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Findo o regime militar;o foram poucas as aná-
lises creditando apenas às Forças Armadas toda a
responsabilidade pelas políticas públicas elaboradas
e implementadas durante o período de 1964 a
1985. Na verdade,o foi bem isso que sucedeu
em diversos campos. Naquilo que se referia espe-
cificamente às questões de segurança nacional e à
manutenção do regime, ao pesada dos milita-
res se fez sentir, sem nenhuma sombra de dúvida.
Mas, em inúmeras outras áreas houve divergências,
às vezes veladas, outras nem tanto, de setores da
sociedade que discordavam dos rumos que o país
tomava. Daí as inúmeras substituições de ministros
e os movimentos sociais observados durante qua-
se todo o período militar. Seguramente,o hou-
ve unanimidade na elaboração de políticas diver-
sas, tanto nas áreas agrícola e agrária quanto na edu-
cacional, na política externa ou na condução das
políticas energética e econômica.
Evidentemente, grande parte das divergências
permaneceu oculta, já que a imprensa, pelo menos
até meados dos anos 70, sofreu implacável censu-
ra. Muita coisa aindao foi devidamente explicada,
embora haja um esforço nesse sentido. E bem ver-
dade que, depois de 1985, os governantes, mesmo
o atual,om demonstrado grande interesse em
revelar acontecimentos como o sucedido no Ara-
guaia. Aos poucos, contudo, análises sobre assuntos
variados, cobrindo o período ditatorial,m sido
realizadas por vários pesquisadores, tanto de univer-
sidades nacionais quanto de estrangeiras.
O trabalho de Suzeley Kalil Mathias caminha
nessa direção. Pesquisadora arguta e incansável, vem
concentrando há anos esforços para entender o
papel exercido pelos militares nas décadas mais
recentes.Tendo analisado a distensão na década de
1970, em livro publicado há vários anos, e ultima-
mente dedicando-se ao estudo das "novas ameaças",
no presente texto detém-se em dois casos impor-
tantes: as Comunicações e a Educação.
Essas sempre foram duas áreas extremamente
importantes para o governo. Afinal de contas, o
controle da mídia é por demais estratégico, daí as
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A MILITARIZAÇAO
DA BUROCRACIA
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
Presidente do Conselho Curador
José Carlos Souza Trindade
Diretor-Presidente
José Castilho Marques Neto
Editor Executivo
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
Assessor Editorial
João Luís C. T. Ceccantini
Conselho Editorial Acadêmico
Alberto Ikeda
Alfredo Pereira Junior
Antonio Carlos Carrera de Souza
Elizabeth Berwerth Stucchi
Kester Carrara
Lourdes A. M. dos Santos Pinto
Maria Heloísa Martins Dias
Paulo José Brando Santilli
Ruben Aldrovandi
Tania Regina de Luca
Editora Assistente
Denise Katchuian Dognini
SUZELEY KALIL MATHIAS
A MILITARIZAÇÃO
DA BUROCRACIA
A PARTICIPAÇÃO MILITAR NA
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL DAS
COMUNICAÇÕES E DA EDUCAÇÃO
1963-1990
©2003 Editora UNESP
Direitos de publicação reservados à:
Fundação Editora da UNESP (FEU)
Praça da, 108
01001-900-São Paulo-SP
Tel.:(0xx11)3242-7171
Fax: (0xx11)3242-7172
www.editoraunesp.com.br
CIP - Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
M379m
Mathias, Suzeley Kalil, 1964-
A militarização da burocracia: a participação militar na administração
federal das comunicações e da educação, 1963-1990 / Suzeley Kalil Mathias.
-o Paulo: Editora UNESP, 2004
Inclui bibliografia
ISBN 85-7139-541-1
1. Brasil - História - 1964-1985. 2. Brasil - Política e governo -
1964-1985. 3. Militarismo - Brasil. 4. Educação - Brasil - Histó-
ria. 5. Telecomunicações-Brasil-História. 6. Burocracia - Brasil - His-
tória. I. Título.
04-1717 CDD 981.06
CDU 94(81)" 1963/1990"
Este livro é publicado pelo projeto Edição de Textos de Docentes e
Pós-Graduados da UNESP - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
da UNESP (PROPP) / Fundação Editora da UNESP (FEU)
Editora afiliada:
À
Lia
o se acredite que Estado algum possa
sempre tomar decisões seguras. Pelo contrário,
deve-se sempre levar em conta que as decisões
o todas dúbias, pois isto se inscreve na ordem
das coisas, eo se consegue jamais escapar de
um inconveniente sem recair em outro. Contu-
do, a prudência consiste em saber reconhecer a
natureza dos inconvenientes e tomar os menos
maus como satisfatórios.
Nicolau Maquiavel
SUMÁRIO
Prefácio 11
Introdução 15
1 Forças Armadas e políticas públicas 31
2 Os militares na burocracia federal 59
3 Os militares nas Comunicações 89
4 Os militares na Educação 149
5 Forças Armadas, burocracia e sistema político 191
Considerações finais 207
Referências bibliográficas 211
PREFÁCIO
A militarização do Estado é entendida freqüentemente como o
exercício do poder pelos militares e seus representantes, sem o fun-
damento da manifestação livre da cidadania. Comoo antípodas a
manifestação livre da cidadania e a militarização (que expressa o
afastamento da democracia e a conseqüente ocupação militar do po-
der de Estado), os sinais mais evidentes da militarizaçãoo a re-
pressão política, o controle da vida cultural, a supressão das liberda-
des, a desconsideração da diversidade, a identificação do inimigo
ideológico nos movimentos sociais, o controle dos sindicatos e dos
meios de comunicação, a censura etc.
Beneficiada pela perspectiva democrática, que abre novos hori-
zontes para a pesquisa acadêmica, Suzeley Kalil Mathias enfoca a
militarização da burocracia, ou de parte importante dela. Nesse sen-
tido, a militarização constituiu a influência direta das Forças Arma-
das em instâncias estatais de natureza civil (Comunicações e Educa-
ção), expressando, a meu ver, a importância de tais áreas, a perspec-
tiva gerencial e política de alguns setores militares sobre assuntos
relevantes - nos quais reconheciam valor estratégico para o desen-
volvimento do Estado - e, finalmente, a associação entre controle,
vigilância e acomodação entre ganhadores e perdedores. Que a Edu-
cação e as Comunicações eram de importância fundamental para o
Estado no regime militar, isto é bastante claro no livro. A autora é
feliz na apresentação dos dados que vão, pouco a pouco, compro-
vando suas hipóteses. Que determinados setores militares desen-
volveram perspectivas gerenciais na burocracia federal, isto tam-
m é certo. Em poucas décadas, o território nacional foi recoberto
pelas comunicações, seja porque os telefones e fax chegaram aos rin-
cões mais distantes por meio de empresas estatais, seja porque, sob a
égide dos governos militares, foram construídas poderosas redes
nacionais de rádio e televisão. Finalmente, há evidências de que a
distribuição de cargos nesses ministérios obedeceu à lógica da aco-
modação entre grupos dentro das Forças Armadas - alguns clara-
mente vencedores, outroso inteiramente perdedores -, sem dizer
das secretarias vinculadas ao Serviço Nacional de Informações. Pois
nada escapava à influência desse "monstro", como o classificou o
general Golbery do Couto e Silva, seu idealizador.
O livro Militarização da burocracia, com que Suzeley nos brin-
da, revela meandros da militarização da administração pública, que,
no entanto,o foi completa. Tanto que a autora se concentra em
dois ministérios. Permanece ainda hoje questão relativamente inex-
plorada: os ministérios da área econômicao teriam sido militari-
zados. E certo que serviram aos objetivos do Estado, mas tais minis-
térios sobrepujaram-se aos interesses das Forças Armadas em di-
versos aspectos. Dois sinaiso reveladores. Primeiro: os recursos
destinados ao aparelho militar começaram a diminuir sob o domínio
da burocracia de tais ministérios, e os governos democráticos pre-
servaram essa tendência, de tal forma que o orçamento militar brasi-
leiro é um dos menores do mundo conforme diversos indicadores.
Segundo: nos primórdios da transição política, gestou-se na área
militar um discurso que buscava explicar o seguinte paradoxo:
tendo dirigido o país, as Forças Armadaso se teriam beneficiado
do exercício do poder. Quem teria ganho, senão os burocratas e po-
líticos civis e os burocratas e políticos "híbridos"? Ou seja, milita-
res da reserva que preservaram áreas de influência nas Forças
Armadas, nos governos (em ministérios onde o dinheiro rolava sol-
to) e no Congresso Nacional; híbridos houve que detiveram poder
nos Estados.
A propósito, levanto a seguinte questão para a reflexão dos leito-
res: estaria nosso país conhecendo uma "militarização às avessas"?
Ou seja, estaremos dianteo apenas do recuo militar de áreas civis,
mas da ocupação de alguns espaços (antes identificados quase ex-
clusivamente com os militares) por outros grupos burocráticos, de
certo modo concorrentes com as Forças Armadas. Veja-se: a buro-
cracia militar dirige as Forças Armadas, subordinadas ao ministro
da Defesa; a burocracia que ocupa espaços inusitados é o Itamaraty.
Os diplomataso o fazem por conta própria nem usurpam poder,
mas, em razão do seu preparo e das conveniências do exercício do
poder,o alocados em postos de grande relevância: ministro da Fa-
zenda no governo Itamar Franco; porta-voz presidencial, ministro
da Ciência e Tecnologia, secretário de Assuntos Estratégicos e mi-
nistro de área econômica no governo Fernando Henrique Cardoso;
ministro da Defesa no governo atual.
Ora, os militares e os diplomatas constituem duas burocracias
muito fortes e perenes. Atentemos para o seguinte fato: houve em-
baixadores que eram militares (exemplo: o general Lyra Tavares,
embaixador na França no governo do presidente Médici), maso
tivemos militar como ministro das Relações Exteriores em tempos
recentes. Em outras palavras, o Itamaraty preservou o posto princi-
pal de sua estrutura da influência direta das Forças Armadas.
A criação do Ministério da Defesa e a elaboração da Política de
Defesa Nacional contaram com a participação de representantes da
burocracia diplomática, ao lado de oficiais das três Forças. E diplo-
matas houve em postos de relevo no Ministério da Defesa na gestão
do ministro Geraldo Quintão (chefe de gabinete e assessor especial);
no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o ministro da
Defesa é o embaixador José Viegas Filho.
Nos momentos políticos que precederam à criação do ministério
da Defesa, era patente o receio de setores militares de que as Forças
Armadas viessem a ser dirigidas por um diplomata. No entanto, a
gestão do ministro Viegas está ocorrendo sem sobressaltos. Já o re-
torno dos militares aos seus papéis - queoo poucos, muito me-
nos destituídos de importância e grandeza na Defesa Nacional -
constitui a marca principal da desmilitarização sob o regime demo-
crático.
Nas suas conclusões, Suzeley afirma que a administração federal
e a própria política nacional teriam absorvido valores autoritários,
tais como "a prevalência da ordem em detrimento do desenvolvi-
mento, ou a desqualificação de opositores,o tratados como adver-
sários, mas como inimigos e que, portanto, devem ser eliminados e
o vencidos". Trata-se de uma militarização capaz de ultrapassar o
regime militar. No entanto, sou otimista quanto à desmilitarização
da política brasileira, como sugeri na reflexão que desenvolvi há
pouco: entre as principais forças da sociedade civil e dos partidos
políticos,o há inimigos a eliminar, nem o acesso ao poder se dá
por outra via queo seja o voto.
Eliézer Rizzo de Oliveira
INTRODUÇÃO
Este trabalho nasceu das preocupações de um grupo de pesqui-
sadores que se reuniram no Núcleo de Estudos Estratégicos, incen-
tivados pelo Prof. Shiguenoli Miyamoto. Tínhamos em comum a
opinião de que era necessário aprofundar o conhecimento acerca da
atuação das Forças Armadas no período autoritário.
Entendíamos que os militares passaram a exercer um novo papel
no continente nas décadas mais recentes: o exercício direto de várias
instâncias do Poder Executivo. Assim, no caso específico do Brasil,
ocupar funções nas diversas esferas da administração direta e indi-
reta, seja em ministérios seja nas empresas estatais (públicas, de eco-
nomia mista e nas autarquias), passou a fazer parte das perspectivas
castrenses. Destarte, muitos setores assumiram feição predominan-
temente militar: instâncias como os ministérios das Minas e Ener-
gia, do Interior, das Comunicações, empresas como a Petrobras e
órgãos como o Departamento Nacional de Telecomunicações
(Dentei), a própria Fundação Nacional do Índio (Funai), e o Minis-
tério da Educação e Cultura ou do Trabalho, além de empresas
como Itaipu etc. converteram-se em franco reduto militar.
Embora detivessem no pós-64 o controle do Estado, as Forças
Armadas defenderam durante todo o tempo o argumento de que o
governo era civil. O fato de o presidente da República ser um mare-
chal ou general nada teria a ver com um regime militar, pois o cargo,
sendo civil, poderia ser livremente ocupado por qualquer cidadão
brasileiro,o importando se fardado ou não. Por isso mesmo, para
o caracterizar o regime político brasileiro como castrense, os ge-
nerais e marechais presidentes se trajavam à paisana, ao ocupar a
Presidência da República, ao contrário de outros países com regi-
mes semelhantes, onde o uniforme militar sempre se fez presente na
pessoa do chefe de Estado.
1
Em 1964, as Forças Armadas também entendiam que nada mais
estavam fazendo do que repetir situações anteriores, quando ocupa-
ram o poder momentaneamente, devolvendo-o às autoridades civis
assim que a casa "estivesse em ordem". Isto é, desempenhando o ve-
lho papel de força moderadora do sistema político brasileiro.o
vamos aqui retomar as discussões a respeito do poder moderador
das Forças Armadas brasileiras. Como se sabe, análises várias já ca-
minharam nessa direção, tentando definir o papel interventor dos
militares no cenário político nacional. Textos de José Murilo de
Carvalho e Oliveiras Ferreira até quantificam as intervenções mili-
tares na República.
2
Em contrapartida, as muitas análises a respeito mostram que
houve uma significativa mudançao somente no comportamento,
mas principalmente na participação política dos militares a partir da
intervenção de 1964. Assim, a literatura que trata do papel das For-
ças Armadas nos anos mais recentes pode ser considerada satisfató-
ria.
3
Os estudos cobrem desde o papel organizacional da institui-
ção, passando pela Doutrina de Segurança Nacional, até enfoques
que tentam mostrar que sua participação na política foi mais res-
trita, cabendo responsabilidade maior aos setores civis (Dreifuss,
1981).
1 Alguns bons estudos fazem referência ao processo de construção e internaliza-
ção de valores pelos militares e ao impacto psicológico disso sobre o exercício
da política. Ver, por exemplo, Rattenbach (1972); Dixon (1977); Finer(1975).
2 ConsultartextosdeFerreira(1988)eCarvalho(1977).VertambémMoraes(2001).
3 Apenas para efeitos de ilustração, ver os levantamentos bibliográficos feitos
por Lindenberg (1972) e Coelho (1985).
Essas análises, ainda que abrangentes, acabaram por centrar seu
foco no papel das Forças Armadas brasileiras como controladoras
das tensões sociais, como bloqueadoras das reivindicações oposicio-
nistas, calando legal (via Atos Institucionais) e coercitivamente
(prisões, torturas, banimentos etc.) todos aqueles que se opunham
ao regime ditado pela ponta das baionetas.
Tais análises detiveram-se no caráter político-institucional das
Forças Armadas, preocupando-se era verificar a participação dos
militares no golpe de 1964, na sua responsabilidade na entrada do
capital estrangeiro no país, no projeto "Brasil Grande" (anos 70), na
distensão política etc.
Nenhum estudo, todavia, analisou a presença da elite fardada na
burocracia administrativa. Obviamente, é importante saber que os
militares controlavam e ditavam as regras, seja por intermédio do
Ministério da Justiça seja pelos Decretos-Lei baixados diretamente
pela própria Presidência da República.
4
Porém, crucial também é
estudar a instituição militar a partir de sua efetiva participação no
seio da administração pública - quantos eram, em que ministérios e
empresas estatais ficaram lotados, e, o essencial: que importância ti-
veram na formulação e implementação das políticas governamentais,
em suas mais diversas facetas.
Em outras palavras, para conhecer melhor o papel e a importân-
cia das Forças Armadas no desenvolvimento político brasileiro, é
fundamental aferir em que medida a presença de militares nos di-
versos escalões da administração garantia a implementação e conti-
nuidade executiva dos planos governamentais (e se prolongariam
sob governos civis), se tinham alguma influência na formulação das
políticas, se o que era feito em termos governamentais correspondia
ouo à retórica, ao discurso esguiano, às pretensões nacionalistas
ou internacionalistas das Forças Armadas etc.
Uma ou outra tentativa, como a de Faucher (1981) ou a de Góes
& Camargo (1984), abordou, ainda que levemente, o assunto, mas
4 Os famigerados antecedentes das atuais "medidas provisórias", que como se
sabe eram usadas com mais moderação.
está longe de esclarecer quaisquer dúvidas a esse respeito. Stepan
(1975), ao elaborar sua teoria, considerada uma das mais importan-
tes dos anos 70, mitificou a Escola Superior de Guerra (ESG), o que
lhe valeu críticas anos depois, através, por exemplo, de Markoff &
Baretta (1985). Todavia, ainda que considerando seu pioneirismo,
há muitas lacunas a preencher na pesquisa sobre a relação entre ad-
ministração pública e Forças Armadas.
Explicita-se, tão-somente, que os militareso responsáveis pe-
los projetos de grandeza nacional, imputando tanto à ESG quanto às
Forças Armadas como um todo a responsabilidade por um determi-
nado projeto, como o Calha Norte, ou por tudo que foi até agora rea-
lizado. Dessa forma, fala-se que projetos como Itaipu obedeceram
apenas a interesses militares, contra a Argentina; o acordo nuclear
visando à obtenção da bomba atômica; os corredores de exportação
obedecendo às teorias geopolíticas, e assim por diante.
Na verdade,o atribuídas à instituição militar, sem que se fa-
çam as devidas ponderações, por exemplo, ações queo de respon-
sabilidade do Itamaraty (embora, é claro, possam ter passado pelo
crivo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional), do
Planejamento, do Interior etc.
Detendo-se em um quadroo geral, em vez de esclarecer, tais
análises acabam trazendo sérias imprecisões sobre a participação de
cada um dos atores nas decisões das políticas públicas.
Some-se a isso o desenvolvimento falho da burocracia brasileira,
desenvolvimento que está muito longe de obedecer aos requisitos de
estrutura racional que atribui Weber à organização burocrática.
5
A vigência dos diversos tipos de relação pessoal (clientelismo, fisio-
logismo, nepotismo) para determinar tanto o preenchimento de car-
5 A avaliação das particularidades, ou nova racionalidade da organização admi-
nistrativa, que tem vigência no Brasil, encontra análise sem paralelo em Ray-
mundo Faoro (1985). A seguinte passagem resume sua visão sobre o papel dos
militares: "O trânsito entre um tipo de modernização [da sociedade e do Esta-
do] para outro tipo está vinculado ao Exército ... Ela [a força armada]o
compõe apenas um ramo da burocracia, comoo constitui uma classe, repre-
sentando sua ideologia. Integra-se no estamento condutor, com presença pró-
gos quanto o status atribuído a cada função no interior da adminis-
tração pública aponta para a incompetência como fator endêmico da
burocracia brasileira.
E para isso que chama a atenção Barros (1981), revelando ainda
que a origem social e a profissionalização das Forças Armadas, des-
de os tempos coloniais, cuidaram de capacitá-las para o exercício de
funções tecnoburocráticas no interior da administração governa-
mental. Note-se, a favor dessa idéia, que, a partir do golpe de 1964, o
critério de preenchimento de cargos na administração pública pode
ter sido substituído, passando do compadrio (clientelismo, nepotis-
mo etc.) para o corporativismo (pessoal oriundo das Forças Arma-
das), ao menos nos postos-chave dessa administração.
E para esse fenômeno, pois, que voltamos nossa atenção. Repe-
tindo o que já dissemos: a ênfase agora recairá sobre a ocupação de
cargos, definidos como civis, por militares nos diferentes escalões
governamentais, nos mais distintos setores públicos (político, eco-
nômico, administrativo etc), procurando perceber qual a relação
entre ocupação do poder político do Estado e o seu desenvolvimento
burocrático-administrativo por meio da implementação (ou blo-
queio) de políticas governamentais.
Tomado dessa maneira, o estudo implicaria a análise de toda a
burocracia federal, com seus braços estaduais e até municipais. De-
mandaria o mapeamento de cada ministério e empresa estatal.
Excluindo-se os ministérios militares, queo a parte do Estado
brasileiro tradicionalmente ocupada pelas Forças Armadas, bem
como o Ministério das Relações Exteriores, que, dadas as caracterís-
ticas da carreira diplomática e da política exterior, impede a partici-
pação de militares em seus quadros, todos os órgãos da administra-
ção burocrática poderiam ser contemplados pela pesquisa, poiso
organismos, por definição, civis.
pria no quadro de poder, ostensiva nos momentos de divisão no comando su-
perior, divisão que, na estrutura estamental, conduz à anarquia. Ao tempo que
preenche o vácuo [deixado pelos civis], transforma as instituições, de cima
para baixo, engendrando o reajustamento para mais acelerado desenvolvimen-
to..." (p.747).
Se a pesquisa se limitasse ao arrolamento e à distribuição do
pessoal civil e militar nas diferentes esferas do exercício do poder
estatal, poder-se-ia considerar, sem distinção, toda a burocracia do
Estado. Todavia, como a proposta é avaliaro só essa distribui-
ção, mas principalmente a influência e participação dos militares
na formulação e execução de políticas públicas, impõe-se a escolha
de ministérios-chave. Para essa escolha, deve-se levar em conta
que, durante o período de tempo definido neste projeto, o Executi-
vo federal sofreu reformas que provocaram ora a extinção ora a cria-
ção de ministérios ou, ainda, em termos menos amplos, mudanças
de nomenclatura. Quando a referência recair sobre ministérios es-
pecíficos, considera-se que as atribuições podem mudar de mãos,
maso deixam de existir. Desse modo, por exemplo, pode-se es-
tudar o setor do governo federal responsável pela política de plane-
jamento independentemente de existir um Ministério do Planeja-
mento.
Tomando, assim, por base o que representa cada instância em
termos da implementação de políticas governamentais, as opções se
estreitam. Entretanto, ainda assimo consideráveis. Como é sabi-
do, setores técnicos, como Interior, Transportes, Comunicação etc,
o considerados estratégicos pelos militares. Isso porque, num mo-
mento de conflito, as potencialidades de defesa e resistência de um
país estão diretamente subordinadas à sua capacidade de prever e
resolver os problemas relativos à mobilidade e comunicação da tro-
pa e da população civil (Miyamoto, 1995).o por acaso os minis-
térios ligados a essas áreas eram tidos, após 1964, como franco redu-
to castrense. Assim, impunha-se a escolha de um representante da
área técnica.
Para avaliar se havia e como eram implementados os projetos
militares, e também para comparar os diferentes níveis de influência
castrense sobre as decisões de governo, entendíamos importante a
inclusão de um ministério da área social.
A preocupação com a construção e institucionalização de regi-
mes políticos necessariamente tem como ponto de partida a manu-
tenção da ordem social, e, para isso, papel importante é reservado à
formação do consenso, à construção e reprodução de valores sociais
que garantam a coesão do grupo.
Pensando sobre isso, uma frase de Médici chamou nossa atenção:
Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir
ao jornal. Enquanto as notíciaso conta de greves, agitações, atenta-
dos e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz,
rumo ao desenvolvimento. É como se tomasse um tranqüilizante após
um dia de trabalho. (in Mattos, 1990)
Assim, fomos quase que levados para duas áreas, uma "social" e
uma "técnica", mas quem como papel exatamente a reprodução
(e o controle) social: a Educação e as Comunicações.o sem razão,
as primeiras medidas dos novos regimes recaem sempre sobre esses
setores.
Tanto a Educação quanto as Comunicações, conforme já cuida-
ram de mostrar Gramsci e os teóricos da Escola de Frankfurt,o
arenas nas quais o espaço da hegemonia é continuamente disputado.
Nessa medida,o loci de formação dos valores sociais, da ideologia
que norteará as escolhas de um grupo. Entre esses valores, certa-
mente estão os políticos, entendidos como adesão a um dado con-
junto de regras, que privilegiam ora a divergência e a discussão ora a
ordem e a disciplina. Concordamos, pois, com Breed para quem as
funções latentes (entendida no sentido de Merton) dos meios de co-
municaçãoo
os media tradicionais e, também, os media emergentes reforçam a tra-
dição e, ao mesmo tempo, explicam novos papéis, pela expressão, dra-
matização e repetição de padrões culturais. Assim, os membros da so-
ciedade permanecem integrados na estrutura sociocultural. Entendi-
dos como forma de socialização adulta, os media surgem como garan-
tia de um conjunto de valores básicos, constituindo fonte contínua de
consenso,o obstante a introdução de mudanças ... os media mantêm
o consenso cultural pela reafirmação de normas. (in Cohn, 1971,
p.217)
Assim, ao lado do controle político exercido pela força, os regi-
mes políticos, para se firmarem, necessitam do controle social, pro-
porcionado pela Escola
5
e pelos media.
7
Dois outros fatores, ligados aos meios de comunicação de massa,
contribuíram para a escolha da área de Comunicação. O primeiro
foi ressaltado por Lima, que afirma que
O alcance do rádio cobre praticamente todo o território nacional:
prevalecem as faixas de ondas médias, com 825 estações, mas as 95
emissoras de ondas curtas, disseminadas pelas diversas regiões do país,
asseguram a instantaneidade da divulgação de mensagens informati-
vas, educativas, diversionais e publicitárias. Por isso mesmo, o rádio,
em um país continental como o nosso, constitui fator decisivo de integração
nacional. (in Melo, 1971, p.23, grifos nossos)
O segundo foram as constantes denúncias de tráfico de influên-
cia no setor, particularmente no que se refere à concessão de estações
de televisão. Tanto assim que alguns pesquisadores destacaram as
relações escusas que nortearam, por exemplo, a formação da Rede
Globo (Herz, 1987), e como esta sempre contribuiu para a bom fun-
cionamento do regime militar, como defende Soares (in Matos,
1994). Aliás, a frase de Médici aqui exposta tem por referência o Jor-
nal Nacional dessa emissora.
6 Exemplo de papel social da Escola é dado por Gramsci (s. d., p.120-1): "Não é
completamente exato que a instruçãoo seja igualmente educação... O 'certo'
se torna 'verdadeiro' na consciência da criança [estudante]. Mas a consciência
da criança [do estudante]o é algo 'individual' (e muito menos individualiza-
do), é o reflexo da fração de sociedade civil da qual participa, das relações sociais
tais como elas se concentram na família, na vizinhança, na aldeia, etc. A cons-
ciência individual da esmagadora maioria das crianças reflete relações civis e
culturais diversas e antagônicas as quaiso refletidas pelos programas escola-
res: o 'certo' de uma cultura evoluída torna-se 'verdadeiro' nos quadros de uma
cultura fossilizada e anacrônica...".
7 Entre as diversas contribuições a respeito do assunto (comunicação, educação e
controle social), estão as relacionadas à constituição da opinião pública. Uma
introdução competente ao tema é encontrada no verbete "Opinião Pública", de
Nicola Matteucci (in Bobbio, 1986, p.842-5).
Também do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, o
Ministério das Comunicações parecia ser a escolha correta, pois
toda a política de modernização do setor foi realizada a partir do final
dos anos 50, desde a rápida interligação telefônica até a agilização des-
tes, via satélite, além do controle dos meios de comunicação social.
Por último, uma rápida avaliação do orçamento do governo federal
mostrava que esse setor ficava na linha intermediária quanto ao mon-
tante de recursos a ele dirigido, indicando queo era prioritário.
Para a escolha do sistema de ensino como a contraparte social da
pesquisa, além da sua importância para impor o consenso pela
transmissão de valores "civis" e "morais", e do controle social que se
estabelece a partir da educação formal, pesou o fato de ser por meio
da educação que se formam os quadros futuros para a burocracia.
Também foi critério para a escolha o fato de a Educaçãoo ser con-
siderada área estratégica do ponto de vista militar, apesar de figurar
como o setor de maior montante orçamentário na área social.
Assim, para trabalhar a ocupação da administração pública pe-
los militares, na impossibilidade de avaliar todo o conjunto do go-
verno federal, escolhemos as áreas de Comunicação e Educação. O
que temos aqui é, pois, um estudo de caso. Objetivamos com este
estudo ampliar nossa compreensão do papel exercido pelos milita-
res no aparelho do Estado durante o regime autoritário militar e, em
particular, da sua efetiva participação em cargos de caráter civil.
Cremos que tal estudo poderá contribuir ainda para a realização de
estudos semelhantes em outras áreas da burocracia do Estado.
Analisar as políticas
8
de Educação e Comunicações implica es-
tudar o conjunto de princípios explícitos ou implícitos que orientam
a normatização do uso de tecnologias e as práticas sociais decorren-
tes desse uso, bem como ações do governo, ou apenas suas intenções
8 O termo política, como utilizado aqui, deve ser compreendido como seu cog-
nato inglês policy, isto é, o termo carrega o significado de plano e projeto de um
dado grupo (no caso específico, o governo), referindo-se, ainda, à escolha e exe-
cução do plano em apreço. Sobre a incorporação de termos relativos às políticas
públicas ao léxico da ciência política nacional, ver Draibe (1988).
expressas aplicadas às áreas indicadas. Portanto, a intenção desta
pesquisa é avaliar, por meio do estudo dos projetos e das propostas
para as áreas de Educação e das Comunicações feitas durante os go-
vernos militares, como também da leitura da legislação pertinente, o
impacto da presença militar sobre o processo de decisão política e
sobre a burocracia federal no período entre 1963 e 1990.
Sobre o período tratado (1963-1990), entre as várias opções pen-
sadas, a contemplada pareceu-nos ser a mais abrangente e a que me-
lhor elementos pode propiciar para a análise. Iniciar em 1964, depois
de Castelo Branco assumir a Presidência da República, implicava
o ter uma base de comparação a respeito da participação militar
na administração pública, daí propor um recorte que contemplasse
o governo Goulart. Sendo um civil e, melhor, desafeto das Forças
Armadas, é de suspeitar que fosse bastante restrita a influência cas-
trense sobre o processo de decisão. Incluir o governo Jango implica,
também, avaliar como eram as relações entre civis e militares, bem
como indicar os eventuais desacertos desse presidente quanto à co-
optação das Forças Armadas (Benevides, 1976).
Na outra ponta, um corte em 1984 poderia ser eventualmente
considerado. Contra essa alternativa, pesaria, porém, o fato de que a
ascensão de José Sarney (no lugar de Tancredo Neves), embora se-
nador da República e civil, parece nada ter representado em favor
da desmilitarização do processo de decisão no setor público. Isso
pode ser constatado pelas denúncias dos projetos paralelos de-
senvolvidos pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, con-
forme a imprensa freqüentemente divulgava, como também pela
subserviência de José Sarney ao estamento militar em todo o seu
governo.
A ascensão de Fernando Collor à Presidência da República, por
sua vez, trouxe alguns elementos interessantes para a análise. Sua
decisão em reorganizar a administração pública, fundir o Conselho
de Segurança Nacional e o Serviço Nacional de Informações numa
mesma entidade, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, as posições
contra o programa nuclear e outras medidas, além de esvaziar o Pa-
lácio do Planalto dos militares que ali estavam baseados, encami-
nhando-os aos seus locais de origem, fez desse governo objeto digno
de ser contemplado nesta análise. Assim, a decisão de ampliar o pe-
ríodo até pelo menos 1990 objetiva incluir um governo eleito direta-
mente, porque, nesse momento, poderá ser definitivamente encer-
rado o processo de transição, caracterizando a supremacia do poder
civil sobre o poder militar no que se restringe, ao menos, ao controle
do processo de decisão de políticas governamentais.
Ao longo da pesquisa que redundou neste trabalho, nossa hipó-
tese de trabalho se alterou. Num primeiro momento, trabalhamos
com a idéia de que a ocupação dos cargos civis por militares repre-
sentaria a militarização do governo e, conseqüentemente, do Estado
no Brasil. A partir da análise dos diversos dados, concentrados prin-
cipalmente nas duas áreas escolhidas para o estudo (Educação e Co-
municações), notamos que a militarização é algo muito maior e mais
duradouro do que a simples ocupação de cargos, embora este seja
um de seus mecanismos. Nosso propósito, portanto, é dar conta dos
vários aspectos desse processo.
A orientação dada pelos militares às políticas públicas pode ter
representado o deslocamento ou a introjeção do ethos militar das
Forças Armadas no Estado, para utilizar a visão de Oliveiros Ferrei-
ra (1994), de tal forma que a presença ouo da farda nas instâncias
importantes de decisão passou a ser uma questão de somenos im-
portância. De fato, durante os anos militares, foi-se formando uma
burocracia eficiente e eficaz para fazer valer uma visão de mundo
cuja base era a construção da potência.
Nesse sentido, o termo militarização se desdobra em nossa análi-
se: ele passa de simples ocupação de cargos por membros fardados a
um conjunto de atitudes do governo que refletem uma visão de
mundo que tem por base a organização castrense. Em termos provi-
sórios, sugerimos três significados para militarização. Esteso com-
plementares, maso interdependentes:
1 militarização diz respeito à participação física ou à ocupação
de cargos da administração pública civil pelos militares. Nesse caso,
supõe-se que a administração é um meio de transmitir interesses
para todo o sistema político. A apreensão do fenômeno é aqui mais
fácil, pois trata-se de comparar quantitativamente o peso de cada
ator (civil e militar) na burocracia estatal;
2 militarização pode ser ainda a realização, por meio das políti-
cas governamentais, das doutrinas defendidas ou formuladas pe-
los militares. Assim, quando uma política segue padrões geopolíti-
cos ou responde ao autoritarismo embutido na Doutrina de Segu-
rança Nacional, pode-se dizer que ela realiza um processo de mili-
tarização;
3 a impressão ou transferência de valores castrenses para a ad-
ministração pública também é entendida como militarização. Em
outras palavras, o ethos político (ou que vigora na polis) é equiva-
lente ao ethos militar (Ferreira, 1988). Nesse caso, a definição é
profundamente subjetiva e somente pode ser apreendida indireta-
mente.
No primeiro sentido, apreende-se a participação militar direta
no processo de decisão, pois trata-se, na maioria das vezes, da pre-
sença física de membros das Forças Armadas em cargos que, por
definição,o civis. Nos dois outros sentidos, é muito mais a in-
fluência militar sobre o processo de decisão que é enfocado pela
análise, pois aqui o ator pode ser um civil (ou um grupo de pessoas)
que comungue e transmita valores e comportamentos castrenses.
Ressalte-se queo é contemplado pela definição sugerida o
preenchimento de cargos civis por militares quando esteso consi-
derados técnicos competentes e, portanto, ocupam determinado
cargo em razão de sua especialização (como engenheiros de comuni-
cação, por exemplo), como burocratas bem treinados, eo por um
critério corporativista, no qual pesa mais o fato de ser militar do que
de ser um especialista (o queo significa que ele deixe de ter atitu-
des cuja base é a formação recebida na caserna).
Ao longo do trabalho, percebemos que a participação militar
pode ser também desse tipo e, portanto,o ter havido um processo
de militarização da administração pública. A favor disso está a ques-
o da sobrevivência, e até o desenvolvimento, de práticas políticas
quem no critério pessoal o divisor de águas, como as promoções
internas às Forças Armadas,
9
ou o clientelismo que continuou tendo
vigência na distribuição de canais de radiodifusão.
A combinação das duas idéias aqui colocadas permitiu uma aná-
lise mais global da burocracia brasileira ao longo do período estuda-
do. Em resumo, o que procuramos nas próximas páginas é descrever
duas áreas da administração pública no período tratado (1963-1990)
de forma a compreender como eram as relações intraburocráticas e
as Forças Armadas. A partir dessa avaliação, pensamos poder infe-
rir que as mudanças introduzidas pelo regime autoritário foram, no
seu impacto sobre a administração, diferentes das medidas dos go-
vernos civis. Talvez reforçar isso seja o grande feito do trabalho: há
uma avidez por mudanças na administração que atinge todos os go-
vernantes assim que tomam posse. Isso acaba por gerar uma des-
continuidade de obras e projetos públicos, e uma incapacidade de
construção de uma burocracia profissional. Em um quase paradoxo,
entretanto, essa burocracia constitui força de resistência às mudan-
ças, acabando por moldar o serviço público segundo a sua imagem.
Essa nossa avaliação descreve, parcialmente, como está organi-
zado o texto. Isto é, procuramos mostrar passo a passo a construção
das relações entre civis e militares no interior da burocracia. Assim,
no primeiro capítulo, descrevemos como a literatura específica tem
trabalhado com o tema para, ao final, registrarmos nossa opção teó-
rica. O segundo é dedicado a avaliar a participação e presença mili-
tar no conjunto da administração federal, tomando como base os
cargos de primeiro escalão. Somente no terceiro capítulo centramos
nossos esforços sobre os casos que queremos estudar. Nesse capítu-
lo descrevemos o significado da área de Comunicações no Brasil e
como ela foi montada para, a partir disso, avaliar as políticas públi-
cas adotadas e como se processou a militarização do setor. No quar-
to capítulo, o mesmo é feito para a Educação. No último, compara-
9 A ascensão de João Baptista Figueiredo é um exemplo da utilização de expedien-
tes pouco claros. Assim, sua promoção foi caroneada, obrigando, conseqüente-
mente, que os mais antigos, de acordo com o Almanaque do Exército, passassem
à reserva (cf. Bittencourt, 1978).
mos os resultados atingidos nos capítulos anteriores e tentamos ge-
neralizar a análise para o conjunto da burocracia federal.
Dado o interesse da pesquisa, entre os quaiso está esgotar o
assunto, determinados itens foram menos enfatizados que outros.
Assim, o peso de cada um foi trabalhado de acordo com as próprias
necessidades da análise. Portanto, ao longo do texto, percebe-se que
alguns temaso apenas citados, enquanto outroso intensamente
manipulados.
o podemos deixar de registrar as dificuldades encontradas ao
longo de nossa pesquisa. No nosso estudo confirmamos o que mui-
tos já observaram:o existe continuidade na produção de dados no
Brasil. Na era da informática, tivemos muita dificuldade em conse-
guir os dados necessários ao teste de nossa hipótese, razão pela qual
muitas vezes apenas registramos nossas suspeitas.
Interessante observar que exatamente o setor que deveria se preo-
cupar mais com a história do país foi também no qual obtivemos me-
nos respostas. Tentamos, por diversos meios, ao longo dos quatro
anos de nosso doutorado, conseguir as informações a respeito do
funcionamento e da ocupação dos cargos do Ministério da Educa-
ção, sem sucesso. O que háo dados sobre a estrutura atual. Pior,
mesmo o setor encarregado de produzir alguns dos dados que bus-
cávamoso nos respondeu, nem mesmo para informar queo fa-
laria a respeito.
Ao revés, no Ministério das Comunicações, o setor de Imprensa
foi bastante prestativo, dando-nos as informações de que necessitá-
vamos ou indicando onde consegui-las. Os dados cuja obtenção foi
impossível, segundo os próprios assessores, se perderam em razão
do desmonte a que foi submetida a administração pública federal
principalmente durante a gestão de Fernando Collor de Mello.
Assim, à tradicional desconsideração com a história do país, so-
mou-se o aventureirismo de um jovem presidente, que provocou a
falência definitiva do que ainda funcionava no Estado brasileiro.
Por último, maso menos importante, queremos registrar nos-
sos agradecimentos às diversas pessoas que auxiliaram na conse-
cução deste trabalho, originalmente nossa tese de doutoramento,
defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Univer-
sidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), em novembro de
1999. Assim, correndo o risco da omissão, mencionamos: Dr. Shi-
guenoli Miyamoto, mentor e orientador deste trabalho; Eduardo
Mei, amigo de todas as horas, a quem agradeço pela leitura atenta e
crítica das inúmeras versões produzidas pela pesquisa, pelo apoio
"informático" e pelo senso de humor com que tratou meus desacer-
tos; Dr. Héctor Saint-Pierre, amigo e companheiro, implacável
quando se trata de traduzir a reflexão intelectual, mas incondicional
no afeto; os companheiros de jornada do NEE, Cláudio Silveira, Iara
Beleli, Jadison Freitas, Paulo César Manduca, Paulo Kulman e Sa-
muel Soares, que recolheram material, conseguiram e processaram
dados sem os quais este trabalho certamenteo seria o mesmo; Dr.
Eliézer Rizzo de Oliveira,o somente pelo apoio logístico, mas
também pelas críticas, sugestões e apreço com que sempre tratou
meu trabalho; a Assessoria de Imprensa do Ministério das Comuni-
cações; dona Cleide Ilha, da Divisão de Ação Cultural da Empresa
de Correios e Telégrafos; Gilberto Gerzzoni e João Ricardo, asses-
sores da Câmara dos Deputados, pelas informações prestadas; Dra.
Ida Lewkowicz, que por inúmeras vezes ajudou na compatibiliza-
ção entre docência e pesquisa, e muito incentivou para que o traba-
lho fosse publicado; Chico Lobo, que foi meu comandante na via-
gem pelas ondas eletromagnéticas, tornando fácil o entendimento
da dura Física; Jesus, Lúcia Helena e Lia, por acompanharem meus
passos, compartilharem minhas angústias e alegrias, e por garanti-
rem a infra-estrutura doméstica necessária à superação deste e de
outros desafios. A todos, meu muito obrigada.
1
FORÇAS ARMADAS
E POLÍTICAS PÚBLICAS
Ao longo deste capítulo, discute-se como a ciência política con-
temporânea trata a relação entre Forças Armadas e políticas gover-
namentais objetivando responder à seguinte indagação: qual a par-
ticipação do ator fardado na formulação e implementação de políti-
cas governamentais no Brasil entre 1963 e 1990?
O objetivo aqui é compreender os caminhos e a profundidade do
debate para o estudo da participação militar na implementação de
políticas governamentais no Brasil pós-64. E uma análise sucinta a
respeito do tratamento dado ao tema em parte da literatura especia-
lizada com vistas a construir o marco teórico que norteará nossas
pesquisas.
Trata-se, portanto, de uma apresentação mais interpretativa do
que teórica, e queo se esgota nos seus próprios objetivos, mas es-
tende-se para outro universo, aquele relacionado ao estudo de polí-
ticas concretas e do peso de atores específicos na sua consecução.
O período enfocado pela pesquisa (1963-1990) justificaria a in-
clusão na análise da problemática militar no interior do que se con-
vencionou chamar "regimes burocrático-autoritários", mormente
quando se sabe que a produção acadêmica a respeito é bastante ra-
zoável.o retomamos aqui a literatura que se debruça tanto so-
bre a constituição dos regimes autoritários de base militar quanto
sobre a participação militar nesses regimes pelos seguintes motivos:
1. os modelos de análise propostos alcançaram um certo consenso
em torno das definições propostas por O`Donnell (1990) e Linz (in
Pinheiro, 1980); 2. em decorrência, há pouquíssima novidade nessa
área; e 3. já tivemos, em outros momentos (Mathias, 1995), oportu-
nidade de avaliar tais modelos e definições, concluindo que as pro-
postas de Linzo suficientes para avaliar a questão.
Essas mesmas observações valeriam para a discussão das transi-
ções do regime autoritário. Entretanto, nesse caso - talvez por ainda
prevalecer entre os estudiosos da política um enfoque dos militares
como "fenômeno momentâneo", o que faz deles objeto de análise
circunstancial, conforme sistetiza muito bem Agüero (in Diamint,
1999) -, a temática relativa à mudança política operada na América
Latina nos últimos tempos aindao encontrou nem mesmo um-
xico comum. Ainda assim, e como também nos debruçamos sobre o
tema em mais de uma ocasião,o o retomamos aqui. Ressalte-se
que compartilhamos as idéias de Rouquié (in O`Donnell & Shmitter,
1988a), para quem a mudança de governo nem sempre redunda em
mudança de regime político, ainda que haja relação estreita entre
ambos os processos.
Para apresentar os resultados atingidos, centramos nosso inte-
resse na questão das políticas governamentais, retomando antigas e
importantes correntes do pensamento político, como processos de
decisão e papel da burocracia. Para facilitar a leitura, dividimos o
texto em quatro itens, obedecendo à própria heterogeneidade dos
trabalhos analisados, indo dos mais gerais aos particulares; daqueles
que tratam do tema mais amplo, o da decisão política, aos que traba-
lham com metodologia em políticas governamentais; do processo de
decisão ao papel de atores no processo político do Brasil. No quinto
item, e com base na discussão bibliográfica feita, apresentamos nos-
sa filiação teórica.
Uma observação importante é que, a despeito de o debate sobre a
burocracia ser central à análise política, constituindo, junto com as
clivagens e consenso, assunto de interesse permanente e fundamen-
tal na divisão das ciências sociais (Lipset, 1967), o viés de discussão,
seguindo os passos de Weber (1984), é (quase) sempre o papel da
burocracia em ambientes democráticos. Quando a conjuntura de
dado exige, a burocracia em sistemas políticos autoritários é avalia-
da como algo secundário, como um mecanismo queo serve mais
para organizar o sistema, mas sim que está subordinado às próprias
variações do comportamento dos ditadores de plantão. Nesse caso,
há uma tendência a deixar de lado os processos de construção de
modernos aparatos burocráticos, centrando a atenção sobre a disfun-
cionalidade da burocracia e sobre a construção de estruturas tecno-
cráticas (Martins, 1975).
A premissa para a leitura dos trabalhos aqui tomados é que o sis-
tema decisório brasileiro, independentemente do regime político
que lhe dá suporte, caracteriza-se pela pouca clareza na separação
entre poder real e formal (Mota, 1987), o que explica em parte as
muitas reformas implementadas na administração pública - foram
seis entre 1930-1974 (Codato, 1997) - e dificulta o trabalho daquele
que quer compreender a montagem do sistema político no país. To-
davia, issoo implica disfuncionalidade de sua burocracia ou
abandono de técnicas de modernização. Pelo contrário, talvez pela
própria combinação adotada, e como veremos nos próximos capítu-
los, o sistema foi bastante funcional no que se refere à sua capacidade
decisória e ao desenvolvimento estável.
Burocracia e decisão política
Aparentemente, o trabalho Burocracia e ideologia, de Maurício
Tragtenberg (1985), pouco tem a ver com a preocupação aqui esbo-
çada. Todavia, ele nos auxilia ao historiar o fenômeno burocrático,
entendido como administração que se realiza plenamente no Esta-
do. Ele mostra, por um lado, como a burocracia é necessária à orga-
nização do Estado e, por outro, como a preocupação em controlar
sua expansão éo antiga quanto o próprio fenômeno. Além disso,
ao revisitar diferentes teorias sobre a administração - fazendo-o
com o pressuposto de que estaso ideologias, revela a importân-
cia dada aos diferentes aspectos de decisão do Estado, isto é, ora a
burocracia aparece como mediação entre governantes e governados
(Hegel) - e, nesse caso, podemos inferir que ela assume o papel que
cabe a outras organizações sociais -, ora como estrutura de decisão
que responde ao como eo ao porquê das ações. A partir das teorias
administrativas de Taylor e Fayol, Tragtenberg (1985, p.94) mos-
tra como, "em situações de impasse, a direção política da sociedade
passa às mãos da burocracia...", tomando para si funções que seriam
de todo o sistema político.
A despeito de a referência histórica de Tragtenberg ser a Repú-
blica de Weimar, sua análise permite visualizar o processo brasileiro
pós-64 como um sistema de autonomia burocrática, pois a centrali-
zação dos poderes do Estado no Executivo é um dos seus principais
sintomas que, com isso, passa a tutelar a política e a sociedade. Isso
dá uma pista para compreendero só o sistema de decisões do
Estado brasileiro, como também o papel dos militares dentro deste,
pois, conforme informa Tragtenberg, a burocracia nasce a partir da
disciplina e do planejamento militares. Assim, as ações burocráticas
podem ser encaradas como ações referentes à aplicação da autono-
mia militar ao Estado. Em outras palavras, a burocracia é uma orga-
nização disciplinada e disciplinadora que planeja suas ações com
vistas a fins específicos, buscando sempre definir seus objetivos sem
interferência externa, exercitando seu desejo de autonomia.
1
O tra-
balho em questão, todavia,o esclarece como se dá a relação entre
os subsistemas administrativo e decisório do Estado; comoo divi-
didas e processadas as atividades queo próprias do governo com
aquelas do Estado.
Essa relação fica mais clara no trabalho de Lindblom (1981),
cujo objetivo é muito mais próximo das nossas preocupações, ou
seja, ele busca elucidar o processo de decisão política. Como um
sistêmico, ele começa por afirmar que o processo de decisão deve ser
entendido como um subsistema do sistema político, e é a partir do
1 Conforme mostrou Weber (1980, p.1-85), há uma tendência do corpo buro-
crático a autopromover seus interesses, apontando para sua estruturação na
forma de castas. A autonomia diz justamente respeito a esse fenômeno, de pro-
curar fazer valer seus interesses "de casta" na condução da coisa pública.
estudo deste último que se esclarece o primeiro. Com essa análise,
ele acaba por responder à lacuna deixada por Tragtenberg - sem,
evidentemente, que isso seja seu objetivo, na medida em que apre-
senta como se dá a relação entre autoridade e influência, e a media-
ção entre grupos sociais e Estado. A burocracia é, de fato, a mediadora
de tais relações, maso é neutra (nisso reforçando a idéia de Trag-
tenberg), pois é produto da influência daqueles que participam do
jogo de poder, jogo este formalizado pelo sistema político. A admi-
nistração é parte da burocracia, mas nelao há jogo de influências,
pois sua ação resume-se à aplicação de normas.
A conclusão a que chega Lindblom, entretanto, é desalentadora:
ele opta por explicar tais relações a partir da teoria das elites, fun-
dando a influência desta principalmente no fator econômico, eo
apontando nenhuma saída para a massa, cujo controle sobre a for-
mulação de decisões é, segundo o autor, "frouxo no que se refere aos
temas secundários, circular no concernente aos primários. Nos dois,
é bem fraco" (1981, p. 109). Tambémo elucida como o jogo de in-
fluências é processado no interior da burocracia, principalmente
quando o ambiente (sistema político) é autoritário.
Partindo do mesmo quadro de definições de Lindblom, mas
apresentando um trabalho muito mais elaborado, Luciano Martins
(1976), estudando o processo de "modernização conservadora" no
Brasil, busca compreender os recursos disponíveis, numa situação
histórica dada, queo acesso às decisões, mostrando uma nova
abordagem para o entendimento do processo de decisão e de poder.
É uma nova forma de abordar o problema, porque, como ele mesmo
avalia, ainda que haja um crescente número de análises referentes ao
estudo dos processos de decisão (decision-making), essaso repre-
sentam divergências teóricas de fôlego, mas sim metodológicas, o
que ele resume em três abordagens principais:
A primeira pretende, por intermédio do estudo das decisões, abor-
dar o problema do poder em geral, em termos restrito da "comunidade"
(Dahl, Polsby, D Antonio, Form). A segunda é representada pela aná-
lise sistêmica (Easton). A terceira, finalmente, traduz-se pela análise de
tipo lógico-formal (Deutch, Schelling)... (ibidem, p. 155)
Diferentemente de Lindblom, Martinso se limita a recompor
o quadro das decisões nucleado pela elite dirigente e circundada por
grupos de interesse ou pressão. Ele busca, ao contrário, mostrar
como há diferentes tipos de conflitos e diferentes atores envolvidos
no sistema de tomada de decisão (ou melhor, no longo processo de
transformação de um interesse em reivindicação e desta em inten-
ções trabalhadas e legitimadas até chegar a constituir uma decisão),
considerando, também, que o sistema de decisões possui autonomia
para produzir respostas diferentes das reivindicadas.
Para o caso brasileiro, Martins conclui que a elite é limitada em
sua ação política por decisões tomadas externamente (a partir do se-
gundo governo Vargas), e é isso que define sua dependência, e ainda
pela mobilização popular, que dá legitimidade à sua ação, traduzin-
do-se na sua dominação, exercida seja por meio da cooptação seja
por meio da repressão. E no interior desse sistema que se processou
a modernização conservadora do Brasil, que, se, por um lado, inte-
grou novos atores (tecnocratas, militares), por outro,o logrou
construir um sistema político menos autoritário e que suportasse os
inevitáveis conflitos na tomada de decisão. Está nessa incapacidade
do sistema político de suportar os conflitos inerentes ao processo de
decisão a sua instabilidade permanente. Essa situação gera um mo-
delo retroalimentador que redunda na permanência de um sistema
de instabilidade-repressão-centralização.
Se Luciano Martins supera alguns problemas presentes em tex-
tos mais gerais, como o de Lindblom, continua a padecer dos pro-
blemas inerentes à abordagem adotada (teoria das elites por meio de
seu subproduto, a teoria dos grupos). Com efeito, Martins reafirma
a baixa operacionalidade da abordagem adotada, daí a necessidade
que se lhe impõe de analisar o processo de tomada de decisões a par-
tir do estudo de casos - feito, é verdade, com refinamento e abran-
gência, mas ainda assim, e como ele mesmo admite, restritivo.
Procurando oferecer um modelo de análise do processo de deci-
o baseado no materialismo histórico, temos o trabalho de Göran
Therborn (1982). Esse autor pretende mostrar como as diferenças
no modo de encarar/definir o poder políticooo meras questões
metodológicas, mas sim produto dos diferentes sistemas socioeco-
nômicos, e mostrar ainda como isso influencia no resultado espera-
do. Para demonstrar sua teoria, o autor constrói um modelo que
procura explicar como acontecem as relações entre os diferentes sis-
temas socioeconômicos (feudalismo, capitalismo, socialismo), o Es-
tado e as classes em seu interior.
Assim, o modelo permite mostrar como o Estado funciona como
aparelho das classes sociais. Ter poder, nesse sentido, é atuar de ma-
neira tal que o processo de reprodução se realize potenciando o pró-
prio poder da classe dominante. Assim, é possível avaliar qual o sen-
tido das intervenções do Estado num dado momento e quais as con-
seqüências para uma dada estruturação de classe. Nas palavras de
Therborn(1982, p.171-2):
De que maneira incide ou intervém o Estado nos processos de re-
produção e mudança social? A resposta deve ser buscada no que se faz (e,
em alguns momentos, não se faz) através do Estado e em como se faz atra-
s do Estado... O primeiro aspecto refere-se ao poder do Estado e o se-
gundo à estrutura do aparato do Estado. Quando afirmamos que uma
classe tem o poder, o que queremos dizer é que o que se faz através do
Estado incide de maneira positiva sobre a (re)produção do modo de
produção de que a classe em questão é a portadora dominante... Tomar
e ter o poder do Estado significa determinar um modo particular de in-
tervenção do organismo especial investido com estas funções.
O papel da burocracia estatal e da administração pública é mediar
as relações econômica e social das classes, e, assim, jamais podem ser
autônomas dessas classes. As políticas adotadas (policies)
2
e as deci-
sõeso mecanismos de comportamento das classes na reprodu-
ção/transformação social.
O grande problema do modelo construído por Therborn é que
ele, por um lado, acaba por cair na armadilha do discurso estrutural,
reforçando a idéia de que tudo depende de mudanças mais profun-
2 O temo política, como tradução de policy, é entendido como a conjunção de
plano de política governamental, processo de escolha entre planos, projeto po-
lítico adotado e política pública.
das; e, por outro, ele perde em especificidade, apesar de explicita-
mente colocar-se contra isso, ao avaliar cada Estado como represen-
tação de um sistema econômico. Além deo concordarmos que a
diferença vai além dos traços metodológicos (indo ao encontro, por-
tanto, das assertivas de Martins).
Processos de decisão e políticas públicas
3
Conforme já explicitado no início, falar em políticas públicas en-
volve tocar no processo de decisão do governo - como este acontece,
quais setoreso encarados como prioritários, quais gruposo pri-
vilegiados. Envolve, igualmente, debater sobre os caminhos da so-
ciedade hoje - Estado mínimo ou mercado mínimo, sem esquecer o
papel da sociedade civil.
O interesse e o espaço disponível aquio permitem dar conta
desse assunto. Ainda assim, como a bibliografia que elucida o tema
aqui trabalhado aponta, optamos por apresentar as linhas gerais
dessa discussão, ressaltando aquilo que mais de perto auxilia no tra-
tamento de como os militares participam no processo de decisão go-
vernamental no Brasil pós-64.
O desenvolvimento das várias disciplinas das ciências sociais,
em geral, e da ciência política, em particular, está relacionado em
grande medida com a crise e até mesmo com a falência das políticas
fundamentadas no Welfare State, seja na sua vertente européia seja
na norte-americana. É assim que se introduzem novas técnicas e
abordagens na análise dos processos de decisão e papel do Estado. A
teoria dos jogos, o novo institucionalismo, as metodologias desen-
volvidas pela Escola de Chicago ou da Virgíniao exemplos nessa
direção.
3 Apesar de "políticas públicas" parecer uma redundância (política, como o de-
rivado de polis, sempre é algo público, que se dá na praça), ainda entendemos
ser melhor do que adotar o seu equivalente em inglês, que muitas vezes agrega
ao substantivo policy o adjetivo public, repetindo a redundância da língua por-
tuguesa que, no entanto, nesse caso, é necessária porqueo existe um cognato
adequado.
No Brasil, ondeo se conheceu o desenvolvimento do Welfare
State,o se tem ainda nem mesmo um léxico permanente que per-
mita incorporar as críticas metodológicas mais recentes no que se re-
fere à tomada de decisão e ao papel do Estado nessa questão. E por
isso que a utilização de termos como public choice ou policy makers
continua a fazer parte das análises sobre políticas públicas,o en-
contrando equivalente na língua nacional (Draibe, 1988).
Issoo significa queo exista produção na área. Pelo contrá-
rio, ela é vasta e complexa. Porém, como pode ser notado em qual-
quer texto sobre o assunto, existe a necessidade de uma reflexão
constante sobre temas que até há pouquíssimo tempo eram conside-
rados resolvidos. Assim, tomando o já citado trabalho de Lindblom
(1981), vê-se que, a partir da necessidade de se entender o processo
de decisão política, é necessário repensar o significado que assumem
nas modernas sociedades termos como autoridade, governo e ativi-
dade política.
Como, entretanto, pensar a decisão política sem levar em conta
uma estrutura racional de escolhas que se pautam pela busca da van-
tagem individual? Esta é a principal questão dos teóricos da organiza-
ção e dos grupos (elites ou de pressão) que questionam as velhas ferra-
mentas com as quais os decisores (decision makers) trabalham. A teo-
ria dos jogos e a da escolha racionalo exemplos desse tipo de análise.
Centrando a atenção nos trabalhos cujo objetivo é oferecer um
quadro de referência para o estudo do Welfare State - seu surgi-
mento, desenvolvimento e declínio -, vê-se que estes buscam com-
preender todo o sistema político contemporâneo a partir do entendi-
mento das políticas adotadas por determinado governo. Apresenta-
mos em seguida um pequeno resumo sobre essas abordagens que,
de certa maneira,o contao apenas dos trabalhos já citados aqui,
mas percorrem a temática da decisão pública tanto em seu relacio-
namento com a sociedade civil quanto com o Estado.
Pode-se dizer que há duas grandes interpretações sobre políticas
públicas, aqui apresentadas a partir da divisão do universo dessas
políticas em dois grandes grupos, segundo a ênfase dada às deman-
das e aos investimentos (inputs) ou aos resultados (outputs) do siste-
ma decisório. A primeira, chamada internalista, parte da premissa
de queo as características e relações internas ao próprio aparato
burocrático governamental que explicam o que são, comoo e quais
os resultados das políticas públicas (Oliveira, 1982). As teorias in-
ternalistas dividem-se em quatro grupos:
1 Incrementalistas: as novas políticaso resultantes das já im-
plementadas, variando positivamente em torno de 10%;
2 Racionalistas: política eficiente é a que maximiza a relação
custo/benefício;
3 Interação simbólica: teoria dos papéis como ponto de partida,
a ação é impulsionada pelos símbolos;
4 Instrumentalismo: instituições governamentais como inputs
no processo decisório.
Num segundo grupo, nomeado interpretação de tipo extemalis-
ta, a ênfase para explicar a adoção e funcionamento das políticas-
blicas é dada aos fatores situados na estrutura social, ao meio ambien-
te de atuação governamental. Também nesse caso, pode-se dividir o
externalismo em quatro grupos:
1 Sistêmica: a política pública é o principal output do sistema
político;
2 Ecológica: as políticas públicaso entendidas como multidi-
mensionais e reconversíveis;
3 Teoria das elites: as políticas públicas resultam de decisões e
avaliações das elites governamentais;
4 Teoria dos grupos: políticas públicas como resultantes do
jogo entre diferentes grupos de interesse.
Um terceiro grupo,o incorporado nas interpretações citadas,
envolve um conjunto de trabalhos que busca abarcar tanto as rela-
ções internas quanto as externas ao processo de decisão, procurando
tomar cada uma das esferas como interdependentes, de tal forma
que estas constituam um sistema.
4
Por serem interpretações que
4 Embora constitua um sistema, essa abordagemo deve ser confundida com a
análise sistêmica, já mencionada e que faz parte das interpretações de tipo ex-
ternalistas.
partem da combinação entre investimentos e resultados, podemos
chamá-las, ainda que provisoriamente, de globalistas.
As principais interpretações de tipo globalistao exemplifica-
das pelo novo institucionalismo. Como é sabido, o novo instituciona-
lismo é um modelo teórico-metodológico que tem como premissas
as contribuições desenvolvidas por Karl Marx e por Max Weber,
entendendo que ambos, apesar das divergências,m pontos de
contato que permitem a construção da avaliação de comportamen-
tos no interior da arena pública. Seu objetivo é avaliar como se pro-
cessam as relações entre as normas (entendidas em sentido amplo,
o somente jurídico) e como estas afetam comportamentos e deci-
sões individuais; e, a partir daí, qual o impacto das escolhas indivi-
duais sobre as decisões coletivas e no desenvolvimento de novas ins-
tituições. Em tais interpretações, o Estado funciona como variável
central, e, a partir de sua análise, destacam-se as particularidades
como mecanismo de explicação para a constituição do modelo de
decisão política.
Dentro das abordagens globalistas, destacamos a contribuição
agrupada em Bringing the State Back in (Evan et al., 1985). Nessa
reunião de artigos, os autores compartilham o objetivo - analisar a
aquisição e o desenvolvimento da capacidade de ação pelo Estado e
como essa capacidade é afetada pelas relações transacionais - e a vi-
o de que grandes teorizaçõeso incompatíveis com a análise
comparada, propondo que a investigação tome como referência cen-
tral o Estado, entendendo-o ao mesmo tempo como ator social - o
que permite avaliar sua autonomia, porque pode-se adotar a escolha
racional individual na análise - e como instituição - ressaltando,
nesse caso, o contexto normativo, a morfologia das políticas públi-
cas e as formas de ação dos grupos no seu interior.
Para os objetivos do trabalho, o que mais interessa nessa aborda-
gemo as variações na "capacidade do Estado" (como poder inter-
vir legalmente no tabelamento de juros), analisadas histórica e es-
truturalmente. Tem-se aí a chave para compreender o grau de auto-
nomia do próprio Estado, as influências dos diferentes grupos sobre
o aparato de decisões, enfim, o desenvolvimento do sistema político
de uma nação. Em outras palavras, o método adotado aponta que a
análise da interação entre as partes do aparato estatal permite a com-
preensão de um Estado em particular, e a presença ou ausência de
dadas capacidades do Estado permite a comparação entre diferentes
Estados.
Também adotando o Estado como central para a análise, Boschi
& Diniz (1978) desenvolvem uma abordagem que, segundo eles,
supera o formalismo da teoria dos sistemas e permite visualizar os
fatores processuais envolvidos na tomada de decisão. Assim, as re-
lações entre Estado e sociedade civilo pensadas de forma não-di-
cotômica, abrindo caminho para entender os aspectos relativos à
fragmentação da burocracia e das diferentes possibilidades de arti-
culação entre os níveis privados e públicos envolvidos no sistema de
decisão.
Aplicando esse modelo ao caso brasileiro, e conforme já indica-
mos páginas atrás, os autores mostram como as análises correntes da
burocracia tendem a tomar o sistema de decisões como desvios da
racionalidade esperada - aquela encontrada nos países desenvolvi-
dos - eo como resultado da própria natureza do sistema político.
Em outros termos, no caso do Brasil, há a convivência de mecanis-
mos centralizadores e descentralizadores na tomada de decisões,
porém issoo traduz uma irracionalidade do sistema, pois cada
mecanismo prevalece em momentos e esferas distintos do processo
de decisão. Todavia, a convivência da descentralização-centraliza-
ção no processo decisório conduz à natureza fechada do sistema e in-
dica por que momentos de paralisia decisória e fechamento autoritá-
rioo constantes na história brasileira.
Essa abordagem é complementada, sem que este seja o objetivo
de seu autor, pela análise organizacional oferecida por Abranches
(1997): por meio da diferenciação entre níveis de análise do compor-
tamento geral da administração pública, ele apresenta como a ação
do grupo é mais importante do que cada ator (inclusive o governo)
individualmente,o transferindo, pois, para a análise do sistema
brasileiro as teorias gerais que sublinham a homogeneidade em de-
trimento das particularidades do sistema em apreço, o que conduz a
respostas de tipo disfuncional para o caso brasileiro. Nas palavras de
Abranches(1997, p.15):
Pensar dessa forma implica ver o sistema administrativo público
brasileiro, como um todo relativamente homogêneo e fortemente inte-
grado, quando, na realidade, ele sofre de uma heterogeneidade estrutu-
ral crônica e apresenta estruturas com baixo grau de integração.
Em contrapartida,
E a dinâmica social da organização eo seus aspectos formais que a
definem e lheo substância: um mundo paralelo no interior da buro-
cracia do qual se depende para saber se seus aspectos formalizados se-
o mantidos em ativação, ou substituídos por práticas consensuais e
consentidas, cuja origem está nos grupos eo na estrutura formal de
decisões. (ibidem, p.18)
E provável que a crítica que dirigimos ao trabalho de Martins
também se aplique aos textos do que chamamos abordagem globa-
lista. Isso porque todas elas compartilham um limite na abrangência
dos casos considerados, ou então perde-se a própria visualização das
especificidades históricas que os autores querem destacar. Ou seja,
filiando-se a esse tipo de abordagem, a análise é necessariamente
conduzida para estudos de caso que correm, no limite, o risco de se-
rem tomados como únicos e, portanto,o permitirem a avaliação
do desenvolvimento do próprio sistema que eles querem explicar.
Sistema político e decisão no Brasil
Um terceiro conjunto de trabalhos tem a preocupação de visuali-
zar o poder real existente no Brasil, em contraposição ao poder for-
mal, dado pelas estruturas jurídicas existentes. Para tais interpreta-
ções, independentemente de como se dá o processo decisório nos
seus aspectos formais, é preciso analisar de que maneira a ação esta-
tal atinge a sociedade civil ou parcelas dela; mais ainda, pensar todo
o processo de decisão, incluindo seus resultados.
Ê a partir da construção de modelos cujas variáveis englobam as
relações de classe, ou setores dessa, no interior da administração-
blica, que essas análiseso feitas. Esse é o sentido do trabalho de
Phillippe Schmitter, Interest Conflict and Political Change in Brazil
(1971), que busca atingir dois objetivos. O primeiro, analisar a rela-
ção existente entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento
político no Brasil pós-30 (até 1965); o segundo, avaliar qual o papel
de associações (grupos de interesse) no processo de decisão no Bra-
sil. A premissa é que "padrões passados de interação [de agentes e
instituições] influenciarão o curso do desenvolvimento futuro"
(p.3). Uma sociedade será considerada desenvolvida quando a mu-
dança tornar-se norma do sistema, daí a relevância dada à cultura
política: é por meio do que o autor chama de political enculturation
que se pode avaliar o padrão de desenvolvimento de uma socieda-
de.
5
A political enculturation, por sua vez, é um padrão resultante da
emergência e organização dos movimentos e associações de repre-
sentação avaliada em quatro dimensões: cobertura (extensão e dife-
renciação de grupos sociais), especificidade funcional (grau de res-
trição das atividades associativas), densidade (grau de participação
efetiva dos membros em cada associação) e pluralidade (extensão de
representação de cada grupo social em diferentes associações).
Com base nesse quadro, Schmitter avalia o processo de desen-
volvimento político no Brasil pós-Segunda Guerra Mundial, mos-
trando que, no caso brasileiro, diferentemente do padrão norte-ame-
ricano, as iniciativas políticasoo produto de grupos de interesse
mais ou menos gerais, organizados por meio de agentes de represen-
tação (partidos e Parlamento), mas sim do papel exercido no interior
do Poder Executivo pelos diversos grupos específicos (os políticos,
os administradores econômicos, os intelectuais e os militares).
5 A despeito deo ter a preocupação de analisar o processo de decisão de políti-
cas no interior do Estado, a análise de Huntington (1975) tem o mesmo sentido
da apresentada por Schmitter: a diferença é que o primeiro está preocupado
com a disfuncionalidade dos sistemas, avaliando que é o grau de politização das
instituições sociais que explica a disfuncionalidade.
Essa maneira peculiar de organizar o processo de decisão resulta
em levar para o interior do Estado a competição, o que em outros sis-
temas políticos acontece no espaço de interação entre os grupos de
interesses e de representação.
Na avaliação de Schmitter, o sistema brasileiro é bastante parti-
cular, cabendo-lhe a definição de Linz (in Stepan, 1975), desde que
ressaltada a idéia de autonomia relativa do aparato de Estado e de
circularidade em seu desenvolvimento, isto é, de alternância entre
"democradura" e "dictablanda", exatamente porque as característi-
cas de political enculturation levam sempre para dentro do sistema
estatal os impasses que poderiam ser resolvidos pela interação entre
os grupos de interesse.
Nessa mesma direção, mas com estudos de caso que exemplifi-
cam os pressupostos teóricos, caminha a análise de Luciano Martins
tanto no trabalho já parcialmente comentado quanto no seu estudo
posterior (1991). A diferença básica entre ambos está na ênfase em-
prestada aos atores. No primeiro, recai sobre as agências onde se
processam as decisões, e no segundo, sobre os decisores (decision
makers) públicos e privados.
Do primeiro estudo, interessa destacar que, pela noção de Esta-
do corporativo, Martins mostra como este funcionou como uma es-
tratégia governamental de incorporação de setores ao Estado (restri-
to às elites econômicas ou políticas), pela criação de Conselhos e ór-
gãos intermediários que passaram a ter grande poder na definição de
políticas a partir do fim do Estado Novo, e que chegariam ao ápice
no pós-64. Assim,oo os agentes sociais que constroem o apara-
to de decisão a partir da organização de suas demandas, mas o pró-
prio Estado. Nas palavras de Martins (1976, p.27), "o Estado apare-
ce no Brasil sob um triplo aspecto: ele é aparelho de dominação, é o
campo privado das elites e o árbitro dos conflitos entre elas...". E as-
sim que os estudos de caso apresentados descrevem o sistema de de-
cisões do Estado brasileiro e de como se desenvolve o sistema políti-
co ao longo do período republicano (até 1964).
Essa análise do sistema político é continuada no livro Estado ca-
pitalista e burocracia no Brasil pós-64 (1991), em que se avaliam
outros casos (agências). Aqui, Martins praticamente retoma as con-
clusões do trabalho já citado de Boschi & Diniz (1978). A tese do au-
tor é que duas forças agem no interior do Estado e acompanham sua
expansão: centrípetas, representadas pela concentração de recursos
financeiros e jurídicos no governo federal (principalmente no Minis-
tério da Fazenda), e centrífugas, representadas pela proliferação de
agências independentes nas decisões de alocação e aplicação daqueles
recursos:
O que parece significativo, no caso brasileiro, entretanto, é que essa
tendência para a "independentização" de agências e autonomia relativa
dos atores, a partir de lógicas particulares e específicas a cada qual, pa-
rece inscrever-se no próprio modo de expansão do Estado. (Martins,
1991,
p.43)
A expansão do Estado, representada pela proliferação de agências
e empresas "estatais", altamente acelerada no pós-64, abriga no seu
interior a articulação e a agregação de interesses das forças já incor-
poradas (processo analisado no trabalho de 1976). Essa ação do Es-
tado tende, ao mesmo tempo, a ser funcional ao sistema e também a
segmentá-lo e desorganizá-lo internamente.
Um terceiro nível da análise apontou para a ação paternalista e
tutelar do Estado sobre o setor econômico, ação essa realizada pelas
agências. Isso tudo resulta na expansão cada vez maior do Estado e
na ação cada vez mais penetrante de suas agências, aumentando o
custo social das políticas adotadas. O problema, todavia, só se resol-
verá pelo aumento da capacidade de controle da sociedade sobre
esse sistema, e não, como se tem visto, pela expansão do autoritaris-
mo, pois, neste caso, a entropia é aumentada, impedindo qualquer
ação planejada.
A resposta, portanto, é a mesma da apresentada pelo estudo an-
terior, ou seja,o, no desenvolvimento da burocracia, solução
que leve ao "arejamento" do sistema. Pelo contrário, como avalia
Martins, a introdução na burocracia brasileira "do instrumento ad-
ministrativo moderno por excelência", que é a empresa,o gerou
maior capacidade de controle por parte do Estado sobre suas agências,
e sim criou uma espécie de "feudalização" da burocracia, gerando
maior entropia e aumentando os custos do sistema. E, pois, pela
mudança mesma do sistema que se podem resolver as questões do
desenvolvimento com menor custo.
Um estudo bastante completo da administração pública brasilei-
ra é feito por Daland (1981). Para esse autor, a burocracia é a estrutu-
ra mais importante, forte, estável, contínua e complexa existente no
Brasil. Ela subordina os poderes, os políticos e os atores. Mesmo re-
gimes de força, como o inaugurado em 1964,o abalam sua estabi-
lidade.
As mudanças promovidas pela reforma administrativa (Decre-
to-Lei 200/67), queo um novo estatuto para cada órgão da admi-
nistração direta e indireta,oo suficientes para descrever o po-
der real concentrado em cada ministério ou empresa- nem mesmo a
hierarquia se organiza como estabelece a Lei -, e, por outro lado, as
mudançaso foram suficientes para transformar a forma de relacio-
namento intraburocrática. Daí porque no interior da burocracia na-
cional o poder real gira em torno da Presidência da República e é
exercido principalmente pelos setores militares, como o Conselho
de Segurança Nacional ou a Comissão Especial de Fronteiras.
Centrando sua atenção nas diversas Comissões e Grupos de
Trabalho, Daland mostra como o relacionamento entre o centro de
poder (Presidência da República e órgãos de sua assessoria direta) e
a periferia (os responsáveis na administração direta e indireta pela
implementação das políticas) é intermediado por esses grupos, e
como é por meio deles que o presidente faz que suas orientações sejam
seguidas. E isso o que torna, de fato, eficiente a burocracia do país.
Em contrapartida, no Brasil, há a combinação de quatro elemen-
tos que regem a administração pública e apontam para a disfunciona-
lidade do sistema (burocracia patológica): 1. o processualismo (toda
demanda deve seguir um ritual obrigatório e longo), 2. o afunila-
mento das decisões para o nível mais alto da hierarquia (toda decisão
deve ser tomada pelo chefe), 3. afastamento horizontal (falta de es-
tabelecimento de papéis para os funcionários), e 4. afastamento ver-
tical (duplicação das funções entre as agências). A combinação des-
ses quatro elementos leva à resistência à mudança (rigidez) e ao au-
mento da corrupção interna.
Comoo é objetivo do autor discutir como "curar" tais patolo-
gias, mas apenas descrever a burocracia brasileira, sua análise termi-
na nesse ponto, apenas acrescentando que o conceito de integração
nacional, crucial ao pensamento dos governos militares, parecia ser
um caminho, se adotado como plano geral de ação estatal, para a
mudança na burocracia, tornando-a mais eficiente pela superação
dos obstáculos apontados.
Percorrendo um outro caminho, Celso Lafer (1975) faz uma in-
teressante análise da relação entre administração pública e sistema
político, calcada em variáveis jurídicas e políticas.
6
Ainda que suas
conclusões apontem para aspectos estruturais como o fundamento
da característica de autonomia do Estado ante a sociedade, suas de-
finiçõeso importantes por preencher lacunas que encontramos
em outros trabalhos, como no de Maurício Tragtenberg. Ele separa
a arena administrativa da arena política (policy) e dá uma definição
bastante concisa da primeira. Para Lafer, a administração é sempre
execução de rotinas, em queo entram escolhas, daí ser importante
a precisão com queo dadas as ordens, muito mais do que os crité-
rios que norteiam as decisões. Já a política (policy) é entendida como
"programa de ação", ou seja, como plataforma formulada a partir de
escolhas e decisões, em que estão em jogo critérios e riscos diferencia-
dos. Na administração, o importante é a seqüência de normas; na po-
licy, o importante é a atuação do agente. Para testar suas hipóteses,
Lafer analisa o sistema político estabelecido no Brasil pós-1945,
procurando mostrar como a administração se relaciona com a políti-
ca de ação. Tendo como base essa análise, Lafer conclui que a auto-
6 Na verdade, a teoria proposta por Lafer, utilizando um outro léxico, nada mais
faz do que recolocar a teoria weberiana da burocracia. Recordemos que na tipo-
logia de Weber (1984, p.695 ss.), a decisão sobre os caminhos a seguir é obra da
política (do Parlamento), enquanto à burocracia [ao seu tipo puro] cabe a exe-
cução de rotinas, de decisões tomadas pelos políticos.
nomia do Estado ante a sociedade é parte estrutural do sistema polí-
tico nacional.
O trabalho de Lafer nos auxilia ao mostrar que as posições dos
agenteso diferentes, dependendo do local a partir do qual se co-
loca em prática uma decisão. Isso implica avaliar os atores a partir
da sua origem no interior do Estado, e, por conseguinte, a influên-
cia de cada um dos decisores é relativizada quando compreendida
a partir da análise das estruturas de decisão de um dado sistema
político.
Processo de decisão e participação militar
Deixamos para este último item os textos cuja preocupação cen-
tral, seo exclusiva, é analisar o papel que assumem as Forças
Armadas no processo político brasileiro; alguns dando pistas sobre
a participação desses atores no sistema de decisão, elucidando as ca-
racterísticas do poder dos militares perante outros atores e grupos
de interesse. Da mesma forma que os trabalhos reunidos no item an-
terior,o temos aqui um núcleo teórico-metodológico comum,
embora muitas das conclusões sejam semelhantes.
Alexandre Barros (1977) procura mostrar como a formação das
elites é importante para a construção do Estado nacional. Para além
das limitações da teoria das elites, o autor sustenta que nenhuma or-
ganização estatal prescinde de elites, que exercem papel fundamen-
tal na construção do sistema político ou na própria formação do
Estado nacional. Além disso, em Estados de formação intermediá-
ria - que nem seguem o chamado padrão liberal (Inglaterra) e nem o
autocrático (Prússia) -, como é o caso do Brasil, os militares consti-
tuem parte essencial da elite, diferindo da elite civil por uma série de
atributos, o que imprime ao Estado novas características. A partir
dessas definições, Barros busca explicar a alternância entre sístoles e
diástoles no regime brasileiro, e o faz a partir da análise da formação
do Estado nacional. Para ele, nenhum Estado é completo, mas vai se
tornando mais complexo a partir de respostas positivas a onze tare-
fas básicas: 1. soberania territorial; 2. estabelecimento das fronteiras;
3. transferências de lealdades para o Estado; 4. laicização da socieda-
de; 5. estabelecimento de corpo de funcionários; 6. criação de Forças
Armadas; 7. controle sobre o sistema educacional; 8. estabelecimento
de relações com grupos que precedem a formação do Estado; 9. publi-
cidade dos atos estatais com redução da coerção; 10. racionalização da
instituição estatal; e 11. proteção e defesa do território. Diante dessas
características, a formação do Estado é um processo permanente e
no qual as elites exercem o papel de ligadura das peças.
No caso brasileiro, em particular, Barros mostra que há uma per-
manente desorganização das elites, em razão, principalmente, do
descontrole estatal sobre o sistema educacional, situação esta agra-
vada com a massificação do ensino pós-64, o que redundou na ine-
xistência de um sistema de recrutamento de elites para o serviço-
blico. As exceções foram a diplomacia e as Forças Armadas que
mantiveram sistemas educacionais que permitem a formação ho-
mogênea de seus quadros. É esse qualificativo que diferencia milita-
res e civis, garantindo maior poder aos primeiros com relação aos
objetivos que buscam alcançar no interior do Estado. Processo se-
melhante, ainda que em grau menor, foi realizado pela tecnocracia
que, emborao contasse com um sistema de ensino particular, vi-
veu um processo de socialização semelhante (participação de seus
membros em organismos governamentais), mas sua atuação, por ser
ela constituída de diversos grupos homogêneos, sempre se subor-
dinou às demandas militares. Isso também explica a desconfiança
dos militares em relação aos civis e a permanência de períodos de
fechamento do regime. O resultado, segundo Barros, é ou a impos-
sibilidade de continuar o processo de construção do Estado nacio-
nal ou a reversão do processo realizado. Assim, a permanência dos
militares em centros de poder é uma forma de retardar essas conse-
qüências.
Em outro texto, no qual estuda especificamente a elite fardada,
Barros (1981) chega a conclusão semelhante, isto é, que a construção
do aparato estatal no Brasil "depende" dos militares. Os motivos
para isso, além de a formação da elite civil ser falha, é que a origem
da Força Armada brasileira é burocrática -o socializados para o
exercício burocrático mais que para o bélico -, aumentando sua ca-
pacidade de elaborar projetos para o país. E por isso que, em perío-
dos de crise do sistema político, há um aumento da presença militar
na administração pública. Esse é um modo de o próprio sistema au-
topreservar-se, procurando voltar à estabilidade.
Le Brésil des militaires, de Philippe Faucher (1981), é um traba-
lho imprescindível se queremos pensar as relações entre militares e
sistema de decisão de políticas públicas. Depois de passar em revista
diferentes teorias que buscam analisar o processo de modernização
no Brasil, o autor centra-se no papel exercido pelos militares na to-
mada de decisões públicas, mas com um objetivo maior: compreen-
der a relação entre sistema de decisão e crescimento econômico. Ele
mostra que a lógica da acumulação e a da repressãooo comple-
mentares, mas que esta última responde à autonomia que ganha o
aparelho militar do Estado perante os outros grupos, inclusive
aquele que detém o monopólio da decisão econômica. A repressão
o é necessária à acumulação - o queo implica queo seja fun-
cional, mas é exercida quando o militares entendem que deve sê-lo,
respondendo, portanto, à autonomia destes.
A análise de Fauchero se restringe a esse aspecto. Ele mostra
que a influência militar pós-64 sobre as decisõeso se resume a ser
aparelho repressivo. Por meio do Conselho de Segurança Nacional e
do EMFA, os militares agiam como observadores das decisões, de
forma a manter o modelo de desenvolvimento, e também pelo exer-
cício de poder de veto em setores por eles considerados estratégicos.
Isso significa que o importanteo menos as decisões em si e mais a
autonomia que detêm os militares perante outros atores do proces-
so. A chave, então, para entender tanto o regime quanto o sistema
está nessa autonomia. Faucher, entretanto,o sugere como anali-
sar as relações entre decisões e regime a partir da autonomia militar,
e muito menos como superá-la. Ele conclui dizendo que a solução
para as crises constantes do sistema está na redistribuição interna do
poder, o que inclui o setor militar.
Na mesma direção de Faucher caminha o trabalho de Dantas
Mota (1987), a ponto de podermos considerá-lo uma síntese e uma
continuação daquele. Mota procura desvendar o real poder dos mi-
litares, reforçando a idéia de que esses atores tinham muito mais ca-
pacidade de veto do que um projeto de desenvolvimento nacional,
daí a composição com a tecnocracia.
7
Ele reforça a tese de que o po-
der militar é estrutural ao sistema político brasileiro, maso no
grau em que é exercido. A resposta para reduzir ou eliminar o grau
de tutela dos militares sobre as decisões estaria, assim, na reforma
do próprio sistema.
Filiando-se explicitamente aos sistêmicos, Benevides (1976)
apresenta um interessante estudo sobre a estabilidade política cons-
truindo um modelo no qual a política militar constitui uma das va-
riáveis. Em sua discussão a respeito de como se construiu a estabili-
dade no governo Kubitschek, a autora mostra como no Brasil, para a
manutenção do próprio sistema político, é necessária a convergência
de pelo menos dois fatores: a divisão interna das Forças Armadas
(ou sua não-união em torno de um projeto comum) e o apoio parla-
mentar às políticas governamentais. Sem essa convergência, a esta-
bilidade do sistema, mormente em regimes democráticos, tende
para a disfuncionalidade.
Dos trabalhos sobre a temática da participação militar na admi-
nistração do Estado, os mais específicos aqui consideradoso os de
Góes (1979) e Góes & Camargo (1984). Góes tenta quantificar o
poder militar, mostrando como pouca coisa muda nos setores buro-
cráticos com as passagens de governo (seu exemplo é a sucessão
7 A maioria dos trabalhos avaliados eo incluídos aqui caminha nessa direção,
isto é, partindo de diferentes pontos, mostra que a participação militar no pro-
cesso de decisão governamental, excetuando-se os setores considerados de se-
gurança nacional, acontece muito menos por iniciativa de setores da caserna e
muito mais por veto militar. O modelo proposto por Lafer, aqui sumariado,
fornece, então, a chave para compreender a relação entre militarização do siste-
ma político e influência militar sobre as decisões governamentais. Assim, pode-
mos dizer que os militares ocupavam-se de questões políticas eo da tomada de
decisões rotineiras ou das políticas governamentais ordinárias (administração).
Um estudo de caso que analisa esse processo é o de Codato (1997).
Geisel-Figueiredo). A partir dessa constatação, o autor infere que os
militares detinham muito mais poder do que poderia parecer. Ele
mostra também que a área econômica é a que sofre menos com a
participação direta de militares na estrutura de seus órgãos. Isso po-
deria indicar, talvez, que a administração pública é um espaço de
composição entre interesses burocráticos eo um locus exclusivo
dos militares. Todavia, deve-se considerar que os militares também
exercem um poder formal, particularmente por intermédio do Con-
selho de Segurança Nacional e das diversas representações do Servi-
ço Nacional de Informações, que se soma ao poder representado
pela presença militar nos órgãos de decisão, e que implica uma in-
fluência maior dos militares em relação à burocracia civil na tomada
de decisões públicas.o há mudanças nas passagens de governo
exatamente porque se criou uma espécie de rede para garantir a con-
tinuidade da presença militar informal mesmo que eles abramo
do poder formal (ou percam-no).
A explicação dada pelo autor, entretanto, acaba nutrindo a idéia
de corporativismo, pois aparentemente a permanência dos militares
em diferentes órgãos é mais um mecanismo de manutenção de em-
prego (alternativa aos baixos soldos) do que uma estratégia planeja-
da para imprimir seus valores (ou interesses) à estrutura do governo
- o que, aliás, o autor nega ao admitir que muitos governadores e
presidentes da República resistiram à nomeação de militares para
cargos públicos.
Se a explicação é um tanto confusa, Walder de Góes oferece uma
base quantitativa de comparação muito importante para análises fu-
turas. Apesar deo haver uma descrição da técnica utilizada na ob-
tenção e tabulação dos dados, tornando difícil tanto a atualização
quanto o entendimento do processo que descreve, o autor fornece
uma visão diferente para o estudo da participação militar na política.
* * *
Nosso objetivo neste capítulo foi avaliar como a literatura trata a
questão da tomada de decisões pelo Estado brasileiro. Para atingi-lo,
partimos de dois pressupostos. Em primeiro lugar, quando falamos
em decisão do Estado, estamos restringindo o processo de decisão à
esfera pública, à chamada public policy, assim,o estamos definin-
do decisão como algo geral que está presente em qualquer relação
social. Em segundo, nos passos de Celso Lafer - que, por sua vez,
segue os de Weber -, entendemos que o Estado (para os efeitos aqui
buscados) é composto de duas arenas: a administrativa - na qual im-
peram regras e rotinas e, portanto,o existe espaço para escolhas e
decisões, e sim de execuções repetidas - e a propriamente política -
cujo fundamento da existência é exatamente a escolha e decisão.
Essa última é a referência quando falamos em processo de decisão.
Com essas definições provisórias em mente, tomamos uma série
de trabalhos quem como ponto central o vínculo entre sistema po-
lítico e processo de decisão do Estado no Brasil. A preocupação bási-
ca dos autores, entretanto, é muito menos abrangente do que isso
pode dar a entender: eles buscam apreender os diferentes níveis de
poder de determinados grupos e seu vínculo com a formulação de
políticas (programas de ação) no Brasil. Algunsm pretensão maior:
compreender o sistema político brasileiro e seu desenvolvimento
histórico. As características semelhantes desses trabalhos, isto é,
seus pontos de contato são:
1 Os textos podem ser classificados como estudos de caso, isto é,
a maior parte deles toma uma agência ou uma política específica do
Estado e busca explorar intensamente suas características com o ob-
jetivo de explicar um tema mais geral, qual seja, a relação entre siste-
ma político e processo de decisão no Brasil.
2 Mesmo sendo estudos de caso, os autores dedicam uma parte
substantiva dos textos à descrição da teoria e metodologia que fun-
damenta a análise pretendida. Isso se deve, dizem os próprios auto-
res, à inexpressividade de estudos dessa natureza no Brasil e à sua
importância na explicação do próprio sistema político do país.
3 Outra característica desses textos é seu vínculo com a econo-
mia, isto é, a maioria das análises recai sobre processos de decisão de
economic policies eo de estratégias gerais do Estado.
4 Mesmo quandoo é objetivo do autor analisar uma determi-
nada política (policy) ao longo do tempo, mas sim num dado mo-
mento histórico, eles destacam como característica do sistema polí-
tico brasileiro a sucessão de reformas administrativas do Estado
que, tomadas a partir de 1930, parecem coincidir com as mudanças
no próprio sistema político.
5 Essa inconstância do sistema político, e conseqüentemente do
sistema de decisão, encontra explicação em dois caminhos mutua-
mente excludentes: ora o sistema é encarado como funcional e por-
tador de uma lógica própria (diferente da racionalidade dos países
desenvolvidos), no sentido da manutenção da dominação de deter-
minada classe e da dependência do modelo econômico em relação ao
exterior, ora como disfuncional, pois cria órgãos e políticas (policies)
que se anulam mutuamente. O interessante, no entanto, é que essa
funcionalidade ou disfuncionalidade é encarada como explicativa
tanto da alternância entre sistema político aberto e fechado (demo-
cradura e dictablanda) quanto do sentido da mudança que colocaria
um ponto final às constantes reformas da administração: é a democra-
cia, como regime político, que impediria que todas as decisões, isto é,
a formulação de políticas, fossem processadas no interior do Estado.
Essa última observação abre caminho para sublinharmos o gran-
de ponto de divergência entre os estudos avaliados. Na maioria dos
casos, conforme apontamos no item 2, é explícita a linha teórico-
metodológica adotada. Essa varia desde a Teoria das Elites, passan-
do pelos sistêmicos até o Novo Institucionalismo. O interessante,
nesse sentido, é que, ainda que divirjam do ponto de vista teórico-
metodológico, eles acabam por apontar as mesmas explicações e so-
luções para o sistema decisório no Brasil. O que acontece é que colo-
cam ênfase em partes diferentes do processo de tomada de decisão:
mecanismos de entrada (inputs), de transformação ou de saída (out-
puts); ou então nos atores (elites, instituições, sistema).
Os militares nas políticas públicas
Com base na avaliação da literatura disponível sobre o tema, lite-
ratura esta queo aborda a relação entre Forças Armadas e políti-
cas públicas, mas sim cada um dos pólos da relação separadamente,
chegamos a um quadro teórico-metodológico cuja filiação pode ser
tomada como sistêmica. Nesse sentido, apesar dos problemas que já
apontamos a respeito dessa teoria, entendemos que é a que fornece
as melhores possibilidades para o entendimento do nosso problema,
qual seja, avaliar a participação dos militares na formulação e imple-
mentação de políticas governamentais.
A partir dessa filiação, repetimos que na análise do papel militar
é preciso considerar as abordagens interacionais (o que chamamos
anteriormente de globalista) como parte do modelo de análise, pois
elas nos oferecem um quadro no qual a variável principal é justa-
mente a relação entre setor castrense e setor civil.
Da mesma forma, a análise aqui feita reforça a idéia de que está
na proposta de Juan Linz o ponto de partida para a compreensão da
mudança política processada no Brasil em 1964. Todavia, a mudan-
ça para um regime civilo se reduz aos modelos que repetem que a
transição brasileira foi de tipo pactuada. Dadas as mudanças no ce-
nário internacional, o comportamento militar em processos de tran-
sição e também nos períodos de consolidação democrática somente
encontra formas de explicação ao considerar as categorias de auto-
nomia e tutela.o essas, levando em conta as ressalvas anterior-
mente feitas, que complementam o modelo teórico-metodológico
que buscamos.
A respeito do principal objetivo que perseguimos neste capítulo,
ou seja, uma avaliação mais ampla sobre os modelos de análise de
políticas públicas, pensamos ter mostrado que todos os modelos
analisados oferecem caminhos para o entendimento dos processos
de decisão nos regimes democráticos, maso o fazem igualmente
para regimes autoritários, mesmo quando este é o objeto específico
do autor (caso, por exemplo, dos textos de Alexandre Barros e Wal-
der de Góes). De qualquer modo, é nas mudanças institucionais que
as disfuncionalidades do sistema decisório encontram solução. E a
isso que atribuímos a correspondência existente entre mudanças de
ou no regime político com as reformas administrativas postas em
prática no Brasil a partir de 1964.
Em termos teóricos, romper essa camisa-de-força, isto é, desvin-
cular o necessário desenvolvimento do sistema político da mudança
do regime (e a adoção de regras democráticas) implica a combinação
do conceito de autonomia militar com a participação dos atores no
processo de decisão, encarando o comportamento dos atores como
mais importante do que a decisão finalmente adotada.
Considerando o exposto, apesar dos problemas referentes à
abrangência das análises, entendemos que somente a partir da com-
binação de diversos estudos de caso, esgotando os acontecimentos
queo objeto de análise, é que se pode de fato avaliar qual foi a par-
ticipação dos militares nos processos de formulação e implementa-
ção de políticas governamentais. Obviamente, os limites que se nos
impõem neste trabalho nos impedem de propor a realização dessa
investigação. Todavia, podem-se minimizar os problemas de abran-
gência desde que a escolha do objeto de análise (o caso a ser estudado)
recaia sobre processos de decisão global do aparelho de Estado, bem
como tomando-se mais de uma agência para processar a compara-
ção. A combinação desses dois critérios deve permitir a generaliza-
ção para toda a administração governamental.
2
OS MILITARES NA BUROCRACIA FEDERAL
Ao chegarem ao poder em 1964, os militares inauguraram uma
nova forma de administrar o Estado. Tanto assim, que foi durante o
regime militar que o país conheceu um número razoável de medidas
reformistas com o intuito de modernizar a burocracia nacional.
Também introduziram, mais tarde, um novo modo de relacio-
namento político, abandonando os ideais democráticos para abraçar
o caminho fácil do desenvolvimento econômico pela via do autorita-
rismo político. Nesse caso, encontraram terreno fértil na cultura
mandonista que ainda prevalece no Brasil.
o é novidade, portanto, que as Forças Armadas mudaram a
face do país nos 21 anos que estiveram à frente do governo, nem que
o fizeram por um mecanismo bastante engenhoso no centro do qual
estava o estabelecimento de regras legais que os próprios dirigentes,
quando necessário, cuidavam de ignorar ou descumprir. Durante
esses 21 anos, conhecemos a estruturação dos sistemas bancário,
econômico e financeiro; a reestruturação da administração pública;
a criação de fundos de provisão e crédito; mudanças nas relações de
trabalho no campo e na cidade; vários Atos Institucionais, Emendas
Constitucionais e até uma Constituição.
O que nos perguntamos agora é como essas mudanças se arti-
cularam com a presença dos militares, qual era a real participação dos
militareso somente no processo legislativo, mas e principalmente
na elaboração e execução das políticas públicas do período.
Uma das maneiras de avaliar essa participação é pela presença de
militares nos postos-chave de decisão governamental. Nesse aspec-
to, alguns estudiosos cuidaram de dar os primeiros passos, mostran-
do, por exemplo, quantos ministérios foram ocupados por civis e
quantos por militares durante determinada gestão. Aqui procurare-
mos ir, quando possível, mais longe, listando também os cargos de
segundo e terceiro escalões. E também tomamos um período maior,
procurando avaliar como foi o processo de ocupação de cargos no
Executivo Federal entre 1964 e 1990.
Reforçamos que nosso objetivo neste estudo é avaliar a real par-
ticipação dos militares na administração do Estado, é saber se de
fato houve um processo de militarização da burocracia, tornando as
Forças Armadas as reais gestoras da coisa pública, os decisores (po-
licy makers) das políticas implementadas na vigência do regime au-
toritário (1964-1985), e mais, como se processou a transição dos mi-
litares para os civis na administração federal.
Outro aspecto que deve ser considerado diz respeito à relação en-
tre burocracia e apoio político. E comum relacionar-se a ocupação de
cargos na administração com a necessidade de obtenção de apoio por
parte do Executivo no Parlamento, dado que temos um sistema presi-
dencialista multipartidário. Assim, a cada vez que o presidente quer
ver aprovado um projeto de seu interesse, ele tende a trocar cargos da
administração federal pelo apoio necessário (clientelismo). Se isso é
verdadeiro, dado que sob o regime autoritário esse apoioo era exi-
gência do sistema, pois vivíamos sob o bipartidarismo com fidelida-
de partidária (até o governo Figueiredo, quando se processou a re-
forma partidária), entãoo haveria esse tipo de utilização da-
quina pública, e, por inferência, a tecnocracia que dominava deti-
nha um conhecimento diferenciado que permitia e justificava sua
presença no interior da administração. Será essa explicação razoável?
Na impossibilidade de trabalhar com o conjunto da administra-
ção, na medida em que o número de políticas públicas foi bastante
extenso - basta pensar nas já mencionadas reformas a que foi sub-
metida a burocraciao somente estatal, mas também privada a
partir de 1964 -, tomamos os casos de dois setores: as Comunicações
e a Educação.
Neste capítulo, seguindo de perto trabalhos já realizados sobre a
presença fardada no Estado, buscaremos avaliar qual foi a presença
militar nos cargos públicos de primeiro e, se possível, segundo e ter-
ceiro escalões para o conjunto da administração federal. Aqui, por-
tanto,o se trata de analisar as diferentes políticas adotadas, mas
apenas acompanhar o processo de "invasão" dos cargos públicos pe-
los militares. Este será também um meio de situar as Comunicações
e a Educação no conjunto da burocracia federal, daí porque os dois
ministérios a que eram afeitoso serem trabalhados aqui.
Outra maneira de avaliar essa participação será uma análise, ain-
da que parcial, das dotações orçamentárias para os ministérios mili-
tares relativamente ao setor civil do governo federal. Faremos isso a
partir das despesas fixadas por órgão de governo (1964-1988) e/ou
por função de governo (1964-1990), segundo foi classificado pelos
próprios setores da União.
Dadas as características do estudo, excluímos os três ministérios
militares, pois estes foram até recentemente ocupados exclusivamen-
te por militares. É verdade queo deveria ser assim, pois a ocupação
dos ministérios militares por militares é uma situação, por si, ex-
cepcional.o obstante, durante todo o período republicano, em
apenas uma ocasião o Ministério da Guerra teve um comando civil -
na década de 1920, no governo Epitácio Pessoa. Assim, seo ex-
cluíssemos os ministérios militares da análise, mormente quando o
presidente da República era militar, ela sofreria uma distorção.
Considerando, pois, as ressalvas e os caminhos metodológicos, a
primeira questão a responder é: qual o patamar de participação cas-
trense no início desse processo? Em outras palavras, quantos eram e
onde estavam os militares antes do golpe de 1964?
Participação militar no governo civil
Conforme expõe Benevides (1976), o próprio sistema político
brasileiro, para funcionar, necessita da colaboração castrense. Fazem
parte do processo político mecanismos de cooptação desses atores
para que haja alguma estabilidade do sistema. E assim que os perío-
dos críticos da história brasileira correspondem também à união mi-
litar em torno de determinadas idéias. As fases de estabilidade, ao
contrário, implicam a manutenção de algum grau de divisão interna
às Forças Armadas, ao mesmo tempo que se assegura a participação
de militares em cargos governamentais - parece uma medida com-
pensatória para as Forças Armadas -, de forma a preservar a norma-
lidade do processo político pela garantia de "fiéis da balança" dada
ao ator fardado. Em resumo, já no governo Juscelino Kubitschek,
vê-se a
evolução crescente do poder militar, parece claro que o 11 de novembro
representou, de certa forma, a tomada de consciência dos militares
(apesar da cisão com o 24 de agosto) de queo podem mais se dividir,
pois divididosom poder e poder, para eles, é ocupar os postos do go-
verno, principalmente aqueles ligados ao desenvolvimento [comunica-
ções, transportes, estudos cartográficos e de aerolevantamento, coope-
ração com países amigos no campo da energia nuclear etc]. (Benevides,
1976, p.191, grifos nossos)
Essa mesma relação é apontada por Johnson (1968). Segundo
ele, os militares ocupavam cargoso castrenses desde muito antes
de 1964, eo só na esfera pública, como também em empresas
privadas. Aliás, para o autor, foi essa participação que "minou a
capacidade dos militares continuarem a desempenhar o papel de
moderadores da política" (p.211). Em pesquisa feita por Johnson
em 1959, a ocupação de cargos civis por militares se contava às
centenas, e entre estes estavam o titular do Ministério da Viação e
Obras Públicas e a direção da Departamento de Correios e Telé-
grafos.
A ocupação de cargos na administração civilo é, portanto,
uma novidade inaugurada em 1964. O que parece acontecer a partir
da chegada dos militares ao centro do poder é um aumento relativo
dessa participação, da mesma forma que se nota a ampliação das
possibilidades em conseqüência do aumento da participação do
Estado no desenvolvimento econômico.
1
No governo João Goulart, é sabido que houve uma grande cir-
culação de membros do primeiro escalão, a ponto de Wanderley
Guilherme dos Santos (1986) defender que a alta rotatividade no
Executivo federal contribuiu para o que ele chamou Paralisia deci-
sória,
2
fenômeno que levou ao aumento desmesurado da instabili-
dade governamental de forma que foi co-responsabilizado pelo gol-
pe de 1964. Por essa razão, restringimos nossa análise ao período
presidencialista (janeiro de 1963 a março de 1964) de João Goulart.
Em janeiro de 1963, havia treze ministérios e sete órgãos direta-
mente ligados à Presidência da República, totalizando vinte cargos
de primeiro escalão. Retirando os eminentemente militares, temos
quinze postos. Destes, centramo-nos somente nos ministérios,o
avaliando, por falta de dados, o Departamento Administrativo do
Serviço Público (Dasp) e a Consultoria Geral da República (CGR), e
também o Gabinete Civil, todos ligados à Presidência.
3
Como muitos já apontaram, a preocupação de Goulart ao orga-
nizar seu ministério, tanto em janeiro quanto em junho de 1963, era
1 Interessante notar, a respeito, que em uma série de reportagens datadas de
1983, o Jornal da Tarde apresentava o Brasil como uma congênere da URSS,
chamando-o ironicamente de República Socialista Soviética do Brasil. Nestas,
discutia-se o crescente papel econômico assumido pelo Estado a partir de 1964,
com a criação de comissões, grupos de trabalho, empresas e fundações que de-
veriam responder às demandas planejadas pelo governo central para fazer do
país uma grande potência. É importante lembrar, porém, que muitos desses or-
ganismos foram pensados em governos anteriores e apenas postos em funciona-
mento pelos sucessivos governos militares. A própria Reforma Administrativa
realizada por Castelo Branco tem seus estudos datados (e até um ministério cria-
do com esta finalidade) de 1961. Ver Jornal da Tarde, edições de 8 a 29.8.1983.
2 O fenômeno chamado paralisia decisóriao se restringe à rotatividade nos
cargos governamentais, mas esta é uma das variáveis, da mesma forma que a
fragmentação e a polarização política.
3 As fontes utilizadas para compor o perfil dos governos analisados foram: Almana-
que Brasil (1995-1996, p.22-3); Diário Oficial da União (23.1.1963, Seção I,
p.794-95); FGV-CPDoc (1984); Grupo Visão: Perfil - Poder Executivo Federal
(29.3.1968, outubro de 1973, novembro de 1974 e 1980); Corke(1989, p.44-72).
a conciliação das diferentes correntes políticas, de forma a garantir
um mínimo de governabilidade ao sistema. Para tanto, ele perseguia
a reedição da histórica aliança entre PTB-PSD, as duas forças políti-
cas capazes, se unidas, de lhe proporcionar a estabilidade necessária
ao cumprimento do seu mandato. Por isso mesmo, o rodízio entre os
ocupantes dos cargos de primeiro e até segundo escalões busca man-
ter o equilíbrio entre essas duas correntes políticas. De fato, mesmo
aqueles que saíram da caserna (dois casos)oo militares em sen-
tido estrito,o híbridos,o políticos que um dia freqüentaram a
caserna.
Dos 23 membros efetivos que passaram pelos doze ministérios
civis, apenas um era militar, o almirante Ernâni do Amaral Peixoto,
que ocupou a pasta Extraordinária para a Reforma Administrativa.
Porém, na época de sua nomeação, era deputado federal pelo PSD, e
foi nessa condição que o presidente o chamou para o governo.
Outros dois ministros passaram pela caserna: Expedito Macha-
do, nomeado em junho de 1963 para o Ministério da Viação e Obras
Públicas; e Wilson Fadul, que, como médico, ingressou na Aero-
náutica e foi nomeado, também na reforma junina, para a Saúde.
Outro ministro da Saúde, Paulo Pinheiro Chagas, freqüentou o Co-
légio Militar, maso concluiu aí seus estudos.
Da mesma forma que com o ministro para a Reforma Adminis-
trativa, todos os três citados eram, à época da nomeação, deputados
federais da liga PTB-PSD, e, tudo indica, foi nessa condição que se
tornaram ministros.
Quanto à participação de ex-alunos da ESG no ministério,o há
nenhuma referência a isso na biografia dos ministros. A única exce-
ção diz respeito ao presidente da Petrobras em janeiro de 1963,
Francisco Mangabeira, que fez ESG/Adesg. Porém, eleo foi esco-
lhido por Goulart, estava naquele posto quando da reforma minis-
terial de janeiro de 1963. Para substituí-lo, todavia, o presidente es-
colheu um militar, o marechal Osvino Alves Ferreira, que perma-
neceu no cargo até ser preso e depois cassado pelo primeiro Ato
Institucional do período militar.
Certamente, o número de militares que ocupavam cargos no go-
vernoo se resumia aos aqui arrolados. Entretanto, pelo menos no
primeiro escalão, essa participação era pequena. Nos outros níveis
da administração federal, há notícias que membros da caserna diri-
giam o Departamento de Correios e Telégrafos (DCP) e administra-
vam a Estrada de Ferro Leopoldina, ambos ligados ao Ministério da
Viação e Obras Públicas. Aliás, era nesse ministério, seguido pelo
da Justiça (por causa do controle da Polícia Federal), que historica-
mente se localizava o maior número de militares (Johnson, 1968).
Talvez isso explique, pelo menos em parte, a facilidade com que
Jango caiu. Conforme orienta Benevides, o presidente permitiu, por
um lado, que os militares se unissem em torno de uma idéia (o com-
bate ao comunismo que estaria sendo perseguido pelo presidente),
e, por outro,o os cortejou o suficiente (atendendo, pela nomeação
para cargos na administração, aos diferentes grupos militares) para
mantê-los afastados da política.
Deve-se também levar em conta a hipótese levantada por John-
son. Segundo ele, a ocupação de cargos na administração pública e
até privada por militares éo comum em países como o Brasil me-
nos por questões políticas e mais por razões econômicas:o capaci-
tados porque bem formados nas escolas militares, eo mais bara-
tos, pois o soldoo é fixado pelo cargo, e sim por sua patente. Esse
raciocínio seria válido inclusive para militares da reserva, pois o pa-
râmetroo seria a iniciativa privada, e sim aquilo que se paga na
caserna.
Se essa hipótese explica por que os militareso co-participantes
da burocracia no Brasil, elao esclarece as possíveis diferenças en-
tre os governos; isto é, seo os critérios econômicos (ou melhor, fi-
nanceiros) que determinam a escolha do profissional que ocupará
determinado cargo, então seria razoável supor que em períodos de
crise financeira aumentasse o número de militares na administração
pública. Ao revés, em períodos de crescimento e bonança, essa par-
ticipação cairia.
Como os próprios dados colhidos por Johson sugerem, contudo,
o é isso o que ocorre,o podendo se estabelecer uma correlação
forte entre economia e ocupação de cargos. Parece mais plausível
supor queo as relações entre as forças políticas que disputam o
poder no Estado e até os apoios que aqueles que estão no vértice do
governo necessitam que determinam as variações na ocupação de
cargos na administração pública.
Se estamos certos, haverá crescimento na participação dos mili-
tares no pós-64 no Brasil porqueo generais que ocupam a Presi-
dência da República. Em contrapartida, nos períodos mais críticos
do ponto de vista político, e principalmente na fase de transição ini-
ciada por Geisel, esse número tenderia a cair, equíparando-se ao de
civis. Issoo significa deixar de lado as afirmações de Benevides
quanto aos fatores de equilíbrio entre civis e militares que devem
existir para que o sistema político seja estável.
Participação militar no governo militar
Foram a busca de estabilidade por meio da manutenção do equi-
líbrio entre as diferentes forças em disputa e a necessidade de dife-
renciar-se de seu antecessor mostrando capacidade técnica que
animaram as escolhas de Castelo Branco na composição de seu mi-
nistério. Essa visão é compartilhada pela do governo britânico, para
quem
Muitos acreditam que o homem forte no governo é o general Costa e
Silva, ministro da Guerra. Ele é o único "sobrevivente" do Comando
Supremo da Revolução que permanece com cargo no governo ... O ma-
rechal Juarez Távora, ministro dos Transportes, é outro contemporâ-
neo de Exército do presidente e, segundo dizem, com certa influência
sobre ele, além de também ter reputação de incorruptível. Os outros
ministroso técnicos capazes, todos com boas qualificações para o car-
go, mas com pouca vivência em política. Aparentam estar solidamente
unidos ao presidente eo há sinais de existir dissensões entre eles ...
o fora a falta de experiência política, dificilmente uma melhor equi-
pe poderia ser montada no Brasil. (Relatório do Embaixador britânico
no Brasil em 1964, Sir Leslie Fry, apud Cantarino, 1999, p.133).
O que chamou a atenção dos analistas, no entanto,o foi a ca-
pacidade que possuía a equipe escolhida por Castelo Branco, mas
sim o número de militares que compunha o primeiro escalão desse
governo e, principalmente, os militares oriundos da ESG. Assim, a
análise de Stepan (1975, p. l72 ss.) mostra que o círculo mais próxi-
mo do presidente era um conglomerado militar. Ele chama de con-
glomerado porque esses militares tinham características de carreira
comuns: dos dez generais mais próximos de Castelo Branco, 50%
participaram da FEB, faziam parte do corpo permanente da ESG e
cursaram escolas estrangeiras, e 100% ocuparam os primeiros luga-
res nas escolas militares (cf. Fiechter, 1974).
Já Walder de Góes (1979) mostra que a partir de 1964 há um
crescimento da participação militar, mas essao é muito diferente
daquela que vinha se verificando antes, sob a égide civil. E somente
mais tarde, com a implementação das reformas, que redundaram
em uma participação maior do Estado na economia, que se verifica a
"penetração direta" dos militares na administração pública.
De todo modo, a análise da composição do ministério de Castelo
Branco mostra que a participação militar aumentou em relação aos
governos anteriores: sem incluir os três ministérios militares e con-
siderando os cargos diretamente subordinados à Presidência da Re-
pública, têm-se quatorze postos. Destes, seis foram ocupados por
militares em algum momento da gestão castelista (considerando
apenas os ministérios civis, 28 foram ministros titulares entre
15.4.1964 e 15.3.1967). Nem mesmo o Ministério das Relações
Exteriores
4
ficou imune ao controle militar: no último período desse
governo, ele foi ocupado pelo general Juracy Magalhães - que antes
havia sido titular da pasta da Justiça e Negócios Interiores.
4 As características da carreira diplomática e da política exterior afastam a pre-
sença castrense dos quadros do Itamaraty, o queo implica que o cargo de mi-
nistroo seja utilizado politicamente ou mesmo que o Ministério das Relações
Exteriores ficasse imune à tomada do governo pelos militares. A respeito da po-
lítica exterior sobre o regime militar, há vários trabalhos, como os de Paulo Vi-
zentini, Williams Gonçalves e, para uma visão interna, Guerreiro (1992).
Assim, se comparado ao governo Jango, a participação militar no
ministério de Castelo Branco cresceu seis vezes. Considerando o ro-
dízio de ministros, quase um quinto dos cargos esteve em mãos mi-
litares sob Castelo Branco. Tomando apenas o número de ministé-
rios, quase metade (50%) foi ocupada, em algum momento, por
membros da caserna.
Destaca-se também que, diferentemente do que sugere Benevi-
des, pelo menos no início do período militar,o existe uma prefe-
rência pela ocupação de cargos ligados ao desenvolvimento. E ver-
dade que o Ministério da Viação e Obras Públicas - ao qual se su-
bordinavam as áreas de infra-estrutura, como Transportes - teve
como titular, durante praticamente toda a primeira gestão militar, o
marechal Juarez Távora. Porém, como já apontamos, militares
ocuparam o Ministério das Relações Exteriores, Trabalho e Previ-
dência Social etc.
Observa-se na composição do ministério de Castelo Branco que
ela era muito menos heterogênea do que a de Jango. Basicamente,
seus ministros eram oriundos da caserna ou da UDN. Isso significa
que as forças políticas às quais o presidente deveria responder eram
menores, eleo precisava - até porque desprezava - de apoio legis-
lativo e ainda contava com a legitimidade conferida pelo movimento
de 1964, o queo significou que eleo precisasse contentar as di-
versas forças no interior das Forças Armadas. Nesse último caso, a
manutenção de Costa e Silva foi fundamental.
Assim, se foi a busca de equilíbrio entre as diferentes forças em
disputa que animou as escolhas de Castelo Branco, essas foram bas-
tante facilitadas, ao menos na primeira fase de seu mandato. Com as
eleições de 1966, verificou-se que os "revolucionários"o conta-
vam com apoio social e ampliou-se o leque da disputa, apontando
para a necessidade de novas composições. Talvez isso explique a re-
forma partidária e as novas concessões para a caserna. Estas últi-
mas, entretanto,o tiveram imediata tradução na composição
ministerial.
A saída de Costa e Silva, necessária para que se candidatasse à
Presidência da República,o representou a ascensão de outro linha-
dura: ele foi substituído por Ademar de Queiroz, ex-aluno da ESG
(matrícula 819/59) e muito próximo a Castelo Branco.
3
Em resumo, a participação militar nos ministérios civis na gestão
Castelo Branco foi bastante expressiva, tendo uma média de quase
40% (38,46%), incluídos os três híbridos (militares-políticos). Des-
tes, somente Ney Bragao havia sentado nos bancos da ESG, o que
explica, ainda que parcialmente, a grande importância atribuída à
Escola pelos analistas do período, mas que, veremos,o mais se re-
petiu durante o regime militar.
A chegada de Costa e Silva à presidência coincidiu com a coloca-
ção em prática da reforma administrativa, o que implicou o cresci-
mento e a mudança da estruturação dos ministérios. Nessa gestão,
eram dezoito os ministérios. Nos ministérios civis, verifica-se, no-
vamente, grande participação militar. Tomando-se apenas os titu-
lares, havia entre quatro e cinco militares no primeiro escalão.
Em termos percentuais, entretanto, a mesma média verificada
na gestão anterior é repetida,o ultrapassando 40%. Dessa forma,
restrita a avaliação aos ministérios,o se confirma a hipótese de
crescimento da presença militar na burocracia do Estado. Todavia,
decrescem tanto o número de híbridos - somente um - quanto (verti -
ginosamente) o de esguianos. Nesse caso, apenas três ministros esta-
giaram na Escola: o ministro da Aeronáutica, Márcio de Sousa e
Melo (matrícula 000212/56); do Interior, general Albuquerque
Lima(mat. 001309/63); e dos Transportes, coronel Mário Andreaz-
za(mat. 000880/59) (Adesg, 1984). Considerando a totalidade de mi-
nistérios e o rodízio de seus titulares, esse número representa 15%.
Pela disponibilidade de dados, pudemos fazer um estudo mais
apurado dessa gestão. Para essa análise, desconsideramos os minis-
5 Segundo Viana Filho (1975, p.404), quando foi sugerido a Castelo o nome de
Ademar de Queiroz para substituir Costa e Silva, ele disse "Este para mim é
como irmão", completando o que havia dito meses antes sobre os revolucioná-
rios do Exército que seriam três: "O general Cordeiro, muito preocupado com
as instituições; o general Ademar de Queiroz, preocupado com a organização
militar; e o general Cintra, preocupado com o comunismo", este últimoo in-
tegrou seu governo.
térios militares, bem como o SNI. Somando os cargos de segundo e
terceiro escalões de todos os ministérios e da presidência, têm-se,
em março de 1968, 574 postos no total. Desses, 69 eram ocupados
por militares, o que representa 12% de participação militar. Conside-
re-se que há pelo menos um militar em cada ministério, já queo
subtraímos dessas cifras a Divisão de Segurança e Informação (DISI).
Ao incluirmos as DISIs, estamos implicitamente reintroduzindo
na análise o papel do SNI, pois concordando com Walder de Góes:
"Ele [o SNI] é um organismo poderoso que, liderando os serviços se-
cretos das três Armas, se transformou em peça vital do processo de-
cisório brasileiro". Pois,
O SNI está presente, por intermédio de representação formal, em
todos os ministérios (DSIs) e nas autarquias e empresas do Estado
(ASIs), em todos os estados (delegacias) e nos municípios de maior ex-
pressão (representantes). Essa rede complexa e tentacular, apoiada por
uma agência central dotada de recursos ilimitados e de moderna escola
para a formação de agentes e analistas, exerce forte impacto no processo
decisório dos governos federal, estaduais e municipais, fazendo-o dire-
tamente (pareceres impositivos) e indiretamente (coerção difusa).
(Góes & Camargo, 1984, p.144)
Tomando como está, os 12% de participação militar podem ser
avaliados como a dose de militarização necessária ao funcionamento
estável do sistema, conforme Benevides. E poder-se-ia considerar,
comparando-se esse número com o verificado por Góes que, na ver-
dade, há redução da participação militar, pois ele encontra um índi-
ce bastante maior: 27,8%, em 1979.
6
6 As metodologias de ambas as sondagenso bastante diferentes, dificultando a
comparação. Para minorar essa diferença, somamos aos 574 cargos encontra-
dos (que consideramos indistintamente como o fez Góes) os quatorze ministé-
rios e a Presidência da República, chegando a 589 cargos e tomando-os como os
mais importantes do Estado. Destes, 75 eram ocupados por militares, inclusive
a própria Presidência. O percentual de participaçãoo fica nem um ponto su-
perior ao antes verificado: 12,73%, o que nos permite trabalhar com a participa-
ção original.
Se atentarmos, porém, para o tipo de locus que está por trás do
cargo ocupado, é possível verificar o sentido da militarização da bu-
rocracia. Assim, por exemplo, a menor e também a mais importante
participação castrense dentro do leque considerado encontra-se na
Presidência da República, ondeo militares o presidente e seu as-
sessor de imprensa.
Conforme definimos anteriormente, militarização assume aqui
o significado de ocupação física pelos militares de cargos eminente-
mente civis. A influência destes sobre a política é avaliada nesse caso
pelo significado político (concentração de poder) do cargo ocupado.
Trabalhando por ministérios e desconsiderando o cargo de mi-
nistro, os números se alteram bastante. Assim, a menor participação
encontrada está no Ministério da Fazenda (3,2%) e a maior está nas
Comunicações (68,7%), seguido pelo Ministério dos Transportes
(50,0%). A menor participação castrense em números absolutos está
na Presidência da República, onde apenas o assessor de imprensa é
militar, mas como há apenas cinco cargos listados, este pequeno-
mero equivale a 20% dos cargos. Além disso, o locus é muito impor-
tante, pois o fundamento último da decisão está no vértice da admi-
nistração.
Como já afirmamos, a menor participação castrense nos minis-
térios está, em termos percentuais, na Fazenda, o que talvez expli-
que as afirmações posteriores de Delfin Netto, que disse: "Os mili-
tareso interferiam na área econômica.o opinavam nem no or-
çamento do Exército", além de respeitarem o orçamento como ne-
nhum outro ministério (apud Folha de S. Paulo, 6.12.1998, p. 1-12).
Esse é um dos raros pensamentos que com ele compartilhava Mário
Henrique Simonsen, que afirmou: "Nunca senti influência militar
na minha área nos cinco anos em que estive no governo. Em termos
administrativos, jamais houve interferência dos Ministérios do Exér-
cito, Marinha, Aeronáutica, EMFA, ou mesmo SNI" (apud Mota,
1987, p.38). Em contrapartida, nem mesmo o ministério mais pode-
roso da administração nacional ficou imune à presença militar: ain-
da que pequena, ela se fazia sentir.
Dos quatro militares que estavam no Ministério da Fazenda, um
estava na DISI, dois ocupavam presidências da Caixa Econômica
em Estados nordestinos, e um era diretor da Casa da Moeda. Assim,
o se pode afirmar que se localizavam em setores determinantes da
política. Aspecto interessante nessa participação é que os dois mili-
tares que estavam na estrutura mesma da Fazenda eram oriundos da
Marinha. O ocupante da DISI, cargo normalmente reservado aos
generais,
7
era um vice-almirante, e o diretor da Casa da Moeda era
capitão-de-mar-e-guerra.
Quando avaliamos em que ministérios está o maior número de
militares, confirma-se a análise de Benevides de que é nos setores
"técnicos" do governo que se concentram os interesses das Forças
Armadas. Tambémo esses ministérios que detêm maior fatia or-
çamentária, retirando, dessa forma, dos políticos seu poder de bar-
ganha eleitoral e até, por hipótese, subordinando as ações destes às
conveniências do governo fardado e da tecnoburocracia que começa
a aparecer.
Vale registrar, porque contrasta com indicações da análise, a pe-
quena participação militar no Ministério da Justiça: dos dezenove
cargos listados, apenas dois eram ocupados por militares, o que re-
presenta 10,5% de participação. Se do ponto de vista percentual está
quase sete pontos acima da menor participação, fica abaixo da-
dia (12%), e muito abaixo da maior participação indicada (68,7%).
Porém, é sob a batuta desse ministério que está toda a estrutura de
segurança pública federal, bem como foi justamente nesse governo
que se processou a legislação militarizante da polícia.
Cabe um último destaque: mesmo o Ministério das Relações
Exteriores, onde a própria estrutura funcional fornece uma certa
proteção corporativa, repete a permeabilidade à presença militar.
Nele, encontra-se um percentual de ocupação militar de cargos civis
7 Interessante observar que apenas três dos cargos das DISIs foram ocupados
por não-generais, o caso da Fazenda, da Justiça (brigadeiro) e dos Transportes.
Neste último, onde um coronel era diretor da DISI, o ministro era também um
coronel, Mário Andreazza.
de 7,5%. Portanto, emborao seja grande o número de militares
(três num universo de quarenta cargos), eles estão ali, encrostando-
se na estrutura burocrática civil.
No ministério de Emílio Garrastazu Médici, o que mais chama a
atenção é a continuidade dos nomes de primeiro escalão. Registra-
ram-se seis ministros de Costa e Silva a permanecer na composição
dos dezenove ministérios de Médici, incluindo-se nesse número
dois dos três militares que ocuparam cargos civis.
Dos quatorze ministérios civis, quatroo ocupados por milita-
res, incluindo o híbrido Jarbas Passarinho na pasta da Educação.
Em termos percentuais, a participação militar representa 28,6% do
primeiro escalão, se desconsiderarmos as mudanças ministeriais, e
pouco mais de 17% considerando-as. Portanto, em relação aos dois
governos militares anteriores, há uma redução bastante acentuada
nessa participação.
Quanto à participação dos esguianos, verifica-se um aumento em
relação ao governo Costa e Silva, pois cinco dos 22 titulares que pas-
saram pelo ministério Médici freqüentaram a Escola. Além dos mi-
nistros da Aeronáutica e dos Transportes, remanescentes da gestão
Costa e Silva, freqüentaram a ESG os ministros Júlio de Carvalho
Barata, titular do Trabalho e Previdência Social (matr. 001468/65);
da Saúde, Francisco de Paula da Rocha Lagôa (matr. 001273/63); e
João Batista Figueiredo, da Casa Militar (matr. 000951/60) (Adesg,
1984). Isso representa 22,7%, quase oito pontos maior do que os 15%
verificados na gestão anterior.
O terceiro governo militar foi o que contou com menor partici-
pação de políticos. De fato, apesar do incremento da máquina públi-
ca e do crescimento econômico acelerado,
o governo Médici ilustrou como um general podia ficar no poder sem
apoio popular, sem máquina política e sem um programa bem definido.
Os detalhes dos programas social e econômico foram delegados a tec-
nocratas civis, ao passo que as Forças Armadas mantiveram um estrito
controle sobre o esquema de segurança do país... (Drosdoff, 1986, p.31, gri-
fos nossos)
O número pequeno de militares no Planaltoo deve, entre-
tanto, levar a minimizar o poder daqueles que lá estavam. Pode-se
dizer que duas foram as características do processo decisório sob
Médici. Em primeiro lugar, superaram-se as "panelinhas" e cons-
truiu-se uma eficiente rede na qual se integravam técnicos e milita-
res. Os políticos, para serem representados nessa rede, deveriam
ajustar-se às regras da burocracia, travestindo-se de técnicos (Schnei-
der, 1991). Em segundo, houve uma grande concentração de poder
nas mãos de quatro ministros: Mário Andreazza (Transportes);
Jarbas Passarinho (Educação); Gibson Barbosa (Relações Exterio-
res); e Delfin Netto (Fazenda).o por acaso, dois deles eram mi-
litares.
8
Corrobora a visão da constituição de um governo voltado para a
segurança uma análise, ainda que superficial, sobre as verbas orça-
mentárias destinadas às funções governativas. Utilizando como
fonte os Anuários Estatísticos do IBGE, pode-se observar que entre
1964 e 1985 - portanto, tomando todo o período em que generais
ocuparam a Presidência da República - há variações anuais na des-
pesa fixada para a rubrica Defesa e Segurança, mas esta apresenta
uma elevação de quase dois pontos percentuais entre 1968-1969, cai
menos de um ponto entre 1969-1970 para subir ao seu ponto mais
alto, atingindo 15,97%, em 1971. Esse dado faz ver o quanto o dis-
curso da defesa da ordem tocou o governo, bem como afirmar que de
fato os movimentos de esquerda forneceram munição para que os
locutores da ordem agissem. Entretanto, aponta também para as di-
ficuldades enfrentadas por Geisel e sua determinação em levar a
cabo sua política distensionista, já que é a partir de seu governo que
as verbas fixadas para Defesa e Segurança começam a cair, manten-
do a tendência decrescente até 1987, ano no qual apresenta elevação
de 2,56 pontos em relação ao ano anterior. Porém, os 7,54% a ela des-
tinadoso representam sequer 50% do montante atingido em 1971.
8 Orlando Geisel, ministro do Exército, também detinha grande poder, maso
o exercia para influenciar as políticas públicas. Pelo contrário, ele concentrou
sua ação no controle estrito do Exército.
Em síntese, a composição ministerial e a distribuição do poder no
interior do sistema apontam para a tomada do poder por uma tecno-
cracia diferenciada, que começou a ser recrutada nos dois períodos
presidenciais anteriores, mas que encontra seu espaço de decisão exa-
tamente no governo Médici. Isso só é possível porque 1. essa tecno-
cracia civil comunga dos valores presentes no governo, representados
pelo discurso da construção do "Brasil Potência"; 2. por causa do re-
gime implantado, mudaram-se os critérios de recrutamento da elite
burocrática; 3. e ela compunha com os militares que se encontravam
no interior do governo. Essa aliança pode ser assim resumida:
O resultado foi uma eficaz aliança entre militares radicais e tecno-
cratas. Cada um tinha suas próprias razões para desejar um regime au-
toritário e ambos se precisavam mutuamente. Os militares de linha-dura
precisavam dos tecnocratas para fazer a economia funcionar. Os tecno-
cratas precisavam dos militares para permanecer no poder. As altas ta-
xas de crescimento, por seu turno, davam legitimidade ao sistema auto-
ritário. (Skidmore, 1988, p.220)
Participação militar
na transição para o governo civil
Dado que no governo Geisel inicia-se o processo de "lenta, gra-
dativa e segura distensão", nossa hipótese é de que na administração
pública esse processo deveria revelar-se como o início da retirada
controlada dos militares dos postos de decisão (Mathias, 1995). Na
composição ministerial, essa retirada traduzir-se-ia por uma amplia-
ção da participação civil, mormente de políticos - supõe-se que ha-
veria a necessidade de construção de bases parlamentares em apoio à
distensão -, ao longo dos cinco anos de mandato.
Tomando os quinze ministérios civis,
9
quatro eram ocupados
por militares, o que equivale a 26,6%. Considerando-se as mudan-
9 A reforma ministerial promovida no período Geisel elevou ao status de minis-
tros os titulares do EMFA, SNI, Casa Militar, Casa Civil e Secretaria do Plane-
jamento. Verifica-se, pois, que três dos cinco novos postoso de ocupação
"tradicionalmente" militar (cf. Nunes, 1978, p.53-78).
ças ministeriais, o percentual cai pouco, ficando em 23,5%. Compa-
rando esses valores com os encontrados para a gestão Médici, temos
uma queda de dois pontos percentuais para o primeiro caso, mas
uma elevação no segundo de quase seis pontos.
Analisando-se, porém, a participação dos esguianos nesse ministé-
rio, vemos que há quase uma reprodução do governo Castelo Branco,
pois, tomando-se os vinte ministérios (desconsiderando-se o EMFA,
que teve nessa gestão governamental quatro titulares, dois dos quais
estagiaram na ESG), sete foram ocupados por ex-alunos da ESG, ou
35% do total. Desses sete, porém, apenas um civil havia passado pelos
bancos da Escola. Quando tomamos os 26 titulares que passaram pe-
los ministérios, o percentual cai muito pouco, ficando em 34,6%.
A análise aqui apresentada corrobora parcialmente a avaliação
feita por Barros (1981), que encontrou um máximo de 33% de parti-
cipação ministerial castrense entre Castelo e Geisel. Segundo os da-
dos pors recolhidos, o percentual de 33% constitui taxa média,
pois, tanto sob Castelo Branco quanto sob Costa e Silva, a participa-
ção ministerial dos militares é maior. Todavia, essa decresce sob
Médici e Geisel.
O mais importante, porém, é que, como mostra Nunes (1978),
no governo Geisel, a presença militar é mais acentuada (posições es-
tratégicas de primeira linha), e o inner group presidencial é total-
mente composto por militares: na assessoria presidencial direta, há
apenas um civil: João Paulo dos Reis Velloso, ocupante da Secretaria
de Planejamento.
Tomando a avaliação de Stepan para Castelo Branco, vemos que
Geisel, como é apresentado por boa parte da literatura, segue de per-
to os passos do primeiro, repetindo, no seu governo - também por-
que representa o mesmo grupo no poder (o "sorbonismo"), a mes-
ma composição do grupo palaciano.
Em contrapartida, apesar da acentuada presença de militares e
técnicos, o número de políticos no ministério Castelo Branco é sig-
nificativo (segundo Nunes (1978), entre os governos militares, é a
gestão que apresenta menor diferença com o período anterior), o
queo se repete com Geisel.
Assim, a distensãoo se traduz, em termos da gestão pública,
na maior participação dos políticos nos centros de decisão.o,
ao que tudo indica, uma saída dos militares da burocracia, mas sim
uma nova configuração da aliança que sustenta o sistema adminis-
trativo. Isso se revela na concentração de poder na Presidência da
República promovida por Geisel (Oliveira, 1994) e traduzida, em
termos da burocracia, pelo exercício de poder nos Conselhos ligados
ao Executivo Federal.
Como discute Barros (1981), as duas principais funções dos sis-
temas políticoso a organização e a articulação de interesses. Isso,
no Brasil, era feito pelos diversos conselhos ligados ao Executivo
Federal, o que é potencializado a partir de 1964, ainda mais por Gei-
sel que cria e preside o Conselho de Desenvolvimento Econômico,
destruindo a estrutura de primus inter pares dos ministros da área
econômica: "Com a instituição do CDE, a Presidência da República
tornou-se, portanto, o centro do poder real e o próprio Conselho o
núcleo do sistema decisório" (Codato, 1997, p.81).
A despeito de deixar para seu sucessor uma administração refor-
mada, Geiselo lega a Figueiredo sua capacidade de centralizar de-
cisões. Dessa forma, o número de ministérios ocupados por militares
provavelmente reflete as posições de poder ocupadas por eles eo a
centralização das decisões nas mãos do presidente da República.
Nunes (1978) ressaltou que uma das características dos gover-
nos militares foi a estabilidade ministerial, isto é, a rotatividade de
ministros era pequena. Para o período que ele estuda, a maior taxa
foi encontrada para Castelo Branco. Ainda assim, nem mesmo nesse
caso a cifra se aproxima da verificada para o período anterior a 1964,
quando o número de ministros era, no mínimo, o dobro do número
de cargos disponíveis.
10
Para Nunes (1978, p.68),
esta taxa revela certa normalidade na circulação e rotatividade dos indi-
víduos em postos estratégicos de governo. Os números referentes aos
10 Na análise o autor desconsiderou os governos Jânio Quadros e João Goulart, o
primeiro pela efemeridade, e o segundo porque a rotatividade foio alta que se
transformou em instabilidade.
três últimos governos [Costa e Silva, Médici e Geisel], entretanto, reve-
lam uma tentativa de evitar esta normalidade, de brigar com os fatos que
caracterizam esta faixa da vida política. (grifos nossos)
Tomando-se a rotatividade no governo Figueiredo, pode-se
aventar a hipótese de que se perseguia essa normalidade política,
pois, ao lado da continuidade como marca de governo, salta aos
olhos o número de titulares que passam pelos ministérios:o 37
ministros para 22 ministérios. Se a estes for somado o EMFA, que
o consideramos para a análise, a relação é quase de um para dois,
poiso 23 cargos para 42 titulares, apresentando quase o mesmo
patamar de antes de 1964.
A participação militar, entretanto,o perseguiu a normalidade
institucional. Tomando os dezessete ministérios civis, sete foram,
em algum momento, ocupados por militares, o que equivale a uma
taxa de 41,2%, a maior de todo o período militar. Se considerarmos
essa participação em relação aos titulares dos ministérios, a taxa cai
bastante, ficando em quase 19%, ou 20,6% se desconsiderarmos as
trocas internas.
Infelizmente,o temos dados para checar se a mesma taxa vigo-
rava nas empresas estatais. Considerando a pesquisa de Góes & Ca-
margo (1984), a taxa de penetração informal ficou em 27,8%, bem
abaixo daquela que encontramos. Entretanto, como ele explica,o
existe mudança significativa entre as gestões Geisel e Figueiredo.
Por essa análise, percebe-se que o sistema político brasileiro tem
uma nova fonte de recrutamento de sua elite -o o Legislativo,
como seria o esperado, mas a própria burocracia -, e isso é perma-
nente. Como informa Góes (1978, p.137),
verificou-se que a proporção de militares na alta administração pública
federal é idêntica em ambas as administrações, concluindo-se que as
transformações políticas decorrentes da sucessão presidencial e o avan-
ço da abertura políticao alteraram a participação dos militares no co-
mando da administração pública. Os resultados da investigaçãoo
podem ser apontados como medida precisa do fenômeno. No entanto,
eleso suficientes para ilustrar um aspecto novo e decisivo da história
contemporânea brasileira, qual seja, o de que a administração pública é o
espaço político em que se conciliam os interesses das burocracias civil e mi-
litar. (grifos nossos)
Ao aumento da participação militar, entretanto,o equivale à
presença de ex-alunos da ESG. Entre os ministros civis, apenas um
freqüentou a Escola- Murillo Badaró (matr. 990026/75), ministro
da Indústria e Comércio. Considerando indistintamente civis e mi-
litares,
11
chega-se a 22,7% de participação, mesmo valor encontrado
para Médici, e quase doze pontos menor que o encontrado na gestão
Geisel. A presença de esguianos é ainda menos importante quando
levamos em conta que a taxa de participação militar é de 40%. Uma
vez mais, portanto, vê-se que a importância atribuída à ESGo
corresponde à sua participação no processo de decisão, pelo menos
quando esse é tomado a partir daqueles queo os vetores de sua
doutrina: seus ex-alunos.
Cabe destacar, seguindo a análise comparativa de Schneider
(1991), que a particularidade do Brasil em relação aos regimes auto-
ritários dos países vizinhos constitui-se por dois fatores: a baixa taxa
de participação militaro só nos ministérios, mas principalmente
nas empresas estatais, e a pequena permanência destes nos postos de
decisão. Em suas palavras:
A taxa média de presença militar nas empresas estatais era de 15%,
bem abaixo dos 30% apresentados para os ministérios. Em 1975, por
exemplo, quatro ex-oficiais do Exército ocupavam altos cargos [top ma-
nagement position] em empresas estatais elétricas e de aço: Alfredo
Américo da Silva, presidente da Siderbrás; José Costa Cavalcanti diri-
gia a companhia encarregada da Itaipu; César Cals, diretor da Eletro-
brás e Odyr Pontes Vieira, diretor (de material) da CSN. Isto contrasta
bastante com os 52% de participação militar na burocracia estatal en-
contrada no Chile, ou com os 50% verificados no Peru. (ibidem, p.51)
Em contraste com a determinação da legislação brasileira de per-
manecer apenas por dois anos nos cargos ou ir para a reserva, os mi-
11 Novamente, desconsideramos o EMFA. Quando este é incluído, a taxa ele-
va-se para 39%, pois 100% dos que ocupavam o EMFA passaram pela ESG.
litares argentinos ou chilenos, por exemplo, "estacionavam" nos
cargos. Na Argentina e no Chile,
em setores como os do aço, os militares permaneciam nos cargos por
décadas, pois as carreiraso mais técnicas do que militares. Até os anos
30, um oficial -engenheiro tinha a opção entre serviço ativo [nas FFAA]
ou técnico. Aqueles em empresas estatais normalmente preferiam o úl-
timo e aparentemente suspendiam suas promoções militares até que
passavam (muito cedo) para a reserva. Suas carreiras técnicas depen-
diam muito de seu desempenho nas empresas estatais ou agências go-
vernamentais. Para os anfíbios, sua saída [partida] das atividades ofi-
ciais [militares] e também o desejo de ascensão na carreira dependiam
mais de critérios políticos do que de militares. (p.53)
A força dos militares, em contrapartida,o se limita à sua re-
presentatividade na burocracia civil. Em oposição aos seus pares la-
tino americanos,
Os militares brasileiros foram muito bem-sucedidos na formulação
e propaganda de seu projeto, uma mistura de nacionalismo, contra-
insurgência, desenvolvimentismo e grandeza (destino de superpotên-
cia). Essa ideologia estimulou os policy makers civis a incorporarem
suas propostas nesta ideologia. Isto porque as indicações para cargos
importantes dependiam dos militares, e os civis exerciam-nos por graça
dos militares, (p.54)
Assim, o que todos os autores que nos serviram de leme afirmam
é que, a partir de 1964, aumenta, o que é diferente de inaugurar-se, a
participação militar nos órgãos da administração pública. Essa par-
ticipação é permanente e crescente durante os anos de governo dos
generais, e ela gera uma nova estruturação do sistema político de tal
forma que a burocracia passa a representar o papel de locus de pro-
dução da elite política e também de conciliação dos interesses das
forças que disputam o poder político.
Essa nova configuração revelar-se-á, no dizer de Oliveiros Fer-
reira, num novo ethos a presidir as relações políticas no Brasil. Para
ele, ao gerirem o Estado, as Forças Armadas aprendem o como fazer
e transferem seu ethos para o interior do aparelho de Estado, de tal
forma que estaremos sob um regime militar independentemente do
governo ser castrense. Em suas palavras,
a continuarem [as Forças Armadas] nos postos de relevo que têm, im-
primirão com muito maior rigor que no passado seu "ethos" burocráti-
co e corporativo ao Estado e à sociedade. E, continuando onde estão, esta-
o cada dia mais, mais bem preparadas para o governo... (in O Estado de
S.Paulo, 18.4.1994, p.A-4)
Um aspecto deixado de lado por nós, mas importante de ser
mencionado, é a relação entre burocracia pública e privada no Bra-
sil. Embora neste momentoo faça parte de nossas pretensões ana-
lisar isso, é importante lembrar que os militares se fizeram presentes
tanto na administração pública quanto nas empresas privadas. Mais
especificamente, muitas vezes a passagem por cargos públicos fun-
ciona como um trampolim, ou como um estágio, para assegurar a
ocupação de cargos em multinacionais. Porém, issoo é particular
aos setores castrenses do Estado brasileiro - parece funcionar tan-
to para civis quanto para militares - nem se restringe ao governo
militar.
Participação militar na "Nova República"
Com a passagem do governo militar para um civil após vinte
anos, de fato se nota, na composição ministerial, uma completa des-
militarização. Isto é, sob José Sarney,o se encontra nenhum mili-
tar ocupando postos ministeriais civis. Ainda assim, dos 27 ministé-
rios e três secretarias, em seis há militares, exatamente nos cargos de
ministros das Forças singulares, no EMFA, na chefia do SNI e da
Casa Militar.
A necessidade de construir bases de sustentação no Congresso
para superar o que no período parecia apontar para uma crise de go-
vernabilidade determinou a reforma que deu origem ao número alto
de ministérios desse período. Também determinou a divisão parti-
dária a que foi submetido esse ministério. De fato, excetuando-se os
seis ministérios de ocupação militar, todos os demaiso ocupados
por membros do PMDB ou do PFL, tanto na primeira composição,
herdada de Tancredo Neves, quanto na segunda, resultado da re-
forma promovida em 1987. Somente em 1989, assumem cargos no
ministério pessoaso filiadas aos partidos, ainda que identificadas
com eles - como no caso de Dorothéia Werneck,o filiada mas
simpatizante do PSDB.
A percepção dos novos ocupantes do poder, diferente do defen-
dido aqui, é queo houve uma transição da burocracia militar para
a civil. O que aconteceu foi uma debandada por parte dos primeiros
e a criação de um vazio a ser ocupado pelos civis. Assim se expres-
sou Pedro Simon, escolhido para a pasta da Agricultura:
O que o doutor Tancredo nem ninguém podia imaginar é ques
chegaríamos ao Palácio do Planalto - depois de lutar a vida inteira pelo
restabelecimento da democracia - e que o encontraríamos totalmente
vazio, aberto, sem um oficial-de-gabinete, um guarda, absolutamente
ninguém. Depois de tanta luta, a gente podia pensar um milhão de coi-
sas. Menos que o Palácio estaria vazio e que o ex-presidente sairia pelos
fundos, (apud Couto, 1999, p.419)
A despeito disso, e de um ministério 100% civil, os militareso
deixaram de participar das decisões. Pelo contrário, o crescimento
do número de ministérios, e queo atingiu em nada os setores cas-
trenses, serviu antes para pulverizar o poder dos civis e concentrar o
dos militares. Como cuidaram de mostrar Quartim de Moraes et al.
(1987), sob o governo civil desenvolve-se a tutela militar, tornando
a situação melhor para os militares, pois esses poderiam exercer
poder sem responder por este exercício. Trata-se, assim, de algo
muito próximo ao que foi definido na nossa primeira Constituição
como Poder Moderador: o imperador toma as decisões, maso
seus ministros que respondem por elas.
Quanto à participação da ESG, tomando-se a totalidade dos titu-
lares das pastas, temos uma taxa de pouco mais de 9%. Isto é, dos 62
ministros de Sarney, seis freqüentaram a ESG, e entre esses conta-se
apenas um civil, o professor Carlos Sant'Anna.
Com Fernando Collor, o primeiro civil eleito diretamente após
tantos anos e esperanças, há uma tentativa de reduzir o poder militar
por meio da transformação do status de alguns ministérios. E pro-
movida uma nova reforma, mas dessa vez o resultado é a redução no
número de ministérios, que passam a ser doze e sete secretarias.
Entre os primeiroso mantidas as três pastas das Forças singulares.
Porém, o SNI é transformado em Secretaria de Assuntos Estratégi-
cos (SAE), cujo titular, Paulo Leone, é um civil da confiança presiden-
cial; e tanto o EMFA como a Casa Militar deixam de ser ministérios.
12
Do ponto de vista da composição ministerial e da participação da
ESG, considerando-se apenas o primeiro ministério (sem a reforma
de 1991),o há nenhum militar em postos civis e nenhum estagiá-
rio da Escola Superior de Guerra. Assim, o primeiro escalão do go-
verno é civil em sua totalidade.
Orçamento e participação militar
Outra maneira de avaliar a presença militar na administração
pública, apontando para a militarização desta, é a análise global do
orçamento da União, pois o orçamento deve refletir as prioridades
governamentais. Quando tomamos esses dados, o que primeiro
12 As investigações que levaram ao impedimento de Fernando Collor fizeram
crescer o desejo investigativo - que, como já afirmava Max Weber (1980), é
uma das maiores armas do Legislativo em um regime democrático -, e, com
ele, apresentaram-se várias Comissões de Inquérito, entre elas uma cujo objeti-
vo foi investigar o narcotráfico, e cujos resultados aindao tinham vindo a-
blico quando da finalização deste texto. Todavia, as investigações já apontavam
para a séria questão de como se organiza o crime no Brasil, capaz de penetrar
nos altos postos de decisão do Estado, transformado-os em mecanismo de seu
próprio desenvolvimento; também informavam que o crime estava mais organi -
zado do que a própria burocracia pública. Nesse aspecto, cogitava-se inclusive a
participação dessas organizações na "construção" do fenômeno Collor, o que
significaria que eles "fizeram" o presidente da República. Essas suspeitas tal-
vez expliquem, ao menos em parte, a "neutralidade" dos ministros militares
durante todo o processo que culminou no impedimento do então presidente.
chamou atenção foi que se percebe claramente que há influência po-
lítica sobre as verbas orçamentárias, o que é exemplificado pelas
verbas destinadas a Defesa e Segurança. Nesse caso, há variações
anuais na despesa fixada, mas esta apresenta uma elevação de quase
dois pontos percentuais entre 1968-1969, cai menos de um ponto en-
tre 1969-1970 para subir ao seu ponto mais alto, atingindo 15,97% em
1971.
Esse dado nos faz ver o quanto o discurso da defesa da ordem to-
cou o governo, bem como afirmar que de fato os movimentos de es-
querda forneceram munição para que os locutores da ordem agis-
sem. Contudo, aponta também para as dificuldades enfrentadas por
Geisel e sua determinação em levar a cabo sua política distensionis-
ta, já que é a partir de seu governo que as verbas fixadas para Defesa
e Segurança começam a cair, mantendo a tendência decrescente até
1987, ano no qual apresenta elevação de 2,56 pontos em relação ao
ano anterior. Porém, os 7,54% a ela destinadoso representam se-
quer 50% do montante atingido em 1971.
Essa avaliação se choca, entretanto, com as prioridades assumi-
das pelos vários governos militares, que elegeram justamente os se-
tores infra-estruturais como a locomotiva do projeto econômico. E
verdade que um grande volume de verbas era destinado aos setores
de base, mas, conforme aponta Hayes (1998),o é isso que distin-
gue governos militares de governos civis. Em suas palavras:
a análise comparativa demonstra que as prioridades orçamentárias dos
regimes democráticos e autoritários diferem pouco quanto à ênfase glo-
bal . O desenvolvimento econômico foi prioritário em ambos os regimes
e cada um deles dedicou os maiores fundos para esta área. O governo
militar foi mais competente em impor sanções às clientelas políticas do
que os governos civis, mas também os militares precisaram de suporte
da infra-estrutura burocrática clientelistica - ambos civis e militares -
em certo grau. (p.229)
Os dados também sugerem, por sua vez, que havia interferência
dos militares nos assuntos orçamentários. Diferente do que pensa
Delfin Netto, como explicar que os percentuais indicados para o
Ministério do Exército sejam maiores do que os da Educação justa-
mente nos anos mais duros do período militar, período em que o en-
sino ganha status de prioridade social nos planos de governo, e ain-
da, no qual programas e reformas atingem essa área?
Se somarmos a verba fixada para os três ministérios militares,
fica claro que, seo havia uma determinação direta das Forças
Armadas quanto às prioridades orçamentárias, então existiam uma
compreensão e, mais, uma conivência muito grande entre os minis-
tros da área econômica e as "necessidades" de segurança. Isso por-
que, em 1964, os três ministérios militares, desconsiderando-se o
EMFA, receberam 16,29% das verbas fixadas, valor que sobe para
23,41% em 1965 (alta de quase sete pontos em um só ano!), para
continuar oscilando em torno de 20% até atingir 38,94% em 1971,
praticamente dezesseis pontos acima do Ministério dos Transpor-
tes, que recebe isoladamente o maior volume de verbas.
A despeito de o volume de verbas desses ministérios apresentar
uma queda continuada a partir de 1973, os percentuais permanecem
altos se comparados aos demais ministérios. Por exemplo, em ne-
nhum momento, mesmo pós-1985, o percentual de despesas fixa-
das para os três ministérios militares é inferior ao do MEC, mesmo
quando este passa a receber um volume de verbas maior, o que
acontece a partir de 1982. Assim, numa escala decrescente temos,
entre 1985 e 1988, em primeiro lugar, o Ministério dos Transportes,
seguido pela soma dos três ministérios militares e, em terceiro, o
Ministério da Educação.
Ainda em relação aos ministérios militares, a análise mostra que
a mudança aponta, quando do retorno dos civis ao poder, para uma
equanimidade maior entre eles. Expliquemos: o percentual de ver-
bas destinadas a cada um deles é semelhante em 1964. A partir de
1965, as despesas fixadas para o Ministério do Exércitoo crescen-
tes e bastante superiores às da Marinha e da Aeronáutica. Em 1971,
quando se atinge o pico percentual de despesas fixadas, o somatório
das verbas dos ministérios da Marinha e da Aeronáuticao chega
ao patamar fixado para o Ministério do Exército (19,14% contra
19,80%). Em contrapartida, a partir de 1976, é possível notar um re-
torno aos padrões apontados em 1964, com o Exército tendo uma
despesa fixada, ainda que superior aos da Marinha e Aeronáutica,
próxima destes.
O que a análise do orçamento mostra é que houve um crescimen-
to significativo das verbas destinadas aos setores militares a partir
de março de 1964. Mais significativo ainda é o aumento da discre-
pância entre a Força de Terra e as duas outras, cujos ministérios re-
cebem menos verbas, apontando para a importância do Exército
relativamente às suas irmãs, o que apenas corrobora as diferentes
percepções sobre a presença militar na política no Brasil: desde o ad-
vento da República, foi o Exército que assumiu papéis políticos, en-
quanto as outras duas Forças eram mais profissionais — o queo
significa afastamento completo da arena pública, como já aponta-
mos. Em poucas palavras, no caso do orçamento, houve um processo
de militarização da administração, que aqui diz respeito justamente
à influência exercida por esse setor da burocracia sobre as políticas
adotadas, pois sem verbaso há política pública que se sustente, e
entre as Forças Armadas foi o Exército que assumiu maior controle
sobre as verbas.
O que toda a análise que fizemos até aqui mostra, em resumo, é
que o Estado brasileiro tornou-se uma espécie de Leviatã acorrenta-
do, na feliz imagem proposta por Sérgio Abranches(1978): nos anos
militares, houve um incremento ainda maior nas áreas tomadas pelo
governo na formulação de políticas públicas. Todavia, se o Estado,
por um lado, tornou-se proprietário e responsável por um sem-nú-
mero de empresas e áreas, o governo passou paulatinamente a ser
inoperante nessas áreas de tal forma que, ao final dos governos far-
dados, esse governo jáo respondia às necessidades de manuten-
ção das políticas planejadas, daí o sucateamento apresentado sob a
batuta civil e a facilidade com que se adotaram modelos econômicos
quem transformando a administração pública em nada mais do
que ventríloquo de interesses internacionais.
Certamente, o processo de constituição da burocracia pública
brasileira e o desenvolvimento do modelo econômico adotado pelos
vários governos entre 1964 e l990o bem mais complexos do que o
aqui descrito. Entretanto, para as finalidades deste estudo, basta in-
formar que o ônus do engessamento da máquina públicao deve
ser unicamente creditado aos governos civis que sucederam os go-
vernos militares, pois uns e outros foram responsáveis por isso. O
queo se pode cobrar dos segundos, e hoje mais do que nunca se
deve exigir dos primeiros, é a falta de visão de futuro, de planeja-
mento, de projeto de país.
3
OS MILITARES
NAS COMUNICAÇÕES
As especificidades das Comunicações
As ondas eletromagnéticas
Neste item, discutiremos algumas especificidades técnicas que
envolvem o processo de comunicação. Sua importância é visualiza-
da quando se nota que muitos acreditam que é a partir dessas especi-
ficidades queo definidos os meios de comunicação entre as pes-
soas. De fato, em alguma medida isso é verdade. Porém, as caracte-
rísticas físico-geográficas do meioo determinam mecanicamente
qual o tipo de mecanismo de comunicação será utilizado. Elas ape-
nas informam como deve ser administrado o espectro radioelétrico
do ponto de vista das leis físicas, mas nada dizem a respeito da desti-
nação de cada faixa desse espectro.
A comunicação por meio das ondas eletromagnéticas é relativa-
mente recente. Seu desenvolvimento está relacionado com duas
descobertas feitas no século XIX. A primeira aconteceu em 1864,
quando o matemático inglês Clarck Maxwell descobre que a luz se
propaga a uma velocidade de trezentos mil quilômetros por segun-
do. Vinte anos mais tarde, Heinrich Hertz realizou experiências que
comprovaram a existência de oscilações eletromagnéticas, desco-
brindo, pois, as ondas de rádio. Mas foi somente em 1896 que os ex-
perimentos de Hertz tornaram-se aplicáveis, quando Guillermo
Marconi consegue transmitir, sem a utilização de fios, mensagem
entre dois pontos distantes entre si em cerca de dois quilômetros
(código Morse).
1
As ondas utilizadas nessas experiênciaso cha-
madas ondas amortecidas, poiso possuem uma freqüência defini-
da.o essas ondas que geram as interferências desagradáveis que
interceptam as transmissões radiofônicas e que conhecemos como
estática.
Se foi Marconi quem fez aplicar os estudos de Hertz, foi este últi-
mo quem emprestou seu nomeo só para os tipos de onda que des-
cobriu, mas também para a sua principal característica e medida, a
freqüência - que representa o número de vibrações ou ciclos que a
onda sofre por segundo.
As ondas eletromagnéticas utilizadas em comunicações propa-
gam-se em linha reta e com a velocidade da luz. A sua principal ca-
racterística é a freqüência. As outras características das ondas hert-
zianaso sua amplitude - que mede a relação entre o meio e o ponto
de equilíbrio da onda - e seu comprimento - que corresponde ao es-
paço (metros) percorrido pela onda durante um ciclo. Este é inver-
samente proporcional à freqüência. Assim, quanto maior for a fre-
qüência e menor o comprimento da onda, tanto maior deverá ser a
potência que gera o sinal de onda. Isso explica por que as estações
em FMm alcanceo limitado, e também por que a Empresa Bra-
sileira de Telecomunicações (Embratel) , para garantir um serviço
de telefonia com um mínimo de segurança, deve construir uma série
de estações repetidoras (os "troncos"). Por tudo isso, as ondas de bai-
xa freqüênciao necessitam de repetidoras, enquanto as de UHF
(Ultrahigh Frequency) necessitam de estações repetidoras, maso
1 Um aspecto curioso da descoberta das transmissões radiofônicas é a controvér-
sia que existe quanto a quem e quando foi descoberta essas transmissões. Mui-
tos creditam ao padre brasileiro Roberto Landall de Moura a primeira experiência
de comunicação sem fios. Ele teria realizado experiências em 1893, emo Pau-
lo, transmitindo do Mirante de Santana para a Avenida Paulista, em uma dis-
tância aproximada de oito quilômetros. Assim nascia o rádio (cf. Lobo, 1998;
Tavares, 1997).
mais seguras do ponto de vista da quantidade e qualidade da infor-
mação transportada.
Como as ondas hertzianaso fenômenos físicos cujo comporta-
mento está sujeito a uma série de interferências, e comoo muitos
os serviços que utilizam essas ondas para comunicação de sons e de
dados, como a faixa destinada a cada estação de radiocomunicação
ocupa uma freqüência e estaso limitadas, e considerando o au-
mento das estações de radiotelegrafia ao longo do século XX, tor-
nou-se necessário dividir as faixas por grupos de freqüências, de
forma a garantir todos os tipos de serviços de comunicação e tam-
m a qualidade das mensagens transmitidas. A primeira classifica-
ção das freqüências em faixas foi realizada em 1903 pelo engenheiro
Lee Forest, a qual seguia as possibilidades de propagação dessas on-
das. Essa classificação serviu de base para todas as convenções pos-
teriores (Lobo, 1998), e, com base nela, convencionou-se a seguinte
divisão dos grupos de freqüências, determinando, a partir de 1947,
o seu uso:
Quadro 1 - Classificação de freqüência de onda
Fonte: Fossá (1994, p.13).
* A partir dessa faixa, as ondaso também utilizadas para comunicação entre a Terra e o
espaço.
Grupos de
onda
Muito curtas
Longas
Médias
Curtas
Muito alta
Ultra-alta
Superalta
Extra-alta
Freqüência
3 a 30
kHz
30 a 300
kHz
300 a 3.000 kHz
3 a 30
MHz
30 a 300
MHz
300 a 3.000 MHz
3 a 30
GHz
30 a 300
GHz
Comprimento
de onda(m)
Acima de 1.000
Acima de 1.000
1.000
a
100
l00
a l0
l0 a l
l a 0,l
0,1
a 0,01
0,01
a
0,001
Designação
VLF
LF/OL
MF/OM
HF/OC
VHF
UHF
SHF
EHF
Designação
métrica
Miriamétricas
Quilométricas
Hectométricas
Decamétricas
Métricas
Decimétricas
Centimétricas
Milimétricas
Utilização
comum
Radiotelegrafia
Radionavegação.
radiolocalização
Radiodifusão,
radioastronomia
Radiodifusão*
Radiodifusão,
telefonia
Radiodifusão,
telemetria
Radiotelefonia
Radiolocalização
Quando da divisão das faixas de ondas de radiodifusão, conven-
cionou-se que a freqüência de 143 kHz seria destinada exclusiva-
mente para sinais de socorro (SOS). Embora o telégrafo (código
Morse)o seja mais utilizado (a última transmissão foi feita em ja-
neiro de 1998), essa faixa continua a ter esse mesmo uso, agora com
sinais de voz.
Aspectos históricos
O espectro das faixas de onda responde a leis físicas quem vali-
dade universal, o que implica que sua administração siga esses crité-
rios primários. Todavia, a destinação das faixas de ondao segue
esse mesmo padrão, mas sim interesses queo definidos pelos paí-
ses, daí cada um ter desenvolvido um sistema próprio.
Nossa referência básica, ao fazer essa pequena digressão, será o
sistema de radiodifusão, pois esse tem, como característica, além
das determinações técnicas, a necessidade econômica de cada emis-
sora para se manter, envolvendo ainda a questão dos conteúdos
transmitidos. Essa última característica, que podemos chamar de
ideológica, particulariza-o em relação à telefonia. Issoo quer
dizer queo façamos referência a esta última, apenas elao será
tratada de forma especial.
Desde as primeiras transmissões radiofônicas, nos anos da
Primeira Guerra Mundial, o setor de Comunicações, em especial o
de radiodifusão, foi sensível ao controle dos militares. Isso porque,
além dos limitados conhecimentos sobre as ondas hertzianas, o setor
castrense via o desenvolvimento da radiodifusão como uma ameaça
à segurança nacional. Prova disso está no próprio desenvolvimento
do setor, que ganha impulso exatamente nos períodos de conflito in-
tenso entre os países. Ê o que mostra Nunes (1995):
A disputa técnica, especialmente durante a Primeira Guerra Mun-
dial, permite que o rádio se desenvolva de forma acelerada e, em menos
de vinte e cinco anos da primeira transmissão, ele já começa a fazer par-
te do cotidiano internacional. Rapidamente, os Estados Unidos entram
na concorrência, que obedece ã linha da melhor performance técnica, e
levam vantagem. Grandes conglomerados econômicos, como a Wes-
tinghouse, começam a exportar equipamentos transmissores para vários
países, entre eles o Brasil.
Também o tipo de linguagem que domina o setor aponta para o
domínio castrense: o termo inglês para radiodifusão é broadcast, que
originalmente designava a "disseminação" das ordens do comando
para a esquadra na Marinha americana, que passou a ser feita pelo
rádio, incorporando, pois, o jargão (Machado, 1998).
Talvez isso explique por que o sistema de telecomunicações, in-
cluindo a telefonia, foi organizado em todos os países como mono-
pólio público e iniciou-se como atividade amadorística e filantrópi-
ca. Issoo implicou, entretanto, a adoção de ura mesmo padrão de
desenvolvimento do sistema de radiodifusão, mas dois modelos dos
quais podem ser derivados os implantados no mundo todo.
No caso da Europa, o sistema que se desenvolveu a partir do
imediato após Primeira Guerra Mundial foi marcado pela ancora-
gem técnica. Como o conjunto das ondas disponíveis era pequeno, e
os paíseso muito próximos, a possibilidade de interferência entre
as emissoras e destas nas transmissões consideradas prioritárias (te-
légrafo, marítima, militar) era real; o sistema de radiodifusão orga-
nizou-se com o monopólio público em que as emissoras ou perten-
ciam ao Estado ou funcionavam por concessão deste.
2
Com isso, se solucionavao só o problema da manutenção da ati-
vidade radiofônica, como também se afastavam os temores de interfe-
rências prejudiciais às comunicações públicas e, finalmente, estabele-
cia-se o controle sobre o conteúdo dos programas irradiados... (Oliveira,
1990, p.102)
2 A concessão representa uma autorização dada pelo governo - que deveria ser
feita por licitação pública - para que uma pessoa jurídica explore o serviço de
telecomunicação (no caso aqui discutido limitado às estações de rádio ou televi-
são) em uma dada localidade, atualmente pelo prazo de dez anos para difusão
sonora e quinze anos para televisão, prorrogáveis. Dentro do prazo de conces-
são, a concessionária instalaria a estação, pedindo autorização para entrar em
funcionamento. Porém, a concessãoo supõe o dever de instalação do serviço.
Nos EUA, ao contrário, e apesar das resistências por parte das
Forças Armadas, surgiu um sistema comercial impulsionado pelas
empresas de equipamentos radiofônicos (com a Westinghouse em
primeiro plano), que já em 1925 dava lucros pela descoberta da pu-
blicidade, permitindo que as estações se firmassem de forma inde-
pendente do Estado ou de organizações sociais. Issoo impediu,
todavia, que as concessões fossem utilizadas politicamente, como
apontaram as denúncias surgidas no governo Roosevelt. E isso que
alavanca uma pesada campanha que levará à regulamentação do se-
tor, estabelecendo um sistema de concessões por todos conhecido.
Da maneira como foi organizado, isso permitiu a manutenção co-
mercial do setor e até impulsionou sua oligopolização. Principal-
mente em relação à televisão, o modelo adotado levou à formação de
grandes redes que, pelo menos em termos de programação, formam
um oligopólio composto pela ABC, RCA e CBS. Os organismos esta-
tais, como o FCC, que deveriam impedir isso, na verdade defendem
os interesses das redes. Prova disso é que nenhuma emissora perten-
cente às três grandes redes foi cassada desde sua fundação.
Para a telefoniao foi muito diferente, tendo o monopólio da
AT&T sido quebrado somente na década de 1960. Entretanto, nesse
caso, muito mais do que no setor de radiodifusão, houve participa-
ção do setor público para prover a infra-estrutura de funcionamento
e também para a regulamentação dos serviços que ultrapassavam a
esfera local.
Na Europa, da mesma forma que prevaleceu um sistema público
nos serviços de rádio, foi estabelecido, na maioria dos países, o mo-
nopólio estatal do sistema de telefonia. Já para as televisões, prevale-
ceu um sistema misto - as emissoras de TV nasceram como empre-
endimentos privados, mas que foram pouco a pouco nacionalizados
a partir do pós-guerra, o que implicou a convivência de redes-
blicas e privadas. Esse modelo, entretanto, entrou em colapso a par-
tir dos anos 70, acompanhando a falência fiscal de muitos países, o
que implicou o questionamento do modelo como um todo que ainda
o encontrou um ponto final.
No modelo europeu, uma exceção que merece ser mencionada é
o modelo holandês, que levou às últimas conseqüências a "publici-
zação" dos serviços de radiodifusão, notadamente o de TV. Nesse
país, as redeso públicas e na sua programação convivem produ-
ções estrangeiras, estatais e locais. Nesse último caso, trata-se de
programas feitos por entidades da sociedade civil que se supõe ter
apoio em toda a comunidade.
A história da radiodifusão no Brasil é bastante tortuosa e seu mo-
delo, apesar de nos seus primórdios assemelhar-se ao americano, foi
uma construção semelhante à da Europa (Assis Fernandes, 1987). E
bom lembrar queo houve uma transposição de modelos dos paí-
ses centrais para o Brasil, pois, na verdade, os dilemas colocados se
apresentaram simultaneamente paras e para eles.
Como nos outros países, aqui também as telecomunicações sem-
pre foram vistas como um monopólio do Estado. Issoo implicou,
no entanto, que as atividades do setor fossem realizadas pelo setor
público. Ao contrário, mesmo a regulamentação nessa área, como
discutiremos mais à frente, foi tardia. Pode-se dizer, então, que mui-
to do atraso do setor deveu-se à falta de iniciativa do setor privado
em relação aos serviços de comunicação.
Também quanto à interferência e participação dos militares, o
Brasilo fugiu à regra geral, mas talvez aqui a ingerência das For-
ças Armadas nas telecomunicações tenha sido maior e mais dura-
doura do que nos demais países. O melhor exemplo dessa participa-
ção está na própria composição da Comissão Técnica de Rádio
(CTR), criada em 1931 e que controlou o setor de radiodifusão até
1962. Dos três membros que dela faziam parte, dois eram indicados
pelos ministérios militares, e o seu presidente sempre foi um mem-
bro das Forças Armadas.
Os serviços telefônicos também se desenvolveram de modo seme-
lhante, com a diferença que o controle da União foi muito mais norma-
tivo do que executivo. Nesse caso, os Estados e municípios tomaram
para a si a responsabilidade em organizar o setor. Isso gerou um siste-
ma heterogêneo e pulverizado que sóo entrou em colapso porque o
governo federal resolveu unificar as empresas a partir dos anos 60.
Considerando a evolução dos meios de comunicação no país, po-
de-se dizer que por aqui se desenvolveu um sistema misto, no qual
convivem empresas publicas e privadas, mas bastante diferente do
sistema europeu, pois inexistem grandes redes públicas nos serviços
de radiodifusão, embora o Estado exerça controle bastante amplo no
setor por meio de medidas diretas - como a manutenção de cessão de
horários gratuitos para o governo nos meios de comunicação - ou in-
diretas - as verbas de propaganda das empresas estataiso essen-
ciais à sobrevivência de várias emissoras.
No setor de telefonia, ao contrário do que acontecia nos seus pri-
mórdios, imperam a centralização e o controle público dos serviços.
Isso foi importanteo só porque proporcionou um avanço tecnoló-
gico sem precedentes (e foi feito basicamente em dez anos, entre
1964 e 1975), mas também porque permitiu, com isso, o desenvol-
vimento do setor industrial de eletrônica e microeletrônica no país,
setor que foi impulsionado largamente pelo Estado:
A criação de uma empresa estatal... possibilitou o fornecimento de
serviços de infra-estrutura básica, tarefa tradicional do Estado, e por
outro lado, contribuiu para o desenvolvimento rápido de um setor in-
dustrial de bens de equipamento. A Telebrás, pela sua capacidade de
gerar e centralizar recursos financeiros, assumiu uma função de investi-
mento no setor industrial, que pôde se modernizar e se expandir a partir
das encomendas de equipamentos ... O planejamento sistemático, uti-
lizado como método de gestão pela holding e suas subsidiárias, propor-
cionou ao setor produtivo a redução das incertezas ambientais e a conse-
qüente organização de suas atividades industriais em melhores condi-
ções. (Maculan, 1981, p.178)
Em contrapartida, esse setor parece ser o mais sensível aos pro-
cessos globais de desenvolvimento. Quiçá isso explique os motivos
pelos quais os problemas surgem simultaneamente em países cen-
trais e periféricos. Da mesma forma que no início do desenvolvi-
mento dos meios de comunicação no mundo, atualmente se coloca
para o Brasil, como também para o mundo, a necessidade de rever os
modelos de suas comunicações. Por enquanto, seguindo os passos
(fracassados) do neoliberalismo, o país tem simplesmente buscado
manter os nichos do Estado encravados nas empresas privadas do
setor, ao mesmo tempo que leva a cabo a venda das estatais. De todo
modo, como esse processo ainda estava em andamento quando da
redação deste texto,o é possível avaliar se, ao final, o modelo pre-
valecente para as telecomunicações se aproximará daquele vigente
hoje na Europa - que passou por processo semelhante -, mas certa-
mente já é possível dizer que ele cada vez mais se afasta do modelo
norte-americano. Da mesma forma, já se pode dizer que o processo
de privatizações, apostando na desregulamentação do setor, deve
gerar problemas futuros, principalmente no que se refere à relação
entre prestação de serviços e consumidores.
Em resumo, o que mostra este breve histórico do setor é que a
forma de organização dos serviços de telecomunicações de um país
o pode ser imediatamente deduzida das características assumidas
pelo regime político ou pelo modo de produção dominante naquela
sociedade. Issoo implica dizer que tais característicasoo im-
portantes, mas oo somente quando tomadas em conjunto com
uma gama de fatores, entre eles os fatores técnicos queo específi-
cos a essa atividade.
Aspectos jurídicos das Comunicações no Brasil
O aumento da faixa de freqüência e do interesse em sua utiliza-
ção fez que surgisse a necessidade de disciplinar seu uso, como mos-
tram as convenções sobre a divisão de grupos de freqüência. É assim
que surge o direito de telecomunicações. A primeira legislação a res-
peito data de 1848 e trata da "publicização" do telégrafo na Europa.
O Brasil seguiu de perto todas as convenções internacionais, ten-
do aderido à União Telegráfica Internacional em 1877. Issoo im-
plicou, entretanto, que a evolução das comunicações fosse acompa-
nhada pelos legisladores brasileiros. Pelo contrário, "o setor de tele-
comunicações foi marcado por um processo de estruturação e orga-
nização administrativa bastante demorado, que se alongou por um
período de quase um século..." (Maculan, 1981, p.19) E assim que o
primeiro código a respeito do tema somente surge no Brasil em
1962, muito depois da instalação do telefone (1877), do rádio (1923)
e da televisão (1950) no país. Issoo significa queo houvesse in-
terferência legal no setor, apenas estao era regular ou sistemática.
A despeito de somente serem regulamentadas em 1962, por
meio da Lei n.4.117, as telecomunicações merecem atenção do po-
der público, que as define, desde o Império, como uma atividade do
Estado que poderia outorgar concessões. No aspecto legal,
todas as Constituições brasileiras ... foram unânimes em determinar a
competência da União para a exploração, direta ou por meio de conces-
são, dos serviços de radiodifusão, que podem ser exercidos por empre-
sas privadas mediante concessão ou autorização, a prazo certo e a título
precário. (Ortrriwano, 1982 p.107)
Com o advento da República, adota-se uma política descentrali-
zada para o setor (telefonia), segundo a qual os Estados da federação
adquirem o poder de regulamentar as concessões.
Em 1931, quando já haviam sido instaladas 29 estações de rádio
no Brasil (Tavares, 1997, p.155), o presidente Vargas baixa o De-
creto n.20.047 (27.5.1931) reafirmando o poder concedente da
União na telecomunicações, definindo os serviços de radiodifusão
como "de interesse nacional e de finalidade educativa", e que seriam
controlados pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, cuja com-
petência nessa área se estende até 1967, quando é criado o Ministé-
rio das Comunicações.
No referente ao serviço de telefonia, apesar dos protestos do go-
verno federal e da legislação em vigor, os Estados e municípios conti-
nuaramo só a conceder a exploração de redes para empresas parti-
culares, como passaram eles próprios a instalar redes de telefonia no
âmbito de sua competência administrativa. Conseqüentemente, e
numa situação que perdura até os anos 60, o sistema de telefonia tor-
na-se precário e confuso, sem a menor condição, por parte da União,
de regulamentação técnica. A rede de telefonia no Brasil chega, assim,
ao golpe de 1964 tendo como características básicas a insuficiência
da rede e, onde ela existe, sua total ineficiência (Maculan, 1981).
Já a respeito da radiodifusão, o citado decreto criou a Comissão
Técnica de Rádio (CTR) com a atribuição de regulamentar e regula-
rizar o funcionamento das estações brasileiras, ainda que o poder fi-
nal de decisão sobre cada concessão continuasse nas mãos do minis-
tro (art. 32).
Cabia à Comissão apreciar os pedidos de concessão, avaliando se
o requerente tinha capacidade técnica e financeira para atuar nesse
mercado. Por isso, no artigo 29 ele estabelecia que "A Comissão
Técnica de Rádio será composta de 3 técnicos em radioeletricidade,
sendo um da Repartição Geral dos Telégrafos, designado pelo Mi-
nistro da Viação e Obras Públicas, um do Exército e um da Mari-
nha, designados pelos respectivos Ministros."
Até o aparecimento do Código Brasileiro de Telecomunicações
(CBT), em 1962, coube à CTR a regulamentação dos serviços no
Brasil, o que redundou, segundo expressão de um de seus ex-mem-
bros que foi presidente da Associação Brasileira das Empresas de
Rádio e Televisão (Abert), em um número muito grande de leis e re-
gulamentos que tornava impossível aos concessionários se protege-
rem diante do arbítrio do poder concedente.
3
Para os interesses deste trabalho, duas outras leis anteriores ao
Código de 1962 precisam ser mencionadas. A primeira é a Lei
n.2.597, de 12.9.1955, que estabelece as faixas de fronteira e zonas
de defesa do país. O seu artigo 6
o
afirma: "São consideradas de inte-
resse para a segurança nacional... e) os meios de comunicação, como
3 A seguinte passagem é exemplo desse arbítrio: "Antes de brigar com Juscelino
[Kubitscheck, então presidente da República], ele [Assis Chateaubriand] pre-
cisava obter do governo mais concessões de canais - e para isso dedicava especial
atenção ao responsável pela área, o general Olímpio Mourão Filho, presidente da
Comissão Técnica de Rádio do Ministério da Viação e Obras Públicas (reparti -
ção que anos depois mudaria de nome, passando a se chamar Departamento
Nacional de Telecomunicações - Dentei). Durante o namoro com Mourão,
Chateaubriand convidou-o para compartilhar (junto com Herrmann Gohn,
embaixador da Áustria no Brasil, e Archie Dollar, diretor da RCA Victor) um
de seus mais recentes hobbies: as viagens à Amazônia..." (Morais, 1997, p.575).
rádio, televisão, telefone e telégrafo". Instituia-se, assim, a necessidade
de ouvir o Conselho de Segurança Nacional nas concessões dos meios
de comunicação. É importante mencionar, também, a Lei n.3.654,
de 4.11.1959. Por meio desta, criam-se as Armas de Comunicações
e Engenharia no Exército. Se antes já eram os militares que domina-
vam o setor, pois suas escolas forneciam os especialistas para a área,
bem como dominavam legalmente o CTR, agora ganhavam maior
legitimidade para interferir no processo, pois as primeiras escolas de
engenharia de comunicaçãoo vinculadas às Forças Armadas so-
mente irão surgir no Brasil na década de 1960. Até,o os enge-
nheiros militares que dominam o saber técnico na área.
Jânio Quadros, no curto período que esteve à frente do governo,
procurou interferir no setor de Comunicações dando impulso aos
estudos que culminaram na promulgação do CBT. A mudança mais
importante é feita por intermédio do Decreto n. 50.840, que modifi-
ca os prazos de concessão de dez anos para três e, ao mesmo tempo,
transfere do Ministério da Viação e Obras Públicas para o Ministé-
rio da Justiça a jurisdição sobre a área de telecomunicações - o que
equivalia a dar um caráter mais político e menos técnico para o setor.
O Código Brasileiro de Telecomunicações
E a partir da promulgação do CBT que o setor ganha uma políti-
ca independente do arbítrio do poder constituído. Se antes do códi-
go, as concessões e sua manutenção dependiam largamente do hu-
mor do presidente da República e de seus auxiliares; depois de 1962,
com o setor regulamentado, as medidas tomadas deviam seguir, ao
menos formalmente, a letra da lei.
Talvez isso explique a dificuldade de regulação do setor, pois re-
presentava, sob dado ponto de vista, a perda de poder por parte do
Executivo Federal. Um exemplo disso é que, votada a lei, João Gou-
lart apôs-lhe 52 vetos. Entre estes, o mais significativo, porque
exemplifica o desejo de manter o poder sobre os meios de comunica-
ção, talvez tenha sido o do § 3
o
do artigo 33, que estabelecia os prazos
de concessão:
Os prazos de concessão e autorização serão de 10 (dez) anos para o
serviço de radiodifusão sonora e de 15 (quinze) anos para o de televisão,
podendo ser revogados por períodos sucessivos e iguais, se os concessio-
nários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais,
mantida a mesma idoneidade técnica, financeira e moral e atendido o
interesse público, (art. 29, letra x)
O poder do Congresso (ou a falta de bases políticas de Jango)o
foi menor, pois todos os vetos presidenciais foram derrubados pelo
Congresso por um bem montado lobby que envolvia empresários do
setor, o Estado Maior das Forças Armadas e partidários da UDN (Be-
nevides, 1985,p.l04).
O CBT, que vigora até hoje, além de estabelecer os prazos de
concessão (art. 33), criou o Conselho Nacional de Comunicações
(Contei) (art. 14), subordinado diretamente à Presidência da Repú-
blica e a quem competia normalizar e fiscalizar o setor, assentando
as bases para um sistema nacional de comunicações, previa uma
empresa operadora para o setor - a Embratel (art. 42) — e estabeleceu
os recursos para o setor com a criação do Fundo Nacional de Teleco-
municações (art. 51). Também inovou quanto à participação do Le-
gislativo na regulamentação do setor instituindo que o Contei teria a
seguinte composição: o diretor do Departamento dos Correios e Te-
légrafos; três membros indicados pelos ministros da Guerra, Mari-
nha e Aeronáutica (membros estes queo precisam licenciar-se de
suas atividades, mas ao contrário, segundo o art. 22 da Lei,o con-
siderados "no exercício pleno de suas funções militares"); quatro
membros indicados pelos ministros da Justiça, da Educação, das Re-
lações Exteriores e da Indústria e Comércio; três representantes dos três
maiores partidos com assento na Câmara dos Deputados; pelo diretor da
empresa pública que o CBT instituiu; e, finalmente, pelo diretor ge-
ral do Departamento Nacional de Telecomunicações (art. 15).
Em contrapartida, o CBT manteve o poder de outorga de conces-
o nas mãos do presidente da República (art. 34, § 1
o
), exceto os de
alcance local, que seriam permitidos pelo Contei (art. 33, § 5°), bem
como a "Hora do Brasil" (art. 38, letra e), que havia sido criada pelo
Estado Novo.
O CTB passa a funcionar de fato somente a partir de maio de
1963, quando da sua regulamentação geral (Decreto n.52.026, de
20.5.1963). É nessa regulamentação que se estabelece o funciona-
mento do Contei e de seu órgão fiscalizador, o Departamento Nacio-
nal de Telecomunicações (Dentei) (art. 17); classificam-se os servi-
ços (art. 4
o
) e as competências para exploração (art. 7
o
e 8°).
Se, do ponto de vista da legislação, tudo estava feito, a estrutura-
ção do setor atravessou o governo militar, levando dez anos para ser
constituída, acompanhando as contradições do regime e influencia-
da pelas oscilações do crescimento econômico do período. "A parti-
cipação no uso de um satélite internacional (1965), ao lado da cons-
tituição de um sistema de troncos de microondas (1969-1973), per-
mitirá, finalmente, a interligação de todo o país através de telefone e
televisão" (Oliveira, 1990, p.158). A culminância dessa política, to-
davia, apresenta-se com a criação do Ministério das Comunicações,
em 1967; da Telebras, em 1972, e da Radiobrás, em 1975.
Os governos militares introduziram algumas modificações no
CTB. Essas relacionavam-se com a liberdade de expressão (Lei
n. 5.250, de 9.2.1967, conhecida como Lei de Imprensa), para restrin-
gi-la, e do Decreto-Lei n.236 (de 28.2.1967), que modificou alguns
artigos do CTB, no intuito de produzir uma ainda maior centralização
do setor. Entretanto, a despeito do significado que teve para toda a na-
ção, as mudanças foram, para a área de telecomunicações, tópicas e
reforçadoras do sentido adotado pela legislação de 1962.
Já do ponto de vista do controle sobre as telecomunicações, o setor
se sofisticou bastante, encontrando seu ponto alto em 1982 com a im-
plantação da Rede Nacional de Radiomonitoragem (Renar), com-
posta por oito estações fixas e dezessete móveis, queo responsáveis
pelo monitoramento do setor no território nacional (Oliveira, 1996).
Outra modificação do CTB, esta mais significativa, foi introduzi-
da já na vigência do governo civil, por meio da Constituição Federal
de 1988. As medidas adotadas por ela visaram superar as restrições à
liberdade de expressão (art. 5° e 220); regular o tipo de informação
veiculado pelas emissoras e sua propriedade (art. 221 e 222) e, o que é
mais importante, dividir o poder de controle sobre as concessões en-
tre os poderes Executivo e Legislativo (art. 223 e 224). Nesse aspecto,
ainda que mantenha nas mãos do Executivo o poder de outorga de
emissoras, cabeo só ao Congresso apreciar esses atos, como tam-
m lhe compete as renovações, enquanto o cancelamento fora de
prazo somente pode ser efetivado pela Justiça. No referente à trans-
missão de dados e correspondência, a Carta de 1988 repetiu as leis an-
teriores, mantendo o monopólio nas mãos da União, mas permitindo
a execução dos serviços por meio de concessões (art. 21 e 22)
Do ponto de vista prático, as mudanças introduzidas pela Cons-
tituição tiveram como efeito a redução da probabilidade de uso polí-
tico das concessões por parte do presidente em exercício, na medida
em que diluiu a capacidade de concessão entre ele e o Congresso.
Ê preciso considerar, entretanto, que o controle do Estado sobre
os meios de comunicação ultrapassa a simples formalidade da lei. Ele
acontece por meios indiretos, como concessões de empréstimos - já
que o governo tem influência direta sobre o sistema financeiro, além
de os bancos oficiais serem os principais promotores de emprésti-
mos, ou sistema de publicidade - o desenvolvimento brasileiro
após 1964 fez do Estado um grande empresário e um dos principais
anunciantes da imprensa -, ou ainda por isenção fiscal e taxas subsi-
diadas de importação - os equipamentos necessários à modernização
da mídia são, normalmente, importados etc. (Mattos in Melo, 1985).
Cabe aos engenheiros de telecomunicações, a partir dos critérios
físicos, legais e geográficos, estudar e, do ponto de vista técnico, de-
finir as faixas em que cada emissora de sinais sonoros pode operar
parao gerar desconforto (interferência) para os ouvintes. É so-
mente com base nesses critérios que todo o sistema funciona ade-
quadamente. Eo esses fatores que fornecem os limites para a utili-
zação política das telecomunicações.
As concessões como política governamental
Conforme discutido anteriormente, a utilização das concessões
de estações e serviços de telecomunicações como moeda de troca no
mundo da política encontra limites técnicos e também no próprio
comportamento dos atores envolvidos nas disputas governamentais.
Em outras palavras, além das fronteiras tecnojurídicas, a questão
que está embutida na gestão do setor de comunicação envolve a dis-
puta por prestígio a partir do controle de um setor sensível às esco-
lhas políticas, e também descreve as escolhas daqueles que estão no
poder, sendo o resultado de uma trama que espelha a política desse
mesmo governo.
Nesse sentido, a proposta aqui é discutir como essa política refle-
te nas concessões de rádio e televisão no período compreendido en-
tre 1961-1992. A resposta que perseguimos diz respeito às possíveis
mudanças nos programas governamentais entre poder civil e poder
militar, e, mais, se é possível perceber a constituição de uma política
pública conseqüente para este setor que reflita, ainda que indireta-
mente, as expectativas de integração nacional, objetivo explícito de
vários governos militares.
Para a análise, utilizamos duas séries de dados. A primeira diz
respeito às estações de rádio e televisão existentes no país entre
1967-1985 queo apresentadas por unidade da federação. A se-
gunda série de dados descreve as outorgas de estações de rádio e te-
levisão, por unidade da federação, no período de 1961 a 1992.
4
Infe-
lizmente,o pudemos fazer uma análise global porque os dados
o incompatíveis.
Embora, à primeira vista, os dados referentes às outorgas pudes-
sem ser produto da diferença entre as estações existentes entre um
ano e outro, issoo aconteceo só porque as fonteso diferentes,
mas também porque nem sempre uma concessão de faixa de onda se
transforma em uma estação de telecomunicações em funcionamento,
e isso sem fugir às determinações legais. Dessa forma, uma concessão
pode ser cassada antes mesmo de ser conhecida pelo público, jamais
4 Esses dados foram conseguidos junto ao Processamento de Dados do Senado
(Prodasem), pelo empenho de Tota e o auxílio de Iara Beleli, a quem agradece-
mos. Ao compará-los com os que freqüentemente aparecem citados pela im-
prensa, notamos que há disparidades, mais uma razão parao compararmos
fontes diferentes.
fazendo parte, então, das estações existentes (em funcionamento)
apresentadas pelas estatísticas do IBGE. Assim, considerando a in-
compatibilidade entre os dados, cada série é apresentada como repre-
sentativa de alguns aspectos da "política" das comunicações no Brasil.
No caso dos dados sobre estações existentes (Tabelas 1 e 2), pre-
tende-se descrever alguns poucos aspectos do desenvolvimento re-
gional de estações de rádio e televisão no Brasil. O período enfocado
o responde a uma escolha pessoal, mas foi o possível de ser apre-
ciado em acordo com os dados descritos pelo IBGE, a fonte utiliza-
da. Infelizmente, as estatísticas no Brasilom continuidade, de-
sestimulando, assim, análises abrangentes.
Conforme o Anuário Estatístico do Brasil, as informações do pe-
ríodo anterior a 1965 relativas à radiodifusão resumem-se na apresen-
tação do número de estações de rádio em funcionamento no país, di-
vididas entre municípios da capital e municípios do interior. Para a
fase posterior a 1985, as informaçõeso ainda menos significativas,
o existindo a possibilidade de comparação com os dados anteriores.
Apresentamos somente os dados agregados, isto é,o divididos
por faixa de onda ou potência, para facilitar a leitura das tabelas.
Entretanto, esses dados estão disponíveis para o período entre 1965
e 1981. Para 1985, há informações a respeito da "dependência admi-
nistrativa", se federal, estadual ou municipal, maso a respeito das
faixas de onda.
Apesar de disponíveis,o se utilizam os dados referentes a
1965-1966, porque, em uma primeira análise, há grandes discre-
pâncias entre eles, notadamente em relação às estações de televisão.
o é apresentada toda a série (de 1967 a 1985) porque nem todos os
dados estão disponíveis.
5
5 Reforçamos que trabalhar com dados sobre concessão de rádio e televisão é di-
fícil e sempre provisório, porque, no jogo entre governo e empresários e destes
entre si, muitas concessões jamais se efetivam na prática, outrasm à sua fren-
te testas-de-ferro, há ainda os que querem a concessão para vendê-la sem jamais
regularizar a situação e, principalmente, porque o próprio ministério manipula
tanto esses registros e dados que até mesmo seus técnicosm dificuldade em fa-
zer uma análise global do setor (ver Herz, 1987).
Já os dados relativos às concessões (Tabelas 3 e 4) oferecem maio-
res possibilidades, podendo apontar quais as preocupações que re-
giam as decisões governamentais na área de telecomunicações, res-
pondendo, com maior precisão, a questões relativas às pretensões
geopolíticas, econômicas ou clientelísticas que envolvem o compor-
tamento dos atores nessa arena.
Na medida em que os dadoso apresentados de forma desagre-
gada, registrando o tipo de concessão e sua localização geográfica
(ainda queo nominal), a partir deles é possível avaliar com maior
precisão do que aqueles fornecidos pelo IBGE se existia uma política
traçada pelo governo, como este fazia uso de um bem como as esta-
ções de rádio e televisão, se as cassações, por exemplo, eram fruto de
um programa ditado pelos militares etc.
Fazemos uso somente dos dados relativos às concessões de rádio
e televisão,o incluindo o setor de telefonia, porque nesse último
caso, além de ter-se reorganizado durante o período englobado pela
pesquisa, o setor está estruturado a partir das empresas de telefonia
estaduais ou regionais que, embora respondam a uma política cen-
tralizada na Embratel, determina a organização do sistema de forma
descentralizada. Trabalhar com dados relativos ao setor de telefonia
exigiria, portanto, uma pesquisa em cada uma das empresas, o que
está para além de nossas pretensões.
Além do mais, conforme já explicitamos em diferentes oportu-
nidades, nosso objetivo aquio é o estudo das Comunicações, mas
sim da ação do governo militar sobre as políticas públicas, funcio-
nando o setor de telecomunicações como um exemplo dessa atua-
ção, eo o contrário.
Geopolítica das comunicações
A partir da análise das Tabelas 1 e 2 apresentadas em seguida, é
possível responder com segurança à questão: Qual a participação
dos militares na política de comunicação brasileira? E mais: Qual o
sentido dessa participação?
Uma das hipóteses que podem exemplificar essa participação
diz respeito à segurança territorial. Considerando o discurso esguia-
no como representativo, a manutenção da integridade territorial e a
integração nacionalo os dois primeiros objetivos nacionais per-
manentes (ESG, 1980; Comblin, 1978). Esteso garantidos por
meio do estabelecimento de vias de comunicação (estradas) e da vi-
vificação das fronteiras, o que poderia ser facilitado por um eficiente
programa de telecomunicações.
Corrobora essa visão o discurso geopolítico - de resto, traduzido
pela ESG e por seu principal expoente, Golbery do Couto e Silva
(1981) - que prevaleceu no Brasil durante o governo autoritário e
que apregoava a construção do Brasil como potência hegemônica re-
gional (Miyamoto, 1995), o que implica uma política desenvolvi -
mentista agressiva em relação aos seus vizinhos, bem como que os
projetos e obras, incluindo o setor de Comunicações, perseguiam
essa finalidade (subordinar os países limítrofes da América do Sul à
esfera de influência brasileira).
Deve-se considerar também que houve um aumento das preo-
cupações governamentais com a fronteira norte do país a partir dos
anos 80, o que pode ser corroborado pela nomeação de um adido mi-
litar para o Suriname em 1980 (Miyamoto, 1985, p.277).
Tudo isso, para a área de telecomunicações, traduzir-se-ia em
um crescimento das concessões de estações nas faixas de fronteira,
implicando aumento progressivo das estações nesses locais.
Pelos dados da Tabela 1, vemos que há um crescimento do-
mero de estações no Brasil no período considerado. Mas, pelo me-
nos em termos de estações de rádio, este é maior nos anos 80, quan-
do estávamos sob um governo civil. Além disso, o número de esta-
ções de rádio existente nas áreas fronteiriças é bastante pequeno, e
seu crescimento absoluto é igualmente insignificante. No Acre, por
exemplo, acusam-se três estações em funcionamento em 1967,-
mero que sobe lentamente e chega a apresentar queda entre 1978 e
1981, até atingir treze estações em 1985. Somos, então, levados a
crer queo existe nenhuma relação entre a "política" de comunica-
ções e a participação militar nesta.
Tabela 1 Estações de rádios e de televisão existentes no Brasil por
unidade da Federação (1967-1985)
Fonte: IBGE, Armário Estatístico do Brasil, 1967-1986.
* Dadoso disponíveis.
** Inclui, até 1966, também os dados para a Guanabara.
*** Inclui Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (a partir de 1977).
Quando, contudo, se atenta para o crescimento percentual entre
1967 e 1985 (Tabela 2), verifica-se que os maiores crescimentos
acontecem nos Estados que estão na faixa de fronteira norte, parti-
SINAL
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PI
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AL
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SP
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1967
RD
3
3
8
*
12
1
10
9
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14
11
32
8
6
31
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11
80
254
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61
119
16
33
7
959
TV
-
-
*
2
1
1
1
2
1
6
1
6
8
3
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1
2
3
41
1969
RD
2
4
9
1
12
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9
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11
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9
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34
121
11
80
262
98
62
123
19
33
10
994
TV
1
2
1
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1971
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73
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128
19
37
11
1.008
TV
1
2
2
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1
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4
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2
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35
133
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268
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10
1.067
1981
RD TV*
9
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17
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15
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9
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73
326
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177
25
37
10
1.291
1985
RD TV*
13
9
25
4
31
5
17
19
52
19
27
40
14
9
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189
22
100
387
178
112
216
60
55
14
1.680
cularmente naquelas regiões com estatuto de território (até 1988).
Assim, o Amapá apresenta um crescimento de 400% no período,
sendo seguido por Rondônia (333%) e Roraima (300%).
Tabela 2 - Número e crescimento de estações de rádio por unidades
da Federação (1967-1985)
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1967-1986. Apresentamos os dados somente
para as estações de rádio porque os números referentes às estações de televisãoo irre-
levantes,o permitindo uma avaliação precisa.
- Dadoso disponíveis.
* Refere-se ao crescimento percentual bruto, isto é, à diferença entre 1967 (base 100%) e 1985.
** Inclui, até 1966, também os dados para a Guanabara.
*** Inclui Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (a partir de 1977).
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1967
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1969
2
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1971
3
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1978
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1981
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3
15
12
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14
16
34
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14
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1985
13
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31
5
17
19
52
19
27
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14
9
63
189
22
100
387
178
112
216
60
55
14
1.680
85/67%*
333%
200%
200%
300%
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400%
70%
111%
108%
35%
145%
25%
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50%
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65,7%
100%
25%
52,3%
95,6%
83,6%
81,5%
275%
66,6%
100%
75,1%
Poder-se-ia, assim, afirmar que existia uma preocupação com a
segurança nacional territorial, e, portanto, o governo no período
buscou implementar projetos para fazer aumentar as comunicações
rápidas no país, estimulando a criação de estações nas regiões próxi-
mas às fronteiras. Essa afirmação é corroborada, também, quando
se nota que no Mato Grosso o crescimento das estações apresentado
foi de 275%, maior do que o do Acre e do Amazonas (que apresenta-
ram 200% de crescimento), o que refuta o aumento da preocupação
com a fronteira norte, mas reforça a visão de estabelecimento de
uma relação de hegemonia-subordinação com os países da fronteira
oeste.
No caso do Mato Grosso, deve-se considerar também que a re-
gião foi território de expansão geográfica (populacional) no período
pesquisado, o que influenciou o governo na expansão das telecomu-
nicações para. Aqui a hipótese de integração nacional como parâ-
metro de política pública é reforçada.
Contra essa análise, pesaria o fato de o crescimento no número
de estações de rádio apresentado pelos Estados do sul do país - re-
gião de fronteira historicamente considerada estratégica pelo Brasil,
principalmente pela possibilidade de conflito entre Brasil-Argenti-
na em razão da luta por hegemonia regional - era bastante menor do
que aquele apresentado pelo norte, respectivamente 95,6%, 83,6%, e
81,5% para Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além
disso, nessa região o número de estações é bastante maior, além de
contarem também com estações de televisão (Tabela 1), caso em
que, apesar de os dados restringirem-se aos anos intermediários aos
aqui considerados,m seu número dobrado.
As análises correntes tendem a ressaltaro a preocupação cas-
trense com a questão da segurança de fronteiras. Pelo contrário, elas
invariavelmenteo no sentido de afirmar que a política do governo
militar para as Comunicações privilegiava a integração nacional por
meio da "interiorização" dos meios de comunicação de massa.
Uma análise apressada tenderia a confirmar essa tese, pois, de al-
guma forma, as unidades da Federação que apresentaram maior
crescimento de transmissoreso também as mais isoladas. Entre-
tanto, quando olhamos para o todo, notamos queo existe uma re-
lação direta e imediata entre crescimento de radiotransmissores e
isolamento regional. Estados como Rio Grande do Norte e Sergipe,
por exemplo, apresentam crescimento das estações menor do que o
do Brasil, eoo exatamente regiões nacionalmente integradas no
período em apreço.
Assim, os dados coligidoso permitem confirmar ou refutar
tais análises. O mais provável, com base somente nas tabelas apre-
sentadas, é que prevalecia a falta de uma política coerente para o se-
tor, seja ela determinada ouo pelos atores políticos fardados.o
foi possível encontrar uma lógica para determinar os níveis de cresci-
mento das estações no período em que ele acontece, ou o decrescimen-
to apresentado em alguns casos. Além disso, como os dados refe-
rem-se ao período autoritário, ainda que ao final houvesse ura civil
no governo (1985), com base neles é muito difícil dizer que as flu-
tuações verificadas fossem produto de um projeto elaborado pelas
Forças Armadas.
Uma possível explicação, que poderia apontar para o desenvol-
vimento de uma política pública nessa área, é que a instalação das
emissoras responde ao interesse comercial. O grande número de es-
tações de rádio emo Paulo, seguido por Minas Gerais, aponta
nessa direção. Porém, ao analisarmos o número de estações no Rio
de Janeiro, pioneiro nesse tipo de serviço e importante Estado da
Federação em termos políticos e mercadológicos, vemos que tam-
m essao é uma explicação válida, pois o volume de estaçõeso
é proporcional à posição estratégica do Estado - quinta posição no
início da série, caindo para sexta ao final; além disso, o crescimento
do número de transmissores apresentado ao longo do período é um
dos menores (Tabela 2).
No que se refere à implantação de estações de televisão, apesar
de termos dados somente para uma pequena parte do período, é ra-
zoável supor, entretanto, que ela seguiu o modelo comercial, tendo
sua implantação nas regiões com maior potencialidade de consu-
mo, e, portanto, que ofereciam maior lucratividade aos seus pro-
prietários.
Em resumo, a análise das tabelas apresentadas leva-nos a afirmar
queo havia uma política ditada pelas Forças Armadas no que se
refere à radiodifusão. Nessa área, a atuação militar era indireta e di-
rigida para outros objetivos: desenvolvimento da infra-estrutura -
daí datar do período a implantação da centralização no setor de tele-
fonia e das empresas estatais de controle das Comunicações (Embra-
tel, Telebras) e controle social, censura à imprensa.
Concessão técnica como concessão política
Se pelos dados fornecidos pelo IBGEo é possível avaliar como
se processou a participação militar no desenvolvimento das políticas
públicas, os dados coligidos pelo Senado Federal oferecem maiores
possibilidades, pois traduzem de perto como o governo se compor-
tou ao longo do período. Isso porque aqui estamos trabalhando com
as outorgas das concessões, o que era, até 1988, prerrogativa exclu-
siva do presidente da República.
A questão que queremos avaliar aqui continua sendo a mesma
do item anterior, isto é, qual a participação dos militares na formula-
ção e implementação de políticas públicas no Brasil no setor de tele-
comunicações. Também trabalhamos com as mesmas hipóteses,
que podemos chamar de esguiana e geopolítica.
Pela hipótese geopolítica, as concessões de estações de telecomu-
nicações deveriam responder à necessidade de integração do país. E
verdade que há outras políticas governamentais que se prestam me-
lhor a esse tipo de objetivo, sendo o caso mais forte o do setor de
transportes - na literaturao chamadas de políticas de comunica-
ção, pois que respondem exatamente a esse aspecto no referente à
integração nacional: "um sistema de comunicações [viário] eficiente
torna possível atingir qualquer ponto do país, em um tempo relati-
vamente curto, protegendo os locais mais sensíveis, principalmente
aqueles situados ao longo das fronteiras internacionais, e que pos-
sam colocar em risco a soberania nacional..." (Miyamoto, 1995,
p. 147-8) -, e que o Poder Público possui meios de manter a troca de
informações nas regiões mais afastadas do país fazendo uso de siste-
mas de comunicaçãoo comerciais/convencionais.
A hipótese geopolítica alia uma visão técnica com uma questão
de segurança, o que deveria falar mais alto aos militares. Por esse ca-
minho, as regiões menos desenvolvidas e mais afastadas receberiam
um volume maior de concessões, ou pelo menos seria possível per-
ceber um fluxo contínuo de concessões para tais localidades. Assim,
deveria haver uma concentração das concessões em Estados da Fe-
deração como Roraima, por exemplo. Porém, os dados da Tabela 3
o parecem apontar nessa direção.
6
As regiões que menor número de estações de rádio recebem, in-
dependentemente do governo,o Amapá e Roraima, seguidas do
Acre e do Distrito Federal - este últimoo pode ser considerado
região não-integrada. Em contrapartida, a única concessão feita
pelo presidente Médici contemplou o Amazonas - o que alimenta-
ria a hipótese geopolítica. Deve-se considerar, entretanto, o signifi-
cado do estabelecimento de estações de telecomunicações nessas re-
giões. É sabido que os Estados amazônicos (Acre, Rondônia, Rorai-
ma, Amazonas)om população que comporte um elevado-
mero de estações, ainda que o critério de integração nacional seja o
regente da política pública para o setor.
Considerando todo o período de análise, o Mato Grosso foi o
Estado que mais recebeu outorgas de estações de rádio. Também
chama a atenção o grande volume recebido pelo Piauí. Desta-
que-se, contudo, que tanto no caso do Mato Grosso quanto no do
Piauí as concessões foram feitas no final do governo militar, e hou-
ve uma alta concentração de concessões no período José Sarney:
respectivamente, do total de 71, 34, e do total de 40, 24 se deram
nesse governo.
6 Os dados apresentados a seguiro agregados por governo, no qual aparecem
somente o número de concessões de rádio (Tabela 3) e televisão (Tabela 4) e
o os relativos às cassações ou o crescimento de cada um. Mesmo assim, isola-
mos o ano de 1988, no qual foram feitas mudanças substanciais na Carta Cons-
titucional então em discussão. Como discutiremos a seguir, assim procedemos
por entender que os números podem apontar para alguma forma de política
clientelística, reforçando a idéia de convivência entre o moderno e o arcaico no
processo político nacional.
Tabela 3 Total de outorgas de estações de rádio por unidade
da Federação e governo*
Fonte: Aquarius/SSINF/Prodasen.
* A duração de cada governo varia, o que deve ser considerado no momento da análise.
No caso do governo Fernando Collor, considerou-se somente 1990, pois em seguida as
concessões passaram a ser feitas sob controle do Congresso Nacional, como determina
a Constituição de 1988. Para João Goulart, considerou-se somente 1963, dado o perío-
do da pesquisa.
** Inclui Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
UF
AC
AL
AP
AM
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MT**
MG
PA
PB
PR
PE
PI
RJ
RN
RS
RO
RR
SC
SP
SE
BRASIL
J.G.
1
1
1
2
5
CB.
1
2
1
1
1
1
3
5
2
2
1
1
5
5
4
1
36
C.S.
3
2
3
1
1
1
5
1
1
18
Governo
E.G.M. E.G.
2
1 4
7
16
4
12
4
20
10
2
6
14
4
2
1
4
11
3
5
7
1
1 139
J.B.F.
4
1
8
13
17
7
11
9
17
21
13
8
15
6
13
3
6
20
5
1
11
27
3
239
1988
3
3
9
11
2
1
7
12
22
12
8
5
11
4
13
4
6
5
4
3
9
2
156
J.S.
3
4
6
28
29
4
5
11
21
34
23
12
11
24
7
24
5
9
11
7
8
22
3
311
F.C.M.
1
1
4
3
2
7
1
3
1
3
1
2
29
Apesar de o aumento expressivo de concessões se apresentar na
passagem do governo Geisel para o Figueiredo, elevando o volume
em quase 50%, Minas Gerais possui uma distribuição contínua de
outorgas de estações de rádio,o as recebendo somente sob Médici.
Assim, tomando esses dados, a hipótese geopolítica é fraca, pois
Minaso pode ser interpretado como um Estado não-integrado,
principalmente considerando que é bastante provável que, do volu-
me total de concessões para uma determinada região, a maior parte
seja designada para a capital, e Belo Horizonte sempre foi de grande
importância econômico-política para a nação.
Se a preocupação for com a segurança, as faixas de fronteira rece-
beriam um volume maior de concessões, independentemente de fa-
tores econômicos ou de política de barganha.
7
De fato, ao olharmos
para os dados por governo, parece que isso pode ser verdadeiro, pois
é exatamente durante os anos militares que as outorgas para as re-
giões fronteiriçaso maiores, representando por volta de 38,05%
das concessões feitas sob governos fardados, contra 29,34% na vi-
gência de governos civis.
Essa visão é reforçada quando, ao consultarmos os dados de for-
ma desagregada, notamos que as concessões para o Rio de Janeiro
(ou Guanabara antes de 1974)o menores do que, por exemplo,
para o Mato Grosso, e, sem a menor dúvida, o primeiro traz maiores
possibilidades de retorno econômico.
As hipóteses aventadas para a questão geopolítica também fun-
cionam aqui, pois os Estados menos desenvolvidos compõem a re-
gião de fronteira nacional. Assim, durante o governo Médici, a úni-
ca outorga de estação de rádio é dada ao Amazonas. O Amapá é con-
templado no governo Castelo Branco; o mesmo acontecendo com
Roraima, lembrado por Figueiredo.
Tomando os dados agregados, notamos ainda que, no período
civil, a distribuição das concessões é equilibrada do ponto de vista
7 Para efeito desta análise,o consideramos os limites litorâneos como frontei-
ra.o tomados, então, os Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Para-
, Mato Grosso, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Amazonas.
da divisão política, pois os nove Estados da região de fronteira (um
terço do país) receberam em torno de 30% das concessões. Esse per-
centual, entretanto, sobe quase dez pontos sob o regime militar.
Assim, os dados parecem sugerir que a política de Comunica-
ções dos governos militares respondia a interesses de segurança,
maso aos geopolíticos, realizando o binômio segurança e desen-
volvimento do discurso militar e esguiano.
As hipóteses aventadaso respondem, porém, a algumas inda-
gações que surgem quando atentamos para os dados da Tabela 3
apresentada, como o que determina a média anual de 0,25 concessão
no governo Médici contra seis concessões no governo Costa e Silva,
média esta que sobe para 27,8 e 39,83, respectivamente, com Geisel
e Figueiredo.
Os dados da Tabela 4, relativos à concessão de estações de televi-
são, reforçam essa visão, pois a partir do governo Geisel há uma ten-
dência de crescimento somente rompida com a ascensão de Fernan-
do Collor, ao mesmo tempo que o menor número de concessões é fei-
to pelo governo Médici. Nesse caso, porém, as variaçõeso mais
significativas do que as relativas às concessões de estações de rádio,
o que sugere outras hipóteses para a análise.
Conforme indica a Tabela 4, as outorgas de televisão apresentam
certo equilíbrio em todo o período, muito embora haja uma relativa
explosão no governo José Sarney, repetindo o que aconteceu em re-
lação às estações de rádio, e também repetem a queda nas concessões
durante a gestão Médici.
Uma explicação para o comportamento do governo militar pode ser
encontrada na necessidade de diversificar a maneira pela qual o Brasil
deveria responder à política (contida nos projetos militares para o país)
de integração nacional. Nesse aspecto, se no governo Médici a ênfase
foi emprestada ao desenvolvimento de infra-estrutura básica, princi-
palmente em telefonia (implantação de troncos e novas tecnologias,
como os cabos de microondas), no governo Geisel buscou-se aliar de-
ver governamental com responsabilidade do mercado. É assim que as
emissoras de rádio e televisão ganham espaço concessionário, conces-
sões que procuram aliar integração nacional com fatores comerciais.
UF
AC
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MA
MT**
MG
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PB
PR
PE
PI
RJ
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SC
SP
SE
BRASIL
J.G.
2
2
CB.
2
1
1
3
3
2
12
C.S.
1
2
2
1
1
3
4
2
1
17
E.G.M.
1
1
1
1
2
1
3
10
E.G.
2
1
1
1
1
2
2
1
2
1
3
4
1
6
1
4
5
38
J.B.F.
1
3
1
2
2
2
1
3
1
2
6
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4
1
2
8
42
1988
1
1
1
1
1
2
2
3
1
1
4
4
4
1
9
36
J.S.
1
1
6
3
4
1
7
2
3
6
3
2
8
2
7
4
2
4
5
17
1
89
F.C.M.
1
1
1
1
1
1
5
1
1
1
1
2
3
20
Fonte: Aquarius/SSINF/Prodasen.
* A duração dos mandatos de cada governo é variável, o que deve ser considerado no mo-
mento da análise. No caso do governo Fernando Collor, considerou-se somente 1990,
pois em seguida as concessões passaram a ser feitas sob controle do Congresso Nacio-
nal, como determina a Constituição de 1988. Para João Goulart, considerou-se somen-
te 1963, dado o período da pesquisa.
** Inclui Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Tabela 4 - Total de outorgas de estações de televisão por unidade
da Federação e governo*
Governo
Em síntese, quando analisamos os dados relativos às outorgas de
rádio e televisão, é possível afirmar que havia uma preocupação do
governo militar com a segurança do país, centrada principalmente
na proteção de nossas fronteiras. Ao mesmo tempo, é pouco prová-
vel que essa mesma preocupação traduzisse a necessidade de inte-
gração nacional pela via das telecomunicações. Porém, a hipótese
mais forte, principalmente quando avaliamos esses dados em con-
junto com o discurso dos presidentes, não é a segurança como expres-
são do desenvolvimento, mas a segurança necessária a permanência no
governo, a busca de estabilidade política e, portanto, de adesão da so-
ciedade ao projeto de pais desejado pelos militares. Nesse aspecto, o
controle sobre as concessões dava-se menos no momento da outorga
e mais depois, quando da manutenção em funcionamento das em-
presas de radiodifusão. Nesse segundo momento, era por meio do
controle econômico (concessão de empréstimos e publicidade) que
o governo militar exercia seu poder. E essa hipótese, por exemplo,
que permite explicar por que a Bloch (Rede Manchete) obteve duas
concessões e a Abril, nenhuma, na gestão de João Figueiredo.
Clientelismo nas Comunicações
Em uma pesquisa feita em 1995, a jornalista Elvira Lobato
(1995b) mapeia como se efetivam as concessões de rádio e televisão
no Brasil. Emborao seja uma pesquisa exaustiva, ela consegue
mostrar que oito grupos dominam o setor, contrariando abertamente
o Código das Comunicações.
8
Entretanto, o mais importante para os
objetivos deste estudoo é essa violação, mas o fato de reforçar uma
8 O CBT procura evitar a concentração de mercado, daí estabelecer limites no
número de concessões que uma entidade pode manter e regular a formação de
cadeias e associações (Decreto n.236/67). Porém, a própria legislação deixa
brechas porque nada diz sobre o número de membros de uma mesma família
que podem ser concessionários, já o controle das concessões é feito a partir do
número do CPF do maior acionista, eo pelo sobrenome ou filiação.
tendência apontada pelos especialistas na área: a manipulação das
concessões como forma de "troca de favores" no interior do governo.
Segundo Rômulo Vilar Furtado, funcionário do Ministério das
Comunicações entre 1970 e 1990, o que o credencia como "um dos
maiores caciques da história das telecomunicações do Brasil" (Lo-
bato, 1995a, p.1-13), "enquanto existir o Congresso Nacional e,
dentro dele, parlamentares desejosos de se reeleger, o critério de dis-
tribuição de concessões será político, e os governos darão rádios e
TVs em troca de apoio. A utopia socialista de que todoso iguais
perante a leio funciona na vida real" (ibidem).
E essa hipótese, que podemos chamar do clientelista, que quere-
mos avaliar agora, procurando mostrar as diferenças, se existem, en-
tre governo militar e gestão civil. Assim, nossa questão é: será que
para além das questões de segurança e de competência técnica que
deveriam nortear a outorga de exploração de rádios e televisões, o
que de fato determinou a ação dos presidentes da República nessa
áreao foi a necessidade de apoio que estes entendiam como neces-
sário à continuidade de seus projetos governamentais?
Os dados com os quais trabalhamos, quando avaliados de forma
desagregada, parecem apontar nessa direção. Ou seja, mais do que
para uma política pública desenvolvimentista e preocupada com a
segurança (o que corroboraria com o núcleo duro dos discursos pre-
sidenciais do período), a ação governamental está voltada para uma
questão de mercado político ou de lobby, que influencia as escolhas
governamentais no sentido da utilização das concessões estatais
como moeda de apoio político.
Assim, o número médio de outorgas entre 1963 e 1990, último
ano em que o Executivo pôde centralizar as concessões, é de 8,22 es-
tações anuais. Nesse aspecto, pode-se notar que há um crescimento
substancial em épocas nas quais o Poder Público parece procurar
por apoio político, o inverso ocorrendo nos momentos de hegemo-
nia do grupo no poder. É o que sugere, por exemplo, os dados relati-
vos ao governo Médici: o governo considerado mais autoritário do
período, mas o que possuía maior coesão interna, também foi o que
concedeu um número menor de estações de rádio e televisão (média
de 0,25 e 1,75, respectivamente). Nessa mesma linha argumentati-
va, o período seguinte apresenta um aumento substancial tanto rela-
tivamente a Médici quanto em relação aos governos anteriores. No
governo Geisel, a média anual foi de 27,8 concessões de rádio e de
7,6 de televisão, e foi nessa gestão que se procurou colocar em práti-
ca o projeto de distensão que, como defendemos em outro momento
(Mathias, 1995),o era unânime nem mesmo dentro do próprio
governo.
O que chama mais a atenção, no entanto, é o crescimento relativo
apresentado em anos como 1977 (Pacote de Abril) e 1982 (eleições
diretas para governos estaduais). Porém, nenhum governo ou perío-
do apresentou númeroso elevados quanto José Sarney em 1988,
ano no qual se ultimaram os trabalhos constituintes, cujo tema cen-
tral foi o mandato do então presidente da República. Para se ter uma
idéia, tomando todo o mandato, a média de concessão de rádio é de
62,2, volume que cai para 38,7 quando se desconsidera 1988. Essa
última média de concessão é menor do que a apresentada por João
Figueiredo.
A troca de concessões de rádio e televisão por votos nos cinco
anos de mandato durante o governo Sarney é comprovada por dois
outros fatos. O primeiro é o número recorde de outorgas no dia 29
de setembro de 1988: 59 concessões. O segundo foi o não-cumpri-
mento da promessa de concessão de uma rádio para o deputado Fer-
nando Bezerra Coelho (PMDB-PE) e sua reversão para Osvaldo Coe-
lho (PFL-PE). Como informou o primeiro, a concessão estava prati-
camente em suas mãos, quando foi concedida ao seu adversário no
município logo depois de ele ter votado pelos cinco anos de mandato
para Sarney, enquanto Fernando Bezerra havia optado pelos quatro
anos de mandato. Reforça essa idéia o estudo do professor Paulino
Motter (UnB), segundo o qual 91 constituintes receberam conces-
sões no governo Sarney, 90% dos quais votaram pelos cinco anos de
mandato para Sarney.
O grande número de concessões feitas durante 1988 fez que a
tendência ascendente fosse interrompida imediatamente. Assim,
em 1989, José Sarney assinou o menor número de concessões de
todo o seu governo: dezesseis rádios e dezoito televisões.
9
Isso foi
mantido no governo Collor, que chegou a 29 concessões de rádio e
vinte televisões.
O que mais espanta na "política" de telecomunicações do gover-
no Sarney, porém, é a utilização das concessões como forma de re-
forçar o poder de seu próprio clã no Maranhão, o mesmo fazendo
seu ministro das Comunicações no caso da Bahia. E assim que, se-
gundo a imprensa (Folha de S.Paulo, 4.9.1995, p.1-9), das trinta
concessões para o Maranhão aprovadas durante seu governo, dezes-
seiso controladas por sua família, por meio de testas-de-ferro.
10
Reforça ainda mais a hipótese clientelista a maneira pela qual o
ministro das Comunicações do primeiro governo civil, após vinte
anos de regime militar, chegou a esse cargo. Segundo consta, Antô-
nio Carlos Magalhãeso foi escolhido para ocupar essa pasta. Em
acordo feito entre ele e Tancredo Neves, ele teria a prerrogativa de
escolher qualquer cargo, exceto a Fazenda. Por que, então, a velha
raposa teria se decidido pelas Comunicações? Para Vilas-Boas Cor-
rêa, com quem concordamos, a resposta é simples:
Um ministério que tem os seus inegáveis encantos, especialmente
sensíveis a um político.o há por todo o país um lugarejo por mais po-
bre e escondido que seja queo tenha a sua agência de correio e telé-
grafo, o posto telefônico, ondeo se ouça rádio e queo se faça a ca-
beça com as novelas coloridas da televisão ... Regado com verbas razoá-
veis, manipulando recursos próprios. Instigando a utilização esperta
em áreas de instantâneo apelo popular, como na projetada utilização do
sistema de comunicação nacional que funcione como um regulador de
preços de gêneros de primeira necessidade. Podendo ser útil ou indis-
pensável às emissoras de rádio e televisão, fazendo o mínimo que éo
9 Lembramos que, com a promulgação da Constituição de 1988, o Congresso
passou a ser co-responsável pelas concessões, pois a lei retirou das mãos do pre-
sidente da República essa prerrogativa. Entretanto, segundo informações do
Prodasen, até 1990, primeiro ano da gestão Collor de Mello, as outorgas conti-
nuaram a ser feitas sem controle real do Legislativo federal.
10 Como a legislaçãoo permite que os políticos, eo só a família Sarney, este-
jam à frente das emissoras, eles fazem uso de contratos de promessa de compra
e venda (os chamados contratos de gaveta) para controlar de fato as emissoras.
embaraçar o caminho por onde transitem os legítimos interesses de
cada um. (apud Herz, 1987, p.38-9)
Em outras palavras, Antônio Carlos Magalhãeso fez mais do
que confirmar a suspeita de que, nas palavras de Elvira Lobato,
"emissoras de rádio e de televisão sempre exerceram grande fascínio
sobre os políticos, em particular no Norte e Nordeste, porqueo a
arma mais poderosa nas campanhas eleitorais" (Folha de S.Paulo,
4.9.1995, 1-9, grifos nossos).
11
Em conclusão, os dados disponíveis permitem sugerir algumas
explicações razoáveis sem, entretanto, fornecer razões suficientes
para a adoção individual de uma delas, como aquela que esclarece so-
bre a política de comunicações dos governos no período aqui enfoca-
do. A hipótese mais forte é da convivência entre as três aqui apresen-
tadas, com predominância da hipótese clientelista. Se estamos certos,
então os governos militares, apesar de ter na área de Comunicações
um dos seus mais importantes sucessos,o inovaram em relação
aos seus congêneres civis, mas reforçaram a continuidade das práti-
cas no poder: eles utilizaram as telecomunicações como um meca-
nismo de troca de adesão por ganhos econômicos e/ou políticos.
As Comunicações no discurso governamental
Para avaliar como a área de Comunicações foi encarada pelo go-
verno ao longo do período da pesquisa (1963-1990) e, portanto,
como foram formuladas as políticas públicas, foram seguidas três
orientações. Em primeiro lugar, avaliou-se o orçamento da União e
a quantidade de recursos destinada a cada área, isso em conjunto
com a legislação pertinente. Depois, fez-se uma leitura dos Planos
Econômicos do Governo, procurando perceber qual o destaque
11 Nessa mesma direção, ou seja, da busca de controle de instrumentos de poder,
Antônio Carlos Magalhães, como investido no cargo de ministro das Comuni-
cações, fez que a Rede Globo revertesse a filiação da TV Aracatu da Bahia, que
por dezoito anos retransmitiu imagens globais, para a TV Bahia, de proprieda-
de dos Magalhães.
dado para o setor de Comunicações. Por fim, analisaram-se os dis-
cursos e depoimentos dos presidentes do período.
A primeira coisa que chamou a atenção quando da análise das
Comunicações foi a verdadeira revolução acontecida nos anos 60
nessa área. De fato, de uma situação em que nem havia regulamen-
tação, as Comunicações brasileiras passam para uma estrutura com-
plexa, bem montada e relativamente eficiente.
O plano nacional de Comunicações
Como já destacado, o Código Brasileiro de Telecomunicações é
de 1962 e, apesar de haver algumas leis anteriores, nem mesmo as
faixas de onda estavam regulamentadas. A partir da criação do CBT,
o governo centraliza as comunicações com a criação do Contei
(1963),
12
da Embratel (1965) e da Telebras (1972).
Os serviços de comunicações existentes no Brasil quando da
sanção do CBT eram um caos tanto do ponto de vista administrativo
quanto operacional. O governoo tinha controle sobre nenhuma
empresa, apesar de todas serem concessionárias de um serviço-
blico. Tomando os serviços telefônicos como exemplo, operavam
no país quatro empresas trabalhando com serviços de telex e tele-
gramas nacionais e internacionais, e duas com telefonemas nacio-
nais, além das centenas de empresas locais.
Já com a política desenvolvimentista adotada por Juscelino
Kubitschek, nota-se a necessidade de estreitar as distâncias por
meio das comunicações como forma de facilitar o desenvolvimento
econômico. Isso, todavia,o foi suficiente para que o tema fosse in-
cluído no Plano de Metas, e os estudos do período restringiram-se
ao Departamento de Correios e Telégrafos.
Nos governos Jânio Quadros e João Goulart, pouco se avançou
na direção de uma política para as Comunicações. E verdade que,
12 O Contei, como explicado no início deste capítulo, é criado pelo Código e passa
a funcionar efetivamente em 1963. O órgão executor das políticas, subordina-
do ao Contei, é o Dentei - posteriormente incorporado na sua totalidade pelo
Ministério das Comunicações.
neste último, aprovou-se o CBT, mas nenhuma ação prática foi le-
vada a efeito quanto a tornar as comunicações brasileiras mais efi-
cientes. Por exemplo, uma das principais medidas do governo Jan-
go, mas queo dependeu do presidente da República, foi a encam-
pação dos bens (não das ações) da Companhia Telefônica Nacional,
subsidiária da ITT, promovida pelo governo do Rio Grande do Sul
(Leonel Brizola) e que constituiu o estopim dos grandes problemas
entre governo brasileiro e norte-americano na área. Apesar de o
CBT prever a centralização dos serviços de telefonia na Embratel,
desde a promulgação do Código, em 1962, até 1970, viveu-se uma
situação de difícil solução entre governo e concessionárias que im-
pediu essa centralização.
O impasse entre o governo brasileiro e as concessionárias de telefo-
nia teve seu início no governo João Goulart quando já se estabelecera
um consenso no País no sentido de que as empresas concessionárias do
serviço público passem às mãos do Estado brasileiro. Isto porque era já
bastante grande o sentimento de que as subsidiárias norte-americanas e
mesmo as canadenses tinham serviço ineficiente, e que, apesar das tari-
fas altamente compensatórias,o ampliavam ou melhoravam o aten-
dimento ao público. Além disso, já se cristalizava uma consciência da
necessidade de que fossem transferidos serviços de tal natureza para as
mãos do Estado. (Silva, 1975, p. 185-6)
Com base nisso, o governo criou a Comissão de Nacionalização
das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (1961) dando
sua presidência para o então ministro da Guerra, general Amaury
Kruel, que definiu como aconteceria a transferência das empresas
concessionárias para o Estado. Após intensos trabalhos que leva-
ram, até mesmo, à formação de uma CPI na Câmara dos Deputados,
estabeleceu-se que as empresas seriam compradas pelo Estado bra-
sileiro. Os estudos concluíram também que a federalização das Co-
municações era indispensável "ao exercício do controle político pelo
Governo Federal e uma exigência da Segurança Nacional..." (Oli-
veira, 1992,p.l90)
O governo Jango, entretanto,o teve tempo para nenhuma
ação prática, e, na verdade, a execução de um plano para a área,
como solução do problema das empresas concessionárias, processa-
se durante o governo militar. Conforme Velloso (1986, p.124):
O período Castelo Branco trouxe, por outro lado, a solução para um
problema que vinha se arrastando nos anos 60: o das concessionárias es-
trangeiras de serviços públicos. O caminho adotado, de compra, para
transformá-las em empresas sob controle governamental, permitiu a enor-
me expansão de setores como Energia e Comunicações, a partir de então,
e tornou o Estado, de forma definida, responsável pelos investimentos
de infra-estrutura econômica. O Estado empresário assumia uma posi-
ção de destaque, num governo neoliberal, por uma decisão pragmática.
E assim que, sob o primeiro general-presidente, inicia-se o pro-
cesso de federalização da Companhia Telefônica Brasileira,
13
cria-se o Ministério das Comunicações, substituindo o Conselho de
Comunicações (que, na verdade, jamais funcionou como um órgão
executivo e sim regulador do sistema de comunicações nacional)
como produto da reforma administrativa (1967), e também a Em-
bratel (1965), a quem caberia gerenciar o processo de federalização
das operadoras telefônicas e executar o plano nacional de telecomu-
nicações (implantação de troncos e linhas).
Nesse aspecto, tanto as medidas de federalização do sistema
quanto as prioridades estabelecidas pelo Plano Nacional de Comu-
nicações, continuadas nos governos de Costa e Silva e de Médici,
o apontam para a Segurança Nacional e a Integração como moti-
vadoras da montagem dessa política, mas a ênfase sempre recai so-
bre os critérios econômicos.
Uma consulta aos mapas do Plano Nacional de Telecomunica-
ções (que podem ser encontrados em Oliveira (1992) revela que as
13 A Companhia Telefônica Brasileira (CTB) ganhou essa denominação em
1956, quando foi nacionalizada. Era uma empresa de origem canadense que
operava concessões de telefonia no Brasil desde o início do século, chegando a
abarcar cerca de 80% desse serviço no território nacional. Os estudos que apon-
tavam para a necessidade de federalização entendiam que só assim se procede-
ria sua modernização e, se fosse mantido o oligopólio, um controle maior por
parte do Estado, já que se previa que ela seria mantida sob controle privado, (cf.
Oliveira, 1992, p.225 ss.).
bases fixadas para sua implantação seguem critérios econômicos,
isto é, as telecomunicações devem estar a serviço dos interesses de
desenvolvimento do país, daí a primeira prioridade ser a implanta-
ção do tronco de microondas entreo Paulo e Rio de Janeiro e a am-
pliação dos serviços de acesso também na região. Depois, como se-
gunda prioridade, figurava a expansão dos serviços no Rio de Janei-
ro, a instalação de troco de microondas interligando as capitais nor-
destinas e Belo Horizonte, e desta com Rio e Brasília. O programa
de telecomunicações para a Amazônia e o Centro-Oeste inicia-se
em 1969, e assim mesmo tendo como base a tropodifusão que, con-
forme sugerido anteriormente,
baseia-se na difusão de ondas eletromagnéticas na troposfera, as ante-
nas podem ficar afastadas de cerca de 300 km e em qualquer altura, o
que permite sua localização próximo a cidades. Emprega antenas de
grandes dimensões, com áreas de até 700 m
2
e apresenta como desvan-
tagem baixa capacidade de tráfego, impossibilidade de transportar [si-
nais] de televisão e custo unitário muito mais alto que o da microonda
em visibilidade. (Oliveira, 6.1.1999 - entrevista concedida à autora)
No que se refere aos serviços internacionais, a encampação das
operadoras do sistema pela Embratel somente se concretizou entre
1969 e 1973, quando venceram as concessões para as empresas ope-
radoras e o governo brasileiro resolveu negar as renovações de con-
cessão com base no Código Brasileiro de Comunicações, que deter-
minava a centralização desses serviços em uma única empresa.
Os serviços de comunicação internacional eram operados por
cinco empresas, todas subsidiárias de companhias internacionais
(duas americanas, uma inglesa, uma italiana e uma francesa) e que
dividiam entre si os serviços de telex, telefonia e telegrafia utilizan-
do cabos telegráficos ou rádios em onda curta. A Embratel, encarre-
gada de promover a centralização dos serviços, propôs, ao longo dos
anos 60, a oferta de serviços de telecomunicações por meio de satéli-
te, o que foi rechaçado pelas empresas concessionárias. Isso levou a
um impasse somente resolvido com a cassação das atividades das
empresas. Centralizando os serviços, a Embratel promoveu a mo-
dernização de todo o sistema de telecomunicações internacionais,
implantando a telefonia e telegrafia via satélite, o que resultou em
ganhos em desenvolvimento e ganhos econômicos nessa área.
Apesar de à primeira vista parecer que o governo militar foi, de
fato, bem-sucedido na área de telecomunicações, fazendo o Brasil
saltar de um estado de subdesenvolvimento para outro comparável
aos mais modernos no mundo, de as empresas do setor deixarem de
ser deficitárias para proporcionar ganhos que, aliás, foram repassa-
dos para outros setores do governo, em 1973, após dez anos de fun-
cionamento de estrutura independente e da completa centralização
dos serviços de telefonia internacional, ainda havia empresas que
operavam telefonia local sem conhecimento do governo, levando
este a elaborar um plano de recadastramento nacional. Isso mostra,
portanto, a necessidade de relativizar tanto os acertos quanto os fra-
cassos do governo militar.
Pouco há a dizer sobre o Plano Nacional nos governos civis. Sa-
be-se que os investimentos para o setor reduziram-se vertiginosa-
mente, como teremos oportunidade de mostrar mais à frente, e que
as metas de atendimento completo da demanda foram abandona-
das. De fato, entre 1985 e 1995, deixou de haver uma política coe-
rente para o setor.
14
Mais: segundo informações da assessoria de im-
prensa do Ministério das Comunicações, no governo Collor, com a
reorganização ministerial, muito do que havia sido conquistado se
perdeu, incluindo parte da história do setor.
As Comunicações nos discursos presidenciais
A marca do discurso do período militar brasileiro é sintetizada
pela insígnia "segurança e desenvolvimento". Esse par, indissociá-
14 Essa é a percepção do ex-ministro Quandt de Oliveira, para quem, "após a pro-
mulgação da Constituição de 1988, sob uma vaga alegação de estabelecer o mo-
nopólio estatal nas comunicações, foi deixada de lado a política neste sentido
[atendimento das necessidades de telecomunicações determinadas pelo públi-
co], estabelecida pela lei 5.792. Os maus resultadoso claros...". Ao mesmo
tempo, ele afirma que o Ministério das Comunicações, sob Sérgio Motta, já no
governo de Fernando Henrique Cardoso, parece estar no caminho certo, no sen-
tido de estabelecer uma política para o setor (cf. entrevista à autora, 6.1.1999).
vel até o governo Geisel - quando sofre uma inversão, maso desa-
parece -, aponta para a visão que os militaresm de como a política
deveria ser feita e, por conseguinte, como se definiam as políticas
públicas (Mathias, 1995).
Diferentemente do que se possa imaginar, talvez seja aqui que se
encontra a principal influência da ESG sobre os governos do perío-
do. Isto é, há uma corrente analítica, e que pode ser exemplificada
pelas posições de Alfred Stepan (1975), que imputa à ESG a respon-
sabilidade pelo projeto de poder posto em prática a partir de 1964.
Posição, aliás, compatível com as pretensões da Escola, que sempre
quis ser vista como "celeiro intelectual do país".
A influência da ESG apareceria, assim, no lema "segurança e de-
senvolvimento" como definidor dos objetivos do governo. Desse
modo, tomando como referência os discursos presidenciais e os pla-
nos de governo (que, na verdade, representam o discurso governa-
mental), o papel da ESG variaria de maior ou menor no interior do
governo, tendo como referência a subordinação maior ou menor dos
objetivos ao mote "segurança e desenvolvimento". Essa é a hipótese
com a qual trabalha-se aqui.
Os governos militares alentaram dois objetivos: por um lado,
conter a "marcha comunista" representada pela ascensão de Gou-
lart, e, portanto, perseguiram um objetivo negativo no momento da
implantação do regime autoritário e de sua consolidação. Aqui pre-
valecia o discurso da "segurança nacional", de forte conteúdo esguia-
no, e foi vivenciado desde o governo Castelo Branco até meados do de
Costa e Silva. Por outro, a partir da ascensão de Médici, e por toda a
década de 1970, o grande objetivo do governo, em nome do qual os
militares permaneceram por mais de vinte anos no poder, passou a
ser a construção da grande potência brasileira. Isso significava, para
os meios castrenses, um controle maior, e muitas vezes direto, por
parte do Estado sobre o desenvolvimento do país, de forma tal que
este fosse capaz de impor-se na região sul-americana como potência
média; isto é, que o Brasil fosse capaz de defender seus interesses
para além de suas fronteiras, ainda que restrito à América do Sul, e
subordinando sua ação à hegemonia política dos Estados Unidos, o
poder limitador de sua autonomia - é o que sustenta Cavagnari Fi-
lho (1987, p.143), especialista no assunto:
o Brasil é uma potência média, cujo cenário estratégico está contido nos
limites da América do Sul. A posição que ocupa na hierarquia de poder
mundial, como primeiro país sul-americano, concede-lhe, por exten-
são, o status de maior potência regional. Sua atual capacidade estratégi-
ca tem o alcance suficiente para operar nesse cenário na defesa de seus
interesses vitais, maso lhe confere o grau de autonomia desejável
para desenvolver iniciativas estratégicas ... A limitação à autonomia es-
tratégica do Brasil é conseqüência da hegemonia exercida pelos EUA,
na América Latina...
E essa visão que justifica as opções dos governos militares.
Assim, todas as políticas públicas adotadas tinham por objetivo tor-
nar o país auto-suficiente em relação aos seus vizinhos, de forma a
poder impor e/ou defender seus interesses no campo econômico,
social e político.
Para essa auto-suficiência, um setor bastante sensível é o de Co-
municações,o somente porque ele permite uma integração maior,
mas principalmente porque facilita o acesso a outras tecnologias,
bem como o controle sobre espaço físico do país - um exemplo banal
é que, em situações de guerra, o primeiro indício do conflito é exata-
mente o corte ou o crescimento de interferências nos meios de co-
municação do país alvo do ataque. Essa é uma explicação, ainda que
parcial, para a ênfase dada ao setor de Comunicações nos discursos
presidenciais. De fato, nenhum dos presidentes deixa de ao menos
mencionar algo sobre a área.
A despeito deo analisar os discursos do presidente João Gou-
lart, já foi mencionado que fora durante sua gestão que se iniciara a
discussão sobre a nacionalização e modernização das Comunicações.
Por isso mesmo, ele merece longa apreciação no Plano Trienal de De-
senvolvimento Econômico e Social que, como explicitado antes, con-
densa, da mesma forma que os pronunciamentos presidenciais, a vi-
o do governo sobre as políticas públicas. Todavia, na visão de-
lio Silva (1975, p. 164), compartilhada com muitos outros analistas:
O Plano Trienal foi a tentativa de cumprir o compromisso com as
diversas correntes que disputavam o poder. Pretendeu uma série de
providências, nas esferas administrativa e política, para as quais o País
o estava preparado, nem o Governo tinha condições de realizar... Era
demasiado ambicioso parao limitado prazo de um Governo [três
anos] com suas forças progressivamente diminuídas pelo tumulto de
uma série de problemas, e tornou-se irrealizável.
Assim, por ser ambicioso demais, tal planoo fora feito para ser
aplicado. Pode-se, no entanto, retirar dele as intenções de Jango
para as Comunicações. Recordamos que esse setor fazia parte do
Ministério da Viação e Obras Públicas, que abrigava também o se-
tor de Transportes, para o qual se destinava percentual maior de re-
cursos.
O ponto central do Plano Trienal era a agricultura, à qual todas
as outras metas se subordinavam. Apesar disso, entendia-se que a
modernização das Comunicações era parte essencial para o desen-
volvimento do país, especialmente do ponto de vista social. Apesar
de o Planoo ser meramente econômico, estabelecendo entre suas
metas mudanças institucionais, percebe-se que no campo das Co-
municações a motivação das mudanças é econômica, daí priorizar-
se a região Sudeste, particularmente o eixo Rio-São Paulo, para o
crescimento das redes e serviços de comunicação.
Dessa forma, o discurso do governo Goulart para a área, a despei-
to do caráter social que se quer emprestar ao desenvolvimento das
comunicações, é economicamente determinado,o tendo nada
que indique sua subordinação a interesses de integração social. Pro-
va disso é que as metas descritas no Plano Trienal para as Comuni-
cações podem ser resumidas na implantação do telex no país, na mo-
dernização da infra-estrutura para serviços interurbanos nos Esta-
dos do sudeste e destes com Brasília, em estudos para a implantação
dos troncos por microondas e em trabalhos menores na área dos cor-
reios. Todas essas metas seriam posteriormente incluídas no Plano
Nacional de Telecomunicações, analisado no item anterior (Bra-
sil-Presidência da República, 1962, p. 108-9).
A discussão sobre o destino das Comunicações vai perpassar to-
das as falas de Castelo Branco, que, tudo indica, em razão disso, de-
cidiu incluir a criação do Ministério das Comunicações na reforma
administrativa que promoveu para seu sucessor (Decreto n.200, de
25.2.1967). A relação entre segurança e desenvolvimento também
tem seu ponto de interseção quando trata das Comunicações:
Generalizado era o impasse nos serviços de infra-estrutura ... No se-
tor de telecomunicações a falta de investimentos, pela indecisão gover-
namental e pelo cerceamento da iniciativa privada, levou a uma crise de
efeitos perniciosos simultaneamente para o desenvolvimento econômi-
co e a segurança nacional. Uma clara definição de política e a cobrança
de taxas realistas permitiram-nos lançar um programa de investimen-
tos que, em três anos, corrigiram a maior parte do atraso acumulado...
(Castelo Branco, 1967, p.74, grifos no original)
Condizente com o frenesi planejador dos "sorbonistas",
15
Cas-
telo Branco apresenta seu Programa de Ação Econômica (PAEG),
que explica quais e por que meios seriam atingidos determinados
objetivos. Na parte dedicada às políticas concretas, o PAEG alinha-
va as ações que seriam adotadas para a elaboração e a consecução do
15 Martins & Velasco e Cruz (1984, p.28) afirmam que o que distinguia o "sorbo-
nismo" das demais facções militares era a crença nas reformas como objetivo do
movimento de 1964. O planejamento como traço desse caráter reformista é
exemplificado pela visão do general Portella, citado por eles: " a visita do General
Sarmento serviu para a constatação de um fato curioso, que também ao Dr. Mar-
condes Ferraz causou estranheza. Enquanto no QG do General Costa e Silva,
dadas as circunstâncias, atuava o Comandante por intermédio de oficiais de liga-
ção, o QG do General Castello (sic!) - um apartamento residencial como o ou-
tro - funcionava como um escritório, em atividade que intrigou os dois
visitantes e somente veio a ser esclarecida depois. Vários datilógrafos trabalha-
vam febrilmente, com os dedos metralhando incessantemente as máquinas e a
atenção concentrada em sua tarefa ... Soube-se depois que, já naquela noite, os
assessores do General Castello preparavam um plano de emergência para o Go-
verno, esperando fazer dele o sucessor de João Goulart" (cf. também Portela de
Melo, 1979). Conforme lembrou em caráter informal um militar à autora, esse
comportamento de apresentar linhas de ação é uma atividade típica de Estado
Maior. Portanto, o planejamento reformista de Castelo Branco pode ser entendido
como uma forma de transferência do ethos militar para a administração pública.
Plano Nacional de Telecomunicações, para o qual se destinam re-
cursos 146% maiores em 1965 do que os planejados para 1964 (Bra-
sil, 1965, p.184). É interessante observar que esse é o único setor no
qual se mencionam segurança e integração nacional como motivado-
res da implantação do Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT):
A implantação do SNT, em sua totalidade, exigiria recursos que ul-
trapassam (sic!), no momento, as possibilidades econômico-fínanceiras
do país. Daí prever o programa a implantação de ligações prioritárias
que, satisfazendo as necessidades mínimas do desenvolvimento e seguran-
ça nacionais, são capazes de promover a integração do pais pelas teleco-
municações... (ibidem, 182, grifos nossos)
A melhor síntese da importância das Comunicações para a ga-
rantia da segurança e do desenvolvimento é dada, porém, por Costa
e Silva (1983, p.1-337), em discurso proferido no Instituto Nacional
de Comunicações: "Mais comunicações é mais segurança, mais
bem-estar, maior velocidade na penetração da civilização contem-
porânea nos distantes e silenciosos rincões de nossa Pátria".
Eo foi somente nas intenções discursivas que esse governo
priorizou as Comunicações. Uma rápida consulta aos orçamentos
por função aponta que a verba destinada para a função Comunica-
ções é regular e baixa em todo o período objeto da pesquisa. Porém,
o maior montante a ela destinado representa 2,98% do orçamento
total, e isso acontece em 1969. Interessante observar queo há ne-
nhum grande projeto ou criação das grandes empresas estatais nesse
ano, e já estava em execução o Plano Nacional de Comunicações.
A mesma relação é notada quando se avalia a distribuição orça-
mentária por ministério. Nesse caso, observa-se também que o Mi-
nistério das Comunicaçõeso tem fixadas para si grandes verbas.
Em 1968, primeiro ano em que entra no orçamento - antes, como já
indicado, era parte do Ministério da Viação e Obras Públicas, re-
cebe 3,04% do total. Essa cifra, embora pequena, representa o maior
percentual do ministério até 1976, quando recebe 3,30% das verbas,
que sobem para 3,44% em 1977, voltando a cair vertiginosamente já
no ano seguinte.
Conforme já discutido, o plano iniciado por Castelo Branco ge-
raria frutos, merecendo, nos governos posteriores, uma ênfase me-
nor no que se refere ao atraso dos serviços e os riscos para a seguran-
ça, incluindo a área nos "projetos-símbolo"
16
do desenvolvimento,
do "Brasil potência". E assim que, por exemplo, no governo Médici
há uma concentração de esforços para a integração da Amazônia:
razões de natureza social inspiraram, outrossim, o delineamento da
política de comunicações e de transportes.
Iniciou-se em 1969, para romper o isolamento em que a região
[amazônica] se encontrava, a implantação do Sistema de Telecomuni-
cações da Amazônia, integrado ao Sistema Nacional de Telecomunica-
ções, que compreende onze mil e quinhentos quilômetros de microon-
das em visibilidade do Norte ao Sul do País a cinco mil e cem quilôme-
tros de troncos em microondas em Tropodifusão, que atravessam toda
a Região Amazônica. O sistema é usado igualmente para a televisão, te-
lex, teletipo, processamento de dados, radiodifusão educativa e educa-
ção cívica, proteção ao vôo, meteorologia, climatologia, orientação agrí-
cola e telegrafia. Em 1972, concluíram-se os últimos troncos principais
do sistema, permitindo definitiva integração da área ao Sistema Nacio-
nal. (Médici, 1974, p.83)
Como mostrado aqui, a implantação dos programas de teleco-
municações nos Estados economicamente menos desenvolvidos, no
entanto, somente aconteceu após concluídos os trabalhos dos tron-
cos principais, conforme estabelecia o Plano Nacional.
Já nos discursos de Geisel, percebe-se que o referido Plano é
paulatinamente abandonado, dado que, por um lado, haviam sido
atingidas as metas postas desde os primeiros dias do governo militar
com a criação das empresas estatais encarregadas de gerir o sistema
de Comunicações do país, e, por outro, há uma rápida mudança de
16 Expressão utilizada por Reis Velloso (1986, p.145 ss.), com a qual ele indica
como um determinado governo ficou conhecido - caso de Brasília para JK.
Embora ele a utilize para um caso em especial, permitimo-nos um uso mais lar-
go, entendendo que foi uma série de políticas que levou à constituição do "mi-
lagre" no final dos anos 60.
prioridades em razão da crise econômica que ameaçava o país. Isso
o significa que a áreao tenha merecido a adoção de políticas es-
pecíficas. Houve continuidade e estímulo orçamentário, como des-
crito parágrafos antes. Porém,o mais respondendo às razões de
segurança e integração que vigoravam nos governos anteriores.
E interessante notar que, se a marca do governo Figueiredo é a
continuidade, no que se refere à política de telecomunicações, ele re-
toma a idéia da integração nacional como básica para a adoção de
políticas na área. E no seu Plano de Desenvolvimento Econômico
também que, pela primeira vez, se dedica espaço para a questão da
radiodifusão:
A diretriz fundamental é estimular a formação e consolidação de re-
des nacionais privadas para apoiar a integração nacional, inclusive no
tocante à interiorização da televisão, observada a diretriz de preserva-
ção e valorização das tradições e manifestações culturais das regiões do
País. (Brasil-Presidéncia da República, 1981, p.60)
Percebe-se, pois, que no governo Figueiredo, a integração como
política pública a ser efetivada por intermédio das Comunicações é
explícita. Todavia, essa políticao é apoiada por verbas orçamentá-
rias. Ao contrário, conforme dito aqui, é justamente durante essa ges-
o que as verbas para o setor apresentam declínio regular e contínuo.
Em resumo, os discursos dos presidentes militares, diferen-
temente do que previa o Plano Nacional de Comunicações, apon-
tam para critérios de integração e segurança como os principais mo-
tivadores das políticas adotadas para a área. Porém, foi o Plano Na-
cional que orientou as ações práticas do governo, mostrando que os
critérios econômicoso foram descartados na formulação da polí-
ticas públicas no período.
No primeiro governo civil após vinte anos de regime militar, a
própria escolha do titular para o Ministério das Comunicações mos-
tra que os critérios técnicos e econômicos seriam abandonados. Como
apontado anteriormente, a despeito deo ser um ministério que
concentre grandes recursos, é um locus de poder privilegiado, permi-
tindo ao ministro manipular as concessões de estações de radiodifu-
o de forma a garantir apoio para seus interesses, ou ainda concen-
trar recursos das empresas descentralizadas de telefonia, ou as ver-
bas de propaganda tanto do governo quanto das empresas estatais.
Curiosamente, o governo da "Nova República" apresenta como
prioridade no seu Plano de Desenvolvimento a reforma do Estado,
entendendo por isso maior incentivo à iniciativa privada e um pro-
grama de privatização de empresas sob controle governamental.
Essa "novidade", todavia, já fazia parte tanto do II PND quanto do
III PND.
Na política de Comunicações, jáo se vale dos motes integracio-
nistas como justificativa dos investimentos, mas afirma ser preciso
desconcentrar o setor adotando-se um regime paritário com a inicia-
tiva privada em que caberia ao governo investir nas áreas de pouco
interesse econômico, no que se refere tanto à telefonia quanto à radio-
difusão, como:
Em consonância com os objetivos governamentais que estabelecem
ações voltadas para as populações mais carentes, a radiodifusão preten-
de cobrir, através de redes de rádios e sistemas de televisão, as regiões de
baixo interesse comercial para a iniciativa privada... (Brasil - Presidên -
cia da República, 1986, 188)
A política adotada durante o governo José Sarneyo poderia
mais ser reproduzida, dado que as concessões passaram a ser vota-
das pelo Legislativo, desconcentrando, ainda queo eliminando, o
poder das mãos do Executivo. Talvez isso explique, mesmo que
parcialmente, por que o setoro mereceu ênfase por parte da equi-
pe de Fernando Collor. Tanto assim que, em sua gestão, o Ministé-
rio das Comunicações deixa de existir, passando as Comunicações
para o controle do Ministério da Infra-estrutura, ocupado por Osi-
res Silva, e que nomeou Joel Marciano Rauber para a Secretaria de
Comunicações.
E sobre o papel da ESG? A sugestão feita no início deste capítulo,
considerando-se os discursos dos generais-presidentes, se confir-
ma. Os cinco presidentes fardados reiteraram que as definições de
segurança e desenvolvimentom como formuladores os estagiários
da Escola da Urca. Issoo implica, todavia, influência da ESG nas
formulações de políticas de comunicação. Como discutido, a análise
do Plano Nacional de Comunicações mostra que foram os critérios
econômicos que determinaram o crescimento do setor e sua distri-
buição geográfica. Porém, como justificativa ideológica, tanto para
o público interno quanto para a sociedade civil, os generais-presi-
dentes insistem em relacionar o desenvolvimento das Comunica-
ções com um suposto projeto esguiano para o desenvolvimento inte-
grado do país.
A partir da análise do discurso governamental para as Comuni-
cações, portanto,o é possível afirmar uma profunda mudança no
eixo definidor das políticas adotadas. Em todo o período analisado,
os fatores econômicos parecem ter pesado mais na balança do que
aqueles relacionados ao pensamento militar. Nesse sentido, a mu-
dança entre governos militares e civis está concentrada, conforme
nos conta Quandt de Oliveira (6.1.1999 - entrevista concedida à au-
tora), na prioridade emprestada ao setor. De fato, há um abandono
do planejamento nacional das Comunicações a partir de 1985,
apontando para a preparação do terreno para a adoção da posterior
política de privatização da telefonia no país.
Na questão da radiodifusão, a mudança promovida pela Consti-
tuição de 1988, passando o controle das concessões a ser feito em
conjunto pelo Executivo e Legislativo,o parece ter significado,
pelo menos no governo Collor, um redirecionamento da política vi-
gente. Ou seja, essas concessões continuaram a representar uma
moeda de troca na política, apenas mudando o locus dos acordos a
serem feitos: do Executivo para o Legislativo, ou ambos. Some-se a
isso a desregulamentação do setor promovida por Collor de Mello, e
que redundou no descontrole por parte do Estado dos meios de co-
municação, exemplificado pela ampliação de concessões ilegais
(como aquelas quem por concessionário um titular de outra con-
cessão, como no caso das estações controladas pelo bispo Edir Ma-
cedo), por acordos prejudiciais ao interesse público (caso da Rede
Manchete), pelo descumprimento da lei na organização das redes
(com a Rede Globo em primeiro plano) etc.
Para resumir, é possível perceber mudanças significativas entre
militares e civis a respeito da visão destes sobre comunicações.
Entretanto, a base da mudança, como comprova uma rápida análise
do Plano Nacional de Telecomunicações, está menos relacionada
com o fato de o governo ser ocupado por militares ou civis, e mais a
questões econômicas e políticas daqueles queo chamados a exe-
cutar as políticas públicas.
A presença castrense
na administração das Comunicações
Como destacamos reiteradas vezes, na impossibilidade de pro-
ceder a uma análise da militarizaçâo por meio da ocupação de cargos
civis da burocracia brasileira em sua totalidade, escolhemos os seto-
res da Educação e Comunicações como exemplo desse fenômeno.
Nesta parte do estudo, portanto, nosso interesse é descrever a estru-
turação do setor de Comunicações em termos daqueles que proces-
sam as decisões no interior do aparelho de Estado. Vamos, na medi-
da do possível, acompanhar a carreira de cada um dos ocupantes dos
cargos ligados ao Ministério das Comunicações e, na falta deste, os
responsáveis pelo setor no governo.
17
Como já informado, há em todo o mundo uma relação estreita
entre Comunicações e Forças Armadas, e no Brasilo foi diferen-
te. Aqui, até mesmo a formação dos profissionais da área, os técni-
cos ou engenheiros de comunicação, ficou, no início, em mãos cas-
trenses, pois eram as escolas militares que ofereciam especialização
nessa área.
Outra característica a observar é que o setor de Comunicações, e
na organização da administração pública federal, o Ministério das
Comunicações,o ocupa uma posição central no governo. Pelo
contrário, como os dados apresentados anteriormente apontam, as
17 As fontes aqui utilizadas são: FGV-CPDoc (1984); Grupo Visão (1974 e 1980);
Corke (1989). Para a pesquisa no Exército, agradeço o valioso apoio de Paulo R.
Kuhlmann.
Comunicaçõeso uma área periférica e, mesmo nos anos de seu
maior desenvolvimento,o participaram das definições das priori-
dades governamentais. Isso gerou, em parte, o isolamento do setor
principalmente das empresas estatais - relativamente a outras áreas
(como os Transportes, por exemplo) ante as pressões da administra-
ção central.
A falta de "centralidade"-, conforme conceituado por Abran-
ches (1978), do setor é ainda mais gritante quando se sabe que, por
exemplo, e segundo a classificação de Visão, que anualmente pes-
quisava e apresentava ao grande público o mercado empresarial bra-
sileiro, entre as cem maiores empresas do país de 1980, a Telebrás
ocupava a quinta posição, e a Embratel a 19
a
, havendo outras seis
empresas de telefonia estaduais classificadas nesse universo (Grupo
Visão, 1980).
Como informado, até 1962o havia uma regulamentação do
setor de Comunicações no Brasil. No interior da administração do
Estado, esse setor estava subordinado parcialmente ao Ministério
da Viação e Obras Públicas. Simplificando essa organização, havia o
Departamento de Correios e Telégrafos, a Comissão Nacional de
Rádio (que também decidia a respeito das televisões) e alguns outros
departamentos que respondiam por todo o sistema de comunicações
no Brasil. Isso é parcialmente modificado pelo Código Nacional
(1962), mas principalmente com a instalação do Contei, Conselho
Nacional de Telecomunicações, ao qual se subordinava o Dentei.
Com a criação e funcionamento do Contei, os militares conti-
nuam a ter acento no órgão, embora seu poder tenha sido diluído na
composição do Conselho: dos seus onze membros, três eram indica-
dos pelas Forças Armadas. Apesar disso, sua presidência sempre foi
exercida por um militar. Foram cinco desde sua criação até sua ab-
sorção pelo Ministério das Comunicações: coronel Clóvis da Costa
Galvão (1963); coronel Scaffa de Azevedo Falcão (1963-1964); co-
ronel Eustorgio da Silva (1964); almirante Beltrão Frederico (1964)
e o comandante Quantd de Oliveira (1965-1967). Também a Em-
bratel, então recém-criada, era dirigida por um militar, Haroldo
Corrêa de Mattos.
Outro exemplo do domínio numérico dos militares nos órgão de
decisão da área é dado pela comissão criada em 1963 com o objetivo
de estudar a criação da Embratel, que era majoritariamente com-
posta por militares. O Decreto n.52.444/63 nomeou para ela: coro-
nel Scaffa de Azevedo Falcão (representante do Contei), tenente-
coronel José Antônio de Alencastro e Silva, tenente-coronel Dago-
berto Rodrigues, Dr. Durval Calazans e Sr. Roberto de Araújo Cas-
tro Filho (DOU, 4.9.1963).
Em síntese, as poucas informações que temos sobre o governo
João Goulart'
8
apontam para essa mesma relação; a despeito de pou-
co a pouco passarem a dividir o domínio numérico do setor, os car-
gos de direção das entidades estavam em mãos militares.
No governo Castelo Brancoo foi diferente, ou seja, o controle
da área de Comunicações estava em mãos castrenses. Assim, os
principais cargos da área, todos subordinados ao Contei ou ao Mi-
nistério da Viação e Obras Públicas, estavam sob direção militar,
comoo exemplos a Embratel, presidida pelo general Dirceu de
Lacerda Coutinho; o DCT, dirigido pelo general Fernando Menes-
cal Villar; e o diretor-geral do Dentei, tenente-coronel Pedro Car-
doso Ávila (DOU, 17.3.1967, p.3275).
Com a criação do Ministério das Comunicações, na gestão Costa
e Silva, a análise é facilitada. Chama a atenção, por exemplo, que em
uma estruturao pequena, relativamente a outros ministérios, haja
um númeroo elevado de militares: dos dezesseis cargos, onzeo
ocupados por militares.
18o era somente por meio da participação nos órgãos e comissões específicos
da área que o domínio militar se apresentava. Uma análise das demandas do
presidente e das decisões do Conselho de Segurança Nacional mostra isso. A
despeito deo podermos avaliar isso aqui, indícioso dados pela informação
de que Goulart consultou esse Conselho, em dezembro de 1961, sobre a defini-
ção da posição do governo quanto às concessões na área de telefonia, processo
desencadeado, como já descrevemos, pela encampação da CTN (RS) pelo go-
verno daquele Estado, à época, comandado por Leonel Brizola. A consulta, o
CSN se declarou a favor da federalização (cf. Bandeira, 1977).
Segundo explicações dadas em entrevista realizada com Quandt
de Oliveira, essa proporção, a maior do período, foi resultado da
própria formação do ministério. E que ele se estruturou a partir da
absorção dos órgãos já existentes, principalmente o Contei, tanto
que, para garantir continuidade do trabalho no setor, o presidente
desse órgão assumiu a Secretaria Geral do Ministério. Na época,
acumulou os dois cargos o coronel Pedro Leon Bastide Schneider.
Em seu depoimento, ele apontao apenas para isso, mas também
indiretamente para o poder que se concentrava no Contei, confir-
mando a hipótese levantada parágrafos atrás:
O tema [organização do Ministério das Comunicações] foi bastante
discutido e o Plenário do Contei julgou apropriado apresentar ao presi-
dente eleito Costa e Silva, que assumiria em março de 1967, sugestão de
sustar por seis meses o preenchimento do cargo de ministro das Comu-
nicações e atribuir ao Conselho a tarefa de estudar e propor, nesse pe-
ríodo, a estrutura administrativa e a organização do novo ministério.
Durante esse trabalho, a mesma pessoa acumularia os cargos de presi-
dente do Contei e de secretário-geral do ministério ... Com essa compo-
sição seria usada a experiência do Contei e esperava-se que seriam evi-
tados conflitos de poder durante o período de transição. Premido por
pressões políticas, Costa e Silva sentiu-se forçado a atendê-las e o pri-
meiro-ministro das Comunicações, Carlos Furtado Simas, assumiu o
cargo juntamente com os demais componentes do novo governo. Sua
escolha ocorreu dois dias antes da assunção e ele já encontrou preenchido
o cargo de secretário geral. (Depoimento do comandante Quandt de
Oliveira à autora em 6.1.1999, grifos nossos)
A nomeação de um civil como ministroo resultou em menor
militarização, pois os postos mais altos do ministério foram ocupa-
dos por militares. Assim, além da já mencionada secretaria geral -
órgão queo somente assessora diretamente o ministro, mas coor-
dena toda a atividade do ministério, as presidências do Dentei
(coronel Álvaro Pedro Cardoso Ávila), do DCT (general Rubens
Rosado Ferreira), da Embratel (general Francisco Augusto de Souza
Gomes Galvão), e da CTB (general Landry Salles Gonçalves) esta-
vam em mãos castrenses. Em razão dessa alta presença militar, che-
ga-se à maior participação castrense, em termos percentuais, do go-
verno Costa e Silva: 68,7%. Como avaliado no capítulo anterior, a
proporção média de militares em cargos civis para todo esse gover-
no é de
1
2%.
Isso significa que toda a estruturação do Ministério das Comu-
nicações e a formulação e primeiros passos no Plano Nacional de Te-
lecomunicações foram dirigidas por militares. A despeito deo se
poder inferir disso a total militarização da política do setor,o se
cogita, ao revés, afirmar que a interferência castrense fosse pequena.
Quanto à participação da ESG, se ela foi pequena na totalidade
da administração Costa e Silva, praticamente inexistiu no Ministé-
rio das Comunicações, pois, de todos os seus membros, apenas um,
o presidente da CTB, general Landry Salles Gonçalves (matr.
000157/52), havia freqüentado seu curso. Nem mesmo o diretor da
DISI passou pela Escola. Foi somente em 1969, quando exercia essa
função, que o general Sérvulo Mota Lima estagiou na ESG.
Na administração Garrastazu Médici, o ministro das Comuni-
cações vem das fileiras do Exército. Trata-se do coronel Hygino Cae-
tano Corsetti, que havia sido, no período imediatamente anterior à
sua escolha para o ministério, comandante da Escola de Comunica-
ções do Exército.
Tomando os mesmos cargos vistos para Costa e Silva, apenas
um permanece em mãos militares, o DCT, tansformado em Empre-
sa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), presidida por Haroldo
Corrêa de Mattos. A secretaria geral, talvez a posição mais impor-
tante na estrutura ministerial, foi ocupada por um civil até 1970,
quando o coronel Pedro Schneider voltou a assumir o cargo.
Criada durante essa gestão, a Telebras (1972) seguiria a quase
tradição de se ter militares na montagem da estrutura inicial das em-
presas de comunicação. Sua presidência seria ocupada pelo oficial
da Marinha Euclydes Quandt de Oliveira.
A presença de ex-esguianos continua sendo pequena. Até onde
pôde-se analisar, apenas o presidente da Embratel entre 1972-1974
freqüentou a Escola antes de chegar ao ministério. Da mesma forma
que para Costa e Silva, o diretor da DISI somente chegou à ESG
quando deixou o ministério, em 1974.
A partir da terceira administração militar, o número de cargos do
Ministério das Comunicações cresce bastante em razão da organiza-
ção das companhias telefônicas estaduais. Apesar deo se poder
afirmar com segurança, várias delas contaram com participação de
membros da caserna, notadamente nas diretorias de operação - con-
sideradas setor sensível à segurança nacional, mas também porque
os militares eram técnicos preparados. Porém, as presidências, até
porque eram cargos de confiança dos governadores dos Estados,
permaneciam, na maioria dos casos, em mãos civis.
A presença militar no Ministério das Comunicações na gestão
Geisel repete, em linhas gerais, a verificada para gestão Médici.
Assim, o ministro é o comandante Quandt de Oliveira, um militar
vindo da Telebras. A secretaria geral novamente é ocupada por um
civil, bem como a presidência da Telebras. Já para a ECT, o Dentei e
a Embratel,o nomeados militares, respectivamente os coronéis
Botto de Barros,
19
Ner Augusto Pereira e Haroldo Corrêa de Mat-
tos, que antes havia passado pela ECT. Na direção apontada antes, a
Telecomunicações do Amazonas S. A. (Teleamazon) foi presidida,
nesse período, pelo coronel Hélio Augusto Canongia.
Novamente o papel da ESG foi pequeno, ainda menor se lem-
brarmos que a participação de seus ex-estagiários cresceu durante a
gestão Geisel. No caso do Ministério das Comunicações, nem mes-
mo depois de já estar no ministério o diretor da DISI freqüentou a
Escola. Entre os cargos de terceiro escalão e os demais, somente um
membro do gabinete do ministro foi da ESG antes de 1974.
No último governo militar, Haroldo Corrêa de Mattos foi alçado
a ministro das Comunicações e manteve o civil Rômulo Villar Fur-
tado como secretário-geral do Ministério. Para o posto que fora do
19 A título de ilustração, registre-se que Adwaldo Cardoso Botto de Barros, um
engenheiro especialista em comunicações, é considerado o modernizador dos
Correios, dado que foi ele quem introduziu, na ECT, as modernas técnicas de
tratamento de dados e correspondência.
ministro na Embratel, é nomeado um civil, Helvécio Gilson, o que
acontece também no Dentei. Na ECT, o presidente da gestão Geisel
é mantido. Porém, a Telebras passa a ser presidida pelo general José
Antonio de Alencastro e Silva.
20
Cabe destacar que no governo Geisel é criado, por iniciativa con-
junta do MIC e do Minicom, o Grupo Interministerial de Compo-
nentes e Materiais - Geicon, cuja finalidade era assessorar as em-
presas de equipamentos de telecomunicações, que acabou funcio-
nando, segundo Maculan (1981, p.145-6), como um
eficiente canal de negociações informais, entre o Ministério e o setor em-
presarial. Para o primeiro, ele atua como uma fonte de informações valio-
sas, sobre a evolução das importações do setor, e um elemento essencial
de suas relações com outras agências governamentais, como a Cacex,
pois é consultado na emissão das guias de importações da política in-
dustrial, formulada pela Secretaria Geral do Ministério. Para o segun-
do, ela propicia às empresas a interpretação adequada das decisões mi-
nisteriais, para que elas possam enquadrar-se nas exigências expressas.
Na verdade, a relação descrita para o Geicom entre governo e
empresas do setor é comum a toda a estrutura do ministério. Tra-
tando-se de um setor cujo funcionamento é quase um monopólio -
o é diferente para outros países, mas no Brasil 98% das empresas
de eletroeletrônica eram, naquela época, multinacionais -, o proces-
so de tomada de decisões é facilitado, também porque a rotatividade
interna foi baixa durante todo o regime militar. Aliás, como já men-
cionado, o baixo grau de rotatividade na administração pública
pode ser descrito como uma política de governo, entendida esta
como um objetivo perseguido e para o qual se empenharam todos os
generais-presidentes.
Outra característica que sobressai nesta análise é que, vendo a
rotatividade nos cargos no conjunto das gestões militares, parece
20 A informação sobre o presidente da Telebras está em Herz(1985).o conse-
guimos confirmar a informação em nenhuma outra publicação. Adicional-
mente, observamos que boa parte da diretoria da Telebras foi ocupada, nesse
período, por militares.
que se estabelece um rodízio, que tem como norma a permanência,
em alguma empresa importante ou setor do ministério, de militares.
Nos cargos menos graduados (e, por isso mesmo, de mais difícil
identificação), pode-se dizer que a presença castrense é permanente,
reforçando a idéia de composição entre civis e militares na estrutu-
ração da burocracia federal.
É para esse caminho que aponta a avaliação do Ministério das
Comunicações no governo do civil José Sarney. Rompendo a cadeia
estabelecida, ele nomeia um civil para ministro, o senador Antônio
Carlos Magalhães. Todavia, diferentemente do que se poderia su-
por, o ministro faz poucas mudanças na burocracia do ministério. A
secretaria-geral, por exemplo, permanece nas mãos de Rômulo Vil-
lar Furtado, enquanto para o Dentei vai Rubens Busacos, conheci-
do funcionário que fora do gabinete de Corsetti.
Aliás, um bom exemplo de como é formada a burocracia no Bra-
sil está no acompanhamento da carreira de Rômulo Villar Furtado.
Formado em engenharia, no início de 1960 trabalhava na Standard
Eletric, uma subsidiária da americana ITT, quando foi chamado,
por Quandt de Oliveira, para o Contei, auxiliando na elaboração do
Plano Nacional de Comunicações. Depois, prestou serviços à Em-
bratel. Na gestão Médici, ocupou a então criada subsecretaria do
Ministério das Comunicações, e foi indicado, em 1973, para a presi-
dência da Telest, estatal telefônica do Espírito Santo.
Quando foi nomeado ministro, Quandt de Oliveira novamente
chamou Furtado para a secretaria geral do ministério, cargo em que
permaneceu até a extinção do setor na gestão Fernando Collor, e
quando jáo temos informação sobre ele. É de supor, entretanto,
que, como tantos outros, ele tenha voltado para a iniciativa privada
dentro do setor, ou então se aposentado.
Na gestão Fernando Collor, como já destacado, as Comunica-
çõeso absorvidas pelo Ministério da Infra-estrutura. A despeito
de quatro civis assumirem a pasta entre 1990-1992, o secretário das
Comunicações é Joel Marciano Rauber, um economista vindo da
presidência da ECT (1988-1990). Esta, por sua vez, é ocupada pelo
engenheiro José Carlos Rocha Lima (1990-1993), e para a Embratel
vai Carlos de Paiva Lopes (1990-1992), que presidia a Erickson do
Brasil quando este texto foi finalizado (1999).
Como essa análise aponta, há uma desmilitarização (no sentido
da não-permanência física de militares em postos burocráticos) da
estrutura do setor de Comunicações na passagem do governo para
mãos civis, pois os cargos mais importantes jáoo ocupados por
membros das Forças Armadas. Entretanto,o, mesmo sob Col-
lor, uma desestruturação completa do setor, com a mudança das
práticas burocráticas. Porque representam permanência, destacam-
se algumas características:
à rotatividade maior no cargo de ministroo corresponde, no
mesmo grau, a rotatividade nos cargos do setor como um todo;
a rotatividade continua sendo majoritariamente interna, isto é, a
mudança de titulares é feita por meio da nomeação de pessoas que
já trabalham na área, em empresas estatais ou privadas;
há uma predominância de engenheiros entre os que prestam ser-
viços no setor.
21
Isso intensifica o caráter fechado, às vezes corpo-
rativo, do processo de decisão, mas também responde às caracte-
rísticas técnicas da área.
Reforçando o que dissemos, as características destacadasoo
específicas do Ministério das Comunicações sob governos civis,o
foram introduzidas após a chegada de Sarney à Presidência da Re-
pública. Pelo contrário, elas desenvolveram-se paralelamente à or-
ganização do setor no Brasil. Isso fez que se estabelecesse uma rede
própria para as decisões, as quaiso formuladas e implementadas
por um conjunto pequeno mas bem preparado de técnicos, os quais,
muitas vezes,o militares.
O que mostra a análise das Comunicações no Brasil é que houve,
e até certo ponto ainda, um domínio dos militares sobre o proces-
21 Contra essa idéia, pesa o fato deo ser particular às Comunicações a predomi-
nância de engenheiros entre as profissões dos servidores públicos federais. Pelo
contrário, a pesquisa de Schneider (1991) mostrou que havia muitos engenhei-
ros na burocracia brasileira.
so de decisão do setor. Toda a política para a área, sistematizada a
partir do início dos anos 60, representa, até de forma extremada, a
associação entre Forças Armadas e desenvolvimento econômico.
Orientação queo foi introduzida pelos generais-presidentes, e
sim por Getúlio Vargas trinta anos antes - basta lembrar-se da polí-
tica petroquímica.
O domínio do processo de decisão nessa área pelos militares foi
altamente facilitado pela capacitação profissional deles. Lembre-
mos que a especialização em Comunicações é uma das necessidades
do preparo para a guerra.o existia, em contrapartida, uma de-
manda por especialistas civis na área em razão da precariedade do
desenvolvimento do setor no país. Assim, também por ter o domí-
nio do conhecimento, as Forças Armadas acabaram por orientar so-
bremaneirao só as decisões, mas também a formação (as cons-
ciências) dos civis que assumiriam o controle na área.
Isso explica, ao menos em parte,o somente a grande associa-
ção entre civis e militares no interior da burocracia pública, mas
também a estreita relação entre essa burocracia e as empresas priva-
das de telecomunicações e de eletrônica que ainda vigora no Brasil.
Também explica parcialmente o caráter endógeno da tomada de
decisões, caráter este que apenas recentemente foi quebrado, ainda
queo em sua totalidade. A referência aqui é o processo de conces-
o de canais de rádio e televisão (faixas de onda), cuja legislação
hoje estabelece (a partir de 1988) a co-responsabilidade entre Parla-
mento e Presidência da República. Ainda assim, é a partir dos pare-
ceres dos técnicos do Ministério das Comunicações que as decisões
o tomadas.
A despeito, portanto, de os governos José Sarney e Fernando
Collor terem promovido uma desmilitarização da burocracia do sis-
tema brasileiro de comunicações, mediante nomeação de civis para
cargos importantes, é possível perceber que houve continuidade no
tratamento das demandas e, em conseqüência, nas decisões imple-
mentadas, o que aponta para a existência de uma cultura interna à
burocracia que extrapola a necessidade da presença militar.
Os militares-técnicos, contudo, formados no interior da admi-
nistração pública, foram em grande parte absorvidos pelas empre-
sas que atuam na área de comunicações, isto é, continuam a exercer
sua atividade nas empresas que são, na maioria dos casos, fornece-
doras de material para as empresas da holding Telebras.
Em resumo, como salienta Maculan (1981, p.155):
O caráter fechado ao processo decisório [que é facilitado pela orga-
nização oligopolista do setor privado e o regime de monopólio na outra
ponta, a estatal], dentro da estrutura burocrática,o impede a ação do
setor empresarial, que procura obter ganhos e benefícios, através de
uma rede de relações informais com as agências, facilitada pela rotativi-
dade do pessoal do setor, entre aparelho do Estado e as empresas indus-
triais, devido à especificidade do mercado profissional.
Tudo o que dissemos, portanto, reforça a hipótese de transferên-
cia do ethos militar para a política. A baixa rotatividade, o estabeleci-
mento de metas (planejamento) que muito raramente seguem as de-
mandas de consumo etc.o traços que marcam o desenvolvimento
das telecomunicações no país eo parte dos valores militares.
Como lembrou Samuel Alves Soares (1994), o frenesi planeja-
dor, a necessidade de apresentar várias alternativas para um proble-
ma e, ao mesmo tempo, todos se renderem a uma única resposta
quando a decisão é tomada é ação típica de estado-maior, é parte do
processo de socialização militar. Quando se analisa o processo de to-
mada de decisão no Minicom, é exatamente esse tipo de ação que
prevalece. Portanto, a militarização das Comunicaçõeso se redu-
ziu à ocupação de cargos civis por militares, mas é possível perceber
que esse setor é marcado, é distinguido, pelo arraigamento (ou im-
pregnação) do ethos militar. E esse ethos, eo o político, que rege as
ações de seus técnicos.
4
OS MILITARES NA EDUCAÇÃO
A Educação e a legislação de ensino
O objetivo aquio é descrever o desenvolvimento da Educação
no Brasil. Como se sabe, esse é um assunto bastante vasto e que me-
receu ricas análises acadêmicas. Aqui, o que fazemos é tomar a legis-
lação como um modo privilegiado de avaliar como a sociedade e o
governo encaram essa temática, principalmente porque, coinciden-
temente, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação é de
1961, mesmo ano em que vem ã luz o Código Brasileiro de Comuni-
cações, aprovado em 1962.
A Educação, distintamente das Comunicações, mais que uma
política da área social de qualquer governo, é um assunto que trans-
cende os limites da administração pública, sendo uma das primeiras
áreas a sofrer com as mudanças, seja no governo seja nos regimes po-
líticos. Essa condição de área sensível - porque entendida como veí-
culo de difusão de idéias e, portanto, de formação de consciências -
levou-nos a tomá-la como um contraponto à área "técnica" (da qual
nosso exemplo é o setor de Comunicações), para apreender como os
governos militares agiram em relação a esse setor. Neste item, a in-
tenção é percorrer esse caminho por meio da análise da legislação.
Mesmo assim, deve-se ter em mente que, como o objetivo aquio é
estudar a educação, mas o ensino como um mecanismo que permite
avaliar os projetos e as ações do governo nas políticas sociais, a análi-
se das leis é um tanto superficial, pois restringe-se ao necessário às
nossas preocupações. A análise aqui se limita às partes das constitui-
ções que tratam especificamente da Educação, poiso é necessário,
dados os objetivos perseguidos, uma avaliação das cartas magnas
em sua totalidade.
Essa análise da legislação deverá mostrar mudanças na concep-
ção de ensino, que evoluiu de um assunto privativo das famílias para
um problema que deveria ser abraçado pelo Estado porque essencial
ao processo de desenvolvimento que estava em curso, e, mais recen-
temente, ainda que uma questão a ser tomada pelo Estado, a educa-
ção passa a ser encarada muito mais como um direito social que deve
ser respeitado e incentivado por todos os setores da sociedade.
A Educação nas constituições
Os direitos sociais resultaram, historicamente, de conquistas
crescentes a partir dos direitos políticos,
1
eo obstante o Estado
brasileiro ter lutado titanicamente parao ceder às reivindicações
da sociedade civil organizada e mais ainda para que tais reivindica-
çõeso se consolidassem em "direitos". Embora, hoje tais direitos
sejam rotulados como entulho deixado por um Estado paternalista e
1 "Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por
três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto
é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar
para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em re-
lação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos polí-
ticos, os quais - concebendo a liberdadeo apenas negativamente, como
não-impedimento, mas positivamente, como autonomia - tiveram como con-
seqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos
membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); fi-
nalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadureci-
mento de novas exigências - podemos mesmo dizer, de novos valores -, como
os do bem-estar e da igualdadeo apenas formal, e que poderíamos chamar de
liberdade através ou por meio do Estado..." (Bobbio, 1992, p.32-3).
estejam sofrendo uma violação sem precedentes na história do país,
a educação sempre foi objeto de nossos legisladores.
Na Constituição do Império (Campanhole & Campanhole, 1987),
a preocupação com o tema se restringe a afirmar que "a instrução pri-
mária é gratuita a todos os cidadãos" (art. 179, XXXII), e que os colé-
gios e universidades deverão ensinar ciências, belas-artes e artes. Isso
é feito no último capítulo, que é o dedicado aos direitos dos cidadãos.
Mesmo relevando quem eram os cidadãos no Império, nota-se
que a nossa primeira Carta republicanao representa um avanço
significativo. Pelo contrário, o ensino, pela omissão dos legisladores
no que lhe diz respeito, mostra que ele era encarado como uma res-
ponsabilidade exclusiva da sociedade civil. A única referência que
atinge a educação está no artigo 72, § 6
o
, que afirma que o ensino é lai-
co nas escolas públicas.
Assim, em relação às duas primeiras cartas brasileiras, a de 1934
traz mudanças significativas, elevando a educação e o ensino à cate-
goria de matéria legislativa importante, e que, portanto, merece ser
regulada. Isso também porque a educação se impunha como neces-
sária pela crescente urbanização e industrialização do país, ou seja,
tornara-se demanda do empresariado industrial.
2
O artigo 5
o
, que estabelece as competências da União, determina
que esta deverá traçar as diretrizes da educação nacional, reforçando
que os poderes públicos, em todos os seus níveis, deverão "difundir
a instrução pública em todos os seus graus" (art. 10°, VI).
o está, porém, em dar espaço à educação já nos primeiros arti-
gos da lei a sua novidade, mas sim em dedicar-lhe todo um capítulo,
e mais, traçando um quadro que aponta para a adoção de uma verda-
deira política de ensino, expressando, assim, uma nova correlação
de forças no interior do Estado brasileiro.
2 Conforme lembrou Maximiliano Vicente (afirmação oral à autora), a Federa-
ção das Indústrias do Estado deo Paulo é fundada na década de 1920, mos-
trando preocupação com o empresariado em organizar-se como industriais.
Pouco depois, no final da década seguinte, as federações industriais organizari -
am o "sistema S" de ensino (Sesi e Senai), refletindo justamente o interesse da
classe pela educação.
E assim que à educação e à culturao dirigidos os artigos 148 a
157. Podemos resumir os pontos importantes em:
E dever do governo, em todos os seus níveis, incentivar a educa-
ção e a cultura (reforçando o artigo 10° já mencionado);
A educação é direito universal e dever do Estado e da família;
A União deve complementar o ensino em todo o país, além de ter
poder fiscalizador;
A União deve elaborar o Plano Nacional de Educação que, entre
seus deveres, deverá responder à necessidade de estabelecer o
"ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória,
extensivo aos adultos" (art. 150, parágrafo único). A gratuidade
deverá ser estendida para os graus superiores de ensino paulatina-
mente;
Cria o Conselho Federal de Educação;
Ensino religioso é facultativo ao aluno, mas fará parte do horário
de aulas nos estabelecimentos de ensino primário, secundário e
equivalentes;
Um mínimo de 10% da renda da União e municípios e 20% da
renda de Estados e do Distrito Federal devem ser destinados à
educação (art. 156);
Cria um Fundo para a Educação. Esse fundoo somente seria
destinado a custear a educação, mas também merenda, transpor-
te, material escolar etc;
Garante a liberdade de cátedra e a inamovibilidade nos cargos.
Como lembra Ferreira (1986, p.13): "a Constituição deve ser o
espelho fiel da realidade, deve ser também um instrumento normati-
vo; ela deve traduzir, num plano o mais possível próximo do real,
aquilo que seria o ideal a atingir" (grifo nosso). O constituinte de
1934 buscou conciliar essas duas visões, mas, no que se restringe à
educação, o discurso superou a realidade e, até pelo curto período
em que esta Constituição teve vigência, jamais chegou-se a cumprir
a lei:o se elaborou um Plano Nacional de Educação e tambémo
houve a aplicação de recursos designados na Carta.
Issoo impediu, entretanto, que, de uma forma ou de outra, os
princípios nela contidos permanecessem em todas as outras consti-
tuições brasileiras e refletissem nas duas Leis de Diretrizes e Bases
da Educação conhecidas no período de que trata este estudo.o
que a partir de 1934o haja mais inovações, muitas delas represen-
tarão, mesmo, retrocessos no papel dos poderes públicos em relação
a ela. O que se defende aqui é que a Carta de 1934 passa a funcionar
como parâmetro tanto para avaliar quanto para normatizar os pla-
nos para o ensino nacional - exemplo eloqüente está na introdução
do ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas públicas
que permanece em todas as demais constituições brasileiras. Nessa
mesma linha, desaparece, a partir de 1934, o termo laicidade de to-
das as demais Cartas (Fávero, 1996).
Essa percepção, de modelo que assume a Carta de 1934, se con-
firma quando se analisa a Constituição de 1937. Esta, decretada em
10 de novembro, dava estrutura legal ao Estado Novo. Na parte de-
dicada à educação, vê-se o interesse do legislador (ou do ditador?)
em relacionar educação e trabalho, isto é, a educação de que trata a
Carta é a educação para o trabalho.
As conquistas de 1937o aqui restringidas às classes menos fa-
vorecidas. E assim que, embora mantenha a obrigatoriedade do en-
sino primário, a gratuidade torna-se facultativa (art. 130); o dever
do Estado resume-se a complementar o da família e busca-se unifi-
car o discurso educacional por meio da obrigatoriedade constitucio-
nal da educação física, do ensino cívico, e de trabalhos manuais em
todos os níveis e sistemas de ensino (art. 131).
Essa Carta, porém, tinha um caráter muito particular: nas pala-
vras de Affonso Arinos, era uma Constituição "imperfeita", pois ja-
mais se planejou aplicá-la. Ela somente visava fornecer uma aparên-
cia de legalidade a uma ditadura civil. É assim que a lei somente era
cumprida naquilo que condizia com a centralização do poder nas
mãos do presidente da República, criando um Executivo muito mais
forte do que os outros poderes. Dessa forma, eo somente no que se
limita à educação, ela representou um freio a todos os movimentos de
autonomia que se esboçavam no país naquele período (Mathias, 1991).
Com o final da Segunda Guerra Mundial e o movimento mundial
em favor da democracia, o Estado Novo entra em declínio e, com
isso, ganha impulso o movimento por eleições e por uma nova cons-
tituinte, o que acontece sob o governo provisório de José Linhares
que, por meio da Lei Complementar n.13, de 12 de novembro de
1945, estabelece que o Congresso eleito teria poderes constitucionais
(Benevides, 1981).
Comparado às outras cartas, o texto da de 1946 é considerado o
mais democrático. Isso se explica menos pela presença de questões
fundamentais em relação à construção da cidadania e mais porque
foi sob sua égide que vivemos um dos maiores interregnos democrá-
ticos da história do país. Apesar disso, o debate sobre educação pôde
refletir uma falta de consenso das elites sobre o tema, ao mesmo
tempo que mostrou a necessidade de que fosse elaborada uma legis-
lação específica a respeito (Freitag, 1979).
Os temas mais polêmicos presentes nas discussões constitucio-
nais giraram em torno da relação entre o Estado e as demais esferas
da vida social. É assim que, de um lado, a polarização entre Esta-
do e Igreja sobre o ensino religioso nas escolas públicas, e, de outro,
sobre a quem cabia o dever de educar, se à família ou ao Estado (Oli-
veira in Fávero, 1996).
O que ficou no texto, porém, repete a Carta de 1934, transfor-
mando os preceitos desta nos princípios daquela, resumidos no
artigo 168, que determina:
A legislação de ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino
primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino pri-
mário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário
sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III as
empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de
cem pessoas,o obrigadas a manter ensino primário gratuito para seus
servidores e os filhos destes; IV - as empresas industriais e comerciaiso
obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalha-
dores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos
dos professores; V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários
das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo
com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou
pelo seu representante legal ou responsável; VI - para o provimento das
cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exi-
gir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por con-
curso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII - é garanti-
da a liberdade de cátedra. (Campanhole & Campanhole, 1987, p.273).
Percebe-se que o grande avanço dessa Carta encontra-se na pre-
conização da necessidade de um Plano Nacional para a Educação,
consubstanciado na defesa de legislação específica que estabeleça as
diretrizes da educação nacional (art. 5
o
).
Embora vigente até 1967, a Constituição de 1946 foi bastante
mutilada a partir de 1964 - o que revela uma das peculiaridades do
regime autoritário brasileiro, no qual os militares procuraram sem-
pre lhe dar uma roupagem legal, com a edição dos atos institucionais
e complementares, ainda que isso significasse constantes agressões à
Carta Magna.
Apesar de nenhum desses tratar especificamente do ensino, cada
uma das mudanças atingiu fortemente o modo como vinha sendo
conduzida a matéria pelo país. Basta dizer que "no âmbito de atua-
ção da Lei Fundamental de 1946, a autonomia chegou até à soleira
do município. Pois bem, perfeitamente dentro da idéia do aperfei-
çoamento do processo educacional, a Constituição deu autonomia
pedagógica à esfera municipal" (Boaventura in Fávero, 1996,
p.196). Entretanto, contrariando fortemente preceitos como esse, o
governo iniciado em abril de 1964 retomou o processo de centraliza-
ção do poder no Executivo federal (repetindo de certa forma 1937).
Pode-se dizer que a Constituição de 1967
3
- aqui tomada em
conjunto a Emenda n. 1, de 1969, que, dado o volume de modifica-
ções, ficou conhecida como uma nova Constituição - foi um grande
3 A Constituição de 1967 foi fruto da transformação do Congresso Nacional em
Constituinte por meio do Ato Institucional n.4, de 7 de dezembro de 1966.
Portanto, muitos dos constituintes votaram a nova lei em final de mandato, já
queo haviam sido reeleitos. Outra peculiaridade é que esse Congresso se reu-
niu logo após seu fechamento pelo governo (outubro) e interdição do prédio por
tropas do Exército.
divisor de águas na política brasileira, o que se refletiu no capítulo
sobre educação. Corroboram essa visão algumas particularidades,
geralmente esquecidas ao se tratar da Constituição de 1967.
Como já lembrado, uma das particularidades do regime autori-
tário brasileiro foi o apetite por medidas legais dos governos. A Car-
ta de 1967 se inscreve nessa necessidade, implicando a incorporação
daquelas medidas adotadas a partir de 1964. Em segundo lugar, está
a elevação da Segurança Nacional à categoria de motivação para a
vida coletiva no Brasil. Conforme explicitamos há algum tempo,
É desta forma que todos se tornam responsáveis pela segurança na-
cional, como demonstra o Art. 89, eo responsáveis por ela sem, no
entanto, participar de sua formulação, a qual cabe ao Conselho de Segu-
rança Nacional. Este caráter de responsabilidade é ainda mais exacer-
bado pelo Art. 93 que amplia o dever dos brasileiros ao estatuiro só o
serviço militar obrigatório, mas "outros encargos necessários à segu-
rança nacional", encargos queo extensivos às mulheres e aos eclesiás-
ticos (parágrafo único). Deste modo, todos tinham dever legal de zelar
pela ordem interna e sua omissão ou ação contrária a esta ordem poderia
significar um atentado à segurança e, portanto, passível de responsabi-
lização. (Mathias, 1991, p.29)
No que tange especificamente à educação, o projeto do Executi-
vo, e que finalmente foi adotado, abandona totalmente as concep-
ções contidas na Carta de 1946, bem como princípios consagrados
do direito constitucional brasileiro (Horta in Fávero, 1996). As mu-
danças mais significativas são: restrição da obrigatoriedade de ensi-
no em termos de idade (dos sete aos quatorze anos) eo por grau de
ensino - apesar da ampliação dos anos de escolaridade obrigatória
com a criação do 1 ° grau englobando oito anos de ensino eo os
quatro do até então ensino primário -;
4
gratuidade restrita ao ensino
primário ou de primeiro grau; silencia quanto ao financiamento da
4 Na verdade, muito mais do que uma preocupação com a escolaridade do brasi-
leiro, a adoção de oito anos de ensino obrigatório representava a tentativa de
aproximação do sistema do país daquele vigente nas grandes potências, "refe-
rência e alvo do desenvolvimento" (Cunha, 1983, p.280 ss.).
educação; ambigüidade em relação à remuneração dos professores
de religião; incentivo para as empresas quanto à manutenção da edu-
cação de seus empregados e filhos destes - que será substituído pela
instituição do salário-educação em 1969 -; e a restrição velada à liber-
dade de cátedra.
5
Como diversos especialistas apontam, as discussões em torno
dos princípios constitucionais a serem adotados em 1967 e 1969 re-
presentam o embate interno ao governo entre o Ministério da Edu-
cação e o do Planejamento. Por sua vez, os textos consagrados em
ambas as cartas descrevem a vitória dos técnicos e planejadores so-
bre os educadores, como se esclarece na análise das reformas legisla-
tivas adotadas no período.
Outro tema consagrado na Carta de 1967-1969 é a relação entre
educação e trabalho. Se isso era apenas sugerido em 1937, aqui ele
volta com toda força, mostrando que à educação deveria caber a for-
mação para o trabalho como prioridade máxima, pois só assim ela
responderia à necessidade de desenvolvimento que o país abraçava.
Diante de todas as constituintes brasileiras, a de 1987-1988 foi a
que ganhou maior participação da sociedade civil, a despeito de ser
também um Congresso eo uma Assembléia Constituinte. Boa
parte da explicação disso talvez esteja nos vinte anos de regime auto-
ritário e nas limitações legais que lhe deram forma. Também explica
o porquê de a expressão de intenções ganhar relevância ante a ado-
ção de preceitos ordenadores das relações sociais.
5 A Carta de 1967 afirma a liberdade de cátedra como princípio para o ensino
(art. 168, §3°, VI). Porém, a Emenda de 1969 adota como princípio "a liberda-
de de comunicação de conhecimentos no exercício do magistério, ressalvado o
disposto no artigo 154" (art. 176, § 3
o
, VII, grifos nossos). O artigo 154, por sua
vez, estatui: "O abuso de direito individual ou político, com o propósito de
subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão da-
queles direitos [direitos e garantias individuais] de dois a dez anos, a qual será
declarada pelo Supremo Tribunal Federal...", negando, na prática, a liberdade
o só de cátedra, mas também de expressão. Quanto ao financiamento do en-
sino, aoo manter o vínculo automático de verbas orçamentárias para a edu-
cação, a lei deixava ao arbítrio dos governantes matériao sensível, o que
significou, na prática, redução das verbas do MEC no orçamento da União.
Em relação à Carta anterior (1967 e 1969), a grande mudança
está na adoção de um texto que em nada lembra o domínio da segu-
rança nacional. Ao contrário, o eixo definidor da lei agora está na
construção e no respeito à cidadania, com a ampliação de direitos e
garantias ao indivíduo. E por isso que a primeira referência à educa-
ção aparece já no capítulo II, que diz no seu artigo 6
o
: "São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previ-
dência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição".
Assim, as mudanças substanciais estão no texto tomado em sua
totalidade muito mais do que nos temas específicos. E o que se de-
preende quando se avalia o capítulo dedicado à educação. Neste,
apesar das tentativas de alargamento dos direitos, nota-se a quase
repetição dos preceitos das cartas de 1934 e 1946.
Desse modo, a Carta consagra o direito de todos à educação e o
dever do Estado e da família de proporcioná-la (art. 205), tendo
como princípios a igualdade e a pluralidade de concepções, inclusi-
ve pedagógicas - uma novidade dessa Carta; a liberdade de profes-
sores e alunos; a gratuidade do ensino fundamental e sua progressi-
vidade para o ensino médio etc.
A aplicação na totalidade dessa última lei ficou na dependência
da reformulação da Lei de Diretrizes e Bases. Como os debates em
torno dessa nova legislação se prolongaram por dez anos, permane-
ceu em vigor a Lei n. 5.692/71 naquilo queo feria a nova Consti-
tuição.
Essa síntese do quadro constitucional brasileiro permite perce-
ber uma evolução no pensamento legal sobre educação que vai de
sua autonomia em relação ao Estado à sua subordinação às necessi-
dades de formação do cidadão, passando pela sua subordinação aos
interesses do mercado. Nesse movimento, descontínuo e tortuoso,
sobressai uma certa idéia de "sístoles" e "diástoles" também a refle-
tir na educação. Nesse sentido, é pertinente a hipótese de que a le-
gislação sobre educação espelha a própria forma que assumem os di-
ferentes regimes políticos. Porém, antes de aceitar essa explicação, é
necessário avaliar as leis específicas do ensino.
As Leis de Diretrizes e Bases
Duaso as leis de ensino quem vigência no período deste es-
tudo. A 4.024/61 passa a vigorar em 1961 após dezesseis anos de
longas discussões entre especialistas e governo. Essa lei, conforme
adverte Freitag (1979), já nasce ultrapassada e reflete - tanto pelo
tempo que levou para a sua formulação quanto pelo tipo de discus-
o proposto - a falta de consenso que permeava as classes dominan-
tes do período, pois representa a conciliação entre dois projetos anti-
téticos (Mariani e Lacerda), daí os problemas que ela cria, sendo o
mais importante a "disfuncionalidade" do sistema de ensino para o
próprio sistema dominante que a lei visaria (em tese) garantir.
A outra lei feita durante o período é a 5.692/71, que é, na verda-
de, uma reforma da legislação de 1961. E, ainda seguindo os passos de
Freitag, padece de males opostos à originária. Isso porque, enquanto a
4.024/61 levou dezesseis anos para ser elaborada, a 5.692/71 ficou
pronta em menos de sessenta dias.
A despeito de ter sido elaborada em sessenta dias, a feitura da Lei
n.5.692/71 e também da 5.540/68, conhecida como Lei da Refor-
ma Universitária, foi precedida de uma série de medidas implemen-
tadas sob a direção do setor de planejamento do governo e que fica-
ram conhecidas como Acordo MEC-Usaid. Este, segundo os educa-
dores, representa a verdadeira invasão dos tecnocratas na área de
educação, substituindo, com perda de qualidade, os educadores e
especialistas na formulação de políticas de ensino. As principais
medidas do Acordo foram:
a) 26 de junho de 1964: acordo MEC-Usaid para aperfeiçoamento do
Ensino Primário; b)31 de março de 1965: acordo (Conselho de Coope-
ração Técnica da Aliança para o Progresso) Usaid para a melhoria do
ensino primário médio; c) 29 de dezembro de 1965: acordo MEC-
Usaid para dar continuidade e suplementar com recursos e pessoal o
primeiro acordo para o ensino primário; d) 5 de maio de 1966: acordo
do Ministério da Agricultura-Contap-Usaid, para treinamento de téc-
nicos rurais; e) 24 de junho de 1966: acordo MEC-Usaid, de assessoria
para expansão e aperfeiçoamento do quadro de professores de ensino
médio e proposta de reformulação das faculdades de Filosofia do Brasil;
f) 30 de junho de 1966: acordo MEC-Usaid, de assessoria para a mo-
dernização da administração universitária; g) 30 de dezembro de 1966:
acordo MEC-Inep-Contap-Usaid, sob a forma de termo aditivo dos
acordos para aperfeiçoamento do ensino; nesse acordo aparece pela pri-
meira vez, entre os objetivos, o de "elaborar planos específicos para me-
lhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior";
h) 30 de dezembro de 1966: acordo MEC-Sudene-Contap-Usaid, para a
criação do Centro de Treinamento Educacional de Pernambuco; i) 6 de
janeiro de 1967: acordo MEC-SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de
Livros)-Usaid, de cooperação para publicações técnicas, científicas e
educacionais (por esse acordo, seriam colocados, no prazo de três anos,
a contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas; ao MEC e ao SNEL
caberiam apenas responsabilidades de execução, mas aos técnicos da
Usaid o controle, desde os detalhes técnicos de fabricação do livro até os
detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração, editoração
e distribuição de livros, além da orientação das editoras brasileiras no
processo de compra de direitos autorais de editores não-brasileiros, vale
dizer, norte-americanos); j) acordo MEC-Usaid de reforma do primeiro
acordo de assessoria à modernização das universidades, então substituí-
do por assessoria do Planejamento do ensino superior, vigente até 30 de
junho de 1969; k) 27 de novembro de 1967: acordo MEC-Contap-
Usaid de cooperação para a continuidade do primeiro acordo relativo à
orientação vocacional e treinamento de técnicos rurais; 1) 17 de janeiro
de 1968: acordo MEC-Usaid para dar continuidade e complementar o
primeiro acordo para desenvolvimento do ensino médio. (Cunha,
1988,p.33-4)
O período entre 1965 e 1970 foi marcado, mundialmente, pela
discussão em torno da educação e do ensino. Entre os fatores que
contribuíram para colocar o tema na ordem do dia estão as revoltas
estudantis de maio de 1968 na Europa. No Brasilo foi diferente.
Contudo, enquanto lá fora houvesse o engajamento de toda a socie-
dade na discussão, levando de dois a quatro anos para encontrar
uma solução ainda que provisória para as políticas educacionais,
aqui a reforma do ensino foi feita às pressas por especialistas do go-
verno nomeados para essa finalidade. Nesse aspecto, o grupo de tra-
balho constituído pela Presidência da República para elaborar a
proposta de reforma de ensino de 1° e 2
o
graus era composto pelo pa-
dre José de Vasconcelos (presidente), Valnir Chagas (relator), Ader-
bal Jurema, Clélia de Freitas Capanema, Eurides Brito da Silva, Ge-
raldo Bastos da Silva, Gildásio Amado, Magda Soares Guimarães e
Nise Pires.
Segundo Saviani (in Garcia, 1978), é essa diferença na discussão
das duas Leis de Diretrizes e Bases que aponta para o caráter liberal
da primeira, de 1961, e a tendência tecnicista da segunda, de 1971.
Também pode ser creditado a essa origem o fato de a Lei n. 5.692/71
ser mais pragmática e objetiva que a 4.024/61, que repete muitos
dos preceitos da Constituição de 1946. Porém, essa última é mais
abrangente, estabelecendo os princípios que regem todo o ensino
nos seus diferentes graus, enquanto a 5.692/71 jáo trata da edu-
cação universitária - que havia sido reformada em 1968 por meio da
Lei n.5.540/68.
Nessa mesma direção, a reforma de 1971 é muito mais explícita
no que se refere à relação entre educação e trabalho. Se na Lei
n.4.024/61 isso estava apenas em germe, na 5.692/71 constitui o
principal objetivo a ser atingido pelo ensino: a preparação para o tra-
balho, conforme está escrito no seu artigo 1
o
O que foi reforçado
pela instituição do ensino profissionalizante no 2° grau (art. 4
o
, §
3
o
),
6
com início da introdução das disciplinas nas duas últimas séries
do 1
o
grau com caráter de "sondagem de aptidões" (art. 5
o
, §2°, letra
"a"), e, mais explicitamente, pela responsabilidade que assume o
poder público em fazer avaliações periódicas para estabelecer cursos
e volume de vagas para o 2° grau em razão das necessidades do mer-
cado (art.5
o
, § 2
o
, letra "b").
Sob inspiração dessa lei, houve ainda a redução das disciplinas
humanistas para dar lugar tanto à obrigatoriedade do ensino de edu-
cação moral e cívica, programas de saúde e educação artística (art.
T e Decreto-Lei n.869/69), quanto à formação especial profissio-
nalizante.
6 O ensino profissionalizante deixou de ser obrigatório para o 2
o
grau em 1982,
por iniciativa do CFE e foi regulamentado pela Lei n.7.044, de 18.10.1982.
Em poucas palavras, a lei de 1961, refletindo o próprio momento
histórico de que também foi um dos produtos, parece muito mais
democrática e abrangente, também porque se recusa a legislar sobre
todos os aspectos e graus de ensino, instituindo a autonomia dos
Conselhos Estaduais de Educação, aos quais caberia a fixação dos
princípios específicos da educação nas regiões. Trata-se de uma lei
mais geral em comparação com sua sucessora e que reflete a ideolo-
gia daquele momento. Da mesma forma, a Lei n. 5.692/71 espelha a
necessidade de controle, estabelecendo a doutrina do currículo, que
se traduz na existência de um conjunto disciplinar e programático
comum aos diferentes Estados do país, e em um controle maior do
centro sobre o conjunto.
Nessa mesma direção, as diversas medidas adotadas pelo gover-
no entre 1964 e o estabelecimento das leis de reforma do ensino visa-
vam acima de tudo ao disciplinamento educacional. Para citar ape-
nas alguns exemplos, há o Decreto-Lei n.477, que institui o jubila-
mento - como forma de contornar a democratização introduzida
pela organização do vestibular -, e o Decreto-Lei n.869, que torna
obrigatório o ensino da Educação Moral e Cívica em todos os níveis
de ensino, este último instituído pela junta militar em setembro de
1969.
7
A Educação no discurso
e na política governamental
Se as políticas de comunicação foram objeto de importantes mo-
dificações durante a vigência do governo militar, a educação sempre
foi palco de preocupações dos governantes, fazendo dela reflexo de
7 Lembremo-nos de que o ensino de Moral e Cívica há muito vinha sendo pensa-
do, tendo havido diversas intervenções nesse sentido nas discussões do Conse-
lho Federal de Educação, bem como nos Estaduais, desde sua criação. A
não-introdução dessa disciplina mostra a falta de consenso que cercava a dis-
cussão, o que talvez explique a sua transformação em disciplina obrigatória
para todos os níveis de ensino por meio de um decreto da junta militar.
seus objetivos políticos. É assim que em praticamente cada governo
tem-se uma reforma de ensino. Desse modo, sob a batuta dos mili-
tares, o ensino de 1° e 2° graus conhecerá sua décima reforma só no
período republicano. As anteriores foram as seguintes: Benjamim
Constant (1890); Amaro Cavalcanti (1892); Epitácio Pessoa (1901),
Rivadávia Corrêa (1911); Carlos Maximiliano (1915); João Luiz
Alves (1925); Francisco Campos (1931); Gustavo Capanema
(1942); LDB (1961); (Germano, 1994); e o ensino universitárioo
foi esquecido pelo governo dos militares.
Por isso mesmo, é possível considerar essas reformas como a ver-
dadeira política pública de educação, entendendo por isso, confor-
me já expressado, o conjunto de ações ou intenções dos governantes
com relação a determinada área. No caso específico aqui discutido, a
política de educação é composta pelo conjunto de medidas que obje-
tivam mudanças nessa matéria.
Da mesma forma que já feito para Comunicações, a análise da
política de educação no período 1963-1990 será baseada em três
orientações. Na falta de um plano nacional de educação, avalia-
ram-se as reformas introduzidas no ensino durante o período mili-
tar, mas considerando que estas se iniciaram no governo civil. De-
pois, para saber qual a posição da educação nas prioridades gover-
namentais, tomaram-se os planos econômicos e os discursos presi-
denciais. A partir dessas três variáveis, pôde-se alinhavar o que foi
a Política Pública de Educação e como a visão militar de mundo
nela refletiu, e, portanto, qual foi a influência das Forças Armadas
nessa área.
As reformas no ensino
Se a ênfase ao tratar da legislação de ensino recaiu sobre o 1
o
e 2
o
graus, neste item, até para evitar repetições, sublinha-se a educação
universitária e, conseqüentemente, a sua reforma, introduzida jus-
tamente em 1968, mesmo ano em que o governo baixou o AI-5.
No governo João Goulart, especialmente no seu último período,
as questões relativas às reformas de base ocupavam a ordem do dia.
Entre as propostas, figurava a reforma do ensino, com destaque para
a educação superior.
Sendo a reforma do ensino prioridade de governo, este permitiu
a instalação no país de uma comissão da United States Agency for
International Developement (Usaid), que, diferentemente do que
prevaleceu mais tarde, tinha por tarefa avaliar a situação do ensino
no Brasil a partir de uma série de pesquisas estatísticas (Stepan,
1975, p.168).
A despeito deo ter sido capaz de levar a cabo suas idéias, con-
substanciadas no Plano Trienal de Desenvolvimento, muitas das
propostas do presidente João Goulart acabam por influenciar o go-
verno de seus sucessores. Na Educação, foi o que aconteceu. Um
exemplo é que no famoso Comício da Central, realizado em 13 de
março de 1964, Goulart anuncia as reformas de base, entre elas está
a reforma do ensino universitário, que assegurava "plena liberdade
de ensino" e abolia a vitaliciedade de cátedra, medidas estas adota-
das pelos governos militares (Bandeira, 1977).
Aliás, havia consenso quanto à necessidade das reformas, e, portan-
to, estas independiam do poderoso de plantão. A percepção insuspeita
do governo inglês corrobora essa afirmação. Segundo o embaixador
Sir Leslie Fry, em avaliação para seu governo datada de 6.4.1964,
Eu estou certo de que a maioria dos brasileiros está aliviada com o
afastamento do Sr. Goulart e seu séquito, composto apenas de extre-
mistas e oportunistas. O país, de uma maneira geral, estava cansado de
sua administração vacilante e cada vez mais preocupado com sua pro-
pensão indigna por demonstrações de esquerda. No entanto, sem dúvi-
da, existe um forte sentimento de que algumas das reformas que o pre-
sidente defendia - mas que fez muito pouco para implementá-las - de-
veriam ser adotadas, pois existem crescentes expectativas a serem aten-
didas. (apud Cantarino, 1999, p.130)
A despeito de a lei que institui a reforma universitária datar de
1968, várias medidas a antecedem eo formuladas desde a primei-
ra hora do governo militar. Em continuidade aos trabalhos iniciados
durante o governo João Goulart, a Usaid elabora um relatório que
ganha o nome de seu presidente, Atcon (1966); o governo edita os
Decretos-Lei n.53, em 1966, e 252, em 1967, definindo as bases da
reforma; a elaboração de alguns projetos de extensão universitária
que posteriormente seriam implementados, tais como o Crutac, o
Rondon e o Mauá (1966); cria ou estimula comissões e fóruns de
discussão a respeito do tema, como a Comissão Meira Mattos
(1967) e o fórum "A educação que nos convém" (1967), iniciativa
conjunta do governo, da PUC-RJ e do Jockey Club do Brasil.
Os documentos oriundos dessas iniciativas acabaram por pro-
duzir uma série de sugestões, muitas adotadas, entre as quais se des-
tacam: extinção do sistema de cátedras; introdução da organização
departamental; plano de carreira docente com introdução do tempo
integral; divisão curricular em dois ciclos, um básico e um profissio-
nalizante; integração das atividades de ensino e pesquisa; ênfase na
pós-graduação etc.
Todas essas medidas, de alguma maneira, já vinham sendo exi-
gidas pela sociedade antes de março de 1964. Tanto isso é verdade,
que se pode dizer que a reforma introduzida pela Lei n.5.540/68
fora em parte testada pela UnB, desde 1961, e pelo ITA, desde 1947.
Assim, conforme especialistas ressaltam, essas medidaso re-
presentam somente os anseios modernizadores do regime militar,
mas, antes,o ao encontro de demandas difusas presentes na socie-
dade. E o que se depreende, por exemplo, da avaliação de Florestan
Fernandes(1975, p.211), um crítico do regime, mas queo se furta
a indicar os pontos positivos da lei:
Por mais severas que sejam as críticas a serem feitas às implicações
tecnicistas (ou tecnocráticas) das orientações dominantes no GT [Gru-
po de Trabalho da Reforma Universitária], uma coisa é patente. Pela
primeira vez se tenta equacionar os problemas do ensino superior ten-
do-se em vista relações entre meios e fins, questões de custeio e de cap-
tação de recursos, problemas de crescimento e de programação ou pla-
nejamento educacionais.
Um dos graves problemas que a reforma do ensino universitário
deveria resolver era a questão dos excedentes, os postulantes a uma
vaga na universidade que, embora alcançassem a nota necessária ao
seu ingresso,o podiam entrar na faculdade, poiso havia vagas.
Isso, entretanto, foi parcialmente resolvido por vias outras queo a
própria mudança no processo de seleção. Num primeiro caso (e tal-
vez isso possa ser considerado como próximo ao projeto militar de
construção do "Brasil Potência"), aumentou-se o peso relativo das
carreiras tecnológicas em detrimento das humanidades, cumprindo
inclusive proposta da Usaid, o que explica grande parte dos protes-
tos estudantis da época. Também porque, como ressalta Fiechter
(1974, p.201), em 1966
as faculdades mais freqüentadas são, em ordem decrescente: direito, fi-
losofia, ciências sociais e letras, engenharia, economia, medicina, odon-
tologia, agronomia, arquitetura, etc. O elemento feminino representa
25% do total e se acha principalmente nas faculdades de filosofia.
Também como reflexo de uma visão militar do ensino, como ad-
mitirá Jarbas Passarinho, em entrevista realizada em 11.12.1998, e
para solucionar o problema do ensino superior,
O grupo de trabalho que elaborou o anteprojeto de reforma univer-
sitária recomendou a reforma do ensino médio como medida indispen-
sável ao crescimento "ordenado" do ensino superior. Ele devia ser pro-
fissional, passando a desviar para o mercado de trabalho um grande-
mero de demandantes potenciais dos cursos superiores. (Cunha, s. d.,
p.144)
Se entendermos por militarização a passagem de traços e valores
militares para uma dada política, então o viés que possibilita uma
avaliação disso no que se refere à educação necessariamente estará
ligado a esses dois aspectos. Ressalte-se, entretanto, que a bibliogra-
fia consultadao permite afirmar que foram somente os valores
militares que nortearam as ações arroladas. Pelo contrário, fize-
ram-se acordos e composições. Por exemplo, com referência à pro-
fissionalização do ensino de 2° grau, se Jarbas Passarinho, na época
ministro da Educação, frisa que a introdução da terminalidade foi
um traço militar, apressa-se em explicar que a sua obrigatoriedade
foi resultado da ação dos parlamentares paulistas, enfatizandoo
só o acordo entre o governo e os empresários, mas também qualifi-
cando-os: eram aqueles que necessitavam de mão-de-obra especia-
lizada que queriam o segundo grau profissionalizante. Em entrevis-
ta realizada em 1998, estas foram as palavras do senador:
a bancada deo Paulo me deteriorou a Lei. Como?so queríamos
obrigatoriedade de profissionalização.s sabíamos que 75% do alu-
nado já se encaminhava para a profissionalização. Como? Escolas nor-
mais, fazer professores; escolas técnicas federais; colégio agrícola, co-
meçava o colégio industrial, tudo isso já existia. Então,s queríamos
que a profissionalização se fizesse, isso realmente era o ideal paras ...
- talvez aí entre o cacoete militar,o é?, porque quando você é aluno
da Escola de Cadetes, eu termino pronto pra ser sargento, quer dizer, eu
aprendo que o soldado fez o cabo e o sargento. Quando eu chego na
Escola Militar, eu me preparado pra chegar a tenente e até a capitão,
como capitão sou obrigado a aperfeiçoamento e depois, se eu pretendo
chegar a general, tenho a Escola de Estado Maior. Então você pra che-
gar aqui, a ser sargento, ele deve saber o que o soldado faz, deve saber
ensinar claramente.s tínhamos a idéia de que a partir do momento
ques fazíamos completar os 8 anos, começou a 1
a
, 2
a
, 3
a
, até a 8
a
, que
aqui na 8
a
série da 5.692, quando acabasse, houvesse, de preferência,
uma profissionalização, que já seriam as escolas técnicas, as escolas nor-
mais ... pra preparar o aluno contra o infortúnio que na vida pode apare-
cer ... ele já tinha uma função. Mas, quando tornaram isso obrigatório,
quebrou a cara, porque nossa lei previa dois períodos, 8 anos no 1
o
grau
e 3 anos, e já aplicamos esses 3 anos ou 5 para fazer o 2° grau, dentro da-
quele princípio de departamentalização, que até hoje eu defendo. Eu
acho realmente que para uma economia de meios é uma coisa correta.
Bom, aí eles botaram a obrigação eo aumentaram o número de horas
... Infelizmente, foi a bancada deo Paulo.
Para revelar, entretanto, o quanto os militares influenciaram os
caminhos da Educação, os analistas costumam ir noutra direção,
qual seja, a de relacionar os objetivos dos governantes fardados com
os das classes dominantes e, dessa composição, lançar um olhar so-
bre as políticas de educação como mecanismos de construção da he-
gemonia (no sentido gramsciano do termo) e de controle social. Para
essa discussão, todas as iniciativas do governo pós-64 objetivavam,
por um lado, garantir mão-de-obra qualificada e, por outro, a ade-
o ao projeto do governo. Nessa linha de pensamento, é quase unâ-
nime entre os pedagogos a visão de que projetos como o Mobral vi-
savam muito mais engrossar o eleitorado da Arena do que resolver
ou minimizar o problema do analfabetismo. E o que defende, por
exemplo, Luis Antonio Cunha (1983). O resultado de toda a políti-
ca de educação é, então, de cunho privatizante e tecnicista (Manzine-
Covre, 1993).
No que se refere à privatização do ensino, contam ainda a favor
medidas governamentais na regulamentação do salário-educação
(Melchior, 1987). Conforme a Lei n.4.440/64, que estatui e regula-
menta o salário-educação, cabia às empresas com mais de cem em-
pregados oferecer-lhes ensino primário como também aos filhos
destes, fosse por meio de organização de salas de aulas fosse por
meio de convênios com escolas particulares; se o fizessem, elas tor-
nar-se-iam isentas daquela contribuição.
Como os conselhos e secretarias de Educação passaram, contu-
do, a ser ocupados por donos de escolas particulares, eles tinham
grande interesse em aprovar convênios que fossem benéficos às suas
empresas. Isso significou, na prática, ura desvio da ordem de 40%
dos recursos devidos, segundo dados do próprio MEC. Com isso, na
impossibilidade de angariar fundos para a educação pública, muitos
municípios privatizaram sua rede de escolas a partir de convênios
com as empresas que desviavam o dinheiro do salário-educação e
dirigiam as novas escolas. Como notam Cunha & Góes (1988,
p.45): "Foi a forma mais ousada de submeter o ensino público ao
controle do capital privado:o havia sequer a intermediação da ad-
ministração pública".
Essa prática atingiu proporções tais que o governo Figueiredo
viu-se comprimido a alterar a lei, mantendo a possibilidade de isen-
ção do salário-educação apenas para as empresas que comprovada-
mente mantivessem, elas próprias, escolas de l°grau para funcioná-
rios e filhos destes, ou por indenização direta do ensino destes em es-
tabelecimentos particulares.
A Educação no discurso oficial
A base para as teses que defendem que a educação durante o re-
gime autoritário foi privatizante e tecnicista está no discurso do pe-
ríodo, tanto aquele representado pelo setor econômico, e concretiza-
do nos planos nacionais de desenvolvimento de cada governo,
quanto o do setor político, particularmente os proferidos pelos pre-
sidentes da República.
Do ponto de vista da disciplina no interior das escolas e das prio-
ridades elegidas, é possível perceber, já em Castelo Branco, que a vi-
o compartilhada pelos membros do governo sobre educação é bas-
tante diferente da que prevalecia antes do 1
o
de abril. Porém, o mes-
moo pode ser dito em relação à necessidade de reforma do ensino
superior, de ampliação dos anos de ensino de 1
o
grau, e de sua uni-
versalização.
No Plano Trienal de Desenvolvimento (1962), além da afirma-
ção da necessidade de reforma do ensino superior, conforme já ava-
liado, e apesar dos vultosos investimentos exigidos, estabelecem-se
como meta a ser atingida até 1965 "seis anos de educação primária a
todos os brasileiros das zonas urbanas e quatro anos a todos os brasi-
leiros das zonas rurais; oportunidade de educação ginasial a 40% da
população de 12 a 15 anos e oportunidade de educação colegial a
20% da população de 16 a 18 anos" (Brasil, 1962, p.91).
Essas metaso apenas ampliadas nos governos militares, e mui-
tas delaso de fato atendidas, como a reforma universitária e a am-
pliação dos anos de escolaridade obrigatória -o para seis anos, e
sim para oito anos. Mas, como já indicado, é na ênfase em determi-
nados aspectos que se percebem as nuanças. Os governos militares,
ao se referirem à educação, procurarão mostrar que a escola é local
de ensino e aprendizado profissional, jamais de exercício da política
(mais recentemente, cidadania). O espaço reservado para esta no in-
terior das academias deve se restringir aos cursos de Moral e Civis-
mo. Castelo Branco (1967, p.75) é claro a respeito:
8
Desenvolto era o impasse estudantil... Graças, porém, a um esforço
determinado e bem orientado, foi possível desmascarar-se a tutela do
dinheiro e as agências de subversão. Vitalizou-se o ensino, restabele-
ceu-se a autoridade das direções escolares, e a quase totalidade dos alu-
nos se encontra efetivamente voltada para o ensino e os problemas que
lheso pertinentes. (grifos no original).
O caráter mais profissional e técnico que deveria adquirir o ensi-
no, principalmente nos graus médio e superior, a terminalidade que
deveria ter o ensino médio e o resgate dos analfabetoso temas
usuais dos discursos do período. E a educação voltada para o traba-
lho, seu caráter profissionalizante que dará, portanto, o principal
viés pelo qual se afirmará que o governo militar tem uma visão tec-
nicista do ensino. Tanto assim que, segundo Couto (1999, p.88-9),
no primeiro ano do governo Costa e Silva,
Prosperaram as manifestações populares organizadas principal-
mente por estudantes, que pedem melhores condições de ensino e pro-
testam contra o acordo firmado no governo anterior. Trata-se de enten-
dimento celebrado entre o Ministério da Educação e Cultura- MEC e a
Usaid ... [O acordo] envolvia recursos financeiros, material de ensino
etc, e também a mudança da concepção vigente de ensino universitá-
rio. A idéia-chave é a de universidade-empresa, a abordagem de que o
objetivo do ensino superior é formar técnicos para o desenvolvimento.
(grifos nossos)
A prioridade do governo do general Costa e Silva é o desenvolvi-
mento, e todo o seu programa é perpassado por essa idéia. Especifi-
8 Segundo esclarece em discurso de 9.12.1966, a Educação Moral e Cívica, restrita
ao ensino primário, deveria ser alargada para os demais graus de ensino, como de
fato o foi pela Lei n.770, de outubro de 1968. Essa lei criou as disciplinas de Edu-
cação Moral e Cívica (para as seis primeiras séries de ensino); Organização Social
e Política do Brasil (sétima e oitava séries e ensino médio) e Estudos dos Proble-
mas Brasileiros (ensino superior), cujo conteúdo curricular seria definido pelo go-
verno federal, independentemente do processo de descentralização do ensino.
camente no ensino superior, com a reforma universitária, diversas
carreiraso criadas, principalmente na área das engenharias, sem-
pre tendo por objetivo formar os jovens para o desenvolvimento,
como esclarece o seguinte trecho de um discurso seu:
Já a partir de 1969, como solução possível para o problema dos ex-
cedentes, o aumento do número de vagas será concentrado em carreiras
prioritárias para o desenvolvimento econômico e social, sobretudo em
quatro áreas: Magistério de nível médio; Medicina e outras carreiras li-
gadas às necessidades da saúde pública, tais como Bioquímica, Odon-
tologia e Enfermagem; Engenharia, principalmente de Operação e car-
reiras curtas, de nível superior. (Costa e Silva, 1983, 2-II, p.457)
Como corolário da política de treinamento para o mercado, pas-
sou a funcionar nesse governo o Projeto Rondon, que, apresentado
como uma forma de auxílio às populações carentes e de integração
nacional, funcionava, para os estudantes, como um estágio para a
formação recebida. Nos demais graus de ensino, lançaram-se as ba-
ses do Mobral e da reforma do ensino de 1
o
e 2
o
graus, e criou-se a
Fundação Nacional do Material Escolar (Fename), concretizados
no governo seguinte.
Se a idéia-chave do ensino sob Castelo Branco é a ordem, e sob
Costa e Silva, o desenvolvimento, poder-se-ia afirmar que a união
de ambas terá seu ponto alto no governo do general Médici - o obje-
tivo do governo é o "desenvolvimento acelerado e sustentado", o
que significa, no campo psicossocial, prioridade para a educação de
mão-de-obra:
Dentro em breve estaremos realizando uma grande campanha de
alfabetização e iniciando as obras de construção, em diferentes partes
do território nacional, de mais de duas dezenas de ginásios voltados
para o trabalho.
Simultaneamente, estaremos ampliando e aperfeiçoando o sistema
universitário, instaurando centro de pesquisa (sic!) e estimulando o ad-
vento de uma mentalidade tecnológica e científica indispensável à for-
mação de um "know-how" brasileiro. (Médici, 1971, p.77)
No governo Geisel,, aparentemente, uma mudança de eixo. A
prioridadeo é criar novos programas ou inaugurar universida-
des,
9
mas recolocar a questão da gestão do ensino; isto é, ao governo
federal cabiam as grandes linhas do ensino, e seus investimentos de-
veriam ser para a educação superior, ficando os municípios com o 1
o
grau e os Estados com o 2
o
grau.
, talvez até em conseqüência da crise econômica que se avizinha-
va, uma desaceleração de programas antes prioritários, como o Mobral,
e um chamamento para que a iniciativa privada assumisse seu papel
(D'Araújo & Castro, 1997). Nesse aspecto, faz sentido a passagem do
MEC para o Ministério do Trabalho, da responsabilidade sobre o "sis-
tema s" (Senai, Senac, Sesi) com a criação do Sistema Nacional de
Formação Mão-de-Obra (SNFMOR) (Germano, 1994, p.187).
A idéia-força de Figueiredo, como apresentada em seu discurso
de posse, é reafirmo,
10
e quer enfatizar a continuidade em relação ao
seu antecessor. Nesse sentido, no campo da educação, a única novi-
dade apresentada em sua gestão foi o fim do ensino profissionalizan-
te de 2° grau, revogado pela Lei n.7044/82. A continuidade entre as
duas gestões implicou a ênfase na relação ensino-trabalho, procu-
rando mostrar que, apesar de revogada a profissionalização compul-
sória no 2
o
grau, a educação deveria seguir as orientações do merca-
do. Deveria continuar a prevalecer a escola-funcional, particular-
mente no ensino universitário.
Os economistas denominaram os anos 80 de "década perdida",
querendo com isso afirmar que houve um estancamento econômico
do Brasil em diferentes setores, como emprego, renda, crescimento
etc. No mundo, vivia-se uma nova fase de reestruturação da força de
trabalho em resposta à nova revolução tecnológica, exigindo adap-
tações na formação dos trabalhadores, e que, necessariamente, teria
reflexos na educação.
9 Costa e Silva (1983, p.363) se vangloriava de ter criado, em apenas um ano,
trinta novas faculdades. Ver Discurso de 5.4.1968.
10 Apenas no discurso de posse (15.3.1979), a palavra reafirmo é utilizada treze
vezes (Figueiredo, 1981, v.l, p. 1-8).
Esse movimento coincidiu com o final do governo militar, que
o quis ouo soube assumir as mudanças imprescindíveis na po-
lítica educacional. Assim, em sua gestão, Figueiredo, como já havia
esboçado Geisel, assumiu o fracasso, mesmo que parcialmente, da
política adotada a partir de 1964.
O mais significativo dessa fase aconteceu em razão das eleições
diretas para os governos estaduais em 1982. A partir da vitória de
expressivo número de candidatos da oposição, formou-se um movi-
mento em favor da descentralização das políticas públicas. Na edu-
cação, gestou-se a proposta de municipalização do ensino por meio
do estreito contato dos especialistas em educação no Conselho Na-
cional de Secretários de Educação (Consed), e da União Nacional de
Dirigentes Municipais de Ensino (Undime) (Neves, 1994, p.39-
41)." Paralelamente, trabalhadores, empresariado e Igreja organi-
zaram suas propostas de mudanças nas políticas de educação. To-
davia, todo esse debate só teve algum impacto no processo consti-
tuinte porque, no governo de José Sarney, as esperanças lançadas
com a inauguração do primeiro governo civil após vinte anos de mi-
litares-presidenteso se efetivaram no setor de educação (Neves,
1994).
As mudançaso só na política educacional, mas também de vi-
o de ensino, que nem sempre representaram avanço, como em ou-
tro momento avaliamos, foram introduzidas pela Constituição de
1988. Contudo, a efetiva aplicação da lei só veio dez anos depois,
com a promulgação da LDB.
No início desta análise foi dito que é com base nos discursos do
governo que se avalia a militarização do ensino. Para os analistas que
comungam dessa visão, houve uma gradual ruptura no ensino prati-
11 Interessante observar que a ministra da Educação do último período do gover-
no Figueiredo(1982-1985), Esther de Figueiredo Ferraz, é bastante crítica em
relação à municipalização do ensino. Em depoimento dado a nós, ela afirmou
que o grande erro da legislação de ensino adotada recentemente (1997) está
exatamente em passar a responsabilidade da educação para os municípios, pois
estes, raras vezes,m condições de assumir esse papel.
cado até 1964, prevalecendo, principalmente a partir de princípios
da década de 1970, uma visão tecnicista e privatizante do ensino,
que novamente entra em declínio em meados dos anos 80, voltando
a se notar tendências a um "humanismo reformado" quando do re-
torno dos civis ao poder. Como sintetiza Saviani,
A inspiração liberalista que caracterizava a Lei 4.024 cede lugar a
uma tendência tecnicista nas Leis 5.540 e 5.692. Enquanto o liberalis-
moe a ênfase na qualidade, ao invés da quantidade; nos fins (ideais)
em detrimento dos métodos (técnicas); na autonomia versus adapta-
ção; nas aspirações individuais ao invés das necessidades sociais; e na
cultura geral em detrimento da formação profissional, com o tecnicis-
mo ocorre o inverso ... Note-se que isto está em consonância com as
características do grupo que ascendeu ao poder a partir de 1964, dado
que este é composto de militares e tecnocratas (apud Manzine-Covre,
1993,p.211)
Tomado pelo que prevaleceu no governo Goulart, é possível
perceber uma mudança nas políticas educacionais, principalmente
no planejamento escolar e nas fontes de financiamento. Porém,
comparando-se as medidas vigentes durante o regime militar e os
governos civis posteriores, de Sarney e Collor, verifica-se que a mes-
ma visão de ensino tem vigência. Nesse sentido, se os militares se
afastaram do poder,o deixaram de influenciá-lo, ou então os civis
que ascenderam ao governo após 21 anos de regime autoritárioo
compostos pelo mesmo grupo de tecnocratas, apenas sem farda.
Dois exemplos de militarização do ensino
O processo de militarização do sistema de ensino do país tor-
na-se claro em dois projetos específicos, o Mobral e a introdução da
disciplina Educação Moral e Cívica nas escolas. Outro exemplo, mas
queo será tratado aqui, foi a ênfase emprestada à disciplina de
Educação Física. Com efeito, segundo Cunha & Góes (1988, p.80):
A técnica de controle que os militares estabeleceram fez com que
fossem abrindo caminho nas organizações voltadas para a educação-
sica e os desportos, na burocracia do Ministério da Educação - a que a
área está afeita - e fora dela. Em todos esses órgãos havia a presença ma-
ciça de militares em cargos de direção.
No que se refere à educação de adultos, a primeira experiência do
governo dos generais foi deletéria. Desde a primeira hora, a ação vi-
sou desmontar a estrutura do que fora feito por João Goulart. E as-
sim que Castelo Branco extingue o Plano Nacional de Alfabetização
(PNA - Sistema Paulo Freire) pelo Decreto n.53.886, de abril de
1964. Mesma sorte tiveram, mas sem a força da lei, o Movimento de
Educação de Base (MEB), ligado à Igreja Católica, e a campanha
"De pé no chão também se aprende a ler", ambos tiveram seus tex-
tos e livros apreendidos, cortes de verbas e seus monitores persegui-
dos e cassados.
Assim, o Mobralo nasceu no vazio, mas foi fruto de uma série
de experiências que objetivavam "livrar o país da 'sujeira' do analfa-
betismo" (ibidem), inspirando-se em experiências bem-sucedidas
de outros países, como a União Soviética.
12
Criado pelo Decreto
n.62.455/68, tinha por finalidade executar o Plano de Alfabetização
Funcional e Educação Continuada de Adolescentes e Adultos, para
o que contou com recursos da Loteria Esportiva e vários incentivos
fiscais que lhe garantiram receitas consideráveis (Melchior, 1987).
Porém, distintamente do que se planejou, nem de longe o Mobral
alcançou seus objetivos. Conforme dados do Censo de 1980, as ta-
xas de analfabetismo da população maior de quinze anos, públi-
co-alvo do Mobral, estavam em 24,5%, contra os 33,6% registrados
em 1970; ademais, o número absoluto de analfabetos havia crescido
em 540 mil pessoas.
12 Apesar deo traduzir explicitamente essa inspiração, Jarbas Passarinho, en-
o ministro da Educação, admite-a, imputando o fracasso nacional à não-con-
tinuidade do projeto, o queo aconteceu com outros semelhantes (cf. entrevista
citada).
Embora fracassado, o Mobral é um exemplo de política pública
essencialmente militar.o sem razão, Montarroyos(1982) a apre-
senta como um bom exemplo de abordagem elitista de educação,
inspirada na ESG e Adesg.
O Mobral reelabora as noções apresentadas era diferentes fóruns
sobre educação de adultos, principalmente aqueles utilizados pelo
PNA e aprovados pela Unesco, mas distanciando-se deste no seu
conteúdo, baseado fortemente na alfabetização como funcionalida-
de econômica, apontando qual a inserção que o adulto alfabetizado
deveria ter na organização social, excluindo-o, por princípio, da eli-
te culta que o havia pensado.
13
Nesse sentido,
O que largamente escapou à atenção pública até agora, é o fato de
que a política oficialo se restringe à tentativa de influenciar apenas
negativamente, isto é, através de medidas de despolitização da educa-
ção o clima político deste país, mas também positivamente, através de
atividades, cujo objetivo é o alinhamento doutrinário de grupos de
adultos considerados importantes. (Cunha & Góes, 1988, p.65)
o só no conteúdo, mas também na implantação concreta do
programa, houve participação militar. Como uma prioridade do go-
verno, quartéis e soldados foram mobilizados para auxiliar no pro-
cesso de alfabetização, constituindo eles mesmos salas de aula para a
13 Interessante observar o que pensa Passarinho a respeito do Sistema Paulo Freire:
"O outro é o que hoje todos estão batendo palma que é o do Paulo Freire. Eu me
lembro de ter visto uma cartilha dele, tinha L... A letra L era traduzida por um la-
tifundiário, gordo, com um charuto na boca, cartola; puxando um lavrador com
um chicote., preparava o cara pra fazer a formação, a capacitação política as-
sociada à alfabetização. Essaso fazíamos, nem a nosso favor, nem contra..."
(cf. entrevista citada). Porém, um trecho de um texto produzido pelo Mobral
mostra queo era bem assim, e o quanto se procurava a alfabetização como
"funcionalidade econômica": "Benedito já sabe ler e escrever/ Arranjou um em-
prego melhor/ Vai trabalhar em uma fábrica". Ou na marcha que introduzia o
Minerva no ar, produzida pelo MEC: "Eu quero saber mais./Preciso saber
mais./Minerva no Ar./ Sabendo a gente sente/ que anda pra frente/ e começa a
melhorar./ Depois que a gente estuda,/ a coisa toda muda/ e o Minerva está aí
pra ajudar./ Eu quero saber mais./ Eu quero ser alguém./ Eu cresço com o Mi-
nerva/ e o Brasil cresce também." (in Cunha, 1983, p.281-2).
educação de adultos nos rincões em que existiam "Tiros de Guer-
ra". Assim, além de definir o conteúdo do que seria a educação de
adultos, também tinham o controle, em muitos casos, de como esse
conteúdo era ministrado.
No esteio do Mobral, outros programas foram colocados em
prática, tais como o Projeto Minerva (educação a distância), o Ma-
dureza (ensino supletivo de 1
o
e 2
o
graus), a Televisão Educativa.
Todos essas políticas tinham por objetivo preparar o recém-alfabe-
tizado para uma função específica na sociedade: a de consumidor in-
tegrado (não crítico) do sistema político-econômico que o alfabeti-
zou (Jannuzzi, 1987).
Outro exemplo de política pública formulada e posta em prática
pelos militares está na introdução das disciplinas Educação Moral e
Cívica e Organização Social e Política Brasileira nas escolas. Essa
política, como já observado, vinha sendo discutida desde a Lei de
Diretrizes e Bases. Todavia, contrariamente às intenções iniciais,
foi no interior do MEC, já no governo Costa e Silva, que o projeto foi
elaborado e posto em prática.
Ao contrário das demais disciplinas escolares, o conteúdo progra-
mático desta seria elaborado pelo Conselho Federal de Educação -
CFE, auxiliado pela Comissão Nacional de Moral e Civismo, com-
posta por seis pessoas nomeadas pelo presidente da República, cujo
objetivo era "criar uma ideologia de oposição ao comunismo para ser
ensinada como disciplina curricular nas escolas do País" (Lima,
1980, p.93). Para isso, militares e civis afinados com o regime reveza-
vam-se na presidência da comissão. Conforme esclarecem Cunha &
Góes (1988, p.75),
A Comissão Nacional de Moral e Civismo reunia, entre seus mem-
bros, zelosos generais, que se articulavam com a Censura Federal, e ci-
vis militantes de direita. A primeira composição da comissão foi a se-
guinte: general Moacyr de Araújo Lopes, presidente; almirante Ary
dos Santos Rangel; padre Francisco Leme Lopes; e os professores
Elyvaldo Chagas de Oliveira, Álvaro Moutinho Neiva, Hélio de Al-
cântara Avelar, Guido Ivan de Carvalho e Humberto Grande. Este úl-
timo, veterano da ditadura varguista.
Durante todo o período de sua existência, essa comissão foi do-
minada por militares e civis de direita. Um exemplo foi a gestão Ney
Braga (um híbrido), quando a comissão foi presidida pelo integra-
lista histórico Euro Brandão. Também no CFE, era a direita que do-
minava, cabendo ao arcebispo Luciano Duarte - que coordenou a
incorporação do Movimento de Educação de Base (MEB) pelo Mo-
bral, enterrando, assim, um dos mais importantes sistemas de edu-
cação de base organizado no país - o parecer sobre as diretrizes cur-
riculares da disciplina.
Pela leitura dos livros produzidos para essa disciplina, é possível
notar que também aqui havia o "dedo da ESG".o que tenha cabi-
do a ela qualquer elaboração curricular para as disciplinas de Moral
e Civismo. Porém, os conceitos ali emitidoso uma síntese da dou-
trina de Segurança Nacional com pitadas de conservadorismo cató-
lico. Corrobora essa avaliação o fato de a ESG ter conseguido, junto
ao CFE, parecer favorável para ministrar um curso de mestrado em
Estudos de Problemas Brasileiros (como informado, a nomenclatu-
ra que Moral e Cívica recebia nas escolas superiores), curso este que
acabou por ser transferido para a Universidade Mackenzie deo
Paulo (Miyamoto, 1988, p.23 ss.).
Em resumo, do ponto de vista do conjunto das políticas imple-
mentadas,o houve diferença significativa entre governos militar
e civil. Predominou, em todos os casos, uma visão quantitativa do
avanço, isto é, a educação é entendida como cumprindo sua missão
na medida em que haja crescimento nas taxas de escolaridade, e ape-
nas no 1 ° grau;
14
prevaleceu a inércia no caso do 2° grau, com a conti-
14 O crescimento da escolaridade entre 1940 e 1980, conforme mostra Cláudio de
Moura e Castro (1986),o foi uniforme. As taxas foram: entre 1940-1950,
5,4%; de 1950-1960, 12,2%; de 1960-1970, 6,0%, e de 1970-1980, 7,9%. Assim,
a despeito de nunca ter atingido o crescimento verificado nos anos 50, houve
implementação da escolaridade no 1
o
grau, constituindo uma vitória dos go-
vernos de então. Emborao possa ser comparado com índices oficiais de esco-
larização, estes, na população entre sete e quatorze anos chegaram a 91,2%,
contra os 74,5% apurados por Moura e Castro, mas nesse caso o universoo os
maiores de dez anos.
nuidade de atendimento maior pelo setor privado, e sua não-demo-
cratização;
15
enfatizou-se a relação entre ensino-mercado, produ-
zindo-se a universidade-funcional no ensino superior.
16
Assim, no
que se refere ao ensino formal e seriado,o se pode visualizar com
segurança a militarização do ensino. Esta, como se procurou mos-
trar, restringiu-se a projetos específicos e datados no tempo.
A presença militar na administração da Educação
Nesta parte do texto, a intenção é avaliar como aconteceu a ocupa-
ção de cargos nos órgãos de decisão da área de Educação. Trata-se de
perceber se houve uma ampliação da presença de membros das For-
ças Armadas, particularmente no Ministério da Educação (MEC) e
no Conselho Federal de Educação (CFE) a partir de 1964, e qual o
sentido dessa ocupação.
Considerando a totalidade dos governos militares, nota-se que a
influência militar, tomada a partir da presença castrense nos órgãos
de decisão, foi antes indireta; isto é,o houve uma "invasão" do mi-
nistério pelos militares. Apesar disso, percebe-se a presença contínua
de algum militar nos órgãos de decisão, incluindo alguns ministros
oriundos da área militar. No CFE, ao revés, os militares jamais tive-
ram assento, o queo impediu que influenciassem nas decisões.
No governo João Goulart, vale para o MEC o que já foi discutido
para o conjunto do governo; isto é, os poucos militares que ocupa-
vam cargos faziam-no porque eram afinados com o governo, eo
porque usavam farda. Todas as seis pessoas queo chamadas a as-
15 Em estudo que realizamos em 1989, mostramos que o índice de escolarização
no 2" grau no Brasil era o menor em relação aos países classificados no mesmo
grupo que o Brasil pelo Banco Mundial, ficando em 35% (Seade, 1989, espec.o
capítulo "São Paulo no contexto internacional", p. l17-8).
16 O conceito é de Marilena Chaui (1999) e significa que, diferentemente da uni-
versidade clássica, voltada para a produção do saber, a universidade funcional
adapta-se às exigências do mercado de trabalho, e, portanto, sua finalidade é a
produção rápida de profissionais qualificados para esse mercado.
sumir o MEC entre 1961 e 1964, por exemplo,o civis e contavam
com reconhecimento de seus serviços em educação.
Uma característica que merece ser registrada é o grande número
de ministros que passaram pelo MEC. Na gestão Goulart, foram
seis. Todavia, issoo cessou no período militar. Já foi destacado
que os generais-presidentes, até para passar a imagem de estabilida-
de, procuravam manter baixa a rotatividade nos cargos de primeiro
escalão (Nunes, 1978). Entretanto, no MEC isso pareceo ter sido
possível, pelo menos no primeiro momento pós-64. Tanto é que
Castelo Branco quase repetiu a cifra de Jango, pois teve cinco minis-
tros da Educação. Já Costa e Silva teve somente um ministro da
Educação, o mesmo acontecendo com Médici. Ernesto Geisel teve
dois, e Figueiredo, três. Esses números sobem com Sarney, repetin-
do o número de Castelo Branco, e Fernando Collor teve dois minis-
tros da Educação, sem ter cumprido o seu próprio mandato.
Para perceber a evolução da presença militar nos órgãos de deci-
são, o mais fácil é analisar a composição do CFE, pois esse órgão,
criado em 1961 (Lei n.4.024), foi instalado nesse ano e atravessou
todos os governos de interesse para a análise, até ser extinto pela
Constituição de 1988. Apesar deo ser um órgão executivo, e sim
normativo, e ser responsável apenas pela discussão da política de
educação superior, abrigava "pessoas de notável saber e experiência
em educação" escolhidas diretamente pelo presidente da República
para um mandato de seis anos (cf. Horta, 1982). Em contrapartida,
como se perceberá, nem sempre o registro das ações e mesmo dos
membros do CFE condiz com a realidade, o que dificulta a avaliação
de como eram tomadas as decisões no período. Apesar disso, essa
será uma das fontes utilizadas.
Assim, a composição do CFE durante a gestão do ministro Júlio
Sambaquy (21.10.1963 a 6.4.1964) dividia-se entre acadêmicos e
políticos. Entre os primeiros, estavam: Celso Kelly (secretário-geral
do CFE), Abgar Renault, Ajadil de Lemos, Alceu Amoroso Lima,
Anysio Spíndola Teixeira, Celso Cunha, Deolindo Couto, Durme-
val Trigueiros, Joaquim Faria Góes Filho, José Borges Santos, Jo-
sué Montello, Newton Sucupira, e Valnir Chagas.
Pela simples leitura dos nomes, percebe-se que grandes educa-
dores sentavam-se no CFE. Entre os outros onze membros, havia
três representantes da Igreja Católica (D. Cândido Padim, D. Hél-
der Câmara, e Pe. José Vieira de Vasconcellos) e oito políticos, in-
cluindo o presidente do CFE, Antônio de Almeida Júnior, mas ne-
nhum militar.
Interessante observar que Sambaquy fez carreira no MEC, e foi
durante sua gestão que se elaborou um Plano Diretor para Educação
Física e Recreação, uma disciplina que, no que se refere ao seu pla-
nejamento, era considerada responsabilidade de militares.
Como o mandato dos membros do CFE estava pela metade
quando do golpe militar, era de esperar que sua composição conti-
nuasse a mesma, havendo uma ou outra alteração apenas por ques-
tões internas ao órgão. De fato, tomando apenas pelo elenco que
assina as reuniões, isso parece ser verdadeiro. Porém, como está
nas Documenta,
17
havia pedidos de afastamento para uma única
reunião e sem justificativa, bem como a substituição de membros
sem o registro de nenhuma homenagem, como era a prática do ór-
gão, ou então o registro do nome quando este nem mesmo estava
no país.
O caso do professor Anysio Teixeira é exemplo significativo.
Como é sabido, esse jurista foi um grande educador, muito respeita-
do no meio acadêmico e um dos idealizadores do CFE. Em 1964,
além de membro desse Conselho, era reitor da UnB, demitido desse
cargo na invasão da universidade por tropas do Exército em 9 de
abril de 1964.
18
Nesse ano, cogitou-se cassá-lo já no primeiro Ato
Institucional. Dado os protestos da comunidade acadêmica, essa
açãoo se consumou, mas Teixeira, tendo recebido convite de uma
universidade norte-americana, dirigiu o pedido a Castelo Branco,
17 Publicação mensal do CFE que registra o cotidiano do órgão, incluindo suas
atas e pareceres.
18 O interventor nomeado para a UnB foi o então diretor da Faculdade de Medici-
na da USP de Ribeirão Preto, Zeferino Vaz, que, a partir de 1966, assumiria a rei-
toria e a construção da Unicamp, o que explica, em parte, o sucesso desta última.
que prontamente atendeu. Ele foi, assim, para o exterior, voltando
apenas em 1966, tornando-se consultor da Fundação Getúlio Var-
gas até seu falecimento, em 1971. Nada disso foi registrado nas Do-
cumenta, e o nome Anysio Teixeira continuou a figurar entre os
membros do CFE até 1967.
Das quatro substituições (nominais) havidas no CFE sob Flávio
Suplicy de Lacerda, nenhuma significou a troca de um civil por um
militar. Assim, o CFE continuou dominado por acadêmicos e políti-
cos. O que se nota é que esses nomesm estreita relação com o regi-
me que se procura implantar no Brasil. Assim, se eram políticos,
militaram na UDN, e depois do AI-2, na Arena; se eram acadêmicos,
faziam parte de organizações como o Iseb, ou haviam atuado na
conspiração que depôs João Goulart.
Como já informado, porém,o é agindo diretamente sobre os
órgãos de decisão formal que as Forças Armadas se fazem presentes
nas políticas de educação. De fato, a análise dos membros do CFE
leva a crer que o papel dos militares nessa área foi pequeno, pois ne-
nhum militar teve assento no órgão, e poucos foram chamados para
suas reuniões. Em contrapartida, três militares assumiram o MEC
como ministros no período, e deles dependeu boa parte das nomea-
ções para comissões e grupos de estudo.
Como anteriormente exposto, o ensino no Brasil a partir de 1964
começa a ser reformado de alto a baixo, processo que somente terá
um ponto final dez anos depois. Para a promoção dessas mudanças,
o governo militar faz uso principalmente de grupos e comissões téc-
nicas, retirando, por essa via, a responsabilidade do CFE e de seus
congêneres estatais. Issoo quer dizer, entretanto, que muitos des-
ses gruposo tenham funcionado no interior do MEC, e nem que
excluíssem os funcionários da burocracia. Porém, a nomeação dos
seus membroso seguia as regras da própria burocracia, e sim as
necessidades políticas do grupo que estava no poder.
Sob Castelo Branco, iniciaram-se os estudos para a reforma do
ensino universitário. Para isso, além da participação direta da Usaid,
foi nomeado um grupo de trabalho (GT) composto por Tarso Dutra
(Ministro da Educação e presidente do GT), Antonio Moreira Cou-
ceiro (presidente do CNPq), padre Fernando Bastos D'Ávila, Prof.
José Lyra Filho, João Paulo dos Reis Velloso (representante do Mi-
nistério do Planejamento), Fernando Ribeiro do Val (representante
do Ministério da Fazenda), Prof. Roque Spencer Maciel de Barros,
Prof. Newton Sucupira (CFE), Valnir Chagas (CFE) e o deputado
Aroldo Leon Peres. Como se observa, nenhum dos membros era
oriundo dos meios castrenses, e, portanto, no estudo com vistas a re-
formas legaiso se nota a influência militar direta.
Assim, durante o primeiro governo militar, as informações dis-
poníveis apontam para a inexistência de militares na área de Edu-
cação. Apesar disso, sabe-se que houve nomeações de militares
para as reitorias de algumas universidades federais, como na Uni-
versidade Federal da Paraíba, onde o professor Moacyr Porto foi
substituído pelo comandante da Guarnição Federal de João Pes-
soa, coronel Athur Candal da Fonseca (abril de 1964), ou na Uni-
versidade Federal de Minas Gerais, para a qual foi nomeado o co-
ronel Expedito Orsi Pimenta, em substituição ao professor Aluísio
Pimenta (julho de 1964). Conseqüentemente, parece que havia
uma preferência pela indicação de membros das Forças Armadas
para postos executivos. Talvez, inclusive, para exercer um contro-
le maior sobre os estudantes, já que eles tinham tradição de inter-
venção política.
Já sob Costa e Silva, a situação muda bastante. Se comparada à
gestão anterior, nesta há uma verdadeira militarização das institui-
ções de ensino. Assim, o governo continua a promover intervenções
nas universidades federais, nas quais normalmente eram nomeados
militares como reitores pro tempore.
19
Foi o que ocorreu, por exem-
plo, na UnB, onde o vice-reitor, capitão-de-mar-e-guerra José Car-
los Azevedo, alçou-se à reitoria em razão da saída de Zeferino Vaz,
ali permanecendo por quinze anos (Germano, 1994, p.107).
19 A nomeação cabia ao CFE. A escolha de militares para tais cargos mostra a
pouca capacidade desse Conselho em decidir sobre os rumos da educação su-
perior, como lhe cabia legalmente.
Também a comissão nomeada em 1967 para "analisar a crise es-
tudantil e sugerir mudanças no sistema de ensino" é dominada por
militares. Seu presidente é o general Meira Mattos, e dela ainda fazia
parte o coronel-aviador Waldir de Vasconcelos (secretário-geral do
Conselho de Segurança Nacional). Os outros três membros eram ci-
vis identificados com o regime: os professores Jorge Boaventura
(que ainda hoje leciona na ESG) e Hélio Gomes, e o jurista Affonso
Carlos da Veiga.
Na burocracia do MEC nesse período, havia três militares, um de-
les ocupando a DISI. Nesse caso, relativamente aos demais ministérios,
o número estava abaixo da média encontrada para o conjunto do go-
verno: 8% contra 12%. Ressalte-se que a Comissão Nacional de Des-
portos era presidida pelo general Eloy Menezes (Visão, 29.3.1968,
p.27 ss.), apontando para o fato de que os assuntos relativos à educa-
ção física sempre estiveram a cargo de militares, da mesma forma que,
como já indicado, questões relativas à moral e civismo foram dividi-
das entre representantes da Igreja e das Forças Armadas.
No governo Médici, o ministro é um militar, o coronel Jarbas
Passarinho. Embora possa ser considerado um híbrido - como eram
chamados aqueles que, originários da caserna, tinham carreiras ci-
vis -, pois também fez carreira política, esse coronel deixa claro que
o fato de ser militar sempre determinou suas decisões na vida públi-
ca.
20
E assim que o setor castrense enquista o MEC. O secretário-
geral é um coronel, como também o é o diretor da DISI. Reforçando
o já informado, a Comissão Nacional de Moral e Civismo é presi-
dida por um almirante, assim como o Conselho Nacional de Des-
portos. Porém, os setores ligados mais diretamente ao ensinoo
preservados: as diretorias de ensino permanecem em mãos civis. O
20 Um exemplo é quanto às nomeações: "Não havia indicação que partia de mem-
bros das FFAA no MEC, não. O que acontece é que, se amanhã ... por sorte
deste país for reitor em tal lugar, vai automaticamente se lembrar de quem? De
pessoas que com ele cresceram na vida acadêmica. Eu vinha do Exército. Eu ti-
nha feito Escola do Estado Maior, que é a escola máxima do Exército em si.
Então eu pensava em colegas meus cuja qualificação intelectual justificasse mi-
nhas indicações..." (entrevista com Jarbas Passarinho, 11.12.1998).
mesmo acontece com as nomeações para o Conselho Federal de
Educação.
21
Também sob Geisel, o ministro da Educação indicado é um-
brido, um militar com atuação política. Trata-se de Ney Braga, que
antes havia sido governador do Paraná e, como tal, procurara in-
fluenciar as decisões do governo federal.
22
Esse ministro ficou à
frente do MEC até maio de 1978, quando foi substituído pelo pro-
fessor Euro Brandão.
Excetuando-se o gabinete,o há grandes mudanças nos cargos
burocráticos nas duas gestões, sendo os funcionários mantidos em
suas posições originais. Também no CFE, as poucas nomeações ha-
vidas durante a gestão Geisel (1974-1979)o contemplam milita-
res. Aliás, antigos membros do CFEo chamados a assumir diver-
sos cargos no MEC, como a presidência do Conselho Federal de
Cultura, ocupada pelo ex-ministro da Educação Raymundo Muniz
de Aragão, que fora conselheiro entre 1967 e 1970.
Os cargos diretamente vinculados ao ensino, como os Departa-
mentos de Ensino Fundamental, de Ensino Médio, de Assuntos
Universitários etc.o ocupados por civis, normalmente professo-
res que fizeram carreira nos seus Estados natais; já para Conselho
Federal de Desportos, é nomeado um brigadeiro, enquanto no De-
partamento de Educação Física e Desportos assume um coronel,
que acumula a presidência da Campanha Nacional de Educação-
sica sob Ney Braga. Também é um coronel que assume a DISI e o
Serviço de Radiodifusão Educativa, o mesmo acontecendo com a
Comissão Nacional de Moral e Civismo. Neste caso, porém, o pre-
21 Emborao seja tema deste estudo, é interessante observar que, ainda que a
profissão de professor seja considerada desde há muito eminentemente femini-
na, sendo uma colocação para as moças muito antes dos movimentos feminis-
tas, é somente sob Costa e Silva que as mulheres passam a fazer parte do CFE,
com a nomeação de Esther de Figueiredo Ferraz como conselheira suplente
(abril de 1969), alçando-se em seguida a membro titular (agosto de 1970).
22 Jarbas Passarinho cita especificamente Ney Braga quando informa do jogo de
influências que presidia as nomeações de reitores das universidades federais
(cf. entrevista citada).
sidente é substituído por um civil (o professor Humberto Grande,
esguiano de 1961) quando Euro Brandão assume o MEC.
Com Figueiredo, conhece-se a última presidência sob comando
militar, e três pessoas passam pelo cargo de ministro da Educação, o
professor Eduardo Portella (1979-1980), o general Rubem Ludwig
(1980-1982) e a professora Esther de Figueiredo Ferraz (1982-1985),
a primeira e única mulher a receber tal honraria e que, segundo suas
palavras, conseguiu deixar "o segundo orçamento do governo, per-
dendo somente para Transportes", sem ter nenhuma interferência
de outros ministros ou do presidente da República em sua gestão
(entrevista, 21.5.1999).
Em relação às verbas do Ministério da Educação, é interessante
observar que há uma relação entre orçamento e prioridades gover-
namentais. Pelo menos parece ser essa a explicação para compreen-
der o porquê de as despesas fixadas para o MEC somente superarem
as destinadas ao Ministério do Exército a partir de 1976, conside-
rando-se apenas o período militar (1964-1985), embora seja nesse
ano que se apresente uma queda acentuada nessas verbas. Reforça
essa hipótese o fato de, em 1964, as verbas do MEC (9,89%) serem
superiores às do Ministério da Guerra (6,86%), bem como o mon-
tante nunca inferior aos 14% destinados ao MEC a partir de 1985.
Nesse último caso, deve-se levar em conta a Emenda Constitucional
n.24, de 1983, que estabelece que a Uniãoo pode destinar menos
de 13% de seu orçamento para a Educação. A consulta ao orçamento
da União reforça a visão de Ferraz, pois, de fato, no último período
militar as verbas destinadas ao MECo maiores do que as do início
dessa quadra histórica.
Repete-se sob Figueiredo o que já havia sido observado com
seus antecessores, isto é, as mudanças de ministrosoo acompa-
nhadas por outras na estrutura do ministério, de forma que, no geral
e excetuando-se o gabinete, permanecem no cargo os mesmos no-
mes durante todo o período.
No que se refere à nomeação de militares, a Comissão Nacio-
nal de Moral e Civismo passa novamente a ter um presidente oriun-
do das Forças Armadas, assim como a DISI. Nos demais cargos,
o nomeados civis, inclusive para a Secretaria de Educação Físi-
ca e Desportos e para o Serviço de Radiodifusão Educativa que,
como destacado, eram redutos militares. Assim, pode-se dizer
que com Figueiredo inicia-se um processo de afastamento dos mili-
tares da burocracia do Ministério da Educação, inclusive dos cargos
que tradicionalmente eram ocupados por membros das Forças
Armadas.
Para os governos dos civis José Sarney e Fernando Collor, as in-
formações recolhidas sobre os cargos de segundo e terceiro escalões
o muito escassas. Embora se tenha tentado conseguir o máximo de
dados possíveis,o se foi feliz, por exemplo, sobre o desenho do
MEC depois da reforma collorida.
Com base nas nomeações publicadas nos Diários Oficiais da
União, pode-se dizer queo há militares no MEC, nem mesmo na-
queles cargos que antes eram historicamente ocupados por indica-
ção das Forças Armadas. No CFE (extinto formalmente em 1991),
repete-se o que foi dito anteriormente, ou seja, as nomeações que
aconteceram no período foram de profissionais que tiveram alguma
projeção na área de Educação.
Os parcos dados disponíveis informam que os cargos direta-
mente vinculados ao ensino, como os departamentos e diretorias de-
dicados à elaboração e difusão das diretrizes de educação nos dife-
rentes níveis e funções,oo ocupados por membros das Forças
Armadas. Além disso, tanto na gestão Sarney quanto na de Collor,
o foram feitas nomeações de militares para o primeiro escalão. Em
outras palavras, com exceção da DISI, que continua a existir nos pri-
meiros anos do período Sarney, em nenhuma outra instância interna
ao MEC encontram-se militares.
Ressalte-se que no período de 1986, e que se estende até 1998
(doze anos!), estava em discussão, primeiro no Congresso em razão
da Constituinte, e depois no interior do MEC e na Comissão de
Educação do Congresso Nacional, uma nova legislação para a Edu-
cação. Ao que tudo indica,o houve interesse e nem interferência
militar nesse processo. Apesar disso, o ensino militar continuou a
ser autônomo, tanto em termos didático-pedagógicos quanto em
termos estruturais. Ou seja,o cabe ao MEC definir, e nem mesmo
sugerir, como deve ser a educação dos nossos futuros generais.
Ao contrário, porém, dos seus primeiros anos, o CFE foi perden-
do prestígio ao longo do período de sua existência, até porque foi es-
vaziado de muitas de suas funções. Assim, os seus membros nas
gestões em apreço, distintamente dos seus fundadores, jáom o
mesmo destaque na Educação. Ou, ao contrário, como prefere a
ex-ministra Esther de Figueiredo Ferraz, o mundo mudou, e já "não
estamos mais no período dos grandes educadores, dos Aloysio Tei-
xeira, Abgar Renauld...".
Assim, o que a análise mostra é que o número de cargos civis
ocupados por militares é muito menor do que faz crer a literatura so-
bre educação no pós-64. Talvez até porque o MEC tenha sido ocupa-
do por três ministros oriundos das Forças Armadas no período mili-
tar, criou-se um mito em torno da participação de membros da ca-
serna em cargos públicos que está, pelo menos em comparação com
os dados acessados, longe de corresponder à realidade.
Em resumo, a análise da composição do MEC apontaria para a
total desmilitarização do órgão. Porém, como muitas vezes afirma-
do ao longo deste texto,o está na ocupação direta de cargos, mas
na influência subliminar
23
a participação castrense nas decisões de
políticas governamentais. Em outras palavras, é a militarização pela
transferência do ethos militar para o processo de decisão que preva-
leceu no MEC durante o período enfocado.
O que parece ser particular à burocracia do MEC é sua formação
e um certo carreirismo (no bom sentido), pois aqueles que ocupam
cargos no órgão passam antes por outros, seja em nível federal, seja
nas outras instâncias de governo. Aliás, para ser completo, este estu-
23o se tem uma forma de "medir" a influência, qualquer que seja ela. Aqui, o
que está se afirmando é queo necessariamente a presença física é precisa. No
caso específico da "influência castrense", sua participação política, e principal-
mente sua presença nos sucessivos governos da República, facilitou uma co-
munhão de valores entre os funcionários civis e militares, com a predominância
e transferência dos valores dos segundos para os primeiros. E o que aqui é cha-
mado de militarização pela transferência de ethos.
do implicaria a análise das secretarias estaduais e respectivos conse-
lhos, pois é a partir dos órgãos estaduais que, normalmente, se cons-
trói a carreia na burocracia educacional.
Resta responder qual o papel que a Escola Superior de Guerra
desempenhou no Ministério da Educação. A julgar pelos que fre-
qüentaram seus cursos, esse papel foi praticamente inexistente. Fo-
ram muito poucos os nomes, tomando qualquer gestão, que estive-
ram ligados à ESG. Dos ministros, por exemplo, apenas um fez o
curso da ESG, trata-se de Carlos Sant'Anna (matr. 002443/73), ten-
do assumido a pasta no último período da gestão Sarney. Nem mes-
mo os militares que dirigiram a DISI passaram pelos bancos da
Escola antes de assumirem esse cargo.
Assim, o papel da ESG na estrutura do MEC, e também no CFE,
a julgar pelo número de esguianos nos cargos de decisão, foi quase
nulo. Sóo foi nulo porque, além de alguns membros civis assumi-
rem diretorias do MEC ao longo do período, muitos dos que partici-
param das comissões e grupos de trabalho, seo fizeram parte do
corpo de estudantes da ESG, nela deram cursos, ou participaram de
convênios por ela promovidos, como é o emblemático caso do pro-
fessor Jorge Boaventura.
5
FORÇAS ARMADAS, BUROCRACIA
E SISTEMA POLÍTICO
Analisou-se, nos capítulos anteriores, como se deu a ocupação
de cargos de decisão em duas áreas do Estado brasileiro, a Educação
e as Comunicações. Aqui, a intenção é, a partir de uma comparação
entre a formação e evolução dos decisores que nelas atuaram, ques-
tionar a respeito da possibilidade de generalização desses casos e,
também, discorrer sobre a forma que adquire a burocracia pública
brasileira.
Considerando o desenvolvimento do setor de Comunicações no
mundo inteiro,o é de estranhar o alto grau de envolvimento de
militares nele. As técnicas de guerra, como já foi informado, estão
intimamente ligadas às técnicas de comunicação, daí o setor, no que
se refere à própria distribuição de faixas de onda, ser considerado
questão de segurança nacional, o que implica um controle maior por
parte do governo em relação à sua administração, e, conseqüente-
mente, quando a atuação política dos militares é alta, um envolvi-
mento maior das Forças Armadas nessa gestão.
Diferentemente das determinações técnicas que envolvem as
Comunicações, a área de Educação, setor social bastante sensível
em qualquer latitude,o é uma questão técnica, ou passível de ser
tratada como tal. Entretanto, também ela, no seu fazer específico
que é a formação de cidadãos, pode ser tomada como questão de se-
gurança nacional. Todavia, aquio se leva em conta uma tarefa es-
tratégica da guerra, mas a formação de consciências, a construção
das bases de sustentação pacífica de governos.
A compreensão, portanto, das diferenças das áreas tomadas
como objeto de estudo é importante para a tentativa de entendimen-
to das diferenças e semelhanças que se traduzem nas políticas públi-
cas destas. E de supor que, ao tratar de setoreso particulares, to-
mando-os como exemplo, possa-se avaliar o conjunto do setor-
blico e, assim, compreender como se processou a real participação
dos militares na condução das políticas governamentais no período
em que as Forças Armadas tomaram para si a tarefa de governar.
Uma primeira aproximação aponta que, se nas Comunicações o
que determinou a participação dos militares foi sua experiência téc-
nica - daí o número de engenheiros que se encontravam nos diver-
sos postos ministeriais -, na Educação a carreira da maioria dos fun-
cionários se faz a partir dos governos estaduais. A participação mili-
tar, nesse caso,o está determinada pela carreira, mas, ao que tudo
indica, pela necessidade de controle sobre as decisões. E justamente
por isso que nas comissões e grupos de trabalho se encontra o maior
número de militares no período.
Como definido, há três níveis do que chamamos militarização da
administração pública. Um primeiro diz respeito à presença efetiva
de membros das Forças Armadas em postos de decisão no interior
da estrutura administrativa do Estado. Nesse caso, identifica-se o
maior ou menor grau de militarização pelo número relativo de mili-
tares ocupando cargos civis.
Tomando nesse sentido, o grau de militarização foi muito menor
no Ministério da Educação do que no das Comunicações; conside-
rando-se os cargos indiretos - como as empresas estatais ou univer-
sidades federais -, a diferença é ainda maior. Nesse caso, pode- se di-
zer queo houve uma militarização da Educação, mas houve nas
Comunicações.
Conforme foi acompanhado anteriormente, toda a montagem da
infra-estrutura de telecomunicações no país foi feita sob controle de
militares. Todas as empresas, e mesmo a estruturação do ministé-
rio, estiveram a cargo de engenheiros oriundos da caserna. Na Edu-
cação, ao contrário, houve uma espécie de enquistamento dos mem-
bros das Forças Armadas no Ministério da Educação, no qual eles
mantinham sob controle cargos que, se estavam no mesmo nível de
outros em termos burocráticos,o interferiam no que era central às
políticas de ensino nos seus diferentes graus.
Reforça essa diferença o fato de que os cargos afeitos às Comuni-
cações, mesmo quando faziam parte da estrutura de outros ministé-
rios, normalmente eram ocupados por militares. Exemplo pode ser
dado pela própria composição do MEC, no qual o Serviço de Radio-
difusão Educativa sempre contou, desde sua criação até o final do
governo militar, com coronéis como seus diretores.
Outra característica que afasta as Comunicações da Educação
está relacionada com a formação e carreira de sua burocracia. No
primeiro, além do fato de serem técnicos preparados na sua maioria
em escolas militares, a sua carreira normalmente iniciava-se em se-
tores relacionados à área de Comunicações no interior das próprias
Forças Armadas, daí podiam ser chamados para o exercício de car-
gos no ministério, ou absorvidos pela iniciativa privada - principal-
mente por empresas de microeletrônica. Desse posto, normalmente
voltavam para o ministério, muitas vezes passavam por outros ór-
gãos do primeiro escalão e, finalmente, se deixavam o serviço públi-
co, tinham colocação novamente na iniciativa privada.
1
Já os funcionários do MEC, mesmo considerando apenas os car-
gos de confiança do ministro, normalmente chegam ao terceiro e se-
gundo escalões por ascensão na carreira, seja por mérito seja por an-
tigüidade, e os queo indicados politicamenteo escolhidos den-
tro da administração de ensino. Essa é uma característica que inde-
pende de o governo ser civil ou militar. Além disso, normalmente os
que ocuparam cargos nas secretarias de Estado eram professores
que tinham passado por funções semelhantes em seus municípios
1 Vários dos presidentes da Telebras e Embratel, por exemplo, ainda hoje estão
na iniciativa privada, em cargos de direção nessas empresas, como é o caso do
engenheiro Carlos de Paiva Lopes, que presidiu a Embratel entre 1990 e 1992,
e hoje preside a Ericsson do Brasil. Informação prestada pela assessoria de im-
prensa do Ministério das Comunicações.
2 Exemplos: Pedro Demo foi secretário-geral do MEC no governo Figueiredo; Va-
mireh Chacon, membro do gabinete d; Eduardo Portella; Gamaliel Herval, secre-
tário de Ensino Superior no governo Sarney, mesmo cargo ocupado por Eunice
Durhan no governo Fernando Collor etc. (Fontes: Grupo Visão, 19.3.1990).
de origem.o por acaso, analisar os nomes desses funcionários é de-
parar com muitos de nossos próprios professores ou autores de obras
conhecidas. A carreira desses, portanto, começa e termina na adminis-
tração pública do ensino, ainda que em níveis diferentes de governo.
2
Essas afirmações podem levar a crer que cada área do governo
era estanque, queo havia rotatividade, permuta de funcionários,
e políticas comuns. Se isso fosse verdade,o haveria propriamente
um governo, mas várias instâncias independentes de formulação e
implementação de políticas públicas. Issoo é verdade. Pelo con-
trário, essa relação sempre foi bastante estreita, e ainda hoje se pode
apontar para funcionários que fizeram suas carreiras em um minis-
tério e estão prestando serviço em outro - um exemplo é dado por
Everardo Maciel, secretário da Receita Federal no governo Fernan-
do Henrique Cardoso, e que foi secretário-geral do MEC no governo
Sarney -, e políticas desenvolvidas por mais de um ministério. Mes-
mo porque, nesse último caso, há uma dependência geral de todas as
funções governamentais em relação à área econômica, como apontam
os dados orçamentários. Exemplo do estreito relacionamento entre as
áreas, em particular entre Comunicações e Educação, é dado pelo
ex-ministro das Comunicações Euclydes Quandt de Oliveira:
No período em que estive no Contei (1965-1967) tive muito contato
com o Ministério da Educação, na parte da educação por TV e o possí-
vel uso de satélite. O projeto do primeiro satélite brasileiro teve como
principal motivação seu uso para teleducação, sendo o uso em telefonia
uma atividade secundária, considerada apenas para viabilizar economi-
camente o satélite ... Quando fui para a Telebras, em 1972, retomei o
contato com esse problema, que nesse intervalo (de 1967 a 1972) fora
tratado pelo EMFA. (entrevista concedida à autora, 6.1.1999)
Nessa mesma direção, ele aponta para a grande demanda do
MEC por técnicos em comunicação, daí uma explicação para o fato
de o cargo de diretor do Serviço de Radiodifusão desse ministério ser
ocupado, na maior parte do período estudado, por militares.
Assim, tomando a militarização pela presença militar em postos
civis, ela foi maior no Ministério das Comunicações do que no da
Educação. Contudo, deve-se levar em conta que se tratava de uma
área técnica em que eram as Forças Armadas que preparavam os es-
pecialistas, daí também no MEC as demandas por esses profissionais
serem buscados no meio castrense. De um modo geral, todavia, ape-
sar do crescimento no volume de cargos no período pesquisado,o
se percebeu, nem no MEC nem no Minicom, um aumento no núme-
ro de cargos civis preenchidos por militares. Portanto, até onde foi
possível avaliar pelos dados disponíveis,o se pode afirmar com
segurança que tenha havido grandes diferenças na presença militar
nos anos pesquisados, apesar de essa participação ser relativamente
menor sob comando civil.
Na verdade, o que a análise indica é que o processo de ocupação
de cargos civis por militares na administração pública durante o re-
gime militar respondeu menos a um critério corporativo (caso em
que a premissa para a convocação para um cargo é pertencer às For-
ças Armadas) e mais a um critério de competência técnica, isto é,
quem possui um dado conhecimento domina a burocracia da área.
Portanto, sob esse aspecto, militarização é simplesmente a ocupação
de cargos tipicamente civis por membros das Forças Armadas.
Conforme antes apontado, o problema é que, até o final dos anos
60,o havia se formado um conjunto de técnicos competentes de
forma a substituir os militares por civis, daí um dos motivos pelos
quais ser no final dos governos militares que se nota a passagem para
mãos civis de instâncias antes reservadas ao meio castrense. Poder-
se-ia dizer, então, que a militarização do Ministério das Comunica-
ções, da forma como se apresentou, era funcional ao sistema políti-
co, pois mantinha o bom funcionamento da administração pública,
reforçando a estabilidade do conjunto.
Em contrapartida, tomando por referência a gestão das políticas
de cada setor, mesmo levando em conta as diferenças, percebe-se
que o grau de militarização nas Comunicações foi maior do que na
Educação, principalmente porque as políticas levadas a cabo naque-
le setor tiveram um militar à frente das decisões mais importantes (a
presidência da empresa em formação, por exemplo). Além disso,
conforme foi avaliado, a gestão do Plano Nacional de Comunicações
- talvez a única política pública para o setor - ficou a cargo dos mili-
tares em todas as suas fases, desde o projeto até a execução, incluin-
do as políticas que lhe eram correlatas. Aqui, a presença militar tem
um sentido diferente, pois, ainda que a justificativa seja a compe-
tência técnica, o modo de gerir cada setor representa, ao mesmo
tempo, um treinamento maior no setor e a impressão de valores ao
sistema, conforme informaram tanto Jarbas Passarinho quanto
Quandt de Oliveira. Especificamente sobre a questão da burocracia
no governo militar, Daland (1981, p.6) afirma que os esforços para
modernizar a burocracia falharam e
a principal razão disto é que, a despeito da criação de um sistema admi-
nistrativo, os líderes do regime vêem a reforma como um problema de
transferência de tecnologia. Na realidade, o problema é de treinamento
administrativo, de alocação de programas prioritários e de distribuição
do comportamento administrativo através da criação de uma nova es-
trutura de desempenho e incentivos... (grifo nosso)
Outra maneira de avaliar a participação militar na burocracia é
seguir as informações orçamentárias. Emborao seja o caso de
analisar os orçamentos em sua totalidade, a pesquisa empreendida
leva a crer que há uma estreita relação entre objetivos políticos e or-
çamento, muito mais até que os objetivos econômicos. É para isso
que aponta a análise das despesas fixadas para a área militar, sejam
essas despesas tomadas por ministério (das três Forças) sejam por
função (defesa e segurança). É para isso que aponta a avaliação de
Hayes(1998, p.223):
as barganhas exigidas pelo padrão do sistema político brasileiro deter-
minam a alocação orçamentária. Assim, as alocações para o pessoal civil
mostram que o movimento desta categoria reflete a natureza da barga-
nha política vigente no Brasil. Regimes civiso mais dependentes de
apoio da clientela [patronage support]. Os militares, independentemen-
te dos conflitos políticos da antiga coalizão, poderiam ignorar as de-
mandas da burocracia...
As afirmações de Hayes parecem se confirmar no que se refere
tanto à Educação quanto às Comunicações. De fato, os governos
pautam a alocação de recursos por um misto entre fatores políticos e
técnicos, tendo os primeiros maior peso nos governos civis. E o que
se verifica também quando há aumento das verbas destinadas às
Forças Armadas no governo do civil José Sarney (tratava-se de um
governo que buscava muito de seu apoio no meio castrense, num fe-
nômeno definido como relação de tutela militar). Contudo, essa
avaliaçãoo permite inferir se houve ouo militarização, trata-se
apenas de complementar as assertivas aqui apresentadas.
O segundo nível do que chamamos militarização da administra-
ção pública foi avaliado a partir da vigência, nas políticas públicas
de Educação e de Comunicações, de idéias das Forças Armadas,
consagradas na doutrina de segurança nacional, ou ainda de metas
por elas estabelecidas. Nesse caso, tomando algumas políticas espe-
cíficas, acompanhamos como as idéias de "segurança e desenvolvi-
mento", bem como os interesses geopolíticos, determinaram a ado-
ção de determinados programas.
Nesse aspecto, novamente é nas Comunicações que se notao
um grau maior e crescente de militarização no período em compara-
ção com a Educação, mas uma militarização mais aparente. No pri-
meiro caso, acompanhou-se como os discursos governamentais re-
forçam a idéia de que o desenvolvimento das telecomunicações no
país redundariam em maior segurança, tanto no sentido estrito, isto
é, maior capacidade de defesa na guerra, como no sentido lato, ou
seja, em garantia de tranqüilidade social para o desenvolvimento.
Na determinação das políticas para a educação, as doutrinas mi-
litares tiveram, até por interesse e escolha dos líderes militares, um
alcance menor e mais restrito. Apesar das reformas promovidas no
período, estas foram levadas a cabo por alianças com setores civis li-
gados ao meio acadêmico, enquanto as Forças Armadas tomaram
para si alguns aspectos muito específicos (como foi o controle sobre
as disciplinas de Educação Moral e Cívica - OSPB, EPB - e Educa-
3 Entende-se por política de clientela a relação que se estabelece entre o represen-
tante do Estado (patrono) e o cidadão (cliente), na qual o serviço ou produto
que está no centro dessa relação é tomado como algo privado do primeiro, que
só o fornece ao segundo quando este se compromete a aderir a determinado
comportamento, normalmente reforçador da relação de clientela (cf. Mastro-
paolo, "Clientelismo", in Bobbio etal., 1986, p. 177-9). Outro termo,o equi-
valente mas que talvez traduza melhor essa relação, é patrimonialismo.
4 È interessante como aqui parece permanecer a "política dos coronéis" própria do
país rural que jáo é o caso do Brasil. Analisando essa face da organização da
burocracia ministerial, lembramo-nos da pesquisa de Victor Nunes Leal, que,
embora tratasse dos compromissos eleitorais no Brasil,o se restringe a ela, pois
a prática de troca de favores parece ter extrapolado os limites da representação.
Ele informava, escrevendo na década de 1940: "A influência do chefe local nas
nomeações atinge os próprios cargos federais, como coletor, agente do correio,
inspetor de ensino secundário e comercial etc, e os cargos das autarquias (cujos
quadros de pessoalm sido muito ampliados), porque também é praxe do gover-
no da União, em sua política de compromisso com a situação estadual, aceitar indi-
cações e pedidos dos chefes políticos locais...". E ainda: "A lista de favoreso se
esgota com os de ordem pessoal. È sabido que os serviços públicos do interioro
deficientíssimos ... Sem o auxílio do Estado, dificilmente poderiam empreender
obras mais necessárias como estradas, pontes, escolas..." (Leal, 1986, p.44-5).
ção Física, ou a implementação do Mobral), capazes, entretanto, de
influenciar na construção do consenso necessário à institucionaliza-
ção do regime. Aqui, a militarização se processou a partir de idéias-
força unificadas em torno da construção do "Brasil Potência". Dis-
cursos como os das cartilhas do Projeto Minerva exemplificam isso.
Viu-se, contudo, pela análise das políticas específicas, que os mi-
litareso abandonaram, tanto na Educação quanto nas Comunica-
ções, os critérios econômicos e de apoio político como norteadores
do processo de tomada de decisões. Nesse caso, os militares que as-
sumiram o poder e/ou postos de decisão no período analisado refor-
çaram velhas práticas sob novos disfarces.
As velhas práticas talvez sobressaiam porque ambos os setores se
prestavam à política de clientela,
3
isto é, os principais recursos que
detêm o MEC e o Minicomo são, na verdade, os financeiros, mas
os humanos e ideológicos, e até certo ponto econômicos. No caso
dos recursos humanos,o há lugarejo no país queo deva contar
com uma escola ou um posto telefônico.
4
Em relação às Comunica-
ções, e como já indicado antes, há ainda os recursos que se disponi-
bilizam a partir das concessões de estações de rádio e televisão, bem
como a fiscalização que garante o controle sobre os processos de pu-
blicidade e propaganda de governo. Como discute Mattos (1985,
p.68): "A concessão de licenças para a exploração de freqüências re-
força o controle exercido pelo Estado, pelo simples fato de que tais
permissões sóo concedidas a grupos que originalmente já apóiam
as ações adotadas pelo mesmo". Por outro lado, as pressõeso exer-
cidas pelo controle das verbas publicitárias, como o exemplo regis-
trado por Marconi, que diz:
um dos mais fortes boicotes econômicos já registrados no Brasil a esta-
ções de TV ocorreu no Paraná, quando o ex-governador Paulo Pimen-
tel rompeu politicamente com Ney Braga, então Ministro da Educação
do governo Geisel. Como resultado do rompimento político, o sistema
de comunicação do Sr. Pimentel (formado por jornais e estações de-
dio e televisão) deixou de receber verbas publicitárias e todo e qualquer
tipo de subsidio proveniente do Governo do Paraná, de alguns ministérios
e de empresas estatais. (Melo, 1985, p.68, grifos nossos)
Assim, tanto na Educação quanto nas Comunicações, perce-
be-se a unificação do discurso em torno da doutrina de segurança
nacional, que se traduziu em ações como o combate ao analfabetis-
mo, uma política implementada por vários ministérios; conforme
informa Daland, (1981, p.344):
Um conceito crucial na doutrina de segurança nacional é o de inte-
gração nacional, visto como uma meta psicossocial. O termo é usado
para traduzir um processo complexo que produz uma classe de homens
que representam o cidadão ideal para o "novo" Brasil. Este homem pro-
cessa uma nova consciência, uma dignidade nacional, uma atitude pa-
triótica, um espírito cívico cooperativo. Essa atitude baseia-se nos valo-
res fundamentais da civilização brasileira [conforme entendiam os for-
muladores da doutrina] entre os quais estão a dignidade humana, liber-
dade, respeito pela família, moralidade, fé religiosa, disciplina, respeito
pelo heróis pátrios, unidade, e um sentimento por um destino comum.
Essa influência, por assim dizer, indireta, se somada ao poder re-
lativamente concentrado nos grupos de trabalho, comissões e con-
selhos dos dois ministérios analisados, informa que talvez a pene-
tração militar nos órgãos de decisãoo tenha acontecido a partir
dos cargos executores das políticas - o que equivale a dizer queo
era nos ministérios que se tomavam as decisões, ou do varejo da
administração, mas sim nos cargos de consultoria, de transformação
de demandas em políticas que concentravam o poder e a faculdade
de formular e implementar as políticas públicas. De fato, excetuan-
do-se o CFE, como já mostrado, a participação castrense nesses ór-
gãos foi significativa.
Assim, a despeito de a análise empreendida ter-se restringido às
áreas de Comunicação e Educação, é bastante provável que esse tipo
de participação castrense tenha se espalhado por toda a administra-
ção pública. Por meio desses órgãos, portanto, as Forças Armadas
faziam valer seus pontos de vista na formulação mais geral das polí-
ticas adotadas.
O que sugerem os dados, principalmente os relativos ao MEC, é
que, mais do que uma ditadura das Forças Armadas, o regime im-
plantado no Brasil a partir de 1964 era uma ditadura de classe,
5
cujas
alianças foram as verdadeiras responsáveis pelas políticas adotadas.
Nesse sentido, o estudo empreendido corrobora diversas análi-
ses que mostram que, na verdade,o houve um processo de milita-
rização da administração pública no Brasil, se entendida esta pelo
varejo das decisões governamentais. Porém, quando avaliada a par-
ticipação dos militares na determinação das grandes linhas das polí-
ticas adotadas, dos planos a serem realizados, pode-se afirmar, com
certa segurança, que, de fato, a militarização do país foi um processo
5 O termo aqui é utilizado no sentido dado por Karl Marx, isto é, como a classe
que detém o monopólio tanto econômico quanto político e ideológico em uma
dada sociedade, fazendo, pois, prevalecer seus pontos de vista na relação com
outras classes. Assim, o golpe de 1964 e o regime político que lhe seguiuo re-
presentaram um momento de "suspensão" do poder estatal, mas uma afirma-
ção de classe, que exercia seu poder por meio de alianças internas a essa classe,
excluindo as demais. Diferentemente do que afirma Marx, defende-se aqui
que 1964o significou o nascimento da ditadura de uma classe, mas um apri-
moramento da relação de poder (cf. Marx, 1995a, b). Foi Jesus Ranieri quem
chamou a atenção para a necessidade da definição.
crescente e contínuo, que, seo teve início em 1964, se acentuou, e
muito, a partir do controle do governo pelas Forças Armadas.
6
Como também apontado pelo estudo, o principal papel na for-
mulação e implementação das decisões era exercido pelos órgãos de
consultoria e assessoria. Na verdade, a explicação para isso está me-
nos em um planejamento militar para controlar, pela centralização
das decisões, toda a burocracia, e mais no fato de que esses organis-
mos funcionavam também como loci privilegiados da organização
de demandas, porque eram canais de organização e negociação de
interesses entre classes e categorias sociais (Maculan, 1981). Em ou-
tras palavras, pela mediação dessas agências, os interesses particula-
res transformavam-se em políticas públicas, anulando, assim, o pa-
pel que deveria ser exercido tanto pela estrutura burocrática formal
quanto pelo Legislativo.
Outro aspecto relevante é que as alianças promovidas no interior
das agências entre as Forças Armadas e as forças políticas tinham
um novo sentido. De fato, tanto na tomada de decisões quanto na
ocupação de cargos, os dados apontam para o rompimento entre as
Forças Armadas e seus aliados históricos, os políticos tradicionais.
Assim, o estudo aqui empreendido vai na mesma direção das con-
clusões de Dreifuss e Dulci (in Almeida & Sorj, 1984, p.98-9), que
afirmam que
Funções antes preenchidas por civis foram acumuladas pelos mili-
tares, segundo um modelo de "recepção incompleta de papéis e fun-
ções". Assumidos circunstancialmente esses papéis e funções, sua atri-
buição a militares era rotinizada pela própria experiência adquirida por
6 Contra essa avaliação, pesa o fato de que, a partir de 1974, com a reforma admi-
nistrativa realizada por Geisel, muito do poder tanto dos ministérios quanto
dos órgãos de aconselhamento passa para as mãos do Conselho de Desenvolvi-
mento Econômico, centralizando, de forma hierarquizada - pois o presidente
da República também o presidia -, as decisões econômicas e o planejamento
governamental. Nesse Conselho, como se sabe, os militareso tinham assen-
to, nem mesmo por meio dos ministros das Forças. Isso implicava, portanto, a
perda de poder decisório por parte dos militares, mesmo que estes estivessem
no governo, e reduzia, também, o poder do próprio Conselho de Segurança Na-
cional (cf. Codato, 1997).
eles ao desempenhá-los; ela assim se institucionaliza e se torna manifes-
tação estrutural do sistema. Tal recepção de papéis e funções certamente
derivava da vontade dos militares, mas advinha sobretudo de necessida-
des que eles percebiam, frente às suas críticas ao sistema anterior e à
forma de ação e de comportamento dos políticos civis...
As reformas introduzidas nos canais de elaboração de políticas e de
tomada de decisões - preparadas sobretudo no governo Castelo Branco e
para as quais o Ipes proporcionou o referencial básico - excluíam dos cen-
tros de poder os políticos tradicionais e, no mesmo passo, favoreciam a parti-
cipação dos militares, (grifos nossos)
Essa análise aponta para o terceiro nível da militarização da ad-
ministração pública, aquele denominado subjetivo porque implica
a transferência dos valores militares para o processo de decisão, de
forma tal que o que anima o comportamento dos atores e, pela trans-
ferência, o funcionamento do sistema é o seu ethos. Esse ethos, no
caso da gestão por militares, seria paulatinamente constituído pela
transferência dos valores castrenses para a administração civil de tal
forma que o ethos burocrático - e, em termos globais, o político - se-
ria a realização do ethos militar.
Nesse caso,o há como nem por que avaliar quantitativamente
a militarização da administração. O que se pode é, por inferência, e
com base no comportamento dos atores, indicar a presença de valo-
res castrenses na análise do processo de decisão. Assim, as tentativas
de eliminar o conflito, inerente às demandas que se apresentam ao
sistema político, representadas pela concentração do processo nas
agências de aconselhamento,o exemplo dessa transferência de va-
lores. Outro exemplo está na concentração das decisões em poucas
mãos, o que se exacerba na gestão Geisel, ou ainda na implementa-
ção de políticas, as quais deveriam seguir o planejado sem interfe-
rência de outras ordens.
Quando se atenta para o processo de transição do regime político,
fica ainda mais evidente a militarização pela sua vertente subjetiva. E
que, diferentemente da necessidade de devolver o controle do gover-
no aos civis, representado pelo projeto de distensão posto em prática
por Geisel e continuado por Figueiredo, a militarização da adminis-
tração pública em nenhum momento foi objeto de preocupação.
Assim, como aponta a análise,o houve uma transição no interior da
burocracia pública brasileira. A própria resistência por reformas, ine-
rente a qualquer burocracia, foi alimentada e moldada pela presença,
física, ou não, dos militares em seu interior. E possível, pois, aven-
tar-se a hipótese de que a desestruturação da administração pública
federal colocada em prática por Collor de Mello fosse uma tática des-
tinada a superar a militarização que deu forma à burocracia brasileira:
se o ethos militar passou a ser o ethos burocrático eo se tem como re-
volucioná-lo, então é mais fácil destruí-lo do que reformá-lo.
O acompanhamento da carreira de alguns atores apontou, ainda,
para a formação de uma burocracia bem treinada, tanto civil como
militar, poiso se chegava ao vértice da carreira, sem antes passar
por outros postos. Entretanto, issoo foi suficiente - eo é possí-
vel determinar se foi um projeto dos gestores militares - para impe-
dir a vigência, no próprio interior da administração, de práticas anti-
gas, como o clientelismo e o revanchismo, que continuaram a per-
mear o processo de decisão, mesmo quando o regime político erao
fechado que parecia dispensar o apoio político dos atores sociais.
A avaliação do processo de decisão, por sua vez, permite consi-
derar como se desenvolveu a burocracia no Brasil. Nesse caso, gene-
ralizando o que se estudou para Comunicações e Educação, nota-se
que a reforma administrativa (Decreto-Lei n.200/67), levada a cabo
pelo governo militar, teve pouco impacto sobre o que de fato muda-
ria substancialmente o sistema de decisões. È que, na verdade, pre-
valeceram duas características do sistema anterior. Primeiro, a ma-
nutenção nas mãos do presidente da República dos cargos de con-
fiança (os chamados Direção e Assessoramento Superior - DAS).
7
7 O modelo de distribuição de cargos que prevalece no Brasil é o horizontal, no
qual nenhum ministro tem controle absoluto sobre sua pasta, sendo os DASs
preenchidos conforme os interesses da presidência da República. Essa distri-
buição privada dos cargos públicos termina por produzir a pulverização dos
cargos e a esquizofrenia funcional no âmbito da administração cotidiana
(Andrade & Jaccoud, 1993, v.2, p.253 ss.).
Segundo, manteve a centralização normativa enquanto estimulava a
descentralização funcional.
Assim,o houve desconcentração do poder; muito pelo contrá-
rio, a modernização administrativa reforçou as características cen-
tralizadoras do sistema político, transferindo seus problemas para a
própria burocracia, daí o grande papel exercido, no que se refere à
tomada de decisões, pelo presidente da República. Isto explica, pelo
menos em parte, por que houve maior concentração de militares em
cargos diretamente vinculados à presidência da República: eram
nesses loci que se tomavam as decisões (Andrade & Jaccoud, 1993,
II, p.253 ss.).
Em outras palavras,
o que caracteriza o funcionamento do sistema burocrático brasileiro é a
coexistência de processos centralizadores e descentralizadores. A coe-
xistência de tais processos traduz-se em termos de lógicas distintas.
Centralização diz respeito ao processo de tomada de decisões, conside-
rando a burocracia governamental em seu conjunto. Descentralização
diz respeito à proliferação de esferas de competência e, portanto, à lógica
de expansão e fragmentação estrutural do aparelho burocrático. (Boschi
&Diniz, 1978,p.l04).
A explicação para as características autoritárias do sistema polí-
tico brasileiro estaria, assim, menos em traços culturais permanen-
tes e mais no sistema burocrático retroalimentador, tanto da con-
centração de poder quanto das dificuldades de lidar com o conflito,
o que foi potencializado pela presença das Forças Armadas no go-
verno, dada a natureza fechada do processo de decisões desse grupo.
Qualquer que seja o sentido da análise, no entanto, percebe-se
que a militarização da administração pública no Brasil foi menor e
mais eficiente (tomada pela divisão de trabalho entre civis e milita-
res nas áreas em que cada um era competente) do que se esperava no
início deste estudo (e pelo que sugere o senso comum). Da mesma
forma, pela concentração da análise em dois setores dessa adminis-
tração, nota-se que os líderes das Forças Armadas souberam con-
trolar sua sanha por cargos concentrando seu interesse em áreas nas
quais elas tinham competência técnica para gerir; foi o que mostrou
o maior grau de militarização nas Comunicações em comparação à
Educação.
O estudo também reforçou análises da burocracia nacional que
afirmam que, mesmo as características que parecem à primeira vista
disfuncionais - como o processualismo, a duplicação de organismos
responsáveis por dado setor, a excessiva centralização das decisões
etc. - foram, ao que tudo indica, planejadas para agir em conjunto,
de tal forma que, no final do processo, é isso que mantémo só a es-
tabilidade da burocracia, mas principalmente a do sistema político
como um todo. O preço para essa estabilidade, entretanto, é a neces-
sidade de manutenção de um regime político autoritário, ainda que
em graus diferentes do conhecido sob o governo dos generais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se procurou fazer ao longo deste estudo foi, de fato,
aprofundar os conhecimentos a respeito do regime político inau-
gurado em março de 1964, por meio da discussão do papel desem-
penhado pelos militares na formulação e implementação de políti-
cas públicas.
Iniciando como um estudo de caso, percebe-se, ao longo do tra-
balho, que, da maneira como foi abordado o tema, a análise somente
faria sentido se confrontada com o processo de constituição da buro-
cracia nacional, e, conseqüentemente, avaliando em conjunto a ad-
ministração e o governo a fim de compreender o sistema político.
Como ao longo do texto ficou explicitado, nem sempre o desejo de
transmitir informação preciosa combinou com as necessidades de
Estado, seja este central seja periférico.
Se felizes nas pretensões perseguidas, então as sucintas con-
clusões, registradas em cada capítulo,o suficientes para infor-
mar qual a visão do sistema político brasileiro aqui descrita. De
toda forma, passa-se agora a resumir os principais pontos do tra-
balho.
Em primeiro lugar, é necessário lembrar que militarização foi
definida como um fenômeno que se apresenta de três formas: 1. ela
pode ser a ocupação de cargos civis por membros das Forças Arma-
das - e, em princípio, excetuando-se os ministérios militares (que,
em si mesmos, já denotaria um altíssimo grau de militarização do
executivo federal), todos os cargos da administração públicao ci-
vis; 2. também pode ser a realização pelas políticas governamentais
das doutrinas ou idéias defendidas pelas Forças Armadas, como a
subordinação a critérios geopolíticos na adoção de um determinado
projeto; 3. por último, definimos que a transferência do ethos militar
para o universo da política também representa um processo de mili-
tarização. £ importante destacar que as diferenças entre o discurso e
a prática, pelo menos no que tange à oposição,o bem mais estrei-
tas do que se queria anos atrás.
E bom lembrar que essas três formaso parte de um mesmo
processo,o fenômenos que dificilmente se apresentam de forma
isolada, poiso interdependentes. Na análise concreta das áreas es-
colhidas, notou-se que, para o setor de Comunicações, no referente
às concessões de estações de meios de comunicação, os critérios que
determinaram a Política Pública de Comunicações caracterizaram-
se pela convivência entre as necessidades de segurança e integração
com fatores clientelísticos. Estes últimos, como discutido,o de-
terminantes na vigência de governos civis, maso desapareceram
durante os anos militares.
Tomando o exemplo do Plano Nacional de Comunicações, dis-
cutiu-se que havia uma discrepância entre o discurso oficial para a
área - no qual os valores defendidos subordinavam os ganhos eco-
nômicos às questões de segurança e integração - e as práticas assu-
midas. Nestas, avaliadas pela concentração geográfica das conces-
sões, e pela escolha e distribuição do tipo de freqüência de onda a ser
empregado em cada região, nota-se que foram os critérios econômi-
cos que presidiram as políticas adotadas.
No plano da presença de militares nos cargos civis, houve uma
concentração castrense no Ministério das Comunicações, apontan-
do para a militarização desse setor. Reforça essa idéia o fato de a pro-
porção entre militares e civis nesse setor ter-se equilibrado sob go-
vernos civis. Entretanto, outra hipótese é a de que os militares pos-
suíam preparo para assumir as Comunicações, e, ao mesmo tempo,
os civis foram sendo treinados para substituí-los, daí as diferenças
encontradas entre governos civis (pós-84) e militares.
Na área de Educação, nota-se um processo de centralização maior
das políticas governamentais no Executivo federal. Isso redundou
era um controle maior por parte do governo federal das políticas de
ensino nos seus diversos graus,o somente no ensino superior que,
como determina a lei, é responsabilidade do Executivo federal. Essa
centralização, porém, teve como principal objetivo a unificação do
discurso moral e patriótico a ser ministrado nas escolas. Assim, o
governo militar utilizava a educação formal como mecanismo de
controle social.o sem razão, portanto, é nos setores ligados à dis-
ciplina Educação Moral e Cívica que a presença militar é notada. No
MEC, durante todo o período pesquisado, as comissões e departa-
mentos ligados a essa disciplinao dirigidos por membros das For-
ças Armadas. Nos demais setores do ministério, ao contrário, con-
tinuou a predominar civis treinados nas burocracias estaduais de
ensino.
Pela análise das políticas públicas de ambas as áreas analisadas,
o se percebe um processo de militarização como o definido. Isso
o significa queo tenha havido um aumento da presença militar
na burocracia. Como mostrado, no esteio de outros estudos, essa
presença foi maior e até crescente, atingindo a quase totalidade da
burocracia governamental. Dessa forma,o foi somente por meio
do controle dos instrumentos governativos, mas também pelo con-
trole dos instrumentos burocráticos que o sistema político brasileiro
foi influenciado pelos valores castrenses.
Em resumo, a diferença maior percebida entre os governos mili-
tares e civis é que, nos primeiros, houve uma centralização maior do
poder; ou melhor, seguindo Franz Neumann (1969), uma concen-
tração maior de poder, com a política local, com seus "caciques" e
"clientelas", tendo sua autonomia cerceada. Issoo redundou, po-
rém, na superação das práticas políticas que marcam a história do
país. É como se as práticas políticas regionais ficassem em suspenso
e, quando ressurgiu a oportunidade, voltaram a funcionar. O caso
baiano é característico: o carlismo nasceu e se criou durante o regime
militar,
1
maso pôde se desenvolver. Quando os civis retornaram
ao poder, entretanto, ele viu-se com rédeas soltas, voltando a ser o
centro em torno do qual gravitam as escolhas políticas regionais e
até nacionais.
O que permaneceu, transformando-se em característica da polí-
tica nacional, foi a substituição de determinados traços, já autoritá-
rios, por outros transparentemente militares, como a prevalência da
ordem em detrimento do desenvolvimento, ou a desqualificação de
opositores,o tratados como adversários, mas como inimigos, e
que, portanto, devem ser eliminados, eo vencidos. Nesse sentido,
e como foi definido ao longo do texto, houve um processo de milita-
rização da política no Brasil pela transferência de valores nitida-
mente militares para o comando governamental. Esse processo tam-
m atingiu a administração pública, tornando-se uma das caracte-
rísticas da burocracia nacional.
A transferência de valores, no entanto, ou até por isso mesmo,
o foi suficiente para transformar a burocracia em uma "máquina
administrativa moderna", conforme defende Weber (1984). De fato,
a despeito da incorporação do ethos castrense, a burocracia continuou
a funcionar como locus privilegiado de negociação de políticas públi-
cas nos governos civis, tomando para si uma das funções precípuas
dos partidos políticos.
1 O carlismo refere-se ao fenômeno representado pela ascensão e pelo modo de
ação de Antônio Carlos Magalhães, que, seo chegou à política pelas mãos
dos militares, nela permaneceu somente por suas relações com as Forças
Armadas. O interessante, nesse caso em especial, é que a prepotência com que
o agora senador tratava seus amigos e adversários sóo foi maior por causa da
presença dos militares no poder. Quando do estabelecimento do governo civil,
sua nomeação para o Ministério das Comunicações garantiu a expansão de seu
domínio político pelo controle das concessões, e selou o relacionamento entre
ele e a Rede Globo. Outros "ismos" foram criados sob o autoritarismo militar.
Um exemplo bastante interessante, porque nascido no seio da oposição, foi o
chaguismo no Estado do Rio de Janeiro.
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SOBRE O LIVRO
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 23,7 x 42,5 paicas
Tipologia: Horley Old Style 10,5/14
Papel: Offset 75 g/m
2
(miolo)
Cartão Supremo 250 g/m
2
(capa)
1
a
edição: 2004
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Coordenação Geral
Sidnei Simonelli
Produção Gráfica
Anderson Nobara
Edição de Texto
Nelson Luís Barbosa (Assistente Editorial)
Nelson Luís Barbosa (Preparação de Original)
Carlos Villarruel e
Fábio Gonçalves (Revisão)
Editoração Eletrônica
Lourdes Guacira da Silva Simonelli (Supervisão)
Luís Carlos Gomes (Diagramação)
Impresso nas oficinas da
Gráfica Palas Athena
concessões serem governamentais. Na Educação, o
mesmo se verifica. O rígido controle político e ideo-
lógico sobre essa área se verificou de maneira acen-
tuada. O trabalho de Suzeley Mathias desvenda o
papel exercido pelos militares no controle dessas
duas instâncias, mostrando como as políticas foram
implementadas. A autorao se restringe apenas ao
período militar. Analisa um breve momento antes
que os militares assumissem o poder avançando até
o final dos anos 80, quando os civis já se encontra-
vam no controle do aparato de Estado.
O importante estudo de Suzeley mostra, ao
contrário do que correntemente se pensa, que nem
sempre apenas os fatores relacionados com a se-
gurança prevaleceram. Tanto nas Comunicações
quanto na Educação, outras variáveis foram levadas
em consideração, como a necessidade de atender
interesses clientelísticos e critérios mais econômi-
cos do que estritamente estratégicos.
Embora a presença dos militares em grande
parte da administração pública se fizesse de manei-
ra considerável, nem sempre isso se converteu em
"políticas militares", conquanto a influência do pen-
samento castrense fosse visível na burocracia gover-
namental.
Sem dúvida alguma, a presente obra é uma
grande contribuição para o entendimento de pe-
ríodo sombrio de nossa história. Esperamos que a
ela se somem novos trabalhos, com a mesma en-
vergadura, tanto da própria autora quanto de ou-
tros pesquisadores. Só assim teremos um quadro
completo que nos possibilite entender melhor o
que foram aquelas décadas.
SHIGUENOLI MIYAMOTO
Suzeley Kalil Mathias, doutora em Ciências Sociais, leciona Ciên-
cia Política nos cursos de Relações Internacionais e História da
FHDSS-UNESP - Câmpus de Franca, e no Programa de Pós-
Graduação Interinstitucional San Tiago Dantas. É autora de
Distensão no Brasil: o projeto militar (Papirus, 1995) e organizadora,
com Héctor Saint-Pierre, de Entre votos e botas: as Forças Arma-
das no labirinto latino-americano do novo milênio (UNESP 2001).
É pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança
Internacional (Gedes-Cela-UNESP) e do Grupo de Pesquisa de
Política Internacional da Unicamp.
Ao analisar as relações entre as Forças Armadas e as políti-
cas públicas, observando com maior atenção os elos entre os mi-
litares e a burocracia federal, as Comunicações e a Educação, este
livro lança novas luzes sobre o funcionamento da burocracia es-
tatal, principalmente durante o regime militar.
A pesquisa se debruça justamente sobre a ocupação de car-
gos, definidos como civis, por militares nos diferentes escalões
governamentais, nos mais distintos setores públicos, como o po-
lítico, o econômico e o administrativo. O objetivo é entender
melhor quaiso as relações entre a ocupação do poder político
do Estado pelos militares e o seu desenvolvimento burocrático-
administrativo pela implementação - ou bloqueio - de políticas
governamentais.
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