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Denise Pahl Schaan
A Linguagem Iconográfica da
Cerâmica Marajoara
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Um estudo da arte pré-histórica na Ilha de Marajó - Brasil (400-1300 AD)
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“Pode ser que
nas particularidades
culturais dos povos sejam
encontradas algumas das
revelações mais
instrutivas sobre o que é
ser, genericamente,
humano”.
(G
EERTZ
, 1978:55)
Para Ni,
Gaysita,
Lucas e
Ana Paula
Agradecimentos
Quero agradecer, em primeiro lugar, ao CNPq, pela Bolsa de Estudos
concedida durante o curso de Pós-Graduação em História, e à PUC/RS, pela
oportunidade de publicação de minha Dissertação de Mestrado em Arqueologia.
Penso que talvez quem tenha tido uma experiência semelhante possa
avaliar todo o trabalho que envolve a produção de uma Dissertação de Mestrado,
resultado de muitos e muitos meses de dedicação. Esse envolvimento implica em
renunciar, ainda que temporariamente, a outras atividades também importantes e à
companhia de pessoas que nos são caras. Nessa jornada estabelecemos vínculos de
amizade com pessoas que participam conosco de etapas desse trabalho e, mesmo
que a amizade seja temporária e ligada às contingências, as imagens dessas pessoas
permanecem nas entrelinhas do texto, nos lembrando o quanto foram indispensáveis.
Muitos livros utilizados para a elaboração dessa pesquisa obtive por intermédio de
pessoas às quais não tenho como agradecer. O resultado de sua ajuda preciosa é o
próprio trabalho.
Portanto, gostaria de deixar aqui registrados meus agradecimentos às
seguintes pessoas:
Aos professores do curso e em especial a meu orientador, prof. Dr. José
Proenza Brochado, por sua sabedoria e disponibilidade; por ter acreditado e se
envolvido pessoalmente com o trabalho. Ao prof. Dr. Klaus Hilbert, pelo apoio, pelos
livros, pelas conversas, pela amizade.
À profª. Teresa Fossari, por ter-me aberto as portas do Museu Universitário
da UFSC, pelos livros emprestados, por sua paixão contagiante pela arqueologia, pelo
apoio e carinho.
A todos os funcionários do Museu Universitário da UFSC, em especial à
Dorothéa, pelos textos; ao Peninha, pelas conversas; Hermes e Deise pelo apoio.
Aos amigos Helena e Maninho, pela recepção inesquecível em Florianópolis.
Aos colegas do curso, pela convivência, pelos trabalhos em conjunto, pela
solidariedade e amizade; em especial a André Jacobus, por ter lido e criticado parte
do trabalho.
Aos biólogos Geraldo Rodolfo Hoffmann e Marcos di Bernardo, pela ajuda
inestimável.
Às funcionárias do curso e do CEPA, Rosana, Carla e Márcia, pelos favores e
pela paciência.
A Lizete Dias de Oliveira, grande amiga, que me incentivou desde o início.
Finalmente à minha família: a meus pais pelo apoio material e espiritual; a
Nivaldo, meu companheiro, por tudo.
Muito obrigado.
Índice
Introdução ................................................................................................ 7
Capítulo I
Arte Indígena e significado ................................................................ 17
Conclusões do capítulo...................................................................... 40
Capítulo II
Registro arqueológico e etnohistórico da Fase Marajoara................. 47
Utilização arqueológica do modelo analítico “cacicado” ................... 72
Conclusões do capítulo ..................................................................... 81
Capítulo III
O estudo da coleção Tom Wildi ..................................................... 89
Análise das representações antropozoomórficas
e dos motivos decorativos ..................................................................105
Conclusões do capítulo ......................................................................121
Capítulo IV
A linguagem iconográfica da cerâmica Marajoara .............................130
Conclusões do capítulo.......................................................................138
Conclusões finais .....................................................................................140
Obras consultadas.......................................................................................144
Introdução
O estudo da arte nas sociedades indígenas, resultou, nos últimos anos,
em um grande número de trabalhos antropológicos extremamente importantes
para uma adequada compreensão do universo cultural nessas sociedades. As
pesquisas realizadas em campo, com a convivência por vários meses com as
comunidades indígenas, têm demonstrado ser, sem dúvida, momentos
privilegiados para que o cientista observe os processos artesanais de maneira
integrada, uma vez que há a possibilidade de desfrutar do mesmo meio
ecológico e social, estabelecer diálogos com informantes, participar das
atividades do grupo e, desta forma, poder apreender os aspectos simbólicos e
cosmológicos da cultura.
Ainda que a analogia etnográfica seja importante para o trabalho do
arqueólogo, o estudo da arte em sociedades indígenas arqueológicas
desenvolve-se segundo métodos e possibilidades bastante diversas. Os objetos
artísticos, no contexto arqueológico, não são encontrados no momento de sua
produção e uso, mas no instante de seu descarte ou enterramento. Dessa
maneira, vê-se o arqueólogo na contingência de registrá-los quanto à sua
posição estratigráfica e relação com os demais resíduos, e descrevê-los em
suas dimensões plástica e estética, classificando-os em tipologias estilísticas.
As possibilidades de compreensão sobre as motivações que impulsionaram o
desenvolvimento artístico em sociedades arqueológicas ficam restritas, na
melhor das hipóteses, às analogias etnográficas, isso quando o pesquisador
não dá poderes interpretativos à sua própria subjetividade. Na realidade, ele
geralmente não vê possibilidades de explicação a partir do leque de teorias
científicas a seu alcance.
Dentro desse contexto, a arte passa a fazer parte do conjunto de
fenômenos para os quais não há explicação plausível, porque não há
regularidades, universalidades. Vemos que, apesar das manifestações
artísticas estarem presentes em todas as sociedades humanas, em maior ou
menor grau, desde o paleolítico, estas se externam de tantas maneiras
diferentes quantos são seus autores. Não são poucos os pesquisadores que
tendem, por todos esses motivos, a desprezar os objetos artísticos enquanto
fonte importante de informações a respeito do comportamento cultural dos
povos pré-históricos. Se por um lado parece haver um desconhecimento sobre
a real amplitude do significado da arte para as sociedades indígenas, por outro
lado, a preocupação da arqueologia em construir um corpo teórico enquanto
disciplina autônoma tem feito seus teóricos e pesquisadores se afastarem dos
temas teórico-metodológicos mais polêmicos, com cuidado de mover-se tão-
somente em terreno seguro. Enquanto que a segunda preocupação é
compreensível e podemos dizer que, em certa medida, dela compartilhamos, a
primeira revela, na melhor das hipóteses, descaso em relação a trabalhos
etnográficos importantes que vêm sendo desenvolvidos nos últimos anos por
antropólogos entre sociedades indígenas contemporâneas ainda não totalmente
aculturadas ou em processo de aculturação.
Estudos etnológicos recentes (C
OSTA
, 1987; D
ORTA
1981; I
LLIUS
, 1988;
M
ÜLLER
, 1992a, 1992b; R
IBEIRO
, 1987b,1992; S
ILVA
e F
ARIAS
, 1992; V
ELTHEM
,
1992; V
IDAL
e S
ILVA
, 1995) têm demonstrado que a arte para as sociedades
indígenas tem um status totalmente diverso da arte como a conhecemos em
nossa sociedade.
Nas comunidades indígenas, a arte se expressa invariavelmente em
objetos que possuem utilidade: em utensílios, artefatos ou ainda adornos
pessoais carregados de significado para o grupo. Não existe o objeto artístico
sem função social. O artesão decora plasticamente objetos que possuirão
utilidade para o grupo e a decoração ocorre em função dessa utilização. Essa
relação entre arte e função se dá logicamente num contexto cultural em que
não há também separação entre indivíduo e grupo social, entre lazer e trabalho,
entre direitos e obrigações e, principalmente, onde não existe a propriedade
privada. A estética do artista é a estética do grupo. Os padrões estéticos do
grupo, que se perpetuam pelas tradições, devem ser preservados e difundidos,
uma vez que comunicam sobre a cosmologia e mitologia do grupo, sobre sua
organização social e sobre seu status de grupo social diferenciado em relação
ao universo das outras comunidades e seres da natureza.
Na arte dos “tempos modernos”, há uma individualização da produção
artística, ligada a conceitos de liberdade, criatividade e originalidade. Segundo
L
ÉVI
-S
TRAUSS
(1989) essa individualização crescente não se refere à figura do
criador, mas da clientela. Assim, em vez do grupo esperar que o artista produza
os objetos necessários às atividades coletivas, o indivíduo adquire o objeto
artístico segundo necessidades estéticas não ligadas diretamente ao significado
do objeto, mas à capacidade de possuí-lo. Ao perder sua função significativa na
medida em que não é produzida para a sociedade-cliente, mas para o indivíduo,
a arte não funciona mais como linguagem, uma vez que esta é um fenômeno
essencialmente coletivo.
Nas sociedades que não conhecem a escrita, a pintura e os grafismos
são parte de um poderoso sistema de comunicação, como já salientamos, a
respeito das tradições, dos mitos, da história do grupo. Os desenhos muitas
vezes representam momentos de uma epopéia mítica e as figuras
antropozoomórficas modeladas na cerâmica, pintadas em tecidos, esculpidas
em madeira ou trabalhadas nos trançados são personagens que de alguma
forma se ligam ao repertório mítico. Esses mitos, invariavelmente, se referem
ao tempo em que o homem era igual aos animais e explica porque as coisas se
tornaram como são e devem continuar assim.
Dentre os meios materiais utilizados pelo artista indígena como veículo
de sua mensagem visual, a cerâmica e o lítico são os mais estudados
arqueologicamente por causa de sua durabilidade. No caso da cerâmica, seu
estudo reveste-se de grande importância para a arqueologia porque sua
utilização está ligada a comportamentos culturais e sociais que caracterizam e
diferenciam os diversos grupos culturais. As formas dos utensílios e sua
decoração estão intimamente ligados aos contextos sociais em que esses
objetos foram produzidos e utilizados.
O estudo das culturas cerâmicas na Amazônia reveste-se de particular
importância, uma vez que na região do baixo Amazonas encontram-se os sítios
cerâmicos mais antigos das Américas e essa região deve ter sido um dos focos
de irradiação de tradições cerâmicas em direção ao leste e sul da América do
Sul (B
ROCHADO
, 1984,1991). Além disso, a cerâmica policrômica, sendo mais
antiga no Baixo Amazonas, deve ter influenciado os estilos policrômicos que se
desenvolveram a oeste, em regiões amazônicas e andinas.
Nosso objeto de estudo é a arte que se desenvolveu na Ilha de Marajó
a partir do ano 400 A.D. e que chega até nós por meio dos resíduos da
atividade ceramista que se lá se estabeleceu, segundo datas hoje amplamente
aceitas, até 100 a 200 anos antes da chegada dos europeus ao continente.
Esse material arqueológico possui características que, se por um lado atraem a
curiosidade do pesquisador, por outro lançam inúmeras incertezas e colocam
diversas dificuldades à consecução do trabalho de investigação científica. É um
material riquíssimo em termos quantitativos e qualitativos, havendo inúmeras
peças que primam pelo requinte técnico, com harmonia e singularidade de
formas e designs, representando, sem dúvida, uma das mais belas cerâmicas
policrômicas da pré-história recente das Américas. Em contrapartida, não há
etnografia sobre a sociedade que a produziu e que dela se serviu por cerca de
novecentos anos. Existem muitas dúvidas sobre a origem desse povo e a razão
de seu desaparecimento, assim como sobre o modo como viviam e como se
adaptaram às complicadas condições físicas e geográficas da Ilha de Marajó.
Num primeiro momento, colocamos como problema central da pesquisa
a questão da simbologia e da iconografia na arte Marajoara. Pretendíamos
através dos símbolos e ícones a serem identificados nas representações
pictóricas e através de técnicas de decoração plástica, onde também é
amplamente usada a modelagem, desvendar significados que contribuíssem
para explicar inúmeras questões levantadas desde as primeiras pesquisas na
região. A partir da consulta das diversas publicações de arqueólogos que
escavaram nos sítios-tesos de Marajó desde o século passado, percebemos
que as colocações feitas por esses pesquisadores a respeito dos significados
das representações artísticas eram simplesmente hipóteses e especulações
construídas em cima das evidências coletadas nos sítios, mas que nenhum
estudo mais aprofundado e específico sobre essas representações havia sido
feito. Essa situação é bastante compreensível, uma vez que havia uma grande
quantidade de outras informações empíricas que necessitavam ser
processadas, além da necessidade de se estabelecerem datações.
Percebemos então que nosso trabalho não poderia ficar distanciado da
discussão a respeito dos problemas colocados a partir do resultado das
escavações, uma vez que entendemos que a arte se insere no contexto dos
outros vestígios da cultura do grupo e deve ser fonte fundamental de
informação sobre essa sociedade, assim como o são a constituição óssea, os
padrões alimentares, a localização dos fogões, dos sítios-habitação, dos sítios-
cemitérios, dos resíduos da fauna e flora, enfim, de tudo aquilo que, de alguma
forma nos comunica algo sobre a subsistência e sobrevivência do grupo.
Mesmo utilizando o material já publicado a partir do resultado de
escavações, que traz, via de regra, boas ilustrações e fotos das peças
cerâmicas, sentimos a necessidade de trabalhar de maneira mais próxima com
uma amostra que, ao mesmo tempo em que fosse significativa dentro do
universo das peças conhecidas, nos desse a oportunidade de manuseá-las,
medi-las, observar técnicas, cores, espessuras e texturas, o que seria
impossível com material impresso. Além disso, o fato de termos reproduzido
graficamente os desenhos nos deu a oportunidade de observá-los melhor, de
maneira a reconstituir a maneira como foram feitos originalmente, ou seja,
observar a primazia e continuidade de traços, a ligação entre forma e
decoração, o nível de dificuldade das técnicas, os relevos.
O estudo da coleção Tom Wildi não só satisfez essas condições,
inicialmente necessárias ao bom andamento da pesquisa como teve o mérito
de demonstrar as potencialidades do estudo de uma coleção museológica. Com
relação à escolha e estudo dessa coleção, devemos agradecimentos especiais
ao Prof. Dr. José Proenza Brochado, nosso orientador, que a indicou, e à Prof.
Teresa Fossari, diretora do Museu de Antropologia da UFSC, que a colocou à
nossa disposição, ao mesmo tempo em que nos proporcionou boas condições
de trabalho no Museu.
Atualmente, há uma grande quantidade de material arqueológico, em
museus, que não é analisada por falta de recursos materiais e humanos nessas
instituições. Quando o material não está bem documentado, a situação é ainda
pior, pois não há interesse de outros estudiosos em despender tempo com
objetos da cultura material com pouco potencial informativo. No entanto, é
importante que mais pesquisadores tomem consciência de que o material
descontextualizado não deve ser descartado, mas, antes, encarado a partir de
abordagens diferentes.
A coleção com que trabalhamos foi doada ao Museu de Antropologia da
UFSC pela família de Tom Wildi, arquiteto aficcionado por objetos indígenas e
em especial pela cerâmica policrômica, tendo empreendido, a partir da década
de 50, cerca de 20 viagens à Ilha de Marajó, onde escavou pelo menos 7 sítios,
de onde recolheu abundante material para seu Museu particular. Apesar de não
ser arqueólogo e não utilizar quaisquer técnicas arquelógicas nos seus
trabalhos, obteve, nos anos em que visitou Marajó, o apoio dos fazendeiros da
Ilha e de pessoas ligadas ao Museu Goeldi, com os quais pôde contar para
encontrar os sítios e desenterrar as peças de sua preferência. A falta de
registros sobre essas excursões aos tesos e sobre o material retirado faz com
que a maioria das peças hoje não tenha procedência conhecida.
Trabalhamos, portanto, com a consciência dessas limitações; se
nossas conclusões, em alguns momentos, ficam circunscritas ao universo da
coleção, por outro lado surgem como indicadoras para pesquisas futuras. Além
disso as metodologias testadas na coleção podem ser utilizadas em universos
mais amplos e com material arqueológico bem documentado.
A partir das leituras realizadas e incentivados pela quantidade enorme
de questionamentos que surgiram a partir do levantamento dos dados
empíricos, sentimos a necessidade de ampliar nossa discussão para além do
simples cotejamento dos nossos dados com o que nos fornecia a etnografia.
Através de uma aproximação com os dados etnográficos pode-se verificar que
o desenvolvimento de determinadas técnicas ceramistas estão ligadas a
práticas culturais específicas. A partir disso pode-se inferir comportamentos e
padrões culturais de uma dada sociedade. Mas a partir de nosso entendimento
da arte indígena enquanto um sistema de significações sentimos a necessidade
de fazer também uma discussão teórica sobre as potencialidades do estudo da
organização social de povos pré-históricos através da arte arqueológica.
A complexificação das atividades rituais sugerida pelo grau de
desenvolvimento da cerâmica ligada a práticas funerárias invariavelmente leva
a hipóteses a respeito das formas de organização social. A partir de trabalhos
de campo realizados desde o século passado, surgiram algumas teorias a
respeito do desenvolvimento histórico social do povo Marajoara com relação a
sua origem, padrões de assentamento e forma de organização social. Até a
década de 60 e mesmo 70 aceitava-se a teoria amplamente defendida por
M
EGGERS
e E
VANS
(1957) de que na Ilha de Marajó teria-se estabelecido um
povo vindo das terras andinas, que trouxe a desenvolvida tecnologia cerâmica
consigo, mas que não logrou permanecer por muito tempo aí, onde teria
entrado em decadência devido às condições climáticas e geográficas adversas.
Muitos pesquisadores colocaram nos anos que se seguiram essa teoria em
dúvida; no entanto foi Anna Roosevelt que, a partir dos anos 80, passou a
defender sistematicamente a teoria de um desenvolvimento autóctone, este
corroborado pelas datações antigas encontradas e por evidências
arqueológicas e etnográficas fornecidas por outros povoamentos na Amazônia.
Apesar de defender a tese de que em Marajó se desenvolveu uma civilização
que se organizava na forma de cacicado, como se observa em outras regiões
das Américas, a arqueóloga admite que as evidências não são suficientes para
comprová-la.
É claro que as pesquisas arqueológicas em Marajó são ainda
insuficientes e que na medida em que se incrementarem as prospecções,
escavações e análises muitos dados novos deverão vir à tona. Entretanto,
pensamos que a falta de dados não justifica a tentativa de encaixar a sociedade
Marajoara dentro de um esquema evolutivo tradicional e ligar automaticamente
uma complexificação ritual e uma patente especialização das tarefas entre os
membros do grupo a uma idéia de hierarquia aos moldes dos cacicados.
Sabemos que os produtos da cultura material de sociedades do passado
invariavelmente indicam a ocorrência de determinados padrões culturais do
grupo. Entretanto, essas associações não são sempre tão lógicas e diretas, e a
enorme diversidade do desenvolvimento social e cultural das sociedades,
apesar das condições impostas pelo meio ambiente, têm demonstrado que
esse jogo não tem regras tão fixas assim.
Trabalhos recentes, como os de H
AYS
(1993) e Y
OFFEE
(1994) lançam
novas perspetivas para a discussão sobre a relação entre cultura material e
organização social, e queremos nessa dissertação também confrontar os dados
disponíveis sobre Marajó com as novas perspectivas que se avizinham. Antes
de tentar encaixar a sociedade Marajoara em classificações tradicionais do
desenvolvimento social, pretendemos discutir suas especificidades e lançamos
a hipótese de que o povo que produziu a cerâmica que aqui estudamos
experimentou um desenvolvimento diversificado, tendo em vista as condições
ecológicas e históricas que se estabeleceram na Ilha na época de sua
ocupação.
O exame detalhado dos motivos decorativos nos utensílios cerâmicos
da coleção proporcionou a identificação de determinadas representações
claramente icônicas, que foram relacionadas com diversas características
físicas dos vasilhames, buscando regularidades. O estudo das representações
antropozoomórficas nas urnas funerárias, onde, para a identificação de
espécies animais, contamos com o auxílio de biólogos, lança bases para
estudos futuros acerca da mitologia na sociedade Marajoara.
A partir da comparação entre ícones e motivos geometrizantes
aparentemente “abstratos”
1
utilizados na arte Marajoara, lançamos a hipótese
de que essa arte tenha sido na verdade uma linguagem visual iconográfica, a
exemplo do que se observa em estudos etnográficos em sociedades indígenas
atuais.
Essa linguagem ou sistema de significações socialmente compartilhado
teria uma gramática estrutural com regras de funcionamento determinadas a
partir das relações entre seus termos constitutivos. Se não é possível
determinar significados, seria interessante estudá-lo enquanto um sistema
lingüístico coerente.
Para essa tarefa contamos com o embasamento teórico-etnográfico
fornecido pelos trabalhos de L
ÉVI
-S
TRAUSS
(1975, 1978, 1987)
2
, M
UNN
(1962,
1966, 1973), R
IBEIRO
(1987a, 1987b, 1992), V
ELTHEM
(1992) entre outros.
Isolamos, então, possíveis unidades mínimas de significação, obtidas através
da comparação entre os diversos motivos e padrões decorativos, buscando sua
expressão estrutural.
A divisão dos capítulos se deu em função das problemáticas e
hipóteses colocadas acima. O primeiro capítulo apresenta uma revisão
1
A noção de “abstratoderiva de uma conceitualização culturalmente determinada. Por isso a utilização
desse termo no texto é feita sempre entre aspas, uma vez que os motivos geometrizantes que consideramos
comumente como abstratos certamente não são vistos dessa maneira pela sociedade indígena que deles se
utiliza ou utilizou.
2
A obra de Lévi-Strauss sobre essa questão é bastante mais ampla e foi estudada também através de obras
de outros autores, que constam da bibliografia.
bibliográfica dos trabalhos etnográficos e etnológicos ligados às manifestações
artísticas indígenas e discute os conceitos teóricos da semiótica e sua relação
com a arte. No segundo capítulo realizamos um levantamento sobre o trabalho
arqueológico em Marajó relativo à Fase Marajoara e discutimos as teorias e
métodos analíticos empregados nos diversos estudos publicados. O terceiro
capítulo traz um relatório do trabalho empírico realizado junto à coleção Tom
Wildi, com as conseqüentes análises e conclusões. O quarto capítulo apresenta
nossa proposta de análise da arte cerâmica Marajoara como uma linguagem
iconográfica, fazendo parte de um sistema de organização social eficaz,
complexo e coerente. As pranchas com desenhos dos utensílios da coleção
estão no capítulo III
3
. Cada capítulo possui também uma conclusão referente às
principais questões levantadas, de modo que a conclusão final foi elaborada
com caráter de fechamento e possui um sentido mais abrangente.
Ficará claro nas próximas páginas, ainda que não completamente
manifesto, que defendemos - parafraseando G
EERTZ
(1978) - um conceito
semiótico de cultura. E se esse trabalho não se atém unicamente aos dados
fornecidos pela coleção trabalhada foi porque a utilizamos também como um
exercício de reflexão sobre as possibilidades interpretativas do trabalho
arqueológico.
Esperamos, finalmente, que o resultado de nosso trabalho possa
incentivar, de alguma forma, o estudo de coleções museológicas. Além disso,
ficaremos satisfeitos se esse trabalho tiver servido para contribuir para o estudo
das linguagens visuais em sociedades arqueológicas e somar-se, ainda que
modestamente, aos esforços dos arqueólogos que se dedicam ao estudo da
pré-história amazônica.
Capítulo I
3
Na Dissertação de Mestrado que originou essa publicação reproduzimos 102 utensílios da coleção que
foram desenhados, além de fotos feitas por Luiz Carlos dos Santos, distribuídos em 66 pranchas. No texto
atual houve a necessidade de condensar esse material e são apresentados apenas os desenhos necessários à
boa compreensão do texto e seus objetivos.
Arte indígena e significado
Certa vez, um moço saiu para pescar, assim mandado pelo
Inca. Encontrou pesca abundante, como era comum nos
tempos antigos, e seguiu pescando uma infinita variedade de
peixes e tartarugas. Fazia muito calor e o sol estava alto. O
pescador, então, avistou ao longe uma bela mulher e quis
conhecê-la. Caminhou circundando o curso das águas, mas
a areia quente lhe queimava os pés. Pegou então galhos
molhados pela cheia e passou a caminhar sobre eles,
sempre recolocando-os à sua frente. A bela mulher corria
sobre a terra quente e seus pés queimavam, pois não
conhecia o proceder do homem. Assim ferida ela caiu
desmaiada, sendo alcançada por seu perseguidor. Ele queria
tê-la salvo, mas era tarde. O homem contemplou a jovem
morta. Nunca havia visto um rosto e um corpo mais bonitos:
estava enfeitado por estranhas pinturas, iguais às suas
vestes. O homem a tomou nos braços e a levou a seu povo.
Todos viram e admiraram aquela beleza inanimada. Dos
povoados próximos chegavam e olhavam fascinados.
Primeiro vieram os Shipibo, depois vieram os Shetebo, os
Conibo, os Huaria Pano, os Piro; todos ao redor dela. A
desconhecida estava vestida com vários panos de algodão
finamente ornados. Os Shipibo se aproximaram do primeiro,
que tinha o estilo em cruz; os Conibo tomaram o de linhas
curvas; os Huaria Pano, os motivos folhados; os Piro
pegaram o com linhas quebradas. Naquela época as
mulheres desconheciam as pinturas. Foi assim que
aprenderam suas artes: bordados, pinturas, decorados dos
corpos, vestidos, cerâmicas e armas. Dizem que a
desconhecida foi enviada por Cori Inca, o Inca bom.
4
A estória acima transcrita relembra um acontecimento do passado
mítico de fundamental importância para essas tribos, pois se refere ao
recebimento dos desenhos que irão decorar seus corpos, vestimentas,
implementos, armas, utensílios e adornos. Ao mesmo tempo em que os
desenhos possibilitam seu relacionamento com o mundo sobrenatural, seu
recebimento tem o sentido da dádiva: significa que os povos que os receberam
são especiais e privilegiados em relação a outros que passam a ser vistos
como “atrasados” ou “selvagens”.
4
Mito Shipibo, traduzido e reescrito a partir da versão de B
ERTRAND
-R
OUSSEAU
(1983).
Além do que o mito representa aos Shipibo e outras tribos, outro fato de
extrema importância que chama nossa atenção é o de que os desenhos que
então passam a ser característicos do estilo de cada tribo não foram por eles
inventados, e sim recebidos por meio de um acontecimento mítico. Os
desenhos, portanto, não são aleatórios ou produto da criatividade do artista. Ao
contrário, quando cada grupo se apodera de uma parte do vestido da moça
morta, apropria-se também de um estilo
estético
que passa a ser identificado,
a partir daquele momento, enquanto estilo
étnico
, estreitamente ligado à
personalidade do grupo.
Visto de forma genérica, o mito sempre narra uma história que teria
acontecido realmente, em um passado remoto. Torna-se uma história sagrada
que, recontada por sucessivas gerações, é muitas vezes reinventada, sem
perder o conteúdo original. A recorrência de histórias míticas semelhantes em
povos tão diferentes quanto distantes geográfica e historicamente é um fato que
levou estudiosos a analisarem os mitos em busca de seu caráter universal.
L
ÉVI
-S
TRAUSS
(1975) observou que a estrutura dos mitos se mantém a mesma
em culturas distintas, variando apenas os elementos básicos a partir dos quais
se estabelecem as relações que formam o corpo da narrativa. Portanto, apesar
da história mítica ser irreal e aparentemente sem lógica, pois nela tudo pode
acontecer, ela encerra um sentido que reside na maneira pela qual os
elementos encontram-se combinados entre si.
A nosso ver, um mito estruturalmente semelhante ao dos Shipibo é o
que trata da origem da obtenção da pintura corporal utilizada pelos Wayana
5
: o
mito da lagarta Kurupêakê. Vale a pena transcrevê-lo, assim como foi ouvido
por V
ELTHEM
(1992:53):
“Havia um tempo em que Wayana não se pintava. Certo dia,
uma jovem ao se banhar viu boiando na água vários frutos
de jenipapo recobertos de figuras. - Ah! Para eu me pintar -
exclamou. Nessa mesma noite, um rapaz procurou-a na
aldeia até a encontrar. Tornaram-se amantes, dormindo
juntos noite após noite. Entretanto, ao alvorecer, o jovem
sempre desaparecia. Uma noite, contudo, o pai da moça
rogou-lhe que permanecesse. E ele ficou. Quando clareou
perceberam que seu corpo era inteiramente decorado com
meandros negros. Como o acharam belo, pintou a todos,
ensinado-lhes esta arte. Um dia o jenipapo terminou. O
jovem desconhecido chamou a amante e foram à sua
procura. Próximo ao jenipapeiro, pediu-lhe que o
aguardasse, enquanto colhia os frutos. Ela não obedeceu, foi
vê-lo subir na árvore. O que viu, entretanto, não foi o amante,
5
Grupo indígena de língua Carib, que habita a região norte do Pará, Guiana Francesa e Suriname.
mas uma imensa lagarta, toda pintada com os mesmos
motivos. Enfurecida, disse-lhe para nunca mais voltar à sua
aldeia, pois seus irmãos iriam matá-lo. Arrecadou os frutos
que estavam caídos no chão e regressou, sozinha.”
6
Em seu trabalho de campo junto aos Wayana, Velthem observa que os
padrões decorativos utilizados, apesar de sua temática “abstrata”, representam
uma visão cosmológica socialmente compartilhada e são condição de
valorização étnica. Para esse povo, não só a pintura corporal representa
humanidade e socialização, como os objetos, para se tornarem sociais, devem
ser decorados com os desenhos, que são tidos como “sobrenaturais”.
Também os Apalai, outro grupo de língua Carib, em processo de fusão
com os Wayana, remete a obtenção dos motivos de suas pinturas a um
acontecimento mítico. Uma imensa serpente, denominada Tulupe, mais tarde
derrotada pelos Wayana, impedia que os dois povos se relacionassem
pacificamente. Durante o combate, os Wayana observaram suas pinturas
negras e vermelhas, enquanto que os Apalai, chegando após o combate e
encontrando a serpente morta, só puderam observar um dos lados, de onde
copiaram as pinturas. (V
ELTHEM
, 1984, 1992).
Existem para muitas outras tribos explicações semelhantes para a
origem dos padrões estéticos, o que justifica o caráter sagrado conferido à
decoração dos objetos considerados mais importantes. Assim, não só a
decoração nos objetos com as pinturas, mas também os adornos corporais
fazem parte dos ensinamentos que, uma vez transmitidos pelos seres míticos e
adotados pela tribo passam a se constituir em sua marca distintiva e a se
transmitir através das tradições.
A importância e a obrigatoriedade em se perpetuarem as tradições
estéticas não impede a manifestação da criatividade do artesão, mas a ela
estabelece limites. A possibilidade de conferir ao objeto sua marca individual se
exerce, então, na estrita medida das possibilidades colocadas pela estética do
grupo. O artesão pode variar dentro do que é tradicional e moralmente aceito
pelo grupo, e essa possibilidade de variação pode-se dar de formas distintas
nas diversas culturas. Pesquisando sobre os Asurini do Xingu, M
ÜLLER
(1992b:247) observa de que maneira se dá a atuação da artista:
“Da mesma maneira como o Xamã se individualiza na
identificação com seres sobrenaturais, a artista cria seu
6
Entre os Waiãpi, inimigos históricos dos Wayana-Apalai, o mito é narrado praticamente da mesma
maneira. Ao invés da lagarta, o rapaz na verdade era uma anaconda que volta à sua condição natural após
ser morto pelos irmãos da moça. (Conforme G
ALLOIS
, 1992).
próprio desenho e o nomeia. Ou, ainda, pode-se destacar
pelo esmero artístico da simetria, qualidade também
individual, identificando-se com a obra. Por outro lado, além
desse significado particular, esta será interpretada pelos
demais membros do grupo, e os desenhos serão
reconhecidos como esteticamente aceitáveis e com
significado, de acordo com as regras formais e padronização
visual dessa cultura em particular”.
Desde as pesquisas dos etnólogos alemães Koch-Grünberg e Karl von
den Steinen
7
no final do século passado, diversos antropólogos, em suas
pesquisas de campo, têm solicitado aos índios que façam desenhos em papel,
inquirindo sobre seus significados, com o intuito de preservar a cultura e poder
estudá-la. Adotando esse procedimento entre os Xikrin do Cateté, V
IDAL
(1992)
observou que as mulheres, que são as que tem a tarefa cotidiana de desenhar
e pintar, geralmente repetem os mesmos padrões culturalmente aprendidos,
buscando, entre as formas geométricas conhecidas, as que melhor
representam aqueles objetos ou seres que lhes são solicitados a desenhar. Os
homens, ao contrário, desenham mais livremente, fazendo uso tanto de formas
“abstratas” como figurativas, com uma grande variedade de possibilidades.
De acordo com o mito Shipibo, quando cada tribo apoderou-se de um
pedaço do vestido pintado que encobria o corpo da enviada do Inca, tomaram
para si um estilo estético: os Shipibo se apoderaram do estilo em cruz, os
Conibo do de linhas curvas, os Huaria Pano os motivos foliados, etc. Entre o
grupo atualmente conhecido como Shipibo-Conibo, a decoração de seus
objetos conserva sempre esse sentido da revelação. Seu objeto mais sagrado é
o grande tacho (chomo) utilizado para armazenar sua bebida diária, a chicha,
ou a ayahuasca, bebida alucinógena usada em rituais. Os desenhos que
adornam as paredes externas do chomo são revelados ao xamã pelos espíritos,
que então os transmite às mulheres encarregadas de pintá-los. Durante os
rituais, seres míticos transmitem, através de cantos, esses desenhos aos
xamãs, que os vêem (os desenhos) e os cantam, num fenômeno que
I
LLIUS
chamou de ”alucinação sinestética”.
“Existen claras pruebas de que las percepciones sinestéticas
provocadas por la utilización de la droga (que produce, entre
otras, simultáneamente sensaciones ópticas, acústicas,
olfativas y táctiles) se utilizaron como patrón para la
conservación de melodías y - a la inversa - que melodías
7
Koch-Grünberg registrou em papel desenhos feitos em petroglifos e pinturas corporais entre índios do
noroeste brasileiro. Steinen recolheu desenhos entre os índios do Alto Xingu. (Conforme K
OCH
-
G
RÜNBERG
, 1910 e S
TEINEN
, 1940, apud R
IBEIRO
, 1992:44).
servieron como codificación a los diseños, y que en algunos
casos se utilizan así en la actualidad.” (I
LLIUS
, 1988:2).
O xamã transcrevia os desenhos assim recebidos em tiras de córtex
(segundo Illius, em algumas versões seriam os próprios espíritos que faziam os
desenhos) que eram entregues às mulheres, que os reproduziam nos vasos. Os
desenhos possuem uma íntima ligação com a melodia também ensinada pelo
xamã. Como os chomos antigamente eram muito grandes, era comum que
mais de uma mulher o pintasse, freqüentemente a mestra e sua aluna. Por isso,
para que a pintura como um todo tivesse um resultado harmônico, elas
entoavam a melodia sagrada (Conforme I
LLIUS
, 1988). Os desenhos, assim
dispostos no vaso, representam a visão cosmológica da tribo e são um veículo
de comunicação de seus valores e tradições, podendo ser utilizados para o
ensino-aprendizagem dos mais jovens.
Assim como o xamã Shipibo recebia os desenhos sobrenaturais,
chamados quené, por meio de um ritual em que utilizava a droga ayahuasca,
para diversas outras tribos a execução de desenhos está ligada ao transe
alucinógeno. Essas alucinações visuais foram percebidas e relatadas não
somente por índios, mas também por europeus e americanos que
experimentaram a ayahuasca. Além da visão de uma aura em torno das
pessoas, a droga faz com que visualizem, por algum tempo, figuras
geométricas abstratas que cobrem a superfície dos objetos. Segundo
depoimentos colhidos pelo autor, no princípio e final do transe os quené são
percebidos como motivos retilíneos, enquanto que no auge da alucinação são
predominantemente curvos.
“Uno de los efectos del ayahuasca es una micropsía e
macropsía temporarias. Los quené no se hallan adaptados a
los contornos y superficies del paisaje del modo en que los
quené son adaptados en la alfarea a la curvatura del
recipiente, sino que permanecen en su dibujo como un
montaje “sandwich” de las diapositivas, independiente del
fondo.” (I
LLIUS
, 1988:10)
É interessante o fato de os desenhos percebidos no transe alucinógeno
não serem completamente adaptados aos limites dos objetos sobre os quais se
projetam; isso seria uma explicação para uma característica da decoração
observada em diversos objetos cerâmicos, onde se tem a impressão de que os
motivos, nas extremidades, estão incompletos.
R
EICHEL
-D
OLMATOFF
(1976 apud R
IBEIRO
, 1992) constatou que os
grafismos produzidos pelos índios Tukano estavam relacionados a visões
luminosas produzidas pelo estímulo fisiológico de drogas como o caapi ou o
yajé. Ele próprio ingeriu a droga e identificou as imagens observadas como
sendo os “fosfenos de Knoll”. M
AX
K
NOLL
(1963) identificou imagens mais ou
menos padronizadas que se formavam no campo ótico, produzidas
espontaneamente por estímulos químicos neurológicos a partir do fechamento
dos olhos ou da ingestão de certo tipo de drogas, a que deu o nome de
fosfenos (R
IBEIRO
, 1992:46).
Esses signos ideográficos, formados na retina do olho teriam,
entretanto, um significado culturalmente determinado:
“Pode-se pensar que, em um estado de alucinação, a pessoa
projete sua memória cultural-visual sobre a confusa tela de
cores e formas e veja então certos motivos e personagens”.
(R
EICHEL
-D
OLMATOFF
, 1976 apud R
IBEIRO
, 1992:47).
Informantes do autor declararam que não só os grafismos, mas
também adornos e plumagens rituais teriam sido reproduzidos a partir de visões
alucinógenas.
Os Siona
8
também relatam que seus desenhos têm origem no que
vêem a partir dos rituais alucinógenos. São motivos geométricos básicos que se
combinam de forma a comporem um sem número de desenhos. Antigamente,
rituais coletivos que envolviam a ingestão de Yajé eram comandados pelo
xamã, que deveria guiar as pessoas em seu contato com o mundo dos
espíritos. As visões eram de certa forma padronizadas, uma vez que eram
estimuladas por desenhos conhecidos
(conforme L
ANGDON
, 1992).
“Na observação do ritual yajé é notória a tentativa de se
controlar a experiência. Cada vez que a droga é ingerida,
existe uma intenção de se atingir uma determinada visão,
como por exemplo, contatar o espírito da caça, descobrir a
causa de uma doença, adivinhar o futuro etc. Cada espírito
tem visões, cores e músicas próprias. O objetivo do ritual é
permitir que todos os membros experimentem o que Dobkin
del Rios (1972) chamou de “visão estereotípica”, e os Siona
se utilizam de diversos meios para conseguir isso: na
escolha da classe de yajé a ser preparado, no método de
preparação, nas músicas, cantos e danças do mestre xamã e
na criação de motivos de desenhos alucinógenos que são
parte da vida cotidiana e ritual.” (L
ANGDON
, 1992:71).
8
Os Siona hoje estão divididos em pequenos grupos, ao sul da Colômbia e norte do Equador, quase que
completamente aculturados.
Também nas visões Siona são identificados os fosfenos de Knoll, e
ainda nesse caso essa característica universal proporcionada pela droga é
interpretada de acordo com padrões culturais. Nesse contexto, a arte
“não é apenas um mecanismo instigador da experiência
qualitativa pela qual a pessoa passou, mas também uma
criadora da experiência real. Eles recriaram as formas
geométricas experimentadas nas visões de maneira
estilizada e padronizada. Desse modo, quando estão sob os
efeitos do
Yajé
, percebem os efeitos dos fosfenos de acordo
com formas culturalmente reconhecidas.” (L
ANGDON
,
1992:86).
Todas essas colocações trazem como conseqüência a necessidade de
que se construa um conceito de arte em função justamente da maneira como
ela é compreendida nas sociedades indígenas. Falamos de desenhos, de
pinturas, de estética. Vimos como a estética é a estética do grupo, uma estética
herdada e tradicionalmente aceita e perpetuada. Podemos dizer que a arte nas
sociedades indígenas existe, mas cumpre uma função social e se insere no
âmbito de todas as outras expressões culturais humanas.
“(...) the feeling a people has for life appears, of course, in a
great many other places than in their art. It appears in their
religion, their morality, their science, their commerce, their
technology, their politics, their amusements, their law, even in
the way they organize their everyday practical existence. The
talk about art that is not merely technical or spiritualization of
the technical - that is, most of it - is largely directed to placing
it within the context of these other expression of human
purpose and the pattern of experience they collectively
sustain.” (G
EERTZ
, 1983:96).
Colocar a arte no contexto dessas outras expressões humanas, nas
sociedades indígenas, significa admiti-la como parte inseparável do objeto que
a contém. O vaso para chicha, dos Shipibo-Conibo, torna-se um chomo quando
está pintado com os desenhos sagrados, chamados quené. São os quené que
conferem personalidade e utilidade ao vaso. Os quené têm função social e são
tão essenciais ao objeto quanto o barro, a queima, o alisamento das paredes.
São os quené que tornam o chomo adequado, sob todos os aspectos, para
conter a chicha ou a ayahuasca.
Da mesma forma uma vasilha boa para levar oferendas em um ritual
deve ser feita de determinada maneira e carregar os símbolos plásticos e
artísticos que fazem daquela peça um utenlio bonito e dentro de padrões
estabelecidos, adequado àqueles objetivos.
Os objetos a que chamamos artísticos têm, portanto, nas sociedades
indígenas, não só significado estético, mas também social, técnico, religioso,
moral, étnico e simbólico. V
IDAL
e S
ILVA
(1995) mostram que as sociedades
indígenas não diferenciam tecnologia de arte, trabalho de lazer, belo do bom,
etc.
“As próprias culturas indígenas não recortam, dentro de sua
experiência coletiva, uma esfera separável que poderia ser
qualificada de cultura material ou artística”. (V
IDAL
e S
ILVA
,
1995:373).
Essas autoras observaram que para os Kaxinawá, do Acre, bom,
saudável e bonito são sinônimos; também os Xavante, do Mato Grosso, não
diferenciam bom e bonito. Essa concepção de estética ligada não ao belo, mas
ao bom, saudável e útil, obriga a que se reflita sobre o conceito de arte indígena
descolados de uma perspectiva cronocentrista. Não é possível conceber o
artesão inspirado traçando cuidadosamente linhas a seu bel prazer, ou criando
novas formas em arroubos de criatividade, ou ainda imprimindo sua marca
individual num objeto ritual.
Ainda que para alguns autores, como V
ELTHEM
(1994), uma
compreensão étnica da arte indígena seja corrente entre os acadêmicos, o texto
de K
ROEBER
(1987:65) mostra como muitos especialistas não conseguem
perceber a especificidade das manifestações artísticas indígenas:
“Os nativos da América do Sul não conseguiram atingir
qualquer das artes realmente grandes da história humana,
embora diversos desenvolvimentos aproximem-se deste
estágio. (...) O que falta mais, no todo, é liberdade e
imaginação. (...) São frágeis no acrescentar interesse e
habilidade na representação, que levaria a produtos como os
dos Maya - ou egípcios e chineses - nos quais a semelhança
com a vida, uma aproximação às realidades da natureza, é
conseguida com a retenção bem sucedida tanto da
expressão decorativa quanto da religiosa. (...) Em geral, as
expressões estéticas sul-americanas devem ser
caracterizadas como deficientes no que diz respeito à
inspiração, com algo de pedestre em sua qualidade, como se
seus pés permanecessem um pouco atolados na tecnologia
que é uma predisposição essencial de toda arte. Os artistas
sentiam predominantemente com suas os, mais do que
com emoção estética que lhes controlasse a habilidade
manual.”
E sobre a arte Marajoara:
“Pode ser melhor entendida (...) como uma cultura que, já
possuidora de uma competente arte cerâmica, conseguiu
produzir um ou dois indivíduos iluminados que
acrescentaram novas idéias e tratamentos e, por isso,
abriram oportunidades para que outros artistas dotados
também fizessem suas contribuições, até que o estilo
desenvolvido se tornasse propriedade de ceramistas mais
imitativos. Há pouca indicação da arte ter sido conectada
com um sistema maior de simbolismo mitológico ou ritual,
como o Chavín certamente era: suas referências parecem
ser essencialmente funerárias.”(K
ROEBER
, 1987:107).
Kroeber demonstra uma visão iluminista da arte e equivoca-se ao
aplicá-la à estética indígena sul-americana. Além de considerar o artista
indígena como um artista menor e desvinculá-lo de seus propósitos, não
percebe que a arte cumpre um papel social e cultural peculiar em cada grupo
indígena estudado.
Estudos antropológicos demonstraram que símbolos clânicos são
usados para identificar as pessoas que pertencem a determinado grupo social e
estas são reconhecidas pelos objetos que trazem consigo. A arte dos trançados
Mundukurú ilustra bem esse fato. Nessa tribo, um dos mais importantes objetos
trançados é o cesto cargueiro chamado Itiú, utilizado para transporte de
gêneros alimentícios ou para carregar quaisquer objetos em viagem. Na sua
forma, todos os Itiú são semelhantes, mudando apenas os motivos decorativos
e a alça de sustentação. Entretanto, feito pelo homem para ser usado pela
esposa ou filha, os motivos aplicados na parte externa do cesto, assim como a
cor da alça determinam o lugar que ocupa na sociedade o homem que o
confeccionou e a mulher que o usa. Os motivos, chamados kuráp, informam
sobre o clã patrilinear a que pertence quem o confeccionou. A cor da alça, feita
pelas mulheres, corresponde à metade exogâmica a que pertence a mulher. A
organização social reflete-se, portanto, no Itiú, através dos quais se revelam os
clãs, que regulam casamentos e relações sociais. (segundo V
ELTHEM
1994:89)
Já entre os Bororo, a arte plumária não possui apenas o sentido
estético, mas carrega principalmente um forte significado social. O número e
tipo de adornos plumários utilizados durante cerimônias e rituais variam de
acordo com o sexo e posição social. O tipo de ave de que provém as plumas,
sua cor e disposição revelam os clãs e sub-clãs a que pertence seu usuário e
são símbolo de status. Além disso, determinados artefatos possuem conotação
mágica, pois podem ter o poder de curar ou causar doenças e morte.
Especificamente o Paríko, artefato plumário estudado por D
ORTA
(1981) é
construído cuidadosamente pois tem o sentido de
“um código que comunica visualmente o grau de prestígio e
influência de seus possuidores na vida da aldeia”.
Nas sociedades ágrafas, a arte cumpre, portanto, o papel de
transmissora do conhecimento cosmológico, mitológico e das tradições.
Conforme constatado por Illius, os desenhos em torno do chomo (o recipiente
para chicha dos Shipibo-Conibo) demarcam áreas cosmológicas diferenciadas.
A decoração externa do recipiente o divide em quatro regiões: a superior, ou o
“pescoço” do vaso representa, através de desenhos finos e curvilíneos, o
mundo superior, a região mais elevada do cosmos. Abaixo do mundo superior
há uma região onde imperam os desenhos que são vislumbrados nas
alucinações produzidas pela ayahuasca, um desenho mais geométrico, largo e
retilíneo. Na terceira região, abaixo da metade do chomo, se encontra o mundo
intermediário, que simboliza a terra e possui desenhos de “qualidade comum”.
A parte inferior não possui desenhos e representa o mundo aquático e
subterrâneo. O recipiente é usado pelo xamã para a instrução dos jovens. Os
desenhos possuem riqueza de detalhes sobre os seres míticos que habitam os
diferentes mundos e as relações que guardam entre si.
Além disso, há diversos exemplos buscados na etnografia que mostram
que há o entendimento de que a decoração do corpo e dos objetos significa o
que nós entenderíamos por civilidade ou cidadania, o que para eles é entendido
como “tornar-se humano”.
Assim como a decoração de recipientes lhes confere utilidade e lhes dá
status cultural, muitas tribos acreditam que a pintura corporal está ligada à
humanidade. Para os Shipibo-Conibo, seus desenhos geométricos, chamados
quené, são símbolos de sua identidade étnica; os diferencia tanto dos não
índios como dos índios selvagens ou “não civilizados” (I
LLIUS
, 1988). Ao
contrário dos animais, como as cobras, as onças, os peixes, o homem não
nasce com o corpo decorado. Precisa então pintá-lo de acordo com
características que o tornam humano. Os Yoruba, por exemplo, decoram com
os mesmos motivos o corpo e seus utensílios:
“Line, of varying depth, direction and lenght, sliced into their
cheecks and left to scar over, serves as a means of lineage
identification, personal allure, and status expression; and the
terminology of the sculptor and of the cicatrix specialist -
“cuts” distinguished from “slashes”and “digs” or “claws” from
“splittingts open”- parallel one another in exact precision. But
there is more to it than this. The Yoruba associate lines with
civilization: “This country has become civilized”, literally
means, in Yoruba, “this earth has lines upon its face”.
(G
EERTZ
, 1983:98)
A maneira como combinam as linhas materializa uma forma de
experiência, transportando para o mundo físico suas idéias, onde podem ser
vistas (segundo G
EERTZ
, 1983:99).
Os Xavante
9
também vêem a pintura corporal como marca de
humanidade. Além disso os motivos desenhados representam a ligação
cosmológica do grupo com seres míticos e mostram distinções sociais.
(M
ÜLLER
, 1992a)
Os Xerente
10
, por sua vez, utilizam a pintura corporal como signo de
identidade clânica. No entanto, pintam os corpos apenas em ocasiões
cerimoniais. Segundo S
ILVA
e F
ARIAS
(1992), existem dois motivos básicos na
pintura: o traço e o círculo que, combinados de diversas maneiras e dispostos
em locais específicos do corpo formam padrões exclusivos e comunicam sobre
que clã e a que metade exogâmica patrilinear pertence o indivíduo. Assim, a
pintura corporal demonstra não apenas status, mas revela as relações sociais.
As crianças até 2 ou 3 anos ainda não utilizam as pinturas clânicas dos adultos
e podem andar pintadas cotidianamente com os padrões decorativos da onça
(para os recém-nascidos) e do tamanduá (para os maiores).
Os Asurini
11
utilizam a pintura corporal principalmente para marcar
momentos específicos da vida dos indivíduos. Os mortos são pintados com
urucum, enquanto os recém-nascidos são pintados com o jenipapo; nesse caso
a pintura é marca do social (A
NDRADE
:1992)
12
. A autora observa que a pintura
corporal é a única forma de perceber diferenças internas, uma vez que não
existem hierarquias sociais de nenhuma forma: assim, a pintura marca etapas
do ciclo vital ou eventos importantes. Também identifica se o indivíduo é
casado ou tem filhos. Existem diversos padrões decorativos que podem ser
utilizados na pintura corporal e há uma lógica que determina sua combinação.
Apenas três desses padrões são utilizados na pintura da cerâmica, mas nunca
9
Povo de língua Jê, espalhados por várias reservas no Mato Grosso.
10
Povo de língua Jê que habita o norte do Estado de Goiás.
11
Índios da família lingüística Tupi-Guarani, que habitam a Reserva do Trocará, nas margens do Tocantins,
próxima a Tucuruí.
12
Entre os Wayana estudados por V
ELTHEM
(1992), a pintura corporal “lisa”com urucum tem o sentido de
socialização e estabelece uma base sobre a qual serão feitos os desenhos. Entre os Kayapó (V
IDAL
, 1992)
também o recém-nascido é pintado com jenipapo após a queda do coto umbilical, como marca de status de
pessoa humana.
são combinados entre si. O fato de esta tribo estar em processo de aculturação
impediu que se colhessem informações mais precisas sobre o significado e
origem dos desenhos. No entanto é nítida a tendência de perpetuar-se a
tradição e esta determina o que é certo ou errado no uso dos padrões
decorativos.
O estudo de L
UX
V
IDAL
(1992) sobre os Kayapó-Xikrin do Cateté vem
somar-se aos exemplos de tribos indígenas que utilizam a pintura corporal
enquanto signo de socialização. De acordo com os acontecimentos sociais, não
só rituais como cotidianos, a pintura corporal assume padrões diferentes que
simbolizam processos e determinam posições sociais. Estabelece-se uma
correspondência entre o ético e o estético - é a pele social, sobreposta à pele
biológica. (T
URNER
, 1969, 1980 apud V
IDAL
op. cit.)
Da mesma forma, os ornamentos corporais, como os discos auriculares
e labiais, comunicam sobre os valores do grupo e conferem status aos seus
usuários. Mesmo sendo ornamentos utilizados por vários grupos indígenas,
certamente não possuem o mesmo significado para todos. O ato de furar
orelhas e lábios freqüentemente aparece ligado a ritos de passagem e o
significado desses símbolos só pode ser entendido a partir de suas relações
com esses rituais e outras características da cultura.
S
EEGER
(1980) afirma que a ornamentação de um órgão pode
simbolizar a importância que esse órgão tem em uma sociedade. Ele observou
que, entre os Suyá
13
o ornamento de orelhas e boca estava relacionado à
importância da audição e da fala para aquela tribo, enquanto “faculdades
eminentemente sociais”.
“Eles afirmam que a orelha é furada para que as pessoas
possam ouvir-compreender-saber. Dizem que o disco labial é
simbólico de, ou associado com, agressividade e
belicosidade, que são correlacionadas com a auto-afirmação
masculina, a oratória e a canção”. (S
EEGER
, op.cit:51).
Seeger percebeu que os Suyá entendiam o ouvido como o depositário
do conhecimento apreendido, em vez do cérebro. A boca, por sua vez, está
ligada à grande importância dada ao canto, envolvido em rituais e cerimônias
onde a visão não é importante: os homens cantam no escuro, andando pela
aldeia, enquanto as mulheres recolhem-se às suas redes para ouvir o canto dos
homens até o amanhecer.
13
Os Suyá são uma tribo de língua Jê que habita o Parque Nacional do Xingu, ao norte do Mato Grosso. O
autor realizou trabalho de campo junto a essa tribo entre os anos de 1971 e 1973.
“Os ornamentos corporais, acima de tudo, tornam os
conceitos intangíveis, tangíveis e visíveis. Os discos
auriculares e os discos labiais dos Suyá são símbolos com
uma variedade de referentes que unem os pólos dos
fenômenos naturais (os órgãos e os sentidos) com os
componentes da ordem social e moral. Podemos dizer que
os Suyá internalizam os seus valores literalmente
“corporificando-os “através das manifestações simbólicas
que são seus artefatos corporais.” (S
EEGER
, 1980:55).
Tendo em vista suas características peculiares, Velthem faz restrições
à utilização da expressão “arte indígena”. Por um lado, o vocábulo arte encerra
toda uma gama de significados que interiorizamos a partir da nossa cultura
ocidental individualista e que não se adeqúa ao caráter comunitário e utilitário
da arte nas comunidades indígenas; por outro, nas palavras de V
ELTHEM
(1994:86), pressupõe um julgamento de valor que muitas vezes distingue
produções mais elaboradas de outras mais rudes. S
ILVER
(1979: 268 apud
V
ELTHEM
, op.cit.) propõe como solução a utilização do conceito de “etnoarte”,
que faz referência tanto a uma tradição plástica determinada como
contextualiza a arte sócio-culturalmente.
Não só o etnógrafo, o etnólogo ou o arqueólogo percebem a etnoarte
como um sistema de comunicação, na medida em que através dela identificam
uma rede de significados culturais, como nas próprias comunidades indígenas
os desenhos e os grafismos são utilizados como se fossem uma linguagem
escrita.
As gravuras rupestres pré-históricas encontradas na América, Austrália,
Europa e África, que tiveram surgimento praticamente sincrônico a partir do
final do pleistoceno (P
ESSIS
e G
UIDON
, 1992), mostram a importância cultural
que a arte teve no desenvolvimento dessas sociedades. O que se pensou ser
inicialmente uma ingênua representação do real (L
ERÓI
-G
OURHAN
, 1985) na
verdade fazia parte de um sistema de comunicação, provavelmente, em certas
circunstâncias, ligado a uma magia ritual. Segundo P
ESSIS
e G
UIDON
(op. cit),
as tradições de gravuras e pinturas rupestres podem ser comparáveis a famílias
lingüísticas, no que diz respeito a sua evolução.
A tentativa dos especialistas em desvendar a linguagem visual dos
grafismos originou incursões nos métodos e teorias estruturalistas
(G
REENBERG
, 1975 e L
ÉVI
-S
TRAUSS
1975, apud R
IBEIRO
, 1987a), mesmo que
não houvessem profissões de fé nesse sentido (R
EX
G
ONZÁLEZ
1974)
14
, mas
sem dúvida obteve seu grande êxito com o trabalho magistral de
M
UNN
(1962,
1966, 1973) sobre a iconografia Walbiri
15
.
O estudo de Munn demonstrou que a arte gráfica Walbiri era na
realidade uma linguagem visual, apesar de os ocidentais perceberem-na
apenas como desenhos geométricos decorativos. Entre os Walbiri,
diferentemente do que se percebe em outras sociedades, a feitura dos
desenhos não é prerrogativa das mulheres, mas ambos os sexos os utilizam,
freqüentemente para ilustrarem, na areia, uma história ou narrarem uma
experiência.
Munn percebeu que os desenhos se constituíam num código visual cuja
estrutura estava ligada a noções fundamentais de espaço, tempo e à visão
cosmológica do grupo. Os Walbiri crêem que seus ancestrais foram
responsáveis pela criação de tudo o que existe, desde a topografia do País até
sua cultura. Os Sonhantes, como são chamados esses ancestrais, viveram em
um tempo em que sonharam sua músicas, desenhos e parafernália ritual.
Sua “linguagem” gráfica possui uma estrutura interna com regras de
combinação a partir de cerca de 30 elementos básicos. Cada elemento possui
um significado referencial amplo, podendo por isso remeter a vários referentes
dependendo das combinações e do contexto em que são utilizados. As
representações gráficas compõem-se de círculos, arcos e linhas que se
combinam de diversas formas com diferentes graus de complexidade. Os
traços caracterizam o objeto definindo-lhe a forma de maneira simplificada.
Advém daí o fato de Munn considerar a relação que se estabelece entre o
referente e o signo como icônica, o que caracteriza o sistema como uma
iconografia.
“All iconographies share certain fundamental structural
features despite extensive stylistic differences. Most notably,
all operate by means of relatively standardized visual
vocabularies or elementary units (conveying, as in oral
language, categories of varying degrees of generality), and
have implicit rules of element combination. Althought an
iconography, as I consider it here, is materialized primarily in
‘extra-somatic’ media of two or three dimensions, it may also
14
Segundo B
ERTA
R
IBEIRO
(1987), tanto o trabalho de G
REENBERG
(1975) sobre a arte cerâmica dos
Hopi, grupo Pueblo do Arizona, como o de L
ÉVI
-S
TRAUSS
(1975) junto aos Kadiwéu, se ativeram à
análise formal, não tendo levado a efeito um trabalho de contextualização para desvendar significados.
Enquanto Greenberg relacionou o processo de produção dos desenhos com uma visão de ordem cósmica,
Lévi-Strauss interpreta a assimetria dos desenhos Kadiwéu como signo de hierarquização social. O
trabalho de Rex González, onde foi utilizado de certa forma um método estruturalista, será comentado no
Capítulo IV.
15
O trabalho de campo entre os Walbiri, povo do Centro-Oeste australiano, foi realizado entre 1956 e 1958.
be given somatic form in dance or ritual enactment. The
degree of spread of a particular system over various possible
media is, of course, a matter for empirical determination.”
(M
UNN
, 1973:216)
Munn demonstrou como o estudo estrutural das representações visuais
não precisa se ater apenas a seu aspecto formal, mas deve relacioná-lo com o
sistema sócio-cultural do qual faz parte, construindo uma teoria simbólica
totalizante.
Depois de todos esses exemplos, podemos concluir que, vista sob
todos os seus aspectos, a etnoarte não só encerra informações culturais como
serve de meio transmissor de conceitos e verdades étnicas. Sob esse enfoque,
O
TTEN
(1971 apud V
ELTHEM
, 1994) a compara aos livros.
Não apenas a questão do ensino, da transmissão de conhecimentos e
informações e da perpetuação das tradições estão envolvidas nesse fantástico
sistema de comunicação que se opera através da etnoarte. Principalmente há
que se considerar a necessidade, intrínseca ao ser humano, de teorizar,
abstrair e comunicar a experiência vivida. G
EERTZ
(1983) observa que o homem
sempre tira um sentido da experiência, a simboliza, organiza e relata. Aquilo a
que chamamos a visão cosmológica de uma sociedade nada mais é do que
uma teorização a respeito do lugar que os humanos ocupam no mundo natural
(S
ILVA
, 1994). Existe a necessidade de explicar, entender e transmitir essa
posição de uma tribo frente às outras e frente ao meio ambiente, composto
tanto de seres animados como inanimados. Por isso, segundo L
EROI
-G
OURHAN
(1985), a existência do grafismo está ligada à reflexão, à capacidade de pensar
simbolicamente. O autor considera que a arte figurativa está mais próxima da
escrita do que da obra de arte:
“Temos agora a certeza de que o grafismo começa não por
uma representação inocente do real, mas sim do abstrato (...)
Particularmente interessante é o fato de o grafismo não ter
começado por uma representação servil e fotográfica do real,
mas organizando-se (...) a partir de sinais que parecem ter
exprimido primeiramente os ritmos e não as formas. “ (L
EROI
-
G
OURHAN
, 1985:189)
Estudando a arte Kayapó, Lux Vidal concluiu pela existência de uma
linguagem visual, apesar de não ter desenvolvido especificamente um trabalho
de análise estrutural de seus grafismos:
“A ornamentação e, especialmente, a pintura corporal entre
os Kayapó expressam de maneira muito formal e sintética,
na verdade de uma forma estritamente gramatical, a
compreensão que esses índios possuem de suas
cosmologias e estrutura social, das manifestações biológicas
e das relações com a natureza, ou melhor, dos princípios
subjacentes a esses diferentes domínios.” (V
IDAL
, 1992:143)
Dentro das sociedades indígenas a arte confunde-se com a própria
cultura, se entendermos a cultura, segundo G
EERTZ
(1978), como um código
simbólico compartilhado pelos membros de uma sociedade. Assim, há uma
aceitação tácita dos mesmos conceitos e padrões, e os movimentos de
evolução ou mudança se dão dentro da mesma estrutura cognitiva. Por isso
mesmo a compreensão dos significados simbólicos só é possível dentro da
própria cultura que os produziu. A expressão de uma intelectualização sobre a
vida é como ela deve ser vivida é simbolizada então através da arte, cujo
significado só pode ser apreendido de forma contextual. Nesse sentido,
entendemos que a comparação etnográfica é válida apenas na medida em que
aponta possibilidades, não para assegurar regularidades.
Pode-se dizer que a etnoarte é ao mesmo tempo um veículo de
socialização e comunicação. Socialização porque, unida à tecnologia, produz
objetos essenciais ao uso social, e, além disso, confere ao grupo que a utiliza o
status de grupo humano, possuidor de uma identidade étnica. É veículo de
comunicação porque através dela é revivida a mitologia do grupo, porque
expressa sua visão cosmológica, seus valores morais e éticos. É, por fim, um
código cultural compartilhado pelos membros de uma comunidade.
O estudo dos sistemas de comunicação inerentes às culturas humanas
levou à criação de uma ciência especificamente voltada para esse fim: a
semiótica. Ela estuda os sistemas de signos responsáveis pela troca de
informações entre os diversos agentes culturais. G
ARY
S
HANK
(1984 apud
D
EELY
, 1990) encara a “semiose como um fenômeno psicologicamente
encarnado” quando reconhece os seres humanos como essencialmente
narrativos em oposição aos outros animais.
“Na verdade, o que está no cerne da semiótica é a
constatação de que a totalidade da experiência humana, sem
exceção, é uma estrutura interpretativa mediada e
sustentada por signos”. (D
EELY
, 1990:22)
Um signo é, em princípio, tudo aquilo que possui significado para
alguém, que diz ou comunica alguma coisa. Os vestígios materiais de uma
sociedade pré-histórica são signos que informam algo sobre o comportamento
social e cultural daquele grupo. Os signos podem ser arbitrários ou artificiais, e
nesse sentido a compreensão de seu significado depende de uma convenção
estabelecida e socialmente aceita. As letras do alfabeto são signos arbitrários e
sua compreensão depende do aprendizado por parte dos que pretendem ler ou
escrever. Nesse caso a função sígnica é instituída e o significado pode variar,
mesmo quando o símbolo e o referente permanecem inalterados.
Alguns signos não necessitam de convenções para que sejam
compreendidos e são chamados signos naturais ou índices. Um exemplo disso
seria o carvão disposto em meio a um conjunto de pedras assim encontrado
arqueologicamente, indicando que ali havia um fogão. A compreensão do
fenômeno através do índice depende não de uma convenção, mas de um
conhecimento ou hábito culturalmente adquirido e que se expressa através de
uma inferência. Há, portanto, uma relação de causalidade entre o índice e seu
objeto.
O signo é meio ou ponto de mediação entre a realidade, ou aquilo que
existe, mesmo que não materialmente, e o significado, ou a consciência que o
interpreta. Por isso os signos são “presenças que marcam ausências”.
(E
PSTEIN
, 1986). Além disso, um signo pode representar um conceito e não um
objeto materialmente determinado, o que advém da capacidade de abstração
do homem, em contato com várias classes de objetos, de apreendê-los em
forma conceitual.
As cores são freqüentemente utilizadas como símbolos conceituais,
como entre os Abelam
16
, para os quais determinadas cores são signos de
poder. Eles nominam as cores apenas em objetos rituais ou animais totêmicos
relacionados com ritos, como alguns pássaros. Os Abelam consideram as
linhas elementos antiestéticos, enquanto que a pintura tem força mágica. Usam
principalmente um motivo de maneira “quase obsessiva e recorrente”, um
ponto oval, “vagamente icônico”, representando o ventre feminino (Conforme
G
EERTZ
, 1983).
De interesse especial para nossos propósitos, uma vez que estamos
estudando a arte enquanto sistema de comunicação, são os signos
classificados como símbolos e ícones. O símbolo é um signo que representa
algo convencionalmente conhecido e determinado culturalmente. O mesmo
símbolo gráfico pode ter, e geralmente tem, significados diferentes para culturas
diferentes. Logo, o símbolo representa algo, está no lugar de outra coisa - seu
16
Povo da Nova Guiné.
referente - e tem o seu significado - sua referência - culturalmente determinado.
Esse significado é, portanto, extrínseco e convencional.
O ícone - vocábulo de origem grega que se traduz por “imagem” - ao
contrário, guarda uma relação de semelhança com o objeto que representa,
com parte ou qualidade deste, e assim pode ser identificado, apesar de sua
inserção cultural. Por isso, P
EIRCE
(1974) considera a metáfora um tipo de
ícone, mesmo que se relacione com o objeto apenas através de uma
comparação subentendida. Uma figura icônica muitas vezes reproduzida e
levada à simplificação pode finalmente tornar-se um símbolo, na medida em
que seu grau de iconicidade torna-se fraco, ou mesmo nulo, e não é mais
compreendida fora de seu contexto cultural. De toda a maneira, um signo pode
ser ao mesmo tempo ícone e símbolo e isso vai depender do contexto no qual
ele se apresenta.
A linguagem visual construída a partir de grafismos ou figuras abstratas
em sociedades indígenas, como entre os Walbiri e Wayana, foi considerada,
por alguns autores como M
UNN
(1973) e V
ELTHEM
(1992) como iconográfica,
apesar de ela não se apresentar assim para um observador não-culturalmente
inserido. Isso se deve ao fato de que as representações gráficas são
simplificadas e analógicas em relação ao objeto, o que torna seu grau de
iconicidade fraco, mas perfeitamente eficaz dentro daqueles contextos culturais.
O símbolo freqüentemente possui mais de um referente, uma vez que
ele é uma condensação de sentido, uma representação de um conceito. Além
disso ele possui a propriedade de evocar sentimentos que não seriam
adequadamente expressos por palavras. Por isso, no dizer de U
RBAN
(1952) o
símbolo autêntico está ligado ao intuitivo e não pode separar-se dele. J
UNG
(1964) pondera que as religiões empregam os símbolos para representar
conceitos que estão além do entendimento humano. Provavelmente as religiões
esperam que estes conceitos permaneçam ininteligíveis, o que confere aos
seus símbolos um caráter sagrado. Tendo em vista a força de sua ação
persuasiva, E
PSTEIN
(1986) alerta para o fato de que os símbolos podem ser
usados para desencadear determinado tipo de situações.
O exemplo que usamos dos discos auriculares e labiais dos Suyá
mostra a capacidade dos símbolos em serem concisamente eloqüentes.
Encerram tanto significado que Seeger precisou escrever várias páginas para
explaná-lo. Entretanto, para aquele povo, não é preciso verbalizar esse
significado; bastam o uso dos discos e todo ritual que envolve sua utilização.
Os rituais são momentos privilegiados para se observar como são
simbolizadas as relações que se estabelecem, no seio de cada cultura, entre os
humanos e o sobrenatural. Eles expressam a visão que o grupo tem do
universo, pela teatralização de seus mitos, e geralmente traduzem
preocupações de natureza universal, observáveis em todas as culturas. Sendo
para marcar situações de passagem de um ciclo vital a outro, ou relacionado
com as atividades de subsistência, os rituais envolvem não só a transmutação
dos atores sociais em personagens das narrativas míticas como a utilização de
objetos de grande importância para o relacionamento dos homens com os
mundos natural e sobrenatural. Assim, esses objetos carregam grande
significado simbólico, como parte de um processo que envolve a matéria-prima,
as técnicas e concepções cosmológicas expressas na decoração.
Sobre o cesto Itiú Wayana, que é marca de status pessoal, Velthem
observa que
“O poder do sistema decorativo não adviria tanto de seu
significado, mas sobretudo da sua capacidade em expressá-
lo visualmente, no que complementaria as descrições orais”.
(V
ELTHEM
, 1994:90)
A autora ainda coloca que, em todo o processo que envolve a produção
dos artefatos
“(...) a decoração se destaca, pois é por seu intermédio que
os artefatos recebem tanto o reconhecimento social como a
significação cosmológica.” (op.cit:91)
Entre os objetos rituais destacam-se sobremaneira os instrumentos
musicais, geralmente relacionados com o poder de diversos tipos de espíritos
(S
EEGER
, 1987). Existe toda uma simbologia ligada não só à manufatura e
decoração desses instrumentos como ao modo e lugar de sua utilização, ou
seja, quem o toca, como e quando o faz, o que determinará, finalmente, sua
“eficácia simbólica” (R
IBEIRO
, 1987).
É condição para a interpretação dos símbolos a consciência de que
todo o símbolo possui uma referência dual: de um lado está o objeto original e
de outro o objeto que agora representa (U
RBAN
, 1952). Existe um consenso
entre os autores de que a tentativa de explicar o significado do símbolo o
descaracteriza enquanto tal, uma vez que a explicação é bem menos eloqüente
do que símbolo. Essa “interpretação” do conteúdo simbólico, denominada
expansão do símbolo, uma metáfora retirada da física (U
RBAN
1952, E
PSTEIN
1986), retira dele sua mais forte característica que é a concisão. Além disso, a
percepção do conteúdo simbólico não é totalmente consciente, por isso sua
explicação jamais esgotará seu campo de significados ou conseguirá exprimir a
sua capacidade de desencadear reações emotivas e resgatar sentimentos
inconscientes.
Determinar o conteúdo simbólico de manifestações artísticas de tribos
indígenas depende de uma metodologia apropriada que considere, além do
aspecto formal, os contextos da produção e do uso do objeto artístico e a
história mitológica do grupo. O que, para o observador externo, representam
apenas padrões “abstratos” podem ser na realidade desenhos figurativos, já
que caracterizariam o objeto representando-o por um “traço definidor de forma”
(M
UNN
apud R
IBEIRO
, 1987b).
Tomando como base o estudo de Munn sobre a iconografia Walbiri,
R
IBEIRO
(1987b) estuda a cestaria Kayabí e parte, como Munn, do princípio de
que os desenhos são representações iconográficas, relacionadas com sua
mitologia e com um forte caráter étnico. Berta Ribeiro percebe que os motivos
mais importantes remetem a entes mitológicos ou a objetos que fazem parte
dos mitos, e que se combinam de diversas maneiras, com variações
semânticas. Ela isolou “unidades de significado” que, por sua nomenclatura, se
referenciam a unidades também significativas do repertório mítico (R
IBEIRO
1987b:286). A autora obteve informações junto aos índios e através da
observação de rituais que reviviam os mitos, nos quais constatou a atuação dos
mesmos entes míticos presentes nos desenhos dos trançados. Por isso os
motivos dos desenhos nos trançados “foram tratados como desenhos
semânticos e o seu conjunto como uma iconografia” (op.cit).
Ribeiro observou a linguagem visual dos Kayabí num contexto amplo,
combinando, segundo suas próprias palavras,expressão e conteúdo; textos
verbais e textos visuais”. Sem o auxílio das mensagens verbais e visuais fica
difícil estabelecer o que seria uma linguagem iconográfica de uma simbólica ou
determinar a fronteira entre uma e outra. De qualquer forma, a compreensão de
que existe uma “linguagem visual” ou um “sistema de significações” dentro de
um “sistema de comunicação visual” a ser desvendado remete a uma
abordagem semiótica da etnoarte e à construção de uma metodologia
adequada às especificidades culturais.
Conclusões do Capítulo
Esse primeiro capítulo foi elaborado tendo como objetivo a construção
de um substrato teórico, e até certo ponto também etnográfico, para toda a
análise que se desenvolve a partir do capítulo III sobre a arte cerâmica
Marajoara. A idéia era estabelecer um conceito de arte indígena para, a partir
desse conceito, entender as motivações e propósitos que impulsionaram o
desenvolvimento de tão elaborada arte. Além disso buscávamos meios para a
construção de uma metodologia apropriada para o estudo da decoração
cerâmica em uma sociedade arqueológica.
As informações que se possui sobre a população que habitou os tesos
em Marajó durante cerca de novecentos anos se restringem praticamente ao
que se pode depreender dos vestígios da cultura material, constituindo-se, a
maior parte dessa, de utensílios cerâmicos. É uma cerâmica requintada, que
demonstra o desenvolvimento de um alto nível técnico e artístico. Trata-se de
uma arte em alguns momentos figurativa, mas predominantemente abstrata.
Outra característica importante é a padronização da decoração, de maneira que
muitos utensílios carregam os mesmos padrões decorativos, às vezes com
desenhos praticamente iguais.
Buscamos levantar dados sobre manifestações artísticas em outras
culturas indígenas, com o intuito de conhecer mais sobre as relações que esses
povos estabelecem com a produção artística, para poder então criar uma base
etnográfica a partir da qual pudessem ser avaliadas as possibilidades de uso do
método comparativo. Alguns estudos etnográficos tocam, via de regra, no
problema teórico. Portanto, a preocupação em recolher esses dados
etnográficos tinha o objetivo de também trabalhar modelos teóricos.
Os dados nos mostraram que faz parte da natureza humana a
necessidade de narrar experiências, de conceitualizar percepções e de trocar
esses conceitos uns com os outros. Além disso, o homem sente a necessidade
de saber sobre suas origens e seu papel nesse mundo, enfim, entender o
sentido de sua existência. Praticamente todas as sociedades indígenas
remetem a explicação para essas questões ao mito da criação, que narra uma
história a respeito da origem do grupo - nem sempre ligado à origem do homem
enquanto ser humano, mas sobre a origem de um grupo específico. São mitos
que se referem a um tempo em que o homem ainda não existia enquanto ser
humano.
Esses mitos trazem elementos que estão ligados à existência do
homem enquanto ser eminentemente social e cultural, e percebemos que
existem certas categorias cognitivas que estão ligadas a essa existência. O
conceito de homem se constrói no mito em oposição àquilo que ele era antes.
Alguns mitos
17
reportam que o homem, antigamente, era um animal, ou, visto
de outra forma, que o homem não tinha características totalmente humanas.
Geralmente mitos que falam sobre a origem do homem estão muito ligados à
origem do conhecimento das técnicas utilizadas no cotidiano e à maneira como
estas intermediam o seu relacionamento com a natureza. O mito, portanto, em
essência, não fala a respeito do nascimento do homem, mas a respeito do
momento em que ele passa a se tornar um ser social e cultural, com uma
personalidade étnica.
Esse momento freqüentemente está ligado à apreensão de um
conhecimento, de uma tecnologia, portanto à possibilidade de transformar a
natureza, de criar utensílios, implementos, artefatos, de decorar seu próprio
corpo, de criar adornos - de criar-se a si mesmo. U
MBERTO
E
CO
(1976) afirma
que não é o homem que pensa os mitos, mas ”os mitos se pensam nos
homens”, ou, numa perspectiva estrutural, “os mitos se pensam entre si”
.
Para
Lévi-Strauss atuariam aí as “leis constantes do espírito”:
“(...)os fenômenos fundamentais da vida do espírito, os que a
condicionam e determinam as suas formas mais gerais, se
colocam no plano do pensamento inconsciente. Estamos
aqui diante de atividades que parecem nossas e alheias,
condições de todas as vidas mentais de todos os homens e
em todos os tempos.
18
Na verdade, os mitos são a forma que assumiu a reflexão sobre a
natureza humana, sendo a própria representação dessa natureza. E não só é a
maneira de o homem refletir sobre sua natureza como de narrar essa idéia, de
tornar esse um conceito socialmente compartilhado.
Comentamos nesse capítulo a existência de mitos ligados à obtenção
dos designs característicos expressos através das artes plásticas por algumas
tribos. Esses designs servem para decorar o corpo, com a função de conferir
identidade ao homem; servem também para decorar os utensílios, que se
tornarão, a partir desse momento, utensílios sociais. No conjunto, esses
designs são um veículo de comunicação de conceitos compartilhados por essa
sociedade.
17
Considerações feitas a partir de leituras sobre mitos constantes nas diversas obras citadas na bibliografia.
18
No prefácio de Lévi-Strauss para Teoria Generale della Magia, de Mauss, citado por E
CO
(1976).
A pesquisa etnográfica tem a possibilidade de registrar as narrativas
míticas nas ocasiões em que estas são contadas aos mais jovens. Além disso,
o investigador tem a oportunidade de observar os rituais, que são momentos
em que os mitos são revividos através de uma dramatização, sendo essa
também uma forma de arte. Então a arte permeia todas as esferas do social: se
manifesta no drama, na pintura corporal, na decoração dos objetos. Tudo isso
está ligado a um sentimento a que chamamos cosmológico, que remete à
inserção do ser humano no mundo onde ele vive. Essa visão cosmológica trata
da origem do homem e de como ele deve viver nesse mundo, como deve se
relacionar com o mundo natural e seus semelhantes.
Por ocasião dos rituais, os atores vivem, eles próprios, a história mítica
que, ao narrar um acontecimento do passado, através da dramatização, adquire
existência no presente, numa perspectiva atemporal.
Alguns dos trabalhos citados, principalmente, de Lúcia van Velthem,
sobre os Wayana, e de Nancy Munn, sobre os Walbiri, mostraram que a
mitologia desses povos se expressava nos rituais, na decoração plástica, nas
pinturas, nos grafismos, na pintura corporal e nos objetos; tornar visuais esses
conceitos e tornar visual o mito é uma maneira de perpetuá-los. Não podemos
esquecer que o conceito advém primeiramente de um processo mental - e
quando falamos de conceitos, não estamos considerando o referente, que não
tem importância para essa análise, mas a referência -; para que ele seja
compartilhado existe a necessidade de que ele seja visível, audível, ou
verbalizável. As sociedades indígenas, geralmente, não levam em alto grau a
verbalização. Pelo contrário, a forma de percepção é preponderantemente
visual. Existe, portanto, uma necessidade de tornar esses conceitos e a própria
história visuais, o que se dá através da arte. Enquanto sistema de signos
identificados e socialmente compartilhados, a arte confunde-se com a própria
cultura.
A maneira como os conceitos são expressos plasticamente remete à
existência de referentes identificáveis pelo grupo. O grupo compartilha as
mesmas referências, ou pelo menos referências similares. A questão que se
coloca é a de como o observador de fora pode perceber essas referências ou
chegar a apreender os conceitos. Na verdade ele não pode apreendê-los em
sua totalidade, por não estar culturalmente inserido naquele contexto. Os
pesquisadores costumam buscar o sentido literal do símbolo para que ele se
traduza cientificamente em termos de assertivas e em termos analíticos como é
o pensamento científico. Pretendem defini-lo, conceituá-lo; no entanto, no
momento em que se verbaliza o conteúdo do símbolo ele já não existe
enquanto tal, e ao mesmo tempo esse significado não seria verbalizável em sua
totalidade. O que existe, então, é uma tentativa de uma aproximação da
compreensão do que seriam as malhas de significado que a sociedade em
estudo compartilha.
O estudo entre os Walbiri mostrou que aquelas figuras aparentemente
abstratas representavam, na verdade, uma linguagem visual iconográfica; quer
dizer, os grafismos se referenciavam ao objeto real - ou a uma parte dele - ou
lembravam alguma qualidade desse referente. Munn isolou unidades de
significado que se combinavam de maneiras diferentes mostrando que essas
combinações possuíam um sentido semântico próprio. Na verdade essa
estrutura que a autora percebeu que existia na arte Walbiri é a mesma estrutura
que Lévi-Strauus identificou nos mitos: unidades de significado que se
combinam, que se relacionam para expressar um conteúdo. O mito expressa o
conteúdo de diversas formas nas diferentes sociedades. As unidades de
significado podem ser diferentes; o que permanece é a maneira como elas se
relacionam para poder originar determinados conteúdos semânticos. Como a
linguagem visual dos Walbiri estava estreitamente ligada à sua mitologia, Munn
usou a mesma metodologia com resultado bastante fecundo.
Nancy Munn teve a possibilidade de identificar a existência da
linguagem iconográfica e isolar as unidades de significado na arte, uma vez que
podia referenciá-las às unidades de significado no mito ou no ritual. A
dificuldade para o arqueólogo reside justamente em isolar unidades de
significado de forma não arbitrária, uma vez que não se conhece o conjunto da
cultura, nem sua história mitológica. H
ODDER
(1988) considera que perceber
uma marca em uma vasilha como uma unidade de análise ou motivo decorativo
supõe dar um sentido, interpretar um conteúdo e pretender ver aquilo da
maneira como a sociedade o via. De qualquer maneira, toda análise está
carregada de subjetividade. Outro problema que se coloca é o de como
entender essa iconografia e a dinâmica dessas relações sem uma base
etnográfica.
A maneira que nos parece possível para enfrentar essas dificuldades é
a de apostar numa certa analogia etnográfica e numa metodologia que tenha
consciência dessa dificuldade e que avance até onde for possível apesar da
falta de dados referenciais. Não há um método infalível para trabalhar com uma
sociedade arqueológica da qual não se tem nenhuma referência etnográfica. A
maneira de trabalhar a iconografia dependerá das condições encontradas. O
pesquisador tem que, ao mesmo tempo em que se referencia numa teoria e
metologia conhecidas, criar seus próprios passos dentro dessa metologia e, até
certo ponto, pensar ou repensar a teoria de acordo com sua realidade.
De qualquer maneira, algumas questões levantadas nesse capítulo são
fundamentais e o auxílio que a antropologia tem prestado através dos trabalhos
etnográficos é imprescindível. A consciência desse papel tão importante e
inequívoco da arte para as sociedades indígenas é algo que tem que se fazer
presente no trabalho arqueológico e que remete a uma outra maneira de
encarar a cultura material dessas sociedades. Geralmente o arqueólogo releva
a um segundo plano os objetos artísticos, porque considera que não pode, a
partir deles, inferir significados. Entretanto, todos os exemplos levantados
mostram que existem preocupações comuns às sociedades indígenas e que
arte cumpre uma função social determinada, apesar de possuir expressões e
conteúdos diferentes de uma cultura para outra. Pode-se dizer, por exemplo,
que a necessidade da pintura corporal para diferenciar os seres humanos dos
animais, ou para diferenciar uma tribo de outra, é uma característica universal.
Mesmo uma sociedade que não utilize a pintura corporal, de alguma forma, nas
suas vestimentas, nos seus adornos, procurará marcar uma característica
étnica, como resultado de uma necessidade intrínseca ao ser humano.
São essas características peculiares de cada cultura que, na
diversidade das manifestações humanas, nos mostram elementos a respeito do
que seria uma natureza humana comum. Segundo G
EERTZ
(1978) a natureza
humana não é um denominador comum em que todas as culturas se incluem,
mas deve ser buscada nas diferenças que enriquecem a visão de uma natureza
comum. Essa natureza comum, observável através das manifestações
culturais, não se encontra, para usarmos os termos da teoria semiótica, nos
signos, referentes ou referências, mas no cerne das relações que se
estabelecem entre estes três pólos do processo da comunicação. Em outras
palavras, apesar da imensa diversidade de formas que assumiram as respostas
adaptativas do homem ao meio, elas têm-se dado sempre no sentido de
demostrar uma lógica interna, a partir da qual se revelam similaridades em
sociedades aparentemente diferentes.
Capítulo II
Registro Arqueológico e Etnohistórico da Fase Marajoara
O registro arqueológico e as crônicas etnohistóricas têm sido as únicas
fontes
disponíveis e possíveis para a reconstrução do passado pré-histórico na
Ilha de Marajó e, ainda que as fontes arqueológicas sejam metodologicamente
mais apropriadas, os arqueólogos não têm se furtado em utilizar os relatos dos
primeiros viajantes europeus em terras brasileiras como parâmetro para a
construção de modelos teóricos.
Esse capítulo não encerra dados exaustivos sobre as pesquisas
arqueológicas em Marajó, que são produto de um século de escavações e
surveys, uma vez que esses dados podem ser consultados com maior
fidedignidade junto às obras dos autores que citaremos aqui. Assim sendo,
vamos nos restringir a expor a situação atual da pesquisa arqueológica relativa
à ocupação cerâmica na Ilha, e em específico sobre a fase Marajoara, objeto
desse trabalho. As fases anteriores, denominadas por Betty Meggers & Clifford
Evans, no seu relatório publicado em 1957, como Fases da Floresta Tropical,
não merecerão uma atenção especial, uma vez que foram pesquisados poucos
sítios e a amostra estudada não permite estabelecer, ainda, a natureza das
relações entre esses sítios e a Fase Marajoara. Os dados são escassos e trazê-
los à discussão não contribuiria muito com as questões levantadas nesse
momento.
Antes de entrarmos na questão do registro arqueológico, vamos
apresentar o que nos colocam os relatos etnohistóricos, primeira fonte
“etnográfica” da Bacia Amazônica, sobre a pré-história recente da Amazônia
19
enquanto região geográfica na qual a Ilha de Marajó se insere. Os dados que
nos trazem as crônicas quinhentistas e seiscentistas podem ser muito úteis
quando cotejados com as evidências arqueológicas.
Após a conquista do Peru, em 1532, espanhóis e portugueses se
animaram a explorar a nova terra em busca dos tesouros que, acreditavam, ela
poderia oferecer. A busca do Eldorado e da Terra das Amazonas, mitos
correntes na época e reforçados pelos relatos dos índios, e a necessidade de
tomar posse dos territórios recém-conquistados a fim de assegurar o direito a
19
O termo pré-história recente da Amazônia é largamente utilizado na literatura especializada referindo-se
à época imediatamente anterior à chegada dos colonizadores europeus ao continente, quando sociedades
indígenas bastante numerosas ocupavam a região de maneira sedentária.
suas riquezas, fez com que se organizassem diversas expedições, patrocinadas
pelas duas Coroas, que percorreram então as bacias dos grandes rios. O trajeto
utilizado foi, via de regra, a partir do Napo ou do Huallaga descer o Marañon,
antiga denominação do Rio Amazonas, até o Arquipélago de Marajó, saindo no
Oceano Atlântico ou aportando no Pará, no continente.
Num primeiro momento, as expedições foram patrocinadas pela
Espanha que, a partir do Vice-Reinado do Peru, buscava ampliar seus domínios
e dar a conhecer aos mais novos súditos dos Reis de Espanha sua condição de
vassalos de um império cristão. Dessas expedições freqüentemente
participavam religiosos que levavam a cabo a tarefa de registrar os
acontecimentos, quando isso não era feito pelo próprio capitão ou outro
tripulante. O relato mais antigo de que se tem notícia é o do Frei Gaspar de
Carvajal, participante da expedição do Capitão Francisco de Orellana que,
tendo descido o Amazonas em 1541, completou com sucesso a travessia em
setembro de 1542. Esse relato originou diversas versões, posteriormente
publicadas, que guardam entre si algumas diferenças. Da jornada comandada
pelo General Pedro de Úrsua e levada a cabo pelo rebelde Aguirre no ano de
1560, produziram-se as crônicas de Francisco Vásquez, Altamirano, Gonzalo
de Zúñiga e Pedro de Monguia.
Um segundo ciclo da etnografia do Amazonas tem início com a viagem
do Capitão português Pedro Teixeira do Pará a Quito, para tomar posse das
novas terras em nome da Coroa Portuguesa, quase um século depois das
primeiras expedições espanholas
20
. Fruto da expedição de retorno de Pedro
Teixeira, em 1637
21
, tem-se o relato do Padre Acuña que, em relação aos
anteriores, é mais descritivo e preciso. O jesuíta Alonso de Rojas, que fez parte
também dessa expedição, deixou escritas suas impressões e, a semelhança de
algumas passagens com o publicado pelo Padre Acuña faz supor que este teria
copiado de Rojas alguns capítulos.
22
A partir dessa época produzem-se muitas crônicas de missionários,
uma vez que proliferam as missões jesuíticas e franciscanas no Peru, Equador
e no Brasil. As crônicas posteriores a essa época - Frei Laureano de La Cruz,
Samuel Fritz, Maurício de Heriarte - já se referem ao começo do fim das
civilizações da várzea, e já mostram os sinais da desagregação e
desaculturação que começa a se processar entre as culturas indígenas. Mesmo
assim, os relatos de missionários, como o de Claude d’Abbeville sobre os
20
P
ORRO
(1993:115).
21
Data de P
ORRO
, op. cit. e L
A
C
ONDAMINE
(1992); no relato de
A
CUÑA
(1946), há a data de 1639.
22
Porro, op. cit.
Tupinambás do Maranhão, são contribuições importantes, pois foram
produzidos em um momento em que o objetivo era o de conhecer o modo de
vida indígena para catequizar e dominar politicamente as comunidades.
Apesar da imprecisão geográfica e da forte carga emocional que
caracterizam muitas das descrições, uma vez que os viajantes viam-se na
contingência de enaltecer as riquezas da terra recém-conquistada e estavam
afeitos a todo o tipo de perigos, uma leitura atenta e um estudo comparativo
entre as mesmas levam os estudiosos hoje a chegarem a conclusões
importantes sobre os padrões de assentamento e práticas culturais das
populações que habitavam a várzea amazônica alguns anos antes da chegada
dos europeus. Observa-se que a margem dos grandes rios - o Amazonas e
seus principais afluentes - era densamente povoada e, segundo notícias dos
índios, o interior também o era:
“(...) en el espacio de casi cuatro mil leguas de contorno
encierra s de ciento cincuenta naciones de lenguas
diferentes(...)”(A
CUÑA
, 1946:11).
“Fomos caminhando por esta terra e senhorio de Omágua
mais de cem léguas, ao cabo das quais chegamos a outra
terra de outro senhor, chamado Paguana, que tem muita
gente e muito pacífica, pois chegamos, no princípio de sua
província, a um povoado de mais de duas léguas de
comprimento, aonde os índios nos esperavam em suas
casas, sem fazer mal nem dano, antes nos davam do que
tinham. Desse povoado seguiam muitos caminhos para o
interior, porque o senhor não reside à beira do rio
(...)”(C
ARVAJAL
, 1941: 48,49).
23
“Todo este rio das Amazonas, nas ilhas, nas margens e terra
adentro, está povoado de índios e tantos em número que
para dar uma idéia da sua multidão disse o piloto-mor desta
armada, Bento da Costa, homem prático nestes
descobrimentos, que navegou o rio e todos os que nele
entram até chegar a Quito, marcando a terra e anotando
suas propriedades, que são tantos e sem número os índios,
que se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em
cabeça de índio e não no solo. Tal é a sua quantidade que
não podendo cair em terra firme, se arrojaram para as ilhas.
Não só o rio das Amazonas está tão povoado de índios, mas
também os rios que nele desaguam (...)”(A
LONSO DE
R
OJAS
,
1941:107/108)
23
As citações do Padre Carvajal se referem à tradução feita por Melo-Leitão, edição de 1941.
“Os portugueses encontraram uma aldeia tão grande de uma
e outra banda do rio que, navegando o dia todo a sua vista,
começando a navegação três horas antes do amanhecer até
ao pôr-do-sol, não puderam dar fim aos edifícios nem achar
lugar em que alojar-se que não estivesse ocupado com
casas, e umas seguidas às outras” (A
LONSO DE
R
OJAS
,
1941:121)
24
.
Apesar do visível exagero de Alonso de Rojas, é possível concluir pela
grande densidade demográfica. D
ENEVAN
(1977, apud P
ORRO
1993) calcula
que habitava a várzea, à época da conquista, uma população de cerca de um
milhão de habitantes, com uma densidade de 14,6 hab/km
y
.
Pouco mais de um século depois já é visível a diminuição desse
contingente populacional, ocasionado pelo enfrentamento com os europeus,
epidemias de doenças contagiosas como a varíola, escravizamento de índios,
migrações em massa. A redução dos índios em missões jesuíticas foi outro
fator que influiu decisivamente num processo de desaculturação e
desenraizamento da população indígena que permaneceu, tornando inviável
qualquer etnografia que pudesse ser levada a cabo de maneira mais científica,
tentando resgatar os padrões adaptativos originais.
Os viajantes se encantavam, nas diversas povoações por onde
passavam às margens do Amazonas, com a complicada cerâmica feita pelos
índios, uma vez que, tendo em conta aquelas pessoas por bárbaros, era
surpreendente que tivesse tanta habilidade, gosto e destreza para tão
elaborada arte, que era, além de tudo, comercializada.
“Tienen en las barracas donde moran muy buen barro para
todo género de vasijas, y aprovechándose de él fabrican
grandes ollerías, en que labran tinajas, ollas, hornos en que
cuecen sua harinas, cazuelas, jarros, lebrillos y hasta
sartenes bien formadas, teniendo todo esto prevenido para
trato común con lás demás naciones, que, obligadas de la
necessidad que de estos géneros pasan en sus tierras,
vienem a hacer grandes cargazones de ellos, recebiendo por
paga las cosas de que ellos necesitan.”(A
CUÑA
, 1942: 74).
“Havia nessa povoação
25
uma casa de diversões, dentro da
qual encontramos muita louça dos mais variados feitios:
havia talhas e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco
arrobas, e outras vasilhas pequenas como pratos, escudelas
e candieros, tudo da melhor louça que já se viu no mundo,
24
As citações de Alonso de Rojas foram tiradas da edição de 1941, traduzida por Melo-Leitão.
25
Se refere a uma aldeia próxima ao rio Purús.
porque a ela nem a de laga se iguala. É toda vidrada e
esmaltada de todas as cores, tão vivas que espantam,
apresentando, além disso, desenhos e figuras tão
compassadas, que naturalmente eles trabalham e desenham
como o romano. Disseram-nos ali os índios que tudo o que
havia naquela casa, feito de barro, se encontrava terra
adentro, feito de ouro e prata, e que eles nos levaria lá, que
era perto. Encontramos nessa casa dois ídolos, tecidos de
palha, de diversos modos: eram de estatura de gigantes e
tinham metidas no molejo dos braços umas rodas, a modo de
braceletes e outras nas panturrilhas, perto dos joelhos; as
orelhas eram perfuradas e muitos grandes, parecendo a dos
índios de Cuzco, porém maiores.”(C
ARVAJAL
, 1941:47).
26
Como não poderia deixar de ser, esta cerâmica policrômica estava
ligada a práticas religiosas, e o culto a divindades é mencionado
freqüentemente, ainda que, tanto pelas dificuldades na comunicação e pela
óbvia falta de interesse antropológico dos espanhóis quanto pelo fato de estes
rotularem sob a insígnia de iconoclastas e pagãos a todos indistintamente que
não professassem a fé cristã, não se tenha informações precisas sobre suas
crenças, seus ritos ou seus deuses. Como Carvajal, Acuña também comenta a
existência de ídolos:
“(...) sacan de un tosco leño un idolillo tan al natural, que tuvieran
bien que aprender de ellos muchos de nuestros
escultores”(
ACUÑA
, 1942: 81).
“Los ritos de toda esta gentilidad son casi en general unos
mismos; adoran ídolos que fabrican con sus manos, atribuyendo a
unos el poder sobre as aguas, y así les ponen por divisa un
pescado en la mano; a otros escogen por dueños de las
sementeras, y a otros por valedores de sus batallas.
Dicen que estos dioses bajaron del cielo, para acompañarlos y
hacerles bien: no usan de alguna cerimonia para adorarlos, mas
antes les tiene olvidados en un rincón hasta el tiempo que los han
menester, y así, cuando han de ir a la guerra, llevan en la proa de
las canoas el ídolo en quien tienen puestas las esperanzas de la
victoria; y cuando salen a hacer sus pesquerías, echan mano de
aquél a quien tienen entregado el dominio de las aguas, pero ni en
26
Trancrição de nota do editor, à página 47: “O tradutor reescreveu a narrativa por ser demasiados longos
os períodos e muito repetitivos, tentando, nas suas palavras, amenizar o texto, sem modernizá-lo. As
notícias do Frei Carvajal freqüentemente mencionam a existência de ouro e muitas riquezas terra
adentro, certamente influenciado que estava pela idéia de encontrar o Eldorado, assim como a Terra das
Amazonas, com as quais ele diz ter combatido. Entretanto nada disso ficou provado e a confrontação com
outros relatos faz com que não se lhe dê crédito”.
unos ni en otros fían tanto, que no reconozcan pueda haber otro
mayor.” (A
CUÑA
, 1942: 55).
Pe. Acuña comenta a notícia de que havia um índio que se dizia filho do
Sol e possuía poderes divinos; ele observa ainda a grande estima que os
índios têm por seus feiticeiros, não tanto por amor, mas por receio, por esses
poderem lhes causar mal, o que faz com que guardem ossos dos feiticeiros em
uma casa destinada só para isso e para onde recorrem quando necessitam. As
práticas funerárias não são padronizadas; alguns enterram os mortos em suas
próprias casas, outros os queimam em fogueiras com seus pertences e
celebram esse ato com cantos e bebedeiras.
27
Todos os relatos afirmam também haver estratificação social, com
“principais” para os quais os índios comuns pagavam tributos e deviam
obrigações. A
BBEVILLE
(1975:141), em contato com os Tupis da Ilha Grande do
Maranhão em 1612, reporta que cada uma das cerca de 27 aldeias tem um
“principal”, sendo que em uma delas há um chamado “o primeiro e maior
morubixaba não somente da aldeia mas de toda a Ilha Grande. Contudo, o
autor não esclarece que tipo de prerrogativas teriam esses principais.
Não há referência clara à especialização do trabalho e à forma de
cultivo da terra, mas todos os cronistas referem-se à abundância de alimentos
como mandioca, milho, peixes, tartarugas frutos e frutas diversos.
Pe. Acuña relata que as terras são férteis, que os índios produzem
milho e mandioca, e esta a armazenam sob a terra, e dela fazem pão ou ainda
bebidas alcoólicas; vários tipos de “vinhos” são feitos com as frutas; que se
alimentam principalmente de peixe e das tartarugas, mantidas em currais em
grande número, das quais extraem a gordura para fazer manteiga, comem a
carne e ovos, e que jamais conheceram a fome. A grande quantidade de
gêneros alimentícios em estoque é observada por todos os cronistas, que deles
se aproveitam durante a viagem, ora tomando-os à força, ora por oferenda dos
próprios índios.
As crônicas em geral não são pródigas em dados sobre Marajó. Ao
cabo de uma viagem que durara meses e em meio a muitos perigos e
dificuldades, percebe-se nos relatos a chegada ao arquipélago pela menção
das inúmeras ilhas e canais da foz do Amazonas em meio às quais as
embarcações freqüentemente se perdem, e a posterior chegada ao Oceano. As
observações a respeito dos índios que habitavam Marajó são vagas e
27
No capítulo sobre as riquezas do rio, em que não se refere especificamente a nenhuma tribo.
imprecisas. Os poucos índios estariam divididos em várias nações de línguas e
costumes diferentes. Os mais conhecidos, os Aruãs, eram também os mais
temidos: diversos são os relatos sobre suas atrocidades e costumes
antropofágicos, sendo chamados de índios “caribes”.
Os relatos sobre os Aruãs são mais freqüentes após a fundação de
Belém, em 1616, quando começam a chegar ao Pará missionários, colonos e
mercenários em maior número. Ferreira Penna
28
lamenta que os primeiros
colonos que foram para o Pará não fossem pessoas instruídas o suficiente ou o
sendo não tivessem tempo para pesquisar sobre a vida dos antigos Marajoaras,
uma vez que as primeiras levas de colonos eram constituídas de presidiários ou
de pessoas que em Portugal viviam em estado de absoluta miséria. Perde-se,
assim, talvez, a oportunidade histórica de colher informações a respeito dos
índios Marajoaras que, nessa época, parecem já ter deixado o cenário da Ilha
irremediavelmente.
Assim como em relação à vários lugares por onde passaram, os
cronistas também enaltecem a cerâmica do povo das ilhas. Com relação ao
relato de Carvajal, P
ORRO
(1993:73) observa que:
“Merece reflexão o fato de Carvajal fazer essa descrição
elogiosa da cerâmica modelada e pintada justamente ao
atravessar a foz do Amazonas, região onde se desenvolveu
uma das mais elaboradas tradições cerâmicas do continente.
Na verdade, a fase Aruã da cerâmica arqueológica de
Marajó, Caviana e Mexiana, contemporânea do início da
colonização não parece estar esteticamente à altura da
descrição de Carvajal(...). Mas é significativo que o cronista,
que já observara a excelente cerâmica policrômica do rio
Solimões, volte a tratar do assunto, bem como das cuias
pintadas, ao percorrer a região que mais se destacara, no
passado, por esse tipo de artefatos”.
Os dados que se têm sobre a Ilha de Marajó e a população que ali
habitava são poucos. Os relatos, em geral, fazem menção ligeiramente sobre a
geografia e as tribos do arquipélago. A civilização que durante séculos produziu
a complicada cerâmica policrômica não mais habitava os monumentais aterros
construídos por eles e os índios contemporâneos dos portugueses e espanhóis
não forneceram informações sobre eles e sobre como viviam. Entretanto,
parece bastante plausível, pelas informações etnohistóricas e arqueológicas
28
Obras completas de Domingos Soares Ferreira Penna. Volume II. Belém, Conselho Estadual de Cultura,
1971. P. 239.
que se possui que tenham tido um modo de vida semelhante ao dos povos que
habitavam a várzea.
Observa-se que no continente, nas proximidades dos rios, parece ter
havido em algum momento o estilo de habitação em aterros artificiais
característico dos sítios em Marajó que podem ter sido construídos com
objetivos defensivos:
“Fomos assim costeando: vimos povoações onde não nos
podíamos aproveitar delas, que mais pareciam fortalezas no
alto de morros, a umas duas ou três léguas do rio. Não
soubemos quem era o senhor que dominava esta terra,
dizendo-nos apenas o índio que naquelas fortalezas
resistiam, quando lhes faziam guerra.”
Seguindo o relato do cronista, percebe-se a chegada a Marajó:
“Aqui começamos a deixar a boa terra de campos e terras
altas, entrando numa terra baixa, de muitas ilhas, embora
não tão povoadas como as de cima. (...) E como as ilhas era
muitas e muito grandes, nunca poudemos voltar a tomar terra
firme de um e outro lado até o mar”. (C
ARVAJAL
, 1941:73).
Sobre os índios das ilhas:
“Toda a gente que há nessa parte do rio é gente de muito
entendimento e engenho, pelo que vimos e pareciam por todas as
obras que fazem, tanto de escultura como desenhos e pinturas de
todas as cores, dos mais vivos tons, que é coisa maravilhosa de
ver.” (C
ARVAJAL
, 1941:77).
Em 1659, em carta ao Rei português, o Pe. Antônio Vieira relata que a
Ilha é rica em espécies vegetais e se presta à agricultura. Três anos depois
uma expedição chefiada por Feliciano Coelho de Carvalho, filho do então
governador do Grão-Pará, disposta a expulsar os estrangeiros enfrenta-se com
uma tribo Aruã e a partir daí os enfrentamentos são constantes e aos
missionários acaba sobrando a tarefa de “pacificá-los”(B
ARROSO
, 1954).
Antônio Porro faz um trabalho excelente na compilação desses relatos,
comparando-os e localizando geograficamente as tribos a que os mesmos se
referem, tornando essas obras inteligíveis, uma vez que os viajantes utilizam
uma terminologia e unidades de medida - como dois dias de caminhada, por
exemplo - que precisam ser “traduzidas”. São, sem dúvida, uma fonte de dados
importantíssima sobre esse período para toda a várzea amazônica, que, de
resto, é pouco explorada arqueologicamente. Para o caso de Marajó,
entretanto, as fontes arqueológicas são ainda as mais importantes; de toda
maneira, os arqueólogos não deixam de usar as fontes etnohistóricas para
construir hipóteses a serem testadas através do registro arqueológico.
* * *
Os vestígios arqueológicos de ocupação humana em Marajó aparecem
em uma região que tem como centro o Lago Arari, este cobrindo uma área de
cerca de 400 km
y
. Os sítios da Fase Marajoara localizam-se principalmente a
leste e sudeste do lago, conforme se pode observar no mapa a seguir.
A pesquisa arqueológica em Marajó pode ser vista como que
pertencendo a três momentos distintos, se tomarmos como parâmetros os
métodos utilizados e os resultados obtidos. Num primeiro momento, que
abrange as escavações realizadas a partir das décadas finais do século
passado e primeiras décadas deste, os trabalhos eram isolados e pouco
sistemáticos, característicos de uma época em que principiava o descobrimento
dos novos sítios. Como parte desse grupo citamos Hartt (1871), Steere (1927),
Ferreira Penna (1877), Derby (1879, 1897), Ladislau Netto (1885), Lange
(1914), Farabee (1913, 1921), Curt Nimuendaju (1922), Carlos Estevão Oliveira
(1925), Mordini (1929, 1937, 1947), Carlos Quadrone (1929)
29
, Heloísa Alberto
Torres (1930), entre outros. Foram explorados, durante esse período de quase
setenta anos, os sítios: Bacuri Alto, Cajueiros, Camutins, Caratatéua, Cuieiras,
Curuxys, Desterro, Diamantina, Fortaleza, Guajará, Ilha dos Bichos, Ilha dos
Marcos, Laranjeiras, Macacão, Matinados, Menino Deus, Monte Carmelo,
Nazareth, Pacoval, Pacoval do Cururu, Pacoval dos Mello, Panellas, Sanharão,
Santa Brigida, Santa Izabel, Santo André, São Lourenço, Serra, Tapera, Teso
das Igaçabas, Teso do Severino, Teso dos China, Teso do Gentil, Teso dos
Gentios.
P
ALMATARY
(1949) faz uma revisão de quase todos estes trabalhos que,
ainda que tenham oportunizado o acesso da comunidade científica aos
primeiros registros arqueológicos sobre a Fase Marajoara, não realizaram
nenhum estudo estratigráfico que possibilitasse conhecer a datação dos sítios e
a seqüência de ocupação. A falta de localização temporal impedia que se
29
Não lemos esses trabalhos no original. Nomes e datas de publicação foram retirados de P
ALMATARY
(1949)
construíssem hipóteses sobre a origem daquela cultura, mas a partir do estudo
estilístico da cerâmica começou a buscar-se afiliações em outros pontos do
continente.
Ao final da década de 40, Meggers e Evans realizam escavações não
só na Ilha de Marajó como também no território do Amapá e nas Ilhas Caviana
e Mexiana, o que atesta a preocupação em contextualizar e estabelecer
relações entre as diversas ocupações humanas na região. Escavam nos sítios
J-14, Monte Carmelo, com três mounds e no sítio J-15, Os Camutins, com 20
mounds. Em relatório publicado em 1957, há um cuidadoso inventário de todos
os sítios encontrados, além da reunião dos dados produzidos pelas
investigações anteriores. A partir dos resultados obtidos, são traçadas, então,
hipóteses sobre a origem e desenvolvimento das culturas que habitaram a Ilha.
Desse segundo momento de pesquisas na Ilha podemos citar também
Peter Paul Hilbert que, tendo já participado da expedição de Meggers e Evans,
realiza prospecções nos Camutins e Pacoval em 1950. Em 1951 escava a leste
do Lago Arari, em Caratatéua, Pacoval dos Mello, Teso dos China e Teso do
Severino.
Meggers e Evans, baseados na etnografia de populações amazônicas
modernas e utilizando o método comparativo, inferiram os padrões de
assentamento que seriam característicos da Ilha de Marajó. Pretenderam
demonstrar que, por causa da geografia da região amazônica, a única forma de
subsistência humana seria a da vida em pequenas comunidades, baseada na
pesca, caça e coleta e agricultura de subsistência; que, portanto, esse tipo de
economia não poderia sustentar grandes contingentes populacionais e suportar
o desenvolvimento de uma sociedade mais complexa.
A partir do material produzido pelas escavações, identificaram cinco
fases de ocupação na Ilha, que chamaram de Fases da Floresta Tropical; a
seqüência arqueológica estaria então representada por essa sucessão de
culturas não-relacionadas entre si, cada uma com aparecimento repentino, com
florescimento fugaz e se sucedendo ou sendo absorvida pela seguinte. O início
da ocupação se daria em torno de 700 A.D., com a fase Ananatuba, que teria
durado 368 anos e sendo parcialmente contemporânea da fase seguinte,
Mangueiras, com a duração de 330 anos. Mangueiras e Formiga, essa última
com a duração breve de 75 anos, teriam coexistido em locais diferentes durante
certo tempo. A Fase Marajoara, com início em 1250 A.D., teria sucedido a Fase
Formiga e durado aproximadamente 200 anos. A última das cinco fases
identificadas, Aruã, é contemporânea do período da conquista e se estende até
o século XIX. Para Meggers e Evans, não há evidências de que qualquer
dessas culturas seja nativa de Marajó.
S
IMÕES
(1967) realiza prospecções e cortes estratigráficos numa região
de 450 km
y
entre os rios Goiapi e Camará, com o objetivo de identificar sítios
em regiões ainda não pesquisadas por Meggers e Evans. São localizados então
sítios das fases Formiga e Ananatuba também a sudeste do Lago Arari, que
seriam mais antigos do que os anteriormente identificados a nordeste e oeste
do Lago. Conclui pelo contemporaneidade e contato entre sítios Mangueira,
Formiga e Marajoara, através da constatação de intrusão de cacos cerâmicos.
Quando Meggers e Evans analisaram a cerâmica arqueológica da Fase
Marajoara concluíram que teria sido produzida por um povo proveniente das
terras andinas, que, migrando, teria chegado a Marajó, onde, com difíceis
condições de sobrevivência devido aos poucos recursos oferecidos pelo meio,
teria visto sua cultura regredir até seu total desaparecimento. É fácil entender
que, nessa época, era forte a influência, nos meio acadêmicos, do
determinismo ecológico de S
TEWARD
(1949); além disso, os estudos sobre os
solos pobres em nutrientes, que eram considerados predominantes na várzea
amazônica apontavam para a impossibilidade de ter havido longa sobrevivência
humana nesse meio adverso.
Durante várias décadas buscou-se identificar pontos em comum entre a
cultura Marajoara e outras culturas distantes, na busca de sua origem. O
método comparativo levou os estudiosos a buscar essa origem em lugares tão
distantes como o Egito (Lisle du Dreneuc 1889) ou a Escandinávia (Barbosa
Rodrigues, 1876), ou ainda na América, na região do Mississipi (Netto 1885,
Palmatary 1949), Alto Amazonas, Venezuela, Colômbia ou América Central
(Cruls 1944, Lathrap 1942).
30
M
EGGERS
e E
VANS
(1957:411-419) isolam traços distintivos da cultura
Marajoara e buscam identificar geograficamente locais onde os mesmos
apareceram em outras culturas. O resultado desse trabalho é uma plotagem, no
mapa da América do Sul, onde observam uma maior concentração de
características comuns nas regiões da Colômbia, Equador e nordeste do Peru.
Como nos níveis mais antigos dos sítios escavados observaram que a cultura
Marajoara estava no auge de seu desenvolvimento, não tiveram dúvidas em
optar pela teoria da migração. Admitem que o local de origem apontado não é o
único possível, mas ponderam que as evidências tanto arqueológicas quanto
etnográficas não deixam outra saída. Se num primeiro momento buscaram
30
Apud
M
EGGERS
e
E
VANS
, 1957.
explicações para o fato de essa migração não ter deixado vestígios em sua
passagem -
“The trip downriver must have been a rapid one, because no
Marajoara Phase sites have come to light along the main
course of the Amazon, which is better know archaeologically
than other parts of the lowland”.(M
EGGERS
e E
VANS
,
1957:419)-,
mais tarde encontraram comprovação de sua teoria com descobertas de
fragmentos de cerâmica policrômica em diversas regiões na Bacia Amazônica.
(T
OLEDO
, 1942, apud M
EGGERS
e
E
VANS
, 1957; N
ORDENSKIÖLD
, 1930;
B
ROCHADO
, 1980)
31
Estudos posteriores (M
AGALIS
1975, B
ROCHADO
1980), apoiados por
datações de radiocarbono para a cerâmica policrômica encontrada em outras
regiões amazônicas demonstraram que, se houve migração cultural, ela se deu
em sentido contrário. L
ATHRAP
(1972, 1977, apud B
ROCHADO
1980) aponta para
uma origem comum da cerâmica policrômica na Amazônia Central. A cerâmica
mais antiga identificada então foi a da Tradição Mina, não policrômica, com
datas em torno de 4.000 a.C.
Nos anos 80 e 90, Anna Roosevelt
emprega, em Marajó, métodos e
técnicas que produzem resultados diferentes e acabam por chocar-se com as
teorias construídas por Meggers e Evans. Nesse terceiro momento, há uma
preocupação em recolher todo e qualquer resíduo biológico que possa oferecer
informações a respeito dos padrões alimentares, através de modernas técnicas
de flotagem da terra e análise da matéria orgânica em laboratórios; a
escavação é feita por decapagem dos níveis naturais, preservando as
indicações de fogões e pisos para a reconstituição das moradias e análise dos
locais de alimentação e trabalho; o survey é priorizado com relação à
escavação propriamente dita, que se atém a poços-teste tendo em vista a vasta
extensão dos sítios e a grande quantidade de material recolhido.
Os resultados de todo esse trabalho, levado a efeito com uma equipe
multidisciplinar e com a possibilidade de analisar o material em laboratórios
sofisticados, mostram que, ao contrário do que se pensava anteriormente, a
Ilha de Marajó suportou uma civilização altamente desenvolvida, por quase
31
Não há comprovação de que os fragmentos encontrados nas diversas regiões sejam originários de
Marajó, podem ser apenas cerâmica policrômica. Em nota de rodapé, M
EGGERS
e E
VANS
(1957:419)
comentam que Toledo (1942) teria achado fragmentos de cerâmica marajoara na região do Rio Trombetas,
que incluíam 2 cabeças de figurines” e um apêndice, que os autores identificaram como sendo
indiscutivelmente de origem Marajoara.
1.000 anos, até aproximadamente o ano de 1300 A.D. E não só esta população
não decaiu sob as agruras do clima e da geografia da Ilha como nela se
desenvolveu, florescendo ali uma das civilizações mais complexas da pré-
história recente das Américas.
Anna Roosevelt não pesquisa as fases anteriores, mas apresenta datas
mais antigas para a Fase Ananatuba, entre 1.500 a 1.000 A.D., da qual alguns
fragmentos cerâmicos foram encontrados na superfície de diversos mounds da
Fase Marajoara, como Teso dos Bichos e Teso do Sítio. A autora considera
que peças de cerâmica encontradas em sítios ou próxima a sítios Marajoara e
atribuídas às fases Mangueiras e Formiga, podem não ter sido objeto de
comércio, mas sim cerâmica rústica Marajoara, constituindo-se em resíduos de
ocupação sazonal:
“Mangueiras may actually be a multicomponent assemblage
including a phase of post-Ananatuba Zoned Hachure pottery
as well as Marajoara domestic pottery from seasonal
occupations. The ill-defined Formiga Phase may also
represent a funnctionally specialized component of some
other phase. At the time when these phases were
established, most ceramic variation was assumed to
represent chronological variation, but Marajo ceramics are
sufficiently complex that some of the variation might have a
nonchronological, functional significance”. (R
OOSEVELT
,
1991:64).
R
OOSEVELT
(1992a) atesta que a cerâmica apareceu na Amazônia
2.000 anos antes do que nos Andes e na Mesoamérica, sendo que as
influências estilísticas sofridas pela cerâmica Marajoara provém das terras
baixas e não dos Andes como se pensava. Ao contrário, os estilos semelhantes
nos Andes lá aparecem 600 anos mais tarde e podem ter sofrido influência
amazônica. Datas de radiocarbono obtidas em escavações próximas a
Santarém, no sambaqui da Taperinha, onde foram encontrados fragmentos de
cerâmica, alguns decorados, com incisões relativamente simples, mostram uma
antigüidade de 7 a 8 mil anos, a mais antiga até agora encontrada para as
Américas.
32
Assim como a cerâmica da Tradição Mina, parece ser uma
cerâmica já evoluída por causa do tratamento da superfície.
Feitas essas colocações genéricas a respeito das principais teorias
arqueológicas construídas a partir das escavações e surveys realizados em
32
Conforme artigo do New York Times sobre as escavações de Roosevelt. 13/12/91,
Marajó, faremos um levantamento do conjunto dos dados fornecidos pelo
registro arqueológico de forma a podermos melhor entender e discutir as
hipóteses e teorias que se apresentam.
Os sítios da Fase Marajoara se encontram sobre colinas ou aterros
artificiais, também conhecidos como “tesos” ou mounds
33
, construídos
paralelamente ao longo de rios e lagos. Alguns teriam sido construídos no leito
mesmo de rios, quando na época de drenagem das águas, como atestam
testes de refração sísmica em Guajará. (R
OOSEVELT
1991).
O tamanho dos mounds tanto em área quanto em altura varia muito;
Meggers e Evans relacionaram essas diferenças com a função que pensaram
que cumpririam os dois tipos de sítios. Os sítios-cemitérios seriam grandes,
enquanto que os de habitação seriam bem menores e apresentariam somente
cerâmica não-decorada. Eles são bastante enfáticos quando afirmam que suas
escavações, em 1949, não comprovam o uso simultâneo para moradia e
sepultamentos.
Entre os sítios de habitação, o menor sítio medido por Meggers e Evans
é Mound 14, J-15, do grupo Camutins, com 51 x 35m de extensão e 6,25m de
altura. Fortaleza é o maior, com 91m de comprimento e 2m de altura. Observa-
se que não há relação necessária entre altura e extensão. Nesses sítios de
habitação os cacos de cerâmica não-decorada apresentam-se em
porcentagens bastante altas, de 92 a 100% (M
EGGERS
e E
VANS
1957: 398).
Os mounds utilizados como cemitério - como Mound 1, J-15, do grupo
Camutins, com 255 x 30m de superfície e 10m de altura - destacam-se por seu
tamanho, visualmente maior, e parecem estar associados com grupos de
mounds-habitação (M
EGGERS
e E
VANS
1957: 399).
Anna Roosevelt relata que os mounds teriam entre 3 e 20 m de altura,
em média 7 m de altura. A altura é bastante superior ao que seria necessário
para escapar das cheias, o que sugere que tenham servido também como
defesa. Seu tamanho varia entre 1 e 3 hectares de área. Freqüentemente
um desnivelamento, havendo uma superfície mais alta e outra mais baixa. Os
sítios seriam utilizados tanto para habitação como para cemitérios, havendo
áreas em que os enterramentos estariam organizados agrupadamente,
segundo critérios sociológicos e possivelmente com algum significado
33
Teso é a denominação local para pequenas elevações de terra, sejam naturais ou artificiais
(P
ALMATARY
1949). A denominação mound, em inglês, parece estar mais relacionada aos montículos
construídos pela ação do homem, motivo pelo qual consideramos apropriado utilizá-la com essa acepção.
cronológico. Alguns assentamentos são compostos de vários mounds, em
grupos de 3 a 5 ou até mais, com diferentes tamanhos.
Alguns autores associam a forma dos sítios-aterros com a forma de
animais, como o jabuti, comparação feita por L
ADISLAU
N
ETTO
(1882 apud
P
ALMATARY
1949) com relação à forma de Pacoval do Arari, mas essa hipótese
parece estar descartada; muitos são mais arredondados, enquanto que o
formato padrão parece ser o ovalado, mais comprido do que largo. Meggers e
Evans concluíram que, se alguns mounds têm aparência zoomórfica, isso não é
intencional; tampouco existe orientação cardial - a orientação depende dos
contornos geográficos dos rios e lagos.
Anna Roosevelt identificou sítios planos, próximos aos aterros, que
podem ter servido de moradias para os prováveis trabalhadores agrícolas no
caso de ter havido uma diferenciação social nesse sentido. Esse tipo de sítio
plano foi constatado em corredores de floresta através de práticas de survey.
Assim como os mounds pequenos, estes sítios planos parecem ser bastante
freqüentes e mais numerosos que os grandes mounds; no entanto,
praticamente não são mencionados na literatura.
Fazendo uma revisão bibliográfica e contando os sítios conhecidos
separadamente, Roosevelt identifica a existência de mais de 400 sítios, e
pondera que esse ainda seria um número pequeno perto do que realmente
existe:
“My own experience has been that each documented
Marajoara mound has near it three ou four unreported sites,
many of them modest habitation mounds of lesser elevation.
Sighting from each substantial Marajoara mound, a person
can see in the distance in a 5-km radius around the site three
or four other substantial cemetery and habitation mounds,
many of them not recorded but known to the landowners and
tenant ranchers.”(R
OOSEVELT
, 1991:33).
A análise estratigráfica mostra que os registros de ocupação humana
se encontram na parte superior do mound, a 1,50-2,10 metros do topo (dados
sobre Fortaleza, a partir dos trabalhos de Farabee e de Meggers e Evans)
havendo, abaixo disso, solo estéril onde podem ser encontradas partes
inferiores de urnas enterradas a partir de níveis superiores (P
ROUS
,1992:482). A
ocupação é intensa e mostra relação de continuidade cultural entre os níveis.
Roosevelt registra uma ocupação de quase 1.000 anos para a Fase
Marajoara, indicando um padrão de assentamento estável, e a dividiu em
subfases, segundo critérios cronológicos e geográficos. Primeiramente
identificou a subfase Camutins, no rio Anajás, datada entre 400 e 700 AD. e a
subfase Pacoval, ao leste do lago Arari, datada de 700 a 1.100 AD. As
escavações posteriores em Teso dos Bichos, na região do Arari e em Guajará,
às margens do Anajás, mostraram duas subfases na seqüência às primeiras:
Subfase Teso, no Arari, com datação de 1.100 a 1.300 AD. e Subfase Guajará,
no Anajás, de 700 a 1.100 AD. Na tabela abaixo é possível visualizar melhor
esses dados, que mostram contemporaneidade entre as subfases Pacoval e
Guajará:
Rio Anajás
Camutins
400 -700 AD
Guajará 700 -1.100 AD
Lago Arari Pacoval 700 - 1.100 AD
Teso 1.100 - 1.300 AD
Os enterramentos são realizados em urnas de diversos tamanhos,
algumas vezes ricamente adornadas e outras vezes lisas; as decoradas
parecem ter sido feitas especialmente para a função a que se destinam. No
entanto, o fato de algumas estarem com as bordas quebradas indica que
podem ter sido utilizadas para estocagem de bebidas e posteriormente
utilizadas para o enterramento (F
ARABEE
1921 apud B
ROCHADO
1980 e
P
ALMATARY
1949). Percebe-se que nos níveis inferiores há o enterramento
secundário, com ossos muitas vezes pintados em vermelho, podendo estar
quebrados ou apenas desarticulados, ou ainda com o morto em posição
sentada, com a presença de uma tanga de cerâmica decorada. Para os níveis
superiores cresce em importância a cremação, em urnas menores. No entanto
essa espécie de evolução das práticas funerárias não se confirma com a
estratigrafia: os dois tipos de enterramento podem aparecer juntos. Em geral
cada urna contém apenas um indivíduo, à exceção de pequenas urnas da
Subfase Pacoval, que Anna Roosevelt observou conter diversos indiduos. Em
alguns casos havia ossos de animais, também pintados de vermelho.
Os enterramentos parecem estar agrupados no plano horizontal,
havendo espaços bastante extensos onde não se encontram urnas. No plano
vertical, existem extratos separados, freqüentemente em número de três, como
descobriu Steere em Pacoval do Arari, onde percebeu haverem diferenças
estilísticas entre os artefatos associados, estando no extrato inferior a cerâmica
mais importante.
34
Assim como Steere, Derby e Penna também observaram que as urnas
de níveis inferiores eram de melhor qualidade e sempre associadas a tangas
policrômicas, fato esse confirmado por Meggers e Evans mais tarde. P
ROUS
(1992:491) alerta para o fato de que essas diferenças podem ser acidentais,
havendo uma distribuição irregular dos tipos decorados no plano horizontal. A
idéia de que há uma involução nas atividades artísticas em direção ao final da
fase não é, contudo, uma unanimidade entre os autores. Tanto M
AGALIS
(1975)
35
quanto R
OOSEVELT
(1987) concluíram que a cultura torna-se mais
elaborada e complexa com a passagem do tempo.
Roosevelt observa que o fato de as urnas estarem bem conservadas -
uma vez que a pintura é solúvel em água e poderia ter desaparecido, tratando-
se de uma região com intensa e sazonal precipitação pluvial - indica que os
enterramentos podem ter sido feitos sob templos, que abrigariam ídolos e os
corpos de ancestrais, preservando, com essa cobertura, as urnas da
degradação natural a que estariam predispostas. É uma hipótese bastante
plausível, corroborada pelos relatos sobre as práticas rituais da várzea. Além
disso, é conhecido o fato de que os índios Cuna, do Panamá, construíam
pequenas cabanas sobre as sepulturas e enterravam os mortos enrolados em
uma rede, juntamente com os utensílios domésticos, prática essa relatada por
L
INNÉ
(1929).
36
As diferenças relatadas dão conta de que, enquanto na parte mais
antiga da seqüência é predominante o enterro secundário, mais recentemente
cresce em freqüência a prática da cremação. As urnas então passam a ser
menores e menos decoradas e não se encontram mais tangas como antes.
M
AGALIS
(1975) e W
EBER
(1975)
37
observaram diferenças entre as
formas das vasilhas em diferentes sítios, não relacionadas com as diferenças
reportadas por Meggers e Evans à função supostamente cumpridas pelos sítios
(habitação/cemitério). Principalmente os vasos provenientes de Pacoval
mostram diferenças em forma e estilo não encontradas em outros sítios.
34
S
TEERE
(1877), citado por P
ALMATARY
, 1949.
35
Magalis, em Tese de Doutorado defendida em 1975 (M
AGALIS
, Joanne Evelyn. A Seriation of some
Marajoara painted anthropomorphic urns) trabalha a seriação em urnas antropomórficas a partir de
coleções de museus. Não foi possível obter o original para leitura, e conhecemos seu trabalho através de
B
ROCHADO
(1980) e
R
OOSEVELT
(1989, 1991).
36
Apud
M
EGGERS
e E
VANS
(1957:401).
37
Apud B
ROCHADO
, 1980.
Foram encontrados diversos objetos e vasilhas cerâmicas associadas
aos enterramentos, como pratos, vasos menores, cachimbos, fusos, estatuetas,
miniaturas, instrumentos musicais, “tinteiros”, além de adornos e das
conhecidas pedras verdes (muiraquitãs). A quantidade e qualidade dos objetos
variam nos enterramentos. As tigelas dispostas ao lado das urnas podem ter
contido oferendas. Meggers e Evans observam que os ossos de animais como
mamíferos, pássaros e jacarés encontrados também podem ter ligação com
essas oferendas.
As tangas podem estar presentes junto ou sob os ossos, na base da
urna ou ainda do lado de fora. Grandes urnas não decoradas podem estar
presentes abrigando urnas menores e decoradas. Muitas urnas são cobertas
com pratos ou tigelas invertidos, podendo estes estar sobre a borda ou
introduzidos no gargalo do vaso. Varia entre os sítios o tipo de material
associado com os enterramentos.
É bastante curiosa a ocorrência de tangas cerâmicas associadas aos
sepultamentos. Elas são encontradas freqüentemente no fundo da urna, sob os
ossos; em casos de enterramentos sem urnas elas também podem aparecer
associadas ao esqueleto. As tangas são mais freqüentemente associadas com
esqueletos masculinos, que foram examinados em maior quantidade, apesar de
esqueletos femininos também terem sido encontrados. O uso etnográfico de
tangas cerâmicas parece reduzir-se ao caso das tribos Panoan, no Rio
Uacayali, onde moças devem usá-las por ocasião de um rito encenado no início
da puberdade (S
TEWARD
e M
ÉTRAUX
, 1948 apud M
EGGERS
e E
VANS
, 1957).
Os ossos dispostos nas urnas parecem ter sido envolvidos por algum
tipo de matéria orgânica, o que é observado por diversos autores. Poderia ser
uma planta ou material fibroso (R
OOSEVELT
, 1991:51).
Tanto adultos quanto crianças são enterrados em urnas. A análise
osteológica das coleções em museus, relatada por R
OOSEVELT
(1991) revelou
diferenças quanto à estatura dos indivíduos, havendo homens fortes e bastante
altos e outros indivíduos menores, com saúde mais fraca e provavelmente um
reduzido acesso a nutrientes. Foram constatadas doenças como osteoporose e
artrite (mulher proveniente de urna lisa, em Pacoval) e outras relacionadas com
deficiência nutricional, não sendo detectadas doenças relacionadas com o
trabalho agrícola. Não é possível determinar, segundo a autora, se estas
diferenças sócio-econômicas seriam devidas a posições hierárquicas dos
indivíduos na sociedade ou diferenças de status entre grupos. O estudo dos
traços morfológicos mostrou uniformidade genética na população como um
todo. Diversos crânios masculinos apresentavam deformação fronto-occipital,
prática difundida entre os Omágua que viviam às margens do Rio Negro à
época da conquista.
38
Entretanto, a amostra estudada, como os próprios
autores admitem, é pequena e mal documentada, havendo a necessidade de
estudos mais sistemáticos que levassem em conta diversas outras variáveis
para que se pudesse traçar um quadro mais preciso a respeito do padrão físico
e biológico Marajoara.
A partir do levantamento realizado em Teso dos Bichos, Roosevelt
concluiu que o padrão de ocupação deveria ter sido o de várias casas comunais
dispostas em torno de uma área central aberta. As casas seriam retangulares e
com orientação leste-oeste. Sua interpretação a partir das anomalias geofísicas
constatadas, entretanto, parece ser um tanto forçada, dando margem a críticas:
“Although profile cuts along the mound perimeter exposed
edges of house floors and several hearth groups, no area-
wide excavations were done to define a domestic unit. There
is not a single plan map of one house. Instead, Roosevelt
equates the extent and configuration of magnetic anomalies
as being accurate reflections of the shape and size of
houses, an interpretation unsuported by excavated data.”
(BARSE, 1993:374)
A partir do pressuposto de que as casas representadas pelas
anomalias seriam contemporâneas, Roosevelt estimou uma população de 1.000
pessoas, apenas para Teso dos Bichos. Baseada nos dados publicados a
respeito de outros sítios, a arqueóloga calcula, então, uma população de
100.000 a 200.000 pessoas para todo o domínio Marajoara, o que significaria 5
a 10 pessoas por km
y
em toda a área de 20.000 km
y
de ocupação. E ainda,
considerando os sítios conhecidos como uma fração dos que realmente
existem, pode ter havido uma população de um milhão de pessoas, com uma
densidade de 50 pessoas por km
y
. A autora argumenta que esta estimativa
está de acordo com os relatos etnohistóricos para a população que habitava a
várzea amazônica no mesmo período.
O tipo de alimentação utilizada pelos Marajoaras é assunto bastante
controverso. Foi comprovado o consumo de peixes pequenos e caça de
pequeno porte na dieta; os peixes maiores, como o pirarucu aparecem
38
A prática desse tipo de deformação craniana é bastante difundido em diversas regiões, tendo sido
identificada etnograficamente entre os Quijo, os Awishira, tribos do Ucayali, (Steward e Métraux, 1948),
os Omágua, os Tiatinagua (Métraux, 1948), os Peban e tribos Tupian da Montaña (Steward, 1948), tribos
ao norte do Orinoco (Kirchhoff, 1948), certas tribos das Guianas (Gillian, 1948), os Pijao, na Colômbia
(Hernández de Alba, 1946) e tribos da costa do Equador, como os Palta e Esmeralda (Murra, 1946). Apud
M
EGGERS
e E
VANS
, 1957.
relacionados com a cerâmica cerimonial e devem ter sido usados apenas em
banquetes especiais. Com razão, o projeto Radam (B
ROCHADO
, 1980:44)
concluiu que apenas a caça e a coleta não seriam suficientes para sustentar
uma cultura no nível alcançado pela Marajoara, e que portanto deve ter havido
alguma espécie de agricultura produtiva. Os pesquisadores observaram a
existência de arroz selvagem na Ilha, que pode ter sido consumido nos tempos
pré-históricos. Entretanto, não há indicação de que o milho ou a mandioca
tenham sido cultivados em grande escala. Roosevelt identifica a presença de
algo que seriam sementes de milho junto aos resíduos carbonizados de plantas,
mas pondera que só estudos ósseos químicos futuros poderão determinar sua
importância na dieta:
“The rarity of maize and the human bone chemistry suggest
that maize was only and acessory crop, perhaps used for
making beer for cerimonies.” (R
OOSEVELT
, 1991:379)
B
ROCHADO
(1980) sugere que as condições na Ilha permitiriam o
cultivo
39
de culturas comuns como do milho, da batata-doce, mandioca, feijão,
amendoim, abóbora, urucu, genipapo, caju, abacaxi, mas principalmente do
arroz, que existe atualmente em forma selvagem. A questão da potencialidade
agrícola dos solos, pode ser vista sob dois prismas: de um lado temos os
estudos teóricos, que se debateram durante um certo tempo discutindo se os
solos seriam ou não férteis; por outro, a prática indígena da agricultura, que às
vezes subverte a teoria, mostrando a possibilidade de cultivos em solos nem
tão bons assim. No caso de Marajó, sabe-se que deve ter havido alguma
espécie de agricultura produtiva, pois de outra forma não se explicaria a
existência de assentamentos de tão longa permanência. Resta, de qualquer
forma, o problema da falta de comprovação empírica. Enfim, até que estudos
mais conclusivos sejam desenvolvidos, permanece insolúvel a questão sobre o
tipo de economia desenvolvida com vistas a sustentar o nível de complexidade
cultural observado para a Fase Marajoara.
A existência de relações comerciais entre os Marajoaras e outras tribos
é atestada pela existência de instrumentos líticos feitos a partir de matérias-
primas inexistentes na Ilha, como rochas ígneas e metamórficas. Trazidas de
muito longe, estas pedras foram encontradas em forma de machados, martelos,
moedores, trituradores e outros implementos. P
ROUS
(1992:490) afirma que
teria havido exportação de cerâmica para as ilhas setentrionais. Os muiraquitãs,
39
O autor conclui isso a partir de imagens de SLAR, mas considera que o relevo efetivo parece muito
pequeno para o controle hidráulico imaginado por Roosevelt.
pedra verde-acinzentada, chamada jadeíte, amuletos característicos dos
Tapajós, na região de Santarém, foram encontrados por Carlos Quadrone em
Panellas, 1929. Outros autores também citam as pedras verdes. Heloísa
Alberto Torres encontra, em 1930, machados de diorite, material que não existe
em Marajó; também reporta que cerâmica semelhante a de Marajó teria sido
achada nas vizinhanças do domínio Tapajó.
40
Além das evidências
proporcionadas pela arqueologia, os relatos etnohistóricos são pródigos em
citações ao intenso comércio existente entre as tribos amazônicas à época da
conquista, havendo referências quanto à existência de caminhos e pousadas
construídos especialmente para os viajantes que se deslocavam
periodicamente de uma região à outra.
(P
ORRO
, 1987:2)
Algumas evidências arqueológicas nos parecem hoje incontestáveis: de
que uma população bastante numerosa, responsável provavelmente pela
construção dos gigantescos aterros, teria habitado a parte centro-leste da Ilha
por mais de novecentos anos; que teria havido alguma espécie de hierarquia
social tendo em vista a diversidade verificada nos sepultamentos; que essa
população utilizava-se de práticas rituais diversas e que essas práticas tinham
grande importância na vida social; que haveria especialização do trabalho; que
há uma continuidade no desenvolvimento diacrônico na Fase Marajoara, ainda
que tenham havido mudanças significativas com relação às práticas culturais.
Muitos pontos são controversos, em parte pelas dificuldades de
pesquisa, pela falta de um controle estatístico nos registros, pelas amostras
pouco representativas. Não se sabe de que os índios Marajoaras viviam: há
vestígios de consumo de animais aquáticos, como peixes muito pequenos.
Roosevelt pensa que podem ter sido utilizados canais para controle hidráulico,
visando o cultivo de sementes, como o milho, entretanto isso não está
comprovado, uma vez que construções desse tipo não foram encontradas.
Meggers e Evans consideraram que a falta de alimentos teria levado à
degeneração cultural e seu desaparecimento; no entanto, o fato de essa
população ter tido um longo período de permanência na região contradiz essa
hipótese, pois não há decadência que dure 900 anos.
Roosevelt defende a tese de que o tipo de organização sócio-política
Marajoara seria típica dos cacicados, amparada no registro arqueológico e
analogias com outras sociedades complexas do período pré-conquista nas
Américas. Uma análise mais detalhada de sua argumentação em
Moundbuilders of the Amazon (1991) comprova que a própria autora admite que
40
Ambos autores mencionados por P
ALMATARY
, op. cit.
os dados existentes não são suficientes para comprovar a existência do modelo
cacicado em Marajó:
“We have observed in the Marajoara domain apparent site
size hierarchies and functional differences between sites that
would tend to accord with chiefly organization, as would the
physiological variability of Marajoara people. However, as
discussed, there is as yet no specific evidence that there
were socioeconomic strata or paramount chiefs.”
(...)
“Thought the Marajoara society shows considerable evidence
of socioeconomic differentiation of some kind, as yet there is
no clear evidence for the existence of central political roles.”
(R
OOSEVELT
, 1991:95).
Apesar disso, em diversos artigos (1987, 1989, 1992), a autora sustenta
a tese da existência dos cacicados em Marajó durante a Fase Marajoara. A
discussão a respeito da organização político-social na Fase é importante e para
ela podem contribuir principalmente o estudo da linguagem simbólica e
iconográfica da arte. Por isso vamos examinar a seguir o conceito de cacicado
e como ele vem sendo trabalhado pelos arqueólogos.
Utilização arqueológica do modelo analítico “cacicado”
S
ANOJA
y V
ARGAS
(1987:201) apontam os cacicados como sendo a
forma de organização social característica das sociedades tribais em grande
parte da América do Sul no período que antecedeu a conquista espanhola. À
parte as especificidades regionais, algumas características básicas são
apontadas como essenciais para identificar essa nova forma de organização
que assumem as comunidades em crescimento demográfico.
Na passagem de uma modo de vida comunal à dos cacicados, as
relações de parentesco adquirem importância para o estabelecimento de uma
rede político-social hierárquica relacionada com a divisão e especialização
social do trabalho antes desconhecidas. S
ERVICE
(1962, apud Y
OFFEE
, 1994)
classifica os cacicados como “sociedades de parentesco”, onde o status é
determinado pela genealogia, com a existência de clãs cônicos, com membros
que ocupam posições relativas à distância geracional que mantém dos
ancestrais, verdadeiros ou mitológicos. A hierarquia se estende para além do
domínio da aldeia, estabelecendo-se relações de subordinação entre aldeias e
entre essas e uma aldeia principal, residência do chefe do clã mais importante.
Invariavelmente imbuído de poderes deísticos, o cacique principal
coordena uma rede de caciques a ele subordinados que apropriam-se, em
nome do interesse comum, do excedente produzido nas aldeias. Através da
estocagem de alimentos, da produção de bens suntuários por uma elite
especializada e da apropriação da terra estabelece-se o poder do grande
senhor e de sua linhagem, uma vez que controlarão a redistribuição dos
alimentos e as práticas religiosas e rituais que legitimam o status quo.
F
RIED
chama essa organização de “una red distributiva superfamiliar,
em que pessoas são encarregadas de funções dentro da rede, o que vai
ocasionar status diferenciado entre elas; o número de pessoas imbuídas de
posição privilegiada depende da complexidade da rede. Isso não significa, para
o autor - que ensina a identificar arqueologicamente esse tipo de sociedade -,
privilégio econômico:
“(...) debe declararse en justicia que los status redistributivos
centrales están asociados a bullicio, plumajes y otros
adornos de la función. Estas personas se sientan en
banquillos, tienen grandes casas y son consultadas por sus
vecinos. Sus roles distributivos los colocan automaticamente
al frente de la vida religiosa de la comunidad. Sin embargo,
están también en esta posición a causa de su status de
parentesco central como jefes de linajes, clan o tribus”.
(F
RIED
1979:138 apud T
OLEDO
y M
OLINA
, 1987: 194).
A forma de estratificação dos sítios, para P
RICE
(1957, apud T
OLEDO
y
M
OLINA
, 1987), permite identificar sociedades igualitárias de sociedades não-
igualitárias, pela diferença de arquitetura e artefatos associados. Entretanto ele
lembra que não há necessariamente diferenciação arquitetônica na casa dos
caciques, havendo apenas, nestas, um maior acúmulo de bens suntuários.
A redistribuição enquanto uma característica clássica para identificação
dos cacicados tem sido, segundo Y
OFFEE
(1994:6/7) descartada por diversos
autores (Timothy Earle 1977-78, 1987, Jonhson e Earle 1987, Peebles e Kus
1977), que demonstraram, no caso do Havaí pré-histórico, que as comunidades
básicas podiam suprir seu próprio sustento e a arrecadação desses produtos
era realizada apenas para ocasiões cerimoniais. A redistribuição, enquanto
característica distintiva, foi substituída pelo conceito de unidade política
regional, que toma o lugar da unidade local antes predominante.
O cultivo da terra aparece como base econômica do sistema acima
descrito; se não se pode falar em propriedade privada da terra, a consideramos
como sendo um patrimônio sob a gerência do cacique principal. A estratificação
social determina diferenças no acesso aos bens suntuários e aos papéis em
rituais religiosos; estes, por sua vez, reforçam e institucionalizam essa
estratificação crescente.
O processo de dissolução da sociedade igualitária parece estar ligado
ao acesso restrito a determinados recursos que, em dado momento, tornaram-
se limitados por força de fatores demográficos e ecológicos. Essa limitação
imposta pelo meio pode demandar uma organização centralizada com vistas a
erigir obras públicas de vulto no interesse da sobrevivência de toda a
comunidade. Nesse processo de organização centralizada da força de trabalho
estabelece-se o poder político de terminados clãs que não mais abdicam de
seus privilégios.
Diversas formas de modificação artificial do ambiente natural estão
ligadas às formas produtivas e organizativas dos cacicados, como a construção
de canais de irrigação, diques, estradas, calçadas, aterros, plataformas. A
disposição das moradias assume também formas hierarquizadas em
consonância com as modificações na paisagem.
A Fase Guadalupe, na Venezuela, assim como a Marajoara, se
caracteriza por sítios encontrados sobre colinas artificiais; assim como no caso
de Marajó, existe homogeneidade cultural e integração política:
“La organización social de la Fase Guadalupe parece haber
estado basada en la existencia de unidades determinadas
por el parentesco consanguíneo, cada uma de las cuales
correspondía con un complejo de montículos. Es posible que
cada aldea tuviese su autoridad local, aunque la
homogeneidad cultural observable en todos los complejos de
montículos permite suponer la presencia de certo nivel de
integración sócio-política entre las aldeas de la
Fase”.(S
ANOJA
Y V
ARGAS
, 1974:117 apud T
OLEDO
y M
OLINA
,
1987: 190).
S
ANOJA
y V
ARGAS
(1987:207) vêem a Fase Guadalupe como uma
sociedade cacical tardia, assim como também identificam sociedades cacicais a
partir de diversos sítios-cemitério no Valle de Quíbor, também na Venezuela,
onde a estratificação social e divisão social do trabalho, constatadas a partir dos
padrões de enterramento e artefatos associados, são consideradas elementos
definidores essenciais e suficientes.
O modelo cacicado tem sido usado, amplamente, para classificar em
um estágio evolutivo diversas sociedades conhecidas mais amiúde
arqueologicamente e das quais se possui pouca ou nenhuma informação
etnográfica ou etnohistórica. Ainda que o registro arqueológico seja o mais
adequado para identificar grandes seqüências evolutivas, na combinação do
modelo com as características regionais os autores tendem a alargar as
possibilidades de aplicação do conceito, de modo que essa “elasticidade” em
relação à abrangência dessa categoria analítica faz questionar sua utilidade,
como bem assinalam
D
RENNAN
e
U
RIBE
(1987:XVIII).
Na identificação arqueológica dos cacicados, não raro os
pesquisadores se excedem e maximizam as evidências. Y
OFFEE
(1994:4)
pondera que
(...) a sabedoria antropológica recebida tem levado os
arqueólogos a rechear os registros materiais fragmentários
de uma organização social extinta por meio de uma analogia
etnográfica apropriada. O procedimento “arqueológico”
consiste em correlacionar uma ou mais características
centrais de um tipo etnográfico favorito com algum material
escavado; o arqueólogo pode, então, extrapolar todas as
características restantes do tipo e trazer à luz, dessa forma,
as dimensões de uma realidade antiga que não podem ser
observadas diretamente.
Em artigo de 1993, Kelley Ann Hays
41
discute três casos concretos de
sociedades agrícolas não-estatais em que a agregação foi acompanhada por
um incremento do trabalho investido na confecção de objetos artísticos. A
autora propõe que a intensificação dessas atividades estava relacionada com a
necessidade de organizar e manter unidos grandes contingentes populacionais
na ausência de uma estratificação social:
“Visual art in such communities mark different social groups
that are cross-cutting rather than hierarchically ranked. The
larger significance of this proposition is that changes in
patterns of stylistic and ritual activity over time reflect
changing configurations of social, economic and political
power.” (H
AYS
, 1993:81).
As três sociedades analisadas por Hays (Período Tisza, na Planície
Húngara, entre 5.000 e 4.600 a.C.; Çatal Hüyük, na Anatólia, entre 6.500 e
41
H
AYS
, Kelley Ann. “When is a symbol archaeologically meaningful?: meaning, function and prehistoric
visual arts”. In: Y
OFFE
, N
ORMAN
e S
HERRATT
, Andrew (eds.) Archaeological theory: who sets the
agenda? New York, Cambridge University Press, 1993.
5.700 a.C. e Pueblo IV, no Arizona e Novo México, entre 1.300 e 1.500 A.D.)
apresentavam em comum o fato de habitarem sítios agregados, maiores em
tamanho do que os antecedentes nas regiões, implicando também em uma
população de proporções não conhecidas antes; estava presente o comércio a
longas distâncias, um crescimento qualitativo e quantitativo da decoração
artística e complexificação das atividades rituais. Apesar de haver evidência de
especialização do trabalho, no que tange às atividades artísticas, indícios de um
acesso diferenciado aos produtos trazidos pelo comércio e existência de
lideranças religiosas, em nenhum dos casos há boas evidências de
estratificação social. A autora apresenta os exemplos acima com o intuito de
discutir em que medida as mudanças na organização social e política se
refletem na atividade artística e que condições determinam, em cada
sociedade, um crescimento do investimento nas atividades artístico-simbólicas.
Nos três exemplos, temos grandes comunidades agrícolas, onde
existem estruturas de estocagem associadas a contextos domésticos, não
havendo evidências de estocagem central e pagamento de tributo a autoridade
central. Os objetos rituais não estão concentrados em templos nem evidenciam
um controle centralizado da religião, assim como os enterramentos não estão
associados com cemitérios formais. Hays observa que, apesar de alguns
enterramentos apresentarem mais oferendas do que outros, essas oferendas
são principalmente ferramentas ou objetos de cerâmica, em proporções
reduzidas, apenas relativas ao indivíduo enterrado. Além disso, em
enterramentos mais modestos também existem oferendas.
J
OHNSON
(1982, apud H
AYS
1993) apresenta uma teoria a respeito do
desenvolvimento de hierarquias sociais, denominada “scalar stress theory”.
Segundo Johnson, o aumento populacional e conseqüentemente a necessidade
da tomada de decisões que envolvam uma grande comunidade causa stress
nos indivíduos envolvidos. Pode desenvolver-se, então, uma hierarquia vertical,
quando um dos grupos, provavelmente de uma linhagem mais antiga, consolida
seu poder através de um controle de recursos, matrimônio ou por desempenhar
funções de liderança em algum episódio particular. Se essa estrutura não se
desenvolve, o grupo pode se fracionar em pequenas comunidades, onde o
consenso é mais facilmente obtido. A partir dessas pequenas comunidades se
estabelece o que o autor chama de “sequential or horizontal hierarchies”, onde,
através de representantes das comunidades, pode-se estabelecer a união do
grupo maior em nome de interesses comuns. Os rituais cumpririam um papel
importante na organização dessa hierarquia horizontal.
É fácil de entender que as atividades artísticas são importantes nesse
tipo de organização social, uma vez que a decoração dos objetos estabelece
identidades e papéis entre os membros do grupo, que se expressa nas suas
roupas, utenlios de caça, vestimentas e paramentos rituais etc. Não só essa
arte e a atividade ritual são importantes no processo de constituição dessa nova
organização social, mas também são fundamentais para mantê-la durante o
tempo em que for necessário. Os rituais vão cumprir o papel regulador das
relações entre os diferentes grupos étnicos ou clãnicos.
No primeiro caso estudado por Hays, buscado no estudo feito por
S
HERRATT
(1982)
42
sobre a seqüência entre o sexto e o quinto milênio a.C. na
Planície Húngara, nos Cárpatos, há três períodos, onde o segundo, o apontado
acima, apresenta um florescimento das atividades artísticas e rituais em
contraste com a “decadência” observada no período seguinte. O autor propõe
que isso não significa necessariamente uma involução, mas simplesmente que
não haveria mais necessidade ou interesse em investir tanto tempo na
produção de objetos artísticos e rituais, devido a mudanças na orientação
econômica, que não demandariam mais uma centralização ou organização de
forças intercomunidades.
Hays conclui que nem todas as sociedades experimentam um aumento
na diferenciação das instituições e um desenvolvimento de hierarquias verticais
relacionada com aumento populacional e conseqüente aumento do tamanho do
assentamento. Existem provavelmente diversas outras trajetórias evolutivas
possíveis e que a diversidade na organização humana é maior do que as
categorias utilizadas na classificação tradicional evolucionista, como bandos,
tribos, cacicados e estados.
O determinismo ecológico por muito tempo impediu que se percebesse
para a Amazônia a possibilidade do desenvolvimento e manutenção de
sociedades complexas. No final da década de 70, vários autores (L
ATHRAP
,
1972, 1974; D
ENEVAN
, 1976, H
EMMING
, 1978 apud B
ROCHADO
1980) passaram
a questionar a idéia de que os solos amazônicos seriam pobres em nutrientes
por causa das pesadas chuvas e o forte calor, uma vez que sabia-se dos
grandes assentamentos populacionais que existiram à época da conquista e
concluíram que alguma espécie de agricultura produtiva deveria ter-se
desenvolvido; por outro lado, começava-se a pensar na Amazônia como o
42
S
HERRATT
, Andrew. Mobile Resources: Settlement and Exchange in Early Agricultural Europe. In
Ranking, Resource and Exchange: Aspects of the Archaeology of Early European Society. edited by C.
Renfrew and A. Seherratt, pp. 13-26. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
berço das culturas cerâmicas na América. Com relação a Marajó, a semelhança
com os solos da Bacia Amazônica foi salientada por Brochado (1980: 50/54):
“In some measure, the quite unique environment of Marajó,
specially the kind found east of lake Arari, can be compared
to an enormously enlarged várzea, situated not between a
river and the terra firme, but between two rivers - the Amazon
and the Rio Pará.
Popenoe (1966:13) says that the best soils in the tropics are
new soils - those in areas of recent volcanic activity or those
of the large river deltas, including the várzea soils. Since the
largest expanse of várzea in all the Amazon basin is
constituted by Marajó, and as the várzea soils are the most
fertile and easily worked, it is not surprising that Marajó
should have atracted and sustained a large and dense
population, and the Marajoara pottery is the most visible proof
of this.”
Em 1983, Roosevelt e sua equipe passam a desenvolver
sistematicamente escavações e surveys em Marajó e no Baixo Amazonas.
Contrapondo-se à teoria de Meggers e Evans a arqueóloga observa que
“Marajo is a tropical savanna and gallery forest flood-plain,
not an upland tropical rain forest, and the productive potential
of its alluvial soils is high”. R
OOSEVELT
(1991:131)
Essa questão permanece ainda objeto de muita controvérsia, mas
parece-nos que hoje as atenções devem-se voltar para a observância de outros
fatores. A discussão sobre a produtividade dos solos e a possibilidade de
existência de sistemas de controle hidráulico para exploração intensiva da terra
passa a ser menos importante quando se prioriza a leitura das evidências
arqueológicas.
A Fase Marajoara apresenta um quadro em que há um grande
contingente populacional, de proporções urbanas, congregado em alguma
forma de organização sócio-política em um extenso território, mantendo-se
assim por centenas de anos. A construção de mounds, vários metros mais
elevados do que o nível das cheias exigia, evidencia, por um lado, a
necessidade de defesa e fortificação e por outro o fato de que milhares de
trabalhadores estiveram envolvidos em sua construção. Os padrões de
enterramento significando diferenciação social e a cerâmica policrômica
indicando a existência de uma elite de artesãos especializados, são
características que, somadas às acima descritas constituíram-se nas evidências
necessárias para que se inferisse a existência de um modo de organização
cacical para a fase.
Roosevelt defende a existência de cacicados complexos enquanto
forma de organização político-econômico social predominante na várzea
amazônica à época da conquista e estende o modelo à Fase Marajoara, à qual
confere anterioridade:
“(...) appears to be one of the earliest complex chiefdoms in
Amazonia”. (R
OOSEVELT
, 1987: 162).
Ao examinarmos certas condições necessárias para que se estabeleça
como válida a hipótese da ocorrência do cacicado de Marajó, concluímos que,
com os dados de que dispomos atualmente, essa hipótese não se concretiza.
As famosas obras públicas, características para esse tipo de sociedade,
se restringem no caso de Marajó aos mounds, não havendo sinais de diques ou
canais de irrigação, tampouco calçadas ou outras construções que
demandassem o envolvimento de muitos trabalhadores
43
.
Também seria uma característica dos cacicados a existência de um
chefe principal, para quem os chefes locais pagariam tributos recolhidos entre
os comuns. Esse mandatário maior se encarregaria da redistribuição de
alimentos e seu controle e estocagem. Não foram encontrados em Marajó
evidências de que grandes quantidades de alimentos fossem estocados, já que
nem a existência do cultivo é comprovada diretamente. Assim como residências
principais ou uma grande residência principal também não foi detectada. Tanto
a redistribuição como a unidade política centralizada não parecem estar
presentes se nossas inferências se restringirem aos dados arqueológicos
existentes.
A argumentação relativa à falta de pesquisas sistemáticas na Ilha e a
conclusão clara de que há muito a descobrir ainda serve a que não se possa
chegar a conclusões definitivas com relação à questão da organização sócio-
política na Fase Marajoara. Concordamos que existem muitas frentes de
pesquisa que precisam ser levadas adiante, ao mesmo tempo em que
pensamos que as poucas evidências arqueológicas existentes apontam
definitivamente para outras direções, mais possíveis e plausíveis, e que
passam ao largo do elástico conceito de cacicado.
43
R
OOSEVELT
(1991) apresenta indícios duvidosos da construções de canais de irrigação, que podem ter
causa natural.
Conclusões do Capítulo
Nesse capítulo procuramos reunir, de maneira breve e sistemática, os
dados que se possui sobre a Fase Marajoara, a partir de crônicas escritas à
época da conquista e do material arqueológico obtido e acumulado em 120
anos de pesquisas na Ilha.
Na segunda parte entabulamos uma discussão a respeito das formas
organizativas que pode ter assumido a sociedade Marajoara, trazendo à tona as
hipóteses levantadas e as teorias formuladas pelos arqueólogos, confrontando-
as com construções teóricas elaboradas a partir de realidades similares.
Pretendemos, com isso, não só estabelecer uma base empírica para o que
colocaremos no capítulo seguinte sobre a arte cerâmica Marajoara, mas
contribuir de maneira construtiva para o futuro da investigação arqueológica em
Marajó.
O levantamento das crônicas etnohistóricas mostrou ser de pouca
utilidade para a elucidação dos problemas que se colocam para a fase. De
grande relevância, são, contudo, as referências sobre a várzea amazônica,
como quanto à extensão dos assentamentos e o enorme contingente
populacional que a habitava no início do século XVI. As semelhanças
ecológicas entre a várzea e os campos alagados de Marajó tornam as
observações etnohistóricas a respeito dos padrões alimentares, atividades
ligadas à subsistência como a caça, pesca, coleta e agricultura, atividades
rituais e a produção de utensílios cerâmicos, líticos e bens suntuários preciosas
para que se possam traçar paralelos com Marajó. Assim sendo, as informações
sobre as demais culturas amazônicas servem de parâmetro para a elaboração
de hipóteses a serem testadas através do registro arqueológico.
Os cronistas relatam que havia uma grande densidade demográfica e
um sistema de exploração do meio ambiente bastante desenvolvido, que
permitia a estocagem de gêneros alimentícios diversificados. Não só os
recursos naturais eram bem aproveitados, em relação ao que proporcionava a
caça e a coleta, como uma agricultura planejada e em larga escala também
deve ter sido uma realidade. Nos relatos não se encontram detalhes sobre a
produção agrícola; no entanto os indícios são de que deve ter havido uma
organização para a produção agrícola com algum nível de sofisticação,
provavelmente com controle hidráulico.
As referências sobre a existência de grandes chefes regionais supõe
alguma espécie de estratificação social que, provavelmente, não se daria pelo
exercício de um poder coercitivo, uma vez que as tribos pareceram, aos
viajantes, pacíficas e não houve contato entre estes e os supostos caciques ou
“principais”. As fortificações mencionadas podem estar ligadas a práticas
guerreiras eventuais ou simplesmente à necessidade de escapar das cheias
dos rios; outra possibilidade é de que fossem construções especiais para
abrigar templos religiosos.
Pelos relatos percebe-se que a existência da cerâmica policrômica é
uma realidade em todo o trajeto pelo Amazonas e que a atividade ceramista
está também ligada à produção de vasilhas utilitárias para o comércio. A
existência da atividade comercial contumaz resta claramente comprovada e vai
de encontro à idéia de que existia uma economia complexa, de âmbito inter-
regional.
Esse intenso comércio inter-regional explica a ocorrência, nos sítios, de
materiais líticos estranhos à geologia de Marajó, como diorite, nefrite e diversos
tipos de rochas ígneas e metamórficas transformadas em implementos,
utensílios e adornos. É, portanto, razoável supor que a mesma via utilizada para
importar o lítico tem sido usada para exportar cerâmica, principal produto
produzido em Marajó e que tinha qualidade suficiente para ser desejado por
outros mercados.
A cerâmica Marajoara encontrada em diversos pontos da Amazônia e
que serviu para comprovar a teoria da migração de Meggers e Evans poderia
ter sido objeto desse intercâmbio regional, se ficar comprovado que se trata
realmente de cerâmica Marajoara e não apenas cerâmica policrômica
semelhante. Há que se considerar que, vistos isoladamente, certos tipos
cerâmicos policrômicos são muito parecidos, mas o conjunto não é igual. Além
disso, juntamente com o lítico, a ilha pode ter sido abastecida de grãos, como o
milho, e de mandioca, em épocas em que o cultivo não tenha sido muito
pródigo. Trocas entre o interior e a costa sudeste da ilha, onde a mandioca é
cultivável, são alternativas possíveis. É uma hipótese a ser testada, assim como
outras relacionadas à agricultura, uma vez que a questão da subsistência em
Marajó nos tempos pré-históricos ainda é bastante nebulosa.
A questão sobre a origem das culturas cerâmicas em Marajó ficou
resolvida através das datações realizadas não só na Ilha como no Continente,
que atestam a antigüidade das culturas cerâmicas na Bacia Amazônica.
Futuras pesquisas em sítios arqueológicos na região do baixo Amazonas
poderiam estabelecer mais precisamente linhas migratórias ou de influência e
intercâmbio cultural entre as diversas regiões.
Ficou comprovado, a partir de datações de radiocarbono, a antigüidade
dos sítios da Fase Marajoara, caracterizada por ocupações sucessivas e
contínuas por um período não inferior a 900 anos. Os surveys e escavações
também indicaram uma ocupação bastante densa, em escala urbana. A
estimativa de Roosevelt sobre o contingente populacional para o domínio
Marajoara é possível, tendo em vista os padrões amazônicos da época, mas
não se sustenta em seus próprios dados, uma vez que se baseia em uma
hipótese sobre a ocupação humana em Teso dos Bichos multiplicada por
centenas de sítios não comprovadamente existentes e que não se sabe se
seriam contemporâneos.
A forma de agrupamento dessa população tão expressiva nos mounds
é algo que não ficou claro. Cada mound parece constituir uma aldeia, com
casas comunais dispostas ao redor de uma área central aberta, compatível com
padrões amazônicos atuais. O fato de existirem grupos de mounds agregados
permite supor uma distribuição espacial relacionada com diferenças clãnicas
e/ou hierárquicas.
Os dados a respeito dos sítios situados em mounds mostram que o
cemitério se encontrava ligado às moradias, não havendo separação entre sítio-
cemitério e sítio-habitação. Os possíveis sítios planos foram pouco investigados
e por esse motivo sua ligação com os sítios-mounds é obscura.
É possível que tenham existido templos sob os quais os mortos eram
enterrados, como foi observado entre os índios Cuna, do Panamá. A prática
dessas tribos de enrolarem os mortos em uma rede alerta para o fato de que
em Marajó os ossos possam ter sido envoltos previamente em tecido, que
poderia ser o material orgânico percebido por Roosevelt.
Não fica explícito no registro arqueológico a etiologia das diferenças
observadas nos tipos cerâmicos decorados e nos padrões de enterramento. Na
decoração cerâmica é patente haverem diferenças marcantes entre a cerâmica
de Pacoval e a de outros sítios. As diferenças nos padrões decorativos entre os
sítios podem representar diferenças clânicas, uma vez que a matéria-prima
utilizada é a mesma. Uma análise cuidadosa de amostras cerâmicas coletadas
em extratos sincrônicos nos diversos mounds poderia testar essa hipótese. Os
padrões de enterramento parecem variar diacronicamente; no entanto, um
estudo sistemático poderia ser feito para determinar se as diferenças são
observáveis de um sítio a outro e de que forma ocorrem.
A análise osteológica revelou diferenças entre os indivíduos quanto à
estatura e ocorrência de doenças. A amostra estudada, no entanto, é mal
documentada, o que reduz as possibilidades interpretativas para as diferenças
constatadas. Além disso, o fato de haverem poucos ossos de cada indivíduo
não permite que se faça uma verificação completa sobre a ocorrência de todas
as características a serem analisadas. Uma boa amostra a ser coletada poderia
trazer novas informações e possibilitar inferências mais seguras. Além disso, a
análise genética poderia constatar distâncias biológicas com populações de
outras áreas culturais amazônicas e esclarecer questões relativas à origem e
migrações dessas populações.
Pelos dados de que se dispõe, conclui-se que o padrão ósseo deve ter
sido o de uma população robusta, o que é compatível com as observações
etnohistóricas sobre a várzea. A prática da deformação craniana fronto-
occipital, comum a outras tribos amazônicas, como os Omágua, possibilita que
se pense em uma proximidade de práticas culturais e semelhanças de
cosmovisão com essas outras culturas. Esqueletos com aparência diversa
também encontrados podem ter sido de escravos trazidos de outras tribos, pois
sabe-se que a prática de conservar escravos domésticos era comum em
diversas tribos não só à época da conquista como em tribos amazônicas em
épocas mais recentes.
44
As diferenças observadas entre os esqueletos de
coleções de museus não serve a que se chegue a conclusões definitivas, uma
vez que não se trata de uma amostra confiável.
Tanto Steere quanto Meggers e Evans julgaram, através da decoração
cerâmica, que haveria um declínio tecnológico e cultural na seqüência
arqueológica, enquanto que Roosevelt e Magalis relatam justamente o
contrário. Uma boa tipologia aplicada à estratigrafia poderia solucionar esse
impasse ocasionado por amostras pouco representativas e provavelmente pelo
uso de tipologias inadequadas. Outras variáveis podem influir nessa questão e
devem ser consideradas com cuidado. É importante ter em mente que o início
da seqüência pode estar em sítios ou níveis ainda não prospectados ou
escavados.
A falta de um estudo tipológico e estratigráfico adequado com relação à
cerâmica ritual leva a que não se identifique momentos em que teria havido um
maior ou menor dispêndio de tempo, pessoal e recursos nas atividades
suntuárias e rituais não ligadas diretamente à sobrevivência. A decadência
44
No final do século XVII, praticamente todas as famílias Omágua tinham em casa um ou dois escravos,
que em períodos de abundância ajudavam a armazenar recursos; quando não eram mais necessários
podiam ser descartados (M
EGGERS
, 1971). Entre os Tupinambás do Maranhão também haviam escravos
que eram tratados como membros da família. No entanto essa tribo não tinha o costume de enterrá-los;
quando chegava a época certa os matavam e comiam em meio a grandes festividades. (d’
ABBEVILLE
,
1975).
observada por Meggers e Evans para o final da fase, se comprovada, não
denota decadência cultural na acepção vulgar do termo, mas simplesmente que
já não eram tão importantes para o grupo as práticas rituais antes
desenvolvidas, uma vez que se aceita que essas práticas cumpririam uma
função importante ligada à organização social e política.
Apesar de não ter sido identificada arqueologicamente a existência de
centralização político-administrativa para o domínio Marajoara, pode-se dizer
que deve ter havido alguma espécie de unidade política entre as comunidades
que habitavam os mounds. O registro da cultura material indica que havia uma
unidade cultural que deve ter sido engendrada por meio de práticas sociais,
econômicas e políticas absolutamente necessárias para a sobrevivência das
comunidades. Essa unidade política pode ter se dado através de hierarquias
horizontais, conforme a teoria de Johnson, e se realizaria por meio da
articulação entre os clãs, com vistas à necessidade de defesa e subsistência
econômica. A unidade dos clãs se consumaria e se reforçaria através de
práticas rituais apoiadas em uma mitologia e cosmovisão comuns. Os
momentos de menor complexidade ritual, observáveis pelas práticas funerárias
e pela decoração e confecção da cerâmica denotam momentos em que essa
unidade política era menos necessária e mais fluida. As diferenças observáveis
na forma e decoração de vasilhas entre os diferentes sítios mostra haverem
não só diferenças clãnicas, mas diferenças culturais importantes e reforça a
idéia de que havia a necessidade de costurarem-se alianças.
A produção de bens suntuários relacionados com rituais funerários e
festivos, assim como a constatação da existência de intercâmbio com outras
regiões, que pode ter sido desenvolvido de forma sistemática, denotam a
existência de grupos de pessoas que se especializavam no desempenho
desses papéis. Uma vez que não foi achada cerâmica decorada no contexto
doméstico, espera-se que ela tenha sido produzida por homens, entretanto
essa é uma hipótese não comprovada. A cerâmica cerimonial dos Shipibo-
Conibo, por exemplo, ricamente decorada, é produzida por mulheres instruídas
pelos xamãs, como colocado no capítulo 1.
O afrouxamento da unidade política com uma certa desarticulação entre
os clãs poderia ocasionar, nos momentos finais da fase, a falta de coesão
necessária para reprimir invasões. Algum tipo de migração progressiva pode
também ter ocorrido nesse momento. É difícil imaginar o final da fase como de
apogeu, uma vez que, quando da chegada dos europeus esta sociedade parece
já não mais existir. Alguma forma de desagregação social deve ter ocorrido
para explicar o fato de que nos séculos XVI e XVII diversas outras tribos
aparentemente não relacionadas com os Marajoaras habitassem a ilha, sem
guardar nenhuma relação com a cultura anterior.
B
ROCHADO
(1980) observa que a semelhança de formas entre as
vasilhas cerâmicas Marajoara e Tupinambá (800 A.D.) pode significar uma
ligação entre essas duas culturas. O autor observa que existem muitas
diferenças quanto à decoração, mas as formas são bastante semelhantes em
tamanhos e modelos, ainda que apenas um ou dois vasos sejam idênticos.
Semelhanças culturais como a prática da deformação craniana observada por
d’Abbeville entre os Tupinambás do Maranhão podem concorrer nesse
sentido.
45
No entanto, a análise genética seria o método mais adequado para
estabelecer paralelos entre essas duas culturas.
Muitas possibilidades e perspectivas têm sido apontadas para o
prosseguimento do trabalho arqueológico na Ilha de Marajó. Anna Roosevelt
teve o mérito de abrir muitas possibilidades para pesquisa arqueológica ao
aplicar o survey geofísico e realizar a flotagem da terra com sucesso em Teso
dos Bichos. No entanto, as hipóteses construídas nem sempre demonstraram
ter rigoroso apoio empírico. Entendemos que a hipótese da existência de
cacicados durante a Fase Marajoara não se sustenta pela leitura das evidências
arqueológicas e pela análise das condições necessárias apontadas pela
definição clássica do conceito. Por outro lado, se imaginarmos que pode ter-se
desenvolvido durante a Fase alguma espécie de cacicado, com características
próprias, não estaremos usando uma ferramenta analítica válida, pois ela não
fornece elementos para a compreensão das formas organizativas sociais e
políticas que caracterizaram aquela cultura.
A tentativa de estabelecer categorias a priori para definir e classificar as
sociedades humanas, colocando-as em posições previamente estabelecidas na
escala evolutiva com vistas a compará-las numa perspectiva hierárquica não
contribui definitivamente para um melhor conhecimento a respeito dos padrões
adaptativos e culturais desenvolvidos pelas sociedades nos diversos ambientes
ecológicos através do tempo. Ao contrário, é na compreensão das
especificidades e particularidades de cada cultura que reside a possibilidade de
ampliar nossos conhecimentos sobre o ser humano enquanto ser
eminentemente cultural.
45
Claude d’Abbeville não é claro quanto à natureza da deformação craniana que observou entre os
Tupinambás no início do século XVII: “O fato de terem, de costume, o nariz achatado, provém da prática,
comum às mães, de o deformarem no nascimento. Assim, também, entre nós, muitas ajeitam a cabeça
dos recém-nascidos para alongá-la, deturpando a natureza e trocando pela feiúra e indecência o que é
naturalmente bonito e decente.”(d’A
BBEVILLE
, 1975:210)
Além dessas considerações de ordem teórico-metodológicas, deixamos
nos parágrafos acima registradas nossas sugestões para futuras escavações,
em que um controle rigoroso da posição estratigráfica dos resíduos, aliada à
utilização de uma tipologia cerâmica adequada, poderiam proporcionar
excelentes resultados no sentido de testar novas hipóteses. No capítulo
seguinte, veremos como a análise da cerâmica em coleções de museus pode
servir para trabalhar os aspectos simbólicos da cultura e como esses se
relacionam com a organização social de sociedades arqueológicas.
Capítulo III
O estudo da coleção Tom Wildi
As questões colocadas para a investigação nos capítulos anteriores,
não só sobre o papel da arte indígena enquanto meio de comunicação e
instrumento de identidade étnica, mas também sobre o caráter mnemônico
dessa arte enquanto depositária de informações sócio-culturais, se constituíram
em pontos de referência para a condução do trabalho de análise dos utenlios
cerâmicos da Fase Marajoara. Essa análise se deu em dois momentos
distintos. O primeiro consistiu na eleição de uma amostra que deveria ser
minuciosamente trabalhada no sentido de obter dela a maior quantidade de
dados possíveis. Esses dados, que deveriam abranger as principais
características físicas visíveis, seriam posteriormente cruzados entre si, visando
revelar possíveis relações necessárias e provavelmente intencionais entre as
diversas características.
Em um segundo momento, após o trabalho de laboratório, foi priorizado
o estudo dos signos decorativos, no sentido de buscar a compreensão dessa
arte enquanto sistema de significação. Na última parte desse capítulo, após a
apresentação dos dados e da análise estatística realizada a partir do
cruzamento das diversas características decorativas dos utensílios, analisamos
as representações antropomórficas e zoomórficas, confrontando essas últimas
com os dados da fauna da região.
O entendimento da arte enquanto linguagem visual através da qual se
estabelece uma das formas de comunicação mais importantes dentro da
sociedade indígena levou a que se estudasse metodicamente os motivos
aparentemente geométrico-abstratos e se procurasse isolar possíveis unidades
mínimas de significação, a exemplo de trabalhos já citados no capítulo I, mas
principalmente apoiados pelos resultados das pesquisas de M
UNN
(1962,1966,1973) e L
ÉVI
-S
TRAUSS
(1975,1978,1987). Esse enfoque totalmente
inédito dentro do contexto dos estudos sobre a arte Marajoara é objeto de
dissertação no capítulo IV.
Foi utilizado o registro contido na bibliografia especializada
46
com
relação aos utensílios que se encontram em museus no Brasil, Estados Unidos
e Europa, uma vez que havia a necessidade de conhecer o tipo de material
que seria trabalhado. No entanto, o levantamento das representações e
estruturas significativas se deu somente entre os utensílios da coleção, para
não descaracterizar um dos objetivos dessa pesquisa, que é o de demonstrar
as potencialidades do estudo de uma coleção museológica.
A escolha de uma coleção museológica específica para um levantamento
exaustivo de informações para o estudo da iconografia da arte cerâmica
Marajoara apresentou-se desde o início como uma condição necessária para o
desenvolvimento dessa pesquisa, pois, se por um lado circunscrevia um
universo suficientemente amplo, mas bem delimitado, a ser trabalhado, por
outro possibilitava observar texturas, relevos e certas sutilezas da
representação plástica, o que não seria possível com material de livros ou
catálogos. As condições financeiras do projeto levaram à escolha da Coleção
Tom Wildi, por indicação de nosso orientador, Prof. Dr. José Proenza Brochado,
que soube da existência da coleção, então em depósito no Museu de
Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina, na cidade de
Florianópolis.
Constatou-se, inicialmente, que a coleção não se compunha apenas de
cerâmica Marajoara, apesar dessa ser predominante no acervo, mas de
diversas outras peças do artesanato indígena de Santarém e de regiões do
nordeste e do sul do Brasil. Como esses objetos não estavam catalogados, foi
necessário identificar o material de Marajó levando em conta a semelhança com
a cerâmica já conhecida através da bibliografia, tarefa não de todo difícil, uma
vez que o estilo Marajoara é bastante original. Todo o material havia sido doado
à Universidade pela família do colecionador após sua morte, ocorrida há alguns
anos atrás, obedecendo às suas próprias instruções.
No Brasil desde 1918, o arquiteto suíço Tom Wildi era um aficcionado
por objetos antigos e tinha uma predileção especial pela arte indígena
arqueológica. Com boa situação financeira, adotou por hobby organizar
anualmente viagens a lugares históricos, lendários ou exóticos, de onde trazia
objetos arqueológicos sempre que possível. Em uma das viagens ao Pará,
acabou conhecendo e estabelecendo uma sólida amizade com um fazendeiro,
suíço como ele, criador de búfalos na Ilha de Marajó. A partir dessa amizade e
de contatos posteriores com outros fazendeiros em Marajó, tomou
46
M
EGGERS
& E
VANS
(1957), P
ALMATARY
(1949),
T
ORRES
(1940), R
OOSEVELT
(1991),entre outros.
conhecimento da cerâmica que havia nos tesos da ilha e cujos padrões
decorativos, a ele, como arquiteto, muito interessava. Já naturalizado brasileiro,
justificava seu interesse com o argumento de que estava resguardando o
patrimônio nacional, uma vez que a cerâmica estaria sendo levado para fora do
país pelos americanos - “Os Evans”
47
.
Encontramos registro de uma de suas primeiras viagens à Ilha para
desenterrar os objetos indígenas, em 1954, ocasião em que teria ido ao Teso
Gentil, onde encontrou apenas cerâmica doméstica, muito quebrada, e ossos.
48
Não encontramos registros de todas as viagens, que teriam acontecido quase
que anualmente por um período de cerca de 20 anos. Em cada uma dessas
ocasiões chegava a demorar-se em média um mês na ilha, fazendo
explorações e coletando material que enviava por via aérea para Florianópolis.
Pela necessidade de espaço para o armazenamento de tantos objetos,
construiu um museu de 60m
y
nos fundos de sua casa, onde o material
permanecia exposto à visitação. Em carta à Napoleão Figueiredo, em 31/07/57,
comenta que toda a cerâmica trazida de Marajó estava classificada, com local
de procedência.
A classificação a que ele se referia provavelmente não resistiu aos anos
e ao abandono a que foi relegado o museu após a sua morte. Nos parece que a
cerâmica deve ter sido marcada com pequenas etiquetas adesivas, que caíram
com o tempo; as poucas que encontramos nas peças continham números hoje
sem nenhum significado. Após a morte de Tom Wildi, houve uma tentativa de
catalogar o material, levada a efeito por Elton Batista Rocha, então aluno do
Curso de Bacharelado em História da UFSC. No museu do colecionador e com
a ajuda da viúva, Maria Wildi, Elton identificou as peças através de croquis,
artigos para jornais e diário de campo
49
e numerou 903 delas, das quais 69 com
o sítio de procedência.
50
Em sua viagens, Tom Wildi fez amizade também com pessoas ligadas
ao Museu Goeldi, que conheceu em 1951, o que fez com que começasse a
estudar arqueologia com grande interesse. Em carta a um amigo, em 21/06/60,
fala de sua intenção de fazer escavações obedecendo aos padrões científicos,
com medições e documentação gráfica. Se chegou a fazê-lo, não tivemos
47
Jornal O Estado. Florianópolis,17/06/84, s/nº página.
48
Segundo carta pessoal de Tom Wildi à família. Belém, 25/09/54.
49
Tivemos acesso a várias cartas que Tom Wildi trocava com amigos em Belém e no Museu Goeldi e as
que escrevia para a família durante as viagens, assim como a artigos de jornal, que constam da
bibliografia. O diário de campo mencionado por Elton deve estar em poder da família, com quem não
logramos entrar em contato, ou então deve ter-se perdido.
50
R
OCHA
, Elton Batista. Relatório dos Trabalhos realizados no museu particular do colecionador Tom
Wildi no período de agosto de 1983 a março de 1984. Florianópolis, UFSC, 1984, datilografado.
acesso a esses registros. Sabemos apenas que o material que reuniu proveio
de pelo menos oito sítios: Laranjeiras, Guajará, Teso Salitre, Gentil, Matinada,
Macacão, Ilha dos Bichos e Pacoval do Arari. Laranjeiras foi visitado em 1950,
enquanto que Guajará conheceu em 1960. O considerável acervo de cerâmica
Marajoara que recolheu é resultado desses 20 anos de viagens a Marajó,
durante os quais manteve contato permanente com o Museu Goeldi que, por
diversas vezes, mandou representantes para acompanhá-lo nas expedições
aos tesos.
Essas considerações sobre a origem do material são importantes para
dar a exata dimensão do tipo de objetos com que trabalhamos. É um material
descontextualizado, tanto no tempo quanto no espaço, ou seja, não está
relacionado com outros objetos da cultura material nem com outros vestígios da
presença humana. Por outro lado também não é uma amostra representativa
da arte Marajoara como um todo, uma vez que não se constitui em uma
amostra criteriosa do universo dos tipos conhecidos. Por essas razões,
determinados resultados do trabalho têm que ser examinados com cuidado.
O trabalho junto à coleção escolhida como amostra para nossa
pesquisa aconteceu em um período de aproximadamente trinta dias, entre os
meses de julho e agosto de 1995, no Museu de Antropologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. As peças encontravam-se em dois
depósitos de forma muito dispersa e foram transportadas para um único lugar,
onde inicialmente separamos as peças inteiras dos fragmentos. Esses, em
seguida, foram organizados em pequenos grupos tendo como critério a
semelhança aparente, com vistas a uma futura reconstituição das peças.
Registramos as características dos utensílios em planilhas e realizamos
o cruzamento desses dados com o intuito de estabelecer relações entre essas
diversas características. Os itens utilizados para a classificação foram: forma
básica, localização da decoração, medidas, técnicas de tratamento da
superfície, cor da pintura ou engobo, a existência de ícones, linhas e figuras
geometrizantes, tipo de pasta e tipologia.
A tipologia utilizada no estudo da coleção diz respeito à classificação
quanto à decoração, e foi elaborada por M
EGGERS
& E
VANS
(1957) e aplicada
na análise dos fragmentos cerâmicos oriundos de suas escavações em 1948-
49.
A utilização de uma tipologia para classificação dos utensílios
cerâmicos no presente estudo se colocou como um procedimento
absolutamente necessário, tendo em vista os objetivos a que nos propusemos.
Entendemos que o uso de uma tipologia que levasse em conta o
rigorismo e a perfeição técnica enquanto fundamentos para a classificação
poderia fornecer informações sobre a quantidade de tempo despendida na
confecção dos utensílios e sobre a necessidade de terem existido especialistas
para a confecção das peças em todos os peodos. Com isso poderíamos
montar o quadro a respeito da importância das práticas rituais no contexto
social e cultural e levantar hipóteses sobre como e em que sentido ocorreram
as mudanças através do tempo. Mesmo não sendo possível testar na coleção
as relações espaço-temporais com a tipologia, consideramos que utilizá-la seria
preparar caminho para pesquisas futuras.
A tipologia de Meggers e Evans foi elaborada com o objetivo de
estabelecer uma cronologia relativa a partir dos fragmentos cerâmicos, baseada
em uma quantificação desses materiais. A partir do “método Ford”,
estabeleceram critérios para a construção dessa tipologia que possibilitou a
seriação do material recolhido nas escavações nos Camutins em 1948-49. As
seqüências seriadas obtidas a partir das populações de fragmentos recolhidos
no Mound 1 (J-15), Mound 17/Belém (J-15) e Mound 1/Guajará (J-14), levaram
os arqueólogos às seguintes conclusões: a) Haveria uma freqüência maior de
fragmentos Inajá simples (núcleo acinzentado) nos níveis inferiores, enquanto
que nos superiores cresceria em importância Camutins simples (núcleo
alaranjado) - os dois tipos, mesmo assim, estariam presentes em todos os
níveis. Segundo os próprios autores, parece não haver relação necessária entre
os tipos de decoração e o tipo de pasta: por exemplo, Pacoval inciso é
encontrado principalmente com núcleo acinzentado, não por existir uma
associação intencional entre as características da decoração e da queima, mas
porque Pacoval inciso é um tipo do início da seqüência, quando Inajá simples
era predominante (M
EGGERS
e E
VANS
, 1957:387).
Assim, ao classificar os fragmentos para proceder à seriação, foi
privilegiada a cor da pasta. A partir da construção das seqüências seriadas não
levando em conta a decoração, estabeleceu-se uma cronologia relativa entre os
sítios J-14 (Mound 1, Guajará), J-15 (Mound 1 -Camutins), Fortaleza e Pacoval.
Nessa seqüência, Pacoval seria o mais antigo.
51
A análise dos tipos decorados em cada um desses locais revelou as
seguintes tendências:
51
Os dados da Tabela 41, página 652 do “Archaeological investigations at the mouth of the Amazon”,
mostram para Pacoval (coleta superficial de Peter Paul Hilbert), 264 cacos Inajá contra 43 Camutins; para
Fortaleza (coleta superficial) 552 cacos Inajá contra 194 Camutins; para J-14 (coleta superficial) 66 Inajá
contra 99 Camutins e para J-15 (coleta superficial), 60 cacos Inajá contra 83 Camutins.
a) Vasilhames mais complexos, apresentando dois ou mais tipos de
tratamento da superfície são mais antigos;
b) A qualidade técnica e a quantidade de superfície trabalhada diminui
com o passar do tempo;
c) A pintura é mais comum nos períodos mais antigos, assim como sua
associação com incisões e excisões. Nos mais recentes, a excisão/incisão é
feita diretamente sobre o utensílio.
Essas conclusões baseiam-se na cronologia relativa estabelecida a
partir da seqüência seriada, apoiada na estratigrafia, nos quatro sítios Camutins
escavados por Meggers e Evans. Foram quantificados, posteriormente,
fragmentos de coleções de superfície provenientes de mais 12 sítios, recolhidos
por outros pesquisadores, aos quais foram atribuídas datações relativas a partir
da seqüência-mãe. As conclusões obtidas sobre os tipos decorados e sua
freqüência através do tempo dependem de que se aceite como verdadeira essa
cronologia relativa.
O assunto é bastante delicado. Não temos condições de nos posicionar
com relação aos resultados da pesquisa, uma vez que não realizamos
escavações. No entanto, entendemos que não é possível estabelecer uma
cronologia relativa a partir das coleções de superfície dos vários sítios, uma vez
que sempre a presença concomitante de Inajá simples e Camutins simples.
também que considerar que as diferenças entre os métodos utilizados para
o preparo e queima da cerâmica podem se relacionar à diferença de orientação
técnica ou acesso a recursos, uma vez que os sítios são bastante distantes no
espaço.
As subfases identificadas por Anna Roosevelt através de métodos de
datação absoluta ( C e C) invertem a ordem cronológica construída por
Meggers e Evans pelo método das seqüências seriadas. Os sítios a leste do
Lago Arari (Pacoval e Teso dos Bichos) seriam mais recentes do que os que se
encontram nas cabeceiras do Rio Anajás (Camutins e Guajará), havendo uma
contemporaneidade, entre os anos 700 e 1.100 A.D. identificadas nas subfases
Guajará e Pacoval (conforme colocado no capítulo II).
A tipologia criada por Meggers & Evans desdobra-se em 16 tipos e os
critérios utilizados por eles dizem respeito principalmente às técnicas utilizadas
(pintura, incisão e excisão) e à cor empregada na pintura ou engobo. Na
descrição desses tipos
52
existem outras variáveis como composição da pasta,
52
Essa descrição pode ser consultada em M
EGGERS
e E
VANS
, 1957:324-370
motivos e formas, mas que na prática não são preponderantes para a
classificação. Os autores perceberam a dificuldade na aplicação dessa
tipologia, uma vez que, em grande parte dos vasilhames, duas ou mais técnicas
eram usadas ao mesmo tempo. Assim, a classificação é feita levando em conta
uma hierarquia a partir da técnica mais complexa, que geralmente é a do
exterior, na seguinte ordem: excisa com engobo duplo, incisa com engobo
duplo, excisa e retocada, incisa e retocada, excisa, incisa, pintada e raspada.
No tipo Joanes pintado existem muitas diferenças, não só na utilização
das cores, mas percebe-se haverem dois subtipos: um primeiro que utiliza
apenas linhas desenhadas sobre o engobo de cor clara e um segundo que
utiliza principalmente grandes áreas pintadas, às vezes com linhas desenhadas
também. Entretanto, Meggers e Evans consideraram que seria difícil trabalhar
com essa distinção, pois os fragmentos em geral estavam muito erodidos. Na
coleção também enfrentamos esse problema com diversos vasilhames em que
não era possível a percepção e reconstrução dos desenhos.
Estudamos 208 objetos cerâmicos da coleção, entre fragmentos, peças
inteiras e semi-inteiras: 18 urnas funerárias, 39 vasos, 38 tigelas, 36 pratos, 21
torradores, 12 miniaturas, 9 vasilhas com pedestal, 2 vasilhas pequenas, 2
banquinhos, 2 vasilhas geminadas, 1 rapezeira, 1 chocalho e 25 fragmentos a
partir dos quais não foi possível identificar sua forma básica original. Na
prancha 1 podem ser vistos alguns dos utensílios estudados, onde se observa a
diversidade das formas e técnicas decorativas empregadas.
A distinção entre urnas funerárias e vasos é dificultada pelo fato de não
haver informações sobre o contexto em que as peças foram encontradas.
Sabe-se que algumas formas são caracteristicamente usadas para
enterramentos. Entretanto alguns utensílios que classificamos como vasos
podem ter sido usados como urnas funerárias, mas não temos como nos
certificar sobre isso. Identificamos, apesar disso, três tipos distintos de urnas
funerárias, que são objeto de análise específica no decorrer desse capítulo.
Foi possível observar que a localização da decoração guarda uma
relação direta com a forma. Logicamente a maioria das peças é decorada
apenas no exterior - aí se incluem os banquinhos, as urnas, as vasilhas
pequenas, o chocalho, a rapezeira, as panelas e os torradores. A decoração
concomitante no exterior e interior aparece em menor quantidade. Entretanto,
essa característica está ligada principalmente com os pratos, que são assim
decorados na maioria dos casos. Em menor número aparece decoração em
pratos apenas no interior, apenas no exterior ou apenas na borda.
Das 9 vasilhas com pedestal examinadas, 4 apresentaram decoração
só no exterior e 4 só no interior, enquanto em apenas 1 havia decoração
externa e interna. As tigelas, apesar de mostrarem a tendência de serem
decoradas apenas na parte externa, apresentam também, em poucos
exemplares, decoração concomitante interna e externa, apenas na borda ou
somente no interior.
Na maioria dos utensílios não há nenhum tipo de decoração interna,
mas, quando essa aparece, é representada na grande maioria pela técnica da
pintura.
Com relação à decoração externa, as técnicas utilizadas aparecem, de
maneira mais freqüente, nessa ordem: excisões, pintura com incisões, pintura,
e somente incisões.
O atributo pesquisado “pintura de fundo” mostrou o engobo branco
como a cor predominantemente utilizada. Para o tipo Joanes pintado, o engobo
branco está presente em 3/4 das vasilhas. Uma estatística a respeito das cores
utilizadas com a técnica da pintura, representada pelo tipo Joanes pintado,
mostrou que as cores sobrepostas ao engobo branco que predominam são o
vermelho e o preto sozinhas ou combinadas entre si; em alguns casos
aparecem ainda combinados com o marrom. Quando há linhas desenhadas,
essas são predominantemente em vermelho ou em vermelho combinado com
preto ou marrom.
Para o tipo Joanes pintado, verificou-se que as combinações mais
comuns são:
1) Áreas pintadas em vermelho e preto, com linhas desenhadas em
preto sobre o engobo branco (5 utensílios);
2) Áreas pintadas em preto com linhas desenhadas em preto e
vermelho sobre o engobo branco (3 utensílios);
3) Áreas pintadas e linhas desenhadas em vermelho e preto sobre o
engobo branco (2 utensílios).
4) Áreas pintadas e linhas desenhadas em vermelho sobre engobo
branco (7 utensílios);
5) Áreas pintadas e linhas desenhadas em preto sobre o engobo branco
(2 utensílios);
6) Linhas desenhadas em vermelho sobre o engobo branco (5
utensílios);
Através desses resultados, verifica-se uma predominância do subtipo
Pintado cheio (cor sobreposta ao engobo em grandes áreas), em relação ao
subtipo Pintado linear (apenas linhas desenhadas sobrepostas ao engobo).
Foi possível constatar que na maioria dos casos - 134 utensílios - não
há representações icônicas aparentes de figuras antropozoomórficas. Nos
casos em que foi possível identificar ícones, percebe-se que as representações
antropomórficas aparecem em cerca de 50% dos casos, enquanto que as
zoomórficas em 30%. Olhos e boca aparecem em 20% dos utensílios, onde não
é possível determinar o tipo de figura representada.
A relação entre a representação icônica e a forma básica mostrou que
as figuras antropomórficas são predominantemente representadas nas urnas,
apesar de aparecerem também em vasos, pratos e tigelas, além de em
fragmentos de vasilhas sobre as quais não se tem informação sobre a forma
básica. Na verdade, muitas vezes a representação antropomórfica não está no
corpo das vasilhas, mas sob a forma de apêndices nesses utensílios. As
representações zoomórficas, por seu turno, são uma constante em todos os
utensílios, e seu uso na decoração, de modo geral, não está ligado à forma
básica do objeto.
As representações zoomórficas aparecem em urnas, vasos e pratos em
maior quantidade. O único chocalho e rapezeira da coleção são também
zoomorfos. Deve-se salientar que as urnas Joanes pintado e Pacoval inciso
foram classificadas como antropomorfas; no entanto sabe-se que possuem
também representações zoomorfas na decoração. É interessante observar que
as formas de banquinho, vasilha com pedestal, vasilha geminada e torradores
não apresentam nenhum tipo de figura icônica.
Relacionamos, ainda, as figuras icônicas com a localização que estas
apresentam nos utensílios e a tipologia atribuída. Isso possibilitou também a
comparação entre a ocorrência dos motivos aparentemente abstratos e dos
motivos representativos de humanos e animais.
Os dados nos mostram que a decoração com motivos “abstratos”
predomina na decoração (excisa, incisa e pintada) no exterior dos utensílios,
enquanto que os motivos claramente icônicos são formados principalmente a
partir da modelagem dos utensílios, seja na forma do corpo do vasilhame ou
nos apêndices. As representações de figuras humanas encontram-se na
maioria dos casos na modelagem do corpo das vasilhas e em menor número de
casos nos apêndices. As figuras animais aparecem em 2/3 dos casos na
modelagem do corpo e em 1/3 nos apêndices.
Observa-se que as representações claramente antropomórficas e
zoomórficas estão também ligadas a tipos decorativos mais elaborados, como o
Joanes pintado, Pacoval inciso, Arari exciso vermelho com retoque branco e
Anajás inciso branco. Apesar da relação verificada, podem influir aí
características próprias da coleção, e não seria válido estender essa tendência
para a cerâmica Marajoara como um todo.
Dos motivos geometrizantes, a metade é representada pela técnica
excisa, seguida pela incisa e depois pela pintada. Percebe-se a grande
ocorrência da combinação dos motivos escalonados com ondas nos torradores,
o que ocorre especificamente nas suas bordas, sendo um motivo característico
da decoração excisa (ver prancha 1). A figura humana é representada
preponderantemente através da técnica Joanes pintado, juntamente com a
modelagem. As figuras animais são representadas principalmente com a ajuda
das técnicas de incisão e pintura.
O gráfico que segue permite uma melhor visualização das relações
entre motivos geometrizantes e figuras icônicas (antromoporfas, zoomorfas e
olhos e boca) e os três grandes grupos tipológicos:
Geometrizante
Antropomorfo
Zoomorfo
Olhos/boca
Incisos
Excisos
Pintados
0
10
20
30
40
50
60
Apesar do gráfico mostrar a grande correspondência que existe entre a
utilização dos motivos geometrizantes e as técnicas de excisão, o reduzido
tamanho de nossa amostra não permite que se faça uma estatística a respeito
da ocorrência dos motivos geometrizantes na cerâmica Marajoara como um
todo. Além disso, os motivos vistos isoladamente podem não ter tido um forte
significado enquanto tal para aquela sociedade.
A associação da utilização das representações antropomorfas com a
técnica Joanes Pintado deve-se principalmente à classificação feita a partir das
urnas funerárias. Apesar disso, há nas urnas a presença de várias figuras
animais, ainda que estas estejam em posição secundária.
Sobre os motivos geometrizantes encontrados, nosso levantamento
aponta ainda que nas vasilhas com pedestal ocorrem motivos diversos, não
havendo um que seja característico dessa forma. As espirais ocorrem com
maior freqüência nos pratos e vasos. Os tridentes e espirais ocorrem em maior
número nos pratos. As linhas paralelas estão presentes em vários utenlios,
mas em maior número nas tigelas.
Quanto ao local onde se encontra a figuração ou decoração, pode-se
dizer que, com grande freqüência, a representação simbólica ou icônica toma
toda a superfície decorada do objeto.
Os tipos decorativos parecem ter ligação com a forma básica da
vasilha. M
EGGERS
&
E
VANS
(1957:325) reportam que certos tipos de formas de
vasos estão associadas com determinadas técnicas decorativas e citam como
exemplo os tipos Anajás inciso branco e Pacoval inciso, associados com vasos
de bordas ocas (hollow rims), assim como Arari exciso vermelho com vasos
cilíndricos de base plana.
As urnas funerárias apresentaram-se nos três tipos de técnicas
decorativas, vistas de forma genérica como pintadas, excisas e incisas. Os
pratos mostram a tendência para uma decoração mais elaborada (Joanes
pintado, Anajás inciso branco, Pacoval inciso). As tigelas estão representadas
na coleção em todos os tipos, mas mostram a tendência de apresentarem
decoração de tipo mais rude. Os torradores só são encontrados com decoração
excisa, de todos os tipos. No gráfico que segue, é possível uma visualização
mais clara dessas associações.
Realizamos ainda uma comparação entre a tipologia baseada na
decoração e a coloração da pasta, que não tem validade estatística, mas serve
de certo modo para testar a correspondência observada por Meggers e Evans
entre alguns tipos decorativos e a coloração da pasta. Os autores observaram
que para os tipos Anajás inciso branco, Arari exciso com engobo duplo, Arari
exciso branco e Pacoval inciso havia maior incidência de pasta do tipo Inajá
simples. Os demais tipos foram encontrados com os dois tipos de pasta, não
sendo nenhuma das duas predominante. Apenas Guajará inciso mostrou maior
freqüência de pasta do tipo Camutins simples. Os resultados que apareceram
com os utensílios da coleção, apesar de serem números pouco expressivos,
confirmam, em linhas gerais, essa tendência.
Havia, na coleção Tom Wildi, uma grande quantidade de fragmentos de
tangas, com algumas poucas inteiras e semi-inteiras; em geral os fragmentos
eram pequenos e apresentavam pintura desgastada, impossibilitando o estudo
dos motivos decorativos. Decidimos então aproveitar a oportunidade para
realizar um levantamento estatístico sobre a existência de marcas de uso
nesses fragmentos e relacionar a incidência dessas marcas com os tipos
decorados (Joanes pintado) e não-decorados (engobado vermelho).
Marcas de uso nos fragmentos de tangas
A constatação da existência de marcas de uso teve como critério o
exame do desgaste junto aos furos por onde teria passado o cordão, com o
objetivo de amarrar a peça ao corpo. Para a análise das marcas de uso,
obviamente, só puderam ser utilizados os fragmentos de canto superior e
inferior que apresentaram furos. Nos casos em que havia dúvida sobre o uso,
por não haver desgaste acentuado, utilizamos a categoria “sem informação”.
Algumas tangas da coleção apresentam, junto aos furos nas bordas
dos cantos superiores, uma canaleta de 2 a 3mm de comprimento, feita
propositadamente, provavelmente, para melhor acomodar o cordão. Quando
examinamos os fragmentos, consideramos sua ocorrência como marca de uso.
Foram analisados, ao todo, 694 peças, das quais apenas 5 estavam
inteiras, sendo os restantes 689 fragmentos; destes, 405 pertenciam ao corpo
ou à borda lateral, e somente 284 aos cantos superior ou inferior. Os resultados
obtidos podem ser observados na tabela abaixo:
Total Marca
Uso
Sem
Uso
% Uso
% Sem
uso
Decorados
89 82 7 92,13 7,86
Não-Decorados
163 161 2 98,77 1,22
Os números mostraram claramente que as marcas de uso não estão
associadas com os tipos não-decorados (somente com engobo vermelho), ao
contrário do concluído por M
EGGERS
e E
VANS
(1957:382). Os autores citados
utilizaram um universo de 110 fragmentos recolhidos junto a urnas funerárias
nos sítios J-14 e J-15, tendo obtido os seguintes resultados: havia 66,6% de
fragmentos do tipo Joanes pintado sem marcas de uso, contra 32,6% de
fragmentos simples com engobo vermelho sem marcas. Os autores concluíram
que as decoradas tinham maior significado cerimonial, enquanto que as lisas
eram as efetivamente usadas.
Nossa amostra é bem maior e provavelmente diz respeito a um maior
número de sítios, nem sempre associados a enterramentos. As diferenças
numéricas com respeito à associação entre marcas de uso e decoração, entre
os dois tipos, não chega a ser significativa segundo nossos dados, que
mostram que ambos os tipos seriam igualmente usados; entretanto, novas
estatísticas podem e devem ser feitas com fragmentos provenientes de um
maior número de
sítios
e associados com contextos diversos. Os gráficos
abaixo permitem uma visualização da ocorrência das marcas de uso em relação
à decoração:
Decoradas
Uso
Sem uso
Não decoradas
Uso
Sem uso
Os fragmentos de tangas trabalhados são, na sua maioria, de tamanho
pequeno, correspondentes em média a 10% do tamanho original da peça. Além
disso, os fragmentos pintados estavam com a pintura muito apagada, uma vez
que a tinta é facilmente solúvel em água. Assim, sendo, somente alguns poucos
desenhos de tangas puderam ser reproduzidos (prancha 2). Apesar de haver
muita variação, o desenho na faixa superior (prancha 2.a,d) repete-se com
bastante freqüência em diversos fragmentos. A perspectiva lateral de uma
tanga (prancha 2.b) tem o intuito de demonstrar a curvatura e as dimensões
dessa peça bastante sui generis do vestuário Marajoara.
Análise das representações antropozoomórficas
e dos motivos decorativos
Torna-se necessário definir a nomenclatura utilizada para a análise dos
motivos decorativos. Utilizamos o termo
motivo decorativo
na acepção dada por
Berta Ribeiro, que os divide em
motivos geometrizantes e naturalistas
. Os
geometrizantes são os que assemelham-se a
“figuras da geometria linear que,
para os índios, podem ou não ser simbólico-figurativos”
(R
IBEIRO
, 1988:36). Os
motivos naturalistas, para a autora, seriam os antropomorfos, zoomorfos e
fitomorfos. Chamamos a esses de
figuras ou representações icônicas,
uma vez
que o termo naturalista parece implicar numa representação fiel do modelo.
Portanto, o termo
motivo decorativo
tem um caráter bastante geral.
Para a descrição dos motivos decorativos dos utensílios desenhados
nas pranchas, utilizamos os termos
padrão decorativo, unidade decorativa,
banda e campo
, uma nomenclatura bastante comum entre os autores que
trabalham com a análise da cerâmica. Entretanto, para melhor esclarecer a
acepção dada ao termo
padrão decorativo
, apresentamos sua definição
segundo foi reelaborada por S
CATAMACCHIA
, C
AGGIANO
e J
ACOBUS
(1991:91),
devendo esse ser entendido como uma
“associação de elementos que formam
um conjunto suscetível de repetir-se”.
Consideramos
unidade decorativa
qualquer um dos elementos unitários que compõem o padrão.
As urnas funerárias da coleção
Observou-se a ocorrência de três tipos de urnas funerárias, não
somente entre os exemplares da coleção Tom Wildi, como na bibliografia
especializada. A urna do tipo Joanes pintado é a mais conhecida e geralmente
é utilizada como utensílio-símbolo da arte Marajoara. Encontrada em diversos
tamanhos - no caso da coleção trabalhada a menor possui 29 cm de altura e a
maior 70 cm de altura - é considerada por todos os autores que já trabalharam
com o material da fase Marajoara como representando uma figura humana
feminina estilizada (R
OOSEVELT
,1991; M
EGGERS
e E
VANS
,1957;
P
ALMATARY
,1949; N
ORDENSKIÖLD
,1930).
Vistas genericamente, as urnas Joanes Pintado representam,
realmente, uma figura humana, com os delineamentos de um rosto. As outras
partes do corpo, que podem aparecer ou não, indicam que seja uma figura
feminina, uma vez que algumas podem apresentar um útero, significado por
uma esfera em vermelho, braços com mãos, e o triângulo pubiano. Algumas
urnas possuem o corpo inteiramente ornado com motivos geometrizantes que,
em alguns casos, tomam toda a superfície do corpo, como se fossem o padrão
de uma vestimenta. A urna nº 045 (prancha 3.a) apresenta a pintura bastante
desgastada, mas, comparando-se com exemplares semelhantes na literatura,
sabe-se que deve ter tido o corpo decorado com espirais ou com outros motivos
geometrizantes. A urna TWSP19 (prancha 3.b) mostra apenas figuras
geométricas recobrindo toda a sua superfície, sem nenhuma outra
representação de partes do corpo humano, além do rosto.
Podemos perceber que os corpos das urnas da coleção apresentam
formatos e decorações variadas. São diversos os padrões de desenho
geometrizante encontrados no corpo dessas urnas e, às vezes, certas unidades
do desenho podem estar representando braços e mãos, como é o caso da urna
TWSP42 (prancha 3.d). Os motivos escalonados e cruciformes encontrados no
corpo dessa urna são os mesmos que identificamos em vasos, tigelas e
torradores. Percebe-se também que não há uma simetria perfeita; esta fica
apenas sugerida pelas figuras espiraladas que poderiam estar representando os
braços. É comum na cerâmica Marajoara esse tipo de “simetria” apenas
aparente, ou relativa somente à parte do desenho. Essa urna não apresenta
orelhas, como as que são vistas na urna nº 046 (prancha 3.c), na mesma
prancha. Os lóbulos das orelhas nessa urna mostram-se bastante aumentados,
o que deve significar a introdução de adornos de cerâmica ou madeira. Além
disso, pendem dos lóbulos prováveis penas de pássaros, o que se observa
pelas características da pintura sobre esse relevo.
No fragmento superior da urna 044 (prancha 3.f) é possível observar
melhor o adorno auricular descrito acima. Mostra um fragmento do corpo
superior de uma urna funerária, mais especificamente da porção intermediária
entre as duas metades da urna, uma vez que a figura feminina descrita
anteriormente como padrão para esse tipo de vasilha se apresenta em vista
frontal em dois lados opostos da urna, de maneira simétrica. Entre as duas
orelhas, em alguns tipos de urnas, aparece um ser semelhante ao que se
apresenta nessa prancha. Seria uma representação de um animal mítico, pelo
fato de possuir características tanto humanas quanto animais. Ele parece ter
uma tromba ou uma das mãos dentro da boca
53
. Apesar de ter o seu “braço”
quebrado, pode-se ver sua direção. No contorno dos olhos há a representação
que identificamos também em outros motivos decorativos como sendo do corpo
do escorpião. A decoração com pontilhado aparece também em outras
vasilhas.
53
Algumas urnas Pacoval inciso mostram a figura humana com uma das mãos introduzida na boca, talvez
levando algum alimento (ver P
ALMATARY
(1949), plate 27, p. 385, fig. a)
Como o animal que se interpõe entre as orelhas, acima descrito, parece
ter um
status
sobrenatural
54
, vemos que, num primeiro momento, o escorpião
parece ser o único animal conhecido associado com as urnas funerárias
antropomórficas do tipo Joanes pintado, identificadas, segundo R
OOSEVELT
(1991:80) com a subfase Camutins.
Inicialmente, a identificação da figura feminina nas urnas e o fato deste
utensílio se destinar a um uso social bastante importante envolvendo rituais
funerários levou os estudiosos a especularem sobre a existência de um
matriarcado ou uma linhagem feminina nos tesos Marajoaras. Entretanto, uma
análise mais cuidadosa revela outros elementos importantes. Observamos que
diversas características representadas nesse tipo de urna podem estar
associadas à morfologia das aves, vistas genericamente, e às espécies coruja e
harpia em particular.
Identificamos diversas características ornitomorfas nas urnas funerárias
Joanes pintado (prancha 3.e-l). Na urna 025 (prancha 3.h) o bico e as narinas
estão bem visíveis e a semelhança é inegável. A fronte das aves que, vista de
frente, remete a uma figura semelhante a um “T” ou “Y” está presente em todas
as urnas. Os olhos, redondos, nas urnas estão sempre semicerrados. O
contorno da linha supra-ocular das aves é bastante semelhante ao observado
nas urnas. Com relação a esta característica, a representação parece mais ser
de uma coruja do que de uma harpia, por causa da face mais arredondada.
O que seriam os membros superiores da figura feminina representada
na urna poderiam ser também os membros inferiores da ave. Tanto a coruja
como a harpia possuem quatro dedos, sendo que o primeiro deles coloca-se em
oposição aos outros três, que são direcionados para a frente. O primeiro dedo
cumpre a função de apoio para que o animal se agarre aos galhos de árvores,
ou forma a garra para caçar. Observamos que nas urnas são sempre três ou
quatro o número de dedos representados. No detalhe da urna TWSP20
(prancha 3.i) se percebe que o primeiro dedo se volta para trás. No caso das
corujas, especificamente, o segundo dedo também pode se voltar para trás se
houver necessidade. O padrão para as aves seria, então, três dedos para a
frente e um para trás; entretanto, somente dois ou quatro dedos visíveis
também poderiam ser aceitáveis como representativos de membros inferiores
de aves em figuras estilizadas.
54
Segundo M
C
E
WAN
& S
ILVA
(1979:8), a combinação de elementos humanos e não-humanos é a
indicação mais óbvia de status sobrenatural. R
IBEIRO
(1987b) também reporta que as anomalias sicas
são utilizadas, freqüentemente, para representar o sobrenatural.
O formato geral da urna também se assemelha ao corpo das grandes
aves, que, empoleiradas, apresentam um peito estufado, o que, especialmente
em algumas urnas, é bastante visível. Não descartamos, com essas
observações, a visão da urna Joanes pintado como representando um corpo
humano feminino estilizado
55
. O útero é representado, sem dúvida, nos moldes
do corpo feminino, uma vez que nas aves o correspondente seria um oviduto,
com formato longilíneo; no caso de se considerar a esfera representada na urna
como sendo um ovo (a coruja tem o formato de seus ovos mais arredondado
em comparação com outras aves) ainda assim este estaria mal posicionado
com relação ao corpo, uma vez que o ovo das aves, para ser chocado, fica
colocado abaixo dos membros inferiores. De qualquer maneira, haveria a
ocorrência simultânea de atributos de mulher e de ave.
A utilização de aves de rapina associadas com enterramento
secundário pode, segundo
R
OOSEVELT
(1991) se relacionar à descarnação dos
esqueletos, que muitos índios amazonenses consideram como procedimento
necessário para o descanso da alma do morto. É interessante notar que a
coruja também se relaciona com a descarnação por seus hábitos alimentares
peculiares, uma vez que uma de suas características é a de alimentar-se de
pequenos animais inteiros, que são processados por seu aparelho digestivo e
têm seus ossos e pele regurgitados totalmente sem a carne, em forma de
“pelotas”.
A
Harpia harpyja
ou gavião-real, como também é conhecida, é a mais
possante ave de rapina, com capacidade para capturar e devorar diversos
animais pequenos e de porte médio. A fêmea é mais alta do que o macho,
podendo alcançar em média 90cm. Seu habitat original seria a mata primária
tropical, mas é encontrada, no Brasil, também no cerrado, onde se estabelece
principalmente à beira de cursos d’água, com o intuito de caçar. Hoje em dia é
um animal relativamente raro na Amazônia, porém historicamente foi um objeto
de caça para muitas tribos, que as mantinham presas em gaiolas, sob a tutela
dos chefes índios (S
ICK
, 1984).
As corujas possuem uma distribuição dispersa desde o México até a
Argentina, podendo-se identificar diversas espécies de acordo com o habitat,
que varia entre zonas de florestas, matas ou cerrados. Não encontramos
nenhuma indicação da ocorrência de alguma espécie relacionada diretamente
com a zona geográfica de Marajó, por isso ressaltamos as características
ornitomorfas das urnas sem indicar o animal que estaria representado, uma vez
55
Para efeito de classificação a partir da listagem de atributos, a urna foi considerada como sendo
antropomorfa.
que a figura utilizada simbolicamente nos rituais funerários pode ter uma
etiologia mitológica e não se referenciar a nenhuma ave em particular.
O segundo tipo de urna que vamos analisar é a urna Pacoval incisa,
que está representada através de desenho frontal e detalhes zoomorfos
(prancha 4.a-c). Apresenta-se como uma figura feminina estilizada, com seios,
braços e pernas sugeridos, assim como umbigo e triângulo pubiano. Na testa
há a figura do “T” em relevo, e os olhos são circundados pela representação de
um escorpião, como pode-se ver no detalhe (fig. c). Como os escorpiões
representados na arte Marajoara são bastante estilizados, não vamos relacioná-
los com nenhuma espécie conhecida da fauna da região. Cabe apenas anotar
que os escorpiões, pertencentes à ordem
Scorpionida
, se diferenciam em
espécies segundo características observáveis principalmente com relação à
morfologia dos membros superiores (a pinça do palpo - garras - possui largura e
extensão bastante diferentes entre as diversas espécies) e à relação abdômen/
pós-abdômen, assim como à espessura desse último (rabo). Pelo fato da
representação ser muito simplificada, não haveria como, através dessas
características, distinguir a espécie representada. Deve-se observar, ainda, que
os escorpiões possuem quatro pares de patas, e nos desenhos geralmente
estão representados apenas dois pares.
No lugar dos braços da figura feminina representada na urna, vemos a
cabeça do urubu-rei, circundada pelo corpo de uma serpente (prancha 4.b). Os
motivos decorativos do corpo dessa serpente são um “T” e uma figura em estilo
de ampulheta, que se alternam; pode-se observar o mesmo estilo de desenho
em serpentes representadas em outros vasos ou urnas. O corpo da urna é
totalmente recoberto por espirais feitas com um instrumento de duas pontas,
resultando em espirais de linhas duplas. É interessante observar que o tipo de
espiral resultante a partir dessa técnica é reproduzida em outras vasilhas por
meio de técnicas de pintura e excisão. Apliques frontais no lugar dos membros
inferiores podem sugerir que essa figura esteja sentada. Assinala-se também a
presença de adornos auriculares. A figura está representada de maneira
simétrica em lados opostos da urna. Como é característico do tipo Pacoval
inciso, as incisões são feitas sobre engobo branco, sendo as mais profundas
pintadas em vermelho, esse já bastante desbotado no exemplar que
apresentamos.
O
Sarcoramphus papa
, popularmente conhecido como urubu-rei, urubu
branco ou corvo branco está representado, na coleção, apenas nessa urna. Da
família dos Catartídeos (ordem Falconiformes), é uma das seis espécies
conhecidas e tem distribuição restrita às Américas. É uma ave de grande porte,
pois com 79 cm de altura média, sua envergadura pode chegar a 180 cm, e o
peso a 3kg. Como se sabe o urubu-rei se alimenta de carniça; por causa de sua
força, dilacera com facilidade os cadáveres e consome sua carne primeiro,
permitindo aos outros catartídeos se aproximarem apenas quando ele já está
saciado.
Os dois tipos de urnas analisadas até agora (Joanes pintado e Pacoval
inciso), apesar de bastante diferentes em termos da técnica utilizada e da
morfologia, possuem algumas características em comum. Ambas possuem
decoração geometrizante em todo o corpo, que pode ser associada à existência
de vestimenta ou pintura corporal. É possível que retratassem determinada
vestimenta cerimonial. Assim como a pintura da cerâmica pode estar ligada à
pintura corporal, no sentido de que os mesmos padrões decorativos devem ter
sido usados, de acordo com a ocasião, a incisão ou entalhe pode estar ligada à
tatuagem ou escarificação do corpo. Para os Wayana, por exemplo, (V
ELTHEM
,
1992:62) a palavra
pahié
é utilizada indistintamente tanto para escarificação
como para entalhe. Os dois tipos de urna, ainda, também se relacionam
igualmente às aves de rapina e escorpiões.
O terceiro tipo de urna funerária que observamos tem decoração excisa
e formato peculiar. Possui as paredes superiores retas e por isso a boca
bastante aberta, sem o estreitamento característico desse tipo de vasilha, como
se percebe em TWLa02 (prancha 4.e). Como as urnas anteriores, têm
decoração simétrica, apresentando um réptil bastante estilizado, com cabeça,
corpo, rabo e membros.
As características físicas desse réptil e a região de procedência das
urnas permitem que se sugira que o animal representado seja uma espécie de
jacaré. Quatro espécies de jacarés foram identificadas para as Ilhas de Marajó
e Mexiana (N
ASCIMENTO
et alii, 1991), em estudos ainda não conclusivos:
Caiman crocodilus, Melanosuchus niger, Paleosuchus palpebrosus e
Paleosuchus trigonatus
. Sabe-se que as patas traseiras dos jacarés possuem
quatro dedos espalmados, sendo que os três interiores possuem unhas
bastante fortes. As patas dianteiras possuem 5 dedos e são menores. Para
essa área também são bastante numerosas as espécies de lagartos, tendo sido
computadas 25 espécies, das quais 5
Gekkonidae
, 10
Iguanidae
, 2
Scincidae
e
8
Teiidae
(N
ASCIMENTO
et alii, op.cit.), de morfologia bastante variada, existindo
espécies também com três ou quatro dedos. Essa grande variabilidade torna
difícil estabelecer qual dessas espécies estaria representada nas vasilhas. Se
por um lado, espera-se que se trate da representação do jacaré, por ser um
animal forte, temido e freqüentemente ligado à mitologia, os lagartos possuem a
relação corpo/comprimento dos membros mais semelhantes às figuras
representadas, pois têm os membros mais longos em relação ao corpo do que
os jacarés. Por outro lado, nas urnas o animal representado tem o rabo curto,
enquanto que tanto os jacarés quanto os lagartos tem o rabo bastante longo.
Fica claro, então, que a representação nas urnas utiliza-se de determinadas
características do animal, sem manter-se fiel ao modelo com relação a todas
elas, o que aliás é comum na arte iconográfica. Pelas razões expostas, nos
referiremos ao animal representado genericamente como lagarto.
Na urna TWLa02 (prancha 4.e) está representado um lagarto, que
possui membros bastante alongados em relação ao corpo, relativamente curto.
Nas extremidades dos membros do animal aparecem apenas dois dedos,
enquanto que nas duas urnas que examinaremos a seguir são três os dedos
representados. Da cabeça do animal saem dois prolongamentos, com a mesma
largura dos braços, que se enrolam à volta de toda a urna. São decorados com
pontilhado, como observamos anteriormente na decoração de algumas urnas
Joanes pintado. O restante da urna é decorado por espirais excisas, com
incisões duplas sobre os relevos e a decoração como um todo é simétrica.
A urna TWSP822 (prancha 4.d) mostra a parte inferior de uma urna do
tipo exciso, com o lagarto representado com três dedos, diferentemente da
anterior. Na parte inferior há um par de patas que devem pertencer a outro
animal, não identificado. Esse tipo de patas aparece em outras vasilhas com
decoração excisa; em uma das tigelas da coleção estão em relevo,
aparentemente servindo de alças. Essa urna tem o restante do corpo
inteiramente decorado com espirais. A peça está bastante erodida e
descolorida.
São três os exemplares de urna excisa encontrados na coleção. A
terceira delas (prancha 4.f) mostra outros animais associados com o lagarto,
sendo que esse possui garras com três dedos nas extremidades. Percebe-se
na etnografia de populações indígenas uma tendência à simplificação da
morfologia tanto de corpos humanos como de animais. Uma das figuras
humanas reproduzida por Koch-Grünberg em 1906, de autoria de índios do rio
Uaupés (in R
IBEIRO
, 1992:44), mostra figuras humanas com três dedos, sendo
que uma delas é bastante semelhante à um lagarto. Figuras humanas com três
dedos também foram captadas por P
ESSIS
e G
UIDON
(1992:25) em obras
rupestres da tradição nordeste, em São Raimundo Nonato. Parece que a arte
indígena tende não só a antropomorfizar imagens de animais como a simplificar
a figura humana, o que foi identificado por R
IBEIRO
(op.cit), como uma
tendência geral, a partir de uma “
visão padronizada do humano, observada em
várias culturas indígenas”
.
Na urna nº 034 (prancha 4.f), há ainda outro animal representado,
como se pode observar, tamém em dois lados da urna, com distribuição
simétrica. Esse possui o “T” sobre os olhos, que são circundados por um
escorpião estilizado. Além disso na parte inferior da urna existem serpentes
entrelaçadas, com cabeças tríplices e corpo decorado. Um outro corpo de
serpente divide o bojo inferior das paredes superiores da urna - o desenho da
pele das serpentes nesta urna é semelhante ao da serpente na urna Pacoval
inciso vista acima (prancha 4.a). Todo o restante da vasilha é decorada com
espirais feitas a partir de excisões de pouco relevo, cortadas por linha incisa
central que acompanha o desenho formado pelas excisões. Em alguns
momentos podem ocorrer linhas incisas duplas sobre o relevo. A tipologia
atribuída é o Arari exciso vermelho com retoque branco. Essa urna não possui
número de catálogo que identifique a sua procedência. Entretanto, dentre as
anotações e cartas de Tom Wildi descobrimos que ela proveio de Pacoval, de
onde foi retirada em 1955.
Outro detalhe da decoração dessa urna que destacamos é o
movimento resultante do enrolamento em forma de “S” dos corpos das
serpentes na parte inferior do corpo da vasilha. Desenho estilizado semelhante
a esse será observado posteriormente na decoração de outras vasilhas.
Havíamos classificado as urnas excisas, inicialmente, como vasos, pois
tanto Meggers e Evans como Palmatary não se referem a elas como urnas
funerárias. M
EGGERS
e E
VANS
(1957:344-345) apresentam, para o tipo Arari
exciso vermelho com retoque branco, tanto na descrição como em desenho, um
vasilhame semelhante, com o lagarto representado, a que se referem
simplesmente como
“jar”.
Apenas em N
ORDENSKIÖLD
(1930:82) encontramos
expressamente designada como urna funerária uma vasilha semelhante à urna
excisa da prancha 4.f. Recentemente, em visita ao Museu de Arqueologia e
Etnologia da USP, encontramos em exposição um vaso semelhante,
identificado como urna funerária. Quantas das urnas realmente continham
ossos humanos em seu interior não sabemos; no entanto, o fato de alguns
exemplares de determinados tipos de urnas terem sido utilizados para enterro
secundário possibilita que estas sejam designadas como urnas funerárias,
ainda que um número não determinado de urnas possam ter sido usadas ou
confeccionadas com outra finalidade.
Observa-se que o corpo nos três tipos de urnas é totalmente decorado
com espirais ou motivos geometrizantes, o que identificamos, a partir do
observado etnograficamente por diversos autores em outras culturas, como
sendo os “fosfenos de Knoll”
56
. Possivelmente esses padrões decorativos
foram criados a partir de visões socialmente compartilhadas quando da
ingestão de drogas alucinógenas e que são vistas como que recobrindo toda a
superfície dos corpos dos espíritos que aparecem aos xamãs. São padrões
decorativos que podem ter sido usados em roupas em cerimonias especiais e
aparecem também em outras peças cerâmicas com provável significado
cerimonial. Existem diversos estudos sobre esses padrões decorativos ligados
à cerâmica policrômica e o exemplo mais citado é sempre o dos Shipibo-
Conibo, amplamente comentado no capítulo I.
A procedência das urnas é outra questão complicada. Duas delas - uma
Arari exciso vermelho com retoque branco e a outra Pacoval inciso (prancha 4,
fig. a,e) - , são identificadas como provenientes de Laranjeiras, sítio que fica na
parte nordeste da área arqueológica, entre o Lago Arari e o Cabo Maguari.
Meggers e Evans (1957), compilando a bibliografia a respeito, especialmente
H
OLDRIDGE
(1939), comentam que esse sítio estaria bastante destruído pela
ação dos próprios moradores em busca de achados de valor. Falam em sua
obra sobre vasos antropomórficos e em grande quantidade de urnas funerárias
com ossos humanos, mas não há descrição das urnas. A urna excisa (prancha
4.e), pelas anotações de Tom Wildi, parece ser de Pacoval do Arari. Em
P
ALMATARY
(1949) encontramos fotos de urnas dos tipos pintado e exciso às
quais é conferida procedência de Camutins e Fortaleza, enquanto que o tipo
Pacoval inciso aparece como proveniente de Pacoval. Nos parece estranho
encontrar urnas tão diferentes provenientes de mesmos locais, mas como não
há nenhum estudo estratigráfico a respeito é difícil tirarmos conclusões a partir
desse fato.
Vemos que as urnas apresentam diversos animais associados com
figuras humanas. A urna Joanes pintado associa a coruja ou harpia e o
escorpião com a mulher. A urna da subfase Pacoval associa o escorpião, a
serpente e o urubu-rei também com a mulher. A urna excisa mostra o lagarto, a
serpente e outro animal não identificado, e não possui nenhuma referência
antropomórfica.
Representações zoomorfas
56
Ver capítulo I, p.23.
Além das representações zoomorfas observadas nas urnas,
percebemos que estruturas zoomorfas estão graficamente representadas em
diversos outros utensílios, como vemos na prancha 5. O primeiro desenho
mostra a semelhança entre o padrão decorativo na parede da tigela TWSP1
(prancha 5.b), do tipo Joanes pintado, que apresenta linhas que se enrolam
sucessivamente, e o movimento em “S” das serpentes que circundam todo o
bojo inferior da urna funerária nº 034 (prancha 5.a). Sugerimos que nessa tigela
estariam representadas iconicamente as mesmas serpentes.
A segunda figura mostra o desenho do interior do prato Joanes pintado
TWSP59 (prancha 5.e), onde está representada uma figura que guarda
semelhança estrutural com o lagarto visto nas urnas excisas. Há uma
curiosidade no que se refere aos membros do animal nessa figura. Os tridentes,
que se identificariam com as patas, estão no lugar da cabeça e do rabo,
enquanto que nas extremidades das patas encontram-se figuras semelhantes a
setas, mais apropriadas como representação da cabeça. Em outras vasilhas
veremos também cabeças representadas por tridentes, a exemplo do que
ocorre aqui. As demais unidades do desenho observadas nesse prato são
semelhantes às observadas em outros pratos da coleção. Algumas dessas
unidades estão dispostas de forma simétrica, outras não.
O terceiro desenho mostra o lado externo do prato TWSP241 (prancha
5.c), onde parece ocorrer a representação de uma serpente. O formato da
cabeça lembra as serpentes
Bothrops atrox
e
B. marajoensis,
ambas
peçonhentas, que possuem a cabeça em forma de ponta de lança. Alguns
autores consideram as duas como sinônimos ou ainda que a
marajoensis
seja
uma raça de
atrox
. Ambas são popularmente conhecidas como jararacas. H
OGE
(1966)
57
descreve
Bothrops marajoensis
e
Crotalus durissis marajoensis
como
características das áreas de campo em Marajó, sendo que a localidade-tipo da
Bothrops marajoensis
é a área do Teso do Severino. Á
VILA
-P
IRES
(1990)
reporta que a
Bothrops
pode estar presente também na mata, a oeste. A
Crotalus Marajoensis
é a única espécie em Marajó que possui o chocalho na
ponta da cauda. Vale lembrar que das 34 espécies de ofídios atualmente
identificáveis para a Ilha de Marajó, apenas 8 aparecem na área de campo, na
parte leste da ilha.
Observando o corpo das serpentes, percebe-se que, enquanto o dorso
apresenta-se decorado com desenhos variados, mesmo dentro de uma mesma
57
In: N
ASCIMENTO
et alii, 1991.
espécie, o ventre apresenta-se liso e coberto por escamas, que se colocam
numa seqüência paralela. Estas estão muito bem representadas, graficamente,
pelo desenho que aparece no prato referido acima (prancha 5.c), uma vez que
todo ele é decorado com o que seria o lado ventral do corpo da serpente. Nos
dois lados desse utensílio há o motivo decorativo encontrado depois em
diversos outros vasilhames que parece representar o entrelaçamento de duas
serpentes.
Comparamos esse desenho com o desenho de um vaso, feito por Tom
Wildi
58
(prancha 5.d), onde entendemos que pode estar representada uma
jararaca, com o lado ventral para cima. Percebe-se que a cauda da serpente
termina num ponto que talvez represente o chocalho da espécie
Crotalus
,
também venenosa. Esta terminação da cauda, em um relevo circular com um
furo central é encontrada em outras vasilhas, não associada, aparentemente,
com serpentes.
Nos três exemplos acima, vemos como há uma estilização de
determinados animais ou partes da anatomia de animais que são representados
de forma mais realista em outras vasilhas, onde foram inicialmente bem
identificados. A identificação de unidades do desenho que remetem à
representação desses animais de maneira estilizada fala por si só da existência
de uma representação gráfica e icônica de determinados conceitos ligados a
esses animais.
O quarto grupo de desenhos (prancha 5.f-i), finalmente, mostra um
motivo cruciforme, representado de maneira semelhante em 4 diferentes
fragmentos de utensílios, diferentes tanto tipologicamente como em sua forma
básica. Isso mostra que não parece haver, a princípio, uma ligação clara entre
unidades decorativas e forma básica dos utensílios.
TWSP224 (prancha 5.h) apresenta ainda o motivo cruciforme,
freqüentemente presente no tipo Pacoval inciso. Outro detalhe de sua
decoração é uma figura, cuja reconstrução resta prejudicada pela quebra da
vasilha, que deve representar a serpente. Há o corpo com hachurado interno -
que sugerimos ser o ventre da serpente - e, ao final, uma seta, que
representaria a serpente com “cabeça-de-ponta-de-lança”, a jararaca. Essa
espécie, que possui este formato de cabeça, é a única que tem “pescoço”,
representado também na figura em questão.
58
Esse vaso, originalmente da coleção, não se encontra hoje no Museu e deve estar em poder da família do
colecionador.
Na coleção observamos diversos tipos de apêndices, ligados ou não a
parcelas significativas de vasilhas, que permitem identificar o formato original
do utensílio. Dentre os apêndices, 5 apresentaram formato zoomórfico, e
algumas espécies animais puderam ser identificadas. No apêndice TWSP232
(prancha 6.c), nos olhos da tartaruga, o globo ocular, visto no detalhe (prancha
6.d), possui, além da córnea representada por uma pequena esfera, duas linhas
paralelas que a circundam, com hachurado interno, da mesma maneira como é
representado o lado ventral do corpo das serpentes nos pratos citados
anteriormente. Vê-se também que aparecem os dois tracinhos paralelos que
vamos encontrar em grande quantidade nos motivos decorativos Marajoara.
Diversos outros apêndices podem estar representando a cabeça de
tartarugas, provavelmente da espécie
Podocnemis
, bastante comum na
Amazônia. Segundo N
ASCIMENTO
et alii (1991), foram identificadas 12 espécies
diferentes de quelônios nas Ilhas de Marajó e Mexiana.
É sabido que as populações amazônicas à época da conquista
utilizavam largamente as tartarugas em sua alimentação, e principalmente os
ovos, que são recolhidos na beira dos rios e lagos na época da desova. O
biólogo Marcos di Bernardo, coordenador do Laboratório de Herpetologia do
Museu de Ciências e Tecnologia da PUC, que nos auxiliou na identificação de
algumas espécies animais, considerou muito semelhante o apêndice TWLa08
(prancha 6.b) com o embrião de uma tartaruga. O hábito de alimentarem-se de
ovos de tartaruga pode ter proporcionado, não raras vezes, a visão desses
embriões, que poderiam, dependendo do lapso de tempo decorrido entre a
desova e a coleta, estarem já em desenvolvimento no interior dos ovos. O
apêndice TWSP421 (prancha 6.e) também pode estar representando a cabeça
de uma tartaruga.
Representações antropomorfas
Na coleção se encontram 7 apêndices com formato antropomórfico. Na
modelagem de 21 vasilhas também aparecem formas humanas
59
. Alguns
desses apêndices e vasilhas podem ser vistos também na prancha 6.
Formas raras
59
Nessa conta se incluem 15 urnas funerárias de formato antropomórfico.
A peça que identificamos como chocalho deve ter sido apêndice de um
prato ou tigela, e possui o formato de um órgão sexual masculino, sendo que
este está claramente representado na parte posterior da peça. Os desenhos
mostram as visões ventral (prancha 7.a), dorsal (prancha 7.b) e perfil (prancha
7.c). Esse chocalho, ou apêndice, merece um exame mais detalhado. Na sua
base, que está quebrada, percebemos uma banda do tipo Joanes pintado,
comum nos pratos e tigelas (prancha 7.a). Provavelmente seria essa peça uma
parte de uma vasilha maior, mas não há nenhum indício claro nesse sentido. A
cabeça é zoomorfa e possui olhos bastante separados. Na parte ventral há uma
figura também zoomorfa, com pernas abertas, tendo sobre o corpo três riscos
incisos semelhantes aos observados no corpo de lagarto nas urnas funerárias.
Esse animal poderia ser um sapo. Em posição de rabo há a figura trípode
semelhante às patas do lagarto. Essa figura se encontra sobre o ventre da
peça, formando duas elevações que podem significar gravidez. Na parte ventral
está claramente representado o órgão sexual masculino, não apenas com
incisões, mas também através da modelagem da peça. Estão presentes as
linhas duplas, já relacionadas, como vimos acima, com serpentes. Em outras
vasilhas, aparecem relacionadas também a seios. Parece que há uma relação
bastante clara entre serpentes e fertilidade/fecundação.
Classificamos como rapezeira a pequena vasilha de formato zoomórfico
TWSP794 (prancha 7.d). A identificação desse utensílio como sendo um
instrumento para a aspiração de drogas alucinógenas encontra base nos
trabalhos de R
OOSEVELT
(1991:62-fig. b) e principalmente de H
ILBERT
(1992).
60
Nesse último trabalho são apresentadas diversas formas semelhantes,
provenientes da Ilha de Marajó, que possuem igualmente formato zoomórfico. A
rapezeira da coleção possui a forma de uma tartaruga, com decoração incisa
com motivos geometrizantes sobre a parte externa.
Em algumas vasilhas foram identificados relevos representativos de
seios e mamilos, como se vê na miniatura de vaso TWSP797 (prancha 7.f) e
na panela TWSP85 (prancha 7.e). As duas vasilhas não possuem nenhuma
decoração além da modelagem representativa dos mamilos, sendo que no caso
da primeira vasilha o próprio formato da peça pode ser considerado
representativo de um seio. Podem ter tido uso cerimonial relacionado com o
intuito de conter determinado líquido especial. Entre os índios Tukano, por
60
M
EGGERS
e E
VANS
(1957) referem-se a utensílios de mesmo formato como sendo colheres. Entretanto,
H
ILBERT
(1992) mostra que a morfologia do utensílio, referente aos aspectos da modelagem e decoração,
praticamente não deixa dúvidas quanto à sua funcionalidade enquanto uma rapezeira.
exemplo, há uma prática ritual que inclui a ingestão de um “leite” alucinógeno
que teria o poder de protegê-los de doenças e morte causadas por inimigos
(R
EICHEL
-D
OLMATOFF
, 1975 apud R
OOSEVELT
, 1991:84).
O vaso TWMa01 (prancha 7.g) procedente do sítio Matinados ou
Macacão
61
, possui aplique com as características de um mamilo, em volta do
qual se enrolam linhas paralelas iguais às identificadas acima para os pratos,
que concluímos serem representativas de serpentes. Em diversas outras
vasilhas vamos encontrar pequenos relevos semi-esféricos, não claramente
identificáveis com seios e por isso não relacionados aqui.
Conclusões do capítulo
As características peculiares da coleção Tom Wildi foram, de certa
forma, determinantes na condução dos métodos utilizados para sua análise e
impuseram limitações ao estudo estatístico e à busca de regularidades com
vistas a traçar o perfil da arte cerâmica Marajoara. Entretanto, nossa intenção
foi a de, utilizando todos os meios técnicos a nosso alcance, obter informações
que pudessem ser utilizadas para melhor entender as motivações que
impulsionaram o desenvolvimento e permanência duradoura dessa forma de
expressão artística.
Os desenhos dos utensílios foram feitos obedecendo aos padrões
convencionados para esse tipo de ilustração, privilegiando, entretanto, a
reprodução dos motivos decorativos. Por isso não realizamos reconstituição de
formas nem procedemos à sua análise de maneira mais detalhada. No entanto,
o observador atento poderá perceber, através dos desenhos, a multiplicidade
de formas existentes, em todos os tipos de vasilhas, quanto à base, curvatura
das paredes e tipos de bordas. Ainda assim, as formas são pouco variadas se
compararmos com outras cerâmicas policrômicas conhecidas. O esmero
técnico se concentra mais na pintura, excisões e incisões do que na
61
Na documentação que chegou até nós, pertencente a Tom Wildi, observamos a menção dos dois sítios
citados, Macacão e Matinados, como tendo sido visitados pelo colecionador. A vasilha acima relatada
possui em seu número de catálogo as iniciais “Ma”, que se referem, segundo R
OCHA
(1984) às iniciais do
sítio de origem, que não temos condições de precisar qual seria.
modelagem. Foram coletados dados a respeito das medidas das paredes, por
exemplo, que poderão ser usados, no futuro para uma análise estatística da sua
espessura e relacioná-la com a forma das vasilhas, se houver interesse. De
qualquer maneira, na coleta de dados pensou-se que seria melhor recolher
tantos dados quanto fosse possível, mesmo que alguns destes não viessem a
ser utilizados depois, como foi o caso.
A análise dos fragmentos de tangas mostrou dados diferentes dos
obtidos em estudos anteriores. Realmente não se observou diferenças
quantitativas consistentes quanto ao uso das tangas decoradas e das lisas. A
ressalva feita com relação a termos considerado as canaletas, em um número
não determinado de fragmentos, enquanto marcas de uso, implica em que a
amostra deveria ser revista no sentido de examinar as marcas de desgaste
junto às próprias canaletas. Novos levantamentos devem ser feitos, mas como
nossa amostra é bastante significativa, arriscamos sugerir que a mesma
tendência exposta por esse estudo com relação ao uso de tangas tanto
decoradas quanto não-decoradas irá-se manter em estudos futuros. É possível
que as tangas lisas fossem usadas diariamente - seu formato anatômico
permite flexibilidade de movimentos e a única ressalva a ser feita é quanto à
sua resistência e durabilidade. As tangas decoradas poderiam ser usadas em
diversas ocasiões festivas e rituais, sendo que esses momentos pode ter sido
bastante freqüentes. É possível que as tangas e fragmentos de tangas sem
marcas de uso fossem mais encontrados em enterramentos, onde alguns
exemplares podem ter sido feitos exclusivamente para serem enterrados com o
morto. A grande quantidade de fragmentos com marcas de uso se deve ao
descarte freqüente dessa peça do vestuário que deveria ter pouca durabilidade.
Os desenhos representados nas tangas Joanes pintado não puderam
ser observados na coleção, conforme já reportamos anteriormente. Entretanto,
a ocorrência de faixas superiores com desenhos semelhantes em várias delas,
como se pode observar também nas reproduções em livros de vários autores,
sugere que podem ser símbolos de identidade clânica, como é
etnograficamente observável em vestimentas e adornos. Como exemplo,
citamos os índios Apiaká, atualmente no Parque Nacional do Xingu, que
possuem um motivo decorativo, chamado
tangaap
, que parece funcionar como
um emblema tribal: encontra-se no trançado dos cestos, na tatuagem dos
chefes e na decoração de suas cuias (R
IBEIRO
, 1987b:270).
A relação estabelecida entre a decoração e a forma do utensílio permite
inferir sobre sua utilização. As escavações mostraram que diversas vasilhas
estavam enterradas de forma associada com sepultamentos em urnas,
independente de serem ou não decoradas. Pratos e outras vasilhas parecem
ter sido enterrados com alimentos, após sua utilização nos rituais funerários,
como se percebe na estratigrafia e na etnografia. Tigelas e torradores foram
encontrados servindo como tampas de urnas, emborcados ou não. O formato
peculiar dos torradores permite que se considere que os mesmos tenham sido
freqüentemente utilizados também como tampas para vasos contendo bebidas
ou alimentos - em escavações foram encontrados alguns como tampas de
urnas funerárias.
Observamos que a decoração interna predominante nas vasilhas da
coleção é a pintura ou, no caso de alguns pratos, a pintura associada com
incisões. O tipo Joanes pintado foi observado associado com técnicas de
excisão e incisão; as escavações mostram que esse foi um tipo que
permaneceu durante todo o período, enquanto os outros tipos decorativos
relacionados com incisões e excisões parecem ter uma distribuição
diacronicamente determinada.
A tipologia construída por Meggers e Evans (1957) mostra alguns
problemas quanto à classificação dos utensílios que possuem decoração
excisa, por não fazer diferenciação entre diferentes técnicas de excisão. Esse
tipo de técnica é utilizada tanto em vasilhas que possuem engobo duplo, como
em vasilhas sem pintura, e, da mesma forma, as excisões em determinados
casos são bastante delicadas e em outras muito rudes, não havendo relação
necessária entre o requinte técnico e a ocorrência ou não de engobo. Por isso,
se houvesse a possibilidade de observar a ocorrência dessas formas
decorativas em relação à estratigrafia, uma tipologia que contemplasse essas
diferenças seria bastante útil para determinar os momentos em que houve uma
maior ou menor dedicação às atividades artísticas voltadas aos rituais.
A ocorrência de motivos semelhantes em vasilhas com técnicas
totalmente diferentes, como se pode observar ao comparar os motivos
cruciformes na prancha 5, pode significar que as motivações culturais
permanecem as mesmas em utensílios feitos em épocas diferentes ou com
diferentes finalidades. Mostra principalmente que os motivos não estão ligados
a determinadas técnicas decorativas. Estamos trabalhando com a hipótese de
que através do tempo mudam as formas de decoração em função das
necessidades sociais e da possibilidade ou obrigatoriedade em se despender
mais tempo na confecção de objetos cerimoniais. O motivo decorativo pode ser
remanescente de uma época em que esse motivo estava ligado à decoração de
vasos com função cerimonial determinada, por exemplo. Nesse sentido é
interessante a observação de R
EX
G
ONZÁLEZ
(1974:99) de que
“la persistencia de sus motivos, la estabilidad de su
composición formal dentro de una determinada cultura o
Período descarta el mero juego decorativo de lá creación
estética. Claro está que no puede eliminarse por completo la
possibilidad de lo que pertenece al dominio de lo sagrado
llegue a secularizarse por pérdida de significado...”
Independente do fato de o significado dos motivos decorativos na arte
se perderem com o tempo, sua função sagrada permanece e sob esse aspecto
a decoração continua a cumprir as mesmas funções.
O fato de os utensílios apresentarem-se em maior número com
decoração excisa predominante na parte externa é apenas uma característica
da coleção, uma vez que a coleta das peças foi feita de forma aleatória, de
acordo com as oportunidades do colecionador. A ocorrência predominante das
cores vermelho e preto deve-se provavelmente à facilidade de obtenção desses
corantes pelos indígenas. No entanto, a utilização dos meios materiais
disponíveis deve ter tido relação com os padrões culturais, que devem ter
determinado, também, quais partes do desenho deveriam ser pintadas de cada
cor. Não analisamos a relação entre motivos decorativos e cor do desenho;
entretanto isso poderia ser feito futuramente com uma amostra maior, onde se
reuniria apenas vasilhas bem conservadas do tipo Joanes pintado.
Não se percebe claramente na decoração a reprodução de motivos
vegetais, apesar de sugerirmos que algumas formas foliáceas possam estar
representadas. As representações de figuras icônicas encontradas mostram
que a figura humana aparece associada com animais bastante potentes física,
fisiológica e simbolicamente falando. Foram identificados o lagarto, escorpião,
harpia ou coruja, urubu-rei e serpentes. O único animal identificado ligado aos
padrões alimentares foi a tartaruga, espécie inofensiva ao homem, mas
certamente bastante importante na dieta alimentar. Os peixes, que devem ter
tido um papel importante na alimentação, não aparecem representados, o que
confirma a idéia de que os animais representados eram os ligados à mitologia e
à força requerida em rituais xamanísticos. Conforme reportamos no capítulo II),
associados a enterramentos foram encontrados ossos de aves e jacarés.
P
ORRO
(1993), a partir da compilação e estudo que faz com os relatos
etnohistóricos reporta que as mulheres Omágua copiavam motivos abstratos
que viam no corpo de serpentes. Naturalmente isso retrata uma visão européia
e ingênua da arte indígena. É provável que a representação de motivos
decorativos semelhantes à pele de serpentes em diversas vasilhas Marajoaras
tenha ligação com uma história mitológica de obtenção de padrões decorativos
por meio de uma serpente ancestral, como é bastante comum na mitologia sul-
americana. Diversos mitos sul-americanos também relacionam aves e cerâmica
com a obtenção de dons e dádivas ligadas à cultura e ao início dos tempos,
como mostra Lévi-Strauss (1987) em
“A oleira ciumenta”.
No entanto, não
buscamos relacionar nenhum dos animais encontrados com mitos específicos,
por ser um tema que demandaria uma investigação bem mais demorada e
complexa, e que não é objeto desse trabalho.
A ocorrência de três tipos de urnas funerárias diferentes, tanto nas
formas como nas técnicas e motivos decorativos mostra que existiram
diferenças na arte funerária, ligadas, provavelmente, não só à sua incidência
diacrônica como às motivações e histórias mitológicas de grupos sociais
distintos. No entanto, a semelhança geral observada na arte Marajoara como
um todo, apesar das diferenças observadas entre os sítios, pode estar ligada a
uma necessidade de uniformização e ao compartilhamento de visões
cosmológicas inicialmente distintas, com vistas à necessidade de uma união
política e econômica entre os diversos
mounds
.
Apesar de não nos propormos a entrar na discussão das histórias
mitológicas dos povos amazonenses, temos que citar que em diversos mitos há
referência a rituais que envolvem a fecundação feminina e a fertilidade da terra,
compondo a imagem da Terra/Mulher (E
LIADE
,1985). É possível que as urnas
funerárias antropomórficas Marajoaras tenham relação com a mulher-terra-fértil
e nesse sentido, estejam ligadas também a uma idéia de renascimento.
A relação que se percebeu na decoração em diversos tipos de
utensílios entre serpentes e escorpiões e a visão deve ter tido um significado
bastante importante. Na etnografia encontra-se diversas referências às relações
entre esses animais e rituais xamanísticos. A representação desses animais,
assim como de outros, está seguramente ligada às suas qualidades distintivas
e à forma como esses são percebidos pela sociedade. É difícil fazer qualquer
tipo de analogia nesse sentido, uma vez que são as visões cosmológicas
peculiares de cada cultura que determinam o caráter das relações
sobrenaturais que se estabelecem entre os homens e os animais.
Observa-se também a ocorrência de motivos semelhantes, como
espirais e outros geometrismos, nos corpos de urnas tipologicamente
diferentes, o que faz com que se perceba essa como uma arte derivada do uso
de alucinógenos, a exemplo do que foi reportado para os Shipibo-Conibo e os
Tukano (ver capítulo I). A identificação de utensílios ligados claramente ao
consumo de drogas como a rapezeira, vem reforçar essa hipótese, já levantada
partir de dados etnográficos.
Antes de estudarmos detalhadamente os desenhos, o único
procedimento possível seria realizar uma análise formal, o que não
proporcionaria os resultados desejados. Por isso, na medida em que
reproduzíamos os desenhos e identificávamos as formas antropomórficas e
zoomórficas conhecidas, fomos percebendo que entre alguns utenlios
ocorriam desenhos estruturalmente semelhantes. Com relação ao prato
TWSP59 (prancha 5.e), apesar das deformações, não há como negar que
nesse prato esteja representado, estruturalmente, o lagarto. Essa conclusão, na
verdade é uma simplificação que fazemos para efeitos de identificação dos
signos iconográficos. Não há como determinar significados, mas é correto
afirmar que há uma representação iconográfica do lagarto ou de alguma
qualidade ou conteúdo a ele relacionado, num todo certamente compreensível
dentro daquela forma de linguagem visual. Da mesma maneira, sugerimos que
na tigela TWSP1 estão representadas, estruturalmente, as mesmas serpentes
observadas na parte inferior da urna 034 (prancha 5.a).
Os animais estão, portanto, iconicamente representados, de maneira
que suas características físicas nem sempre obedecem ao modelo original,
sendo tarefa delicada identificá-lo. Logicamente temos que considerar que essa
é uma característica inerente à representação artística indígena ligada à
mitologia:
“o modelo no qual vivem esses povos é largamente
sobrenatural. Sendo sobrenatural é irrepresentável por
definição, pois é impossível fornecer o “fac-similado” e o
modelo; assim, seja por falta ou por excesso, o modelo
transborda sempre sua imagem” (L
ÉVI
-S
TRAUSS
in
C
HARBONNIER
, 1989:74).
Se não é possível falar ainda a respeito de regras para essa arte
representativa, podemos anotar a existência de regularidades claramente
observáveis. Por isso, relacionamos e dividimos as características
fundamentais da representação em três grupos analíticos: quanto à estilização
propriamente dita, quanto à dualidade na representação e quanto à estrutura
significante:
É possível observar a estilização que se manifesta na:
a) diminuição do número de partes múltiplas de membros ou patas e
dedos (2 ou 3 em vez de 4 ou 5);
b) mudança nas proporções do corpo e membros;
c) modificação na forma dos membros (braços em espiral);
d) postura ou posição formal do corpo que se conserva a mesma nos
diversos suportes onde é representada.
Por sua vez, o caráter dual da representação pode ser observado
através da:
a) duplicação de partes do corpo, conferindo noção de simetria;
b) combinações, em outros contextos, de atributos ou partes de corpos
de humanos e animais formando uma só imagem (como, por exemplo,
hibridismo nas urnas funerárias Joanes pintado);
c) relação entre animal e fenômeno natural (serpente com fecundação)
ou entre animal e órgão do corpo humano (escorpião e olho nas urnas
funerárias Pacoval inciso);
d) formato da vasilha relacionado com seres ou parte de seres vivos
(rapezeira com tartaruga; vaso com seio).
A existência de estruturas significantes se observa pelo:
a) deslocamento espacial de partes do corpo ou troca de posição entre
essas partes (pata no lugar da cabeça, cabeça na extremidade dos membros -
prancha 5.e);
b) representação de partes do corpo sem conexão com o corpo original
(soltas em outros contextos).
Se a estilização e a dualidade são características ligadas à uma análise
formal, que por si só não esclarece a respeito da intencionalidade e das
motivações do artista, a existência de um sistema de relações entre estruturas
mínimas do desenho possibilitam que se pense na possibilidade de descobrir
uma lógica da combinação dessas estruturas.
A recorrência e a identificação de determinados unidades
geometrizantes como signos icônicos construídos a partir de uma
decomposição da representação antropozoomórfica nos fala da existência
desse sistema de relações estruturais que mantém certas constantes nos
diversos contextos. Percebemos que identificar e trabalhar com essas
estruturas básicas dos motivos decorativos na arte Marajoara seria tema para
um estudo em separado, para o qual foi dedicado o quarto capítulo desse
trabalho. O fato de termos reproduzido os motivos decorativos de praticamente
todas as vasilhas - ou pelo menos as que possuíam uma extensão que
possibilitasse a visualização de uma parte considerável do desenho - foi o que
possibilitou a elaboração do capítulo seguinte, que consideramos como sendo
nossa melhor contribuição ao estudo da arte cerâmica Marajoara.
Capítulo IV
A linguagem iconográfica da cerâmica Marajoara
Discorremos, no primeiro capítulo, sobre o papel que cumprem as
atividades artísticas nas sociedades indígenas, apresentando diversos
exemplos etnográficos que demonstraram que a arte pode ser entendida como
um código em um sistema de comunicação intrínseco à cultura. A maneira
particular pela qual esse código se apresenta em cada cultura depende não
do universo dos referentes, mas da necessidade e da capacidade dessa
sociedade em significá-los.
Uma vez que a expressão artística não pode representar literalmente o
objeto - e não seria, mesmo assim, esse o objetivo do artista - criam-se meios
de transformá-lo em signo visual através da expressão de suas qualidades
essenciais. Lévi-Strauss (in C
HARBONNIER
, 1989:80) identifica esse caráter
essencial com a estrutura:
“A obra de arte, significando o objeto, consegue elaborar
uma estrutura de significação que tem uma relação com a
estrutura do objeto.
Além disso, o autor salienta que a percepção da significação do objeto
na obra de arte não se dá somente ou obrigatoriamente de forma intelectiva:
“(...) o reconhecimento da estrutura do objeto
(na arte)
nos
traz emoção estética”
(L
ÉVI
-S
TRAUSS
, op.cit.:110)
Se consideramos a arte enquanto forma de linguagem para as
sociedades indígenas, uma vez que a arte nesse contexto é um fenômeno de
grupo, é necessário relacioná-la à maneira pela qual ela se organiza,
considerando o tipo de atividade intelectual da qual se origina. Não foram
poucos os autores que consideraram a forma de pensar mitológica como pré-
lógica, ingênua ou infantil. É importante sublinhar que as diferenças parecem se
situar em outro plano:
“A diferença do pensamento científico é que, enquanto este
desmembra o problema para explicá-lo aos poucos, o
pensamento primitivo explica tudo com uma teoria totalizante
- os mitos (...)
(...) trata-se de um modo de pensar que parte do princípio de
que, se não se compreende tudo, não se pode explicar coisa
alguma”
(L
ÉVI
-S
TRAUSS
, 1978:31).
Portanto, vemos que diferentes formas de pensar aparecem ligadas a
diferentes formas de linguagem. Assim, nas sociedades “modernas”, é a escrita
gráfica a principal forma de linguagem para expressão das formas socialmente
aceitas do pensar coerente - o pensamento científico.
Consideramos que a escrita ocidental, estruturada a partir de um
número determinado de signos gráficos arbitrários - as letras - a partir dos quais
se formam palavras e frases, é uma forma de comunicação convencional e
linear. Convencional porque implica na aceitação tácita de que a referência -
através da palavra falada ou escrita - se relaciona ao referente - o objeto. Essa
relação se de forma arbitrária, uma vez que o signo não guarda nenhuma
relação de similaridade com o objeto que representa. Linear porque a
compreensão do conteúdo semântico se dá pelo somatório de significados
apreendidos através de uma leitura de signos que se sucedem linearmente no
espaço: primeiro em linhas, depois em páginas.
Em sociedades onde a história e o conhecimento são transmitidos,
principalmente, através da linguagem escrita, é necessário que esse código
arbitrariamente determinado seja compreendido e aceito; como as pessoas
devem estar qualificadas a utilizá-lo, devem passar por um processo de
aprendizagem. As possibilidades de aprendizagem são limitadas a grupos ou
classes sociais e não é necessário entrar em grandes detalhes para se concluir
que o domínio da escrita está ligado ao poder.
Nas sociedades indígenas os processos cognitivos se dão de forma
diversa. A história mítica não possui um desenvolvimento linear e por isso pode
soar à nós como absurda e sem nexo. No entanto, Lévi-Strauss mostrou que
encerra uma lógica interna que a torna perfeitamente compreensível e
necessária àquela sociedade. Não se poderia esperar, portanto, que pudessem
engendrar uma forma de linguagem gráfica que se expressasse de forma
diferente. Desta maneira, diversos pesquisadores identificaram, nas sociedades
iletradas, a existência de uma forma de linguagem visual, não arbitrária, mas
icônica, que é compreendida, assim como os mitos, não de forma linear, mas
“em quadros”. Propomos que certos motivos decorativos, vistos no conjunto,
correspondam às unidades constitutivas dos mitos, denominadas por L
ÉVI
-
S
TRAUSS
(1975) de
mitemas.
Para usarmos termos comparativos com a cultura ocidental, são
bastante ilustrativas certas características dos processos comunicativos
engendrados na Renascença, que marcam, de certa forma, a culminância de
um longo processo de transição entre sociedades organizadas de forma
comunal e a globalização da cultura que se inicia com a Revolução Industrial.
Os vitrais das igrejas, por exemplo, que passam a ser ricamente decoradas nas
principais cidades da Europa, mostram cenas da paixão de Cristo, contando
uma história que pode ser apreendida, até pelo menos instruído dos fiéis,
através de uma linguagem icônica e simbólica não-linear.
A correspondência entre essa forma de linguagem visual e a linguagem
escrita, enquanto códigos, e, por outro lado, entre a linguagem visual e a
mitologia enquanto dois pólos de um mesmo sistema lingüístico, faz com que
se considere a necessidade da aplicação de um método estrutural para o
estudo da linguagem visual iconográfica, aos moldes do que fazem os lingüistas
e do que foi feito por Lévi-Strauss no estudo dos mitos.
Como vamos trabalhar com a noção de estrutura e considerando as
características de nossa pesquisa, a definição que nos propõe Umberto Eco
parece ser a mais eloqüente:
“Uma estrutura é um modelo construído segundo certas
operações simplificadoras que me permitem uniformar
fenômenos diferentes com base num único ponto de vista”
(E
CO
, 1976:36)
Nesse sentido a aplicação de um método estrutural não depende
apenas da natureza do fenômeno, mas da clareza que se tem a respeito das
bases mesmas que serão usadas para identificá-lo.
“A descrição estrutural de um objeto sem dúvida se opõe à
sua descrição fenomênica como a essência se opõe à
aparência.”
(B
OUDON
, 1974:145)
É importante salientar que não estamos nos baseando em nenhuma
metodologia estrutural assim concebida, porque concordamos com Boudon
quando questiona sua existência:
“Se entendemos por método estrutural a perspectiva muito
geral que consiste em conceber o objeto que nos propomos
a analisar como um todo, como um conjunto de elementos
interdependentes de que se trata de demonstrar a coerência,
então existe um método estruturalista. Mas não método
estrutural no sentido de que um método experimental.”
(B
OUDON
, 1974: 145).
O método de análise desenvolvido por Lévi-Strauss, a partir da
lingüística estrutural de Saussure, para o estudo dos sistemas de parentesco e
depois aplicado à análise dos mitos, abriu uma nova perspectiva para o estudo
das linguagens visuais dos povos sem escrita. A percepção de que são as
relações que se estabelecem entre unidades estruturais mínimas - no caso da
língua, os fonemas; no caso dos mitos, os mitemas - que permitem identificar a
existência, tanto na língua quanto nos mitos, de um sistema de significação,
oportunizou a alguns etnólogos a compreensão dos grafismos e desenhos nas
sociedades ágrafas como um sistema de linguagem visual icônica.
A utilização de uma linguagem gráfica, visual e icônica foi identificada e
estudada em várias sociedades indígenas modernas como os Walbiri, na
Austrália (M
UNN
, 1962, 1966, 1973); os Kayabí (R
IBEIRO
, 1987b), os Wayana
(V
ELTHEM
, 1992), os Asurini (M
ÜLLER
, 1990). A amplitude do trabalho que pôde
ser desenvolvido por essas pesquisadoras foi limitada pelo grau de aculturação
sofrido pelas sociedades estudadas, uma vez que não a escala em que a
linguagem é utilizada, como principalmente a compreensão de seu significado
pelas novas gerações é determinado pela possibilidade de manutenção de sua
cultura.
Dos acima citados, o trabalho de Munn nos parece ser não apenas o
mais ilustrativo, como o mais abrangente. Por isso, utilizamos os mesmos
parâmetros que possibilitaram a identificação dos grafismos Walbiri enquanto
uma linguagem visual icônica para analisar a arte geometrizante Marajoara.
Em nosso trabalho percebemos, através da comparação entre os
motivos decorativos nos vários utensílios cerâmicos, a existência de
determinadas unidades do desenho que se repetem, aparentemente de
maneira independente da forma da vasilha e da técnica decorativa utilizada
para representá-los. Foram identificadas, ainda, representações
antropomórficas e zoomórficas relacionadas, estas últimas, com animais da
fauna da região de Marajó, a partir de características distintivas claramente
observáveis. Relacionando, ainda, as representações icônicas com
determinados motivos geometrizantes e aparentemente “abstratos”, observou-
se que deve ter havido uma transformação das representações em desenhos
bem mais simplificados, de forma a poderem ser identificados, atualmente,
apenas por traços gráficos definidores de sua forma básica. Segundo
M
UNN
(1973) seriam esses traços gráficos verdadeiros signos icônicos.
A recorrência de unidades do desenho graficamente iguais,
combinando-se de maneira semelhante em várias vasilhas, mas formando
motivos decorativos de diferente complexidade, permite que se levante a
hipótese da existência de uma lógica de combinação dessas unidades, uma vez
que é bastante provável que tivessem tido o objetivo de expressar determinado
conteúdo semântico.
A partir dos estudos citados acima, concluímos que as características
desse sistema de significação gráfico não-arbitrário parecem ser as seguintes:
a) A existência de um número determinado, mas não necessariamente
reduzido, de signos gráficos elementares, que, pela forma, podem ser
considerados icônicos, que convencionamos denominar
unidades mínimas
significantes.
Nos trabalhos citados de R
IBEIRO
, M
UNN
, M
ÜLLER
, entre outros,
foram identificadas “unidades nimas de
significado
, uma vez que esse
significado era expresso verbalmente pela comunidade. Entendemos que, em
relação à nossa pesquisa, seria mais correto usar o termo “unidades nimas
significantes”
, uma vez que trabalhamos com signos a cujo significado não
temos acesso.
b) As unidades mínimas significantes não precisam estar,
necessariamente, relacionadas a apenas um referente. Ao contrário, por
tratarem-se de unidades iconicamente determinadas por sua forma estrutural,
podem ser estrutura, ao mesmo tempo, de mais de um referente.
c) O conteúdo semântico se pela combinação de várias unidades
significantes, formando um todo coerente e compreensível.
d) Os desenhos formados pela combinação das várias unidades
mínimas significantes estão relacionados com o repertório mítico da tribo,
tendo, por isso, uma função mnemônica bem definida.
e) As relações e regras pelas quais se combinam as unidades mínimas
significantes fazem parte de uma verdadeira gramática.
Com respeito à existência de uma gramática, R
EX
G
ONZÁLEZ
(1974)
propõe a criação de modelos que identificassem as relações formais que se
estabelecem a partir de signos que se repetem nos diversos motivos:
“Estos atributos se recomponem creando nuevas imágenes
cuya recurrencia nos habla a las claras de la existencia de un
verdadero mensaje, en el que los elementos esenciales
tendrían - por analogía - el carácter de verdaderos fonemas
de las frases figuradas, que pueden variar, a menudo, en sus
aspectos formales o estilísticos, pero entre las que se
mantienen sus relaciones, de manera que será posible poder
determinar la constancia o las diferencias de estructura que
dan coherencia al todo.“
(R
EX
G
ONZÁLEZ
, 1974:13)
Apesar de teoricamente consistente, entendemos que o trabalho de
Rex Gonzalez com a arte arqueológica no noroeste argentino é problemático,
uma vez que usa métodos da análise formal a partir dos quais busca extrair
significados, que propõe, ainda, sejam compartilhados por várias cuturas.
Em nosso trabalho, constatamos que, apesar de ainda não ser possível
determinar significados para os motivos decorativos observados na arte
Marajoara, é possível identificar que ela preenche os requisitos necessários
para que seja considerada uma linguagem visual icônica. Portanto, supondo
que essa linguagem se enquadre nesses requisitos acima, isolamos, através da
comparação entre os motivos, as possíveis unidades mínimas significantes. É
importante salientar que essas unidades não foram isoladas a partir de um
método de análise formal, a exemplo do que propõe S
HEPARD
(1976), mas
buscando as estruturas nimas, independente do local e posição onde
aparecem nas vasilhas, dando preferência, inclusive, a isolar unidades maiores
do que desmembrar, arbitrariamente, os signos, correndo o risco de
dessignificá-los.
Sendo assim, não consideramos a posição formal relativa das unidades
dentro do conjunto, mas isolamos unidades a partir da comparação entre os
diversos contextos onde elas estão presentes. Onde termina e onde começa a
unidade depende das relações estabelecidas nos diferentes contextos. Podem
haver sobreposições de unidades, de maneira a formar uma unidade composta.
Além disso, trabalhamos com a hipótese de que a unidade pode apresentar
variações de forma sem possuir variação de significado.
M
ÜLLER
(1990) isolou unidades mínimas de significação entre os
motivos decorativos dos Asuriní do Xingu, que possuem desenhos
geometrizantes e repetitivos, formando grandes telas que se sobrepõe aos
objetos como se fossem maiores do que seus limites. Ela percebeu que
diferentes partes de um mesmo motivo, por exemplo, o boneco
tayngava
(imagem humana) eram representadas separadamente, onde unidades
diferentes possuíam significados correlatos, sempre correspondente ao original
-
tayngava
.
A experiência de Müller parece confirmar nossa hipótese. É razoável
supor que com os desenhos Marajoara também acontecesse assim. Portanto,
ao identificarmos as unidades no corpo do desenho, percebemos que pela
posição duas unidades diferentes podem tratar-se, em essência, de uma
mesma unidade, mesmo que se apresentem de forma diferente.
Na prancha 8 apresentamos as unidades identificadas e, na prancha 9,
alguns exemplos de como elas foram obtidas nos desenhos. O levantamento
das unidades mínimas significantes foi feito segundo os desenhos e fotos dos
utensílios da coleção e deve ser visto como uma proposta/hipótese a ser
trabalhada futuramente.
Conclusões do capítulo
O levantamento das unidades mínimas significantes se deu como
decorrência obrigatória dos temas discutidos nos capítulos I e III. A identificação
de formas geometrizantes com provável ascendência antropozoomórfica
determina o caráter icônico da linguagem. Outro fator determinante é a
recorrência das unidades de desenho associadas em diversos contextos.
Nos abstivemos de tentar conferir significados aos signos gráficos além
dos sugeridos pelas analogias com motivos representativos na própria
cerâmica. Ou seja: as serpentes, os olhos de escorpião, as patas de lagarto.
Qualquer tentativa de comparar significados entre culturas diferentes não teria
nenhum valor científico, ainda que isso pudesse ser feito, pois identificamos
unidades semelhantes às do desenho Marajoara em diversas culturas, onde foi
feito trabalho etnográfico. O que se percebe é que o significado muda de acordo
com o grupo humano estudado.
Às vezes, no entanto, podem ser identificadas analogias entre
desenhos de grupos distintos. Nesse sentido, uma curiosidade é o motivo
Taangap
dos Kayabi, em forma de H, representando uma figura mítica,
semelhante ao boneco
tayngava
, dos Asuriní do Xingu, que em certos
contextos toma o lugar figura humana. Nas duas culturas uma relação entre
sobrenatural e figura humana no significado desse motivo. São figuras
estruturalmente semelhantes ao lagarto estilizado Marajoara que às vezes
assume formas antropomorfizadas.
Consideramos que não seria válido realizar nenhum levantamento
estatístico ou cruzamento de dados a respeito das unidades significantes e sua
ocorrência nas vasilhas, principalmente tendo em vista o tamanho reduzido da
amostra. Um estudo desse tipo deveria estar orientado no sentido de descobrir
a lógica das relações entre as unidades, em tipos de vasilhas semelhantes, de
preferência que apresentem motivos decorativos mais complexos.
Não realizamos nenhum trabalho de levantamento de mitos, o que
poderia proporcionar base para analogias. Entretanto, esse levantamento teria
que relacionar mitos de grupos humanos que habitaram Mara e regiões
circunvizinhas em épocas tardias. A semelhança entre a cultura material
Marajoara e Tupinam(conforme B
ROCHADO
, 1980) também poderia ser um
elo de ligação para referendar o estudo de mitos Tupinambá, com vistas a
relacioná-los, quem sabe, à linguagem iconográfica Marajoara.
Quando identificamos nas unidades semelhanças estruturais com
figuras icônicas, não estamos conferindo a essas um significado expresso. As
linhas enroladas em “S” que consideramos serem ícones das serpentes
enroladas não devem ter o significado, para aquela sociedade, de “serpentes
enroladas” - devem estar ligadas, sim, a uma concepção essencial desse
referente. Sendo assim, podemos dizer que, se não podemos conferir
significados, podemos ao menos inferir o “sentido”. Desta maneira, mesmo que
para nós, hoje, essa linguagem iconográfica não possua significado, enfim, ela
faz sentido e esse sentido pode ser estudado.
Conclusões Finais
O estudo da iconografia expressa na arte cerâmica Marajoara
apresentou-se a nós, num primeiro momento, como um campo de estudos
profícuo para o aprofundamento do conhecimento sobre uma das culturas
cerâmicas mais complexas da pré-história recente das Américas. Entendíamos
que o estudo da arte podia fornecer tanto ou mais dados do que a análise dos
demais vestígios da cultura material. O principal entrave à nossa pretensão de
relacionar a arte cerâmica com desenvolvimento social foi a falta de registro
estratigráfico preciso do material recolhido em escavações.
O fato de trabalhar com uma coleção museológica descontextualizada
não teria sido problema se já houvesse uma tipologia bem construída e
relacionada a uma linha temporal. A tipologia de M
EGGERS
e E
VANS
(1957)
apresenta problemas devido ao fato de ocorrerem em um mesmo utensílio mais
de um tipo; além disso ela não leva em conta o rigorismo técnico, que
consideramos fundamental. Por outro lado, R
OOSEVELT
(1991) apresenta uma
tipologia confusa, que utiliza para fazer seriação, mas não a descreve, tornando
impossível criticá-la ou utilizá-la.
Como era necessário aos nossos objetivos atermo-nos a uma amostra
específica, utilizamos uma coleção museológica e consideramos que obtivemos
êxito em trabalhá-la. Apesar de não termos trabalhado todos os fragmentos
existentes na coleção, pois estávamos interessados nos aspectos decorativos,
registramos a maioria das peças com alguma expressão decorativa. Além
disso, fizemos um registro de formas que se constitui em material importante,
porque algumas das formas registradas são pouco conhecidas ou
desconhecidas em outros trabalhos sobre a cerâmica da Fase Marajoara.
A partir de um levantamento que realizamos sobre o lugar que ocupa as
atividades artísticas nas sociedades indígenas, lançamos a hipótese de que a
arte Marajoara expressa na cerâmica seria um instrumento de afirmação étnica
e, mais do que isso, uma forma de linguagem ligada às concepções
cosmológicas do grupo. Desta maneira, os signos gráficos registrados na
decoração cerâmica estariam ligados ao repertório mítico e seria possível,
através do estabelecimento dessa relação, atribuir significados a eles.
A ocorrência da representação de animais na decoração de alguns
utensílios e principalmente em urnas funerárias, e a identificação dessas
espécies na fauna da região, possibilitou que se atribuísse um caráter mágico-
religioso à essas representações, que estariam ligadas às histórias míticas,
com base em analogias etnográficas.
A partir disso, a identificação de signos gráficos, aparentemente
“abstratos”, ligados, por traços definidores de sua estrutura, à representação
desses animais, se constituiu na base necessária para que se considerasse
essa arte como uma linguagem visual icônica, com objetivo claramente
mnemônico. Consideramos que o estudo dessa linguagem só seria possível por
meio de um método estruturalista, que aplicamos ao isolar possíveis unidades
mínimas significantes. Essas unidades foram identificadas a partir da
constatação de regularidades nas representações estilizadas de formas
antropozoomórficas.
O método utilizado, baseado na comparação entre os motivos
decorativos em diversos utensílios, apoiado em tentativas de ensaio-e-erro, e
buscando as unidades mínimas através das relações que as mesmas
estabelecem umas com as outras em diversos contextos, resultou no
isolamento de 52 unidades mínimas significantes entre as peças da coleção.
Consideramos essa parte do trabalho como um primeiro passo na identificação
dessas unidades para a arte Marajoara como um todo. A partir disso, deve-se
procurar identificar essas unidades em uma amostra bem maior, o que,
possivelmente, ocasionará uma alteração desse quadro.
Em estudos futuros, a possibilidade de conferir significados aos motivos
decorativos dependerá do estudo de sua estrutura e de relacioná-los a mitos de
populações indígenas que, por semelhanças na cultura material, possam estar
ligadas de alguma forma à população da Fase Marajoara.
Não só a observação dos utensílios cerâmicos da coleção Tom Wildi,
mas também os de fotografias vistas em diversas obras citadas nesse trabalho,
permitem que se afirme que há uma homogeneidade cultural entre todos os
mounds
conhecidos. Se há diferenças entre as técnicas decorativas ou forma
de recipientes encontrados nos diversos sítios, essa diferença parece ser
quantitativa, e não qualitativa, e pode ser uma contingência do tipo de
escavação ou coleta desenvolvida. Sabe-se que a maioria do material cerâmico
hoje conhecido não proveio de escavações com controle estratigráfico rígido,
mas de coleta e desenterramentos. Grande parte do material não possui nem
documentação quanto ao sítio de origem. Entretanto, pela documentação do
material que observamos, e dentre esses, as poucas peças que possuem
procedência conhecida na coleção, concluímos que não há estilo característico
de determinado sítio, já que estilos diferentes às vezes estão na mesma peça.
Principalmente temos de considerar o fato, observado na coleção, de que os
motivos decorativos acontecem independentemente da técnica decorativa
utilizada.
Pelos dados obtidos através do estudo da coleção, concluímos que há
relação entre determinados motivos decorativos, técnica empregada e formas
dos recipientes, ainda que essa relação não sirva para todos os casos. Alguns
utensílios decorados deveriam estar ligados a práticas mágico-religiosas,
enquanto que outros apenas serviriam em festas. Possivelmente existiria um
conjunto de utensílios diferentes complementares a serem utilizados em
determinadas ocasiões cerimoniais.
62
Entendemos que o desenvolvimento dessa arte cerâmica tão elaborada
esteve ligada por centenas de anos à necessidade de se manter uma unidade
política entre os diversos clãs que habitavam os
mounds
. Essa unidade foi
necessária durante muito tempo por questões econômicas, ligadas,
possivelmente, à produção agrícola e a atividades comerciais. Circunstâncias
hoje desconhecidas devem ter determinado o enfraquecimento dessa unidade;
assim, não teria havido mais motivos para que se continuasse a produzir
cerâmica ritual. Sabe-se que esses tipos de sociedades são bastante estáveis,
o que é comprovado, em Marajó, por datações que conferem à Fase Marajoara
uma permanência de cerca de 900 anos. Seu desaparecimento, por causa
disso, deve estar relacionado a fatores externos que podem ter ocasionado uma
migração ou dizimação de grande parte da população. O fato da arte não ter-se
perpetuado mesmo após a desarticulação dos clãs só confirma a hipótese de
que uma coisa esteve ligada à outra.
Apresentamos, em nosso trabalho, novos dados e hipóteses que
deverão ser melhor trabalhados e considerados em pesquisas futuras sobre a
Fase Marajoara. Se muitas questões levantadas não puderam ser respondidas
pelo fato de termos trabalhado com uma coleção museológica, diversas outras
questões foram discutidas e outros caminhos para a investigação foram
descobertos. Estamos certos de que, a partir daqui, o estudo da linguagem
iconográfica Marajoara encontra uma base segura para desenvolver-se.
62
O prof. Dr. Klaus Hilbert (PUC/RS) nos sugeriu que os significados expressos na decoração dos
vasilhames poderiam ser identificados pela população a partir de uma composição necessária entre vários
deles. Ou seja, haveriam certos tipos de utensílios e decorações que deveriam sempre aparecer juntos para
que tivessem seu conteúdo devidamente inteligível, como partes de uma mesma história.
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