns
estados adotam a pena de morte e outros não, o Canadá, onde casos de pequenas
penas são gerenciados por estados e penas maiores pelo país ou o México, que
apresenta um sistema federal admitindo ainda algumas particularidades entre estados.
Não pode reduzir-se o direito apresentando-o puramente como norma, mas a partir da
teoria crítica que lhe define como prática discursiva, social e produtora de sentidos
diferentes aos sentidos construídos de outros discursos. (ZAIKOSKI, 2007: 03)
95
.
Além da admissão de diferentes sistemas penais nos países, algumas Constituições e
Códigos Penais passam a apresentar tratamento diferenciado para grupos culturais,
como na Bolívia, onde o tratamento dado aos povos indígenas é diferenciado (VITOR,
2003). De qualquer modo, a questão é amplamente discutida em diversos países,
resultando, em geral, não em uma mudança de paradigma, mas em pequenos ajustes,
como novas leis e emendas constitucionais, normatizando algumas questões que
buscam a individualização. Admite-se assim, a diferença não só no tipo de delito
enquanto ato – ação materializada –, mas também no autor – personalidade e história do
delinqüente.
Segundo Garland (2001), nesse período de crescimento econômico, o Estado se fixa em
ações sociais, buscando dar suporte à população mais necessitada. Na Inglaterra, em
1959, o White Paper Penal Pratice in a State Society, uma espécie de relatório,
estabelece que: “as presentes edificações se mantêm como uma negação monumental
dos princípios com os quais nos comprometemos”
96
(BRODIE et al, 1999: 29). Desse
modo, o Development Group for Design of Prisons, estabelecido desde 1958, desenvolve
novos projetos para 40 novas unidades, que ficaram conhecidas como geração “New
Wave”, que têm como objetivo gerar possibilidades de recuperação e educação para os
detentos e reduzir os custos com as construções das prisões (BRODIE et al, 1999: 29).
A primeira unidade a ser construída, a partir deste novo princípio, foi a prisão de
Blundeston (Fig. 21) que utiliza blocos de celas em “T” (Fig. 22) com proporções bem
menores ligados aos blocos centrais de uso comum. É a primeira unidade (1963) a adotar
a idéia de complexo penal, que ainda hoje é utilizada, que consta em um grupo de
95
Tradução livre da autora (No puede reducirse el derecho a lo presentado como puramente
norma, sino que desde la teoría crítica se lo define como práctica discursiva, social y productora
de sentidos diferentes a los sentidos construidos desde otros discursos).
96
Tradução livre da autora (the present buildings stand as a monumental denial of the principles to
wich we are committed).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
86
unidades de pequeno porte – em relação às unidades modernas – que utilizam alguns
equipamentos de uso em comum. As edificações apresentam certa autonomia e utilizam
o centro das unidades de vivencia, como áreas de vivencia comum. Cada pavimento
apresenta duas galerias de celas e um alojamento comum, além de instalações sanitárias
e uma área de vivencia no primeiro pavimento, permitindo também uma certa autonomia
(MADGE, 1967: 11).
Fig. 21 – prisão de Blundeston, Inglaterra
Fonte: BRODIE et al, 1999: 30
Fig. 22 – bloco de vivência da prisão de Blundeston,
Inglaterra
Fonte: MADGE, 1967: 10
As grandes unidades já existentes são subdivididas em unidades menores, que permitem
maior aproximação de funcionários e presos, melhor acompanhamento e controle do
preso: “deveremos pensar em termos de um grande número de pequenas prisões e não
de um pequeno número de grandes prisões” (MADGE, 1965: 07). Essa mudança na
concepção do espaço penal também facilita as divisões extra-oficiais – negros, judeus,
estrangeiros, asiáticos – evitando comuns atritos entre grupos de presos que, em
grandes unidades, obrigatoriamente dividem espaços comuns e enormes galerias de
celas. Segundo Johnston (2000: 153), esse princípio também tinha como objetivo
estabelecer um espaço mais pessoal para o preso, incentivando o convívio social.
Esse conceito também se difunde nos Estados Unidos na década de 60, a partir das
chamadas unit team management: “... uma instituição era dividida em uma série de
pequenas unidades de vivência, independentes, operando de forma semi-autônoma,
cada uma com sua equipe de segurança e profissional”. (JOHNSTON, 2000: 153)
97
Esta
97
Tradução livre da autora (an institution was divided into a series of small, self-contained inmate
living units operating semiautonomously, each with its own Custodial and Professional staff)
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
87
idéia é muito aplicada e a partir da década de 70
98
, adota-se principalmente formas
triangulares apresentando celas e/ou alojamentos na borda e a área comum no centro
(Figs. 23 e 25) – que fica conhecida como dayroom. (JOHNSTON, 2000: 153; VAZ, 2005:
89) O modelo é usado originalmente nos Estados Unidos em unidades de segurança
média, que priorizam o tratamento do preso e sua ressocialização, mas posteriormente é
aplicado a diversos sistemas e países (Fig. 24).
Fig. 23 – Dayroom, prisão no Arizona, EUA
Fonte: JOHNSTON, 2000: 156
Fig. 24 – ADX Supermax, EUA, 1994
Fonte: http://abcnews.go.com/TheLaw/story?id
3435989
A partir do fim da década de 1960, diversos países, além de adotar diferentes
estabelecimentos penais, passam a diferenciar e direcionar o tratamento penal segundo:
idade – diferenciando o tratamento aos jovens – sexo, grau de instrução e reincidência,
buscando direcionar as atividades de ressocialização. Os órgãos responsáveis pela
gestão penal passam também a ser responsáveis pela fiscalização das condições dos
estabelecimentos e sua gestão: alimentação, atividades, etc., buscando atender as
regras da ONU. Nos Estados Unidos (1969), a Convenção Americana de Direitos
Humanos estabelece a distinção para o tratamento de jovens menores de idade e a
segregação entre os presos já sentenciados e os que aguardam julgamento (CURE,
2006). Na Alemanha, o Projeto Alternativo do Código Penal Alemão, de 1966, adotado
como lei em 1975, busca relativizar a penalidade, estudando caso a caso as condições
do delito e do delinqüente.
98
Segundo Johnston (2000) a primeira unidade a ser construída segundo essa tipologia é a prisão
de Chicago, em 1975.
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
88
Fig. 25 – Penitenciária de Orange, EUA, 1991
Fonte: SENNA, 1996: 230
O relatório do American Friends Service Committee
99
(1971) faz duras críticas ao modelo
penal corrente: “o ideal através do qual, reformadores vêm nos encorajando há pelo
menos um século, é, teoricamente, falho, sistematicamente discriminatório na
administração e inconsistente em alguns de nossos conceitos mais básicos de justiça”
(apud GARLAND, 2001: 54)
100
. O sistema progressivo e a crença de que o criminoso tem
uma patologia social é considerada discriminatória por entender como normais os
indivíduos que apresentavam o comportamento de indivíduos de classe média – de
brancos – e por permitir distorções e abusos. “Esse período de mudança foi anunciado
pela crítica da prática correcional e do ataque centralizado na sentença indeterminada e
no tratamento individualizado”. (GARLAND, 2001: 53)
101
99
O American Friends Service Committee é uma organização não-governamental engajada na
luta pelos direitos humanos, pela justiça e dignidade humana. Foi fundada em 1917 com base nos
princípios desenvolvidos pelos Quakers.
100
Tradução livre da autora (the individualized treatment model, the ideal toward which reformers
have been urging us for at least a century, is theoretically faulty, systematically discriminatory in
administration, and inconsistent with some of our most basic concepts of justice).
101
Tradução livre da autora (This period of change was heralded by the critique of correctionalism
and the concerted attack upon indeterminate sentencing and individualized treatment).
dayroom
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
89
A crise energética da década de 70, o alto nível de desemprego e o corte de ações
sociais associados às longas jornadas de trabalho e ao crescimento do consumo,
facilitam a entrada de jovens para a criminalidade (GARLAND, 2001: 91). Diversos países
já podem constatar um alto crescimento da criminalidade e violência urbana, que se dá
também a partir do estabelecimento da criminalidade organizada, modificando o caráter
do crime. Desse modo, as políticas penais se tornam mais duras e surgem os modelos
supermax-security (Fig. 26) na Inglaterra e Estados Unidos. Caracterizam-se pelo alto
nível de segurança – alcançado principalmente pela implantação de aparatos de
segurança de alta tecnologia – isolamento completo – muitas unidades apresentam
pátios para banho de sol individual (Figs. 27 e 28) – e ausência de atividades de
ressocialização.
Fig. 26 – supermax, Califórnia
Fonte: www.califcity.com/prison.html
Fig. 27 – pátio individual, Pelican Bay
Fonte: http://www.sfbappa.org/
Awards/picturestory/picstory28.ex2.html
Essas unidades não apresentam um modelo específico, apenas adéquam a edificação ao
alto nível de segurança, a partir da utilização de equipamentos de segurança e
monitoramento (VAZ, 2005: 84). Muitas vezes, essas unidades fazem parte de um
complexo ou são alas de unidades que abrigam outros níveis de segurança, como é o
caso da prisão de Minnesota (1982, Fig. 29) e Pelican Bay (1989, Fig. 30). Desse modo
apresentam-se duas direções: o desenvolvimento das unidades com alto nível de
segurança – para presos reincidentes, considerados mais perigosos – e unidades de
“tratamento direto” com menores proporções para os presos considerados “reabilitáveis”
(JOHNSTON, 2000: 160; GARLAND, 2001: VAZ, 2005: 88).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
90
Fig. 28 – prisão de Minnesota, EUA, pátios para
banho de sol individual
Fonte: JOHNSTON, 2000: 157
Fig. 29 – prisão de Pelican Bay, EUA
Fonte: Fonte: www.npr.org/
templates/story/story.php?storyId=5584254
A instabilidade econômica da década de 1980 traz a decadência do poder dos Estados
Nacionalistas, sofrendo forte influência da política neoliberal, que marcou esta década,
diminuindo a intervenção estatal e fortalecendo a iniciativa privada. “Como memória
coletiva da depressão, desemprego em massa e privação começam a desaparecer, o
Estado se mostra mais como um problema do que como solução”. (GARLAND, 2001:
94)
102
Cresce o pessimismo e a idéia de que nada funciona – nothing works – somente o
tratamento penal não é suficiente. Prática corrente, a privatização foi rapidamente
adotada no sistema penal em diversos países como Austrália, França, Canadá e
principalmente nos Estados Unidos, justificada pela superlotação e os altos custos de
construção e manutenção dos estabelecimentos penais (VAZ, 2005: 84).
... nos EUA o preso enquanto está nas mãos do Estado custa, por dia, 50 dólares, e quando
esse mesmo preso é transferido para as mãos da iniciativa privada custa 25 dólares/dia, em
iguais ou melhores condições, pelo simples fato do empresário saber gerir melhor seu
dinheiro, ao contrário dos agentes do Estado que gerem o ‘dinheiro de ninguém’ (D’URSO,
2007: não paginado).
Apresentam-se quatro tipos de privatização: (1) Privatização Total: a empresa constrói a
instituição, sendo completamente responsável pela direção, gerenciamento, segurança e
administração; (2) Construção privatizada: a empresa é responsável pela construção da
edificação penal e o Estado paga por um período pré-determinado pela sua locação.
Após o término deste período a edificação passa a ser propriedade do Estado. O Estado
é responsável pela gestão; (3) Prisões indústria: a construção pode ficar a cargo do
Estado ou ser privatizada. O Estado estabelece um contrato com a empresa que utiliza a
mão de obra dos presos e em troca fornece todas as suas necessidades: alimentação,
102
Tradução livre da autora (As collective memories of depression, mass unemployment and
destitution began to fade, the state appeared to many to be the problem rather than solution).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
91
vestimenta, saúde e segurança; (3) Terceirização: as empresas são contratadas para
fornecimento de serviços como segurança, saúde, educação, alimentação. A
responsabilidade estatal não é alterada. (D’URSO, 2007: não paginado).
A gestão privatizada das unidades penais, a princípio, não traz nenhuma modificação na
concepção de seu espaço físico. Antigos modelos continuam a ser utilizados neste tipo
de gestão, porém a parceria com a iniciativa privada permite um maior investimento nas
edificações e suas condições de conforto e manutenção (Fig. 30). Com o tempo são
elaborados modelos de grandes proporções (Fig. 31), formados por grandes blocos
monolíticos (BRODIE et al, 1999: 51).
Se considerarmos a prisão como um lugar de enquadramento social, a privatização
representa, forçosamente, uma perversão. As prisões passam a ser objeto de grandes
mercados de projetos que privilegiam os modos de aprisionamento simples que adulam,
sobretudo, as veleidades de segurança, e os menores custos de entreterimento e de
gestão: não correr risco... (ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 42)
103
Fig. 30 – prisão privatizada americana
Fonte:
http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.html
Fig. 31 – prisão privatizada na Inglaterra, 1997
Fonte: BRODIE et al, 1999: 51
A década de 1990 é marcada pela disseminação das redes de comunicação e
informação que dão origem à utilização da monitoração eletrônica ativa, ou seja, o uso de
equipamentos eletrônicos, como coleiras, tornozeleiras, bem como chips fixados ao corpo
do condenado, que monitoram sua movimentação e até mesmo suas condições
fisiológicas – teor de álcool ou drogas no organismo (VAZ, 2005: 93). A utilização de tais
aparatos colocam em xeque o papel da arquitetura no aprisionamento. O uso de câmeras
para monitoramento e sitemas de segurança como: detectores de metais, de substãncias
ilícitas, leitores óticos, de digitais, de voz são cada vez mais comuns, assim como o uso
do celular pelos presos para atividades ilegais.
103
Tradução livre da autora (Si l’on considère la prison comme um lieu d’encadrement social, la
privatisation represénte forcement une perversion. Les prisons à venir font l’objet de grands
marchés de projets qui privilégient les modes d’incarcération simples qui flattent avant tout les
velléités sécuritaired, et les moindres coûts d’entretein et de gestion: ne pas pendre de risque...)
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
92
Outro movimento comum na década de 90 é a adaptação de antigos edificios penais na
Inglaterra (Fig. 32) e Holanda. O número de presos vem crescendo desde a década de
80 e a adaptação de edificações antigas se mostra economicamente eficiente. As
antigas unidades recebem equipamentos como cozinha e novas instalações sanitárias,
tratamento das coberturas para melhor iluminação e ventilação, assim como adaptações
para os novos sistemas de segurança (BRODIE et al, 1999: 44).
Fig. 32 – prisão de Manchester, 1993
Fonte: BRODIE et al, 1999: 44
Na Argentina, a lei contra o uso e porte de armas de fogo (2004) também mostra a
importância dada ao autor e à sua personalidade, sendo um agravante da pena. Tal fato,
é recorrente em diversos países e vem alterando o princípio fundamental do direito penal
moderno – fundamento no ato, puramente e na sentença indeterminada – gerando a
crítica de diversos profissionais da área, como mostra a critica de Tropea (2007:03):
“Nosso sistema adota um direito penal de ato e não de autor, ficando absolutamente
proibido qualquer tentativa de sancionar “personalidades”, “formas de ser”, ou “estados
perigosos” sem que tenham se materializado em ações
104
. De um modo geral, é possível
considerar que existe uma valorização do método tópico em detrimento do método
sistemático e a imputação objetiva, ou seja, calcada no fato em si, excluindo o conjunto
dos acontecimentos que o gerou.
104
Tradução livre da autora (Nuestro sistema adopta un derecho penal de acto y no de autor,
resultando absolutamente prohibido cualquier intento de sancionar ’personalidades’, ’formas de
ser’ o ’estados peligrosos’ sin que se hayan materializado en acciones).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
93
Podemos desta forma, estabelecer um conceito para a ação, como elemento do ilícito, como
a exteriorização do mundo da vida do agente num determinado grupo social, em dissenso
com os valores reconhecidos pelo mesmo grupo social, que decorrem da interpretação das
normas vigentes que dão validade à expectativa de comportamento exigido como
preferenciais pelas regras deste grupo. (CAMARGO, 2001: 93)
Observa-se, portanto, uma tendência à fragmentação e à descentralização do papel do
Estado, individualização, localização e direcionamento do tratamento penal, além da
abordagem interdisciplinar da criminologia, dependendo das áreas de psicologia e
sociologia, principalmente. A legitimação do delito e sua qualificação passam a se
relacionar não a um único fato causal, mas a uma conjunção de acontecimentos de
ordem diversa que inclui não só a natureza e o caráter do crime, mas também do autor,
sua personalidade e história de vida, da situação. De certo modo a exploração da
violência pela mídia reconstituindo casos, mostrando a vida do delinqüente, e a
constatação da ineficiência do Estado, traz a idéia de insegurança e a banalidade da
violência.
Cada vez mais, a criminalidade contemporânea vê o crime como normal, rotina, lugar-
comum, cometido por indivíduos que são, para todas as intenções e propostas,
perfeitamente normais. No ambiente penal, essa linha de pensamento tende a reforçar
políticas retributivas e dissuasivas, na medida que se afirma que ofensores são atores
racionais que são responsáveis por desincentivos e inteiramente responsáveis por seus
atos criminais. (GARLAND, 2001: 15)
105
Na filosofia penal nota-se que não há uma direção única, mas um abrandamento da pena
– até mesmo com as penas alternativas - para casos pequenos e, na direção oposta, o
endurecimento das penas de casos considerados graves. O modelo penal adotado não
tem tido bons resultados, mas ainda não foi apresentado um novo modelo que substitua a
prisão. O papel da vítima ganha forte importância, seu relato, seu sentimento passa a ser
considerado no julgamento do réu, assim como a opinião pública tende a ter grande peso
e influenciar através da participação e acompanhamento pela mídia. Detalhes dos crimes
acompanhados em tempo real e o sofrimento de vítimas e suas famílias acompanhados
dia-a-dia, fazem com que o público se coloque no lugar da vítima.
A vítima é agora, de certo modo, uma figura muito mais representativa, sua experiência é
tida como comum e coletiva em vez de individual e atípica. (...) Imagens publicadas de
vítimas atuais funcionam para personalizar, vida-real, podia ter sido você, metônimo do
105
Tradução livre da autora (Contemporary criminology increasingly views crime as a normal,
routine, commonplace aspect of modern society, committed by individuals who are, to all intents
and purposes, perfectly normal. In the penal setting, this way of thinking has tended to reinforce
retributive and deterrent policies insofar as it affirms that offenders are rational actors who are
responsive to disincentives and fully responsible for their criminal acts).
Visão de Mundo e Concepção do Espaço Penal – Capítulo 3
94
problema de segurança que vem a definir traços da cultura contemporânea. (GARLAND,
2001: 13)
106
Podemos dizer que o traço comum da mudança causada pelo pensamento pós-moderno
é a relatividade, responsável pela particularização e conseqüente fragmentação,
presentes nas questões sociais, políticas, científicas e artísticas, gerando a pluralidade. A
consciência da constante transformação do mundo permite essa coexistência de idéias e
tipos e a efemeridade das idéias e pensamentos, que impossibilitam o estabelecimento
de um modelo único. Desse modo, justifica-se a permanência de antigos paradigmas, sob
pequenos ajustes: não há o estabelecimento de novos códigos sociais, ou um movimento
artístico dominante que invalide, ou substitua os anteriores, mas pequenas alterações em
pontos contextuais.
Na arquitetura penal é possível estabelecer dois principais caminhos: (1) utilização de
tipologias, releituras de antigos modelos adaptados ao seu contexto; (2) tendência à
fragmentação e, de certo modo, à desconstrução da edificação penal. Desse modo, as
grandes unidades prisionais vão tomando nova forma, através de aglomerados de
unidades de menor porte que apresentam uma certa autonomia, permitindo que o preso
realize grande parte de suas atividades em sua pequena unidade. Os elementos que
constituem essas novas unidades são os mesmos do passado, mas organizados de
forma diferente. Desse modo não há alterações nos sistemas implantados, mas uma
tendência a um tratamento penal mais personalizado.
Atualmente, as respostas arquitetônicas mais interessantes, relativas aos programas de
prisão, resumem-se geralmente a um reflexo das tendências ligadas ao desenho; a
contribuição principalmente atendida pelos arquitetos é de “atualizar” a “caixa-prisão”. Mas,
alguma mutação dos esquemas arquitetônicos e sociais que governam os projetos de
prisões, depois de mais de dois séculos, não é verdadeiramente perceptível
(ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 39)
107
.
Para proceder de forma mais detalhada a análise de alguns tipos arquitetônicos
existentes, no próximo capítulo será abordada a relação entre as tipologias, modelos e
arquitetura penal e suas relações com as concepções de mundo presentes no
pensamento penal.
106
Tradução livre da autora (The victim is now, in a certain sense, a much more representative
character, whose experience is taken to be common and collective, rather than individual and
atypical. (…) Publicized images of actual victims serve as personalized, real-life, it-could-be-you
metonym for a problem of security that has become a defining feature of contemporary culture).
107
Tradução livre da autora (Aujord’hui, lês réponses architecturales lês plus interessantes
concernent lês programmes de prison se résument Le plus souvent à um reflet des tendances
liées au design ; l’apport principalement attendu des architectes est d’ «actualiser» la boîte-prison.
Mais aucune mutation des schémas architecturaux et sociaux qui governent les plans de prisons
depuis de deux siècles n’est véritablement perceptible.)
4
CAPÍTULO
Arquitetura Penal: Tipologias e Modelos
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
96
4. ARQUITETURA PENAL: TIPOLOGIAS E MODELOS
O capítulo anterior abordou o surgimento dos modelos e tipos penais associados à visão
de mundo; neste capítulo, pretende-se estudar a sua aplicação e transformações
decorrentes, a partir da linguagem e teoria de arquitetura possibilitadas pelas visões de
mundo, presentes em cada período estudado. Dessa forma, este capítulo relaciona a
arquitetura penal – seus tipos e modelos – com a arquitetura e suas teorias, investigando
se aparecem na arquitetura penal vestígios da linguagem geral da arquitetura e, se
existem, de que forma contribuem para a configuração do espaço penal. Pretende-se, a
partir dessas análises comparativas, identificar as características que associam os tipos e
modelos penais aos demais, aplicados a outros programas, assim como a sua
interpretação e aplicação na arquitetura penal. Desse modo, pretende-se identificar as
especificidades que dão caráter à arquitetura penal, ao longo do tempo.
A arquitetura abrange o exame de todo o ambiente físico que circunda a vida humana; não
podemos subtrair-nos a ela, até que façamos parte da sociedade urbana, porque a
arquitetura é o conjunto das modificações e das alterações introduzidas sobre a superfície
terrestre, em vista das necessidades humanas, excetuado somente o puro deserto.
(MORRIS apud BENÉVOLO: 1998: 12)
Como já explicitado no Capítulo I – Fundamentos Teóricos, entendemos como modelo, a
idéia de algo estático, repetível que busca ser ideal, funcionando como uma regra; e
como tipo, a idéia de um conjunto de objetos de uma mesma família, diferentes entre si –
variando com o contexto, necessidades práticas e experiências –, mas que apresentam
características comuns ou laços que os associam. Cabe ressaltar que em muitas
situações estudadas, projetos que emergem como modelos, pensados para tanto,
reagem com as situações práticas e contextuais se transformando em tipos – como os
projetos de blocos paralelos – assim como, alguns projetos pensados como modelos
nunca chegam a se apresentar como tal, se configurando como tipos.
Almejando a compreensão do percurso pelo qual as tipologias e modelos penais vêm
passando através de suas transformações, do seu papel dentro de diversos contextos e
dos respectivos pensamentos e teorias arquitetônicas, este capítulo foi organizado em
quatro partes, onde se pretende abordar: (1) as primeiras experiências; (2) a instituição
dos modelos penais e sua relação com as teorias da arquitetura e outros programas; (3)
os modelos penais e suas variações; (4) estudo das tipologias penais pós-modernas e as
releituras de antigos modelos.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
97
4.1. Primeiras Experiências
Até meados do século XVIII a arquitetura se fixa no estudo de relações formais e
geométricas para a concepção do espaço arquitetônico, a partir de interpretações de
questões externas a si. A partir de então, a arquitetura passa também a se relacionar
mais fortemente com as questões sociais e construtivas sem, contudo, invalidar as
formas antigas. (BENÉVOLO, 1998) Desse modo, a arquitetura passa a atender a
programas – tais como hospitais, fábricas, prisões, escolas – que constituem a nova
estrutura sócia,l a partir de princípios iluministas – mentalidade analítica – utilizando
ainda antigos valores formais.
Alberti (1495) propõe que se pense na configuração do espaço a partir de “razões
corretas” entre relações das massas e acumulação dos corpos, ou seja, ideais de beleza
clássicos adaptados à escala do homem, ao aspecto social e à conveniência (PATETTA,
1997; BIERMANN et al, 2003). Perrault (1673) questiona as proporções Vitruvianas e a
teoria clássica, propondo a beleza positiva – fundamentada na normatização e
padronização – e a beleza arbitrária – que surge de uma situação ou circunstância
(FRAMPTOM, 2003; BIERMANN et al, 2003). François Blondel (1675) defende que a
estética depende também da técnica construtiva e da funcionalidade prática, a obra deve
gerar conforto ao homem (BIERMANN et al, 2003). Em 1706 o Abade Cordemoy
estabelece o Novo Tratado de toda a Arquitetura, substituindo a tríade Vitruviana –
utilitas, firmitas e venustas
141
– por ordonnance, distribution e bienséance
142
(FRAMPTOM, 2003: 05; BIERMANN et al, 2003: 274).
Como já abordado no Capítulo III, ao longo do século XVII muitos tratados de arquitetura
mencionam a prisão fazendo duras críticas aos espaços penais e ao tratamento dos
presos, propondo melhores condições sanitárias, uma organização mais racional do
espaço e a participação efetiva da arquitetura. As primeiras prisões concebidas, a partir
desse contexto, apresentavam ainda tímidas soluções retangulares (Malefizhaus, Kassel,
San Michelle) que, porém, já definiam melhor o espaço a partir de uma organização mais
racional que permitia a separação dos presos – em geral por pavimento – segundo
algumas categorias – em geral de sexo e idade – assim como as condições sanitárias
desejadas e locais para o trabalho.
Um dos exemplos inovadores é a prisão Malefizhaus, na Alemanha, construída em 1627
em local administrado pela Igreja (Fig. 33). Esta prisão se direciona à punição e
reabilitação de “bruxos, bruxas e pecadores” (JOHNSTON, 2000: 35) – utiliza a pena
141
Utilidade, solidez e beleza
142
Ordem, distribuição e conveniência
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
98
corporal, assim como o tratamento para a reabilitação do preso, ainda muito associado às
práticas religiosas. Apresenta dois pavimentos: o primeiro, de alojamentos coletivos,
abriga também a sala de guardas e o segundo com celas individuais que abrem para o
corredor central – em cada pavimento encontram-se ainda um altar e salas de convívio
comum para presos. Todas as celas e alojamentos têm janelas abrindo para o exterior e
são equipados por um sistema de aquecimento.
Pavimento térreo
Primeiro pavimento
Fig. 33 – Malefizhaus, Alemanha, 1627.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 36
Outro importante projeto é o da prisão de Kassel (Fig. 34) na Alemanha (1720). Utiliza
três pavimentos, o que permite a separação dos presos – abrigados em alojamentos
coletivos com capacidade para quatro indivíduos. Apresenta ainda uma sala para o
recebimento e encaminhamento do preso, uma área destinada à disciplina, além de uma
mansarda para o banho de sol (JOHNSTON, 2000: 35). O primeiro pavimento se destina
à prisão feminina e o grande hall de circulação é utilizado também como área de trabalho.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
99
Primeiro pavimento
Pavimento térreo
Subsolo
Legenda: a. cela b. hall/corredor c. despensa d. cozinha e. depósito f. sala de disciplina
Fig. 34 – planta do primeiro pavimento, térreo e subsolo da prisão de Kassel, Alemanha, 1720.
Fonte: JOHNSTON: 2000: 35
Boffrand (1745) é o primeiro arquiteto a afirmar que a forma do edifício deve se associar
ao caráter próprio da obra: “A arquitetura é fruto de uma longa evolução de homens
inteligentes que prestaram atenção não só às ordens de colunas (...) como também ao
bem-estar, à comodidade, à segurança, à higiene e ao ’bom senso’” (BIERMANN et al,
2003: 290). Jacques-François Blondel (1750) estabelece conceitos associados à idéia do
tipo, caráter e composição, com o objetivo de fazer da arquitetura uma “poesia muda”
(FRAMPTON, 2003: 06; BIERMANN et al, 2003: 298). Boulée (1780) sustenta que a
ciência da arquitetura consiste em conceber, ou seja, é necessário antes de construir,
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
100
idealizar e instituir meios de concretizar, relacionando o tipo de construção à sua
configuração e aparência. As novas propostas e críticas ao antigo ideal clássico de
beleza e composição inserem a idéia de adequação dos antigos elementos às situações
específicas, ao caráter da arquitetura, à utilidade (PATETTA, 1997).
Apesar da significativa melhora no tratamento penal, a arquitetura ainda contribui pouco
para a execução da pena, pois ainda não há tipologias especificamente direcionadas a
este programa. Outros programas de arquitetura, como o museu (Fig. 38), a biblioteca
(Fig. 37) e o hospital – que nessa época se assemelhava bastante com a prisão –, já
utilizam plantas em cruz (PEVSNER, 1997).
No décimo oitavo-século os edifícios que servem às necessidades da comunidade eram
poucos e distantes entre si e havia pouco para distingui-los em sua tipologia. Com o
Iluminismo, a idéia da ação cívica comum começou a alvorecer nas cidades e nos seus
ambientes. Com a propagação das idéias liberais, uma rede sempre mais densa de edifícios
públicos veio ser estabelecida... As especificações para eles mostram um crescimento
complexo, mas também repetitivo e estandardizado. (MIGNOT, 1983: 213)
143
.
A utilização da planta cruciforme (Fig. 35), ou da organização em bloco (Fig. 36), permite
uma segregação de pacientes – no caso do hospital (Figs. 35 e 36) – e presos
configurando alas mais independentes, cada um com seu pátio interno. Os pátios
internos permitem ampla iluminação e ventilação do espaço – fundamental em um
período em que se acredita que as doenças e são disseminadas por miasmas que se
espalham pelo ar –, além do isolamento da respectiva ala (PEVSNER, 1997: 143;
TOLEDO, 2002: 40). Como o vício é considerado contagioso, os presos são
classificados e separados por categorias – que se fixam na origem social dos presos e
sexo – e se tornam fundamentais. Além disso, as condições precárias dos espaços
penais e a superlotação tornam comum a disseminação de pestes nas prisões.
Largamente [a prisão] inspirou-se junto à evolução higienista dos hospitais que preconizava
na época dormitórios cujas duplas aberturas permitem aos germes e vermes evacuarem-se
"pelos ares"; propõe o uso deste princípio para afastar, graças às correntes de ar, os vícios
e o ócio dos errantes por estes mesmos orifícios. (ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 70)
144
143
Tradução livre da autora (In the eighteenth-century buildings serving the needs of the
community were few and far between and there was little to distinguish them in their typology. With
the Enlightenment the idea of joint civic began to dawn in towns and their environments. As liberal
ideas spread, an ever denser network of public buildings came to be established… The
specifications became increasingly complex, but also repetitive and standardized).
144
Tradução livre da autora (Il s’est largement inspire de l’evolution hygieniste dês hôpitaux qui
prônait à l’époque dês dortoirs dont lês doublés ouvertures permettent aux germes et vermines de
s’évacuer « par les airs » ; il propose l’usage de ce principe pour écarter, grâce aux corants d’air,
les vices et l’oisiveté des malfrats par ces mêmes oifices)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
101
Fig. 35 – projeto de hospital, 1626
Fonte: PEVSNER, 1997: 145
Fig. 36 – hospital dos inválidos, 1670.
Fonte: PEVSNER, 1997: 146
Fig. 37 – biblioteca de Boulée,
1784.
Fonte: PEVSNER, 1997: 103
Fig. 38 – projetos de museus, 1778, 1779.
Fonte: PEVSNER, 1997: 118
A prisão de Newgate, na Inglaterra, reconstruída segundo um novo projeto (Fig. 39), do
arquiteto George Dance em 1769, é um dos primeiros tipos de prisão derivados do
modelo de planta cruciforme. Apresenta um bloco central de acesso e três alas que se
configuram ao redor de pátios centrais: masculina, feminina e de devedores, além de dois
alojamentos para turcos. Utiliza alojamentos coletivos e cinco celas individuais para os
presos “menos submissos”, além de salas para os castigos corporais nas alas masculinas
(JOHNSTON, 2000: 34; HOWARD, 1788). Apesar da utilização dos pátios internos, os
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
102
alojamentos e celas só apresentam aberturas para o interior da edificação impedindo a
ventilação cruzada e uma melhor iluminação do espaço (BRODIE, 1999). Segundo
Howard (1777), apesar do novo projeto suprir diversos problemas do anterior, na prática
o rígido regime e falta de atividades tornavam difícil a reforma do condenado.
Fig. 39 – Terceiro projeto de Newgate, Inglaterra, 1769.
Fonte: JOHNSTON: 2000: 34
Ao longo da reforma prisional do final do século XVIII, muitos arquitetos e engenheiros
buscam um novo modelo para a prisão que se remeta às mudanças pelas quais passa a
arquitetura e suas teorias. Segundo Johnston (2000: 48), as concepções retangulares
simbolizam a inércia, contrariando a idéia de movimento presente neste contexto. Outros
programas de arquitetura, como hospitais, bibliotecas, teatros, entre outros, já empregam
referências de modelos mais antigos, utilizando formas radiocêntricas, circulares e
radiais, que vão se aplicando à arquitetura penal.
Os tipos radiocêntricos se caracterizam pelo uso de formas poligonais agrupadas a partir
de uma forma central – ou ala. O acesso à unidade se faz a partir da ala central, onde se
localizam: a capela, todos os equipamentos comuns e o acesso aos pavilhões de
vivência. No centro de cada pavilhão, uma torre de observação. A estrutura dessa
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
103
tipologia apresenta uma lógica semelhante a dos modelos pavilhonares cruciformes
amplamente utilizados – provavelmente é uma derivação do mesmo. Porém, ao adequar
a tipologia para a prisão, sua forma geométrica básica é modificada para formas
geométricas que apresentavam uma centralidade – em geral o hexágono e o pentágono
– localizando, em seus centros, pontos de vigilância e capelas.
O primeiro projeto radiocêntrico é a Casa de Força de Ghent (já abordada no Capítulo III).
Seu modelo é conhecido como “roda de carroça” (Fig. 40), por apresentar uma forma
poligonal de octógono que contém, no seu centro, um pátio de mesma forma e suas
diagonais preenchidas com alojamentos conformando oito pátios – um para cada
pavilhão (Fig. 41). O pavilhão central dá acesso a todos os pavilhões diretamente pelo
pátio, possibilitando ampla visão da ala, a partir de sua entrada – observação segura e
distanciada das celas e compartimentos – evitando pontos cegos formados por longos
corredores angulosos. Os presos são classificados sob duas categorias, em relação ao
tratamento penal: (1) irrecuperáveis – devido à idade ou à gravidade do crime, ou como
vagabundos, que são obrigados a trabalhar na instituição; (2) recuperáveis – que podem
trabalhar no comércio e têm direito a parte do salário para si próprios. Quanto ao
alojamento dos presos, é separado por: sexo, idade, histórico criminal, e gravidade do
delito cometido. A unidade, na verdade, se configura de várias instituições com
propósitos diferentes: prisão – para criminosos e vagabundos – asilo de mendicância e
orfanato. Desse modo, as celas são organizadas fundo contra fundo, voltadas para os
pátios, impedindo o contato entre presos das diferentes categorias e prejudicando a
ventilação dessas áreas.
Fig. 40 – Casa de Força Ghent, 1772.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 41
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
104
Fig. 41 – Casa de Força Ghent, 1772.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 40
Um dos poucos exemplos desta tipologia é a prisão de Milbank, na Inglaterra, projetada
por Thomas Hardwick, em 1812, para abrigar presos de Londres e Middlesex, que
posteriormente se tornou uma prisão nacional – a partir de uma requisição feita em 1790
(JOHNSTON, 2000). É a primeira grande unidade prisional a ser construída na Inglaterra,
assim como a mais cara na época (BRODIE et al: 1999). A unidade se compõe de seis
pavilhões de vivência – cada um formado por um pentágono – que se organizam a partir
dos lados de um hexágono central (Fig. 42). No centro se localizam todos os
equipamentos de apoio da prisão: uma capela redonda central e nas faces do hexágono,
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
105
enfermaria, despensa, administração, lavanderia, entre outros. Cada pentágono
apresenta um pátio e 36 celas voltadas para o pátio interno, distribuídas em três
pavimentos, além de celas comuns que abrigavam presos mais perigosos ou no início da
pena. Na entrada de cada ala há também celas para receber visitas e um guarda-
volumes. Os sanitários são coletivos e algumas áreas de vivência são dotadas de um
sistema de aquecimento.
Fig. 42 – projeto da prisão de Milbank, Inglaterra, 1812.
Fonte: BRODIE et al, 1999: 12
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
106
O uso de equipamentos comuns prejudica a aplicação do regime celular – que depende
de um isolamento completo – forçando a circulação dos presos para seu uso. A enorme
extensão de corredores angulosos – junto à face externa, invisíveis da torre principal no
centro do pátio –prejudica a vigilância, fazendo necessária a presença de guardas nas
torres dos corredores e conseqüentemente, um contato muito próximo com o preso. Na
prisão de Ghent o acesso feito pelos pátios permite a redução do número de guardas e
uma visibilidade segura das galerias a partir de seu portão de acesso, sem que o guarda
tenha contato com o preso. Possivelmente os corredores de Milbank se configuram dessa
forma buscando melhorar as condições de aeração das galerias. O posicionamento do
corredor junto à parede externa permite que se façam aberturas – não recomendadas
quando as celas estão nessa posição –, permitindo a ventilação cruzada.
4.2. Modelos Penais e Arquitetura
A morfologia circular é amplamente utilizada e difundida sob o fechamento de cúpulas, na
Renascença. Está presente em igrejas, universidades (Fig. 43), teatros (Fig. 44), entre
outros, utilizando a borda do círculo para as áreas de estar, de onde se direcionavam os
olhares para o centro: altar, palco, tablado do professor. Os primeiros projetos de
hospitais circulares (Fig. 45 e 46) e prisões semicirculares já contêm a semente do
modelo prisional panóptico – posterior – bastante aplicado e difundido (Fig. 47 e 48).
Utiliza o centro como ponto de observação, onde se localizam o vigia e a capela, e a
periferia para abrigar as celas ou dormitórios – invertendo o princípio utilizado em outros
programas: o direcionamento do olhar passa a ser feito do centro para a periferia.
Fig. 43 – Escola de medicina, Paris, 1771
Fonte: PEVSNER, 1997: 38
Fig. 44 – Concert Hall, 1770
Fonte: PEVSNER, 1997: 79
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
107
Fig. 45 – “Lunatic Tower”, Viena, 1784
Fonte: JOHNSTON, 2000: 49
Fig. 46 – Hotel-Dieu, França, 1785
Fonte: PEVSNER, 1997: 152
Fig. 47 – projeto de Ledoux, fábrica, 1808.
Fonte: PEVSNER: 1997: 283
Fig. 48 – Projeto de Durand, biblioteca,
1809.
Fonte: PEVSNER: 1997: 103
Segundo Johnston (2000) a primeira prisão semicircular a ser construída foi a Gloucester
House, em 1789, projetada por Wiliam Blackburn, antes da publicação do panóptico de
Bentham (Fig. 49). Constitui-se de cinco blocos de celas individuais com dois pavimentos
e uma edificação central com dois pavimentos que abrigam o posto de vigilância e a
administração no térreo e a capela no pavimento superior. A maior parte das celas tem
acesso pelo pátio ou por balcões voltados para o pátio e janelas para o exterior,
possibilitando a ventilação cruzada e fácil observação. O acesso à unidade é feito pela
edificação central, atravessando-a tem-se acesso ao pátio que distribui o fluxo para as
galerias de celas, através de três corredores que dividem o pátio em quatros áreas,
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
108
permitindo a separação dos presos. Esse projeto ainda mostra o princípio dos projetos
radiocêntricos, que usam a subdivisão por pavilhões e concentram na área central toda a
distribuição da circulação da unidade.
Fig. 49 – Gloucester house, 1789. Planta do segundo pavimento.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 54
A primeira prisão semicircular a ser projetada – apesar de não ter sido construída – é a
Penitenciária da Virgínia, EUA, elaborada inicialmente por Pierre-Gabriel Bugniet em
1765 (Fig. 50), com base nos modelos celulares ingleses. Apresenta um grande bloco em
semicírculo abobadado, dotado de celas com sanitários, alojamentos coletivos e áreas de
trabalho, considerado de grande porte e abandonado (PEVSNER, 1997). Somente em
1796 é autorizada a construção da unidade e Benjamin Latrobe desenvolve seu projeto
(Fig. 51). Utilizava três pavimentos: o térreo com áreas de trabalho e celas e os dois
superiores com alojamentos coletivos – para 3, 5 e 7 presos – e o hospital. Apresentava
ainda 10 celas de castigo dotadas de pouca luz e 14 celas desprovidas de qualquer
iluminação, localizadas no subsolo. O centro da unidade abrigava o alojamento dos
vigilantes e a entrada. Posteriormente, foi adicionado mais um pavimento. A utilização de
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
109
portas maciças prejudicava a observação e a renovação do ar nas celas, dificultando a
observação e facilitando a disseminação de doenças (JOHNSTON, 2000).
Fig. 50 – Penitenciária de Virgínia. Planta original de Bugniet, 1765.
Fonte: PEVSNER, 1997: 164
Fig. 51 – Penitenciária de Virgínia, Richamond, 1803.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 83
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
110
Entretanto, é em 1791 que Jeremy Bentham, importante arquiteto e reformador inglês,
desenvolve um projeto de prisão – pensado para ser efetivamente um modelo a se
repetir, como um projeto ideal – baseado nessa inversão de princípios dos modelos
circulares (Fig. 52). Seu modelo vai além de um simples projeto, mas institui um
complexo e detalhado mecanismo de vigilância e observação do preso a partir de um
anel de celas vigiadas por uma torre central (FOULCAULT, 1983). “Um ponto central
seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de
convergência para tudo o que deve ser sabido: o olho perfeito a que nada escapa e
centro em direção ao qual todos os olhares convergem” (FOUCAULT, 1983: 156). É a
idéia do edifício-máquina, a máquina de disciplinar e reformar pessoas e que pode se
estender para outras finalidades como a escola, o hospital, etc. – é um modelo, tem
finalidade normativa (CHOAY, 1985).
Para introduzir uma reforma completa nas prisões, para assegurar a boa conduta atual dos
prisioneiros e a correção de suas falhas, para estabelecer a saúde, a limpeza, a ordem e a
indústria nestes lugares, contaminados até então pela corrupção moral e física… por uma
idéia arquitetônica simples (BENTHAM, 1791 apud MIGNOT, 1983: 213).
145
O projeto apresenta um complexo sistema de comunicação a partir de tubos que
permitem a comunicação do vigilante com cada cela além de permitir que os visitantes
possam escutá-la a fim de inspecionar possíveis abusos de poder. Os sistemas de
comunicação e observação criam no prisioneiro a sensação de estar constantemente
sendo observado, pois os sistemas não permitem que o preso observe o vigilante dentro
da torre de observação. Um sistema de ventilação também é elaborado a partir de tubos
que atravessam as celas e fazem a passagem do ar entre os pisos e paredes,
proporcionando também o aquecimento e resfriamento do ar, quando necessário. Os
pátios permitem a separação dos presos sob diversas categorias. Os projetos de
Bentham nunca foram construídos, principalmente pela difícil execução de alguns dos
sistemas por ele elaborados, porém diversos de seus princípios foram largamente
aplicados em diversos países sob diversas configurações formais, como veremos mais à
frente.
145
Tradução livre da autora (“To introduce a complete reform in prisons, to ensure the present
good conducer of the prisoners and the correction of their faults, to establish heath, cleanliness,
order and industry in these places, hitherto infected by moral and physical corruption… by a simple
architectural idea!”)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
111
Legenda:
a. celas
b. grande
clarabóia
c. grande
clarabóia
d. galeria de celas
e. entrada
f. galerias de
inspeção
g. galerias da
capela
h. torre do inspetor
i. domo da capela
k. clarabóia da
galeria (d)
l. sótão
m. pavimento da
capela
n. abertura circular
que ilumina a
torre do inspetor
o. parede anelar
que permite a
passagem de ar
e luz e separa a
ala de presos
da área da
vigilância
Fig. 52 – Panóptico de Bentham, 1791
Fonte: JOHNSTON, 2000: 51
A primeira prisão a ser construída depois das publicações de Howard (1777) e Bentham
(1791) foi o Bridewell de Endinburgh, projetado por Robert Adam’s e construído em 1795
(Fig. 53). Este projeto foi considerado por Bentham a melhor aplicação de sua proposta.
(PEVSNER, 1997). A edificação semicircular é dotada de celas individuais na face
externa do anel – abrindo para um corredor interno – e áreas de trabalho na face interna
que é voltada para o pátio – fechadas por barras de ferro, dando visibilidade às celas a
partir da torre de vigilância central (JOHNSTON, 2000: 53). Todos os equipamentos de
apoio e a administração se localizam no bloco retangular, que dá acesso a unidade (Figs.
53 e 54) e o pátio – ao fundo da edificação – é separado em três partes.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
112
Fig. 53 – Edinburgh Bridewell, 1791
Fonte: JOHNSTON, 2000: 49
Legenda:
a. celas
b. área de trabalho
c. torre de vigilância
d. pátio
e. entrada
Fig. 54 – Edinburgh Bridewell, 1791
Fonte: PEVSNER, 1997: 105
A primeira penitenciária do ocidente dos Estados Unidos é projetada em 1820 por
Strickland, um discípulo de Latrobe. Apesar de usar a configuração circular,
funcionalmente não pode ser considerado um modelo panóptico. Apresenta duas fileiras
de celas, organizadas fundo contra fundo, voltadas para o pátio e para o exterior (Fig.
55). A ausência de sanitários nas celas, assim como os vestíbulos em frente a elas,
a
b
c
d
d
d
e
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
113
prejudicam a vigilância, a entrada de luz e a circulação do ar. As torres de vigilância se
localizam junto ao muro que circunda a edificação mas, a sua proximidade com ela e a
ausência de um ponto central de observação, prejudicam profundamente a vigilância –
que só pode ser feita pela circulação da galeria de celas. A ausência de locais para
trabalho e enfermaria, trouxe a reforma da unidade elaborada por John Haviland, que
constava da eliminação da fileira interna de celas, dando lugar aos locais de trabalho –
facilitando também a observação (JOHNSTON, 2000).
Legenda:
a. celas
b. vestíbulo
c. torre de
vigilância
d. pátio
e. banheiro
f. ala
feminina
g. cozinha
h. área da
guarda
i. entrada
Fig. 55 – Penitenciária do Ocidente, EUA, 1833
Fonte: JOHNSTON, 2000: 84
A forma de ver e conceber a arquitetura vai se modificando e é a partir da visão dos
engenheiros formados pela École Polytechnique de Paris (fundada em 1796) que se
inicia a busca por normatizar a concepção e execução da arquitetura a partir de princípios
associados as suas temáticas – construção e funcionamento – e ao homem – seu
usuário. Desse modo, diversos arquitetos buscam desenvolver uma sistematização das
regras clássicas a partir de uma interpretação racional da arquitetura como construção.
a
f
a
a
a
b
b
b
b
b
b
b
b
c c
c c
d
d
d
d
d
d
d
e
e
g
g
a
h
i
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
114
As leis de composição clássicas são postas em xeque frente às normas racionais da
métrica e da escala humana – virtudes da civilização, a beleza deveria ser algo derivado
da utilidade da obra, a decoração seria resultado da funcionalidade (BENÉVOLO, 1998).
É a partir dos estudos de Durand (1802) que surge a proposta de que, a arquitetura deve
se fundamentar nos conceitos de conveniência e economia e ter, como principal objetivo,
a utilidade pública e particular (BIERMANN et al, 2003). Fundamenta-se na
esquematização do projeto de modo a formular uma metodologia universal (FRAMPTOM,
2003). Desse modo, em 1823 é estabelecido um método normativo de conceber a
arquitetura que compreende três etapas: (1) descrição dos materiais e elementos; (2)
estabelecimento dos métodos para a associação dos elementos; (3) estudo dos tipos de
edificação associados à utilidade (programa).
Estão já claros todos os caracteres: O modo de composição por justaposição mecânica, a
independência do aparelho estrutural do acabamento dos elementos, a predileção pela cota
em números redondos e pelas formas elementares, que reduzem ao mínimo o arbítrio do
projetista (BENÉVOLO; 1998: 68).
Ledoux (1804) propõe que a arquitetura deve exprimir as atividades que ela comporta –
seu caráter – e não a condição social de seus proprietários, abolindo qualquer excesso
ornamental em concepções utilitaristas (BIERMANN et al, 2003). Ruskin (1854; 1971)
146
,
por sua vez, propõe que a arquitetura deve contribuir à saúde do homem e ao prazer de
seu espírito através de suas regras próprias, que se dão através da prática. Desse modo,
é preciso conhecê-las para concebê-la, assim como é necessário conhecer a gramática
para desenvolver a escrita. Para Viollet-Le-Duc (1864), a arquitetura consta de teoria e
prática: a teoria funda-se no conhecimento das regras da arquitetura a partir de suas
tradições e a prática fundamenta-se na ciência aplicada aos materiais e às necessidades
– costumes, época, materiais, programa (PATETTA, 1997). Morris (1884) sustenta que
não é possível reproduzir a arquitetura do passado, já que ela é constituída pelas
condições sociais do passado e suas técnicas, que já não existem; a arquitetura deve se
relacionar à sua realidade, às condições e regras do seu tempo.
O modelo panóptico de Bentham apresenta grandes dificuldades em sua aplicação,
principalmente na América, por dificultar o trabalho nas unidades e por necessitar de
grande aplicação do ferro fundido. Desse modo é desenvolvido outro modelo penal,
denominado radial, que consta em um número de blocos que irradiam de um bloco
central abrigando o posto de vigilância. Os primeiros modelos surgem no início do século
146
Data da publicação original do livro “The Seven Lamps of Architecture”, publicado nos Estados
Unidos em 1971, pela The Noonday Press, Nova York.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
115
XIX, apresentam plantas em cruz remetendo aos antigos modelos de hospitais (Figs. 56 e
57), assim como plantas em “T”. “Como ‘radial’, quero dizer qualquer arranjo de um
edifício de celas que convirja a um centro, junto ou separado” (JOHNSTON: 2000: 55)
147
.
Esse modelo tem ampla aplicação, de fato, se repete pelo mundo, principalmente nos
Estados Unidos, por conseguir abrigar um grande número de detentos e permitir uma
eficiente separação dos presos.
Fig. 56 – projeto para hospital, 1720.
Fonte: PEVSNER, 1997: 146
Fig. 57 – projeto para Hotel-Dieu, 1774.
Fonte: PEVSNER, 1997: 152
Uma comissão de profissionais da área busca estabelecer um novo modelo penal
fundamentado na saúde, no trabalho e na orientação religiosa e o governo estabelece um
concurso de projetos de edifícios para prisão na Pensilvânia. O projeto vencedor, de John
Haviland, apresenta sete blocos de celas que irradiam de um bloco central onde se
localiza a vigilância (Figs. 58 e 59). A Penitenciária de Cherry Hill tem enorme
capacidade, e suas galerias de cela contêm pátios individuais para o banho de sol (Fig.
58) – até então nunca utilizados (JOHNSTON, 2000: 70).
A entrada da unidade se faz por uma edificação de dois pavimentos que abriga a guarda,
administração e equipamentos de apoio. As portas das celas – voltadas para o corredor –
são dotadas de uma espécie de “olho-mágico” que permite que os guardas observem
147
Tradução livre da autora (By ‘radial’ I mean any arrangement of cell buildings that converge on
a center, attached or separate).
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
116
dentro das celas, sem serem observados, além de um “passa-prato” que permite passar
os alimentos e materiais de trabalho, sem que a porta da cela precise ser aberta. As
portas voltadas para os pátios individuais eram de ferro possibilitando a passagem de luz
e ar – a cela era ainda dotada de uma pequena clarabóia. O projeto original utilizava
somente um pavimento e corredores somente para vigilância – presos acessavam as
celas pelo pátio individual. Posteriormente, dois blocos receberam mais um pavimento,
forçando o acesso pelos corredores e o uso de algumas celas como locais de trabalho e
banho de sol.
Fig. 58 – planta da penitenciária de Cherry Hill, 1822.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 72
Pátios individuais
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
117
Fig. 59 – penitenciária de Cherry Hill, 1822.
Fonte: JOHNTSON, 2000: 73
Na Inglaterra, os problemas encontrados com a prisão de Milbank trazem
questionamentos sobre o método de classificação dos presos e a utilização dos modelos
pavilhonares. William Crawford é enviado para os Estados Unidos a fim de conhecer o
sistema celular e a penitenciária de Cherry Hill. Logo o sistema é implantado na Inglaterra
e é solicitada uma prisão-modelo baseada nos princípios do modelo americano: a prisão
de Pentonville, construída em 1840. Todo projeto foi elaborado pelo engenheiro militar
Joshua Jebb, exceto a fachada, projetada por Charles Barry (JOHNSTON, 2000: 92).
Consta de quatro blocos de celas individuais de três pavimentos, uma edificação central
com equipamentos de apoio e pátios individuais entre os blocos (Fig. 60) – a mesma
forma de organizar e distribuir o fluxo de Cherry Hill.
Pátio individual
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
118
Legenda: a. celas; b. posto de vigilância; c. pátio individual; d. entrada
Fig. 60 – prisão de Pentonville, Londres
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 123
A idéia de isolamento foi levada ao extremo neste projeto, que também utiliza sistemas
hidráulicos, de esgoto e ventilação baseados em mecanismos que impedem a
comunicação dos presos através dos seus dutos (Fig. 61), além de cubículos nas áreas
comuns, como na capela (Fig. 63). As portas das celas eram como as de Cherry Hill e as
janelas altas, de modo que o exterior não pudesse ser visto pelos presos. Os corredores
das galerias se configuravam por balcões de ferro fundido e podiam ser observados do
posto de vigilância e de todo o hall da edificação central (Fig. 62). Esse modelo foi
amplamente difundido, não só pela Inglaterra e Estados Unidos, onde era considerado
um modelo, mas por todo mundo: Itália, Alemanha, Espanha, Dinamarca, China, Japão,
América do Sul, entre outros. (JOHNSTON, 2000: 93).
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
119
Fig.61 – Corte da galeria de celas de Pentonville.
Fonte: http://www.hevac-heritage.org/landmark_
buildings/institutional/institutional.htm
Fig.62 – Ponto central de Pentonville.
Fonte: http://www.victorianlondon.org/
prisons/pentonvilleprison.htm
Fig. 63 – capela da penitenciária de Pentonville.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 92
A Penitenciária Nacional do México, projetada por Antonio Torres Torija, começa a ser
construída em 1885, seguindo o modelo radial já difundido (Fig. 64), com capacidade
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
120
para 800 homens, 180 mulheres e 400 menores de idade (JOHNSTON, 2000). Adota o
sistema progressivo e, apesar de seguir a mesma organização espacial dos demais
exemplos – pátio individual (Fig. 65), equipamentos e torre no centro (fig. 66), etc. – não
utiliza mecanismos hidráulicos ou de ventilação – é uma versão simplificada.
Legenda: a. celas; b. posto de vigilância; c. pátio
individual; d. entrada
Fig. 64 – planta da penitenciária nacional do México.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 136
Fig. 65 – pátios individuais da
penitenciária nacional do México.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 136
Fig. 66 – galeria de celas e torre
central (ao fundo) da penitenciária
nacional do México.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 136
Nos Estados Unidos, a partir da década de 1820, o modelo de Auburn (abordado no
Capítulo III) também é bastante difundido e fica conhecido como Skylight por não
apresentar janelas nas celas, mas somente iluminação a partir de clarabóias na cobertura
ou na parede oposta à galeria (JOHNSTON, 2000). Construída por Wiliam Brittim, em
1816, não apresenta inovações na organização do espaço – utiliza a forma em “U” – mas
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
121
uma nova configuração para a galeria de celas (Fig. 67). As fileiras de celas são
justapostas no centro da galeria – fundo contra fundo –, apresentando somente a
abertura da porta. As celas abrem para um amplo espaço no térreo e balcões, afastados
da parede que criavam um grande espaço aberto do piso à cobertura (Fig. 68).
Inicialmente apresenta somente alojamentos coletivos, posteriormente são construídas
algumas celas individuais. A falta de aberturas nas celas traz graves problemas de
ventilação, mesmo com pequenas aberturas nas portas maciças e utilização do difundido
sistema de dutos (JOHNSTON, 2000: 75).
Legenda:
a. celas
b. posto de vigilância
c. área de trabalho
d. cozinha
e. entrada
f. pátio
g. refeitório (1º pavimento) /
capela (2º pavimento)
Fig. 67 – planta da prisão de Auburn
Fonte: JOHNSTON, 1973: 38
Fig. 68 – galeria de celas da prisão
de Auburn
Fonte: JOHNSTON, 1973: 39
Apesar dos problemas e da simplicidade do modelo, as atividades de recuperação
vinham trazendo bons resultados, se comparados ao regime celular, trazendo sua
aplicação a diversas unidades novas, como a prisão de Sing Sing. Construída em 1826,
apresenta modelo similar ao de Auburn. Para amenizar o problema da ventilação nas
celas, as portas desta unidade apresentam uma parte maciça e toda a parte superior
gradeada (Fig. 70), além de estreitas seteiras na parede em frente às celas (Fig. 69 e 70),
contudo não resolvem o problema (JOHNSTON, 2000).
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
122
Fig. 69 – prisão de Sing Sing, EUA, 1826
Fonte: JOHNSTON: 2000: 77
Fig. 70 – galeria de celas da prisão de Sing Sing, EUA, 1826.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/6/67/Sing_Sing_(prison)_with_warden.jpg
Outra prisão a utilizar o modelo Skylight é a Penitenciária de Ohio (Fig. 71), construída
em 1834, seu projeto foi amplamente reproduzido em unidades americanas. Apresenta o
modelo típico, a planta conhecida como quadrado oco, composta de um bloco linear de
celas e os três blocos de trabalho, além de um bloco para a prisão feminina, conformando
um pátio central. Esse modelo tem como foco, mais a gestão e a própria execução da
pena, do que a utilização do espaço como mecanismo de controle, por isso são escassas
as imagens sobre essa unidade. A aplicação do sistema Auburniano se dava mais
através de uma rígida rotina, do controle do preso através de suas ações direcionadas à
rotina industrial, mecanizada.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
123
Legenda:
a. celas
b. ala feminina
c. posto de
vigilância
d. capela
e. área de
trabalho
f. pátio
g. cozinha
h. entrada
Fig. 71 – planta da Penitenciária de Ohio, EUA, 1834.
Fonte: JOHNSON: 2000: 79
O fracasso do sistema celular, devido ao excessivo isolamento, traz o afrouxamento do
regime, seguindo alguns princípios do sistema progressivo estabelecido em 1840. Desse
modo, a partir de 1850 as unidades penais passam a adotar alas com diferentes
características – parte para o isolamento e parte para alojamento coletivo, além de áreas
para presos que aguardam julgamento e para os condenados –, apesar de ainda usarem
os modelos correntes (MIGNOT, 1983). As prisões La Santé (1862, Fig. 72), Rendsburg
(1870, Fig. 73), Holloway (1849) e Lyon, são exemplos dessas prisões que utilizam o
modelo radial, com alas diferenciadas. Adotam-se ainda diferentes unidades relacionadas
aos diferentes estágios da pena: (1) as de isolamento total; (2) as que são voltadas para
o trabalho e (3) as colônias penais, com foco no trabalho agrícola.
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
124
Legenda: a. celas b. alojamentos coletivos c. área de trabalho d. área de trabalho no
pavimento térreo e alojamentos nos demais
Fig. 72 – prisão La Santé, França, 1862.
Fonte: PEVSNER; 1997: 166
Fig. 73 – prisão Rendsburg, Alemanha,
1870.
Fonte: MIGNOT, 1983: 223
Um dos modelos mais difundidos no mundo é o modelo de blocos paralelos, que se
apresenta sob duas variações, ambas originadas nos projetos de hospitais. Segundo
Pevsner (1997), o primeiro projeto a usar esse modelo foi o Greenwich Hospital, na
Inglaterra (Fig. 74 e 75). O projeto utiliza pequenos blocos paralelos de enfermarias que
se abrem para um pátio retangular alongado, ortogonal aos blocos, além de blocos
administrativos à frente, uma capela central ao fundo do pátio, áreas de trabalho e apoio.
No fim do século XVIII, Durand, Poyet e Tenon elaboram projetos – nunca executados –
de hospitais segundo esse modelo, buscando uma solução para o fracasso dos modelos
circulares e radiais (PEVSNER; 1997). Somente em 1839 é construído o Hospital
Lairiboisière e o modelo se difunde por seu caráter funcional, originando a segunda
variação.
Fig. 74 – fachada do Greenwich Hospital, Inglaterra, 1696
Fonte: PEVSNER, 1997: 147
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
125
Fig. 75 – planta do Greenwich Hospital, Inglaterra, 1694
Fonte: PEVSNER, 1997: 147
Esse modelo é aplicado ao programa prisional em 1839, na colônia prisional Mettray
(Figs. 76 e 77), posteriormente, em 1910, no reformatório Lorton, seguindo a mesma
organização espacial – usando em lugar das enfermarias, as galerias de celas. A colônia
Mettray atende a jovens infratores, se baseia no trabalho agrícola e na educação e não
utiliza muros ou grades, é uma unidade aberta. A capela, as áreas de trabalho, apoio,
escola e a ala de isolamento ficam no fundo da unidade. Esse modelo foi posteriormente
aplicado ao Dormitório Lorton (1916), EUA, e em muitas unidades direcionadas a jovens
e mulheres – em geral unidades de baixa segurança – no início do século XX. Ainda hoje
é utilizado, inclusive no panorama brasileiro.
Fig. 76 – perspectiva da colônia Mettray, França, 1840
Fonte: JOHNSTON, 2000: 116
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
126
Fig. 77 – planta da colônia Mettray, França, 1840
Fonte: PEVSNER, 1997: 167
Um dos modelos prisionais mais difundidos no mundo é a segunda variação do modelo
de blocos paralelos: o modelo telephone-pole plan ou espinha de peixe –– que se
caracteriza por usar blocos de celas paralelos ligados por um corredor central
perpendicular – a espinha dorsal da edificação (PEVSNER, 1997). Pode apresentar um
bloco central, na entrada, para abrigar a administração e blocos ao fundo, para apoio.
Também tem origem no projeto hospitalar (Figs. 78 e 79). A configuração da edificação
permite melhor ventilação e iluminação dos blocos, assim como a separação entre as
alas – pela eliminação da configuração de blocos em ângulos fechados (JOHNSTON,
2000). A aplicação do sistema progressivo traz a necessidade de alas diferenciadas, que
possam abrigar os diferentes estágios da pena, evitando o deslocamento do preso de
uma unidade para outra.
Fig. 78 – Herbert Hospital, 1860.
Fonte: PEVSNER; 1997: 156
Fig. 79 – Hospital para crianças, 1872.
Fonte: PEVSNER; 1997: 156
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
127
A primeira unidade prisional a usar o modelo telephone-pole plan é Wormwood Scrub
Prison, na Inglaterra, em 1874. Apresenta quatro blocos de celas paralelos e lineares e
edificações de apoio (com diversas configurações) entre os blocos, como áreas de
trabalho, cozinha e vestiário, ligadas por um corredor único (Fig. 80). Com capacidade
para 1244 celas, é por muito tempo a maior unidade prisional européia.
Legenda: a. celas; b. capela; c. área de trabalho; d. cozinha; e. entrada; f. hospital; g. vestiários
Fig. 80 – Wormwood Scrub Prison, Inglaterra, 1874
Fonte: PEVSNER, 1997: 167
Esse modelo é difundido a partir da prisão de Fresnes na França (1898), projetada por
Francisque-Henri Poussin. A unidade é composta por três blocos paralelos de cinco
pavimentos – com capacidade para 506 celas individuais – que abrigam áreas de
trabalho no térreo e as celas nos demais andares (Fig. 81). Na frente dos blocos
encontra-se o bloco administrativo, ladeado pelo hospital e a unidade prisional onde ficam
os presos que serão transferidos para outras unidades. A unidade apresenta blocos de
isolamento total e alojamentos coletivos e pátios individuais para banho de sol que se
localizam entre os blocos de celas (Fig. 82). Nas áreas de uso comum o isolamento é
sempre aplicado, de modo que a capela apresenta 550 cubículos com pequenas
aberturas para a observação, onde os presos ficam confinados durante as missas, aulas
e palestras (Fig. 83).
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
128
Fig. 81 – prisão de Fresnes, França, 1898
Fonte: JOHNSTON, 2000: 177
Legenda: a. galeria de celas; b. pátio individual; c. entrada
Fig. 82 – prisão de Fresnes, França, 1898
Fonte: Google Earth
Fig. 83 – capela da prisão de
Fresnes, França, 1898
Fonte: FOUCAULT, 1983: 27
As prisões que usam o modelo de blocos paralelos já contêm o germe da mudança de
caráter que se apresentará mais fortemente nas prisões do século XX. Aos poucos, o
controle e a vigilância excessiva vão dando lugar a capacitação do preso por atividades
profissionais e educativas e a observação do seu comportamento. A visão higienista vai
sendo substituída pela idéia de progressão do indivíduo, a partir de suas aptidões
(GARLAND, 1990). A história de vida do indivíduo é levantada, assim como suas ações e
comportamento na prisão, o preso é acompanhado de perto, passo a passo, e sua
evolução passa a ser avaliada (FOULCAULT, 1983).
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
129
4.3. Modelos Penais e suas Variações
O início do século XX é marcado por um forte movimento nacionalista mundial derivado
do estabelecimento da república em vários países. O Estado, enquanto representante da
nação, passa a ter grande responsabilidade na formação, bem-estar e manutenção dos
seus indivíduos, desenvolvendo um senso de coletividade dentro de suas nações.
Buscando se reafirmar e evidenciar sua soberania, almeja romper com os vestígios do
passado e seus valores e estabelecer uma nova ordem (BENÉVOLO, 1998). Nesse
contexto, se estabelecem diversas instituições públicas que visam realizar essa
manutenção. Se no passado as prisões buscavam isolar, controlar e adestrar o indivíduo,
nesse momento elas buscam também dar assistência e reformar (GARLAND, 1990). A
arquitetura passa ter importante papel neste contexto, sendo usada muitas vezes como
representação do poder do Estado através das instituições, dentre elas a prisão
(BRUAND, 2003).
Na arquitetura, como em um espelho, encontramos refletido o progresso que nosso próprio
período efetuou, assim como tomamos maior consciência de sua personalidade, suas
limitações peculiares e possibilidades a respeito de suas obras e suas finalidades. A
arquitetura pode nos ajudar a compreender a evolução deste processo precisamente porque
se acha intimamente relacionada com a vida de uma época, considerada em toda a sua
complexidade (GIEDION, 1935 apud PATETTA, 1997: 75).
O desenvolvimento das ciências sociais e psicológicas e seus métodos científicos trazem
ao programa arquitetônico da prisão diversos equipamentos novos, como o centro de
observação, locais para atendimento médico, psicológico e social, além de
estabelecimentos prisionais de natureza diversa (FOUCAULT, 1983). Desse modo, o
programa prisional cresce a partir da ampliação de sua infra-estrutura, tornando-se
também mais complexo (GARLAND, 1990). A idéia de unidade coletiva pretendida pelo
Estado – presente em diversas obras de habitação do período: cidades universitárias,
grandes hospitais, etc. – gera a disseminação de grandes unidades prisionais que
buscam dar total assistência aos indivíduos, englobando todas as fases do tratamento
penal (JOHNSTON, 2000).
O desenvolvimento da tecnologia traz para o cotidiano do homem as máquinas, assim
como o desenvolvimento das técnicas construtivas possibilita a construção de pontes e
grandes obras de arquitetura. O desenvolvimento do concreto armado possibilita a
construção de grandes vãos, até então impossíveis de alcançar (BENÉVOLO, 1998;
FRAMPTON, 1997; STRIKE, 2004). A arquitetura, no entanto, continua utilizando a
linguagem de seus antigos modelos em muitas de suas obras. Buscando romper com os
valores e conceitos do passado, o movimento moderno tenta estabelecer uma arquitetura
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
130
coerente com o seu tempo, a partir de novas formas funcionais, utilitárias e mais limpas,
a partir da metáfora da máquina. “A realidade do nosso século é tecnologia: a invenção, a
construção e manutenção da máquina. Ser um usuário da máquina é ser do espírito
desse século.” (MOHOLY apud FICH, 1960: 15)
148
. Diversos manifestos são escritos em
defesa da atualização da arquitetura, evocando a sua funcionalização:
Para que a nossa arquitetura tenha seu cunho original, como o têm as nossas máquinas, o
arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar os velhos estilos, como também
deixar de pensar no estilo. O caráter da nossa arquitetura como das outras artes, não pode
ser propriamente um estilo para nós, os contemporâneos, mas sim para as gerações que
nos sucederão. (WARCHAVCHIK, 1927: não paginado)
Toda arte contém a mensagem da sua época. Quando vejo uma obra da Renascença só
posso compreendê-la totalmente se levo em conta o espírito da época em que foi feita. As
gerações futuras compreenderão, também, a mensagem que a arte concreta encerra, e,
através desta mensagem, entenderão melhor a nossa época. (MAX BILL, 1953: 34)
Para alcançar a verdade e sentir a arquitetura como uma missão social é necessário
transcender o gosto decorativo e penetrar na substância das tradições que forçam a
vaidade, e considerar o problema do gosto como um problema de conteúdo. (PAGANO,
1935 apud PATETTA, 1997: 75)
Adolf Loos (1908) propõe uma arquitetura de forma simples, configurada funcionalmente,
sem qualquer ornamentação – a arquitetura deve refletir a sua função. (BIERMANN et al,
2003; FRAMPTOM, 2003); Le Corbusier (1923)
149
defende a estética utilitária por formas
geométricas simples e claramente perceptíveis; Mies van der Rohe (apud FRAMPTOM,
2003: 195), propõe que a arquitetura deve ter “o máximo de efeito com o mínimo de
dispêndio”, a idéia de que menos é mais. Essa tendência à simplificação da forma e à
funcionalização do edifício é rapidamente aplicada às unidades penais. O modelo de
blocos paralelos – especificamente o telephone-plole plan – é o mais significativo desse
período e sofre alterações derivadas de mudanças da prática penal, dando origem a
novas tipologias. Apresentam-se sob diversas variações, aplicando os blocos lineares
organizados paralela e perpendicularmente que, com raras exceções, usam em menor
parte da edificação, blocos na diagonal. A prisão de Minnesota (1914), projetada por
Clarence Johnston, é um exemplo da aplicação do modelo clássico (Fig. 84).
148
Tradução livre da autora (The reality of our century is technology: the invention, construction
and maintenance of the machine.To be user of the machine is to be of the spirit of this century).
149
Data da publicação original do livro Por uma Arquitetura, publicado no Brasil em 2000 pela
editora Perspectiva, São Paulo.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
131
Legenda:
a. celas
b. capela
c. refeitório
d. cozinha
e. dispensa
f. pátio
g. estufa
h. área de
trabalho
i. depósito para
produção
j. fundição
k. quarto de força
l. depósito
m. fábrica de
barras de ferro
n. lavanderia
o. administração
p. casa de força
Fig. 84 – prisão de Minnesota, 1914
Fonte: JOHNSTON, 2000: 141
Nos Estados Unidos, a partir do fim da década de 1920, diversas penitenciárias são
construídas com enormes proporções (JOHNSTON, 2000) – sendo esse fato quase uma
norma – usando variações da tipologia de blocos paralelos. Uma delas é a Eastern State
Penitentiary em Graterford, Pensilvânia (Fig. 85). Apresenta cinco blocos de celas térreos
– com capacidade para 2144 presos – ligados por um corredor nas extremidades dos
blocos que dá acesso a todos os equipamentos da unidade – cozinha, refeitório, área de
trabalho, etc. – e à administração. As únicas edificações que não se conectam ao
corredor são a casa de força e uma ala com celas especiais de dois pavimentos
(JOHNSTON, 2000). Poucas são as informações sobre essa unidade
150
.
150
Por motivo de segurança, é difícil encontrar informações sobre as unidades mais recentes, pelo
fato de muitas delas estarem atualmente em uso.
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Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
132
Legenda:
a. bloco de
celas
especiais
b. área de
trabalho
c. apoio
d. blocos de
celas
e. administração
Fig. 85 – Eastern State Penitentiary da Pensilvânia, 1927
Fonte: JOHNSTON, 2000: 142
Na década de 1930 surgem também as primeiras unidades americanas com as novas
categorias de tratamento penal: (1) baixa segurança; (2) média segurança; (3) segurança
máxima, além de uma ala especial. Essa nova categoria para o tratamento penal também
se fundamenta na constatação de que menos de 75% dos presos precisam do
isolamento total (JOHNSTON, 1973: 45). A primeira unidade construída (1932) a partir
dessa configuração foi Lewisburg (Fig. 86) na Pensilvânia, projetada pelo arquiteto Alfred
Holpkins.
Legenda:
a. dormitórios especiais
b. área de trabalho
c. refeitório
d. cozinha
e. blocos de celas
f. dormitórios
g. hospital
h. ala para presos novos
i. administração
j. área de trabalho e apoio
Fig. 86 – prisão Lewisburg, EUA, 1927
Fonte: JOHNSTON, 1973: 45
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j
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f
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
133
A idéia de unidades totais, que abrigam todas as fases da pena – principalmente nos
Estados Unidos – gera unidades de grandes proporções, com grandes extensões de
corredores, facilmente ampliadas a partir dessa tipologia. Desse modo, algumas unidades
passam a adotar no fim do corredor central edificações (Fig. 87) ou corredores em “V”
(Fig. 88), dificultando as ampliações. “Em Terre Haute, Indiana, a Penitenciária Federal,
inaugurada em 1940, também sem muros, continha um arranjo de bloco de celas em “V”
no fim de cada corredor central, que efetivamente preveniam a expansão em excesso de
unidades de vivência no futuro” (JOHNSTON, 1973: 46)
151
. A utilização de um corredor
único de acesso a todos os blocos dificulta a separação dos setores e ação de guardas
em situações críticas por terem que percorrem grandes extensões de corredores. Desse
modo passa-se a adotar “gaiolas” – subdivisões com grades – ou mesmo a utilização de
corredores diferentes e menores – cada um para um setor – ligados ao corredor principal
(Fig. 85). As unidades penais vão se fragmentando, no entanto ainda compõem uma
edificação única, onde os diferentes pavilhões são ainda interdependes.
Legenda:
a. dormitórios
especiais
b. área de
trabalho
c. refeitório e
cozinha
d. blocos de
celas
e. administração
Fig. 87 – Instituição Correcional de Ohio, EUA, 1955
Fonte: JOHNSTON, 1973: 46
151
Tradução livre da autora (At Terre Haute, Indiana, the Federal Penitentiary oponed in 1940,
also without a wall, contained V-like arrangement of cellblocks at each end of central corridor, thus
effectively preventing overexpansion of housing units in the future).
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
134
Legenda:
a. administração
b. blocos de
celas,
segurança
baixa
c. blocos de
celas,
segurança
média
d. blocos de
celas,
segurança
máxima
e. refeitório e
cozinha
f. área de
trabalho
Fig. 88 – prisão na Angola, 1955
Fonte: JOHNSTON, 1973: 48
Aos poucos vão sendo inseridos diferentes blocos de celas em lugar dos blocos lineares
– depois da segunda metade da década de 50 – como blocos em “H” – prisão de Angola
ou Wisconsin, EUA –, blocos em “T” – em Blundeston – e mesmo pavilhões voltados para
dentro, como o “quadrado oco” – prisões americanas das décadas de 20 a 40 – ou os
circulares (JOHNSTON, 1973: 49). As novas configurações dos setores de vivência criam
blocos mais compactos, reduzindo a extensão das áreas de circulação e possibilitando
subdivisões (Figs. 89 e 90) que reduzem o número de presos por setor. Os novos blocos
também contém algum equipamento de apoio – criando uma certa autonomia para os
blocos – e pequenas áreas de vivência – que possibilitam um convívio mais restrito entre
presos de seu pavilhão, não dependendo tanto dos grandes pátios. Nas prisões
americanas muitas vezes as áreas de serviço aparecem concentradas em blocos únicos
centrais e, na Europa, o corredor central é freqüentemente substituído pelo bloco de
serviços.
a
b
c
d
e
f
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
135
Fig. 89 – bloco em “T”,
Blundeston
Fonte: MADGE, 1967:
10
Fig. 90 – bloco linear, prisão de Minnesota
Fonte: JOHNSTON, 2000: 141
Um exemplo de uso dos blocos circulares é a penitenciária estadual de Illinois, mais
conhecida como Stateville (Figs. 89 e 90), construída em 1916. Segue o modelo
panóptico de Bentham em alguns de seus blocos de celas. O projeto original prevê a
construção de oito blocos e um bloco central para refeitório e auditório, no entanto foram
construídos somente quatro blocos, cada um com capacidade para 248 presos em celas
individuais. Posteriormente, foi adicionado mais um bloco que segue o modelo de Auburn
(JOHNSTON, 2000). O acesso à unidade se dá pelo prédio administrativo, de onde se
tem acesso ao corredor principal que se conecta com as demais edificações. A edificação
central apresenta uma circulação em toda a sua periferia, dando acesso aos corredores
de cada bloco de celas e à área de trabalho ao fundo.
Fig. 91 – foto aérea de Stateville, EUA, 1916
Fonte: JOHNSTON, 2000: 145
Fig. 92 – bloco de celas de
Stateville, EUA, 1916
Fonte: http://www.iresist.org/
prison.html
A partir da década de 60, diversos modelos vão sendo adaptados a partir das
experiências consolidadas, criando novas tipologias que serão apresentadas a seguir.
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
136
4.4. Tipologias e releituras na Arquitetura Penal
... os conceitos unificadores do modernismo foram substituídos por uma pluralidade de
tendências e seria tolo esperar uma única idéia orientadora na prática pós-moderna. Por
outro lado podem-se discernir certas tendências dominantes... (COLQUHOUN, 2004: 229).
A principal razão deste híbrido tem claramente a ver com as pressões contrárias exercidas
sobre o movimento. Os arquitetos que quiseram superar o impasse moderno ou o fracasso
da sua interação com o usuário deviam utilizar uma linguagem parcialmente compreensível,
um simbolismo local e tradicional (JENCKS, 1980: 06).
152
Como em tantas outras áreas, a arquitetura prisional, de modo geral, se apresenta de
forma pluralista e fragmentária, pretendendo ser mais particular em suas intervenções e
propostas, admitindo e ressaltando a diferença.
O historicismo é um tema amplamente
abordado e discutido de forma crítica na arquitetura pós-moderna, sendo também
aplicado à arquitetura penal. Muitos autores estudam a história como meio de apreender
a essência da arquitetura em seus diversos momentos através do estudo da tipologia,
concluindo que é a forma e não a função a essência da arquitetura, como já mencionado
no Capítulo 1. Essa dissociação entre forma e função traz a importância da experiência
no lugar, uma funcionalidade associada à forma do indivíduo utilizar o espaço
rotineiramente. Não mais o espaço rígido com o qual o indivíduo deve se adaptar, mas o
espaço que surge da própria prática de usar o espaço – associada ao tempo, ao lugar, à
cultura, ao propósito, etc.
Até meados do século XX, o tratamento penal é direcionado a dar assistência ao bem-
estar, no rigor do método científico, acreditando que a neutralidade e a disciplina
poderiam retirar do preso todas as referências da sua vida extramuros e, a partir desse
indivíduo neutralizado, construir um novo indivíduo. A forma de ressocializar, hoje, se
mostra mais associada às experiências do indivíduo e à sua forma de atuar, estando,
portanto, focada nas atividades oferecidas nas unidades, no direcionamento do
tratamento para diferentes perfis de presos. Desse modo, a arquitetura vai perdendo a
metáfora da máquina e sendo vista, muitas vezes, como elemento secundário na prática
penal, principalmente após a utilização de aparatos tecnológicos de controle e
monitoramento dos presos. Essa liberdade da forma traz a utilização de antigos
modelos, livres de seu significado e princípios originais.
152
Tradução livre da autora (La principal razón de este hibrido tiene claramente que ver con las
presiones contrarias ejercidas sobre el movimiento, Los arquitectos que quisieran superar el
impase moderno, o el fracaso de su comulación con el usuario, debían utilizar un lenguaje
parcialmente comprensible, un simbolismo local y tradicional)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
137
A arquitetura é uma forma de conhecimento pela experiência. Mas é precisamente esse
elemento interno de experiência e conhecimento que está faltando hoje. (...) Quando hoje
ressuscitamos o passado, geralmente exprimimos suas conotações mais genéricas e
triviais, meramente evocamos a “condição de passado” do passado (COLQUHOUN; 2004:
35).
Na arquitetura penal a utilização de tipologias a partir de releituras de antigos modelos
adaptados ao seu contexto é bastante comum. Como na arquitetura geral, o tipo é
adotado quanto à configuração formal do edifício e implantação, livre de questões
estéticas ou simbólicas. Muitos edifícios novos apresentam uma configuração formal
semelhante aos antigos modelos com pequenos ajustes às questões contextuais, como
materiais de construção e acabamento (Fig. 91), questões de conforto ambiental e
aparatos tecnológicos associados à questão da segurança. Aborda-se a questão formal e
a configuração morfológica do edifício, dissociadas de valores ou significados, mas
adaptados às novas necessidades do seu funcionamento, dentro dos princípios penais
adotados (Fig. 92).
Como operação estética, a intervenção é a proposta livre, arbitrária e imaginativa pela qual
se procura não só reconhecer as estruturas significativas do material histórico existente,
como também usá-las como marcos analógicos para a nova construção. (SOLÁ-MORALES:
1985 In NESBITT: 2006: 262)
Fig. 93 – entrada do módulo de
vivência, Pelican Bay supermax
Fonte:http://www.sfbappa.org/Awar
ds/picturestory/picstory28.ex2.html
Fig. 94 – posto de observação do módulo de vivência,
Pelican Bay supermax
Fonte: http://www.sfbappa.org/Awards/picturestory/
picstory28.ex2.html
Grande parte dos tipos de edificações penais pós-modernos – como as unidades de
Bangu III e IV, as penitenciárias industriais do Paraná, o projeto modelo do DEPEN, bem
como algumas unidades penais americanas e européias –, se originam das tipologias
apresentadas na Figura 93, assim como nos modelos apresentados anteriormente, como
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
138
veremos. “Antigas formas de prisão persistiram, mas com significativas modificações, e
novas formas emergiram, especialmente nas últimas três décadas do século vinte”.
(JOHNSTON, 2000: 148)
153
Fig. 95 – tipologias de estabelecimentos penais
Fonte: GILL, 1967: 22
O tipo de blocos paralelos continua a ser amplamente utilizado na América Latina, Japão,
alguns estados americanos e no Canadá. Da mesma forma, as unidades voltadas para
pátio interno, especialmente o “quadrado oco”, em unidades americanas e brasileiras. As
tipologias radiais são pouco aplicadas, principalmente devido ao alto custo de sua
construção, além de resultarem em unidades de grande porte que dificultam a aplicação
de penas diferenciadas, assim como a segurança, por concentrar um grande número de
presos – de categorias diferentes – em grandes espaços comuns (JOHNSTON, 2000).
Poucas unidades de grande porte são construídas.
Uma das mais significativas é penitenciária Fleury-Mérogis na França, construída em
1967 segundo o projeto de Guillaume Gillet. É um conjunto de unidades – masculina,
feminina e juvenil (Figs. 94 e 95) – construído com a intenção de ser um modelo a se
repetir, fato que não aconteceu. A unidade feminina nunca foi concluída e a unidade
juvenil segue o modelo da masculina, contendo somente um bloco de celas (Fig. 96).
153
Tradução livre da autora (Older forms of prison layouts persisted but with significant
modifications, and new forms emerged, especially in the last three decades of the twenty centuries)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
139
Legenda: a. entrada; b. bloco central; c. blocos de celas; d. oficinas de trabalho
A. masculina; B. feminina; C. juvenil
Fig 96 – Unidades Fleury Mérogis, França, 1967
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 19
A unidade masculina se caracteriza com base em um conjunto de blocos – as oficinas de
trabalho – que configuram parte de um hexágono (Fig. 94 e 95). Um recuo em um dos
lados conforma a entrada que dá acesso ao bloco central – também um hexágono – que
abriga a administração, parlatórios, serviços e a ala dos agentes. Do bloco central
irradiam corredores suspensos que dão acesso a cinco blocos de celas radiais (Fig. 96)
com capacidade para 3200 presos. É hoje a maior unidade penal da Europa. Cada bloco
radial – com cinco pavimentos – é configurado por três galerias de celas individuais (Fig.
97), de 80 metros de comprimento afuniladas, permitindo melhor observação a partir do
centro (como da penitenciária de Cuba).
Fig. 97 – Fleury Mérogis, França, 1967
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 123
b
c
d
a
c
c
c
c
c
a
B
A
C
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
140
Fig. 98 – bloco de oficinas e bloco de celas
ligado ao corredor, Fleury Mérogis, França,
1967
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 31
Fig. 99 – cela, Fleury Mérogis, França, 1967
Fonte: ROSENSTIEHN; SARTOUX, 2006: 61
A principal diferença entre as edificações antigas e as mais recentes é a forte tendência à
fragmentação destas últimas. Se, no período da modernidade, eram comuns enormes
unidades penais, na pós-modernidade passa a prevalecer o que se chamou de complexo
penal
154
. Nas unidades modernas, equipamentos como a cozinha, áreas de trabalho,
enfermarias, etc. costumavam ser de grande porte e atender a todo o estabelecimento.
Mesmo quando adotavam partidos pavilhonares, os equipamentos eram de uso comum,
eram únicos para toda a unidade. Na pós-modernidade as unidades tendem a ser
menores e independentes, apresentando cada uma, os mesmos equipamentos, mas a
maioria fragmentada em pequenas unidades – cada uma para um tipo de tratamento
penal – além de cada uma ter acesso próprio, o que permite a autonomia de cada
pavilhão.
Como um comentador colocou, nessas instituições de “nova geração”, “arquitetura e estilo
de administração do preso configuram o ambiente de forma que o preso crítico precisa de
segurança, privacidade, espaço personalizado, atividade, relações sociais, etc., o que pode
ser alcançado através de bom comportamento (JOHNSTON, 2000: 153).
155
Por questões de segurança, muitas das novas edificações apresentam ainda uma
alteração na estrutura de seus setores: passam a ter áreas extra e intra-muros (como as
novas unidades do Complexo de Bangu – Capítulos 5 e 6). A parte extra-muros se
destina à administração e ao alojamento da polícia militar (ou corpo da guarda externa), e
a parte intra-muros apresenta dois setores: um de apoio – atendimento médico, serviço
154
Conjunto de unidades penais independentes.
155
Tradução livre da autora (As one commentator put it, in these “new generation” institutions,
“architecture and inmate management style shapes the environment in such a way that critical
inmate needs for safety, privacy, personal space, activity, social relations, etc, can be achieved
through compliant behavior)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
141
social, etc. – e administrativo, em geral localizados próximos ao acesso da unidade e o
setor de vivência, com as galerias de celas, áreas de trabalho e educação, que
costumam ficar situados mais ao fundo das edificações, tendo acesso restrito a presos e
funcionários internos.
A fragmentação das edificações penais se mostra ainda mais acentuada a partir do final
dos anos setenta. Os complexos penais se tornam cada vez maiores e mais
fragmentados, ou seja, abrigam um número maior de unidades – ou unidades de vivência
(Figs. 98 e 99) –, compartimentadas em pequenas edificações, em geral térreas. Essa
linha se estabeleceu principalmente nos Estados Unidos, sendo hoje comum em diversos
países, como por exemplo, Inglaterra, Alemanha e Cuba. “O resultado é um plano
modificado de campus, uma série de conjuntos, ou pequenas unidades de vivência e
outras facilidades (serviços de apoio) conectadas por corredores ou passarelas abertas”
(JOHNSTON, 2000: 153)
156
.
Fig. 100 – prisão de Feltham, Inglaterra, 1975
Fonte: BRODIE et al, 1999: 38
Fig. 101 – prisão de Feltham, Inglaterra,
1975
Fonte: BRODIE et al, 1999: 38
A idéia de usar blocos de vivência agrupados não é nova, a primeira instituição a utilizar
esse partido foi a Comunidade Norfolk, EUA, em 1927, (MADGE, 1967), utilizando
pequenos blocos de base retangular, agrupados três a três. Esse modelo, associado à
distribuição por corredores separados das variações do tipo telephone-pole plan, que
desconstrói a unidade moderna reconstruindo-a a partir de pequenas unidades, dá
origem a essa nova tipologia, que se apresenta sob diversas formas (Fig. 100, 101 e 102)
– até mesmo unidades mais compactas subdivididas, utilizando os mesmos elementos de
156
Tradução livre da autora (the result is a modified campus plan, a series of pods, or small
housing units, and other facilities connected by secure passageways or open walkways)
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
142
programa com equipamentos de serviço e apoio em geral, ampliados. A fragmentação
em pequenos edifícios parte, principalmente, de questões funcionais e de segurança,
além de permitir o estabelecimento do complexo penal e um tratamento mais
individualizado ao preso.
O projeto da Prisão do Condado de York incorpora conjuntos que separam a grande
instituição em áreas menores, assim os prisioneiros podem ser segregados de acordo com
o nível apropriado de segurança e confinamento. Esse conceito é agora o modelo para
modernas prisões e York é reconhecido através dos EUA por sua disposição, layout físico
superior. (Buchart-Horn Inc./Basco Associates – escritório responsável pela ampliação da
unidade: s/d)
157
Fig. 102 – prisão em
Malmesbury, África do Sul
Fonte: http://www.velavke.co.za
/portals/14/vasp/pdf/Discipline%
20sheets/Prisons%20&%20
Justice%20Centres.pdf
Fig. 103 – supermax, Africa do
Sul
Fonte: http://www.velavke.co.za
/portals/14/vasp/pdf/Discipline%
20sheets/Prisons%20&%20
Justice%20Centres.pdf
Fig. 104 – York County prison,
2006
Fonte: www.califcity.
com/prison.html
Dentro dessa nova tipologia, vem se desenvolvendo nos Estados Unidos – originalmente
– e na Inglaterra – principalmente – uma tipologia de unidades de vivência, originalmente
aplicada às unidades de tratamento “direto”, que se configura por formas triangulares
ocas que criam unidades de convívio cobertas – o dayroom (fig. 104) – ou pátios abertos.
Esse espaço de vivência facilita a observação do preso, por se configurar como um
espaço mais amplo do que os estreitos corredores, possibilitando a observação das celas
de pontos estratégicos. Uma das unidades de segurança média a aplicar essa tipologia é
a Instituição Correcional Federal de Phoenix (Fig. 103), EUA, construído em 1985 com
capacidade para 528 presos, em blocos de dois pavimentos – cada um com capacidade
para 33 presos.
157
Tradução livre da autora (The design of York County Prison incorporates "pods" that separate
the very large institution into smaller areas so prisoners can be segregated according to the
appropriate level of security and confinement. That concept is now the model for modern prisons
and York is recognized across the USA for it's superior physical layout) Disponível em:
http://www.bh-ba.com/york_county_prison.html. Consulta realizada em : 23/10/2007
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
143
Legenda:
a. administração
b. visitas
c. educação,
recreação,
refeitório
d. oficinas de
trabalho
e. bloco de
celas
f. bloco
especial
g. isolamento
h. recepção
i. depósito
j. posto de
guarda
Fig. 105 – Instituição Correcional Federal, EUA, 1985
Fonte: JOHNSTON, 2000: 155
Legenda: a. cela b.área de vivência
Fig. 106 – bloco de celas, Instituição Correcional Federal, EUA, 1985
Fonte: JOHNSTON, 2000: 155
h
a
b
c
d
j
i
g
e
e
e
f
j
j
b
b
a
a
a
a
a
a
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
144
A Penitenciária dos Estados Unidos – Florence (Fig. 105) é uma unidade que funciona
como complexo penal (JOHNSTON, 2000: 47). Construída em 1994, apresenta nove
unidades de vivência, sendo seis configuradas em cruz. Cada um desses módulos
contém quatro blocos lineares de dois pavimentos, sendo três de vivência e um para
atividades profissionais. A unidade tem capacidade para 575 presos no mais alto nível de
segurança, supermax. As galerias apresentam celas individuais com portas duplas –
maciça e gradeada – somente em um dos lados do corredor (Fig. 106). Cada bloco tem
um pátio de banho de sol próprio – entre os blocos.
Legenda: a. administração b. adm. interna c. visitas d. educação/espaço ecumênico
e. saúde f. chegada e saída de presos g. cantina h. lavanderia i. depósito
j. carga e descarga l. cozinha m. pátio n. blocos de vivência o. ginásio p. posto de
guarda
Fig. 107 – Penitenciária dos Estados Unidos – Florence, EUA. 1994
Fonte: JOHNSTON, 2000: 159
a
n
c
p
b
f
n
n
n
d
e
i
g
j
m
l
n
n
n n
n
h
o
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
145
Fig. 108 – detalhe da cela, Penitenciária dos Estados Unidos - Florence, EUA. 1994
Fonte: JOHNSTON, 2000: 159
A unidade penal moderna tinha como foco principal a disciplina e o isolamento. Essa era
a sua função e, para tal, a arquitetura penal se direcionava. Na pós-modernidade, a
ênfase é dada à experiência e às atividades que a edificação abriga. A disposição das
edificações, mais fragmentada, permite a inserção ou ampliação desses equipamentos, a
utilização de áreas de convívio, além de criar uma certa flexibilidade que favorece
possíveis ampliações futuras. Na arquitetura penal é possível estabelecer dois principais
caminhos: (1) utilização de tipologias, releituras de antigos modelos adaptados ao seu
contexto; (2) tendência à fragmentação e, de certo modo, a desconstrução da edificação
penal.
Nota-se claramente a dissociação entre forma e função na arquitetura penal – grande
parte dos modelos utilizados foi e ainda é aplicado a diversos programas arquitetônicos.
Também não há modelos direcionados ao tipo de regime penal aplicado – fechado, semi-
aberto e aberto – sendo utilizado o mesmo tipo de edificação para regimes de diferente
caráter. A diferenciação e a funcionalidade do edifício, quanto ao seu nível de segurança,
é feito a partir de aparatos tecnológicos – câmeras de monitoramento, detectores de
metais, leitores óticos – além da aplicação de materiais – piso anti-túnel, paredes que
impedem a passagem do som – e do nível de isolamento.
Nota-se também, principalmente em unidades de baixo nível de segurança, uma
tendência à humanização do espaço através da utilização de cores nas fachadas e a
Arquitetura Penal: Tipologias e modelos – Capítulo 4
146
presença da vegetação nos pátios internos – dentro do possível em relação à segurança.
O projeto na arquitetura penal em geral ainda é muito condicionado à funcionalidade e à
segurança. De modo geral, a releitura dos modelos penais antigos tem sido feita
superficialmente, como na arquitetura em geral. A falta do conhecimento da experiência,
além da dissociação da forma com a função e o caráter tem se configurado muitas vezes,
como leituras superficiais do passado.
Apresentados modelos e tipologias, sua evolução, variação e transformação, no próximo
Capitulo – Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – serão apresentados a evolução da
arquitetura penal brasileira e os fatos que direcionaram seus caminhos até a atualidade,
assim como o atual sistema penitenciário brasileiro, suas normas e a definição de seus
estabelecimentos.
5
CAPÍTULO
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
148
5. EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA PENAL NO BRASIL
Este capítulo apresenta a evolução da arquitetura prisional no Brasil a partir da relação
entre a organização do espaço e sistema penal, e as idéias e pensamentos correntes de
cada momento histórico estudado no Brasil, enfatizando o caso da cidade do Rio de
Janeiro. Desse modo, apresenta a evolução histórica do espaço penal relacionada: (1) às
transformações na visão de mundo e no pensamento penal; (2) às tipologias
arquitetônicas e penais já apresentadas nos capítulos anteriores – 3 e 4 – com o objetivo
de contextualizar o caso brasileiro frente às principais questões e tendências correntes no
mundo.
São analisados os projetos de algumas unidades penais, que por motivos diversos,
apresentam relevância na história da arquitetura penal brasileira, sendo significativos
dentro do pensamento corrente daquele período. São unidades que apresentam
inovações – na sua gestão ou tipologia arquitetônica – relacionadas especificamente com
suas questões contemporâneas. Com vistas à atualização do tema, algumas unidades
recentes são enfatizadas a fim de identificar as novas temáticas que vêm se inserindo na
execução penal e a forma como a arquitetura vem respondendo a novas realidades. A
revisão e a atualização dos paradigmas do sistema prisional são necessárias para
aprimorar a relação arquitetura penal (ambiente) X sistema prisional (homem, sociedade).
Depois de apresentada a evolução da arquitetura penal brasileira, é apresentada uma
linha do tempo, relacionando alguns importantes acontecimentos no Brasil com o
desenvolvimento das edificações penais em território nacional e por fim o atual sistema
penal brasileiro, suas normas, os tipos de estabelecimento em uso atualmente e algumas
recomendações projetuais definidas pelo DEPEN. Almejando a compreensão do
percurso, pelo qual o espaço penal brasileiro vem se desenvolvendo, e sua realidade
atual, este capítulo está organizado em seis partes, abordando: (1) Período Colonial; (2)
Império; (3) República; (4) Transformações Recentes; (5) Linha do Tempo; (6) O Atual
Sistema Penal Brasileiro.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
149
5.1. Período Colonial: Precedentes
E qualquer pessoa que o contrário fizer morra por isso morte natural e perca todos os seus
bens, a metade para os cativos e a outra metade para quem o acusar. (Tomé de Souza
apud BITTAR et al, 2001: 58)
No período colonial, o Brasil ainda apresenta primitiva forma de ocupação, bastante
semelhante às das cidades européias medievo-renacentistas, distante ainda de constituir
cidades propriamente ditas. A arquitetura, do mesmo modo, segue esses padrões,
apresentando casas de lotes estreitos com construções coladas às divisas de terreno.
Pequenas praças, que, em geral, abrigam uma Igreja, uma Casa de Câmara e Cadeia e,
muitas vezes, o pelourinho logo à frente (Figs. 109 e 110), constituem o centro cívico das
cidades. “Uma câmara administrará o município, o pelourinho simbolizará sua autonomia”
(MARX, 1991: 79).
Fig. 109 – casa de câmara e cadeia de Ouro Preto e
Pelourinho
Fonte: arquivo pessoal do professor William Bittar
Fig. 110 – Pelourinho e as Igrejas ao
fundo, Ouro Preto
Fonte: arquivo pessoal do professor
William Bittar
A Casa de Câmara e Cadeia – “instrumento centralizador de poder, que acumulava
funções administrativas, judiciárias e penitenciárias, eventualmente comerciais” (BITTAR
et al, 2001: 59) – é o órgão representativo do poder real e ocupa posição estratégica,
junto da Igreja, reforçando a sua importância (Figs. 111 e 112). Longe de apresentar leis
próprias, o Brasil segue as "leis" da sua metrópole: as Ordenações Afonsinas – um
apanhado de leis criadas sob o reinado de D. Afonso V – o primeiro código europeu
completo (BITENCOURT, 2000: 41). A ausência de um meio social consolidado e a
dificuldade de Portugal controlar à distância, o que ocorre na colônia, criam uma
realidade bastante particular.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
150
Fig. 111 – planta de Jacareí, SP com a casa de
câmara e cadeia marcada.
Fonte: REIS FILHO, 2000a: sem paginação
Fig. 112 – planta de uma Vila em mato Grosso
com a casa de câmara e cadeia marcada.
Fonte: REIS FILHO, 2000a: sem paginação
Em alguns casos, a casa de Câmara e Cadeia e o Pelourinho se localizam em uma praça
próxima, como mostra a figura 113:
Fig. 113 – desenho de uma cidade colonial
Fonte: MARX, 1991: 79
O sistema de sesmarias, implantado em 1530, acelera a ocupação do Brasil (REIS,
1995a: 09; BITTAR et al, 2007: 24), mas traz uma realidade múltipla, onde cada capitania
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
151
cria o seu próprio código de lei, legislado por dois juízes ordinários, que instituem as leis,
julgam e as executam. O juiz é eleito por um grupo de seis senhores de terras – um
conselho – eleitos pelos proprietários das vilas ou "cavalheiros vilões". Situações de
abuso de poder são habituais. Em situações extremas é chamado o "juiz de fora" ou "juiz
letrado", nomeado pelo rei, que pode tomar as funções do juiz temporária ou
definitivamente (BARRETO, 1955: 112). A estrutura “jurídica” deste período se
assemelha bastante ao utilizado na Europa, no período feudal, a partir de conselhos, no
entanto o foco se voltava para a segurança do território e possíveis invasões.
Segundo Barreto (1955: 111), na metade do século XIV o Brasil já estava dividido em
conselhos que utilizavam as cartas de foral – uma espécie de código escrito. O
estabelecimento penal do período colonial é a casa de Câmara e Cadeia – e ou Cadeia
Pública (Figs. 114 a 117) –, que abrigam no primeiro pavimento a cadeia e no segundo, a
câmara. Em muitas dessas edificações não há qualquer separação entre os presos, que
se abrigam em um grande espaço livre com pequenas janelas altas gradeadas. Algumas
unidades são exclusivas para homens, mulheres ou escravos. O juiz, responsável por
tudo isso, acumula as funções de juiz, delegado e administrador, formula as leis, julga e
executa as penas. A sanção predominante é a morte, porém também se aplicam penas
corporais como o açoite, a amputação de membro; degredo; trabalhos forçados em obras
públicas, além dos presos muitas vezes precisarem esmolar seu alimento e recursos para
a cadeia (BITENCOURT, 2000: 40). Havia ainda, em muitos casos, a possibilidade de
conversão em penas pecuniárias, aumentando a arrecadação do município. A sanção
que o preso recebe é escolhida pelo juiz por seu livre arbítrio, não estando esta prevista
em um "Código de Leis", já que o código criminal ainda não existe.
A partir de 1603, sob o reinado de Filipe II, são escritas as Ordenações Filipinas, "ampla
e generalizada criminalização com severas punições" (BITENCOURT, 2000: 41); foi de
fato a primeira lei penal aplicada no Brasil, vigorando até 1824, quando foi elaborada a
Constituição Brasileira. Em 1763 a sede do governo é transferida para o Rio de Janeiro a
fim de controlar de perto os caminhos do minério brasileiro – as medidas punitivas se
tornaram mais duras e foram realizadas melhorias nos locais de aprisionamento,
reforçando a segurança e o poder do Estado, como mostra a sentença de Tiradentes:
Portanto condenam ao réu Joaquim da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, (...) a que, com
baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da fôrca, e nela morra
morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila
Rica, aonde, em o lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo
a consuma, e o seu corpo será divido em quatro quartos e pregados em postes, pelo
caminho das Minas... (1792 apud BITTAR, 2001: 62)
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
152
Fig. 114 – casa de câmara e cadeia de Mariana
Fonte: arquivo pessoal do professor William Bittar
Fig. 115 – planta de situação da casa
de câmara e cadeia de Mariana
Fonte: BARRETO, 1955: 220
Fig. 116 – casa de câmara e cadeia de Salvador;
Fonte: arquivo pessoal do professor William Bittar
Fig. 117 – planta de situação da casa
de câmara e cadeia de Salvador
Fonte: BARRETO, 1955: 220
A primeira Cadeia Pública do Rio de Janeiro data de 1567, localizava-se no Morro do
Castelo e era, na verdade, uma Casa de Câmara e Cadeia. Em 1639 a metrópole
autoriza a construção de uma nova edificação para abrigar os presos da cadeia pública,
que se encontra em precárias condições de funcionamento, principalmente devido ao
excessivo número de presos. Foi somente construída em 1747, em anexo à Sede do
Conselho, onde está hoje o Palácio Tiradentes (SENNA. 1996: 116), ficando mais tarde
conhecida como “Cadeia Velha” (Fig. 119) – já apresentando a ala de presos comuns ou
negros e as alas de brancos, que eram separadas por sexo.
Entre 1735 e 1740 é construído o Aljube (Fig. 118), prisão administrada pela Igreja
Católica para presos eclesiásticos, que ficava próxima à Ladeira da Conceição e
apresentava a mesma organização das casas de Câmara e Cadeia. Mais tarde, lá se
amontoaram presos de toda espécie, simples detentos, loucos agressivos, entre outros,
por isso mais tarde ficou conhecido como “Cadeia da Relação” (SENNA, 1996: 117).
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
153
Fig. 118 – Desenho de Chamberlland da Prisão do Aljube.
Fonte: SENNA, 1996: 117
Posteriormente a Cadeia Velha passa a abrigar o Tribunal da Relação (Fig. 120) que lá
funciona de 1751 a 1808, o segundo a se estabelecer no Brasil (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RJ, s/d: sem paginação)
175
. Os presos são transferidos para as casas dos Teles, onde a
cadeia se estabelece até 1790, quando um incêndio dá fim ao prédio. É então novamente
ocupado o antigo prédio da Cadeia Velha. A Carta Régia de 1769 já solicita a construção
de uma Casa de Correção, primeira utilização do termo no Brasil, indicando que a prisão
inclui a intenção de recuperação, além do isolamento. Em 1808 a cadeia é novamente
transferida, agora para o Aljube, e a cadeia passa a abrigar a criadagem da Corte.
Fig. 119 – Cadeia Velha, RJ; em 1919.
Fonte: Arquivo Nacional
Fig. 120 – Tribunal da Relação, RJ.
Fonte: http://www.tj.rj.gov.br/museujus/
relac_rio_janeiro.pdf
175
Disponível em [http://www.tj.rj.gov.br/museujus/relac_rio_janeiro.pdf]
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
154
5.2. Império: a Visão Sanitária
No início do século XIX, a maior parte das prisões que constituem o panorama brasileiro
se caracteriza pelo isolamento do meio urbano, e severo tratamento ao delinqüente,
geralmente associado à prática de trabalho pesado – muitas vezes a agricultura – e às
precárias condições, tais como: a prisão na Ilha das Cobras, com capacidade para 1000
detentos, destinada para as galés; na Ilha Santa Bárbara, com capacidade para 100
detentas (sexo feminino), a prisão na Fortaleza São Sebastião, mais conhecida como
“Calabouço” e a do Morro do Castelo, destinada aos escravos (SENNA, 1996: 118).
A chegada da família real em 1808, o rápido crescimento da cidade e a nova concepção
de vida trazida pela Corte, trazem discussões sobre a dissociação dos poderes e
atributos do juiz, sobre a execução penal a partir das práticas coloniais – a efetiva a
dissociação dos poderes e a classificação dos presos para um tratamento direcionado. “A
vinda da família real impõe ao Rio uma classe social até então praticamente inexistente”
(ABREU, 1997: 35). O crescimento da população vem junto aos problemas sociais,
urbanos e de saúde pública. É necessária a abertura de estradas, a melhoria nos
transportes públicos, assim como a construção de prisões, hospitais, manicômios, asilos
e cemitérios, que ultrapassam largamente a sua capacidade. A visão sanitarista,
científica e humanista européia reforça a idéia de reabilitação de delinqüentes e loucos,
que a partir de então passam a ter tratamento diferenciado com base nos modernos
padrões científicos da época.
Através de todo o período colonial, os alienados, os idiotas, os imbecis foram tratados de
acordo com as suas posses. Os abastados, se relativamente tranqüilos, eram tratados em
domicílio e, às vezes, enviados à Europa, quando as condições físicas do doente o
permitiam, e aos parentes por si mesmos ou por conselho médico se afigurava eficaz a
viagem. Se agitados, punham-nos em algum cômodo separado, soltos ou amarrados,
conforme a intensidade da agitação. Os mentecaptos pobres, tranqüilos, vagueavam pelas
cidades, aldeias ou pelos campos, entregues às chufas da garotada, mal nutridos pela
caridade pública. Os agitados eram recolhidos às cadeias, onde barbaramente amarrados e
piormente alimentados muitos faleceram mais ou menos rapidamente. (MOREIRA, 1907:
sem paginação)
A incidência de doenças como varíola, febre amarela e cólera está diretamente associada
à falta de higiene, de saneamento, das precárias condições de moradia. A instalação da
Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina (1808) e da Academia de Belas Artes (1816)
propiciou estudos conjuntos para tais edificações, resultando na qualidade sanitária –
separação de compartimentos, ventilação e iluminação convenientes – e arquitetônica –,
verdadeiros palácios de estilo neoclássico – que fizeram do Rio de Janeiro uma cidade
digna de uma capital de Império (SANTOS, 1981; ARAUJO, 1982). No entanto, os
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
155
imigrantes e trabalhadores assalariados – que nem sempre conseguiam trabalho,
configurando-se como “vadios” – se multiplicavam com os cortiços e não usufruíam desse
progresso, gerando constantes manifestações públicas e o aumento no número de
delinqüentes (SANTOS, 1981: 51).
O severo regime com que são mantidos os presos, loucos e vadios – misturados em
prisões e hospitais – e a crueldade nos castigos aplicados são vistos pela Corte como
atos selvagens frente à avançada execução européia, que já admite a pena restritiva de
liberdade e a recuperação como solução para a questão prisional. Desse modo, a
Constituição Brasileira de 1824 determina a elaboração de um Código Criminal baseado
na "justiça e equidade" (BITENCOURT, 2000: 42). “A tendência era eliminar as práticas
enraizadas nas culturas populares e impor uma versão confortadora, de cima para baixo,
segundo o modelo iluminista” (BITTAR et al, 2001: 62). A primeira lei de 1º de outubro de
1828 separa os poderes, atribuindo à Câmara somente poderes judiciais, abolindo seus
poderes legislativos, desse modo a câmara passa a atuar mais como um órgão
administrativo dependendo ainda dos Conselhos (BARRETO, 1955: 120).
Em 1830, D. Pedro I sanciona o Código Criminal, o primeiro da América Latina. Inspirado
nos modernos códigos europeus, fundamentado nas idéias de Bentham, Beccaria e Mello
Freire, a partir do sistema Auburniano – que utilizava o trabalho, o silêncio e o isolamento
(BITENCOURT, 2000: 42). Efetivou-se somente em 1832, ano em que se institui o
Código de Processo Penal (BITENCOURT, 2000: 42; BITTAR et al, 2001: 63), e os
cargos de delegado e chefe de polícia, buscando dissociar a função judiciária da
executiva (BARRETO, 1955: 121). Para atender à solicitação da Carta Régia de 1769 e
abrigar os presos retirados do Aljube, é inaugurada em 1835 a casa de correção, que
ficou conhecida como “Cadeia Nova”. (Figs. 121 e 122) Os reflexos imediatos no espaço
físico – que já se notam nesta edificação – se deram a partir da compartimentação do
espaço reservado aos presos, permitindo a separação dos presos por sexo, idade, e
condições de saúde, evitando a disseminação de doenças no espaço penal.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
156
Fig. 121 – Fachada da “Cadeia Nova”, 1728
Fonte: FERREZ, 1963.
Fig. 122 – Plantas da “Cadeia Nova”, 1746
Fonte: FERREZ, 1963.
Em 1834 foi elaborado por Manoel de Oliveira um projeto de Casa de Correção para a
cidade do Rio de Janeiro (JOHNSTON, 2000: 62). É o primeiro projeto na América Latina
a apresentar sua concepção baseada nos primeiros modelos ingleses publicados (1820),
alemães (1828) e franceses (1829). É utilizado o modelo panóptico com concepção
radial. Cada um dos quatro raios abrigaria 200 celas distribuídas em quatro pavimentos
em torno de uma torre central de observação (Fig. 123).
Tal estabelecimento começa a ser construído na área de uma antiga chácara no
Catumbi, mas não se concretiza, sendo construído apenas o primeiro raio (SENNA, 1996:
120). Esta edificação procurava atender ao ideal de progresso e de modernidade que se
pretendia na implantação das casas de correção, que buscavam, através de rígida
disciplina e trabalho, recuperar o preso – que tinha seu perfil caracterizado nesta época,
principalmente como inimigo da ordem, ou vagabundo – em geral negros, capoeiras,
indivíduos associados ao samba ou ao jogo. Seu primeiro regulamento, de 1850, data de
sua inauguração, fixava atividades permitidas e seus horários, assim como assegurava a
higiene do detento (BELARMINO, 2004: 04). Em 1882 se institui o 2º regulamento e
baseado no sistema Auburniano (BELARMINO, 2004: 06; THIESEN: 2006).
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
157
Fig. 123 – Projeto da Casa de Correção do Rio de Janeiro, 1834.
Fonte: JOHNSTON, 2000: 62
Em 1851 o governo autoriza o uso de verbas para a construção de uma edificação penal
que deviria aplicar o sistema celular, influenciado pelo sistema aplicado na Filadélfia.
Desse modo, uma inspeção do governo foi enviada aos Estados Unidos a fim de
conhecer os modernos modelos americanos que deveriam inspirar o projeto de uma nova
unidade (JOHNSTON, 2000: 133).
O primeiro hospital psiquiátrico do Brasil, Hospício Pedro II, atual Fórum de Ciência e
Cultura da UFRJ, é inaugurado em 1842 (Figs. 124 e 125). Seu projeto utiliza um partido
pavilhonar – que permite a classificação e agrupamento dos doentes mentais por seu
perfil. O estabelecimento se divide em duas grandes alas: feminina e masculina, além de
ser dotado de pátios internos que permitem a ventilação e iluminação naturais, a planta
em quadra. Também é dessa época a construção do novo edifício da Santa Casa de
Misericórdia, inaugurado em 1852, ampliando as instalações originais e oferecendo
melhores condições sanitárias. (Figs 126 e 127)
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
158
Fig. 124 – Hospício Pedro II, RJ
Fonte: http://www.imagem.ufrj.br/index.php?
acao=detalhar_imagem&id_img=560
Fig. 125 – Hospício Pedro II, RJ
Fonte: http://www.imagem.ufrj.br/index.php?
acao=detalhar_imagem&id_img=42
Fig. 126 – Santa Casa de Misericórdia, RJ
Fonte: http://www2.uol.com.br/entrelivros
/noticias/img/santacasa.jpg
Fig. 127 – Santa Casa de Misericórdia, RJ
Fonte: Google Earth
O primeiro Asilo de Mendicidade (1872), atual Hospital São Francisco de Assis, (Figs.
126 e 127) é um dos poucos edifícios brasileiros a implantar o modelo panóptico, assim
como, a Casa de Detenção do Recife inaugurada em 1867 (Figs. 130 e 131). O Instituto
Benjamin Constant (1880) e o Instituto de Surdos e Mudos (1881), segundo Araujo
(1982), têm também como foco a reabilitação de seus pacientes, de modo que, suas
edificações são elaboradas em conjunto com as equipes médicas.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
159
Fig. 128 – Asilo de Mendicidade, RJ
Fonte: http://www.imagem.ufrj.br/index.php?
acao=detalhar_imagem&id_img=557
Fig. 129 – Asilo de Mendicidade, RJ
Fonte: Google Earth
Fig. 130 – Casa de Detenção do Recife, PE
Fonte: http://www.casadaculturape.com.br
/aCasa.php
Fig. 131 – Casa de Detenção do Recife, PE
Fonte: http://www.casadaculturape.com.br
/aCasa.php
5.3. Instituição da República: a Visão Progressista
Em 1889 se inicia o período republicano, a necessidade de se romper com o passado
traz a solicitação de um novo Código Penal, elaborado por Batista Pereira, aprovado e
publicado em 1891 (BITENCOURT, 2000: 42). Feito apressadamente, o Código mostrou-
se defasado em relação ao código do Império, por não levar em conta as novas idéias
influenciadas principalmente pelo positivismo. O início do século XX é marcado por um
forte movimento nacionalista mundial derivado do estabelecimento da república e a
arquitetura passa a ter importante papel neste contexto, sendo usada muitas vezes como
representação do poder do Estado através das instituições (BRUAND, 2003), entre elas a
prisão, que passou a se apresentar em enormes unidades que abrigavam todo o
tratamento penal (JOHNSTON, 2000: 142).
Em São Paulo, a construção da Penitenciária do Estado de São Paulo tem como
propósito suprir o déficit carcerário, bem como atender ao Código de 1890 e aderir às
idéias da Escola Positiva de Direito. Em 1909 o governo do Estado de São Paulo
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
160
promove um concurso público para a escolha do seu projeto (AZEVEDO, 2005: 10). O
projeto de arquitetura, de autoria de Samuel das Neves, é construído por Francisco de
Paula Ramos de Azevedo. A principal referência é a Prisão Fresnes, adotando o partido
tipo telephone-pole plan ou blocos paralelos, que consiste em um edifício com um
corredor central de onde irradiam os corredores de celas perpendiculares (Figs. 132 e
133).
Fig. 132 – Penitenciária do estado de
São Paulo
Fonte: Google Earth
Fig. 133 – vista aérea da Penitenciária do Estado de São
Paulo
Fonte:
A Penitenciária do Estado, inaugurada em 1921, busca ser um modelo, segundo os mais
modernos padrões científicos da época, integrando uma nova estrutura de organização
social. Adota-se a prisão celular e o regime progressivo, que acredita na regeneração do
delinqüente a partir da reflexão, da disciplina e do trabalho, Como mostra a frase de
Herculano de Freitas cunhada em sua entrada: "Instituto de Regeneração - Aqui o
trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à
comunhão social" (AZEVEDO, 1997: 06). Além da função social e econômica, o novo
estabelecimento apresenta uma função científica. A adoção do sistema progressivo,
como mencionado anteriormente, torna a pena mais individualizada, sendo então
necessária a observação constante do preso, assim como estudos criminológicos e
psicológicos para aplicação de penas adequadas a cada indivíduo. Tal fato incentiva o
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
161
desenvolvimento – pioneiro no Brasil – dos estudos na área, atraindo estudiosos de todo
o mundo.
... São Paulo tinha, literalmente, como um de seus cartões postais um presídio: o Carandiru.
Digno de nota no Brasil e nas Américas, a ponto de fazer parte de sua rotina o recebimento
constante de visitantes (...) até mesmo de Levi Strauss, o Carandiru
176
causava tamanha
impressão favorável (...) que Stefan Zweig, amigo de Sigmund Freud, escreveu em livro
sobre suas impressões ... (CANCELLI: 2005: 154).
Na inauguração, o edifício apresenta dois pavilhões que seguem o projeto original. Neste
ano, o número de presos não passa de 280, bem abaixo de sua capacidade. Em função
do crescimento ininterrupto do número de detentos a edificação é ampliada, com a
construção do terceiro pavilhão – um bloco idêntico aos anteriores –, inaugurado em
1929. Cabe mencionar que na década de 1940, o aumento populacional associado à
proliferação do uso de drogas como a cocaína e a heroína e, principalmente, ao
estabelecimento do Estado Novo, implicando em crescente número de presos políticos, a
penitenciária chega à sua capacidade máxima – em torno de 1235 presos (NOGUEIRA,
1940:23). O elevado número da população carcerária começa então a dificultar o
andamento das pesquisas, estudos e análises, por impossibilitar o tratamento mais
individualizado, proposto inicialmente.
Em Ribeirão das Neves, MG, no ano de 1938, é inaugurada a Penitenciária José Maria
Alkimim, segundo Vaz (2005: 173), a mais antiga do estado. A edificação apresenta a
linguagem arquitetônica Art Deco (Fig. 135) e usa o modelo de blocos paralelos (Fig.
134), o mais característico de seu período histórico. A unidade tem capacidade para 600
presos, distribuídos em dois pavilhões de cinco andares. O projeto original apresenta
equipamentos comuns como: oficinas, cinema e capela, localizados nas extremidades de
cada pavilhão em blocos de 2 pavimentos – hoje desativados, funcionando somente a
capela, por questões de segurança. O bloco mais próximo da entrada abriga a
administração, cozinha, lavanderia, o controle de pessoal e os equipamentos de saúde
da unidade. Posteriormente, foi construído ao fundo da edificação, junto ao campo de
futebol, um bloco com oficinas de trabalho (Fig. 136). Os espaços entre os blocos são
usados como pátios para banho de sol, permitindo a separação dos presos (Fig. 136).
176
O Carandiru ao qual o autor se refere, neste caso, é a Penitenciária do Estado de São Paulo
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
162
Fig. 134 – Penitenciária José Alkimim
Fonte: Google Earth
Fig. 135 – Penitenciária José Alkimim, logo após a
sua inauguração
Fonte: VAZ, 2005: 173
Fig. 136 – Penitenciária José Alkimim, vista de
um dos blocos de celas e o muro do pátio
Fonte: VAZ, 2005: 179
Fig. 137 – Penitenciária José Alkimim, cela.
Fonte: VAZ, 2005: 184
Durante o estado Novo é sancionado Código Penal (1940) ainda hoje utilizado no Brasil
sob algumas reformas. No Rio de Janeiro, no ano de 1941, é criada a Colônia Penal
Cândido Mendes que se instala – após passar por uma grande reforma – no antigo
Lazareto da Ilha Grande (Fig. 138), próxima ao Porto do Abraão – também usado
anteriormente como presídio militar – para abrigar o crescente número de presos políticos
(SANTOS, 2007: 1191). Com a extinção da Colônia Agrícola de Fernando de Noronha
(1938-1942), destinada aos presos políticos, estes são transferidos para a Colônia Penal
Cândido Mendes (Fig. 139) e para o Complexo Penitenciário da Frei Caneca (SENNA,
1996: 119).
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
163
Fig. 138 – Lazareto da Ilha Grande
Fonte: SANTOS, 2007: 1180
Fig. 139 – ruína galeria de celas do Instituto
Penal Candido Mendes, RJ.
Fonte: http://www.viajane.com.br/imagens/
fotos/ilhagrande/prisao01m.jpg
Sobre este complexo, também construído em 1941, há poucas informações disponíveis,
e segundo Johnston (2000), foi denominado, na época, de Cidade Penitenciária. Consta
de oito pavilhões ligados por um corredor central com capacidade para 1650 presos. Seu
modelo foi, provavelmente, inspirado no modelo de Fresnes e fazia parte do conjunto de
grandes obras do governo Vargas (Figs. 140 e 141). Segundo a Secretaria de
Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP)
177
, esta edificação foi construída a
partir do primeiro raio da Casa de Correção (1834) ali localizada, correspondente ao
bloco mais próximo à entrada do complexo, posicionado diagonalmente aos outros.
Fig. 140 – foto aérea do Complexo
Penitenciário Frei Caneca
Fonte: Google Earth
Fig. 141 – Complexo Penitenciário Frei Caneca.
Fonte: Jornal do Brasil, 23/03/2003, p. C3
177
Disponível em http://www.seap.rj.gov.br/conteudo/historico.htm, último acesso em 02/08/2008.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
164
A década de 40 é marcada pela implantação das primeiras unidades prisionais
destinadas às mulheres, buscando atender ao decreto Lei nº 3971 de 274/12/1941 que
solicitava a construção de uma penitenciária exclusiva para o sexo feminino. Até então as
mulheres são presas em alas de unidades masculinas, sob o mesmo regime penal. –
mantendo algum contato com presos do sexo masculino, dependendo da unidade. A
partir da década de 20, cresce o número de presos – inclusive do sexo feminino – e são
realizados estudos e levantamentos sobre as prisões no Rio de Janeiro buscando uma
fundamentação para uma reforma penitenciária. Nesse período a imagem feminina ainda
é associada à idéia de moralidade, a mulher como um ser mais puro, a mulher do lar,
levada a criminalidade por instintos negativos – como a neurose e a sexualidade (LIMA,
1983: 34; MOKI, 2003: 05). Os crimes mais comuns eram: a prostituição – fichado como
vadiagem; aborto – crime em defesa da honra; ou infanticídio – sob influencia puerperal
(QUINTINO, 2005: 46). A prisão feminina deve funcionar como um reformatório da moral
que se fundamenta: (1) na prática religiosa – inclusive exorcismos; (2) ensino de
atividades domésticas – bordar, pintar, lavar, passar, etc; (3) repressão dos instintos
sexuais vistos como instintos negativos.
Lemos Brito (1924) afirma que a proximidade com as mulheres aumenta o fardo da
abstinência sexual dos homens encarcerados, trazendo risco para a segurança das
unidades;
178
propõe que as unidades femininas apresentem tratamento diferenciado a
partir da natureza da mulher (SOARES; ILGENFRITZ, 2002: 54). Candido Mendes (1928)
propõe que a prisão feminina ofereça atividades agrícolas compatíveis com a natureza
feminina em unidades isoladas das masculinas (LIMA, 1983: 34). Em 1929 as
autoridades defendem a separação das presas por tipo de crime, fato que se deve
principalmente à idéia de que prostitutas eram mulheres cheias de vícios e doenças que
poderiam ser transmitidos às outras presas – vistas ainda como mulheres honestas que
praticaram crimes a favor da honra (QUINTINO, 2005: 46).
No Rio de Janeiro, é inaugurada em 1942 a Penitenciária Talavera Bruce, a primeira
prisão feminina brasileira (SANTOS, 2006: 02). Inicialmente administrada por freiras,
tinha como foco a reeducação da mulher – centrando suas atividades em tarefas do lar,
como: lavar, passar, tricotar, bordar – além de usar a redenção e o exorcismo (LIMA,
1983: 34). Essa foi a primeira unidade a apresentar uma ala materno-infantil no Brasil
178
C.f. Lemos Brito (1924 apud SOARES; ILGENFRITZ, 2002: 57) “a ciência penitenciária tem
sustentado sempre que as prisões de mulheres devem ser inteiramente separadas das destinadas
a homens. É que a presença das mulheres exacerba o sentimento genésico dos sentenciados,
aumentando-lhes o martírio da forçada abstinência.”
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
165
(1966) e a segunda no mundo (Jornal Só Isso, agosto de 2008: 01). Em Belo Horizonte,
MG, é construída em 1948, e inaugurada em 1955, a Penitenciaria Estevão Pinto (Fig.
142), primeira unidade prisional feminina do estado (VAZ, 2005: 134). A unidade se
constitui de um bloco principal de acesso que abriga a administração e serviços
intermediários e três blocos de celas e equipamentos internos, como: oficinas, salas,
refeitório e auditório, que se voltam para o pátio interno (Fig. 143), configurando um
espaço semelhante ao do modelo “quadrado oco” (VAZ, 2005: 136). Essa tipologia é
muito aplicada em conventos, mosteiros e escolas.
Fig. 142 – Penitenciária Estevão Pinto
Fonte: Google Earth
Fig. 143 – Penitenciária Estevão Pinto, vista do pátio
interno.
Fonte: VAZ, 2005: 138
Em São Paulo, a Casa de Detenção – popularmente conhecida como “Carandiru”, por se
localizar no bairro de mesmo nome, e que também abriga a Penitenciária do Estado –
retratada em livros, músicas e filme, é inaugurada em 11 de setembro de 1956, durante o
governo estadual de Jânio Quadros (1955-1959), pretendendo sanar o problema da
superpopulação carcerária (NOGUEIRA, 1940: 24). Tem como finalidade abrigar presos
que aguardam julgamento – configurando o perfil de presos políticos – com capacidade
inicial para 3500 detentos. Inaugurada no primeiro ano da presidência Juscelino
Kubischek, apresenta projeto anterior, integrando o conjunto dos grandes projetos
institucionais da “Era Vargas”, enaltecendo a soberania do governo, a identidade nacional
e a constante necessidade de controle da ordem pública.
A arquitetura imponente do conjunto de edifícios de linguagem Art Déco é típica daquele
regime ditatorial, com dimensões exageradas, de fácil linguagem, pragmática, com a
organização pavilhonar (Fig. 144). A simetria de sua composição arquitetônica,
valorizando os acessos centralizados, o predomínio de cheios sobre vazios, em sua
volumetria, acentuada pela articulação de volumes definidos, geometrizados e
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
166
simplificados tornam fácil sua rápida associação com os edifícios públicos da época. A
Casa de Detenção apresenta o modelo arquitetônico conhecido como “quadrado oco”:
planta quadrada com pátio interno; apresenta um corredor central com celas (de 6 m²)
voltadas para os dois lados – pátio interno e exterior.
Fig. 144 – Vista geral da Casa de Detenção, SP
Fonte: Governo Estadual de São Paulo
Com o passar do tempo, a massa carcerária aumenta consideravelmente, especialmente
depois do regime militar instaurado em 1964. Os presos políticos são tantos que a
população carcerária passa de 3300 presos em 1963, para 6600 em 1965, só no estado
do Rio de Janeiro (SENNA, 1994: 122). Com a constante superlotação nos
estabelecimentos penais o estabelecimento sofre uma reestruturação e sua capacidade
aumenta para 6300 presos. Conhecido como o maior presídio da América Latina, chegou
a ter uma população móvel de 9000 presos, fato que, associado à sua proximidade do
meio urbano e às constantes rebeliões, trouxe a sua desativação e implosão (2002-
2005).
Também representativa deste período, é a Penitenciária Lemos Brito, inaugurada em
1956 em Salvador, BA, segundo a Lei nº 832, de 10 de agosto de 1956. A edificação
segue o modelo panóptico e se configura por um anel de celas com três pavimentos
(Figs. 145 e 146). Poucas são as informações sobre essa unidade, que ficou conhecida
recentemente por uma ação que flagrou um preso com 280 mil Reais na cela, além de
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
167
equipamentos eletrônicos. Suas proporções exageradas, e o elevado número de presos
dificultam a vigilância e a manutenção da segurança.
Fig. 145 – Penitenciária Lemos Brito, BA,
1956
Fonte: Google Earth
Fig. 146 – Penitenciária Lemos Brito, BA, 1956
Fonte: http://www.picturapixel.com/blog/
?s=nossa+vergonha&submit=Go
5.4. Transformações Recentes
... é o desesperado momento em que se descobre que este império, que nos parecia a
soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e sem forma, que a sua corrupção é
gangrenosa demais para ser remediada pelo nosso cetro, que o triunfo sobre os soberanos
adversários nos fez herdeiros de suas prolongadas ruínas (CALVINO: 1990: 11).
Em 1970 ocorre uma reestruturação da Superintendência do Sistema Penitenciário
(SUSIPE) buscando adequá-la ao Código de Execuções Penais (SENNA, 1994: 122).
Seus pontos principais são: a fiscalização da alimentação dos presos, o tratamento a
jovens delinqüentes e o atendimento às regras da ONU. A partir do crescente movimento
para melhores condições do preso, é fundada em 1974 a Associação para Proteção e
Assistência aos Condenados (APAC). É uma instituição não governamental que tem por
finalidade aplicar gestões alternativas de administração penitenciária com a participação
comunitária, priorizando a ressocialização do preso condenado, além de fiscalizar as
ações do Ministério Público. Sua principal diretriz é a participação ativa do preso através
de um conselho, junto a um grupo de voluntários livres e familiares (AGOSTINI, 2002:
103).
A origem dos fatos que contribuem para a mudança de paradigma do sistema
penitenciário contemporâneo se dá na década de 1970. Foi quando se estabeleceu o
crime organizado, cuja origem remonta à prisão conjunta dos presos políticos com os
criminosos comuns, como "castigo" aos “elementos subversivos” (AMORIM, 1994). Os
criminosos comuns aprendem técnicas de guerrilhas e a organização dos grandes
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
168
comandos e falanges (Fig. 147), procedimento conhecido dos ativistas políticos na luta
armada (BITTAR et al, 2001: 70). O crescimento do uso da cocaína e da maconha facilita
o estabelecimento e a sistematização do narcotráfico e a formação da criminalidade
organizada na década de 80.
10 Mandamentos do CV
1 – Não negar a pátria
2 – Não cobiçar a mulher do próximo
3 – Ser humilde
4 – Fortalecer os caidinhos
5 – Eliminar nossos inimigos
6 – Não acusar sem provas
7 – Não conspirar
8 – Não cagüetar
9 – Não matar em vão
10 – Sermos coletivos
Fig. 147 – Estatuto do Comando Vermelho
Fonte: Jornal Extra, 09/09/2002, p.03
Sob o governo de José Sarney (1985-1990) é elaborada a Lei de Execuções Penais
(LEP) nº 7.209, de 11 de julho de 1984, estabelecida em contrapartida aos maus tratos
comuns do regime ditatorial, buscando minimizar seus efeitos e individualizar a pena
(BITENCOURT, 2000: 44). Seus principais pontos são a humanização das sanções
penais, estabelecendo regimes diferenciados, e a instituição de um Centro de
Observação para exames criminológicos a fim de separar os presos, a partir do tipo de
delito cometido, tipo de pena, reincidência, além das penas alternativas e o sistema dias-
multa. Estabelece-se em contrapartida aos maus tratos comuns do regime ditatorial,
buscando minimizar seus efeitos e individualizar a pena (BITENCOURT, 2000: 44).
Art. 5º - Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e
personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
(...)
Art. 9º - A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade,
observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do
processo, poderá:
I - entrevistar pessoas;
II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito
do condenado;
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
169
III - realizar outras diligências e exames necessários. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984: não
paginado)
179
A humanização tem apoio da sociedade, em conseqüência dos maus tratos aos presos
políticos cometidos na ditadura. Porém, o estabelecimento da criminalidade organizada –
Falange Vermelha, Comando Vermelho, Serpentes Negras – traz novamente o
endurecimento do regime. Em 1988 foram criadas as leis: n°. 8.072/90 - crimes
hediondos, que proibiram a progressão de regime prisional, obrigando o condenado a
cumprir sua pena em regime integralmente fechado; n°. 9034/95 - criminalidade
organizada, e a lei n°. 9099/95, que criou os Juizados Especiais e a transação penal, uma
tentativa de diminuir a população carcerária e trazer benfeitorias para o Estado através
da pena alternativa.
Na década de 80, o sistema penitenciário brasileiro passa por um processo de
humanização, que tem início com os projetos das novas unidades do Complexo
Penitenciário de Bangu – Bangu I e II (Fig. 148) –, que buscam atender às aspirações da
LEP (SENNA, 1996: 189). O projeto original, de Luis Figueiras de Lima – o Lelé –, previa
a construção de uma penitenciária de segurança máxima com capacidade para 320
detentos e uma de segurança média com capacidade para 576 detentos, no entanto
foram bastante alterados – como veremos no Capítulo 6. Os dois estabelecimentos
fazem parte da expansão do complexo já existente. As novas edificações apresentam
nova estrutura, se dividindo em duas zonas: intra e extramuros. A parte extramuros se
destina à administração e alojamento da polícia militar. A parte intramuros contém os
pavilhões das celas e apoio. A principal característica da arquitetura dessas unidades é o
cuidado com o conforto ambiental e a utilização de áreas de vivência mais
independentes, que tem como referência o dayroom americano.
179
Disponível em http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6416.htm. Acesso em
07/11/2007
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
170
Fig. 148 – foto aérea das novas unidades de Bangu
Fonte: Google Earth
Em Belo Horizonte, é inaugurado em 1988, o Complexo Penitenciário Nelson Hungria,
que apesar de ter seu projeto anterior à LEP, busca ajustar-se a ela ao longo do processo
de construção (VAZ, 2005: 153). Usa o mesmo princípio do complexo penal: várias
unidades de menor porte, apresentando certa independência, agrupadas (Figs. 149, 150,
151). Cada um dos doze pavilhões, que apresenta o modelo “quadrado oco”, tem
capacidade para 90 presos em celas individuais. A administração, cozinha, lavanderia,
fábrica e o hospital se localizam em blocos separados e são comuns para todo o
complexo (VAZ, 2005: 160).
A década de 90 é marcada pela difusão das organizações criminosas, que passam a
travar lutas acirradas pelos pontos de comercialização de drogas nas grandes capitais.
As organizações se multiplicam: Terceiro Comando, Amigos dos Amigos (ADA), e suas
dissidências jovens no Rio de Janeiro. Em São Paulo, surge o Primeiro Comando da
Capital (PCC), formado por presos como uma reação ao massacre de 1992 na Casa de
Detenção do Carandiru, assim como o Terceiro Comando. Essa profusão de facções
torna cada vez mais freqüente os massacres nas unidades penais por brigas entre
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
171
facções rivais. Desse modo, muitas unidades penais passam a se caracterizar pela
facção criminosa que abrigam – cada unidade abriga presos de determinada facção,
como relata Senna (1996), funcionários da SEAP e SAP e diversas matérias publicadas
na mídia.
Fig. 150 – Muro divisor entre as unidades do
complexo Nelson Hungria, MG.
Fonte: VAZ, 2005: 161
Fig. 149 – foto aérea do Complexo
Penitenciário Nelson Hungria, MG
Fonte: Google Earth
Fig. 151 – pátio interno das unidades do
complexo Nelson Hungria, MG.
Fonte: VAZ, 2005: 164
Na década de 90 a Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, passa por uma ampliação.
Poucas são as informações sobre essas unidades, que apresentam o modelo “quadrado
oco” e usam os mesmo princípios associados à idéia de complexo de exemplares
anteriormente apresentadas (Fig. 152).
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
172
Figura 152 – foto do complexo penitenciário Lemos Brito após suas ampliação
Fonte: Google Earth
Em São Paulo, são elaboradas propostas de unidades penais padrão – casa de
detenção, dois modelos de penitenciária (Fig. 153), unidade de regime semi-aberto e
cadeia pública –, construídas no final da década de 90 (JORGE, 2000). Os cinco projetos
apresentam o mesmo princípio de algumas unidades americanas e de Bangu,
concentram o setor de apoio, comum para a unidade, e subdividem as galerias em
pequenas unidades de vivência, com pátios internos, ou áreas de vivência – dayroom
permitindo o isolamento das alas.
Fig. 153 – unidade padrão em São Paulo, modelo em cruz
Fonte: JORGE, 2000: não paginado
unidade de
vivência
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
173
A instabilidade econômica e a decadência do poder do estado que marcam a década de
80, estabelecendo as políticas neoliberais, se aplicam no Brasil sob o governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995–2002). Diversas empresas estatais são privatizadas
sob o argumento da eficiência da iniciativa privada, assim como algumas unidades
penais. São adotados somente dois tipos de privatização penal: a terceirização e a
penitenciária indústria, ambas aplicam a co-gestão da iniciativa privada com o Estado. O
Paraná é o estado brasileiro pioneiro na privatização, e a justifica com base na
ressocialização do detento através do trabalho, propiciado pela parceria com empresas
privadas. A primeira unidade privatizada (Figs. 154 e 155), em Guarapuava, foi
inaugurada em 1998, apresentando um modelo semelhante aos projetos de Bangu III e
IV e a segunda, em Cascavel (Fig. 156), foi inaugurada em 2002, com modelo
semelhante.
Fig. 155 – Penitenciária Industrial de Guarapuava
Fonte: VAZ, 2005: 161
Fig. 154 – Penitenciária Industrial de
Guarapuava
Fonte: Google Earth
Fig. 156 – Penitenciaria Industrial de Cascavel.
Fonte:
http://www.pr.gov.br/depen/pi_guarapuava.shtml
A partir do final da década de 1990 nota-se nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro
uma reorganização dos seus estabelecimentos penais. Com o intuito de acabar com as
cadeias localizadas nas delegacias, são construídas várias unidades para abrigar presos
provisórios – as casas de custódia no Rio e os Centros de Detenção Provisória (CDP) em
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
174
São Paulo – assim como unidades de regime aberto e semi-aberto
180
. Em ambos os
casos, a reorganização é implicada pela demolição de antigos estabelecimentos de
grande porte: Complexo Penitenciário Frei Caneca no Rio e o Carandiru em São Paulo.
Os modelos dessas unidades, assim como outros projetos mais recentes, são inspirados
nas penitenciarias compactas americanas.
No ano de 2000 a população carcerária excede em grande quantidade a capacidade do
sistema penal brasileiro
181
, fruto da crença do governo de que uma vez dentro da
penitenciária, o problema do preso estava resolvido, associado à postura da sociedade
que apóia o não investimento no setor como uma forma de “vingança”. A falta de
recursos, associada a esta crença, contribui para o lento desenvolvimento do sistema
penal. A superlotação e a falta de investimento criam lacunas que propiciam o
fortalecimento e uma invisibilidade (inicial) na formação de organizações criminosas
dentro dos estabelecimentos penais. As organizações, antes restritas a atuar dentro da
prisão, ganham a comunicação extramuros com a evolução da tecnologia e o advento do
telefone celular
182
. Se torna possível operar, negociar e lucrar com as atividades
extramuros, operando do “escritório penal”.
Em São Paulo, sob o argumento de lutar por melhores condições, foi criado o PCC
arregimentando assim, facilmente, adeptos, criando uma “massa de manobra”, sob o
slogan “Paz, Justiça, PCC” (Fig. 157). Em 18 de dezembro de 2000 o PCC tem sua
primeira grande atuação, sob o mesmo argumento de sua formação. A rebelião na Casa
de Custódia de Taubaté, que destruiu completamente o seu espaço físico, foi a
declaração de guerra da “facção” ao governo
183
. Há então um endurecimento do regime e
dez líderes são isolados em outras unidades penais. Em resposta ao governo, em 18 de
fevereiro de 2001, acontece a maior rebelião já registrada: 25 unidades penais e quatro
cadeias públicas no Estado de São Paulo, simultaneamente
184
(SALLA, 2006: 274). As
manifestações do PCC se mostram em ações fora das unidades: assassinato de policiais,
ataques a unidades policiais e queima de ônibus (Fig. 158), que muitas vezes
paralisaram a cidade de São Paulo – assim como algumas ações no Rio de Janeiro.
180
C.F. Secretaria de Administração de São Paulo (SAP) e Rio de Janeiro (SEAP).
181
Em São Paulo havia 59.867 presos em 71 unidades com capacidade para abrigar 49.059.
182
Revista Época, 22/05/2006, p. 32; SALLA; 2007: 15.
183
GOVERNO DE SÃO PAULO / SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA, Regime
Disciplinar Diferenciado. Disponível em
< www.mj.gov.br/depen/publicacoes/nagashi_furukawa.pdf>, acesso em 26/05/2007.
184
Publicado no Observatório da Imprensa. Disponível em <observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/
artigos/iq280220019.htm>, acesso em 15/06/2007.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
175
Não somos uma organização criminosa, nem muito menos uma facção, não somos uma
Utopia e sim uma transformação e uma nova filosofia: Paz, Justiça e Liberdade. (...) nos
rotulam como monstros, como anti-sociais (...) hoje somos fortes onde o inimigo é fraco (...)
o oprimido de hoje será o opressor de amanhã, o que não se ganha com palavras se
ganhará através da violência e de uma arma em punho. (AFS
185
)
Fig. 157 – manifestação de presos no
Carandiru
Fonte: ADORNO; SALLA; 2007: 15
Fig. 158 – ônibus queimado nas ruas de São Paulo,
uma ação do PCC fora das unidades penais.
Fonte: ADORNO; SALLA; 2007: 07
Várias medidas são tomadas, inicialmente pela Secretaria de Administração penitenciária
de São Paulo (SAP), entre elas a Resolução SAP-26 em maio de 2001, que institui o
Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), permitindo o isolamento de presos que
pertençam a facções criminosas ou que cometam graves faltas disciplinares no
cumprimento da pena. Pode ser aplicado por 180 a 360 dias. Proíbe o contato físico com
as visitas e advogados, o contato com o exterior através do uso do celular e da televisão
e a presença de objetos pessoais na cela, restringe o banho de sol a 1 hora por dia, feito
de cinco em cinco presos, com a presença de dois agentes e um cão de guarda.
Posteriormente, em agosto de 2002, é instituída, pela Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP) a Resolução SAP – 59, que estabelece o Regime Disciplinar
Especial, estendendo o RDD a presos provisórios e permitindo a cela coletiva. Em
outubro de 2006, através do Projeto PL 179/05, é estabelecido o Regime Disciplinar de
Segurança Máxima, aplicado a presos pertencentes a facções criminosas de alta
185
Um dos fundadores do PCC. Documento encontrado durante uma operação do GAECO (Grupo
de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e DEIC (Departamento de combate ao
crime organizado-Polícia Civil SP). Apud CHRISTINO, Márcio S. Disponível em
<www.mj.gov.br/depen/publicacoes/marcio_christino.pdf>, acesso em {dia mês ano].
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
176
periculosidade, que segue as definições dos anteriores, permitindo o isolamento por 720
dias, podendo ser estendido ou convertido para o RDD.
Desse modo, surge a necessidade de um novo estabelecimento penal para atender as
particularidades e restrições desse novo regime, denominado Centro de Readaptação
Penitenciária (CRP). O primeiro é construído em Presidente Bernardes (Figs. 159 e 160)
em 2002, tem capacidade para 160 presos do sexo masculino e utiliza o modelo
telephone-pole-plan, além de recursos tecnológicos de segurança de alta geração.
Fig. 159 – CRP Presidente Bernardes, SP
Fonte: revista Época, 22/05/2006, p. 32
Fig. 160 – CRP Presidente Bernardes, SP
Fonte: Fonte: http://www.sap.sp.gov.br
A LEP já solicitava uma execução penal diferenciada para a criminalidade organizada no
seu artigo 86, mas somente em 2003, através da Lei n. 10.792, que o RDD é, de fato,
regulamentado, através da constituição do Sistema Penitenciário Federal e da construção
das penitenciárias federais. Essa ação tem por finalidade combater a criminalidade
organizada por meio de uma dura execução penal que restringe as regalias da execução
corrente de presos de alta periculosidade – como os chefes do narcotráfico – ou que
comentem faltas graves, no cumprimento da pena, pondo em risco a vida de funcionários
ou outros presos.
As penitenciárias federais vão abrigar criminosos de alta periculosidade, que comprometam
a segurança do presídio ou possam ser vítimas de atentados dentro dos presídios. O
objetivo do governo é, ao mesmo tempo, garantir um isolamento maior dos chefes do crime
organizado e aliviar a tensão no sistema carcerário estadual (DEPEN, s/d: não paginado).
186
186
Disponível em:
http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDD1E958A5D2F34A0A9FA7C5E1B45F49E1
PTBRNN.htm. Acesso em 15/09/2008.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
177
O primeiro projeto é elaborado para a unidade de Brasília em 2003 (Fig 161), mas não foi
executado. O projeto tinha capacidade para 104 presos, distribuídos em quatro módulos
independentes – cada um com seu refeitório, pátio, local para receber visitas, oficinas,
etc. Todas as celas apresentavam seu próprio solário, permitindo o isolamento do preso
por longos períodos. O projeto previa também a utilização de forte aparato de segurança
e controle, além do uso de chapas de aço no piso e a implantação de parlatórios que
impossibilitavam o contato físico.
Fig. 161 – projeto da penitenciária federal de Brasília, DF
Fonte: O Globo, 23/03/2003, p.11
Atualmente, funcionam três unidades federais no Brasil: Catanduvas (junho/2006),
Campo Grande (dezembro/2006) e Porto Velho (maio/2008). Todas apresentam o
mesmo projeto (Fig. 162), com 208 celas comuns para presos provisórios e condenados
e 12 celas especiais para o isolamento, que se distribuem em quatro módulos de um
pavimento (Fig. 162). Apesar de ter sido comparada às supermax americanas por todo
aparato de segurança empregado – câmeras com infravermelho, detectores de metais e
substâncias ilícitas – a unidade de Catanduvas recebeu críticas logo após entrar em uso,
principalmente a partir de denúncias feitas pela mídia sobre casos de corrupção. “A falta
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
178
de normas e o enfraquecimento da chefia fortaleceram os presos, a maioria integrantes
de facções criminosas, notadamente o PCC...” (Folha de São Paulo, 16/04/2007).
Fig 162 – Penitenciária Federal de Catanduvas, PR
Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL608860-5598,00-
PRESOS+TERAO+VISITA+VIRTUAL+EM+PRESIDIOS+FEDERAIS+DE+SEGURANCA
+MAXIMA.html 21/06/2008
As unidades apresentam a idéia do complexo penal, uma edificação extramuros para a
guarda externa, um bloco de administração e apoio interno comum, e os quatro módulos
de vivência, apresentando certa independência – pátio, parlatórios e um pequeno apoio
próprio. Em cada módulo, as celas se organizam em dois blocos em torno de pátios, de
modo que não possuem aberturas para o exterior. Utiliza alambrados em lugar de muros,
parlatórios que impedem o contato físico e uma sala de videoconferência. Um corredor
único faz a ligação entre o bloco da administração e os módulos de vivência.
O projeto não apresenta uma configuração específica direcionada ao seu propósito, sua
configuração se assemelha a algumas unidades paulistas, ao projeto original de Bangu III
e IV e ao modelo padrão desenvolvido pelo DEPEN (AGOSTINI, 2000:25). O alto nível de
segurança é alcançado pela aplicação de aparatos tecnológicos. “Uma de suas principais
falhas reside no fato de que foram desenhadas como meros depósitos sofisticados para
presos de alta periculosidade” (Relatório de visita à prisão federal de Catanduvas, maio
de 2007).
A unidade penal da APAC de Santa Luzia (Fig. 163) é a primeira e única edificação
projetada especificamente para os fins deste tipo de gestão. O conjunto foi projetado pelo
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
179
escritório MAB (Flávio Agostini, Frederico Bernis e Juliana Myrrha) e inaugurado em
2006, abrigando uma unidade de regime fechado e uma de regime semi-aberto, com
capacidade total para 200 detentos. A penitenciária de regime fechado tem capacidade
para 120 detentos, que ficam alojados em quatro blocos paralelos com seis celas cada
um. Nas extremidades de cada bloco se localizam a lavanderia e uma sala multi-uso, o
que permite o isolamento de cada um dos blocos. A unidade de regime semi-aberto tem
capacidade para 80 condenados, se constitui de quatro blocos, cada um com quatro
alojamentos que abrigam cinco presos, cada. Os blocos são paralelos e dissociados,
soltos no terreno, que abriga áreas livres de convivência. Destaca-se a humanização do
ambiente e o uso de espaços livres descentrados, permitindo a ventilação e iluminação
natural sem, contudo, deixar de atender às normas de segurança designadas pelo
DEPEN.
Fig. 163 – foto aérea da APAC Santa Luzia
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura689.asp
Atualmente, existem no Brasil distintos caminhos para a execução penal. Por um lado o
endurecimento da pena para casos mais graves; por outro, a tentativa de gestões mais
humanizadas. A arquitetura penal vem aplicando antigos modelos, que em sua maioria
não apresentam concepções de espaço relacionadas com as práticas, a gestão e a
finalidade do estabelecimento. A seguir é apresentada uma síntese dos principais pontos
apresentados organizados em ordem cronológica.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
180
5.5. Linha do tempo
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
181
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
182
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
183
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
184
5.6. O Atual Sistema Penal Brasileiro
Apresentada a evolução da arquitetura penal brasileira até a atualidade, será explicitado,
a seguir, o sistema penal brasileiro vigente atualmente, algumas de suas regras de
conduta, a definição dos estabelecimentos em uso e algumas recomendações projetuais
para elaboração de seus projetos. Não é intenção dessa pesquisa esgotar esse assunto,
mas apresentar alguns pontos considerados relevantes para o entendimento do contexto
penal brasileiro, das suas transformações mais recentes, dos seus estabelecimentos e da
concepção seus ambientes, formando uma base para um melhor entendimento da
experiência prática no ambiente penal, a ser tratada com ênfase no Capítulo 6.
O Código Penal Brasileiro, hoje utilizado, foi sancionado em 1940, durante o governo de
Getúlio Vargas, logo após a instalação do “Estado Novo” e, no que se refere à execução
da pena e tratamento penal, se baseia no sistema progressivo: após ter cumprido pelo
menos um sexto da pena com trabalho e bom comportamento – avaliados segundo
exames e observação – o preso pode ser encaminhado para regimes menos rigorosos,
até que seja posto em liberdade. Foi bastante modificado, buscando atualizar as sanções
e a execução penal. A Lei 6.416 de 24/05/1977 inclui no julgamento do preso o caráter de
sua personalidade, antecedentes, motivos e circunstâncias do crime, grau de perversão,
assim como concede a perda de regalias e da progressão do regime no caso do preso
violar as normas do estabelecimento penal no qual cumpre pena (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 1977: sem paginação).
187
A Lei de Execuções Penais – lei n.º 7210, de 11/07/84 (LEP) – aplicada hoje no Brasil, é
única, assim como as diretrizes para a concepção das unidades penais, variando a
gestão entre os estados e, se fundamenta em diversos princípios já propostos na Lei
6.416 de 24/05/1977. Segundo a LEP, o objetivo do sistema penitenciário brasileiro é
reintegrar o preso – provisório ou condenado – à sociedade, dando-lhe condições para
tanto. O Estado deve ressocializar o preso, ou seja, criar-lhe condições para que possa
voltar a viver na sociedade. A execução penal passa a ter um caráter mais humano, o
Estado se compromete a tratar o preso com igualdade de direitos, sem qualquer tipo de
distinção, respeitando os direitos humanos, fato que nem sempre se concretiza na
prática.
Art. 5º - Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e
personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
187
Disponível em http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6416.htm. Acesso em
07/11/2007
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
185
Art. 9º - A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade,
observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do
processo, poderá:
I - entrevistar pessoas;
II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a
respeito do condenado;
III - realizar outras diligências e exames necessários (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984:
sem paginação).
A lei é um código social, se estabelece e se transforma de modo paliativo, de acordo com
as necessidades das situações que se apresentam e que se configuram por
transformações sociais, culturais e históricas. Dessa forma, novas leis vão se
estabelecendo, de modo a complementar e atualizar a LEP. As leis de crimes hediondos
– n. 8.072/90
188
, modificada para n.8.930
189
, em 06/09/94 – e criminalidade organizada –
lei n. 9.034/95
190
modificada para n.10.217/01
191
– buscam endurecer a pena para certos
tipos de crime, enquanto as transações penais e juizados especiais – n. 9.099/95
192
criam uma alternativa para a pena de reclusão. Da mesma forma, se estabelece o RDD –
lei n. 10.792
193
, de 01/12/2003 – que permite o isolamento de presos que pertençam a
facções criminosas ou que cometam graves faltas disciplinares no cumprimento da pena
e se institui a lei n.11.466
194
, de 28/03/07 – proibindo o preso do uso de telefones
celulares ou aparelhos de comunicação.
Segundo a LEP, os estabelecimentos penais se destinam aos condenados, presos
provisórios e ao egresso
195
. Devem os estabelecimentos prever áreas de recreação,
esportes, trabalho, educação e assistência aos presos. Nos estabelecimentos penais, os
presos são separados, primeiro por sexo e entre condenados e provisórios – sob custódia
aguardando julgamento – depois, entre primários ou reincidentes, e de acordo com a
gravidade da penalidade cometida, contendo para cada situação, um estabelecimento
referente. Nenhum estabelecimento penal, independente de seu caráter, capacidade, ou
nível de segurança deve ultrapassar a capacidade de 200 indivíduos por módulo de celas
(BRASIL, 2005: 30).
188
Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8072.htm. Acesso em 07/11/2007
189
Disponível em http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6416.htm. Acesso em
07/11/2007
190
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9034.htm. Acesso em 07/11/2007
191
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2003/L10.792.htm#art52. Acesso em
07/11/2007
192
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm. Acesso em 07/11/2007
193
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.792.htm. Acesso em
07/11/2007
194
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11466.htm. Acesso
em 07/11/2007
195
De acordo com a LEP, um preso libertado em definitivo é considerado egresso pelo período de
um ano após a sua libertação.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
186
Para um melhor entendimento deve ficar claro que os estabelecimentos penais (Fig. 162)
englobam os estabelecimentos penitenciários, presidiários e assistenciais (patronatos,
conselho de comunidade ou similares). Os estabelecimentos penais podem ainda ser
polivalentes, ou seja, podem possuir seções, módulos ou anexos com destinações
diversas, sempre cumprindo as finalidades do estabelecimento principal. Pode também o
estabelecimento constituir um conjunto – ou complexo – penal, ou seja, reunir mais de
um estabelecimento penal autônomo em um mesmo lugar. Nesse caso, cada unidade
deve seguir as recomendações – normas de dimensionamento, segurança, capacidade –
respectivas ao seu caráter, além de serem independentes – cada uma com acesso e
equipamentos de apoio individuais. Dessa forma, a capacidade para o conjunto penal é
ilimitada. As unidades penais femininas devem dispor de uma ala ou seção para abrigar
gestantes e parturientes, assim como uma ala ou seção para abrigar as crianças até um
ano de idade (BRASIL, 2005: 45).
Fig. 164 – Fluxograma dos estabelecimentos penais brasileiros
Fonte: elaborado pela autora
Penitenciária
A penitenciária é o estabelecimento que abriga os presos sentenciados em regime
fechado de ambos os sexos. As penitenciárias variam de caráter, de acordo com as
classificações de separação de presos existentes, ou seja, existem as de segurança
máxima ou média, que atendem respectivamente aos presos com penas maiores ou
menores que cinco anos – adota o regime fechado – havendo uma separação entre os
reincidentes e os primários, segundo a periculosidade dos detentos, separados por alas
da unidade. As penitenciárias sofrem, ainda, uma adaptação à situação atual do crime
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
187
organizado no país e já são estas divididas segundo as facções criminosas (SENNA,
1996: 199)
196
.
Em estabelecimentos de segurança máxima, os presos devem ser abrigados em celas
coletivas – ou alojamentos – para até seis presos com uma área mínima de 2,5 m² por
preso, contendo dormitórios, aparelho sanitário e lavatório, além de condições mínimas
de salubridade, como por exemplo, ventilação permanente e iluminação natural indireta.
Deve ser previsto, ainda, 5% de celas individuais utilizadas para isolar o preso, caso seja
necessário, ou como celas especiais para ex- policiais e pessoas com nível superior. Sua
capacidade pode variar entre 300 e 800 presos.
Os estabelecimentos de segurança máxima especial abrigam os condenados com pena
superior a oito anos – regime fechado. Todos os presos devem ser abrigados em celas
individuais com uma área mínima de 6 m², contendo um dormitório, aparelho sanitário e
lavatório, além de condições mínimas de salubridade. No caso brasileiro, dificilmente se
encontram tais condições em face da constante superlotação nos estabelecimentos
penais. As celas que deveriam ser individuais acabam sendo coletivas sem, contudo,
sofrerem ampliações. Apesar do preso ser abrigado em cela individual, pode participar de
atividades coletivas ao longo do dia. Sua capacidade pode variar de 60 a 300 presos.
Colônia Agrícola, Industrial ou similar
É o estabelecimento que abriga os condenados em regime semi-aberto – alguns presos
não-reincidentes com penas que variam entre 4 e 8 anos e presos em progressão de
pena – que tem como principal objetivo a reabilitação do preso através do trabalho. Este
estabelecimento busca a individualização da pena, e por isso deve abrigar presos
devidamente selecionados, em número coerente com o objetivo do sistema. Neste
estabelecimento, os presos podem ser alojados em celas coletivas. Adota o alojamento
para 10 presos e o número de presos, por unidade, pode variar entre 60 e 1000.
Casa do Albergado
É o estabelecimento que abriga os condenados em regime aberto – presos não-
reincidentes com pena de, até, 4 anos e presos em progressão de pena – e em limitação
de fim-de- semana. Situa-se em meio urbano e deve conter alojamentos e espaços para
palestras, cursos e atendimento ao preso – orientação e fiscalização. Neste
estabelecimento não há grades ou muros e o preso passa pouca parte do dia, já que está
196
Esse fato é de conhecimento de todos os funcionários entrevistados, vem sendo noticiado na
mídia há muitos anos e amplamente discutido nas secretárias de administração penitenciária de
vários estados brasileiros como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
188
trabalhando fora do estabelecimento, voltando ao mesmo somente à noite para dormir, e
nos fins-de-semana. Adota o alojamento e o número de presos varia entre 20 a 120.
Cadeia Pública
É o estabelecimento que abriga os presos provisórios ou em custódia, que aguardam
julgamento. Tem caráter provisório e é um estabelecimento de segurança máxima.
Apesar de ainda constar na lei de execução penal este tipo de estabelecimento penal –
que costuma fazer parte das delegacias de polícia – vem sendo desativado em diversos
estados. As casas de custódia ou presídios – em São Paulo, Centro de Detenção
Provisória (CDP) – passam a abrigar os presos antes destinados para a cadeia pública.
Presídio ou Casa de Custódia
O presídio já é, hoje, popularmente chamado de Casa de Custódia, apesar do termo não
existir legalmente. Faz parte da nova concepção que está sendo criada de sistema
penitenciário. Este estabelecimento deve situar-se próximo ao meio urbano, facilitando o
acesso de familiares e advogados. Apresenta as mesmas características físicas que a
penitenciária, porém seu objetivo é, além de manter em reclusão os presos provisórios
que aguardam julgamento, observá-los para facilitar o julgamento e no caso de uma
futura condenação, facilitar a escolha do estabelecimento mais adequado para o preso.
É um estabelecimento de segurança máxima, que adota o regime fechado e alojamento
(para até seis presos). O número de presos pode variar entre 30e 800.
Centro de Observação
Nos centros de observação são realizados os exames criminológicos que irão ajudar a
traçar o perfil do preso e uma futura classificação em relação aos estabelecimentos. Tem
também como função apurar se os condenados pertencem a facções de crime
organizado e separá-los segundo as penitenciárias designadas para cada uma delas.
Desta forma podemos perceber a ineficiência do Estado que, já inclui em seu programa
penitenciário o crime organizado, mostrando a sua incapacidade de dar segurança ao
preso dentro do próprio sistema penal, além de assumir as facções criminosas como um
fato. O centro de observação avalia o preso ao entrar e sair de cada fase do sistema,
assim como sua evolução dentro de cada fase. Este centro deverá ser implantado em
unidade autônoma ou em um anexo de estabelecimento penal. Este é um
estabelecimento de segurança máxima especial, ou seja, adota o regime fechado e celas
individuais. O número de presos varia entre 60 e 300.
Teoricamente, este procedimento traz uma individualidade no tratamento do preso.
Segundo psicólogos da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
189
(SEAP/RJ) o acompanhamento e a observação dos presos ficam bastante prejudicados
devido ao reduzido número de profissionais em relação ao contingente de presos, o que
dificulta um acompanhamento mais próximo e uma avaliação mais precisa.
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
É o estabelecimento que abriga os "inimputáveis e semi-imputáveis". A pena de tais
presos pode ser reduzida de um a dois terços caso seja constatado, após exames
psiquiátricos, que o preso é "incapaz de entender completamente o caráter ilícito do fato"
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984: sem paginação) devido à perturbação mental ou
desenvolvimento mental incompleto. O exame psiquiátrico, assim como outros, são tidos
como necessários ao tratamento de tais presos e são obrigatórios para todos. Tais
exames serão realizados no próprio estabelecimento ou, quando necessário, em
dependência médica adequada. Este é um estabelecimento de segurança máxima, adota
o regime fechado e alojamento (celas para até seis presos). O número de presos pode
variar entre 20 e 120.
Patronatos
São destinados a dar assistência aos abrigados e aos egressos. Orientam os
condenados à pena restritiva de liberdade, fiscalizam o cumprimento das penas de
prestação de serviços, o cumprimento dos regimes abertos e semi- abertos e da
liberdade condicional.
Conselho de Comunidade
Destina-se a fiscalizar os estabelecimentos penais e a solicitar recursos materiais e
humanos para a assistência do preso.
Assistência
Se a execução da pena tem como dever ressocializar o condenado, o Estado tem o dever
de prestar a ele assistência, segundo a LEP:
1. Material: alimentação, vestuário e habitacional, com padrões de higiene;
2. À saúde: médica, odontológica e farmacêutica; esta sendo tanto de prevenção como
curativa, ficando a cargo da Previdência Social, custeada pela União;
3. Jurídica: é destinada aos presos sem recurso para tanto, sendo obrigatório este
serviço dentro do estabelecimento penal;
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
190
4. Educacional: instrução escolar, sendo o 1º grau obrigatório, e formação profissional
chegando ao aperfeiçoamento técnico. Podem ser os cursos ministrados por qualquer
entidade, além de obrigatória a presença de uma biblioteca;
5. Social: tem como função amparar o preso e sua família, acompanhar e avaliar o
comportamento do preso e sua evolução, proporcionar a recreação, providenciar
documentos, sendo assim o principal responsável por sua reintegração na sociedade;
6. Religiosa: disponibilizar no estabelecimento penal um espaço para cultos, seja ele de
qualquer religião e permitir a posse de livros religiosos. O preso não é obrigado a
participar de nenhuma das atividades religiosas.
Após cumprir a pena, o egresso tem direito a receber dois meses de alojamento e
alimentação do Estado, podendo este prazo se estender se for provado que o indivíduo,
de fato, está buscando se empregar e se reintegrar à sociedade. Este direito também é
válido para o libertado condicional.
Atividade profissional
O trabalho no interior do estabelecimento penal é, para o condenado, um dever, não uma
obrigação, deve ter finalidades produtivas e, principalmente, educativas. Se o preso opta
por não trabalhar, não é penalizado por isso, mas se opta por fazê-lo, é recompensado:
cada três dias de trabalho reduzem um dia da sua pena, além de receber remuneração
pelo trabalho. A remuneração deve, em primeiro lugar, pagar indenizações, se estas
fizerem parte de sua sentença, dar assistência à família do preso, pagar suas despesas
pessoais e, ainda, ressarcir os gastos que o Estado teve com a sua própria manutenção.
O restante será depositado em uma poupança, entregue ao preso ao final do
cumprimento de sua pena.
A atividade profissional exercida pelo preso deve estar dentro das suas aptidões, sempre
no período de 6 a 8 horas por dia e voltado à lucratividade. Os produtos gerados pelo
trabalho prisional podem ser comercializados com entidades do Estado ou particulares. O
trabalho pode ser gerenciado pelo Estado ou por empresas e instituições externas,
ficando estas responsáveis pela supervisão do trabalho, pelo pagamento dos presos e
pela comercialização dos produtos gerados. Apesar de ser permitido o trabalho externo
para os presos em regime fechado, as medidas de segurança contra fugas praticamente
o tornam inviável.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
191
Deveres, direitos, disciplina, sanções
O preso tem, como dever, a submissão à disciplina que lhe é imposta, o respeito e a
obediência ao regime e às pessoas de sua convivência dentro do estabelecimento penal.
De acordo com a LEP (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1984: sem paginação), "A disciplina
consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades
e seus agentes e no desempenho do trabalho”. Deve ficar clara a diferença entre o dever
e a obrigação: é dever do preso, por exemplo, não fugir, mas não é uma obrigação, já
que este não pode ser penalizado por isso – sua pena não pode ser aumentada – pode
apenas receber uma sanção, como perder os benefícios recebidos durante o
cumprimento da pena, como os dias de pena compensados pelo trabalho, ou visitas.
As chamadas faltas disciplinares cometidas pelos presos (faltas não são penalidades e
por isso não podem prolongar a pena do condenado) são classificadas segundo a sua
gravidade. Essa classificação pode variar de acordo com o estabelecimento penal, com
exceção das faltas graves – tentativa de fuga, o furto ou confecção de objetos como
facas e similares, o descumprimento das regras de liberdade condicional, uso de
aparelho comunicador (telefone celular, rádio, etc.) entre outras – que são únicas para
qualquer estabelecimento. Ao cometer uma falta, o preso recebe uma sanção, isto é, uma
sentença do estabelecimento penal, que pode ser uma advertência, repreensão, perda de
regalias, suspensão de direitos ou até o isolamento, sendo as duas últimas aplicáveis
por, no máximo, um mês.
As faltas graves e o envolvimento ou participação do preso em organizações criminosas
podem também ser penalizadas com a transferência do preso para o RDD – adota o
isolamento total, com direito a banho de sol por 2 horas ao dia e visitas semanais de,
somente, 2 pessoas – no qual o preso pode permanecer por 360 dias. Esse regime pode
se aplicar a qualquer categoria de preso – condenado ou provisório – em um
estabelecimento ou uma ala de unidade designada para este fim. Assim como sanções, o
preso pode também receber recompensas pelo bom comportamento, como a concessão
de regalias e a redução da pena.
Recomendações Projetuais
Os projetos de unidades penais devem ser elaborados segundo as diretrizes
determinadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)
197
. As
recomendações levam em conta a facilidade de acesso à unidade, serviços básicos de
197
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. Diretrizes
básicas para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais. - Brasília:
CNPCP, 2005.
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
192
infra-estrutura, reservas disponíveis e topografia do terreno. A segurança é o principal
fator determinante do partido arquitetônico adotado, de modo que as recomendações de
dimensionamento, acesso, fluxos e setorização são sempre determinadas pelo aspecto
da segurança.
Deve-se ter consciência da importância que tem a definição de uma linha de projeto que
poderá vir a facilitar a administração e manutenção do edifício proposto e,
conseqüentemente, influir no comportamento das pessoas que dele fazem uso. É
fundamental favorecer as instalações com um mínimo de conforto, procurando soluções
viáveis que permitam um grau de segurança necessário. (BRASIL, 2005: 36).
i) ter em conta um cuidado especial na escolha de elementos de composição e de fachada,
devido à possibilidade de utilização dos mesmos como esconderijos para pessoas ou
objetos. (BRASIL: 2005: 37)
O muro não poderá, em hipótese alguma, possuir saliências ou reentrâncias em sua face
interna. (BRASIL: 2005: 33)
Desse modo, o CNPCP recomenda o acesso único à unidade e uma organização física
da unidade que evite barreiras visuais e possam formar pontos cegos que dificultem a
observação, principalmente em áreas que necessitam de maior segurança. A setorização
das unidades deve ser rígida, evitando a sobreposição de fluxos de presos, funcionários
e visitantes e sua sobrecarga. Propõe a aplicação de três setores: (1) setor externo –
fluxo de visitantes e da guarda externa (polícia militar); (2) setor intermediário – fluxo de
presos, pessoal interno e visitas nos dias especificados; (3) setor interno –
exclusivamente presos e funcionários internos (BRASIL, 2005: 45). No setor interno, os
presos devem ser subdivididos por módulos que apresentem certa independência: celas
ou alojamentos, área para refeição e lazer e pátios de banho de sol separados.
d) considerar como unidade de vivência as alas celulares, que além das celas, devem
contar com áreas para lazer diário, refeitório e pátio; esta medida, além de organizar melhor
os fluxos internos no estabelecimento, permite uma melhor seleção de pessoas presas
segundo sua categoria;
e) evitar sobrecarregar e superpor fluxos nas escadas e circulações por onde transitem
pessoas presas; (...)
g) caracterizar no projeto um zoneamento geral intencional que permita a organização de
cada fluxo de circulação em particular; (BRASIL: 2005: 37)
Todas as instalações devem ser cuidadosamente estudadas. Os esgotos lançados em
caixa de inspeção externa, serviços de iluminação artificial, descargas e abastecimento
de água podem ter controle externo com horários estabelecidos – obrigatoriamente nas
unidades de segurança máxima especial. Quanto aos materiais deve-se sempre evitar a
aplicação de material combustível – como alguns tipos de tinta – e materiais abrasivos,
principalmente nas áreas de vivência. No interior das celas não devem ser usados
elementos metálicos – como registros – azulejos ou cerâmicas ou luminárias sem grade
Evolução da Arquitetura Penal no Brasil – Capítulo 5
193
protetora, enfim “todo objeto que possa transformar-se em arma ou servir de apoio ao
suicídio” (BRASIL, 2005: 40).
Considerando as regras de conduta no sistema penal brasileiro e suas recomendações
projetuais até aqui explicitadas, serão apresentados alguns projetos e experiências de
funcionários da SEAP, arquitetos e engenheiros em algumas unidades penais no Rio de
Janeiro a partir do entrelaçamento das questões já levantadas ao longo da pesquisa,
informações de campo, de concepção e execução do projeto, relatos e impressões no
capítulo seguinte.
6
CAPÍTULO
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
195
6. Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro
A simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a
um horizonte mínimo para além do qual outros acontecimentos da natureza, provavelmente
mais ricos e com mais interesse humano, ficam por conhecer (SANTOS, 1996: 31).
Ao incorporarmos as dimensões espontâneas e reflexivas nossas emoções e sentimentos
da experiência de interação com o ambiente, passamos a lidar conscientemente com elas,
nós observadores deveremos produzir avaliações muito mais significantes e abrangentes,
além de tornar nossa atividade mais rica e interessante (RHEINGANTZ, 2004: 08).
Esse capítulo tem como objetivo mostrar a prática no sistema e no ambiente penal, a
partir do conhecimento mais profundo de algumas unidades do Rio de Janeiro, em
funcionamento atualmente, buscando obter uma apreensão mais aproximada e menos
representativa e utópica da realidade penal.
A partir do conceito de empatia apresentado no Capítulo 1 – compreensão da experiência
do outro sem que se tenha passado por ela – é possível uma maior proximidade com
funcionários e presos e melhor entendimento e apreensão do ambiente penal. Da mesma
forma, a experiência do pesquisador em campo e a conscientização de suas sensações
ao longo da observação – observação incorporada –, fazem do observador um
protagonista da experiência. O foco da observação é o papel da arquitetura e a sua
contribuição na prática penal, que se apresenta aqui como um entrelaçamento de normas
propostas pelo Estado, contexto, tipologia arquitetônica, relatos e impressões – do
pesquisador (Anexos 3, 4 e 5), de funcionários, profissionais da área e presos – e
observações em campo. Desse modo, o capítulo é subdividido em dois itens:
(1) Relatos e Impressões: apresentação do entrelaçamento de informações de projeto –
elaboração e execução, tipologia, contexto – com relatos de profissionais da área sobre a
sua experiência prática e o funcionamento das unidades, além de impressões do
pesquisador em campo.
(2) Considerações sobre a contribuição da arquitetura
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
196
6.1. Projetos, Relatos e Impressões
Esse item apresenta algumas unidades penais no Rio de Janeiro, não só a partir do
projeto de arquitetura e tipologia, mas também, do seu funcionamento na prática, a partir
de relatos de profissionais da SEAP, funcionários das unidades, assim como profissionais
que trabalharam na elaboração dos projetos e observações em campo. É um
entrelaçamento das informações levantadas ao longo da pesquisa com o conhecimento
prático e a experiência em campo – não só do pesquisador como de outros profissionais.
Esse entrelaçamento tem como finalidade, detectar pontos positivos e negativos dos
projetos de unidades penais a partir da experiência prática, possibilitando um
aperfeiçoamento da prática projetual na área e um melhor conhecimento de certas
particularidades do ambiente penal.
Cabe ressaltar que as unidades aqui apresentadas – Bangu I, II, III e IV; Talavera Bruce e
Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá – foram escolhidas pelo fato de que
houve possibilidade de acesso do pesquisador, não somente a elas – Bangu IV, Talavera
Bruce e Unidade Materno Infantil – como a seus dados projetuais e processo de
elaboração do projeto – Bangu I, II e III –, em alguns casos. Não é intenção desta
dissertação fazer uma radiografia dos estabelecimentos penais fluminenses, porém,
algumas unidades são aqui utilizadas como apoio para a análise de como arquitetura
pode participar, positivamente ou não, de sua configuração e uso.
A partir do relato de profissionais e presos e da aproximação com a realidade penal foi
possível levantar alguns problemas e intervenções em projetos em relação à aplicação do
sistema penal brasileiro atual. A observação em campo permite ao pesquisador um
conhecimento mais rico do ambiente estudado que se configura a partir de suas
impressões, cheiros do lugar, percepção das relações estabelecidas pelos usuários,
relação com o espaço físico e apreensão do uso do espaço em sua rotina. Desse modo,
busca-se evidenciar a contribuição da arquitetura e sua participação nos objetivos da
gestão e na resolução de questões típicas desse programa penal.
Complexo Penitenciário de Bangu
As primeiras unidades de Bangu são construídas na década de 1940, quando ainda não
se tem a intenção de conformar um complexo penal, mas de isolar as unidades penais do
centro urbano. Desse modo esses estabelecimentos se configuram como unidades
autônomas – a atual Penitenciária Talavera Bruce, a Penitenciária Central e o Sanatório
Penal. Com o passar dos anos outras unidades penais são construídas configurando o
Complexo Penal de Bangu (Fig, 165). A “onda humanizadora” estabelecida na década de
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
197
1980 e a instituição da LEP, trazem a necessidade de novas unidades penais mais
condizentes com essa nova proposta, que ficam conhecidas como as novas unidades de
Bangu: Bangu I, II e II.
Fig. 165 – foto aérea do Complexo Penitenciário de Bangu
Fonte: Google Earth
O projeto original dessas primeiras unidades (Bangu I e II), do arquiteto João Figueiras
(Lelé), do início da década de 80, prevê a construção de uma penitenciária de segurança
máxima com capacidade para 320 detentos – 10 galerias cada uma com 32 celas – e
uma de segurança média com capacidade para 576 detentos – 18 galerias cada uma
com 32 celas. Ambas são desenvolvidas a partir de uma variação da tipologia de blocos
paralelos, largamente aplicadas no mundo do início do século XX até o final da década
de 1950. O bloco de celas é concebido em um só pavimento, adotando um partido
horizontal que permite que cada galeria tenha seu corredor alargado e aberto, criando
uma área para banho de sol e certa independência. Enquanto nos modelos originais os
blocos usavam corredores centrais e eram separados por pátios que permitiam a
circulação do ar – as celas se abriam para o corredor e para o exterior –, nas unidades
novas de Bangu as celas apresentam a configuração “fundo contra fundo”,
impossibilitando a ventilação cruzada. Os projetos são elaborados a fim de cumprir com
as exigências da LEP e estabelecer uma arquitetura mais humana para as unidades
prisionais.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
198
As novas edificações (Fig. 165) apresentam, ainda, uma nova concepção em relação a
sua estrutura, se dividindo em duas zonas: intra e extramuros (Fig. 166). O setor
extramuros se destina à administração e alojamento da polícia militar – que não tem
acesso ao interior das unidades, exceto em casos extremos, como rebeliões. O setor
intramuros se subdivide em duas zonas: (1) o bloco de apoio que abriga a vigilância,
administração interna, biblioteca, centro médico, cozinha, oficinas de trabalho, ginásio,
lavanderia, cantina e farmácia, onde presos só circulam em situações específicas; (2)
bloco de vivência que abriga as galerias de celas – dotadas de pátio e área de estar.
Fig. 166 – Setorização das novas unidades de Bangu
Fonte: Google Earth
Hoje, o Complexo de Bangu se configura por três tipos de unidades quanto à sua
localização: (1) as externas e mais antigas que ficam fora do que os funcionários
chamam de “cinturão” que é a parte murada com uma guarita na entrada; (2) as internas
ao “cinturão” e (3) as que apresentam maior nível de segurança – as mais recentes,
Bangu I, II, III, IV, entre outras – que estão contidas em uma área murada com acesso
por uma guarita dentro do “cinturão” (Fig. 167).
A entrada no grande “cinturão” se faz por uma guarita, onde funcionários conferem a
documentação de toda e qualquer pessoa, inclusive funcionários. Logo se vê a grande via
principal (Estrada General Emílio Maurell Filho) que dá acesso às unidades: uma extensa
reta de terra batida
221
. Do lado esquerdo uma grade e árvores ao fundo, do lado esquerdo
uma enorme muralha de concreto que não permite perceber os limites entre as unidades,
221
Hoje todas as vias do complexo já estão asfaltadas.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
199
somente seus portões de acesso – as unidades ficam coladas umas ás outras e a muralha
se estende de forma contínua (Fig. 01 e 02).
Ao longo do percurso, nenhuma árvore e praticamente nenhuma vegetação. Também não
se vê nenhum equipamento urbano, como pontos de ônibus, bancos, ou pessoas
circulando
222
, a visão é bastante árida, sem vida e o ambiente, extremamente quente.
Parentes de presos, posteriormente relataram que mesmo nos dias de visita, a
movimentação de pessoas só é vista junto às guaritas de passagem entre os setores e nas
entradas das unidades É também notável o aspecto de abandono que se nota pelo mato
crescendo pelos cantos, pinturas descascadas nos portões e a poeira trazida pela
passagem dos carros na via de terra batida.
223
Fig. 167 – Complexo Penitenciário de Bangu.
Fonte: Google Earth
Bangu I
224
Em 1988, a penitenciária que seria de segurança média com capacidade para 320
detentos inaugura como penitenciária de segurança máxima com capacidade para
apenas 48 presos – divididos em 4 galerias (Fig. 167) – cada uma com 12 celas
individuais. A unidade é construída com o objetivo de abrigar os “chefões do narcotráfico”
buscando atender a lei de crimes hediondos e criminalidade organizada e, ainda hoje,
222
Devido às grandes proporções das unidades e a conseqüente distancia entre elas, são usados
ônibus internos para o deslocamento de funcionários e visitantes.
223
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
224
Essa unidade não foi visitada pelo pesquisador, devido ao seu alto grau de segurança. No
entanto a análise foi realizada com base em relatos de profissionais, de alguma forma, a ela
associados
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
200
apresenta essa finalidade. Na sua inauguração, já usa como critério de separação dos
presos as facções criminosas a qual pertenciam e classifica as galerias em (a) Comando
Vermelho; (b) Terceiro Comando; (c) Falange do Jacaré; (d) Alemães e neutros (SENNA,
1996: 199). “Bangu 1, fortaleza inexpugnável que ganhou fama como uma espécie de
Alcatraz brasileira” (veja online, 13 de setembro de 2000: não paginado)
225
.
O projeto original (Fig. 168 e 169), de João Fiqueiras – o Léle – foi bastante modificado,
principalmente o bloco de apoio e administração interna, que segundo Senna (1996:
199), foi reduzido a um hall com salas administrativas, serviço médico e dentário e uma
área de vigilância. Com a redução da unidade e a mudança de caráter, são excluídos do
projeto todos os equipamentos associados ao trabalho, educação, apoio social e
psicológico. Os setores de vivência seguem o projeto original com os corredores de celas
alargados, configurando uma área coberta por pérgula que recebe iluminação natural,
usado como pátio, apesar de apresentarem uma configuração espacial diferente.
Fig. 168 – projeto original de Bangu I.
Fonte: SENNA, 1996: 192
As galerias originais são compostas de 10 blocos paralelos de celas ligados a um
corredor principal de acesso que liga a ala de vivência aos blocos de apoio e serviços, já
o projeto executado se constitui de apenas 4 blocos mais curtos perpendiculares ao bloco
de apoio/serviço – dois de cada lado. Cada galeria apresenta, também, uma área de
estar, usada como refeitório, o que permite à galeria a possibilidade de ser
completamente isolada (Fig. 170 e 171). No fundo do corredor de cada galeria de celas e
225
Disponível em
http://passaporte.abril.com.br/autenticaUsuario.do?metodo=checartipoautenticacão&COD_SITE=1
1&COD_RECURSO=71&URL_RETORNO=http://veja.abril.com.br/130900/p_048.html
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
201
do bloco de apoio há, ainda, postos de vigilância, permitindo a observação do interior da
galeria e da área entre a edificação e o muro (Fig. 172), além das guaritas da polícia
militar, localizadas nos muros que fazem a vigilância do exterior e da área do campo de
futebol.
Fig. 169 – perspectiva do projeto original de Bangu I.
Fonte: SENNA, 1996: 193
Vistos como irrecuperáveis, os presos passam a maior parte do tempo confinados em
sua galeria, raramente usam o espaço fora da edificação – um campo de futebol
improvisado. “Em Bangu 1 não há o que fazer além de esperar o dia da liberdade. Os
presos não trabalham nem estudam e passam a maior parte do tempo dentro das celas”
(veja online, 13/09/2000: não paginado). A unidade foi projetada segundo os modelos das
supermax americanas – uma unidade monolítica (Fig. 173) com todos os seus
compartimentos voltados para o interior, configurando subseções semi-autônomas.
Também apresenta características bastante semelhantes, como: (1) a rigidez do regime
aplicado; (2) a ausência de atividades de ressocialização – que se tornam muito difíceis
devido ao total isolamento; (3) uso de equipamentos eletrônicos de monitoramento e
controle.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
202
Legenda:
f. bloco
extramuros/acesso
g. setor de administração
interna e apoio
h. estar/refeitório
i. pátio
j. celas
k. posto de vigilância
l. campo de futebol
Fig. 170 – planta baixa de Bangu I
Fonte: SENNA: 1996: 200
Fig. 171 – esquema volumétrico de uma galeria de
celas de Bangu I
Fonte: http://epoca.globo.com/especiais_online/
2002/09/16_bangu/saiba.gif
Fig. 172 – foto aérea de Bangu I
Fonte: Google Earth
a
b
c
c
c
c
d
d
d
d
e
e
e
e
e
a
f
f
f
f
f
g
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
203
Fig. 173 – Bangu I.
Fonte: http://veja.abril.com.br/130900/p_048.html
Visando atender às exigências da LEP e possibilitar um espaço mais humano, as celas
apresentam como cobertura, um shed que permite a entrada de luz e a ventilação natural
(Fig. 174 e 175), em lugar das habituais galerias escuras e enclausuradas. A parte plana
da cobertura funciona, ainda, como um beiral para a fachada da galeria e funciona como
base para a pérgula. O pergolado, além de possibilitar o isolamento da galeria, permite a
sua observação pelos guardas nas guaritas localizadas sobre os muros – que monitoram
assim, toda a movimentação dos presos. A cela também é elaborada segundo as
orientações da LEP: individuais, com 6, 21m² , banheiro com chuveiro e vaso turco, uma
cama e mesa para leitura (Fig. 176).
Fig. 174 – foto de uma das galerias de Bangu I ocupada pela Polícia Militar após uma rebelião.
Fonte: http://epoca.globo.com/edic/250/rio22.jpg
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
204
Fig. 175 – planta baixa e corte da galeria de celas de Bangu I e II.
Fonte: SENNA, 1996:195
Fig. 176 – planta baixa da cela de Bangu I e II.
Fonte: SENNA, 1996:195
A construção da unidade é feita a partir de um sistema de placas pré-moldadas (Fig.
177), de modo que todos os elementos do projeto pudessem ser executados in loco
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
205
esse sistema deveria ser aplicado a todo projeto de Bangu I e II, mas por seu alto custo
foi somente aplicado na galeria de celas (SENNA, 1996: 197). Esse sistema permite a
reutilização das formas e a repetição dos elementos adotados no projeto em outras
unidades, a serem construídas futuramente, buscava assim funcionar como um modelo.
As vigas, pilares e mobiliário são executados em argamassa armada, sem qualquer tipo
de acabamento. Apesar de todo o cuidado na elaboração da galeria de celas,
principalmente quanto à humanização e ao conforto, a solução utilizada apresenta alguns
problemas.
Segundo Senna (1996: 200) quase todas as celas apresentam pedaços de plástico ou
pano usados para impedir a entrada da água da chuva que respinga através da abertura
do shed da cobertura. Segundo o relato de Eduardo König
226
, o único caso de fuga bem
sucedido em Bangu I, se deu pela passagem de um preso pelo vão do shed, após ter
cerrado as grades com uma lixa de unha de metal
227
. Após esse episódio, o vão de 40 cm
é reduzido para 20 cm e essa medida passa a ser padrão para as aberturas nas áreas de
vivência, impossibilitando a passagem de uma pessoa.
Fig. 177 – esquema de montagem dos elementos pré-moldados das celas de Bangu I e II
Fonte: SENNA: 1996: 199
226
Ex-diretor do setor de engenharia do antigo Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de
Janeiro (DESIPE), hoje SEAP. Entrevista realizada em 09/06/2008.
227
Por esse fato é proibida a entrada de qualquer utensílio de metal, pois qualquer material que
apresente dureza maior do a das grades pode facilmente cortá-las.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
206
Ainda segundo o relato do engenheiro Eduardo König
228
, a unidade apresenta uma
camada de 80 cm de pedras de mão – suficientemente grandes para não passarem pela
tubulação de esgoto – abaixo da galeria de celas para evitar a escavação de túneis. Em
geral, as unidades vinham substituindo a pedra de mão – muito utilizada nas casas de
câmara – por camadas de concreto, que facilitam a passagem de instalações hidráulicas
e de esgoto. No entanto, o concreto pode ser facilmente corroído pela urina, e as
pequenas pedras acabam eliminadas pela tubulação de esgoto, tornando fácil para os
presos driblar essa dificuldade, sem deixar vestígios. Desse modo a pedra de mão é
novamente adotada e são instaladas caixas de inspeção fora da edificação, junto às
galerias, que permitem a observação de tudo que pode ser eliminado por presos pelo
esgoto.
Além da elaboração dos aspectos construtivos visando a segurança, já citados, e uma
rigorosa rotina de isolamento, são também utilizados modernos sistemas eletrônicos.
Sensores eletrônicos acionam alarmes contra fuga, o muro é coroado por concertinas,
toda a unidade é monitorada por sistemas de câmeras, as portas das celas e galerias são
acionadas por sistema eletrônico (SENNA, 1996: 201). Após um trágico motim em 11 de
setembro de 2002, comandado por Fernandinho Beira-Mar, é regulamentada a aplicação
do Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES), que funciona da mesma forma
que o RDD aplicado em São Paulo (CALDEIRA, 2004: 91). Os presos enquadrados
nesse regime devem cumprir pena em Bangu I, a unidade passa por uma reforma e são
instalados parlatórios com vidro blindado e o bloqueador de celular.
Segundo agentes penitenciários entrevistados
229
, a organização espacial da unidade de
Bangu I é funcional, facilita bastante a vigilância, permitindo fácil e ampla observação do
preso a uma distância segura. Tal fato, segundo esses funcionários, se deve
principalmente à configuração da galeria de celas: larga – permitindo um ângulo de visão
bastante aberto – e curto – permitindo a visão da frente ao fundo da galeria com exatidão
(Figs. 178 e 179). Ainda segundo alguns funcionários – agentes, diretores, psicólogos – a
entrada de armas, celulares e drogas está geralmente associado à corrupção de
funcionários de sistema penal, como afirmou Roberto Aguiar, logo após a rebelião:
“Bangu 1 é muito seguro. Seguras não eram as cabeças que estavam lá dentro. Nem a
melhor segurança arquitetônica funciona quando a corrupção e a imoralidade estão
instaladas” (CALDEIRA, 2004: 91).
228
Ex-diretor do setor de engenharia do antigo DESIPE, hoje SEAP. Entrevista realizada em
09/06/2008.
229
Entrevistas realizadas em 07/12/2004 e 17/07/2008.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
207
Fig. 178 – Galeria de celas de Bangu I
Fonte: esquema gráfico da autora
Fig. 179 – esquema de uma galeria de celas mais tradicional
Fonte: esquema gráfico da autora
Essa unidade abriga os presos de maior periculosidade no Estado do Rio de Janeiro,
sendo hoje a unidade do Estado com o mais alto nível de segurança. Segundo
funcionários
230
, a unidade apresenta por isso um caráter diferente das demais. Enquanto
na maior parte das unidades se nota uma rotina de atividades e é normal a circulação de
muitos dos presos durante o dia e aquele murmurinho, em Bangu I o mesmo não
acontece, apenas cochichos escondidos entre presos que tentam se comunicar de uma
cela para outra. A vigilância excessiva cria um clima tenso e desconfiado, onde qualquer
pequeno movimento fora do habitual pode ser indício de uma ameaça.
Bangu II
231
Esta unidade começa a ser construída em 1986 para ser uma Penitenciária de
Segurança Máxima e, a essência de sua concepção original, ao contrário de Bangu I, se
mantém, (Figs. 175 e 176), assim como sua capacidade – 576 detentos (SENNA, 1996:
201). Este estabelecimento não recebe qualquer diferenciação física ou arquitetônica do
estabelecimento de segurança máxima original, apesar de ser inaugurado como uma
unidade de segurança média. A diferença está relacionada somente ao sistema de
segurança e ao tipo de preso que recebe. Bangu II, também projetada por João Figueiras
(Lelé), utiliza o mesmo método construtivo empregado em Bangu I.
230
Entrevistas realizadas em 07/12/2004.
231
Essa unidade não foi visitada pelo pesquisador, devido aos freqüentes problemas. No entanto a
análise foi realizada com base em relatos de profissionais, de alguma forma, a ela associados
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
208
Legenda:
a. bloco
extramuro
/acesso
b. setor
adm.
interna e
apoio
c. estar/
refeitório
d. pátio/
galeria
alargada
e. celas
Fig. 180 – planta baixa de Bangu II, já modificada
Fonte: SENNA, 1996: 203
f. campo de
futebol
Fig. 181 – foto aérea de Bangu II.
Fonte: Google Earth
A edificação segue a tipologia de blocos paralelos (Capítulo IV) e apresenta a mesma
organização de blocos e funções do projeto original de Bangu I. O bloco de celas é
construído segundo o projeto original: 18 galerias de celas paralelas pergoladas – como
em Bangu I – e subseqüentes, cada uma com 36 celas. As celas apresentam uma
configuração semelhante às celas de Bangu I: a mesma configuração interna, utilizando
sheds na cobertura, construídas inclusive com as mesmas formas utilizadas em Bangu I
a
b
c
e
d
f
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
209
(Figs. 180 e 181). O bloco de apoio foi construído segundo um novo projeto, elaborado a
partir da estrutura de concreto armado, mais econômica. O projeto original utilizava
blocos separados, que foram substituídos por um grande bloco englobando os
equipamentos de apoio e administração, sob uma cobertura contínua, evitando o
tratamento de muitas fachadas e o alto custo da obra. Muitos dos detalhes foram
simplificados para reduzir o custo da obra e a manutenção.
A galeria de celas, como já foi dito, apresenta a mesma concepção de Bangu I, como se
pode observar nas figuras 182 e 183. As figuras 183, 184 e 185 permitem melhor
compreensão do sistema construtivo empregado, o encaixe das peças pré-moldadas e o
estudo de shafts para a passagem das instalações de água, esgoto, assim como o
estudo para iluminação. A passagem das instalações é cuidadosamente estudada,
evitando que o preso tenha acesso a elas, como especifica a LEP.
Fig. 182 – foto de uma das galerias de Bangu II
Fonte: SENNA, 1996:195
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
210
Fig. 183 – corte da galeria de celas de Bangu II.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
Fig. 184 – encaixe da peças pré-moldadas, planta da cela
de Bangu II.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
Fig. 185 – detalhamento da luminária de
uma cela de Bangu II.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto
Claudio Taulois
Observando seu projeto preliminar, observa-se uma grande riqueza de detalhes que vão
desde estudos para estrutura até detalhes de rufos, brises e pequenas peças de
acabamento (Figs. 186 e 188). A maioria foi executada de forma bem simplificada para
redução em custos de execução e manutenção. Da mesma forma nota-se a ênfase dada
ao conforto ambiental, no projeto original, através da utilização de sheds (Fig. 187) em
quase todos os blocos e a utilização de brises (Fig. 186) em diversas áreas do projeto –
que não foram executados em nenhum dos setores da edificação.
Segundo diversos funcionários da SEAP/RJ (2003; 2005; 2007; 2008), essa unidade
costuma ter, freqüentemente, rebeliões devido ao excessivo número de presos
aglomerados por galeria e ao grande número de galerias subseqüentes. Segundo
Preenchido com
p
edra de mão
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
211
Eduardo Konig, a subdivisão da unidade penal e a possibilidade de isolamento das
galerias são fundamentais para o gerenciamento e a segurança da unidade. A utilização
de um único corredor de acesso às galerias impossibilita um isolamento completo. A
subdivisão das galerias por vazios em alguns pontos, juntamente com a separação do
corredor de acesso, facilitariam o gerenciamento da unidade, assim como o uso de
grades (“gaiolas”) no corredor, para a entrada de cada galeria. O bloco de apoio abriga o
centro médico, biblioteca, cozinha, escola, lavanderia, oficina de trabalho, entre outros,
que são comuns para toda a unidade, forçando a circulação dos presos pelo bloco,
tornando ainda mais difícil a vigilância.
Fig. 187 – corte da área de apoio e ginásio.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
Fig. 186 – detalhe dos brises
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto
Claudio Taulois
Fig. 188 – detalhe da junção das placas de
acabamento da cobertura de áreas comuns.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
212
Bangu III e IV
232
O déficit carcerário – agravado pela demolição do presídio Candido Mendes e a
possibilidade de desativação do complexo da Frei Caneca – a falta de recursos e o
crescimento desordenado das unidades penais no Complexo de Bangu trazem a
necessidade da construção de novas unidades com capacidade de abrigar um grande
número de presos com menores custos. Bangu III não é pensada como uma unidade,
mas como o “novo Complexo Penal de Bangu” – como foi chamado na época. O projeto
viabilizaria 4800 vagas oficiais distribuídas em 10 unidades penais, enquanto todo o
complexo somava na época 2700 vagas, além de um hospital penitenciário, a escola de
gestão penitenciária e uma central de segurança (SENNA, 1996: 204).
As novas unidades penais são concebidas como unidades compactas, buscam o máximo
de aproveitamento do espaço e baixo custo de construção. São edificações que utilizam
praticamente toda a extensão de área destinada para o seu uso, agrupadas – em 4 e 6 –
de modo que a própria edificação limita uma unidade da outra, dispensando a utilização
da muralha entre as unidades e o tratamento de fachadas (Figs. 189 e 190). Devido a
essa implantação, os ambientes são voltados para dentro – com aberturas somente na
cobertura – exceto nos blocos de administração interna e apoio e no bloco extramuros.
A necessidade de realizar a obra em diferentes etapas fez com que as unidades fossem
concentradas em dois blocos: um composto por seis unidades penais e outro com quatro,
construídas em quadras distintas. As novas unidades seguem alguns princípios das duas
anteriores, como a setorização: (1) bloco extramuros para polícia militar e administração;
(2) bloco de administração interna e apoio; (3) bloco de vivência. São construídas
somente duas unidades separadas – e não como a idéia original de um complexo –
apesar do projeto de arquitetura ter sido mantido, com exceção de alguns detalhes
construtivos.
O projeto da penitenciária Bangu III (Serrano Neves) foi desenvolvido pela PROMON
233
com base em diretrizes do DESIPE, fundamentados nas experiências com as unidades
de Bangu I e II. Segue a primeira variação da tipologia de blocos paralelos: duas alas de
blocos de celas com um pátio no centro e edificações de apoio, serviços e administrativo
no bloco da frente e de fundos. A tipologia adotada facilita bastante a vigilância por
permitir uma ampla visão do estabelecimento. “Da entrada do corredor de acesso as
celas (no bloco de administração interna – pode-se ver quase toda a unidade: o pátio
interno, algumas galerias e os blocos do fundo. É impressionante o tamanho da unidade
232
A visita a unidade Bangu IV foi realizada em 07/12/2004.
233
Empresa brasileira, fundada em 1960 que atua no setor de engenharia.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
213
e a quantidade de presos circulando – principalmente em relação ao número de
funcionários”
234
. Segundo o arquiteto Claudio Taulois
235
, que trabalhou no
desenvolvimento do projeto, e o engenheiro Eduardo Konig, o projeto deveria se
organizar como a unidade de Bangu I – em duas alas principais – e apresentar uma
edificação administrativa interna mais dissociada da área de vivência – oferecendo maior
segurança aos funcionários. O espaço central entre as duas alas é ocupado pelo pátio e
para atividades para os presos, de modo que os presos possam ficar isolados no setor de
vivência – inclusive durante a visitação – saindo somente para atendimento psicológico,
jurídico ou do serviço social.
Legenda:
a. unidades penais
b. hospital penal
c. central de segurança
d. escola de gestão penitenciária
Fig. 189 – projeto do novo Complexo
Penitenciário de Bangu.
Fonte: SENNA, 1996: 205
Fig. 190 – perspectiva esquemática das novas
unidades de Bangu
Fonte: SENNA, 1996: 207
A unidade (Fig. 191) é inaugurada com capacidade para 480 presos e é composta por
seis blocos: um extramuros, de apoio, e os intramuros; dois deles com edificações térreas
compostas por oito galerias de 30 celas cada; um deles com dois pavimentos para
234
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
235
Entrevista realizada em 10/06/2008.
a
b
d
c
a
a
a
a a a
a
a
a
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
214
escola, oficina e lavanderia de uso dos detentos, que fica ao fundo da unidade; outro com
quadra esportiva coberta, cantina e serviço médico e o último com dois pavimentos, que
é o bloco que dá acesso à unidade e abriga a administração, assistência social, jurídica e
instalações para os agentes penitenciários – o bloco de administração interna que dá
atendimento ao preso. O projeto prevê ainda uma capela ecumênica, que não é
construída. A unidade de Bangu IV foi construída segundo o mesmo projeto, porém
espelhado. Esse projeto devia ser um modelo a ser repetir em diversas unidades,
conformando o novo complexo penal, porém foram somente construídas duas unidades:
Bangu III e IV. A unidade de Bangu III foi recentemente dividida em duas unidades.
Legenda:
a. administração
interna, apoio
e cozinha
(Fig. 183)
b. estar/refeitório
c. pátio
d. celas
e. oficinas e
salas de aula
(Figs. 185 e
186)
f. quadra
coberta
g. ambulatório
médico (Fig,
184)
h. capela
Fig. 191 – planta baixa de Bangu III e IV
Fonte: SENNA, 1996: 207
Ao longo de todo o projeto foram realizadas pequenas alterações solicitadas pelo
DESIPE. Por questões de segurança, no bloco de administração interna (Fig. 192) são
excluídos os diversos acessos – para visitantes, funcionários e entrada de material e
alimentos – mantendo-se somente o acesso principal. A cozinha permanece em
funcionamento por pouco tempo, logo a unidade passa a ser abastecida por “quentinhas”.
Em Bangu IV, a cozinha se torna um depósito e, parte das salas de atendimento é
transformada em alojamento de presos jurados de morte – também conhecido como
bb
c
f
e
g
h
d
a
c
d
b
bb
d
d
d
c
c
c
c
b
b
b
d
d
d
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
215
“seguro” ou “isolada”
236
. Depois da implementação da visita íntima no sistema penal, a
primeira galeria de celas junto ao bloco de administração e apoio foi adaptado para tanto.
As portas de grade foram trocadas por portas de ferro fechadas e foram colocadas camas
de casal.
Legenda:
a. hall de entrada
b. revista
c. guarda-volume
d. salas de apoio
e. apoio para agentes
f. almoxarifado
g. refeitório
h. cozinha
i. dispensa
j. corredor
principal
Fig. 192 – bloco de administração interna e apoio
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
O bloco de educação/trabalho (Fig. 193 e 194) se encontra desativado e sem uso, desde
a ocorrência de uma rebelião, onde o mobiliário e os equipamentos foram destruídos.
Segundo funcionários da segurança
237
, a localização do bloco no fundo da edificação
prejudica a vigilância e põe em risco os funcionários escalados para esta área. As roupas
passam então a serem lavadas nos tanques no fundo das galerias de celas e as
atividades de trabalho se reduzem à manutenção e limpeza da unidade
238
.
236
Observado em campo, visita realizada em 07/12/2004.
237
Entrevista realizada em 07/12/2004.
238
Entrevista realizada com presos, uma assistente social e uma psicóloga da unidade em
07/12/2004
a
b
c
d
d d dd d
e e e ee e
e
e e
e e
fg h
i
j
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
216
Legenda:
a. oficina
b. posto de vigilância
c. sala de aula
d. lavanderia
e. sanitário
Fig. 193 – primeiro pavimento do bloco de
oficinas/educacional
Fig. 194 – segundo pavimento do bloco de
oficinas/educacional
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
A ala do ambulatório médico (Fig. 195) também se modifica bastante. Segundo
funcionários da segurança
239
da unidade de Bangu IV, a localização do bloco expõe os
funcionários aos presos por se localizar na área de vivência. Após ocorrência de algumas
rebeliões, o atendimento médico é transferido para as salas de atendimento e a cantina –
local de maior movimentação na unidade – é ampliada.
Legenda:
a. cantina
b. zeladoria
c. curativos
d. ambulatório
e. consultório
f. depósito
g. sanitários
Fig. 195 – bloco do ambulatório médico e cantina
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
239
Entrevista realizada em 07/12/2004.
a
b c
d
e
f
f
g
g
g
g
a
a
b
b
c c c c c
c
e
e
d
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
217
A concepção da galeria foi simplificada (Fig. 196), os sheds da cobertura são substituídos
por uma laje plana inteira coberta por um telhado, facilitando a execução e reduzindo
custos. A abertura na cobertura galeria é reduzida, evitando que respingue água nas
celas e, em lugar da pérgula, é colocada uma grade que fica chumbada ao beiral. Para
compensar a retirada do shed, o beiral é deslocado para baixo, permitindo a abertura de
um lanternim, logo acima da porta, para a entrada de luz e ventilação da cela. Grande
parte dos presos cobre esse lanternim com lençóis, e papelões. A área de estar nas
galerias foi mantida, mas é pouco utilizada pelos presos.
Legenda:
a. cela
b. galeria/pátio
c. lanternim
d. grade da
cobertura
e. calha
Fig. 196 – planta baixa e corte da galeria de celas e corte de Bangu III e IV
Fonte: SENNA, 1996: 209
Nas celas (Fig. 197) há uma pequena alteração na disposição de seus elementos,
facilitando as instalações hidráulicas e de esgoto, a confecção e execução das placas
pré-moldadas de concreto, além de concentrar a área molhada, reduzindo a umidade –
comum nas celas dotadas de sanitário. Mantêm a mesma área das celas das unidades
anteriores, no entanto com o passar do tempo e a superlotação das unidades, foram
inseridos beliches nas celas, duplicando a sua capacidade
240
. Como em outras unidades
visitadas
241
, é muito freqüente que as paredes se mostrem cobertas por fotos, cartões,
imagens de revistas, assim como o uso de lençóis – “come quieto” – para se ter alguma
240
Segundo o depoimento de alguns agentes penitenciários a Penitenciária Bangu IV chega a
abrigar em torno de 1100 presos. Entrevista em 07/12/2004.
241
Frei Caneca, Esmeraldino Bandeira, Talavera Bruce, Instituto Plácido Sá Carvalho.
a
a
b
b
c
e
d
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
218
privacidade (Fig. 198)
242
. “Olhando esse espaço [a cela], nota-se que por mais que o
preso não deseje estar na unidade, ele cria laços com o seu espaço: a cela, e geralmente
cuida e mantém esse espaço com afinco”
243
. Ainda assim, a falta de manutenção, os
visíveis vazamentos e os lençóis pendurados por toda parte, dão um aspecto de
precariedade e insalubridade, acentuado pelo cheiro forte de urina e gente. Apesar do
conhecimento profundo do projeto da unidade, a experiência no lugar trouxe a luz
diversos aspectos sobre o ambiente de vivência do preso que jamais poderiam ser
alcançados de outra forma. Essa experiência mostrou que mesmo que se tentasse olhar
o ambiente desprovido de preconceitos – no sentido literal da palavra – a sensação de
medo foi inevitável.
O fato de estar dentro de uma galeria com três funcionários e uma média de 60 presos
assusta bastante, mesmo porque a galeria apresenta apenas uma porta de entrada que, se
dominada pelos presos, não há saída. Noto com clareza a impotência dos funcionários junto
àquela massa de presos, seria praticamente impossível conte-los em uma situação como
essa. Se estávamos seguros, isso se devia exclusivamente a vontade dos presos.
244
Fig. 197 – cela de Bangu III e IV
Fonte: SENNA, 1996: 209
Fig. 198 – cela no Carandiru
Fonte: VARELA, 2001: sem
paginação
Como já mencionado, diversos funcionários do setor de segurança, assim como
engenheiros e arquitetos com experiência na área, afirmam que a compartimentação da
unidade penal é fundamental para o seu gerenciamento. Em Bangu III e IV, o corredor de
242
Por ser difícil a autorização para fotografar a unidades penais foi utilizada uma imagem do
Carandiru que ilustra bem a situação descrita.
243
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
244
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
219
acesso às galerias é todo compartimentado por grades e cada transição de setor é feita
através de duas portas gradeadas – ou “gaiolas” (Fig. 199) – através de acesso único.
“Para cada “passo” uma grade, um cadeado, uma chave“
245
. A entrada das galerias de
celas, além de ser dotada desse artifício, apresenta um avanço gradeado que permite
ampla observação, assim como um parlatório com acesso diferenciado para preso e
visitante, permitindo que o preso receba visitas sem sair da galeria (Fig. 199).
acesso de visitantes ao parlatório
Legenda:
a. “gaiola” de
acesso à
galeria
b. local para
observação
c. compartimento
do parlatório
para o preso
d. compartimento
do parlatório
para o visitante
e. galeria
Fig. 199 – transição da galeria de celas para a circulação principal.
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
O parlatório, em geral, é usado para o recebimento de advogados, ou por parentes, em
caso de emergência, que fazem a visita fora dos dias fixos estabelecidos pela unidade.
Nos dias normais de visitação, esta se realiza no pátio central. Somente permanecem no
pátio os presos que tem visitas, os demais ficam presos em suas galerias. A visita íntima
é realizada em uma das galerias, que funciona somente para esse fim. Em Bangu IV é a
galeria mais próxima à entrada. O fato de muitos presos não terem parceiros fixos e da
visita íntima se realizar em menor freqüência que a visitação habitual, sendo também
condicionada ao bom comportamento do preso, traz a improvisação de “cabanas”
armadas com cobertores e lençóis (Fig. 200)
246
nos pátios onde se realizam as visitas
habituais para a visita íntima. Como os pátios se configuram por enormes vazios, na
maior parte das vezes, sem qualquer equipamento como bancos ou mesas, as cabanas
servem também para criar um ambiente mais íntimo, onde os presos muitas vezes
reúnem a família para uma refeição – trazida pelos familiares.
245
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
246
Por ser difícil a autorização para fotografar a unidades penais foi utilizada uma imagem do
Carandiru que ilustra bem a situação descrita.
b
a
d
c
e
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
220
Fig. 200 – “cabanas” no pátio do Carandiru
Fonte: http://www.encontrasantana.com.br/santana/carandiru.shtml
O projeto original de Bangu I e II apresenta uma linguagem modernista, principalmente
nas fachadas dos blocos de apoio, que foram modificados. Já os projetos de Bangu III e
IV apresentam uma linguagem pós-moderna (Fig. 201) nas suas fachadas, que foram
alteradas por planos de tijolo hidráulico aparente. Desse modo, retirou-se qualquer
tratamento de fachada que ambos os projetos apresentam.
Fig. 201 – fachada principal do bloco intramuros
Fonte: arquivo pessoal do arquiteto Claudio Taulois
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
221
Segundo o relato de funcionários de Bangu IV, a concepção da unidade facilita bastante
a vigilância pelos seguintes motivos: (1) a localização da quadra no centro da unidade
permite ampla observação do espaço que concentra maior número de presos; (2) a
compartimentação do espaço; (3) a configuração da galeria de celas; (4) possibilidade de
observação da galeria de celas através de sua abertura, de cima da edificação – como as
que se localizam na extensão dos muros, conhecida como “passadiço”. Por outro lado, a
existência do “passadiço” pode facilitar o acesso à cobertura em caso de rebelião. O
pátio, localizado atrás da edificação, é considerado o ponto mais difícil de ser observado
e permaneceu por bastante tempo sem uso após denuncias feitas pela mídia.
De modo geral a edificação apresenta um forte aspecto de abandono devido à falta de
manutenção e o próprio acabamento dado a edificação. Apesar dos presos cuidarem da
limpeza, os vazamentos, o uso da descarga de esgoto ter horários fixos e alta
concentração de pessoas em pequenos espaços mantém um mau cheiro que costuma
estar presente também nas demais unidades penais. Entre o muro e a edificação interna
pode-se observar ratos e suas tocas, fato que os agentes dizem estar associado ao fato
da unidade penal produzir um volume enorme de lixo e que se agrava pelo fato dos
presos armazenarem comida e fazerem as suas refeições dentro das celas. Como
qualquer ambiente, a penitenciária apresenta uma rotina de atividades e regras
singulares de convivência. Depois de certo tempo de permanência no ambiente, sua
imagem associada aos conflitos mostrados pela mídia se afasta, mas estar entre uma
massa de presos, de fato, causa tensão.
O aspecto de abandono é latente acentuado pelas paredes cinza mal conservadas – de
tijolo hidráulico ou concreto aparente – que dão a impressão de estarmos em uma
construção não acabada. Logo que se adentra o bloco intramuros é possível sentir o cheiro
forte, característico das prisões – uma mistura de cheiro de urina, gente amontoada e
comida – que permite que o visitante rapidamente se oriente rapidamente quanto à
localização das galerias de celas. (...) [De cima do passadiço] A vista é bonita e corre uma
brisa, dá até pra esquecer que estamos em uma unidade penal.
247
247
Trecho retirado do Relato Experiencial de Bangu IV, disponível no Anexo 3.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
222
Talavera Bruce
A penitenciária Talavera Bruce é inaugurada em 1942, buscando atender ao decreto Lei
nº 3971 de 27/12/1941, que solicitava a construção de uma penitenciária exclusiva para o
sexo feminino. É a primeira unidade penal exclusivamente feminina brasileira, uma das
primeiras unidades a ser construída no Complexo de Bangu. Funciona inicialmente como
reformatório da moral, com capacidade para 60 presas, sendo administrada de 1942 a
1955 pelas irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Bom Pastor d’Angers. O
tratamento penal, durante esse período, seguia o modelo dos conventos: prática
religiosa, disciplina, observação e vigilância, em uma rígida rotina com aprendizado de
tarefas domésticas – limpar, cozinhar, bordar, costurar, pintar, etc.
Segundo Lima (1983) a unidade busca a reabilitação feminina principalmente através das
atividades desenvolvidas, de modo que sua arquitetura, originalmente, busca se afastar
da tradicional arquitetura penitenciária da época, baseada no isolamento do preso –
fundamentada pelos modelos Celular e Auburniano. Segue o modelo proposto por Lemos
de Brito, não utiliza grades, celas individuais ou de isolamento – castigo – no entanto seu
projeto apresenta (hoje) fortes características da tipologia penal mais aplicada da época:
o modelo de blocos paralelos, principalmente na configuração de seu bloco de vivência
(Figs. 196 e 197). Há pouquíssimas informações sobre o projeto original e suas
modificações
248
. Junto à entrada da unidade localiza-se uma Capela, inicialmente aberta
à população vizinha, e hoje destivada (Fig. 196).
Ao longo do funcionamento da unidade diversas modificações foram feitas na edificação
devido à inadequação do modelo quanto à segurança. Desse modo, no início da década
de 50, muitos alojamentos coletivos são transformados em celas individuais, além de
serem implantadas dez celas para isolamento (LIMA, 1983: 59) – aos poucos a unidade
vai se caracterizando com os elementos da tradicional arquitetura penitenciária. Em 1953,
a unidade sofre uma ampliação que duplica a sua capacidade, e é instalada a unidade
materno-infantil (SOARES; ILGENFRITZ, 2002: 62) – localizada atrás da igreja (Fig. 196),
ao lado da unidade – que abriga os filhos das presas, até um ano de idade.
Em 1955, a unidade volta a ser administrada pelo Estado, devido ao fracasso da
administração das freiras e em 1966 passa a ser chamada de Instituto Penal Talavera
Bruce, época em que a unidade abrigou famosas criminosas, como a “fera da Penha”. No
248
Todos os desenhos elaborados nesta pesquisa sobre a Penitenciária Talavera Bruce e a
Unidade Materno infantil Madre Tereza de Calcutá são esquemáticos, elaborados com base em
observações de campo e imagens do Google Earth. Tem a finalidade de esclarecer o modo de uso
e a organização espacial da unidade – seus setores, fluxos, equipamentos –, suas medidas não
estão corretas, assim como o tamanho e número de alojamentos e celas.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
223
início da década de 1970 a unidade recebe as primeiras presas políticas que ocupam o
edifício anexo ao fundo do terreno (Fig. 202), exclusivo para esse tipo de presa
(LEMGRUBER, 1999; SANTOS, 2006: 04). Hoje a unidade funciona como uma
Penitenciária de segurança máxima – ainda feminina – com capacidade para 338 presas,
distribuídas em duas edificações: a principal e a edificação anexa (Fig. 202).
Fig. 202 – Unidades externas ao cinturão do Complexo de Bangu
Fonte: Google Earth
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
224
O acesso ao Talavera Bruce e à Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá é
feito através de um portão único (Figs. 203, 204 e 207) – o acesso e o edifício do corpo
da guarda são comuns para as duas unidades. O portão se abre para uma pequena
praça arborizada com alguns brinquedos para crianças e uma capela – paisagem
inesperada para uma unidade prisional (Fig. 205). À direita se vê a entrada da
penitenciária e, logo à frente, a capela e um pequeno portão à esquerda dá acesso à
unidade materno infantil. Uma pequena edificação junto ao portão da penitenciária abriga
a sala de revista de visitantes (Figs. 206 e 207).
Já se vê, logo em frente, uma pequena capela, árvores, um parquinho de crianças e presas
varrendo as folhas caídas no chão, uma imagem que jamais seria associada a uma unidade
penal. Faz silêncio, só se ouve o barulho de árvores balançando ao vento e passarinhos
249
.
Fig. 203 – Acesso e bloco da guarda externa Fig. 204 – bloco da guarda externa
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
Fig. 205 – Capela
Fig. 206 – edificação para a revista de
visitantes e entrada para Talavera Bruce
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
249
Trecho retirado do Relato Experiencial do Talavera Bruce, disponível no Anexo 4.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
225
Legenda:
a. entrada/bloco
extramuros
b. posto de vigilância
c. sala para revista
d. capela
e. parquinho infantil
f. unidade materno
infantil
g. hall de entrada da
penitenciária
h. setor de
administração
i. apoio
j. área de trabalho
k. pátio
l. celas
m. área coberta para
visitas
n. parquinho infantil
o. cantina
p. espaço
ecumênico
q. horta
r. posto de
vigilância
Fig. 207 – Planta esquemática da Penitenciária Talavera Bruce e da unidade materno Infantil
Fonte: desenho da autora
A edificação principal da Penitenciária Talavera Bruce é dividida em três setores: (1)
administração; (2) apoio e disciplina; (3) área de vivência (Fig.208), que abriga toda a
parte de administração interna, apoio e alguns espaços de trabalho. Como essa é uma
edificação antiga, seus setores não se apresentam de forma tão rígida como nas
unidades mais recentes, que já são pensadas a partir de um zoneamento, além de ter
sofrido muitas alterações ao longo do tempo. O acesso à edificação se dá através de um
hall que distribui o fluxo para dois corredores ortogonais – um do bloco de administração
e um do bloco de apoio. Passando pelo bloco de apoio tem-se acesso ao corredor
principal da unidade – que funciona como no modelo de blocos paralelos (sua primeira
variação): um corredor espinha que liga os blocos perpendiculares (galerias e áreas de
trabalho) – dá acesso aos pátios, galerias e áreas de trabalho (Fig. 208)
a
e
i
l
m
m
m
mm
l
l
r
b
f
d
p
q
k
k
m
Penitenciária Talavera Bruce
l
e
e
c
g
m
n
o
h
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
226
Fig. 208 – Planta esquemática da Penitenciária Talavera Bruce e da unidade
materno Infantil
Fonte: desenho da autora
Legenda:
a. hall de
entrada
b. setor de
administração
c. zeladoria
d. custódia
e. odontologia
f. psicologia
g. educação
h. serviço
jurídico
i. serviço social
j. cooperativa
de artesanato
k. classificação
l. jornal
m. disciplina
n. sala de
agentes
o. padaria
p. fábrica de
chocolate
q. biblioteca
r. salão de
beleza
s. confecção
t. fábrica de
fraldas/
auditório
u. pátio
v. galeria de
celas
w. celas de
castigo
Toda a edificação é composta por blocos lineares e apresenta uma linguagem da
arquitetura Art Deco (Figs. 209 e 210), que, com exceção do bloco de apoio e das
galerias do segundo pavimento, apresentam corredores laterais com janelas altas
fechadas por basculantes ou, em alguns casos, barras de ferro. Todos os
compartimentos da unidade – inclusive nos blocos de administração, apoio e auditório –
apresentam janelas altas, tanto para o exterior como para o corredor de acesso, exceto
na galeria de celas, onde só há aberturas para o exterior nas celas. O ambiente é bem
conservado, paredes pintadas em um tom sóbrio de cinza até a altura das janelas e o
restante branco. A personificação do ambiente é marcante e se nota já no hall a partir de
trabalhos manuais das presas e enfeites de papel colorido recortado nas paredes. A
a
c
m
b
l
n
d f
e
g
h
i
j
j
j
k
u
p
o
q
r
s
t
uu
w
v
vvv
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
227
unidade passa por pequenas obras de manutenção e muitas de suas áreas já estão
pintadas em azul, a pedido da nova diretora, a fim de dar um tom mais vivo e leve.
... é marcante a diferença para as unidades masculinas pela personificação do ambiente –
cartazes, recortes em papéis coloridos e objetos confeccionados pelas presas. Não é um
ambiente bonito, mas bem cuidado: paredes bem conservadas – pintadas até a altura das
altas janelas gradeadas com um cinza escuro, bem sóbrio – e o piso de marmorite.
250
Fig. 209 – parte da fachada do bloco de
administração
Fig. 210 – parte da fachada do bloco de
administração
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
Os pátios ficam nos espaços entre os blocos, a utilização de três pátios permite a
separação das presas no horário de banho de sol. O pátio principal – o maior – fica entre
os blocos de administração e o corredor principal (Fig. 211), é usado para prática de
esportes e algumas atividades da unidade. Nos horários de banho de sol as presas usam
esse espaço para ensaios de eventos e desfiles do concurso de Miss. O pátio que fica
entre os blocos é mais utilizado como uma espécie de área de serviço, onde as presas
lavam a roupa e as deixam penduradas pra secar (Figs. 212 e 213). O último, entre o
bloco e o muro costuma ser mais restrito.
250
Trecho retirado do Relato Experiencial do Talavera Bruce, disponível no Anexo 4.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
228
Fig. 211 – pátio principal
Fonte: Jornal Só Isso, ago/2008: 05
Fig. 212 – pátio entre os blocos
Fonte: http://documentography.com/issue
/6/ph/genna_nacchache/2.html
Fig. 213 – pátio entre os blocos
Fonte:
http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-
modelos-documental-documentos-tv.html
Essa unidade dispõe de um auditório onde, palestras sobre a saúde são freqüentes (Fig.
214), além de eventos como o lançamento do livro Falcão de Mv Bill e o concurso Miss
Talavera Bruce. A visitação, festas de Natal, Dia das Mães, costumam se realizar na
parte aberta ao fundo da unidade, entre a edificação principal e o bloco anexo que
apresenta uma pequena área coberta – onde são organizadas mesas enfeitadas. As
famílias costumam estender cobertas no chão e as crianças dispõem de um parquinho
com brinquedos (Fig. 215). Nos dias de visita, os produtos feitos pelas presas –
atividades de artesanato, bombons, roupas – feitos individual ou coletivamente, são
expostos para a venda. A visita íntima é feita em uma ala reservada para essa finalidade,
com alojamentos adequados.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
229
Fig. 214 – palestra sobre o câncer de mama
no auditório da unidade
Fonte: http://www.eunanet.net/beth/news/
topicos/penitenciarias_femininas_noticias
_elizabeth_misciasci.htm
Fig. 215 – evento na unidade em dia de visita
Fonte: http://picasaweb.google.
com/Fotos.AfroReggae/Talavera
Bruce#5205527377145294658
O Talavera Bruce é uma das unidades que mais oferece oportunidades profissionais e
educativas. A unidade dispõe de salas de aula, que atendem desde a alfabetização até o
ensino médio, além de um curso pré-vestibular – que já trouxe a aprovação de algumas
presas em universidades, apesar delas nunca terem cursado. Na área profissional
apresenta uma confecção de roupas (Fig. 216), fábrica de fraldas descartáveis – usadas
na unidade materno-infantil, padaria, cooperativa de artes (Fig. 217), horta hidropônica,
salão de beleza (Fig. 218), além dos serviços de apoio à administração, limpeza e
manutenção da unidade. Muitas das ofertas de trabalho nasceram da parceria com a
iniciativa privada, assim como da doação de material – sobras de fábricas e material
reciclável.
Fig. 216 – corredor de acesso a
confecção
Fig. 217 – venda de artesanato
em dia de visita
Fig. 218 – salão de
beleza
Fonte: http://documentography.com
/issue/6/ph/genna_nacchache/2.html
Fonte: http://picasaweb.google.com/Fotos.Afro
Reggae/TalaveraBruce#5205527475929542498
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
230
As presas que trabalham passam o dia “soltas”, podendo circular em determinadas áreas,
dependendo do local de sua atividade – algumas por toda a unidade, como as da
limpeza, outras somente até o corredor principal. O corredor principal é como a avenida
principal de uma cidade: distribui o fluxo para os pátios (Figs. 219 e 220), áreas de
trabalho e galerias. Funciona em um só pavimento subdividido por “gaiolas” que ficam
abertas durante o dia (Fig. 208) quando é iluminado por janelas altas (Fig. 209). Do
corredor é possível observar as galerias do pavimento térreo e as escadas de acesso às
galerias do pavimento superior – a observação das galerias desse pavimento fica
prejudicada devido à posição da escada ortogonal à galeria.
Fig. 219 – corredor principal, mostrando uma
das gaiolas e entrada da galeria marcada.
Fig. 220 – corredor principal, ao fundo portão de
acesso a um dos pátios, à esquerda a abertura
para a escada de acesso a galeria marcada
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
As presas que não participam de atividades educativas ou profissionais passam o dia
presas em suas galerias, que apresentam diferentes características. As galerias com
alojamentos coletivos – com capacidade para dezoito presas – que ficam no primeiro
pavimento, se apresentam em um só lado do corredor, fechados com uma parede de
meia altura e barras de ferro (Fig. 221, 222 e 223). As com celas coletivas – com
capacidade para cinco presas – que ficam no primeiro pavimento, possuem corredor
central, fechadas com paredes inteiras, portas de ferro e janelas altas abrindo para o
exterior. As galerias são subdivididas com “gaiolas”, como as do corredor principal (Fig.
224). Diferente das novas unidades de Bangu, nas galerias não há qualquer espaço de
uso comum, além do corredor.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
231
Fig. 221 – corte esquemático da galeria dos
alojamentos (20 presas)
Fonte: desenho da autora
Legenda:
a. galeria
b. cela
Fig. 222 – planta esquemática da galeria dos
alojamentos (20 presas)
Fonte: desenho da autora
Fig. 223 – croqui da galeria de celas dos
alojamentos (20 presas)
Fonte: desenho da autora
Fig. 224 – galeria de celas coletivas (5 presas)
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/
2007/11/presas-modelos-documental-documentos-tv.html
O edifício anexo, construído para abrigar presas políticas, hoje abriga as presas idosas,
estrangeiras e a ala de presas da polícia federal. É o bloco que apresenta melhores
condições e que abriga, em sua maioria, celas individuais. O bloco em forma de “U” (Fig.
225) apresenta um hall central de acesso que distribui o fluxo por dois corredores: o da
b
a
b a
barras de
ferro verticais
barras de
ferro verticais
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
232
direita dá acesso aos alojamentos coletivos de estrangeiras e às celas de idosas e o da
esquerda a outras celas individuais, algumas destinadas às presas da polícia federal
251
.
Os corredores dessa edificação não apresentam janelas, somente as portas de acesso
às celas – maciças em ferro com pequenas aberturas para observação (Fig. 226). O pátio
fica entre os blocos e pode ser utilizado pelas presas que não participam das atividades
profissionais e educativas por todo o dia.
Fig. 225 – Planta esquemática do edifício anexo
Fonte: desenho da autora
Legenda:
a. entrada
b. alojamento
c. cela
d. sanitário coletivo
e. pátio
f. galeria de celas não
visitada (Fig. 215)
Fig. 226 – foto da galeria de
celas não visitada
Fonte: http://programastv
online.blogspot.com/2007/
11/presas-modelos-
documental-documentos-
tv.html
As celas destinadas às idosas (Fig. 227 e 228) – e algumas estrangeiras também –
mostra claramente a apropriação do espaço e sua adaptação segundo suas ocupantes.
Objetos pessoais, fotos de filhos – principalmente – paisagens da terra natal,
celebridades, assim como a pintura das celas, muitas com cores e temas diferentes,
prateleiras e gaveteiros de plástico dão personalidade aos ambientes. A presença de um
lençol ou plástico pendurado para “separar” o sanitário e criar privacidade é constante em
todas as alas visitadas. Nos alojamentos também são usados lençóis nos beliches, e as
figuras e pinturas nas paredes, próximas às camas, personificam cada pedacinho do
alojamento.
251
Esse bloco não foi visitado, segundo depoimentos de funcionários e presas, apresenta um
corredor central ladeado de celas individuais com portas maciças, além de alojamentos para
estrangeiras.
a
b b
b
d
c c c c c c c
e
f
c
c c c
b
b
b c
c c c
cccc
c c
cc
cc
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
233
Fig. 227 – corte esquemático da galeria de celas
Fonte: desenho da autora
Legenda:
a. galeria
b. cela
c. sanitário
Fig. 228 – Planta esquemática da galeria de celas
Fonte: desenho da autora
O oferecimento das atividades de arte capacita as presas a cuidar melhor do seu espaço
físico, fato que se nota na visitação através dos enfeites, das pinturas nas paredes (Figs.
229, 230 e 231). Essa personificação do ambiente faz com que as presas estabeleçam
laços com o espaço – não só a cela, mas todo espaço comum da unidade – “decorado”
com figuras de papel, recortes, quadros e objetos confeccionados pelas detentas. Da
mesma forma a implantação do salão de beleza não só capacita as presas, através da
oficina, como permite a sua utilização, fato que segundo as funcionárias – da SEAP,
como psicólogas, assim como agentes da unidade – melhora a auto-estima. É
interessante ressaltar a reflexão de uma presa que ao falar da atividade da reciclagem
questionou: “se até esse lixo pode ser aproveitado, porque nós não podemos?”. Algumas
presas criam gatos de estimação em suas celas – também se vê outros nos pátios. Uma
senhora relata que o afeto do bicho ajuda a superar seus dias na prisão e o afastamento
da família (Fig. 232).
Porta
maciça
c
a
b
a
b
c
barras de
ferro verticais
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
234
Apesar de serem minúsculos espaços padronizados com uma cama e um pequeno
banheiro, as figuras nas paredes, recortes em papel em forma de estrelas, flores, corações,
e até mesmo pinturas feitas com stencil tornam cada um dos ambientes – fisicamente
idênticos – particular e inconfundível.
252
Fig. 229 – cela Fig. 230 – detalhe da parede de uma cela
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
Fig. 231 – cela Fig. 232 – detalhe do gato de uma das
presas
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
Nota-se uma mudança significativa, já indicada por profissionais da área – da SEAP, o
arquiteto Wilson Jorge e Eduardo Konig – e observada em campo, quanto ao perfil das
presas. Se anteriormente o perfil da presa se configurava por pessoas de baixo poder
aquisitivo e pouca instrução, hoje já se nota um grande número de presas de classe
média, instruídas, em geral envolvidas com o tráfico de drogas. As atividades de trabalho,
segundo os funcionários da unidade, têm sido mais procuradas, assim como as
atividades educativas, resultando no melhor aproveitamento das atividades oferecidas e
na esperança da presa em ter uma vida melhor depois de sair da prisão.
252
Trecho retirado do Relato Experiencial do Talavera Bruce, disponível no Anexo 4.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
235
A experiência nesta unidade e essa mudança de perfil fizeram com que eu pudesse me
colocar nos lugar das presas com mais facilidade e, de fato, me colocar naquela situação, já
que a história de vida de muitas não era tão diferente da minha. Senti uma tristeza imensa
em imaginar que aquelas pessoas podiam ter a minha vida – já que muitas tiveram as
mesmas oportunidades – e não estar naquela situação, vivendo naquelas condições.
253
Segundo funcionários de algumas unidades
254
e da SEAP, as presas costumam receber
poucas visitas; em relação aos homens encarcerados, um número consideravelmente
menor. Esse abandono, associado ao apego aos filhos, faz com que muitas presas se
empenhem na sua reabilitação e na procura de trabalho – para a redução da pena e
retorno à família. Essa realidade é tão comum que as presas que não recebem visitas
costumam ser chamadas de “mendigas” pelas demais detentas, por viverem somente do
que a unidade oferece – não usam a cantina para lanches, doces, refrigerantes – nem
podem comprar produtos de higiene pessoal, roupas, etc.
... o fato de quase sempre [as presas] serem abandonadas por seus companheiros e
mesmo pela família que julga o crime feminino com maior dureza. Ressaltam também o
maior interesse da mulher em se ressocializar e sair da unidade penal, tanto por esse
efetivo abandono, como pela distância dos filhos – fato que também faz com que elas se
interessem e se empenhem mais nas atividades profissionais que geram alguma renda e
reduzem a pena. No caso das estrangeiras tudo isso se acentua, por estarem longe de
casa: não recebem visitas e vivem ainda mais isoladas.
255
Disposta a colaborar com a pesquisa, uma das presas se faz um desenho da unidade
(Figs. 233 e 234). O desenho além de esclarecer a localização de alguns equipamentos
da penitenciária não visitados, se mostrou um material riquíssimo sobre a percepção da
presa da unidade. Comparando o desenho com as plantas baixas nota-se o valor dado as
áreas de trabalho, que aparecem bem maiores e as galerias de celas reduzidas a
pequenos “quadradinhos”. Da mesma forma a galeria onde se localiza a sua cela,
aparece desenhada com mais detalhes e a área destinada à visitação “decorada” com
árvores, um desenho mais humanizado e muito mais rico, onde se nota com clareza a
intenção de representar melhor o ambiente. Quando questionada sobre o desenho ela
relata que, de fato, a área de visitação é um ambiente pra ela carregado de suas únicas
boas lembranças da unidade – sua convivência com a sua família.
253
Trecho retirado do Relato Experiencial do Talavera Bruce, disponível no Anexo 4.
254
Nelson Hungria e Talavera Bruce
255
Trecho retirado do Relato Experiencial do Talavera Bruce, disponível no Anexo 4.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
236
Fig. 233 – edificação principal, Talavera Bruce, desenhada por uma presa e a planta baixa à direita
Fonte: arquivo pessoal da autora, disponível no Anexo 6
Fig. 234 – edificação anexa, Talavera Bruce, desenhada por uma presa e a planta baixa à direita
Fonte: arquivo pessoal da autora, disponível no Anexo 6
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
237
Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá
Essa unidade – que se localiza ao lado da penitenciária Talavera Bruce (Fig. 235) em
Bangu – é uma das unidades externas ao “cinturão”. É também a única no Estado do Rio
de Janeiro com esse fim. Ocupa um pequeno edifício retangular (Fig. 236) – com
capacidade para 20 presas em dois alojamentos – que se localiza atrás da capela. O
acesso à unidade se faz por um pequeno portão que se abre a um pátio gramado com
algumas árvores.
Legenda:
a. circulação
b. alojamento
c. sanitário coletivo
d. cozinha/lactário
e. sala de atividades
entrada
Fig. 235 – Acesso a Unidade Materno Infantil
Fonte: Google Earth
Fig. 236 – Planta esquemática da unidade
materno Infantil
Fonte: desenho da autora
A entrada da unidade se faz por uma área coberta (Fg. 237) – cheia de carrinhos de bebê
– que dá acesso direto ao corredor (Fig. 238); do lado direito os dois alojamentos
coletivos equipados com camas, berços e sanitários coletivos; do lado esquerdo o lactário
(Fig. 239) e uma área coberta usada para a recreação das crianças em dias de chuva. Ao
fundo da edificação a administração e sala de agentes. A edificação não segue nenhuma
c
b
c
d
e
a
b
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
238
das tipologias penais, assim como não se nota a presença de seus elementos
característicos, como grades, portas de ferro, “gaiolas”, guaritas, divisão de setores.
O ambiente, nem de longe, parece com o da prisão – berços e porta fraldas ao lado de cada
cama, roupinhas e brinquedos, paredes pintadas em tom pastel e nenhuma grade. Das
grandes janelas altas, pode-se até ver o céu. O clima é completamente diferente: não há
desconfiança entre funcionários e presas, nem aquela tensão constante, o ambiente é leve.
A relação das agentes com as presas é mais próxima, mesmo porque muitas se apegam às
crianças e até mesmo ajudam em certas situações.
256
Fig. 237 – entrada da unidade Fig. 238 – corredor da unidade
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
v.html
Fig. 239 – lactário da unidade
Fonte: http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/presas-modelos-documental-documentos-
tv.html
256
Trecho retirado do Relato Experiencial da Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá,
disponível no Anexo 5.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
239
Os alojamentos (Fig. 240) apresentam fileiras de camas – sempre coladas ao berço –
separadas apenas pelo espaço de passagem (Fig. 241 e 242). O espaço não apresenta
nada que o identifique como um espaço infantil ou penal. Não fossem os berços e os
poucos brinquedos – levados pela família – o espaço poderia ser utilizado para qualquer
fim, mesmo a área de recreação. Ao contrário da penitenciária feminina, os ambientes
não apresentam qualquer personificação: nenhum enfeite, mural – como é comum em
escolas e creches – somente alguns porta-retratos junto às camas. Ao entrar no prédio
não há qualquer dúvida sobre o seu uso, mas isso se deve somente aos objetos pessoais
e não por características da configuração do espaço ou mesmo de seu tratamento
estético. O caráter provisório da unidade – abrigando presas somente por curto período –
provavelmente dificulta essa personificação do ambiente, fato notado também em
unidades que funcionam como presídios ou casas de custódia.
Legenda
a. corredor/circulação
b. alojamento
Fig. 240 – corte esquemático do alojamento
Fonte: desenho da autora
Fig. 241 – foto de um dos alojamentos
Fonte:
http://programastvonline.blogspot.com/2007/11/
presas-modelos-documental-documentos-tv.html
Fig. 242 – foto de um dos alojamentos
Fonte: http://www.seap.rj.gov.br/noticias/2008
/marco/fotos/14_03f5.htm
Apesar de ser uma unidade voltada para os bebês, o ambiente é bastante neutro. Não há
qualquer decoração (...) que nos faça associar a um ambiente infantil. Apesar dos
brinquedos e portas retratos próximos às camas e berços, nessa unidade os espaços não
b a
janela com
veneziana
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
240
se apresentam personificados como nas demais unidades visitas. É um ambiente limpo,
bem cuidado, mas completamente impessoal.
257
Segundo funcionários da unidade e da SEAP, nessa unidade não costumam ocorrer
problemas como rebeliões ou conflitos entre presas, esporadicamente casos de fuga –
em geral mães que tentam fugir com os filhos para não se separarem deles. É notável o
apego (Fig. 243) e o sofrimento das presas pela certeza da separação próxima dos filhos.
A relação entre agentes e presas nessa unidade costuma ser mais próxima e bem menos
tensa. Os agentes acabam se envolvendo com as crianças e as presas, além de estarem
ocupadas com as crianças, buscam aproveitar o pouco tempo que têm para acompanhar
os filhos. As presas que trabalham ou estudam podem voltar à atividade após o tempo de
licença- maternidade, mas precisam levar consigo as crianças. Como em outras unidades
visitadas, nota-se a mudança no perfil das presas.
... me emociono e prefiro parar de pensar nisso, essa é uma realidade muito dura, tento
manter um certo distanciamento. (...) É difícil olhar nos olhos daqueles bebes, daquelas
mães, mas ao mesmo tempo é impossível não se encantar com as gostosas gargalhadas.
Um deles se joga do colo da mãe pro meu e não consigo evitar... Uma sensação horrível,
vontade de não largar mais aquela criança, e lhe dar carinho, ao mesmo tempo a vontade
de sair dali e não ver mais nada.
258
Fig. 243 – unidade materno infantil
Fonte: http://documentography.com/issue/6/ph/genna_nacchache/4.html
257
Trecho retirado do Relato Experiencial da Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá,
disponível no Anexo 5.
258
Trecho retirado do Relato Experiencial da Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá,
disponível no Anexo 5.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
241
6.2. Considerações sobre a Contribuição da Arquitetura
A definição da LEP traz grande melhoria ao ambiente penal, quanto à sua humanização e
às condições mínimas de conforto e salubridade. Muitas exigências da LEP vêm sendo
ignoradas devido à carência de estabelecimentos – fatores econômicos – e ao
crescimento do número de presos – fato que se associa diretamente ao crime
organizado, mais especificamente ao tráfico de drogas. Os projetos das unidades muitas
vezes são elaborados por arquitetos conceituados e apresentam grande qualidade
projetual, no entanto, a falta de conhecimento do ambiente penal e da sua rotina
geram problemas na utilização do edifício. Os projetos elaborados em parceria com
funcionários das secretarias responsáveis têm gerado resultados mais satisfatórios –
como é o caso das unidades de Bangu III e IV e algumas unidades em São Paulo
259
.
Em geral, os autores de projetos penais são contratados somente para fazer o projeto
básico, ficando a cargo da construtora o projeto executivo (JORGE, 2000: 54). Desse
modo, a execução dos projetos muitas vezes é feita sem o acompanhamento do
arquiteto
260
, o que leva, constantemente, a modificações – tanto relativas a falhas de
projeto, quanto a simplificações por motivos econômicos – e que nem sempre são
elaboradas respeitando os princípios do projeto original, gerando algumas distorções nas
propostas. A manutenção das unidades penais raramente ocorre – costumam se reduzir
a pinturas – são mais comuns pequenas reformas e ampliações. As pequenas reformas –
modificação de alguns ambientes ou do tipo de uso para outros – se dão sem muito
planejamento, são soluções de ordem prática, em geral, por decisão de diretores,
utilizando muitas vezes mão-de-obra do preso
261
.
A falta de manutenção, além de dar às unidades uma impressão de deterioração e
abandono, gera problemas principalmente associados às instalações hidráulicas e de
esgoto. A implantação do banheiro dentro da cela e os constantes vazamentos trazem
grande umidade, facilitando a proliferação de fungos e problemas respiratórios –
acentuados pela difícil renovação do ar
262
. Como não é permitido o uso de elementos
259
Informação obtida através das entrevistas realizadas com agentes penitenciários de Bangu IV
(07/12/2004), com o engenheiro Eduardo Konig (09/06/2008), e o arquiteto Wilson Jorge
(18/07/2008).
260
Informação obtida através das entrevistas realizadas com o engenheiro Eduardo Konig
(09/06/2008), o arquiteto Claudio Taulois (10/06/2008), o arquiteto Wilson Jorge (18/07/2008) e
alguns arquitetos da SEAP (08/07/2005 e 06/08/2007).
261
Segundo Eduardo Konig (entrevista em 09/06/2008), os presos somente trabalham em obras
que propiciem melhoria para o ambiente, como manutenção, pintura, construção de áreas de
trabalho ou lazer, se recusando a trabalhar em ampliações ou construções de unidades novas.
262
Informação obtida através das entrevistas realizadas com profissionais da área de saúde
(09/12/2004, 13/11/2008 e 20/11/2008).
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
242
cerâmicos nas áreas de vivência, sua higienização fica prejudicada – o cheiro de urina
pode ser percebido a longa distância – além de trazer mais umidade.
A diferenciação e a funcionalidade do edifício, quanto ao seu nível de segurança, é feito a
partir de aparatos tecnológicos – câmeras de monitoramento, detectores de metais,
leitores óticos – além da aplicação de materiais – piso anti-túnel, paredes que impedem a
passagem do som – do nível de isolamento
263
e da aplicação de alguns elementos de
projeto. A tipologia arquitetônica, muitas vezes, tem sido pensada em relação ao
programa e função do edifício de forma mecânica, de modo que pouco interfere no seu
caráter – tipo de estabelecimento
264
– apesar de influenciar fortemente a funcionalidade e
segurança da unidade pela configuração de seus setores e fluxos. A elaboração dos
elementos de projeto tem sido pensada de forma mais responsiva propiciando, em alguns
casos, ambientes que facilitam a observação distanciada e segura.
Conforme mostrado, foi visto que em Bangu I o projeto arquitetônico que concebeu
galerias mais curtas e largas foi positivo ao favorecer a segurança sem haver
necessidade de uma total dependência de aparatos eletrônicos; por outro lado, em Bangu
II, onde as galerias são mais extensas e o corredor de acesso às galerias é fechado por
paredes, tal fato não ocorre. Já em Bangu IV, as galerias foram pouco reduzidas,
amenizando um pouco o problema, no entanto a utilização de paredes de meia altura,
fechadas com barras de ferro (Fig., 242), possibilitam a observação distanciada e segura
da galeria a partir da quadra central. No Talavera Bruce, o uso de grades de ferro na
entrada das galerias e em muitos alojamentos é positivo, contudo foi necessária a
utilização de “gaiolas” (Fig. 243), para compartimentação de espaços e acessos devido à
grande extensão das galerias, facilitando o uso da unidade e o trabalho da vigilância –
como visto também em Bangu IV, em função do que ocorria em Bangu II.
263
Como se pode notar nas galerias de Bangu, que se diferenciam somente pelo número de celas,
número de presos e equipamento de segurança.
264
Muitas unidades com caráter completamente diferentes usam a mesma tipologia arquitetônica –
como por exemplo a tipologia telephone-pole plan utilizada um unidade de RDD, penitenciária
(Bangu 5) e presídio (Nelson Hungria).
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
243
Fig. 244 – planta de Bangu III e IV com a marcação das meias paredes de fechamento do corredor
de acesso às galerias de celas
Fonte: desenho da autora
Fig. 245 – galeria de celas com “gaiolas” marcadas
Fonte: desenho da autora
De modo geral, a circulação das edificações penais deve ser profundamente estudada,
evitando a sobreposição de fluxos de natureza diversa – visitantes, presos, funcionários –
e possibilitando a rápida ocupação da unidade pelo corpo de guarda, quando necessário.
Outro aspecto importante na circulação é o seu dimensionamento, que deve ser tal que
facilite a observação – evitando corredores estreitos, muito extensos, e fechados. Nas
galerias de celas a largura do corredor deve permitir uma circulação segura, distante o
suficiente das grades das celas para que os presos não alcancem os agentes de
segurança. O corredor de acesso às galerias, sempre que estiver faceado por espaços
de uso comum, deve ser fechado com meia parede e barras de ferro, permitindo assim a
sua observação e até mesmo a das galerias (Fig. 244). A subdivisão das circulações que
dão acesso às galerias de celas – ou mesmo da própria galeria – quando estas são muito
extensas – geralmente feitas com “gaiolas” (Fig. 245) é fundamental por impedir a
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
244
aglomeração de grande número de presos e possibilitar o isolamento de cada uma das
partes.
Outro ponto fundamental na arquitetura das unidades penais é a possibilidade do projeto permitir a
iluminação natural e, principalmente, a renovação de ar nas celas e alojamentos. As galerias que
usam celas “fundo contra fundo” (Fig. 246) impedem a ventilação cruzada e a renovação do ar,
mesmo quando apresentam aberturas nos corredores – que permitem a entrada de luz. As galerias
com corredor central (Fig., 247) devem apresentar aberturas, tanto para o corredor quanto para o
exterior, para permitir a renovação do ar. Quando as galerias apresentam celas de um só lado (Figs.
248 e 249), os corredores devem apresentar aberturas, assim como as celas devem se abrir para o
corredor e para o exterior para possibilitar a renovação do ar.
Fig. 246 – corte esquemático de galerias “fundo contra
fundo”
Fonte: desenho da autora
Fig. 248 – corte esquemático de galerias
com celas/alojamentos somente em um
dos lados
Fonte: desenho da autora
Fig. 247 – corte esquemático de galerias com corredor
central
Fonte: desenho da autora
Fig. 249 – corte esquemático de galerias
com celas/alojamentos somente em um
dos lados
Fonte: desenho da autora
Em Bangu IV, a configuração espacial da quadra e dos pontos de vigilância
facilitada pela maneira como é feita a distribuição de fluxo
265
– é tal, que não permite a
existência de pontos cegos na vigilância, o inverso ocorre no seu pátio ao fundo e nas
unidades de Bangu I e II. No Talavera Bruce, os pátios internos apresentam segurança
por serem fechados pela própria edificação, porém difícil observação, feita somente
através de sua porta de entrada ou de dentro do espaço. A área externa não apresenta
265
A observação dos presos na quadra é constante e inesperada, feita pela própria circulação dos
funcionários no setor intermediário.
cela celacela
cela
cela
cela
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
245
telas de proteção ou muros, facilitando o esconderijo de presas entre os blocos
separados ao fundo.
A abertura na cobertura das galerias das unidades de Bangu I, II, III e IV permite a
iluminação natural das celas, amenizando o problema da umidade, assim como se
mostra positiva por permitir o seu isolamento – compartimentando ainda mais a unidade,
fato que não ocorre no Talavera Bruce. A abertura superior na galeria também oferece a
observação da galeria, de cima do “passadiço”, favorecendo a vigilância e principalmente
a cobertura dos agentes em ações como revistas ou contenção de rebeliões. Por outro
lado, a disposição de celas “fundo contra fundo” nas unidades Bangu I, II III e IV
impossibilita a ventilação cruzada, situação que não acontece em alguns blocos do
Talavera Bruce.
A localização das áreas de trabalho dos presos no setor de vivência – obedecendo à
recomendação do CNPCP –, em Bangu IV traz maior segurança, por concentrar os
presos em um mesmo setor
266
, fato que não ocorre em Bangu II – que concentra as
oficinas próximas ao setor intermediário – e no Talavera Bruce – que apresenta as áreas
espalhadas por toda a unidade. Este fato torna difícil o controle dos presos que
necessariamente circulam por toda a unidade
267
, impedindo a separação dos fluxos. No
entanto, as áreas de trabalho, mesmo situadas na área de vivência devem se localizar
preferencialmente próximas ao limite desse setor com o setor de apoio, possibilitando o
isolamento dos presos no mesmo setor, mas também uma ação rápida dos agentes em
caso de rebelião.
O ambiente penal, por seu próprio caráter, é tenso. Funcionários e presos precisam estar
sempre atentos, prevendo situações de risco. Os presos não escolheram estar ali e não
desejam permanecer. A relação dos usuários com o ambiente é difícil, acentuada pelo
estado das edificações e pelo tipo de tratamento estético. Nas edificações mais
significativas, nota-se um cuidado maior nas fachadas do edifício que dão acesso às
unidades, que geralmente seguem as linhas arquitetônicas de seu momento histórico.
Nas áreas de vivência, porém, esse aspecto é pouco explorado, fato que se acentua
devido à falta de manutenção das edificações. Hoje, as diretrizes para elaboração de
projetos penais recomendam o uso de cores e discreta vegetação buscando a
humanização do ambiente penal. As novas unidades prisionais já seguem essas
266
Exceto alguns poucos que trabalham no setor intermediário – que necessariamente
apresentam bom comportamento.
267
Apesar dos presos apresentarem um cartão de identificação – uma espécie de “passe” – que
identifica seu destino – oficinas, atendimento médico, jurídico, social –, esse controle se torna
difícil dependendo do número de presos na unidade.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
246
recomendações. (Fig. 250). O cuidado com o design do mobiliário – já mencionado – o
emprego de cores, a iluminação natural, e o uso de vegetação (Fig. 251 e 252) podem
tornar a permanência na prisão menos árdua para presos e funcionários e facilitar o
estabelecimento de laços com o ambiente.
Fig. 250 – Centro de
Ressocialização, SP
Fonte: http://www.sap.sp.gov.br/
common/unidprisionais/CR/
araraquara.html
Fig. 251 – piso do pátio de
uma prisão na Austria
Fonte: http://ahboon.net/
2007/04/05/a-5-star-prison-
in-ustria/
Fig. 252 – pátio de uma prisão
na Austria
Fonte: http://ahboon.net/2007
/04/05/a-5-star-prison-in-
austria/
Em todas as unidades penais visitadas é nítida a apropriação do ambiente – ainda mais
evidenciada nas penitenciárias, pelo seu caráter definitivo. Somente as unidades de RDD
impedem a presença de objetos pessoais de presos nas celas, no entanto o mobiliário
básico empregado nas unidades se restringe a uma cama, mesa e banco – além dos
equipamentos sanitários –, não são utilizadas prateleiras ou armários que abriguem
esses objetos. Os presos que recebem ajuda da família, conseguem instalar prateleiras e
utilizar pequenos armários e gaveteiros. A previsão e elaboração desse mobiliário (Figs.
253 e 254) evitariam o improviso e permitiriam também que o preso estabelecesse um
pequeno território como seu, facilitando o estabelecimento de uma melhor relação com o
espaço. O emprego de materiais duráveis é recomendado devido a pouca manutenção
do espaço penal e ao fato de que qualquer objeto, como um pedaço de metal ou madeira,
pode se tornar uma arma.
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
247
Fig. 253 – cela de uma prisão feminina
Fonte: BRODIE, 1999: 69
Fig. 254 – cela da APAC Santa Luzia,
MG
Fonte: http://www.arcoweb
.com.br/arquitetura/arquitetura689.asp
Reforçados alguns pontos, o quadro 8 mostra uma síntese das principais contribuições
arquitetônicas nas unidades estudadas:
Quadro 8 – elementos positivos de projeto em algumas unidades penais no Rio de Janeiro
setorização
fluxos separados
acesso único
pátios fechados
pátios sem
pontos cegos
parlatórios
curtas e alargadas
subdivididas
independentes
iluminação e
ventilação natural
observação de
cima
GERAL GALERIAS DE CELAS
Bangu I
X X X X X X X X X
Bangu II
X X X X X X X
Bangu IV
X X X X X X X X X X
Talavera
Bruce
X X
X
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
248
Os itens elencados no quadro acima traduzem, de forma sintética e objetiva, como alguns
parâmetros arquitetônicos podem contribuir para que a instituição penal possa ter um uso
mais responsivo e a segurança mais facilmente mantida. Não é objetivo deste trabalho
comparar as instituições visitadas em termos de eleger “a melhor” entre elas. Tais
estabelecimentos foram usados somente como apoio para a busca sobre os elementos
arquitetônicos que podem vir a atuar decisivamente no desenvolvimento do projeto. Da
mesma forma, em relação a esses elementos arquitetônicos, esta dissertação não
pretende esgotar o tema, muito pelo contrário; pretende-se que o assunto seja trazido à
discussão acadêmica e científica, para que futuramente possa ser pesquisado com maior
profundidade.
A concepção dos espaços penais se mostra como um entrelaçamento de
conhecimentos técnicos, acadêmicos e experienciais. Técnico, por necessitar de um
profundo conhecimento dos materiais construtivos – não só de sua execução, mas
principalmente de suas propriedades (resistência e durabilidade, entre outros).
Acadêmico, por necessitar de um profundo e claro estudo de fluxos e setorização, assim
como da conjugação das instalações – elétricas, hidráulicas e de esgoto – com os
aspectos de segurança. Experiencial, por ser fundamental o conhecimento do
funcionamento das unidades para a previsão de situações de risco e saídas encontradas
pelos presos para driblar os aparatos de segurança, somente vivenciados por
funcionários que convivem diariamente nas unidades.
Nas unidades penais, mais uma vez se constata o caráter transdisciplinar – que vem
sendo requerido em diversas áreas do conhecimento – e o fato de que o bom
desenvolvimento do espaço penal – seja pelo aspecto da segurança, condição sanitária,
humanização, social ou psicológico – depende de uma série de conhecimentos que vão
além do conhecimento disciplinar da arquitetura. Abrange não só outras disciplinas, como
também o conhecimento prático da experiência de atuar no ambiente rotineiramente,
mostrando que o aprendizado do arquiteto é contínuo. A necessidade desse
entrelaçamento de conhecimentos na área penal é antiga, como já mostrado ao longo do
trabalho, e apesar de nem sempre ser aplicada, vem trazendo melhores resultados para
o funcionamento das unidades e seus objetivos. Essa interação do arquiteto com os
demais profissionais envolvidos permite uma atuação profissional mais aproximada e
mais responsiva, evitando as interpretações distanciadas do ambiente penal.
No passado a prisão já foi considerada um “símbolo da vitória contra o vício”. Hoje,
mergulhada nas sombras, sendo sucessivamente deslocada para as margens do espaço
público, para as periferias dos centros urbanos, ela só ganha visibilidade em seus
momentos de crise. (Ciência Hoje, jun/2007: 19)
Projetos, Relatos e Impressões no Rio de Janeiro – Capítulo 6
249
A prisão se configura no imaginário cultural de forma mais negativa do que se pode
constatar em campo. A grande maioria dos presos não apresenta alta periculosidade
268
e
as cenas mostradas pela mídia não são uma constante. A entrada na unidade e o bater
do portão provocam tensão e mesmo medo, mas ao experienciar o lugar nota-se que os
estabelecimentos apresentam uma rotina menos conturbada. Pode-se ouvir o burburinho
de vozes distantes e observar os presos circulando de forma natural em suas atividades
cotidianas – faxina, trabalho nas oficinas, pegando sol em cadeiras de praia. Com o
passar do tempo a tensão diminui, a idéia do preso agressivo vai se afastando
269
e o
preso pode ser visto como um ser humano, de forma menos estigmatizada. Desse modo,
torna-se mais fácil a aproximação e a apreensão de seus relatos que possibilitam a
elaboração de ambientes mais próximos a sua realidade e seus objetivos.
268
Esse fato vem sendo constatado desde o início do século XX, como relata Johnston (1973: 50)
permanecendo assim atualmente (Revista Época, 22/05/2006; Ciência Hoje, 06/2007).
269
Apresentam-se também situações onde se constata com clareza a tensão presente na relação
entre preso e agente ou diretor, assim como entre presos – troca de olhares, desconfiança. No
entanto, a relação com funcionários de psicologia, assistência jurídica e social se dá de forma
mais tranqüila, por serem estes vistos pelos presos como funcionários que trabalham para a sua
assistência e não repressão. O trato com pesquisador se deu também de forma tranqüila.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
251
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Criação de uma coisa e geração associada à compreensão de uma idéia correta dessa
coisa são, muitas vezes, partes de um único e indivisível processo, partes que não podem
separar-se, sob pena de interromper o processo. (FEYERABEND, 1977: 32).
A temática da prisão, de modo geral, é complexa e polêmica, pode ser abordada sob
diversos aspectos – social, moral, histórico, jurídico, sanitário, arquitetônico – permitindo
diversas interpretações e posicionamentos. Não se pretende aqui esgotar o assunto, mas
tratar de um de seus aspectos: a contribuição da arquitetura, segundo um
posicionamento do autor, constituído pela sua experiência e conhecimento que
direcionaram a escolha e forma de aplicação dos métodos, conformando a interpretação
que se apresenta neste trabalho. Compreendendo que os objetos têm fronteiras pouco
definidas por estarem inseridos em uma complexa rede de fenômenos, não podemos
ignorar suas relações com outros objetos e fenômenos, nem tampouco, tratá-los
isoladamente, mas a partir de suas relações.
Como já mencionado, as leis são constituídas a partir de valores morais que variam
cultural, local e temporalmente. Hoje, o aprisionamento ainda é a forma de punição
dominante e tem como objetivo a ressocialização do indivíduo através do sistema
progressivo e o oferecimento de atividades educacionais e profissionais. O entendimento
de que existem presos de diferente natureza – experiência de vida, motivação para
cometer o crime, natureza do crime – traz a relativização e direcionamento do tratamento
penal, apresentando diferentes tipos de instituição que também podem abrigar também
diferentes estágios da pena. De modo geral, existem dois caminhos: o abrandamento do
tratamento para presos menos perigosos ou nos estágios finais da pena e o
endurecimento do tratamento para os casos mais extremos – a pena de morte aplicada
em alguns países, o regime das supermax e unidades para RDD brasileiras.
No caso brasileiro, nem sempre esse tratamento mais individualizado ocorre devido à
superlotação, falta de atividades educacionais e profissionais e o número insuficiente de
funcionários em algumas unidades, assim como pela classificação das unidades penais
por facção criminosa e não perfil de tratamento do preso. Experiências em campo e o rico
relato de profissionais da SEAP, assim como de arquitetos e engenheiros envolvidos com
a elaboração de unidades penais, constataram a superficialidade com que a arquitetura
penal vem sendo abordada em alguns casos. O desenvolvimento da pesquisa mostrou a
escassez de material sobre o tema e, desse modo, a pesquisa busca contribuir para uma
atuação mais responsiva na área e abrir caminho para novos questionamentos.
Considerações Finais
252
A partir dos fatos relatados, configurou-se a questão principal desta pesquisa: de que
forma a arquitetura pode contribuir na concepção do espaço penal possibilitando a
melhoria da aplicação do atual sistema penal brasileiro?
Para responder a essa questão, foi formulado o objetivo geral do trabalho: determinar de
que forma a arquitetura e a concepção do espaço penal podem contribuir na
resolução dos problemas atuais das edificações penais, enfatizando o caso do Rio
de Janeiro. De modo geral, constatou-se que a arquitetura pode efetivamente trazer
grande contribuição ao funcionamento da unidade penal, principalmente em alguns
aspectos como: a segurança, vigilância, salubridade, classificação e separação dos
presos, apropriação e humanização do espaço conforme mostrado no interior desta
dissertação.
Em complemento, o quadro 5 apresenta e relaciona os objetivos específicos com os
materiais e métodos e com os resultados encontrados:
Objetivos Materiais e Métodos Resultados
1
Analisar de que forma a
concepção do espaço
penal se relaciona às
diferentes visões de
mundo – como as
transformações na
percepção de mundo e do
crime vêm modificando a
forma de punir e
configurando o espaço
penal
Aplicação do conceito de
Arqueologia do Saber de
Foulcault na pesquisa
bibliográfica em diferentes
áreas do conhecimento.
A utilização de material
bibliográfico fragmentado e de
diferente natureza tornou
difícil o cruzamento das
informações e elaboração de
um texto contínuo.
A arquitetura penal está
profundamente associada aos
valores morais, culturais e
sociais que variam
temporalmente e se
materializam na configuração
do espaço.
O método aplicado permitiu a
constatação de que outros
campos disciplinares e a
experiência prática (a partir de
dificuldades e êxitos do
funcionamento das unidades
penais, e não de uma
evolução progressiva) têm
forte influência na concepção
do espaço penal e sua
arquitetura.
Também observou-se que, em
cada época estudada há uma
visão de mundo, uma idéia
geral que direciona o
desenvolvimento de muitas
áreas do saber.
Quadro 09 – Objetivos, Materiais e Métodos e Resultados
Considerações Finais
253
2
Analisar de que forma a
concepção do espaço
penal se relaciona com a
arquitetura e suas
tipologias e modelos
de que forma o espaço
penal adapta as tipologias
existentes para a
finalidade penal
Aplicação do conceito de
Genealogia do Saber de
Foucault e Tipologia
arquitetônica de Quincy (1832
apud Argan, Rossi, Montaner,
Moneo Corona-Martinez).
A bibliografia muitas vezes
não apresenta os desenhos
técnicos com as definições
dos compartimentos. Em
alguns casos, faltam
informações mais críticas e
menos descritivas.
Os modelos e tipologias
penais muitas vezes se
originam de outros programas
arquitetônicos e são
adaptados a partir da
experiência prática do
funcionamento das unidades.
A abordagem genealógica
permitiu que se estudasse
dentro das epistemes, as
transformações e variações
da idéia geral a partir da
experiência prática.
Desse modo constatou-se que
as visões de mundo dão
origem aos modelos penais, e
a aplicação dos modelos na
prática, vai configurando
variações que dão origem às
tipologias.
3
Apresentar a evolução
histórica da arquitetura
penal brasileira – como
evoluiu o sistema penal
brasileiro e sua relação
frente às tipologias e
modelos aplicadas no
mundo
Aplicação dos conceitos
anteriormente aplicados junto
a algumas informações
obtidas em entrevistas. Foram
encontradas as mesmas
dificuldades descritas nos
casos anteriores
Grande parte dos princípios
aplicados ao sistema e à
arquitetura penal brasileira
tem como referência a
experiência de outros países.
Em alguns casos, os modelos
são adaptados à realidade
econômica e climática
brasileira
4
Apresentar o atual
sistema penal brasileiro,
as normas para
elaboração de suas
unidades e a definição dos
estabelecimentos
atualmente em uso no
Brasil
Pesquisa sobre as leis de
execução penal e diretrizes
para a elaboração de
edificações penais brasileiras
O estudo das normas e do
sistema penal brasileiro foram
fundamentais para um melhor
entendimento das intenções
do Estado em relação a
ressocialização do preso.
As normas de elaboração das
edificações penais se
mostraram um importante
instrumento para o
profissional que projeta esses
espaços por chamar atenção
para certas peculiaridades do
ambiente penal e a
importância da correta
aplicação de materiais e
escolha do partido
arquitetônico em relação a
segurança e funcionalidade.
Quadro 09 – Objetivos, Materiais e Métodos e Resultados (continuação)
Considerações Finais
254
5
Apresentar a experiência
prática a partir de relatos
e impressões em campo e
a contribuição da
arquitetura nesse
contexto.
Entrevistas com profissionais
da SEAP e engenheiros e
arquitetos com experiência na
área, visitas de campo e
estudo de alguns projetos.
A utilização de informações
de natureza tão diversa e
sobre aspectos tão diferentes
– gerados pela inflexibilidade
dos métodos aplicados –
tornou difícil o cruzamento de
informações e elaboração do
texto
As unidades penais em uso no
Rio de Janeiro apresentam
alguns elementos
arquitetônicos, assim como
posturas de projeto que
contribuem para o
funcionamento das unidades.
No entanto, alguns pontos
ainda se mostram carentes de
soluções mais eficientes.
A abordagem experiencial
permitiu a constatação da
importância do conhecimento
prático e experiencial na
elaboração técnica dos
projetos das unidades penais
e o entendimento de que a
arquitetura penal será mais
efetiva com essa conjugação
de saberes
Quadro 09 – Objetivos, Materiais e Métodos e Resultados (continuação)
A fim de investigar o problema a partir de métodos que trouxessem resultados aos
problemas atuais da arquitetura penitenciária, realizou-se a revisão do pensamento
científico contemporâneo e a escolha de algumas de suas abordagens para desenvolver
os principais enfoques da pesquisa: (1) história, (2) arquitetura, (3) experiência prática –
Capítulo 1. As abordagens foram adotadas por apresentarem caráter transdisciplinar;
uma visão ecológica dos fenômenos e o entrelaçamento do conhecimento científico ao
saber prático e cotidiano. Em seguida foi explorada a forma de aplicação dos conceitos
de modo a obter os resultados desejados – Capítulo 2.
A abordagem crítica da história, especialmente a partir do conceito de Arqueologia do
Saber de Foucault, permitiu que se identificassem as questões de diversos campos
disciplinares que foram modificando o caráter da punição e seus espaços penais, dando
origem a alguns modelos e tipos aplicados ao longo do tempo – Capítulo 3 –
relacionando o objeto de estudo a sua rede de relações. A partir da compreensão das
questões que possibilitaram a existência de certos modelos e tipologias, utilizou-se o
conceito de Genealogia do Saber de Foucault e de Tipologia Arquitetônica de Quincy
utilizado por Moneo (1984), Argan (2004), Rossi (1998), Corona-Martinez (2000),
Colquhoun (2004) entre outros, para investigar a sua ocorrência. Com isso foi possível
reconhecer que a arquitetura penal está fortemente relacionada a outros programas
arquitetônicos e à experiência prática, e que é a utilização do edifício penal que traz suas
adaptações e transformações – Capítulo 4 – relacionando os diversos objetos de uma
mesma tipologia ou de um modelo e suas variações.
Considerações Finais
255
A partir dos fundamentos e conceitos trabalhados nos capítulos 3 e 4, desenvolveu-se a
contextualização brasileira, com a intenção de evidenciar como a evolução do seu
sistema penal e a aplicação dos tipos e modelos está fortemente associada às práticas
de outros países – Capítulo 5. Por fim, o estudo do atual sistema penal brasileiro, tipos de
unidade e regimes aplicados e das diretrizes para elaboração de suas unidades se
somaram ao estudo de projetos, experiência de profissionais da área e a observação da
pesquisadora em campo permitindo, a constatação de diversas contribuições já trazidas
pela arquitetura ao ambiente penal, como as contribuições que ainda pode vir a trazer –
Capítulo 6 – através da contraposição da teoria à prática.
Feitas estas considerações, a seguir serão ressaltados alguns dos principais aspectos,
problemas e contribuições relacionados com a temática, evidenciados ao longo da
pesquisa.
A arquitetura penal apresenta como principal atributo a segurança, sendo esse o
diferencial que conduz o seu programa arquitetônico e restringe decisões de projeto. A
segurança deve oferecer mecanismos de proteção passivos – configuração do espaço,
materiais e acabamentos – assim como ativos – corpo de agentes. Todas as decisões a
serem tomadas passam antes pelo aspecto da segurança e são por ele condicionados –
funcionalidade, setorização, estudo de fluxos de funcionários, visitas e presos – assim
como de alimentos, material, objetos – escolha dos materiais empregados,
dimensionamento do espaço e das aberturas. A funcionalidade da edificação penal
depende dessas questões interrelacionadas e está associada à segurança de tal forma
que ambos se confundem.
Como elemento de projeto, a segurança está associada à capacidade do ambiente e do
espaço de gerarem visibilidade, principalmente em relação à área de uso dos presos,
tais como espaços comuns e a galeria de celas. Os pontos de observação devem
resguardar o vigilante, assim como permitir o seu acesso rápido, em caso de
necessidade – em brigas ou rebeliões. “A existência de relação visual sem possibilidade
de um meio de ação rápido tem interesse limitado” (COELHO, 2000: 194) A visibilidade é,
portanto, um importante fator na prevenção de situações de perigo, que deve ser
cuidadosamente abordada no projeto das unidades penais.
A setorização é um fator fundamental na edificação penal e precisa apresentar rigidez,
separação clara entre ambientes e circulações. A organização do conjunto de células
deve ser feita por domínios ou pela relação entre elas, de funções ou usos, prevendo
menores deslocamentos e evitando a sobreposição de fluxos. A rigidez na organização
Considerações Finais
256
dos setores não deve ser confundida com a centralização dos ambientes de mesmo
caráter. A utilização de ambientes comuns de pequeno porte reduz o número de presos
por ambiente, assim como facilita a apropriação e humanização dos ambientes. As áreas
para visitantes e funcionários devem se localizar mais próximas da entrada para facilitar a
evacuação em caso de rebelião.
A circulação das unidades penais deve ser profundamente estudada quanto à
superposição de fluxos – presos, funcionários e visitantes – dimensionamento –
comprimento que possibilite observação e largura que ofereça segurança para quem
circula –, número de presos que concentra – principalmente no caso das galerias que
podem ser subdividas – e possibilidade de ser observada – fechamento total ou parcial
com barras de ferro ou telas. Do mesmo modo, a sua organização deve ser estratégica,
permitindo a rápida ocupação da unidade por agentes e policiais, em caso de perigo.
Como já mencionado, a unidade penal – em especial as galerias de celas – deve ser
sempre subdividida. O problema prático da utilização dos corredores, pelos problemas
já mencionados, vem trazendo o seu desuso. Em seu lugar, as unidades mais recentes –
americanas, inglesas e brasileiras – vêm utilizando áreas de vivência, com celas abrindo
para essa área. No caso das novas unidades de Bangu, quase um alargamento do
corredor e sua abertura, nas unidades padrão de São Paulo, pátios retangulares nas
unidades americanas e inglesas, pátios ou dayroom triangulares, conforme visto nos
Capítulos 3 e 4. Todos esses exemplos permitem ampla observação da área de vivência
a partir de sua entrada, o isolamento das alas e no caso das áreas abertas, a iluminação
natural e a ventilação cruzada.
As condições sanitárias são aspectos extremamente importantes na arquitetura penal,
uma vez que estes edifícios abrigam um grande número de pessoas em pequenos
espaços, geralmente bastante fechados, pouco iluminados e ventilados. A presença do
banheiro dentro da cela é um fator bastante negativo quanto a este aspecto, por seu
próprio caráter e por tornar as celas ambientes úmidos. A utilização do vaso turco faz
com que o tubo de esgoto esteja sempre “aberto” no interior da cela, fato que se agrava
devido ao fato da descarga ser utilizada em horários fixos, poucas vezes ao dia. O
armazenamento de comida e as refeições realizadas no interior das celas tornam comum
a presença de ratos nas celas localizadas no térreo.
Outro ponto fundamental na arquitetura das unidades penais é a possibilidade do projeto
permitir a iluminação natural e, principalmente, a renovação de ar nas celas e
alojamentos. As galerias devem ser implantadas em posição que favoreça iluminação
Considerações Finais
257
natural com aberturas devidamente posicionadas para tal. A ventilação das celas e
alojamentos é importante devido ao fato do banheiro interno gerar grande umidade. As
celas e corredores devem apresentar aberturas de tal forma que possibilitem a ventilação
cruzada e, conseqüentemente, a renovação do ar. Devido à grande concentração de
pessoas nas galerias, a renovação do ar é fundamental, evitando a disseminação de
doenças.
O caráter inflexível da arquitetura penal permite poucas adaptações por meio dos
usuários e o aspecto da segurança impede que o preso tenha privacidade. Com o passar
dos anos, os presos – em geral os que cumprem longas penas – buscam se adaptar ao
ambiente e, se conformando a sua realidade, passam a se apropriar do espaço
pendurando fotos, recortes de jornal, improvisam prateleiras para objetos pessoais,
penduram lençóis nos beliches e na frente dos banheiros, e até mesmo improvisam
“cabanas” para visita íntima nos pátios, em dia de visita. A arquitetura pode contribuir na
concepção de mobiliário de celas que permita que o preso estabeleça um pequeno
território visto como seu. A apropriação do espaço e do ambiente nas unidades penais é
marcante, e pode-se identificar claramente os usuários de algumas galerias.
O espaço penal é um ambiente tenso por sua própria natureza – desconfiança mútua
entre agentes e presos, necessidade de atenção constante por parte de presos e
agentes, devido às situações de perigo freqüentes. A relação com espaço é difícil por
questões óbvias, sendo ainda acentuada pela falta de manutenção, que traz um aspecto
de abandono. A humanização do espaço penal através do uso de cores, da iluminação
natural, do uso de vegetação e do design mais cuidadoso do mobiliário, pode tornam o
ambiente mais agradável facilitando a apropriação do espaço.
Experiências participativas na elaboração dos projetos de edificações penais, incluindo
arquitetos, engenheiros e funcionários das secretarias de administração penitenciária –
que possuem um vasto conhecimento da realidade penal – têm apresentado bons
resultados na no funcionamento das unidades e suas finalidades. A grande dificuldade
encontrada, porém, está na execução dos projetos, que vem se realizando sem o
acompanhamento dos profissionais envolvidos na sua idealização e desenvolvimento. Ao
longo da execução muitas vezes a capacidade das unidades é ampliada, sem que se
ampliem as áreas de uso comum; boas soluções fundamentadas na vivência das
unidades são abandonadas por soluções mais econômicas e práticas, prejudicando suas
finalidades originais.
Considerações Finais
258
Por fim, percebeu-se ao longo da pesquisa que a participação dos funcionários da área é
fundamental, diante do tema tão peculiar. As especificidades do programa e os
problemas que a arquitetura deve enfrentar estão diretamente relacionados ao
funcionamento prático e às situações cotidianas das unidades, não imaginadas ou
previstas por quem nunca vivenciou esse ambiente – seja por experiência própria ou por
relatos de terceiros. Por outro lado, o conhecimento técnico é indispensável para a
elaboração de soluções complexas de instalações e detalhes construtivos, aplicação de
materiais adequados, ordenação e organização do espaço, que conferem qualidade na
segurança e bem-estar dos seus usuários.
Desse modo, podem ser vislumbrados alguns desdobramentos para a pesquisa, tais
como: (1) Aprimorar a concepção e elaboração das edificações penais; (2) Abrir frente
para pesquisas e projetos que conjuguem o conhecimento técnico e acadêmico ao
conhecimento experiencial aprimorando o estudo e a prática da arquitetura; (3) Abrir
frente para pesquisas que não se limitem somente ao seu objeto ou campo de
conhecimento, mas incluam as relações que o configuram como tal, possibilitando a
existência de uma abordagem ampla do problema.
Cabe ressaltar que, por mais gerais que se mostrem algumas questões, estão sempre
relacionadas ao tempo, local e cultura – que direcionam as técnicas, os valores morais, o
caráter da punição, sua finalidade e o perfil do criminoso. A presente pesquisa não
pretende encerrar o assunto, ainda tão pouco explorado, mas contribuir para um
conhecimento mais profundo do tema, para uma prática mais responsiva da arquitetura
penal e possibilitar o surgimento de novas inquietações, interpretações e respostas, já
que estamos – homem e mundo – em contínuo processo de interação e transformação.
Verificamos, fazendo um confronto, que não há uma só regra, embora plausível e bem
fundada na epistemologia, que deixe de ser violada em algum momento. Torna-se claro que
tais violações não são eventos acidentais, não são o resultado de conhecimento insuficiente
ou de desatenção que poderia ter sido evitada. Percebemos, ao contrário, que as violações
são necessárias para o progresso. (FEYERABEND, 1977: 29)
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ANEXO 1
Entrevistas Semi-Estruturadas
Entrevistas semi-estruturadas – Anexo 1
269
UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura
Professores: Paulo Afonso Rheingantz e Alice Brasileiro
Aluno: Lídia Quieto
ENTREVISTA – FUNCIONÁRIOS DA SEAP
Ambiente: Data: Hora:
PERFIL DO ENTREVISTADO
Sexo: ( ) mas. ( ) fem. Idade: Função:
Há quanto tempo trabalha? Horário de trabalho?
Principal local de trabalho?
PERGUNTAS
1. Como o seu espaço de trabalho é utilizado? Como é a sua rotina?
2. A entrada e saída de produtos e alimentos funcionam bem? Qual é a freqüência?
3. Indique os pontos positivos e negativos da unidade.
4. Indique o que você considera necessário para estes locais de trabalho e que não
existe hoje?
5. Que atividades são desenvolvidas durante o dia? Em que ambientes e horários?
6. A unidade é destinada a que tipo de preso?
Entrevistas semi-estruturadas – Anexo 1
270
7. Quando ocorreu a ultima manutenção? Há problemas como infiltrações, umidade,
etc? Que alterações poderiam ser feitas para favorecer seu funcionamento? (novas
salas, alterações na circulação, segurança, etc.)
8. A organização do espaço influencia na sua utilização? De que forma?
9. A arquitetura está associada a algum fator gerador de doenças?(frio, calor,
umidade, poeira, ácaro, ou favorecendo a proliferação de agentes infecto-
contagiantes)
10. A arquitetura apresenta alguma relação com os casos mais freqüentes de
acidentes?
ANEXO 2
Entrevistas Não-Estruturadas
Entrevistas não-estruturadas – Anexo 2
272
UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura
ENTREVISTA – EDUARDO KÖNIG
Local: Data: Hora:
PERFIL DO ENTREVISTADO
Profissão: Projeto em que trabalhou: Função:
PERGUNTAS
1. Que contribuições a arquitetura pode trazer para os fins sociais da instituição? E
para fins de segurança?
2. O que considera mais importante no projeto de uma unidade penal? Cite alguns
aspectos relacionados a especificidade do programa que devem ser levados em
conta na elaboração dos projetos a partir da sua experiência.
3. Como foi a experiência com as novas unidades de Bangu? Quais os principais
problemas e acertos dos projetos?
4. Como se resolvem os problemas das instalações nas unidades penais? Que
questões devem ser levadas em conta?
5. Que contribuições a arquitetura pode trazer para os fins sociais da instituição? E
para fins de segurança?
6. Por que a mão de obra do preso não é utilizada na construção de unidades penais?
7. Qual é o papel do arquiteto na elaboração do projeto de unidades penais?
Entrevistas não-estruturadas – Anexo 2
273
UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura
Professores: Paulo Afonso Rheingantz e Alice Brasileiro
Aluno: Lídia Quieto
ENTREVISTA – CLAUDIO TAULOIS
Local: Data: Hora:
PERFIL DO ENTREVISTADO
Profissão: Projeto em que trabalhou: Função:
PERGUNTAS
1. Como foi desenvolvido o projeto?
2. A participação de funcionários do DESIPE foi importante na elaboração do projeto?
Por quê?
3. Em que etapas de projeto você trabalhou? O arquiteto participa da execução da
obra? Qual é a importância desse acompanhamento?
4. Que contribuições o projeto traz? Se relaciona com a instituição da LEP?
5. Que contribuições a arquitetura pode trazer para os fins sociais da instituição? E
para fins de segurança?
6. Qual é o papel do arquiteto na elaboração do projeto de unidades penais?
Entrevistas não-estruturadas – Anexo 2
274
UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura
Professores: Paulo Afonso Rheingantz e Alice Brasileiro
Aluno: Lídia Quieto
ENTREVISTA – WILSON JORGE
Local: Data: Hora:
PERFIL DO ENTREVISTADO
Profissão: Projeto em que trabalhou: Função:
PERGUNTAS
1. Qual é a contribuição do arquiteto para os fins sociais das instituições penais
(concepção, organização do espaço, detalhamento)?
2. Enquanto arquiteto, como tira partido da arquitetura, neste tipo de projeto?
3. Como a arquitetura pode interferir no uso do espaço?
4. A experiência/vivência no ambiente penal é importante para a concepção do
projeto?
5. Em que etapas de projeto você trabalhou? O arquiteto participa da execução da
obra? Qual é a importância desse acompanhamento?
6. Qual é a relação do espaço urbano com a edificação penal –
localização/implantação?
7. Sobre a mudança na organização do sistema penal de São Paulo, qual foi o motivo?
Os projetos trazem inovações relacionadas a essa mudança?
Entrevistas não-estruturadas – Anexo 2
275
UFRJ - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROARQ - Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura
Professores: Paulo Afonso Rheingantz e Alice Brasileiro
Aluno: Lídia Quieto
ENTREVISTA – ARQUITETO SEAP
Ambiente: Data: Hora:
PERFIL DO ENTREVISTADO
Sexo: ( ) mas. ( ) fem. Idade: Função:
Há quanto tempo trabalha? Horário de trabalho?
Principal local de trabalho?
PERGUNTAS
8. Como o seu espaço de trabalho é utilizado? Como é a sua rotina?
9. A entrada e saída de produtos e alimentos funcionam bem? Qual é a freqüência?
10. Indique os pontos positivos e negativos da unidade.
11. Indique o que você considera necessário para estes locais de trabalho e que não
existe hoje?
ANEXO 3
Relato Experiencial: Bangu IV
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
277
A visita a Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho, popularmente conhecida como Bangu
IV foi realizada em 07 de dezembro de 2004, com o acompanhamento de uma psicóloga
da SEAP/RJ e a autorização do diretor da unidade. Ao longo das minhas pesquisas sobre
a arquitetura penal, já tinha realizado outras visitas às unidades penais do complexo
penal Frei Caneca, mas a possibilidade de conhecer o Complexo de Bangu, e
principalmente uma das chamadas “novas unidades” causava entusiasmo
160
e ao mesmo
tempo apreensão
161
.
Fig. 01 – mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu
Fonte: Google Earth
160
Por finalmente poder experienciar um ambiente que já fora tão estudado e imaginado.
161
O complexo de Bangu reúne as unidades penais que abrigam presos de maior periculosidade –
devido ao seu próprio isolamento do centro urbano e por conter as unidades mais novas, com
mais avançados recursos de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Nos anos precedentes à
visita essas unidades estiveram presentes na mídia devido a graves conflitos entre presos – que
culminaram em cruéis assassinatos envolvendo grandes traficantes como Beira Mar e Uê – e
guerras de tráfico que extrapolavam suas ações para a cidade, conformando situações caóticas.
Todos esses fatos impossibilitaram visitas anteriores e acentuaram a idéia de agressividade e
perigo constante presente no imaginário de cada um sobre a prisão, inclusive da pesquisadora.
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
278
Relato Experiencial: Bangu IV
Fui ao encontro da psicóloga no prédio da Central, onde fica a SEAP e de lá seguimos de
ônibus para Bangu. O caminho é longo e fomos conversando sobre a realidade penal
contemporânea e as dificuldades dos profissionais da área em sua prática de trabalho.
Ela descrevia o espaço físico de algumas unidades e os problemas deles derivados.
Explicou também a organização do complexo, entre as unidades que ficavam fora do
chamado “cinturão” – parte murada – as internas, mas com nível de segurança média ou
baixa (algumas penitenciárias, e estabelecimentos de regime semi-aberto) e as de
segurança máxima – as unidades mais novas – que faziam parte de um segundo
“cinturão” interno (dentro do grande “cinturão”).
A entrada no grande “cinturão” se faz por uma guarita, onde funcionários conferem a
documentação de toda e qualquer pessoa, inclusive funcionários. Logo se vê a grande
via principal (Estrada General Emílio Maurell Filho) que dá acesso às unidades: uma
extensa reta de terra batida
162
. Do lado esquerdo uma grade e árvores ao fundo, do lado
direito uma enorme muralha de concreto que não permite perceber os limites entre as
unidades, somente seus portões de acesso – as unidades ficam coladas umas às outras
e a muralha se estende de forma contínua (Fig. 01 e 02).
Ao longo do percurso, nenhuma árvore e praticamente nenhuma vegetação. Também
não se vê nenhum equipamento urbano, como pontos de ônibus, bancos, ou pessoas
circulando
163
, a visão é bastante árida, sem vida e o ambiente, extremamente quente.
Parentes de presos, posteriormente relataram que mesmo nos dias de visita, a
movimentação de pessoas só é vista junto às guaritas de passagem entre os setores e
nas entradas das unidades É também notável o aspecto de abandono que se nota pelo
mato crescendo pelos cantos, pinturas descascadas nos portões e a poeira trazida pela
passagem dos carros na via de terra batida.
162
Hoje toda as estradas e vias do complexo já estão asfaltadas
163
Devido às grandes proporções das unidades e a conseqüente distancia entre elas, são usados
ônibus internos para o deslocamento de funcionários e visitantes.
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
279
Fig. 02 – Complexo Penitenciário de Bangu: avenida principal
Fonte: Google Earth
Legenda:
f. Guarita do 1º cinturão
g. Guarita do 2º cinturão
h. Bangu I
i. Bangu II
j. Bangu III
k. Bangu IV
Fig. 03 – Croqui do percurso: início da avenida principal do complexo
Fonte: croqui da autora
Como o ônibus demoraria, seguimos a pé, o que permitiu uma observação mais atenta
dos detalhes do percurso. Logo chegamos a uma unidade penal de regime semi-aberto –
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – não havia sido solicitada autorização para essa
visita, mas conseguimos entrar na unidade para uma visita rápida. A psicóloga insistiu
4
a
c
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
280
que seria importante para mim, observar a diferença entre unidades de regime fechado e
semi-aberto. De fato, a diferença é notável e se faz pelo nível de segurança e liberdade
dos presos e nem tanto pela arquitetura em si ou sua tipologia. Logo ao lado, fica Instituto
Penal de Vicente Piragibe
164
que também tivemos a oportunidade de fazer uma breve
visita. Seguimos então em direção a Bangu IV, já se via a enorme muralha de Bangu II e
o portal – ou “cancela”, como os funcionários chamam – de acesso ao segundo
“cinturão”.
Chegamos à muralha de Bangu IV, o processo de entrada na unidade é o habitual, um
posto de guarda na entrada onde são checados documentos. Pode-se ver os camburões
de agentes externos saindo da unidade com objetos apreendidos na revista. Já no bloco
de apoio que dá acesso às áreas mais restritas, são deixados os pertences e
preenchidos papéis de controle. O aspecto de abandono é latente, acentuado pelas
paredes cinza mal conservadas – de tijolo hidráulico ou concreto aparente – que dão a
impressão de estarmos em uma construção não acabada.
Logo que se adentra o bloco intramuros é possível sentir o cheiro forte, característico das
prisões – uma mistura de cheiro de urina, gente amontoada e comida – que permite que
o visitante rapidamente se oriente quanto à localização das galerias de celas. No corredor
principal a movimentação é intensa: funcionários e presos (que trabalham nessa área)
circulam e já se pode ver o “seguro”
165
e os presos falando com funcionários pela grade.
Os funcionários circulam e conversam com presos com naturalidade, mas pra quem não
está habituado, essa proximidade com o preso assusta. Essa tensão faz com que o
pesquisador fixe a sua atenção na movimentação e proximidade do preso e menos com o
ambiente em si.
164
Hoje é uma penitenciária com mesmo nome. Muitos estabelecimentos mudaram de caráter,
assim como foram construídos outros devido à desativação do Complexo Penal Frei Caneca.
165
“Seguro” é o alojamento que abriga os presos jurados de morte: estupradores, justiceiros,
delatores, devedores, perdedores em disputas com outros presos, entre outros
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
281
Fig. 04 – Novas unidades de Bangu
Fonte: Google Earth
Legenda:
1. Guarita do 2º cinturão
2. Bangu I
3. Bangu II
4. Bangu III
5. Bangu IV
Fig. 05 – Croqui do percurso
Fonte: croqui da autora
Os agentes foram bastante receptivos e logo o diretor desceu para nos receber, ainda
não sabíamos se a visita poderia mesmo ser feita. Ao longo do percurso encontramos
com outros funcionários que relataram que em diversas unidades os presos estavam em
3
25
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
282
greve
166167
e que estava sendo feita uma revista em Bangu IV, o que poderia ser um
empecilho para a presença de uma pessoa externa na unidade. Subimos ao segundo
pavimento do bloco de apoio e o diretor foi mostrando todos os ambientes. Depois
sentamos em sua sala e ele falou um pouco sobre a rotina, problemas, seu papel, a
relação com presos e agentes e sobre a peculiar situação que se encontrava – a greve
dos presos e a revista. De fato os ânimos estavam exaltados, ouvia-se o falatório e a
movimentação dos presos. Descemos e o diretor solicita aos agentes que nos
acompanhe durante a visita.
Todo percurso é acompanhado pelo olhar curioso e desconfiado dos presos e
discretamente os funcionários que acompanham dão um jeitinho de “apresentar” o
visitante. Chegando ao corredor que dá acesso às galerias já se pode ouvir o
murmurinho dos presos ocupados em sua rotina: alguns fazem a limpeza, outros
conversam. O fluxo nesse corredor é intenso, principalmente junto à cantina. O dia é de
revista
168
na unidade e os presos estão arrumando as celas. Nos corredores, restos de
comida jogados no chão
169
e no pátio se vê um amontoado de cabelo. Da entrada do
corredor de acesso às celas pode-se ver quase toda a unidade: o pátio interno, algumas
galerias e os blocos do fundo. É impressionante o tamanho da unidade e a quantidade de
presos circulando – principalmente em relação ao pequeno número de funcionários.
Os presos estão agitados, nota-se uma leve tensão no agente ao circular no corredor de
acesso às galerias e ele propõe subirmos para o “passadiço”
170
. Tenho a nítida impressão
de que o percurso foi desviado devido à agitação dos presos. Lá de cima pode-se ver
todas as galerias e a movimentação dos presos na limpeza das galerias. A vista do
Gericinó é bonita e corre uma brisa, dá até pra esquecer que estamos em uma unidade
166
A greve dos presos não se resume somente a uma greve de fome. Quando fazem greve, os
presos não participam de nenhuma atividade na unidade, como: trabalho, os atendimentos e
avaliações com psicólogos e assistentes sociais. Periodicamente os profissionais que realizam
essas atividades têm (obrigatoriamente) enviar relatórios ao Ministério Público, informando o
andamento do comportamento em relação à ressocialização do preso. Com a greve, os
funcionários não conseguem enviar os relatórios e precisam, necessariamente, comunicar o fato
ao Ministério Público. Nessa situação o Ministério Público envia representantes à unidade
constatar o que está de fato acontecendo e os presos conseguem reivindicar o que desejam, ou
expor uma situação que fere seus direitos ou corte de certas regalias
167
A autorização para visitas em unidades é sempre muito complicada e vista como um problema
para a SEAP e para os diretores das unidades devido ao risco de que aconteça algo e eles não
tenham como explicar a presença de tal pessoa na unidade.
168
Em dias de revista, os presos são retirados das celas e permanecem no pátio, onde têm o
cabelo cortado enquanto os agentes penitenciários revistam as celas a procura de objetos ilícitos.
Depois da revista as celas ficam reviradas e os presos precisam organizar tudo.
169
Essa é uma das manifestações mais comuns dos presos, greve de fome.
170
“Passadiço” é um local de observação – são corredores – localizado em cima da edificação,
que funciona como os corredores localizados em cima das muralhas.
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
283
penal, minha tensão passa e a conversa com o agente se dá de forma tranqüila. Lá de
cima podemos ver o diretor
171
acalmando os ânimos dos presos dentro de uma das
galerias e imagino que esse deve ser o motivo do percurso ter sido desviado.
Depois de longo tempo de conversa com dois agentes e uma psicóloga descemos para a
visita na galeria. Duas portas gradeadas dão acesso: abre-se uma, permanecemos na
“gaiola”, a mesma é fechada, para então a segunda ser aberta para uma área comum
coberta. O fato de estar dentro de uma galeria com três funcionários e uma média de 60
presos assusta bastante, mesmo porque a galeria apresenta apenas uma porta de
entrada que, se dominada pelos presos, não há saída. Noto com clareza a impotência de
funcionários junto aquela massa de presos, seria praticamente impossível conte-los em
uma situação como essa. Se estávamos seguros, isso se devia exclusivamente à
vontade dos presos. No entanto, alguns presos se mostram receptivos e permitem que eu
olhe suas celas. É impressionante como a limpeza para eles é um fator importante, assim
como a personalização do seu ambiente e a valorização de seus objetos pessoais.
Olhando esse espaço, nota-se que por mais que o preso não deseje estar na unidade,
ele cria laços com o seu espaço: a cela, e geralmente cuida e mantém esse espaço com
afinco.
Novamente percebo a tensão dos agentes e funcionários e uma certa pressa em sair da
galeria. Seguimos pelo corredor de acesso às galerias que é todo subdividido por grades
e portas formando “gaiolas” para cada trecho de acesso a cada uma das galerias. Para
cada “passo” uma grade, um cadeado, uma chave. Passamos pela entrada de mais uma
galeria do “seguro” e entramos na galeria de visita íntima. O mesmo processo da “gaiola”,
é uma galeria idêntica às demais, salvo pelas portas de ferro maciço em lugar das
gradeadas. Os agentes abrem os cubículos e mostram as adaptações feitas. A galeria
está vazia e os agentes, mais tranqüilos, comentam como é realizada a visita.
Outros agentes adentram a galeria avisando que está na hora da “tranca”
172
. Os agentes
que nos acompanharam na visita explicam que esse é o momento mais tenso do dia nas
unidades penais, e que os problemas como a agressão de presos a agentes, rebeliões,
motins e o domínio de funcionários é feito nesse momento. Os agentes sugerem a nossa
171
Segundo relatos de funcionários e agentes, o diretor dificilmente circula dentro das galerias, já
que desentendimentos e ameaças por parte dos presos são comuns e estar dentro da galeria
significa uma oportunidade para um “acerto de contas” dos presos. Em geral, o preso vai até o
diretor, quando é realmente necessário, acompanhado por agentes. O fato do diretor descer a
galeria, é um sinal de situação grave.
172
É o horário em que os presos voltam para a cela no fim do dia (entre 5:30 e 6:00) para passar a
noite. Nesse momento, os agentes adentram as galerias para fazer a contagem de presos e
passar os cadeados, que só serão abertos pela manhã do dia seguinte.
Relato Experiencial: Bangu IV – Anexo 3
284
saída devido ao risco dessa ação, principalmente porque os presos já estavam em greve
reivindicando a liberação do campo de futebol e irritados com a revista realizada. Um dos
agentes então explicou o processo da “tranca” e permitiu que eu observasse – do lado de
fora – a ação na primeira das galerias – a do “seguro” – por ser mais vazia e mais
tranqüila. A ação é realizada sempre por dois agentes. Os presos entram nas celas e
fecham as portas. O primeiro agente faz a contagem e o segundo vem com a caixa de
cadeados passando a “tranca”, o processo segue cela a cela, até completar a galeria, e
então o processo se repete por todas as galerias.
Voltamos ao bloco de apoio, pegamos nossos pertences e seguimos para fora da
unidade. Já era tarde e o ônibus interno não passava mais, seguimos a pé comentando a
visita. Ainda próximo à unidade vimos um preso que acabava de receber a liberdade. Ao
ver aquele homem correndo, fiquei assustada, ainda sem entender o que acontecia e
imaginei, será uma fuga? Mas logo a psicóloga explicou do que se tratava. Ainda com o
uniforme da unidade – calça bege e camiseta branca – ele corria e levantava as mãos pro
céu. Girava como criança olhando pro céu e tornava a correr de um lado para o outro,
meio sem rumo. Incrível o brilho dos seus olhos, era mesmo como o olhar de uma
criança. Começa a chover, uma típica chuva de verão depois de um dia de sol intenso de
dezembro. O homem então tira a blusa e corre na chuva até o perdemos de vista.
Seguimos para casa.
ANEXO 4
Relato Experiencial: Talavera Bruce
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
286
A visita a Penitenciária Talavera Bruce foi realizada em 13 de novembro de 2008, com o
acompanhamento de duas psicólogas da SEAP/RJ e três alunos da escola de gestão
penitenciária. Essa foi a primeira unidade penal feminina do país. Construída na década
de 40, abrigou as presas históricas como a cigana e a Fera da Penha, além de ter sido a
unidade penal a abrigar as presas políticas no período ditatorial. Ainda hoje é uma
unidade que abriga presas de alta periculosidade como psicopatas frias; no linguajar das
presas, é o “fim da linha”. Ainda segundo seus depoimentos, é uma unidade que não
apresenta segurança para as presas, talvez pelo próprio perfil delas. Apesar de ser uma
unidade com grande importância histórica, poucas são as informações sobre seu projeto.
A visita foi realizada sem que eu tivesse uma vaga idéia da configuração do seu espaço,
apesar do conhecimento prévio de sua história.
Fig. 01 – mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu
Fonte: Google Earth
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
287
Relato Experiencial: Talavera Bruce
Fui ao encontro do grupo que faria a visita à unidade no prédio da Central, onde fica a
SEAP/RJ. De lá seguimos em uma Kombi da SEAP para a unidade, que se localiza em
Bangu, fora do “cinturão” do complexo penal. No caminho uma das psicólogas falava
sobre a imagem que a mídia nos passa do ambiente penal, perguntando aos alunos –
que nunca tinha entrado em uma unidade – sobre suas impressões, assim como nos
contou um pouco da história da unidade e sobre a recente mudança na direção.
O acesso à unidade se faz por uma pequena rua, uma descida bastante íngreme ladeada
por altos muros do prédio da polícia militar – à direita – e do sanatório penal – à
esquerda, que termina no portão que dá acesso às duas unidades: a Penitenciária
Talavera Bruce e a Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá. Ao lado direito do
portão uma guarita e a escada de acesso a um bloco da polícia militar – se pode ver suas
janelas logo acima do portão. Paramos na guarita, detectores de metais, e monitores com
imagens da unidade podem ser vistos na guarita. Um agente – muito hostil – solicita
nossos documentos e pertences para serem guardados. Uma das psicólogas reclama,
pede pra ficar com a bolsa e deixar somente o celular, mas de forma grosseira o agente
diz: não é permitido entrar com documentos, vocês são mulheres também, uma presa
pode sair usando o seu documento. A psicóloga comenta sobre o comportamento de
alguns agentes e essa hostilidade usada para demonstrar poder.
Já se vê, logo em frente, uma pequena capela, árvores e um parquinho de crianças, e
presas varrendo as folhas caídas no chão, uma imagem que jamais seria associada a
uma unidade penal. Silêncio e o barulho de árvores balançando ao vento. Ao lado da
capela um muro com uma edificação: a entrada da unidade Materno Infantil Madre
Tereza de Calcutá e a escola. Do lado direito, uma pequena edificação, usada para a
revista de visitantes e um muro com o portão de acesso à Penitenciária Talavera Bruce.
O portão da penitenciária se encontra aberto, adentramos e já via a edificação com a
entrada marcada por uma pequena rampa.
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
288
Fig. 02 – Mapa da Unidade materno Infantil e Penitenciária Talavera Bruce
Fonte: Google Earth
Legenda:
6. Guarita
7. Capela
8. Unidade Materno Infantil
9. Talavera Bruce
Fig. 03 – Croqui da entrada dos dois estabelecimentos
Fonte: croqui da autora
Da porta já se vê o hall de entrada – que dá acesso a dois corredores perpendiculares –
a movimentação das presas na faxina: baldes, enceradeiras, vassouras, panos.
Rapidamente é possível supor a localização das galerias pelo forte cheiro característico –
uma mistura do cheiro de urina e gente amontoada. Também é marcante a diferença
para as unidades masculinas pela personificação do ambiente – cartazes, recortes em
papéis coloridos e objetos confeccionados pelas presas. Não é um ambiente bonito, mas
bem cuidado: paredes bem conservadas – pintadas até a altura das altas janelas
gradeadas com um cinza escuro, bem sóbrio – e o piso de marmorite. Cumprimentarmos
as presas, que se mostram bem receptivas e uma das agentes nos recebe e informa que
havia faltado luz, por isso a agitação na faxina que estava atrasada. Andar no meio das
presas causa tensão.
Seguimos para o pavimento superior, para a sala da diretora, que nos fala um pouco
sobre a sua longa experiência, da recente transferência para esta unidade, sua
2
4 3
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
289
capacidade, perfil das presas, sobre a relação com as presas no dia-a-dia e as
oportunidades de trabalho que a unidade oferece. Segue relatando o clima tenso após a
ocorrência de dois motins e uma rebelião na semana anterior que não haviam aparecido
na mídia. Na sua sala, ocupada com um mobiliário antigo de madeira escura pode-se ver
alguns enfeites confeccionados pelas presas, que a diretora mostra com certo orgulho.
Conversamos ainda com algumas agentes e descemos para a visita. Seguimos em
direção às galerias de celas – fato que se notava pela intensificação do cheiro – pelo
corredor que abriga a parte de apoio da unidade: serviço social, jurídico, atendimento
médico, disciplina, alojamento dos agentes e uma área de trabalho. Visitamos cada uma
das salas, as funcionárias foram bastante receptivas e as presas mostravam com orgulho
seus feitos no jornal – até nos deram um exemplar – por elas editado e na oficina de arte
e reciclagem.
Chegamos ao portão que faz limite com a área de vivência, o corredor principal da
unidade – dá acesso a todas as galerias da edificação principal e a várias áreas de
trabalho – e a diretora solicita que uma agente nos acompanhe. O barulho das galerias
fica cada vez mais próximo, assim como o cheiro. Caminhamos no corredor principal
(para o lado esquerdo), em meio a presas que passam nos cumprimentando, tamanha
proximidade assusta. Podem-se ver as portas de grade que dão acesso às galerias,
algumas escadas de acesso às galerias do segundo pavimento e as portas para outros
compartimentos (que depois foram visitados, áreas de trabalho).
O primeiro ambiente que entramos foi uma pequena fábrica de chocolates, onde
trabalhavam algumas presas. Sempre que entro em um ambiente penal fechado, sem
saída – um compartimento – junto aos presos, sinto medo e acabo me fixando mais na
movimentação deles do que na observação do ambiente em si. Seguimos para conhecer
a padaria – que fica no fim do corredor –, que abastece também outras unidades penais.
A mesma situação tensa se repete: o compartimento com muitas presas, uma agente e a
diretora, além dos alunos. Ao passar pelo corredor, as presas se aproximam da grade,
curiosas, algumas sorriem simpáticas, outras gritam coisas sem sentido falando conosco
mesmo (“Deus é bom”) – uma espécie de código para que as presas da galeria saibam
que tem pessoas circulando pela unidade. A agressividade de algumas presas, presente
no tom de voz e no linguajar assusta e se mostra como uma necessidade de afrontar ou
chocar.
Noto uma forte mudança no perfil das presas, hoje há um enorme número de presas de
cor branca, que no passado eram uma minoria, assim como presas com maior poder
aquisitivo, o que se nota pela boa aparência e vestimenta. A existência do salão de
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
290
beleza também proporciona que as presas se cuidem mais. Comento o fato com uma das
psicólogas e ela afirma que, de fato, essa mudança ocorre e está fortemente associada à
inserção da mulher no tráfico de drogas. Durante a visita realizada no complexo Frei
Caneca, pude entrevistar uma presa que relatou que um dos maiores motivos de atritos
entre presas era o ciúme de suas companheiras. Após passar por dois casais de presas,
questionei esse fato e os funcionários afirmaram que isso é realmente freqüente. Ao
caminharmos pelo corredor uma das agentes se aproxima da diretora e mostra dois
celulares que acabavam de ser apreendidos em uma das galerias.
Seguimos para a fábrica de roupas, um grande galpão iluminado naturalmente, cheio de
máquinas e tecidos, se encontra vazio, pois as presas estão em horário de almoço. Ao
sair do galpão já podemos ver algumas presas de volta conversando no corredor de
acesso. Entramos em uma das galerias, composta por alojamentos coletivos – que
permanecem fechados durante a nossa visita – e abrigam um grande número de presas
(vinte como fui informada posteriormente). O pequeno espaço do alojamento à primeira
vista parece caótico, com um sem fim de imagens e objetos pessoais em todos os
cantos. Mas ao observar melhor, pode-se notar claramente a distribuição de objetos de
cada uma das presas, demarcando seu território. Em geral, as presas que trabalham
passam o dia “soltas” na unidade, podendo circular em alguns setores, dependendo do
local onde é desenvolvida a sua atividade profissional. As presas que não trabalham nem
estudam, ficam presas dentro das galerias, mas as portas de celas e alojamentos
permanecem abertas. As presas mais agressivas ou que se envolvem em conflitos ficam
presas dentro das celas e em casos extremos vão para a “isolada”
173
.
Seguimos para a fábrica de fraldas, também vazia – um ambiente extremamente escuro
com forte cheiro de plástico e pilhas de material. O corredor de acesso à fábrica também
dá acesso a um pátio, que as presas usam para lavar e estender roupas, um vazio
cercado de concreto. Seguimos até o final do corredor principal, onde fica a porta de
acesso a outro pátio que se encontra trancado, voltamos então e entramos no pátio
principal: uma quadra com piso de concreto, ao redor, bancos e jardineiras com alguma
vegetação e algumas árvores de grande porte que tornam o ambiente menos árido e
mais agradável. Atravessando o pátio, uma outra porta dá acesso a área aberta – com
um parquinho de crianças e uma pequena área coberta – onde as presas recebem visitas
e onde são realizadas as festas comemorativas da unidade.
173
A “isolada” é a cela de isolamento total, uma outra ala, também conhecida como “castigo”, onde
podem ficar por até 30 dias, sem sair para nada, nem trabalho, nem banho de sol.
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
291
Logo à frente mais dois blocos – que foram construídos para abrigar as presas políticas –
, os mais seguros da unidade, que apresentam as melhores condições físicas e abrigam
as presas idosas, estrangeiras, com segundo grau completo, além da ala de presas da
Polícia Federal. Entramos na edificação e as agentes avisam às presas da presença de
um homem. Do corredor pode-se ver o pátio, onde algumas presas tomam banho de sol
de biquíni em cadeiras de praia, e logo à frente a entrada para os alojamentos das
estrangeiras. Nos permitiram entrar... A cada seção – a passagem (buracos na parede,
podendo-se ver os tijolos quebrados, sem porta) se faz de um alojamento para o outro e
não diretamente pelo corredor – três beliches: algumas cobertas com lençóis, prateleiras
com objetos pessoais e armários de metal. Nas paredes muitas imagens de celebridades,
parentes e cartões postais de seus países de origem, seguindo o mesmo padrão dos
outros alojamentos: sempre próximo a sua cama, demarcando o seu espaço.
Mais uma vez é latente a mudança no perfil das presas, jovens e abastadas. Sempre
que visito unidades penais, tento me colocar no lugar dos presos e imaginar aquela
realidade, rotina, o seu universo, a vida que levavam antes e o fato que os levou a prisão.
A experiência nesta unidade e essa mudança de perfil fizeram com que eu pudesse me
colocar nos lugar das presas com mais facilidade e, de fato, me colocar naquela situação
com mais facilidade, já que a história de vida de muitas não era tão diferente da minha.
Senti uma tristeza imensa em imaginar que aquelas pessoas podiam ter a minha vida – já
que muitas tiveram as mesmas oportunidades – e não estar naquela situação, vivendo
naquelas condições. É uma situação muito diferente do que predominava anteriormente,
onde até se poderia entender certos casos, pela falta de perspectiva e oportunidades ao
longo da vida.
No outro corredor, – a ala do lado direito –, celas individuais, ocupadas por idosas.
Nesses ambientes é ainda mais nítida a personificação e o tratamento nas celas. Apesar
de serem minúsculos espaços padronizados com uma cama e um pequeno banheiro, as
figuras nas paredes, recortes em papel em forma de estrelas, flores, corações, e até
mesmo pinturas feitas com stencil tornam cada um dos ambientes – fisicamente idênticos
– particular e inconfundível. As diferentes prateleiras tratadas de forma criativa e
pequenos gaveteiros de plástico e os objetos pessoais acentuam ainda mais essas
diferenças. Muitas senhoras guardam ainda seu material de trabalho – realizado na
própria cela –, como panos para a costura e peças de miçanga e canutilhos para
bordados. Orgulhosas mostram a sua produção e contam as histórias de suas vidas: o
que faziam antes de serem presas e o motivo de estarem ali.
Relato Experiencial: Talavera Bruce – Anexo 4
292
Seguimos para a parte externa sem visitar a outra ala – do lado esquerdo, da polícia
federal. Do lado de fora, funcionárias e a diretora falam sobre a realidade da mulher
presa, após o desabafo de uma presa: o fato de quase sempre serem abandonadas por
seus companheiros e mesmo pela família que julga o crime feminino com maior dureza.
Ressaltam também o maior interesse da mulher em se ressocializar e sair da unidade
penal, tanto por esse efetivo abandono, como pela distância dos filhos – fato que também
faz com que elas se interessem e se empenhem mais nas atividades profissionais que
geram alguma renda e reduzem a pena. No caso das estrangeiras tudo isso se acentua,
por estarem longe de casa: não recebem visitas e vivem ainda mais isoladas. Uma das
presas relata que essa realidade do abandono é tão comum que estas são chamadas
pelas demais presas de “mendigas”. As funcionárias explicam que as presas que não
recebem ajuda dos parentes vivem do que o Estado oferece, não tem comida especial,
não podem comprar doces, refrigerantes ou pequenos lanches na cantina da unidade,
nem roupas, shampoo, sabonete, cosméticos, tinta ou prateleiras para sua cela,
televisão, ou qualquer regalia.
Na parte externa, uma capela ecumênica, uma horta de hidropônicos e a cantina. Damos
a volta na edificação e entramos novamente pela porta principal. Nos dirigimos para o
refeitório – de funcionários – para almoçar. Essa unidade produz a sua própria comida,
feita pelas presas, não é abastecida por quentinhas como a maior parte das unidades
penais do Estado. Almoçamos e um dos funcionários que almoçava reclama de forma
bastante hostil, quase gritando e joga o prato no balcão para a presa. Mais uma vez as
psicólogas que nos acompanham comentam sobre a freqüente demonstração de poder
de alguns funcionários. Subimos até a sala da diretora para nos despedir e saímos da
unidade. Seguimos para a visita na Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá
(Anexo 5).
ANEXO 5
Relato Experiencial: Unidade Materno Infantil
Relato Experiencial: Unidade Materno infantil – Anexo 5
294
A visita à Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá foi realizada em 13 de
novembro de 2008, com o acompanhamento de duas psicólogas da SEAP/RJ e três
alunos da escola de gestão penitenciária. A visita se realizou logo após a visita da
Penitenciária Talavera Bruce (Anexo 4). Essa unidade tem como finalidade abrigar
presas que engravidam durante a pena – ou chegam à unidade penal grávidas – após o
nascimento de seus filhos. As presas têm direito a permanecer na unidade com os filhos
até que eles completem um ano de idade. É a única unidade com esse fim no Estado do
Rio de Janeiro, foi também a primeira do país. Segundo funcionários, essa unidade tem
um caráter bastante particular: são raros os atritos entre presas e mesmo de presas com
funcionários, assim como rebeliões. Os problemas em geral são relacionados às
tentativas de fuga de mães que não se conformam em ter que separar de seus filhos –
em muitos casos a família não fica com a criança que recebe uma família temporária,
uma adoção até que a presa cumpra sua pena.
Fig. 01 – mapa geral do Complexo Penitenciário de Bangu
Fonte: Google Earth
Relato Experiencial: Unidade Materno infantil – Anexo 5
295
Relato Experiencial: Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcutá
Depois da visita à Penitenciária Talavera Bruce, seguimos para a Unidade Materno
Infantil que fica logo ao lado. Passamos pela capela e logo se vê o parquinho com
árvores ao redor. O muro amarelo ao fundo, diferente das outras unidades visitadas, não
é tão alto e imponente, assim como seu pequeno portão de entrada. A entrada se faz por
uma área livre, murada e gramada com poucas árvores – local de banho de sol das
crianças. O aspecto é melhor, um ambiente mais agradável do que o que vê nas
unidades penais, apesar da ausência de qualquer mobiliário – bancos, brinquedos,
jardineiras – e à direta fica a edificação em si – principalmente pela ausência de grades,
cercas e trancas. As presas podem circular com seus filhos por toda a unidade durante o
dia.
Fig. 02 – Mapa da Unidade materno Infantil e Penitenciária Talavera Bruce
Fonte: Google Earth
Legenda:
10. Guarita
11. Capela
12. Unidade Materno Infantil
13. Talavera Bruce
Fig. 03 – Croqui da entrada dos dois estabelecimentos
Fonte: croqui da autora
2
4 3
Relato Experiencial: Unidade Materno infantil – Anexo 5
296
Na frente da edificação uma área coberta abriga os vários carrinhos de bebê e logo à
frente se vê a porta de entrada. O acesso se faz diretamente para o corredor: do lado
direto ficam os dois alojamentos onde as presas ficam com as crianças e à esquerda o
lactário. Fomos direto aos alojamentos que abrigam, cada um, dez presas com seus
bebês, que variam de zero a um ano. O ambiente, nem de longe, parece com o da prisão
– berços e porta fraldas ao lado de cada cama, roupinhas e brinquedos, paredes pintadas
em tom pastel e nenhuma grade. Das grandes janelas altas, pode-se até ver o céu. O
clima é completamente diferente: não há desconfiança entre funcionários e presas, nem
aquela tensão constante, o ambiente é leve. A relação das agentes com as presas é mais
próxima, mesmo porque muitas se apegam às crianças e até mesmo ajudam em certas
situações.
Mais uma vez noto a mudança no perfil das presas, como no Talavera Bruce, um grande
número de presas com maior poder aquisitivo – que se nota não só pela vestimenta e
pela aparência, mas pelo linguajar, pelos caros brinquedos de alguns bebês. É muito
triste imaginar o futuro dessas crianças e o sofrimento das mães que demonstram forte
apego a elas, principalmente pelo meu encantamento natural por crianças. Me imagino
com meu filho nessa situação, me emociono e prefiro parar de pensar nisso, essa é uma
realidade muito dura, tento manter um certo distanciamento.
É difícil olhar nos olhos daqueles bebês, daquelas mães, mas ao mesmo tempo é
impossível não se encantar com as gostosas gargalhadas. Um deles se joga do colo da
mãe pro meu e não consigo evitar... Uma sensação horrível, vontade de não largar mais
aquela criança, e lhe dar carinho, ao mesmo tempo a vontade de sair dali e não ver mais
nada. Por mais que se imagine o que aquelas mulheres tenham feito – algumas
chegaram a relatar porque foram presas – essa separação entre mãe e filho me parece
uma “punição” dura demais, mas sabemos que não pode ser resolvida de outra forma.
Devolvo rápido a criança pra sua mãe e seguimos para o lactário.
Muitas presas estão sentadas vendo televisão com os filhos nos carrinhos, outras
preparam mamadeiras. O ambiente é muito limpo e bem cuidado, com as paredes de
limpíssimos azulejos brancos e grandes bancadas de metal. Logo à frente uma porta dá
acesso a uma área coberta usada em dias de chuva para as crianças brincarem, mais um
espaço neutro, sem qualquer personificação. Próximo às bancadas do lactário, outra
porta dá acesso a uma área aberta onde as presas lavam roupas. Apesar de ser uma
unidade voltada para os bebês, o ambiente é bastante neutro. Não há qualquer
decoração, nem mesmo recortes de papel, que são comuns mesmo em escolas públicas,
ou murais, nada que nos faça associar a um ambiente infantil. Apesar dos brinquedos e
Relato Experiencial: Unidade Materno infantil – Anexo 5
297
porta-retratos próximos às camas e berços, nessa unidade os espaços não se
apresentam personificados como nas demais unidades visitas. É um ambiente limpo,
bem cuidado, mas completamente impessoal.
Ainda na unidade conversamos com a diretora e uma agente e elas relatam que mesmo
para elas a separação das crianças é muito difícil, que não há como não se envolver.
Elas participam de cada conquista das crianças, acompanham sua evolução, levam ao
médico, ao hospital quando necessário e ajudam nas festinhas de aniversário (de 1 ano)
que são também a despedida das crianças. Elas falam que esse momento é muito
doloroso e que por mais que já tenham visto essa cena muitas vezes, sempre ficam
emocionalmente alteradas e sentem falta das crianças. Logo depois fomos embora.
Seguimos na Kombi da secretaria conversando sobre as impressões dos que nunca
tinham entrado em uma unidade penal. Impressionante como o imaginário era diferente
da realidade que viram lá – como eles relataram –, bastante associado à imagem
construída pela mídia. Sigo pensando na experiência, a imagem e a expressão das
crianças e de algumas presas não saem da minha cabeça...
ANEXO 6
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa – Anexo 6
299
Fig. 01 – Desenho de uma presa da edificação principal da Penitenciária Talavera Bruce
Fonte: arquivo pessoal da autora
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa – Anexo 6
300
Fig. 02 – Planta baixa esquemática da edificação principal da Penitenciária Talavera Bruce
Fonte: desenho da autora
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa – Anexo 6
301
Fig. 03 – Desenho de uma presa da edificação anexa da penitenciária Talavera Bruce
Fonte: arquivo pessoal da autora
Desenho do Talavera Bruce, por uma presa – Anexo 6
302
Fig. 04 – Planta baixa esquemática da edificação anexa da Penitenciária Talavera Bruce
Fonte: desenho da autora
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