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exemplo a Crônica dos feitos de Vasco da Gama, terminada em 1599. Assim como Barbosa
Machado fez com D. Sebastião, Diogo do Couto narrou os feitos de Vasco da Gama e seus
filhos de maneira a exaltar a gloriosa ação dos portugueses no Oriente.
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A estrutura narrativa
e a disposição das matérias nos capítulos também são pontos em comum entre o cronista e o
acadêmico real. No entanto, apesar da semelhança, há distinções no que se refere à técnica
historiográfica, mais precisamente ao uso dos testemunhos. Diogo do Couto, como outros
cronistas, se amparava em documentos escritos, mas não com o valor que será conferido a
eles posteriormente, sobretudo com a Academia Real. A cada capítulo, Barbosa Machado não
só citava uma pilha de documentos, como também o reproduzia.
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Diogo do Couto não fazia
o mesmo (embora consultasse textos e os citasse entremeados a sua narrativa), pois aquela
não era uma demanda de seu tempo. Barbosa Machado, como antiquário, os destacava,
conferindo a eles o estatuto de prova que legitimava a narrativa sobre D. Sebastião. Em sua
coleção particular, o erudito recolhera outras provas que possibilitavam novas narrativas. Os
testemunhos escolhidos, passavam a constituir uma autoridade.
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Por outro lado, para Barbosa Machado, a autoridade do testemunho ligava-se também
àquele que o escrevia: a autoridade do missionário que descreve uma região distante, dos
clérigos em seus sermões, dos acadêmicos em seus panegíricos. Textos confiáveis, porque
escritos por pessoas confiáveis e jamais contrárias a fé cristã. Essa autoridade do nome
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COUTO, Diogo do. Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e seus filhos na Índia. Lisboa: Cosmos, 1998.
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Barbosa Machado citou vários tipos de documentos ao longo da sua narrativa, como cartas, elogios, cópias de
bulas papais, alvarás etc. No capítulo 3, por exemplo, onde trata da morte de D. João III, nosso abade informa
que, por conta da morte do monarca, a administração do reino ficou nas mãos de D. Catarina. Logo em seguida,
ele citou o “instrumento da tutela, e regência da rainha D. Catarina” e ainda indicou que tal documento poderia
ser encontrado na “Torre do Tombo, na gaveta 13, masso 9”. É interessante observar que o erudito, para escrever
esta obra, parece ter utilizado alguns documentos que juntou em sua coleção. Nela, existem papéis, por exemplo,
sobre a morte de missionários no Japão à época do reinado de D. Sebastião, assunto ao qual ele se referiu nas
Memórias.
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Um cronista que recebeu a estima dos acadêmicos reais foi Duarte Nunes Leão. Nas Crônicas dos Reis de
Portugal, este autor reformulou crônicas antigas, corrigindo seus erros e procurando, por meio de documentos,
demonstrar a verdade, nem que para isso tivesse de contestar tradições invioláveis. Ele discutiu, por exemplo,
quem foi o pai de D. Henrique, discordando de uma versão que dizia ser ele filho de um rei da Hungria e outras
que afirmavam ser ele grego ou alemão. Por fim, contestou Damião de Góes, que teria afirmado que o conde D.
Henrique era da casa de Lorreine. Para refutar as autoridades, Nunes Leão citou documentos, tais como
escrituras e testamentos, pois só o testemunho poderia desmentir as fábulas em torno daquele monarca. (LEÃO,
Duarte Nunes. Crônicas dos Reis de Portugal. Porto: Lello-Irmãos Editores, 1975).