Horas tristes
Casimiro de Abreu
Eu sinto que esta vida já me foge
Qual d'harpa o som final,
E não tenho, como o náufrago nas ondas
Nas trevas um fanal!
Eu sofro e esta dor que me atormenta
É um suplício atroz!
E p'ra contá-la falta à lira cordas
E aos lábios meus a voz!
Às vezes no silêncio da minh'alma,
Da noite na mudez,
Eu crio na cabeça mil fantasmas
Que aniquilo outra vez!
Dói-me inda a boca que queimei sedento
Nas esponjas de fel,
E agora sinto no bulhar da mente
A torre de Babel!
Sou triste como o pai que as belas filhas
Viu lânguidas morrer,
E já não pousam no meu rosto pálido
Os risos do prazer!
E contudo, meu Deus! eu sou bem moço,
Devera só me rir,
E ter fé e ter crença nos amores,
Na glória e no porvir!
Eu devera folgar nesta natura
De flores e de luz,
E, mancebo, voltar-me p'r'o futuro
Estrela que seduz!
Agora em vez dos hinos d'esperança,
Dos cantos juvenis,
Tenho a sátira pungente, o riso amargo,
O canto que maldiz!
Os outros, - os felizes deste mundo,
Deleitam-se em saraus;
Eu solitário sofro e odeio os homens,
P'ra mim são todos maus!
Eu olho e vejo... - a veiga é de esmeralda
O céu é todo azul.
Tudo canta e sorri... só na minh'alma
O lodo dum paul!