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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
Aline de Oliveira Gonçalves
Operários Negros: relação entre cor e trabalho na nova indústria
automotiva do Rio de Janeiro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à obtenção do tulo de Mestre em
Sociologia (com concentração em Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. Jo Ricardo Garcia
Pereira Ramalho
RIO DE JANEIRO
2007
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II
Aline de Oliveira Gonçalves
OPERÁRIOS NEGROS: Relação entre Cor e Trabalho na Nova Indústria Automotiva do Rio
de Janeiro
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em Sociologia (com concentração em
Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. José Ricardo
Garcia Pereira Ramalho
Banca Examinadora:
Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho – Orientador (IFCS/UFRJ)
Prof. Dr. Marco Aurélio Santana – (IFCS/UFRJ)
Prof. Dr. Marcelo Jorge de Paula Paixão – (IE/UFRJ)
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III
FICHA CATALOGRÁFICA
GONÇALVES, Aline de O.
Operários Negros: Relação entre Cor e Trabalho na Nova Indústria
Automotiva do Rio de Janeiro/ Aline de Oliveira Gonçalves. Rio de Janeiro, 2007.
X, 182f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2007.
Orientador: José Ricardo Garcia Pereira Ramalho
1. Relações Raciais. 2. Trabalho. 3. Desigualdades.
I. Ramalho, José Ricardo Garcia Pereira (Orient.). II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. III. Título.
IV
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo compreender as trajetórias profissionais de operários
negros da indústria automobilística no Rio de Janeiro. Fo uma análise das desigualdades
raciais no mercado de trabalho observando, por um lado, os impactos econômicos e sociais
ocasionados pela reestruturação da produção e das relações de trabalho e, por outro, as
transformações ocorridas no modelo de relações raciais brasileiro.
Utilizando a perspectiva analítica das desigualdades de oportunidades para negros e
brancos no mercado de trabalho, pretendo demonstrar que apesar das transformações que vêm
ocorrendo no campo do trabalho terem significado ampliação do mercado para todos os
trabalhadores independente da cor/raça, verifica-se no caso estudado a reprodução das
desigualdades de oportunidades entre negros e brancos no acesso e na qualidade das
ocupações do setor industrial automotivo.
Palavras-chaves: relações raciais – trabalho – desigualdades.
V
ABSTRACT
This work has as objective to understand the professional trajectories of black laborers
of the automobile industry in Rio de Janeiro. I make an analysis of the racial inaqualities in the
work market observing, on the other hand, the economic and social impacts caused by the
reorganization of the production and the relations of work and, for another one, the occured
transformations in the model of racial relations Brazilian.
Using the analytical perspective of the inaqualities of chances for blacks and whites in
the work market, I pretend to demonstrate that although the transformations that come
occurring in the field of the work, that they had meant magnifying of the market for black and
white workers in the studied case, it is verified reproduction of the inaqualities of chances
among black and white peoples in the access and the quality to the occupations.
Word-keys: racial relations – working - inequalities.
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos orixás que, mesmo sem conhecê-los, conduziram meus caminhos nesses
vinte oito anos de vida.
Aos meus pais, Paulo e Célia, pela sabedoria, compreensão e apoio incondicional, sem
o qual não teria conseguido chegar até aqui; a meu irmão Alexandre, sempre amoroso e
disposto a me ajudar; a minha cunhada Eliane que foi o veículo para meu sobrinho Lucas
chegar a este mundo e completar meu estado de graça.
A todos os meus ancestrais, em particular as mulheres, negras guerreiras e provedores
da vida desde aquelas que não conheci até as que consegui identificar, em particular minhas
avós Léa Gonçalves e Maria da Glória de Oliveira.
Agradeço a Iyalorixá Meninazinha da Oxum, minha mãe, que com seu axé me
fortaleceu e vem me reedificando a cada dia. Também a Mãe Nilce de Iansã que foi
fundamental nos momentos finais do processo de construção desse trabalho zelando por meu
bem-estar emocional e espiritual. Modupé Axé!!!
À CAPES e FAPERJ (Cientista do Nosso Estado) pelo essencial financiamento das
bolsas durante o tempo da pesquisa. Ao meu orientador, Prof. Dr. José Ricardo Ramalho pela
paciência e atenção dedicados desde a graduação; idem para Prof. Dr. Marco Aurélio Santana.
Também meus agradecimentos aos colegas de pesquisa: Júlia Polessa, Rafael Raphael
Jonathas, Carla Pereira, Elaine Marlova, Sérgio Pereira, Rodrigo Salles, Fabiano Jesus, Marina
Cordeiro, Silvia Monerat e Rian Rezende; e à Ângela que, além de aturar minhas instáveis
variações de estado de espírito, deu sua colaboração desde a graduação nos processos
burocráticos.
Aos amigos adquiridos no curso de graduação, dos quais muitos compartilham
trajetória acadêmica similar: Marisa Santana, Lidiane Rocha, Carla Ramos, Aline Jansen,
Ester Oliveira, Suzana Mattos, Aline Martins, Fátima dos Santos, Jonas Henrique, Maria
Amália, Durval dos Anjos, Jorge Antônio e Sabrina Galeno (e aos outros que não constam
dessa lista).
Em especial a Andréia Costa, Leonardo Bento, Ana Paula Almeida, Karine Rodrigues,
Luciane Rocha e Maristela Santana que são amigos para além da formação acadêmica, meu
muito obrigada: amo vocês!
VII
Meu axé para Rosemary Gonçalves... Não tenho palavras para definir tamanha ajuda e
dedicação, fundamentais para a realização dessa pesquisa; também a Roberta Oliveira que,
sem me conhecer, acolheu-me em sua casa em Resende e dedicou tempo e atenção durante o
trabalho de campo.
Agradeço também aos trabalhadores das fábricas pelo tempo disponibilizado para as
entrevistas, bem como pela receptividade: muito obrigada!
Para Ducilda, Kellen, Regina, Adriana, Márcia e Ana Lúcia, companheiras de todas as
horas: aqui está uma das provas de que juntas conseguimos o que jamais conseguiríamos
sozinhas!
Tenho uma dívida de gratidão para com todos vocês: axé!!!
VIII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 01
- Os primeiros passos ......................................................................................................03
- Cor e trabalho ...............................................................................................................05
- A pesquisa de campo ....................................................................................................08
CAPÍTULO 1: Relações raciais no Brasil o processo de construção e a nova
configuração do modelo
1.1Introdução .......................................................................................................................12
1.2 - O problema da “raça” no pensamento social brasileiro
- O conceito de raça e o racismo científico no Brasil .....................................................12
- A celebração do mestiço e o mito da democracia racial ...............................................16
- O mito das três raças .....................................................................................................19
- A realidade racial inusitada: a descoberta do projeto UNESCO ..................................20
- Singularidade do racismo brasileiro .............................................................................24
- Crítica ao modelo assimilacionista de relações raciais
............................................................25
1.3 - Denúncia do racismo: a construção do debate sob a ótica do Movimento Negro
Brasileiro
- Duas formas de atuação ................................................................................................26
- A Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro .....................................27
- O movimento negro visto de fora .................................................................................32
- A nova configuração da política racial brasileira .........................................................34
CAPÍTULO 2: A presença do negro em Resende - de escravos a operários
2.1- História: a utilização da mão-de-obra negra e os ciclos de desenvolvimento econômico
da cidade
- Introdução .....................................................................................................................39
- Braços negrose a expansão do café ..........................................................................39
IX
- Os Breves ......................................................................................................................42
- Substituições: café pelo açúcar, negros por imigrantes italianos? ................................46
- Mudança de status: do trabalho escravo ao trabalho livre ............................................48
2.2 - O olhar sobre o trabalhador negro em História Social ...................................................52
2.3 – Condições socioeconômicas: a população negra resendense hoje..................................56
População .................................................................................................................................57
- Composição da população resendense por cor/raça .....................................................58
- Composição da população por cor/raça do município e da região ...............................59
- Composição da população segundo sexo e cor/raça......................................................62
Educação ..................................................................................................................................63
- Alfabetização/taxa de analfabetismo ............................................................................63
- Média de anos de estudos .............................................................................................65
Ocupação...................................................................................................................................68
- População economicamente ativa..................................................................................68
- Taxa de atividade...........................................................................................................69
- População ocupada.........................................................................................................71
Posição na ocupação.................................................................................................................72
- População ocupada na posição de empregado ..............................................................72
- População ocupada na posição de empregador .............................................................73
- População ocupada na posição de conta-própria ..........................................................74
- População ocupada na posição de militares e estatutários ............................................75
- População ocupada na posição de trabalhador doméstico ............................................76
Rendimentos da população ocupada ........................................................................................77
- Rendimentos da população ocupada na posição de empregado ................................. .77
- Rendimentos da população ocupada na posição de empregador ..................................78
- Rendimentos da população ocupada na posição de conta-própria ................................79
- Rendimentos da população ocupada na posição de militares e estatutários..................80
- Rendimentos da população ocupada na posição de trabalhador doméstico...................81
CAPÍTULO 3: A força de trabalho motor - perfil racial dos trabalhadores da Volkswagen
ônibus e caminhões
X
3.1 - Introdução.........................................................................................................................84
3.2 - O survey ...........................................................................................................................85
3.3 - Cruzamento de dados por cor/raça .................................................................................87
- Os trabalhadores nas empresas do consórcio modular.................................................88
- Níveis hierárquicos........................................................................................................89
- Sexo.............................................................................................................................. 89
- Naturalidade e residência...............................................................................................91
- Escolaridade...................................................................................................................95
- Forma de Seleção ..........................................................................................................96
- Faixa salarial..................................................................................................................97
- Condições de trabalho..................................................................................................102
- Preocupação com o desemprego .................................................................................106
- Significado de trabalhar na fábrica..............................................................................107
- Participação sindical ...................................................................................................110
CAPÍTULO 4: Percursos e trajetórias - o novo operário negro e suas perspectivas diante
do trabalho.
4.1 Introdução.......................................................................................................................115
4.2 - Trajetórias em perspectiva............................................................................................115
- Contexto familiar.......................................................................................................115
- Participação em atividades sociais.............................................................................120
- Formação Profissional................................................................................................125
- Visão da Discriminação..............................................................................................133
- Desigualdades Raciais na Empresa.............................................................................141
- Participação nas Organizações Sindicais.....................................................................149
- Perspectivas de Trabalho.............................................................................................155
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................160
ANEXO ..................................................................................................................................162
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................163
1
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa é parte do projeto “O Global e o Local: os impactos sociais da
implantação do pólo automotivo do Sul Fluminense”, que acompanha as transformações
sociais, econômicas e políticas que vêm ocorrendo com o desenvolvimento industrial da
região sul fluminense, particularmente, através da implementação de duas fábricas
automotivas: a Volkswagen (1966) e a PSA Peugeot-Citroën (2001) nos municípios de
Resende e Porto Real, respectivamente.
O trabalho tem por objetivo observar a inserção dos trabalhadores negros numa fábrica
do setor automobilístico construída dentro dos novos parâmetros estabelecidos pelo processo
de reestruturação produtiva porque tem passado as relações no mundo do trabalho moderno.
Tomando como referencial, por um lado, o impacto social acarretado pelas transformações no
modelo de produção e nas relações de trabalho, e, por outro pela nova dinâmica das relações
raciais no Brasil busco compreender os modos pelos quais características atributivas como a
cor, em particular, interferem nas trajetórias profissionais de negros de um micro-conexto
social específico.
De fora geral, embora haja uma tradição nas Ciências Sociais brasileiras de estudos
sobre trabalho e processo de trabalho, e sobre desigualdades raciais, esses dois campos de
reflexão foram constituídos separadamente, existindo poucas tentativas de articulação entre
eles (Silva, 1997). Em particular, foi a constatação de que existem poucas abordagens de
pesquisa que façam uma interface entre o campo das relações raciais e a sociologia do trabalho
no contexto industrial automotivo
1
, o que contribuiu para despertar meu interesse na pesquisa.
Assim, a questão central do trabalho diz respeito ao entendimento das formas pelas
quais as transformações na ideologia racial brasileira refletem-se nas relações de trabalho num
micro-contexto social específico caracterizado pela reestruturação industrial.
O estudo foi realizado com trabalhadores da fábrica de ônibus e caminhões da
Volkswagen-Resende/RJ que se localiza numa região
2
tradicionalmente é conhecida por sua
importância política, social e econômica que a destacou em fins do século XIX através da
1
São poucas as pesquisas que buscaram identificar as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro;
alguns dos estudos que norteiam essa pesquisa são: Costa Pinto, 1998; Bairros, 1985; Silva, 1997; Castro e
Barreto, 1998; Lima, 2001; Heringer, 1999; Valle Silva, 1980; Hasenbalg, Valle Silva; Lima, 1999; Osório, 2004.
2
A Região do Médio Paraíba compreende os municípios de Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí,
Porto Real, Quatis, Rio Claro, Rio das Flores, Valença e Volta Redonda.
2
exploração da mão-de-obra escrava e produção de café. Recentemente a visibilidade
econômica da região foi retomada, entretanto com outro perfil: o desenvolvimento do setor
industrial que se destacou com a inauguração da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em
Volta Redonda e, posteriormente, com o desenvolvimento de um parque industrial
3
e pólo
automotivo nas cidades de Resende e Porto Real - que culminam com a implantação da
Volkswagen e PSA Peugeot-Citroën, respectivamente.
Paralelamente às transformações ocorridas no campo do trabalho ocasionadas pela
reestruturação da produção e das relações de trabalho que caracterizam o novo momento da
indústria automobilística no Brasil - que se caracterizam pelo deslocamento das fábricas para
regiões sem tradição econômica nesse setor - o cenário político nacional acerca das relações
raciais no Brasil coloca a promoção da igualdade racial na agenda pública como tentativa de
resposta às desigualdades raciais entre negros e brancos no país.
Se por um lado o movimento social em defesa dos direitos da população negra
denuncia sua exclusão dos principais setores sociais desde o início da República, por outro, as
interpretações sobre a dinâmica racial brasileira têm sido colocadas em xeque no seio
acadêmico ao inserirem a variável de raça nas pesquisas sobre desigualdades sociais desde
meados da década de 1970. Entretanto, é apenas na atual conjuntura que o país reconhece
oficialmente a incompatibilidade do racismo com o estado democrático e propõe medidas
concretas de redução das desigualdades raciais.
É nesse contexto, em que novas interpretações são colocadas sobre os direitos de
cidadania a partir do pertencimento racial no Brasil, que a inserção de negros e negras nos
setores mais dinâmicos da sociedade tem sido pensada, particularmente com a adoção de
políticas de ações afirmativas no sistema superior de ensino e no mercado de trabalho
4
. À
priori, o caso estudado se colocaria como um contra-exemplo em relação à gestão do novo
3
A maioria das indústrias do parque industrial de Resende são dos setores metal-mecânico e químico
farmacêutico; estão entre elas: Atar do Brasil Ltda - Produção de Defensivos Agrícolas; Clariant S/A - Fabricação
de Produtos Químicos e Corantes; Carboox Resende Química - Siderúrgica e Soldagem; Eco Chamas Ltda -
Tratamento de Resíduos Industriais; Filtroil Indústria e Comércio de Filtros Ltda - Produção de Filtros / Prensa;
Hemmelrath do Brasil - Produção de Primers; Indústrias Nucleares do Brasil - Energia Nuclear; Montec de
Resende Indústria Ltda Caldeiraria; Novartis Biociência S/A – Farmoquímica; Pernod Ricard - Bebidas
Destiladas; Rimet Empreendimentos Ltda - Embalagens Metálicas; Solúcia - Serviços para Indústria de
Agroquímica; Sonoco Phoenix - Fabricação de Tampas Metálicas; Spanset do Brasil - Fabricação de Cintas
Poliéster.
4
Ver por exemplo: Guimarães (1999), Soares (2000), Beltrão & Teixeira (2004), Domingues (2005), Machado
(2005), Ramos (2005).
3
modelo de relações raciais por incluir os trabalhadores negros na nova estrutura de emprego.
No entanto, quando a indústria se transforma o risco do desemprego e a sobrevivência nos
postos de trabalho, por exemplo, atingem de maneira desigual e seletiva verificando-se a
reprodução de desigualdades de distintas espécies (Araújo Guimarães, 2004)
5
.
Os primeiros passos
A primeira vez que estive no município de Resende foi para participar de um seminário
organizado pela Associação Resendense de História (ARDHIS) sobre as comemorações do
centenário da cidade
6
. Na época, iniciava minha atividade de pesquisa com interesse em
compreender a participação do negro no desenvolvimento histórico na região, isto é, o
processo de inserção da população negra no mercado de trabalho local.
O evento tinha poucas pessoas sendo que a maioria era composta pela elite
conservadora da cidade; ou seja, aqueles que descendem dos grandes fazendeiros do café.
Com exceção do Sr. Claudionor Rosa, (atualmente diretor do arquivo histórico do município)
que, eu classifico racialmente como negro embora com tonalidade de pele mais clara, eu era a
única negra do seminário. O estranhamento com relação à minha presença explicitava-se pela
indiferença por parte dos participantes do seminário, algumas vezes chegando mesmo a causar
espanto aos presentes quando meus colegas de pesquisa me apresentavam como membro do
grupo. Daí pude constatar o “racismo velado”, característica de nosso modelo de identidade
nacional
7
, manifestando-se através do não-reconhecimento de minha posição de pesquisadora
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As impressões acerca do debate, tanto minhas como as de meus colegas de pesquisa,
são igualmente negativas: exaltava-se o período de “ouro” de Resende quando a produção do
café movia a economia constituindo-se na fonte de riquezas do país com a exploração do
5
Araújo Guimarães (2004) analisou o caso do ABC paulista nos anos 1990 e observou que as mudanças
ocorridas na estrutura do mercado de trabalho como parte do processo de reestruturação produtiva têm efeitos
diferenciados para brancos, negros, homens e mulheres consolidando tendências ou redefinindo padrões de
desigualdade.
6
Refiro-me ao seminário: “O Vale do Paraíba - sua história, seu futuro”, realizado pela Academia Resendense de
História em 2002, como parte das comemorações pelos duzentos anos da cidade; a ARDHIS tem por objetivo a
preservação do patrimônio histórico e artístico com o fim de afirmar uma identidade cultural no município.
7
A expressão racismo velado tem a ver com as estratégias de discriminação utilizadas pela elite branca para
colocar os negros em seu lugar, sem contudo criar leis de segregação tal como ocorreu nos Estados Unidos.
4
trabalho escravo. A palavra exploração em nenhum momento se colocou, porque aquele grupo
de pesquisadores
8
não entendia a utilização da mão-de-obra escrava como algo negativo, ao
contrário, a escravidão era justificada pela necessidade do desenvolvimento econômico do
país; da mesma forma, aqueles pesquisadores referiam-se a condição de inferioridade dos
escravos através de estereótipos racistas, tais como a brutalidade e ignorância natural dos
negros. Eu me sentia como se estivesse ouvindo os pensadores do século XIX debatendo
diante de mim a pessoa errada, no lugar errado. O mais impressionante em minhas
observações foi à ausência de qualquer tipo de constrangimento ao se colocar tais teorias
racistas devido à minha presença. Meus colegas de pesquisa ficaram revoltados...
Para aquelas pessoas não vivíamos no século XXI! Os discursos enfatizavam
veementemente a importância de a população resendense conhecer e orgulhar-se de seu
passado quando o município tinha visibilidade econômica e social, no lugar da idéia da
projeção econômica e do desenvolvimento local com a chegada da Volkswagen na cidade
9
.
Tais impressões levavam-me a questionar se meu tema de pesquisa realmente se
colocava para aquela realidade social. De inicio, eu sabia que havia de certa forma, por
assim dizer, um hiato entre a sociologia das relações raciais e os estudos sobre a sociologia
industrial e do trabalho. Sem conhecer os dados sobre a composição da população, essas
primeiras impressões me desanimaram bastante...
Como eu poderia estudar a questão racial numa cidade em que, visualmente, andando
pelo centro comercial urbano não se encontravam negros? Numa região em que as elites
dominantes são compostas por descendentes decadentes de proprietários de escravos, cuja
mentalidade acerca da organização social, econômica e política da cidade faz referência ao
modelo de organização social escravocrata?
A persistência da idéia estereotipada em relacionar trabalho, cor e escravidão sugeriu-
me como possibilidade de interpretação a existência de mecanismos impeditivos à inserção e
ascensão profissional de negros no mercado de trabalho local. No entanto, a leitura dos
resultados de um survey realizado com trabalhadores da fábrica de ônibus e caminhões da
8
O grupo era composto por pesquisadores da região do Vale do Paraíba fluminense, mineiro e paulista de
diversas áreas de conhecimento tais como História, Jornalismo, Administração e finanças.
9
A crítica sobre as representações sociais acerca do desenvolvimento econômico a partir da implementação da
Volkswagen estava explícita à primeira vista na frase de chamada para o seminário: “A vocês, sonhadores com
menos de quarenta anos... Não esperem nada do século XXI, pois é o século XXI que espera tudo de vocês. É um
século que não chega pronto da fábrica, mas sim pronto para ser forjado por vocês à nossa imagem e semelhança.
Ele só será glorioso e nosso à medida que vocês sejam capazes de imaginá-lo” (de Gabriel Garcia Marques)
5
Volkswagen, aguçou minha inquietação sociológica: a composição racial dos trabalhadores
revelava que mais da metade se auto-declarou como de cor/raça negra.
Daí, iniciei uma série de leituras sobre os estudos realizados na Bahia por conta da
implantação do pólo petroquímico no município de Camaçari. Verifiquei semelhanças nos
trabalhos realizados por aquele grupo de pesquisadores da UFBA (através do Programa “A cor
da Bahia”)
10
com relação às mudanças ocorridas no município de Resende e regiões
adjacentes a partir do desenvolvimento do pólo industrial e vinda das montadoras.
Cor e trabalho
Nesse sentido, esse trabalho tem como referência as contribuições de pesquisa de
Agier, Castro e Guimarães (1995) sobre o modo como as transformações no modelo racial
brasileiro e processo de transição do fordismo para a produção flexível afeta as relações de
trabalho. Tais transformações chamaram a atenção dos pesquisadores para a forma como a
indústria moderna instalada nos anos 60 (no Centro Industrial de Aratu) e, sobretudo nos anos
70 (no Complexo Petroquímico de Camaçari) reorganizou a economia local e o mercado de
trabalho, e, também centralizou as representações profissionais socialmente construídas e
partilhadas por indivíduos e coletivos (p.10).
Utilizando como foco de análise as trajetórias de vida e a mobilidade social de
trabalhadores urbanos num caso particular semelhante, esses pesquisadores procuraram
demonstrar como essas mudanças transformaram também os sistemas de valores e
classificações sociais que levaram à novas representações sobre o trabalho industrial, o saber
profissional e a ascensão social (p.9). Guimarães, Agier e Castro (1995) observaram que a
indústria moderna ampliou as possibilidades de mobilidade social e que os indivíduos
desenvolviam estratégias de ação que são baseadas em componentes da história individual de
cada pessoa, tais como a estrutura familiar, as condições de socialização, e a experiência
profissional (educação formal e social).
10
Refiro-me ao Projeto Classes, Etnias e Mudanças Sociais e ao programa A Cor da Bahia, da Unifersidade
Federal da Bahia, particularmente as produções sociológicas de Antônio Sérgio Guimarães, Michael Agier,
Nadya Araújo Castro e Vanda Sá Barreto.
6
O campo de produção teórica da sociologia e da antropologia do trabalho,
particularmente a literatura produzida a partir da segunda metade dos anos 70, a que os autores
se filiam, enfocava o componente subjetivo da ação – a representação da trajetória e da
posição social do sujeito (p.11). Chamados de “estudos dos processos de trabalho”, aquele foi
o movimento teórico que deslocou o foco analítico dos estudos sócio-econômicos sobre o
mercado de trabalho e das análises sócio-políticas sobre o movimento sindical, para as
reflexões sobre a fábrica enquanto organização, tendo no processo de trabalho o âmbito
privilegiado de observação (p.12).
Assim, essas pesquisas tinham como objetivo apresentar abordagens interpretativas
que iam além de esclarecer o processo de trabalho na nova indústria nordestina e a
reestruturação do mercado de trabalho regional; elas integraram analiticamente as experiências
fabris e extrafabris na determinação das atitudes e dos comportamentos, individuais e
coletivos, isto é, observaram como os indivíduos representam para si as condições sociais em
que atuam e, ao fazê-lo, estruturam as disposições subjetivas que presidem suas ações.
Segundo eles, observar o campo do trabalho como espaço fértil de identificação de
diferentes estratégias de mobilidade social dos agentes constitui estratégia analítica que se
estrutura com base em vários componentes da história e do status de cada pessoa focalizada:
estrutura familiar de integração e posição dos sujeitos nas relações familiares, condições de
socialização e herança sócio-cultural recebida, experiência profissional e saber (profissional e
social) adquiridos, representações do sujeito relativas à sua posição (social e profissional)
atual (p. 13-14).
As reflexões sobre as formas de evolução das desigualdades raciais no mercado de
trabalho e as análises sobre o processo de construção de novos modelos de identidade negra
em Salvador, não foram particularmente tratadas pelos autores no processo de construção de
novas mentalidades e identidades no campo do trabalho. Alguns anos mais tarde, num novo
contexto de produção literária sobre as relações raciais no Brasil que põe em xeque a
hegemonia racial ao investigar os mecanismos discriminatórios que afetam o status e a
mobilidade social no país
11
, Castro e Barreto (1998) relacionaram as novas demandas de
adaptação da organização industrial e dos recursos humanos à nova economia global às
11
Ver por exemplo: Heringer, 1999; Hasenbalg, Valle e Silva & Lima,1999; Henriques, 2001; Beltrão, Sugahara,
Peyneau & Mendonça, 2003; Osório, 2004.
7
mudanças nos padrões de discriminação educacional, de emprego e salários no Brasil
(Reichmann, cf Castro e Barreto 1998).
As autoras organizaram um dos primeiros estudos sobre a identidade dos trabalhadores
incluindo a variável de cor/raça na análise. As discussões colocadas sobre o impacto dos
sucessivos anos de intensa mudança estrutural sobre o acesso e a saída do mercado de trabalho
de indivíduos de diferentes grupos raciais informam a relação que procuro estabelecer entre o
campo do trabalho e as desigualdades raciais na construção analítica das trajetórias sociais do
grupo estudado - trabalhadores negros na indústria automobilística num micro-contexto social
específico em que o processo de desenvolvimento do mercado de trabalho é fortemente
afetado pela reestruturação industrial do processo produtivo local.
Concomitantemente, essa pesquisa é iluminada pelo debate político acadêmico porque
atualmente passa o processo de mudança do modelo de relações raciais no Brasil a
legitimação da luta anti-racista decorrente, por um lado dos esforços do movimento social
negro em denunciar a real situação de desvantagem da população negra na estrutura social
brasileira, e, por outro da explosão de dados estatísticos a partir dos estudos de Hasenbalg e
Vale e Silva na década de 1980 que apresentam indicadores sociais que atestam a existência
das desigualdades entre negros e brancos na sociedade brasileira. De acordo com a ampliação
dessas pesquisas desde então, tomo aqui as desigualdades raciais como ponto de partida e não
como de chegada; ou seja, as reflexões sobre o contexto das relações raciais desenvolvem-se
de forma crítica ao padrão hegemônico das desigualdades raciais no país.
Baseando-me nesse arcabouço teórico tinha como hipótese inicial de pesquisa, tal
como ocorreu no caso baiano com o desenvolvimento do setor petroquímico e, propriamente,
no setor automobilístico no caso do ABC paulista, a idéia de que o acesso de negros ao
mercado de trabalho industrial moderno no caso específico da vinda das fábricas da
Volkswagen e da PSA Peugeot-Citroën para a região sul fluminense significou uma mudança
no perfil da mão-de-obra com ampliação da participação do negro no mercado de trabalho do
setor, entretanto, com a permanência da característica de distribuição desigual de
oportunidades de ascensão social para trabalhadores negros e brancos.
8
A pesquisa de campo
A metodologia compreende abordagens quantitativas e qualitativas de pesquisa. A
abordagem quantitativa está baseada em duas fontes principais: um banco de dados com
informações gerais dos funcionários da Volkswagen que engloba suas concepções sobre as
relações de trabalho, as relações com os órgãos de representação e a vida fora da fábrica; e, o
mapeamento dos modos desiguais de inserção de negros e brancos no mercado de trabalho
local. O modelo de classificação racial é o utilizado pelo IBGE (brancos, pretos, pardos,
amarelos e indígenas); foi utilizada a estratégia de associar os resultados de pretos e pardos à
categoria “negros”, embora em algumas situações a análise remeta às categorias
separadamente pela dinâmica de apresentação desigual nos resultados para brancos, pretos e
pardos.
Houve preferência pela classificação binária branco/negro na análise por considerar
remeter à representação política posta entre dominadores e dominados, um sistema de
hierarquização social que repousa sobre as dicotomias elite/povo, brancos/negros (D’Adesky,
2001 apud Guimarães, 1995:35). A definição do termo “negro” proposta neste trabalho é a
utilizada por D’Adesky (2001): todo indivíduo de origem ou ascendência africana suscetível
de ser discriminado por não corresponder, total ou parcialmente, aos cânones estéticos
ocidentais, e cuja projeção de uma imagem inferior ou depreciada representa uma negação
de reconhecimento igualitário, bem como a denegação de valor de uma identidade de grupo e
de uma herança cultural e uma herança histórica que geram a exclusão e a opressão.
As abordagens qualitativas englobam observações diretas, conversas informais e
entrevistas. Os primeiros passos para a inserção no campo ocorreram por meio de contato com
grupos organizados na luta anti-racista, engajados na promoção da igualdade racial no
município, como também de outras expressões de identificação racial como grupos culturais e
religiões de matriz africana
12
.
Como não conhecia os ativistas negros da cidade - e tive dificuldades para estabelecer
contato com as lideranças sindicais - recorri a laços de amizade para inserir-me nessa rede de
12
Contribuíram com informações sobre relações raciais na cidade: Sonia Maria de Freitas, na época responsável
pela coordenadoria municipal de comunidade negra de Resende; Mestre Claudinho da Associação de Capoeira
Raiz Negra; Roberta Oliveira, organizadora do concurso de beleza negra Afro Fashion; Claudionor Rosa, diretor
do arquivo histórico municipal.
9
relações. Uma amiga, moradora de Volta Redonda, estudava na época a diversidade racial nas
empresas e conhecia muitas pessoas ligadas ao movimento negro da região; ela indicou-me
uma pessoa de referência em Resende para que pudesse me ajudar a entrar em contato com as
lideranças negras da cidade, mas, principalmente, na seleção dos trabalhadores para as
entrevistas
13
.
Inicialmente a comissão de fábrica demonstrou desinteresse na pesquisa
14
- por várias
vezes tentei estabelecer contato direto, sem sucesso. O primeiro contato ocorreu com uma
estratégia quase que forçada: acompanhei uma colega do grupo de pesquisa
15
- que fora
apresentar o resultado de sua pesquisa de doutorado que tinha a comissão de fábrica como
estudo de caso sem ter anunciado previamente o assunto de meu trabalho. E deu certo! A
partir de então houve uma total mudança de comportamento dos membros da comissão de
fábrica para com meu trabalho de pesquisa que passou a colaborar amplamente, em especial,
no que diz respeito a minha livre circulação dentro da fábrica (sempre acompanhada dos dois
membros da comissão de fábrica) o que me permitiu observar de perto o processo da produção
dos veículos, bem como na intermediação de conversas informais com os trabalhadores na
fábrica e, também, além de se disponibilizarem, colaboraram na indicação de parte dos
trabalhadores que compõem as trajetórias sociais que abordo no capítulo 4.
O foco de observação também não se concentrou ao ambiente fabril devido às
dificuldades de estabelecer contato com o setor de recursos humanos da Volkswagen a
entrada na fábrica se deu apenas via intermediação da comissão de fábrica; não tive permissão
da gerência administrativa para observar os aspectos cotidianos dentro da fábrica. Assim,
13
Rosemary Gonçalves é pesquisadora e militante negra em Volta Redonda; ela me apresentou a muitas pessoas
ligadas ao movimento negro local, sindicalistas e trabalhadores da Volkswagen e da PSA Peugeot-Citroën.
Rosemary me apresentou Roberta Oliveira que é organizadora de um grande evento de cultura negra chamado
Afro Fashion cujo objetivo é afirmar a identidade negra como valor positivo na sociedade através de um concurso
de beleza negra; Roberta foi meu principal contato na pesquisa de campo.
14
Minhas impressões sobre as tentativas de estabelecer os primeiros contatos levaram-me a pensar que o tema
das relações raciais não m relevância nas ações sindicais daquele grupo; ou seja, que a pesquisa não se
traduziria em resultados práticos que auxiliassem (ou dessem visibilidade) à luta sindical dentro da fábrica.
entretanto, a maior proximidade com outras lideranças sindicais (do sindicato dos metalúrgicos de Volta
Redondo, ao qual os operários das fábricas são associados), bem como a análise das histórias de vida (capítulo 4)
de alguns operários ligados ao movimento sindical demonstraram formas diversificadas de representação do
grupo sobre o tema das relações raciais.
15
Elaine Marlova teve contato intenso com a comissão de fábrica por ter analisado a forma de ação política dos
trabalhadores e o espaço da política no interior da produção tendo a comissão de fábrica da Volkswagen; com
efeito, utilizar-me de tal estratégia para estabelecer contato com as lideranças sindicais da brica foi
fundamental para conseguir o apoio e colaboração em minha pesquisa, ou seja, “validar” perante os membros da
comissão de fábrica a importância de meu tema de pesquisa.
10
minhas observações baseiam-se em apenas duas visitas ao interior da fábrica, a participação
em eventos organizados pelo movimento negro local como também pelo movimento sindical,
e, minha movimentação pela periferia e pelo centro da cidade onde pude entrar em contato
informal com muitos trabalhadores no calçadão, no shopping e outros locais de lazer. Tinha
como referência um grupo de amigos que se reúne próximo a uma banca de jornal para
conversar após o expediente de trabalho, do qual fazia parte um de meus entrevistados além de
outros dois funcionários das montadoras.
Para a construção das trajetórias dos trabalhadores, foram realizadas 8 (oito)
entrevistas densas que abordam questões como as estratégias utilizadas pelos trabalhadores
negros em seus projetos de ascensão social, como a constituição de redes de familiares e
amigos, os investimentos em educação e a participação política em organizações de cunho
anti-racista ou de representação sindical. Foram utilizados dois critérios para a seleção dos
entrevistados: ser funcionário da linha de produção na fábrica, bem como se perceber
racialmente como negro; assim, a classificação racial se deu através da autodeclaração.
A maior parte dos entrevistados foi contatada fora da fábrica, via indicação das pessoas
que fiz contato na cidade, particularmente Roberta Oliveira que é organizadora de eventos de
cultura negra na região; os demais são lideranças sindicais senão indicados por elas. As
entrevistas externas foram realizadas em lugares diversos e adversos: residência, hall do hotel,
restaurantes e lojas de fast food, praças públicas e vias públicas; dentro da fábrica, foram
realizadas entrevistas gravadas no espaço da comissão de fábrica e conversas informais com
trabalhadores na linha de produção, mas também em espaços como corredores e refeitório.
Além dos próprios membros da comissão de fábrica, que se autodeclararam negros, realizei
uma única entrevista em que foi necessária a retirada de um trabalhador da linha de produção,
o que foi conseguido por intermédio da própria comissão de fábrica.
A não restrição da realização das observações diretas, das conversas informais, bem
como das entrevistas ao ambiente fabril conferiu mais significado social às respostas, que,
com exceção das entrevistas gravadas, possibilitaram um clima de menor tensão com relação
ao conteúdo das respostas; assim, pude observar o cotidiano dos trabalhadores dentro da
fábrica com atenção ao que foi dito, o que não foi dito e o modo como foi dito.
Considero que minha entrada na fábrica se deu de maneira oficiosa, pois além de
eventual (apenas duas vezes) a intermediação com os trabalhadores foi realizada de maneira
11
descontraída (quase que improvisada) pela comissão de fábrica. Apesar de ter sido apresentada
como pesquisadora e os trabalhadores com quem tive contato dentro da fábrica tivessem o
mínimo de informações sobre a utilização prática dos dados que estavam sendo coletados,
acredito que não viam relevância no tema tratado. Percebi que o problema não tinha relação
com as desconfianças que, certamente, os trabalhadores tiveram sobre o conteúdo das
conversas - muitos se recusaram a falar comigo quando eram esclarecidos sobre a questão
racial, como se não tivessem (ou não quisessem ter) nada a ver com isso; tive a mesma
impressão com as entrevistas gravadas cujos trabalhadores foram indicados pela comissão de
fábrica.
Em resumo, no decorrer da exposição busco problematizar como as mudanças no
modelo de relações raciais brasileiro se refletem na inserção de negros e brancos no ambiente
de trabalho fabril, bem como sobre suas concepções sobre a relação entre cor/raça num
ambiente de trabalho reestruturado.
Organizei a apresentação em quatro capítulos, a saber:
No capítulo 1, Relações Raciais no Brasil O Processo de Construção e a Nova
Configuração do Modelo, descrevo brevemente os principais discursos colocados no processo
de desenvolvimento do modelo de relações raciais no Brasil; apresento a maneira pela qual o
tema tem sido discutido no meio acadêmico, a reação dos movimentos de luta anti-racista,
bem como a conjuntura política racial atual.
No capítulo 2, Mão-de-Obra Negra em Resende - de Escravos a Operários busco
resgatar o processo de utilização da mão-de-obra negra no desenvolvimento da economia
cafeeira na região do Vale do Paraíba fluminense para servir de base à análise do mapeamento
dos modos desiguais de inserção de trabalhadores negros e brancos no mercado de trabalho
local, realizado na segunda parte desse capítulo.
No capítulo 3, A Força de Trabalho Motor - Perfil Racial dos Trabalhadores da
Volkswagen Ônibus e Caminhões, traço um perfil dos trabalhadores negros da Volkswagen de
modo a caracterizar sua especificidade no que diz respeito à inserção, qualificação, condições
de trabalho e a atribuição de significado à atividade desempenhada na fábrica.
No capítulo 4, Percursos e Trajetórias - O Novo Operário Negro e suas Perspectivas
diante do Trabalho, coloco em perspectiva 8 (oito) trajetórias sociais de trabalhadores negros
da fábrica a fim de compreender suas estratégias para vencer as barreiras de ascensão social.
12
Capítulo 1: RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E
A NOVA CONFIGURAÇÃO DO MODELO
1.1 Introdução
Buscar entender como se desenvolveram as diferentes formas de interpretação acerca
do tema constitui reflexão fundamental para a compreensão das condições sociais que vivem
os negros na sociedade brasileira contemporânea. Nesse sentido, o primeiro capítulo descreve
uma breve leitura das principais abordagens interpretativas sobre o padrão de relações raciais
brasileiro caracterizando, por um lado, como o tema se desenvolve no pensamento social
brasileiro e, por outro, os argumentos centrais das reivindicações do movimento social negro
como resposta a hegemonia racial dominante.
A re-leitura pontual dos principais discursos acerca do processo de construção do
padrão de relações raciais brasileiro busca servir de parâmetro para a compreensão do
processo de inserção dos negros no mercado industrial de trabalho, do padrão de
desigualdades raciais na estrutura social e o impacto das representações sociais sobre as
trajetórias individuais dos trabalhadores negros da Volkswagen/Resende, questões-chave que
serão observadas no decorrer dos próximos capítulos.
1.2 - O problema da “raça” no pensamento social brasileiro
O conceito de raça e o “racismo científico” no Brasil
Diferentes formas de abordagem acerca das interações entre negros e brancos tomaram
corpo no pensamento social brasileiro desde fins do século XIX; tais interpretações propiciam
uma reflexão sobre o modo de operacionalização do conceito de raça no comportamento dos
indivíduos. Lilia Schwarcz (1995) ao analisar a construção da idéia de raça no Brasil descreve
como era vista a composição racial da população pelos pensadores do século XIX - um
espetáculo das raças.
13
Espécie de laboratório humano vivo, o Brasil parecia representar, nesse sentido, um
caso único de extremada miscigenação, ou mesmo o local apropriado para as
pesquisas que indagavam sobre as potencialidades específicas de cada uma das raças.
(Lília Schwarcz, 1995:177)
Caracterizando o Brasil como palco de inferno racial, condenado ao malogro e sem
nenhuma esperança de salvação, o Conde de Gobineau defendia a afirmação da diferença e a
positividade da pureza racial. Para DaMatta (1981), o olhar racialista do Conde de Gobineau
16
tinha a idéia de inferioridade do mestiço como produto da junção das características negativas
de cada raça - cada um tinha suas qualidades, mesmo que situadas em escalas de atraso e
progresso.
Diante de uma realidade física de mulatos, cafusos e mamelucos, diante de uma
sociedade altamente variada em termos de cor, Gobineau não teve outra alternativa
senão expressar seu pessimismo diante do futuro do país que, pelas suas teorias,
aqui o branco estava perdendo suas qualidades para o índio e, sobretudo, para a
‘raça negra. (DaMatta, 1981:73)
Sobre Gobineau, também Lèvi-Strauss (1980) afirmou que para ele as origens raciais
são fatores determinantes do destino dos homens - sua visão racialista concebia as
desigualdades entre as raças humanas de modo qualitativo e não quantitativo; isto é, as
qualidades intrínsecas de cada raça se perderiam através da mestiçagem. Assim, a degeneração
estava mais ligada à mestiçagem que à posição de cada raça numa escala de valores comum.
[..] para ele, as grandes raças primitivas que formavam a humanidade nos seus
primórdios - branca, amarela, negra - o eram desiguais em valor absoluto, mas
também diversas nas suas aptidões particulares... (Lèvi-Strauss, 1980:47).
Baseados no positivismo de Comte, no darwinismo social e no evolucionismo de
Spencer os pensadores racialistas da segunda metade do século XIX entendiam a mistura das
16
Autores como Gobineau, Spencer, Agassiz, Le Bom etc., entendiam que os seres humanos se distribuíam
segundo escala hierárquica de desenvolvimento, sendo agrupados de acordo com suas características físicas em
subespécies do Homo sapiens; nesse tipo de crença as características morais são geneticamente construídas e
transmitidas pelo sangue. Os temas da mestiçagem e branqueamento da população ocuparam lugar de muitos
estudos na passagem do século XIX para o século XX; ver a propósito Skidmore, 1976 [1974] e Schwarcz, 1995.
14
raças como uma degeneração da sociedade; ou seja, para eles um povo miscigenado seria
incapaz de promover o desenvolvimento social.
Nina Rodrigues é considerado um dos autores brasileiros mais representativo do
racialismo científico, no período de transição entre o término do sistema escravista e início da
República. Com uma linguagem paramédica (DaMatta 1987:6) seguia a tradição darwinista ao
perceber as relações raciais como um processo de competição em que a raça superior (a
branca) sairia vitoriosa, o que permitiria o comando das demais (Schwarcz, 1995 e Correa,
1998). Sua percepção racializada da composição da população influenciou os estudos de áreas
como a medicina legal, a medicina social, a criminologia e a cultura negra (Chor Maio, 1997;
Correa, 1998; Silva Jr., 1998).
Para Nina Rodrigues (1894) o Brasil era uma sociedade que convivia com espécies de
seres humanos em diferentes níveis de desenvolvimento, mas tal convívio num mesmo
ambiente social não queria dizer que todos fossem iguais; ao contrário, a condição sine qua
non para a manutenção da vida social era considerar a natureza biológica dos indivíduos, bem
como evitar o cruzamento de espécies distintas resultado desfavorável na hierarquia
zoológica.
O cruzamento acaba sempre por dar nascimento a produtos evidentemente anormais,
impróprios para a reprodução e representando na esterilidade de que são feridos,
estreitas analogias com a esterilidade terminal da degeneração psíquica. [...] O
cruzamento das raças não dão híbridos. [...] Os fatos demonstram que se ainda não
está provada a hibridez física, certos cruzamentos dão origem em todo caso a
produtos Moraes e sociais, evidentemente inviáveis e certamente híbridos. (Nina
Rodrigues, 1894:132)
A idéia de inferioridade mental dos negros levou Nina Rodrigues a se opor ao
estabelecimento de um Código Penal único que desconsiderasse o pertencimento racial dos
grupos sociais. Dialogando com os teóricos universalistas
17
, o autor critica a capacidade de
discernimento baseada no livre arbítrio dos indivíduos.
17
Nina Rodrigues critica a escola clássica que pressupõe a igualdade jurídica para todos os indivíduos sendo
estes julgados e penalizados sob um código penal único. Esta escola, baseada nos princípios da psicologia
moderna, argumentava que há uma subordinação das determinações individuais, pautada no livre arbítrio, a
conexões psíquicas anteriores para a constituição de atos criminosos. Nina Rodrigues pertencia a escola
positivista que, ao contrário, pressupõe que atos criminosos independem da vontade das pessoas; era necessário
levar em consideração diversos fatores para compreender a psicologia criminal dos indivíduos, fatores estes que
são confirmados através da Biologia.
15
[...] A evolução mental pressupõe nas diversas fases do desenvolvimento de uma raça,
uma capacidade cultural muito diferente, embora de perfectibilidade crescente, mas
ainda afirma a impossibilidade de suprimir a intervenção do tempo nas suas
adaptações e a impossibilidade, portanto, de impor-se, de momento, a um povo, uma
civilização incompatível com o grau do seu desenvolvimento intelectual. Nina
Rodrigues (1894:31)
A visão racializada da sociedade demonstra que o autor acreditava que negros tinham
valores, normas e éticas morais inferiores aos brancos que ocupavam o nível mais alto da
escala de desenvolvimento; por isso, defendeu o estabelecimento de leis criminais
diferenciadas de acordo com o pertencimento racial.
Ao analisar o interesse dos estudiosos sobre a presença negra no Brasil, Costa Pinto
(1998:58-59) observa que:
A maioria dos estudos sobre o negro no Brasil reflete o modo como o branco social
ou sociologicamente branco, não necessariamente branco do ponto de vista étnico
da posição social dirigente que sempre ocupou, encara um grupo estranho.
O autor acreditava que tal forma de pensamento estava de acordo com a característica
histórica fundamental de contato marcada pelas distâncias sociais do sistema escravista -
entre esses dois grupos étnicos, ou seja, o negro como propriedade privada do branco. Para
Costa Pinto, Nina Rodrigues começou uma fase de curiosidade intelectual sobre o negro.
[...] houve, primeiramente o medo natural que tem o opressor de que o oprimido se
rebele contra ele. Depois veio a piedade, piedade que se esparramou sobre o
problema sem produzir, entretanto, maiores efeitos, até que o interesse em tornar livre
o trabalho do escravo coroou o interesse humanitário pela miséria do negro e
conseguiu sua libertação legal. Seguiu-se, então, a fase da curiosidade intelectual e as
primeiras tentativas de análise séria do problema. Nina Rodrigues, trabalhador
infatigável e honesto, mas submisso, como não podia deixar de ser, a todos os erros e
limitações da medicina legal, da psiquiatria e da antropologia selecionista de seu
tempo, marca o começo desta fase e, com sua obra, preenche quase sozinho esse
começo. Costa Pinto (1998:59)
DaMatta demonstrou em como a adoção e permanência do “racismo” como ideologia e
tema de reflexões científicas estão ligados a fatores relacionados à formação social, cultural e
histórica do Brasil.
16
Nelas, obviamente, nosso futuro surgia como altamente duvidoso, já que a sociedade
brasileira se caracterizava por se constituir numa arena de conjunções raciais entre
negros, brancos e índios, uniões que eram totalmente condenadas. (DaMatta
18
,
1981:70)
Dessa forma, as concepções racistas descritas pelos pensadores em fins do século XIX
e início do XX relacionam-se ao projeto de nação; ou seja, as origens eruditas do racismo
brasileiro demonstram uma preocupação com o futuro do país cuja mistura de raças colocava
dúvida.
A celebração do mestiço e a democracia racial
Na década de 1930, a publicação de Casa Grande & Senzala por Gilberto Freyre, mais
do que marcar o fim das teorias do racismo científico, legado dos pensadores da segunda
metade do século XIX, estabeleceu-se enquanto referência teórica não somente no pensamento
social brasileiro como também na idéia de identidade nacional compartilhada por toda a
sociedade.
Embora discípulo da escola de Recife
19
, Freyre tomou a idéia da mestiçagem como
mecanismo de diluição das diferentes qualidades dos grupos raciais e introduziu caráter
inovador à teoria de Silvio Romero que supunha o desaparecimento dos grupos raciais tidos
como inferiores a partir do processo de mestiçagem com o passar do tempo. Freyre, ao
contrário, considerava que no lugar de prevalecerem as características raciais dos europeus
sobre os demais grupos raciais, a mestiçagem levaria a reunião das melhores qualidades dos
descendentes de africanos, de europeus e dos indígenas no país.
O contexto em que Freyre lança sua nova interpretação sobre a mestiçagem se insere
num período de transição do sistema econômico brasileiro que com o desenvolver da
industrialização e urbanização levava as elites a se preocuparem com o futuro da nova nação.
18 O autor preocupou-se em demonstrar como a adoção e permanência do “racismo” como ideologia e tema de
reflexões científicas estão ligados a fatores relacionados à formação social, cultural e histórica do Brasil.
19
Fundada por Silvio Romero que acreditava na extinção progressiva de indígenas e negros através da
mestiçagem, ao considerar brancos grupo racial preponderante em relação a negros e indígenas; logo, os últimos
incorporariam as melhores qualidades do grupos racial superior.
17
Assim, a formação da identidade nacional brasileira tinha papel estratégico na construção de
um ambiente ideológico e cultural propício ao desenvolvimento econômico e institucional do
Brasil. (Paixão, 2006:63)
Rompendo radicalmente com a tradição da escola antropológica de Nina Rodrigues,
Freyre transforma a negatividade da mistura racial em positividade. Preocupado com a
unidade nacional, o autor encontra no mestiço a solução para os problemas de ordem biológica
e social do país; ou seja, baseada na negação do pluralismo étnico a mistura das raças foi a
saída encontrada para resolver o problema de democratização das sociedades. Segundo ele, a
miscigenação:
[...] é de importância tremenda para as relações entre luso-descendentes, para o
avigoramento de uma ‘consciência de espécie’ transnacional ou supranacional entre
eles. Porque é mais do que transnacional: é supranacional. E em vez de basear-se
numa suposta pureza étnica, como a inventada para certas uniões transnacionais ou
supranacionais da nossa época, baseia-se num acontecimento social ou cultural que é
a negação do pluralismo étnico. (Freyre, 1940:49)
Assim, foi em contraposição ao modelo anglo-saxão de colonização que Freyre
encontrou na miscigenação uma estratégia de dominação criativa utilizada pelos portugueses
na colonização do Brasil.
O português foi por toda a parte, mas sobretudo no Brasil, esplendidamente criador
nos seus esforços de colonização. A glória de seu sangue não foi tanto a de guerreiro
imperial que conquistasse e subjugasse bárbaros para os dominar e os explorar do
alto. Foi principalmente a de procriador europeu nos trópicos. Dominou as
populações nativas, misturando-se com elas e amando com gosto as mulheres de cor.
(Freyre, 1940:43)
Para Freyre, embora o tipo de sociedade colonial que os portugueses fundaram na
América se baseasse na escravidão negra, sua pré-disposição para o contato com os povos de
cor, estimulada pela escassez de mulher branca, foi:
[...] no Brasil uma força de atuação social e psicológica mais larga e mais profunda
que a escravidão. Não permitiu nunca que se endurecesse em antagonismos absolutos
aquela separação dos homens em senhores e escravos, imposta pelo sistema de
18
produção. Nem que se desenvolvesse exageradamente uma mística de branquidade ou
de fidalguia. (Freyre, 1940:44)
Ao mesmo tempo em que a leitura da obra freyriana aparenta uma visão benigna da
escravidão em que senhoras e senhores de escravos confraternizavam da vida social, também
demonstra as mazelas praticadas nesse período (Benzaquen de Araújo (1994), apud Paixão,
2006). Freyre atribui uma característica plástica ao passado colonial português
20
para explicar
o que propiciou zonas de intimidade nas relações raciais hierárquicas no sistema escravista;
para esse autor, isso foi o que amenizou os distanciamentos sociais de classe e de raça no
Brasil. Ou seja, para o autor a capacidade que o português colonizador tinha de se misturar
com outras raças, bem como de se adaptar a diferentes ambientes sociais constituiu a
característica fundamental para a redução das distancias sociais entre negros e brancos no
Brasil.
Dessa forma, os antagonismos impostos pelo sistema de produção que separavam
radicalmente senhores de escravos eram, então, amenizados pela miscigenação e abriam a
oportunidade de ascensão social ao negro e ao indígena. Para Paixão (2006) na democracia
racial de Freyre os relacionamentos amistosos entre indivíduos de marcas diferentes eram
possíveis apenas no plano normativo, na medida em que um dos pólos da relação precisava
aceitar a posição de inferioridade.
A preocupação de Freyre com a dimensão social da democracia o levou a caracterizar
o modelo luso-tropicalista como uma experiência alternativa ao modelo anglo-saxão de
colonização, o que permitia uma via própria de modernização da vida social.
A diferença nos modelos de colonização seria, então, o que caracteriza o padrão de
relações raciais nos dois tipos societários: com discriminação de jure e de facto. O dilema do
modelo de democracia social dos EUA se coloca pela igualdade jurídica, livre iniciativa e
mobilidade social; entretanto, o país mantinha negros e indígenas, independentemente de seus
méritos e qualidades, vivendo à parte. Segundo Freyre, o problema da sociedade brasileira
resulta dos males causados pela economia latifundiária, pela estrutura escravocrata e
patriarcal, fenômenos dissociados da mestiçagem que, ao contrário, funcionou como
dissolvente oportuno às mobilidades verticais e horizontais. Com relação a aquele tipo de
20
A tese de que o caráter humano da colonização portuguesa foi comum a outras áreas por onde os portugueses
se deslocaram.
19
sociedade Freyre sugere que o modelo de democracia racial brasileiro constitui uma vantagem
por ser favorável ao processo de mobilidade social dos mestiços.
O mito das três raças
Em consideração à composição racial do povo brasileiro, DaMatta (1981:63) afirmou
que a visão freyriana serviu simultaneamente como ideologia dominadora e de conformação
das massas.
[...] essa triangulação étnica, pela qual se arma geometricamente a fábula das três
raças, tornou-se uma ideologia dominante, abrangente, capaz de permear a visão do
povo, dos intelectuais, dos políticos e dos acadêmicos de esquerda e de direita, uns e
outros gritando pela mestiçagem e se utilizando do “branco”, do “negro” e do
“índio” como unidades básicas através das quais se realiza a exploração ou a
redenção das massas.
DaMatta caracteriza o drama social e político brasileiro através da Fábula das Três
Raças - uma triangulação étnica que tem se mantido nas representações raciais dos agentes
sociais, dado equilíbrio simultâneo que estabelece a relação ambígua posta entre hierarquia e
igualdade.
[...] a fábula das três raças se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil,
permitindo pensar o país, integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua
cultura. Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante: um
sistema totalizado de idéias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da
cultura. (DaMatta, 1981:69)
Segundo o autor, por não ter sido um fenômeno regional tal como nos Estados Unidos
a escravidão atribui caráter especial à forma como se dão as relações raciais no Brasil. No pós-
abolição, a ideologia das três raças serviu para justificar as diferenças internas na nova
sociedade que estava se formando.
[...] a escravidão estava contida num sistema político antiindividualista e
antiigualitário; um sistema totalizante e abrangente, dominado por uma modalidade
muito bem articulada e antiga de formalismo jurídico legado da colonização
portuguesa. (DaMatta, 1981:74)
20
Nesse sentido, DaMatta atribui à força ideológica que o racismo tomou nas práticas
cotidianas a explicação para a inexistência de um sistema jurídico de separação racial. A teoria
da mestiçagem passou a operar, então, com tamanho poder simbólico no imaginário social
acerca da identidade nacional que levou os diferentes grupos raciais a negar a existência de
discriminação racial. Fernandes (1978) ressaltou que a validação desse sistema está na
capacidade de os agentes sociais acreditarem na distribuição hierárquica que as duas raças
ocupam na estrutura social; ou seja, o poder ideológico da democracia racial é agente
garantidor da ausência de confrontos raciais tais como ocorrem nos países cujos grupos raciais
são segregados por lei.
Pesquisadores contemporâneos chamam atenção para a proposta ideológica da
miscigenação afirmando que a miscigenação era encarada pragmaticamente. A mistura racial
era vista como um amortecedor de conflitos sociais e aqui a comparação com os Estados
Unidos é uma constante e constituía elemento crucial do projeto nacional de
branqueamento. É via miscigenação e imigração européia que se encaminha a solução para o
problema posto pela presença do negro, antecipando-se sua gradual desaparição. (Valle e
Silva; Hasenbalg & Barcelos, 1992:69)
No Brasil moderno, Gilberto Freyre é apontado como o fundador da ideologia da
democracia racial
21
cuja idéia remonta a uma sociedade idealizada que valoriza a mistura entre
os diferentes grupos raciais e onde a discriminação e o preconceito racial não são fatores
preponderantes na determinação dos destinos dos indivíduos.
A realidade racial inusitada: a descoberta do projeto UNESCO
Essa visão harmoniosa do país em matéria racial levou à escolha do Brasil para a
realização do Projeto UNESCO
22
, cujo objetivo era a realização de estudos para compreender
21 Antônio Sérgio Guimarães (2002:139) investigou a origem da expressão “democracia racial” e verificou que
sua filiação não pode ser atribuída totalmente a Freyre; foi Charles Wagley o primeiro a usar o termo, além do
que “era já uma idéia bastante difundida no mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, bem antes
do nascimento da sociologia” .
22 A UNESCO foi criada pela ONU logo após o Holocausto com a preocupação sobre as tensões raciais e as
dificuldades socioeconômicas nos países subdesenvolvidos. Naquela conjuntura mundial, o Brasil era visto nas
representações internacionais, principalmente entre sociedades de segregação racial declarada como os Estados
21
o modo pelo qual a convivência entre as raças se dava de forma democrática a fim de servir
como modelo aos países marcados pelo ódio e segregação racial. Nesse sentido, o Brasil era
visto como um laboratório de civilização (Maio, 1999).
No início da década de 1950 foram realizadas pesquisas em áreas tradicionais do
nordeste e também em áreas modernas do sudeste brasileiro com o objetivo de se ter um
amplo quadro das relações raciais no país. Os resultados dessas pesquisas não foram
uniformes, assim como, as interpretações acerca das imagens públicas das relações raciais não
foram convergentes. No lugar de relações harmônicas entre os grupos raciais, os estudos
realizados pelo Projeto UNESCO revelaram uma sociedade desigual - um conjunto de dados
que sistematizaram o preconceito e a discriminação racial no país.
Antes do Projeto UNESCO as pesquisas antropológicas sobre o negro eram voltadas
para os cultos afro-brasileiros dando-se ênfase ao padrão exótico da cultura africana. Foi a
partir do Projeto UNESCO que se iniciaram as pesquisas que enfatizam o aspecto sociológico
das interações entre os grupos raciais no Brasil. Para Costa Pinto (1998:58), os estudos sobre o
negro no Brasil se limitaram a encarar o negro como um “espetáculo”; isto é, interessava
observar a assimilação do africano ao Novo Mundo de modo que somente as áreas como
religião, língua, culinária, vestuário e música eram abordados. O negro era diferente do branco
e são suas matrizes africanas e sua condição de escravo que ocupam lugar central no interesse
dos pesquisadores da época.
Os estudos de etnografia, antropologia e história social do negro, impregnados dessa
atitude mental, tiveram grande voga em certa época, precisamente porque era a
atitude mental predominante na sociedade na qual e para a qual eles eram feitos. E foi
por esta via que o assunto entrou para o rol dos temas mais explorados pela música,
pelo folclore, pela literatura de ficção e de ensaio, pelas artes plásticas, pela poesia
no Brasil: o negro, como tema entrou a galope no carnê da inteligência nacional.
(Costa Pinto, 1998:60)
Unidos e a África do Sul, como o lugar de convivência harmoniosa entre as raças. Para maiores detalhes sobre o
Projeto UNESCO ver Maio (1999).
22
O autor define de Fase Afro-brasileira (final do século XIX até os anos 1940) a ênfase
dada a africanidade do negro, não assumindo sua condição de igualdade com os brancos e
distanciando-o de sua realidade concreta.
O negro africano, escravo, trabalhador agrícola ou lúmpen – místico e musical,
ignorante, servil e malandro, cômico e exótico, preso ao branco por laços de
dependência imediata e pessoal, dele remotamente afastado por distancias sociais,
físicas e econômicas e parecendo tão ‘misterioso’ em conseqüência das distâncias
culturais que os separavam”. (Costa Pinto, 1998:61)
As posições sociais eram definidas no sistema de escravidão, o que dispensava a
discriminação - a questão racial emerge a partir das transformações históricas trazidas pela
industrialização quando o preconceito e a discriminação atuam no sentido de reconduzir o
negro ao seu lugar; ou seja, é justamente a ascensão social do negro o principal fator da
discriminação de que ele sofre. O problema da estratificação social está no cerne da situação
racial brasileira; é onde se evidencia que:
[...] estratificação de raça e estratificação de classe não sejam duas realidades
independentes, mas apenas dois ângulos pelos quais pode ser observada a
configuração única e total das relações de classe e raça no Brasil. (Costa Pinto,
1998:87)
Assim, o método que levava a compreensão da dimensão da discriminação racial como
barreira para a mobilidade dos negros no Brasil somente se através da verificação em cada
ramo de atividade econômica para a posição de empregado e de empregador distribuída nos
diferentes grupos étnicos. Tal verificação revelaria as falsas opiniões sobre o verdadeiro
estado da situação racial no Brasil, que para o autor está na manutenção da diferença
hierárquica na estrutura de classes; ou seja, no sistema capitalista a maior distância percorrida
que negros atingiram foi a de escravos a proletários enquanto que os brancos passaram de
senhor a patrão
23
.
Dessa forma, não considerar a posição social que os grupos étnicos ocupam na
estrutura de emprego levava a idéia de que no Brasil, de fato, não existia discriminação:
23 Ao aplicar o método àquela época Costa Pinto (op cit, cap. 2) verificou que entre os empregadores, para todos
os ramos de atividades, a quota de brancos é predominante; para os negros a quota de empregadores não chega a
3% e, para os pardos, o máximo encontrado é de 2,1%. Entre os pretos em nenhum ramo de atividade econômica
a quota de empregados é inferior a 70%.
23
[...] a falta desses elementos informativos, ou falta de desejo de interpretá-los
cientificamente, tem sido, em nossa opinião, o principal fator responsável pela larga
circulação que tiveram, em certa época, no Brasil e no exterior, falsas e apressadas
opiniões sobre o estado verdadeiro da situação racial neste País. (Costa Pinto,
1998:99)
O autor utiliza o conceito de criptomelanismo
24
para explicar a não consideração das
tensões raciais no Brasil, que se traduzem na afirmação da nação e na negação do preconceito
racial.
[...] a mais bem definida e caracterizada racionalização da tensão racial no Brasil é a
velha e repetida afirmação mil vezes desmentida pelos fatos, mil vezes repetida pelos
homens, tanto negros quanto brancos mais estes do que aqueles segundo a qual
‘no Brasil não existe preconceito racial’, que já correu o mundo inteiro e que, por isso
mesmo, faz parte do nosso orgulho nacional. Dizer-se-ia quase ser esta a forma
mais difundida de o criptomelanismo brasileiro se manifestar, repetindo-a como um
dogma atrás do qual se esconde o ressentimento e o mal-estar gerado pela tensão
racial. (Costa Pinto, 1998:282)
Conforme visto anteriormente, DaMatta (1981) segue a mesma linha de raciocínio em
que a ritualização cotidiana do mito da democracia racial dissimula a existência de conflito
entre as raças, de modo que os agentes sociais têm dificuldade em identificá-las
25
.
Sobre a importância dos três elementos raciais na formação da identidade brasileira,
DaMatta distinguiu claramente entre a presença empírica do branco, do negro e do indígena na
sociedade e sua utilização como recurso ideológico na construção da identidade social do país.
O caráter racial brasileiro, dessa forma, é profundamente hierarquizado. No período que segue
a abolição da escravatura foi ressaltada uma hierarquia entre culturas para dar um lugar para
cada coisa e ter uma coisa para cada lugar uma sociedade em que se dá a hierarquia e a
igualdade de maneira simultânea.
24 A expressão, utilizada por PINTO, é de Renzo Sereno: “o medo de confessar e o desejo de esconder a
importância que realmente se dá à questão da raça e da cor”
25
Recentemente Souza (1997) estudou a tolerância dos preconceitos num grupo de estudo com diferentes classes
sociais e observou que preconceitos contra a mulher, o homossexual, o pobre ou o nordestino são admitidos tanto
pelas classes populares quanto médias, no entanto, o racismo é o único recusado amplamente por todas as classes.
24
Nesse sistema, não necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e o negro,
porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante.
(DaMatta, 1981:75)
Singularidade do racismo brasileiro
A ausência de segregação, freqüentemente, serve como base de fundamentação para a
negação da existência de racismo no Brasil; assim, a situação racial brasileira tem tido como
contraponto - não somente para alguns intelectuais como também se evidencia nas
representações do senso comum - as sociedades norte-americana e sul-africana marcadas pela
segregação racial.
O que se tem evidenciado acerca da caracterização do racismo nos dois tipos de
sociedades (com e sem segregação) diz respeito a qualificação do racismo, não ao impacto de
sua intensidade. Costa Pinto (1998:283) afirma que as diferenças encontradas na situação dos
dois países são, antes de tudo, de grau, não de espécie; sobre a dicotomia das relações
raciais entre Brasil e Estados Unidos, Nogueira distinguiu dois tipos de preconceito racial:
Considera-se como preconceito racial uma predisposição (ou atitude) desfavorável,
culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se
têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da
ascendência étnica que lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se
exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas
manifestações os traços, físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se
que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo
étnico para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem.
(Nogueira, 1998:78-79)
Os conceitos “preconceito racial de marca” e “preconceito racial de origem”
sintetizam a diferença na operacionalização das relações raciais entre Brasil e Estados Unidos.
A especificidade do preconceito racial brasileiro está na marca/cor que constitui fator sine qua
non para o impedimento da ascensão social dos negros, e, facilitador para a integração e
ascensão do imigrante europeu.
Em conseqüência, cada conquista do negro ou do mulato que logra vencer econômica,
profissional ou intelectualmente tende a ser absorvida, em uma ou duas gerações, pelo
25
grupo branco, através do branqueamento progressivo e da progressiva incorporação
dos descendentes a esse grupo [...] (Nogueira, 1998:238)
Crítica ao modelo assimilacionista de relações raciais
Segundo Paixão (2005:289), a opção pelo modelo assimilacionista cuja idéia
caracteriza a integração dos diferentes grupos raciais se contrapõe aos países marcados pelo
racismo jurídico, de caráter segregador, responde pelos indicadores negativos que revelam as
desvantagens de que sofrem a população negra no Brasil ao longo do tempo. Utilizando o
conceito de antropofagia (ritual de devoração de seres humanos) como chave de leitura, o
autor toma o racismo na perspectiva dos direitos humanos para problematizar a relação entre o
padrão brasileiro de relações raciais e a ausência de políticas públicas para os afros-
descendentes.
Segundo o autor (2005:314), os pesquisadores da antropofagia incorporadora
supunham o desaparecimento paulatino do negro através da mestiçagem; por esse motivo não
foi por acaso que as elites brasileiras escolheram o modelo assimilacionista de relações
raciais; ao contrário, tal opção correspondeu a necessidade história de um projeto de
dominação que permitiu o controle (forma de contenção racial) que perdura até os dias atuais.
É o modelo assimilacionista (sem formas de segregação explicitas) que faz com que a dureza e
crueldade da violência racial não sejam assumidas pela sociedade que, ao contrário, toma para
si o mito da democracia racial como identidade nacional.
A regra de etiqueta social adotada no pós-abolição fez com que a sociedade
incorporasse como mito de formação a idéia de viver numa democracia racial. Assim, a idéia
de que somos mais tolerantes às diferenças raciais: a) inibe a ão e organização política com
base no pertencimento racial e, b) coloca a resolução de conflitos raciais no plano doméstico e
pessoal, não como questão de ordem pública. Para o autor, a opção pelo modelo
assimilacionista de relações raciais está relacionada a permanência contínua do nexo entre
desigualdades raciais e desigualdades sociais na agenda dos debates no Brasil.
26
O autor alerta para as conseqüências sociais que isso acarreta para a população negra,
uma vez que inviabiliza a formulação de políticas públicas para a redução das desigualdades
raciais.
1.3 - Denúncia do racismo: a construção do debate sob a ótica do Movimento Negro
Brasileiro
Duas formas de atuação
Costa Pinto (1998:219) classificou o movimento associativo dos negros no Rio de
Janeiro em dois tipos distintos: as associações tradicionais e as associações de novo tipo. As
primeiras seriam as que expressavam o padrão tradicional de relações raciais no Brasil; as
segundas seriam aquelas resultantes das mudanças que vinham ocorrendo em que passaram do
status de escravo para inserirem-se na sociedade industrial competitiva. Entre as instituições
tradicionais figuravam as de caráter religioso (a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de
São Benedito dos Homens Pretos ou as religiões de origem africana – as ditas macumbas) e as
de atividades culturais; as instituições negras de novo tipo teriam surgido a partir dos anos
1930, e, tinham como objetivo dar novo direcionamento às relações entre negros e brancos no
país.
[As primeiras] são formas recreativas ou religiosas através das quais se assinala,
entre muitas outras formas, a contribuição do africano à estética, à música, à
coreografia, à mística, em suma, à cultura de folk brasileira. [As segundas] “nelas, na
sua estrutura, função e ideologia, o que se exprime não é a saga do africano na terra
estranha que para ele, era a nossa terra mas a história viva e contemporânea das
aspirações, das lutas, dos problemas, do sentir, do pensar, do agir de brasileiros,
social, cultural e nacionalmente brasileiros, etnicamente negros”. (Costa Pinto,
1998:231-32)
O processo de consolidação das reivindicações do movimento social negro pode ser
destacado pontuando linearmente alguns dos principais discursos que caracterizaram os
27
contornos do ativismo negro no Brasil. Uma breve exposição sobre as questões centrais
colocadas por duas organizações negras, nos anos 1930 e 1950, são apresentadas em
contraposição ao que configurará os novos discursos do movimento negro a partir de seu
ressurgimento, nos anos 1970, aos dias atuais.
A Frente Negra Brasileira (FNB) e o Teatro Experimental do Negro (TEN)
Em São Paulo, Fernandes (1978) viu no discurso da afirmação da diferença uma forma
de integração social e possibilidade estratégica de ocupação dos espaços privilegiados de
poder pelos “grupos de cor”. No início dos anos 1920, a Frente Negra Brasileira, dentre
outros, constituiu exemplo de forma associativa, e, de reivindicação na luta anti-racista dos
negros no Brasil.
[A FNB] “contribuiu para modificar os padrões de reação do negro aos mecanismos
existentes de ordenação social das relações raciais [...] construiu uma estratégia de
combate ao preconceito de cor’ que permitia lançar mão da violência disciplinada
sem maiores conflitos, convertendo o conflito em arma criadora, como instrumento de
integração racial”. (Fernandes, 1978)
A Frente Negra Brasileira foi um movimento social negro contemporâneo datado do
final da década de 1920 até o ano de 1937, sendo encerrado pela instauração do Estado Novo
por ter se constituído num partido político negro. Embora tenha sido um movimento com
origem em São Paulo, se expandiu pelo país atingindo uma grande massa de negros com
outras finalidades que não as de simples recreação: disciplinar e dirigir os negros, na
conquista das prerrogativas a que fazem jus na comunhão nacional (Lucrécio, 1989).
A instituição de uma organização negra desafiava o modelo de relações raciais
brasileiro que ressaltava a democracia racial no lugar de revelar a real situação do negro na
sociedade. Segundo Lucrécio Silva (1989), o sucesso da FNB foi possível existiam
anteriormente vários grupos da imprensa negra, como o Clarim da Alvorada, que prepararam
o ambiente para a aceitação de uma organização desse tipo.
28
O nascimento da FNB foi o resultado da consciência da nova geração negra do Brasil,
da observação e do estudo do ambiente nacional em relação aos problemas que
causavam não só à coletividade negra, como também à situação do Brasil.
Vista como o primeiro movimento social negro brasileiro de maior importância do
período contemporâneo, a FNB mobilizou um segmento da população com base na identidade
de origem (representada no sofrimento experimentado em função da cor) para reivindicar a
inclusão dos negros na sociedade brasileira - o que pode ser claramente observado em trechos
do Manifesto a Gente Negra
26
que fora redigido pela FNB para explicar os objetivos e
ideologias que sustentavam a envergadura da organização.
Santos, A. (Presidente Geral da FNB)
Unamo-nos, então, Patrícios! Unamo-nos, Associações Negras para sermos força
social, força moral, força econômica, FORÇA POLÍTICA, que possa ajudar os
Poderes Nacionais a serem nacionais e a resolver o nosso problema no que compete
a esfera deles e para virmos a ser nós mesmos também uma parcela do Poder Público
num sentido radicalmente nacionalista, defendendo todas as reivindicações que
favorecem ao Negro e ao Brasil [...]
Tomando o exemplo da FNB, vemos que as desigualdades entre negros e brancos não
eram apenas denunciadas desde o início do século XX como também se reivindicava a
inserção do negro em todas as esferas de poder da sociedade (política, social, religiosa,
econômica, operária, militar, diplomática etc.). Desafiando o modelo de relações raciais
vigente, constituído sob a crença do mito da democracia racial a afirmação da identidade negra
era, assim, fundamental para elevar a auto-estima desse segmento da população a fim de
superar o problema do racismo e das desigualdades raciais.
O negro brasileiro deve ter toda formação e toda aceitação, em tudo e em toda parte,
dadas as condições competentes (que devem ser favorecidas) físicas, técnicas,
intelectuais, morais, exigidas para a igualdade perante a lei”. [...] O Brasil precisa
absolutamente cessar de ter vergonha da sua raça aqui dentro e fora, na vida
internacional. (...) por isso, repetimos, nós devemos lutar por uma associação negra,
26
Citado por Fernandes (1978)
29
porém atenda-se bem! radicalmente brasileira e afirmadora da tradição, e a qual
se estenda para onde quer que exista o problema.
Podemos entender a FNB como inicialmente sendo uma organização de um segmento
da população discriminado e excluído que desejava integrar-se à vida social (branca). Em
depoimento, Aristides Barbosa afirmou que “não se podia jogar futebol no time dos brancos” ,
como a razão não era explicitada, formaram, então, um time só de pretos.
A maioria dos frentenegristas tinha pouco grau de instrução, trabalhos subalternos ou
muitos eram desempregados. A Frente foi um passo para a associação social que através de
suas atividades culturais motivou os integrantes a conquistar novos espaços sociais, gerando
dessa maneira mobilidade social. Uma das reivindicações da Frente ao Presidente Getúlio
Vargas, face ao desemprego que os atingia, principalmente à maioria dos homens negros, foi
exigir que negros fossem aceitos na guarda civil, o que possibilitou ascensão social para
muitos na época.
A Frente não vai contra a ordem social, política e econômica estabelecida. O que ela
pretende é a integração do negro, através da conquista das oportunidades e garantias
sociais legalmente consagradas pelo regime vigente. (Bacelar, 1996)
Embora a FNB tenha como principal fonte de êxito a sensibilização da população
negra, o projeto e o discurso das lideranças da época eram essencialmente assimilacionistas
(Hasenbalg & Valle e Silva, 1999:44-45). Segundo Hasenbalg & Valle e Silva os discursos
das lideranças negras dessa organização atribuía responsabilidade sobre a situação de exclusão
social da população negra aos brancos devida à escravidão, também pelo abandono dos ex-
escravos à própria sorte no s-abolição, e, pelo preconceito racial; no entanto, parcializavam
tal responsabilidade à própria população negra, mergulhada em um estado de marasmo moral.
Conforme apontou Santos (2005:32), ao longo do período republicano diversos tipos
de organizações
27
negras tiveram como objetivo a transformação do padrão de relações raciais
27
O autor destaca como exemplos mais significativos de protestos negros organizados durante o século XX a
Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, a União dos Homens de Cor, o Centro Libertário dos
Homens de Cor, o Clube 15 de Novembro, Centro Cívico Palmares, o Movimento Negro Unificado Contra a
Discriminação Racial, congressos e encontros de negros realizados em todo o país, a constituição de uma
imprensa negra (jornais Clarin d´ Alvorada, A Voz da Raça etc).
30
no país
28
com práticas moderadas ou radicais e assimilacionistas ou subversivas. Pode-se dizer
que o questionamento da igualdade de fato entre negros e brancos, bem como a denúncia do
preconceito racial no pós-abolição constituem as questões centrais nas reivindicações e
práticas organizativas de protesto negro no cenário que segue os primeiros anos da república.
A partir da década de 1950, Abdias Nascimento se torna um dos principais intelectuais
negros a criticar a hegemonia racial dominante e a falta de políticas sociais para igualar as
condições econômicas, políticas e sociais da população negra no período pós-abolição.
[...] estou entre os que afirmam que tivemos uma abolição de fachada: jurídica,
teórica, abstrata. Reiteradamente tenho dito e mais uma vez repito: os poderes
públicos atiraram os ex-escravos à extinção pela fome, a doença, o desemprego, a
miséria mais completa. (Nascimento, 1968:3)
As sociedades cujas relações raciais se expressão através de segregação e ódio racial
declarados constituem, para Nascimento, um paradoxo vantajoso se comparado às formas
táticas do racismo à brasileira.
Muito fácil é lutar contra a usurpação manifesta. [...] quais são as forças que barram
nosso progresso? Serão inimigos declarados ou adversários rancorosos? Não.
Aparentemente, o. Entre nós o racismo figura um camaleão, muda constantemente
de tática e de estratégia. Tanto toma a forma do paternalismo, da cordialidade, da
benevolência, da boa vontade, como se denomina mestiçagem, aculturação,
assimilação [...] (Nascimento, 1968:4)
As organizações negras tinham, segundo o autor, a tarefa única da denúncia da
discriminação e do preconceito disfarçados. A mudança de status para condições de vida
superiores era considerada, por Nascimento, ao lado de outras forças revolucionárias, mudança
qualitativa (econômica e social) para toda a sociedade brasileira, não somente para a gente
negra.
28 Fernandes (1978) destacou as seguintes associações negras no período de 1927 a 1945: Associação José do
Patrocínio, Associação dos Negros Brasileiros, Centro Cívico beneficente Senhoras mães pretas, Centro Cívico
Palmares, Clube Negro de Cultura Social, Federação dos Homens de Cor, Frente Negra Brasileira, Frente Negra
Socialista, Grêmio Recreativo e Cultural, Grêmio Recreativo Kosmos, Legião Negra Brasileira, Movimento afro-
brasileiro de educação e cultura, Organização de Cultura e Beneficência Jabaquara, Sociedade Beneficente 13 de
maio, União Preta Brasileira, Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Associação Cultural do
Negro, Bandeira Cultural Negra Brasileira, Casa da Cultura Afro-Brasileira.
31
Abdias do Nascimento foi o principal líder do Teatro Experimental do Negro
29
.
Fundado no Rio de Janeiro em 1944, o TEN tinha como integrantes profissionais liberais,
artistas e ativistas negros com o objetivo de formar um grupo teatral somente por negros onde
se valorizasse a beleza negra e a cultura afro-brasileira além de promover econômico, político
e socialmente os negros brasileiros. Segundo Tavares (1998) os objetivos do TEN iam além da
formação de um grupo de teatro.
O TEN promoveu uma série de encontros com repercussão nacional, visando a
discutir por meio deles, a real situação do negro. Além da mencionada Convenção
Nacional do Negro Brasileiro (1949) , o I Congresso do Negro Brasileiro (1950) e a
Semana de Estudos sobre o Negro (1955). O fim da sujeição à condição de objeto
tornou-se a tônica dos calorosos debates ocorridos no interior de uma elite negra em
conformação.
Apesar de ter sido fundado com o objetivo primário de ser um grupo teatral o TEN
estava preocupado com a situação social em que os negros viviam; desenvolviam outras
atividades na área política e cultural utilizando o teatro como forma estratégica de sensibilizar
o público negro e branco para os problemas sociais, políticos e existenciais que se colocavam
a população negra em conseqüência do racismo.
O Teatro Experimental do Negro não é apesar do nome uma entidade apenas com fins
artísticos (...), inspirou-se na necessidade de uma organização social para pessoas de
cor, tendo em mente a elevação de seu nível cultural e seus valores individuais. [...]
Quer no plano artístico, quer no campo social, o TEN vem procurando restaurar,
valorizar e exaltar a contribuição dos africanos à formação brasileira.
O acesso dos negros a educação se colocava como um problema naquela época, no
sentido de estar atento à formação e conscientização visando à mudança das mentalidades,
tanto de brancos como de negros; daí que além do uso do teatro como instrumento de
denúncia, o TEN também fundou o jornal O Quilombo” e lançou campanhas de alfabetização
levando informação à grande massa.
29 Para Costa Pinto, associação verdadeiramente brasileira que buscava a mudança do status quo ao denunciar a
exclusão social a que os negros eram submetidos
32
Para Muller (1998), o sentido educador das atividades do TEN para os negros visava
despertar nos negros a consciência de seu valor-próprio, de sua cultura particular; inculcar-lhe
uma dignidade perdida, reabilitá-lo ante a si mesmo; ao passo que nos brancos tinha como
preocupação fazer com que assumissem sua responsabilidade na produção e reprodução do
racismo.
Chamando a atenção da sociedade para a real situação de desigualdade a que era
submetida à população negra, o TEN promoveu uma série de encontros de repercussão
nacional: a Convenção Nacional do Negro Brasileiro (1949), o I Congresso do Negro
Brasileiro (1950) e a Semana de Estudos sobre o Negro (1955). O fim da sujeição à condição
de objeto tornou-se a tônica de calorosos debates
30
ocorridos no interior de uma elite negra em
conformação (Tavares, 1998).
Assim, o TEN denunciava a ideologia racista da elite brasileira através da apresentação
de peças teatrais, dos debates em congressos de pesquisas e do jornal O Quilombo -
instrumentos de questionamento da consciência pública e das autoridades a fim de propor
medidas favoráveis para melhorar as condições de vida dos negros no Brasil.
Após longos anos de autoritarismo associado à proibição da afirmação de um
pluralismo étnico no cenário político, o movimento negro
31
ressurge na década de 1970 com
dois discursos principais: a denúncia do racismo e a reconstrução da identidade racial
(Hasenbalg & Valle e Silva, 1992).
O movimento negro visto de fora
Michael Hanchard (2001) analisou a atuação das organizações negras brasileiras no
período pós-45, particularmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A pergunta que o
autor se coloca é por que não houve um movimento social gerado por afro-brasileiros, na fase
posterior a Segunda Guerra Mundial, que correspondesse aos movimentos sociais dos Estados
30
O TEN também criou dois órgãos de extrema importância: o Instituto Nacional do Negro (INN) que serviria
como um instituto de estudos, onde se pesquisasse suas as questões relacionadas ao negro, e o Museu do Negro
que deveria servir de apoio ao Instituto Nacional do Negro com relação aos estudos por ele realizados.
31
Muitos autores trilharam o protagonismo da militância negra no Brasil, a exemplo: Hanchard, 2001; Santos,
2005; Neves, 2005.
33
Unidos, da África sub-saariana e do Caribe. Como resposta apresenta a tese da ideologia da
democracia racial (que constitui a hegemonia racial) como forma de neutralização da
identificação racial entre negros, o que, segundo ele, impossibilitou a mobilização das massas.
Para o autor, o que diferencia os afro-brasileiros de seus equivalentes norte-americanos
é a sua falta de consciência coletiva deles mesmos como grupo racial subalterno, graças ao
mito da democracia racial e às vicissitudes do capitalismo dependente. Assim, as diferentes
formas de atuação do movimento negro brasileiro tornaram-se incapazes de identificar padrões
de violência e de discriminação específicos da questão racial que levasse a intervenção do
governo através da implantação de políticas públicas de combate às desigualdades raciais.
Hanchard atribui às práticas culturalistas a preocupação com os levantamentos
genealógicos e com artefatos da cultura expressiva afro-brasileira – obstáculo fundamental que
afastou o movimento negro das mudanças de política contemporânea e o aproximou de um
protesto simbólico e de fetichização da cultura afro-brasileira. A construção da identidade
positiva do negro brasileiro se dava através do reconhecimento de um passado africano, que
para o autor, se constituía num caminho impossível de ser apreendido; isso se colocava como
o problema fundamental do movimento negro que, ao olhar para trás, para uma África unitária
e monolítica como base da identidade, ideologia e ações coletivas, tenta capturar e conhecer o
passado.
O autor destaca a ação política da Frente Negra Brasileira como um dos poucos
veículos de expressão política da população negra, e, o Teatro Experimental do Negro como
uma instituição de transição entre as ideologias do embranquecimento e da negritude;
entretanto, para ele as interpretações produzidas sobre a questão racial por esses grupos não
teriam conseguido romper efetivamente com os parâmetros do pensamento racial dominante.
O Black Soul e o Movimento Negro Unificado (MNU) são dois exemplos de
atividade cultural e política, citados pelo autor, para anos setenta. Para Hanchard, embora
cada um tenha marcado época em termos da mobilização culturalista ou política, o MNU
fez um esforço organizacional no sentido de desenvolver uma política mais ampla de coalizão;
o Black Soul se configurou numa expressão de resistência e forma de lazer mercadologizado
que acabou sendo apropriado pela produção, circulação e consumo em massa.
Por outro lado, o autor diz constituir um erro olhar para a longa trajetória de práticas
de protesto negro com base culturalista como fracassos absolutos, pois tais práticas teriam
34
ajudado a gerar as modalidades de consciência racial que provieram da pastoral negra, do
Black Soul, dos feminismos afro-brasileiros e do MNU que revitalizaram rias esferas da
produção cultural afro-brasileira, introduzindo nela uma dimensão de cognição da raça que
antes tinha sido apagada.
A nova configuração da política racial brasileira
Recentemente, o debate sobre pluralidade, diversidade e diferenças culturais
juntamente com a necessidade de se garantir igualdade de representação nos diversos campos
sociais tem tomado conta da agenda dos grupos de movimento negro contemporâneos, bem
como de crescente número de pesquisadores sociais negros e brancos. Preocupações com o
respeito às diferenças e o combate aos preconceitos de raça, gênero, religião, contra idosos,
portadores de deficiências físicas e homossexuais têm evidenciado reflexões acerca do desafio
que as desigualdades sociais impõem à democracia brasileira ao excluir esses segmentos
relegando-os a uma posição marginal na sociedade
32
.
Tem sido uma das grandes preocupações do Movimento Negro elaborar formas de
organização solidárias que busquem parcerias e alianças tanto internamente ao movimento
como com outros movimentos
33
. Bento (1999) observou que no passado, alguns setores do
movimento negro para dar centralidade à questão racial na sociedade brasileira defendiam que
o racismo fosse tomado numa posição hegemônica de modo que suas bandeiras fossem
universais; segundo a autora, faz pouco tempo que a luta anti-racista vem assumindo um
caráter multidisciplinar a partir do diálogo com outros setores dos movimentos sociais, tais
como o movimento de mulheres, de gays e lésbicas, sindicatos etc.
Em parte, podemos entender esse caráter multidisciplinar como um dos fatores que
colocaram o problema das relações raciais na agenda de outras instituições não ligadas
32
A pauta de reivindicações dos movimentos sociais no Brasil no que tange ao problema das desigualdades
durante muito tempo foi altamente determinada pelos ideais marxistas cujo principal e único propósito de
mobilização era a luta de classes; não havia lugar para reivindicações de tipo particularistas. Para saber como o
tema das relações raciais desenvolveu-se no movimento sindical brasileiro, por exemplo, ver Santana, 1998.
33
Basta observar os programas de ação dos eventos e pautas de reivindicações realizadas pelo movimento negro
em torno da III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, realizada na África do Sul (2001).
35
exclusivamente ao combate da discriminação; entretanto, a autora mostra que a
institucionalização do racismo não significou, no entanto, que o tema se configurasse em
pautas centrais desses setores.
A pauta de reivindicações dos movimentos sociais no Brasil, no que tange ao problema
das desigualdades, durante muito tempo foi altamente influenciada pelas concepções marxistas
voltadas com o único propósito de mobilização por meio da luta de classes
34
; não havia lugar
para reivindicações de cunho particularistas. Para Nogueira, diretor do Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR), a ausência de debate sobre as desigualdades
raciais e contribuiu para a cristalização e reprodução do racismo nas organizações sindicais
que não levaram em consideração os aspectos de raça, desconsiderando o enorme contingente
de trabalhadores negros; assim, as correntes, grupos ou tendências organizadas no movimento
sindical (comunistas, trotskistas, anarquistas, socialistas) projetavam o mesmo olhar para os
trabalhadores brasileiros: homens brancos e europeus.
Com efeito, atuações políticas de militantes da luta anti-racista internacional
influenciaram nas formas de atuação das organizações negras a partir dos anos 1970 (Santos,
op cit, p. 122) afirma que:
Inspirados pelas lutas de libertação nacional dos países africanos de língua
portuguesa do final dos anos 60 e 70, pelo movimento dos direitos civis nos EUA estes
movimentos, grosso modo, entendiam que o Estado brasileiro era essencialmente
racista e regido por valores civilizatórios centrados no eurocentrismo.
Foi a partir da década de 1970 que o movimento negro brasileiro, ao contrário das
teorias esquerdistas tradicionais que preconizavam o racismo brasileiro como resultado das
diferenças socioeconômicas que seriam oriundas do sistema escravista, passou a defender a
idéia de que o responsável pelas atuais desigualdades econômicas entre negros e brancos no
país era o racismo (Neves, 2005; Gonçalves, 1998; Santos, 2005), mas ainda assim o debate
em torno das desigualdades raciais da relação entre pobreza e racismo permaneceu restrito
apenas a pequeno mero de pesquisadores da academia, ativistas dos movimentos negros;
somente ao longo dos anos 1990 que as reivindicações por políticas públicas efetivas de
34
Para saber como o tema das relações raciais desenvolveu-se no movimento sindical brasileiro, por exemplo, ver
Santana (1998), Bento (1999)
36
redução das desigualdades raciais que o movimento negro brasileiro, com destaque para as
estratégias de atuação das ONG´s com o estado
35
, põe em debate a postura do Estado diante do
problema (Santos, 2005)
36
.
Analisando as três últimas décadas, Bairros (2006) assinala que as mudanças na
política racial brasileira
37
são em como conseqüência do poder de intervenção do Movimento
Negro que se institucionalizou; ou seja, o problema do racismo transpassou as dimensões do
próprio Movimento negro. Para a autora isso se deve a falência do mito da democracia racial
como ideologia preponderante para explicar as relações entre brancos e negros no Brasil.
Afirmar a falência do mito da democracia racial, significa que hoje, no Brasil, não
existe mais uma narrativa hegemônica que consiga, com a mesma força da
formulação anterior ‘naturalizar’ tanto os privilégios de ser branco, como as
desvantagens de ser negro.
A autora chama atenção para a mudança no tratamento dado às questões raciais pelas
elites no jogo político atual: não mais consenso no debate político no que diz respeito à
forma de pensar as relações raciais, tanto pelas elites de direita como as de esquerda; segundo
Bairros, isso se estende às formas de tratamento do problema de combate ao racismo e às
desigualdades raciais. Por outro lado, a autora assinala que o surgimento do novo cenário
configura um desafio que busca assegurar a adoção de um outro modelo de relações raciais
que seja favorável para a população negra, sendo, pois capaz de incluir a discussão sobre a
definição do racismo e das estratégias de redução das desvantagens sociais atribuídas pela cor.
35
Sobre a dinâmica atual de pressão das ong’s pela construção de políticas públicas a fim da promoção da
igualdade racial, ver Santos (op cit, 2005)
36
Segundo Santos (op cit, 2005), uma série de transformações que culminaram com a institucionalização da luta
contra a discriminação racial coincide com o início do ciclo de conferências das Nações Unidas sobre direitos
humanos e sobre a mulher, no caso da luta anti-racista a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo que aconteceu
em 2001 na África do Sul.
37
Em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, ocorreu a primeira tentativa de introduzir na agenda
política o debate do combate às desigualdades raciais por meio da adoção de políticas públicas. Através do
Ministério da Justiça, o Governo Federal promoveu o seminário “Multiculturalismo e Racismo: o papel da ação
afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos” reconhecendo que as profundas diferenças entre negros e
brancos no país se impõe como desafio ao estado democrático de direito (Souza, 1997). O então Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso, abordou o tema sob a ótica pluri-racial, distinta da tradição culturalista
da democracia racial que se colocava até então. A realização do seminário representou, além do reconhecimento
oficial da existência de racismo no Brasil e da necessidade de elaborar medidas concretas para combatê-lo, uma
mudança de atitude por parte do governo (Grin, 2001).
37
Assim, segundo Bairros, a institucionalização da questão racial afirma sua nova
conjuntura política
38
, mas isso reflete um lado positivo e outro negativo: se por um lado
significou a falência do modelo hegemônico do mito da democracia racial por intervenção do
Movimento Negro que assumiu como estratégia de ação política, nas últimas três décadas, o
combate ao racismo, por outro, a disputa por um novo modelo racial que contemple a
população negra depende, em parte, das escolhas políticas que os novos atores sociais,
representantes das demandas da população negra nos organismos públicos, tomam em nome
do grupo.
Doravante, registros históricos das diversas formas de resistência dos negros desde
o momento em que foram tirados do continente africano e trazidos na condição de escravos
para o Brasil. Ressaltei apenas algumas passagens ilustrativas da luta do movimento negro
brasileiro contra a opressão racial no pós-abolição que num primeiro momento se colocou
pelo resgate histórico da cultura negra e afirmação positiva de sua identidade, em seguida
caracterizou-se pela valorização social do negro enquanto cidadão brasileiro - em mesmo nível
dos brancos pela concretização da igualdade jurídica formal a fim de ter acesso a todos os
setores sociais de que têm direito. A denúncia do mito da democracia racial, entendido nos
dois momentos como idéia de falsa inserção social da população negra, constituiu-se no
mecanismo de combate à situação de opressão e exclusão vividas por esse segmento da
sociedade.
38
Dois exemplos que demonstram estas mudanças na nova conjuntura política são o processo de implementação
de políticas de cotas para o ingresso de estudantes negros nas universidades blicas e a inclusão no Plano Pluri
Anual 2003-2007 das dimensões de gênero e raça como desafio para o combate as desigualdades.
38
****
Como visto, o objetivo de denunciar as desigualdades raciais reveladas através da
explosão de dados estatísticos pelos intelectuais
39
em fins dos anos 1970 não foi suficiente
para sensibilizar a sociedade em relação ao problema, bem como chamar o Estado à
responsabilidade na superação das desigualdades raciais. Se tal fato tem sido explicado pelo
efeito imperativo do mito da democracia racial brasileira nas representações sociais sobre a
idéia de uma nação miscigenada (Hasenbalg, 1999), a atuação do movimento negro brasileiro
tem tido papel crucial no atual processo de transformação da política racial que, no cenário
atual, incorpora medidas alternativas de superação das desigualdades raciais contrárias ao
padrão hegemônico de interpretação das relações raciais no Brasil
40
.
Esses debates serão retomados nos próximos capítulos como lente de estudo para
problematizar o processo de inserção dos trabalhadores negros no mercado de trabalho em
Resende, tendo em conta as transformações políticas, econômicas e sociais que vêm
ocorrendo a partir da instalação da fábrica de ônibus e caminhões da Volkswagen na cidade.
39
Ver Valle e Silva e Hasembalg (1992).
40
Ver Bairros (2006) e Paixão (2005).
39
Capítulo 2: A PRESENÇA DO NEGRO EM RESENDE: DE ESCRAVOS A
PROLETÁRIOS
2.1 – História: a utilização da mão-de-obra negra e os ciclos de desenvolvimento econômico
Introdução
Como visto, a presença do negro na região do Vale do Paraíba é fortemente marcada
pela utilização da mão-de-obra escrava durante o ciclo econômico de produção do café. Mas
com o regime republicano e a abolição da escravatura fica a pergunta de como se deu o
processo de incorporação da população negra na sociedade capitalista que se formava, que é
uma área de pesquisa ainda incipiente.
Nesse capítulo, tento recuperar a inserção do negro como força de trabalho com
enfoque na mudança do regime escravista para o início do trabalho livre na região estudada;
para então saltar para o século XX, onde caracterizo as condições sócio-econômicas da
população com dados do último censo desagregados por gênero e raça.
Braços negrose a expansão do café
A Região do Vale do Paraíba ficou conhecida no século XIX com a expansão da
agricultura cafeeira. As primeiras informações sobre o início da produção de café, em fins do
século XVIII, referem-se ao Rio de Janeiro; no entanto, o cultivo do café nos arredores do
estado tem seu ápice somente pouco antes da independência (Costa, 1999, p. 63)
41
.
O café teve presença marcante na economia do Vale do Paraíba paulista, fluminense e
mineiro. Segundo Viotti da Costa (1999, p. 64), naquela época a região do Vale do Paraíba
constituía-se numa via de passagem natural, no entanto, foi com o avanço dos cafezais que se
41
O Rio de janeiro, no início do século XIX, o produzia de trezentas a quatrocentas mil arrobas de café. Viotti da
Costa (1999) demonstra a origem e o desenvolvimento, bem como o declínio da produção cafeeira, ressaltando
no período colonial o andamento contínuo do cultivo do café com o sistema da escravidão.
40
deu seu povoamento; a autora enfatiza a ligação intrínseca entre o cultivo do café e a presença
marcante de negros por onde a cultura se expandia - com o café vinha o escravo. Ele fora,
desde os primórdios da colônia, a mão-de-obra preferida (Viotti da Costa, 1999).
Segundo Viotti da Costa (op cit, p. 105) as características que levaram a maior
concentração da população escrava na região do Vale do Paraíba fluminense com relação às
demais áreas de produção cafeeira constituem seu pioneirismo no cultivo do café antes da
proibição do tráfico em 1850, bem como o fato de ter sido a primeira região a atingir os
melhores índices de produção e também a entrar em declínio. Ao apontar as regiões pioneiras
no cultivo do café, a autora cita Resende
42
juntamente com Vassouras, Paraíba do Sul,
Valença e São João Marcos; mas ressalta Cantagalo como um dos maiores produtores, por
volta dos anos 1840.
Em 1887 cerca de 50% da população escrava do país concentrava-se em São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro (Viotti da Costa, op cit, p. 69)
43
. Enfatizando a presença da
população negra a autora chama atenção para as estatísticas
44
apontarem para o aumento
significativo da população escrava nos distritos onde o café era plantado; alguns distritos
como Piraí e Valença, por exemplo, chegaram a ter uma população escrava em quantidade
superior à população livre, com 75 % e 70% respectivamente. No Rio de Janeiro, os
principais distritos cafeeiros coincidiam com as maiores concentrações de escravos, com
exceção da zona de Campos onde prevaleciam as culturas da cana e o fabrico do açúcar
(Viotti da Costa, op cit, p. 104).
Viotti da Costa (op cit, p. 72) aponta que, nesse período, os senhores colecionavam
tanto fazendas como escravos; entretanto, o escravo tinha um duplo valor: por sua capacidade
de produção e por seu valor de venda no mercado o que atribuía prestígio ao dono. Segundo
Whatley (1987)
45
virar fazendeiro produtor de café em Resende era o modo pelo qual se
conseguia ascensão social na cidade - a renda arrecadada era utilizada comprando mais e mais
escravos pelo prazer de se sentirem importantes na sociedade.
42
Sobre o pioneirismo da agricultura do café na cidade ver Resende: Crônica dos duzentos anos (1801-2001),
2001.
43
Pasin (2002) sugere percentual maior da população escrava na região em 1888: 75% da mão-de-obra escrava
existente no país estava nas fazendas de café do Vale do Paraíba fluminense, mineiro e paulista.
44
Segundo a autora, embora as estatísticas fossem frágeis naquela época elas nos remetem a um valor
aproximado do real.
45
Segundo Whatley (1987), era possível distinguir duas classes de donos de escravos - fazendeiro e lavrador
com base no número de escravos e no tamanho da propriedade de terra; fazendeiros tinham que ter de 40 a 50
escravos e pelo menos 30 alqueires de terra.
41
Embora os estudos de Viotti da Costa (1999) e Ianni (1972)
46
apontem para a migração
de escravos do nordeste para o Vale do Paraíba, historiadores da região sugerem que os
africanos foram trazidos para Resende no início do século XIX, contando 8.663 escravos em
1842; a maioria originava-se de Angola, Congo e Moçambique, tendo pequena parte do Golfo
da Guiné
47
. O Sr. Claudionor Rosa
48
- diretor do Arquivo Histórico de Resende discorda da
idéia; segundo ele nessa região conta-se nos dedos os escravos que vieram da África; os
daqui [de Resende] vieram de Pernambuco e de Alagoas filhos de escravos e até escravos
mesmo.
Assim, em contradição com o contexto histórico-econômico nacional, num período em
que as investidas internacionais para o fim do tráfico de escravos africanos se intensificavam,
o café se firmava no Vale do Paraíba fluminense. Contra a importação de negros africanos a
saída encontrada foi a migração de mão-de-obra escrava do Nordeste e do Sul do país para as
regiões onde o café ganhava dinamismo, bem como, o deslocamento das cidades para o
campo. Estima-se que o Rio de Janeiro tenha recebido em média 5.195 escravos do Nordeste -
a população escrava aumentou de 119.141, em 1844, para cerca de 370 mil em 1877.
Com a proibição do comércio de escravos aumentou-se a procura por negros, o que
contribuiu elevar seu valor no mercado; ou seja, a riqueza era medida tanto pelo número de
pés de café como pela quantidade de escravos nas fazendas. Como os escravos constituíam a
principal fonte de investimento e capital da economia cafeeira chegaram a ter mais valor do
que as próprias terras e cafezais (Viotti da Costa, 1999; Whatley, 1987)
.
Quanto ao pioneirismo do cultivo do café, as pesquisas do Sr. Claudionor Rosa
49
confirmam que a descoberta do empreendimento não garantiu visibilidade econômica para a
cidade de Resende tal como ocorreu em São Paulo.
Havia muita discussão sobre a origem do café no Brasil; hoje se sabe que foi em
Resende, inclusive tem ao obelisco que marca essa data. que o café chegou
46
Segundo Octavio Ianni em Raças e classes sociais no Brasil (1972, p. 18), o Nordeste era, sem dúvida, a única
região com estoque de trabalhadores; entretanto, esses trabalhadores foram atraídos para a Amazônia onde se
desenvolveu, paralelamente a demanda de mão-de-obra para o plantio do café, a exploração da borracha. A
insuficiência de trabalhadores para atender a demanda das províncias de São Paulo é assinalada pelo autor como
uma das razões para a imigração européia.
47
Ver Resende: Crônica dos 200 anos (18001-2001), 2001.
48
Entrevista cedida por José Ricardo Ramalho, realizada em 23/11/2002.
49
Entrevista cedida em 18/03/2006.
42
aqui no final do século 18 e, logo em seguida, perdeu a pose pra outros municípios
que também plantaram (Bananal, Vassouras, Valença...).
Os poucos registros sobre a história da cidade apontam que, pioneira no plantio da
cafeicultura na região, Resende foi introdutor, difusor e exportador de café, o que fez com que
o século XIX fosse considerado o período que mais trouxe riquezas para o município
50
. Com a
expansão do desenvolvimento local por causa do plantio do café, em 13 de julho de 1848,
Resende deixou a categoria de vila
51
para ser elevada à de cidade. Durante o auge da
produção, em 1853, Resende produziu 800 mil arrobas de café contando com uma população
livre de 13.865 contra 10.323 (42%) de população escrava. Em 1888 a população escrava era
pequena (sete mil) e a produção contava com 200 mil arrobas, tendo sido plantada até a
década de 1920.
Os Breves
A família Breves talvez tenha sido a que mais se destacou dentre os grandes
proprietários de terras e senhores de escravos no período do cultivo do café na região
52
. O
patriarca Antônio de Souza Breves (conhecido por “Antônio Cachoeira”) principiou o grande
feudo dos Breves com aquisição de terras na região entre o antigo Município de São João
Marcos e o atual Município de Resende - acrescentou outras no "caminho velho das Boiadas"
que vinha da Paraíba Nova (hoje Município de Resende) obtidas por Carta de Sesmaria
datada de 16 de Abril de 1784
53
.
O Comendador Joaquim de Souza Breves (1804-1880) foi, entre os Breves, o de maior
projeção econômica e política. Considerado o maior dos Breves, representava figura patriarcal
de grão-senhor rural sendo conhecido como o mais opulento fazendeiro no Brasil Imperial
54
.
50 Os dados estão em Resende: Crônica dos 200 anos (18001-2001), 2001.
51 Embora considerada uma vila, Resende tinha imensa extensão de terras: ia da fronteira de São Paulo até pouco
antes da Serra das Araras, além de fazer limite com Angra dos Reis e com Minas Gerais (ver em:
www.resende.rj.gov.br/page/indicadoressociais.asp)
52 Na cidade de Resende, em particular, D. Maria Beneditina Gonçalves Martins é citada como a rainha do café
com produção de cerca de 40 mil arrobas - Resende: Crônica dos 200 anos (18001-2001)
53 Registros sobre a participação política e econômica dos Breves na região bem como sua genealogia podem ser
encontrados nos sites: www.brevescafe.com.br e www.hcgallery.com.br/barata1.htm
54
O Sr. Claudionor Rosa, diretor do Arquivo Histórico de Resende, contou-me em conversa informal que o
Comendador Joaquim José de Souza Breves era conhecido até no nordeste brasileiro por sua crueldade de
43
Segundo pesquisa de Almeida Barata
55
, em 1860 o Comendador Joaquim de Souza Breves
colheu 205.000 mil arrobas de café o que representava 1,45% da safra total do país, e, em
1887 a colheita devesse oscilar entre 250.000 e 300.000 arrobas; foi tamanha a produção de
café que levou o Imperador a apelidá-lo de “o Rei do Café”. Também sobre a visibilidade do
poder econômico dos Breves, o colunista Élio Gaspari
56
escreveu:
É quase certo que ele [José Joaquim de Souza Breves] e o irmão Joaquim José tenham
sido os homens mais ricos do Brasil em todos os tempos. Quase certamente tiveram a
maior escravaria fora da África nos tempos modernos. Tinham, no barato, dez mil
negros em 40 fazendas. Suas terras iam do início da Restinga de Marambaia a
Angra dos Reis. Podiam cavalgar do litoral até Minas Gerais sem passar por terras
alheias.
Extensão do poderio econômico do comendador Joaquim de Souza Breves
Fonte: www.brevescafe.com.br
tratamento com seus escravos; segundo o Sr. Claudionor, os senhores de escravos ameaçavam vender os mais
indisciplinados para o comendador: “a gente tem registro que lá em Pernambuco escravo que fugia tinha
sanção; diziam assim: “da próxima vez que você fizer isso vai ser vendido pro café” que era coisa terrível
nesses outros ciclos”
55
Pesquisa disponível em www.hcgallery.com.br/genealogia.htm
56
Em "O Globo" Domingo, 11/04/2004 (ver em www.brevescafe.com.br)
44
Também Assis Chateaubriand (1927)
57
registrou a dimensão das terras dos Breves:
Os domínios deste grande senhor territorial abrangiam a restinga atravessavam o
mar, desdobravam-se desde a raiz da Serra, Mangaratiba e o Saco de Mangaratiba,
até o vasto cafezal que se alastrava do começo do anti-plamo em S. João do Príncipe,
para ir morrer, a onda verde, propriedade do opulento cafezista no Valle do Paraíba.
O número exato de suas propriedades e a quantidade de seus escravos é controverso.
Segundo Almeida Barata, alguns pesquisadores registraram as propriedades dos Breves:
Alberto Lamego
58
contou mais de 90 fazendas e 6.000 escravos, apenas nos domínios do
comendador Joaquim José de Souza Breves, mas, posteriormente, em outro trabalho Lamego
59
teria reduzido este número para apenas 20 fazendas; Gustavo Barroso
60
também registrou
apenas 20 fazendas. No levantamento realizado por Almeida Barata, cerca de 108
propriedades (imóveis) e 10.000 escravos estavam sob o poder da família Breves, contando os
irmãos e aparentados
61
; o comendador Joaquim José de Souza Breves destacou-se por deter a
maior parte das propriedades com cerca de 40 fazendas.
A fazenda de São Joaquim da Grama era a sede das propriedades do Comendador
Joaquim de Souza Breves onde acumulava riquezas, obras de arte e uma enorme senzala com
mais de dois mil escravos. Além da quantidade de escravos e extensão de terras, os Breves
tinham portos marítimos particulares para receberem escravos trazidos da África e para
exportar sua produção de café para outros países.
Sobre a forma de aquisição do poder econômico dos Breves, o colunista Élio Gaspari
(op cit) ressaltou a exploração do trabalho escravo, bem como o próprio comércio de escravos
a partir de meados do século XIX.
Os Breves viveram uma época em que o andar de cima de Pindorama acreditava que
o negócio do Brasil era o negro e que a pressão inglesa contra o tráfico negreiro era
uma ingerência indébita nos assuntos nacionais. Os Breves eram contrabandistas de
negros. Pelo menos um de seus vapores, o Califórnia, foi afundado pela Marinha Real
na altura de Guaratiba. Se o esplendor da sociedade brasileira dos anos 50 e 70 do
século XIX tem nome, ele se chama Breves.
57
Disponível em www.brevescafe.com.br
58
Em “O homem e a restinga” e “A aristocracia rural do café na Província Fluminense” (1946).
59
Em “O homem e a Guanabara” (1964)
60
No artigo “O Solar do Rei do Café”
61
Disponível em www.brevescafe.com.br
45
Assis Chateaubriand (1927) registrou as impressões que vivenciou em visita à fazenda
do pontal da ilha da Marambaia
62
. Segundo ele, exemplo de tal “empreendimento” é o legado
de descendentes de escravos que trabalhavam na fazenda cuja principal atividade era a
“engorda” de recém-chegados de África.
[...] o emprego mais importante daquela fazenda era o de servir de ponto de
desembarque de pretos contrabandeados d'Africa. Os escravos que saiam dos porões
dos navios negreiros permaneciam algum tempo naquele viveiro. Reconstituíam as
forças perdidas na travessia transatlântica. Cevavam-nos e uma vez assim
retemperados, eram distribuídos pelas fazendas do alto da serra. Logo, o que Breves
possuía na Marambaia era uma estação de engorda do seu pessoal de eito e, isto
explica as ótimas recordações que aqueles velhos escravos guardavam do senhor (...).
Devia-se comer bem na Marambaia porque o objetivo mais importante daquela
fazenda não era produzir café, mas fornecer mão-de-obra forte, robusta, para o
trabalho no cafezal.
Ao final do século XIX quando o país encontrava-se num nível de expansão acelerado
com a cultura cafeicultora, o número de escravos era reduzido
63
não chegando a 2 milhões na
metade do século XIX. O problema da falta de braços
64
em Resende é apontado como o
principal fator de sua decadência econômica e social.
Atribuindo a derrocada da família Breves à Abolição, Armando de Moraes Breves,
historiador da família, registrou um diálogo
65
entre dois de seus avôs que demonstra como a
hostilidade entre os dois grupos raciais se colocou no período pós-abolição:
62
A Ilha da Marambaia fica localizada no litoral de Mangaratiba (RJ); atualmente é uma área considerada de
segurança nacional e controlada por militares. Antes de sua morte em 1889, o comendador Joaquim José de
Souza Breves, segundo memória do grupo de moradores, prometeu doar a Ilha para as famílias de seus escravos,
mas essa doação nunca foi formalizada em documento. Vários pesquisadores e militantes de movimentos sociais
do sul-fluminense lutam pelo reconhecimento da ilha como comunidade de remanescentes de quilombo a fim de
dar posse da terra aos moradores.
63
Citando dados estatísticos divulgados por Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil (1959, p. 141),
Ianni (1972, p. 13) observa que o censo de 1872 indicava a presença de aproximadamente 1,5 milhão de escravos
no Brasil, ao passo que no início do século já se contavam mais de 1 milhão com a importação de mais de meio
milhão durante a primeira metade do c. XIX; isso leva a suposição de a taxa de mortalidade entre os negros
tenha sido superior á de natalidade.
64
Segundo IANNI (p. 15) as causas para a “fome de braços” são a proibição do tráfico de escravos, a taxa
negativa do crescimento vegetativo dos escravos e o próprio desenvolvimento econômico.
65
Citado por Élio Gaspari em "O Globo" Domingo, 11/04/2004.
46
O governo devia embarcá-los de volta para a África: que adianta um escravo sem a
escravidão?
— Isso mesmo, parente: para que serve a bosta, se acabaram com o uso do esterco?
Alguns descendentes dos Breves, apesar de não terem mais o poder econômico, social
e político de outrora, tentam manter a importância histórica da família através de pesquisas
genealógicas que confirmem o passado “glorioso” que os Breves tiveram durante o ciclo do
café
66
. Para eles, abolição da escravidão deu fim degradante ao Comendador Joaquim José de
Souza Breves.
Morreu ameaçado por todos lados, pela ruína total, sentindo o fragor do
desmoronamento de sua obra, graças ao lance sentimental e discutível medida
econômica que foi a Lei Áurea. O trabalho livre não revalorizou socialmente o negro,
pelo contrário, continuou desajustado ocupando as atividades inferiores que
atribuíam aos escravos. Morreu o opulento senhor de dezenas de fazendas, com um
poderio quase feudal, arruinado pelo êxodo dos cultivadores do solo, desertação dos
cafeeiros e a carcaça dos engenhos apodrecendo no abandono.
Substituições: café pelo açúcar, negros por imigrantes italianos?
Após a derrocada do café, alguns migrantes de Minas Gerais foram atraídos pelos
baixos preços das terras; eles trouxeram para Resende a pecuária leiteira que tomou o lugar do
café como atividade econômica. Segundo pesquisadores da região, essa fase também pode ser
considerada de grande importância para a economia da cidade que chegou a ser responsável
por um terço de toda a produção leiteira do Estado do Rio (150 mil litros diários), além de ser
a segunda maior produtora de manteiga e queijo
67
.
Segundo Whately (1987) por volta dos anos 1874 estabeleceu-se em Resende um
engenho de cana-de-açúcar que deu origem a colônia de Porto Real
68
onde trabalhadores
italianos eram pagos pelo Império. Assim como os outros estados do país em que a imigração
66
Tais pesquisas podem ser obtidas no site www.brevescafe.com.br
67
Ver Resende: Crônica dos 200 anos (1801-2001), 2001.
68
Sobre as diferentes etapas de desenvolvimento econômico do município de Porto Real ver Costa Lima (2005)
47
européia substituiu a mão-de-obra escrava, vieram para Resende imigrantes italianos, árabes e
sírios, finlandeses e alemães que assumiram o lugar dos trabalhadores negros escravos no
cultivo da cana-de-açúcar
69
.
Embora seja difícil contextualizar de forma concisa como a maioria da população
negra de Resende foi incluída no trabalho livre na localidade a conjuntura política nacional do
período convergia numa política de nacional substituição da força de trabalho escrava bem
como de embranqueamento da população
70
– através da imigração de trabalhadores europeus.
O trecho abaixo de Roberta Saccon (2001) demonstra como as novas representações
sociais acerca do trabalho livre colocavam no imigrante europeu não somente a saída para o
problema da “falta de braços”
71
como também acreditavam que o trabalhador imigrante
conduziria a resultados mais satisfatórios.
Agora que o governo tem feito internar os imigrantes, para livrá-los do flagello da
febre amarella, julgamos conveniente dar noticia aos snrs. fazendeiros de uma
tentativa de colonização, que está dando os mais bellos resultados. [...] Rezende, que
conta cerca de 10.000 escravos, precisa quanto antes tratar de os ir substituindo por
braços livres, e desde que da parte dos snrs. fazendeiros não haja exagerado espírito
de ganancia, estamos certos que os braços livres hão de apparecer, e elles tirarão de
seus estabelecimentos resultados muito mais satisfatorios do que com o emprego de
braço escravo, que é um capital precario, e cujos claros às vezes absorvem o resultado
interno de suas safras
72
.
Descendente de italianos da região, Lauro Pederassi
73
- representante de associação de
moradores em Porto Real parece concordar que também na colônia de Porto Real se aplicou
a política de subsídios governamentais para os italianos como atrativo para se deslocarem para
a região; entretanto, para ele houve igual participação de negros e italianos na composição da
69
Contos de origem da colônia de Porto Real dizem que, por volta dos anos 1874, estabeleceu-se em Resende um
engenho de cana de açúcar, garantido pela Província com trabalhadores italianos pagos com salário do Império;
os imigrantes italianos, ganharam também terra para produzir alimentos para sua subsistência. Após a
emancipação da colônia, a usina teria sido vendida e corresponderia hoje a atual Companhia Fluminense de
Refrigerantes com o fabrico da Coca-Cola e outros (Whately, op cit).
70
Como visto no capítulo anterior, o período pós-abolição coloca o problema da raça como empecilho ao
desenvolvimento da nação que se afastaria demasiadamente do padrão branco europeu de civilização. Ver Paixão,
(2004).
71
Roberta Saccon Ricerca Storica Sull’emigrazione Italiana a Porto Real, Rio de Janeiro (Brasile). In: Gli
Emiliano Romagnoli e l’emigrazione Italiana in America Latina, 2001. Citado em Costa Lima (2001, p. 47).
72
Ricerca Storica Sull’emigrazione Italiana a Porto Real, Rio de Janeiro (Brasile), in: Gli Emiliano
Romagnoli e l’emigrazione Italiana in America Latina, 2001 – citado por Costa Lima (2001, p. 47)
73
Em entrevista cedida por J. R. Ramalho.
48
mão-de-obra livre que se constituía, uma vez que a vila operária construída pela usina de cana-
de-açúcar para servir de moradia a seus funcionários era composta por maioria de
trabalhadores negros.
[...] E trabalhavam também muitos negros das fazendas de café da região que vieram
pra cá. E tinha as vilas; naquela época toda indústria tinha aquela vila de operários,
então viviam muitos, quer dizer, os italianos não viviam ali porque tinham os lotes
deles e não viviam ali. Mas principalmente os negros que vieram das fazendas
moravam ali.
Em seus estudos sobre o processo de emancipação de Porto Real do município de
Resende, Costa Lima (2005, p.50) ressalta a importância econômica da usina de cana-de-
açúcar para a localidade; mas, também sugere a idéia de que no trabalho livre foram
incorporados tanto trabalhadores brancos imigrantes e migrantes como negros descendentes de
escravos.
A usina de açúcar, a maior do Sul Fluminense, garantiu o progresso econômico da
localidade pela ‘fome’ com que absorvia ‘braços’ de colonos italianos, migrantes
mineiros e escravos libertos, remanescentes das antigas e decadentes fazendas de café
do Médio Paraíba [...]
Mudança de status: do trabalho escravo ao trabalho livre
Embora existam várias pesquisas sobre a escravidão, de um lado, e a formação da mão-
de-obra operária, por outro, poucos foram os temas abordados acerca da participação dos ex-
escravos e negros livres no ambiente urbano e industrial que se desenvolveu no pós-abolição.
Hasenbalg (1999) ressalta que os estudos sobre a formação da classe operária no Brasil
enfocam a utilização da mão-de-obra imigrante no período posterior a abolição pelo
despreparo técnico-industrial dos trabalhadores nacionais. Com efeito, as pesquisas sobre o
processo de constituição e desenvolvimento do movimento operário no Brasil enfocam a
participação do imigrante europeu, deixando à margem a mão-de-obra nacional, e,
conseqüentemente os operários negros.
49
Para Rodrigues (1966:108) a preferência pela mão-de-obra estrangeira deveu-se ao
perfil profissional requisitado pelo novo processo produtivo, que além de serem mais
escolarizados eram considerados mais aptos ao trabalho industrial por possuírem alguma
experiência urbana.
Na verdade, é de acreditar que a preferência pelo trabalhador estrangeiro não fosse
devida apenas a uma qualificação profissional ou a um grau de instrução superiores,
mas a outros requisitos de ordem psico-social que o tornavam mais apto para o
trabalho na indústria, como, por exemplo, a vontade de progredir, `espera da
oportunidade de “fazer a América características essas que se contrapunham às do
trabalhador brasileiro, orientado ainda por valores e normas de uma sociedade pré-
industrial.
O autor caracteriza, assim, a composição da mão-de-obra industrial em dois
segmentos da classe operária que se formava nas fases iniciais da industrialização no Brasil: os
assalariados brasileiros, registrados como operários, se ocupavam de fato tarefas menos
qualificadas, que exigiam um mínimo de preparação profissional (Rodrigues, 1966:108).
O período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre foi caracterizado por
Florestan Fernandes (1978) pela ausência do grupo racial negro. Para o autor, embora tenha
havido uma mudança na posição social dos negros com a abolição, o padrão assimétrico de
relações entre negros e brancos foi mantido, de modo que a continuidade das formas
tradicionais de representação e comportamentos entre brancos e negros do período anterior
constituía uma contradição ao novo modelo econômico. Para explicar o motivo pelo qual a
equiparação formal do negro não acompanhou as mudanças econômicas no sistema
capitalista, a idéia do autor era de que o preconceito racial e a discriminação constituíam
resquícios do legado escravista e se dissipariam com o progresso do sistema.
Para Florestan Fernandes, a industrialização e urbanização eram consideradas os
processos centrais das mudanças estruturais do início do século XX. Tais processos deram
início a um conjunto de contradições estruturais na sociedade brasileira, com destaque para a
contradição estabelecida entre a ideologia racial tradicional - que resiste em se transformar - e
a nova situação racial, em rápida mudança. Assim, a expansão de uma economia de tipo
industrial teria como conseqüência a proletarização das massas de cor e a resultante mudança
nas suas condições de vida e no seu habitat, na sua mentalidade e no seu comportamento.
50
O problema das desigualdades raciais no mercado de trabalho no ambiente urbano
começou a ser problematizado por pesquisadores como Hasenbalg (1979, 1985) e Valle Silva
(1985, 1992) sob o enfoque da continuidade do racismo concomitante ao crescimento
industrial capitalista (Araújo, 1998).
De maneira geral, Hasenbalg ressalta que nas décadas posteriores à abolição a
população negra permaneceu majoritariamente vinculada à agricultura
74
. O autor destaca que a
transição do trabalho escravo para o formalmente livre não significou a generalização do
trabalho assalariado na agricultura - as formas de trabalho livre se diferenciavam do trabalho
escravo apenas pela liberdade básica de abandonar o emprego. O trabalho assalariado se
torna generalizado na agricultura açucareira depois de 1960.
Hasenbalg assinala dois aspectos para explicar o pouco interesse dos pesquisadores
sociais sobre o processo de inserção do negro no ambiente urbano industrial pós-abolição.
Parte da explicação se deve a ausência de registros sobre cor nos censos demográficos do
período de 1890 até 1940; outra parte deve-se ao privilégio que os estudos sobre o início da
industrialização no Brasil deram a emergência de novas relações de produção e do mercado de
trabalho livre com foco de análise na formação da classe trabalhadora em São Paulo. Para o
autor, a generalização indevida da experiência paulista - caracterizada pela competição com o
imigrante e a marginalização do negro no mercado de trabalho para o resto do país - deixou à
margem da história parcelas majoritárias das classes subalternas do ambiente urbano em
formação no Rio de Janeiro, em especial a participação do negro como trabalhador livre.
Comparando os processos de transformação do trabalho escravo para o urbano
industrial no Rio de Janeiro e em São Paulo, Hasenbalg afirma que indícios da existência
de processo incipiente de proletarização do negro, no Rio de Janeiro, que é anterior ao que
aconteceu no resto do sudeste com a interrupção do fluxo de imigrantes em 1930. Segundo o
autor, no Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, a imigração teve caráter espontâneo e não
foi subsidiada pelo estado.
Assim, a proletarização do negro tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo,
embora os estudos sobre o sistema de classes que resultem da transição do trabalho escravo
para o trabalho livre enfocarem a utilização da mão-de-obra imigrante. Hasenbalg chega a
74
Tal hipótese sugere a segregação geográfica da população negra “nas regiões predominantemente agrárias e
mais subdesenvolvidas do Brasil, onde as oportunidades econômicas e educacionais são muito menores”
(Hasenbalg, 1983, p. 180)
51
conclusão de que a população negra incorporou-se de maneira tardia ao ambiente urbano-
industrial em desenvolvimento por dois fatores cruciais: 1) competição em desvantagem com
trabalhadores imigrantes nas regiões industrialmente mais desenvolvidas; 2) concentração nas
regiões economicamente menos dinâmicas.
O estudo de Costa Pinto (1998) na reconstrução da trajetória social do negro no Rio de
Janeiro de escravo a proletário comparou os dois períodos em questão: o fim do sistema
escravista e a distribuição em classes dos grupos de cor. Buscando fazer um estudo
sociológico da situação racial do negro, o autor considerava o problema da estratificação
social como o cerne da situação racial brasileira. Dessa forma, a análise do verdadeiro estado
da situação racial no Brasil apenas poderia ser realizada observando a posição social dos
indivíduos; ou seja, para o autor, o método de análise essencial para conhecer tal realidade é a
verificação, em cada ramo de atividade econômica, da posição de empregado versus a posição
de empregador distribuída entre os diferentes grupos étnicos. O resultado obtido pelo autor foi
de que entre os empregadores, em todos os ramos de atividades, a quota de brancos era
predominante; entretanto, do outro lado da pirâmide racial - entre os pretos - em nenhum ramo
de atividade a quota de empregados era inferior a 70%. Daí concluiu que: a maior distância
social percorrida pelos grupos de cor nos últimos 70 anos tinha sido a de escravos a
proletários; isto é, o branco de senhor transformou-se em patrão. Em resumo: quanto maior o
status ocupacional, menor o número de indivíduos de cor naquela posição
75
.
Bento (1999) ressalta que a história do trabalho tem sido contada a partir dos anos
1900 com o processo de imigração européia, pesquisas que omitem cerca de 350 anos de luta e
trabalho em que o trabalhador negro foi o principal produtor de riquezas do país. Para a autora,
a inserção desqualificada da população negra no processo de desenvolvimento da
industrialização brasileira não foi problematizada pelos pesquisadores do período pós-
abolição. Desse modo, as relações assimétricas entre negros e brancos no sistema escravista
não servem como parâmetro para a compreensão dos estudos sobre a formação da classe
operária no Brasil; no lugar disso, Bento enfatiza que a idéia predominante é a de que o negro
75
Tal conclusão assemelha-se às discussões atuais acerca das desigualdades raciais (PNUD, 2005; Vargas,
2005; Guimarães, 2002; Hasenbalg, Valle Silva & Lima, 1999; Vargas, 2005; Campante, Crespo & Leite, 2005;
Henriques, 2001).
52
não estava devidamente preparado para as novas exincias do mercado por sua longa
condição de trabalhador escravo.
2.2 O olhar sobre o trabalhador negro em História Social:
Negro & Gomes (2006), em estudos recentes, chamam atenção para a questão do
quase-hiato que se colocou nas reflexões historiográficas acerca dos estudos sobre escravidão
e pós-emancipação no Brasil. Com uma abordagem em História Social, que contempla as
experiências do trabalho escravo com outras formas de trabalho compulsório no período
datado entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX, os autores fazem uma
releitura das pesquisas que toma a formação da classe operária no país; segundo eles, tais
estudos sofreram influência de E. P. Thompson com relação à Formação da classe operária
inglesa
76
.
Para os autores, com o passar do tempo ocorreu um distanciamento da relação entre a
produção em história social “da cultura” e história social “do trabalho”: uma bifurcação de um
debate que era bifronte.
De um lado, os estudos sobre a escravidão priorizaram os conceitos de luta de classes
e experiência e, de certa forma, ativeram-se na deslizante indagação de Thompson a
respeito da luta de classes sem classes, quase transformada em afirmativa [...] De
outro lado, nos estudos sobre classe operária, sindicatos e partidos acabavam
silenciando sobre o longo e diversificado processo da formação da classe, em
abordagens que não faziam do “embranquecimento” um problema de pesquisa.
Os autores caracterizam os estudos culturais como tendo abordado processos onde
luta de classes “sem” classes, que envolvem fenômenos coletivos que não são urbanos,
industriais, nem galvanizados por multidões sindicalizadas, podem ser perfeitamente
fenômenos da história operária. Esses estudos enfatizavam a importância de se fazer uma
história social da cultura; não entendem a cultura como um reflexo das classes.
76
Destacam como principais contribuições de pesquisas que abordaram as influências de Thompson na
historiografia brasileira: Leite Lopes (1988), Chalhoub (2001), Castoriadis (1985), Genovese (1976), Perrot
(1988) e Williams (1969; 1979)
53
A classe trabalhadora não é tomada em no sentido marxista clássico (o operariado de
carteira assinada, braços cruzados e macacão); o conceito de classe social
considerava dimensões além: tinha um incômodo colorido de diversidade, de caráter
local, transnacional e processual, com demandas de tempos e lugares próprios.
nas abordagens em história “do trabalho”, os autores destacam uma tendência a
fazer do operariado, do proletariado e da classe trabalhadora, indefinidamente,
generalidades; “percepção crescente de uma classe operária única, aglutinada através de um
destino comum sem levar em consideração suas diferenças internas”.
Negro & Gomes destacam Leite Lopes (1993) e Chalhoub (2001) com os autores que,
de maneira incipiente, colocaram a necessidade de uma escrita da história do trabalho não
apenas pautada numa classe trabalhadora exclusivamente branca, fabril, de ascendência
européia, masculina e urbana
77
. Por um lado, Chalhoub (2003, pp. 240-265) identificava nos
trabalhadores escravos do século XIX a consciência de sua situação social como produto de
uma linguagem social, que para eles era a cultura de classe a luta pela liberdade, no lugar da
defesa do ofício, constituía a causa política dos trabalhadores escravos. Por outro, Leite Lopes
(1988) debruçou-se em estudos sobre o operariado rural, distanciando a atenção para o
pioneirismo da industrialização no Brasil (São Paulo); dessa forma, mostrava que a origem
rural do operariado de forma alguma constituía obstáculo à formação de uma consciência de
classe.
Sobre as primeiras referências aos estudos de E. P. Thompson no âmbito acadêmico,
Negro & Gomes destacam o estado do Rio de Janeiro, em meados dos anos de 1970, quando
pesquisadores da Pós-Graduação em Antropologia Social (Museu Nacional) voltavam-se para
grupos de trabalhadores do Nordeste, rurais e urbanos, camponeses e proletários. Também em
São Paulo, na Unicamp, pesquisadores como Peter Eisenberg, Michael Hall e Robert Slenes
fizeram um reexame do papel de africanos, crioulos, escravos e libertos na formação da
classe trabalhadora brasileira, ainda então estudada, em termos cronológicos, a partir da
chegada dos imigrantes italianos nas fazendas de café
78
.
77
Segundo os autores, Chalhoub e Leite Lopes não mantinham diálogo, pois o primeiro voltava-se para o século
XIX, e o segundo para o pós-1930.
78
Cf. Eisenberg (1989), Lara (2001), Hall (1985, p. 407) e Slenes e Mello (1978).
54
Quanto às produções sociológicas produzidas nas décadas de 1940 e 1950 sobre
relações raciais, Negro & Gomes ressaltam que, baseadas em argumentos históricos, tinham
como objetivo explicar a exclusão da população negra no pós-emancipação. Tais produções
inserem-se num contexto em que havia uma preocupação com a modernidade, visto que a
sociedade tradicional escravocrata se colocava como obstáculo à formação da classe
trabalhadora nas primeiras décadas do século XX.
Em Costa Pinto, por exemplo, tais explicações teriam sido desenhadas como um
mundo homogêneo e sem transformações, a escravidão seria produto e produtora de um
atávico atraso tecnológico, social e econômico. Assim, para os autores, Costa Pinto teria
excluído a complexidade da sociedade escravista no que diz respeito às relações de classe,
bem como às relações étnicas (idéia de escravidão como geradora de permanências e
rupturas).
Para Costa Pinto, em muitas outras regiões brasileiras existia ainda, no plano
socioeconômico desdobrando para os fatores psicológicos, políticos e culturais –, a
“coexistência de dois mundos”: um da escravidão, estagnado não só economicamente,
mas em termos sociais; e o outro da industrialização e da urbanização, em movimento
e gerador de mudanças.
Tal tendência interpretativa, segundo os autores, marcaram o distanciamento das
experiências do trabalho escravo e do trabalho livre. Tomando o Rio de Janeiro como
exemplo, os autores chamam a atenção para o fato de um olhar mais detalhado sobre a
sociedade escravista possibilitaria análises mais complexas e perspectivas mais estimulantes
sobre a integração da população negra no mercado de trabalho as cidades eram com
relações de produção dinâmicas, como é o caso dos escravos ao ganho
79
cujas atividades,
principalmente no setor de serviços, como quitandeiras, fruteiras, lavadeiras etc., transporte de
cargas e ofícios diversos (alfaiates, barbeiros, marceneiros, pedreiros etc.) eram praticamente
dominadas pela população negra.
Na segunda metade do século XIX, a imigração européia levou a disputas no mercado
de trabalho entre negros e imigrantes. A essa altura, o trabalho escravo e o rural eram tidos
79
Os autores assinalam que alguns historiadores consideram como salário as quantias repassadas pelos senhores
aos escravos ao ganho funcionavam (cf. Silva, 1988; Soares, 1980).
55
como sinônimo de atraso, devido à suas raízes de relações patriarcais; enquanto que a
industrialização era sinônimo da urbanização e modernidade
80
.
Assim, os autores destacam que também os estudos sobre relações raciais
caracterizam-se pela ausência de reflexões sobre a formação da classe operária e a
complexidade das relações de trabalho na sociedade escravista.
A posição dos autores sobre as produções de pesquisa sobre a passagem do trabalho
escravo para o trabalho livre como uma ideologia a da construção da nação produzida
pelas elites brasileiras. Ou seja, um projeto de civilização e progresso que tinha por base a
ideologia do trabalho livre onde escravos, africanos e crioulos seriam substituídos por
trabalhadores livres, imigrantes europeus; indolência e atraso por tecnologia e aptidão.
Com efeito, se colocando em posição contrária ao debate tradicional no que diz
respeito a formação da classe operária no Brasil, que separa o trabalho escravo das
experiências da classe operária, a tese dos autores é de que existe uma relação de parentesco
entre essas duas formas de trabalho, sendo necessário reaver essa historiografia.
É hora de reaver a trama entre migrantes “longe da modernidade” e aqueles que
viveram o “atraso” da escravidão. (Foram, inclusive, sujeitos no mesmo cenário da
história do trabalho, mesmo que em diferentes gerações.) Também é hora de não mais
continuar seguindo a mesma trilha batida pelas dicotomias urbano/rural,
centro/periferia, instruído/rude, erudito/popular, liberdade/escravidão, industrial/pré-
industrial, moderno/arcaico.Também é hora de não mais continuar seguindo a mesma
trilha batida pelas dicotomias urbano/rural, centro/periferia, instruído/rude,
erudito/popular, liberdade/escravidão, industrial/préindustrial, moderno/arcaico. Não
engessam a pesquisa, a análise, e seus resultados, em tradicionais esquemas de
pensamento, como também minimizam o segundo pólo diante do primeiro, como
inferior ou pior. No segundo pólo reina a necessidade; não opções nem sujeitos
históricos e iniciativa. No primeiro, o protagonismo é a marca.
80
Segundo Negro & Gomes, a visão analítica de um capitalismo incompatível com a escravidão surgiria com
força a partir do estudo de Eric Williams, Capitalismo e escravidão, também utilizado por Costa Pinto; e nas
análises de Florestan Fernandes sobre o processo de transição da escravidão para o trabalho livre.
56
2.3 – Condições socioeconômicas: a população negra resendense hoje
Diversos estudos têm demonstrado que a verificação dos níveis de participação de
negros na composição da população com sua inserção no mercado de trabalho constitui fator
relevante na análise do impacto da cor/raça na distribuição das oportunidades
81
. Nesse sentido,
observo três indicadores sociais relacionados ao mercado de trabalho (educação, ocupação e
renda) observando as diferenças nos resultados entre negros e brancos, homens e mulheres, na
estrutura de emprego local.
Um olhar sob a perspectiva das diferenças de gênero não é o foco dessa discussão, no
entanto, a incorporação do gênero põe em destaque as formas pelas quais homens e mulheres
são diferentemente afetados pela discriminação racial (Crenshaw, 2002), ou seja, a questão
racial quando intersecionada com a dimensão de gênero demonstra maiores desvantagens para
as mulheres negras, colocando-as em situação de extrema vulnerabilidade
82
econômica e
social
83
.
No caso estudado é importante chamar atenção para o fato de ser uma cidade em que a
vida econômica é gerada pelas fábricas do pólo automotivo, particularmente a Volkswagen e a
PSA Peugeot-Citroën, cuja massa dos trabalhadores estão no chão de fábrica - setor da
produção considerado de muito esforço físico, daí a maioria dos operários serem do sexo
masculino
84
; por outro lado, há na parte administrativa dessas fábricas uma quantidade elevada
de mulheres, mas também colocando à margem as mulheres negras por não atenderem as
melhores características de qualificação profissional e escolaridade ou mesmo daquelas
atribuídas com o nascimento, como o sexo e a etnia.
81
Ver por exemplo Hasenbalg & Valle Silva 2003 e Osório, 2004.
82
De acordo com Guimarães e Podkameni, a aplicabilidade do conceito de vulnerabilidade no contexto das
relações raciais remete a desigualdade inerente ao padrão estabelecido de relações entre negros e brancos no
Brasil; segundo Guimarães (2007) o conceito “situação de vulnerabilidade subjetiva”, foi criado na tentativa de
dar visibilidade às conseqüências, para a subjetividade do indivíduo afro-descendente, de um meio ambiente
nada “bom o bastante” como o é a sociedade brasileira. O termo “situação” quer evidenciar que a
vulnerabilidade, em nenhuma hipótese é uma característica estrutural, mas algo que se estabelece em função da
presença de um meio ambiente adverso e que, enquanto se mantém, dificulta o exercício de reais potenciais de
mulheres, homens e crianças negras.
83
Estudos sobre desigualdades sociais têm demonstrado que, sob o ponto de vista dos resultados, a origem étnica,
gênero, idade e local de nascimento estão entre as principais características que influenciam o processo de
mobilidade social dos indivíduos. Ver: Hasenbalg & Valle Silva (2003)
84
Analisando o impacto o caso do ABC paulista, Araújo Guimarães (2004) observou que como a indústria se
revela um espaço masculino, a dupla discriminação de gênero e raça limita as mulheres negras às atividades mais
precárias, como serviços domésticos. A falta de escolarização e a dupla discriminação fazem com que as
mulheres negras tenham os piores níveis de renda do mercado de emprego.
57
População
Distribuição da população na região do Médio Paraíba
Fonte: TCERJ - Estudo socioeconômico 2004
A distribuição da população geral mostra a que a população de Resende tem
participação significativa no conjunto das cidades da região. Segundo o Censo de 2000, a
composição total absoluta da população resendense contava com 104.548 habitantes, sendo a
terceira maior cidade da Região do Médio Paraíba
85
, com 13% do total da população
86
.
85
A população da região do Médio Paraíba representa 5% da população total do estado do Rio de Janeiro (IBGE,
Censo de 2000)
86
A população estimada de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende no ano de 2005 insere essas três cidades da
região do Médio Paraíba entre os municípios mais populosos do estado do Rio de Janeiro (Fundação CIDE, 2005)
58
Composição da população resendense por cor/raça
87
(%) População por cor ou raça - Resende
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000
Utilizando as categorias raciais do IBGE
88
(brancos, pretos, amarelos, pardos e
indígenas), o gráfico mostra a composição racial da população resendense; há dois fatores
significativos: a) os grupos raciais “amarelos” e “indígenas” estão praticamente ausentes na
distribuição; b) há predominância de brancos (57%) e de negros
89
(42,2%); ou seja, existe uma
nítida polarização entre os dois grupos de cor/raça que constituem o objeto da análise.
87
Como foi demonstrado na seção anterior, a região é historicamente marcada pela participação da população
negra, tendo sido inserida como mão-de-obra escrava para a produção do café fins do século XIX.
88
Osório (2003) verifica que o sistema classificatório de cor/raça do IBGE utiliza categorias raciais que refletem
a história das relações raciais no Brasil nos últimos dois séculos (ver capítulo 1). Recentemente pesquisadores no
campo da saúde coletiva têm observado diferenças significativas ao analisar os indicadores de saúde -
particularmente a morbimortalidade - de pretos e pardos; tais diferenças decorrem de piores resultados para os
pretos. Ver BATISTA et al (2004).
89
Para fins de análise sociológica a agregação de pretos e pardos na categoria “negros” tem sido justificada por
semelhanças socioeconômicas
89
apresentadas nos resultados dos indicadores sociais para os dois grupos (c.f.
Hasenbalg, 1979, Valle Silva, 1980; Osório, 2003).
59
Composição da população por cor/raça do município e da região
Comparando a composição da população por cor/raça da cidade de Resende com a
Microrregião Geográfica (Vale do Paraíba fluminense) a que pertence pode-se observar que a
participação de brancos é maior em ambas as unidades territoriais, mas Resende apresenta
menor diferença entre negros e brancos na população.
60
(%) População negra - Brasil, Vale do Paraíba fluminense e Resende
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000
Em termos percentuais, mesmo com pouca diferença, os dados mostram que a
população negra em Resende ultrapassa o conjunto de toda a região. O gráfico a seguir mostra
a dinâmica de composição racial da população das quatro maiores cidades da região, cuja
distribuição segue a tendência com número de brancos pouco superior ao de negros;
entretanto, a diferença na participação entre os dois grupos de cor é menor em Barra do Piraí,
seguida de Resende, Barra Mansa e Volta Redonda. Ou seja, essa ordem sugere que essas são
as cidades de maior população negra n região, sendo Resende a segunda dentre elas.
61
Então, os dados sobre a composição racial da população da região confirmam a
representatividade significativa da população negra na região de estudo, em particular no
município de Resende
90
. Diferentemente de outras regiões interioranas do estado do Rio de
Janeiro que são reconhecidas por suas tradições culturais de origem européia, a composição
racial da população na região Sul Fluminense demonstrou que a marca histórica da escravidão
colaborou para maior concentração de negros na localidade
91
.
90
Interessante ressaltar que, dentre os 12 municípios que pertencem à região do Médio Paraíba fluminense, Porto
Real é o único em que o número de negros ultrapassa o de brancos na composição da população (ver tabela 2 em
anexo).
91
Têm-se desenvolvido iniciativas de promoção ao turismo histórico na região com o fim de resgatar a história
do ciclo de fazendas do ciclo do café. Interessante ressaltar que muitas das fazendas encenam o ambiente da
escravidão de modo a contratar negros para se passarem por escravos daquele período – tais práticas são
62
Composição da população segundo sexo e cor/raça
Além da composição racial da população, também é significativo para a análise das
desigualdades no mercado de trabalho conhecer a participação de mulheres no conjunto da
população. Muitos estudos têm demonstrado que a inserção das mulheres negras no mercado
de trabalho é pior do que a das mulheres brancas, ou seja, que as mulheres negras sofrem uma
dupla discriminação além do gênero, por cor/raça (Soares, 2000; HASENBALG, VALLE
SILVA, & LIMA, 1999).
População (%) residente por sexo e cor, Resende-RJ
Sexo Cor %
Branca 25,56
Preta 3,21
Homem
Parda 19,65
Branca 27,82
Preta 2,92
Mulher
Parda 19,23
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000
A proporção de homens e mulheres mostra que mais mulheres no conjunto da
população. Quando observamos a variável racial, os dados revelam que as mulheres brancas
(27,82%) têm maior representação em relação aos outros grupos; a elas seguem-se os homens
brancos com 25,56%, os homens negros com 22,86%, e, as mulheres negras com 22,15% do
total da população.
Numa cidade onde o principal mercado de trabalho é gerado num setor onde a marca é
a exclusão das mulheres, a revelação de que estas têm maior representação no conjunto da
população corrobora para a constatação do acesso desigual de homens brancos e negros, bem
como mulheres brancas e negras no mercado de trabalho local.
desenvolvidas pelo Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do Paraíba (ver em
www.preservale.com.br/)
63
Educação
A educação é um dos principais mecanismos de ascensão social que reflete tanto na
demanda por trabalho como nas remunerações que as pessoas podem alcançar. Alguns estudos
têm apontado que as diferenças nos investimentos em educação (quantidade e qualidade)
constituem o principal fator de desigualdades entre negros e brancos (Hasenbalg & Valle
Silva, 2003).
Alfabetização/taxa de analfabetismo
(%) Pessoas de 5 anos ou mais de idade por cor ou
raça e alfabetização - Resende
Cor ou raça Alfabetizadas
Branca 53,28
Preta 8,32
Parda 29,32
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000
A maioria dos resendenses, em geral, é alfabetizada; entretanto, tomando a participação
de negros e brancos no conjunto da população, os dados revelam desvantagens para a
população negra (37,64%) que é menos alfabetizada que a branca.
Embora quase oito pessoas sejam alfabetizadas para cada 100 habitantes, a taxa de
analfabetismo
92
, entre a população de 25 anos ou mais de idade
93
, mostra aumento das
desvantagens de acesso a educação para a população negra: homens negros e mulheres negras
chegam a ter quase o dobro das taxas de seus equivalentes.
92
Razão entre os indivíduos que não sabem ler/escrever pela população da faixa etária selecionado (multiplicado
por 100)
93
Essa faixa etária foi escolhida por ser mais representativa entre os trabalhadores da Volkswagen, como
veremos no capítulo a seguir.
64
Para as mulheres a taxa de analfabetismo é maior em relação aos homens nos dois
grupos de cor/raça; mas quando a variável racial é considerada o sexo fica menos imperativo;
ou seja, homens negros têm taxa superior às mulheres brancas, o que significa maior
desqualificação entre os negros, independente do sexo.
65
Média de anos de estudos
94
É notória a relação entre o grau de escolaridade e a renda e posição no mercado de
trabalho. No que tange as desigualdades de acesso a educação para negros e brancos,
Henriques (2002) mostrou que, embora tenha ocorrido aumento da escolaridade média da
população brasileira em geral, com o combate ao analfabetismo e a expansão da média, as
diferenças em anos de estudos entre brancos e negros continuou a mesma; ou seja, os
resultados positivos da política educacional não colaboraram para a diminuição das
desigualdades raciais.
É importante ter em conta as desigualdades educacionais de negros e brancos para
pensar as oportunidades de trabalho no caso estudado. Também em Resende, brancos
apresentam vantagens em anos de estudo em relação aos negros, mantendo a tendência
apontada por Henriques (open cit) com relação ao padrão nacional: brancos têm dois anos a
mais de estudo que negros.
94
Razão entre o total de anos de estudos completos pelo total de pessoas da faixa etária selecionada.
66
Entretanto, quando inserida a dimensão de gênero, os dados revelam mudanças nessa
dinâmica; isso porque, em geral, as mulheres avançaram com relação à última década (SNIG,
2000).
Entretanto, no caso de Resende, esse resultado fica restrito às mulheres brancas
resultado que se destacam com cerca de dois anos a mais de estudos que homens brancos e
negros e as mulheres negras, considerando a população de sete anos ou mais de idade.
Considerada as faixas de idade mais absorvida pelo mercado de trabalho, (18-24 anos e
de 25 ou mais anos de idade) vemos que não segue a dinâmica anterior; isto é, a variação entre
as médias tem diferenças significativas de acordo com sexo e a cor/raça das pessoas.
67
A média de anos de estudos revela um dado inusitado: na primeira faixa etária (18 a 24
anos de idade) as mulheres negras têm a mesma média de anos de estudos que os homens
brancos. Enquanto que na faixa de 25 anos ou mais de idade a média cai apenas para os negros
se mantendo para as mulheres brancas e aumentando para os homens desse grupo racial;
mesmo assim, as mulheres negras não apresentam resultados inferiores ao dos homens negros.
Isso significa que, se considerada a quantidade de anos de estudos, as mulheres deveriam ter
maior participação no mercado de trabalho que os homens, mesmo as mulheres negras.
Na análise da escolarização, o fator idade também se torna fundamental quando
intersecionada com as variáveis de gênero e cor/raça. Pudemos constatar que a média de anos
de estudo do grupo branco é maior quanto maior a faixa etária (mantendo-se entre as mulheres
brancas), ao passo que a quantidade de estudo dos negros diminui, e de modo incisivo para as
mulheres negras. Certamente, isso traduz a dificuldade de os negros em completar a educação
básica (ensino médio) e a restrição no acesso ao ensino superior.
68
Ocupação
O universo escolar, assim como o mercado de trabalho foi classificado por Sansone
(1992) como uma área dura na relação entre negros e brancos; isto porque, para o autor,
nessas áreas o negro está em desvantagem em relação ao branco por conta da posição inferior
que ocupa.
Dessa forma, é considerando que o mercado de trabalho constitui lócus privilegiado de
produção e reprodução das desigualdades raciais que se verifica a inserção desqualificada de
negros e negras na estrutura de emprego. Tal desqualificação constata-se observando a
dinâmica da distribuição de negros e brancos nas diferentes posições de ocupação e na
desigualdade de rendimento para trabalhos de igual valor.
População Economicamente Ativa
95
95
Pessoas que estão disponíveis para o exercício de atividades econômicas, sejam trabalhando ou procurando
emprego, com 10 ou mais anos de idade.
69
A participação na PEA é o indicador que a primeira informação sobre a
inclusão/exclusão de negros do mercado de trabalho. A distribuição mostra que a PEA é maior
entre os homens, em ambos os grupos de cor/raça, entretanto, mulheres brancas e homens
negros têm quase a mesma participação ao passo que as mulheres negras têm a metade da
participação dos homens brancos. Isto confirma que as mulheres negras são o grupo mais
vulnerável, por sofrerem dupla discriminação (baseada no sexo e na cor/raça)
96
.
Taxa de atividade
97
96
Diversas pesquisas (Castro e Sá Barreto, 1998; Hasenbalg & Valle e Silva, 2003; Beltrão; Sugahara; Peyneau
& Mendonça, 2003) têm revelado o aumento na participação de mulheres no mercado de trabalho cujos
resultados, tanto quanto a inserção como com relação à remuneração, são desanimadores para as mulheres negras.
97
Razão entre as pessoas que estão efetivamente disponíveis para o exercício de atividades econômicas,
trabalhando ou procurando emprego, pelo número de pessoas na faixa selecionada (multiplicado por 100).
70
O grau de inserção no mercado de trabalho varia de acordo com a idade, isto porque
acompanha o processo de escolarização. Assim, entre os mais jovens a participação é menor,
independente do grupo de cor/raça, ao passo que na faixa que estão mais concentradas a
população adulta (chefes de família), a participação é maior.
É importante verificar que uma inversão na participação de negros e brancos, com
relação aos dois períodos etários: há um aumento na taxa de participação dos brancos de 7,4%
enquanto que negros aumentam apenas 3,9%. Ou seja, embora melhore para ambos, a
participação de brancos entre a população adulta é maior. Tal inversão pode indicar que a
entrada no mercado de trabalho é mais precoce para negros, o que significa menos
escolarização; conseqüentemente, situação inversa se dá para brancos
98
.
Quando observadas também as diferenças de gênero, temos que a inserção das
mulheres dos dois grupos de cor/raça é consideravelmente inferior em relação aos homens,
independente da faixa etária.
98
A entrada precoce no mercado de trabalho entre os negros está relacionada a diversos fatores, com destaque
para a qualidade do ensino blico (cuja maior clientela são as crianças negras), a renda familiar e o baixo
grau de escolarização dos pais. Para um breve panorama da situação educacional entre jovens de origem popular
no Rio de Janeiro, ver Encarnação (2007).
71
Como foi assinalado, variação da participação de acordo com a faixa de idade para
negros e brancos. Entretanto, quase não diferenças na participação entre as mulheres nas
duas faixas de idade, tendo as mulheres brancas melhorado pouco em relação às negras;
entre os homens, a participação dos negros é maior na faixa de idade mais jovem, enquanto
que a dos brancos é maior na faixa de idade mais adulta.
População ocupada
99
A análise da distribuição da população ocupada contribui para verificar a qualidade do
da participação de negos e brancos, homens e mulheres no mercado de trabalho. Como
evidenciou Costa Pinto (1998), o fundamental para se conhecer a verdadeira situação social
dos negros no Brasil é analisar as diferenças de posições que negros e brancos ocupam na
estrutura de emprego.
99 Total de pessoas de 10 anos ou mais que estão trabalhando.
72
Em conformidade com os dados sobre a PEA, a distribuição mostra maior inserção de
homens brancos, pouca diferença entre mulheres brancas e homens negros (em favor destes) e
baixíssima participação de mulheres negras entre a população ocupada.
Posição na ocupação
Posição de empregado
Com relação à participação de homens e mulheres, negros e pardos na população
ocupada, na posição de empregado maior participação de homens negros, isto porque nessa
posição estão representados cerca de 70% dos homens negros da população ocupada;
73
diferentemente ocorre para os homens e mulheres brancos que são pouco mais de 50% nessa
posição. Já as mulheres negras ocupadas não chegam a representar 40% nessa posição.
Posição de empregador
A posição de empregador comporta significativamente um mero menor de pessoas
ocupadas por conferir, além de poder econômico, status social. Como a literatura tem
demonstrado
100
, na posição de empregador a participação de negros senão/é quase nula, bem
100
Recentemente foi traçado o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil cujos dados
revelaram que a presença de mulheres e negros nas empresas é reduzida, inclusive se comparada a sua
participação na população economicamente ativa; baixa representação desses dois grupos nos altos escalões
hierárquicos de comando (74% dessas empresas o m negros em cargos de diretoria, e, em 58% o
mulheres nesse nível hierárquico) - Instituto Ethos, 2003.
74
como as mulheres brancas estão em ampla desvantagem com os homens brancos nessa
posição.
Posição de conta-própria
Quando a pessoa trabalha explorando seu próprio empreendimento
101
, a participação
no mercado de trabalho segue dinâmica similar com relação à posição de empregado, sendo
que as mulheres negras aparecem ainda mais em desvantagem nessa posição.
101
Pode ser sozinha ou com sócio, mas sem ter empregado; entretanto, pode contar com ajuda de trabalhador
não-remunerado.
75
População ocupada na posição de militares e estatutários
As posições de militares e estatutários referem-se à existência de vínculo de trabalho
público, civil ou militar nas três esferas governamentais
102
(federal, estadual e municipal).
Essas posições são valorizadas no mercado de trabalho da cidade pelos rendimentos mais
elevados em relação à renda per capta do município
103
.
A pouca participação de trabalhadores nessa posição mostra que, tal como a posição de
empregadores, constitui posição privilegiada no mercado. Embora os resultados demonstrem a
predominância de homens nessa posição, inclusive com maior participação de homens negros
com relação às mulheres brancas, ressalta-se a exclusão de mulheres negras tal qual ocorre na
posição de empregador.
102
forte influência do exército sobre a estrutura econômica da cidade por conta da Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN).
103
A renda per capta de Resende no ano 2000 era de R$ 365,45 (IBGE, censo 2000).
76
Posição de trabalhador doméstico
Segmento de baixa qualificação no mercado de trabalho, com pouca formalidade e
rendimentos precários, a verificação da participação da população ocupada na posição de
trabalhador doméstico
104
se coloca como fundamental para a compreensão da qualidade de
inserção das mulheres negras na estrutura de emprego.
Posição tipicamente ocupada por mulheres, entretanto, majoritariamente mulheres
negras que chegam a concentrar quase 50% nessa posição: de 6434 mulheres negras ocupadas,
2588 são trabalhadoras domésticas.
104
O trabalho doméstico não faz parte do setor econômico em análise.
77
Rendimentos da população ocupada
105
Além da qualidade da inserção (posições na ocupação), os rendimentos constituem
indicador fundamental para a caracterização do perfil de inserção de homens e mulheres,
negros e brancos no mercado de trabalho. Ao comparar diferenças nos rendimentos de
ocupações na mesma posição de trabalho, constata-se o impacto direto dos atributos de gênero
e raça como produtores das desigualdades sociais no mercado de trabalho.
Rendimentos da população ocupada na posição de empregado
105
Razão entre a soma do rendimento mensal de todos os trabalhos das pessoas ocupadas com rendimento pelo
número total de pessoas com rendimento na posição ocupada.
78
Os rendimentos das pessoas empregadas, embora a discriminação de gênero ainda pese
contra as mulheres no mercado, as desigualdades se destacam mais em relação ao
pertencimento racial: homens brancos têm os melhores rendimentos (quase 80% a mais que as
mulheres brancas); mas os homens negros percebem 10% menos dos rendimentos das
mulheres brancas; e, devido à dupla discriminação, as mulheres negras ganham três vezes
menos que os homens brancos.
Rendimentos da população ocupada na posição de empregador
Também como empregadores, os brancos levam vantagens em relação aos negros; ou
seja, a ocupação em posições de comando, que exigem maior grau de escolarização, não
remete a igualdades em termos de renda.
79
Interessante observar que, como empregadores, brancos melhoram seus rendimentos
(as mulheres mais que os homens); ao passo que entre os negros a melhora ocorre apenas para
os homens: as mulheres negras chegam a ganhar ainda menos como empregadoras.
Rendimentos da população ocupada na posição de conta-própria
O rendimento do trabalho por conta-própria é, em geral, consideravelmente maior
quando o trabalhador é seu próprio patrão; isto fica evidente, pois aqui as diferenças de sexo e
cor/raça não são imperativas.
80
É justamente na posição de trabalho em que as mulheres negras são minoria onde elas
ganham mais, até que os homens brancos. para as mulheres brancas, o trabalho por conta-
própria aufere os menores rendimentos.
Rendimentos da população ocupada na posição de militares e estatutários
Enquanto as mulheres brancas apresentaram os piores rendimentos na posição de
trabalho por conta-própria, na posição de militar/estatutário apresentam os melhores
resultados.
Curiosamente os homens brancos têm os piores rendimentos nessa posição, o que
provavelmente pode sugerir maior inserção das mulheres na gestão governamental, enquanto
81
que a inserção masculina deve se restringir ao serviço militar obrigatório (cujos rendimentos
são consideravelmente inferiores). Os rendimentos de homens e mulheres negros, assim,
como as mulheres brancas, devem indicar maior inserção na estrutura de emprego público.
Rendimentos da população ocupada na posição de trabalhador doméstico
Como visto, o perfil dos trabalhadores domésticos é típico de mulheres, de maioria
negra; entretanto, não diferenças significativas nos rendimentos para os dois grupos de
cor/raça, o que sugere que nessa posição, caracterizada pela baixa escolaridade, vínculo
informal de trabalho e pouco prestígio social, a cor/raça do trabalhador não atua como
mecanismo de exclusão do mercado de trabalho.
82
***
Um breve resgate histórico registrou a inserção dos negros como escravos no mercado
de trabalho em fins da sociedade escravista. Tal reconstrução foi importante para podermos
compreender a composição racial da população em Resende, bem como as características
socioeconômicas da força de trabalho passados um século da escravidão.
A vantagem em desagregar os dados por sexo e cor/raça está em poder comparar as
diferenças nas condições de vida de homens e mulheres, negros e brancos. Diferenças
significativas na inserção de negros e brancos, bem como homens e mulheres no mercado de
trabalho permitem retomar Costa Pinto (1998) ao dizer que em termos de ascensão social,
negros de escravos passaram a proletários, enquanto que os brancos de fazendeiros a patrão.
A notória correspondência entre grau de escolaridade, posição na ocupação e
diferenças nos rendimentos da população economicamente ativa tem sido ressaltada por
muitos estudos sobre a reprodução das desigualdades raciais
106
. No caso em particular, embora
os indicadores apresentem resultados positivos para o nível de escolaridade no conjunto da
população, há desigualdades nos resultados com desvantagens para negros:
Negros estão menos representados entre a população alfabetizada, e tem em
média de 2 a 3 anos de estudos menos que brancos.
A análise geracional mostra que mulheres brancas se mantêm com média
superior aos demais, ao passo que homens brancos aumentam a quantidade
de anos de estudos e homens negros e mulheres negras diminuem em idades
mais avançadas.
Na análise da qualidade da inserção no mercado de trabalho também se
verificou com diferenças marcantes que confirmam vantagens para brancos,
embora as diferenças de gênero sejam mais incisivas que as de cor/raça.
Interessante observar que a comparação entre a composição da população
106
Hasenbalg e Valle e Silva (1988) constataram que pretos e pardos obtêm níveis de escolaridade
consistentemente inferiores aos brancos de mesma origem social e que os retornos à escolaridade adquirida em
termos de inserção ocupacional e renda tendem a ser proporcionalmente menores para pretos e pardos do que
para brancos.
83
economicamente ativa e a taxa de atividade - ambos indicadores que medem
a parcela da população em idade ativa que se encontra no mercado de
trabalho - mostra diferenças, particularmente com relação aos resultados das
mulheres brancas, que têm sua taxa de atividade bastante inferior a dos
homens negros, embora a PEA dos dois seja semelhante; outra diferença nos
resultados diz respeito à análise geracional: na fase adulta as desvantagens
pesam mais em relação à cor/raça.
A verificação da população ocupada em diferentes posições mostrou que
concentração dos trabalhadores nas posições de empregado e trabalhador por
conta-própria, com concentração de trabalhadores negros na posição de
empregado e trabalho doméstico, no caso específico das mulheres negras.
A análise da distribuição dos rendimentos é o que explicita mais claramente a
forte segmentação racial do mercado de trabalho: negros ganham em média
menos 70% do salário auferido pelos brancos. Na posição de
militar/estatutário os resultados do rendimento médio de homens brancos
surpreende sendo o menor, com relação aos outros; nessa posição são as
mulheres brancas que têm os melhores rendimentos, seguidas de homens
negros e mulheres negras. Importante lembrar que, com exceção dos cargos
de confiança, a inserção nessa posição de trabalho se dá via concurso público,
cujas características adstritas das pessoas como a aparência física – não são
levadas em consideração no processo de seleção.
Com efeito, os resultados confirmam a participação desigual de negros e brancos no
mercado de trabalho, desigualdades que se acentuam se considerada a perspectiva de gênero.
Assim, apesar dos impactos positivos com a ampliação das oportunidades de trabalho que vem
ocorrendo com o desenvolvimento do pólo automotivo na região, a distribuição desses
benefícios parece não atingir igualmente brancos e negros, homens e mulheres.
84
Capítulo 3: A FORÇA DE TRABALHO MOTOR: PERFIL RACIAL DOS
TRABALHADORES DA VOLKSWAGEN ÔNIBUS E CAMINHÕES - RESENDE/RJ
3.1 – Introdução
A análise das condições socioeconômicas da população negra em Resende contribuiu
para a caracterização da inserção desse segmento no mercado de trabalho local, servindo de
base para comparações com o perfil dos trabalhadores negros da fábrica da Volkswagen
ônibus e Caminhões, objeto de analise desse capítulo.
Tanto as informações históricas quanto as socioeconômicas contribuirão para a leitura
dos dados sobre os trabalhadores da fábrica, que traz uma particularidade a organização da
produção através do consórcio modular.
Diversas pesquisas têm abordado as transformações sociais que vêm ocorrendo no
mundo do trabalho. Parte da produção acadêmica sobre o tema do trabalho e emprego está
associada ao processo de reestruturação industrial que, na atual configuração, acarretou numa
reorganização geográfica da indústria automobilística no Brasil (Nabuco, Neves & Neto;
2002).
No caso do Rio de Janeiro, a implantação de novas fábricas da indústria
automobilística na região Sul Fluminense afetou concretamente as esferas políticas,
econômicas e sociais daqueles municípios. Um dos efeitos foi a emergência de um novo
operariado local que se adequasse às necessidades do pólo industrial que se formara, em
particular, com a instalação da Volkswagen Caminhões e Ônibus (1996) no município de
Resende/RJ e, posteriormente, da Peugeot-Citröen (2001) no município de Porto Real
(Ramalho e Santana, 2006).
Assim, essa seção levará à compreensão da especificidade da formação de mão-de-obra
a partir do pertencimento racial dos trabalhadores.
85
3.2 - O survey
A base de dados utilizada para identificação do perfil do “novo operariado” local
compõe informações empíricas obtidas através da realização de um survey
107
com
funcionários das empresas que compõem o “consórcio modular” da Volkswagen em Resende,
cujo objetivo era revelar suas concepções sobre as relações de trabalho, as relações com os
órgãos de representação e a vida fora da fábrica. O cruzamento dos dados de acordo com a
cor/raça
108
dos entrevistados possibilitará uma visão mais geral sobre a diversidade
socioeconômica, das relações trabalhistas e da participação política dos trabalhadores.
No perfil geral
109
, a identificação da cor/raça dos trabalhadores revelou maior
participação para os trabalhadores negros
110
(54%) no interior da fábrica; brancos constituem
36% dos trabalhadores, enquanto que indígenas e amarelos apenas 5%.
A maioria é bastante jovem, sendo 70% entre 20 e 34 anos de idade; tem ensino médio
completo ou está cursando; e, são trabalhadores sem experiência no setor industrial. Dado
interessante revelado é que 54% dos trabalhadores conseguiram emprego por indicação, sendo
107
O survey foi realizado em 2001 e constitui uma subseção da pesquisa “O Global e o Local: os impactos da
implantação do pólo automotivo do Sul Fluminense”, coordenada pelos professores José Ricardo Ramalho e
Marco Aurélio Santana, ambos do Programa de s-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. Foi
aplicado um questionário fechado com 70 perguntas divididas em três partes: dados socioeconômicos, sobre as
relações de trabalho, e, a participação político sindical dos trabalhadores a 10% do total de trabalhadores que
representava na época cerca de 900 operários das empresas que compunham o consórcio modular.
108
É importante sinalizar que a incorporação do fator cor/raça nesse survey demonstra, apenas por sua
introdução, uma mudança no padrão de estudos sobre as questões de trabalho, principalmente no setor industrial,
uma vez que a história contada pelos pesquisadores da formação do movimento sindical brasileiro, por considerar
as relações de classe o único fator que explica o problema das desigualdades no contexto sócio-econômico, tende
a omitir a participação do negro como sujeito do processo de organização dos trabalhadores durante a fase de
constituição da indústria no país. A crise contemporânea nos espaços de produção colocada pelo processo de
reestruturação produtiva constitui um dos principais elementos para a abertura do movimento operário, dos
sindicatos, a demandas que não se restringem somente à luta por melhores salários e condições de trabalho.
Segundo Santana (1998), antigas demandas agora estão sendo parcializadas na luta pela transformação social dos
sindicatos com novas questões que reconhecem a diversidade da classe trabalhadora, tais como cor/raça, gênero e
opção sexual Por outro lado,
Bento (1999) ressalta que
o crescimento da produção de dados estatísticos constatando as
desigualdades raciais em termos de discriminação salarial, segmentação racial no trabalho, taxas de desemprego,
imobilidade social, dentre outros indicadores, estimularam debates no âmbito do movimento sindical, bem como
levaram ao aparecimento de iniciativas institucionais para combater o problema. Para a autora,
a crise de valores e
legitimidade do sindicalismo
mudanças ocorridas no mundo do trabalho -
proporcionaram a inclusão da discussão acerca da diversidade e dos
direitos humanos
abrindo
oportunidade para
a
institucionalização da luta anti-racista no setor
que
passou a compree
ndê-la
como parte indissociável da conquista
social e promoção da justiça.
109 O relatório final da pesquisa apresentou um perfil dos metalúrgicos dos trabalhadores do chão de fábrica das
oito empresas que formam o consórcio modular, não incluindo os gerentes.
110
A coleta do quesito cor/raça seguiu o procedimento utilizado pelo IBGE com perguntas fechadas em que o
entrevistado se identificava com apenas uma das cinco alternativas de cor/raça (branca, amarela, preta, parda e
indígena).
86
38% por algum familiar (tios ou primos) e 16% através de amigos; ou seja, que o processo de
contratação para a empresa ocorre com maior intensidade por meios informais de seleção.
Sobre as relações de trabalho a pesquisa identificou, na relação entre funcionários e
empresa, que existe pressão exercida por parte da gerência sobre os funcionários; estes
demonstram preocupação com o desemprego e tem orgulho em trabalhar na Volkswagen;
consideram o emprego mais como uma forma de garantir o futuro da família e de ser
respeitado como trabalhador que uma forma de ter um bom salário
111
. O estímulo aos estudos
oferecido pelas empresas também significa um fator atrativo para o emprego na fábrica.
Com relação ao módulo sobre a participação político-sindical é curioso notar que, no
item que avalia as lutas prioritárias do sindicato, os funcionários opinaram como sendo os
pontos de pautas mais importantes as questões relativas à estabilidade no emprego, com
atenção aos cursos de formação profissional; questões mais gerais como políticas públicas e
luta pela terra ficaram em segundo plano, o que pode significar uma amostra da intensa
preocupação com o medo de perder o emprego.
Baseados no conjunto geral dos dados, Ramalho & Santana (op cit, pp. 109-110)
apresentaram um quadro básico que define as características socioeconômicas e pontos de
vista dos funcionários:
a) Quanto às características socioeconômicas: trabalhadores majoritariamente jovens, casados
com filhos, do sexo masculino, da religião católica; identificam-se racialmente de forma
equilibrada entre negros (conjunto de pretos e pardos) e brancos; a maioria tem casa própria e
é de origem do município de Resende; são bem escolarizados (ensino médio completo) e tem
formação técnica profissional no SENAI; recebem entre 3 e 5 salários mínimos; não tem
experiência no setor industrial; foram indicados por amigos ou parentes para trabalhar na
fábrica.
b) Quanto às relações de trabalho: consideram boas as condições de trabalho e também suas
relações com os gerentes e com a empresa; têm orgulho de trabalhar na fábrica; estão
preocupados com o desemprego; consideram o ritmo de trabalho rápido o que gera cansaço
após o expediente.
111
As respectivas alternativas aparecem do primeiro ao quarto lugar, respectivamente, na opção dos
entrevistados.
87
c) Quanto à participação sindical: são majoritariamente sindicalizados e avaliam
positivamente as ações do sindicato dos metalúrgicos e da comissão de fábrica; consideram
como função dos órgãos de representação dialogar com a empresa e atuar na área da formação
profissional.
3.3 - Cruzamento de dados por cor/raça
A literatura sobre os estudos de mobilidade social no Brasil tem demonstrado que o
mercado de trabalho constitui um espaço social de produção e reprodução das desigualdades
raciais (Beltrão, Sugahara, Peyneau, Mendonça, 2003; Lima, 2001; Henriques, 2001;
Heringer, 1999; Castro & Barreto, 1998; Valle Silva & Hasenbalg, 1992; Sansone, 1992).
Nesse sentido, a análise do perfil socioeconômico dos trabalhadores negros da Volkswagen-
Resende busca dar conta da qualidade de inserção de pretos e pardos na fábrica observando a
dinâmica das diferenças nos resultados entre os trabalhadores numa indústria criada dentro dos
novos padrões de reestruturação produtiva.
Importante observar que o consórcio modular constitui um modelo de produção único
da Volkswagen-Resende no mundo, cuja característica de organização da produção levou a
uma redefinição da distribuição do trabalho de acordo com as atividades exercidas por cada
empresa seja fornecedora, parceira ou terceira
112
(cf. Pereira, 2006, p.112). Isso significa que a
base de dados analisada não envolveu o conjunto dos trabalhadores da planta
113
, mas apenas
uma amostra dos trabalhadores das empresas parceiras (consórcio modular
114
), excluindo
112
Pereira (2006) fez uma análise das empresas terceirizadas da Volkswagen de Resende e observou que as
diversificadas experiências nas trajetórias ocupacionais dos trabalhadores revelam diferenças no grau de
vulnerabilidade para os terceirizados onde, para aqueles trabalhadores que realizam serviços estratégicos da
produção -os da logística e manutenção - e aqueles terceirizados que atuam conjuntamente aos trabalhadores da
Volkswagen -os de inspeção da qualidade -, em situações de demissão, tem “maior possibilidade de demissão,
considerando o posicionamento e a necessidade estratégica dos trabalhadores, tendendo para aqueles que não
preenchem melhores características atribuídas (idade, sexo, etnia) e adquiridas (qualificação, escolaridade).
113
Como os trabalhadores das empresas terceirizadas não responderam ao questionário um número representativo
de segmentos com menos inserção no mercado de trabalho formal, mais vulneráveis por não possuírem as
melhores características exigidas no mercado de trabalho como idade, sexo, etnia e qualificação profissional,
ficaram de fora.
114
Na época os trabalhadores somavam em torno de 900 operários
114
; os questionários foram aplicados a 10% do
total (90 questionários), sendo 79 trabalhadores da linha de montagem e 11 gerentes.
88
aqueles das atividades auxiliares à produção como alimentação, limpeza, segurança e
transporte, também, as atividades administrativas.
Os trabalhadores nas empresas do consórcio modular
O consórcio modular compreende sete empresas responsáveis por cada parte da
produção: chassis (Maxion), eixos/suspensão (Méritor), rodas/pneus (Remon), motores (Power
Train), gabinetes/cabina (Delga
115
), interior cabinas (VDO), pintura (Carese/Eisenmann); além
da Volkswagen que não têm operários na linha de montagem, ficando responsável pela gestão
da produção e venda dos veículos (Abreu, Beynon e Ramalho, [2000] 2006). A tabela a seguir
mostra a distribuição dos trabalhadores nas empresas do consórcio modular.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e Empresas do consórcio modular
Cor/raça
Empresa
Branca Preta Parda
Remon
7,7% 29,4% 4,0%
Maxion
12,8% 11,8% 4,0%
Méritor
10,3% 11,8% 12,0%
Carese
10,3% 11,8% 16,0%
Delga
12,8% 5,9% 36,0%
Power Train
7,7% 5,9% 8,0%
VDO
17,9% 11,8% 8,0%
VW
20,5% 11,8% 12,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Entre as oito empresas do consórcio modular maior concentração de trabalhadores
negros na Delga e na Remon; os trabalhadores brancos têm maior participação na
Volkswagen e na VDO.
115
Em 2005 a AKC ganhou a concorrência com a Delga pelo setor de confecção das cabinas.
89
Níveis hierárquicos
É fundamental para a percepção do impacto do racismo sobre as possibilidades de
inserção na estrutura de emprego considerar na distribuição da mão-de-obra por níveis
116
hierárquicos. Por isso, a base de dados analisada inclui o total de questionários aplicados,
envolvendo os gerentes e trabalhadores da linha de produção
117
.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça e nível
Cor/raça
Nível
Branca Preta Parda
74,4% 100,0% 100,0%
25,6%
Produção
Gerência
Total 100,0% 100,0% 100,0%
A tabela mostrou a variação na posição segundo o nível dos trabalhadores que, no
survey, foi dividido em dois grupos: gerência e produção (operários da linha de montagem).
Ela revela que a maioria, independente do pertencimento racial, são funcionários da produção;
entretanto, verifica-se concentração em massa de negros no nível da produção, enquanto que
25,6% do total de brancos entrevistados estão entre os gerentes.
Sexo
Nas entrevistas pessoais que realizei durante meu trabalho de campo questionei a
presença/ausência de mulheres na fábrica. Os trabalhadores expressaram uma idéia de divisão
116
Em minhas visitas a empresa e nas conversas com os trabalhadores percebi que tal divisão entre gerentes e os
“peões” da linha de montagem se estabelece, no entanto, parece ser mais relevante as diferença internas a linha de
montagem em atividades estratégicas à produção que, embora em grau menor em termos de salários, a condição
de prestígio e estabilidade profissionais ficou clara nas aspirações e desejos de ascensão social dentro e/ou fora da
fábrica na fala dos trabalhadores com que tive contato. Pereira (2006, 119) confirmou em seus estudos sobre
terceirização na empresa que os trabalhadores ligados à produção ou manutenção (p.119) têm maior poder de
barganha que aqueles cujos serviços são considerados periférico à produção.
117
A distribuição absoluta por raça, sexo e nível aponta para: a) na gerência - 10 brancos e 1 amarelo; b) na
produção - 4 indígenas (sendo que 1 mulher), 17 pretos, 25 pardos (sendo 1 mulher), 4 amarelos (sendo 1
mulher), e, 29 brancos.
90
sexual do trabalho
118
; ou seja, existência de funções tipicamente femininas e masculinas de
acordo com o grau de exigência do uso da força para justificar a distribuição de mulheres
no espaço fabril
119
.
A distribuição dos trabalhadores segundo o sexo e cor/raça mostra que a composição
da mão-de-obra é predominantemente masculina; e, nenhuma das mulheres se auto-declarou
racialmente como branca.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça e sexo
Cor/raça
Sexo
Branca Preta Parda
Masculino 100,0%
100,0%
96,0%
Feminino
4,0%
Total 100,0%
100,0%
100,0%
Vale ressaltar que os serviços prestados por mulheres nas funções administrativas das
empresas exigem maior grau de escolaridade
120
daí que, visivelmente, a maior participação
feminina nessas atividades é composta por mulheres brancas
121
.
118
Vale ressaltar que tal divisão sexual do trabalho revela-se num comprometimento das chances de distribuição
dos benefícios (em termos de poder de compra e prestigio social) adquiridos através da inserção no quadro
profissional das empresas da Volkswagen, que não somente via empresas terceirizadas onde já foi colocada a
maior participação do segmento feminino, especialmente para as mulheres negras.
119
Tal divisão sexual do trabalho pode ser vista claramente na visão de Rafael (membro da comissão de fábrica):
Quando eu entrei [na Volkswagen] não tinha mulher trabalhando lá, mas agora até tem; elas estão mais nos
escritórios do que na linha. Embora a gente trabalhe com pouco esforço, o trabalho é muito repetitivo; a gente
trabalha 8 horas direto fazendo o mesmo movimento [...] A cada 4 minutos em meio, sai um veículo; por turno
saem uns 180 veículos numa situação de mercado boa, tendo capacidade de até 200 por dia, mas hoje nós
fazemos 140 veículos por dia. Nós temos uns 2000 homens pra essa quantidade de veículos; as mulheres ficam
mais na parte de controle de processo que são uns escritórios envidraçados. Na montagem você encontra
[mulheres] na área de armação e pintura. Na pintura predomina o número de mulheres - na parte de
ponteadores, serviços com peças detalhadas que exige solda, uma paciência maior demanda a utilização de
mão-de-obra feminina”.
120
A quantidade de anos de estudo das mulheres em Resende é maior que a dos homens. Observados o gênero e a
cor/raça, na faixa etária de 18 a 24 anos de idade, interessante reparar que há pouca ou quase nenhuma diferença
na média de anos de estudos entre mulheres negras e homens brancos: mulheres brancas (9,3), mulheres negras
(7,4), homens brancos (7,1) e homens negros (6,8); no grupo de 25 anos ou mais de idade, a quantidade de
estudos dos homens negros (6,1) é superior a dos homens brancos (5,8) e das mulheres negras (5,5).
121
A remuneração das atividades exercidas na parte administrativa das empresas também é superior; segundo
meus entrevistados, um montador ganha em torno de R$ 1.200,00 e o pessoal da administração cerca de R$
2.500,00. Isso coloca as mulheres brancas em vantagem considerável em relação às mulheres negras, uma vez
que, além de terem maior acesso ao trabalho na fábrica, têm possibilidades de maiores rendimentos por ocuparem
posições de trabalho mais valorizadas.
91
Naturalidade e residência
Como o mercado de trabalho local não dispunha de mão-de-obra qualificada no setor
automobilístico houve um duplo movimento na seleção inicial dos trabalhadores: por um lado
a Volkswagen trouxe gente do ABC para suprir as necessidades que não estariam disponíveis
localmente; por outro, houve um intenso movimento do SENAI local no sentido de recrutar e
formar o mais rápido possível trabalhadores para as novas práticas produtivas (Ramalho,
2006, p. 27).
A requisição de trabalhadores ao mercado de trabalho local corresponde a inserção de
trabalhadores sem experiência no setor industrial automotivo, uma vez que a Volkswagen
insere o estado nesse novo segmento produtivo; nesse sentido foi pensada a relação com a
incorporação de trabalhadores com origem nos estados de Minas Gerais e São Paulo com
longa a tradição industrial no setor. Daí, podemos identificar que os trabalhadores com origem
no Rio de Janeiro, embora tenham passado por treinamento técnico profissional, não têm
experiência no ramo industrial automotivo; ao passo que aqueles que migraram de outros
estados, certamente, foram recrutados pelo critério de experiência no setor.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor
e estado de origem
Cor/raça
Estado de Origem
Branca Preta Parda
Rio de Janeiro 56,4% 88,2% 92,0%
São Paulo 33,3% 5,9% 8,0%
Minas Gerais 10,3% 5,9%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
A distribuição dos trabalhadores por cor/raça e estado de origem mostra que a maior
parte dos trabalhadores entrevistados é natural do estado do Rio de Janeiro
122
; ou seja, são
trabalhadores sem tradição no setor industrial; entre esses estão maciçamente os trabalhadores
negros. No entanto, embora em menor percentual, verifica-se que os trabalhadores negros
122
Os dados do perfil geral mostraram que 74% do total de trabalhadores moram no município de Resende; os
outros 26% residem nas cidades adjacentes como Itatiaia, Quatis, Penedo, Porto Real, Pinheiral e Barra Mansa,
mas também cidades do estado de São Paulo como Lorena e Cruzeiro.
92
também têm origem em outros estados, podendo, inclusive, terem sido requisitados para
compor a mão-de-obra na fábrica.
Quando observada o local de moradia dos trabalhadores, ou seja, sua distribuição
segundo os bairros de residência no município de Resende, verifica-se que relação entre os
mesmos e os bairros mais pobres. Embora não disponha dos dados como acesso a moradia,
saneamento básico, coleta de lixo etc., para qualificar os bairros de acordo com a qualidade de
vida oferecida aos moradores
123
, em diversos momentos enquanto fazia trabalho de campo
observei essa idéia nas representações de meus entrevistados. Assim, alguns dos bairros com
grande número de trabalhadores da fábrica são citados como sendo os mais violentos da
cidade, chegando a ser comparados às favelas cariocas.
123
Os dados sobre escolarização confirmam tal relação: Cidade da Alegria, Paraíso, Cabral, Vila Itapuca, Vila
Julieta, Vila Santo Amaro, Vicentina, Alegria, Baixada da Itapucá, Nova Alegria e Novo Surubi estão entre os
bairros com maior índice de população de analfabetos de 5 anos ou mais de idade (IBGE - censo 2000).
93
Distribuição dos trabalhadores por cor e Bairro em que vivem
Cor/raça
Bairro em que vivem
Branca Preta Parda
Cidade Alegria 12,8% 11,8% 8,0%
Paraíso 7,7% 11,8% 4,0%
Santo Amaro 5,1% 5,9% 12,0%
Itapucá 5,1% 5,9% 4,0%
Centro 5,1% 5,9% 8,0%
Liberdade 2,6% 5,9% 4,0%
São Caetano 5,1% 8,0%
Manejo 5,1% 8,0%
Nova Alegria 5,1%
Jardim Palastra 5,1%
Lava Pés 5,9% 4,0%
Surubi Velho 2,6% 5,9%
Vila Moderna 2,6% 4,0%
Jardim Primavera 2,6%
Vila Nova 2,6% 4,0%
Bairro De Fátima 2,6% 5,9%
São José 8,0%
Campos Elíseos 5,1%
Jardim Brasília II 5,1%
Jardim Esperança 4,0%
Bulhões 4,0%
Nova Esperança 4,0%
Vila Magnólia 5,9%
Hagaçaba 2,6%
Vista Alegre 5,9%
Auto Dos Passos 5,9%
Parque MG 4,0%
Siderlândia 4,0%
Jardim Brasília 5,9%
Morada Da Colina 5,9%
Baixada 5,9%
Freitas Soares 4,0%
Vicentina
Fazenda Barra 2,6%
Vila Paraíso 2,6%
Campo Alegre 2,6%
Moema 2,6%
Jardim Brasília 1 2,6%
Penedo 2,6%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
94
A distribuição dos trabalhadores por local de moradia mostra que muitos residem em
bairros com baixos índices de desenvolvimento social
124
. Em visita ao bairro da Vicentina,
membros da Associação Cultural Boi Bumbá, organização não-governamental fundada por
moradores da comunidade, ressaltaram o convívio com problemas como o tráfico e consumo de
drogas, alto índice de desemprego, evasão escolar, transporte público irregular e falta de espaços
para o lazer como. Apesar de no survey não ter aparecido na distribuição trabalhadores do bairro
Vicentina, os moradores confirmaram que saem 4 (quatro) ônibus - 2 (dois) por turno - do bairro
para levar os trabalhadores para a fábrica da Volkswagen.
Segundo um dos pesquisadores da região, pouco tempo havia sido realizado na cidade
um seminário com os principais empresários da região para traçar o perfil da violência nos
bairros. Para ele a proposta do seminário não era pensar soluções estratégica para resolver o
problema, mas rotular os bairros pobres prejudicando ainda mais os moradores a se inserirem no
mercado de trabalho.
Claudionor Rosa - diretor do Arquivo Histórico de Resende
Antigamente tinha bolsões de violência [na cidade], mas hoje está tudo generalizado. Os
bairros mais pobres que sofrem. Recentemente teve uma série de debates na Câmara
sobre violência; convidaram muito mais os empresários do que as lideranças
comunitárias. Começaram a projetar os bairros - Vicentina, Cidade Alegria etc. - onde
tem mais estupro, mortes... O empresário que está chegando agora e é chamado pelo
poder público para participar de um debate desse não vai querer ninguém que more
nesse bairro de jeito nenhum. Eles não colocaram a questão das escolas, das associações
de moradores, grupos de mulheres... dava a impressão de que os bairros só tinham
violência!
Também um dos trabalhadores que entrevistei ressalta o medo da violência e do tráfico
de drogas nesses bairros. Morador da Cidade Alegria deseja se mudar para um lugar distante
onde não precise restringir a liberdade de seu filho por medo de que se envolva com o tráfico de
drogas.
124
Cidade da Alegria, Paraíso, Cabral, Vila Itapuca, Vila Julieta, Vila Santo Amaro, Vicentina, Alegria, Baixada da
Itapucá, Nova Alegria e Novo Surubi estão entre os bairros com maior índice de população de analfabetos de 5 anos
ou mais de idade (IBGE - censo 2000).
95
Anderson – Delga (AKC)
A casa que eu moro é alugada, mas eu tenho um terreno na morada do Contorno, mas
eu não quero construir porque é muito perto da Alegria e eu quero sair de lá. Eu não
deixo meu filho sair de bobeira de jeito nenhum. Eles atiram pra cima pra testar o
revólver. Os meninos começam nessa vida com 12, 13 anos. [...] Eu quero comprar no
São Caetano, Liberdade, Manejo Fazenda da Barra... Qualquer lugar longe da Alegria.
A Vicentina eu também não quero porque a chapa é quente; uns 40% do pessoal que
trabalha aqui mora lá.
Escolaridade
A distribuição dos trabalhadores por cor/raça e o grau de escolaridade permite observar
diferenças significativas que seguem o padrão nacional de desigualdades raciais com relação à
educação
125
.
Distribuição (%) dos trabalhadores segundo cor/raça
e Grau de Escolaridade
Cor/raça Escolaridade
Branca Preta Parda
Ginásio Incompleto 10,3%
Ginásio Completo 7,7% 17,6% 24,0%
2º Grau Incompleto 17,9% 47,1% 20,0%
2º Grau Completo 30,8% 29,4% 36,0%
Superior Incompleto 5,1% 5,9% 20,0%
Superior Completo 28,2%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Podemos observar que grande parte dos trabalhadores tem o ensino médio completo
126
;
30,8% dos brancos e 65,4% dos negros. Entretanto, abaixo da faixa um percentual elevado de
125
Segundo o pesquisador do IPEA Ricardo Henriques, ao longo do século 20 a escolaridade aumentou de forma
geral para todos os brasileiros; hoje a população tem em média 6,3 anos de estudo, mas ao verificar a média para
brancos e negros tem-se que jovens brancos m 2,3 anos a mais de escolaridade do que os jovens negros. Os
resultados positivos no aumento da quantidade de educação são, na verdade perversos, pois a diferença de
escolaridade entre brancos e negros que nasceram nos anos 1930 é a mesma daqueles que nasceram nos anos 1970;
ver Barros, Henriques & Mendonça (2002).
96
trabalhadores que não alcançaram esse patamar, e o interessante é que não aparecem negros entre
os que têm apenas o ginásio incompleto. Por outro lado, entre os trabalhadores que têm curso
superior completo participam apenas 28% dos brancos, embora 26% dos negros tenham esse grau
de ensino incompleto
127
.
Ou seja, os dados mostram que os trabalhadores têm alto nível de escolarização e,
considerando que todos os gerentes são brancos e têm ensino superior completo, a distribuição
sugere que negros são mais escolarizados que brancos no nível da produção.
Forma de Seleção
O percentual de negros na composição dos trabalhadores da fábrica (54%) mostra que não
desigualdade no acesso ao trabalho para homens negros e brancos nas empresas do consórcio
modular. Entretanto, a distribuição dos trabalhadores na tabela de acordo com a forma em que
foram selecionados mostra que, embora haja um processo de formação profissional e seleção
formal dos trabalhadores via instituição técnica profissionalizante bem como as empresas
desenvolvam critérios próprios de admissão, em geral processos informais de seleção são mais
utilizados.
Os indicadores utilizados para as formas de seleção abrangem processos seletivos das
empresas, transferências, curso de formação profissional no SENAI, convites além de indicação
por familiar e por amigos. Apenas 8,9% dos trabalhadores conseguiram o emprego através do
SENAI e 35,6% por processo seletivo; mas 48,8% obtiveram o emprego por meios informais de
seleção, ou seja, por indicação de familiares e de amigos.
A seleção dos trabalhadores apresenta características variadas segundo a distribuição dos
trabalhadores por cor/raça tanto com relação à entrada formal (com critérios próprios
estabelecidos por cada empresa ou via curso no SENAI) como à entrada informal (indicação de
familiares e de amigos) no mercado de trabalho na fábrica neste item é interessante analisar a
126
Na tabela está apresentado sob a nomenclatura antiga (primário, ginásio e 2º grau); atualmente os níveis de ensino
se subdividem em ensino fundamental, ensino médio e ensino superior.
127
Importante lembrar que, embora a tabela não inclua o nível hierárquico dos trabalhadores segundo o grau de
escolaridade, certamente aqueles que ocupam cargos de gerência nas empresas estão mais representados entre os que
têm ensino superior completo, daí a exclusiva participação de brancos nessa faixa.
97
dinâmica de pretos e pardos separadamente, haja vista apresentação de resultados bastante
díspares entre pretos e pardos.
A forma de seleção de maior participação entre pretos é o processo seletivo, enquanto de
brancos e pardos a indicação por amigos. Isso pode sugerir o poder de influência das
representações sociais sobre os lugares ocupados por negros e brancos no mercado de trabalho
128
.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e forma que conseguiu o emprego
Cor/raça
Forma de seleção Branca Preta Parda
Processo de seleção
25,6% 64,7% 28,0%
Indicação familiar
10,3% 5,9% 20,0%
Indicação de amigo
43,6% 17,6% 40,0%
Transferência
7,7%
Senai
10,3% 11,8% 4,0%
convite
2,6%
outro
4,0%
NA
4,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Assim, observamos que a maioria dos pretos (76,5%) conseguiu o emprego via seleção
formal (processo seletivo e curso no SENAI), enquanto que a maioria de brancos (54%) e pardos
(60%) ingressaram na fábrica por meios informais de seleção (indicação de familiar e de amigos).
Faixa salarial
As variações salariais dos funcionários seguem uma estrutura de salários única; ou seja,
embora cada empresa do consórcio modular tenha um setor de Recursos Humanos próprio, os
funcionários têm os mesmos direitos trabalhistas, são cobertos por um único acordo coletivo
(entre todos os trabalhadores e as oito empresas do consórcio modular que assegura a mesma
128
Lima (2001) analisou a maneira pela qual a discriminação, influenciada por uma visão estereotipada sobre a
capacidade de desempenho e qualificação, cria uma relação entre cor e profissão.
98
política salarial, bem como plano de saúde, plano odontológico, abonos, PLR etc., igualmente a
todos os trabalhadores).
Segundo o entrevistado Rafael (membro da comissão de fábrica), na estrutura de salários
os cargos se subdividem hierarquicamente em 5 (cinco) classificações, do nível A” ao nível “E”;
por exemplo: montadores estão na classe A; cargos mais qualificados como funileiro, soldador e
mecânico estão na classe B; nas classes C e D estão os inspetores e supervisores; e, na classe E
estão encarregados e gerentes
129
.
Observando a distribuição dos trabalhadores de acordo com a faixa salarial vemos que a
maioria ganhava entre 3 e 5 salários mínimos. Conforme aumento da faixa salarial a participação
dos trabalhadores diminui consideravelmente; mas é interessante observar que a diminuição na
participação de negros nas faixas de maiores salários é maior que para brancos.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e faixa salarial
130
Cor/raça
Faixa salarial
Branca Preta Parda
2 a 3 5,1% 11,8%
3 a 5 38,5% 64,7% 84,0%
5 a 7 17,9% 11,8% 12,0%
7 a 10 7,7% 11,8%
10 a 15 7,7% 4,0%
15 a 20
Mais de 20 23,1%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
129
Há também variação salarial por tempo de serviço prestado, contada por steps (que também varia de acordo com a
classe). Rafael dá exemplos: [...] “o piso salarial é R$ 700,00; depois de 4 meses ele vai pra R$ 810,00, mais 4 meses
aumenta pra R$ 990,00, até 14 meses que é o teto. O teto depende da classe que o cara está; montador acho que é R$
1.200,00; [mas] um pintor da Carese é encaixado na classe B que ganha a mesma coisa que o soldador da Delga”.
130
Em salários mínimos.
99
Como os dados colhidos no survey que dizem respeito às diferentes posições na estrutura
hierárquica dos funcionários não foram detalhados
131
, não foi possível identificar as diferenças
salariais dos trabalhadores segundo a cor/raça e nível hierárquico nos graus específicos.
Entretanto, as informações referentes à distribuição dos trabalhadores por cor/raça nas oito
empresas do consórcio somadas à distribuição nas faixas de salário possibilitaram a análise da
variação salarial, por cor/raça em cada empresa do consórcio modular; ou seja, a tabela a seguir
mostra em quais empresas trabalhadores negros e brancos estão mais representados de acordo
com as faixas de salários.
Deixando de lado as faixas de 15 a 20 salários mínimos por não haver nenhuma
participação na distribuição, bem como a faixa com mais de 20 SM por concentrar a maior parte
dos gerentes, podemos observar que:
131
Lembrando que as posições de técnicos, inspetores, encarregados e supervisores não foram especificadas, apenas
as de montadores e gerentes.
100
Faixa salarial (salários mínimos)
Cor/raça
Empresa
2 a 3 3 a 5 5 a 7 7 a 10 10 a 15 15 a 20 Mais de 20
Branca
R 50,0% 33,3% 11,1%
MA 13,3% 28,6% 11,1%
ME 6,7% 33,3% 66,7%
C 13,3% 14,3% 11,1%
D 50,0% 20,0% 11,1%
P 13,3% 11,1%
VDO 33,3% 14,3% 11,1%
VW 42,9% 66,7% 33,3%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Preta
R 50,0% 27,3% 50,0%
MA 50,0% 9,1%
ME 18,2%
C 9,1% 50,0%
D 9,1%
P 9,1%
VDO 18,2%
VW 50,0% 50,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Parda
R 4,8%
MA 4,8%
ME 9,5% 100,0%
C 19,0%
D 38,1% 33,3%
P 9,5%
VDO 9,5%
VW 4,8% 66,7%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Remon, Delga e Máxion são as empresas que pagam os menores salários (faixa de 2 a 3
SM). Na Remon participam dessa faixa negros e brancos, na Delga apenas brancos e na
Máxion apenas negros. Interessante observar que apesar de a Delga ter maior participação
de trabalhadores negros, eles não aparecem nessa faixa de salário.
Na faixa de salário padrão (3 a 5 SM) distribuição de trabalhadores em todas as
empresas; a Volkswagen é a que tem menor participação nessa faixa (haja vista que não
101
tem trabalhadores na função de montador), com participação de cerca de 5% de pardos.
As empresas que concentram mais funcionários nessa faixa são a VDO (com 33,3% dos
brancos), a Delga (38% dos pardos) e a Remon (com 27,3% dos pretos).
maior concentração entre os trabalhadores que recebem de 5 a 7 SM na Volkswagen;
interessante observar que, nessa faixa de salário, a distribuição mostrou maior
participação de negros que brancos entre os trabalhadores dessa empresa.
Apenas na Méritor há distribuição de negros na faixa de 10 a 15 SM (faixa de salário mais
alta entre o total de pretos e pardos); nessa empresa também apresenta percentual maior
entre os brancos dessa faixa.
É importante frisar que as empresas com maior percentual de brancos são a VDO e
Volkswagen, de negros a Remon e a Delga; também que, embora não tenhamos apresentado a
distribuição por nível e faixa salarial nos dois grupos de cor/raça analisados, temos a faixa
salarial padrão (3-5 SM) que corresponde à classe em que estão os montadores. Considerando
que todos os gerentes são brancos e, devido à posição, têm os melhores salários eles estão mais
concentrados na faixa de 20 SM ou mais, embora não exclusivamente (a Méritor não apresente
nenhum funcionário nessa faixa de salário
132
).
A faixa de salário padrão concentra os trabalhadores independentemente da cor/raça dos
trabalhadores; no entanto, a variação entre as faixas salariais é maior para brancos, mesmo não
considerando a faixa de maior salário (mais de 20 SM). Por outro lado, pretos e pardos
concentram-se na faixa de salário padrão e enquanto brancos participam de quatro empresas na
faixa de 10 a 15 SM (tomada na análise como maior por excluir os gerentes), negros participam
apenas de uma delas.
Com efeito, embora a tabela não possa apontar as diferenças salariais entre negros e
brancos em iguais posições de trabalho nas 8 (oito) empresas analisadas, verifica-se a
participação de negros e brancos numa escala gradual de salários. A distribuição mostrou que
negros e brancos participam de todas as faixas de salário, da menor (2 a 3 SM) a maior (10 a 15
SM), embora com maior variação entre brancos nas maiores faixas de salário. Diferentemente de
brancos, negros estão distribuídos em todas as empresas na faixa de salário padrão (inclusive na
Volkswagen onde não há o cargo de montador).
132
É possível que o gerente da Méritor não tenha dado esse dado corretamente.
102
Condições de trabalho
As condições de trabalho foram observadas através da classificação em graus na
realização do trabalho na fábrica segundo a exposição dos trabalhadores ao trabalho
desconfortável; os indicadores observados verificaram tipos de desconforto como, por exemplo,
exposição a problemas de ambiente (produtos químicos, calor, fumaça, ruídos) e pressão no
trabalho (exercida pela gerência e pelos colegas).
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e condições de trabalho desconfortáveis
Cor/raça Trabalho em
condições desconfortáveis
Branca Preta Parda
Sim 30,8% 35,3% 24,0%
Não 69,2% 64,7% 76,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Como podemos ver na tabela acima, o desconforto no trabalho não foi apontado pela
maioria dos trabalhadores, independente da cor/raça. Entretanto, quando o tipo de desconforto é
especificado os resultados são apontados por ambos grupos de cor/raça analisados.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça e exposição
a problemas de ambiente
Cor/raça Produtos
Químicos
Branca
Preta Parda
5,1% 20,0%
94,9% 80,0%
Sim
Não
Total 100,0%
29,4%
70,6%
100,0%
100,0%
Calor Branca
Preta Parda
23,1% 23,5% 24,0%
76,9% 76,5% 76,0%
Sim
Não
Total 100,0%
100,0%
100,0%
Ruídos Branca
Preta Parda
Sim 59,0% 82,4% 92,0%
Não 41,0% 17,6% 8,0%
Total 100,0%
100,0%
100,0%
Fumaça Branca
Preta Parda
Sim 30,8% 23,5% 56,0%
Não 69,2% 76,5% 44,0%
Total 100,0%
100,0%
100,0%
103
No que diz respeito aos quatro problemas de ambiente especificados, negros estão mais
representados entre os que estão expostos a produtos químicos. A exposição ao calor é distribuída
de maneira mais uniforme. A exposição a ruídos destaca-se como problema de ambiente em que
os resultados são mais elevados, inclusive a respeito daqueles que disseram não sentirem
desconforto no trabalho. A exposição à fumaça é maior entre os pardos, mas pretos estão menos
expostos a fumaça que brancos.
Dessa forma, embora não se verifique total exposição aos problemas de ambiente citados
na distribuição dos trabalhadores por cor/raça, os dados mostram que pretos e pardos estão mais
expostos a determinados problemas de ambiente que brancos; isto sugere que pretos e pardos,
ainda que no mesmo setor de trabalho dos brancos (dentro do mesmo módulo), concentram-se no
“trabalho braçal” da fábrica.
A tabela a seguir mostra o percentual de trabalhadores que afirmaram estarem expostos a
problemas de ambiente. A pergunta foi feita por exclusão; ou seja, aqueles que consideram não
estarem expostos a problemas de ambiente responderam SIM, ao passo que aqueles que
consideram estarem expostos responderam NÃO.
Distribuição dos trabalhadores por a cor/raça e
NÃO exposição a problemas de ambiente
Cor/raça NÃO exposição a problemas
de ambiente
Branca Preta Parda
Sim 25,6% 5,9% 4,0%
Não 74,4% 94,1% 96,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Apesar de a maioria dos trabalhadores terem respondido não sofrerem desconforto no
trabalho, bem como os tipos específicos de exposição a problemas de ambiente siga a mesma
tendência - com exceção da exposição a ruídos quando a pergunta sobre os problemas de
ambiente é feita de forma geral, a maioria dos trabalhadores afirma estar exposto.
104
Segundo Lima (2001), as representações sociais com base na cor/raça dos indivíduos são
reproduzidas no espaço de trabalho de forma a, em determinadas situações, restringir ou facilitar
o acesso a certas ocupações. Assim, as exigências para a execução de tarefas na linha de
produção, bem como em relação à própria tarefa executada (que aqui não pode ser verificada)
podem estar relacionadas às expectativas sobre a capacidade produtiva de cada trabalhador. A
pressão exercida sobre o trabalho pode indicar tais representações; elas foram observadas através
do grau da pressão e de quem parte, se por colegas ou gerentes.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e grau de pressão sobre o trabalho
Cor/raça
Grau de pressão no
trabalho
Branca Preta Parda
Muito 12,8% 11,8% 8,0%
Razoavelmente 30,8% 5,9% 8,0%
Pouco 17,9% 35,3% 20,0%
Muito pouco 7,7% 17,6% 12,0%
Nunca 30,8% 29,4% 52,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Como mostra a tabela, a distribuição dos trabalhadores por cor/raça e o grau de pressão
aponta como tendência a ausência de pressão. Negros estão mais bem representados entre os que
consideram não sofrer pressão no trabalho, ao passo que brancos se destacam entre os que
consideraram ser razoavelmente e muito pressionados.
Entretanto, quando analisada a pressão exercida segundo o nível hierárquico a
distribuição revela que a pressão exercida pelos colegas é menor entre brancos, ao passo que é
maior entre negros quando exercida pela gerência.
105
Distribuição dos trabalhadores por cor e pressão
exercida pelos colegas
Cor
Pressão exercida
pelos colegas Branca Preta Parda
Muito
11,8% 4,0%
Razoavelmente
12,8% 5,9% 4,0%
Pouco
10,3% 29,4% 12,0%
Muito pouco
12,8% 11,8% 4,0%
Nunca
38,5% 23,5% 24,0%
NA
25,6% 17,6% 52,0%
Total
100,0% 100,0% 100,0%
Distribuição dos trabalhadores por cor e pressão
exercida pela gerência
Cor
Pressão exercida
pela gerência Branca Preta Parda
Muito 5,1%
11,8%
Razoavelmente 5,1%
11,8%
16,0%
Pouco 20,5%
23,5%
20,0%
Muito pouco 7,7%
5,9%
12,0%
Nunca 12,8%
29,4%
NA 48,7%
17,6%
52,0%
Total 100,0%
100,0%
100,0%
Com efeito, os resultados da análise sobre as relações entre os trabalhadores e deles com a
gerência podem indicar constrangimento quando a distribuição mostra diferenças nos resultados
quanto ao grau de pressão exercida, bem como se exercida por colegas ou de superior
hierárquico. O quadro permite observar que os trabalhadores negros, apesar de afirmarem sofrer
menos pressão no trabalho também afirmam sofrer mais pressão tanto dos colegas como dos
gerentes.
106
Preocupação com o desemprego
O problema do desemprego tem se colocado para a população de forma imperativa no
curso das transformações do mercado de trabalho moderno
133
. Pesquisas têm demonstrado que,
apesar de brancos comporem a maioria da População Economicamente Ativa, negros compõem a
maioria entre a população desocupada (INSPIR, 1999; Lima, 1999; PME-IBGE, 2004).
A tabela a seguir mostra que na distribuição dos trabalhadores por cor/raça e o grau de
preocupação com o desemprego, entre aqueles que estão preocupados e muito preocupados com
o desemprego o percentual de pretos passa de 80%, enquanto que brancos e pardos dos 60%.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e preocupação com o desemprego
Cor/raça Grau de Preocupação
com o desemprego
Branca Preta Parda
12,8% 17,6% 28,0%
53,8% 64,7% 36,0%
33,3% 11,8% 36,0%
5,9%
Muito Preocupado
Preocupado
Não Estou Preocupado
NA
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Numa fábrica em que as relações de produção e o mercado de trabalho são reestruturados,
o medo de perder o emprego é expresso pela maioria dos trabalhadores, mas tem maior
representatividade entre negros.
133
Segundo Castro Araújo (2004), os impactos do processo de reestruturação produtiva na região do ABC tiveram
custos diferenciados, com base em características atributivas de sexo e cor, para os trabalhadores: “[...] alterou-se o
padrão da força de trabalho, mudando o perfil dos sobreviventes nos ambientes reestruturados, redefinindo a
composição setorial do emprego formal e, sobretudo, ampliando significativamente o volume do desemprego e o
risco da exclusão dos espaços tecnológica e organizacionalmente renovados”.
107
Significado de trabalhar na fábrica
Com as diferenças salariais no mercado de trabalho local, o emprego na fábrica surge não
somente como uma oportunidade de melhores rendimentos, como também de status social por
trabalhar numa empresa com o porte econômico da Volkswagen.
Como podemos ver na tabela seguinte, para a maioria dos trabalhadores trabalhar na
fábrica não é igual a ter outro emprego qualquer. No entanto, observada a distribuição por
cor/raça vemos que para negros (12% pretos e 8% pardos) o emprego na fábrica é menos
significativo que para brancos (2,6%).
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça e significado
do trabalho na empresa por ser igual a outro qualquer
Cor/raça
Igual a outro
Branca Preta Parda
Sim 2,6% 11,8% 8,0%
Não 97,4% 88,2% 92,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Para caracterizar o significado de ser trabalhador da fábrica, foram apresentadas oito
alternativas aos trabalhadores que relacionam o significado com o sentimento de orgulho e o
respeito associado ao trabalhado, com melhores rendimentos em termos de salário, bem como
possibilidade de crédito, e, a oportunidade de participação nas atividades sindicais.
Vejamos como os trabalhadores negros e brancos expressam o significado do trabalho na
fábrica:
108
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça e
significado em trabalhar na empresa.
Cor/raça
Orgulho
Branca Preta Parda
Sim 92,3% 76,5% 84,0%
Não 2,6% 17,6% 4,0%
NA 5,9% 8,0%
Não sabe 5,1% 4,0%
Total
100,0% 100,0%
100,0
%
Ter orgulho é o motivo mais expresso entre todos os trabalhadores; a distribuição por
cor/raça mostra maior participação de brancos (92,3%) orgulhosos pelo trabalho na empresa, ao
passo que a participação de pretos e pardos nesse grupo é menor 16% entre pretos e 8% entre
pardos com relação aos brancos
134
.
Agier, Guimarães & Araújo Castro (1995) ressaltaram a importância de se considerar as
referências fabris e extrafabris (culturas, ideologias e políticas locais) nas representações dos
trabalhadores. Apesar de, no senso comum, negros serem apontados preconceituosamente como
inaptos à atividade laboral e, ao contrário, associados à vadiagem, à preguiça e à marginalidade.
Cor/raça Respeito
Branca Preta Parda
Sim 66,7% 58,8% 64,0%
Não 33,3% 41,2% 36,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Curiosamente, brancos (66,7%) se identificam mais com o emprego na fábrica por serem
respeitados como trabalhadores pela comunidade que negros, ao passo que, maior proporção
de pretos (41,2%) entre aqueles que não se identificam com o trabalho por esse motivo.
134
Interessante ressaltar que durante meu trabalho de campo observei vários trabalhadores, negros e brancos, da
fábrica uniformizados no centro da cidade, seja fazendo compras ou em momentos de lazer com colegas de trabalho,
particularmente num bar chamado “Rei do salgadinho” cujas instalações ficam no mesmo prédio da filial do
sindicato dos metalúrgicos em Resende. Por outro lado, meus entrevistados revelaram preferir não andarem
uniformizados fora da fábrica.
109
Embora o emprego na fábrica tenha remuneração superior ao rendimento médio dos
trabalhadores na posição de empregado da cidade (ver capítulo 2), o salário não constitui atrativo
para a maioria: mais da metade entre brancos e 72% dos trabalhadores que se declararam pardos.
Cor/raça
Salário
Branca Preta Parda
Sim 46,2% 58,8% 28,0%
Não 53,8% 41,2% 72,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Importante observar que as diferenças na distribuição por cor/raça e motivação pelo
emprego na fábrica devido ao salário mostra claramente resultados distintos entre pretos e pardos;
parece que pardos estão mais descontentes com seus salários, enquanto que pretos expressam ter
na fábrica a oportunidade de ganhar salários mais rentáveis.
Quando a motivação é o credito possibilitado pelo emprego, para a maioria não constitui
fator significativo que atribua vantagens ao trabalho na fábrica em relação a outros da região.
Cor/raça
Crédito
Branca Preta Parda
Sim 20,5% 16,0%
Não 79,5% 100,0% 84,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Interessante observar que todos os pretos negam ser a possibilidade de crédito o maior
atrativo para o trabalho na fábrica.
Também a participação em atividades sindicais não faz parte da motivação dos
trabalhadores para comporem a mão-de-obra da fábrica.
Cor/raça
Participação Sindical
Branca Preta Parda
Sim 5,1% 11,8% 4,0%
Não 94,9% 88,2% 96,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
110
Contudo, pretos estão mais representados entre os que consideram o trabalho como uma
oportunidade para a associação de classe.
Participação sindical
Como visto anteriormente, a identificação dos trabalhadores com a atividade sindical é
consideravelmente baixa. Entretanto, a distribuição dos trabalhadores por cor/raça e
sindicalização mostra resultados distintos: a maioria é sindicalizada, tendo maior representação
entre pretos e pardos
135
.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e Sindicalização
Cor/raça
Sindicalizado?
Branca Preta Parda
Sim 48,7% 64,7% 64,0%
o 51,3% 35,3% 36,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
A participação dos trabalhadores no sindicato não se restringe a atividades sindicais
propriamente ditas, como manifestações grevistas, votação em assembléias etc. A próxima tabela
mostra a distribuição dos trabalhadores por cor/raça e tipos de participação nas atividades
sindicais.
135
Importante ressaltar que entre os o sindicalizados estão os gerentes, o que altera a distribuição para maior entre
brancos.
111
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e tipo de participação no Sindicato
Cor/raça Tipo de Participação
no Sindicato
Branca Preta Parda
Assembléias 28,2% 11,8% 24,0%
Churrasco 2,6% 11,8% 12,0%
Cursos 2,6% 5,9% 16,0%
Sorteios 5,9% 4,0%
Futebol 2,6% 5,9% 4,0%
Festas 5,9%
Atividades Recreativas 2,6%
NA 61,5% 52,9% 40,0%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
A tabela mostra como opções de participação atividades de lazer, educativas e a
participação em assembléias característica da atuação sindical. Como a tabela sobre a
identificação com a atividade sindical entre os trabalhadores mostrou-se com baixos percentuais,
quando analisada a participação em atividades secundárias à função sindical (como churrasco,
festas, futebol e sorteios) verifica-se alto índice de representação, principalmente entre negros.
Contrariamente aos resultados da análise sobre a identificação dos trabalhadores com o
emprego na fábrica através da participação no sindicato (em que pretos aparecem com maior
percentual de identificação), bem como com os dados da sindicalização (em que mais da metade
de pretos e pardos são sindicalizados), a distribuição por cor/raça mostra que a participação em
assembléias reúne maior percentual de trabalhadores brancos (28%), com diferença a menor de
4% para pardos e de 16% para pretos.
Brancos e pardos participam mais das assembléias enquanto que a participação de pretos
está mais distribuída entre as assembléias e churrascos; interessante observar que os cursos
oferecidos pelo sindicato têm maior participação de pardos e de pretos
136
. Ou seja, a distribuição
sugere que o maior índice de sindicalização entre negros se deve as oportunidades de lazer, bem
como de qualificação profissional oferecidas pelo sindicato.
136
Durante a pesquisa de campo pude participar de um churrasco promovido pelo sindicato para os trabalhadores
que, segundo os membros da comissão de fábrica, tinha como objetivo estratégico aproximar algumas lideranças de
políticos cidade. Embora o evento tenha ocorrido em Porto Real, a maioria dos trabalhadores era da Volkswagen (do
consórcio modular, mas também havia trabalhadores de empresas terceiras), com pouca participação de
trabalhadores da Peugeot-Citröen; pude observar também que a maioria era de trabalhadores negros, entre os quais
estavam alguns de meus entrevistados.
112
No que diz respeito à concepção dos trabalhadores sobre a ação sindical, a distribuição
mostra avaliação favorável, sendo mais positiva (ótima e boa) para pardos e brancos, razoável
para pretos e brancos, e, ruim para pardos e pretos. Ou seja, negros avaliam mais negativamente a
ação do sindicato na defesa de seus interesses dentro da fábrica.
Distribuição (%) dos trabalhadores por cor/raça
e avaliação do sindicato
Cor/raça
Avaliação do sindicato
Branca Preta Parda
Ótima
2,6% 4,0%
Boa
35,9% 17,6% 44,0%
Razoável
53,8% 64,7% 24,0%
Ruim
7,7% 11,8% 28,0%
NA
5,9%
Total
100,0% 100,0% 100,0%
113
****
Com efeito, esse capítulo procurou caracterizar o perfil racial dos trabalhadores da
Volkswagen através da verificação das diferenças nos resultados de negros e brancos levando em
conta suas condições socioeconômicas; o acesso, vínculo e condições de trabalho, as relações de
trabalho e avaliação sobre a representação político-sindical. A perspectiva analítica teve como
referência a desigualdade de oportunidades baseadas no atributo de cor/raça dos trabalhadores.
Podemos resumir, assim, o perfil dos trabalhadores negros da fábrica da Volkswagen-
Resende da seguinte maneira:
Distribuição por empresa: há maior concentração dos trabalhadores na Delga, ou seja, no
setor de confecção das cabinas (chamado de chaparia); ao passo que brancos estão mais
representados entre a Volkswagen (não tem montador) e a VDO (prepara o interior das
cabinas).
Distribuição por nível: negros estão completamente ausentes do nível de gerência
Distribuição por Sexo: apesar de ser predominantemente masculina, pequena participação
de mulheres entre as pardas.
Naturalidade e residência: há maior participação de negros entre os que se originam do estado
do Rio de Janeiro, ou seja, da própria localidade; e maior participação de brancos entre os que
se originam do estado de São Paulo. Quanto ao local de residência, verificou-se maior
concentração de trabalhadores negros nos bairros de Cidade Alegria, Paraíso e Santo Amaro,
mas também com grande percentual de brancos no bairro Cidade Alegria.
Escolaridade: apesar de a maioria dos trabalhadores negros terem ensino médio completo,
também estão mais bem representados entre os que m esse grau de ensino incompleto; por
outro lado, apesar de apenas brancos estarem entre os que têm curso superior completo,
negros estão mais bem representados entre os que têm esse grau de ensino incompleto,
indicando maior escolarização entre os trabalhadores negros.
Forma de Seleção: enquanto a maioria dos pretos conseguiu o emprego via seleção formal
(processo seletivo e curso no SENAI), brancos e pardos ingressaram na fábrica por meios
informais de seleção (indicação de familiar e de amigos).
Faixa salarial: verificou-se menor participação de negros à medida que se aumenta a faixa
salarial e concentração na faixa de salário padrão (3 a 5 salários mínimos)
114
Condições de trabalho: negros estão mais representados entre os que estão expostos a
problemas de ambiente; estão mais expostos a produtos químicos, a ruídos e fumaça. Quando
observada as relações de trabalho, negros se sentem mais pressionados pela gerência,
enquanto que brancos afirmam ser mais pressionados por colegas de trabalho.
Preocupação com o desemprego: embora o medo de perder o emprego seja expresso pela
maioria dos trabalhadores, mas tem maior representatividade entre negros
Significado em trabalhar na fábrica: o emprego na fábrica parece ser mais significativo para
brancos que para negros – há mais trabalhadores brancos entre os que têm orgulho de
trabalhar na fábrica que trabalhadores negros; para negros ser respeitado como trabalhador
não faz o emprego na fábrica se destacar em relação aos outros, assim como o atrativo
também não é o salário, ou a possibilidade de crédito no mercado de finanças ou a associação
ao sindicato de classe (embora tenham maior participação que brancos na atividade sindical).
Participação sindical: embora negros sejam mais sindicalizados que brancos, participam mais
de atividades secundárias à função sindical como churrascos, festas, futebol e sorteios; a
avaliação da ação sindical com relação a defesa dos interesses da classe trabalhadores é
avaliada negativamente entre os trabalhadores negros
No próximo capítulo esse perfil será mais bem detalhado através da apresentação das
concepções dos trabalhadores sobre o impacto do racismo e da discriminação racial sobre suas
trajetórias pessoais no mercado de trabalho, o acesso e permanência, bem como as possibilidades
de mobilidade dentro da fábrica.
115
Capítulo 4: PERCURSOS E TRAJETÓRIAS - O NOVO OPERÁRIO NEGRO E SUAS
PERSPECTIVAS DIANTE DO TRABALHO.
4.1 – Introdução
Para dar mais “carne” ao perfil dos trabalhadores negros da fábrica de ônibus e caminhões
da Volkswagen-Resende, apresento nesse capítulo oito trajetórias sociais que buscam demonstrar
a relação entre cor e trabalho tomando em consideração a inserção no mercado de trabalho, a
posição ocupacional, as probabilidades de ascensão e as percepções sobre o racismo.
4.2 – As trajetórias em perspectiva
Contexto familiar
1. Mariano (17/03/2006)
Nascido e criado em Resende é morador da Vicentina - uma comunidade carente que é
considerada uma das mais violentas da cidade. Seus pais, também nascidos em Resende, não
tinham nem o ensino básico completo (antigo ginásio); sua mãe trabalhou a vida inteira como
empregada doméstica em casa de família e seu pai foi operador e fiscal em Furnas. Perdeu o pai
assassinado dentro de sua casa no Dia dos Pais quando tinha apenas 18 (dezoito) anos de idade -
acredita que o contexto social em que vive, marcado pela falta de oportunidades, é de
responsabilidade dos governos: - “Eu perdi meu pai pra droga; infelizmente é o que o sistema
oferece pra gente”.
É o mais velho de quatro filhos, com 28 anos de idade; a irmã do meio tem 27 e a caçula
tem 10 anos. Foi o único de sua família a cursar faculdade, tendo a irmã do meio parado de
estudar na série (ensino fundamental); ela também se envolveu com as drogas e teve um filho
na adolescência, mas hoje tem um companheiro que a ajuda na criação da criança. Além disso,
também tem caso de prostituição em sua família.
116
2. Ericsson (08/07/2006)
Morador de Barra Mansa, Ericsson também é de família simples. Seu pai veio de Minas
Gerais para Barra Mansa na década de 1940 e vendia pães no cesto na rua para a sobrevivência
da família; casou-se com sua mãe em 1965, tendo posteriormente quatro filhos. Embora seu pai
tenha conseguido ascender a dono de padaria, teve momentos difíceis na infância marcados pela
pobreza devido ao envolvimento do pai com álcool e relacionamentos extraconjugais; a família se
desestruturou e os irmãos foram separados porque a mãe era doméstica e não tinha condições
financeiras para sustentar os filhos. A mãe começou a trabalhar no ramo de saúde, num hospital
na área de nutrição; no entanto, o salário era baixo e ela fazia balas de coco e bolo para vender e
somar a renda da família. O pai faleceu há dez anos e a mãe, atualmente, é governanta numa casa
na zona sul do Rio de Janeiro.
Com 32 anos de idade, Ericsson é o mais novo dentre os irmãos homens: o mais velho
tem 33 anos, a primeira irmã tem 31 e a caçula tem 26 anos. Todos foram morar com uma tia
após a separação, mas por questões de indisciplina, o irmão mais velho seguiu rumo distinto do
seu (referindo-se ao pouco grau de instrução). Sobre as condições de vida atuais de seus irmãos,
Ericsson acredita que foi a base familiar com educação gida e regrada de sua tia o fator
fundamental para o desenvolvimento de sua personalidade (ético, moral, profissional etc.).
Meu irmão mais velho tem não tem muita direção, mas ele não usa drogas, nem tem
problema com roubo; ele é motorista de táxi; ele não quis estudar. As coisas foram iguais
pra ele e pra mim, mas ele não se sujeitou a muita coisa. Quando meu pai se separou da
minha mãe, minha madrinha ajudou a gente, mas meu irmão não queria entrar no
esquema dela; quem está sendo ajudado não pode escolher... minha irmã mais velha
também não quis estudar, mas a caçula é técnica em patologia clínica.
3. Gilson (08/04/2006)
Nascido em Resende, sua mãe mora atualmente num bairro pobre chamado Paraíso. Seu
pai (falecido) veio de Minas Gerais e sua mãe era do Bananal, ambos trabalhavam em regiões
agrícolas e tinham apenas o ensino fundamental incompleto. A mãe nunca trabalhou fora de casa;
o pai sempre trabalhou na área da produção - era empregado de uma indústria que produzia filtros
de água para piscina. Faltando apenas dois anos para sua aposentadoria dele a fábrica faliu, mas
117
continuou trabalhando na função de segurança; depois trabalhou no ramo de entregas para outra
empresa.
São três filhos com espaços de apenas um ano entre eles, sendo Gilson com 26 anos de
idade, seu irmão do meio com 25 e o caçula com 24; o primeiro irmão trabalha como técnico de
informática numa universidade privada local e o outro trabalha como caseiro.
A residência atual da família fica no terreno da fábrica de filtros em que seu pai trabalhou
por muitos anos que fora cedido pela empresa; atualmente os proprietários entraram com um
processo de re-apropriação do imóvel, colocando em risco a moradia da família.
4. Juan (04/06/2006)
Morador de Quatis, foi adotado quando tinha uma semana de vida. Sua mãe adotiva
achava que não podia ter filhos, mas logo após a adoção engravidou, tendo mais um menino.
Nunca conheceu os pais biológicos e, embora, também não tenha convivido com a mãe adotiva
(ela morreu logo depois do nascimento de seu irmão), se identificou com a história dela que era
professora; o pai era soldador de uma empresa em Angra dos Reis, mas era alcoólatra e após ter
sido dispensado daquele emprego nunca mais conseguiu outro até sua morte.
Eu nunca tive uma relação muito boa com meu pai porque eu nunca aceitei a bebida, mas
ele nunca bateu na gente. Acho que minha mãe morreu de desgosto; sou carente de mãe.
Ele nunca se casou novamente. Eu não sei como eu sou assim...
A mãe faleceu quando Juan tinha apenas dois anos de idade deixando dois filhos sob a
criação da avó. Atualmente ele e o irmão moram com uma tia; a diferença de idade entre eles é de
meses (Juan tem 27 anos e seu irmão 26), mas o uma relação de afinidade. Acredita que a
morte da mãe por problemas depressivos, somada à presença/ausência de um pai alcoólatra,
afetou diferentemente a vida dos dois irmãos; ele tomou o sofrimento da mãe como exemplo para
alcançar seus objetivos profissionais, mas acha que seu irmão não conseguiu fixar metas positivas
para a vida.
118
Nós somos totalmente diferentes. Ele não faz nada, não trabalha nem estuda; ele é
viciado; teve oportunidades até melhores que as minhas porque ele chegou a morar com
uma tia que tinha uma condição boa de vida, mas desperdiçou tudo...
5. Jaime (06/05/2006)
Mora em Volta Redonda. Seu pai veio de uma fazenda em Viçosa-MG para tentar
conseguir um emprego na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); antes trabalhou em
empreiteiras e como garçom, mas se aposentou na CSN. Sua mãe nasceu em Volta Redonda
mesmo e era professora de história e geografia.
De família que pode ser considerada classe média, com 28 anos de idade é o mais velho
dentre os três filhos que seus pais tiveram, sendo dois homens e uma mulher. A irmã tentou
vestibular para psicologia (numa universidade privada), mas não tinha recursos para pagar as
mensalidades. O irmão está cursando matemática; foi militar e tem habilidades artísticas como
ator e modelo.
Seus tios e primos, em geral, têm ensino superior; estão no setor público ou industrial
(contando três gerações de operários na CSN) e são referência no que diz respeito às atividades
de cultura negra da região tem uma tia responsável pela administração do centro cultural da
prefeitura chamado Memorial Zumbi onde, eventualmente, há atividades de cultura negra.
6. Anderson (07/06/2006)
É o único de outro estado; nascido em Itabuna-Bahia foi para Resende realizar o sonho de
seu pai que era ter um filho militar. Por residirem perto de uma rodoviária, a família tem um
restaurante (espécie de pensão) que vende comida simples; eles também têm uma oficina, mas
não é a atividade de renda principal da família. Além de Anderson, seus pais tiveram mais três
filhos; ele e mais um irmão são operários na Volkswagen, mas outros familiares na fábrica
vindos da Bahia.
11 anos vivendo em Resende, mora atualmente na Cidade Alegria - bairro pobre
conhecido pela situação de violência urbana com a exposição dos moradores ao tráfico de drogas;
119
bairro que concentra muitos operários, principalmente dos funcionários da Volkswagen. Com 28
anos de idade, vive maritalmente com uma jovem de 17 que o ajuda a criar seu filho de 10 anos,
recém-chegado da Bahia, onde era criado pela avó.
7. Rafael (07/06/2006)
Também nasceu em Resende, mas ficou fora da cidade por um longo tempo, primeiro
para estudar no colégio militar no Rio de Janeiro, depois para trabalhar em São José dos Campos.
Tem 42 anos de idade, casado, sem filhos, mora em Itatiaia com a esposa que é professora de
educação física, mas trabalha numa papelaria de propriedade do pai. Sua família é de origem
baiana e vieram para Resende porque seu pai era militar e tinha sido transferido para a cidade.
8. Mário (07/06/2006)
Com 40 anos de idade, é nascido e criado em Resende. Seus pais tiveram 8 filhos, sendo
6 (seis) homens e 2 (duas) mulheres; o pai é açougueiro aposentado e, embora fosse civil,
trabalhava na academia militar; a mãe é dona de casa, nunca tendo trabalhado fora. A maioria de
seus irmãos trabalha nas fábricas da região: um é montador na PSA Peugeot-Citroën, outros dois
na Volkswagen; o terceiro é operário da Sonoco (empresa multinacional produtora de
embalagens) e o quarto é bombeiro militar; tem uma irmã que ainda estuda e a outra que é do lar.
Mario casou duas vezes; tem 3 (três) filhos do primeiro casamento, sendo dois rapazes e
uma menina - o primeiro com 21 anos de idade, o segundo com 20 e a última com 17 anos. é
avô de um menino de 4 (quatro) meses de vida teve seu primeiro filho com 16 anos de idade.
Seu filho do meio tentou ser cadete militar, mas não teve sucesso e agora é montador da PSA
Peugeot-Citroën; o mais velho não terminou o ensino médio e é considerado o filho-problema (já
foi até preso), mas atualmente trabalha no sindicato; a filha se dedicou aos estudos - faz cursos de
informática e de espanhol, e, está no 3
o
ano do ensino médio.
Está casado com a atual esposa há 16 anos; não teve filhos com ela por ela já ter uma filha
de 17 (somando-se quatro filhos no total). Ela faz faculdade de Letras e dá aulas, como
120
explicadora, em casa para crianças até a 5
a
série do ensino fundamental. Mora com os pais, a
esposa e a filha dela numa área central da cidade - bairro Manejo; seus três filhos moram com a
ex-esposa.
Participação em atividades sociais
1. Mariano
Começou a trabalhar quando era adolescente e só teve apoio dos pais para estudar até os
dez anos de idade. Mariano classifica como “submundo” as condições de vida de moradores de
comunidades pobres como no bairro onde ele vive a realidade é marcada pela falta de
oportunidades. Para ele, uma família viver com dignidade significa ter acesso a saúde, educação,
trabalho e moradia com segurança.
Nesse sentido que a participação no grupo de capoeira ampliou seus horizontes; Mariano
acredita que a capoeira além de contribuir para sua formação social como cidadão, serviu como
referência para afastá-lo das drogas. Por isso, atualmente ajuda na ampliação do grupo para
inserir outros jovens e adolescentes nessa rede de apoio e solidariedade.
Eu tive esse movimento social que me apoiou, me orientou. Porque muitas das vezes o
que a gente tem como apoio não é a capoeira; é o apoio do comércio ilícito, o tráfico.
Seu primeiro contato com a capoeira foi aos 8 (oito) anos de idade; queria praticar uma
arte marcial, mas sua família não tinha condições de pagar. A principio, participava da capoeira
apenas por ser uma atividade gratuita, mas com o tempo passou a entender a história da cultura e
se identificou com ela.
Eu conheci a capoeira com 8 pra 9 anos. Quando criança a gente na TV muitas artes
marciais que a gente gosta, mas a gente não tinha recurso pra ter acesso ao karatê,
kongfull e tal. Quando eu vi a capoeira eu gostei logo de cara e era de graça! Primeiro
eu encarava como arte marcial que eu tinha acesso, depois eu fui conhecendo a
história e vi que era a minha história. Eu me apaixonei ainda mais e hoje sou contra-
mestre da Associação de Capoeira Raiz Negra.
121
Seu sonho de criança era praticar uma arte marcial, mas o acesso a atividades desportivas
lhe foi negado por falta de recursos financeiros. Sua inserção num grupo cultural de origem
negra que tem como objetivo o envolvimento de jovens com a cultura, história e tradição da
presença dos afros-descendentes no país
137
, produziu três aspectos fundamentais para a formação
da vida adulta de Mariano: a) afastamento do tráfico de drogas; b) promoção do desenvolvimento
da auto-estima, perspectivas futuras, capacidade de liderança; c) contribuição para a formação de
sua identidade baseada em seu pertencimento racial/étnico.
2. Ericsson
Ericsson questiona as atitudes antiéticas, desumanas e discriminatórias das pessoas, mas
atribui a tais práticas responsabilidade individual; ou seja, as decisões e escolhas pessoais não são
influenciadas por coletividades, ideologias ou crenças. É membro da Igreja de Jesus Cristo dos
Santos dos Últimos Dias, conhecida como igreja de Mórmon, mas seu espírito questionador de
sua situação de classe e da discriminação racial de que sofre não parece ter relação com a
filosofia passada através de tal denominação religiosa.
137
Entrevistei mestre Claudinho (Luiz Cláudio de Freitas) que é o fundador da Associação de Capoeira Raiz Negra,
cujo objetivo é afastar os jovens do contato com as drogas e contribuir para a formação social das pessoas. Criada em
1984, a Associação atuava principalmente em bairros considerados muito violentos, como a Vicentina e o Santo
Amaro; além das atividades ensinadas acerca dos movimentos físicos da capoeira, trabalham com palestras,
dinâmicas e deos com temas que envolvem todas as formas de violência: abandono, fome, miséria, desemprego,
desigualdade social, discriminação racial, a importância do estudo e do trabalho, a questão do gênero (a participação
da mulher no trabalho, a violência contra a mulher) etc. Mestre Claudinho me disse que a importância da
contribuição da capoeira como estratégia de sobrevivência e libertação da população negra deve estar no horizonte
de seus alunos; ela não pode ser deslocada de seu foco como o fazem muitos grupos de capoeira que não assumem
esse compromisso. (entrevista pessoal, 17/03/2006.)
Outro movimento social que trabalha com o resgate da auto-estima e valorização da história e cultura negra na
cidade é a Associação Cultural Boi Bumba. A Associação surgiu a partir da iniciativa de grupos sociais
137
da
localidade com o objetivo de proporcionar a criança, adolescentes e jovens do bairro da Vicentina a inserção social
prejudicada pelo impacto da violência doméstica, alcoolismo, desemprego e falta de opções de lazer e cidadania que
levam ao aumento dos índices de criminalidade em comunidades expostas ao tráfico de drogas.
A Associação desenvolve atividades em três principais áreas: cultural, esportiva e de iniciação ao trabalho; através
do projeto Quilombo da Paz a Associação busca a integração de crianças, jovens e adolescentes através de ações
que resgatem valores familiares, sociais, morais e culturais através da preservação da memória e raízes afro brasileira
com danças como o jongo, reisado, boi bumba e a capoeira com o objetivo de afastar os jovens do contato com a
violência e criminalidade dando a eles alternativas à trajetória familiar de exclusão social. Oferecem aulas de reforço
escolar e de artesanato além de orientação vocacional para adolescentes a partir dos 16 anos em busca do primeiro
emprego. A valorização da auto-estima, cultura, costumes e tradições afro brasileira estão no cerne do projeto que os
bairros beneficiados com tais ações tem maior representação da população negra.
122
Tem um gerente que é meu amigo, irmão de Igreja, mas não aplica nada do que
aprende na Igreja. Ele é autoritário, falso. O dinheiro subiu a cabeça... Ele é gerente da
montagem de motores; começou como encarregado de logística, passou a supervisor de
produção e agora é gerente geral da produção.
Embora a doutrina estabelecida no Livro de Mórmon (II Nefi 5:21, Alma 3:6) diga que os
negros foram amaldiçoados por Deus – daí que Jesus só teria morrido pela salvação dos brancos;
logo, a Igreja não foi chamada a levar o evangelho aos negros. Desde 1978 os mórmons passaram
a aceitar negros como membros da igreja, bem como em cargos de sacerdócio, muito embora
estudiosos do assunto questionem alterações concretas na doutrina
138
. Ericsson não faz referência
à doutrina da igreja diante dos problemas relacionados às desigualdades raciais, mas apenas
refere-se a prática de não discriminação que a igreja toma nos dias atuais.
O profeta falou que alguém que tem sentimento racista não é um membro, apenas
participa da igreja. A gente nem entra nessa questão.
Na concepção de Ericsson, não faz sentido participar de movimentos sociais em defesa
dos direitos dos negros; para ele a igreja postula a igualdade assegurada na lei. Ou seja, a questão
coloca-se como uma inversão do sentido próprio do conceito de cidadania.
A razão do movimento negro não faz sentido porque negro não precisa de proteção,
porque é cidadão! Está na Constituição; a proteção é coletiva. O negro é um cidadão
porque paga imposto!
O entrevistado tem uma forte consciência de sua posição social enquanto cidadão negro,
ou seja, reconhece o direito à diversidade cultural visto que a sociedade brasileira é formada de
diferentes culturas; no entanto, ressalta a existência das desigualdades raciais como conseqüência
do processo histórico legado da escravidão.
Eu acho o movimento negro louvável; foi criado porque não existia advogado pra preto!
Nós fomos livres dos açoites da senzala, mas nos prenderam na miséria da favela. Eles
138
Ver críticas aos mormos em: www.cacp.org.br/morm9.HTM ou
www.geocities.com/centralmormon/m...
123
pararam de bater, mas não quiseram se misturar com a gente. O racismo é muito
esmagador.
3. Gilson
Com habilidades artísticas, principalmente na área de dança, é professor de hip hop, dança
de rua, bolero e dança de salão em projetos comunitários para jovens e adolescentes. É referência
nessa área e freqüentemente participa de atividades culturais realizadas pelo movimento negro
local, com destaque para um concurso anual de beleza chamado Afro Fashion.
4. Juan
Não tem curso superior e sua trajetória escolar se deu no sistema de ensino público. No
entanto, a idealização da profissão de professora da mãe (porque não conviveu com ela) serviu de
inspiração para o desenvolvimento do dom de ensinar. Criou um projeto social na área de
educação que envolve a facilitação do aprendizado através da utilização de metodologias de
ensino próprias.
Eu comecei a montar técnicas de aprendizagem - é uma habilidade que eu desenvolvi e
comecei a ensinar às pessoas; tenho prazer em ensinar às pessoas que se acham burras
em questão de minutos. [...] Eu acredito que a sociedade impõe que você tem que isso e
aquilo pra você se dar bem; eu tenho dentro do meu conceito quebrar esse paradigma
[...] Eu cresci querendo construir um mundo novo... Já faço esse trabalho há 8 anos e não
aceito de forma nenhuma, independente da classe social, negro ou branco, que a pessoa
me pague.
Embora tenha tentado estabelecer parcerias com a prefeitura para ampliar as atividades de
ensino junto à comunidade em que mora (sem sucesso devido a falta de diploma de nível
superior) dá aulas gratuitas de português e matemática para pessoas de todos os graus de
instrução - desde o ensino fundamental até o superior e preparação para concursos públicos - com
a responsabilidade de transformação dos valores sociais. Para Juan, valores como solidariedade e
caridade foram corrompidos pela lógica do capitalismo.
124
Eu entendo que tem certas coisas que você tem que fazer por amor. Hoje nós vivemos
uma realidade aonde o que impera é o dinheiro, a troca de favores; tento resgatar um
pouco os valores que estão perdidos como o amor e a solidariedade.
5. Jaime
Sua família é referência nas atividades de cultura afro da cidade de Volta Redonda. Tem
uma tia que é professora de dança afro e, atualmente, é responsável pela direção do Memorial
Zumbi dos Palmares de Volta Redonda - um centro de valorização da cultura negra na cidade
onde ocorrem várias atividades culturais principalmente na semana da consciência negra, no 20
de Novembro. Realizam desfiles, apresentações de dança afro, encontros de capoeira etc., que
envolvem crianças e adolescentes das escolas públicas.
6. Anderson
Quando chegou em Resende era envolvido com o movimento de capoeiristas; dava aulas
gratuitas de capoeira, além de palestras sobre a história e vida do Mestre Pastinha para os jovens
das comunidades.
Eu era do grupo Raiz Negra do mestre Claudinho. Mas hoje em dia estão esquecendo a
origem da capoeira; ela aqui é uma forma de ganhar a vida. A capoeira sempre foi
ensinada sem cobrar nada; hoje em dia tem na academia; tem muita luta corporal...
Também participou de outros eventos relacionados a cultura negra como desfiles
promovidos pelo clube Palmares em Volta Redonda, mas atualmente, por conta do cansaço após
as horas de trabalho, se afastou de tais atividades sociais; sua vida resume-se ao trabalho e a
participação nos cultos dominicais da igreja Metodista que faz parte há cerca de dois anos.
125
Formação Profissional
1. Mariano
Sempre estudou em escola pública. Investiu em cursos na área automotiva e outros
técnicos de informática (rádio e cabeamento de rede) no SENAI local. Formado recentemente em
Tecnólogo em Gestão Empresarial por uma universidade privada, planeja especializar-se em
auditoria fiscal - curso de pós-graduação (MBA). Tem como objetivo sair do nível operacional;
seu interesse é ingressar no setor de qualidade da VW, que considera ser a melhor área em termos
de salário e status na empresa.
Trabalhou na obra de construção da planta da Volkswagen, mas não integrou o quadro de
funcionários inicialmente. Em 2001 estava desempregado, mas já tinha concluído o ensino
médio e estava fazendo cursos na área automotiva no SENAI quando a PSA Peugeot-Citroën
estava formando a mão-de-obra da linha de montagem; enviou currículo para a fábrica e
trabalhou lá por dois anos. Após sair da PSA Peugeot-Citroën, recebeu auxílio-desemprego
durante cinco meses e investiu em cursos de qualificação para se manter no mercado de trabalho.
Acredita que foi selecionado para trabalhar na Volkswagen por ter um bom currículo, mas
também porque teve referências de conhecidos (ex-colegas de trabalho da PSA Peugeot-Citroën)
que o ajudaram na seleção. O entrevistado acredita que, de forma geral, investir na qualificação
profissional é fundamental para ocupar uma vaga no mercado de trabalho, particularmente em
fábricas como a Volkswagen e a PSA Peugeot-Citroën que m exigido cada vez mais instrução
de seus funcionários.
Sem currículo, seria complicado porque as pessoas que entram têm faculdade [...] A
disputa hoje está muito complicada; tem engenheiro trabalhando na linha, tem
economista... eu sou tecnólogo e ainda estou na parte operacional.
2. Ericsson
Aprendeu a ler e escrever em casa e teve toda a sua vida escolar no sistema público de
ensino. Atualmente estuda mecatrônica curso politécnico/pós-ensino médio mas foi aprovado
no vestibular para engenharia de uma universidade privada em Volta Redonda, não tendo cursado
126
porque não dispunha de R$ 600,00 para as mensalidades; o custo pesou em seu orçamento
familiar – sua renda sustenta a esposa, um filho pequeno e duas meninas (brancas) de criação.
Começou a fazer curso técnico no SENAI aos 15 (quinze) anos de idade, contando um
total de 13 (treze) cursos; como por exemplo ajustador mecânico, tornearia, fresador etc. Seu
desejo era ser fresador (ferramenteiro), mas tinha mais habilidade nas aulas práticas por ter
dificuldades com aulas de teoria por envolver muitos cálculos - durante algum tempo isso o
impediu de se formar. Na concepção de Ericsson, a situação de pobreza pela qual passou na
infância teve conseqüências em seu mau aproveitamento nas aulas teóricas.
Eu não era muito inteligente. Acredito que se você não se alimenta legal, falta um
combustível no aprendizado. Eu não era diferente das outras pessoas, mas tinha dia que
tinha comida, outro não; me alimentava mal e tinha que trabalhar.
Para Ericsson, além da falta de apoio, posturas discriminatórias dos profissionais de
ensino contribuíram para prejudicar seu sucesso educacional. Durante o curso de fresador uma
pessoa responsável pela administração do SENAI tentou convencê-lo a deixar o curso alegando
que ele não tinha capacidade mental para se formar naquela profissão.
Um dia chegou um cara na sala de aula e perguntou por que eu não ia ser serralheiro e
eu disse que não! ele disse que eu não tinha capacidade de ser fresador porque tinha
muito cálculo. Um dia ele me chamou na direção e perguntou se eu não queria desistir
do curso; eu disse que eu sabia das minhas limitações porque eu sou um ser humano e
que se ele quisesse me tirar da sala tudo bem, mas que eu não ia pedir para sair.
Outra instituição que refere-se como excludente e racista é o Exército. Classifica o
racismo no Exército como velado por haver possibilidade igual de negros e brancos ascenderem
socialmente, mas criticava o fato de haver poucos cadetes (oficiais) negros, e, quando encontrava
negros em posições de comando, ressalta a mesma postura racista.
Tinha muito racismo... só tinha 3 cadetes negros. Era um racismo velado, as
oportunidades eram negadas. Eu conheci um capitão negro; ele era muito estranho, não
tratava a gente bem. Não que porque se você é negro tenha que tratar outro negro bem,
ou porque se você é branco vai tratar o outro branco bem? Você trata a pessoa bem
porque ela merece.
127
Quando entrou para a Academia Militar das Agulhas Negras não tinha terminado o curso
técnico (de fresador), mas ao sair voltou ao SENAI para concluir; para sua surpresa a matrícula
havia sido cancelada por evasão. Sem o diploma ficou frustrado, mas logo conseguiu participar
de um processo seletivo na Fábrica de Estrutura Metálica (FEM) que é uma empresa que presta
serviço para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); o critério para a seleção foi uma prova
prática, não havia a exigência de diploma ou cursos na área. Embora considere ter amplos
conhecimentos na área de mecânica, ficou insatisfeito com a posição de ajudante de mecânico, na
qual permaneceu por quatro anos até sua saída do emprego.
Antes de entrar para a Volkswagen, em julho de 2004, trabalhava em empresas no ramo
de usinagem fazia engrenagem de avião, fabricação de parafuso, caldeiraria, peças mecânicas.
Começou com um salário de R$ 650,00 na Volkswagen, que era menor do que ganhava no
emprego anterior, mas Ericsson considerou as vantagens que a fábrica oferece através dos
benefícios, especialmente alimentação e plano de saúde.
Com apenas três meses na fábrica, fez uma prova para ser professor de ajustagem e
tecnologia mecânica num projeto social da Volkswagen FORMARE que era destinado a
alunos carentes da região, ficando com o primeiro lugar! Funcionário da Power Train (motores),
trabalhou durante um ano dividindo o expediente entre a linha de montagem e a as aulas no
FORMARE, mas sem ter nenhum complemento ao salário. Acredita que sua saída do projeto não
teve relação com sua capacidade profissional; a posição de simples operário, de uma empresa
parceira, além da marca da cor negra contribuíram para seu retorno a linha de produção por
completo. Ou seja, acredita que foi prejudicado por ser negro e por ser de uma das empresas do
consórcio, não da Volkswagen.
Todo projeto que eu abria era vetado. Eu queria que fosse diferente para os meninos;
queria sair para mostrar as máquinas, mas não deixavam. Eu perguntei por que eu não
podia e o outro professor podia; por que ele era Volkswagen e eu não? Por que ele era
branco e eu negro?
3. Gilson
Teve toda sua vida escolar no sistema público de ensino e concluiu o ensino médio
através de um curso supletivo. Atualmente faz o curso de educação física numa universidade
particular em Volta Redonda; entretanto, seu sonho era fazer curso superior de dança, mas teve
128
informações que existe uma universidade com esse curso e ela fica na Bahia isso é um
limitador financeiro para ele.
Antes de entrar para a Volkswagen trabalhava no setor de comércio - num mercado - com
renda mensal que não chagava a 2 (dois) salários mínimos. Embora não tivesse nenhum curso ou
experiência no setor industrial, enviou currículo para a fábrica pelo atrativo dos benefícios e da
renda bruta oferecida.
Eu não conhecia ninguém na fábrica; não foi peixada! Dos entrevistados, eu era
negro. Na época eu comecei ganhando uns R$ 300,00 que foi um sonho pra mim porque
eu ganhava uns R$ 180,00 aqui fora.
A escolha do curso superior não tem relação com o emprego na fábrica que funciona
apenas como um meio para atingir sua meta de ser professor profissional de dança; investiu em
cursos de manequim, vitrine viva, pintura e informática.
Eu não fiz administração porque é um mercado que está saturado; se abre é uma vaga na
fábrica. Daí eles reparam o seu jeito, se você é negro... ainda mais uma fábrica alemã!
Está há 6 (seis) anos e 8 (oito) meses na fábrica; iniciou trabalhando com limpeza
industrial, mas atualmente tem função polivalente como preparador de produção - prepara a
cabine para ser pintada e depois ir para a montagem - no setor da pintura (Carese).
4. Juan
Outro entrevistado que cujo histórico escolar se distancia da carreira industrial; cursou
ensino médio técnico em contabilidade e fez mais de dez cursos no SENAC e no SENAI como
atendimento ao cliente, telemarketing, noções básicas de segurança, locução verbal, fundamentos
e técnicas logísticas, técnicas de secretariado e logística internacional.
Sua experiência profissional também não tem relação com o setor industrial; trabalhou
como frentista e operador de caixa em um posto de gasolina; numa rede de fast food chegou a ser
gerente, mas foi transferido para o Rio de Janeiro e achou que não conseguiu se adaptar, sendo
dispensado para retornar a Resende.
129
Após ter ficado um ano desempregado, mandou vários currículos para a Volkswagen e
entrou em contato com conhecidos que trabalham na empresa, mas acredita que conseguiu a vaga
por indicação do sindicato.
Eu mandei currículos, conversei com pessoas e tal, mas no final das contas eu fui ao
sindicato e entreguei meu currículo pro antigo diretor e ele ligou pra empresa, na qual
estou até hoje, e no dia seguinte fiz a entrevista.
Funcionário de uma das empresas terceirizadas da planta – a Union Manten – começou na
função de movimentador onde trabalhava com estoque repondo peças na linha de montagem;
atualmente é conferente pega as peças, embala, conta e envia para outro país (como por
exemplo o México).
A Union Manten é responsável pelo transporte de material (logística) e tem cerca de 500
funcionários que atuam como auxiliares das operações de estoque e recebem salários inferiores
(quase metade) aos trabalhadores das empresas parceiras.
A diferença de salário é muita. O salário de um montador está em torno de R$ 1.200,00 e
o de um movimentador em torno de uns R$ 600,00; a diferença é praticamente o dobro.
5. Jaime
Inicialmente, também não trilhou como meta a profissão no ramo da indústria; seu sonho
de criança era ser jogador de futebol, tendo chegado inclusive a ser jogador do Flamengo no
juvenil (o que o levou a morar no Rio de Janeiro) e posteriormente no Vasco. Por conta do
futebol morou em outras cidades como São Paulo e Curitiba; teve propostas de trabalho para ir
morar nos Estados Unidos, mas não deu certo e acabou voltando para sua cidade natal em busca
de trabalho.
Sua trajetória escolar também se deu completamente no sistema público de ensino; com a
perspectiva de entrar para o ramo da indústria automotiva fez cursos no SENAI de pintura e
vedação automotiva, instalação e manutenção de gás veicular. Atualmente, seu investimento em
educação está direcionado para a carreira na fábrica.
130
Hoje eu me considero uma pessoa feliz por trabalhar onde eu trabalho, por fazer o que
eu gosto, ter a oportunidade de estar estudando, de fazer um curso de idiomas; comecei a
fazer faculdade de química, mas não gostei e agora eu vou tentar engenharia da
produção na UFF, mas se não conseguir eu vou fazer uma particular mesmo, porque eu
tenho 40% de desconto pela empresa.
Os cursos no SENAI serviram de ponte para seu primeiro emprego numa montadora, a
PSA Peugeot-Citroën. Mas, segundo o entrevistado, sua saída da fábrica está relacionada às
dificuldades de locomoção até o local de trabalho (a PSA Peugeot-Citroën fica em Porto Real e
não oferece transporte para os trabalhadores) e à política trabalhista da época que resultou num
corte dos trabalhadores.
Eu trabalhei antes na PSA; entrei pelo SENAI em 2000, bem no início da fábrica aqui. Eu
sai por dois motivos: primeiro pelo corte geral, depois porque eu moro longe aqui em
Volta Redonda e a PSA não o transporte; eles davam só o vale transporte. O pessoal
que trabalha lá aluga uma vã e paga por s. Na Volkswagen, o ônibus me deixa
praticamente na porta de casa... A Volkswagen tem ônibus que vai até São Paulo buscar
funcionário!
Hoje é operador de produção da Carese (empresa responsável pela pintura da cabine);
acredita ter conseguido a vaga em parte por mérito próprio (devido aos cursos que tinha feito no
SENAI), mas também por persistência - mandou vários currículos para a fábrica e abordou vários
trabalhadores uniformizados na rua para servir de ponte para sua entrada na empresa.
O que me sustentou pro meu ingresso na Volkswagen foi minha formação; eu já tinha boa
formação. Eu mandei rios currículos, cerca de 20 ou mais; fui insistente porque eu
acreditava em mim. Eu ia à portaria e deixava 10 currículos; parava as pessoas
uniformizadas na rua e deixava os currículos; mandava pela internet.
6. Anderson
O principal motivo que levou Anderson a permanecer em Resende e a investir numa
profissão no ramo industrial foram as poucas oportunidades de trabalho na Bahia.
Eu cheguei aqui no Rio dando aula de capoeira, mas eu vi que não estava tendo futuro
e fui aprender solda, serviço de lanternagem etc.
131
Sem concluir o ensino médio, trabalhou como ajudante de caldeiraria em diversas
empreiteiras (na Montec e na Cenamide) até conseguir uma vaga de soldador na fábrica da
Volkswagen. Quando trabalhava numa empreiteira que prestava serviço para a Delga (empresa
parceira do consórcio responsável pela produção das cabinas) fez contato com um supervisor para
quem pediu a vaga.
Eu consegui uma vaga de soldador aqui [fábrica da Volkswagen] porque eu vim
trabalhar aqui através de uma dessas empreiteiras; daí eu pedi uma vaga pra um
supervisor, em 1998, e eu entrei na Delga, onde estou até hoje.
7. Rafael
Sua trajetória no ramo industrial começou em 1983 quando cursou escola técnica em
mecânica; estagiou na Phillips e depois trabalhou por 5 (cinco) anos na Embraer (empresa de
aeronáutica, no período em que ainda era estatal) e saiu no processo de privatização; trabalhou
então na usina nuclear de Angra dos Reis ainda como técnico em mecânica, e, após sua saída foi
trabalhar por conta própria na área de atacado. Trabalhou numa seguradora antes de ser chamado
para a Volkswagen, em 1996.
Embora somente em 1987 tenha tido seu primeiro emprego como cnico em mecânica,
conta como experiência profissional no ramo industrial o tempo de sua formação no ensino
médio em que fazia visitas a indústrias como parte das atividades escolares; ou seja, tem cerca de
26 anos de experiência profissional.
Tinha 32 anos de idade quando entrou para a Volkswagen; embora tenha iniciado o
ensino superior em administração de empresas em 1990, veio a se formar em 2004 quando
tinha 40 anos de idade, já dentro da fábrica.
Foram rios os caminhos pelos quais tentou entrar para a Volkswagen: enviou currículo
para a portaria da fábrica, fez contato com pessoas conhecidas do RH e também com políticos da
cidade. Foi convocado para dois processos seletivos, embora não tenha certeza de quem o tenha
indicado; chegou a fazer testes na Power Train, mas não passou na entrevista; na Volkswagen
deu tudo certo, permanecendo até hoje. Acredita que não passou na seleção para a Power Train
132
por não ter conhecimento específico em mecânica de motor de caminhão; embora na fábrica não
seja necessário conhecimento técnico para reparo do motor.
Quando entrou para a fábrica (em 1996) ainda era uma planta piloto; desde o início o
processo seletivo era feito pelo SENAI e, foi que o escalaram para trabalhar na área de
qualidade (parte de inspeção/ liberação de veículo). Depois de inaugurada a atual planta, foi para
a parte de processo de produção (fazia avaliação de prova d’água, avaliação de pintura, de
rodagem); também o trabalho de multifuncionais na área de processo onde era responsável pela
coleta de dados de todos os pontos de produção na linha, onde todos os módulos, todos os
parceiros tinham seu representante.
Seu cargo inicial era inspetor de produtos (grau D); após 10 anos na fábrica, continua na
mesma situação. Diz que a maioria dos que iniciaram com ele na planta, também não tiveram
promoção para grau E (encarregado). Embora não conheça o processo para promoções em outras
plantas da Volkswagen, acredita que essa seja uma política comum na fábrica de Resende, já que
em termos de RH ocorre o mesmo problema nas empresas parceiras.
Em termos de RH da Volkswagen todo mundo reclama aqui; o sei como é nas outras
plantas. Isso também acontece na produção. Nós tivemos que fazer paralisações pra
mudar o montador (área de armação) de categoria. Por exemplo, o soldador aqui era
grau B, mas em outras plantas era grau C!
8. Mário
Concluiu o ensino médio e não tem pretensões de cursar universidade por se considerar
um mau aluno; no entanto, gosta de ler e fazer cursos na área sindical.
[...] eu não gosto de estudar, não tenho mais cabeça pra estudar. Eu trabalhei muito...
Na verdade eu sempre fui mau aluno; fui expulso de vários colégios; com muito custo
terminei meus estudos.
Começou a trabalhar com 11 (onze) anos de idade numa feira onde vendia laranja e
salgadinhos na rua; também trabalhou numa cerâmica onde descarregava caminhão. Seu primeiro
emprego de carteira assinada foi como estoquista no comércio; depois trabalhou como garçom e
porteiro. Morou por 3 (três) anos em Ribeirão Preto porque não encontrava emprego em Resende.
133
Entrou na Volkswagen em 1997 por intermédio de seu irmão (atualmente montador na
PSA Peugeot-Citroën) que havia sido contratado para trabalhar na Delga quando a Volkswagen
se instalou na cidade.
Eu vim pra através do meu irmão que hoje trabalha na PSA, mas ele era funileiro da
Delga na época; ele trouxe o meu currículo, na época não tinha prova, eu fiz uma
redação, entrevista, exame médico e consegui entrar.
Entrou como montador na Delga; foi ponteador e soldador, mas logo no primeiro ano
de empresa entrou para a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do trabalho),
depois, concorreu à vaga na comissão de fábrica.
Visão da Discriminação
1. Mariano
A existência de racismo e discriminação leva Mariano a ser favorável a implementação
das políticas de inclusão racial; acredita, que no caso da Volkswagen ajudaria a promover a
igualdade de oportunidades entre negros e brancos nas diferentes empresas. Para ele, tais políticas
são justas porque o racismo prejudica o processo de formação educacional de negros e isso
contribui para a realidade desigual no acesso às oportunidades no mercado de trabalho.
Nós temos mais dificuldades! Sempre em escola pública, mas na graduação a gente tem
que pagar pra poder conquistar o objetivo. É super injusto; uma história que a gente
carrega amarga há muito tempo!
Assim, por exemplo, adotar políticas de cotas (reserva de vagas) não quer dizer prestar
um favor aos negros; Mariano acredita que são políticas necessárias uma vez que não existe
igualdade de oportunidade entre negros e brancos.
A cota não é esmola; a realidade em que nós vivemos não nos condições pra lutar de
igual para igual hoje com as classes sociais que têm melhores condições. [...] Acho que
[cota] não pode ser permanente porque nosso povo tem que ser trabalhado para
conquistar nossos objetivos através da nossa capacidade, porque nós temos capacidade,
134
mas hoje eles não nos dão condições. [...] O que o sistema nos é essa condição de
desigualdade, onde a gente tem que lutar com uma pessoa que é branca e estudou o
tempo todo em colégio particular, cheia de recursos, super atualizada, que tem uma
educação bem atrativa.
Mariano reconhece que a situação da população negra na sociedade tem melhorado com o
passar do tempo, e acredita que isso se deve à própria força dos negros que, apesar de toda a
adversidade, buscam cada vez mais educação.
avanços, sem dúvida! Os negros hoje correm mais atrás de formação do que antes;
embora, a gente tenha que correr muito mais atrás e ter que se informar muito mais [em
relação aos brancos], mesmo que seja para o negro satisfazer sua vontade própria. [Mas]
não está tudo bem porque a gente passa nessas comunidades, nas praças públicas e
que quem está caído no chão é negro... negro que não tem formação e está bêbado.
Mas que a vida inteira ele não teve a informação necessária para que pudesse se
reerguer e se re-inserir na sociedade. Nas comunidades a gente tráfico de drogas,
desemprego, pessoas que não vão à escola, negros que assumem família sem condições
de vida.
2. Ericsson
Apesar de relacionar sua experiência cotidiana como vítima de práticas racistas durante
a infância, nos estudos, no trabalho, no trânsito etc. às reduzidas chances de ascensão social,
Ericsson é contrário à política de inclusão racial. Em sua opinião, tais políticas ressaltam a
incapacidade dos negros que estariam sendo tratados pelo governo como “coitadinhos”.
Fico injuriado em pedir uma ‘vaguinha’ no vestibular! Essa porcentagem é ridícula! Tem
que ser direito igual! Isso é demagogia; o preto é [tratado como] coitadinho, analfabeto.
3. Gilson
Relaciona o racismo ao julgamento que os brancos fazem do comportamento dos negros
que não está associado à pobreza ou riqueza; segundo Gilson, é possível driblar o racismo e
modificar a mentalidade dos brancos com uma determinada postura por parte dos negros.
135
Pra conquistar as pessoas você não precisa mostrar os bens que você tem; é no dia a dia,
dizer um bom dia... Nós [negros] temos que ter uma postura.
4. Juan
Segundo Juan, o preconceito racial está interligado ao preconceito de classe; ou seja,
negros são discriminados porque são pobres. Nesse sentido, ele acredita que existem
desigualdades entre os indivíduos, mas baseada no status social - em termos de classe, não de
pertencimento racial.
[...] Tem o negro que tenta resgatar a identidade negra dele apenas se impondo como
raça negra a condição de igualdade. O problema é que isso tende a criar um mundo
negro e eu sou contra isso.
Há anos atrás cientistas estudaram a questão da cor racial e foi entendido que na
constituição do mundo, quando os povos começaram a se originar, percebeu-se que havia
lugares que batia muito sol, onde as pessoas tinham o tom de pele mais acentuada; onde
o sol batia de forma mais moderada, onde se tinha o moreno; nos lugares em que batia
pouco sol estavam os brancos. Isso é a questão da melanina que era produzida mais nos
lugares onde tinha mais necessidade. Foram as pessoas que criaram esse conceito de
racismo e discriminação que reina até hoje, mas a coisa melhorou bastante. [...] Eu
entendo que todos nós somos iguais, independentes da cor.
Para Juan a necessidade de identificação racial está associada a uma classificação
arbitrária das pessoas que acarreta mais desvantagens para os negros.
Essa coisa de movimento negro dizer que tem que exaltar a raça eu discordo porque eu
acho que temos que ser todos iguais. [...] O que é ser negro? Ser negro é não ser branco.
O que é ser branco? Ser branco é ser humano. Você [negro] não é aquilo que a sociedade
gostaria que você fosse e o que a sociedade tende a ser... você é algo que não é humano.
Assim, acredita que o racismo e a discriminação são ideologias criadas para separar as
pessoas, mas que com o avanço da ciência tais práticas vêm diminuindo e, em conseqüência,
diminuem também as desigualdades sociais entre negros e brancos.
Considera a idéia de adoção de políticas de inclusão racial, como as cotas no ensino
superior, completamente racista, pois em sua opinião, tal ação fere o principio da igualdade
humana que, em sua explicação, está relacionada a natureza biológica, não às condições sociais.
136
A questão da inferioridade do negro é pessoal. Garantir a vaga pela cor é dizer que eu
não sou um ser humano igual aos outros e que tem que ter uma lei para garantir a minha
entrada. A cota acentua a diferença e a inferioridade; é atestar que você é negro.
Juan acredita que negros estão em condições econômicas inferiores aos brancos porque
acreditam na ideologia do racismo - que se impõe como regra; ou seja, a maioria dos negros se
auto-atribuem uma condição social inferior, mas que é facilmente desfeita pelos negros que não
se submetem a ela.
Eu sou contra a cota porque o negro carrega em si a auto-discriminação, ele acha que
ele nunca vai chegar na faculdade e a sociedade impõe que é mais fácil pro branco do
que pro negro; o negro tem que estar sempre como uma sub-classe. A sociedade impõe
isso, mas acata isso quem quer; como o negro traz em si esse complexo de
inferioridade acaba caindo nessa nata vendida pela sociedade. Poucas pessoas
quebraram isso e se destacaram. Eu acredito que eu sou uma delas. Em contrapartida, os
governantes criam facilidade na colocação do negro dentro da faculdade provando
realmente que nós somos diferentes pela cor - está imposto o racismo!
Para o entrevistado, tais políticas não significam conquistas para a população negra, ao
contrário, são práticas contrárias ao princípio natural de igualdade humana. Assim, a inclusão
social que se daria via conquista individual (por mérito próprio) dos espaços, posições e valores
sociais compartilhados por aqueles considerados iguais decorrentes de ações que não ressaltem o
pertencimento racial têm sido as maneiras pelas quais negros/pobres impõem sua condição de
igualdade.
Quando eu era mais novo eu era racista comigo mesmo; eu achava que não poderia estar
no meio dos brancos. O racismo está nas posições que as pessoas ocupam na sociedade,
na questão profissional, nos lugares que você vai, nos bares que você freqüenta, na
música... Você percebe as diferenças que também está ligada a questão de ser rico e ser
pobre. Eu tenho a oportunidade de estar dos dois lados, mas prefiro estar no meio das
pessoas mais simples, porque eu sou uma pessoa simples.
Ao contrário do que se tem discutido recentemente acerca do problema das desigualdades
raciais, Juan aponta como estratégia para desmantelar a ideologia racista vigente na sociedade
brasileira um movimento contra-cotas a fim de que negros possam desenvolver suas capacidades
137
e lutarem por seus direitos, pelo reconhecimento de sua condição de igualdade em relação aos
brancos.
Pregar contra a cota você obriga as pessoas a se imporem mais e a lutar pelos seus
direitos; dar a cota o desperta o desejo lutador de dar a volta por cima; você paralisa
e não faz o outro se identificar como pessoa.
Ou seja, como Ericsson, Juan acredita que o caminho tomado por tais políticas teria efeito
perverso – agiria como barreira para o avanço das conquistas individuais dos negros.
5. Jaime
Também, como Juan, acredita que as desigualdades entre negros e brancos decorrem mais
da falta de interesse dos negros em investir na própria educação do que propriamente em
discriminação no mercado de trabalho.
Eu li no jornal que enquanto o filho do branco tem R$ 10,00 e paga um professor
particular de Física, o negro vai pro baile, sendo que os dois estudam no mesmo colégio.
É questão cultural; existe uma referência dentro de casa que é o pai e a mãe.
Assim, o entrevistado considera que a situação de pobreza e exclusão das melhores
posições no mercado de trabalho é de responsabilidade individual da maioria dos negros que não
buscam melhores condições de vida.
Tudo é questão de oportunidade; todo mundo tem sorte, mas ela é feita de oportunidade
mais preparação; eu não posso ser gerente hoje porque eu não estou preparado.
Igualmente a posição de Juan e Ericsson, também Jaime se coloca contrário a adoção de
políticas de inclusão racial, tal como o sistema de cotas no acesso ao ensino superior. Para Jaime
apenas critérios de diferenças de classe caracterizam as desigualdades, logo, aprova essa política
apenas quando o público alvo são pobres, independentes da cor/raça.
138
Eu sou a favor das cotas para carentes, não para o negro. É muito complicado você dar
oportunidade pra negros porque muitos negros não se interessam por um
desenvolvimento melhor, até porque eles não têm muitos estímulos, muitas referências.
6. Anderson
Para esse entrevistado a discriminação racial não se confunde com a de classe, e, o mérito
não pode ser utilizado como critério para a implementação de políticas públicas distributivas,
como o exemplo dado do sistema de cotas, seja em educação ou no mercado de trabalho.
Anderson tem a mesma visão que Mariano ao considerar o racismo como fator responsável pela
exclusão social dos negros, conseqüentemente, resulta em status e privilégios para os brancos.
Eu acho que a sociedade dá privilégio/preferência é pro branco. A televisão mostra muito
isso... A preferência de toda a sociedade é pelo branco.
Nesse sentido, Anderson está plenamente de acordo com a adoção do sistema de cotas
como política de promoção da igualdade entre negros e brancos.
Sem dúvida tem discriminação contra os escurinhos. Às vezes eu passo em frente a essas
faculdades e vejo entre uns 50, 2 ou 3 escurinhos! [Se] os direitos são iguais, deveria
ter mais negros também.
A forma de classificação racial utilizada por Anderson chama atenção por remeter-se a
gradações de cor, cujo branco e negro estão em extremidades opostas. Em sua auto-classificação,
identifica-se como moreno e refere-se às pessoas com tonalidade de cor de pele mais próximas
daqueles que classificaria como negro como “escuro”, evitando utilizar o termo negro que, em
sua concepção, parece estar ligado a categoria “preto” (termo que remete a época da escravidão).
[na Bahia] branco é branco mesmo; tem o moreno e o pretinho (escurinho). Aqui em
Resende eles vêem a gente como preto; eles acham que a gente é preto! Mas eu não
acho... Preto é mais escuro.
139
7. Rafael
Assim como Anderson, Rafael é filho de baianos, mas de pai branco e mãe mulata; se
auto-classifica racialmente como mestiço, embora acredite que a classificação racial depende,
além das características, físicas, também da situação em que tal identificação é requisitada.
Eu me considero mulato [mas] depende da situação, né?! (risos) O brasileiro é uma
figura! Mas ninguém me como branco, seria uma ilusão minha se eu achasse isso. Em
muitos lugares que estamos, eu e o meu irmão gêmeo, ninguém acredita que ele é meu
irmão; muito menos gêmeo! As pessoas ficam bem surpreendidas... Eu não sou negro,
porque eu entendo que negro mesmo é preto, mas eu sou um mulato, mestiço. [...] A
questão racial em casa, por ser de uma família baiana minha mãe dizia que a gente
não pode viver fora da realidade... a gente entende que existe [racismo]. O Brasil é muito
hipócrita nessa questão.
8. Mário
Filho de mãe negra e pai branco, Mário se auto-classifica como negro; tendo como
referência o sistema de classificação racial utilizado pelo IBGE, recusa a utilização do termo
pardo para se auto-classificar.
Embora perceba o racismo como uma postura lúdica (através de brincadeiras, piadas e
apelidos), em sua visão a tonalidade da pele e/ou pertencimento racial não servem de base para
caracterizar o racismo. Ou seja, para Mário as características físicas não interferem nas
oportunidades de ascensão social dos negros.
No chão de fábrica não tem isso, tanto que você que eu sou comissão de fábrica e
ninguém nunca me sacaneou por eu ser negro; tem brincadeiras, tanto que você vê por aí
muitos encarregados e supervisores negros... Aqui na comissão de fábrica têm dois
negros: eu e o Rafael. Eu nunca tive problema aqui com isso. [...] Meu irmão que
trabalha na PSA é mais escuro que eu e tem o cabelo liso; o apelido dele é ‘macaquinho’!
Eu não acho isso ... [sacanagem]; se me chamasse de loirinho eu ia achar que é
sacanagem. Eu não levo [a brincadeira] por esse lado.
O racismo propriamente dito é o que acontece nos Estados Unidos onde negros e brancos
eram separados por lei; já o Brasil é o país da democracia racial.
140
Nos filmes que a gente dos EUA tinha racismo porque lá era separado; o Brasil, não!
Aqui é o país de todas as cores... eu não consigo ver isso aqui em Resende.
De forma contundente, nega a existência de racismo como idéia de superioridade racial
dos brancos; para ele, o problema acontece porque negros entendem essas brincadeiras ao da
letra e as consideram de má fé.
Em termos de Brasil, eu acho que não existe racismo na verdade; acho que existem
brincadeiras, tipo um cara chega e me chama ‘ô negão’; às vezes é até uma forma
carinhosa... as pessoas falam, mas não é por maldade.
Sua avaliação da política da política racial vigente conduz a posição contrária a adoção de
políticas de promoção da igualdade racial. Mário acha que as desigualdades raciais eram um fato
apenas no período da escravidão, baseadas na privação da liberdade individual dos negros por
causa de sua raça; por isso, critica a atuação do movimento negro brasileiro na promoção da
igualdade racial por considerar que essa não é sua função, mas sim apenas a manutenção da
liberdade conquistada.
Nós sofremos na época da escravidão; acho que até a década de 1960 esse problema
ainda permanecia. Hoje melhorou muito, mas por mais que não exista hoje, o movimento
[negro] tem que continuar. Nós não podemos dar sopa pro azar! O movimento negro é
pra não deixar voltar a escravidão, e não pra fazer cota.
Eu acho esse negócio de cota uma babaquice; esse criando pêlo em casca de ovo! Eu
acho que que começa o problema, um racha, mas também não pode deixar a
organização acabar porque a cultura toma conta e tentam voltar com a escravidão.
Assim como Ericsson, Juan e Jaime a recusa pelas políticas de cotas para negros vem da
afirmação de igualdade assegurada pela lei, bem como pela igualdade natural dos homens.
Acho que não tem que ter cota mesmo porque na verdade somos todos iguais; acho que
não tem nada a ver, apesar de qualquer coisa vai todo mundo “emburacar” no mesmo
lugar. Acho que quem inventou [as costas] é um babaca porque todo mundo tem direito
de fazer faculdade. E a capacidade?
141
Da mesma forma que Juan e Jaime, Mário correlaciona a identificação da cor/raça com a
pobreza; para ele a maioria da população negra é pobre porque os negros se atribuem uma
postura de vítima e não buscam por méritos próprios melhores oportunidades de educação e
trabalho; acredita que são os negros que se auto-discriminam e se auto-excluem dos espaços
sociais onde não estão representados.
Desigualdades Raciais na Empresa
1. Mariano
Acredita que o crescimento profissional dentro da fábrica não está relacionado ao mérito
profissional. Para Mariano apesar dos cursos técnicos que fez no SENAI, possuir ensino superior
completo (grau de escolaridade superior à média da fábrica), ter experiência na produção de
veículos (trabalhou por dois anos na PSA Peugeot-Citroën) e conhecer bem o processo produtivo
(trabalha três anos para a Power Train) a possibilidade de mobilidade no emprego não é
medida por critérios objetivos (mérito), mas sim por critérios subjetivos (vontade dos gerentes).
Eu entrei como montador e agora sou montador multifuncional; isso é uma promoção,
mas dentro do nível operacional. Eu domino o processo produtivo, tenho acesso às
informações para fazer auditoria - preparado num nível de qualidade legal porque eu
tenho condições, muito mais além dessas. que as oportunidades aparecem de acordo
com o que eles querem.
Para ele, suas qualidades profissionais são superiores às exigências das atividades que
executa, de modo que acredita ser o preconceito racial fator que impede trabalhadores negros
com qualificação profissional a ocuparem posições de comando, cargos que necessitem mais de
inteligência.
Nós negros somos subtilizados; eles [gerentes] colocam a gente como apoio, não como
chefia.
142
Não acha que esse seja um problema da fábrica, pois quando trabalhava na PSA Peugeot-
Citroën, a situação não era diferente.
Eu tinha muita responsabilidade para a função que eu exercia na empresa [PSA
Peugeot-Citroën] - era operador I, o nível que todo mundo entra, mas fazia função de
polivalente e muitas outras coisas (geralmente auditoria, conferência de documentos,
liberação de veículos etc.); mas recebia salário do nível mais baixo operador I. [...]
Sem dúvidas existe o preconceito, existe uma dificuldade para nós entrarmos no meio
tático das empresas. Os gerentes são todos brancos. Nós falamos que não temos
oportunidades e eles perguntam se nós temos condições? [mas] nos não tivemos
condições a vida inteira. [...] A gente pode ter curso, mas quem a oportunidade é a
parte gerencial, é a diretoria, a parte acima do que a gente tem condição de estar nos
envolvendo.
Mariano vê o racismo como uma estratégia de dominação dos brancos sobre os negros; ou
seja, um mecanismo que responde pelas desigualdades sociais entre negros e brancos que faz
com que, mesmo estando em igualdade de condições, um negro seja preterido por um branco.
Em sua visão, embora muitos trabalhadores negros tenham sido absorvidos nas fábricas
com o desenvolvimento do pólo automotivo facilmente é possível identificar as desigualdades de
acesso a posições mais valorizadas no mercado de trabalho da cidade a maioria dos negros está
no nível operacional. Para Mariano isso se deve a desigualdade de oportunidades que somam
desvantagens para a população negra seja na preparação para o trabalho (investimento em
qualificação profissional) ou na disputa pelas posições na ocupação.
2. Ericsson
Também tem olhar crítico sobre a distribuição da mão-de-obra segundo a cor dos
funcionários com relação às diferenças de posição; para ele, a existência de discriminação racial
responde pelas diferenças de participação de negros e brancos entre gerentes e trabalhadores do
chão de fábrica.
Assim como Mariano, acha que sua qualificação profissional o habilita ao
desenvolvimento de atividades em setores que exigem mais da inteligência do trabalhador (como
o setor de qualidade). Acha que não pode ocupar cargos no nível da gerência porque não tem
143
curso superior, mas acredita que, de acordo com os conhecimentos técnicos de que possui (na
área de engenharia mecânica), sequer deveria estar nessa empresa (Power Train).
As coisas dentro da Volkswagen são difíceis por causa do racismo. Porque eu não estou
dentro da qualidade da Power Train?” [...] Eu é que arrumava as embreagens viscosas...
o carro não precisa da hélice pra resfriar o motor? Tem uns parafusos ali que são presos
à hélice; quando quebram aqueles parafusos, tem que sucatar a hélice. Eu recuperava
aqueles parafusos! Eu pegava uma rosca postiça e recuperava tudo isso... serviço da
qualidade! Toda peça que quebra da qualidade eu que recupero - eles me tiram da linha
e põem um cara pra trabalhar no meu lugar nesse prazo que eu vou ficar.
Também na percepção de Ericsson a cor/raça é uma barreira de ascensão social dentro da
fábrica; exemplos de casos de outros operários negros qualificados (com nível superior e
experiência na área) que estão no nível operacional, mas poderiam estar no setor da qualidade.
Pegaram uma menina, a filha do Fulano (um chefão da Volkswagen), e puseram lá
encima na logística, numa empreiteira. Ela é fraca! Passaram 4 meses e ela entrou pra
Power Train. O Mariano continuou [mesmo depois de concluir o nível superior] na linha
e agora ele é coordenador de re-trabalho - ele direciona o serviço. Mas por que não o
colocaram na logística? O cara é bom... tinha total capacidade pra ocupar aquela vaga.
Ele não foi porque ele é negro; é discriminação!
O “Beltrano” da qualidade é negro do cabelo bom, tipo hindu; [mas] só foi pra
porque não tinham ninguém pra pôr e ele estava com curso no SENAI pronto, técnico,
manjava da situação e tinha faculdade de logística. [Mas] o colocaram lá contra a
vontade do supervisor!
O “Sicrano” [branco] é primo de um encarregado da qualidade, fez o estágio do CT;
[enquanto] o “Beltrano” [negro] trabalhou 4 anos na linha, o “Sicrano” entrou pro CT e
caiu de pára-quedas na qualidade! Nunca apertou um parafuso! Outro dia foi recuperar
umas hélices e me perguntou como fazia!
De fato, também Ericsson demonstra ser o setor da qualidade a área mais valorizada pelos
trabalhadores e de mais difícil acesso, particularmente pelos trabalhadores negros. Segundo ele, é
uma área que abre portas:
Mas eu quero fazer estágio mesmo sabendo que vou ser mandado embora depois porque
[se] trabalhar na área de qualidade da Volkswagen do Brasil, você entra em qualquer
lugar depois! Os fornecedores da Volkswagen querem você! Você pode não entender
nada, mas se está lá na sua carteira assinada ninguém pode negar isso
144
Na visão de Ericsson, montadores brancos têm mais chances de serem promovidos que
montadores negros que estão maciçamente no nível operacional, salvo algumas exceções para
cargos de supervisão; mas promoções que signifiquem mudança de nível produção são realizadas
por meio de “políticas fechadas”; ou seja, aquelas em que pesam mais o poder da indicação que o
tempo de experiência ou grau de instrução do candidato. Assim como Mariano, acredita que
executa um trabalho manual que não demanda raciocínio pela vontade dos gerentes.
O que eu sou hoje na Volkswagen??? Eu sou um apertador de parafusos pra eles... Eles
gostam da divisão: quem é gerente, quem é apertador de parafusos!
Assim, tanto Ericsson como Mariano atribuem à discriminação racial um forte fator que
explica as desigualdades nas posições hierárquicas na fábrica - particularmente no que diz
respeito a mobilidade para o setor de qualidade das empresas; ressaltaram também que tal
barreira não existe na seleção dos trabalhadores no nível operacional, onde entram negros e
brancos.
3. Gilson
Além de Mariano e Ericsson, também Gilson no racismo a base das diferenças entre os
trabalhadores nos cargos de comando. Segundo ele, a diferença entre cargo e função é a mudança
de nível; pode-se encontrar negros em funções de comando (dentro do nível operacional), mas
não em cargo de chefia (gerência).
Dependendo do cargo que você exerce, você é mais aceito; a função todo mundo exerce,
mas o cargo é diferente. É difícil num cargo de gerente, mas na função de líder você
encontra muitos negros. Eles contratam muitos negros pra produção; os brancos não
aceitam um negro gerente. [...] Aquela fábrica vem da Alemanha! Os alemães... é certo
que eles são racistas!
Apesar disso, nega ter sofrido racismo na fábrica. Gilson diz que minimiza a possibilidade
de sofrer preconceito conquistando a simpatia/aproximação das pessoas por meio seu jeito
extrovertido e agradável de ser, que, aliado a suas habilidades na área teatral (aproveitadas em
atividades culturais dentro da fábrica) facilita as relações no ambiente de trabalho.
145
4. Juan
Diferentemente dos entrevistados anteriores, Juan discorda que o fato de ter maior
números de negros em cargos e funções menos bem remuneradas e/ou em setores de trabalho
menos valorizados na fábrica. Apesar disso, sendo funcionário de uma empresa terceirizada
(Union Manten) concorda que há maior concentração de trabalhadores negros nesse segmento.
Na Volkswagen quanto mais você estuda maior a possibilidade de você crescer, a
mesmo de ir pra própria Volkswagen que tem em torno de 500 funcionários e é preciso
ter uma faculdade.
Dessa forma, para ele o fator responsável pela distribuição dos trabalhadores negros e
brancos nas diferentes posições de trabalho se deve ao mérito individual (particularmente no
investimento dado a educação), não a características físicas como a cor da pele.
5. Jaime
Apesar de afirmar a existência de racismo e considerá-lo fator importante que leva às
desigualdades entre negros e brancos no país, assim como Juan, não acredita que esse seja um
problema que se aplique à fábrica de Resende. Entretanto, não descarta a possibilidade de que em
outras plantas da Volkswagen ocorram práticas de discriminação racial no processo seletivo.
A Carese é um módulo que tem muitas mulheres, negros e deficientes, mas claro que
dentro da própria Volkswagen você não tantas oportunidades. Acho que esse racismo
que dizem não vem daqui da nossa região; pode ser que na Volkswagen de São Paulo, em
outros estados tenha. [...]
Acredita que a empresa para qual trabalha (Carese) tem um perfil inclusivo com maior
número de empregados negros, mulheres e deficientes físicos. No entanto, reafirma a visão de
Mariano, Ericsson e Gilson no que diz respeito à distribuição dos trabalhadores por cor/raça nas
empresas do consórcio modular.
146
[Na Carese] você negros no RH [setor administrativo]... é uma empresa que faz um
diferencial ali dentro - eu trabalho com três surdo-mudos, meu chefe da produção é
negro, têm negros em todos os cargos; claro que na gerência não, mas tem o líder.
6. Anderson
Anderson, funcionário da Delga, confirma que é possível ver nitidamente que mais
trabalhadores negros em seu módulo. Embora nunca tenha pensado o motivo pelo qual a Delga é
o módulo que concentra maior número de operários negros, destaca as desvantagens de condições
de trabalho no módulo, bem como em relação aos salários.
na Delga tem mais escuro do que branco, a gente isso. Tem gente que trabalha um
dia e não volta mais; tem gente que não vai nem brincando! [Lá] tem muita faísca,
muito calor, barulho. está o que mais trabalha e ganha razoável (não é ruim); tem
módulo aqui que o cara ganha R$ 1.800,00 (num cargo de inspetor) enquanto que o
salário da gente é R$ 1.300,00.
Assim como Jaime, não se percebe como vítima de discriminação racial dentro da
empresa, mas reconhece que, devido à cor/raça negros têm maiores dificuldades de se inserirem
no mercado de trabalho.
No emprego o branco tem mais vantagem que a gente; a pessoa de cor é mais difícil de
conseguir alguma coisa. Eu nunca fui barrado aqui na Volkswagen, mas fora já fui em
supermercado; eles não falaram isso, mas a gente sente que é.
7. Rafael
Para Rafael a cor/raça limita o acesso de negros às oportunidades no mercado de trabalho
industrial; é enfático ao afirmar que o setor de trabalho industrial como racista. Entende o
racismo (limitação) não como exclusão, porque isso significaria proibição explícita da
participação/entrada dos trabalhadores de acordo com a cor/raça, o que, segundo ele não ocorre.
Rafael percebe o racismo como um problema histórico que foi apropriado à lógica do
mercado.
147
Lá na CSN você vai ver que predomina o negro. Isso é uma questão histórica. A indústria
e o comércio são muito limitados; o comércio por causa da questão estética. É uma
questão de mercado: se você for à Bahia você encontra negro no mercado porque senão
você não vende porque predomina negro; da mesma forma, se você colocasse um
negro pra vender carro na Alemanha haveria um contraste contra a cultura. Na nossa
cultura eu acho que tem que ter porque tem muito negro no país então o produto tem que
vender essa imagem [do negro inserido no mercado] também.
Em relação à fábrica, diz ser possível identificar com clareza as diferenças de cor/raça na
distribuição dos trabalhadores nas empresas do consórcio modular onde predominam brancos e
mestiços entre os parceiros e maioria branca entre os funcionários da Volkswagen. Rafael
chamou atenção para o fato de a diferença ser mais clara quando comparados os trabalhadores da
produção (linha de montagem), cuja maioria é negra (mestiça), com os da administração, em que
há maior concentração de brancos.
Rafael diz que, de forma geral, embora os diferentes módulos não tenham diferenças
qualitativas que signifiquem piores ou melhores locais de trabalho considera a chaparia um
ambiente mais agressivo que demanda mais esforço dos trabalhadores, por isso o uso
indispensável de roupa especial, máscaras e luvas porque é um ambiente de maior exposição ao
calor. Para ele, fatores como esses levam a distribuição dos trabalhadores de acordo com sua
capacidade física; ou seja, enquanto a Delga tem maior concentração de negros, a Carese
(pintura) por demandar maior sensibilidade e cuidado tem maior concentração de mulheres.
Em resumo, para Rafael negros são limitados a setores de baixa remuneração,
qualificação e condições de trabalho, na indústria ou no comércio; entretanto, no setor industrial
os trabalhadores negros são segregados na produção pesada, que exige maior esforço físico do
trabalhador e não tanto de qualificação profissional.
É na indústria de base [que] predomina o negro porque é a indústria pesada, porque a
mão-de-obra é menos qualificada; quando você pega a indústria de tecnologia você a
diferença.
148
8. Mário
Assim como Juan e Jaime, Mário acha que não existe racismo dentro da fábrica;
entretanto, quando questionado sobre a participação de negros nas diferentes classes de
rendimento (A, B, C, D, E), diz nunca ter pensado nisso antes; após avaliar concordou que
existem diferenças na distribuição dos trabalhadores com relação à cor/raça e os setores de
trabalho.
Tem muito negro trabalhando na área administrativa (que é mensalista) na AKC
[empresa que assumiu a chaparia no lugar da delga], por exemplo; no RH da Volkswagen
é que... [pensou um tempo]tem um, o resto é moreno. Acho que tem mais na classe A e
B, que é a classe operária.
A única situação de racismo que Mário disse ter identificado na empresa foi em relação ao
setor de RH em que era certo uma mulher escura (negra) assumir o RH da Volkswagen por ser a
melhor profissional na área na época, mas isso não aconteceu por causa do tom da pela dela..
Tinha um problema no passado na área da Volkswagen com uma menina que era escura
e ela trabalha no RH, hoje da AKC, que por sinal é o melhor que tem aqui; no início ela
teve uma oportunidade de passar a trabalhar na Volkswagen e eu acho que isso [a cor]
pegou um pouco sim. Na época eu não era comissão [de fábrica] nem nada, mas eu fiquei
sabendo de conversa entre um e outro, que ela não teve oportunidade devido a ela ser
mulata. Deram a vaga pra outro, mas quebraram a cara porque hoje a Volkswagen
reconhece que o RH dela é o mais profissional... ela é a mais inteligente de qualquer
outro aqui.
Mário enfatizou que problemas desse tipo (acesso a melhores posições e/ou setores de
trabalho) não acontecem no chão de fábrica; deu como exemplo a situação de seus colegas que
entraram na fábrica junto com ele e atualmente foram promovidos a inspetores e a encarregados.
Ou seja, para ele, as oportunidades de promoção e mobilidade na mesma empresa (promoções
nas escalas de salário) ocorrem mais facilmente que entre empresas (particularmente dos módulos
para a Volkswagen); entretanto, tal mobilidade não observa características como a cor da pele do
candidato, mas somente a qualificação profissional.
149
Participação em Organizações Sindicais
1. Mariano
Apesar de entender como necessários os objetivos da organização dos trabalhadores como
força contra o poder do capital, Mariano prefere atuar em movimentos sociais que combatem as
desigualdades raciais; ou seja, a experiência da discriminação racial sobrepõe-se/conjuga-se a de
simples operário.
Eu não participo [do sindicato], embora a causa defendida seja legal. O sindicato para
mim não oferece a clareza, a identificação com a nossa realidade [de trabalhador negro]
Além de não levar em conta as especificidades dos operários negros – maioria do chão de
fábrica da Volkswagen Mariano ressalta que a atuação da organização sindical local não tem
sido a favor dos trabalhadores; ao contrário, tem representado os interesses dos patrões e
beneficiado as próprias lideranças.
Algumas coisas são levantadas contra o sindicato, que nós não temos como provar, que o
sindicato acaba roubando o nosso direito. É complicado a gente colar com pessoas que
não se identificam sinceramente com a nossa realidade, e sim com interesses próprios.
Sobre a atuação da comissão de fábrica, faz duras críticas:
Eu acho que atuar é ver as nossas necessidades, não passar e falar oi! Eles têm que
trabalhar a partir do que a gente acha que é a nossa necessidade e não do que eles
acham. Eles m que saber qual o ganho total da empresa pra gente saber quanto
realmente nós temos capacidade de estar ganhando, dar as informações antes de chegar
o momento das negociações de dissídio, PLR, e tal.
Acha que os negros envolvidos em movimentos sociais voltados para a tetica racial são
mais esclarecidos sobre a real situação de vida dos negros no país (os números das desigualdades
raciais). Na concepção de Mariano, é justamente essa falta de informações que leva os
trabalhadores negros da fábrica ao in-ativismo político.
150
As pessoas têm vergonha de assumir o racismo; os brancos têm medo de assumir isso e
alguns negros também. [...] A maioria dos trabalhadores não tem as informações que
através da capoeira eu tenho e acabam se conformando com isso. Eles entram e
sonham em se aposentar com um salário de industriário.
2. Ericsson
Também não se envolve com as organizações sindicais (sindicato e comissão de fábrica);
assim como Mariano tem uma visão negativa do movimento sindical na região porque acha que o
sindicato não defende os interesses dos trabalhadores, mas sim os da empresa.
O sindicato é mentira! Ele ouve você falar e fala pro seu chefe o que você disse. E aí você
era...seu nome vai pra todas as empresas. [...] Quem pode pagar mais pro sindicato, o
trabalhador ou a empresa? Eu posso dar R$ 3,00 por mês pro sindicato, se eu sou
sindicalizado; a empresa um carro por mês pra cada um do sindicato... ela quer o
resultado bom pra ela. Quem é prejudicado numa greve é só o peão.
Para Ericsson as negociações têm privilegiado as empresas, não os trabalhadores.
Que isso é abono nada... isso é a PLR que vocês nos roubaram e o que era R$ 4.800,00,
vocês deram R$ 3000,00 e jogaram esses R$ 1.800,00 encima; daí deu os R$ 4.800,00
dizendo que é abono. Mas, na realidade, é R$ 4.800,00 de PLR disfarçada e eles falam
que é abono, mas se fosse abono vocês davam o aumento, porque não seria pago numa
pancada só, e sim todo mês.
Ericsson atribui o problema à ão das lideranças sindicais que estão nessa gestão; ou
seja, a falta de combatividade do sindicato frente às fábricas na região com ausência de greves e
pressão dos trabalhadores exigindo seus direitos é interpretada como manipulação das lideranças
sindicais que, em seu entender, entram em acordo com os patrões e não defendem os interesses
dos trabalhadores.
Ao comparar as conquistas do movimento sindical, como o valor da PLR, com as da
fábrica da Volkswagen de São Paulo, Ericsson conclui que os benefícios são melhores porque
os trabalhadores têm maior poder de pressão contra os patrões.
151
Eles [fábricas de São Paulo] quebram tudo! Eu vi na Sky [TV por assinatura] que a
Cummins estava em greve! A Power Train é uma junção da Cummins com a MWM. A
gente nem ficou sabendo aqui... Por que eles fizeram isso? Porque a PLR deles estava em
R$ 6.600,00 e eles queriam mais! E o produto final da Volkswagen [Resende] é
caminhão, muito mais caro que um motor de R$ 30 mil de São Paulo; um caminhão
custa R$ 230 mil, muito mais caro que um carro de passeio; vende muito mais caminhão
do que carro de passeio. A Volkswagen aqui de Resende é a maior do mundo, maior do
que a da Alemanha!
Em fase de eleições sindicais, Ericsson está apoiando uma chapa alternativa (oposição)
que, segundo ele, tem maioria de trabalhadores negros comprometidos com os interesses dos
trabalhadores.
3. Gilson
Assim como Mariano, é envolvido com movimentos sociais, em particular de valorização
da cultura negra, mas não se interessa pelas atividades sindicais. Para Gilson, o movimento
sindical não cumpre seu papel que é representar os direitos dos trabalhadores.
Não participo de nada no sindicato, nem do churrasco ou do futebol. Eles ficam brigando
entre si e não brigam por nós.
4. Juan
Juan é funcionário de uma empresa terceirizada dentro da fábrica, o que significa que não
estão cobertas pelo acordo coletivo garantido a todos os trabalhadores das empresas do consórcio
modular (uma única tabela salarial, mesmos benefícios, bem como mesmo valor sobre a PLR);
mesmo assim, está envolvido nas ações do sindicato foi convidado pelas lideranças sindicais
para compor a chapa de situação nas eleições para a nova diretoria do sindicato dos metalúrgicos
da região que estavam ocorrendo naquela época.
152
Juan teria, assim, uma participação estratégica para melhorar o canal de diálogo entre
trabalhadores e patrões nas empresas terceirizadas, ou seja, é o responsável por uma proposta de
inclusão dessas empresas na política sindical.
O sindicato perdeu muito dentro da fábrica, mas entendeu que como eu era uma pessoa
muito comunicativa essa visão poderia mudar; isso foi um marketing que deu certo
porque as pessoas que eram contrárias a nós hoje mudaram de visão com relação a CUT.
Tudo pela amizade! E como eu sou terceiro, eu conheço muito bem a realidade dos
terceiros.
Importante lembrar que a ligação de Juan com os líderes sindicalistas é anterior a sua
entrada na fábrica; ele ressalta que foi por indicação do sindicato que conseguiu o emprego.
5. Jaime
Assim como Mariano e Ericsson, considera a atividade sindical importante; entretanto,
não se identifica com as lideranças sindicais por considerar um caminho distinto dos objetivos
que pretende alcançar.
Eu me interesso, mas não tenho muito contato. São módulos diferentes; a gente se fala,
mas não tem muito contato. Eu procuro alcançar outros objetivos, mas a proposta é
válida.
6. Anderson
Assim como Juan tem uma relação estreita com as lideranças sindicais; Anderson
considera Mário (membro da comissão de fábrica) como um amigo porque intercedeu por ele nas
muitas vezes que passou situações difíceis correndo risco de demissão.
Eu estive pra ser mandado embora dessa fábrica umas três vezes por mau
comportamento - eu brigava, não levava desaforo pra casa, dava tapa... Ás vezes
conseguia ocultar, mas às vezes isso ia parar no escritório. Essas duas pessoas [membros
da CF] que conseguiram me segurar aqui. Agradeço a Deus e a eles por eu estar aqui; eu
tenho uma dívida muito grande com eles.
153
Apesar da amizade, que, segundo Anderson serviu para o aproximar das atividades
sindicais, considera o desempenho da comissão de fábrica satisfatório.
Eu tinha amizade com eles [membros da CF] antes de eles serem do sindicato; quando
eles passaram pro sindicato a gente se manteve mais próximo. Já passaram outras
pessoas aqui que não fizeram o que eles fazem... eu acho que eles fazem um bom
trabalho. [...]
7. Rafael
Assim como Mário, Rafael tem sua trajetória marcada pelo envolvimento com o
movimento em defesa dos direitos dos trabalhadores. Cumpriu dois mandatos como cepista antes
de entrar para a comissão de fábrica na eleição de 2005, onde obteve 78% dos votos (o que
equivaleu a 320 entre votantes).
Após a permanência dos mesmos representantes por dois mandatos consecutivos na
comissão de fábrica (tem um representante da Volkswagen e outro das empresas parceiras),
Rafael foi o mais bem votado; embora seja representante da Volkswagen, foi eleito com votos
dos dois segmentos de funcionários. Para ele, o trabalho realizado é bem aceito pelo conjunto dos
trabalhadores.
Nós da comissão de fábrica abrangemos os trabalhadores da Volkswagen e os
parceiros.[Entretanto] nossa posição está bem perante os trabalhadores; aqui somos 2
pessoas para cuidar de 2000 funcionários, se você adicionar os terceiros esse número
sobe pra 3700, quase 4 mil pessoas.
Como ele, o outro membro da comissão de fábrica se auto-classifica racialmente como
negro, daí sua avaliação sobre a participação de negros na atividade sindical ser amplamente
positiva, ainda mais ainda em relação aos trabalhadores da CSN, em Volta Redonda.
[A participação de negros no sindicato] aqui é forte, praticamente predomina; você viu as
fotos dos componentes da nossa chapa, né?! Você pode contar quem é branco. Isso
porque 60% dos nossos associados estão na CSN, e, aa cidade de Volta Redonda tem
muitos negros.
154
8. Mário
Está na comissão de fábrica desde 1999, atualmente em seu terceiro mandato. Segundo
Mário, a comissão de fábrica foi oficializada em 2000 e, desde então, diz participar das principais
conquistas como o fim do banco de horas, as negociações por aumentos crescentes na
Participação nos Lucros e Resultados (PLR), e, recentemente nas negociações de transferência
dos trabalhadores da Delga, para a AKC que ganhou a concorrência.
Sobre a nova composição da comissão de fábrica, diz que para manter Alex (seu parceiro
desde o início na comissão de fábrica) fizeram um acordo com o sindicato colocando Alex como
o representante do sindicato na fábrica.
Na comissão de fábrica estou no meu 3
o
mandato; dessa vez o Rafael foi o mais votado;
eu entrei em 2
o
lugar e o Alex, sempre foi meu parceiro, entrou num acerto político.
Embora reconheça as críticas a atuação da comissão de fábrica, Mário destaca as
negociações para transferir os trabalhadores da Delga para a AKC como positivas, mesmo que
tenha sido reduzido o número desses trabalhadores em função da nova cabina, pois além de
garantir o emprego dos funcionários também garantiu todos os direitos trabalhistas no processo
de migração.
Eu e o Alex negociamos a transição da Delga para a AKC; todos os trabalhadores que
saem da Delga, hoje, saem indenizados, com todos os seus direitos e no outro dia está
com o mesmo salário na AKC; então, o pessoal tirando entre 20 e 30 mil de
indenização.
Para Mário, a maior participação dos trabalhadores da fábrica dentro do sindicato é
considerada um avanço político. Além de Mário e Alex, também concorre na chapa de situação
das eleições do sindicato dos metalúrgicos o entrevistado Juan.
Aqui da fábrica, estão na chapa concorrendo à diretoria: eu, o Alex e o Juan. O Rafael
continua na CF. A gente não vai precisar mais de gente de Volta Redonda aqui.
155
Perspectivas de Trabalho
1. Mariano
Embora as condições de trabalho sejam adversas com a dificuldade imposta pelo racismo
para futura ascensão profissional na fábrica, o entrevistado reconhece que o emprego na
Volkswagen possibilita aos operários negros melhores condições de vida, em termos de
rendimento, que a maioria dos negros da região não têm.
Para a realidade que temos hoje, em conseqüência da história que nossos antepassados
viveram, é melhor! A gente rala lá, mas a gente tem todo mês o nosso meio de sustento e
pode investir na família, o que muitos negros não têm acesso.
Com o objetivo de constituir família e continuar com as atividades sociais de reflexão
sobre o sistema de dominação da sociedade, o entrevistado tem dúvidas sobre seu crescimento
profissional na fábrica, mas continua investindo em sua qualificação profissional na área fiscal
deseja sair do nível operacional e passar para a área administrativa.
Eu procuro ter o máximo de informações. Pretendo voltar para o curso de inglês, mas
[na Volkswagen] ninguém usa isso no nível operacional; no nível administrativo as
pessoas têm contatos externos que precisam do inglês. Eu não sei... minha perspectiva é
diferente do que eu tenho condições de conseguir porque não depende somente de mim,
depende também da Volkswagen -os recursos humanos e a gerência- enxergar esse meu
potencial.
2. Ericsson
Embora perceba que as possibilidades de ascensão no trabalho na Volkswagen sejam
reduzidas por causa do racismo, o entrevistado tem esperança de crescer profissionalmente no
setor automobilístico. Por outro lado, investe nos estudos para passar em concursos públicos para
garantir a estabilidade no emprego.
[Se sair da Volkswagen] eu vou fazer prova pra PETROBRAS. Eu mando currículo pra
todo mundo! Acho que dificuldade existe mesmo, mas eu não esmoreço.
156
3. Gilson
Embora goste de trabalhar na fábrica, sonha em ser professor de dança seja em academias
ou escolas. Seu investimento em educação e sua participação nos eventos culturais que envolvem
principalmente a cultura negra trilham um caminho que se distancia do setor industrial e até
mesmo do mercado de trabalho local.
4. Juan
Sua trajetória escolar e experiência de trabalho não correspondem a perspectivas de
sucesso no setor automobilístico, no entanto, o emprego na fábrica e o contato com o movimento
sindical apontaram novos rumos para sua carreira profissional.
Eu acredito que daqui pra frente, com essa ligação com o sindicato, meu futuro está
mudando um pouco e daqui pra frente minha vida vai ser mais política.
A possibilidade de ascender a melhores cargos na empresa estava no horizonte
profissional do entrevistado, mas a possibilidade de inserção no movimento sindical parece estar
acima de suas expectativas.
O que eu queria era ser conferente, que é o que sou hoje; mas meu caminho mudou
porque hoje estou saindo pra ser diretor sindical, que está além do que eu queria.
5. Jaime
O entrevistado planeja seu crescimento profissional dentro da fábrica; para ele, dentre
outras aquisições, possuir um carro de alto valor de mercado tem relação com ascensão social.
Eu quero ter um Audi, pra isso tem que ter um cargo legal, um salário legal! Eu vou me
articular pra chegar onde eu quero chegar.
157
6. Anderson
Comparada a instabilidade/insegurança no emprego antes de sua entrada na fábrica, o
entrevistado gosta do trabalho atual como soldador. Mesmo assim, pretende estudar engenharia
ou advocacia por dois motivos em particular: o menor esforço físico empenhado na atividade e o
status social atribuído a tais essas profissões.
Eu gosto do que eu faço; pensei que seria soldador pro resto da vida, mas vou terminar
meus estudos pra ter uma coisa melhor. Vejo que a solda não é vantagem pro futuro
porque você tem um desgaste de tudo, da vista - eu o acendo a luz de noite na minha
casa porque minhas vistas ardem, doem. Aonde a solda passa deixa um sinal [o
entrevistado levanta partes do macacão mostrando os traços deformados do corpo onde a
solda pegou]; quando cai aqui dentro [bota] é um samba que você dança até conseguir
tirar. [...] Tenho vontade de fazer engenharia ou advocacia. Eu assisto no programa [na
tv] e vejo como é o tratamento se você é um advogado.
A carreira profissional no setor automobilístico, na mesma empresa, não está em seus
planos. Perguntado se sairia da Delga para trabalhar em outro lugar dentro da fábrica, responde
que mesmo que saísse da Delga não gostaria de trabalhar em outra empresa da linha de produção,
também devido às desvantagens das condições de trabalho.
se for no escritório! Na linha não... eu fico comendo fogo mesmo! Na Carese tem
muito produto químico, apesar de que a fumaça na Delga é a mesma coisa que você estar
fumando. Na montagem é tranqüilo... é tudo limpinho, direitinho; não precisa trocar a
roupa.
7. Rafael
Sua realização profissional está ligada às atividades sindicais.
Pra mim, hoje, estar aqui na comissão de brica eu entendo como um benefício. Eu me
formei em administração de empresa e aqui você tem um conhecimento maior de todo o
processo de negociação que envolve acordo coletivo, questões trabalhistas, as relações
entre empresa e empregado.
158
Satisfeito com o emprego na fábrica, mesmo que não se reverta em melhores rendimentos,
a carreira sindical parece desempenhar papel fundamental para sua realização pessoal, pois não
qualquer tipo de remuneração por essas atividades, apenas para cobrir gastos com despesas na
realização das ações.
Em termos de salário não houve benefício direto na remuneração, mas houve no ganho
de conhecimento. Eu avalio também o ganho financeiro, mas a fase de me preocupar com
promoção e essas questões financeiras passou; quando a gente inicia no mercado de
trabalho, tem o primeiro emprego e tal a gente fica muito aguçado pra querer ter
promoção, pra querer chegar lá.
8. Mário
Suas perspectivas profissionais giram em torno da representação dos trabalhadores seja
através da luta sindical e também através da representação política, para a qual já está começando
a fazer as articulações necessárias para as próximas eleições municipais, como candidato a
vereador.
159
***
Em resumo, a análise das trajetórias coloca em perspectiva comparada questões como as
classificações de cor e a identificação racial, a percepção do racismo dentro e fora da fábrica, a
relação entre cor e classe por meio de inserção em associais coletivas de caráter racial ou sindical,
e, as estratégias individuais de realização profissional.
Num contexto em que se verifica o aumento do desemprego e aumento da exigência da
escolarização a maioria dos trabalhadores percebe seu trabalho como uma oportunidade de
ascensão social, embora reconhecem dificuldades para a mobilidade dentro da fábrica. As formas
de manifestação do racismo no ambiente de trabalho não são vistas de maneira homogênea;
embora a maioria perceba a concentração de trabalhadores negros em ocupações manuais e
técnicas, bem como ausência nas ocupações de comando e funções administrativas alguns
entrevistados afirmam não perceber o racismo como mecanismo impeditivo para ingresso e
ascensão profissional na fábrica.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho realizou um estudo sobre as formas de inserção, qualificação e possibilidades
de ascensão social dos trabalhadores negros da fábrica de Ônibus e Caminhões da Volkswagen-
Resende.
A apresentação das concepções teórico-argumentativas do processo de construção do
modelo de relações raciais serviu como base para compreender as desigualdades entre negros e
brancos no mercado de trabalho. Particularmente as teses de Costa Pinto (1998), Lima (2001),
Hasenbalg, Vale e Silva & Lima (1999) e Guimarães (2004) sobre o atributo da raça/cor como
barreira ao processo de mobilidade social de trabalhadores negros no mercado de trabalho.
A caracterização da participação do negro na vida social do município de Resende
demonstrou que, embora o emprego na fábrica traga benefícios sociais e econômicos às
condições de vida dos trabalhadores, seu impacto não refletiu em mudanças significativas para a
redução das desigualdades entre negros e brancos no mercado de trabalho local.
Os indicadores sobre acesso e qualidade de inserção no mercado de trabalho local
constataram que há concentração de negros ocupados na posição de empregado e por conta-
própria (posição que, em geral, caracteriza-se pela precarização e informalização do emprego), e,
no trabalho doméstico no caso específico das mulheres negras. Os resultados sobre a distribuição
dos rendimentos nas diferentes posições de trabalho reafirmam a vulnerabilidade de negros no
mercado de trabalho: negros têm melhores possibilidades de rendimento nas posições de trabalho
cujo critério de inserção e permanência independem da vontade subjetiva dos indivíduos; a
vulnerabilidade se caracteriza pela concentração em trabalhos de baixa remuneração, trabalho
informal e maior exposição ao risco de perder o emprego.
A caracterização do perfil dos trabalhadores negros da fábrica da Volkswagen também
confirmaram a existência de mecanismos impeditivos a construção de trajetórias profissionais
bem sucedidas entre os negros. Os dados sobre o processo seletivo para a entrada na fábrica
reafirmam a tese de correspondência entre cor e possibilidades de ascensão social; ou seja, a
visão estereotipada sobre as capacidades profissionais de negros conduz para a exigência de
formalidade (via processo seletivo e realização prévia de curso técnico no SENAI) para “os mais
escuros”; e, apesar de haver mais trabalhadores negros com grau de ensino superior ao padrão
(com curso superior incompleto), a maioria está distribuída na faixa padrão de salários. Por fim,
161
maior concentração de trabalhadores negros no setor de produção considerado mais pesado”
(exposto a piores condições de trabalho e de maior esforço físico).
Por fim, o trabalho mostrou que a ampliação do mercado de trabalho, bem como dos
rendimentos dos trabalhadores, para negros e brancos no município de Resende em decorrência
da instalação da fábrica de ônibus e caminhões da Volkswagen acompanhou o processo de
reprodução das desigualdades de oportunidades entre negros e brancos no acesso e na qualidade
às ocupações do setor industrial automotivo.
As estratégias utilizadas pelos trabalhadores negros para vencer as barreiras de ascensão
social correspondem ao estabelecimento de redes de familiares e amigos, bem como participação
em associações coletivas como grupos culturais, religião, de base anti-racista, bem como o
investimento em educação e ligação com a atividade sindical.
Embora o reconhecimento da discriminação e do racismo por toda a sociedade brasileira,
em geral, e em particular, pelos trabalhadores entrevistados explique a atual realidade das
desigualdades entre negros e brancos, os trabalhadores negros da Volkswagen Ônibus e
Caminhões-Resende enfrentam os problemas de inclusão e possibilidades de mobilidade
ascendente com diferentes estratégias que não se limitam ao enfrentamento do racismo como
barreira para seus projetos de ascensão social.
Com efeito, a trajetória dos trabalhadores mostra percursos diferentes na construção das
perspectivas de trabalho e probabilidades de ascensão social, bem como diferentes concepções
sobre o racismo dentro e fora da fábrica. Se por um lado a não identificação racial remete ao
desejo de tratamento igual nas relações sociais, também tem relação com o afastamento de
situações conflituosas cujo risco de ser discriminado é eminente.
162
ANEXOS
TABELA 1 TABELA 2
Composição racial da população da
região do Médio Paraíba fluminense
Localidade Branca
Preta
ou
Parda
Volta Redonda 146.010 93.710
Barra Mansa 95.686 73.360
Resende 59.811 44.109
Barra do Piraí 44.681 42.608
Valença 38.880 26.619
Itatiaia 13.560 10.921
Piraí 12.850 9.043
Pinheiral 10.838 8.579
Porto Real 5.620 6.380
Rio Claro 10.376 5.817
Quatis 6.743 3.852
Rio das Flores 3.846 3.695
163
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Irohin - www.irohin.org.br
Jornal da Comissão de Fábrica Volkswagen Resende, ano 04, maio/2004.
Jornal do Comitê Nacional dos Trabalhadores na Volks (ago/2005)
O Globo – Élio Gaspari, sobre os Breves. Domingo, 11/04/2004.
O Resendense
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Sindicato dos Metalúrgicos do ABC - Arrocho e desemprego de negros foram maiores nos
anos 90 (04/08/2004)
Web-sites
Central Única dos Trabalhadores (CUT) - www.cut.org.br
Diário do Vale – www.diarioon.com.br
DIEESE – www.dieese.org.br
Família Breves - www.brevescafe.com.br
Fundação CIDE (Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro) – www.cide.rj.gov.br
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – www.ibge.gov.br
Instituto PRESERVALE (Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do Paraíba)-
www.preservale.com.br
Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR) – www.inspir.org.br
IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas) - www.ipea.gov.br
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço - www.koinonia.org.br
Laboratório Industrial Sindical - www.sindlab.org
Mórmons - www.cacp.org.br/morm9.HTM ou www.geocities.com/centralmormon/m...
Prefeitura Municipal de Piraí - www.pirai.rj.gov.br
Prefeitura Municipal De Resende - www.resende.rj.gov.br
Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos - www.redesaude.uol.com
Região das Agulhas Negras – www.regiaodasagulhasnegras.com.br
Secretaria de políticas para mulheres- www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/spm
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) -
www.planalto.gov.br/seppir
Sindicato dos metalúrgicos de Volta Redonda – www.sindmetalvr.org.br
Sistema Nacional de Informações de Gênero (SNIG) – (disponível em
www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/spm)
Tribunal de contas do estado do Rio de Janeiro - www.tce.rj.gov.br
Vale do Paraíba – valedoparaiba.com
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Entrevistas
Sônia Maria de Freitas – Coordenadora municipal da comunidade negra (Secretaria de
cidadania e relação comunitária). Resende, 16/04/2004.
Mestre Claudinho – Associação de Capoeira Raiz Negra. Resende, 17/03/2006.
Claudionor Rosa – Diretor do Arquivo Histórico de Resende. Resende, 18/03/2006
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