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gênero fantástico. No trecho a seguir, Todorov, ao falar sobre A metamorfose,
compara-a com os principais elementos da literatura fantástica dos séculos
anteriores e, assim, podemos, de uma só vez, mostrar as características cultivadas
anteriormente e as mudanças ocorridas a partir da obra de Kafka:
Se abordarmos esta narrativa [A metamorfose] com as categorias
anteriormente elaboradas, vemos que ela se distingue fortemente das
histórias fantásticas tradicionais. Em primeiro lugar, o acontecimento
estranho não aparece depois de uma série de indicações indiretas, como
o ponto mais alto de uma gradação [...]. A narrativa fantástica partia de
uma situação perfeitamente natural para alcançar o sobrenatural, “A
metamorfose” parte do acontecimento sobrenatural para dar-lhe, no
curso da narrativa, uma aparência cada vez mais natural [...]. Qualquer
hesitação torna-se de imediato inútil: ela servia para preparar a
percepção do acontecimento inaudito, caracterizava a passagem do
natural ao sobrenatural. Aqui é um movimento contrário que se acha
descrito: o da adaptação, que se segue ao acontecimento inexplicável e
caracteriza a passagem do sobrenatural ao natural. Hesitação e
adaptação designam dois processos simétricos e inversos. Por outro
lado, não se pode dizer que, pelo fato da ausência de hesitação, até
mesmo de espanto, e da presença de elementos sobrenaturais, nos
encontramos num outro gênero conhecido: o maravilhoso. O
maravilhoso implica que estejamos mergulhados num mundo de leis
totalmente diferentes das que existem no nosso; por este fato, os
acontecimentos sobrenaturais que se produzem não são absolutamente
inquietantes. Ao contrário, em “A metamorfose”, trata-se de um
acontecimento chocante, impossível; mas que acaba por se tornar
paradoxalmente possível. Nesse sentido, as narrativas de Kafka
dependem ao mesmo tempo do maravilhoso e do estranho, são a
coincidência de dois gêneros aparentemente incompatíveis. O
sobrenatural se dá, e no entanto não deixa nunca de nos parecer
inadmissível [...]. Somos, à primeira vista, tentados a atribuir um
sentido alegórico a “A metamorfose” [...] pode-se certamente propor
várias interpretações alegóricas do texto; este, porém, não oferece
nenhuma indicação explícita que confirme esta ou aquela (TODOROV,
2003, p.179-180).
Na narrativa de Kafka, o acontecimento estranho está presente
logo no início da narrativa e torna-se naturalizado ao longo do texto, mas isso não
impede a inquietação do leitor, então não se trata de um texto maravilhoso. A