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Eu, em criança, ouvi contar a anedota de uma casa que ardia na
estrada. Passa um homem, vê perto da casa uma pobre velhinha chorando,
e pergunta-lhe se a casa era dela. Responde-lhe a velha que sim ― Então
permita-me que acenda ali o meu charuto.
Imitemos este homem polido e econômico. Vamos acender os charutos
no castelo de Hugo, enquanto ele arde. Vamos todos, havanas e quebra-
queixos, finos ou grossos, e os mesmos cigarros, e até as pontas de cigarro.
Nunc est fumandum. Incêndios duram pouco, e os fósforos são vulgares.
Completemos as estrofes com coletes, façamos de uma ode uma
sobrecasaca. Está chorando, meu amigo? Enxugue os olhos no cós destas
calças. Vinte e dois mil-réis, serve-lhe? Vá lá, vinte e um. E olhe que é por
ser para si. A gramática não é boa, mas o sentimento é sincero. Ce siècle
avait deux ans... Pano fino; veja aqui, que está mais claro. Gastibelza,
l’homme à la carabine... Vai pelos vinte e um? é de graça. Vinte? Vinte é
pouco, dê vinte e quinhentos. Não? Está bom; vá lá... Poète, ta fenêtre était
ouverte au vent...
É claro que isto pode aplicar-se a outras coisas, não só aos coletes. Em
geral inventamos pouco, e a idéia que um emprega fica logo rafada. Haja
vista o Café Papagaio, que lá deu de si o Café Arara e o Café Piriquito, e
dará muitos outros, se Deus quiser, porque primeiro acabará o uso do café
no mundo, do que as nossas belas aves no mato.
Sei que resta a polca, que não há de querer perder um petisco tão raro,
como a morte de um grande poeta. Há a dificuldade dos títulos, que,
segundo a estética deste gênero de dança, devem ser como os da última ou
penúltima publicada: Seu Filipe, não me embrulhe! Não se pode dizer: ―
Seu Vítor, não me embrulhe! A morte, ainda que seja de um grande espírito,
não se compadece com este gênero de capadoçagem.
O modo de combinar as coisas seria dar às polcas comemorativas um
título que, com o pretexto de aludir a escritos do poeta, trouxesse o pico do
escândalo. Freira no serralho, por exemplo, é excelente, com esta epígrafe
do poeta: De nonne, elle devient sultane. E pontinhos. Ou então este outro:
A filha do papa! Eia, polquistas, não desesperemos da basbacaria humana
.
(
ASSIS, 1997, v.3, p.457-8).
Victor Hugo faz parte da galeria de escritores estrangeiros que Machado de
Assis admirava, lia e cuja obra conhecia profundamente. A crônica transcrita acima
representa a crítica que Machado de Assis faz aos que, sem talento, buscam a glória,
aspecto recorrente nos textos “Aurora sem dia,” “A mulher de preto” e “A chinela
turca,” nos quais as personagens querem se destacar como artistas (poeta,
dramaturgo), mas não possuem talento para a criação literária.
Os contos selecionados para este trabalho – “O alienista,” “O segredo do
Bonzo,” “A sereníssima república,” “Conto alexandrino,” “Cantigas,” “Um homem
célebre” e “Teoria do medalhão,” embora inseridos em coletâneas distintas, serão
interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958 e Dictionnaire des citations françaises. Paris: Larousse,
1957.